BRITO, Jonas. A Bahia Dos Calmon
BRITO, Jonas. A Bahia Dos Calmon
BRITO, Jonas. A Bahia Dos Calmon
JONAS BRITO
Salvador
2014
JONAS BRITO
A BAHIA DOS CALMON
Um ás no jogo político da I República
(1920-1926)
Orientador: ____________________________________
Prof. Dr. Antonio Luigi Negro, UFBa
Banca Examinadora:
_______________________________________________
Profª. Drª. Cláudia Viscardi, UFJF
_______________________________________________
Prof. Dr. Rinaldo Leite, UEFS
Salvador
Maio de 2014
A Minha família: Dilce Brito, Brás Meiro e Antonio Brito.
Based on private letters, diplomatic dispatches and newspapers from Salvador and Rio
de Janeiro, this survey analyses the succession in the government of Bahia (1923-24)
and in the Presidency of Republic (1921-22 and 1925-26). The first presidential
succession was contested by Nilo Peçanha (candidate of Bahia, Pernambuco, Rio de
Janeiro and Rio Grande do Sul) against Artur Bernardes (candidate of the president of
Republic Epitácio Pessoa and the others states, included Minas Gerais and São Paulo).
Nilo Peçanha, ex-senator from Rio de Janeiro, was launched by the Reação Republicana
with J. J. Seabra, governor of Bahia, as candidate to office of Vice-Presidency of
Republic. Artur Bernardes, governor of Minas Gerais, was launched by the Convenção
Nacional and had Urbano Santos, governor of Maranhão, as candidate to office of Vice-
Presidency of Republic. Remarkable as a moment of critic against the political practices
of the I Republic, this fight among the most important state elites brought political
instability, as the militaries and urban voters involved themselves in the competition.
This survey aims to indicate the importance of the Bahian elites to the rise of this crisis
and to the electoral campaign, but it also shows the division among them, reason to their
political weakening. The state succession of 1923-24 was also intensively contested by
Arlindo Leoni (candidate of Seabra) against Góis Calmon (candidate of the local
opposition). Describing the facts that brought victory to Góis Calmon, this survey
relates the state succession with the national crisis, a result of the national succession of
1921-22. The local competition doesn‟t involve only the state government and
Opposition for the office of governor, but also the new president of Republic,
Bernardes, for the definition of the role of Bahia in federal politics. Including a study of
the visit of the Italian crown prince, Umberto di Savoia, to Salvador and showing the
consolidation of the power of the brothers Góis, Miguel and Antônio Calmon at the
political leadership of Bahia, this study will indicate the importance of this state to the
political supporting of Bernardes. This importance will be showed again through the
analysis of the presidential succession of 1925-26, which occurred under influence of a
conjectural alliance between Minas Gerais and São Paulo. In this occasion, it was
launched the practically unanimous candidacies of Washington Luís (ex-governor of
São Paulo) and Melo Viana (governor of Minas Gerais), respectively to Presidency and
Vice-Presidency of Republic. The chapter shows how this alliance depends on the
political support given by the principals Brazilian states to president Bernardes. In this
moment, Calmon brothers completed its political consolidation in Bahia while
witnessed the political rise of Otávio Mangabeira.
INTRODUÇÃO........................................................................................................ 9
ABREVIATURAS........................................................................................................ 181
LISTA DE TABELAS.................................................................................................. 182
ARQUIVOS E FUNDOS.............................................................................................. 183
SÍTIOS ELETRÔNICOS COM DOCUMENTAÇÃO.................................................. 184
PERIÓDICOS CONSULTADOS................................................................................. 185
FONTES PRIMÁRIAS E IMPRESSAS....................................................................... 186
BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................... 187
Os baianos são unanimemente divergentes.
Otávio Mangabeira1
1
MANGABEIRA, Otávio. Um Período Governamental na Bahia. Salvador: Imprensa Oficial da Bahia,
1951, p. 19.
2
BANDEIRA, Manuel. Crônicas da Província do Brasil. Organização, posfácio e notas: Júlio Castañon
Guimarães. São Paulo: Cosac Naify, 2006, p. 157.
Introdução
Consuelo Novais Sampaio cunhou o termo “política de acomodação” para o
estudo da História da Bahia na I República (1889-1930).3 Encabeçada pelos membros
mais bem nascidos nas influentes famílias da sociedade local, essa política objetivava o
arranjo de interesses entre facções díspares e representativas de lideranças ou regiões,
ao passo em que tentava refrear ameaças à ordem social trazidas pela Abolição (13 de
maio de 1888) e pela República (15 de novembro de 1889). Políticos profissionais
afinados com as classes conservadoras – agricultores e criadores de gado, industriais,
financistas e comerciantes – atraíam a classe média, funcionários públicos e
profissionais liberais, enquanto deslocavam do processo formal de participação e
decisão política a maior parte da população, isto é, mulheres e homens iletrados. O
objetivo era a conquista e administração do poder estadual e sua representação na
capital federal, o Rio de Janeiro. Portanto, a política de acomodação estabelecia a
articulação e rearticulação de lideranças políticas através de acordos, em geral
entabulados por ocasião das frequentes eleições para os três níveis do Legislativo e
Executivo.
3
SAMPAIO, Consuelo Novais. Partidos políticos da Bahia na Primeira República. Uma Política da
Acomodação. Salvador: Edufba, 1998.
9
Entretanto, revelando as limitações dessa prática na Bahia, a autora esclareceu: “a
expressão política de acomodação está desprovida de qualquer quietismo que o termo
acomodação possa sugerir”.4 Mesmo quando formalizada, o conformismo e a submissão
por ela exigidos eram precários, de modo que, se ela ocasionava aproximações, não
garantia alianças por um longo período. De fato, as crises alimentavam e eram
alimentadas pelo facciosismo personalista das agremiações baianas da I República.
Como se deu em geral em todo o país, a organização de partidos ocorria em torno do
prestígio de individualidades e consequentemente de sua capacidade de atrair coligados.
Agremiações eram assim constituídas para administrar interesses grupais em jogo
durante as eleições da I República. Nessas oportunidades, os partidos eram envolvidos
por intensa atividade de confecção de chapas oficiais com candidaturas a cargos
municipais, estaduais e federais, para o Legislativo e o Executivo.
Partidos personalistas como esses eram muito sujeitos a medições de força entre
seus grandes chefes. Homens como Luiz Viana, Rodrigues Lima, Severino Vieira, José
Marcelino, Rui Barbosa e J. J. Seabra protagonizavam competições por vezes revestidas
de um aspecto tumultuado e cruento. Ao longo das brigas, os partidos oficiais
enfraqueciam-se ao perder lideranças de peso, descrentes do rodízio do poder e a partir
daí protagonistas das fileiras da oposição. Isso é evidente no caso do Partido
Republicano da Bahia (PRB), cuja cisão em 1907 é um episódio crucial para
compreender as viradas de mesa na Bahia na I República.
Criado em 1901, o PRB congregara conservadores, liberais, federalistas e
constitucionalistas, surgindo como uma agremiação dotada de estruturas mais amplas e
maior raio de ação, inclusive com certa penetração no vasto interior baiano, não apenas
o sertanejo, dada a existência de Ilhéus. Constituiu-se, nesse sentido, em instrumento
eficaz de mediação de conflitos e articulação de interesses, possibilitando a constituição
de representações unânimes no legislativo estadual e federal, além da eleição do seu
diretor José Marcelino como sucessor de Severino Vieira no governo da Bahia em 1904.
Igualmente, o partido isolava na oposição os seguidores do ex-governador Luiz Viana.
Em 1907, no entanto, Severino Vieira e José Marcelino desentenderam-se acerca
de quem deveria indicar o subsequente candidato oficial ao comando do estado. Antes,
ocorrera um acordo tácito entre os dois: Severino Vieira (o ex-governador que assumira
4
SAMPAIO, Consuelo Novais. Partidos políticos da Bahia na Primeira República. Uma Política da
Acomodação, p. 49.
10
a diretoria do partido) cuidava dos negócios políticos e José Marcelino (o ex-diretor que
assumira o governo do estado) dos administrativos. Consequentemente, por ocasião da
luta, o primeiro, à época também senador federal, controlava o PRB e recebeu adesões
da maioria dos parlamentares estaduais e federais, enquanto o segundo controlava a
máquina administrativa e contava com o apoio do senador Rui Barbosa, do presidente
Afonso Pena e de Miguel Calmon, ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas.
Enquanto Severino lançou Inácio Tosta, Marcelino indicou João Ferreira de Araújo
Pinho. Venceram Araújo Pinho e o bem relacionado e influente Marcelino, saindo
derrotados Inácio Tosta, Severino Vieira e o próprio PRB. Naufragava então a
possibilidade de um partido estadual forte e coeso na Bahia.
Cindido, o PR tornou-se incapaz de conter internamente as rivalidades entre as
facções – nos anos seguintes cada vez mais alinhadas em torno da figura conselheira de
Rui e da ascendente carreira de Seabra. Na Campanha Civilista de 1910, quando o novo
governador Araújo Pinho e José Marcelino apoiaram a candidatura oposicionista de Rui
à Presidência da República, o PRB foi abandonado por Severino Vieira e Seabra, cada
qual organizando-se em agremiações distintas para apoiar o outro candidato
presidencial, Hermes da Fonseca. A vitória do marechal e o período seguinte de
intervenções federais levaram à derrota do partido na sucessão estadual de 1911-12, que
assistiu ao triunfo de Seabra e sua nova agremiação, o Partido Democrata. Ministro da
Viação e Obras Públicas do novo presidente, Seabra só deixou o cargo ao obter a
garantia de posse no governo da Bahia, após intenso bombardeio de Salvador,
verdadeiro assédio militar com o apoio do palácio do Catete. O período seabrista –
composto de duas administrações estaduais de Seabra (1912-1916, 1920-1924)
entremeados por um mandato de Antônio Moniz (1916-1920) – seria caracterizado por
acerbas disputas entre o governo e as oposições remanescentes do PR, crescentemente
chefiadas, como já dito, por Rui Barbosa.
Objeto de estudo de Sílvia Sarmento em A Raposa e a Águia, a complicada
relação entre Seabra e Rui ganhou conotações especiais nessa fase característica da
história política da Bahia.5 Entre 1912 e 1924, o governo mostrou-se incapaz de
neutralizar os opositores, tais como Luiz Viana, Severino Vieira, José Marcelino,
Miguel Calmon, sem falar do próprio Rui Barbosa. Em simultâneo, dividida na maior
parte do tempo, essa oposição esteve submetida ao seabrismo. Teve, de todo modo,
5
SARMENTO, Sílvia. A Raposa e a Águia. Salvador: Edufba, 2011, p. 15.
11
força para reeleger seus líderes regularmente para postos parlamentares federais, além
de disposição para tramar contra Seabra na Revolta Sertaneja de 1919-20, posterior à
grande greve geral dos trabalhadores de Salvador.6
Coincidentemente ou não, assim fracionada, a Bahia foi obrigada a rigoroso jejum
ministerial, só suspendido em 1922, quando Miguel Calmon voltou a ser ministro, desta
vez na pasta da Agricultura de Artur Bernardes – sinal evidente do declínio de Seabra. 7
Na Bahia, como indicou Consuelo Sampaio, lutas de facções, ao passo em que
enfraqueceram os partidos, prejudicaram a administração do estado e sua representação
no Rio de Janeiro. O poder dos estados de influenciar ou obter recursos e cargos na
política nacional decorria de sua capacidade de exercer a autonomia garantida pelo
federalismo e de apoiar o Catete. A Bahia possuía lideranças políticas com projeção
nacional e a segunda maior bancada no Parlamento, mas, em muitas ocasiões, as
disputas entre suas elites prejudicaram uma articulação mais eficiente de tais recursos.
Igualmente, ficava em parte comprometida a capacidade do governo de defender a
autonomia do estado contra interferências federais, em especial após as crises
sucessórias presidenciais de 1909-10, de 1918-19 e 1921-22.8 Segundo Otávio
Mangabeira, usava-se a frase reproduzida na primeira epígrafe dessa dissertação para
assinalar as dificuldades de coordenação política entre as lideranças da Bahia.
Entretanto, como indicado na segunda epígrafe, esta dissertação desenvolve a
hipótese de que a discórdia e a instabilidade internas prejudicaram, mas não liquidaram
com a Bahia. Em conversa com o poeta Augusto Frederico Schmidt e o compositor
Jaime Ovalle, Manuel Bandeira ouviu a curiosa menção ao exército do Pará no Rio de
Janeiro. Segundo Ovalle, o exército era constituído por “homenzinhos terríveis”
provenientes do Norte, desejosos de obter enriquecimento ou glória literária e política
na capital da República. “Hábeis”, “audaciosos” e “dinâmicos”, Rui, Seabra, Miguel
Calmon e – em menor escala – os Mangabeira e os Moniz poderiam também ser
encarados como homenzinhos terríveis da colônia dos baianos residentes no Rio de
6
GUIMARÃES, Luciano Moura. “Ideias Perniciosas do Anarquismo” na Bahia. Lutas e Organizações
dos Trabalhadores da Construção Civil (Salvador, 1919-1922). Salvador: Ufba, 2013 (História,
dissertação de mestrado). CASTELUCCI, Aldrin Armstrong Silva. Industriais e operários baianos numa
conjuntura de crise (1914-1921). Salvador: Fieb, 2004.
7
NEGRO, Antonio Luigi. Rui Barbosa e J. J. Seabra: a Bahia na I República. Revista Locus (UFJF), 36,
v. 19, nº 1, 2013.
8
SAMPAIO, Consuelo Novais. Partidos políticos da Bahia na Primeira República, p. 22-23, 30-31, 40-
43, 48 e 92-123.
12
Janeiro. E isso não obstante as cisões e até o relativamente fraco desempenho
econômico da Bahia.
Para Eul-Soo Pang, o seu tamanho físico e demográfico, o seu peso econômico e a
atuação de seus políticos fizeram da Bahia um “importante estado secundário” na
hierarquia federal da I República. Maior estado do Nordeste do Brasil, frequentemente
superou em prestígio o seu histórico rival, Pernambuco. Segundo o autor, São Paulo,
Minas Gerais e Rio Grande do Sul, “estados-chave”, procuraram exercer na federação a
“hegemonia”, não pela exclusão ou dominação crua, mas através da articulação de seus
interesses com as reivindicações dos demais estados, como Pernambuco e Bahia.
“Quintessência do regime”, esse processo de harmonização de conflitos foi muitas vezes
frustrado pela mudança e disparidade de interesses entre os três maiores estados ou
entre eles e os demais. Com Pang, verifica-se que a Bahia era ator de relevo no baralho
do jogo dos estados na I República.9
A associação entre a política nacional e o jogo dos estados, com cartas mais ou
menos importantes, que se hierarquizam e também se combinam, assinala a
complexidade das regras e do processo político republicano entre 1889-1930 de modo
similar a uma partida disputada com um baralho, sempre lastreada no pressuposto da
incerteza quanto ao seu resultado final. No caso da política, são jogadores que se sentam
à mesa sob uma hierarquia, mas ela não garante de antemão a vitória dos mais fortes.
Além das cartas com que se começa a partida, importam a habilidade com que se usam
os recursos disponíveis e a capacidade de subtrair as vantagens dos rivais. Afora sorte e
azar, o desempenho de cada jogador depende de sua própria destreza, mas também do
comportamento de parceiros e adversários. E, como sempre, pode haver viradas de
mesa.
Trata-se assim de um baralho sem as cartas marcadas do café com leite, presunção
do domínio sobre a área federal de uma idealizada aliança entre São Paulo e Minas
Gerais. Para Eul-Soo Pang, o exame cuidadoso de tal coligação revelaria o “café contra
leite”, dada a competição entre mineiros e paulistas pelo papel de “árbitro” da política
nacional, em especial depois de 1910.10 Por sua vez, Cláudia Viscardi, através da
análise das sucessões presidenciais do período 1904-1930, questiona o caráter
hegemônico, permanente e isento de conflitos da aliança entre Minas Gerais e São
9
PANG, Eul-Soo. Coronelismo e Oligarquias 1889-1934. A Bahia na Primeira Republica Brasileira. Rio
de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1979, p. 8 e 9.
10
PANG, Eul-Soo. Coronelismo e Oligarquias 1889-1934, p. 8.
13
Paulo, em geral encarada como o eixo de sustentação da I República. Ela percebeu em
seu lugar a instabilidade e a dinâmica da aliança entre os maiores atores da federação,
isto é, os seis estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, Bahia, Rio de
Janeiro e Pernambuco, afora o Exército e o Estado Nacional (Executivo e Legislativo),
considerando os três últimos como relativamente autônomos diante das classes médias
urbanas e das oligarquias estaduais – inclusive os produtores de café. O ordenamento
jurídico e uma série de regras informais, além de excluírem a maior parte da população
da política institucional, hierarquizavam as elites estaduais em função do peso
econômico e do tamanho da delegação dos estados no Parlamento.
Analisando as alianças feitas e desfeitas em processos de negociação antecedentes
às sucessões presidenciais, a autora aponta alguns princípios norteadores do
comportamento dos atores políticos e investiga as bases da estabilidade do regime,
constituídas principalmente a partir da sucessão de Rodrigues Alves. Entre os estados
de primeira grandeza, possuidores de grandes bancadas e economias dinâmicas, estavam
Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul; entre os de segunda grandeza, que
possuíam um dos dois requisitos, Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco; entre os de
terceira grandeza, que não possuíam nenhum dos recursos, os demais. Naturalmente, as
lutas internas de cada ator diminuíam seu poder de barganha – e isso é importante para
considerar o caso da Bahia.
Entretanto, estar entre os estados de segunda grandeza, como a Bahia, era
indicativo de relevância em critérios de ocupação de cargos e de decisão política, em
especial a escolha do ocupante do Catete. Quanto a tais critérios, segunda a autora,
existia uma renovação parcial entre os atores hegemônicos e evitavam-se atitudes
monopólicas. Viscardi conclui o trabalho demonstrando que foi o desgaste dessas regras
que levou à crise final do regime, nos anos 20. Esse desgaste resultou da incapacidade
do modelo político de abarcar atores sociais em emergência a partir da Grande Guerra e
de tentativas de monopolização do poder por parte de Minas Gerais (1918-19), em
seguida por parte uma aliança conjuntural entre os dois estados (1921-22) e finalmente
por parte de São Paulo (1929-1930). Além de propor uma explicação que ressalta o
papel de estados como a Bahia, Viscardi a ela se referiu em específico, pontuando que,
14
apesar das divisões, suas elites aspiraram ao incremente do seu poder e participaram
ativamente das articulações para a ocupação de cargos, inclusive a Presidência. 11
Será aqui elaborada a marcante ambiguidade da performance da Bahia na I
República. Unanimemente divergentes (para não mencionar o seu constante lamento
quanto a uma suposta decadência econômica), os seus representantes eram numerosos
na capital carioca, dentro e fora do Congresso Nacional. Ladinos, letrados e até mesmo
ricos (vide os Moniz e os Calmon), tinham guarida e reconhecimento fora da Bahia, o
que transparecia no trânsito entre Rio de Janeiro e Salvador. A partir das pesquisas de
Consuelo Sampaio, Eul-Soo Pang e Cláudia Viscardi, esta dissertação trata do papel de
políticos da Bahia no período 1920-26, anos de acirradas confrontações políticas e,
igualmente, de tentativas de refazer alianças, experiências fundamentais para a I
República. Como sugere a vinheta que acompanha esta introdução, alusiva às disputas
entre dois dos vários “homenzinhos terríveis” da Bahia – Rui e Seabra –, o recorte
cronológico inicia-se onde, exatamente, é concluído o livro de Sílvia Sarmento.12
Focando a sucessão presidencial de Epitácio Pessoa (1921-22), o primeiro
capítulo discute o esforço de Seabra e das oposições estaduais chefiadas por Rui
Barbosa em superarem suas brigas com o objetivo de lançar o mesmo Seabra como
candidato à vice-presidência da República. Trata-se de um momento raro de distensão
entre essas duas lideranças baianas, com ambos reconhecendo os prejuízos e os riscos
de sua unânime divergência. Por isso, na vinheta que abre este capítulo, Rui Barbosa dá
o prego, isto é, renuncia ao Senado, ocasião que se revelou propícia à pacificação entre
seabristas e ruístas em torno da candidatura de Seabra.13
A sucessão presidencial de 1921-22 foi das mais disputadas, comportando intensa
disputa no jogo dos estados da I República. A candidatura do governador baiano seria
então lançada ao lado de Nilo Peçanha, candidato à Presidência pela chapa da oposição,
a Reação Republicana. A narrativa começará em 1920, com as tentativas de
estabelecimento de uma aproximação entre Rui e Seabra, e se encerra em 1922, com a
vitória de Artur Bernardes, candidato anteriormente lançado em Convenção Nacional.
11
VISCARDI, Cláudia. O teatro das oligarquias. Uma revisão da “política do café com leite”. Belo
Horizonte: Editora Com Arte, 2001, p. 27 e 97.
12
A vinheta é detalhe de “A intervenção na Bahia”, charge de J. Carlos publicada em O Malho, 3/3/1920.
Ver também: LIMA, Herman. Rui e a caricatura: o maior coco da Bahia. Rio de Janeiro: Casa de Rui
Barbosa, 1949, p. 100.
13
A vinheta é detalhe de “O Conselheiro... deu o „prego‟”, charge de Kalixto publicada em D. Quixote em
23/3/1921. Ver também: LIMA, Herman. Rui e a caricatura, p. 104.
15
No processo sucessório, houve nova cisão entre oposição e governo estaduais e por isso
a Bahia ficou “Entre a Convenção e a Reação”.
O segundo capítulo discutirá as reviravoltas da disputada sucessão de Seabra no
estado da Bahia, começada em 1923 e encerrada em 1924. A realidade local será
encarada como desdobramento e fator importante da crise nacional, decorrente da
disputada eleição presidencial e da posse de Bernardes. Na Bahia, Arlindo Leoni,
candidato oficial, foi derrotado por Góis Calmon, candidato incialmente lançado por
Seabra, mas posteriormente apropriado pela oposição ruísta em aliança com membros
do governo findo, liderados pelo presidente da Assembleia Legislativa da Bahia. Em
momento chave, Bernardes optou por Calmon, irmão de Miguel Calmon, seu ministro
da Agricultura. Esse capítulo incluirá, em segundo lugar, a caracterização da visita de
Umberto di Savoia a Salvador como episódio de celebração das perspectivas abertas ao
estado com o ascenso das oposições, encarado como “Restauração na Bahia”. Afinal,
entre os oposicionistas, estavam Pedro Lago, Simões Filho, Aurelino Leal e os irmãos
Otávio e João Mangabeira, integrantes do PRB, destronado pela intervenção federal que
em 1912 garantiu a posse de Seabra no governo da Bahia. Aspiravam à liderança do
estado os irmãos Góis, Miguel e Antônio Calmon, membros da quatrocentona
açucarocracia baiana. Os Calmon e seus aliados abraçaram a missão de restaurar a
Bahia em seu papel de sociedade com o Catete e, por isso, a vinheta que abre o capítulo
traz o rico e elegante Góis Calmon, ao lado de outro homenzinho do Norte, o piauiense
Félix Pacheco, dono do Jornal do Comércio, imortal da Academia Brasileira de Letras e
então ministro das Relações Exteriores.14
O terceiro e último capítulo vai de 1925 a 1926 e tratará das eleições para a
Assembleia Legislativa da Bahia e da indicação de Washington Luís como sucessor de
Bernardes. Enfatiza a tensa consolidação da liderança dos Calmon e trata, assim, do
peso da “Bahia dos Calmon” na escolha do novo ocupante do palácio do Catete,
sucessor do mineiro Artur Bernardes. Aqui será discutido esse papel no contexto geral
da existência de uma delicada aliança entre Minas Gerais e São Paulo, egressa da
sucessão presidencial de 1921-22 e que tinha implicações para a sucessão de 1925-26.
Será igualmente indicado que essa aliança não era exclusivista, isto é, não se baseava
numa completa indiferença pelos demais estados. Isso ficou evidente no modo como a
vice-presidência da chapa oficial, incialmente destinada a Miguel Calmon, foi depois
14
A vinheta é duas caricaturas de Manoel Paraguassu, publicadas em Esphera, nº 1, Setembro de 1924.
16
entregue ao governador mineiro, Melo Viana. Por isso, ao lado de Washington Luís,
Miguel Calmon é o homenzinho que abre o capítulo, em vinheta retirada de charge
alusiva à ansiedade e expectativas em torno da escolha do candidato oficial à
Presidência. 15 Nesse capítulo, também serão discutidas as consequências da posse de
Washington Luís para a Bahia, a qual alimenta a estrela em ascensão de Otávio
Mangabeira. Bem-sucedido em seu estado e no Rio de Janeiro, Mangabeira abre as
considerações finais do presente estudo, sendo portanto contemplado com a quinta e
última vinheta.16
15
Intitulada “Parto Laborioso”, a charge, aparentemente de J. Carlos, foi publicada em O Malho,
2/5/1925.
16
Caricatura de Otávio Mangabeira originalmente publicada pela Agência O Globo e reproduzida em
PANTOJA, Sílvia. Verbete de Otávio Mangabeira. ABREU, Alzira Alves de et alii (Coordenação Geral).
Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. CD-ROM. 2001.
17
1
Entre a
Convenção e a
Reação
18
Sobre a tradicional oposição entre o Rui e Seabra, ver SARMENTO, Sílvia. A Raposa e a Águia.
19
da chapa da Reação Republicana. Caracterizado o cisma entre os estados e descrito os
primeiros passos para a composição do movimento dissidente, indicarei as tensões
emergentes entre o “Cara de Bronze” – mais um apelido de Seabra (recolhido por Pedro
Nava) – e o senador Rui Barbosa.19 Durante o processo sucessório, essa tensão evoluirá
para a reabertura da luta entre as duas facções e levará a Bahia a cindir-se entre os
candidatos da Convenção Nacional e os da Reação Republicana. Indiretamente,
chamarei a atenção para a peculiaridade desse contexto em que Rui aderiu à Convenção
Nacional e Seabra conservou seu compromisso com a Reação Republicana que,
avultando-se em críticas ao regime republicano, constituiu-se numa experiência
histórica particularmente notável, depois da Campanha Civilista de 1910.
21
Sobre as greves na capital, ver CASTELUCCI, Aldrin Armstrong Silva. Industriais e operários
baianos numa conjuntura de crise (1914-1921). Salvador: Fieb, 2004. Ver também: GUIMARÃES,
Luciano Moura. “Ideias Perniciosas do Anarquismo” na Bahia. Lutas e Organizações dos Trabalhadores
da Construção Civil (Salvador, 1919-1922). Em sua tese de doutorado, Castellucci investigou as
articulações entre as organizações operárias e a política oligárquica em Salvador. CASTELUCCI, Aldrin
Armstrong Silva. Trabalhadores, Máquina Política e Eleições na Primeira República. Sobre o emprego
da repressão policial contra o protesto social, ver ARAGÃO, Antônio Moniz. A Bahia e seus
governadores na República. Salvador: Uefs Editora. Fundação Pedro Calmon, 2010. Tais memórias
foram publicadas pela primeira vez em 1923.
22
PANG, Eul-Soo. Coronelismo e Oligarquias 1889-1934, p.138-150.
23
PANG, Eul-Soo. Coronelismo e Oligarquias 1889-1934, p. 151.
21
No PRD e na administração estadual, Seabra afastou quadros ligados ao seu
aliado Moniz com o objetivo de recuperar sua influência e, ao mesmo tempo, aplacar a
impopularidade herdada do antecessor. Excluiu chefias locais que haviam lutado contra
os vencedores da Revolta Sertaneja e, na capital, demitiu o chefe de polícia Álvaro
Cova, acusado de agravar a instabilidade social durante as greves de Salvador e de
responsabilidade nas intervenções de Moniz nas áreas do coronelismo dissidente. O
mesmo ocorreu com o secretário do Interior, Gonçalo Moniz, e com o intendente da
capital, José da Rocha Leal. 24 Seabra também convocou para 1921 um Congresso de
Intendentes com o objetivo, mais uma vez, de pacificar o sertão e ouvir as queixas dos
chefes locais. Segundo editoriais de O Democrata, órgão oficial do PRD, seriam
discutidos no congresso meios de estender aos municípios do interior os melhoramentos
urbanos que haviam marcado as duas administrações seabristas em Salvador. Embora as
dificuldades financeiras do estado tenham impossibilitado qualquer medida concreta e
imediata nesse sentido, a reunião constituiu uma iniciativa do governador com vistas a
preparar o caminho para uma reaproximação entre litoral e sertão.25
Em seu livro, Sílvia Noronha Sarmento demonstrou como a criação do seabrismo
na Bahia resultou do hábil e acidentado acúmulo de forças adquirido por seu chefe no
nível federal, por fora de elos com a terra nativa – a Bahia – e através da ocupação dos
ministérios da Justiça (1902-1906) e de Viação e Obras Públicas (1910-1912), nos
governos de Rodrigues Alves e de Hermes da Fonseca. Do Rio, Seabra contou ainda
com o enfraquecimento da facção hegemônica em 1907, quando ocorreu uma cisão no
PRB; e em 1910, quando o governador Araújo Pinho (1908-1911) saiu derrotado após o
lançamento da candidatura do conselheiro Rui à Presidência da República, em aliança
com São Paulo. Ministro da Viação e Obras Públicas do candidato vitorioso Hermes da
Fonseca, Seabra empregou o cargo para cultivar aliados na Bahia e enfrentar o
oficialismo estadual na sucessão estadual de 1912. Contra as disposições de Araújo
Pinho e de Rui Barbosa, a intervenção federal daquele ano garantiu a posse no governo
da Bahia de um dos principais aliados civis do marechal Hermes, isto é, o próprio
Seabra. 26
24
SAMPAIO. Partidos Políticos na Bahia da Primeira República, p. 161.
25
O Democrata, 18/11/1921. PANG, Eul-Soo. Coronelismo e Oligarquias 1889-1934, p.157.
26
SARMENTO, Sílvia. A Raposa e a Águia, p. 107, 111, e 130-131. Em 1907, por ocasião da escolha do
novo governador, houve entre José Marcelino (1904-1908) e o senador Severino Vieira um rompimento
com repercussão nacional, que dividiu a Assembleia Legislativa e a bancada baiana no Congresso
22
Figura 1 - Ministério Hermes da Fonseca. J. J. Seabra, ministro da Viação e Obras Públicas,
é o primeiro da esquerda. Rio de Janeiro. Fonte: Exposição Permanente do Museu da
República.
Nacional. Ver: SAMPAIO, Consuelo Novais. Partidos políticos da Bahia na Primeira República, p. 93-
95.
27
No Rio de Janeiro em 1917, membros da colônia baiana e de suas diferentes facções políticas reuniram-
se no Teatro Lírico para homenagear o Batalhão de Atiradores da polícia da Bahia, então convidado para
participar na cidade das comemorações do Sete de Setembro. Ver ARAGÃO, Antônio Moniz. A Bahia e
seus governadores na República, p. 553-563 e 619-625. MELLO, Pimenta (ed.). Colônia Baiana ao
Batalhão de Atiradores. Sem editora. Sem local, 1917, p. 26. O discurso de Rui está na p. 18. SAMPAIO,
Consuelo Novais. Partidos Políticos na Bahia da Primeira República, p. 98.
23
Figuras 2 e 3 - Rui Barbosa em 1921 e J. J. Seabra. Fonte: sítio da Fundação Casa de Rui
Barbosa (FCRB) e Coleção Berbert de Castro do Arquivo Municipal de Salvador (AMS).
28
MELLO, Pimenta (ed.). Colônia Baiana ao Batalhão de Atiradores, p. 16.
29
Sobre a participação dos baianos em momentos decisivos dos primeiros anos da República (inclusive
nas sucessões presidenciais), ver LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho e as origens da revolução de
1930. São Paulo: Perspectiva, 1975, p. 97-105.
30
A Bahia foi o estado que menos perdeu no Parlamento quando a República sucedeu o Império, ficando
com 22 cadeiras na Câmara dos Deputados, número igual ao de São Paulo e inferior apenas ao de Minas
Gerais. Com uma delegação numerosa, o estado era um dos principais atores no Congresso Nacional.
VISCARDI, Cláudia. Federalismo oligárquico com sotaque mineiro. Revista do Arquivo Publico
24
Tabela 1 - Ocupação ministerial por estados em anos (1889-1918)
Presidência RS BA MG DF SP Outros
Fonte: ABRANCHES, Dunshee. Governos e congressos da República: 1889-1917. Rio de Janeiro: M. Abranches,
1918; CPDOC/FGV. Dicionário da Elite Política Republicana (1889-1930). Disponível em: http://cpdoc.fgv.br.
Acesso em: 9/7/2014. Nota: a destacada representação do Distrito Federal e em menor medida do próprio Rio
Grande do Sul deve-se em parte à existência de muitos ministros militares cariocas ou gaúchos cuja relação com a
elite política inexiste ou é difícil esclarecer.
Mineiro, vol. 42, nº 1, p. 109. WIRTH, John. O Fiel da Balança: Minas Gerais na Federação Brasileira
1889-1937. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1982, p. 244.
25
que eram, acima de tudo, a obsessão por partidos e as lutas entre facções a causa das
dificuldades de representação da Bahia. 31
Período MG BA MA CE SP Outros
1891-1893 2 4 0 0 4 2
1894-1896 2 1 1 4 0 4
1897-1899 5 4 0 0 1 2
1900-1902 4 6 0 0 1 1
1903-1905 3 3 2 0 3 1
1906-1908 6 0 0 3 0 3
1909-1911 4 0 2 3 0 3
1912-1914 8 0 3 0 0 1
1915-1917 9 0 3 0 0 0
Total 43 18 11 10 9 17
Fonte: WIRTH, John. O Fiel da Balança: Minas Gerais na Federação Brasileira 1889-1937. Rio de Janeiro: Editora
Paz e Terra, 1982, p. 244. Nota: segundo o autor, as comissões mais importantes eram quatro: Obras Públicas,
Finanças, Poderes e Justiça.
31
Presidências da Câmara dos Deputados, disponível em: http://www2.camara.leg.br/. Acesso em:
10/6/2013.
32
Na ocasião, além de ir ao Rio, Seabra enviou Moniz Sodré a Belo Horizonte para convencer o
governador Artur Bernardes a retirar o apoio de Minas ao nome de Rui. O episódio foi descrito a partir de
depoimento do próprio Seabra, em BARROS, Francisco Borges de. Dr. J. J. Seabra: sua vida, sua obra
na República. Salvador: Imprensa Oficial do Estado, 1931. 485-492.
26
como foi visto, a Revolta Sertaneja e um impressionante ataque das oposições, ocasião
em que o novo presidente Epitácio Pessoa manteve-se neutro diante da luta fratricida
dos baianos. Com efeito, durante os dois primeiros governos seabristas, parte
considerável da energia, do tempo e do prestígio dos políticos baianos foi investida em
lutas domésticas que impossibilitaram uma atuação conjunta no cenário nacional.
Como indica Sampaio, o supracitado afastamento de parte dos aliados de Moniz
de alguns postos-chaves da administração estadual e municipal explica-se não só pela
necessidade de Seabra retomar as rédeas do poder, mas também pelo desejo de moderar
o ímpeto da oposição. Na mensagem que leu diante da Assembleia Legislativa em sua
segunda posse no governo da Bahia (abril de 1920), mostrou-se impressionado ante os
rumos que a sucessão de Moniz tomara e as paixões políticas desencadeadas.
Percebendo a delicadeza da conjuntura, prometeu não assumir uma posição de triunfo
autocrático sobre os grupos vencidos e jurou zelar pelo respeito aos direitos das
diferentes correntes políticas estaduais. 33
A fala dos membros da colônia baiana em 1917 e a mensagem de Seabra em 1920
deixam entrever o divisionismo faccioso como fator negativo para a administração
estadual e para a representação dos interesses baianos nas instâncias federais. O
federalismo da I República, porém, nem sempre é disfuncional assim, pois Cláudia
Viscardi demonstrou que a estabilidade do sistema político vigente era garantida pela
instabilidade das alianças entre o governo federal, o Exército e as oligarquias dos
principais estados brasileiros. Pelo fato de atitudes monopólicas serem coibidas pela
praxe estabelecida entre os atores, cada sucessão presidencial era uma oportunidade
para a formação e dissolução de alianças e, por isso, a vitória de uns não criava nos
outros a perda de confiança em jogo tão disputado. Em contraste com o quadro nacional
analisado por Viscardi, na Bahia vigeu durante a maior parte do tempo um padrão
menos eficaz de condução dos negócios da política. Como demonstrou Consuelo
Sampaio, a prática política no estado gerava turbulências por apagar a fé de aliados e
oposicionistas no rodízio eleitoral, resultando numa política inconsistente de
acomodação e rupturas. Por sua vez, Viscardi indicou que o desempenho dos estados
enfraquecia-se quando lutas interpartidárias assolavam suas elites e impossibilitavam
33
O Democrata, 10/4/1921.
27
uma atuação conjunta dos seus quadros, o que ocorreu frequentemente com a Bahia e o
Rio de Janeiro.34
É possível que Seabra tivesse em vista a sucessão presidencial de 1922 ao
procurar superar o fosso entre governo e oposição, pois medidas semelhantes foram
tomadas no mesmo ano no Rio de Janeiro e em Pernambuco. Marieta de Morais Ferreira
analisou mudanças implementadas pelo governo do Rio no Partido Republicano
Fluminense (PRF), no seu relacionamento com as oposições locais e o presidente
Epitácio Pessoa. Em 1920, Nilo Peçanha realizaria uma viagem à Europa para
preservar-se do desgaste trazido tanto pela administração cotidiana dos negócios
políticos no estado do Rio de Janeiro quanto pela derrota de seu candidato Rui Barbosa
nas eleições presidenciais de 1919. Antes, convocou uma convenção partidária e elegeu
uma nova comissão executiva para o PRF, preparando-o para sua futura ausência. O
governo aproximou-se de Epitácio Pessoa e dos setores oposicionistas através da
cooptação de alguns membros e da revogação de uma antiga reforma centralizadora.
Embora nem todas as iniciativas tenham se mostrado eficazes, evidenciam que desde
1920 o Rio de Janeiro preparava-se para a próxima sucessão com o objetivo de eleger
Nilo Peçanha presidente da República. Por isso, fazem perguntar se Seabra com suas
medidas não tinha, quem sabe, a mesma perspectiva em mente. 35
Em Pernambuco, o governador José Bezerra (1919-1922) implantou a política de
Paz e Concórdia depois do turbulento mandato de Manuel Borba (1915-1919). Com
base em acordos que previam a distribuição de recursos e cargos públicos, congregou as
facções de Rosa e Silva e Estácio Coimbra; a do ex-governador Dantas Barreto; a de
Manuel Borba e a dos irmãos Pessoa de Queiroz, prósperos comerciantes de Recife e
sobrinhos do presidente da República. Logo depois da fase turbulenta de Deodoro e
Floriano, Pernambuco vivera um período de estabilidade e projeção na política federal
até que, em 1911, a intervenção federal de Hermes da Fonseca patrocinou Dantas
Barreto, o qual romperia com o sucessor no governo, Borba. Com a proposta de
amenizar o divisionismo interno, Bezerra visava fortalecer Pernambuco e reivindicar na
próxima sucessão presidencial a vice-presidência da República, com cujos recursos
34
VISCARDI, Cláudia. O teatro das oligarquias, p. 21-22.
35
FERREIRA, Marieta de M. Conflito Regional e Crise Política: a reação republicana no Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Cpdoc, 1990, p. 13-32. PINTO, S.C.S. A correspondência de Nilo Peçanha e a
dinâmica política na Primeira República. Rio de Janeiro: Aperj, 1998. Sobre as semelhanças entre a
trajetória do Rio de Janeiro e da Bahia na I República, ver: FERREIRA, Marieta de M. A República na
Velha Província. Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora, 1989.
28
realimentaria no estado a Paz e Concórdia. Apesar das grandes diferenças em termos de
força e orientação política dos grupos reunidos sob sua batuta, há indício de que seus
planos já contavam com o beneplácito do palácio do Catete em fins de 1920.36
Na Bahia, no entanto, as oposições recusaram aproximações com o situacionismo,
pois não acreditaram nas promessas de Seabra. Desde a campanha presidencial de 1919,
Rui Barbosa reunia sob sua liderança ex-seabristas e coligados dos ex-governadores
Luiz Viana, Severino Vieira (lotados no jornal Diário da Bahia) e de José Marcelino
(sitos no Estado da Bahia). Tal oposição, ao invés de acreditar em Seabra, passou,
através dos seus jornais, a tratá-lo como um vencido e dirigir críticas às suas iniciativas
na política e na administração.37
36
PORTO, José da Costa. Os Tempos de Estácio Coimbra. Recife: Editora Universitária da UFPe, 1977.
AEL. ADEB. Consulado de Recife, relatório de 11/7/22 sobre os distúrbios políticos em Pernambuco.
26/3/1922. A informação de que Bezerra contava com o apoio de Epitácio em fins de 1920 foi dada por
Carvalho Brito a Afrânio de Melo Franco. Ver: Carta de Afrânio de Melo Franco a Artur Bernardes.
19/12/20. AEL. FAB. AEL. FAB. MR 31. Ver: TORRES, Marcos Paulo. Verbete de José Bezerra.
Dicionário da Elite Política Republicana (1889-1930) do CPDOC/FGV. Disponível em:
http://cpdoc.fgv.br. Acesso em: 2/7/2013.
37
Sobre a articulação das correntes da oposição sob a liderança de Rui, conferir: CALMON, Pedro.
Miguel Calmon: uma grande vida. Rio de Janeiro: José Olympio, 1983, p. 104. SARMENTO, Sílvia. A
Raposa e a Águia, p. 167 e 171. As referências às correntes políticas oposicionistas também podem ser
encontradas em O Democrata, 5/4/2. A ligação entre os grupos e os jornais pode ser visto em ARAGÃO,
Antônio Moniz, A Bahia e seus governadores na República, p. 559. Sobre as críticas da oposição ao
governo, ver, além dos jornais oposicionistas, a defesa do governo por parte de O Democrata.
29
eleições, ocorridas em maio e junho de 1920 (preenchimento de vagas no Senado e na
Câmara estaduais, bem como no Senado federal), a oposição não apresentou chapa
própria, o que foi encarado pelo O Democrata como mais um sinal de sua recusa dos
intuitos conciliatórios do governo, manifestos na sua insistência de que haveria
liberdade e respeito às urnas. Deste modo, no caso da eleição para senador federal, o
candidato vitorioso seria inevitavelmente situacionista, ou seja, Moniz Sodré, primo do
ex-governador Moniz. Entretanto, O Democrata veiculou nota de O País, que atribuiu a
um pedido de licença dos senadores federais Rui Barbosa e Luiz Viana o interesse de
não comparecer na posse de Moniz para evitar choques e assim não frustrar os intuitos
conciliatórios em curso na Bahia. 38
Além dessa nota, a publicação no órgão governista de uma exposição feita por
Moniz a Seabra, na passagem do governo, sugere que o segundo enfrentava resistência
entre seus aliados ao propor uma convivência menos turbulenta com as oposições. Em
tal documento, Moniz relembrou antigos episódios de conflito entre Rui e Seabra,
quando invariavelmente teria permanecido solidário ao seu mentor e contrário ao
senador baiano. Pivô da ruptura de 1916-17, o ex-governador tocava em feridas ainda
não cicatrizadas num momento em que Seabra, considerando a urgência de estabilidade,
parecia buscar o esfriamento das paixões facciosas.39
38
BPEB. O Democrata, 26/6/20.
39
O Democrata, 28/4/20. O livro a que Moniz se referiu foi ARAGÃO, Antônio Moniz Sodré de. Rui
Barbosa perante a história: fatos e documentos. Salvador: Imprensa Oficial do Estado, 1919.
30
Em agosto de 1920, ocorreram as primeiras eleições municipais após a anulação
da reforma de 1915, que reservara ao governador o direito de indicar os intendentes
municipais. Na ocasião, o órgão do PRD tentou convencer os leitores da disposição do
governador em agir com lisura e garantir a liberdade das urnas.40 Entretanto, na prática,
Seabra nomeou políticos de sua confiança pessoal para fiscalizar as eleições em
municípios onde se anunciavam embates violentos. Entre os fiscais, estavam alguns
suboficiais da polícia, parlamentares, próceres partidários e secretários, inclusive o seu
filho, Antônio Seabra – secretário de Segurança Pública. O próprio Seabra fiscalizou o
município de Amargosa, onde o candidato adversário – calculadamente ou não – sairia
vitorioso. Apesar de alguns jornais da oposição terem denunciado irregularidades no
pleito de Amargosa, o governador atingiu o objetivo de evitar que mais uma vez a Bahia
chamasse a atenção do país pela violência desencadeada no contexto de disputa
eleitoral, como ocorrera em 1919. 41
Em dezembro, o PRD reuniu-se para tratar da composição da chapa oficial à
renovação de assentos na Assembleia Legislativa em eleições de janeiro de 1921. Por
essa ocasião, Seabra, mediante carta pública à comissão executiva do partido, solicitou
que não fossem renovados os mandatos da totalidade dos deputados e senadores,
abrindo assim espaço na lista oficial para a indicação de nomes egressos de outras
correntes que não a sua. Ele indicou quais seriam tais nomes e por isso a oposição
escarneceu de sua iniciativa, considerando ainda “draconiana” a legislação vigente para
as eleições estaduais (criada no governo Moniz). A resposta do jornal governista foi
enfática, chegando a negar a existência da agremiação oposicionista, o PRB.42
Nas eleições nacionais de fevereiro de 1921 para a Câmara dos Deputados e o
Senado, Seabra combinou com o PRD apresentação de chapa incompleta para que a
oposição em alguns distritos não concorresse com candidatos governistas. Embora esse
ato possa refletir a consciência de que os oposicionistas nesses distritos venceriam com
ou sem tal medida, editorais de O Democrata apresentaram-na como mais uma
iniciativa pacificadora, tendo sido o apelo dirigido, dessa vez, ao senador Rui Barbosa,
40
O Democrata, 30/7/21 e 1/8/1921.
41
O Democrata, 30/7/21; 5/8/21 e 17/8/1921. Em editoriais e notícias de O Democrata, notei indícios de
preocupação da parte do governo com a imagem que a disputa eleitoral de 1919 alimentava sobre a
política baiana entre os demais estados brasileiros e notadamente na imprensa da capital. Ver, por
exemplo: O Democrata, 15/8/21; 17/8/21; 18/8/1921.
42
O Democrata, 3/12/20; 5/12/20; 11/12/21; 8/1/21; 2/3/1921. Apenas dois candidatos não incluídos na
chapa oficial saíram vencedores, sendo que pelo menos um deles, o major Cosme de Farias, era
claramente um aliado de Seabra.
31
já que uma das posições havia sido disposta a seu filho, Alfredo Rui Barbosa.
Entretanto, paralelamente, o jornal não apenas defendia o governo, como atacava
também as iniciativas da oposição, como uma suposta tentativa de reorganização do
PRB.43
Afinal, a oposição conseguiu eleger Pedro Lago, os irmãos João e Otávio
Mangabeira e Miguel Calmon, dois candidatos a mais do que esperava o governo.
Entretanto, o fato de os três últimos não terem sido incluídos na chapa do PRB revelou
desentendimentos entre os oposicionistas locais. 44 Além disso, Rui Barbosa renunciou
em março de 1921 à sua cadeira no Senado, o que foi atribuído pelo O Democrata a
descontentamento com aliados seus da Bahia que graças a disputas internas não haviam
permitido a reeleição de seu filho à Câmara dos Deputados.45 Essa hipótese foi
igualmente aventada no Rio, como demonstra um despacho do embaixador
estadunidense Edwin Morgan. 46 Publicamente, no entanto, o conselheiro explicou que
deixara o Senado por não encontrar meios de realizar os princípios pelos quais lutara e
por sentir-se como um “corpo estranho” na política. Alguns acreditaram que com tal
gesto preparava-se para se lançar novamente candidato para as próximas eleições
presidenciais.47
Dando maior repercussão e apelo emocional às iniciativas que vinha tomando
para se aproximar das oposições, Seabra convenceu o PRD a lançar o nome de Rui para
o preenchimento da vaga a que ele renunciara no Senado. Com esse aceno – que tinha
significado, dadas as pelejas entre o águia e o Cara de Bronze – o governador já
vislumbrava a sua indicação para a vice-presidência da República. Em abril de 1921,
quando o partido governista baiano lançou sua candidatura, ele recebeu o aplauso tanto
de Rui Barbosa quanto dos deputados federais oposicionistas, os quais justificaram sua
atitude lembrando o apoio de Seabra ao retorno do conselheiro Rui ao Senado.48
43
O Democrata, 16/1/21; 22/1/21; 5/4/1921.
44
Diário da Bahia, 30/1/1921.
45
O Democrata, 12/3/1921.
46
O Imparcial (Salvador). 13/3/21; 16/3/21; 17/3/21; 22/3/1921. Embaixada do Rio de Janeiro, despacho
nº 1844 de 24/8/1921. Arquivo Edgard Leuenroth (AEL). Arquivos Diplomáticos e Estrangeiros Sobre o
Brasil (ADEB).
47
O Imparcial (Rio de Janeiro). 12/3/1921. Disponível em: http:hemerotecadigital.bn.br. Acesso em:
1/7/2013. O Democrata, 18/3/1921. A carta de renúncia de Rui foi publicada amplamente nos jornais do
período. O Democrata, 12/3/1921.
48
Carta de Joaquim Sales a Artur Bernardes. 4/4/1921. AEL. Fundo Artur Bernardes (FAB). Microfilme
(MR) 28. O apoio do PRD à candidatura Bernardes foi publicado em: O Democrata. 22/5/1921. O
lançamento da candidatura de Seabra foi publicado em: O Democrata. 26/5/1921. A oposição baiana
apoia a candidatura Seabra à vice-presidência: O Democrata. 28/5/1921.
32
Rui Barbosa declarou então que não via no candidato baiano à vice-presidência
senão a própria Bahia, depreciada “nestas ocasiões, em injustos cotejos, donde sai
sempre humilhada pela sua fraqueza, consequência de sua desunião”. 49 O senador
baiano, que por anos inspirara a refrega da oposição contra o governo estadual,
reconhecia na ocasião que, para além da “politicagem” do seabrismo, era o facciosismo
a causa do desprestígio da Bahia. Tal opinião era idêntica à sustentada pelos membros
da colônia baiana que em 1917 reprovaram seus achaques ao então governador Antônio
Moniz. Em junho de 1921, a colônia baiana residente na capital federal reuniu-se para
celebrar a aproximação entre oposição e governo e concitar os políticos do estado a
unirem-se pela “grandeza” da Bahia. O médico Belmiro Valverde expressou a crença de
que a unidade então verificada fortalecia o nome do governador baiano e tornaria a
Bahia mais prestigiada entre as demais forças nacionais. Em maio, o seu discurso foi
publicado em número da revista da colônia especialmente dedicada à aliança entre
oposição e Seabra. Numa seção inusitada (“Entrevista d‟Além Túmulo”), os editores da
Bahia Ilustrada simularam uma entrevista com os estadistas baianos que teriam feito da
Bahia a província mais influente do Império. “A desunião que reina, com especialidade
quanto à Bahia, que vi crescer magistralmente nas posições e no conceito geral do
Império, não se concebe por maneira alguma”, teria asseverado o barão de Cotegipe. Já
o visconde de Cairú teria observado que a Bahia, “que sempre teve preponderância nas
letras e na política” não deveria ignorar que “o triunfo iniludível e certo de sua grandeza
política (...) só depende de sua unidade cívica e de sua força econômica”. O visconde do
Rio Branco comparou o quadro baiano com o de Pernambuco, numa referência à
conciliação realizada por José Bezerra.50
A candidatura do governador da Bahia expressava a crença de que o estado
precisava unir-se para reivindicar os seus direitos na arena federal, uma leitura
compartilhada pelo governo, oposição e a colônia baiana no Rio de Janeiro.51 Em
entrevista concedida a repórter do A Tarde, Seabra interpretou a atitude dos ruístas
perante sua candidatura como o ponto de partida para uma nova fase. “É preciso
esquecer antigos ressentimentos, passando uma esponja no passado”, opinou,
49
Telegrama de Rui Barbosa e Simões Filho. Sem data. BARBOSA, Alfredo Rui. Rui Barbosa:
correspondência. Salvador: Imprensa Oficial do Estado, 1921, p. 150. Grifo meu.
50
Bahia Ilustrada, nº 38. Maio de 1921. Sem página. Essa coluna foi estudada por LEITE, Rinaldo. A
Rainha Destronada. Feira de Santana: Editora da Uefs, 2012.
51
O Democrata, 7/6/1921.
33
esclarecendo: “era o que fazia São Paulo, o que fazia Minas Gerais em casos
idênticos”.52
Ao receber a adesão de Rui Barbosa e dos deputados da oposição, a candidatura
de Seabra revestiu-se de um caráter impactante e reacendeu esperanças, mas não houve
nítida iniciativa de formalizá-la e definir suas bases, o que era um risco tanto para o
governo quanto para a oposição. A sua vitória significaria o fortalecimento de sua
corrente como liame entre o palácio do Catete e a Bahia, o que colocava em questão o
lugar a ser ocupado pela oposição ruísta no estado e na política federal. Como conciliar
a presença de Seabra na vice-presidência com o conhecido papel de Rui Barbosa de
falar pela Bahia no Rio de Janeiro? Quais critérios deveriam orientar a escolha do
candidato a suceder Seabra no governo, caso ele fosse eleito para o cargo federal?
Tratando do último assunto, os editores da Bahia Ilustrada aconselharam o critério da
conciliação e colocaram em pé de igualdade os integrantes mais jovens das duas
correntes. Isso deixava evidente que a questão não era circunscrita a Seabra e Rui, mas
também às suas respectivas entourages. 53
52
A Tarde, 4/6/1921.
53
BPEB. Bahia Ilustrada, nº 38. Maio de 1921. Sem página. AEL. FAB. MR 28. Carta sem remetente e
sem destinatário. 20/4/1921. Trata-se de uma carta encontrada no fotograma número 93 e que relata a
Bernardes o que seria necessário para que Seabra pudesse compor com Bernardes a chapa oficial. Entre as
condições, estavam a eleição de Rui para o Senado, seu apoio a Seabra e escolha do seu sucessor no
governo da Bahia.
34
Emergência da aliança entre Minas Gerais e São Paulo
Marieta Ferreira vê na Reação Republicana um esforço das oligarquias gaúcha, baiana,
pernambucana e fluminense de constituírem no pacto oligárquico um eixo alternativo de
poder que ampliasse sua participação no jogo federativo brasileiro. Assentada nas suas
pesquisas sobre o estado do Rio de Janeiro, tal explicação permitiu abordar e investigar
ainda mais outros casos de formação de eixos alternativos na política brasileira em
momentos anteriores à década de 20. Igualmente, abriu caminho para a tese de
doutorado de Cláudia Viscardi que, de sua parte, enxerga na Reação Republicana uma
aliança contrária à tendência monopolista que, juntos, Minas Gerais e São Paulo
assumiram no preciso momento da sucessão presidencial de Epitácio Pessoa.54
No lugar do previsível e imperturbável rodízio do café com leite, as observações
de Marieta Ferreira e de Cláudia Viscardi sublinham o caráter dinâmico do federalismo
oligárquico e, consequentemente, o papel relevante que um conjunto mais amplo de
atores possuía no regime republicano. Um estado como a Bahia, com seu relativamente
fraco desempenho econômico e suas elites fratricidas, podia não ser todo-poderoso, mas
nem por isso estava impedido de aspirar a um lugar de destaque. Tal qual a campanha
de Rui Barbosa em 1910, a Reação Republicana foi uma empreitada notável em que
isso ficou palpável, pois campanhas podiam ser importantes, até mesmo nas viciadas
eleições da I República – e, nesta, os baianos também importavam. Expressivamente,
apesar da constante luta interna, a Bahia mesmo assim conseguia atuar, o que justificava
aquela sua aspiração. E, tão importante quanto isso, seus políticos procuraram em
alguns momentos.
Com base em tais considerações e nos estudos de Marieta Ferreira e de Cláudia
Viscardi, tentarei mostrar que o impasse do qual emergiu a Reação Republicana proveio
da incapacidade de os mineiros amealharem a adesão de importantes estados à
candidatura de Bernardes e, notadamente, de sua recusa em reabrir as discussões sobre a
sucessão presidencial quando isso foi imposto pelas circunstâncias. No que toca à
Bahia, em particular, o estado, como se verá doravante, ficou entre a Convenção e a
Reação, isto é, postou-se na encruzilhada entre a candidatura oficial e a oposicionista.
54
FERREIRA, Marieta de M. A Reação Republicana e a crise política dos anos 20. Estudos Históricos.
vol. 6, n. 11. 1993. Ver também: FERREIRA, Marieta de M. Em busca da idade do ouro. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 1994; FERREIRA, Marieta de M; PINTO, Surama Conde Sá. A Crise dos anos 20 e a
Revolução de Trinta. Rio de Janeiro: Cpdoc, 2006. In FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de A.
Neves (org.). O Brasil Republicano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, v. 1, p. 387-415.
VISCARDI, Cláudia. O teatro das oligarquias, capítulo 7.
35
Embora no começo do processo as elites políticas tenham-se unificado – o que por si só
é um fato notável, elas dividiram-se e bifurcaram suas escolhas, perdendo Seabra o
consenso em torno de si, quando Artur Bernardes venceu as eleições de 1922. Vale a
pena frisar que a coesão em torno do nome de Seabra durante a Reação Republica, se
não foi fraca, foi com certeza passageira. 55
Agindo como representantes do Partido Republicano Mineiro (PRM), Pedro
Mibiéli (ministro gaúcho do Supremo Tribunal Federal) e Raul Soares (senador
mineiro) procuraram em começos de 1921 o apoio do Rio Grande do Sul e de São Paulo
à candidatura presidencial do então governador de Minas Gerais, Artur Bernardes.
Talvez a decisão de iniciar as consultas com os governadores gaúcho e paulista
decorresse do receio de reaparecer, em torno da sucessão presidencial, o impasse que
resultara na eleição de um candidato tertius paraibano em 1919. Nas conferências entre
tais políticos, vieram à baila as “manobras” de Nilo Peçanha e as “ameaças funestas” de
um Bloco do Norte. Quanto ao Norte, as ameaças ecoavam rumores de que Epitácio
Pessoa estaria articulando uma frente de estados nortista para extrair da região o seu
sucessor no Catete. É evidente a perspicácia com que os bernardistas vislumbravam
obstáculos em seu caminho. À mesa do jogo, eram naipes do baralho Nilo Peçanha e o
Norte – seja com o baiano Seabra, os pernambucanos Bezerra e Estácio Coimbra ou o
maranhense Urbano Santos.56
Com a reunião entre Pedro Mibiéli e Borges de Medeiros, o PRM esperava obter a
adesão gaúcha para bloquear as inciativas de Epitácio Pessoa e de Nilo Peçanha.
Segundo Mibiéli, a resposta do governador foi favorável a Minas Gerais, ao concordar
com a resistência a Epitácio Pessoa e fazer sobre a candidatura Nilo Peçanha um
julgamento negativo e semelhante ao dos mineiros e paulistas. Mas houve uma
ponderação: Borges de Medeiros explicou que embora o Rio Grande do Sul não tivesse
candidato, queria manter-se a par das negociações para a escolha do próximo presidente,
que poderia, em sua opinião, ser mineiro ou paulista. O chefe do Partido Republicano
Rio-Grandense (PRR) teria considerado Artur Bernardes uma boa opção, mas
demonstrou reticências quanto às hesitações dos mineiros perante episódios como a
criação de um imposto federal de viação (tratado adiante) e de questões como a
55
NEGRO, Antonio Luigi. Rui Barbosa e J. J. Seabra: a Bahia na I República.
56
Marieta de Morais Ferreira, em seus estudos, mencionou as precauções dos bernardistas contra Nilo
Peçanha ao indicar as dificuldades existentes para a escolha de um nome de consenso à Presidência da
República. FERREIRA, Marieta de M. A Reação Republicana e a crise política dos anos 20, p. 12.
36
conservação das instituições republicanas, uma aparente crítica a propostas de revisão
da Constituição Federal. 57
Na conversa entre Raul Soares e Washington Luís, o senador mineiro afirmou ser
Epitácio Pessoa um adversário dos estados do Sul com planos de apresentar candidatura
nortista à Presidência. Nilo Peçanha foi considerado um político que levantava suspeitas
na opinião pública, sendo assim vedado o seu acesso ao cargo. O governador
bandeirante afirmou não possuir ainda candidatos e concordou com o diagnóstico do
senador mineiro, mas avisou-lhe que não retirava seu próprio nome de possíveis
cogitações, isto é, não se oporia ao lançamento de sua candidatura caso houvesse
movimento favorável a ela. Como ocorria com o Rio Grande do Sul, o apoio dos
paulistas ainda precisava ser conquistado ou conservado por Minas Gerais. Washington
Luís buscou persuadir Raul Soares de que na conjuntura as questões políticas eram
secundárias e com relação ao problema econômico fez uma espécie de programa de
governo. Demonstrava assim o desejo de condicionar o amparo de São Paulo a Minas
Gerais à incorporação por Bernardes de ideias econômicas de origem bandeirante. 58
A coordenação política entre Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul era a
algo a ser construído através de negociações e não o efeito imediato de uma
predisposição à união entre os três estados, os mais poderosos também em termos
econômicos ou militares. Igualmente, a ocasião de os três mais fortes terem de se unir
com o fito de embaraçar o estado do Rio de Janeiro evidencia o realce dos fluminenses,
cuja força poderia crescer caso encontrassem ambiente propício ou conseguissem
associações com outros estados. Para os mineiros, em acréscimo, o Catete possuía seus
interesses próprios, não necessariamente coincidentes com os dos grandes estados do
Sul. E mais: uma orientação do governo federal que fosse contrária ao Sul e favorável
ao Norte poderia atrair os estados dessa região, em especial os capazes de desempenhar
papel de relevo em sucessões presidenciais, como Bahia, Pernambuco e Ceará. Portanto,
Portanto, é possível investigar em que medida um eixo alternativo de poder - via região
Norte – era algo viável ou temível para os articuladores mineiros, paulistas e gaúchos.
Nesse primeiro momento, foi sensível aos mineiros a oposição entre São Paulo e o
Catete. Segundo correspondente de Bernardes, Epitácio Pessoa era visto nas ruas e em
57
Carta de Mibiéli a Raul Soares. 25/2/1921. AEL. FAB. MR 28.
58
Carta de Raul Soares a Artur Bernardes. 20/3/1921. AEL. FAB. MR 28.
37
altos círculos sociais paulistas “como um inimigo encapotado do estado”.59 Tendo
discordado do critério adotado em 1919 pelo presidente para a composição do seu
gabinete ministerial (Epitácio Pessoa não teria consultado os governadores),
Washington Luís não considerava que São Paulo possuía representante na
administração federal, apesar de o ministro da Viação e Obras Públicas e o do Exterior
serem paulistas. “Não temos ministro da política paulista no atual Ministério”, negou
ele em carta ao deputado paulista Carlos de Campos. Em carta recebida do deputado
Alberto Sarmento, está escrito: “como você sabe, não temos no Ministério nenhum
representante, propriamente dito, da política de São Paulo”. 60
Exprimindo pressões de comerciantes e lavradores ligados ao café, Washington
Luís solicitou repetidamente que o governo federal agisse em defesa de seus interesses,
mas não encontrou a disposição desejada, um sinal de que nem sempre os interesses do
Catete coincidiam com o dos estados ou com a cafeicultura paulista. Nas palavras de
Eul-Soo Pang, Washington Luís ficava “perturbado” com a “negligência do presidente
quanto ao programa da estabilização do café”, “sacrificado para salvar o Nordeste”.61
Em contrapartida, em setembro de 1920, quando o governo federal solicitou aos
governadores gaúcho, paulista e mineiro o arrimo para a criação de imposto federal de
viação, recebeu uma recusa peremptória, salvo de Artur Bernardes, que assumiu uma
postura conciliatória. Em conversa íntima com o deputado mineiro Afrânio de Melo
Franco, Epitácio Pessoa classificou de “deslealdade” a postura assumida no episódio
por São Paulo.62
59
Carta de Júlio Barbosa a Artur Bernardes.18/5/1921. AEL. FAB. MR 28.
60
Carta de Washington Luís a Carlos de Campos (cópia). 27/7/20. Arquivo Público do Estado de São
Paulo (APESP). Arquivo Washington Luís (AWL). Caixa 241. Pasta 1; carta de Alberto Sarmento a
Washington Luís. 9/9/20. APESP. AWL. Caixa 193. Pasta 2. Pires do Rio, ministro da Viação, não tinha
realmente ligações com o PRP, enquanto Azevedo Marques, do Exterior, fora deputado por aquele partido
só até 1905. Ver: MEYER, José Miguel. Verbete de Pires do Rio; DIAS, Carlos Ungaretti. Verbete de
Azevedo Marques. Dicionário da Elite Política Republicana (1889-1930) do CPDOC/FGV. Disponível
em: http://cpdoc.fgv.br. Acesso em: 11/6/2013.
61
Nesse capítulo, “Nordeste” é empregado para designar a área de atuação da IFOCS. Trata-se de uma
sugestão da própria documentação, que em geral refere-se a “Norte” quando trata da articulação política
dos estados da região. Para outra definição de Nordeste, ver: ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz. A
Invenção do Nordeste e outras Artes. São Paulo: Cortez, 1999.
62
Os ofícios enviados por sociedades representativas dos interesses cafeicultores, assim como a
correspondência trocada entre Washington Luís, representantes de São Paulo e o próprio presidente da
República podem ser encontrados nas caixas 241 e 194 do Arquivo de Washington Luís do APESP.
PANG, Eul-Soo. Coronelismo e Oligarquias 1889-1934, p. 158. Sobre a conversa entre Epitácio a
Afrânio, ocorrida nos jardins do palácio do Catete, ver: Carta de Afrânio de Melo Franco a Artur
Bernardes. 19/12/20. AEL. FAB. MR 31.
38
Segundo Viscardi, a atitude de Minas Gerais no caso objetivava garantir o apoio
de São Paulo para as eleições de 1922, mas sem perder a proteção do Catete. Atuando
como intermediários no caso do imposto e em outros (como a defesa do café),
estreitavam seus laços com ambas as forças enquanto viam o seu potencial concorrente
– o próprio Washington Luís – enfraquecer-se pelo desgaste de suas relações com o
governo federal. Após a atitude de Minas Gerais parcialmente favorável a Epitácio
Pessoa, Bernardes enviou a Washington Luís carta de justificativa do seu gesto para
preservar o bom entendimento entre os dois estados, o que não impediu o governador
paulista de sutilmente expressar seu descontentamento.63 De um modo ou de outro, o
deputado paulista (e amigo dos mineiros) Álvaro de Carvalho, em carta a Afrânio de
Melo Franco, admitiu como o governo de São Paulo não se saía bem: “Washington não
é candidato por não poder sê-lo e não porque não tenha grande desejo”. “Os paulistas”,
além disso, tratavam “tudo com muita inabilidade e disto dão provas nessa mesma
questão do imposto [de viação]”.64
Entretanto, como indicam ofícios do arquivo de Washington Luís, o desalinho
entre o Catete e o estado bandeirante tinha outras raízes além do mencionado na carta
do deputado Carvalho. A partir de meados de 1920, parte dos conflitos era causada
pelos efeitos da recessão econômica europeia, que implicou em escassez de créditos e
queda nas exportações brasileiras (em especial do café), situação agravada pela
desvalorização da rubiácea. Isso gerou desaquecimento nos negócios, inflação e
diminuição das importações e, em decorrência, afetou as contas da União, pagas em
moeda nacional e assentadas basicamente sobre tributos internos e de importações. A
falta de créditos e a queda nas exportações e preços do café levavam entidades
representativas suas e o governo de São Paulo a pressionarem o Catete por uma
intervenção em defesa do produto. Entretanto, o presidente da República contrariava
tais expectativas, já que sua atenção apontava para o equilíbrio do orçamento federal,
63
Carta de Artur Bernardes a Washington Luís. 2/1/1921. APESP. AWL. Pasta 201. Caixa 2; cópia de
carta de Washington Luís a Artur Bernardes. 14/9/1921. APESP. AWL. Caixa 201. Pasta 1. Observar que
a data registrada na cópia da carta de Washington Luís não é a correta. Trata-se, com toda certeza, de 14
de janeiro de 1921; carta de Artur Bernardes a Washington Luís. 17/1/1921. APESP. AWL. Caixa 201.
Pasta 2; cópia de Carta sem remetente (trata-se de Washington Luís) a Artur Bernardes. 21/9/1921.
APESP. AWL. Pasta 201. Caixa 2. Essa data também está incorreta, pois o correto é 21 de janeiro de
1921.
64
Carta de Afrânio de Melo Franco a Artur Bernardes. 19/12/20. AEL. FAB. MR 31. Nessa mesma carta,
Afrânio também descreveu a Bernardes, detalhadamente, o que Epitácio pensava dos paulistas.
39
dedicado aos gastos com as obras de combate às secas no Nordeste e afetado pela
conjuntura negativa vigente.65
Em meio a tal ambiente – e auxiliado pelos deputados Sampaio Vidal e Cincinato
Braga, Washington Luís encampou plano de criação de banco com privilégio emissor
para reformar o sistema de crédito do país e estimular a execução de um plano,
inteiramente nacional e perene, de defesa do café. Reclamada por setores ligados à
produção e ao comércio do produto, tal medida era uma tentativa de responder à
instabilidade dos mercados consumidor e financeiro internacional e às manobras de
preço dos importadores, seus parceiros no modelo clássico de defesa do produto.66 A
opinião de que o sistema de crédito estava na origem da crise por não atender ao
desenvolvimento do país era sustentada por Washington Luís e respaldada por Sampaio
Vidal.67 Para o deputado, um banco de emissão forçaria os credores nacionais a
oferecerem empréstimos a prazos e juros adequados à lavoura, tendo, assim, duas
funções interligadas, isto é, regular a circulação monetária e fornecer recursos aos
industriais, aos comerciantes e aos produtores agrícolas. 68 Em agosto de 1920,
Washington Luís lembrou em carta ao deputado Carlos de Campos que o governo
paulista colocava a reforma financeira acima de tudo, minimizando a necessidade de
mudanças como a instituição do voto secreto ou obrigatório e a reforma da
Constituição.69
Talvez pela oposição que despertava entre os demais estados e no Catete,
Washington Luís chegou a considerar confidenciais os detalhes da reforma, enquanto
insistia para que o Tesouro Nacional emitisse 50 mil contos de réis e os repassasse a
65
FRITSCH, Winston. 1922: a crise econômica. Estudos Históricos. vol. 6, n. 11. 1993, p. 3-8. A pressão
que o “paulista de Macaé”, isto é Washington Luís, vinha sofrendo dos cafeicultores pode ser ilustrada no
seguinte trecho de uma carta enviada por um anônimo que assina como “lavrador”: “se falta-lhe coragem
para enfrentar o problema passe o governo ao seu substituto, que ele, não obstante ter preparo medíocre,
é paulista e lavrador e temos esperança que alguma coisa tentará em nosso benefício”. Carta de Lavrador
a Washington Luís. Sem data. APESP. AWL. Caixa 194. Pasta 3. Correspondência enviada a
Washington por bancos e entidades representativas de interesse de classe e ligadas ao café: Carta do
Banco do Comércio e Indústria de São Paulo a Washington Luís. 24/7/20. APESP. AWL. Caixa 194.
Pasta 1; carta da Associação Comercial de Santos a Washington Luís. 19/8/1921. APESP. AWL. Caixa
194. Pasta 3; telegrama da Associação Comercial de Santos a Washington Luís. 31/8/20. APESP. AWL.
Caixa 194; carta da Associação Comercial de Santos a Washington Luís. 8/3/1921. APESP. AWL. Caixa
194. Pasta 1.
66
KUGELMAS, Eduardo. Difícil Hegemonia: um estudo sobre São Paulo na I República. São Paulo:
USP, 1986 (História, tese de doutorado), p. 143-147.
67
Carta de Washington Luís a Carlos de Campos. 20/8/1921. APESP. AWL. Caixa 241. Pasta 1.
68
Não foi possível identificar o jornal em que o artigo foi publicado. Ver: APESP. AWL. Caixa 201.
Pasta 1.
69
Carta de Washington Luís a Carlos de Campos. 23/8/20. APESP. AWL. Caixa 240. Pasta 3.
40
bancos paulistas para a compra de café disponível no mercado e a eliminação da crise
de numerários que atingia São Paulo.70 Com vistas a emissões em benefício da
cafeicultura, o deputado paulista Cincinato Braga tentou alterar em setembro de 1920
um projeto de intervenção federal no mercado do café, o que foi desaprovado por
Epitácio Pessoa e, em razão disso, gerou pedido de demissão do líder do governo na
Câmara dos Deputados, o paulista Carlos de Campos.71 Mais uma intervenção
conciliatória de Minas resultou na retirada do pedido.
Mais tarde, Epitácio Pessoa (que aceitara a demissão) autorizou apenas um
empréstimo a São Paulo e no valor de 30 mil contos, não 50 mil. Ponderou que, se o
café era afetado pela crise, eram igualmente a borracha da Amazônia e o cacau da Bahia
e, mesmo quanto ao café, era preciso considerar os interesses dos outros estados
cafeeiros, ou seja, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Foi com base na
concessão desse empréstimo que o presidente considerou São Paulo “desleal”, quando,
tendo sido sua vez de solicitar o empenho dos estados para criar o imposto de viação,
recebeu uma negativa de Washington Luís e do Partido Republicano Paulista (PRP).72
Em março de 1921, quando Epitácio Pessoa, convencido dos malefícios que a má
situação do café trazia à economia e às finanças, decidiu finalmente intervir no
mercado, a esperança de Washington Luís era, uma vez mais, por adicionais emissões
de socorro da parte do governo federal. Porém, ao manifestar esse desejo ao presidente,
recebeu dele a negativa e em acréscimo a confirmação de que o governo só interviria se
cada estado contribuísse com recursos na proporção de sua participação no mercado. O
presidente rebateu uma assertiva de Washington Luís, a de que a defesa do café “não era
um assunto regional”, mas sim merecedor “da atenção do governo do Brasil” e,
precipuamente, da “União, por ser produto máximo da exportação brasileira”. Para o
70
Os 50 mil contos, segundo Washington, serviriam ainda para aliviar a crise financeira causada pela
retirada abrupta, em 1920, de 150 mil contos de réis do estado para o pagamento de dívidas contraídas
junto à União em decorrência do Convênio de Taubaté e da valorização de 1917-18. Talvez essa retirada
tenha indisposto ainda mais Washington com Epitácio. Em setembro, o ministro gaúcho da Fazenda,
Homero Batista, chegou a prometer ao governo de São Paulo a soma de apenas 20 mil contos através de
empréstimo no Banco do Brasil. Ver: Carta de Homero Batista a Washington Luís. 31/9/20. APESP.
AWL. Caixa 194. Pasta 1.
71
VISCARDI, Cláudia. O teatro das oligarquias, p. 294.
72
Carta de Afrânio de Melo Franco a Artur Bernardes. 19/12/20. AEL. FAB. MR 31.
41
Catete, a matéria concernia “mais imediatamente ao estado que nele, sobretudo, tem
encontrado os elementos de sua prosperidade”. 73
Com os 50 mil, Washington Luís desejava na prática ensaiar de imediato
operações de redesconto de títulos comerciais em benefício do café – preparação do
terreno político para a criação do seu banco emissor.74 Em maio, Raul Soares informou
a Bernardes: “diz Washington que a candidatura Bernardes é de São Paulo, cujo maior
interesse é assegurar o seu triunfo. O único empenho dele é incluir no programa a
solução do problema do crédito – o tal banco emissor. Mais nada”. 75 Mesmo que a
criação do órgão fosse um contrassenso à ênfase dada por Artur Bernardes à austeridade
financeira e orçamentária, os mineiros endossaram tal projeto para garantir o arrimo e o
sufrágio de São Paulo nas eleições de 1922. 76
Relatei tais conflitos para indicar um dos aspectos que explicam a emergência, na
sucessão de Epitácio Pessoa, da aliança entre Minas Gerais e São Paulo. No começo, o
grupo incluiu o Rio Grande do Sul, mas incompatibilidades descritas a seguir levaram
os gaúchos a se afastarem dos dois estados, antes mesmo que a candidatura de Artur
Bernardes fosse lançada. Nas negociações prévias para a escolha do candidato oficial, o
PRP encontrava-se divido e o governador bandeirante enfraquecia-se politicamente
pelas resistências do presidente paraibano aos seus apelos de intervenção federal em
defesa do café. Com dificuldades para se apresentar ou indicar candidato próprio à
sucessão presidencial, Washington Luís condicionou a aceitação de nome de Bernardes
à adoção pelos mineiros do projeto paulista de reforma do sistema nacional de crédito.
Os mineiros aceitaram tal programa, pois haviam escolhido São Paulo, ao lado do Rio
73
Cópia de Telegrama de Washington Luís a Epitácio Pessoa. 18.3.21. APESP. AWL. Caixa 194. Pasta
1; telegrama de Epitácio Pessoa a Washington Luís. 29/3/1921. APESP. AWL. Caixa 194. Pasta 1;
telegrama de Washington Luís a Epitácio Pessoa. 29/3/1921. APESP. AWL. Caixa 1941. Pasta 1.
74
Carta de Washington Luís a Carlos de Campos. 20/8/1921. APESP. AWL. Caixa 241. Pasta 1.
75
Carta de Raul Soares a Washington Luís. 1/5/1921. AEL. FAB. MR 28. Grifo meu para evidenciar que
o banco emissor era um programa paulista e não mineiro.
76
Há nesse período detalhes sobre tal conflito de interesse que assumirão maiores proporções no final do
triênio Epitácio Pessoa e no quatriênio Artur Bernardes. Em outubro de 1920, Epitácio Pessoa autorizou
em benefício do café uma pequena emissão e a criação da Carteira de Redesconto do Banco do Brasil.
Com tal instrumento, o banco poderia emitir para descontar títulos lançados por casas comerciais sobre
sacas de café armazenadas – com limite imposto pelo governo federal. No começo do ano seguinte,
Epitácio Pessoa autorizou que o banco comprasse os títulos comerciais de uma grande empresa ligada aos
produtores de café. Entretanto, o emprego paralelo de recursos do banco para financiar o déficit público
impossibilitou o sucesso das operações sem que se lançasse mão de grandes emissões através da carteira.
Reaparecia o conflito de interesses entre o setor cafeeiro e o Estado. Em resposta, o governo contraiu
empréstimo no exterior para a compra de café. Ver: FRITSCH, Winston. Apogeu e crise na primeira
república: 1900-1930. In ABREU, Marcelo de Paiva (org.). A Ordem do Progresso: cem anos de política
econômica republicana 1889-1989. Campinas: Editora Campus, 1995, p. 47-48.
42
Grande do Sul, como parceiros preferenciais no plano de isolar Epitácio Pessoa, Nilo
Peçanha e dificultar o encaminhamento de qualquer projeto sucessório estranho aos
interesses de Minas Gerais. Incluindo incialmente o Rio Grande do Sul, a aliança entre
Minas Gerais e São Paulo emergia, então, como uma precaução contra os perigos
representados pelas aspirações de Epitácio Pessoa, dos estados do Norte e do governo
fluminense.
Mas não bastava isolar o presidente, era preciso conquistá-lo, requisito mínimo
para uma sucessão sem distúrbios sociais. Raul Soares, concordando com Washington
Luís, considerava que Epitácio Pessoa não teria condições de impor um nome nortista
contra a vontade dos estados do Sul, mas tinha condições de vetar qualquer candidatura
que lhe fosse hostil, bastando para isso negar-lhe apoio num meio político que já se
mostrava pouco propício a uma eleição tranquila.
Acreditava-se que a articulação de uma frente de estados nortistas por parte de
Epitácio Pessoa desdobrar-se-ia do auxílio com que ele distinguia o Nordeste através da
Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS). Um deputado mineiro opinou que
o presidente não reunia condições para tal realização, pois os investimentos haviam-se
concentrado na Paraíba, em detrimento dos demais estados da região.77 O seabrista
Antônio Moniz afirmou que o presidente tentou animar as oposições baianas na eleição
estadual de 1919 para tornar o candidato ruísta (Paulo Martins Fontes) vitorioso e
dependente da investidura federal, com o propósito de tornar a Bahia, ao lado de
Pernambuco, o centro das operações nortistas. Moniz afirmou que Epitácio Pessoa
desistiu do seu intuito, mas não informou quando nem o porquê.78
Sua opinião fazia sentido, pois a atuação em bloco do Norte seria facilitada pela
existência de sintonia entre o governo federal os dois maiores estados da região, isto é,
Bahia e Pernambuco, uma vez que os outros estados – salvo o Ceará – eram em geral
tidos como pequenos e, portanto, tementes ao Catete. Mas no começo do governo de
Epitácio, o tabuleiro da política baiana era bem mais um fator de risco do que um porto
seguro. Além disso, o presidente era agora adversário de Rui Barbosa e de Moniz
Sodré.79
77
Carta de Joaquim Sales a Artur Bernardes. 26/4/1921. AEL. FAB. MR 28.
78
ARAGÃO, Antônio Moniz, A Bahia e seus governadores na República, p. 690. A primeira edição
desse livro é de 1923.
79
Rui Barbosa concorrera com Epitácio na sucessão presidencial de 1919. A informação de que o senador
baiano e Moniz Sodré eram adversários e até inimigos de Epitácio Pessoa pode ser encontrada nos
43
Alguns indícios demonstram que, apesar dessas dificuldades, Epitácio Pessoa, na
sucessão de 1922, tentou favorecer os estados do Norte em articulação não com a Bahia,
mas com Pernambuco, que tinha no proeminente deputado Estácio Coimbra um elo
sólido com a Presidência da República. Como visto, Pernambuco, em oposição à Bahia,
vinha experimentando fase de estabilidade com a implantação da política pacificadora
de José Bezerra. Em março de 1921, Ascendino Cunha, líder da bancada paraibana e
amigo pessoal de Epitácio Pessoa, procurou o mineiro Afrânio de Melo Franco e
participou-lhe que a adesão do Catete à candidatura do governador mineiro era
condicionada à continuidade no quadriênio subsequente do programa de combate às
secas do Nordeste, o que foi aceito pelos bernardistas.80
Em abril e maio, o presidente pressionou Minas Gerais para que a candidatura de
Bernardes fosse lançada só depois do reconhecimento de poderes dos eleitos para o
Congresso Nacional, muito provavelmente para impedir que a possível adesão dos
estados ao nome mineiro enfraquecesse sua autoridade sobre a composição da nova
legislatura.81 Em seguida, exigiu a demissão do líder paulista do governo na Câmara dos
Deputados (Carlos de Campos) e o substituiu por Estácio Coimbra, o que tornou
Pernambuco o seu representante no Congresso Nacional, uma vez que a bancada
estadual logo prestou solidariedade ao seu líder. Pressionou igualmente pela demissão
do presidente mineiro da Casa (Júlio Bueno Brandão) chegando a sugerir para o lugar o
deputado baiano Torquato Moreira. Desistiu desse nome graças a uma ponderação – não
detalhada na carta – de Estácio Coimbra e à resistência de Minas Gerais, que aproveitou
a situação para fortalecer a aliança com São Paulo através da indicação do paulista
Arnolfo Azevedo.82 Sofrendo resistências, tentou retirar os grandes estados das
presidências das comissões parlamentares. Ao final da composição, os estados com
seguintes documentos: Carta de Carvalho de Brito a Artur Bernardes. 31/5/21; AEL. FAB. MR 28; carta
de Afrânio de Melo Franco a Artur Bernardes. 19/7/1922. AEL. FAB. MR 28.
80
O deputado paraibano e amigo de Epitácio era Ascendino Cunha. Carta de Afrânio de Melo Franco a
Artur Bernardes. 22/3/1921. AEL. FAB. MR 28; carta de Pires do Rio a Artur Bernardes. 29/3/1921.
AEL. FAB. MR 28.
81
Carta de Antônio Azeredo a Artur Bernardes. 10/5/1921. AEL. FAB. MR 28.
82
Carta sem remetente e sem destinatário. 19/4/1921. AEL. FAB. MR 28. Ver o fotograma número 94 do
microfilme. Não foi esclarecido qual seria a ponderação de Estácio Coimbra, mas ela foi mencionada
aqui: Carta de Carvalho de Brito a Artur Bernardes. 19/4/1921. AEL. FAB. MR 28; carta de Raul Soares
a Artur Bernardes. 20/4/1921. AEL. FAB. MR28.
44
presidências das comissões mais importantes na Câmara dos Deputados eram Minas
Gerais, Pernambuco e Maranhão.83
As consequências da desarmonia entre o Catete e o nome mineiro vieram à tona
por ocasião do reconhecimento de poderes, quando o presidente, com vistas a criar uma
forte situação no Congresso Nacional, procurou facilitar a entrada de candidatos aliados
e impedir a de opositores, aplicando aos trabalhos uma influência concorrente àquela
voltada para angariar amparos à candidatura Bernardes. Isso frustrou os mineiros, que
esperavam usar a sua grande bancada no Parlamento para negociar apoio nos casos de
contestações de diploma. Além de pedir que a candidatura só fosse lançada depois de
concluído o reconhecimento, o presidente pressionou para que a bancada de Minas o
acompanhasse em seus propósitos. Blefando ou não, alegava que era seguido em peso
pelo Norte.84
No caso da Bahia, por exemplo, o presidente pediu aos mineiros que votassem
pelo reconhecimento de Leão Veloso, candidato ruísta que contestava a eleição de um
seabrista do PRD. Veloso era diretor e homem influente na redação do Correio da
Manhã e por isso obteve o respaldo de Edmundo Bittencourt, ruísta e proprietário do
jornal. Bittencourt prometeu aos mineiros não rejeitar Bernardes se Minas Gerais
votasse pelo reconhecimento do seu candidato. Entretanto, apesar de tais pressões, os
mineiros se pronunciaram em favor do seabrismo, para garantir o seu sufrágio nas
eleições presidenciais. 85 Noutro caso, Epitácio Pessoa, após muita insistência, conseguiu
que Minas Gerais se manifestasse contra o reconhecimento de Nicanor Nascimento, o
que foi muito embaraçoso, pois o caso ganhou repercussão na imprensa e nele São
Paulo votaria contra o Catete.
No Senado, os mineiros tiveram dificuldade num caso de contestação do Piauí, em
que Epitácio optou pelo reconhecimento de Félix Pacheco, enquanto São Paulo optou
por um militar que representava o descontentamento do Exército contra o governo
83
O Imparcial (Rio de Janeiro), 6/5/1921. Ver também: Anais da Câmara dos Deputados. Volume 2.
1922. Sobre Epitácio Pessoa e como os recursos do IFOCS permitiram-lhe consolidar o poder de sua
oligarquia na Paraíba, ver: LEWIN, Linda. Política e Parentela na Paraíba. Rio de Janeiro: Editora
Record, 1993.
84
Carta de Raul Soares a Artur Bernardes. 29.4.21. AEL. FAB. MR 28; carta de Carvalho de Brito a
Artur Bernardes. 3/5/1921. AEL. FAB. MR 31; carta de Armando Burlamaqui a Artur Bernardes.
9/5/1921. AEL. FAB. MR 28.
85
Carta de Raul Soares a Artur Bernardes. 24/4/1921. AEL. FAB. MR 28; carta de Raul Soares a Artur
Bernardes. 29/4/1921. AEL. FAB. MR 28. As relações entre Edmundo Bittencourt com Rui Barbosa e
Leão Veloso foram descritas em: BORGES, Vera Lúcia Bógea. A Batalha Eleitoral de 1910. Rio de
Janeiro: Apicuri, 2011, p. 96-98. Ver também: Correio da Manhã, 15/6/1951, p. 7.
45
federal. 86 Num caso de contestação do próprio estado de São Paulo, Ascendino Cunha
pediu aos mineiros que votassem com o presidente da República e contra Washington
Luís. Quando um deputado mineiro manifestou-se favorável a encaminhamento
semelhante, Afrânio de Melo Franco teve de intervir para que o seu gesto não levasse ao
esfriamento das relações entre Minas Gerais e São Paulo.87
Segundo parte da historiografia, reformas introduzidas por Campos Sales (1898-
1902) no regimento interno da Câmara dos Deputados eliminaram ou diminuíram
substancialmente os riscos de conflito entre Legislativo e Executivo, conferindo
estabilidade à República. Pela reforma, o presidente da nova legislatura, em vias de
constituir-se através dos reconhecimentos de poderes, não seria mais o deputado mais
idoso, mas sim o presidente da legislatura finda, eleito sob influência do Catete. Como
esse presidente seria o responsável pela eleição das comissões de verificação de
poderes, conferia-se ao governo federal influência sobre a composição da nova Câmara
dos Deputados. Igualmente, os diplomas dos deputados, antes emitidos por essas
comissões, seriam a partir de então as atas emitidas nas eleições, ocorridas nos estados.
Com isso, transferiam-se da Casa para os estados as disputas em torno das eleições e do
reconhecimento de poderes.
No entanto, as intervenções de Epitácio Pessoa durante o reconhecimento e a
composição da mesa da Casa revelam a permanência dos riscos de conflitos que tais
ocasiões traziam para as relações entre Executivo e Legislativo. Como observou Cláudia
Viscardi, a reforma inserida por Campos Sales na eleição do presidente da Câmara seria
posteriormente desfeita e o dispositivo sobre o diploma dos deputados não eliminaria o
poder de veto das comissões de verificação de poderes e, portanto, a influência dos
parlamentares na renovação da Câmara dos Deputados. A crença na longevidade dos
efeitos das reformas de Campos Sales está na base de algumas interpretações que
validam a tese do café com leite, isto é, a da existência de uma aliança permanente entre
Minas Gerais e São Paulo.88
86
Carta de Raul Soares a Artur Bernardes. 1/5/1921. AEL. FAB. MR 28; APESP. Carta de Nicanor
Nascimento a Washington Luís. 20/5/1921. Caixa 193. Pasta 1.
87
Carta de Ascendino Cunha a Artur Bernardes. 16/4/1921. AEL. FAB. MR 28; carta de Afrânio de Melo
Franco a Washington Luís. ?/5/1921. APESP. Caixa 193. Pasta 1.
88
VISCARDI, Cláudia. O teatro das oligarquias, p. 31-34. Um exemplo dessa associação entre política
do café com leite e reformas de Campos Sales está na introdução comum publicada pelos historiadores
Joseph Love, Robert Levine e John Wirth sobre São Paulo, Pernambuco e Minas Gerais. Ver, por
exemplo, LEVINE, Robert. A Velha Usina: Pernambuco na federação brasileira, 1889-1937. Rio de
Janeiro, Paz e Terra, 1980, p. 21.
46
É possível que a adesão dos mineiros ao projeto do banco emissor de Washington
Luís tenha levado Borges de Medeiros a se afastar de Artur Bernardes, mesmo após
expressar concordância quando procurado por Pedro Mibiéli. Tal hipótese não exclui a
indicada por Viscardi – de que os gaúchos opuseram-se ao nome mineiro por se verem
excluídos das negociações para sua escolha. 89 Deixar de ser consultado para as
articulações de uma candidatura significava não ter, da parte do escolhido, postos em
matéria de ocupação de posições ou montagem de programas no futuro governo.
Segundo o deputado Olinto Magalhães, o governador gaúcho estava melindroso pela
circunstância de não ter sido ouvido antes da divulgação da combinação feita entre
Minas Gerais e São Paulo.90 Como suspeitou Joseph Love, tal melindre expressava
muito provavelmente a reticência dos gaúchos ante a possível adoção do projeto de
banco emissor ou mesmo o temor de futuras alterações na Constituição.91
Não por acaso, Borges de Medeiros exigiu que o programa de Artur Bernardes
fosse dado a público e amplamente debatido antes que o Rio Grande do Sul
manifestasse sua anuência. Num claro sinal de que a sucessão ameaçava tomar um rumo
distinto do padrão usual – o que os mineiros procuravam evitar, a exigência de Borges
de Medeiros propunha o rompimento com uma cultura política em que as candidaturas
eram negociadas em altas esferas da política, isto é, distante da participação dos estados
menos poderosos, da imprensa e da população eleitora ou não. Raul Soares observou
que o debate público de programas levaria ao desgaste do nome de Artur Bernardes ao
revelar a contradição de interesses entre as forças com as quais Minas Gerais
barganhava. Em carta a Artur Bernardes, considerou que a aceitação da proposta gaúcha
criaria situação difícil, “dada a anarquia política do nosso meio. Verifique, por exemplo,
que ele [Borges de Medeiros] é contrário a golpes de emissão bancária, ponto capital de
São Paulo”.92
89
VISCARDI, Cláudia. O teatro das oligarquias, p. 302.
90
AEL. FAB. MR28. Carta de Raul Soares a Artur Bernardes. 1/6/1921.
91
LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho e as origens da revolução de 1930, p. 204-205.
92
Carta de Raul Soares a Artur Bernardes. 7/4/1921. AEL. FAB. MR 28.
47
circulavam notícias da distância do Rio Grande do Sul, da iminência do retorno de Nilo
Peçanha da Europa e das articulações de militares descontentes em torno da candidatura
do marechal Hermes da Fonseca. Parte dos hermistas almejava o controle da República
pelos militares, para – seguindo o repertório da caserna – “salvá-la” do “bacharelismo”
e da “politicagem” civil. Mas a candidatura Hermes da Fonseca também reunia civis
antagônicos ao governo federal, lideranças do movimento operário, além da imprensa
carioca – todos vendo no marechal um antídoto contra o esquema dominante que os
excluía do poder, cuja continuidade era visualizada na candidatura mineira. De fato, o
nome de Hermes da Fonseca seria envolvido em diferentes episódios de conflito entre
oficiais descontentes, Epitácio Pessoa e o ministro civil da Guerra Pandiá Calógeras e
oficiais descontentes.93
Diante desse quadro movediço, Raul Soares reconheceu a urgência do
lançamento da candidatura Bernardes para, através da adesão dos estados, dar uma
demonstração pública de força.94 Seria ideal, para isso, que São Paulo erguesse o nome
mineiro, para assim demonstrar ao mundo político a adesão dos paulistas. Mas
Washington Luís recusou-se a agir, alegando que o lançamento da candidatura por seu
estado levaria ao veto do Catete, dado o hiato entre São Paulo e a Presidência da
República. Diante disso, em 20 de maio, o PRM enviou telegrama a todos os
governadores convidando representantes seus para a Convenção Nacional em que o
nome de Bernardes seria homologado. Enquanto os estados a princípio aceitaram
participar da assembleia, Borges de Medeiros negou-se e confirmou em telegrama a
exigência de que a plataforma de Bernardes fosse revelada e discutida. 95
Como fica evidente até aqui, os mineiros agiram com cuidado e lançaram mão do
convencimento e da negociação para serem ombreados pelo Rio Grande do Sul, São
Paulo e, em seguida, o próprio Catete. Posteriormente, na tentativa de manter tais
aliados, comprometeram-se com as exigências dos paulistas de criação de um banco
emissor e com as exigências de Epitácio Pessoa, entre elas a parceria no reconhecimento
de poderes, concessão de espaços no Congresso Nacional aos estados do Norte, além do
compromisso de manter o programa de obras contra as secas. A defecção do Rio Grande
93
Os ministérios militares eram o da Marinha e da Guerra. PRESTES, Anita. Os militares e a Reação
Republicana: as origens do tenentismo. Petrópolis: Vozes, 1993, p. 41-53.
94
Carta de Armando Burlamaqui a Artur Bernardes. 9/5/1921. AEL. FAB. MR 28; carta de Raul Soares a
Artur Bernardes. 10/5/1921. AEL. FAB. MR 28.
95
Telegrama de Borges de Medeiros a Artur Bernardes. 24/5/1921. AEL. FAB. MR 28.
48
do Sul, porém, representou a impossibilidade de contentar a todos e expôs a contradição
de interesses entre os atores com os quais os mineiros conversavam, o que ficou exposto
na exigência de exposição e discussão do programa de Artur Bernardes.
A recusa de Borges de Medeiros deixou o Rio Grande do Sul fora da aliança,
aumentando o risco de uma candidatura dissidente. Porém, do mesmo modo que os
aliados de Bernardes procuravam frustrar o estado do Rio de Janeiro encaminhando a
questão sucessória antes do retorno do líder fluminense de sua viagem à Europa,
também contavam poder isolar o líder gaúcho e suas exigências. “O Rio Grande
continua na moita”, disse Raul Soares a Artur Bernardes, “quer declaração, ao que me
consta, nem que seja particularmente. Para mim, o que ele quer agora é uma saída.
Creio que todo programa servirá para ele”. Opinião semelhante manifestou Carvalho de
Brito ao governador mineiro: “não contemos com os puritanos do Rio Grande nem com
os negocistas de São Paulo. Aqueles idealistas ficam, como conservadores, com o
governo, da mesma maneira que estes homens práticos”.96
O lançamento da candidatura Seabra no final de maio expôs novo conflito de
interesse entre as forças com as quais Minas Gerais articulava e, ao mesmo tempo,
frustrou os seus planos de isolar o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro. Para assegurar
o apoio dos estados do Norte e do Catete, Minas e São Paulo haviam deixado para
Epitácio Pessoa a escolha de um candidato nortista para a vice-presidência da
República. Como ocasionalmente o vice poderia substituir o titular, o cargo era
estratégico e seu ocupante deveria inspirar confiança do presidente e das forças que o
sustentavam. O risco era menor em substituições temporárias, mas em 1897 o paulista
Prudente de Morais precisou reassumir às pressas a Presidência com vistas a obstar um
suposto golpe envolvendo o vice baiano, Manuel Vitorino.97 Em substituições
permanentes, o vice teria a chance de influir nos rumos políticos do país através do
exercício da Presidência e do encaminhamento de sua própria sucessão. Quando Afonso
Pena faleceu na segunda metade do seu mandato, Nilo Peçanha completou a gestão e
imprimiu à sua sucessão presidencial um caminho distinto do desejado pelo antecessor e
seus aliados. Já o mineiro Delfim Moreira não completou o quadriênio do paulista
Rodrigues Alves, mas sua presença no palácio do Catete foi importante para que São
Paulo não retomasse o cargo em 1919.
96
Telegrama de Raul Soares a Artur Bernardes. 23/5/1921. AEL. FAB. MR 28; carta de Carvalho de
Brito a Artur Bernardes. 13/5/1921. AEL. FAB. MR 28.
97
SAMPAIO, Consuelo Novais (org.). Canudos: cartas para o barão. São Paulo: Edusp, 2001, p. 64.
49
Além disso, o vice-presidente era em simultâneo presidente do Senado Federal e
do Congresso Nacional, detendo o voto de Minerva. Por fim, tinha o poder de sancionar
qualquer projeto de lei rejeitado pelo Executivo Federal e que, reenviado às duas casas
do Parlamento, houvesse recebido maioria de dois terços.98 O vice era, de certa forma,
um ponto de articulação entre o Senado e o Executivo. Como o cargo, por tais razões,
exigia harmonia de vistas e estreita colaboração, não era estranho que o vice aparecesse
entre os presidenciáveis assim que se abria o processo sucessório.99 A propósito, até a
gestão de Epitácio Pessoa, quatro dos sete vice-presidentes da República haviam
substituído permanentemente o chefe do Executivo ou por eleição sucederam-no na
Presidência da República.100 Portanto, além de estar encarregada de um estreito contato
com os atores e as instâncias federais da política, a vice-presidência poderia ser um
degrau para a Presidência da República.
Mas o lançamento sob pressão do nome do governador de Minas Gerais pelo
próprio PRM, por meio da convocatória à Convenção Nacional, deixou aberto o cargo
para a vice-presidência e deu espaço para uma nova disputa, isto é, a ocorrida entre
Bahia, Pernambuco e secundariamente o Rio de Janeiro. Ciente das aspirações da Bahia
e do Rio de Janeiro, Epitácio Pessoa prestigiou de modo discreto o governador de
Pernambuco, José Bezerra. Como notou um correspondente de Bernardes: “Pernambuco
era a terra onde o presidente formou o seu espírito, lá tinha parentes e amigos, de lá
tirou o seu líder”, Estácio Coimbra. Na Bahia, em contrapartida, Seabra realizara um
acordo com Rui Barbosa (adversário de Epitácio), além de não honrar compromissos
financeiros firmados com o Banco do Brasil. 101
O presidente, inclusive, prometera aos pernambucanos que o nome de José
Bezerra seria lançado pela Paraíba; entretanto, recuou quando a Bahia lançou o nome de
Seabra, jurando neutralidade, apesar de nos bastidores continuar em prol de Bezerra.
Evitando declarações públicas, 102 Epitácio Pessoa confessou a Raul Soares numa
conversa: “não posso em hipótese alguma aceitar o Seabra”, explicando-se assim:
“nossas relações nunca foram boas. Conheço-o desde o tempo em [que] era estudante e
98
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 24 de fevereiro de 1891. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 19/08/2014.
99
Desde que não tivesse assumido a Presidência no último ano do mandato.
100
Ver o site da Presidência: http://www2.planalto.gov.br/. Acesso em: 28/8/2014.
101
Carta de Carvalho de Brito a Artur Bernardes. 31/5/1921. AEL. FAB. MR 28.
102
Em editorial, o governista O Imparcial, dentre outras coisas, indicou que a existência de medo de que
a divisão do mundo político em torno da sucessão comprometesse a administração de Epitácio no
Congresso. O Imparcial (Rio de Janeiro), 23/4/1921.
50
ele professor”, na faculdade de Direito do Recife. “Formei dele mau juízo”, apontou.
“Desde a intervenção na Bahia [Seabra] nunca mais se correspondeu comigo”. Nesse
trecho, não fica claro porque a intervenção de 1919 teria esfriado as relações entre o
Catete e o situacionismo baiano, mas é fato que Epitácio Pessoa só agiu naquela ocasião
bem depois de o governador Antônio Moniz requisitar a intervenção, a qual, por fim,
beneficiou os coronéis rebeldes e não o governo estadual. 103
Com tais indicações – isto é, simpatia por José Bezerra, hostilidade por J. J.
Seabra e recusa em envolver sua autoridade pública em benefício da candidatura
pernambucana, Epitácio, de modo proposital ou não, revelou a seriedade da disputa em
torno da vice-presidência. Relembrando tal acontecimento, o Diário da Bahia atribuiria
ao presidente o intuito de deslocar para Pernambuco e Paraíba uma suposta
“supremacia” da Bahia sobre o Norte.104 Entretanto, se os pernambucanos contavam
com as simpatias de Epitácio Pessoa, Seabra conquistou, além de Antônio Azeredo
(vice-presidente do Senado e um dos chefes do Mato Grosso), o Rio Grande do Sul e o
senador carioca Paulo de Frontin (principal liderança do Distrito Federal), o que foi
visto como um sinal de que sua postulação recebia o apoio de adversários do Catete.105
Além de Seabra contar com a parceria do sertanejo e capitalista baiano Geraldo Rocha,
dono de uma rede de jornais cariocas (A Notícia, Rio Jornal e a Pátria) que poderia
levar “perturbações” ao ambiente político, O Democrata publicou que ele recebeu apoio
do Maranhão e do Ceará, numa tentativa de indicar que a Bahia conseguia adesões no
Norte.106 Em entrevista concedida ao Diário de Notícias, Seabra argumentou que a
recusa do seu nome traria embaraços Bernardes, pois os elementos que o apoiavam
poderiam julgar-se preteridos por Minas Gerais. Para indicar que valia mais do que José
Bezerra, explicou que a Bahia jamais ficaria isolada caso fosse abandonada, pois,
diferente do Leão do Norte, contava com a adesão do Rio Grande do Sul, que já havia
negado apoio a Minas Gerais.107 “Estamos num impasse terrível”, lamentou o senador
Raul Soares ao governador mineiro: manifestar “pelo Bezerra é ter contra nós a Bahia e
com certeza o Rio Grande do Sul, que seria capaz de animar uma chapa para presidente
103
Sobre a promessa de neutralidade feita por Epitácio a Seabra, ver: Carta de Carvalho de Brito a Artur
Bernardes. 31/5/1921. AEL. FAB. MR 28; carta de Raul Soares a Artur Bernardes. 2/6/1921. AEL. FAB.
MR 28. Sobre os compromissos de Epitácio com Pernambuco, ver: Carta de Raul Soares a Artur
Bernardes. 31/5/1921. AEL. FAB. MR 8.
104
Diário da Bahia, 13/10/22 e 14/10/1922.
105
O Imparcial (Rio de Janeiro) do dia 1/6/1921. O Democrata, 2/6/1921.
106
Carta de Carvalho de Brito a Artur Bernardes. 31/5/1921. AEL. FAB. MR 28.
107
Diário de Notícias, 4/6/1921.
51
e vice-presidente”, reunindo “todos os descontentes, miseráveis, elementos anárquicos e
etc”. Indicar Seabra, por sua vez, era “pôr contra nós declaradamente o Bezerra e nos
bastidores ou talvez publicamente o presidente [Epitácio] e o estado do Rio. Veja que
situação!”.108
O próprio Washington Luís recebeu solicitação de apoio por parte da bancada da
Bahia e de Pernambuco, mas decidiu conservar a neutralidade e não envolver na disputa
o estado de São Paulo.109 Noutro indício da relevância do cargo em questão, o
governador mineiro explicou a Antônio Azeredo que temia intervir na disputa, optar por
um candidato que, por fim, não fosse o escolhido e assim colocar em risco a harmonia
de vistas que deveria prevalecer entre o presidente e seu companheiro de chapa.110
Aliás, durante parte do tempo em que Bahia e Pernambuco disputaram a vaga, as
sessões no Congresso Nacional foram esvaziadas para evitar choques entre as duas
bancadas e o consequente agravamento da situação.111
Figura 7 - Epitácio Pessoa em estúdio de Augusto Malta. Rio de Janeiro, 27/1/1922. Fonte:
sítio do Arquivo G. Ermakoff.
108
A referência à oposição do Rio de Janeiro à candidatura de J. J. Seabra explica-se pelo desejo do
governador do estado Raul Veiga de ocupar a vice-presidência, apesar da ambição de Nilo Peçanha de
obter para o Rio de Janeiro a Presidência da República. Carta de Raul Soares para Artur Bernardes.
31/5/1921. AEL. FAB. MR 28.
109
Cópia de telegrama de Washington Luís para Artur Bernardes. 26/5/1921. APESP. AWL. Caixa 201.
Pasta 2; cópia de telegrama de Washington Luís para Moniz Sodré. 27/5/1921. APESP. AWL. Caixa 201.
Pasta 2.
110
Carta de Artur Bernardes a Antônio Azeredo. 31/5/1921. AEL. FAB. MR 28.
111
O Imparcial (Rio de Janeiro), 11/6/1921.
52
A atitude de Epitácio Pessoa demonstra que a crise decorria em parte da
inexistência de identificação perfeita entre o Catete e a candidatura de Minas Gerais,
evidência do papel estratégico do Executivo Federal em sua própria renovação e,
consequentemente, na ocorrência de sucessões tranquilas. O presidente não detinha
monopólio na escolha do sucessor. Mas fazia parte das negociações e tinha o poder de
veto de nomes emergentes das negociações com as oligarquias estaduais. Com efeito,
num determinado momento, Bernardes chegou a decidir-se por Seabra, mas recuou
diante da ponderação de Raul Soares de que o presidente não aceitaria tal solução.112
Diante do impasse, o paraibano passaria a endossar a indicação de um terceiro nome,
tendo Antônio Azeredo mostrado os riscos dessa opção: “seria talvez prejudicar a nossa
causa, que começa a ser combatida desabridamente, ao ponto de se falar em
candidaturas militares”. Para ele, se os baianos insistissem com o nome de Seabra e se
os pernambucanos não abandonasse a candidatura Bezerra, “não nos iludamos, teremos
dias amargos e de grande agitação”. 113 Embora, com tais palavras, Azeredo quisesse
levar Minas a decidir-se por Seabra, sua análise encontraria respaldo na publicação
posterior de uma nota em que as bancadas de Pernambuco e da Bahia informavam que
já entravam em acordo para a indicação de Seabra ou de Bezerra, ao mesmo tempo em
que rejeitavam um tertius. Contrapondo-se a Epitácio Pessoa, Pernambuco e Bahia
reivindicavam sua liderança sobre o Norte e um maior espaço nas negociações para a
sucessão presidencial. 114
Para os bernardistas, numa conjuntura em que parecia difícil preservar as alianças,
tendo o Rio Grande do Sul virtualmente já na oposição, agir na hora certa era vital.
Marcar a convenção para uma data anterior ao retorno de Nilo Peçanha ao país seria
obter o compromisso dos partidos estaduais e impedir que o líder fluminense, de volta,
pudesse dificultar o encaminhamento das negociações ou mesmo articular uma
candidatura alternativa. Daí a relevância da disputa em torno da vice-presidência: ao
levantar o nome de Seabra contra o Catete e Pernambuco, a Bahia ameaçava esgarçar
divisões em curso, dificultando a neutralização, pelos mineiros, do Rio Grande do Sul e
do Rio de Janeiro. Com efeito, a disputa entre Bahia e Pernambuco impôs aos mineiros
112
Carta de Raul Soares a Artur Bernardes. 1/6/1921. AEL. FAB. MR 28.
113
Carta de Leon Roussoulieres a Artur Bernardes. 21/5/1921. AEL. FAB. MR 28; carta de Antônio
Azeredo a Artur Bernardes. 31/5/1921. AEL. FAB. MR 28. Carta de Raul Soares a Artur Bernardes.
2/6/1921. AEL. FAB. MR 28.
114
O Imparcial (Rio de Janeiro), 2.6.21
53
a pressão para que cedessem e convocassem a reunião dos estados para depois da
chegada de Nilo, na esperança de que ele contribuísse para desanuviar o ambiente,
através de negociações junto a seus amigos Seabra e Bezerra. Era uma medida arriscada
e, consciente disso, Raul Soares obteve da bancada da Bahia e de Pernambuco a
publicação de uma nota em que colocavam fora de questão a candidatura Bernardes. 115
Apesar disso, quando Nilo Peçanha retornou, as condições para o aparecimento de
uma candidatura dissidente já estavam dadas. Primeiro, o chefe fluminense procurou
revelar ao mundo político a intransigência de Minas Gerais ao simular empenho pela
indicação de candidato consensual para a vice-presidência, o que sabidamente seria
negado pelos aliados de Bernardes.116 Com isso, lançava sobre tais políticos a
responsabilidade pelo impasse surgido e criava certa legitimidade para que na
Convenção Nacional não tomassem parte os demais estados, principalmente Bahia,
Pernambuco e o próprio Rio de Janeiro, que já se haviam comprometido em participar
da reunião, mas estavam descontentes com os rumos das negociações. Diante de tal
quadro, o Rio Grande do Sul manteve-se firme em sua recusa de participar da
Convenção, convocada para 8 de junho. Pernambuco e Bahia ausentaram-se, com a
justificativa de não concordarem com a decisão dos aliados de Bernardes de levar à
assembleia, como candidato tertius para a vice-presidência, o nome do governador do
Maranhão, Urbano Santos. O Rio de Janeiro não compareceu e apresentou como
justificativa uma crítica de Nilo Peçanha a convenções voltadas para a escolha de
candidatos à Presidência e nas quais comparecessem parlamentares que posteriormente
apurariam as eleições.
Finalmente, no dia 28 de junho, após negociações diversas, os quatro estados
ausentes da Convenção Nacional lançaram os nomes de Nilo e Seabra como candidatos
à Presidência e à vice-presidência, concretizando, assim, uma aliança entre as principais
forças políticas adversárias de Bernardes, o que incluiria, posteriormente, o Distrito
Federal (através da adesão de Paulo de Frontin), o governo do Amazonas, setores das
oposições nos estados bernardistas, além de militares e amplas frações do eleitorado,
sobretudo nas principais capitais do país. Nascia a Reação Republicana. Apesar de
unida num primeiro momento, o peso do seabrismo em tal movimento levaria a política
115
Carta de Antônio Azeredo a Artur Bernardes. 31/5/1921. AEL. FAB. MR 28.
116
Carta de Raul Soares a Artur Bernardes. 15/6/1921. AEL. FAB. MR 28; carta de Henrique Lessa a
Artur Bernardes. 17/6/1921. AEL. FAB. MR 28.
54
estadual a cindir-se entre a Convenção Nacional e a Reação Republicana, reabrindo
dessa forma a rivalidade entre o Cara de Bronze e o águia de Haia.
117
LANG, Alice da Silva. Verbete de Prudente de Morais; LEMOS, Renato. Verbete de Quintino
Bocaiúva. Dicionário da Elite Política Republicana (1889-1930) do CPDOC/FGV. Disponível em:
http://cpdoc.fgv.br. Acesso em: 30/7/2013. BORGES, Vera Lúcia Bógea, A Batalha Eleitoral de 1910.
Rio de Janeiro: Apicuri, 2011.
118
FERREIRA, Marieta de M; PINTO, Surama Conde Sá. A Crise dos anos 20 e a Revolução de Trinta.
Rio de Janeiro: CPDOC, 2006.
119
VISCARDI, Cláudia. O teatro das oligarquias, p. 316.
55
Figura 8 - Cartão postal de propaganda da Reação Republicana. Traz a inscrição “é chegado
o momento de todos os brasileiros cumprirem seu dever”, o que era um chamado ao
eleitorado. O Rio de Janeiro aparece representado por Nilo Peçanha, enquanto Bahia e Rio
Grande do Sul por seus governadores. Não há referência a Pernambuco. Fonte: coleção
Antonio Negro.
120
Carta de Aurelino Leal a Artur Bernardes. 17/6/1921. AEL. FAB. MR 28.
56
governo federal, durante seis anos, pois não tenha a menor dúvida de que o Artur
triunfará”. 121 Pouco proféticas, porque afeitas e íntimas do modus operandi do processo
político da República, as conselheiras linhas de Epitácio poderiam ser aplicadas também
a Seabra que, após a derrota da Reação Republicana, teve de cuidar de si no plano
nacional com medidas cautelares semelhantes àquelas que aplicou no plano estadual em
1920, quando no palácio Rio Branco reassumiu o governo da Bahia. Como se verá,
Seabra, passadas as disputas presidenciais, esforça-se para estreitar laços com o Catete,
então ocupado por Artur Bernardes.
O apoio dos militares hermistas era almejado pela oposição, mas o desejo de
reeleger o marechal era incompatível com as aspirações do estado do Rio de Janeiro e
do palácio Rio Branco, sede do governo da Bahia. Sem a articulação com as elites civis
que permitiu sua vitória sobre o Civilismo, Hermes da Fonseca e seus aliados
procuraram seu antigo oponente Rui Barbosa e criaram na dissidência uma
possibilidade alternativa ao nome do governador da Bahia (Seabra) e do líder
fluminense (Nilo). O objetivo era abrir espaço ao lado de Rui para o marechal, seja
como candidato à Presidência ou à vice-presidência. Em meados de junho, por exemplo,
ao ser procurado por Nilo para tratar da sucessão presidencial, Hermes aconselhou que o
melhor nome seria o do águia de Haia. Aurelino Leal, um dos principais aliados de
Bernardes entre os baianos, observou que parte da oposição atribuía grande acerto à
fórmula Rui-Hermes por reunir a popularidade do primeiro nas urnas e a influência do
segundo no seio do Exército. Mais tarde, concordou com essa avaliação ao antever que,
se a Bahia e a dissidência se unificassem em torno dessa dobradinha alternativa, seria
“de bom aviso acreditar na agitação das ruas, máxime aqui na capital [Rio] porque os
partidários de Rui não só são muito exaltados como muito intolerantes”.122 Tal
comentário denota o temor dos bernardistas de que a candidatura Rui-Hermes reunisse a
inquietação dos quartéis e a agitação das ruas que já ameaçavam tornar a sucessão de
121
Sobre o desconforto de Estácio entre os dissidentes, ver: Carta de Carvalho de Brito a Artur Bernardes.
19/6/1921. AEL. FAB. MR 28; carta de Juvenal Lamartine a Artur Bernardes. 14/6/1921. AEL. FAB. MR
28. As palavras dirigidas por Epitácio a Bezerra foram narradas por Raul Soares a Bernardes a partir da
leitura de telegrama enviado pelo presidente da República ao governador de Pernambuco. Os seis anos de
governo a que Epitácio se referia eram os restantes de sua administração mais os quatro anos do governo
de Artur Bernardes. Carta de Raul Soares a Artur Bernardes. 17.6.21. AEL. FAB. MR 28.
122
PRESTES, Anita. Os militares e a Reação Republicana: as origens do tenentismo, p. 53. Carta de
Aurelino Leal a Artur Bernardes. 17/6/1921. AEL. FAB. MR 28; carta de Aurelino Leal a Artur
Bernardes. 19/6/1921. AEL. FAB. MR 28. Carta de Aurelino Leal a Artur Bernardes. 16.6.21. AEL.
FAB. MR 28; carta de Aurelino Leal a Artur Bernardes. 17.6.21. AEL. FAB. MR 28; carta de Aurelino
Leal a Artur Bernardes. 28.6.21. AEL. FAB. MR 28. Ver também: Carta de Aurelino Leal a Artur
Bernardes. 19.6.21. AEL. FAB. MR 3.
57
1921-22 uma reedição da de 1909-10.123 Curiosamente, a agitação que, em torno da
política, o senador baiano poderia criar entre os setores mais exaltados da população
inspirava ansiedade entre os demais membros das elites. Trata-se de algo relevante, já
que a historiadora Wlamyra Albuquerque analisou precisamente a aflição existente em
Rui Barbosa ante a militância, na política de seus adversários, dos arquétipos do que ele
estigmatizava como a "raça emancipada", isto é, ex-escravos e seus descendentes:
capoeiras, capadócios, carregadores, ganhadores e outros sujeitos das ruas. 124
Desejando o papel oferecido a ele, Rui também mostrou-se frio ante o nome de
Nilo ao passo em que aceitou a vizinhança dos militares.125 Em meados de junho de
1921, disse ao líder fluminense que só apoiaria uma candidatura que aceitasse o
programa de revisão constitucional pelo qual se batia desde 1910 e que contasse com o
apoio das classes armadas, pois, em sua análise, a situação então vivida era mais grave
do que a de 1889 e o elemento militar era a única força de estabilidade e organização
que restava ao país naquele momento de “dissolução” e “anarquia geral”. Trata-se de
uma possível referência ao ciclo de greves de 1917-1919, mas também ao perigo do
setor militar, já que o águia de Haia parece ter tentado estabelecer alguma tutela sobre
os quartéis pelo Civilismo ao procurar convencer os políticos em luta de que sua união
com os militares deveria ser estimada porque se estes “cometessem desatinos” seriam
abandonados por ele. 126 Seja como for, enquanto evitava compromisso com qualquer
nome que não aceitasse seu programa (aparentemente, sua candidatura), Rui avaliava
que a conjuntura de intranquilidade social e militar em 1921 tornava imprescindível o
apoio do Exército e da Armada, ao mesmo tempo em que tornava viável uma
candidatura de oposição.
Um dia após o lançamento da chapa Nilo-Seabra pela Reação Republicana, Rui
Barbosa compareceu à cerimônia de posse de Hermes da Fonseca na presidência do
Clube Militar. Entretanto, o conselheiro pronunciou apenas um pequeno discurso em
que lamentou que Deus e a Nação não o permitissem ocupar a Presidência da
123
Carta de Raul Soares a Artur Bernardes. 17/6/1921. AEL. FAB. MR 28.
124
ALBUQUERQUE, Wlamyra Ribeiro. O Jogo da Dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil.
São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 140 e “É a paga!” Rui Barbosa, os capangas e a herança
abolicionista (1889-1919). In GOMES, Flávio; DOMINGUES, Petrônio (org.). Experiências da
Emancipação: biografias, instituições e movimentos sociais no pós-abolição (1890-1980). São Paulo:
Selo Negro, 2011, p. 45-62. Da mesma autora, há também: O que pode haver de semelhante entre
navalhistas, capangas e secretas? Rui Barbosa e outros sujeitos no tabuleiro da política do pós-abolição
(1889-1919). Texto fornecido pela autora e ainda não publicado.
125
Carta de Aurelino Leal a Artur Bernardes. 17/6/1921. AEL. FAB. MR 28.
126
Carta de Aurelino Leal a Artur Bernardes. 28/6/1921. AEL. FAB. MR 28.
58
República.127 Curto, lacônico e ocorrido logo após o veto a seu nome pela Reação
Republicana, o discurso sinalizava sua retirada da luta que então se preparava. Isso pode
explicar a maneira como sua presença no evento foi lembrada pelo bernardista Carneiro
Resende: “[Rui] vai ler três tiras de papel na posse, amanhã, do Hermes, na Presidência
do Clube Militar, para por a salvo a sua responsabilidade, uma vez que não pôde recusar
o convite a ele feito pelo marechal”.128
Constituindo no interior da dissidência um polo de resistência a Rui Barbosa, o
Rio Grande do Sul via na reforma da Constituição Federal uma ameaça ao status quo do
PRR, tanto na federação quanto na política interna. Já nas discussões sobre
discriminação de rendas entre estados e União na Assembleia Nacional Constituinte de
1890-91, Rui Barbosa opusera-se ao “ultra-federalismo” da bancada gaúcha chefiada
por Júlio de Castilhos. 129 Apesar da derrota, em tal disputa, do Rio Grande do Sul, a
margem de autonomia garantida aos estados pela Carta de 1891 possibilitou ao chefe
gaúcho e seus seguidores a criação no estado de um aparelho constitucional peculiar,
que lhes permitiu alcançar um nível de estabilidade e disciplina partidária sem par
noutras unidades federadas, conferindo projeção nacional aos gaúchos. Alterar a
Constituição Federal colocaria em risco tal esquema, inclusive por alimentar esperanças
de parte das oposições locais que viam no revisionismo o meio mais prático de se
libertar do ostracismo a que eram submetidas. Procurando contornar a intransigência
gaúcha, Rui propôs que fossem fixados os artigos que não seriam revistos de modo
algum, enquanto os que poderiam ser revistos passariam anteriormente por uma análise
dos estados dissidentes, que opinariam sobre a conveniência da revisão. Em acréscimo,
eliminava-se a possibilidade de se tocar na Constituição do Rio Grande do Sul. 130
A reunião em que foi lançada a Reação Republicana expressou o esforço de
articulação e as coordenadas gerais da campanha político-eleitoral que marcaria essa
dissidência republicana. Distinguindo a Bahia e o estado do Rio na aliança integrada por
Pernambuco e Rio Grande do Sul, a chapa Nilo-Seabra foi lançada em 24 de junho no
Centro Rio-Grandense do Distrito Federal sob a presidência de Francisco Sales, chefe
127
Carta de Rui Barbosa a Nilo Peçanha publicada em BARBOSA, Alfredo Rui. Correspondência de Rui
Barbosa, p. 156. Carta de Aurelino Leal a Artur Bernardes. 18/6/1921. AEL. FAB. MR 28. O Imparcial
(Rio de Janeiro). 27/6/1921.
128
Carta de Carneiro Resende a Artur Bernardes. 25/6/1921. AEL. FAB. MR 28.
129
KUGELMAS, Eduardo. Difícil Hegemonia, p. 54.
130
Carta de Aurelino Leal a Artur Bernardes. 19/6/1921. AEL. FAB. MR 28; carta de Antônio Azeredo a
Artur Bernardes. 19.6.21. AEL. FAB. MR 28. LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho e as origens da
revolução de 1930, p. 83.
59
oposicionista em Minas Gerais e ex-colega de Seabra no Ministério Hermes da Fonseca.
Na mesa de honra, tomaram assento os representantes de Pernambuco e do Rio Grande
do Sul, tendo também aparecido membros das oposições dos estados signatários da
Convenção Nacional que lançou a chapa Minas e Maranhão – Bernardes e Urbano
Santos.
Como ponto de partida, o manifesto da Reação Republicana sancionou os termos
do telegrama com que o governador Borges de Medeiros rejeitou o candidato mineiro,
pois criticou as convenções partidárias que lançavam à Presidência da República
candidatos sem prévia consulta à opinião pública ou sem exposição e debate de
programa de governo. A candidatura do governador de Minas Gerais teria sido imposta
ao país e aos demais estados numa convenção de parlamentares que talvez não
representassem os anseios do povo e que estavam sob a pressão de uns poucos partidos
regionais – uma referência implícita ao PRM e ao PRP. Notando que o governo federal
punia com severidade os estados que fugissem da linha de conduta por ele traçada, o
manifesto indicava a existência de resistências “mais ou menos disfarçadas” ao nome de
Bernardes entre os estados partícipes da Convenção Nacional. Subsidiava tal
diagnóstico uma leitura crítica dos defeitos do regime instituído em 1889, tais como o
reduzido número de eleitores no Brasil, a falta de sintonia entre a opinião pública e as
lideranças políticas, a predominância de interesses regionais, a inexistência de programa
definido nas agremiações partidárias e os desequilíbrios do federalismo. Aos estados
convencionais abrigados sob o peso do PRM e do PRP e aos eleitores, a Reação
Republicana ofereceria o contingente eleitoral da Bahia, do Rio Grande do Sul, do Rio
de Janeiro e de Pernambuco como um canal de expressão para os seus
descontentamentos.131
De um lado, ficou Bernardes com o suporte de Minas Gerais, de São Paulo, do
palácio do Catete e dos demais estados que seguiam oficialmente a orientação de
Epitácio Pessoa, notadamente os pequenos estados do Norte. De outro, ficaram os
quatro “Aliados”, poderosos, mas incapazes de, por si só, garantir a vitória sobre o
candidato oficial. Além disso, embora tenha promovido em 1921 uma grande recepção
em Belo Horizonte ao marechal Hermes da Fonseca, Bernardes perdeu para a Reação
Republicana o apoio dos militares descontentes com a administração de Epitácio
Pessoa. Deixaria ainda de contar com parte do movimento operário e feminista, de
131
O Imparcial (Rio de Janeiro). 25/6/1921.
60
jornalistas e de alguns proprietários de órgãos da imprensa carioca, como O Imparcial
do fluminense nilista Macedo Soares, A Noite do baiano seabrista Geraldo Rocha e
Correio da Manhã do gaúcho ruísta Edmundo Bittencourt, o qual passara a se opor a
Epitácio Pessoa depois da intervenção federal na Bahia em 1920. 132
Apesar de integrarem – como seus adversários – a política oficial e de nela
encontrarem espaço de acomodação, as elites que endossaram a chapa dissidente
compreendiam que a sua vitória dependia da expansão de suas bases para além dos
círculos fechados das negociações (íntimas ou palacianas), somando-se aos descontentes
com as distorções do regime republicano, crescentemente identificadas pela imprensa de
oposição com a candidatura mineira. Tal imprensa refletiu e ao mesmo tempo alimentou
a mobilização popular através da publicação de fotografias, charges, caricaturas,
notícias, manifestações de apoio e artigos de fundo sobre os candidatos da dissidência e
os adversários, em particular Bernardes. Responsáveis pela realização de manifestações,
comícios e conferências, comitês eleitorais pró-Nilo-Seabra surgiram em várias partes
do país, em grande medida por terem sido fundados por militares nilistas transferidos do
Rio de Janeiro pelo governo federal. 133
Assim como o movimento civilista de 1910, a campanha da Reação Republicana
foi marcada por longas excursões eleitorais, com caravanas de Seabra e Nilo Peçanha
em estados da oposição e da situação. O candidato baiano inaugurou sua peregrinação
dirigindo-se ao Rio de Janeiro e de lá a São Paulo, onde foi recebido com entusiasmo e
constatou o prestígio de que gozava Rui Barbosa entre os paulistas, antigos aliados da
Campanha de 1910. Em seguida, Seabra retornou ao Rio e anunciou o seu programa de
excursões, que se dividiria em duas partes e seria complementar à viagem de Nilo
Peçanha. Com efeito, Seabra retornaria a Salvador e de lá, em vapor, trem e automóvel,
faria uma longa visita ao Norte, parando em cidades do interior e nas capitais de
Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão, Pará e
Amazonas, de onde retornaria para a capital soteropolitana. No começo do ano seguinte,
faria uma viagem ao Paraná, de onde rumaria para São Paulo e Minas Gerais, e daí
retornaria a Salvador através do rio São Francisco, passando, assim, pelo interior
sertanejo da Bahia, amplo território chefiado por coronéis. Nilo Peçanha faria uma
132
GABAGILIA, Laurita Pessoa. Epitácio Pessoa (1865-1942). São Paulo: José Olympio, 1951 apud
FAGUNDES, Luciana Pessanha. Uma República em festa: a visita dos reis da Bélgica ao Brasil (1920).
Rio de Janeiro: UFRJ, 2007 (História, dissertação de mestrado), p. 38.
133
PRESTES, Anita. Os militares e a Reação Republicana: as origens do tenentismo, p. 2.
61
viagem de navio ao Amazonas e de lá voltaria visitando as capitais por onde passou
Seabra até chegar ao Espírito Santo, considerado então um estado nortista. Projetava,
em seguida, uma viagem ao Rio Grande do Sul. 134
Em seus discursos, Seabra analisou o aspecto propriamente político da crise
sucessória com o fito de despertar o interesse do eleitorado e levá-lo a votar nos
candidatos da dissidência. Em vestes de professor da Faculdade de Direito do Recife,
repudiou, em conferência lotada no principal teatro da cidade, o processo de escolha da
candidatura Bernardes, exaltando em seguida o veto do Rio Grande do Sul ao nome
mineiro. Naquela noite, como faria em Maceió, São Paulo, Belém e outras capitais,
falou de sua própria trajetória e justificou sua atuação em momentos de destaque da
história do país, tais como o governo de Floriano Peixoto, a revolta da Armada (quando
amargou exílio no Amazonas), as primeiras administrações civis e, de modo especial, o
bombardeio de Salvador durante a intervenção de Hermes da Fonseca. Aliás, fotos dos
estragos provocados pelo bombardeio foram enviadas a Bernardes como peças de
propaganda contra Seabra. Cotejou a obra de Nilo Peçanha no governo fluminense, no
Ministério das Relações Exteriores e na Presidência da República com a trajetória de
Bernardes, procurando convencer o público de que o candidato da Reação Republicana
possuía qualidades superiores e merecia os sufrágios do eleitorado.135
134
O Democrata. 13/8/1921. Seabra mais tarde defendeu-se da acusação de ter empregado recursos do
tesouro baiano para financiar suas viagens. Segundo Borges de Barros, seu biógrafo e secretário que o
acompanhou na excursão, as viagens ao Rio, a São Paulo e a Minas Gerais foram custeadas por Geraldo
Rocha, Antônio Prado e o governo do Rio de Janeiro, enquanto nos estados do Norte assumiram tal
responsabilidade os comitês pró-Reação Republicana, o governo de Pernambuco, a Great Western e
outras ricas personalidades interessadas na causa da Reação Republicana, como o cearense Fernandes
Távora e o paraense José Melcher. Entretanto, o seu sucessor no governo da Bahia informou em
telegrama íntimo ao irmão que Seabra gastou cerca de 80 contos de réis na campanha da Reação
Republicana. Ver: BARROS, Francisco Borges de. Dr. J. J. Seabra: sua vida, sua obra na República, p.
513-514. Minuta de Telegrama de Góis Calmon a Miguel Calmon. 28/8/1924. Fundação Pedro Calmon
(FPC). Arquivo Público do Estado da Bahia (APEB). Arquivo Francisco Marques de Góis Calmon. Pasta
5. Com relação à viagem de navio, o embaixador americano no Rio explicou que o governador da Bahia,
assim como Nilo, usou um barco em que pôde alugar o espaço de cargas para adquirir recursos para a
excursão. Embaixada do Rio de Janeiro, despacho sem número de 23/9/1921. AEL. ADEB.
135
O conteúdo das conferências de Seabra pode ser encontrado no O Democrata e no diário da excursão,
escrito por Borges de Barros. BARROS, Francisco Borges de. Da Amazônia ao Paraná. Salvador:
Imprensa Oficial do Estado, 1922, p.120 e 158. O Democrata. 7/8/1921.
62
Figura 9 – Palácio do governo da Bahia. Curiosos contemplam o edifício semidestruído pelo
bombardeio e intervenção federal no estado. Salvador, 1912. Fonte: sítio do Arquivo
Público Mineiro (APM).
136
Manifesto do Centro Cívico 6 de Setembro. BARROS, Francisco Borges de. Da Amazônia ao Paraná,
p. 139.
137
O Democrata. 7/8/1921.
63
Figura 10: Diretoria de Rendas da Bahia. Curiosos contemplam o prédio perfurado por
balas após o bombardeio e intervenção federal no estado. Salvador, 1912. Fonte: sítio do
APM.
Tal qual Seabra, Nilo Peçanha demarcava uma clara distinção com a candidatura
de Bernardes, pois, como explicou em entrevista concedida ao Correio da Manhã, o seu
objetivo era disseminar no Norte suas propostas de governo em matéria de economia,
orçamento e crédito público, trabalho, capital, entre outros. Nas folhas de O Democrata,
Seabra e o candidato fluminense, por pleitearem a preferência dos sufrágios populares,
colocavam-se acima do seu adversário, que “confundia-se no amálgama de processos de
suborno”. Só esse gesto já era de grande significação política, pois com ele a Reação
Republicana afirmava caber ao eleitorado – em oposição aos bastidores da esfera
privada – a decisão sobre a Presidência. Por isso, em sua conferência em Salvador, Nilo
declararia que a dissidência abria o debate sobre as questões fundamentais do Estado. 138
O roteiro das caravanas de J. J. Seabra e de Nilo Peçanha, somado ao conteúdo de
suas conferências, sugerem o desejo de acionar uma identidade regional: a nortista. Do
Amazonas ao Espírito Santo, o discurso do candidato fluminense não atacou os
governos bernardistas locais; ao contrário, ganhou o tom da reivindicação de direitos
para essa região, caracterizada como alvo da “prepotência” de “poderosas unidades da
federação”, ou seja, Minas Gerais e São Paulo. Esforçando-se para criar entre os líderes
dos pequenos estados nortistas a identificação com os grandes estados que sustentavam
a Reação Republicana, Nilo Peçanha observou em Manaus que a ação dos estados mais
ricos da República não se restringia à imposição do presidente da República, mas
138
O Democrata. 5/11/1921.
64
chegavam a influir na composição da bancada dos estados mais fracos, como teria
observado o governador do Amazonas na atuação de Minas no reconhecimento de 1921.
“O que se nos afigura inadiável é arrancarmos a República das mãos de alguns para as
mãos de todos”, declarou sob ovação da plateia. Após esclarecer no Ceará, na Paraíba e
no Piauí que não encerraria o programa de combate às secas, disse em Recife, em meio
à exposição do seu programa, que era do Norte que deveria partir a resistência contra o
hábito de fazer presidentes sem dispensar atenção ao eleitorado. Proclamou que a região
não poderia mais sofrer com os privilégios que o governo dispensava ao Sul, enquanto
em Salvador foi ainda mais incisivo ao declarar que o Norte, sob a liderança da Bahia e
de Pernambuco, levantava-se para impedir que Minas e São Paulo, associados, tivessem
o privilégio do governo da República.139
Além de cumprirem a função de aproximar os líderes nacionais da Reação
Republicana dos seus aliados civis e militares nos estados e municípios, as excursões
tinham o interesse de inibir as possibilidades de fraudes e violências no dia das eleições.
Seabra apelou em público para que as autoridades nos estados visitados não
interviessem nas eleições visando a supressão da liberdade das urnas, como em Maceió,
dirigindo-se ao governador Fernandes Lima, e na Paraíba, mencionando não só o
governador Sólon de Lucena, mas também Epitácio Pessoa. Concomitantemente, o
governador da Bahia animava o eleitorado a resistir a possíveis ameaças à liberdade do
voto, seja nas eleições ou em sua apuração pelo Congresso Nacional, o que era uma
forma de se prevenir contra os bernardistas. As frases que pronunciou beiravam o
radicalismo: “conheço o governador deste estado”, disse em Belém, ele “se conservará
certamente neutro como é neutro o dr. Epitácio Pessoa: eu afirmo que ele não intervirá
nas eleições e se intervier, o povo terá para se abrigar a sombra de quatro grandes
estados”, isto é, a Reação Republicana. Ao alertar sobre o risco de o povo – não tendo
seu direto ao voto respeitado – levantar-se contra as autoridades, advertiu não estar
pregando a revolta, mas sim prevenindo a revolução.140
A construção da Reação Republicana como um movimento mais aberto ao
público eleitor passou tanto pela estratégia posta em prática para conquistar o eleitorado
quanto pelo discurso sobre o rompimento com uma candidatura criada entre políticos e
parlamentares distantes do povo. Essa candidatura era identificada com as disfunções da
139
As conferências de Nilo foram publicadas em: PEÇANHA, Nilo. Política, economia e finanças.
Campanha presidencial (1921-1922). Rio de Janeiro, 1922.
140
BARROS, Francisco Borges de. Da Amazônia ao Paraná. 207.
65
República. Isso aparece em editorais de O Democrata, mas também na ideia, verificada
na imprensa e com repercussões na Câmara dos Deputados, de que, como na Grande
Guerra (1914-18), os estados da Reação Republicana – os “Aliados” – levantavam-se
contra o “imperialismo” dos “Impérios Centrais”, isto é, Minas e São Paulo, que
supostamente vinham empregando o autoritarismo e o suborno para, em aliança,
controlar a República. 141
Tanto a eficiência da propaganda oposicionista quanto a reação de Bernardes e
Urbanos Santos diante da investida rival ajudam a entender o êxito da tática
oposicionista em identificar a candidatura oficial com as anomalias da República. O
governador de Minas, que passou a maior parte do tempo em Belo Horizonte, recebeu
de aliados sugestões como incremento da propaganda nos jornais e a criação de comitês.
Aurelino Leal alertou-o para a conveniência de se realizar, como Seabra e Nilo, uma
campanha pelo Norte e Sul do país com vistas a neutralizar a propaganda adversária,
voltada para “sugestionar as massas por processos democráticos”. 142 Ao desconsiderar
tais conselhos, Bernardes reforçou a imagem projetada sobre ele pela Reação
Republicana, como aliás asseverou um editorial de O Democrata, segundo o qual a
atitude do governador mineiro caracterizava o “desvalimento” a que se tinha condenado
no país o ideal republicano, em que os pleitos eram realizados sem que se pronunciasse
a vitória do eleitorado.143
Centrar o fogo contra Minas e São Paulo partia da análise de que a candidatura de
Artur Bernardes sustentava-se sobre tal eixo, emergente das negociações para a
sucessão presidencial. Mas havia a expectativa de que o Catete não interviesse na luta e,
finalmente, de que os demais governos – que seguiam sua orientação – respeitassem a
liberdade das urnas ou mesmo aderissem à dissidência, como efetivamente ocorreria
com o Amazonas, o Distrito Federal e o Mato Grosso (este último votou em Bernardes e
em Seabra).144 Paralela à exortação popular à resistência e aos apelos dirigidos aos
governos estaduais e federal, a Bahia e os “Aliados” empregaram suas bancadas no
141
O Imparcial. 20/6/1921. 21/6/1921. 22/6/1921. 24/6/1921. Até aliados de Bernardes referiam-se aos
estados dissidentes como “aliados”. Ver, por exemplo: Carta de Antônio Azeredo a Artur Bernardes.
18/6/1921. AEL. FAB. MR 28; carta de Ascendino Cunha a Artur Bernardes. 9/1/1922. AEL e FABL.
MR 29. Ver: Embaixada do Rio de Janeiro, despacho nº 1844 de 24/8/21 e sem número de 23/9/1921.
AEL. ADEB.
142
Carta de Alaor Prata a Artur Bernardes. 11.7.21. AEL. FAB. MR 28; carta de Aurelino Leal a Artur
Bernardes. 29/6/1921. AEL. FAB. MR 3.
143
O Democrata. 8/10/1921.
144
Carta de Pereira Leite a Artur Bernardes. 6/5/1922. AEL. FAB. MR 29.
66
Congresso Nacional e sua presença em comissões parlamentares para ameaçar e em
alguns momentos dificultar a administração de Epitácio Pessoa, com o fito de
constrangê-lo à neutralidade. Assim que se formara a dissidência, o deputado baiano
Raul Alves fizera de sua demissão ou permanência no cargo que ocupava na mesa da
Câmara dos Deputados objeto de polêmica para indicar a necessidade de Epitácio
Pessoa manter-se neutro diante da disputa, que então apenas começava. 145 Com efeito,
em diferentes momentos o Catete negou-se a auxiliar a candidatura oficial, como
exemplifica sua indisposição em nomear membros de oposições bernardistas para
cargos federais nos estados da Reação Republicana.
Posteriormente, resistiria ao envolvimento de autoridades diplomáticas brasileiras
na Europa para a resolução do caso das cartas falsas, quando o Correio da Manhã,
atiçando a insubordinação militar e sua oposição ao candidato oficial, publicou cartas
falsas supostamente trocadas entre Artur Bernardes e Raul Soares em que oficiais do
Exército, e em especial Hermes da Fonseca, eram mencionados em termos pouco
respeitosos.146
Em outubro de 1921, em meio à agitação popular que a propaganda da Reação
promovia, a publicação de tais documentos desencadeou uma série de episódios que
marcaram o início da segunda fase da campanha da Reação Republicana, quando
começou a disputa em torno do reconhecimento de poderes no Parlamento. Enquanto o
discurso político radicalizava-se e o envolvimento dos militares na disputa eleitoral e
em atividades conspiratórias recrudescia, a Reação Republicana aumentou as pressões
para que em março de 1922 houvesse liberdade nas urnas. Ainda no começo do ano, a
reivindicação era de que a apuração do pleito fosse transferida do Congresso Nacional
para um Tribunal de Honra extraparlamentar.
145
Outro baiano, Aurelino Leal, chegou a sugerir a Bernardes uma estratégia para tornar Epitácio Pessoa
independente da oposição no Parlamento. Basicamente, tal estratégia consista no adiamento da discussão
e votação do orçamento federal. Carta de Aurelino Leal a Artur Bernardes. 13 ou 14/6/1921. AEL. FAB.
MR 28. Ver: Carta sem remetente e destinatário. Julho de 1921. AEL. FAB. MR 28. AEL. FAB. MR 28.
Carta de Aurelino Leal a Artur Bernardes. 21/7/21; carta de Josino Araújo a Artur Bernardes. 14/8/1921.
AEL. FAB. MR 28. O Imparcial. 14/6/1921.
146
Carta de Raul Soares a Artur Bernardes. 5/7/1921. AEL. MR 28; carta de Cardoso a Aurelino Leal.
24/7/1921. AEL. FAB. MR 28; carta de Thiers Cardoso a Artur Bernardes. 13/8/1921. AEL. FAB. MR
28; carta de Aurelino Leal a Artur Bernardes. 1/10/1921. AEL. FAB. MR 28; carta de Raul Soares a Artur
Bernardes. 21/12/1921. AEL. FAB. MR 29; carta de Aurelino Leal a Raul Soares. 5/1/1922. AEL. FAB.
MR 29; carta de Afrânio de Melo Franco a Artur Bernardes. 22/1/1922. AEL. FAB. MR 28; carta de
Afrânio de Melo Franco a Bernardes. 4/2/1922. AEL. FAB. MR 29; carta de Aurelino Leal a Artur
Bernardes. 5/1/1922. AEL. FAB. MR 28.
67
Vencida tal ideia, parte da Reação Republicana pensou em garantir a posse de
Nilo e de Seabra mediante habeas corpus do Supremo Tribunal Federal (STF), proposta
que, para Seabra, fortaleceu-se após a morte, em maio de 1922, de Urbano Santos,
candidato oficial ao posto disputado pelo baiano.147 A justificativa para o Tribunal de
Honra era que o Congresso Nacional não era neutro na disputa eleitoral e, portanto, não
poderia atuar como juiz, isto é, apurar as eleições. Não era neutro porque muitos
parlamentares haviam participado da Convenção Nacional, que lançou a candidatura
oficial e da qual as oposições não fizeram parte.
O governador da Bahia acionou uma peça-chave para os propósitos da Reação
Republicana nessa fase, ao alterar o percurso de sua viagem ao sul. Em solo mineiro,
onde teria surpreendido a plateia com o radicalismo do seu discurso, decidiu ir para São
Paulo e em seguida para o Rio de Janeiro, ao invés de, como anunciara, seguir pelo
território do estado governado por Bernardes e dirigir-se à Bahia pelo rio São
Francisco.148
Por telegrama, denunciou a Epitácio Pessoa a ocorrência em Minas Gerais de
hostilidades contra Maurício de Lacerda, seu correligionário e igualmente em
campanha. Indicou ainda a existência de rumores de planos semelhantes preparados
contra si noutras localidades do estado. Negando veracidade a tais informações,
Epitácio Pessoa ofereceu um esquema de segurança reforçada, enquanto Bernardes
disponibilizou a companhia do próprio chefe de polícia de Minas Gerais. Entretanto, a
raposa deixou o estado e confirmou o seu protesto contra aquela situação, atribuída por
ele aos mineiros aliados de Bernardes.149 Mais tarde, o STF emitiu habeas corpus em
favor de Maurício de Lacerda, o que posteriormente a Reação Republicana tentaria
empregar para a anulação dos votos de Minas Gerais, supostamente considerados coatos
pela suprema corte.150
147
Cópia de Carta de Hermes da Fonseca a Antônio Azeredo. 25/4/1921. AEL. FAB. MR 29.
148
Telegrama de Leopoldino da Silveira a Artur Bernardes. 24/1/1922. AEL. FAB. MR 29. Telegrama de
Leopoldino da Silveira a Artur Bernardes. 24/1/1922.
149
Telegrama de Epitácio Pessoa a Artur Bernardes. 31/1/1922. AEL. FAB. MR. 29; cópia de telegrama
de Artur Bernardes a Epitácio Pessoa. 1/2/1922. AEL. FAB. MR 29.
150
Carta de Antônio Azeredo a Artur Bernardes. 21/4/1922. AEL. FAB. MR 29.
68
Figura 11 - Comitiva de Seabra na campanha da Reação Republicana. Uberaba, 1922.
Fonte: Coleção Berbert de Castro do AMS.
151
PRESTES, Anita. Os militares e a Reação Republicana: as origens do tenentismo.
152
Carta de Antônio Azeredo a Artur Bernardes. 5/11/1921. AEL. FAB. MR 3.
153
Carta de Sertório de Castro a Artur Bernardes. 21/11/1921. AEL. FAB. MR 28.
154
Cartas de Raul Soares a Artur Bernardes. 17/12/21, 18/12/21, 21/12/1921. AEL. FAB. MR 28.
69
pronunciamento favorável à candidatura mineira.155 De um lado, Epitácio via-se
imprensado entre as pretensões da dissidência no Congresso Nacional assim como sua
inflamação nas ruas e quartéis. De outro, tinha de lidar com a intransigência mineira,
respaldada por São Paulo. Como dito acima, procurava manter certa neutralidade diante
da disputa, mas o crescente envolvimento dos militares, suas manifestações coletivas de
apoio à Reação Republicana e atos de rebeldia levavam-no a intervir para conservar a
ordem, ainda que de modo específico, isto é, com punição e transferências de soldados e
oficiais considerados indisciplinados. 156
Em maio de 1922, ocorreu um dos episódios mais controversos e marcantes da
sucessão presidencial, isto é, a reunião no palácio do Catete entre Epitácio Pessoa,
autoridades federais e os próceres da candidatura Bernardes. Convidados pelo
presidente, compareceram Pandiá Calógeras (ministro da Guerra), Veiga Mirada
(ministro da Marinha) Antônio Azeredo (Senado), Arnolfo Azevedo (Câmara dos
Deputados), Álvaro de Carvalho (São Paulo), Raul Soares, Afrânio de Melo Franco e
Júlio Bueno Brandão (Minas Gerais). Pelo relato de Raul Soares, Azeredo apresentou
proposta conciliatória através da constituição de uma comissão parlamentar mista de
nilistas e bernardistas para a apuração das eleições, rejeitando-se o Tribunal de Honra.
Certo de que Bernardes vencera as eleições, Raul Soares, revelando perspicácia na
análise do momento político, repudiou essa e outras propostas que a seu ver implicavam
na renúncia da candidatura do governador de Minas Gerais. Em reação, Epitácio Pessoa
e os ministros militares descreveram a situação de insegurança política, tendo o
presidente afirmado que Bernardes, caso fosse empossado, não se manteria no Catete.
Ainda segundo Raul Soares, os demais concordaram em geral com esse diagnóstico,
com exceção dos outros mineiros. Entretanto, no meio da reunião, Washington Luís
telefonou diretamente de São Paulo que era contrário a qualquer acordo com a Reação
Republicana.157
Em junho, o Congresso Nacional atribuiu a Bernardes vitória apertada sobre Nilo
Peçanha. Antes e depois do reconhecimento, o governador da Bahia tentaria, sem
sucesso, ser empossado como vice-presidente, já que Urbano Santos, igualmente
155
Cópia da Carta de Hermes a Antônio Azeredo. 25/4/1922. AEL. FAB. MR 29.
156
O palácio do Catete condenava as manifestações políticas coletivas de militares. Sobre a disposição do
presidente a intervir em defesa da ordem, ver: Embaixada do Rio de Janeiro, despacho nº 1927 de
28/4/1922. AEL. ADEB; O Democrata. 26/11/1921.
157
Cópia do relatório enviado em original pelo senador Raul Soares, 2/5/1922. AEL. FAB. MR 29.
70
reconhecido como vitorioso, havia falecido em maio. Além disso, assinou com o chefe
fluminense um manifesto em que repudiou a decisão do Parlamento. Ambos atribuíram
a si a vitória nas eleições, com base na exclusão dos votos de Minas Gerais,
supostamente inválidos devido a parecer do STF.158
Em parte, a derrota da Reação Republicana pode ser atribuída ao enfraquecimento
de um dos elos de sua aliança, isto é, Pernambuco. No final de março, a morte de José
Bezerra resultou na desagregação da Paz e Concórdia ao contrapor, em luta pela
administração estadual, os “coligados” (Dantas Barreto, Estácio Coimbra, os irmãos
Pessoa de Queiroz) e a facção de Manuel Borba, que dispunha do governador em
exercício, da Assembleia Legislativa e articulara-se com operários de Recife através de
aliança com Joaquim Pimenta, lente da Faculdade de Direito e considerado um líder
socialista. 159 Antes ainda do reconhecimento de Bernardes, parte dos “coligados”
descomprometeu-se nos bastidores com a Reação Republicana, iniciando aproximação
com Minas Gerais e realinhamento com o Catete, enquanto Manuel Borba mantinha o
governo atrelado à Reação.160 Dias antes da morte de Bezerra e talvez pensando em
obter apoio federal para sua própria candidatura ao governo, o “predileto” de Epitácio,
isto é, Estácio, já indicava a Carvalho de Brito os meios para anular milhares de votos
depositados em Pernambuco para a Reação Republicana. 161 O próprio filho de José
Bezerra, embora repudiasse a candidatura de Estácio, informava ao paraibano
Ascendino Cunha sua disposição em levar aliados a reconhecer Bernardes no
Congresso.162
Com ampla repercussão nos jornais, a crise da sucessão em Pernambuco envolveu
o palácio do Catete, talvez por ter oferecido a Epitácio Pessoa a oportunidade de atrair o
estado para a sua órbita após tê-lo visto afastar-se em bloco com a Reação Republicana.
Indicando a corrente pela qual seria feita a aproximação, o presidente nomeou Estácio
Coimbra para o Ministério da Agricultura, quando o gaúcho Simões Lopes deixou o
cargo. Ao longo dos meses de abril e maio, a tensão em Recife foi crescente, com os
Pessoa de Queiroz formando um exército particular para prestigiar o candidato coligado,
158
O Democrata. 11/6/1922. Embaixada do Rio de Janeiro, despacho sem número, de 28/6/1922. AEL.
ADEB
159
Consulado de Recife, relatório de 11/7/22 sobre os distúrbios políticos em Pernambuco desde
26/3/1922 e despacho sem número de 28/6/1922. AEL. ADEB.
160
Carta de José Augusto a Artur Bernardes. 14/3/1922. AEL. FAB. MR 29. Nessa ruptura, Estácio
Coimbra não ficou ao lado do seu líder Rosa e Silva.
161
Carta de Carvalho de Brito a Artur Bernardes. 28/3/1921. AEL. FAB. MR 29.
162
Carta de Ascendino Cunha a Artur Bernardes. 6/4/1922. AEL. FAB. MR 29.
71
no que eram mais ou menos respaldados pelas forças federais sob comando do genioso
coronel Jaime Pessoa, parente e enviado do presidente da República. Aumentando as
certezas de que haveria um choque armado, o comandante engrossou seus efetivos com
autorização do Ministério da Guerra, enquanto o governador do estado, que já
aumentara o contingente da Força Pública, passou a recrutar jagunços do interior para a
capital e a armar os operários que seguiam a orientação de Joaquim Pimenta.
Através da análise da correspondência de Epitácio, o estudioso Costa Porto
indicou que a oposição, cujo candidato perdera nas urnas e não poderia ser reconhecido
na assembleia borbista, tentava estabelecer o caos em Recife para em seguida requisitar
a intervenção contra Borba. Segundo o cônsul estadunidense R. C. Cameron, depois de
semanas de conflitos esporádicos entre jagunços, trabalhadores, tropas federais e
soldados da polícia, uma série de razões teria levado afinal a um acordo entre as partes,
tais como o desaparecimento de parte considerável do saldo do orçamento público
durante aqueles meses, o temor da perda de controle sobre os soldados do Exército,
jagunços e trabalhadores e o medo de Epitácio Pessoa de que o caso de pernambucano
evoluísse para uma revolta no país contra a posse de Bernardes.163 Para consolidar o
bom encaminhamento da situação, o presidente convenceu o candidato oficial e seus
aliados a aceitaram Estácio Coimbra como candidato oficial à vice-presidência da
República – após a derrota de J. J. Seabra no STF.164 Frustrando as aspirações do Piauí,
do Ceará e certo movimento em torno do baiano Miguel Calmon, o palácio do Catete
garantiu a ocupação por Pernambuco do disputado cargo.165
Entretanto, ao envolver um Exército fortemente antibernardista contra um estado
membro da Reação Republicana, Epitácio Pessoa agravou a situação e levou o marechal
Hermes, em final de junho, ao protesto, o que resultou em sua repreensão e no
fechamento do Clube Militar. Em represália, deram-se os levantes de julho de 1922 na
capital federal (Forte de Copacabana e Vila Militar), em Niterói e em Campo Grande
(Mato Grosso), os quais, devido à falta de articulação, foram rapidamente sufocados.
163
PORTO, José da Costa. Os Tempos de Estácio Coimbra, p. 19-75. Consulado de Recife, relatório de
11/7/22 sobre os distúrbios políticos em Pernambuco desde. 26/3/1922. AEL. ADEB. Na seguinte carta,
também é dito que Epitácio temia as repercussões do caso pernambucano na política nacional: Carta de
João Luiz Alves a Artur Bernardes. 24/6/1921. AEL. FAB. MR 29.
164
Carta de Raul Soares a Artur Bernardes. 10/6/1922. AEL. FAB. MR 29.
165
A indicação de Epitácio foi mal recebida entre os aliados de Bernardes, além disso, porque Estácio
fora, até pouco tempo, membro da dissidência. Carta de Félix Pacheco a Artur Bernardes. 16/7/1921.
AEL. FAB. MR 29; carta de Artur Bernardes a Félix Pacheco. 22/7/1921. AEL. FAB. MR 29; carta de
Antônio Azeredo a Artur Bernardes. 19/7/1921. AEL. FAB. MR 29; carta de Raul Soares a Artur
Bernardes. 20/7/1921. AEL. FAB. MR 29.
72
A revolta e a subsequente repressão beneficiaram a candidatura do governador de
Minas Gerais ao revelar divisões entre os adversários, acelerar a dissolução da Reação
Republicana e preparar o caminho para a posse, marcada para 15 de novembro de 1922.
Com ela, ficou evidente que os líderes oposicionistas civis não tinham controle sobre as
atividades do setor militar, pois estavam desinformados sobre a revolta. Além disso,
quando Epitácio Pessoa solicitou estado de sítio para a restauração da ordem, obteve o
apoio de parlamentares da Reação Republicana. Em benefício de Bernardes e de certa
forma preparando o caminho para sua posse, o Catete finalmente interveio através de
detenção de militares, jornalistas e políticos da oposição, ainda que poupasse Seabra e
Nilo Peçanha.166
Até então, a possibilidade de a Reação Republicana conservar-se coesa após a
derrota no reconhecimento de poderes era real e, em acréscimo, vista pelos aliados de
Bernardes como um risco à sua posse e futuro governo. Além de pôr fim à aliança entre
militares e líderes civis da oposição, os motins militares de julho fizeram que o Rio
Grande do Sul se retirasse da disputa, o que, somado ao retraimento de Pernambuco,
representou o fim da Reação Republicana. 167 Nilo Peçanha lamentou a atitude de
Borges de Medeiros, enquanto os aliados de Bernardes festejaram-na. 168 “Foi melhor
que tivesse vindo essa revolução tão anunciada e até então adiada”, escreveu um aliado
de Washington Luís, acrescentando: “agora é não se perder tempo e se aproveitar a
oportunidade para votação da lei de imprensa, a maior responsável pela exploração”.
Para ele, era momento de “encarar com maior e melhor esperança o futuro”, pois o
recuo gaúcho, ao arrastar Nilo e o militarismo, libertou Bernardes de futuros sacrifícios:
“resolvido o caso de Pernambuco, não será difícil restabelecer a completa paz nos
espíritos amparando-se [...] a nação contra novos restos de banditismo e impunidade”.169
166
Embaixada do Rio de Janeiro, despacho nº 1958 de 24/7/1922. AEL. ADEB; carta de Raul Falcão a
Artur Bernardes. 10/7/1922. AEL. FAB. MR 29.
167
Os gaúchos já haviam demonstrado o temor de que o Rio Grande do Sul fiasse isolado na política
federal em decorrência de sua participação na campanha da Reação Republicana. Carta de Raul Falcão a
Artur Bernardes. 21/3/1921. AEL. FAB. MR 29.
168
Telegrama sem emissário e destinatário. 12/7/1922. AEL. FAB. MR 29; telegrama de Artur Bernardes
a Camilo Prates. 13/7/1922. AEL. FAB. MR 29; carta de Afrânio de Melo Franco a Artur Bernardes.
14/7/1922. AEL. FAB. MR 29. Carta de um jornalista de Hoje a João Luiz Alves. 17/8/1922.
169
Carta de Raul Falcão a Artur Bernardes. 21/3/1922. AEL. FAB. MR 29; carta de Otávio Rocha a
Washington Luís. 7/7/1922. APESP. AWL. Caixa 195. Pasta 3; carta de Otávio Rocha a Washington
Luís. 19/7/1922. APESP. Caixa 195. Pasta 3.
73
2
Restauração
na Bahia
170
VISCARDI, Cláudia. O teatro das oligarquias. Capítulo 7.
171
Carta de Sampaio Vidal a Washington Luís. Sem data e outra de 2/9/1922. APESP. AWL. Caixa 201.
Pasta 1; carta de Cincinato Braga a Washington Luís. 13/1/1923. APESP. AWL. Caixa 232. Pasta 1;
minuta de Carta de Washington Luís a Cincinato Braga. APESP. AWL. 15/1/1923.
74
Justiça, as militares cresceram em importância devido à conjuntura de insubordinação
civil e militar que ameaçava o novo quatriênio. Se a primeira foi entregue a um amigo
cuja capacidade de trabalho fora comprovada perante Artur Bernardes durante seu
governo em Minas Gerais, a da Marinha e da Guerra voltaram a ser ocupadas por
oficiais, isto é, o almirante Alexandrino de Alencar e o general Setembrino de Carvalho,
dois gaúchos que não se haviam solidarizado na sucessão presidencial com o PRR.
Alencar destacava-se por reformas realizadas na Armada e Setembrino de Carvalho por
haver sido combatente legalista na revolta de 1922 e na Guerra do Contestado (1912-
1916).172
Ao tomar posse, o novo presidente herdou grave crise política e financeira. Na
política, de imediato, havia dois desafios: a manutenção da ordem pública durante o
processo judicial dos implicados nas revoltas de 1922 e a solução dos chamados “casos
estaduais”, isto é, as disputas entre oposição e governo na Bahia, Rio de Janeiro e Rio
Grande do Sul, que inclusive tendiam a envolver o Executivo Federal (como havia
ocorrido em Pernambuco em 1922).
Como citado, os aliados de Bernardes já haviam indicado o perigo de a
dissidência dificultar, para além da eleição e posse, a própria administração do novo
governo, dentre outras coisas pela sua presença no Parlamento. Em julho de 1921, Alaor
Prata considerou a hipótese de Bernardes perder sustentação até em Minas Gerais, caso
Francisco Sales conseguisse vitórias em decorrência de sua aliança com a Reação
Republicana.173 Após a morte de Urbano Santos e quando a dissidência já reivindicava a
posse de Seabra mediante habeas corpus do STF, Raul Soares procurou Moniz Sodré e
propôs entregar à Bahia a vice-presidência mediante acordo com o objetivo velado de
dissolver a Reação Republicana. Com isso, indicava que o perigo era a conservação do
bloco oposicionista depois da posse de Bernardes. “A nossa política deve ser desagregar
os nossos adversários”, escreveu em carta ao governador de Minas Gerais.174 Dias antes,
o conselho de Afrânio de Melo Franco, partindo do mesmo diagnóstico de Soares, era
diametralmente oposto, ao pontuar a necessidade de tratar os adversários como
“poltrões”, sobretudo devido à sua articulação com os militares: “só nos resta levar a
172
João Luís Aves fora secretário de Finanças na gestão de Artur Bernardes à frente do governo de Minas
Gerais. Ver JUNQUEIRA, Eduardo. Verbete de João Luís Aves; PINHEIRO, Luciana. Verbete de
Alexandrino de Alencar; PECHMAN, Robert. Verbete de Setembrino de Carvalho. Dicionário da Elite
Republicana (1889-1930) do CPDOC/FGV. Disponível em: http://www.fgv.br. Acesso em: 25/8/2013.
173
Carta de Alaor Prata a Artur Bernardes. 11/7/1921. AEL. FAB. MR 28.
174
Carta de Raul Soares a Artur Bernardes. 24/5/1921. AEL. FAB. MR 29.
75
nossa causa para diante pelos processos que nos restam: os da energia material,
afastados todos os recursos do recíproco entendimento, dentro da Constituição”.175
Entretanto, a revolta de julho de 1922 e o recuo do Rio Grande do Sul dissolveram a
Reação Republicana e injetaram um sopro de esperança nas hostes bernardistas. “Insisto
que não devemos atacar a situação do Rio Grande do Sul depois que se retiraram da luta
os seus homens”, ressalvou Melo Franco. E prosseguiu: “precisamos acalmar a opinião
e preparar o país para os trabalhos árduos do futuro governo, cuja tarefa é muito
pesada”. 176
A desarticulação da Reação Republicana dera lugar a outros obstáculos a um
governo tranquilo para Bernardes. No mês seguinte, nos estados da dissidência,
começou a pressão das oposições para que o governo federal respaldasse as investidas
delas contra as administrações estaduais. Publicado na Gazeta de Notícias e com críticas
explícitas às solicitações de intervenção por parte das oposições da Bahia e do estado do
Rio de Janeiro, um artigo de um aliado de Bernardes foi, segundo o autor, muito bem
recebido em círculos bernardistas. Estácio Coimbra, que o teria aplaudido por abrir os
olhos do presidente contra os “amigos” da Bahia e do Rio de Janeiro, teria concordado
entusiasticamente com sua tese de que “o quatriênio Bernardes-Estácio começava fraco,
precisava de força e [que] essa só lhe podia vir de uma política elevada e... nacional”.177
Tais dificuldades contrastavam com a imagem de equilíbrio que o novo presidente
procurou transmitir no dia da posse no palácio do Catete.
175
Carta de Afrânio de Melo Franco a Artur Bernardes. 20/5/1921. AEL. FAB. MR 29.
176
Carta de Afrânio de Melo Franco a Artur Bernardes. 7/14/1922. AEL. FAB. MR 29.
177
Carta de Raul Falcão a remetente desconhecido. 18/8/1922. AEL. FAB. MR 29. Grifo no original. O
artigo foi publicado na Gazeta de Notícias, 16/8/1922.
76
Figura 12 - Artur Bernardes no dia de posse na Presidência da República. Rio de Janeiro,
15/11/1922. Fonte: sítio do APM.
178
Carta de Otávio Rocha a Washington Luís. 8/1/1923. APESP. Caixa 195. Pasta 3. FERREIRA,
Marieta de M. Conflito Regional e Crise Política: a reação republicana no Rio de Janeiro, p. 70.
77
de Bernardes e seu desejo de obter a higienização do estado do Rio. “Vejo, com
desgosto e muitas apreensões, que teremos a pior de todas as soluções” no caso do Rio
de Janeiro, disse a Washington Luís. Explicava em seguida do que se tratava: “a
destruição dos poderes locais por ato exclusivo do poder Executivo Federal e eleição de
novos poderes estaduais e até municipais. A vassoura, em suma”. 179 Apesar de sua
análise e de suas inclinações não-intervencionistas, São Paulo não reprovaria a
intervenção no Rio de Janeiro, claramente para salvaguardar a aliança com Bernardes e
Minas Gerais.180
Tal intervenção coincidiu com o agravamento da situação na Bahia e no Rio
Grande do Sul, onde as oposições, para enfrentar Seabra e Borges de Medeiros, uniram-
se respectivamente em torno da Concentração Republicana da Bahia (CRB) e da
Aliança Libertadora. Fortalecidos com a adesão de ex-seabristas como Álvaro Cova,
Geraldo Rocha e o coronel César Sá, os concentristas organizaram chapa para a
renovação da Assembleia Legislativa da Bahia (fevereiro de 1923), que apuraria as
eleições para governador (dezembro de 1923) e empossaria o candidato vitorioso
(março de 1924).
Liderados por Assis Brasil e à espera de apoio de uma intervenção federal, os
libertadores iniciaram em janeiro de 1923 uma revolta contra o governador gaúcho após
tê-lo enfrentado em eleições consideradas fraudulentas no final de 1922. Entretanto, os
revoltosos não obtiveram o apoio suficiente do governador de Minas Gerais, de São
Paulo e de Bernardes. O governo federal esperou pelo esgotamento das forças legalistas
e oposicionistas para intervir com a proposição de um acordo entre as partes, o que
ocorreria em 1923. Em dezembro e com intermediação do ministro da Guerra,
formalizou-se entre oposição e governo o Pacto das Pedras Altas, através do qual
Borges de Medeiros foi mantido no governo, mas perdeu o direito de ser reeleito e de
indicar o vice-governador do Rio Grande do Sul, além de ter sido obrigado a garantir a
representação da minoria em nível estadual e federal. Assim, alterava-se o inabalável
aparelho constitucional gaúcho e aplainava-se o terreno para a reforma da Constituição
Federal, almejada por Bernardes.181
179
Carta de Arnolfo Azevedo a Washington Luís. 6/1/1923. APESP. Caixa 188. Pasta 1; carta de Arnolfo
Azevedo a Washington Luís. 7/1/1923. APESP. Caixa 188. Pasta 1. Carta de Arnolfo Azevedo a
Washington Luís. 12/1/1923. APESP. Caixa 188. Pasta 1.
180
Carta de Washington Luís a Arnolfo Azevedo. 17/4/1923. APESP. Caixa 188. Pasta 1.
181
Em carta de 1925, Antunes Maciel relembrou a atitude de Bernardes, isto é, a espera pelo desenrolar
dos acontecimentos para propor um acordo de paz entre oposição e governo do Rio Grande do Sul.
78
Para Joseph Love, Bernardes não decretou intervenção federal contra Borges de
Medeiros porque não houve duplicata de assembleias e por não ter certeza quanto à
obediência das numerosas forças do Exército estacionadas no Rio Grande do Sul. Caso
assentissem, sua dúvida recaía sobre o caráter de uma vitória sobre a bem armada
Brigada Gaúcha. Tal observação integra o argumento regularmente usado de que o peso
do Rio Grande do Sul, ou de Minas, ou de São Paulo, na federação brasileira, explicava-
se também pelo seu poderio militar e sua capacidade de opor-se a intervenções. No caso
específico do Rio Grande do Sul, esse argumento sustenta ainda que a proeminência das
elites gaúchas devia-se a seus vínculos de solidariedade com os corpos militares federais
existentes no estado. Do outro lado, estariam os estados considerados frágeis, como a
Bahia, cuja polícia era, nas palavras de Eul-Soo Pang, um exército de ralé, composto de
homens mal pagos e indisciplinados.182 Ou seja, a Bahia não tinha uma força pública
poderosa e por isso estava sujeita e intervenções federais, causa e efeito de sua
fragilidade política. Segundo Eul-Soo Pang, a intervenção nos estados era um
“instrumento cômodo” com que o governo federal recompensava aliados e castigava
adversários.183
Para além do militar, é preciso observar o aspecto propriamente político, já que
Bernardes e seus aliados consideraram a acomodação com o Rio Grande do Sul como
meio de restabelecer a paz e a autoridade. O próprio Joseph Love afirma que a
indisposição do novo presidente em decretar intervenção federal contra o Rio Grande do
Sul tinha a ver com o apoio que os gaúchos lhe ofereceram no Parlamento, inclusive
para intervir no estado do Rio de Janeiro. O depoimento do embaixador estadunidense
Edwin Morgan confirma que o governo federal evitava intervir no Rio Grande do Sul
por temor de que o Exército não cumprisse suas ordens. Entretanto, ele afirmou que o
Segundo ele, as pretensões da oposição foram endossadas por Raul Soares. Joseph Love considera esse
apoio simples mostras de simpatias. De um modo ou de outro, o brasilianista observa que Bernardes
mostrou-se evasivo em relação ao apoio concreto para a intervenção. Carta de Antunes Maciel a
Washington Luís, Carta de Antunes Maciel a Washington Luís. 18/8/1925. APESP. AWL. Caixa 189.
Pasta 1. LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho e as origens da revolução de 1930, p. 219-223. Ver
MOREIRA, Regina da Luz. Verbete de Assis Brasil; PECHMAN, Robert. Setembrino de Carvalho no
Dicionário da Elite Republicana (1889-1930) do CPDOC/FGV. Disponível em: http://www.fgv.br.
Acesso em: 25/8/2013.
182
LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho e as origens da revolução de 1930, p. 123. PANG, Eul-Soo.
Coronelismo e Oligarquias 1889-1934, p. 138.
183
SAMPAIO, Consuelo Novais. Partidos políticos da Bahia na Primeira República, p. 43 e ss. PANG,
Eul-Soo. Coronelismo e Oligarquias 1889-1934, p.147; LEITE, Rinaldo. A Rainha Destronada; LEITE,
Rinaldo. A „baianidade‟ das elites nas primeiras décadas republicanas. In BELLINI, Lígia; NEGRO,
Antônio L. e SOUZA, Evergton Sales (org.). Tecendo Histórias. Salvador, Edufba. 2009, p. 188.
79
desejo do novo presidente era socorrer a situação gaúcha e não derrubá-la – a
intervenção federal atenderia a tal objetivo. Para esse observador, muitos oficiais
consideravam uma traição a atitude assumida pelo governo gaúcho na revolta de 1922.
Isso colocava em cheque sua disposição em auxiliar Borges de Medeiros, ainda que sob
ordens da Presidência da República.184 Por um lado, ao mesmo tempo em que
demonstra a disposição do governo federal em acomodar-se com o gaúcho, esse
depoimento indiretamente descarta a superioridade da Brigada Gaúcha ou a articulação
entre PRR e Exército como fatores que explicariam a não ocorrência de uma
intervenção federal no Rio Grande do Sul. Por outro, mantém o dado de que Bernardes
acreditava que seu envolvimento no caso gaúcho poderia revelar áreas de resistências à
sua autoridade no seio do Exército. Edwin Morgan observaria que foi crucial para a
restauração da paz a resistência do presidente em envolver-se numa intervenção federal
no Rio Grande do Sul. 185
Pelo que pude averiguar, o desenrolar do caso da Bahia – onde não só o
governador não possuía, em tese, uma força policial poderosa como também a oposição
criaria duplicata de assembleias – fortalece a hipótese implícita no comentário de Edwin
Morgan. Evitando envolver-se explicitamente nas lutas entre governos e oposições
locais, Bernardes não se revelou completamente infenso à ideia de acomodação com os
governos que integraram a Reação Republicana, com exceção do Rio de Janeiro.
184
Embaixada do Rio de Janeiro, despacho nº 2015 de 29/1/1923. AEL. ADEB. Entre as razões para a
“condenação do tirano”, isto é, de Borges de Medeiros, um documento anônimo apreendido pelo governo
federa listou a sua atitude em face da revolta de julho de 1922. Ver: A Condenação do Tirano. AEL. FAB.
MR 7.
185
Embaixada do Rio de Janeiro, despacho nº 2117 de 20/12/1923. AEL. ADEB.
186
A informação de que a residência de Rui Barbosa recebia o nome de sua esposa Maria Augusta
encontra-se em: MAGALHÃES, Rejane Mendes. Rui Barbosa na Vila Maria Augusta. Rio de Janeiro:
80
uma campanha oposicionista, que nesse caso não o lançaria como cabeça de chapa nem
adotara sua plataforma programática.
Buscando articular-se com as oposições dos estados da Reação Republicana, 187 os
aliados de Bernardes procuraram avizinhar-se de Rui Barbosa, invariavelmente
valorizado por sua capacidade de atrair votos e sua autoridade moral e intelectual. 188
Carneiro de Resende, Afrânio de Melo Franco e outros políticos mineiros articularam-se
com os irmãos Otávio e João Mangabeira, que daí passaram a agir como embaixadores
de Minas Gerais junto à casa e aos parentes de Rui. 189 Após as primeiras sondagens, os
dois baianos explicaram aos bernardistas que a única porta pela qual esses poderiam
entrar era a adoção do programa revisionista do senador, caminho fechado pela Reação
Republicana.190 Bernardes já se comprometera com setores anti-revisionistas de sua
própria base de apoio, notadamente o PRP, mas parte dos seus aliados mostrou-lhe a
conveniência de um aceno discreto a favor da reforma da Constituição, para atrair Rui
Barbosa sem prejudicar acertos já entabulados. Medindo a relevância da parceria a ser
conquistada, o candidato aceitou o conselho.
Dias após estourar o escândalo das cartas falsas, Bernardes liberou senha durante
leitura de sua plataforma no Rio de Janeiro. Recebido como um “bandido”, um “traidor
da pátria” e um “réprobo” por uma parcela da população carioca, o candidato elogiou a
Constituição, mas declarou que “se, [...] o único poder político competente, que era o
Congresso, entendesse de promover a revisão [...] eu não interporia [...] minha
autoridade presidencial”. Lembrou que o programa da Convenção Nacional eliminara a
declaração de inconveniência da reforma constitucional. Tais palavras eram um sinal
claro a Rui Barbosa, elogiado pelo orador durante a conclusão da fala. Acionando a
tradicional oposição entre “Civilismo” e “militarismo”, Bernardes procurou a parceria
Fundação Casa de Rui Barbosa, 1994 apud QUARESMA, Mônica. O Salvacionismo na Bahia: o político
e a política em J. J. Seabra. Campinas: Unicamp, 1999 (História, dissertação de mestrado), p. 103.
187
Carta de Juvenal Lamartine a Artur Bernardes. 14.6.21; AEL. FAB. MR 28; AEL. FAB. MR 28. Carta
de Juvenal Lamartine a Artur Bernardes. 28/7/21 e 14/6/1921. AEL. FAB. MR 28; carta de Olegário a
Artur Bernardes. 27/6/1921. AEL. FAB. MR 28; carta de Antunes Maciel a Artur Bernardes. 22/7/1921.
AEL. FAB. MR 28; carta de Antes Maciel a Artur Bernardes. 10/8/1921. AEL. FAB. MR 28. Ver
também: Carta de Cardoso a Artur Bernardes. 9/7/1921. AEL. FAB. MR 28.
188
Carta de Heitor de Souza a Artur Bernardes. 21/6/1921. AEL. FAB. MR 28.
189
Carneiro Resende a Artur Bernardes. 25/6/1921. AEL. FAB. MR 28.
190
Telegrama de Júlio Barbosa a Artur Bernardes. 28/6/1921. AEL. FAB. MR 28; carta de Sertório de
Castro a Artur Bernardes. 7/7/1921. AEL. FAB. MR 3; carta de Sertório de Castro a Artur Bernardes.
8/7/1921. AEL. FAB. MR 3; carta de Alaor Prata a Artur Bernardes. 11/7/1921. AEL. FAB. MR 28; carta
de Caio de Barros Monteiro a Artur Bernardes. 3/8/1921. AEL. FAB. MR 28.
81
do líder baiano na ocasião exata em que os militares pró-Reação Republicana
denotavam um envolvimento mais decisivo na disputa eleitoral. 191
Próceres oposicionistas tentaram afastar Rui Barbosa e Artur Bernardes através da
entrega na residência do senador de uma antiga carta enviada pelo mineiro a Delfim
Moreira, então presidente da República. Autêntica, a missiva continha congratulações
pela recusa de Moreira em atender pedido de intervenção federal de Rui contra Seabra.
O efeito do documento, porém, foi anulado pela ingerência de Otávio Mangabeira e da
esposa do conselheiro, Maria Augusta, preocupada com a saúde do marido. Para o
próprio senador, reacender mágoas não faria sentido no momento em que era vantajoso
alinhar-se ao candidato oficial. No começo de 1922, atendendo à súplica de elementos
bernardistas, o águia de Haia dispôs-se a enfrentar o Clube Militar e o fogo da imprensa
oposicionista ao pronunciar-se pela falsidade das cartas publicadas pelo Correio da
Manhã, com o argumento de que não era confiável um documento cuja origem não era
revelada pelos acusadores.192 Na intimidade da Vila Maria Augusta, vaticinou a amigos
e parentes que o episódio das cartas falsas haveria de “ter o seu lugar na história dos
crimes célebres”. “Se amanhã o Artur Bernardes caísse vítima das paixões militares que
o assunto vai despertando, quem responderia pelo seu sacrifício perante sua família e
perante Deus?”, questionou Rui. Ao falecer, havia começado sem concluir a conferência
A Imprensa e o Dever da Verdade.193
Sua autoridade como jurisconsulto seria uma vez mais requisitada por altura das
discussões sobre o Tribunal de Honra e posteriormente sobre o habeas corpus de
Seabra, temas em que Rui Barbosa mostrou-se favorável a Bernardes.194 Publicada na
191
O Paiz. 20/10/1921. A fala de Bernardes era uma reprodução quase literal do que sugerira Sertório de
Castro na carta mencionada na nota anterior. A referência a maneira como Bernardes foi recebido no Rio
de Janeiro está em: FRANCO, Afonso Arinos de Melo Franco. Afrânio de Melo Franco e seu tempo. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1955, p. 1027.
192
Carta de Afonso Pena Júnior a Artur Bernardes. 9/2/1922. AEL. FAB. MR 29; Fala o maior intelectual
da América do Sul; fala o grande jurista brasileiro. Panfleto. AEL. FAB. MR 29. Durante exílio no
começo da República, Rui Barbosa havia escrito as Cartas da Inglaterra para o Jornal do Comércio do Rio
de Janeiro. Um dos temas tratados foi o célebre julgamento de Alfred Dreyfus, na França. Rui Barbosa
empregou o mesmo argumento para indicar que as cartas que incriminavam o judeu não eram confiáveis.
Tal episódio foi mencionado quando os bernardistas solicitaram o parecer do senador baiano sobre as
cartas do Correio da Manhã. Ver: BORGES, Vera Lúcia Bógea. A Batalha Eleitoral de 1910. Rio de
Janeiro: Apicuri, 2011. MANGABEIRA, João. Ruy:o Estadista da República. São Paulo: Martins, 1946,
p. 377 e 378.
193
Carta de Otávio Mangabeira a Artur Bernardes. 15/2/1922. AEL. FAB. MR 29.
194
No caso do Tribunal de Honra, quando a própria Reação Republicana solicitou parecer de Rui, este
respondeu só faria pronunciamento caso houvesse requisição por escrito e que a os oposicionistas
comprometessem-se a publicar seu parecer independente de qual fosse o conteúdo. Carta de Duarte a
82
Gazeta de Notícias, a opinião contrária à posse na vice-presidência de Seabra sinalizou
o abandono do acordo que unira ruísmo e seabrismo com vistas à conquista da vice-
presidência para a Bahia. 195 Os próprios deputados da oposição baiana já trabalhavam
nos bastidores contra a concessão de habeas corpus a Seabra. Na revolta de 1922, além
de (doente e velho) comparecer à votação no Senado pela decretação do estado de sítio,
Rui Barbosa auxiliou Epitácio Pessoa na execução das medidas repressivas contra os
rebeldes. Em reconhecimento, o presidente convidou-lhe para lugar de destaque nas
comemorações do Centenário da Independência em 1922. Ao final do processo
sucessório, o senador baiano figurava ao lado dos vencedores como um dos principais
sustentáculos da candidatura mineira. 196
Um desenho produzido no pós-30 para legitimar a revolução de Outubro e a
liderança de Getúlio Vargas sugere aspectos da participação de Rui Barbosa na sucessão
presidencial de 1921-22. Apesar de a Reação Republicana ter sido de certa forma
inspirada na Campanha Civilista, Rui negou-se a endossar uma chapa oposicionista sem
que suas pretensões fossem plenamente ouvidas e acatadas. Concomitante com o
envolvimento mais decisivo dos militares na disputa eleitoral, afastou-se mais da
dissidência e reafirmou sua orientação civilista, após breve flerte com a caserna. A
revolta de julho de 1922 já o encontraria reconciliado com Epitácio Pessoa e aliado de
Artur Bernardes.
Artur Bernardes. ?/4/1922. AEL. FAB. MR 29; carta de Afonsinho a Artur Bernardes. 28/3/1922. AEL.
FAB. MR 29.
195
Carta de Duarte de Abreu a Artur Bernardes. 20/6/1922. AEL. FAB. MR 29. Gazeta de Notícias,
20/6/1922.
196
Carta de Afrânio de Melo Franco a Artur Bernardes. 19/7/1922. AEL. FAB. MR 29; carta de Pádua
Rezende a Washington Luís. Caixa 239. Pasta 1. Em contraste com as festas do centenário, o governo
federal não conferira a Rui Barbosa lugar de destaque no programa de recepção a Alberto I e Elizabeth,
monarcas belgas que visitaram o Brasil em 1920. Os críticos de Epitácio Pessoa lembraram que durante a
Grande Guerra o senador baiano fora o principal porta-voz do protesto do Brasil contra a invasão da
Bélgica pelo Império Alemão. Ver: FAGUNDES, Luciana Pessanha. Uma República em festa, p. 217-
222.
83
Figura 13 - Rui Barbosa em gravura de enaltecimento da Revolução de 1930 e da liderança
de Getúlio Vargas. Fonte: coleção Antonio Negro.
197
Carta de Sampaio Vidal a Washington Luís. Sem data e outra de 2/9/1922. APESP. AWL. Caixa 201.
Pasta 1. Segundo Sheila Faria, açucarocracia designa as relações entre as elites açucareiras com os
governos provincial e imperial durante o Segundo Reinado. Ver: FARIA, Sheila de Castro.
Açucarocracia. In VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Objetiva,
2002, p. 24.
198
CALMON, Pedro. Miguel Calmon: uma grande vida, p. 26-27, 30, 48.
84
secretariá-lo nos trabalho da Exposição Internacional do Centenário da
Independência. 199
Alfredo Rui Barbosa, filho do senador, substituiria Calmon na Câmara. Rui parece
ter influenciado na montagem do Ministério das Relações Exteriores. O post-scriptum
de uma carta enviada por Carlos de Campos a Washington Luís sugere que a pasta foi
oferecida ao águia de Haia, então recentemente eleito para a Corte Internacional de
Justiça. 200 Preocupado em deslindar a política externa a ser desenvolvida por Bernardes,
o embaixador Edwin Morgan observou que Rui teria sido ministro das Relações
Exteriores se sua saúde o tivesse permitido, acrescentando que, para manter-se
informado dos rumos da nova política externa do Brasil, o baiano indicou um genro
para o staff de Félix Pacheco, senador piauiense e novo titular do Itamaraty. Segundo
Bruno Magalhães, Rui foi responsável pela indicação de Pacheco.201
Nomeado ministro do STF pelo presidente mineiro Wenceslau Braz, Antônio
Joaquim Pires e Albuquerque, outro baiano aristocrata e prócer de Rui Barbosa, foi
conservado por Bernardes na Procuradoria Geral da República, cargo para o qual fora
indicado por Epitácio Pessoa.202 Tal como os ministros militares e o da Justiça, o
procurador teria papel crucial no desenrolar dos processos judiciários dos implicados
em revoltas e conspiratas militares, anteriores e posteriores à posse do novo presidente.
Aurelino Leal, outro baiano, deixara o estado durante a escalada do seabrismo e servira
como chefe de polícia do Distrito Federal durante as presidências de Wenceslau Braz,
Rodrigues Alves e Delfim Moreira, além de se ter tornado professor da Faculdade de
Direito do Rio de Janeiro. Desde o começo da campanha presidencial, trocou intensa
correspondência com o governador mineiro, mantendo-o informado sobre os principais
acontecimentos da capital federal e sobre seus avanços e recuos no estado da Bahia,
onde ficara responsável por realizar a articulação de apoios à candidatura Bernardes.
Após a intervenção no Rio de Janeiro, recebeu do novo presidente a incumbência de,
sob estado de sítio, presidir o estado como interventor por quase um ano com vistas à
199
Pedro Calmon era primo e bem mais jovem que Miguel Calmon. Entretanto, trava-o por “tio”. Ver:
CALMON, Pedro. Memórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.
200
Carta de Carlos de Campos a Washington Luís. 1922. APESP. AWL. Caixa 241. Pasta 1. O post-
scriptum diz: “se Rui não aceitar Exterior e não aparecer outro nome bom, fora da diplomacia [...] o
preferido é o Afrânio”. Grifo no original.
201
Embaixada do Rio de Janeiro, despacho sem número de 16/9/21 e nº 1987 de 15/11/1922. AEL.
ADEB. MAGALHÃES, Bruno. Artur Bernardes: estadista da República. Rio de Janeiro: José
Olympio,1973, p. 192 e 157. Infelizmente, o autor não indica onde encontrou a informação.
202
Ver a página de Pires e Albuquerque no site do STF. Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em:
26/8/2013.
85
reorganização de sua política mediante o afastamento do nilismo, a criação da unidade
interna e da harmonia com o Catete.203
Graças ao papel relevante de Epitácio Pessoa, de Rui Barbosa e outras lideranças
nortistas na sucessão presidencial, o Norte saiu bem representado no Ministério Artur
Bernardes: Calmon na pasta da Agricultura, Pacheco no Itamaraty e Coimbra na vice-
presidência da República ou presidência do Senado. Entre eles, é possível incluir
Francisco Sá, no Ministério da Viação e Obras Públicas. Embora fosse mineiro, possuía
laços políticos e de parentesco com Antônio Acióli (Ceará) e César Sá (Bahia). Não por
acaso, sua indicação foi interpretada como um agrado ao presidente Epitácio Pessoa. Na
cerimônia de posse do novo presidente, os terríveis homens do Norte marcaram
presença na intimidade dos salões do Catete.204
203
Ver: VASCONCELOS, Cláudio Beserra de. Verbete de Aurelino Leal. Dicionário da Elite Política
Republicana (1889-1930) do CPDOC/FGV. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br. Acesso em: 30/7/2013.
Embaixada do Rio de Janeiro, despacho nº 2015 de 29/1/1923. AEL. ADEB.
204
Eul Soo Pang e Jospeh Love classificam Francisco Sá como um político cearense. PANG, Eul-Soo.
Coronelismo e Oligarquias 1889-1934, p. 182. LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho e as origens da
revolução de 1930, p. 130. Ver: CACHAPUZ, Paulo Brandi. Verbete Francisco Sá. Dicionário da Elite
Política Republicana (1889-1930) do CPDOC/FGV. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br. Acesso:
2/7/2013; carta de Daniel Carneiro para Artur Bernardes. 12/4/1924. AEL. FAB. MR 7; carta de Sampaio
Vidal a Washington Luís. Sem data e outra de 2/9/1922. APESP. AWL. Caixa 201. Pasta 1.
86
Durante a campanha de 1921-22, a passagem de Rui e seus aliados para o lado de
Bernardes reabriu a rinha entre a raposa e a águia. Sentindo que algo cedia sob os pés,
Seabra procurou o conselheiro e os deputados da oposição no final de 1921, propondo-
lhes a entrada de elementos oposicionistas na comissão executiva do PRD para
consolidar a união entre as duas facções da política estadual. 205 Embora o pedido tenha
sido aceito no Rio, provocou reações negativas na Bahia, onde um aliado de Otávio
Mangabeira considerou-o uma “pantomima”. Quando soube da aceitação do convite, o
oposicionista Aurélio Viana sentiu-se ainda mais livre para apoiar Bernardes e Urbano
Santos. Segundo ele, a incorporação de membros da oposição ao PRD não estava
prevista no acordo entre governo e oposição, o qual restringira-se à indicação de Seabra
como vice de Bernardes.206
O frágil acordo realizado entre Seabra e Rui de meados de 1921 desatou-se nos
entrechoques da sucessão presidencial, uma vez que, na tratativa de união, não havia
sido previsto o lançamento da candidatura de Seabra por uma chapa dissidente, mas sim
numa oficial ao lado de Bernardes. 207 Por fim, Rui Barbosa aconselhou seus aliados a
votarem em Seabra e em Bernardes. Além isso, durante o reconhecimento, os deputados
da oposição reconheceram o candidato mineiro e provavelmente Urbano Santos.208
Morto este, Rui, Aurelino Leal, Mangabeira e seus aliados opuseram-se à entrega da
vice-presidência a Seabra, via habeas corpus ou acordo entre bernardistas e Reação
Republicana. A Bahia cindia-se entre a Convenção Nacional e a Reação Republicana. 209
Assim, a presença desses baianos nos salões do palácio do Catete honrava
compromissos assumidos entre Artur Bernardes, Aurelino Leal e os seguidores de Rui
Barbosa, especialmente Miguel Calmon. Entretanto, como Seabra havia sustentado a
Reação Republicana, tais recompensas levaram à configuração do caso baiano. Isto é,
Bernardes recompensou seus aliados da Bahia, mas estes interpuseram-se entre o
palácio do Catete e o palácio Rio Branco, para não falar da bancada seabrista no
205
Carta de Otávio Mangabeira a Carneiro Resende. 15/8/1921. AEL. FAB. MR 3.
206
Carta de Pires de Carvalho a Otávio Mangabeira. 30/12/1921. FPC/Centro de Memória da Bahia
(CMB). Arquivo Otávio Mangabeira (AOM). 329.
207
Carta de Aurélio Viana a Albino. 3/9/1921. AEL. FAB. MR 28.
208
Telegrama da Agência Star para Artur Bernardes. 21/2/1922. AEL. FAB. MR 29; carta de Otávio
Mangabeira a Artur Bernardes. 13/6/1922. AEL. FAB. MR 28.
209
Cartas de Aurelino Leal a Artur Bernardes. 1/8/21 e 22/9/1921. AEL. FAB. MR 28; carta de Aurélio
Viana a Albino. 3/9/1921. AEL. FAB. MR 28. Carta de Duarte a Artur Bernardes. ?/4/1922. AEL. FAB.
MR 29; carta de Carvalho de Brito a Artur Bernardes. 12/6/1922. AEL. FAB. MR 29; carta de Otávio
Mangabeira a Carneiro Resende. 13/6/1922. AEL. FAB. MR 29; carta de Bernardo Monteiro a Artur
Bernardes. 20/7/1922. AEL. FAB. MR 29; carta de Aurelino Leal a Artur Bernardes. 20/7/1921. AEL.
FAB. MR 29.
87
Congresso Nacional. Portanto, havia um desalinho entre a Bahia e o Executivo Federal,
cuja superação era almejada pelos três atores em cena: Artur Bernardes, o governo
estadual e as oposições baianas. Entretanto, o desejo comum pelo realinhamento não
eliminava a disparidade de interesses existente em torno dele e era preciso definir quais
desses interesses deveriam ser contemplados, quais acomodados e quais simplesmente
descartados.
O caso baiano
Como as oposições gaúchas, Aurelino Leal e os ruístas procuraram em 1922, mas sem
sucesso, o apoio de São Paulo, de Minas Gerais e de Epitácio Pessoa para obter na
Bahia uma intervenção federal contra Seabra. No começo do ano, boatos de que o
governador pretendia renunciar para eleger Moniz Sodré antes de Bernardes tomar
posse levaram Aurelino Leal a apresentar a Raul Soares a ideia de fazer Minas Gerais e
São Paulo apoiar uma revolta das oposições contra o governo da Bahia, bastando para
isso a neutralidade de Epitácio Pessoa. Não obteve sucesso.210
Contando com o estado de sítio decretado depois dos motins militares de julho de
1922, Leal e parte das oposições ruístas requisitaram novamente cobertura de
Washington Luís, de Artur Bernardes e do Catete para derrubar Seabra com base em
diferentes critérios, entre eles o suposto envolvimento do governador e de Moniz Sodré
com as revoltas tenentistas de 1922, a inconstitucionalidade do código eleitoral baiano e
a insolvência de débitos contraídos pelo tesouro do estado. Em tal ocasião, Epitácio
Pessoa julgou forçada a interpretação que os baianos davam ao dispositivo
constitucional que tratava das intervenções. Por sua vez, o governador paulista eximiu-
se e chamou atenção para o risco de o plano ser derrotado no Congresso Nacional. Artur
Bernardes não tomou qualquer medida concreta para atender à solicitação de seus
aliados da Bahia. 211
210
Carta de Aurelino Leal a Raul Soares. 5/1/1922. AEL. FAB. MR 29. Aurelino esperava que na ocasião
Epitácio Pessoa realizasse algumas nomeações chave, mantivesse o atual comandante da Região e não
realizasse intervenção para apoiar o governo.
211
Carta de Aurelino Leal a Artur Bernardes. 20/7/1921. AEL. FAB. MR 29; carta de Aurelino Leal a
Artur Bernardes. 25/7/1922. AEL. FAB. MR 29. 25/7/1922.; carta de Otávio Mangabeira a Carneiro
Resende. 26/7/1922. AEL. FAB. MR 29; carta de Aurelino Leal a Artur Bernardes. 3/8/1922. AEL. FAB.
MR 29; carta de Aurelino Leal a Artur Bernardes. 6/8/1922. AEL. FAB. MR 29; carta de Artur Bernardes
a Aurelino Leal. 6/8/1922. AEL. FAB. MR 29; carta de Aurelino Leal a Artur Bernardes. 12/8/1922.
AEL. FAB. MR 29; carta de Aurelino Leal a Artur Bernardes. 14/8/1922. AEL. FAB. MR 29; carta de
Aurelino Leal a Artur Bernardes. 26/8/1922. AEL. FAB. MR 29; carta de Otávio Mangabeira a Carneiro
Resende. 24/8/1922. AEL. FAB. MR 29; carta de Aurelino Leal a Washington Luís. 30/7/1922. APESP.
88
Logo depois da posse do novo presidente e da intervenção no Rio de Janeiro,
Leal, os irmãos Mangabeira, Simões Filho e em menor medida Pedro Lago e Rui
Barbosa ansiavam por valer-se do precedente e de sua influência junto ao Catete para
provocar a desejada intervenção. Isso num momento muito favorável, isto é, as eleições
para a Assembleia Legislativa da Bahia, a qual empossaria em 1924 o governador a ser
eleito no final de 1923. Já no segundo semestre de 1922, os diários oposicionistas e
governistas de Salvador digladiavam-se entre si em torno da veracidade ou da
legitimidade de uma intervenção federal ou mesmo estrangeira na Bahia, para a
cobrança de débitos públicos não honrados pelo tesouro do estado. Tratava-se de um
luta em que a imprensa de oposição procurava criar um clima propício a uma
intervenção federal enquanto os jornais pró-Seabra tratavam de desfazê-lo. Seja como
for, a ideia de usar a insolvência de débitos públicos para legitimar uma intervenção
crescia nos bastidores da política. Informado sobre o assunto, Seabra realizou junto ao
Banco Econômico da Bahia um empréstimo de 70 mil contos de réis para unificar a
dívida interna do estado e livrar o tesouro das inúmeras obrigações que o assolavam
com altos juros e prazos apertados.212
Enquanto o A Tarde indicava irregularidades no empréstimo, Seabra passou a
trabalhar nos bastidores para lançar como candidato de conciliação Francisco Marques
de Góis Calmon, dirigente do Banco Econômico.213 Presidente do Instituto da Ordem
dos Advogados e membro de uma das mais ilustres e tradicionais famílias baianas, Góis
Calmon seria bem aceito pelas classes conservadoras de Salvador. 214 Como não era
político profissional, poderia ser aceito pelo PRD e pela CRB, atendendo ao anseio de
parte da população, cansada de lutas interpartidárias que ameaçavam ensanguentar o
AWL. Caixa 244. Pasta 1; carta de Aurelino Leal a Washington Luís. 12/8/1922. APESP. AWL. Caixa
244. Pasta 1.
212
O Democrata. 27/8/1922.; 30/8/1922.; 2/9/1922.; 22/9/1922. O órgão governista denunciou a relação
entre a crítica às condições financeiras da Bahia e o desejo por intervenção: O Democrata. 8/10/1922.
Diante das críticas do A Tarde, Góis Calmon explicou entrevistas ao Diário da Bahia e ao Diário de
Notícias os benefícios do empréstimo para o Tesouro do Estado: Diário da Bahia. 18/12/1922. Diário de
Notícias. 17/12/1922. Através de um estudo sobre as relações entre autoridades da Bahia e grandes
empresas capitalistas brasileiras e estrangeiras, Joaci Cunha expõe o impacto desastroso das
administrações seabristas sobre as finanças públicas da Bahia: CUNHA, Joaci. O fazer político da Bahia
na República Velha, 1906-1930. Salvador: Ufba, 2011 (História, tese de doutorado).
213
Com apreensão, parte das oposições percebeu de imediato a relação entre o empréstimo e o desejo de
Seabra de acomodar-se via Calmon com o governo federal, afastando o risco da intervenção. Carta de Fiel
Fontes a Otávio Mangabeira. 29/10/1922. FPC/CMB. AOM. 546. Em maio de 1923, Artur Bernardes
seria informado sobre o assunto: Carta de Joaquim Teixeira a Artur Bernardes. 22/4/1923. AEL. FAB.
MR 11.
214
SAMPAIO, Consuelo Novais. Partidos políticos da Bahia na Primeira República. Ver também: O
Democrata. 4/3/1923. O Democrata. 20/10/1923.
89
estado. Responsável por uma reforma bem sucedida no Banco Econômico, com o qual
foi contratado o empréstimo de unificação, trazia a promessa da restauração
administrativa e financeira para o estado, precisamente quando Bernardes desenvolvia
programa cujo objetivo maior era restaurar as finanças do governo federal. Além disso,
era irmão do ministro da Agricultura, o que poderia interessar o presidente numa
conciliação com o palácio Rio Branco.215 A candidatura Góis Calmon representava um
realinhamento possível entre o estado e o Catete, no qual o seabrismo encontraria
espaço de acomodação e os irmãos Calmon assumiriam a proa da política na Bahia. Em
1923, ironicamente, um livro editado no Rio de Janeiro pelo governo baiano como parte
das comemorações do centenário da Independência da Bahia abre-se com as efígies
entrelaçadas de Bernardes e Góis Calmon. Tratava-se de uma propaganda dos planos de
Seabra.
215
SAMPAIO, Consuelo Novais. Partidos políticos da Bahia na Primeira República, p. 175. Sobre a
presidência de Góis Calmon e a relação entre a família Calmon e o Banco Econômico, ver: OLIVEIRA,
Waldir Freitas. História de um banco: o Banco Econômico. Salvador, Museu Eugênio Teixeira
Leal/Memorial do Banco Econômico, 1993, p. 19, 104-109 e 128; e CALASANS, José. Miguel Calmon
sobrinho e sua época: 1912-1967. Salvador, Museu Eugênio Teixeira Leal. 1991, p.64.
90
oportunidade de salvação para Seabra e o PRD.216 O governador propôs ao presidente e
às oposições a candidatura Góis Calmon no final de fevereiro de 1923, quando Aurelino
Leal e os ruístas preparavam-se para criar a duplicata de assembleias e dar o primeiro
passo para provocar uma intervenção na Bahia. Seabra também propôs a Rui Barbosa
uma lista de correligionários seus como candidatos de conciliação, o que foi negado
pelas oposições, que exigiram como base para o acordo a sua renúncia do governo, a
indicação de um nome das oposições (ou absolutamente neutro) como candidato e a
concessão aos oposicionistas de metade das cadeiras da Assembleia Legislativa. 217
Nessa ocasião, como num ritual político, a raposa “queimou” a candidatura de um
amigo pessoal de Rui Barbosa (J. J. Palma), ao oferecê-la à águia e – depois da
aceitação – retirá-la, indicando a necessidade de um tertius, que seria finalmente Góis
Calmon. Dias depois, concedeu uma entrevista ao Diário de Notícias na qual repudiou
as exigências dos grupos oposicionistas e prometeu defender até a morte a autonomia do
estado, caso sua proposta de conciliação fosse rejeitada e uma intervenção federal
ocorresse. Acompanhado pela imprensa seabrista e contrária a intervenções federais,
tais palavras indicam que a candidatura Góis Calmon era apresentada como uma
alternativa à conflagração do estado, isto é, Seabra colocava lado a lado a acomodação
ou a luta intraestadual. Certo de que obteria o apoio de Bernardes, entretanto, a CRB
deu continuidade à sua trama, mesmo após a morte de Rui Barbosa em março de 1923.
O desenrolar dos acontecimentos revela que o governo federal não se aproveitou
do clima de agitação para vingar-se do antagonismo sustentado por Seabra durante a
campanha da Reação Republicana – e para calar seu alegado envolvimento com o
tenentismo sedicioso, embora tenha feita concessões aos oposicionistas. O envio para a
Região Militar de novo comandante, de navio de guerra e de um contingente de
soldados foi lido como um sinal de respaldo ao desejo de intervenção das oposições.
Após as eleições para a Assembleia Legislativa, formou-se um conjunto de
oposicionistas cujo objetivo era constituir-se em junta apuradora para reconhecer
candidatos da oposição. Em articulação com os líderes oposicionistas, o suplente de juiz
Estelita Pessoa emitiu um habeas corpus para garantir o direito de reunião dessa junta.
Com o objetivo de envolver o poder federal, Pessoa enviou o habeas corpus para o STF.
Dias depois, outro juiz, Ajuricaba de Menezes, emitiu habeas corpus para que os
216
Carta de Joaquim Teixeira a Artur Bernardes. 8/5/1923. AEL. FAB. MR. 13.
217
Telegrama de remetente desconhecido a Otávio Mangabeira. FPC/CMB. AOM. 9275.
91
deputados reconhecidos pela junta oposicionista tivessem o direito de se reunir no
edifício da assembleia, que se encontrava fechado devido à realização de uma reforma.
Tentando na prática ocasionar a intervenção federal, Menezes enviou o habeas corpus
para o STF e requisitou força contra o governo estadual, exigindo o cumprimento do
habeas corpus.218
Em tal momento, ficou evidente à oposição (isto é, a Aurelino Leal, aos irmãos
Mangabeira, a Simões Filho e seus seguidores) como o governo federal (isto é, Artur
Bernardes, o ministro da Justiça João Luís Alves e o próprio Miguel Calmon)
indispunham-se a executar uma intervenção na Bahia, mesmo que fosse para derrubar o
Cara de Bronze. Em carta dirigida ao irmão, João Mangabeira, que era advogado com
prática de banca em Ilhéus, relatou como não lhe foi dada a mão pelo ministro Miguel
Calmon, ficando sozinho em seu empenho de bastidor para evitar que os ministros do
STF realizassem uma sessão em que inevitavelmente seria derrubado o habeas corpus
de Estelita Pessoa, por falta de embasamento jurídico.219 Com desgosto, apontou a razão
do atraso do ministro João Luís Alves em tomar atitude diante do pedido de requisição
de força: o desejo de presenciar o embarque de uma filha, que viajaria à Europa. Além
disso, descreveu como naquela ocasião, isto é, momento crucial para a intervenção
federal na Bahia, o presidente da República surpreendera-o e a Aurelino Leal ao decidir
passar a semana santa na Ilha do Governador e determinar ao ministro da Marinha que
negasse acesso a todos que o procurassem, com exceção dos demais ministros... Mesmo
assim, depois de árduo trabalho dele, de Aurelino Leal e de Otávio Mangabeira,
conseguiram fazer que o presidente do STF enviasse a João Luís o ofício de Ajuricaba
Menezes, pedindo o envio de força federal. Em resposta, o ministro limitou-se a
telegrafar a Seabra, solicitando que permitisse o acesso dos deputados da oposição ao
prédio da Câmara, o que na prática representou o enterro do complô das oposições. 220
218
Telegrama de Aurelino Leal a Otávio Mangabeira. 23/3/1923. FPC/CMB. AOM. 2214; telegrama de
Aurelino Leal a Otávio Mangabeira. ?/3/1923. FPC/CMB. AOM. 4249.
219
Sobre a atuação profissional e política do advogado João Mangabeira em Ilhéus, ver: Falcón, Gustavo.
Coronéis do Cacau. Salvador: Edufba, 1995, p. 93-94.
220
João Mangabeira descreveu ao irmão o pouco caso que Bernardes, Calmon e João Luís davam aos
planos intervencionistas da CRB: Carta de João Mangabeira a Otávio Mangabeira. ?/3/1923. FPC/CMB.
AOM. 4249; avisa que Bernardes passaria a Semana Santa na Ilha do Governador no momento em mais a
CRB mais precisava dele: Telegrama de João Mangabeira a Otávio Mangabeira. 26/3/23; Aurelino Leal
refere-se às dificuldades causadas pela ausência de Bernardes: Telegrama de Aurelino Leal a Otávio
Mangabeira. 28/3/1923. FPC/CMB. AOM. 4304. As atitudes do ministro da Justiça estão registradas nos
seguintes documentos: Telegrama de Aurelino Leal a Otávio Mangabeira. 27/3/1923. FPC/CMB. AOM.
2216; telegrama de Miguel Calmon a Otávio Mangabeira. 23/3/1923. FPC/CMB. AOM. 4297. Telegrama
de Aurelino Leal a Otávio Mangabeira. 27/3/1923. FPC/CMB. AOM. 4302; telegrama de Aurelino Leal a
92
Mais tarde, o próprio João Luís e o ministro da Marinha enviariam ao presidente da
assembleia governista telegrama agradecendo o anúncio de sua instalação, o que
pareceu um sinal de que autoridades federais a reconheciam. 221 Em outra sessão do
STF, o habeas corpus Ajuricaba Menezes seria derrubado, como fora o de Estelita
Pessoa.222
Apesar de a Bahia não ser detentora do poder militar de São Paulo e do Rio
Grande do Sul e embora Artur Bernardes tenha recompensando seus amigos baianos na
montagem do novo governo, o novo presidente recusou-se a envolver a autoridade do
Catete em intervenção contra Seabra. Isso é um indício de que ele dava ao caso baiano
um tratamento diverso do dispensado ao caso fluminense e semelhante ao do Rio
Grande do Sul, militarmente temido. A Presidência, enfim, deixou que as circunstâncias
apontassem para as partes em luta a necessidade de um acordo para em seguida propô-lo
ou consagrá-lo. Deixou que os conterrâneos se batessem, sem dispensar apoio militar
concreto a um dos lados em disputa.
Os perigos encerrados por uma intervenção federal vieram à tona no caso
pernambucano de 1922, quando o envolvimento do palácio Catete na luta pelo poder em
Recife repercutiu diretamente no Rio de Janeiro. Envolvendo a imprensa e o Congresso
Nacional, agitou os meios políticos e militares, pondo em questão a própria estabilidade
do governo federal e a legitimidade de suas ações.223 Em abril de 1923, Arnolfo
Azevedo evitava conversar em rodas políticas da posição que São Paulo assumiria
diante dos casos políticos, em parte por não receber orientações de Washington Luís e
em parte por ser incapaz de decifrar qual direção tomaria o governo federal para a
resolução dos “casos graves”, a saber, Bahia e Rio Grande do Sul. Explicou que o
Otávio Mangabeira. 27/3/1923. FPC/CMB. AOM. 4307; telegrama de Aurelino Leal a Otávio
Mangabeira. 27/3/1923. FPC/CMB. AOM. 4306; telegrama de João Mangabeira a Otávio Mangabeira.
27/3/1923. FPC/CMB. AOM. 2216; telegrama de João Mangabeira para Otávio Mangabeira. 28/3/1923.
FPC/CMB. AOM. 2217; telegrama de João Mangabeira a Otávio Mangabeira. FPC/CMB. AOM. 2218;
telegrama de Aurelino Leal a Otávio Mangabeira. 28/3/1923. FPC/CMB. AOM. 4303; telegrama de
Aurelino Leal a Otávio Mangabeira. 28/3/1923. FPC/CMB. AOM 4305.
221
Telegrama de Simões Filho a Otávio Mangabeira. 1/9/1923. FPC/CMB. AOM. 1354. O Democrata.
14/4/1923.
222
O Democrata. 29/3/23; 3/4/23; 4/4/23; 10/4/1923.
223
Noutra indicação de que uma intervenção federal não era um “instrumento cômodo”, Epitácio Pessoa,
após deixar a Presidência da República, teve de se explicar inúmeras vezes sobre sua participação na
intervenção em Pernambuco, assim como Seabra teve de fazer o mesmo com o seu papel na intervenção
da Bahia em 1912. Igualmente, o arquivo de Washington Luís contém vários documentos relativos à sua
participação “no caso da Paraíba” de 1930, quando o coronel José Pereira teria disposto de apoio federal
em sua revolta contra o então governador João Pessoa. Muitos documentos procuram dar explicações e
justificativas sobre o caso.
93
mineiro evitava tratar do assunto, inclusive entre os aliados: “todos se queixam de que o
presidente está se isolando de todos e até dos amigos, que não recebe, parecendo que a
secretaria tem o propósito de sequestrá-lo e pô-lo incomunicável”. Em nova carta a
Washington Luís, referiu-se a “dificuldades” com que a intervenção federal no Rio de
Janeiro embaraçara o Catete. Presidente da Câmara dos Deputados, fez referências aos
apertos que aguardavam o presidente da República nas vindouras sessões do Congresso
Nacional. 224 Opinião semelhante manifestou o Diário de Notícias, para o qual
Bernardes estava sobrecarregado com as incompatibilidades que a intervenção contra o
nilismo trouxera ao seu governo. Para o jornal, o presidente era contrário à intervenção
na Bahia pela mesma razão que se opusera a intervir no Rio Grande do Sul: precisava de
apoio no Parlamento.225
Figuras 16, 17 e 18 - Próceres da CRB. Aurelino Leal (interventor federal no Rio de Janeiro), João
Mangabeira (deputado federal) e Simões Filho (deputado federal e proprietário do jornal oficial da
CRB, A Tarde). 1923. Fonte: Ilustração Brasileira, nº 34, Ano 4, junho de 1923.
224
Carta de Arnolfo Azevedo a Washington Luís. 15/4/1923. APESP. AWL. Caixa 188. Pasta 1.
225
Diário de Notícias, 22/3/1923.
94
afastamento dos seabristas e na criação de um cenário mais favorável às aspirações de
suas facções. Portanto, tais lideranças confrontavam-se paralelamente com a
possibilidade de sobrevivência do seabrismo e de ascensão do calmonismo como nova
corrente, encabeçada pelos irmãos Miguel Calmon, Góis Calmon e ainda Antônio
Calmon, chefe político-eleitoral em Salvador. Como barrava a eleições de Moniz Sodré
como sucessor de Seabra, o nome de Góis Calmon também não era bem aceita pela ala
monizista do PRD. Entretanto, o governador obteve a adesão de outro grupo importante
do partido oficial: o liderado por Frederico Costa, presidente da Assembleia Legislativa
da Bahia.
Após a morte de Rui Barbosa, Miguel Calmon reluzia como um dos seus
principais sucessores na política estadual e federal, o que foi consagrado quando Maria
Augusta entregou-lhe a escrivaninha em que o marido trabalhava antes de falecer.
Significativamente, o ministro destacou-se nos funerais em que o águia de Haia foi
celebrado como herói nacional e uma das figuras do novo governo.226 Em carta remetida
da cidade de Amargosa, o coronel Pedro Calmon participou ao ambicioso e talentoso
filho homônimo: “já sabemos que o Bernardes aceitou a candidatura Mexi”. “Portanto”,
continuou o pai, “temos o nosso homem nas boas graças. Também se perdêssemos essa
cartada, os aurelinistas não deixariam pedra sobre pedra – tal a sede de vinganças, lá
fora, e empregos. A surpresa foi dolorosa!”. Ilustrando a perspectiva de um acordo entre
Bernardes e Seabra através da família Calmon, o resto da missiva é a descrição de um
plano em que o pai tomaria o controle do município contra ou através da adesão forçada
dos aurelinistas locais, graças à interferência articulada de Seabra e de Góis Calmon (de
apelido Mexi): “Miguel ficará com toda a Bahia, que estava inteiramente perdida para
ele. Isso é que é a verdade”.227
226
Com efeito, a morte de Rui Barbosa evidenciou seu prestígio junto a Artur Bernardes. O governo
federal patrocinou e fez-se presente nos funerais do senador. João Gonçalves analisou os funerais a partir
da trajetória de Rui Barbosa como um todo, mas não deu atenção especificamente à sua participação na
sucessão presidencial e no novo governo. Ver: GONÇALVES, João Felipe. Enterrando Rui Barbosa: um
estudo de caso da construção fúnebre de heróis na Primeira República. Estudos Históricos. vol. 14, n. 25.
2000. MANGABEIRA, João. Ruy: o Estadista da República. São Paulo: Martins, 1946, p.
227
Carta de Pedro Calmon Freire de Bittencourt a Pedro Calmon Moniz de Bittencourt. 13/10/1923.
FPC/CMB. Arquivo Pedro Calmon. 252.
95
Figura 19 - No funeral de Rui Barbosa, Miguel Calmon e Alfredo Rui Barbosa amparam
Maria Augusta em regresso do último adeus ao marido velado na Biblioteca Nacional. Rio
de Janeiro, março de 1923. Fonte: sítio da FCRB.
228
Telegrama de Otávio Mangabeira a Simões Filho. FPC/CMB. AOM. 1923.
229
Carta de Paulo a Otávio Mangabeira. FPC/CMB. AOM. 4319.
230
Carta de Paulo a Otávio Mangabeira. FPC/CMB. AOM. 4323.
231
Telegrama de Simões Filho a Otávio Mangabeira. FPC/CMB. AOM. 1347.
96
graças ao encerramento do caso fluminense com a posse de Feliciano Sodré no governo
do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, o caso gaúcho caminhava para uma solução graças
às negociações encetadas entre as partes conflitantes, com a intermediação do ministro
da Guerra. De outro lado, a continuidade do apoio de São Paulo ao governo federal era
garantida pelo encaminhamento de Carlos de Campos como sucessor de Washington
Luís. Para Otávio Mangabeira, Bernardes estava disposto a aceitar e prestigiar o nome
de Góis Calmon, “custe o que custar”. As oposições da Bahia deveriam adotar aquela
candidatura porque se não o fizessem ficariam sem lugar num futuro acordo, mediado
pelos Calmon, entre Seabra e o Catete: “Bernardes será coagido a transigir com o
seabrismo mediante a senatoria ou maior número de lugares na bancada ou outras
232
concessões como único meio de assegurar a consolidação de Calmon”. Tratava-se,
em suas palavras, de conquistar o bom lugar já nos primeiros passos daquela procissão
que trazia no andor o dirigente do Banco Econômico.233 Mais uma vez, nos altos e
baixos da política, Seabra parecia lograr notável equilíbrio, estando prestes a selar uma
coligação com seu ex-adversário na corrida presidencial e com o possível herdeiro de
Rui, Miguel Calmon. Entretanto, uma oposição renhida assistia a tudo inquieta. Apesar
de seu empenho, a Bahia, apesar de sua frágil Força Pública, não sofreu intervenção por
razões políticas e não militares. Verdadeira ou não, até mesmo a notícia de que Góis
Calmon jactara-se da certeza de sua candidatura apontava a impossibilidade de o Catete
intervir no agitado tabuleiro da Bahia.
Uma reviravolta trouxe turbulência quando, inclinando-se pela facção do PRD
orientada pelos Moniz, Seabra rompeu com a candidatura de Góis Calmon e alegou
como razão a publicação de uma carta em que Medeiros Neto relacionava o nome do
banqueiro e do presidente da República num suposto plano para derrubar o governador
da Bahia. Adversário de Seabra, Medeiros Neto teria ouvido de Bernardes que Góis
Calmon prometera ao presidente que sua ascensão ao poder representaria a queda do
seabrismo – o mineiro tentava conseguir a adesão de Medeiros Neto a Góis Calmon.
Medeiros Neto negou-se a apoiar o nome do banqueiro por não acreditar em sua suposta
promessa. Ao saber do conteúdo da missiva, Seabra interpelou o presidente da
República sobre a veracidade da promessa de Góis Calmon, mas dele recebeu uma
232
Rascunho de carta de Otávio Mangabeira. 1923. FPC/CMB. AOM. 4792.
233
A menção à necessidade de “tomar o seu lugar” na procissão como uma “teoria” de Otávio
Mangabeira encontra-se em: Carta de Aurelino Leal a Otávio Mangabeira. 28/1/1924. FPC/CMB. AOM.
4922.
97
resposta evasiva e a declaração de que o governador deveria entender as razões que o
impeliam a não se envolver nas disputas da Bahia, “por mais que a elas se pretenda
arrastar o chefe da Nação”.234
Seabra viu aí uma confirmação do que dissera a carta de Medeiros Neto e, numa
atitude surpreendente, abandonou a candidatura Góis Calmon. Muito provavelmente,
sua reação deveu-se à decisão de Bernardes em apoiar a eleição de Pedro Lago para a
vaga aberta no Senado com a morte de Rui Barbosa. Ao lançar a candidatura Góis
Calmon ao governo da Bahia, Seabra aspirava entrar para a câmara alta através da
entrega preliminar do cargo ao seabrista Arlindo Leoni. É importante destacar que a
essa altura Francisco Costa e os irmãos Calmon já apoiavam Bernardes em seu
propósito de manifestar-se em favor de Pedro Lago. 235 Sentindo que a candidatura Góis
Calmon não garantira sua entrada para o Senado, Seabra relançou, para a sucessão no
governo, o nome de Arlindo Leoni, deputado federal e seu procurador junto ao STF
(onde também era ministro o baiano Carolino Leoni Ramos, parente de Arlindo Leoni).
Como Leoni Ramos assumia em nível federal posturas pró-seabrismo, fica evidente que
o Cara de Bronze articulava com a candidatura de Arlindo Leoni o contraponto à
influência do ruísmo no governo federal (Miguel Calmon) e na própria corte suprema
(Pires e Albuquerque).236
Ao endossar a posição dos Moniz – abandonando a candidatura de Góis Calmon,
o governador da Bahia perdeu o apoio da facção governista liderada por Frederico
Costa, a qual contava com maioria na Assembleia Legislativa da Bahia. Seabra foi ainda
abandonado por dois secretários de governo, enquanto as adesões ao nome do banqueiro
não deixaram de crescer – tanto na capital quanto entre os chefes sertanejos. 237
É possível que o governador tenha tentado a partir daí articular-se com coronéis
baianos para contrapor-se a uma intervenção federal ou ao menos impedir que uma nova
234
SAMPAIO, Consuelo Novais. Partidos políticos da Bahia na Primeira República, p. 178.
235
Telegrama de Artur Bernardes a Pedro Lago. A Tarde. 26/7/23; telegrama com remetente e
destinatário desconhecidos. Sem data. FPC/CMB. AOM. 1773.
236
Otávio Mangabeira informou a Carneiro Resende que Leoni Ramos “cabalava” em favor da posse de
Seabra na vice-presidência via habeas corpus do STF. Além disso, o ministro condenou o habeas corpus
do juiz Estelita Pessoa e defendeu ainda habeas corpus impetrado por Arlindo Leoni em favor da mesa do
Senado seabrista durante o reconhecimento das eleições legislativas de 1923. Nessa ocasião, trocou
apartes com o ministro Pires e Albuquerque, que atacara violentamente o governo da Bahia. Carta de
Otávio Mangabeira a Carneiro Resende. 13/6/1922. AEL. FAB. MR 29. O Democrata, 29/3/23, 3/4/23 e
4/4/1923. A relação de parentesco entre os Leoni foi apontado quando o habeas corpus que abriu
caminho para a primeira intervenção federal na Bahia seria votado no STF, em 1912. Naquela ocasião,
Arlindo Leoni esteve entre os primeiros signatários desse habeas corpus. ver: A Noite, 15/1/12.
237
SAMPAIO. Partidos Políticos na Bahia da Primeira República, p. 180.
98
revolta dos sertões o prejudicasse, como em 1919. Como visto, ao lançar a candidatura
de Góis Calmon, o governador e parte da imprensa insistiram que ela era uma
alternativa à nova conflagração da Bahia. Tendo perdido a parceria de Geraldo Rocha, o
próprio chefe do PRD realizou por volta de julho uma excursão política ao vale do São
Francisco e às Lavras Diamantinas, onde visitou várias lideranças e encontrou-se com o
coronel Horácio de Matos. Num indício da relevância da política sertaneja na
conjuntura, o governador concordou em nomear o chefe sertanejo para substituir no
Senado estadual o coronel Cesar Sá – adversário de Seabra e de Horácio de Matos.
Muito provavelmente em combinação com o próprio governador, Góis Calmon também
realizaria pouco tempo depois uma excursão à região do São Francisco e ao Recôncavo
da Bahia. Após a retirada do apoio a esse nome, Seabra tentou articular com o
coronelismo a resistência contra a intervenção federal, para salvaguardar agora a
candidatura de Arlindo Leoni. Em dezembro, Simões Filho indicou que o
recrudescimento da violenta retórica do governador era acompanhado por tentativas de
realizar uma nova revolta regional com base em Horácio de Matos – o que seria anulado
por lideranças coronelistas pró-CRB.238 Em Salvador, a imprensa de oposição publicou
informações de que o ministro da Viação e Obras Públicas proibira a navegação no São
Francisco de uma embarcação despachada pelo governo estadual com armas e munição
para serem distribuídas nas cidades do vale, onde também haveria recrutamento militar
através da oferta de dinheiro.239
Tanto os sertões quanto a capital baiana conservaram o apoio à candidatura de
Góis Calmon, o que manteve o isolamento de Seabra e dos Moniz. A partir dessa
situação, isto é, de um governador extremamente isolado e que procurava sublevar a
Bahia, abriu-se o caminho político e até militar para que Artur Bernardes tomasse as
medidas cabíveis para a garantia da posse de Góis Calmon. O envio e movimentação de
tropas, durante a apuração das eleições de dezembro e a posse em março, ganhariam o
aspecto da manutenção da ordem para garantir a posse de um candidato que claramente
gozava de apoio em amplos setores da sociedade baiana. Como anotou o cônsul dos
Estados Unidos em Salvador, Homer Brett, homens de negócios e políticos profissionais
viam em Góis Calmon a promessa da restauração financeira, política e até moral da
238
Telegrama de Simões Filho a Otávio Mangabeira. 06/12/1923. FPC/CMB. AOM. 1362.
239
Despacho nº 43 do consulado de Salvador em 27/12/1924.
99
Bahia.240 Em sua opinião, além disso, o governo federal envolvera-se “em tantos
transtornos para eliminar uma guerra intraestadual no Rio Grande do Sul que eu não
acredito que ele irá permitir que qualquer situação semelhante desenvolva-se na
Bahia”.241 Na apuração das eleições e na posse, foi o próprio ex-seabrista Frederico
Costa quem solicitou do Catete o envio de força para garantir o reconhecimento e posse
de Góis Calmon – ocasião em que nem mesmo a polícia estadual quis obedecer a
Seabra. 242 No dia da posse, o governo federal estendeu o estado de sítio para a Bahia.
240
Despacho nº 25 do consulado de Salvador em 15/10/1924.
241
“The federal government has just put itself to so much trouble to terminate an intra-state civil war in
Rio Grande do Sul that I do not think that it will permit any similar condition to develop in Bahia”.
Despacho nº 43 do consulado de Salvador em 27/12/1924. AEL. ADEB;
242
Telegrama de Frederico Costa a Artur Bernardes. 20/2/1924. AEL. FAB. MR 11.
243
A correspondência particular trocada entre os chefes políticos mostra como percebiam a disputa
interna baiana como prejudicial ao estado e até ao governo federal. Ver: Carta de Otávio Mangabeira a
Artur Bernardes. 24/5/1924; 13/9/1924. AEL. FAB. MR 5. Carta de Otávio Mangabeira a Artur
Bernardes. 19/6/1924. AEL. FAB. MR 5. Telegrama de Simões Filho a Góis Calmon. Sem data.
FPC/APEB. Arquivo Francisco Marques de Góis Calmon (AFMGC). Pasta 17. Carta de Artur Bernardes
a Góis Calmon. 21/6/1924. AEL. FAB. MR 5; carta de Góis Calmon a Artur Bernardes. 2/9/1924. MR 5.
244
Otávio Mangabeira argumenta como a legislação eleitoral baiana permitiu o controle das eleições
estaduais por parte de Seabra e Moniz. Carta de Otávio Mangabeira a Carneiro Resende. 24/8/1922. AEL.
FAB. MR 29.
100
agora líder dos ex-seabristas, desempenhou papel relevante na consolidação da
candidatura Góis Calmon, graças à ascendência sobre o partido governista (então
seabristas) e à presidência da assembleia que reconheceria e empossaria o novo
governador. Peça chave na articulação entre executivo e legislativo, Frederico Costa
estava disposto a defender a posição dos seus liderados no quatriênio que se
inaugurava. 245
A tensão entre as correntes da política baiana veio à tona durante as negociações
para a renovação da bancada na Câmara dos Deputados. Para a mãe de José Wanderley
de Araújo Pinho, candidato, os tempos não eram de confiança e não deveria haver
espaço para combinações, inclusive com João Mangabeira ou Alfredo Rui Barbosa.
“Cada um cuide de si”, aconselhou em carta à nora, Estela Calmon, filha de Góis
Calmon.246 Por ocasião da composição da chapa, Aurelino Leal, frustrado por não ter
sido o sucessor de Seabra, expressou a Otávio Mangabeira o sentimento de impotência e
a dificuldade de ver contemplado nas negociações um número satisfatório de aliados
seus. 247 “Graças à organização, pelo presidente [da República], da chapa federal,
deixamos de ser logrados, como fatalmente seríamos, se se tivesse deixado liberdade ao
governador [Góis Calmon]”, escreveu Otávio Mangabeira ao governador Raul
Soares.248 Aurelino Leal foi então eleito deputado e líder da bancada, cargo em que
faleceria em junho de 1924. As negociações para sua substituição deram lugar à
medição de forças, enquanto a iminência de uma cisão era vislumbrada por jornais do
Rio de Janeiro. Preocupados com a exploração dos atritos por parte de outras bancadas,
os baianos encararam a escolha final como uma prova da capacidade de manter a
unidade na Bahia.249A liderança foi entregue a Virgílio de Lemos, ligado a Otávio
Mangabeira e à CRB. Para a cadeira vaga, seria eleito o médico e literato Afrânio
Peixoto, imortal da Academia Brasileira de Letras e amigo íntimo da família Calmon. 250
245
BULCÃO SOBRINHO, Antonio. Relembrando o velho Senado Bahiano. Sem editora. Bahia, 1946, p.
21.
246
Carta de Luiza Wanderley de Araújo Pinho a Estela Calmon. 11/2/1923. FPC/APEB. Arquivo
Wanderley de Araújo Pinho. Pasta 33.
247
Carta de Aurelino Leal a Otávio Mangabeira. 28/1/1924. FPC/CMB. AOM. 4922; 10/3/1924.
FPC/CMB. AOM. 4333.
248
Minuta de carta de Otávio Mangabeira a Raul Soares. 26/5/1924. FPC/CMB. AOM. 4794.
249
Telegrama de Braz do Amaral a Góis Calmon. 21/6/1924. FPC/APEB. AFMGC. Pasta 19. A Tarde,
17, 18, 21 e 25/6/1924. Ao menos o Jornal do Brasil, o Correio da Manhã, a Gazeta de Notícias e A Rua
trataram do assunto. A Gazeta, negando que houvesse a iminência da cisão, aparentemente servia aos
interesses da situação na Bahia.
250
Sobre a ligação entre Virgílio de Lemos, Otávio Mangabeira e Aurelino Leal, ver: Carta de Aurelino
Leal a Otávio Mangabeira. 28/1/1924. FPC/CMB. AOM. 4922. Telegrama de Virgílio de Lemos a Otávio
101
A disputa transferiu-se para a área municipal da capital e do interior,
impossibilitando o acordo imediato para a formação do novo partido e postergando a
consolidação da nova situação.251 Em relação às nomeações para municípios, Otávio
Mangabeira, agora na vice-presidência da Câmara dos Deputados, disse no mesmo
documento acima: “vamos todos assistindo à montagem sistemática dos nossos
adversários – os trânsfugas do seabrismo – em toda parte onde qualquer de nós tenha
qualquer influência, maior ou menor”. Além dele, estavam descontentes João
Mangabeira, Simões Filho, Ubaldino de Assis, Fiel Fontes e, às vezes, Pedro Lago.252
Cresceu a ansiedade em estabelecer o acordo para a criação da agremiação
partidária que reuniria os que ascenderam ao poder com a queda de Seabra. Para os
aliados dos Calmon e os descontentes da CRB, Pernambuco, Rio de Janeiro e Minas
Gerais representavam cada qual um modelo próprio de organização partidária.253
Aplicação na Bahia de um ou outro padrão favoreceria essa ou aquela facção em
disputa. Otávio Mangabeira e seus companheiros da CRB demandavam a ocupação de
metade dos lugares na chapa para a renovação da Assembleia Legislativa. Além disso,
requisitavam a substituição de Frederico Costa por um concentrista na presidência do
corpo legislativo, além da ocupação de três lugares na Câmara de Vereadores de
Salvador. Os pedidos para ocupação dos cargos federais baianos deveriam ser
distribuídos pelo próprio presidente, isto é, sem intermédio do governador e de modo
equitativo, definindo duas correntes: a dos concentristas e a dos calmonistas/ex-
seabristas. Ao invés de Góis Calmon, Artur Bernardes deveria ser o fiel da balança nas
negociações para a organização do novo partido, até que a nova situação se enraizasse.
Nos municípios em que preponderassem eleitoralmente, os deputados concentristas
teriam o direito à ocupação total dos cargos públicos.
Mangabeira. 15/6/1924. FPC/CMB. AOM. 736. Para a substituição de Aurelino Leal, Afrânio Peixoto foi
indicado por Antônio Calmon a Góis Calmon. Sobre sua amizade com os irmãos Calmon, ver: Carta de
Afrânio Peixoto a Antônio Calmon. 3/9/1924. FPC/APEB. AFMGC. Pasta: 12. PEIXOTO, Afrânio. As
origens. In PEIXOTO, Afrânio et alii (org.). Góes Calmon in memoriam. Rio de Janeiro, sem editora,
1933, p. 7-13.
251
Telegrama de Durval a Otávio Mangabeira. Sem data. FPC/CMB. AOM. 4279.
252
Telegrama de Dantas Bião a Otávio Mangabeira. 28/5/1924. FPC/CMB. AOM. 203B. Ver também:
Carta de Dantas Bião a Otávio Mangabeira. 22/8/1924. FPC/CMB. AOM. 2043. Carta de Antônio Freitas
de Silva a Otávio Mangabeira. 17/7/1924. FPC/CMB. AOM. 4339; telegrama de Otávio Mangabeira a
Góis Calmon. 1924. FPC/CMB. AOM. 1623. Minuta de telegrama de Góis Calmon a Simões Filho.
20/11/1924. FPC/APEB. AFMGC. Pasta 5; telegramas (2) de Simões Filho a Góis Calmon. Pasta 17.
253
Telegrama de Clementino Fraga a Góis Calmon a Góis Calmon. ?/?/1924. FPC/APEB. AFMGC. Pasta
15. Telegrama de Braz do Amaral a Góis Calmon. ?/8/1924. Pasta 17.
102
Figura 20 - Otávio Mangabeira, membro da CRB. Fonte: FPC/CMB.
254
Carta de Otávio Mangabeira a Artur Bernardes. 9/9/1924.
255
Sobre as tentativas de envolver o presidente na disputa interna baiana, ver: Carta de Otávio
Mangabeira a Artur Bernardes. 24/5/1924; 9/6/1924; 19/6/1924; 9/9/1924. AEL. FAB. MR5; carta de
Otávio Mangabeira a Artur Bernardes. 1/12/1924. MR 20. Carta de Otávio Mangabeira a Raul Soares.
26/5/1924. FPC/CMB. AOM. 4794. Ver também: Minuta de telegrama de Otávio Mangabeira a Góis
Calmon. 1924; FPC/CMB. AOM. 1624; carta de Otávio Mangabeira a Dantas Bião. 1924. AOM. 1546 ou
1596.
256
Carta de Artur Bernardes a Góis Calmon. 21/6/1924. AEL. FAB. MR 5.
103
eram estados cuja continuidade administrativa favorecera as máquinas partidárias pela
seleção dos políticos por “processos quase experimentais”, isto é, a elite política era
renovada sem choques, o que garantia certa unidade. Mesmo no Rio de Janeiro,
marcado por rupturas, a política acabara de ser, segundo ele, reorganizada durante uma
longa intervenção e sob um critério homogêneo: a influência do Catete. Na Bahia, sua
candidatura nascera apartidária e recebera a adesão de correntes políticas diversas e até
rivais, o que lhe garantia o direito de escolher, entre os adesistas, aqueles que mais
atendessem à suas demandas. Correta ou não, essa suposição salvaguardava a
autoridade do governador da Bahia ao situá-lo não só acima dos interesses partidários
como fora da esfera de atuação de Artur Bernardes. Não por acaso, o papel do
presidente na sucessão baiana não foi considerado, no documento, uma intervenção
decisiva. Por outro lado, como se verá, Góis Calmon revelou apenas ao irmão ministro
as desvantagens de governar com uma base de apoio tão heterogênea. Contra as
demandas dos concentristas, defendia, a um só tempo, a legitimidade da aliança com os
ex-seabristas e o direito de criar uma corrente própria no estado.257
A carta, entregue a Artur Bernardes diretamente por João Marques dos Reis –
secretário de Segurança Pública, foi escrita em setembro de 1924, quando as revoltas
tenentistas de julho em São Paulo, Mato Grosso, Sergipe e Amazonas haviam imposto a
necessidade da íntima colaboração entre governo federal e estaduais, inclusive com a
decretação de estado de sítio em algumas unidades da federação, como a Bahia. Góis
Calmon reagira com destreza e somou-se aos comandantes da Força Pública e do 19º
Batalhão de Caçadores para sufocar qualquer tentativa de levante no estado, sobretudo
após uma revolta depor o governador de Sergipe.258 Sob estado de sítio, impôs-se na
capital baiana o toque de recolher, a censura sobre a imprensa e eram realizadas
investigações, detenções, prisões e até “deportações”, para o Ministério da Guerra no
Rio de Janeiro, de suspeitos de simpatia com revolta ou de tentativas de provocar uma
sedição na Bahia.259 Aliás, Marques dos Reis estava no Rio de Janeiro em desempenho
de missão política e policial, isto é, representar o governador em negociações com o
presidente da República quanto às exigências da CRB e com o ministro da Guerra
257
Carta de Góis Calmon a Artur Bernardes. 9/7/1924; 2/9/1924. AEL. FAB. MR 5; minuta de telegrama
de Góis Calmon a Miguel Calmon. 28/8/1924. FPC/APEB. AFMGC. Pasta 5.
258
Telegrama de Góis Calmon a Miguel Calmon. 17/7/1924. AEL. FAB. MR 7.
259
Telegrama de Góis Calmon a Artur Bernardes. 5/7/1924. MR 5. Há publicações muito pontuais sobre
as medidas cautelares do governo: A Tarde, 10/7/1924; 14/7/1924; 15/7/1924; 18/7/1924; 25/7/1924.
104
quanto à indenização da polícia baiana pelo auxílio na repressão ao levante de
Sergipe.260
Os fatos cedo evidenciaram que, fora do estado, o seabrismo ensaiava a
reaproximação com os antigos parceiros da Reação Republicana: os militares rebeldes.
Para a nova situação baiana, o senador Antônio Moniz mostrou-se em público mui
melhor informado, do que o natural, sobre a revolta em São Paulo, mais inteirado do
que o próprio governo federal. Revelou precocemente e com exatidão quem era o seu
líder – Isidoro Dias Lopes – e informou que a insurreição estava marcada inicialmente
para ocorrer em março de 1924.261 No Rio de Janeiro, a polícia receberia a informação
de que o levante havia sido aprazado para o dia da posse de Góis Calmon, 29 de março
de 1924, quando era esperado o começo de uma revolta regional devido às ameaças de
resistências de Seabra.262 No Senado, Moniz Sodré fora um dos poucos parlamentares a
negar a extensão do estado de sítio a Bernardes, mesmo após os choques havidos em
São Paulo. Em outubro no Distrito Federal, Artur Seabra, filho do ex-governador e
capitão da Armada, seria preso ao lado de Protógenes Guimarães como conspirador
num levante que, segundo boatos, imporia uma ditadura tendo como chefe Assis Brasil
e ministros Seabra, Leopoldo de Bulhões e Francisco Sales. Preso, Guimarães declarou
estar, entre os chefes do movimento, Moniz Sodré.263
Mesmo com dificuldades, Góis Calmon conservou a ordem interna e enviou a
polícia baiana em auxílio às tropas federais para combater a revolta de Sergipe.
Auxiliando, no Rio de Janeiro, Artur Bernardes no combate aos revoltosos, o irmão
Miguel Calmon insistiu no envio da polícia baiana para lutar em São Paulo, no Paraná e
no Rio Grande do Sul, no que foi atendido.264 Como numa coroação, Góis Calmon seria
ainda encarregado – como se verá neste capítulo – de promover em Salvador as
homenagens ao príncipe herdeiro da Itália, Umberto di Savoia, impossibilitado de ser
260
Minuta de Telegrama de Góis Calmon a Miguel Calmon. 28/8/1924; minuta de Telegrama de Góis
Calmon a João Marques dos Reis. 14/10/1924. FPC/APEB. AFMGC. Pasta 5.
261
A Tarde, 9/7/1924.
262
Conspiração Militar 1924. AEL. FAB. MR 7. Ver também: denúncia de um movimento subversivo.
MR 9.
263
Os boatos são citados em: Telegrama com remetente desconhecido para Góis Calmon. FPC/APEB.
AFMGC. Pasta 14. O envolvimento de Artur Seabra na conspirata foi citado no processo contra
Protógenes Guimarães. Ver: Correio da Manhã, 9/3/1926. A revelação de Guimarães, que incluía Artur
Caetano,Azevedo Lima e Bento Borges, consta de anotação pessoal de Artur Bernardes no microfilme 29
do Fundo Artur Bernardes do Arquivo Edgard Leuenroth.
264
Breve relato do envio da política baiana para lutar nesses estados pode ser encontrado nos jornais da
época e no seguinte documento: PINHO, Madureira de. Síntese da Administração Policia no Quadriênio
de 1924 a 1928. Salvador: Imprensa Oficial do Estado, 1928, p. 2-4.
105
recebido no Distrito Federal e em São Paulo em decorrência do levante tenentista. De
certa forma, o governador saiu prestigiado nesses primeiros testes de sua liderança –
sufocamento dos rebeldes e reparação de incidente diplomático – fazendo a turbulenta e
instável Bahia reaparecer como fator de estabilidade na política federal, até para a
República, dado o fator mudancista do tenentismo. E isso após a conturbada campanha
da Reação Republicana, quando, com Seabra, a Bahia participou de um pleito que
fragilizou profundamente a vitória do mineiro Artur Bernardes. Dos acontecimentos,
Góis Calmon saía prestigiado dentro e fora do estado, como a Otávio Mangabeira
explicou Dantas Bião, chefe concentrista em Alagoinhas: “os últimos acontecimentos”,
isto é, as revoltas, “vieram dar importância aos governadores e o nosso pôde tirar
proveito da situação. É possível que o presidente [da República], de ora em diante, lhe
tenha de dispensar mais atenções”.265
Desde sua posse, o governador, através da distribuição de cargos, empregava a
máquina estadual para organizar a política em três correntes: a dos concentristas, a dos
ex-seabristas e a calmonista. Reservar dois terços dos cargos para concentristas e ex-
seabristas era uma forma de conter e contentar as ambições das duas correntes rivais.
Procurava, assim, evitar rupturas, pois oferecia espaço de acomodação e ao mesmo
tempo impedia que um grupo se sobrepusesse ao outro. Góis Calmon tentava, ao mesmo
tempo, saciar os concentristas recém-egressos do ostracismo e garantir o arrimo de
Frederico Costa e seus aliados da Assembleia Legislativa. 266 Consolidando sua
autoridade, constituindo-se como intermediário entre os grupos políticos e animando a
sua própria ala, o governador alimentava a proeminência, no estado, da família Calmon.
Homem de negócios com franco acesso aos círculos seletos da burguesia baiana – dos
negócios públicos aos afazeres privados, Góis Calmon era secundado pelo irmão
Antônio, que havia negociado sua candidatura ao governo com Seabra. “Prestigioso e
popular chefe na Bahia, verdadeiro precursor da política populista no Brasil”, segundo
um admirador, Antônio Calmon era um chefe local com desempenho notável junto ao
eleitorado negro e pobre soteropolitano – “a negrada de Antoninho Calmon”, na
265
Carta de Dantas Bião a Otávio Mangabeira. 28/8/1924. FPC/CMB. AOM. 203B; 22/8/1924.
FPC/CMB. AOM. 2043.
266
Carta de Wenceslau Galo a Braz do Amaral. 10/5/1924. Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.
Arquivo Braz do Amaral. Caixa 5; minuta de telegrama de Góis Calmon a Miguel Calmon. 10/10/1924.
FPC/APEB. AFMGC. Pasta 5.
106
descrição dos adversários.267 Embora não tivesse ocupado cargo mais alto que o de
deputado federal, Antônio e sua “negrada” ensejaram por anos a fio sua própria eleição
ou a do irmão Miguel Calmon para a Câmara dos Deputados. “No fundo, os irmãos se
completavam”, afirma o historiador José Calasans. 268 No Ministério, Miguel Calmon
representava o prestígio do sobrenome quatrocentão na área federal. 269 Velho tronco da
admirada açucarocracia baiana e pertencentes havia séculos às classes dominantes, os
Calmon possuíam sólido enraizamento social graças à riqueza e ao entrelaçamento com
famílias de sangue azul da Bahia, a exemplo dos Sá, Araújo Pinho, Vilas Boas e Costa
Pinto.270 Pelo prestígio social, a influência político-eleitoral e a ocupação dos cargos
estratégicos, os descendentes do marquês de Abrantes despontavam como o grupo mais
apto a conduzir a restauração da Bahia, isto é, a superação dos problemas políticos – em
geral ligados a cismas faciosos – e a manutenção do prestígio emulado pelo falecido Rui
Barbosa, homem de destacada atividade desde o governo de Deodoro da Fonseca.
Otávio Mangabeira e a CRB desafiavam tais planos de assenhoreamento dos
Calmon – inclusive com ameaças de cisão, o que transparece na correspondência
trocada entre o governador e Miguel Calmon.271 Góis Calmon indignou-se por não
receber da bancada votos de estima e confiança quando da passagem do Dois de Julho –
quando na Bahia comemora-se a independência do Brasil – e no término da revolta em
São Paulo e Sergipe. Tratando do assunto, o governador indicava a existência efetiva de
uma “dissidência” concentrista cuja ação na capital federal e a rivalidade contra outros
grupos no estado comprometiam sua autoridade e minavam seus atos administrativos.272
“O presidente [Artur Bernardes] pediu-me declarar-lhe que ninguém é mais capaz que
você para realizar a obra de restauração da Bahia”, tentou tranquiliza-lo Miguel
267
PINHO, Demósthenes Madureira. Carrossel da Vida. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974, p. 90. A
informação de que o eleitorado de Antônio Calmon era chamado pelos adversários de “negrada de
Antoninho Calmon” é fornecida por CALASANS, José. Miguel Calmon Sobrinho e sua época, p. 39.
268
CALASANS, José. Miguel Calmon Sobrinho e sua época: 1912-1967, p. 39.
269
CALASANS, José. Miguel Calmon Sobrinho e sua época: 1912-1967, p. 39.
270
PANG, Eul-Soo. Coronelismo e Oligarquias 1889-1934, p. 178 e 179.
271
Carta de Otávio Mangabeira a Artur Bernardes. 13/9/1924. AEL. FAB. MR 5; minuta de carta de
Otávio Mangabeira a Raul Soares. Sem data. FPC/CMB. AOM. 2000b.
272
Para as elites baianas, a independência brasileira teve o seu pleno significado ou conclusão em 2 de
julho de 1823, quando Salvador e Recôncavo foram libertados da ocupação de tropas portuguesas
comandas por Inácio Madeira de Melo. Sobre os vários significados do Dois de Julho, ver:
ALBUQUERQUE, Wlamyra Ribeiro de. Algazarra nas ruas: comemorações da Independência na Bahia
(1889-1923). Campinas: Editora da Unicamp; São Paulo: Fapesp, 1999, p. 35, 37, 38, 47, 119. Minuta de
telegrama de Góis Calmon a Miguel Calmon. 16/8/1924; 28/8/1924. FPC/APEB. AFMGC. Pasta 5.
Telegrama de Miguel Calmon a Góis Calmon. 24/8/1924. FPC/APEB. AFMGC. Pasta 15; sem data.
Pasta 14.
107
Calmon. 273 Entretanto, o governador descreveu como tal dissidência ocasionava a
deterioração das relações entre o Catete e a Bahia, ao levar o presidente a interferir em
assuntos internos baianos ou desprestigiar o governo do estado.274 Entre os sinais de
descrédito, a missiva lista o desatendimento de um pedido de nomeação; a ordem para
soltar um jagunço preso pela polícia estadual; a drenagem de capitais da Bahia para o
Rio de Janeiro e São Paulo pelo Banco do Brasil – matéria do entendimento e interesse
do banqueiro que também era governador da Bahia – e por fim a indisposição da matriz
em quitar débitos contraídos junto à agência baiana para alimentar a política de
reorganização do Rio de Janeiro durante a intervenção de Aurelino Leal. 275
Otávio Mangabeira, por sua vez, participou a Raul Soares que Miguel Calmon
“sonhava” em ser o predileto do Catete na sucessão de 1926, evitando assim meter-se
entre o irmão governador e os membros da bancada. Na carta do deputado baiano e em
rodas indiscretas do Rio e Salvador, comentava-se a ocorrência de atritos entre os três
irmãos, o que pode ser uma decorrência das atitudes da CRB. 276 “Você não sabe que a
sua timidez e o seu intuito contemporizador são o que cria o mal-estar atual?”, indagou
o governador ao irmão numa cobrança de disciplinamento da bancada. 277 Em mais de
uma vez, Góis Calmon ameaçou o ministro com a renúncia: “uma vez por todas fique
você sabendo que ou eu dirijo a Bahia segundo o critério e prudência refletida que devo
adotar aqui ou então eu abandono já e já o governo. Não tenha ilusões”.278
A Bahia em 1924 era propícia às extravagâncias do personalismo dos brasileiros.
“Em terra onde todos são barões, não é possível acordo coletivo durável, a não ser por
uma força exterior respeitável e temida”, condicionaria Sérgio Buarque de Holanda em
Raízes do Brasil.279 Ilustrando a que ponto podia chegar essa tara, a crescente lealdade
de Pedro Lago a Miguel Calmon, em crítica de Simões Filho manifesta a Góis Calmon,
era o oposto da dignidade do homem livre, pois o deputado opinou que o 13 de Maio
libertara os escravos, mas não o senador do ministro.280 “Você tem se conduzido com
273
Telegrama de Miguel Calmon a Góis Calmon. ?/8/1924. FPC/APEB. AFMGC. Pasta 15.
274
Minuta de telegrama de Góis Calmon a Miguel Calmon. 7/9/1924. FPC/APEB. AFMGC. Pasta 5.
Telegrama de Simões Filho a Otávio Mangabeira. 12/10/1924. FPC/CMB. AOM. 1363.
275
Minuta de telegrama de Góis Calmon a Miguel Calmon. 18/11/1924; 20/11/1924; 25/11/1924.
FPC/APEB. AFMGC. Pasta 5.
276
Carta de Otávio Mangabeira a Raul Soares. 26/5/1924. FPC/CMB. AOM. 4794.
277
Ver também: Minuta de telegrama de Góis Calmon a Miguel Calmon. FPC/APEB. AFMGC.
24/8/1924. Pasta 5.
278
Minuta de telegrama de Miguel Calmon a Góis Calmon. 18/11/1924. FPC/APEB. AFMGC. Pasta 5.
279
Holanda, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 32.
280
Minuta de telegrama de Góis Calmon a Miguel Calmon. 10/10/1924. FPC/APEB. AFMGC. Pasta 5.
108
admirável sobranceria”, disse Dantas Bião a Otávio Mangabeira sobre sua pugna contra
a “tirania” dos Calmon. “O Lago, quando mais batido, mais carinhoso será de seu
temperamento ou será habilidade política?”, perguntou o chefe de Alagoinhas.281
O livro do historiador Arno Mayer sobre a persistência do Antigo Regime na
Europa apresenta conclusões que poderiam ilustrar provocativamente o que o atual
trabalho indica estar em curso na Bahia e na República no período 1920-1926.
Revelando a força da tradição, Mayer analisa como as condições econômicas nas
maiores potências europeias no período 1848-1914 possibilitaram a sobrevivência de
nobrezas originárias do Antigo Regime. Essa nobreza foi capaz de influenciar
decisivamente a cultura e a política mediante a conservação da propriedade sobre a
terra, da adaptação a métodos capitalistas de produção agrícola e em especial o controle
sobre cargos estratégicos no Estado e na Igreja. Com isso, refreou e beneficiou-se do
avanço capitalista. A Grande Guerra é encarada pelo autor como consequência da
mobilização dessa nobreza em defesa de privilégios ameaçados. 282
No século XIX, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, ao lado de Minas Gerais,
integraram o grupo das províncias mais poderosas na sustentação do Império.283 Na I
República, os três primeiros estados perderam algo da desenvoltura com que elegiam
quadros para os ministérios e chefias do governo central, sobrevivendo, entretanto,
como elementos relevantes para a viabilidade da federação. A instabilidade que uma
defecção dos três primeiros estados poderia trazer ao regime revelou-se claramente na
sucessão presidencial de 1921-22. A Reação Republicana pode ser encarada como uma
aliança cujo objetivo era retomar um antigo status quo para Bahia, Pernambuco e Rio de
Janeiro, em parceria com o Rio Grande do Sul. Na Campanha Civilista de 1910, causa
de instabilidade, a Bahia teria tentado com Rui Barbosa tal retomada em aliança com
São Paulo, coincidentemente ou não após os paulistas perderem a Presidência da
República. Entretanto, é preciso considerar o fator desestabilizador representado pela
participação dos militares em ambas as sucessões.
281
Grifo meu. Ironicamente, segundo Sérgio Buarque de Holanda, sobranceria era uma palavra hispânica
que espelhava fielmente a cultura da personalidade entre os ibéricos. Carta de Dantas Bião a Otávio
Mangabeira. 28/8/1924. FPC/CMB. AOM. 203B; 22/8/1924. FPC/CMB. AOM. 2043.
282
Mayer analisou as seis potências envolvidas na Grande Guerra: Inglaterra, França, Alemanha, Áustria-
Hungria, Itália e Rússia. MAYER, Arno. A Força da Tradição: a persistência do antigo regime (1848-
1914). São Paulo: Companhia das Letras, 1987. Introdução.
283
Ver: HOLANDA, Sérgio B. de. Do Império à República, p. 273.
109
Contrapondo-se a Seabra, os Calmon, herdeiros do marquês de Abrantes,
ascenderam ao poder com a missão de restaurar a Bahia em seu papel de sustentação da
República. Para isso, contavam com a força da tradição para superar incompatibilidades
políticas herdadas de doze anos de embates e acomodações entre Rui Barbosa e J. J.
Seabra. Na visita de Umberto di Savoia a Salvador, ritualizaram a tradição evocada pelo
nome quadricentenário da família como requisito para atuar como primo inter pares.
Parafraseando Karl Marx em O 18 de Brumário, conjuraram ansiosamente o espírito do
passado em tal restauração da Bahia. 284
284
MARX, Karl. O Brumário e Cartas a Kugelmann. São Paulo: Paz e Terra, 2010, p. 21.
285
Embaixada do Rio de Janeiro, despacho nº 2232 de 23/7/1924. Arquivo Edgard Leuenroth (AEL).
Arquivos Diplomáticos e Estrangeiros Sobre o Brasil (ADEB).
286
Os microfilmes 6, 9 e 17 do FAB (AEL) estão repletos de telegramas que documentam a atuação dos
ministros na repressão à revolta. Sobre a atuação dos ministros na repressão à revolta, ver os telegramas
microfilme 17 do FAB do AEL. Sobre a preparação e as autoridades envolvidas na recepção a Umberto di
Savoia, ver o rascunho do programa de festas no AEL. FAB. MR 17.
110
Quando o governo federal decidiu fechar o cerco através do bombardeio de São
Paulo, o corpo diplomático, convidado para as homenagens a Umberto di Savoia,
manteve embaraçosos contatos com Bernardes e Félix Pacheco para assegurar, no teatro
das operações militares, a vida e os investimentos estrangeiros. 287 Os estadunidenses
ficaram preocupados quando o governo federal proibiu as atividades da United Press
Association e da Associated Press, agências de notícias acusadas de transmitir, ao
exterior, informações inverídicas sobre a sedição e também prejudiciais ao crédito do
Brasil. 288
Antes da revolta, o embaixador da Itália, Pietro Badoglio, conhecido herói da
Grande Guerra, investigara as condições sociais dos seus conterrâneos que viviam em
fazendas e na cidade de São Paulo. Antevendo distúrbios sociais entre os patrícios
emigrados, telegrafou a Roma relatando a carestia de vida e os baixos salários. 289 Após
o começo do bombardeio, manifestou a Félix Pacheco a preocupação com a segurança
pessoal e as propriedades dos italianos residentes em São Paulo. Indicou que entre as
tropas legalistas “de raça alemã e polaca” em partida para o front, espalhava-se a
informação de que se ia reprimir uma revolta de italianos que se haviam apoderado de
São Paulo.290 Além de solicitar que tal boato fosse pronta e oficialmente desmentido,
mostrou ao governo os equívocos de um bombardeio que vitimava a população civil,
cheia de italianos.291 Félix Pacheco, replicando que as tropas legalistas eram
“genuinamente brasileiras” e justificando o bombardeio, lamentou abusos, prometeu
tomar providências, mas aventou a possibilidade de estrangeiros – entre eles, italianos –
estarem envolvidos na sedição.292
As autoridades federais estavam conscientes e preocupadas com tal envolvimento,
responsável por rumores de separação de São Paulo e estados do Sul em relação ao
Brasil. 293 Para o embaixador estadunidense, a situação de revolta devia-se em grande
287
Embaixada do Rio de Janeiro, telegramas nº 56, de 25/7/1924 e nº 64 de 4/7/1924. AEL. ADEB.
288
A Associated Press e a United Press: notas trocadas com a embaixada americana. AEL. FAB.
Embaixada do Rio de Janeiro, telegrama nº 64 de 24/7/1924. AEL. ADEB. MR 5. Embaixada do Rio de
Janeiro, despacho nº 2230 de 21/7/1924. AEL. ADEB.
289
Embaixada do Rio de Janeiro, despacho nº 2246 de 3/9/1924. AEL. ADEB. Sobre as condições sociais
dos imigrantes em São Paulo, ver: HALL, Michael. Origins of Mass Imigration in Brazil. Nova Iorque:
Universidade de Colúmbia, 1969 (História, tese de doutorado); HALL, Michael. “Trabalhadores
Imigrantes”. Trabalhadores, nº 3, 1989.
290
Ofício de Pietro Badoglio a Félix Pacheco. 18/7/1924. AEL. FAB. MR 9.
291
Ofícios de Pietro Badoglio a Félix Pacheco. 19/7/1924 e 21/7/1924. AEL. FAB. MR 9.
292
Comunicado de Félix Pacheco a Pietro Badoglio. 23/7/1924. AEL. FAB. MR 9.
293
Telegrama do Almirante José Maria Penido a Artur Bernardes. 25/7/1924. AEL. FAB. MR 9.
Embaixada do Rio de Janeiro, despacho nº 2246 de 3/9/1924. AEL. ADEB. O Itamaraty interrogaria em
111
parte à chegada de imigrantes europeus que espalhavam o bolchevismo entre a
população brasileira analfabeta – uma imagem recorrente. Citou a dificuldade de um
fazendeiro paulista em explicar a diferença entre a revolta paulista e as europeias a
trabalhadores húngaros que entraram em greve depois do 5 de Julho.294 Em carta
endereçada a Monteiro Lobato, Bernardes opinou que a falta de reação imediata dos
paulistas contra a sedição explicava-se, parcialmente, pelo grande número de imigrantes
na população de São Paulo. Não por acaso, deportações e restrições a direitos de
estrangeiros marcariam o quadriênio Bernardes.295
Havia boatos insistentes de revolta na capital federal. Despachos da embaixada
estadunidense explicam que ali só não ocorria um levante devido à prontidão das forças
policiais. Em meados julho, por exemplo, uma conspiração foi descoberta na Vila
Militar.296 Além da censura sobre a imprensa, da prontidão das tropas e da intensa
atividade secreta da polícia, prenderam-se militares e civis, principalmente jornalistas,
como Maurício de Lacerda e Edmundo Bittencourt, ex-integrantes da Reação
Republicana. Ao mesmo tempo, tomavam-se medidas contra um problema angustiante e
que ameaçava agravar-se com a revolta: a carestia de vida no Rio de Janeiro.297
Tal quadro ocasionou a impossibilidade de o Distrito Federal e os estados do Rio
de Janeiro e São Paulo recepcionarem Umberto di Savoia. Pietro Badoglio deixou as
autoridades brasileiras à vontade para cancelar as recepções ao príncipe, mas o
Itamaraty solicitou apenas uma alteração no cronograma da viagem. 298 No novo
percurso, a esquadra italiana, basicamente para abastecimento de carvão e água,
permaneceria, nos últimos dias de julho, em Salvador. Em seguida, rumaria diretamente
para Buenos Aires, onde ficaria em agosto. Nesse intervalo, Umberto di Savoia e
comitiva visitariam de trem cidades do interior e cruzariam a cordilheira dos Andes em
novembro um oficial italiano que denunciou à embaixada brasileira em Roma o envio de um pedido de
apoio ao governo da Itália por parte de indivíduos que tentavam separar São Paulo, Rio Grande do Sul e
Paraná do resto do país. Italianos estariam por trás da conspiração. Ver: Revelações do coronel Lincoln
Nadari à Embaixada em Roma e ao Itamaraty. AEL. FAB. MR 17.
294
Embaixada do Rio de Janeiro, despacho nº 2248 de 3/9/1924. AEL. ADEB.
295
Minuta de Carta de Artur Bernardes a Monteiro Lobado. 6/9/1924. AEL. FAB. MR 20. Embaixada de
Montevidéu, despacho nº 293 de 1/8/1924. AEL. ADEB. Ver: TRENTO, Angelo. Do outro lado do
Atlântico: um século de Imigração Italiana no Brasil. São Paulo: Nobel, Instituto Italiano di Cultura de
San Paolo, Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro, 1989, p. 387-388.
296
Embaixada do Rio de Janeiro, despacho nº 2232 de 23/7/1924. AEL. ADEB.
297
Com o isolamento, não apenas telegráfico e telefônico, mas também ferroviário de São Paulo, subiu o
preço dos alimentos em mercados como o do Rio de Janeiro. Embaixada do Rio de Janeiro, despacho nº
831 de 9/7/1924. AEL. ADEB; Embaixada de Montevidéu, despacho nº 293 de 1/8/1924. AEL. ADEB.
298
Diário Oficial da União, 2/9/1924.
112
direção a Santiago do Chile. Após o retorno do príncipe a Buenos Aires, a esquadra
partiria para uma rápida visita à capital uruguaia e depois ao Rio de Janeiro, onde ficaria
entre 9 e 24 de setembro, com possibilidades de, nesse intervalo, haver recepções
oficiais em São Paulo.299
299
A Tarde, 24/7/1924.
300
A Tarde, 9/6/1924.
301
É possível que as autoridades brasileiras tenham tido dúvidas sobre como deveria ser recebido
Umberto di Savoia. Enquanto preparava-se para a sua vinda, o palácio do Itamaraty investigou as
recepções realizadas na França aos príncipes herdeiros da Etiópia, da Inglaterra e do Japão. Ver: Cópia de
Carta de Souza Dantas a Félix Pacheco. 28/5/1924. AEL. FAB. MR 17.
113
Bahia. Em parceria com a colônia italiana e o seu cônsul Fernando Scaldaferri, Calmon
improvisou um programa de homenagens com passeios, recepções e visitas a prédios
públicos e privados da cidade.
Em trajes civis, porém cercado por autoridades, o príncipe desembarcou no porto,
discretamente e confundido entre os integrantes da comitiva – talvez uma medida
cautelar. Em automóvel oficial, fez passeios pelas áreas em que se concentraram os
melhoramentos urbanos seabristas, estavam as moradias das famílias ilustres e a
residência oficial do governador: São Bento, Piedade, Mercês, Passeio Público, Campo
Grande, Vitória e Barra. Conheceu arrabaldes como o Rio Vermelho e Pirajá, além das
áreas mais antigas, em visita à catedral Basílica, igreja da Piedade e convento de São
Francisco de Assis. 302 Os anfitriões mostraram a antiga opulência da Bahia,
representada neste caso pela fé católica e pelos tesouros artísticos que decoravam as
igrejas coloniais. Cumprindo com o dever de auspiciosa notícia, os jornais locais então
publicaram fotografias e textos sobre a Itália, os visitantes e o cronograma das
homenagens. Góis Calmon distribuiu à farta os tradicionais charutos do Recôncavo
baiano entre os oficiais e marujos do San Giorgio e San Marco, aos quais foi franqueada
a entrada no cinema Guarany, localizado num dos pontos mais tradicionais da cidade de
Salvador, a praça do Teatro303. Segundo A Tarde, os militares encheram os pontos de
divertimentos da cidade, animando os cafés e cinemas, mas “sem quebra da correção
militar”.304
Sem acesso a documentos do ministério das relações exteriores dos países
visitados ou da Itália, é difícil descrever, com certeza e precisão, os interesses
encerrados no périplo de Umberto di Savoia à América do Sul. Entretanto, alguns
periódicos destacaram o caráter diplomático do evento, explicando que a vinda do
príncipe retribuía a visita que Epitácio Pessoa realizara a países europeus em 1919.
Naquela ocasião, o então presidente eleito esteve na Bélgica e na Itália e convidou seus
monarcas a visitarem o Brasil. 305 Os reis belgas Alberto I e Elizabeth visitaram o Brasil
em 1920, ano em que se noticiou a vinda do príncipe do Piemonte no lugar do rei
302
A Tarde, 28/7/1924. Sobre as reformas urbanas, ver: LEITE, Rinaldo. E a Bahia civiliza-se. Salvador:
Ufba, 1996 (História, dissertação de mestrado).
303
A praça do Teatro é a atual Castro Alves. Recebia esse nome porque ali situava-se o teatro São João,
incendiado em 1923.
304
A Tarde, 28/7/1924.
305
Essa mesma explicação serve para a viagem à Argentina, pois o presidente Marcelo Alvear também
visitou a Itália e convidou o rei a conhecer seu país. A Noite, 28/5/1924; O Imparcial, 29/5/1924; Diário
de Notícias. 10/9/1924.
114
Vittorio Emanuelle III, impossibilitado de afastar-se da Itália em face da situação
política da Europa.306
Paralelamente, foi indicada a relevância de cruzeiros internacionais e de excursões
pelo império italiano para a preparação de Umberto di Savoia para assumir a coroa da
Itália. Tal preparação exigia introdução na diplomacia e aquisição de conhecimentos em
história e geografia. Não por acaso, o comandante da esquadra era Atilio Bonaldi,
almirante, preceptor do príncipe e professor catedrático de Astronomia, Hidrografia e
Náutica na Escola Naval de Livorno. Segundo telegrama da United Press, a viagem
poderia assumir caráter oficial ou particular, de acordo com as circunstâncias de cada
país a ser visitado, o que parece ratificar seu aspecto duplo, isto é, diplomático e de
instrução, como indicou o jornal espanhol ABC.307
Ainda no campo da diplomacia e da instrução de Umberto di Savoia, deve-se
considerar a existência de grandes colônias de italianos residentes na América do Sul.
Segundo o historiador Angelo Trento, a Itália tornou-se, no final do século XIX e
começo do XX, um dos principais países de emigração por razões demográficas e
econômicas, entre as quais o peso do fisco sobre os camponeses, a depressão agrícola
dos anos 1880, além da queda no índice de mortalidade e a estabilização do índice de
natalidade nos anos 1870.308 O historiador João Fábio Bertonha observa que, diferente
do que se passava com a França e a Inglaterra, as possessões coloniais italianas eram
relativamente pequenas e concentradas na Líbia, Eritréia e Somália, consideradas de
baixo valor estratégico e pouco propícias ao estabelecimento dos emigrantes italianos.
Não constituíam, pois, válvula de escape demográfico eficiente para a península e, por
isso, os italianos dirigiram-se preferencialmente à América.309 No Brasil, o fim do
306
O Imparcial, 3/12/1920; O Democrata, 5/12/1920; Ver também: Revista da Semana, 4/6/1921. Sobre a
recepção aos reis belgas, ver: FAGUNDES, Luciana Pessanha. Uma República em festa e CAULFIED,
Sueann. Em defesa da honra. Campinas: Unicamp, 2000.
307
Diário Oficial do Estado da Bahia, 12/9/1924; A Noite, 31/10/1922; O Imparcial, 28/12/1923; A
Noite, 26/2/1923; O Imparcial, 7/2/1924; Gazeta de Notícias, 7/5/1924; ABC (Madrid), 11/6/1924;
Gazeta de Notícias, 28/6/1924; A Noite, 26/7/1924; Gazeta de Notícias, 15/8/1924; Diário Oficial do
Estado da Bahia, 12/9/1924.
308
TRENTO, Angelo. Do outro lado do Atlântico: um século de Imigração Italiana no Brasil, p. 30-31.
O autor afirma que a bibliografia sobe o assunto é extensa. Especificamente sobre a emigração para o
Brasil de italianos do Vêneto, ver: Franzina, Emilio. A grande emigração: o Êxodo dos Vênetos para o
Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 2006.
309
BERTONHA, João Fábio. Um Imperialismo dos Pobres: o Império Italiano da Era Liberal ao
Fascismo. In SILVA, Francisco Ricardo Teixeira da Silva et. alii. Impérios na História. Rio de Janeiro,
Elsevier, 2009, p. 260-262. Sobre a preferência dos emigrantes italianos, ver: BERTONHA, João Fábio.
Os Italianos. São Paulo: Editora Contexto, 2010, p. 83 e 88-89. Os dados foram compilados pelo autor a
partir de AUDENINO, Patricia e CORTI, Paola. L’emigrazione italiana. Milão: Fenice 2000, 1994;
115
tráfico de escravos em 1850 e da escravidão em 1888, conjugados com o racismo das
classes dominantes e a crescente expansão da produção e da cotação do café, levaram
sucessivos governos imperiais ou federais e provinciais ou estaduais ao esforço de atrair
imigrantes, em especial oriundos da Itália. Entre 1880 e 1924, o país atraiu 3.600.000
estrangeiros, dos quais 57,4% eram italianos. 310
Mais do que em outros países europeus, estabeleceu-se, nos meios intelectuais e
políticos italianos, o debate sobre a possibilidade de a Itália, através dos emigrados,
obter influência econômica, ou até política, sobre os países hospedeiros. Voltada
principalmente para a América do Sul, tal estratégia foi vista como um contraponto ao
imperialismo colonialista, dirigido contra áreas africanas. Muitos entendiam que seu
sucesso dependeria da capacidade de o Estado italiano fomentar a preservação da
identidade nacional dos emigrados.311
Os governos italianos interessaram-se pelo Brasil a partir dos anos 1880, quando
tentaram sem sucesso proteger os emigrados e torná-los mercado consumidor para suas
exportações, através de acordos comerciais. 312 A Itália concentrava esperanças em
pressionar o Brasil a tratá-la como nação privilegiada no comércio internacional. Para
isso, ameaçava suprimir o fluxo de mão de obra com base em denúncias frequentes das
péssimas condições sociais dos italianos nas cidades e fazendas do Brasil.313 Após as
restrições do decreto Pirinetti de 1902, a corrente imigratória da Itália para o Brasil
atingiu o ponto mais baixo por volta de 1924, quando, por outro lado, foi restrita a
entrada de imigrantes europeus católicos nos Estados Unidos.314 Meses antes da visita
de Umberto di Savoia à América do Sul, Pietro Badoglio foi nomeado embaixador
italiano no Brasil e entre suas missões parece ter estado a de negociar no Itamaraty o
enquanto a informação sobre a preferência entre os países foi tirada a partir de BACCI, M. Storia Minima
del mondo. Torino: (sem editora), 1989. Sobre a consideração das possessões coloniais como pouco
propícia ao desenvolvimento dos italianos, ver A Tarde, 14/6/1924.
310
TRENTO, Angelo. Do outro lado do Atlântico: um século de Imigração Italiana no Brasil. O autor
não incluiu uma discussão sobre o racismo. Sobre o assunto, ver: SHWARCZ, L. K. M. O Espetáculo as
Raças: São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
311
BERTONHA, João Fábio. Um Imperialismo dos Pobres: o Império Italiano da Era Liberal ao
Fascismo, p. 263-267.
312
BERTONHA, João Fábio. O Brasil, os imigrantes e a política externa fascista, 1922-1943. Revista
Brasileira de Política Internacional, Brasília, nº 2, v. 40, 1997, p. 109.
313
Sobre as medidas restritivas e sua relação com as propostas de contrato comercial, ver: TRENTO,
Angelo. Do outro lado do Atlântico: um século de Imigração Italiana no Brasil, p. 34, 53 e 71.
314
Segundo o correspondente de A Tarde em Roma, a restrição dos Estados Unidos levaram os italianos a
confrontarem-se com o problema do excedente populacional. Considerando as possessões africanas pouco
propícias ao desenvolvimento italiano, voltavam-se para o Brasil e a Argentina como principais países de
destino. A Tarde, 14/6/1924.
116
restabelecimento do fluxo migratório, com base em acordo comercial privilegiando a
Itália.315 Outro episódio relevante de 1924 foi a vinda à América do Sul do cruzador
Itália, trazendo uma exposição de produtos e serviços, além de comissão especial
chefiada por Giovani Giuriati, do conselho italiano de ministros.316
Para Angelo Trento, o fascismo dá continuidade, até meados dos anos 20, à
estratégia dos governos liberais, mas a potencializa através de maior programa de
preservação e de valorização da identidade nacional, crescentemente identificada com o
fascismo. Segundo o autor, nesse esforço era peça importante o prestígio internacional
do fascismo e da Itália, alimentado pela visita de Umberto di Savoia à América do
Sul.317 De fato, tais indicações encontram subsídios no papel de destaque que a colônia
desempenharia na visita, tanto nas recepções quanto nas páginas da imprensa. Aliás, em
1924, o jornalista italiano L. Magrini esteve no Brasil e lamentou a ocorrência de
divisões de classe que enfraqueciam os laços de solidariedade nacional entre os italianos
de São Paulo.318 Tratando da iminente chegada do príncipe, os jornais frequentemente
lembraram a existência de grandes comunidades residindo e contribuindo com o seu
trabalho para a riqueza dos países visitados.319 O príncipe vinha conhecer in loco a vida
dos patrícios, “apreciar os frutos do trabalho dessa grande colônia amiga”, publicou A
Noite. Como outros jornais, a Gazeta de Notícias articulou a instrução real com a
existência da colônia, ao colocar que a razão da visita era “completar a educação do
príncipe” dando-lhe “uma ideia precisa do grande progresso da América Latina” e
pondo-o em “contato com os italianos residentes no nosso continente”. Outros textos
apresentaram uma versão mais próxima das indicações de Angelo Trento, ao descrever
o périplo como um empreendimento da política externa fascista ou falar de promoção de
315
Sobre a missão de Pietro Badoglio, ver: O Imparcial, 20/2/1924. Favorável à Itália, esse texto não
menciona o acordo comercial como parte das negociações. Mas ele aparece nos seguintes documentos,
que tratam de modo geral das negociações para 1924: Embaixada do Rio de Janeiro, telegramas nº 105,
de 12/12/1924 e nº 19, de 12/12/1924; despacho nº 2294, de 13/12/1924. AEL. ADEB. O Paiz,
4/12/1924.
316
O episódio é conhecido pela bibliografia, ganhou destaque na imprensa e foi mencionando em,
BERNARDES, Artur. Mensagem ao Congresso Nacional de 1924. Disponível em: Disponível em:
http://www.crl.edu. Acesso em: 1/3/2014.
317
TRENTO, Angelo. “Donde haya un italiano, allí estará la bandera tricolor”: la penetración del
fascismo entre los emigrantes en el Brasil. In SCARZANELLA, Eugenia. Fascista en América del Sur.
Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2007, p. 13, 23-24, 35 e 64.
318
HALL, Michael M. Entre a Etnicidade e a Classe em São Paulo. In CARNEIRO, Maria Luiza Tucci e
FRANZINA, Frederico Croci Emilio (orgs.). História do Trabalho e Histórias da Imigração. São Paulo:
Edusp e Fapesp, 2010, p. 60.
319
Gazeta de Notícias, 8/6/1924;
117
“consciência” ou de “celebração” da “raça” italiana.320 Não por acaso, nas cidades
visitadas, verificou-se a participação de público maciço, de personalidades e de
instituições da colônia. No Rio de Janeiro, seria reservado à embaixada todo um dia da
programação para homenagens ao visitante. 321
Retomaram-se em agosto no Rio de Janeiro os preparativos para a recepção
oficial, mas a permanência da intranquilidade impossibilitou de novo a visita. A
comissão e demais autoridades responsáveis pelas homenagens realizavam os últimos
preparativos, recebendo adesão de jornalistas e associações de classe.322 Entretanto,
investigações policiais confirmaram boatos, relatados por Pietro Badoglio, de que um
levante na capital federal havia sido preparado para estourar no começo de julho,
quando o príncipe desembarcasse na cidade. 323 No final de agosto, em meio ao
constrangimento nas rodas instruídas da diplomacia, o presidente decidiu por novo
adiamento da visita, após a descoberta ou detonação de artefatos explosivos em
diferentes pontos da cidade, tais como os Correios, a Casa da Moeda, a embaixada da
Argentina e as residências de funcionários ou políticos, entre os quais o diretor da
Imprensa Nacional, o senador Paulo de Frontin e o general Tertuliano Potiguara – o que
ocasionou mais prisões e realimentou boatos.324 O último atentado consternou
profundamente o Catete ao ferir gravemente aquele oficial, veterano da Guerra do
Contestado e da revolta de São Paulo. A nota oficial sobre o cancelamento observou que
no Rio de Janeiro uma “minoria” matinha “o trabalho diabólico do descrédito do país”,
o que fazia perdurar o “espírito de revolta e indisciplina” e tornava possível a
320
A Noite, 7/7/1924; Gazeta de Notícias, 9/7/1924; A Noite, 26/7/1924; A Noite, 15/8/1924; A Noite,
19/8/1924; Jornal do Brasil, 24/8/1924.
321
José Calasans afirma que a visita de Umberto di Savoia tinha nítida conotação política, destacando os
interesses do fascismo e a comunidade italiana no Brasil. Ver: CALASANS, José. Miguel Calmon
Sobrinho e sua época: 1912-1967. Salvador: Museu Eugênio Teixeira Leal. 1991. Conferir as recepções a
Umberto di Savoia na Argentina em: Príncipe Umberto – Recortes dos telegramas publicados pelo
“Jornal do Comércio” de Buenos Aires, de 1 a 15 de agosto de 1924. Sobre a visita projetada ao Rio de
Janeiro, ver: Programa da Recepção do Príncipe Herdeiro da Itália. AEL. FAB. MR 17.
322
Jornal do Brasil, 19/8/1924; 21/8/1924 e 27/8/1924. A Noite, 18/8/1924; 19/8/1924; 22/8/1924. Fon-
Fon, 26/7/1924; A Careta, 27/7/1924; O Malho, 5/7/1924; 2/8/1924; Revista da Semana, 12/7/1924; A
Careta, 26/7/1924; Ilustração Brasileira, nº 48, agosto de 1924.
323
Diário Oficial da União, 30/8/1924.
324
Embaixada do Rio de Janeiro, telegrama nº 80, 30/8/1924; despacho nº 2248 de 3/9/1924; AEL.
ADEB.
118
sobrevinda de “qualquer incidente” na cada vez mais próxima chegada do príncipe do
Piemonte.325
Quatro imagens publicadas em revistas cariocas ilustraram a criação e a frustração
da expectativa em torno da iminente chegada do visitante ao Rio de Janeiro. A Revista
da Semana trouxe no final de julho uma montagem com o escudo da casa real de
Savoia, as cores das bandeiras da Itália e do Brasil e uma fotografia do jovem príncipe
como cadete do exército italiano. Em O Malho, J. Carlos flagrou a decepção pelo
cancelamento da visita no desenho “Era Uma Vez”, em que Jeca dialoga com Cardoso,
ambos a segurar ramalhetes de flores para Umberto di Savoia: “agora, seu Cardoso, se a
gente quizé vê prince, tem mêmo que esperá o Carnavá!”, disse Jeca. Antes disso, o
desenhista registrara o clima de intranquilidade pública na ilustração “O Ouvido da
Multidão”, em que dois amigos cochicham banalidades ao pé do ouvido enquanto são
alvo da curiosidade geral de eletrizados transeuntes, entre eles um cachorro...326 Dando
à cena uma conotação de raça e classe, J. Carlos, em “O Sistema Nervoso”, registrou o
desassossego na intimidade do quarto de um patrão branco acordado de sobressalto e a
perguntar ao seu empregado negro: “que „estrondo‟ foi esse, Crispim?”. Com uma
vassoura na mão, é-lhe respondido: “foi a caixa de „fosfo‟ que caiu”. 327
325
Gazeta de Notícias, 30/8/1924. Sertório de Castro confirma que foi a explosão de bombas e a
continuidade de conspirações contra a ordem que levou ao segundo adiamento. Ver artigo publicado em A
Tarde de 19/9/1924.
326
Revista da Semana, 12/7/1924 e O Malho, 2/8/1924 e 13/9/1924. Grifos no original. Sobre J. Carlos e
sua trajetória em O Malho, ver: SIMA, Luiz Antônio e LOREDANO, Cássio. O Vidente Míope: J. Carlos
n’O Malho. Rio de Janeiro, Folha Seca Livraria e Edições, 2007.
327
O Malho, 6/9/1924.
119
Figuras 22 e 23 – Capa da Revista da Semana com foto de Umberto di Savoia. Capa de O
Malho retrata em desenho o clima de tensão presente nas ruas do Rio de Janeiro. Fonte:
Revista da Semana, 12/7/1924 e O Malho, 2/8/1924.
328
O embaixador estadunidense observou que, se o governo não proibisse, os comentários em torno do
cancelamento seriam bem mais extensos. Embaixada do Rio de Janeiro, despacho nº 2246 de 3/9/1924.
AEL. ADEB.
329
Embaixada do Rio de Janeiro, despacho nº 2253, 20/9/1924. AEL. ADEB; minuta de telegrama de
Góis Calmon a Miguel Calmon. 7/9/1924. FPC/APEB. AFMGC. Pasta 5.
120
Figuras 24 e 25: Capa de O Malho retrata a conotação social e raça do clima de tensão
vivida no país. Capa de O Malho retrata a decepção em torno do cancelamento da visita de
Umberto di Savoia ao Rio de Janeiro. Fonte: O Malho, 6/9/1924 e 13/9/1924.
330
Embaixada do Rio de Janeiro, despacho nº 2248 de 3/9/1924. AEL. ADEB.
331
Winston Fritsch não trata da visita de Umberto di Savoia ou da política externa de Artur Bernardes,
mas analisou o esforço do governo federal em convencer financistas britânicos que condicionavam a
concessão de empréstimo à segurança orçamentária do país. FRITSHC, Winston. 1924. Pesquisa e
Planejamento Econômico. Vol. 10, nº. 43. Dezembro de 1980.
332
Ver as notas oficiais do governo brasileiro citada acima e a do governo italiano, comentada em: Diário
da Bahia, 3/9/1924. E também a fala de Félix Pacheco num dos banquetes da Bahia: Diário Oficial do
Estado da Bahia, 19/9/1924.
333
Minuta de telegrama de Góis Calmon a Miguel Calmon. 25/11/1924. FPC/APEB. AFMGC. Pasta 5.
121
nas decisões tomadas no Rio de Janeiro e em Roma. Porém, os italianos informaram a
Góis Calmon que o príncipe declinaria da hospedagem oficial no palácio da Aclamação
(residência do governador) para conservar o caráter particular da visita. 334 Para os
jornais, isso pouco importava, pois, na primeira vez em que passou incógnito, Umberto
di Savoia participara de festas na Bahia. Além disso, era evidente o esforço do governo
federal e baiano para tornar o evento relevante do ponto de vista diplomático. 335
Bernardes decidiu enviar do Rio de Janeiro comitiva especial a bordo do
encouraçado São Paulo – um dos mais poderosos navios militares do mundo, ao ser
adquirido em 1910. Neste ano, ao deixar o estaleiro londrino, a belonave trouxera da
França o presidente eleito Hermes da Fonseca. Epitácio Pessoa gastou fortunas em sua
ornamentação para o transporte dos reis belgas à época de sua visita oficial ao Brasil,
ocasião em que trouxe os restos mortais dos imperadores Dom Pedro II e Teresa
Cristina. 336 Em sua missão de 1924, isto é, transportar a marinhagem e as autoridades do
Rio de Janeiro para Salvador, disparar as salvas de canhão de protocolo na Baía de
Todos os Santos, hospedar banquetes, o São Paulo não deixaria corar as autoridades
brasileiras diante da esquadra italiana, seja em matéria de velocidade, logística ou
armamento. O São Paulo trouxe para a Bahia algo do ostensivo caráter militar da
recepção planejada no Rio de Janeiro. 337
A comitiva foi encabeçada por Félix Pacheco, ministro das Relações Exteriores, e
Pietro Badoglio, embaixador da Itália. Ao primogênito de Vittorio Emanuelle III, o
presidente enviou o próprio filho e secretário particular como tradutor de sua
consideração pela Itália. Além disso, destacou o almirante José Maria Penido, ex-
governador militar de Santos durante a revolta em São Paulo e concunhado de Góis
Calmon. As homenagens a Umberto di Savoia seriam, segundo a imprensa, dignificadas
pelas credenciais desses homens.338 Para eternizar o evento e exibi-lo aos ausentes,
vieram fotógrafos da Revista da Semana e os cineastas da empresa Botelho Film,
responsáveis pela produção de dezenas de fotos e da película O Príncipe Herdeiro da
334
A Tarde, 9/9/1924.
335
Diário da Bahia, 5/9/1924; Diário de Notícias, 9/9/1924; O Imparcial, 9/9/1924. A Tarde, 5/9/1924/
12/9/1924; 13/9/1924.
336
Sobre o retorno dos restos mortais dos imperadores ao Brasil, ver: FAGUNDES, Luciana Pessanha.
Do Exílio ao Panteão: D. Pedro II e seu reinado sob o(s) olhar(es)republicano(s). Rio de Janeiro:
CPDOC, 2012 (História, tese de doutorado).
337
Dados sobre o São Paulo podem ser encontrado em: http://www.naviosbrasileiros.com.br. Acesso em:
11/2/2013. Dados sobre os navios italianos podem ser encontrados em: Ilustração Brasileira, nº 48 de
agosto de 1924. Sem página.
338
A Tarde, 9/9/1924; 11/9/1924; Diário Oficial do Estado da Bahia, 11/9/1924.
122
Itália em Terras do Brasil.339 Reproduzido, o material iconográfico, como os
personagens históricos, circularia e seria exibido além-fronteiras da Bahia, pois o filme
foi assistido em salas de cinema e as fotos recebidas como mimos ou lembranças, não
só pelo príncipe do Piemonte, como pelo mais ilustre entre os ausentes, isto é,
Bernardes, que também recebeu um exemplar da película da Botelho Film. 340
Figura 26 - Partida do São Paulo do Rio de Janeiro. Veem-se José Maria Penido (oficial no
centro da foto e em continência, no segundo plano); Félix Pacheco (civil de baixa estatura
no centro da foto); Pietro Badoglio (no centro da foto com sabre); Miguel Calmon (civil
mais alto) e Artur Bernardes Filho (à direita de Miguel Calmon). Rio de Janeiro, setembro
de 1924. Fonte: sítio do APM.
339
Alberto Botelho foi um dos primeiros e mais produtivos cineastas do Brasil. Os títulos de sua longa
filmografia são listados em: http://www.imdb.com. Acesso em: 10/12/2014. Em 26 de julho de 1924, a
Revista Selecta publicou entrevista com Alberto Botelho.
340
Diário Oficial do Estado da Bahia, 18/9/1924. O filme da visita do príncipe pode ser encontrado em:
http://cinemateca.gov.br/. Acesso em: 19/7/2012. É possível encontrar uma versão mais curta no sítio do
Arquivo Público Mineiro. Essa versão e as fotos da visita aqui apresentadas estão no Fundo Artur
Bernardes. Ver: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/. Acesso em: 26/6/2014.
341
A Tarde, 8/9/1924. O Imparcial, 10/9/1924.
123
recepção aos embaixadores no palácio Guanabara, haveria uma reunião do corpo
consular no palácio da Aclamação – onde igualmente foram programados almoços,
jantares e um baile pelo vigésimo aniversário de Umberto di Savoia.
A elite e a comunidade italiana local obtiveram no programa a inclusão de garden
party, chá dançante e recepção no Circolo Italiano, Clube Bahiano de Tênis e
Associação Atlética da Bahia. Curiosamente, a tentativa (bem sucedida) do Clube
Euterpe de oferecer uma recepção a José Maria Penido foi visto como uma aproximação
do seu diretor Medeiros Neto com o governador Calmon. O programa incluiu ainda uma
missa na igreja do Bonfim, cerimônia cívica no convento do Carmo, partida de futebol
no campo da Graça e espetáculos no teatro Politeama Baiano. 342 Na execução do
programa, a família Góis Calmon substituiu como anfitriã a de Artur Bernardes.
Tanto em Salvador quanto no Rio de Janeiro, houve preocupação com o
protocolo, ou seja, com o lugar e o papel a ser desempenhado por cada autoridade nos
embarques e desembarques, apresentações, cortejos, festas, banquetes e passeios. 343
Para os jornais da capital soteropolitana, pouca importava que Umberto di Savoia não
estivesse sendo recebido na capital da República. “Tudo nos leva a considerar como
oficial a passagem do futuro Rei da Itália pela Bahia”, publicou A Tarde.344 Havia a
sensação de que Salvador tornava-se por uns dias a capital diplomática do Brasil ao
desincumbir-se da missão delegada pelo Catete.345 Como diz o verso de Aloísio de
Carvalho, o Lulú Parola, “A Mulata, durante uma semana, Bancou de Capital destes
Brasis!”.346
342
Alguns desses eventos não foram previstos no programa oficial. Programa Provisório das Festas em
Homenagem ao Príncipe Herdeiro da Itália. 1924; Programa de Recepção do Príncipe Herdeiro da Itália.
AEL. FAB. MR 17. O programa das festas da Bahia pode ser encontrado em: Diário Oficial do Estado da
Bahia, 13/9/1924.
343
Por exemplo, ver as apresentações protocolares no reencontro entre Góis Calmon e Umberto di Savoia.
Diário da Bahia, 12/9/1924.
344
A Tarde, 13/9/1924.
345
Diário da Bahia, 12/9/1924; 14/9/1924.
346
Grifo no original. A “Mulata”, isto é, “Mulata Velha”, era a uma referência à Cidade da Bahia. O
poema de Aloísio de Carvalho filho foi publicado em: Esphera, nº 1, Setembro de 1924.
124
Figura 27 - Chegada da comitiva do São Paulo a Salvador. Além de Félix Pacheco, Pietro
Badoglio e José Maria Penido, veem-se Fernando Scaldaferri, cônsul italiano em Salvador
(segundo de cartola da esquerda para a direita); Xavier Marques, secretário estadual do
Interior (próximo a Félix Pacheco); Joaquim de Araújo Pinho, prefeito de Salvador (ao lado
de José Maria Penido). Salvador, setembro de 1924.
347
FAGUNDES, Luciana Pessanha. Uma República em festa, p. 225-226.
348
CAULFIED, Sueann. Em defesa da honra.
349
Ver o apelo do governo por colaboração à imprensa, às classes conservadoras e ao povo. Diário da
Bahia, 5/9/1924; 12/9/1924 e A Tarde, 8/9/1924.
125
e 1808, ofendendo-a em 1889, estava em 1924 (simbolicamente, é claro) de pires na
mão.
Figura 28 - Jantar oferecido no palácio da Aclamação à comitiva do São Paulo. A foto traz
Julieta Góis Calmon sentada entre Félix Pacheco e Pietro Badoglio e secundada pelas filhas
solteiras Maria dos Prazeres e Maria Constança. Salvador, setembro de 1924. Fonte: sítio
do APM.
Umberto di Savoia era membro de uma dinastia europeia e a Itália admirada pela
antiguidade e contribuições culturais à civilização, além de conjugar dois atraentes
regimes: o fascismo e a monarquia.350 Laços de “raça” – a civilização latina – e
econômicos – o braço italiano na lavoura nacional – obrigavam a Bahia a bem
representar o Brasil ante a aparição real.351 Como sintetizou O Democrata, a visita dos
italianos e do São Paulo deveriam orgulhar os baianos por ter alta significação social e
política, além de contribuir para o seu crédito de povo civilizado.352 Góis Calmon
declarou que, ao cumprir o dever designado pelo Brasil, a Bahia, “berço da
nacionalidade brasileira e guardando suas tradições”, “saberá honrar a nação”,
“honrando a si mesma”.353 A visita de Umberto di Savoia significava visibilidade para o
Brasil entre as nações e para a Bahia dentro da nação.354
350
Alguns indícios da admiração que a Itália exercia sobre parcela dos brasileiros aparecem na Ilustração
Brasileira dedicada à visita de Umberto di Savoia ao Brasil. Ilustração Brasileira, nº 48, agosto de 1924.
351
Diário Oficial da Bahia, 13/9/1924; O Democrata, 14/9/1924; Diário da Bahia, 21/9/1924. Uma ideia
do que era para um baiano de elite dividir o espaço com o príncipe europeu pode ser observada na
descrição de um membro do Clube Bahiano de Tênis: Diário Oficial do Estado da Bahia, 12/9/1924.
352
O Democrata, 10/9/1924.
353
Diário da Bahia, 14/9/1924 e 15/9/1924. Diário Oficial do Estado da Bahia, 14/9/1924.
354
Minuta de telegrama de Góis Calmon a Miguel Calmon. 7/9/1924.
126
Figura 29 - Umberto di Savoia fardado e em continência a bordo do San Giorgio. Salvador,
15 de Setembro de 1924. Fonte: sítio do APM.
355
Essa caracterização, de Flávia Costa Cesarino, refere-se originalmente apenas ao filme e não às fotos.
Mas acredito que as fotos podem ser incluídas nessa análise. COSTA, Flávia Cesarino. Figuras populares
no documentário silencioso brasileiro. Revista de La Associación Argentina de Estudios de Cine y
audiovisual, nº 8, 2013. Disponível em: http://www.asaeca.org. Acesso em: 16/12/2013.
127
Figura 30 - Cônsul Joaquim Eulálio e tenente Alves de Souza posam sob os canhões do São
Paulo, enquanto os marujos observam a cena. Setembro ou outubro de 1924. Fonte: sítio
do APM.
356
Pedro Gordilho era primeiro delegado auxiliar e substituía na ocasião o secretário de Segurança
Pública, João Marques dos Reis, em missão política e policial no Rio de Janeiro, como visto. Sobre a
perseguição de Pedro Gordilho aos candomblés, ver: LÜHNING, Angela. Acabe com este santo, Pedrito
vem aí... Revista USP, nº 28, Dezembro de 95/Fevereiro de 96.
128
Figura 31 - O povo apareceu exprimido nessa foto da saída de Umberto di Savoia e de Góis
Calmon da igreja do Bonfim. Logo atrás, veem-se Pietro Badoglio (com quepe, na
esquerda), Atílio Bonaldi (cavanhaque) e Pedro Gordilho, de terno escuro à direita.
Salvador, 14 de setembro de 1924. Fonte: sítio do APM.
129
Figura 32 - Fotógrafos e cinegrafistas registram a parada de Umberto di Savoia, Góis
Calmon, Félix Pacheco e Artur Bernardes Filho no Cristo Redentor da Barra. Salvador,
13/9/1924. Fonte: sítio do APM.
357
ROCHA, Carlos Eduardo. Azulejaria da Casa Góes Calmon. Salvador: Graf. Press. Color, 1993. s/p.
358
Um desses jovens intelectuais foi Edivaldo Boaventura. Sobre a disposição dos móveis no Palacete
Góis Calmon e sua futura transformação em Museu do Estado, ver: BOAVENTURA, Edivaldo. O Solar
Góes Calmon. Salvador: Academia de Letras da Bahia, 2004, p. 6 e ss; BANCO SAFRA. O Museu de
Arte da Bahia. Banco Safra: São Paulo, 1997, p. 11.
130
cercavam a mais importante peça do mostruário, pelo valor artístico e função a que foi
destinada. Talhada em jacarandá, no século XVIII e em estilo Luís XIII, era a cama
destinada a Umberto di Savoia e que pertencera ao Conde de Passé.359
Figura 33 - Cama reservada a Umberto di Savoia, século XVIII em estilo Luís XIII. Salvador,
1924. Fonte: sítio do APM.
359
A Tarde. 10/9/1924.
360
A Tarde. 12/9/1924; Diário da Bahia, 12/9/1924.
361
Diário da Bahia, 14/9/1924. Presciliano Silva fora responsável pela decoração das paredes do palácio
da Aclamação.
131
nobres de Calmon. Afonso de Taunay iria descrevê-lo como a encarnação de uma
seleção natural quadrissecular entre senhores de engenhos e chefes civis e militares,
indicando como manifestação de sua personalidade aristocrática o apuro com que
organizou a exposição aos visitantes de 1924.362 Isso sugere de certa forma que as peças
do Aclamação eram uma exaltação à nobreza e à antiguidade dos próprios Calmon. Não
por acaso, costuma lembrar-se que o governador herdou uma parte das peças e o gosto
por tais coleções do pai adotivo, seu tio, Inocêncio Marques de Araújo Góis. Como
sintetizou o Diário da Bahia, o conjunto revelava senso estético, erudição e nobreza
familiar.363 As peças documentavam, através do gosto artístico, o cotidiano, os
momentos festivos e a religião da aristocracia baiana da colônia e do Império.
Evocavam uma imagem idealizada de uma época de riquezas e grandezas para a Bahia,
um momento em que a Bahia era muito importante para o Brasil.
Figura 34 - Oratório do século XIX, jacarandá em estilo Dom João V, com crucifixos em
jacarandá e prata. Foto de Voltaire Fraga. Salvador. Fonte: Bulletin of Pan American Union.
Janeiro de 1948.
362
TAUNAY, Afonso de. Uma grande figura brasileira. In PEIXOTO, Afrânio et alii (org.). Góes
Calmon in memoriam. Rio de Janeiro, sem editora, 1933, p. 16 e 20.
363
BANCO SAFRA. O Museu de Arte da Bahia. São Paulo: Banco Safra, 1997, p. 5. Diário da Bahia,
14/9/1924. Estudando o Museu da Bahia em uma fase em que a coleção de Góis Calmon constituíam o
seu principal acervo, Anadelia Romo afirmou que na instituição estava “toda a grandeza das fazendas de
açúcar e da elite branca, sem qualquer pista dos trabalhadores negros e pardos, que proporcionaram suas
riquezas e sua própria espinha dorsal”. ROMO, Anadelia. O que é que a Bahia representa? Revista Afro-
Ásia, 39 (210), p. 142 e 146-147.
132
Amante requintado da História, Góis Calmon era sensível ao valor do patrimônio
da Bahia, em sua residência ou à frente do governo do estado, pois restaurou e protegeu
da demolição construções como o forte de Monte-Serrate e o convento de São Francisco
de Assis. 364 Consequentemente, os visitantes de 1924 conheceram sítios históricos da
América Portuguesa e do Brasil Império, em Salvador e Recôncavo. Oficiais italianos e
brasileiros foram à estrada de Camaçari, onde ficavam os campos de Pirajá e os restos
mortais de Pedro Labatut.365 Nas lutas da Independência da Bahia em 1822-23, ocorreu
ali um enfrentamento decisivo entre os soldados portugueses de Inácio Madeira de Melo
e as tropas baianas de Pedro Labatut. As elites locais eram ciosas do papel dessa guerra
para Independência do Brasil. No Rio de Janeiro em 1922, quando das comemorações
do centenário do Sete de Setembro, Miguel Calmon afirmou que na Bahia a
Independência recebera o “batismo de sangue” que a tornou “causa sagrada” de “todos
os brasileiros”.366 Simbolicamente, os baianos conseguiram que a exposição do
Centenário da Independência de 1922 fosse encerrada no dia 2 de Julho de 1823,
reconhecimento de que na Bahia dera-se a conclusão da Independência proclamada no
Rio de Janeiro e em São Paulo.
O passeio em terra seria depois complementado por um giro pela Baía de Todos
os Santos. Como na estrada de Camaçari, interessaram tanto as paisagens naturais como
os aspectos históricos, como mostra a objetiva da Botelho Film. Nas margens que
banham o Recôncavo, ficavam as centenárias plantações e engenhos de açúcar – além
dos onipresentes templos católicos. Ali, havia começado a colonização portuguesa e a
própria família do governador era proprietária havia quase três séculos do seu Engenho
de Santo Antônio dos Calmon.367
Em Salvador, Pietro Badoglio e Félix Pacheco visitaram o forte de Monte-Serrate
e os templos de São Francisco de Assis, Carmo, Bonfim e catedral Basílica, onde
contemplaram a pintura decorativa, talha, azulejaria e a própria arquitetura colonial. Os
laços entre Itália e Brasil foram lembrados no culto católico e numa cerimônia cívica no
Carmo, com a participação de Umberto di Savoia e dos demais visitantes. O jovem
Pedro Calmon propusera ao governador o depósito de flores diante do túmulo do Conde
364
TAUNAY, Afonso de. Uma grande figura brasileira, p. 21-22.
365
Diário da Bahia, 18/9/1924.
366
CALMON, Miguel. A Batalha de Pirajá. Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, nº 49,
1924, p. 223, 224 e 254.
367
TAUNAY, Afonso de. Uma grande figura brasileira, p. 27.
133
Bagnuolo, mercenário napolitano que lutou nas tropas espanholas contra a dominação
holandesa em Pernambuco e na Bahia. O objetivo era agradecer àquele “legítimo
precursor” de Giuseppe Garibaldi e mostrar ao príncipe “aspectos incomparáveis da
nossa velha arte eclesiástica”. 368 Nos discursos proferidos, insinuou-se a ideia da Bahia
como a terra mais tradicional e a primogênita do Brasil. O próprio Pietro Badoglio
afirmou que era significativo que aquela homenagem fosse realizada na Bahia, berço do
Brasil, ao príncipe do Piemonte, berço da Itália. 369
368
Telegrama de Pedro Calmon a Góis Calmon. Sem data. FPC/APEB. AFMGC. Pasta 9.
369
Era uma referência ao papel da elite piemontesa na unificação da Itália. A Visita do Príncipe do
Piemonte ao Brasil, na Bahia. Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, nº 49, 1924, p. 505 e
508.
370
ROMO, Anadelia A. Brazil’s living museum: race, reform, and tradition in Bahia. Chapel Hill: The
University of North Carolina Press, 2010, p. 1.
371
LEITE, Rinaldo. E a Bahia civiliza-se, p. 27.
134
erguer, sobre os escombros de um patrimônio destruído, uma cidade em tese mais
“arejada”, inspirada em centros “civilizados” e “progressistas” do país, basicamente o
Rio de Janeiro – este mesmo resultante da tentativa de alcançar o padrão representado
por Paris.372
Entretanto, anos mais tarde, Abel Bonnard, francês recebido por Góis Calmon,
confessou, ao deixar o Rio de Janeiro em direção a Salvador, ansiar por ver a Bahia,
pois “os brasileiros falam alegremente dela para provar que têm um passado”. Contava
com a “velha cidade colonial” para satisfazer o desejo de experimentar “algo mais
profundo” do que observara até sair do Rio de Janeiro.373 Igualmente, a mando do
paraibano Assis Chateaubriand, Manuel Bandeira visitaria Salvador em preparação de
um suplemento especial de um jornal carioca em 1927. “Estou apaixonadíssimo pela
Bahia”, confessou em carta a Mário de Andrade. Impressionado com os numerosos
sobrados da cidade, descreveu “solares de forte e sóbria linha senhoril com portas de
pedra lavrada e brasonadas, batentes de madeira de lei com almofadões – onde moram
pretinhas meretrizes e a gente pobre mais pobre deste mundo!”. Apesar de ter recebido
aviso “amargo” sobre falta de luz e higiene, escreveu no jornal: “a gente mal pisou na
cidade baixa e já se sente tão em casa como se ali fosse a grande sala de jantar do Brasil,
recesso de intimidade familiar de solar antigo com jacarandás pesados e nobres”. 374
Félix Pacheco também encantou-se com o patrimônio artístico da Bahia. 375 Para o
chanceler, as relíquias baianas eram o orgulho do brasileiro por constituir uma parcela
notável de tudo o que até então pudera realizar o Brasil. 376 A fé na capacidade de
realizações era crucial na conjuntura de revoltas militares, vista como substituição de
valores e renovação de processos políticos. Opondo os rebeldes aos que trabalhavam
para o “saneamento” das “práticas administrativas” e “partidárias”, afirmou: “estamos
numa curva decisiva do caminho e ou a nação se salva de vez [...] ou se afunda de modo
quiçá irremediável nas desordens do negativismo”. Como as riquezas baianas
alimentavam a fé no Brasil, “creio que estou assinalando sem querer, a esta farta e
pródiga e legendária Bahia o elevadíssimo papel que lhe toca nesta hora de
372
PINHEIRO, Eloísa Petti, Europa, França e Bahia, difusão e adaptação de modelos urbanos (Paris,
Rio e Salvador). Salvador: Edufba, 2011.
373
BONNARD, Abel. Ocean et Bresil. Flamarion, 1929, p. 199-200.
374
BANDEIRA, Manuel. Crônicas da Província do Brasil, p. 33-34.
375
A Tarde, 16/9/1924.
376
Mensagem de Félix Pacheco ao IGHB. A Tarde. 17/9/1924.
135
imprescindível conjugação de esforços, pelo bem do Brasil e pela regeneração da
política nacional”.377
Antônio Risério notou como ao longo do tempo foi criado uma áurea mítica em
torno de Salvador, “cidade imponente, paralisada, mas clara e fresca como o claustro
azulejado da Igreja de São Francisco de Assis”. Não uma cidade rica e poderosa como o
Rio de Janeiro ou Buenos Aires, mas “altiva, presa ao passado, com uma cultura e um
estilo de vida próprios”. Como notou Stefan Zweig ao conhecê-la nos anos 1940, uma
“rainha viúva”. “Rainha”, acrescentou Risério, “tão bem-sucedida em seus convites
paradisíacos que geralmente conseguia ocultar, dos olhos que a contemplavam, a
realidade de sua miséria e dos seus conflitos sociais”.378 Félix Pacheco esteve entre os
que ignoraram ativamente as apreensões e o esforço de Góis Calmon em evitar uma
revolta na Bahia em 1924: “foi realmente uma fortuna”, disse num banquete, “que a
capital do país pudesse ter sido [...] substituída por outra grande cidade do litoral, onde
não chegaram nunca os ruídos do negativismo opiniático”.379 Disfarçar o conflito era
um modo de transmitir tranquilidade e poder em circunstância mais do que apropriada.
Segundo a Gazeta de Notícias, a Bahia não constituía esteticamente um documento do
progresso do Brasil. “Voltada às letras e à tradição”, entretanto, “recordava as velhas
metrópoles universitárias seculares do Velho Mundo nas quais o passado deixou
indelével o selo do prestígio”. A Bahia, então, honrava o Brasil pelos homens com
quem Umberto di Savoia conviveu, como Félix Pacheco e Góis Calmon, que confirmou
as “tradições aristocráticas” da sociedade brasileira.380
Para a alta sociedade e os Calmon, a estadia de Umberto di Savoia em Salvador
era a oportunidade para honrarem essa tradição nos salões, tanto quanto nas ruas ou
sítios históricos. Para as elites, bem receber ilustres visitantes era um atestado de
riqueza e nobreza e foi frequente a referência à tradicional hospitalidade da Bahia. Em
sugestões do despertar de uma época de glórias, isso fica claro nos comentários de
imprensa sobre o baile do aniversário do príncipe do Aclamação. Segundo o
representante de A Tarde, o edifício apresentava “ares majestosos”, com as luzes
377
Sessão Solene de Recepção do dr. Félix Pacheco. Revista do Instituto Geográfico e Histórico da
Bahia, nº 49, 1924, p.516-518.
378
RISÉRIO, Antônio. A Bahia com H. In REIS, José (org.). Escravidão e Invenção da Liberdade. São
Paulo: Brasiliense, 1988, p. 147-148; 158.
379
CALMON, Góis. Mensagem à Assembleia Legislativa. Salvador: Imprensa oficial o Estado, 1925, p.
9. Grifo meu.
380
Gazeta de Notícias, 25/9/1924.
136
especiais da fachada e dos jardins. Havia duas armações iluminadas, com o escudo dos
Savoia e a bandeira da Itália. Entre ajuntamentos de populares e curiosos, passavam
automóveis a conduzir os convidados. Obedientes às exigências do protocolo, eram
recebidos no portão por membros do gabinete e da família do governador. Nos salões,
uma elite conversava e era apresentada pela primeira dama da Bahia ao príncipe do
Piemonte, recebido na entrada por uma chuva de flores lançadas por Maria dos Prazeres
e Maria Constança, filhas de Góis Calmon. Uma cena chamou a atenção: “enquanto as
meninas Góis Calmon ou as senhoras nascidas Góis Calmon fazem o descendente dos
Savoia escolher um creme panaché, o próprio governador serve ao embaixador
Badoglio”. Se no salão predominava a “policromia movediça” das vestes, das luzes e
pinturas do palácio da Aclamação, nas varandas e nos jardins iluminados, homens e
mulheres, em mesinhas, bebiam o champanhe “sem ruído”, bafejados pela brisa marinha
do Passeio Público. Para o repórter, a recepção ia se caracterizando como “a solenidade
principal de um programa improvisado para despertar de um passado secular os foros de
capital de um vasto império que outrora brasonaram a Bahia”. 381
381
A Tarde, 16/9/1924. Ver também a descrição do jazz no Clube Bahiano de Tênis: A Tarde, 18/9/1924;
do jantar oferecido por Umberto di Savoia no San Giorgio: Diário da Bahia, 16/9/1924.
137
visitou Salvador em dezembro de 1924. O ministro foi recebido como o maior
responsável pela restauração da Bahia. 382 O então senador Vital Soares apontou a
política federal como sua área de atuação, na qual deveria dar continuidade à obra que
realizara como ministro de Afonso Pena, no início do século, e agora de Artur
Bernardes. Vital Soares associou a Bahia a uma imagem de solidez, obra dos Calmon,
lembrando o papel do ministro da Agricultura e do irmão governador na conjuntura das
revoltas tenentistas. “Ali [ao lado de Artur Bernardes] é que a Bahia, envaidecida,
melhor revelará, em vós, um lídimo representante da velha raça dos seus pró-homens,
um rebento viçoso da nobre estirpe, cujo tronco vetusto, enraizado em tradições
gloriosas, resistentes às idades, ainda aqui se ergue de pé!”. 383
382
Diário de Notícias, 1/12/1924.
383
SOARES, Vital. Discursos e Conferências. Rio de Janeiro: Livraria Editora Leite Brito, 1929. Sem
página. Ver também Diário de Notícias, 5/12/1924.
138
orfandade. Os Calmon, ao dividirem seu poder em família, podiam ser personagens para
mais de um ritual sucessório: o funeral religioso do conselheiro Rui o comprova, o
certame político aqui analisado também, assim como a recepção digna de um Savoia, e
seu peso no plano intelectual e cultural. Também podiam exercer, na prática, funções
abertas com o vazio deixado pelo ocaso da águia. Na espreita, ambiciosos, mas também
ladinos, os irmãos Otávio e João Mangabeira podiam desempenhar bem alguns dos
papeis antes cabidos a Rui Barbosa.
Seja como for, em tom de desabafo e crítica a Artur Bernardes, Medeiros Neto
assegurou-lhe em fins de 1923 que, com os preparatórios que o Catete tomava para
manutenção da candidatura Góis Calmon contra Seabra, “mais arraigada [é] a minha
convicção de que vossa excelência convidando o Miguel Calmon para o seu ministro
apenas esboçou o projeto agora em via de ser consumado: a Bahia dos Calmon”.384
384
Carta de Medeiros Neto a Artur Bernardes. 12/15/1923. AEL. FAB. MR 5. Grifo no original.
139
3
A Bahia dos
Calmon
140
São Paulo. Washington Luís esclareceu ao emissário do PRM que apoiaria Bernardes
caso não houvesse movimento político favorável à indicação do seu próprio nome e
caso os mineiros adotassem em seu programa de governo a criação do banco emissor
como instrumento para a defesa do café. Satisfeitas tais condições, São Paulo aderiu ao
nome mineiro.
Foi o desenrolar do processo sucessório que tornou mais firme esse acordo e dele
excluiu o Rio Grande do Sul. Ao por em mira os governos de Minas Gerais e São Paulo,
criticando-os como deturpadores da República e contrapondo-os ao Sul (Rio Grande do
Sul) e ao Norte (Bahia e Pernambuco), a campanha da Reação Republicana contribuiu
para consolidar a aliança então nascente entre mineiros e paulistas.385 Antes disso, os
jornais da oposição, no começo, concentravam críticas em Minas Gerais, poupando São
Paulo. Igualmente, Nilo Peçanha, ao retornar da Europa, procurou os paulistas para
articular uma candidatura tertius. Ou seja, a aliança, no começo, não era encarada como
natural pelos não alinhados a Bernardes. Entretanto, com a negativa de São Paulo, ficou
evidente o eixo de sustentação da candidatura do governador de Minas Gerais. A partir
de então, o discurso oposicionistas voltou-se mais explicitamente para ambos os
estados, inclusive porque buscava certa neutralidade de Epitácio Pessoa. “No fundo”,
resumiu Otávio Rocha sobre a oposição, “o ódio dessa gente é contra Minas e São
Paulo”.386 Ciente de que os interesses paulistas estavam em jogo, Washington Luís
permaneceu ao lado de Bernardes em momentos decisivos, como a ruptura dos quatro
estados dissidentes; o episódio das cartas falsas; 387 e a reunião no Catete entre Epitácio
Pessoa e os próceres da candidatura mineira, momento delicado, quando corria a
proposta do tribunal extraparlamentar para a apuração das eleições.388 Nesse dia, Minas
Gerais quase perdeu o apoio do presidente e dos estados que orbitavam ao redor do
Executivo. A reunião dividira-se em dois grupos, um favorável e outro contrário à
385
Carta de João Lima a Washington Luís. 18/7/1921. APESP. AWL. Caixa 258. Pasta 7.
386
Carta de Otávio Rocha a Washington Luís. 24/12/1921. APESP. AWL. Caixa 195. Pasta 3. Ver
também: carta de Jônatas de Carvalho a Washington Luís. 20/7/1921. APESP. AWL. Caixa 258. Pasta 1.
387
Carta de Sampaio Vidal a Washington Luís. 22/5/1922. APESP. AWL. Caixa 201. Pasta 1.
388
Comentários a posteriori sobre a repercussão da atitude de Washington Luís na reunião do Catete
aparecem nas primeiras publicações de imprensa sobre a sucessão presidencial: O Jornal, 6/1/1925;
8/1/1925. Raul Soares enviou previamente a Washington Luís a cópia da carta de Artur Bernardes a
Arnolfo Azevedo, em que o primeiro nega-se a aceitar a ideia do tribunal. Uma vez mais, Washington
Luís apoiou Bernardes. Cópia da carta de Artur Bernardes a Arnolfo Azevedo. 29/4/1922. APESP. AWL.
Caixa 201. Pasta 2; minuta de carta de Washington Luís a Raul Soares. 3/5/1922. APESP. AWL. Caixa
201. Pasta 2; telegrama de Artur Bernardes a Washington Luís. ?/5/1922. APESP. AWL. Caixa 201. Pasta
3.
141
renúncia de Bernardes. Portanto, Washington Luís e seus representantes foram cruciais
na sucessão presidencial para a vitória do candidato mineiro.
Graças a tal desempenho, São Paulo conquistou prestígio 389 e formou-se a
expectativa de que Washington Luís sucederia no futuro Bernardes. 390 Após a força
oposicionista manifesta na campanha da Reação Republicana, a urgência de uma
poderosa aliança entre Minas Gerais e São Paulo impregnou a confecção da plataforma
do novo governo, a ocupação de postos no Ministério e no Congresso Nacional, a
relação entre Bernardes e os governos mineiro e paulista. Restava indefinido o ponto
delicado da sucessão presidencial de 1926.
389
Apenas a título de exemplo, ver as fontes seguintes: Telegrama de Artur Bernardes a Washington Luís.
?/9/1921. APESP. AWL. Caixa 121. Pasta 2; telegrama de Nine Pinheiro a Washington Luís. ?/3/1922.
APESP. AWL. Caixa 191. Pasta 1; carta de Frederico Dias Batista a Washington Luís. APESP. AWL.
Caixa 191. Pasta 1; carta de Otávio Rocha a Washington Luís. 8/5/1922. APESP. AWL. Caixa 195. Pasta
3. Carta de Alberto Assunção a Washington Luís. 4/6/1922. APESP. AWL. Caixa 239. Pasta 1.
Telegrama de Cipriano Lage a Washington Luís. APESP. AWL. Caixa 239. Pasta 1; carta de Pádua
Rezende a Washington Luís. APESP. AWL. Caixa 239. Pasta 1; carta de Wenceslau Braz a Washington
Luís. 8/5/1924. APESP. AWL. Caixa 199. Pasta 1; A Folha. 14/11/1923.
390
Essa crença é bem difusa, mas aparece em alguns documentos. Ver: Carta de Deocleciano Martyr a
Washington Luís. ?/3/1922. Caixa 191. Pasta 1; carta de Mariano Chagas a Washington Luís. 18/10/1922.
Caixa 233. Pasta 2; Department of State. Division of Latin-American Affairs. 22/8/1922. AEL. ADEB.
MR 5.
142
Bernardes. Confeccionada para a disputa partidária e facciosa, a tese encontrava
respaldo no peso econômico e político de cada estado e na preponderância de mineiros e
paulistas na ocupação da Presidência da República. Entretanto, pressupunha uma pouco
provável identidade permanente de interesses entre São Paulo e Minas Gerais. 391
Conforme visto, o atual trabalho avança os desdobramentos do trabalho de Cláudia
Viscardi para a história política da Bahia. 392 Portanto, parte da crítica à existência dessa
identidade. A tese do café com leite tornar-se-ia prato cheio para o folclore político e foi
nutrido por textos e imagens da imprensa dos anos 20.393
Figura 39 - Inspirando cuidados num gaúcho e num nortista, Júlio Prestes (governador
paulista), Washington Luís (presidente da República) e Antônio Carlos (governador
mineiro) conspiram contra a unidade do país ao sabor do café com queijo. Fonte: O Malho,
12/5/1928.
391
Tais elementos encontram-se nas seguintes fontes: O Imparcial, 20/6/1921; 21/6/1921; 22/6/1921;
24/6/1921; Embaixada do Rio de Janeiro, Department of State. Division of Latin-American Affairs.
22/8/1922. AEL. ADEB. MR 5. PEÇANHA, Nilo. Política, economia e finanças. Campanha presidencial
(1921-1922).
392
VISCARDI, Cláudia. O teatro das oligarquias.
393
O Vidente Míope, de Luiz Antônio Sima e Cássio Loredano, traz outros desenhos de J. Carlos com
charges alusivas à política do café com leite.
143
Rio Grande do Sul absorveram a atenção de Bernardes e repercutiram no STF e no
Congresso Nacional. Sedimentando entre a elite política a base do presidente mineiro, o
último caso foi encerrado com a posse no governo da Bahia de Góis Calmon. Mas três
meses depois sobreveio a revolta de São Paulo em 1924, com repercussões em estados
distantes regional e geograficamente, como Sergipe, Mato Grosso, Pará e Amazonas.
Na capital federal, desbarataram-se pequenas conspiratas e rebelou-se a guarnição do
couraçado São Paulo, recém-chegada da missão de boas-vindas ao príncipe Umberto di
Savoia em Salvador. Em outubro, Juarez Távora, Luís Carlos Prestes e João Alberto
rebelaram-se no Rio Grande do Sul, deixando o estado em abril do ano seguinte para
encontrar-se no Paraná com os comandados de Isidoro Dias Lopes, vindos de São
Paulo. Batidos por tropas legalistas, rumariam para Mato Grosso, Minas Gerais,
atingindo o Norte em novembro de 1925. Ainda que não chegasse às capitais – com
exceção de Teresina, a coluna despertou ansiedade, incentivando intentonas no Rio de
Janeiro, Recife e Aracaju. 394
Levantando suspeitas de articulação com os rebeldes, militava no Parlamento a
“esquerda”, uma minúscula, mas aguerrida, oposição, egressa em parte da Reação
Republicana. Na Câmara, era constituída, entre outros, por Batista Luzardo e Plínio
Casado, do Rio Grande do Sul e Adolfo Bergamini e Azevedo Lima, do Distrito
Federal. No Senado, destacavam-se Barbosa Lima, pernambucano e representante do
Amazonas; Lauro Sodré, do Pará e Antônio Moniz e Moniz Sodré, cujo chefe, J. J.
Seabra, encontrava-se em exílio na Europa à espera do término do mandato de
Bernardes para retornar ao Brasil. Na tribuna do Congresso Nacional ou na redação do
Correio da Manhã – ressurgido em maio de 1925 sob direção de Moniz Sodré,395 os
senadores baianos denunciaram supostas arbitrariedades do governo, inclusive maus
394
Sobre a situação no Piauí, ver: Carta de Felix Pacheco a Artur Bernardes. 23/11/1925 e Resposta da
bancada piauiense defendendo o governador Matias Olímpio das agressões do general João Gomes. AEL.
FAB. MR 17. Intentonas em Recife: O Jornal, 23/4/1925; telegrama de Gomide ao General Santa Cruz.
14/4/1925. AEL. FAB. MR 21; telegrama de Sérgio Loreto a Artur Bernardes. 15/4/1925. AEL. FAB.
MR 5. Inquietação em Salvador: telegrama de Góis Calmon a Miguel Calmon. 2/10/1925; maceió:
telegrama do coronel Trajano ao Ministro da Guerra. 9/9/1925. AEL. FAB. MR 21; Paraíba: consulado de
Recife, 10/2/1926. AEL. ADEB. MR 6; Rio de Janeiro: Gazeta de Notícias, 9/1/1925; 13/1/1925;
14/1/1925; 7/5/1925; 31/7/1925. O Jornal, 3/5/1925. Diário de Notícias, 6/5/1925; São Paulo: Consulado
de São Paulo, despacho nº 239 de 23/5/1925. AEL. ADEB. Tentativa de 2ª revolta em São Paulo, 1925.
AEL. FAB. MR 28.
395
Edmundo Bittencourt, antigo diretor, foi preso por ocasião do levante de julho de 1922. Mário
Rodrigues, seu substituto, foi condenado a um ano de prisão por difamações contra Epitácio Pessoa. Em
agosto de 1924, o jornal foi fechado sob acusação de imprimir folhetos revolucionários. LEAL, Caros
Eduardo. Verbete do Correio da Manhã. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro do CPDOC/FGV.
Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/. Acesso em: 30/3/2014.
144
tratos a presos políticos das ilhas ou embarcações ancoradas na Baía Guanabara e da
Clevelândia, cuja então recente conversão de colônia agrícola em correcional havia sido
patrocinada pelo ministro da Agricultura, Miguel Calmon. Como indica Carlo Romani,
a criação da colônia correcional fora uma tentativa de afastar os presos políticos da
capital federal e dos recursos ao Judiciário. 396 Fora na campanha da Reação
Republicana e nos anos difíceis do governo Bernardes que começou a duradoura relação
entre o órgão de imprensa e os quatrocentões Moniz da Bahia. O Correio da Manhã,
como já foi visto, alinhara-se politicamente a Rui Barbosa, morto em 1923. Agora,
dirigido por Moniz Sodré, beneficiava-se de suas imunidades parlamentares enquanto
consolidava a aliança com a outra ala da política da Bahia. Paulo Bittencourt, filho de
Edmundo Bittencourt, assumiria em julho a direção da folha, desposando, anos depois,
Niomar Moniz, colunista política e filha de Moniz Sodré.397 As denúncias citadas
integravam uma estratégia em que a oposição procurava atuar de modo unificado,
incluindo a defesa do voto secreto, anistia aos rebeldes e oposição à reforma da
Constituição.398
Houve momentos e lugares de calmaria, mas grassavam temores suficientes para
justificativas oficiais para extensões e prorrogações de estados de sítios para Bahia, São
Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Amazonas, Pará, Sergipe, Distrito Federal,
Mato Grosso, Paraná e Santa Catarina. 399 Em 15 de novembro de 1924 – sempre um dia
histórico para a República, os governadores lançaram manifesto convocando os
sediciosos a reintegrarem-se no regime da legalidade. Em tal expressão de apoio
político ao Catete, puseram os seus elementos de combate à disposição de Bernardes. 400
Com o suporte jurídico e político, executavam-se prisões, detenções e deportações de
suspeitos, além de restrições ao direito de reunião e de censura nos meios de
informação, já cerceados pela lei de Imprensa Adolfo Gordo (1923).401 Bernardes
monitorava cartas e telegramas de adversários ou aliados que tratassem de temas
396
A oposição era quem procurava tais recursos em defesa dos presos políticos. Após deixar o Ministério,
Miguel Calmon defendeu-se no Senado contra as acusações de responsabilidade nas mortes ocorridas na
Clevelândia. ROMANI, Carlo. Clevelândia, Oiapoque: cartografias e heterotopias na década de 1920.
Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas. Vol. 6, n. 3, p. 501-524. Sobre as
denúncias da oposição, ver Correio da Manhã, 21/5/1925; 22/5/1925; 27/5/1925; 9/6/1925.
397
Correio da Manhã, 29/5/1925 e 15/6/1951.
398
Gazeta de Notícias, 1/5/1925; O Jornal, 1/5/1925; 24/7/1925.
399
O estado de sítio para os estados citados foram prorrogados em abril para todo o ano de 1925. Diário
de Notícias, 23/4/1925.
400
Diário Oficial da União, 15/11/1924, p. 24252.
401
Guimarães Natal, ministro do STF, considerava a Lei de Imprensa uma violação à liberdade de
manifestação do pensamento contida na Constituição Federal. O Jornal, 7/1/1925.
145
delicados, como os rebeldes, a revisão constitucional e a sucessão presidencial. Segundo
o Times, de Londres, o serviço de espionagem no Brasil era “ativo” e “eficiente”,402
havendo agentes da polícia cariocas a investigar diariamente os passos de parlamentares
oposicionistas, inclusive Antônio Moniz e Moniz Sodré.403
402
Ver as seguintes interceptações: Telegrama de Paulo Gome ao General Santa Cruz. 14/4/1925. AEL.
FAB. MR 21; telegrama de Getúlio Vargas a Borges de Medeiros. 30/6/1925. AEL. FAB. MR 21.
telegrama de Getúlio Vargas a Borges de Medeiros. Sem data. MR5; telegrama de Ubaldino de Assis a
Melo Viana. Sem data. AEL FAB; carta de Paulo a Barbosa Lima. Agosto de 1925. AEL. FAB. MR 5.
Times. 15/12/1924. A matéria traduzida foi publicada em O Jornal, 10/01/1925.
403
Ver os documentos avulsos de investigação policial no microfilme nº 6 e nº 28 do Fundo Artur
Bernardes do Arquivo Edgard Leuenroth. Segundo Gazeta de Notícias, a 4ª Delegacia do Distrito Federal,
na qual serviam os agentes citados, encontrou em março de 1925 explosivos na residência de Barttlet
Gorge James, ex-deputado federal gaúcho e integrante da Reação Republicana. Gazeta de Notícias,
3/3/1925.
404
Sobre os choques econômicos e financeiros do primeiro pós-guerra, ver: FRITSCH, Winston. 1922: a
crise econômica.
405
VIDAL, Sampaio. Relatório do Ministério da Fazenda de 1923, p. XII-XIII apud FRITSCH, Winston.
1924. Pesquisa e Planejamento Econômico, p. 720.
146
interferiria no mercado financeiro para baratear o crédito, incentivando a rede bancária
privada a conceder empréstimos aos cafeicultores. Na prática, a tal intervenção viria
através de empréstimos ou – se necessário – de emissão. Os próprios títulos dos
armazéns poderiam ser empregados como lastro para a emissão em favor dos
produtores. Por sua vez, a dívida do Tesouro junto ao Banco do Brasil seria em parte
saudada com a entrega do ouro para a constituição do lastro. O órgão ainda seria
empregado para gerenciar a valorização e estabilização do câmbio em padrão-ouro,
meta prioritária de Artur Bernardes. 406
Música para os ouvidos do Nordeste, as obras da IFOCS não seriam paralisadas.
Encomendadas a empresas estrangeiras em época de baixa cambial, consumiram, no
triênio de Epitácio Pessoa, cerca de 30% das despesas do rico Ministério da Viação e
Obras Públicas e, no biênio 1921-22, 15% do orçamento total da União. O ex-presidente
da República, agora senador pela Paraíba, aprovara, um dia antes da posse de
Bernardes, o orçamento de oito grandes barragens e açudes em estados do Nordeste.407
Gastos públicos eram centrais para o desequilíbrio orçamentário e consequentemente
para a crise financeira, mas a plataforma concentrou esperanças em medidas com efeitos
de médio ou longo prazo, como investimento na produção exportável ou voltada para o
mercado interno. Para o curto prazo, advogou ações como o aperfeiçoamento do sistema
de arrecadação tributária e em especial reformas nos mecanismos de controle e
execução orçamentária. Como será visto, a busca por tais reformas seria usada por Artur
Bernardes para justificar alterações na Constituição de 1891. Na plataforma, a revisão
fora deixada em aberto para atrair as oposições da Bahia e do Rio Grande do Sul.408
Contudo, o avanço do quadriênio revelaria a fragilidade do arranjo. Com tais
compromissos, o Tesouro via-se impossibilitado de honrar as obrigações da dívida
flutuante, em grande parte concentrada no Banco do Brasil. Em decorrência, o governo
406
FRITSCH, Winston. 1924. Pesquisa e Planejamento Econômico, p. 720-722.
407
Só o Ministério da Fazenda possuía verba maior do que o da Viação e Obras Públicas. Chamara-se
Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas até 1906, quando foi reformado pelo titular, Miguel
Calmon. As empresas estrangeiras eram Dwight P. Robinson, C. H. Walker e Norton Griffiths. Os gastos
da IFOCS para o triênio Epitácio Pessoa estão em: RIO, Pires do. Relatório do Ministério da Viação e
Obras Públicas de 1922, p. 585. Disponível em: http://www.crl.edu. Acesso em: 1/3/2014. No sítio do
IBGE, há dados relativos aos gastos dos ministérios por ano para o mesmo período. Ver Despesa da
União por Ministério. Disponível em: http://www.ibge.gov.br. Acesso em: 1/3/2014. A referência aos
15% do total do orçamento da União encontra-se em LEVINE, Robert. A Velha Usina: Pernambuco na
federação brasileira, 1889-1937, p. 195.
408
BERNARDES, Artur da Silva. Plataforma de Candidato à Presidência da República. In BARBOSA,
Francisco de Assis. Idéias Políticas de Artur Bernardes. Senado Federal, Brasília; casa de Rui Barbosa,
Rio de Janeiro, 1984, p. 199, 204 e 205.
147
ficava limitado em sua capacidade de simultaneamente financiar a defesa do café e
gerenciar a valorização e estabilização cambial. Em 1923, o ministro da Viação e Obras
Públicas, Francisco Sá, anunciou cortes no orçamento da IFOCS. Privilegiando a
Paraíba e o Ceará, estados de Epitácio Pessoa e do sogro do ministro, teriam
continuidade as obras em fase de conclusão e quatro das nove barragens projetadas:
Orós e Poço dos Paus (Ceará), além de Pilões e Gargalheiras (Rio Grande do Norte).
Haveria mais gastos com a execução e manutenção de outras benfeitorias (açudes,
estradas de rodagem, ferrovias e portos), mas, desconsiderando a inflação, a verba do
ano, com a paralisação de vários trabalhos, reduziu-se a 30% da média gasta anualmente
na gestão de Epitácio Pessoa.409 Em 1924, Artur Bernardes extinguiu a caixa especial de
financiamento do IFOCS e retirou de sua administração portos e as ferrovias em tráfego
e construção no Nordeste. Ao invés de um enorme fundo de financiamento (composto
de empréstimos, percentagem da receita e taxas federais, como instituíra Epitácio
Pessoa), o órgão teria de sobreviver com verbas solicitadas pelo ministro da Viação ao
da Fazenda. 410
No começo de 1925, sob justificativa da obstrução da votação da lei de meios no
Senado, graças a manobra dos Moniz e de Barbosa Lima, Bernardes decretou a
suspensão das obras públicas de todos os ministérios para o ano, atingindo em cheio os
projetos contra as estiagens nordestinas. Por essa ocasião, exibia-se nos cinemas do Rio
de Janeiro O Nordeste Brasileiro, película encomendada pela IFOCS e que retratava os
costumes e as grandes obras de combate às secas do Ceará.411 Com o decreto, os jornais
governistas e oposicionistas discordavam se cabia ao governo ou à oposição a
responsabilidade pelo decreto de estagnação das obras do Nordeste.412 Em meio à
polêmica, Francisco Sá justificou o decreto pela manobra oposicionista de Barbosa
Lima e dos Moniz e condenou a ideia de se empregar, para a continuação das obras,
qualquer alternativa, em especial as emissões do Banco do Brasil. Tentou acalmar os
ânimos aduzindo à futura retomada dos trabalhos e à situação do operariado das frentes
409
SÁ, Francisco. Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas de 1923. Disponível em:
http://www.crl.edu. Acesso em: 1/3/2014.
410
Decreto nº 16.403, de 12 de março de 1924.
411
Ver a programação dos cinemas cariocas nos jornais publicados em janeiro de 1925, exemplo: O
Jornal, 14/1/1925. Dados obre a película podem ser encontrados no sítio da Cinemateca Brasileira.
Disponível em: http://www.cinemateca.gov.br/. Acesso em: 19/3/2014.
412
O vice-presidente do Senado, Antônio Azeredo, tentou esquivar-se da acusação de corresponsabilidade
no caso. Para a versão governista do episódio, ver Gazeta de Notícias, 2/1/1925; 8/1/1925; 9/1/1925;
17/101925. Para a versão oposicionista, ver: O Jornal, 8/1/1925, 10/1/1925, 11/1/1925; 13/1/1925;
13/1/1925.
148
de trabalho, para além daquela quadra de intranquilidade pública. 413 Entretanto, como
observou o historiador Robert Levine, não era por acaso que se assistiu então ao
aumento do bandoleirismo nos sertões, inclusive ao ascenso da violenta carreira de
Lampião, iniciada em 1923.414 De um modo ou de outro, a verba da IFOCS para 1925,
já congelada, equivaleria a 30% da de 1923. Em decorrência, os governos nortistas –
inclusive o da Bahia – assumiram as obras federais, o que sugere propensão a
reconhecer as dificuldades financeiras e de atenuar os seus efeitos.415
Em fevereiro, no entanto, Assis Chateaubriand, diretor de O Jornal, procurou o
conterrâneo Epitácio Pessoa para tratar de ameaça ainda mais séria: a autorização dada
pelo Congresso ao Executivo para alienar as instalações e o maquinário da IFOCS. Na
entrevista, o senador defendeu os aspectos políticos, econômicos e até humanitários das
realizações federais no Nordeste. Observou que a compra no exterior mais o transporte e
a instalação dos equipamentos haviam consumido a maior parte do capital já investido
pela inspetoria. Esclareceu como os detalhes da autorização da venda das máquinas
revelavam o intuito de impossibilitar o recomeço dos trabalhos em época futura e mais
favorável. Afinal, como seria possível retomar os trabalhos no Nordeste com o
desaparelhamento da IFOCS? A entrevista ecoou nos jornais e em rodas políticas,
dando lugar entre fevereiro e abril a debate aceso entre o senador, o inspetor federal da
IFOCS e Sampaio Correia, senador carioca e autor da emenda de autorização das
vendas.416
Paralelamente, São Paulo cedia terreno em face da política restritiva do Catete.
Em 1923, apoiou Bernardes na intervenção federal no Rio de Janeiro, um sacrifício para
conservar Arnolfo Azevedo, Sampaio Vidal e Cincinato Braga em seus respectivos
postos, salvando o esquema de defesa do café e a aliança com Minas Gerais. O governo
bandeirante havia declarado publicamente ser contrário a intervenções nos estados,
tanto a Bernardes quando às duas facções fluminenses em luta e que procuravam obter o
413
Gazeta de Notícias, 11/1/1925. Sobre o impacto dos investimentos em obras contra secas no mundo do
trabalho antes do triênio Epitácio Pessoa, ver: CASTRO, Lara de. Avalanches de Flagelados. Fortaleza:
DNOCS/BNB, 2010.
414
LEVINE, Robert. A Velha Usina: Pernambuco na federação brasileira, 1889-1937. Rio de Janeiro,
Paz e Terra, 1980, p. 195.
415
SÁ, Francisco. Relatório do Ministério de Viação e Obras Públicas de 1925. Disponível em:
http://www.crl.edu. Acesso em: 1/3/2014. Diário da Bahia, 22/1/1925; 28/1/1925 e 21/2/1925.
416
Ver as edições de fevereiro e março de O Jornal, em especial os dias: 12/2/1925, 14/2/1925 e
17/2/1925.
149
seu apoio.417 Em meio a acusações de que o aparelho regulador do mercado cafeeiro
contribuía para a baixa cambial e ao lado de resistência de outros estados no
Parlamento,418 os paulistas começaram a sentir as consequências políticas e econômicas
de recuos do Catete, entre eles a alteração do projeto do Instituto do Café, ocasionando
fortes divergências em seu próprio estado.419 Com a queda imediata dos preços,
entretanto, Bernardes reagiu com a execução (informal) do novo programa. 420 “Para
realização do programa econômico financeiro, nada de divergências com a política
federal, mas, sobretudo, nada de divergências na política paulista”, esclareceu
Washington Luís a Cincinato Braga no final de 1923. Com igualdade de forças e
unidos, calculou ele, “São Paulo e Minas podem realizar o programa necessário à
grandeza do Brasil. Dividido São Paulo, passará ele a ser o companheiro insignificante,
subordinado que se domina ou se despede”.421
Mas o esquema não sobreviveu às consequências, seja do insucesso na obtenção
de um empréstimo externo, seja das revoltas de 1924. Antes dos motins, o Banco do
Brasil mostrou-se incapaz de financiar o programa, em parte por causa da dívida vigente
do Tesouro Nacional. Bernardes procurou então um empréstimo em Londres para
consolidar o débito, como fez Seabra com o Banco Econômico da Bahia em 1923. Os
recursos liquidariam as obrigações federais e fortaleceriam o Banco do Brasil para a
defesa do café e a política de valorização-estabilização cambial. No começo do ano,
através da Missão Montagu, os ingleses estudaram in loco a situação econômica e
financeira do país e sugeriram, em trocas da liberação dos recursos, alterações na
política econômico-financeira do Catete. Entre as sugestões, destacam-se o abandono da
política de defesa do café e maior controle sobre a elaboração e execução orçamentárias,
além de restrições sobre as dívidas externas de estados e municípios. O governo aceitou
muitas sugestões, reveladoras da diversidade de interesses entre os estados aliados, mas
417
Minuta de carta de Washington Luís a Arnolfo Azevedo. 8/1/1923. APESP. AWL. Caixa 188. Pasta 1;
minuta de carta de Washington Luís a Carlos de Campos. 10/1/1923. APESP. AWL. Caixa 241. Pasta 1;
minuta de carta de Washington Luís a Arnolfo Azevedo. 17/4/1923. APESP. AWL. Caixa 188. Pasta 1;
418
Carta de Sampaio Vidal a Washington Luís. 27/8/1923. APESP. Caixa 258. Pasta 2.
419
Carta de Sampaio Vidal a Washington Luís. 13/7/1923. APESP. AWL. Caixa 201. Pasta 1; telegrama
de Cincinato Braga a Washington Luís. 28/12/1923; cópia de Telegrama de Washington Luís a Sampaio
Vidal. 29/12/1923. APESP. AWL. Caixa 201. Pasta 1.
420
Telegrama da Associação Comercial do Estado de Santos a Sampaio Vidal. 21/6/1923. APESP. AWL.
Caixa 194. Pasta 2; telegrama da Associação Comercial de Santos a Artur Bernardes. APESP. AWL.
21/6/1923. Caixa 194. Pasta 2.
421
Minuta de Telegrama de Washington Luís a Cincinato Braga. 4/11/1923. APESP. AWL. Caixa 232.
Pasta 1. Ver também: carta de Cincinato Braga a Washington Luís. 25/10/1923. APESP. Caixa 232. Pasta
1.
150
as negociações foram suspensas devido à proibição inglesa de lançamento de títulos
estrangeiros em Londres.422 Pouco tempo depois, em consequência das revoltas, o
Banco do Brasil emitiu em grande quantidade para cobrir os gastos com a restauração e
manutenção da ordem pública e socorrer os bancos particulares, prejudicados pelo
bloqueio das operações com São Paulo. Bernardes adotou então a política deflacionista
preconizada por um grupo de parlamentares em que se destacavam Aníbal Freire,
deputado por Pernambuco, e Antônio Carlos, deputado e líder de Minas Gerais. Em fins
do ano, transferiu a responsabilidade pela política de defesa do café para o estado de
São Paulo. Com isso, desvinculava o governo federal e o Banco do Brasil do esquema
de valorização, como solicitou a Missão Montagu. Sampaio Vidal e Cincinato Braga
foram exonerados do Ministério da Fazenda e do Banco do Brasil. O primeiro foi
substituído por Aníbal Freire e o segundo pelo gaúcho James Darcy. 423
422
FRITSCH, Winston. Apogeu e crise na Primeira República: 1900-1930, p. 53-54.
423
FRITSCH, Winston. Apogeu e crise na Primeira República: 1900-1930, p. 55. Ver também: O Jornal,
1/1/1925.
151
das posições com os quadros de Frederico Costa. Portanto, os Calmon seriam obrigados
a organizar-se em subcorrente.
Como lembrou João Mangabeira a Góis Calmon, tal discordância impedia a
criação de um partido oficial, o que perpetuava a tensão e a imprevisibilidade como
traços da política baiana.424 Mesmo depois de 1924, a cada eleição, nem sempre era
fácil saber com a devida antecedência a quem caberia os cargos em questão, dando
margem a surdas suspeitas e temores. Quando em disputa, cada ator era levado a mover
recursos contra os rivais e isso explica as acusações mútuas de desmandos e
deslealdade, além das intromissões de Bernardes. Na Bahia e no Rio de Janeiro, os
atritos ameaçavam enfraquecer a autoridade estadual ou ofereciam oportunidades para
adversários avançarem interesses contra o situacionismo estadual. A rixa entre os
Calmon e a CRB, ainda que de bastidor, prejudicava a articulação entre Salvador e Rio
de Janeiro.
Na virada de 1924 para 1925, começaram as articulações para a escolha dos
candidatos à Assembleia Legislativa. As eleições seriam as primeiras do gênero depois
da queda de Seabra e por isso consistiam em oportunidade estratégicas para a
consolidação de posições das forças do novo situacionismo. 425 Como visto acima, os
concentristas pleiteavam metade das cadeiras e a presidência do Senado. Ocorreram os
inevitáveis atritos, Góis Calmon tentou excluir da chapa oficial alguns nomes indicados
pela CRB e, em réplica, Otávio Mangabeira instruiu Simões Filho a obstá-lo com a
ameaça de cisão.426 No final, prevaleceu certo equilíbrio, pois a Câmara foi divida em
três partes e o Senado em dois, com Frederico Costa mantendo a presidência da
Assembleia Legislativa. Absorvendo ex-seabristas na Câmara, os Calmon ficaram com
19 cadeira, a CRB com 14 e Frederico Costa, 9. No Senado, a primeira e a segunda
correntes ficaram cada qual com 3 nomes, enquanto, como ex-seabrista, só entrou 1,
Frederico Costa. Da corrente dos Calmon saiu o líder do governo no Senado (Vital
Soares) e a presidência da Câmara (Celso Spínola); a CRB apontou o líder do governo
na Câmara (Salomão Dantas). Portanto, nessa primeira rodada, os Calmon firmaram a
posição de líderes da política da Bahia. 427 Após a composição da chapa, a CRB
424
Minuta de Telegrama de João Mangabeira a Góis Calmon. 28/12/1926. FPC/CMB. AOM. 4799 e 951.
425
Minuta de Carta de Otávio Mangabeira a Artur Bernardes. ?/11/1924. FPC/CMB. AOM. 1970.
426
Minuta de Telegrama de Otávio Mangabeira a Simões Filho. 1925. FPC/CMB. AOM. 11.
427
Diário da Bahia, 12/1/1925; carta de Francisco Rocha a Góis Calmon. 24/9/1924. FPC/APEB.
AFMGC. Pasta 8. A Tarde, 6/4/1925.
152
manifestou publicamente em Salvador e no Rio de Janeiro o regozijo pelo acerto no
critério empregado por Góis Calmon para a composição da chapa. 428 “A chapa estadual
concretiza a política de concórdia em torno dos governos do estado e da República por
que tanto nos batemos”, declarou Otávio Mangabeira a Virgílio de Lemos. 429
Paralelamente, as correntes começaram as tratativas para a recriação do Partido
Republicano da Bahia a fim de habilitar o estado para uma atuação mais decisiva nas
démarches para a escolha do sucessor de Artur Bernardes. Entretanto, não houve
avanço.430
Assim, ao lado das brigas e ameaças de cisões, havia também a ansiedade por um
novo partido. Além disso, os baianos cuidavam de acautelar a ruptura ou ao menos
disfarçar os desentendimentos domésticos, para evitar explorações de rivais ou
adversários da Bahia, sobretudo no Rio de Janeiro. Por exemplo, no primeiro semestre
de 1925, os deputados federais da CRB pouco chegados aos Calmon iniciaram
movimento para indicar Mangabeira para a liderança da Bahia na Câmara, em vaga
aberta com a morte de Virgílio Lemos. Dada a origem do movimento e considerando
que esse era um cargo cuja indicação cabia ao governador e não à bancada, trata-se de
um gesto de indisciplina contra Góis Calmon. Entretanto, em carta ao governador,
Mangabeira demonstrou respeitosamente o intuito de retirar de sua escolha o caráter de
uma ofensa, indicando que só aceitaria o cargo caso o destinatária a aprovasse.431 E de
fato, o governador atendeu à solicitação e referendou o seu nome. 432 Logo depois, Pedro
Lago e os deputados federais baianos reuniram-se na casa de Miguel Calmon para
oficializar a escolha e enviar a aguardada mensagem de congratulação e solidariedade
ao governo da Bahia. 433 Em outro episódio, que em junho tomou os jornais no Rio e
Salvador, Antônio Moniz e Moniz Sodré denunciaram no Senado irregularidades na
execução do contrato entre o Tesouro e o Banco Econômico da Bahia. Em resposta,
Góis Calmon lançou o repto: os cofres públicos seriam analisados por peritos; havendo
irregularidades, ele renunciaria; não havendo, Antônio Moniz renunciaria ao Senado.
Sob comando de Pedro Lago, a delegação baiana cerrou fileiras em torno do governo da
Bahia. Esse e outros episódios foram úteis para estreitar a coesão na bancada federal
428
Diário da Bahia, 17/1/1925. O Jornal ironizou as publicações, ver: O Jornal, 17/1/1925.
429
Telegrama de Otávio Mangabeira a Virgílio de Lemos. 1925. FPC/CMB. AOM. 4532.
430
A Tarde, 29/4/1925.
431
Minuta de Telegrama de Otávio Mangabeira a Góis Calmon. 1926. FPC/CMB. AOM. 1646.
432
Telegrama de Simões Filho a Otávio Mangabeira. 6/5/1925. FPC/CMB. AOM. 1364.
433
A Tarde, 7/5/1925 e 9/5/1925.
153
situacionista e entre essa e os Calmon. 434 Por ocasião das negociações no Rio de Janeiro
para a escolha do sucessor de Artur Bernardes, Otávio Mangabeira e a CRB já atuavam
sob a chefia de Miguel Calmon.
434
Moniz fez suas declarações no Correio da Manhã depois no Senado. Correio da Manhã, 10/6/1925; A
Tarde, 25/6/1925.
435
Winston Fritsch, Cláudia Viscardi e os documentos aqui analisados deixam isso patente. VISCARDI,
Cláudia. O teatro das oligarquias, p. 41.
436
LOVE, Joseph. A Locomotiva: São Paulo na federação brasileira 1889-1937. Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1982, p.
437
Carta de Arnolfo Azevedo a Washington Luís. 20/1/1925. APESP. AWL. Caixa 188. Pasta 1; carta de
Carlos de Campos a Washington Luís. 21/2/1925. APESP. Caixa 241. Pasta 1; carta de Arnolfo Azevedo
a Carlos de Campos. 8/3/1925. APESP. AWL. Caixa 188. Pasta 1. A carta de apoio de Carlos de Campos
154
Ao mesmo tempo, São Paulo preparou-se para a eventualidade de precisar arrostar
o Catete nas eleições de 1926. Carlos de Campos declarou em reunião do PRP que o
estado só poderia ter um candidato, Washington Luís (então na Europa). Com a missão
de obter adesões àquela candidatura, Lacerda Franco, senador, receberia a chefia da
representação paulista no Rio de Janeiro. Além disso, haveria trabalho para superar a
divisão existente na política estadual, através da reintegração dos “coligados” ao PRP.
Chefiados pelo ex-governador Altino Arantes e o capitalista Olavo Egídio de Souza
Aranha, os “coligados” haviam rompido com Washington Luís por altura da sucessão
estadual de 1923.438 Ao preço de tal cisão – que incluía a tradicional família Rodrigues
Alves, o governador impusera a candidatura Carlos de Campos, encarada como garantia
de conservação do pacto político e financeiro entre São Paulo e o Catete. 439 Por sua vez,
Lacerda Franco estava descontente por seu afastamento inopinado da presidência do
partido e pela atuação do presidente interino, Dino Bueno. A indicação para a chefia da
representação paulista atenuaria tal descontentamento e contrastaria a autoridade de
Herculano de Freitas, líder de São Paulo na Câmara dos Deputados e colaborador de
Bernardes no afastamento de Sampaio Vidal e Cincinato Braga. 440 Trava-se de um
esforço para superar divisões e atritos que envolviam a cúpula do PRP, isto é, a
comissão diretora, Carlos de Campos, Arnolfo Azevedo, Herculano de Freitas e o
presidente do partido, Washington Luís.441
Como soava de ocorrer na I República, as dificuldades assim vinham por ocasião
das eleições – no caso, da câmara e do senado de São Paulo. Antes, em fevereiro, uma
nota do PRP anunciara a reintegração de Altino Arantes e Olavo Egídio, enviando
mensagem de solidariedade a Bernardes. 442 Entretanto, nesse mês, simples mal-
entendido em torno da demissão voluntária de Washington Luís da presidência do
partido levantou suspeitas de Carlos de Campos e Lacerda Franco em relação a Arnolfo
Azevedo.443 Ideia de Azevedo, a renúncia possibilitaria a transferências do cargo a
a Sampaio Vidal e Cincinato Braga foi publicada em Gazeta de Notícias, 2/1/1925. Embaixada do Rio de
Janeiro, despacho nº 2330 de 7/1/1925. AEL. ADEB.
438
LOVE, Joseph. A Locomotiva: São Paulo na federação brasileira 1889-1937, p. 162.
439
Carta de T. M. a Washington Luís. 25/1/1923. APESP. AWL. Caixa 232. Pasta 3; carta de Arnolfo
Azevedo a Washington Luís. 18/10/1923. APESP. Caixa 188. Pasta 1; minuta de Telegrama de Júlio
Mesquita a Washington Luís. 15/11/1923. APESP. AWL. Caixa 198. Pasta 1.
440
Carta de Arnolfo Azevedo a Washington Luís. 20/1/1925. APESP. AWL. Caixa 188. Pasta 1;
441
Carta de Cardoso a Washington Luís. 25/1/1925. APESP. AWL. Pasta 190. Caixa 1.
442
Diário da Bahia, 17/2/1925; O Jornal, 3/3/1925; Gazeta de Notícias, 27/2/1925
443
Carta de Carlos de Campos a Washington Luís. 21/2/1925. APESP. Caixa 241. Pasta 1; carta de
Arnolfo Azevedo a Washington Luís. 15/3/1925. APESP. AWL. Caixa 188. Pasta 1.
155
Lacerda Franco e tornaria mais discreto o afastamento de Herculano de Freitas da chefia
da delegação paulista no Rio de Janeiro. Da Europa, Washington Luís, ao aceita-la e
demitir-se antes da devida combinação com os demais próceres, provocou, no estado e
na capital federal, mal-estar e a crença de que discordava da reintegração dos coligados
no PRP. No mês seguinte, exigências feitas pelos coligados por ocasião das negociações
para a composição da chapa irritaram gravemente Carlos de Campos. 444 Diante da
tentativa de atendê-los e de uma série de intrigas, Arnoldo Azevedo ameaçou romper
publicamente com o governador e o PRP, renunciando à presidência da Câmara dos
Deputados. Recuou graças aos conselhos de amigos e do próprio Washington Luís. 445
444
Carta de Plínio Godoy a Arnolfo Azevedo. 4/4/1925. APESP. AWL. Caixa 188. Pasta 1.
445
Carta de Plínio Godoy a Arnolfo Azevedo. 4/4/1925. APESP. AWL. Caixa 188. Pasta 1; carta de
Arnolfo Azevedo a Carlos de Campos. 8/3/1925. APESP. AWL. Caixa 188. Pasta 1; carta de Arnolfo
Azevedo a Carlos de Campos. 3/4/1925. APESP. AWL. Caixa 188. Pasta 1; carta de Arnolfo Azevedo a
Washington Luís. 4/4/1925. APESP. AWL. Caixa 188. Pasta 1; carta de Arnolfo Azevedo a Washington
Luís. 5/4/1925. APESP. Caixa 188. Pasta 1; carta de Arnolfo Azevedo a Washington Luís. 13/4/1925.
APESP. Caixa 188. Pasta 1; carta de Washington Luís a Arnolfo Azevedo. 6/5/1925. APESP. AWL.
Caixa 188. Pasta 1.
446
Sobre o conceito de Rui Barbosa cerca do habeas corpus, ver Beatriz Nazareth. História das ideias
jurídicas no Brasil: O dispositivo do habeas corpus (1891-1926). Niterói, UFF, 2009 (Ciências Jurídicas
e Sociais, dissertação de mestrado). Sobre o pedido de habeas corpus por parte de prostitutas do Rio de
Janeiro, ver: PEREIRA, Cristina Schettini, “Que Tenhas teu Corpo”. Um História Social da Prostituição
no Rio de Janeiro das Primeiras Décadas Republicanas. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2007.
156
a dotar o governo de recursos legais para em casos de emergência debelar a carestia de
vida e expulsar forasteiros envolvidos em protestos ou revoltas. 447
Bernardes evitou tratar ou detalhar certos aspectos da reforma por ele almejada.
Entrevistado por O Paiz, justificou só os pedidos para a proibição das “caudas
orçamentárias” e a permissão do veto parcial – os mais aceitáveis. Caudas
orçamentárias eram gastos paralelos introduzidos pelos parlamentares na lei de
orçamento enviada pelo Catete. Com a proibição, os parlamentares não poderiam mais
inserir na lei de orçamento dispositivo estranho ao projeto enviado pelo Executivo. Com
a aprovação, o governo teria a faculdade de vetar uma ou outra prescrição de projetos
aprovados no Congresso Nacional. Inclusive, uma das coisas que poderiam ser barradas
eram as caudas orçamentárias. Finalmente, Bernardes explicou a conveniência de
proibir a aprovação de leis ordinárias que implicassem na criação de despesas sem
designar receita. Essas medidas convergiriam decisivamente para aumentar o crédito do
país no exterior ao dar aos credores a certeza da continuidade administrativa em matéria
de finanças. Aliás, a mensagem do presidente atendia em pontos capitais às sugestões
do relatório Montagu.448
Em 1925, em outra entrevista a O Paiz, Bernardes encontrou um ambiente mais
propício para tratar diretamente dos tópicos políticos. Falou exclusivamente das revoltas
e dos dois anos anteriores e concluiu apelando para a revisão como meio de fortalecer o
poder público naquele cenário de intranquilidade. 449 Na leitura da mensagem ao
Congresso Nacional, apresentou a reforma como alternativa ao emprego do estado de
sítio para a manutenção da ordem. Tratou dos mesmos assuntos mencionados acima,
embora mais clara e detalhadamente. Por exemplo, classificou a autonomia dos estados
como excessiva e prejudicial às finanças da União. Condenou o excesso de direitos
individuais, considerando-os entraves à marcha do governo em defesa da ordem.
Chegou a acenar tanto com a pena de morte quanto com o ensino religioso, o que
reanimou os padroeiros do reatamento entre Igreja e Estado.450 Em carta a Monteiro
Lobato, escrita após o motim de São Paulo, revelou o desejo de reintroduzir o voto
447
BERNARDES, Artur. Mensagem ao Congresso Nacional de 1924. Disponível em: http://www.crl.edu.
Acesso em: 1/3/2014.
448
A Tarde, 15/5/1924; O Paiz, 24/6/1924.
449
O Paiz, abril de 1925. Publicada em Jornal do Commercio, 28/6/1925 e BARBOSA, Francisco de
Assis. Idéias Políticas de Artur Bernardes.
450
BERNARDES, Artur. Mensagem ao Congresso Nacional de 1925. Disponível em: http://www.crl.edu.
Acesso em: 1/3/2014.
157
censitário no Brasil. Como revelou a Azevedo, planejava abrir caminho para reformas
mais radicais pela quebra do encanto da Carta Magna. 451
Ciosas de seus direitos, as elites política e jurídica suspeitavam de Bernardes.
Antes de se tornar govenador na Bahia, Góis Calmon declarou em entrevista não poder
opinar sobre a revisão em face da ditadura vigente no Brasil. Epitácio Pessoa apontou a
inconveniência de tal inciativa sob vigência do estado de sítio e consequente
cerceamento das liberdades, pois a revisão exigia debate amplo, direito à expressão e à
realização de reuniões públicas. A opinião de que não era conveniente a realização da
reforma naquela conjuntura de exceção e instabilidade disfarçava o cuidado de
conservar prerrogativas inscritas no ordenamento vigente no federalismo republicano.
Isso fica cristalino na opinião de Guimarães Nata, ministro do STF. Revisionista como
Epitácio Pessoa, acreditava que a ocasião era inoportuna, pois as precauções contra os
revoltosos poderiam resultar em transigências do Legislativo com o Executivo na
limitação de direitos e da esfera do Judiciário. 452
Exemplo semelhante vinha de São Paulo. Em 1923, Arnolfo Azevedo resistiu ao
intuito de Bernardes de alterar a Constituição para criar tribunais de segunda instância e
reduzir o prazo de funcionamento do Parlamento.453 Em 1924, horrorizou-se ao ver a
primeira versão do projeto, elaborada em sigilo por Herculano de Freitas e Artur
Bernardes.454 Enviando-a reservadamente a Washington Luís, criticou as emendas,
vistas como uma destruição da estrutura jurídica que garantira a riqueza de São Paulo,
embora reconhecesse sua contribuição para a ruína financeira de outras unidades da
federação.455 Após tomar conhecimento da opinião desfavorável de Washington Luís,
Bernardes expôs em carta os argumentos da mensagem e das entrevistas de O Paiz.
Entretanto, Washington Luís só alegou ser inoportuna a revisão, em face do
reaparecimento da questão militar e da crise financeira. Para ele, a reforma traria mais
perturbações, pois dividiria o país, colocando os indivíduos em campos distintos, de
acordo com suas ideias acerca das emendas à Constituição. Como, no Brasil, não havia
451
Minuta de Carta de Artur Bernardes a Monteiro Lobado. 6/9/1924. AEL. FAB. MR 20.
452
Telegrama de Simões Filho a Otávio Mangabeira. 10/10/1923. AOM. 1347; telegrama de remetente
desconhecido ao jornal Diário (Porto Alegre). 23/5/1925. AEL. FAB. MR 6; A Tarde, 16/5/1925. A
opinião de Guimarães Natal pode ser encontrada na série de artigos públicos em O Jornal, 7/1/1925;
7/1/1925; 31/1/1925; 19/2/1925; 2/4/1925; 19/6/1925. Fez parte da campanha do jornal contra Bernardes
a divulgação de opiniões semelhantes a essas, tanto de políticos como de jurídicos.
453
Carta de Arnolfo Azevedo a Washington Luís. 28/1/1923. APESP. AWL. Caixa 188. Pasta 1.
454
Carta de Arnolfo Azevedo a Washington Luís. 6/6/1924. Caixa 188. Pasta 1.
455
Carta de Arnolfo Azevedo a Washington Luís. 8/6/1924. APESP. AWL. Caixa 188. Pasta 1.
158
partidos políticos organizados em torno de ideias ou eficientes para disciplinar o
eleitorado, além da divisão – já muito inconveniente –, os indivíduos frustrados pela
reforma engrossariam a fileira da oposição, criando mais agitações contra a Presidência.
“Depois”, alertou, “uma revisão em estado de sítio é quase um golpe de Estado”.456 Em
nova carta, entretanto, Artur Bernardes reafirmou o seus planos, mostrando-se
“profundamente convencido de que qualquer revisão constitucional que se projete para
o futuro poderá vir tarde demais para evitar grandes desgraças ao nosso país”.457
Em 1924, o presidente planejou organizar no Rio de Janeiro uma convenção de
governadores para articular apoios à reforma. 458 As revoltas impossibilitaram-no, ao
mesmo tempo em que arraigaram a certeza da conveniência e da urgência das emendas.
Essa certeza é atestada pela maior liberdade para detalhar os tópicos polêmicos na
mensagem e em entrevista de 1925. Começava então o penúltimo ano do seu mandato,
o país ainda não estava completamente pacificado e cedo começariam as demarques
para a escolha do candidato oficial às eleições presidenciais de 1926. Caso houvesse
disputa, como ocorreu em 1921-22, havia chances de o problema agravar o delicado
quadro nacional e prejudicar a aprovação das emendas à Constituição. Caso não
houvesse, a escolha do sucessor enfraqueceria a autoridade de Bernardes, em especial se
ele fosse, em matéria constitucional, conservador – como Washington Luís.
Para garantir a revisão, Bernardes valeu-se de recursos legais e enorme poder
recebido dos aliados. Além do estado de sítio, empregado para evitar agitações graves,
recebera para solucionar o problema sucessório a delegação de poderes de Bahia,
Pernambuco, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e Pará. Como
indicou Viscardi, as oligarquias regionais eram contrárias à monopolização da escolha
do candidato oficial pelo Catete. O presidente participava das negociações entre as elites
estaduais para a escolha do candidato e ao final legitimava-o, tendo, assim, o poder de
veto – mas não o de escolher sozinho o candidato.459 Com Bernardes, houve uma
situação muito peculiar: o direito do presidente de escolher o sucessor foi não só aceita,
mas também a garantia de que não ocorreria em 1925-26 o drama de 1921-22. De certa
forma, houve uma inversão de papéis: o presidente escolheria o nome e os estados o
456
Minuta de carta de Washington Luís a Artur Bernardes. 10/10/1924. APESP. AWL. Caixa 201. Pasta
3.
457
Carta de Artur Bernardes a Washington Luís. 15/10/1924. APESP. AWL. Caixa 201. Pasta 2.
458
A Tarde, 18/6/1924.
459
Ver em especial o capítulo de O Teatro das Oligarquias sobre a sucessão de Rodrigues Alves.
159
legitimariam. Para Otávio Mangabeira, trava-se de um aspecto “agradável” do problema
sucessório. “Um presidente, que tem sofrido tanto, e que, ao serviço da ordem, o que
equivale a dizer das instituições e da Pátria, soube arrastar os ódios e o perigo,
resignado e heroico”, avaliou o baiano, “merece que se lhe dê autoridade para influir, do
modo mais direto, na escolha de seu sucessor”. Como notaria mais tarde José Maria
Belo, pernambucano e correspondente especial da folha soteropolitana A Tarde,
Bernardes era, para a elite política que o cercava, menos uma criatura humana do que o
símbolo da ordem civil – imagem igualmente empregada por Cristiano Machado. 460 O
presidente, entretanto, usou tais poderes para aplainar as resistências de aliados e
oposicionistas à reforma da Constituição. No começo de 1925, comunicou-lhes que o
problema da sucessão só seria solucionado após o encaminhamento do projeto
revisionista ao Congresso. Em carta a Washington Luís, pediu-lhe que não voltasse da
Europa no período essencialmente política em que entrava o Brasil. O ex-governador
atendeu-o.461
Após elaborar o anteprojeto com Herculano de Freitas, Bernardes convocou em
junho reuniões entre senadores e líderes das bancadas aliadas para discuti-lo no palácio
do Catete. O objetivo era chegar a um acordo com os aliados para blindar a tramitação
das emendas contra as resistências da opinião pública e dos parlamentares
oposicionistas, além da má vontade de coligados recalcitrantes.462 Assim, o projeto já
entraria na Câmara e no Senado com a garantia de apoio de membros da maioria.
Constituiu-se então a Comissão Parlamentar dos 21, integrada pelos líderes das
bancadas dos estados e presidida por Herculano de Freitas e Augusto Viana do Castelo,
líder de Minas Gerais.463
Para fortalecer a Presidência, o anteprojeto restringia liberdades públicas e
subtraía poderes e prerrogativas de estados, Parlamento e STF. Regulamentava e
alargava consideravelmente os casos de intervenção federal. 464 Qualquer poder público
estadual ou municipal poderia solicitá-la para assegurar o livre exercício de suas
prerrogativas. Daria lugar a intervenções a violação de princípios constitucionais da
União, não definidos na Constituição de 1891, mas agora desdobrados em mais de dez
460
Carta de Otávio Mangabeira a Carneiro Rezende. 27/7/1925. FPC/CMB. AOM. 4797; A Tarde,
24/8/1925 e 5/10/1926. Carta de Cristiano Machado a Artur Bernardes. 5/6/1925. AEL. FAB. MR 23.
461
Carta de Artur Bernardes a Washington Luís. 30/1/1925. APESP. AWL. Caixa 201. Pasta 1.
462
O Jornal, 27/6/1925.
463
Correio da Manhã, 27/6/1925.
464
O Jornal, 7/7/1925.
160
alíneas, entre elas a proibição da reeleição de governador. O governo federal poderia
intervir contra estados que não pagassem por mais de dois anos os seus débitos. Com
isso, atendia-se a uma das reivindicações da Missão Montagu e regularizava-se o tipo de
intervenção que Rui Barbosa e a CRB tentaram sem sucesso contra Seabra, na virada de
1922 a 1923.465 Pela primeira vez, haveria os seguintes casos em que o governo poderia
intervir sem requisição dos outros poderes: insolvência financeira, para assegurar a
integridade nacional e repelir invasão estrangeira ou de um estado sobre outro. Ao passo
que quebrava privilégios fiscais dos estados, transferia-lhes parte da autonomia dos
municípios. 466
Proibia as caudas orçamentárias. E mais: sempre que os parlamentares não
votassem dentro do prazo a lei de meios ou a fixação dos efetivos militares, prorrogar-
se-iam o orçamento e a fixação vigentes. Além disso, conforme solicitado na Mensagem
ao Congresso, seriam proibidas as leis ordinárias que criassem despesa extra eram
obrigadas a indicar a fonte para a receita. O presidente solicitou a introdução do veto
parcial, com o qual teria a faculdade de recusar parte dos dispositivos de projetos de lei
aprovados pelo Parlamento. Sem ele, como visto, os parlamentares poderiam introduzir
paralelamente preceitos de seu interesse em leis cuja aprovação era necessária ao
Catete. A um só tempo, tais medidas limitavam o poder de barganha dos parlamentares
e eliminavam algumas casas do desequilíbrio orçamentário, fator importante da crise
vigente e que restringia os movimentos do Executivo.467 Bernardes ainda solicitava a
diminuição do prazo de funcionamento do Congresso. Considerando-o propício a
agitações políticas, pensara em proibir o direito de prorrogar sessões após os quatro
meses previstos na Constituição. Recuou, no entanto, contentando-se em inserir no
anteprojeto restringir a prerrogativa de cinco para dois meses. Portanto, o presidente
governaria por seis meses e meio sem o assédio dos deputados e senadores.468
Envolvido na sucessão presidencial (1921-22) e no desenrolar dos casos estaduais
(1923), o Judiciário teria limitado o poder de intervenção no processo eleitoral e em
casos de intervenção federal. Em casos de eleições federais e estaduais, seria proibido
de receber recursos contra verificação de atas, reconhecimento, posse e legitimidade de
465
Gazeta de Notícias, 28/6/1925. Emendas número 1, 2, 3, 4, 48, 50.
466
Gazeta de Notícias, 28/6/1925. Emendas número 5 e 50.
467
BERNARDES, Artur. Mensagem ao Congresso Nacional de 1924. Disponível em: Disponível em:
http://www.crl.edu. Acesso em: 1/3/2014.
468
Gazeta de Notícias, 28/6/1925. Emendas número 6, 10, 14, 17, 25, 29, 30, 31.
161
perda de mandato. Em intervenções, só poderia atuar para solicitar tal medida para o
cumprimento de leis ou sentenças federais. Com exceção desse caso, casos de
intervenção federal ou eleições estaduais e nacionais seriam resolvidos exclusivamente
entre o Executivo e o Legislativo. Conforme Bernardes pediu na mensagem, seriam
criados tribunais regionais de segunda instância, desafogando ou talvez subtraindo
privilégios do STF. Ao limitar o Supremo, o anteprojeto entrou a cercear mais
decisivamente as liberdades públicas, em especial de estrangeiros ou brasileiros
naturalizados. O habeas corpus seria limitado aos casos de prisão e restrição ao direito
de locomoção causadas por ato ilegal. O STF ou qualquer outro tribunal não poderia
receber recursos contra decretação de estado de sítio ou tomar conhecimento dos atos do
Executivo e do Legislativo durante sua vigência. 469
Foram esses tópicos do anteprojeto que consternaram Arnolfo Azevedo. O projeto
encontrou resistência e ganhou uma versão mais tênue após encontros no palácio do
Catete.470 Ao contrário do desejo Bernardes, o deputado Otávio Mangabeira,
expressando aspiração dos próprios parlamentares governistas, recusou-se a aceitar que
a assinatura para a apresentação do anteprojeto na Câmara dos Deputados
correspondesse à aceitação de todas as emendas nele contidas. Os próprios aliados
resguardavam o direito de em plenário combaterem emendas com as quais não
concordassem. 471 Após a apresentação na Casa, o projeto recebeu propostas de emendas
de muitos aliados e oposicionistas, parte das quais alterando seu espírito ou
comprometendo sua aprovação. O Correio da Manhã informou ter sido aos gritos que
Herculano de Freitas, em reunião sigilosa em sua casa, tentou convencer a Comissão
dos 21 da impossibilidade de se aceitar as novas emendas. Entretanto, bem mais
tumultuada foi a sessão da Câmara dos Deputados em que foi denunciada a ilegalidade
da reunião da comissão numa residência particular. No entanto, essas e outras
dificuldades manifestavam a agitação do ambiente pelas especulações ao redor da
escolha do sucessor de Bernardes. 472
Desde o começo de 1925, órgãos de oposição na capital federal e nos estados
exploravam as contradições do quadro político. O Jornal, o mais ativo, publicou
469
Carta de Arnolfo Azevedo a Washington Luís. 28/1/1923. APESP. AWL. Caixa 188. Pasta 1. Gazeta
de Notícias, 28/6/1925. Emendas número 40, 49, 56 e 68.
470
Gazeta de Notícias, 28/7/1925 e 29/7/1925.
471
Correio da Manhã, 23/7/1925.
472
Correio da Manhã, 20/8/1925.
162
material sobre a alteração da política financeira e suas duas principais consequências:
cortes no programa de combate às secas e transferência da defesa do café para o estado
de São Paulo. Os debates em torno do assunto foram por meses alimentados pela
publicação de entrevista ou textos de Sampaio Vidal, Cincinato Braga, Epitácio Pessoa,
Arrojado Lisboa e Sampaio Correia. 473 Posteriormente, Assis Chateaubriand enviou
notas de São Paulo caracterizando a crise de numerários ali provocada pelo bloqueio
dos redescontos no Banco do Brasil. 474 Foram publicados trechos e polêmicas de Pela
Verdade, memórias de Epitácio Pessoal, não por acaso lançadas no começo 1925. O
livro trazia uma versão própria do seu governo e sucessão, desagradando os chefes de
Minas Gerais. 475 “A pedidos” produzidos na própria redação levantavam as
candidaturas de Washington Luís, Melo Viana (governador mineiro), Epitácio Pessoa,
Borges de Medeiros e membros do Ministério, inclusive Miguel Calmon.476 Consciente
de que Bernardes recebera delegação de poderes dos estados e resistia à discussão do
problema sucessório, a imprensa questionava a prática da escolha do presidente sem
maiores consultas a ninguém e lamentava a inexistência de partidos políticos criados em
torno de ideias. 477
Presente na campanha da Reação Republicana, tal crítica espelhava a
incapacidade dos partidos republicanos estaduais de representarem os anseios ou
canalizar as massas em emergência na política do Brasil. Por isso, Washington Luís
acreditava nos riscos inerentes à abertura do debate da reforma da Constituição. A
bandeira mais levantada por O Jornal era a pacificação, indicativo de anistia aos
rebeldes, contrária ao desejo de Bernardes. 478 O órgão publicava pareceres
desfavoráveis à reforma constitucional, principalmente de membros do Tribunal de
Justiça de São Paulo.479 Veiculava artigos de fundos e notas sobre a divisão do PRP e
supostas resistências suas à candidatura de Washington Luís. 480 Criavam-se incertezas
acerca da existência de um acordo entre Minas e São Paulo para indicar o macaense
473
Por exemplo, ver: O Jornal, 3/1/1925; 4/1/1925; 6/1/1925. Ver também a nota 408.
474
O Jornal, 15/7/1925; 21/7/1925.
475
Ver, por exemplo: O Jornal, 30/5/1925; 31/5/1925; 16/6/1925; 17/6/1925.
476
Há sinais de que os “a pedidos” eram escritos na própria redação e isso foi notado por Gazeta de
Notícias, 28/4/1925.
477
Ver, por exemplo: O Jornal, 7/1/1925; 8/1/1925; 9/1/1925; 10/1/1925; 11/1/1925; 14/1/1925;
15/1/1925; 20/1/1925; 16/3/1925; 20/3/1925; 3/4/1925; 19/4/1925; 22/4/1925; 5/5/1925; 10/5/1925.
Diário de Notícias, 3/4/1925. Com relação aos partidos, ver: Gazeta de Notícias, 1/4/1925.
478
Ver, por exemplo: O Jornal, 10/3/1925; 5/4/1925.
479
Ver, por exemplo: O Jornal, 4/7/1925; 10/7/1925.
480
Ver, por exemplo: O Jornal, 24/2/1925; 29/3/1925.
163
como sucessor de Bernardes.481 Existindo, o compromisso sobrevivera às alterações da
política econômica em 1924 ou à morte de Raul Soares? E quanto à oposição de
Washington Luís e do PRP à reforma da Constituição? O Norte, a Bahia e os maiores
estados aceitariam que a questão fosse resolvida exclusivamente pelo presidente, Minas
e São Paulo? Outra dúvida diariamente levantada era: Melo Viana acompanharia o
Catete? A Gazeta de Notícias e os órgãos situacionistas tentaram diminuir os efeitos das
incertezas, aconselhando o adiamento da discussão sobre a escolha do candidato ou
alertando para os riscos inerentes à ocorrência de nova cisão em torno do assunto. 482
Em março, reagindo ou não aos efeitos de tal campanha, Bernardes procurou
acalmar São Paulo, comunicando a solução do problema sucessório. Os candidatos à
Presidência e vice-presidência seriam Washington Luís e Miguel Calmon, já ciente e
acorde em trazer unificada a Bahia. Combinou-se a divulgação de nota informando que
São Paulo e Minas estavam harmonizados em relação ao assunto (mas sem divulgação
dos nomes). 483
No mês seguinte, entretanto, quando raiava a discórdia no seio do PRP, Arnolfo
Azevedo indagou a Washington Luís se ele mantinha-se contrário à reforma da
Constituição. “Receio que a atitude dos que combatem, fingindo apoiar, sua
candidatura, esteja presa à esperança de vê-la afastada pela reforma constitucional que
você impugnou e o Bernardes deseja”, indicou. A réplica foi evasiva e concluiu dizendo
que estaria aceita qualquer combinação entre o destinatário, Bernardes e Carlos de
Campos. Dias depois, Bernardes chamou Arnolfo Azevedo a Petrópolis e revelou a
delegação de poderes recebida dos grandes estados. Fora informado pelos coligados de
que Washington Luís não era aceito por todo o São Paulo. Preferiam um mineiro, como
pensava o próprio Herculano de Freitas. O presidente esclareceu que a conversa de
março não consolidara os nomes e finalmente insistiu sobre a reforma da Constituição.
Disse que a troca de cartas com Washington Luís levava-o a crer que em termos gerais o
ex-governador concordava com a reforma e que essa questão não impugnaria sua
candidatura. Era um ultimado velado. Em maio, Carlos de Campos já recebia o
anteprojeto para estudos e comunicava ao antecessor: “o pensamento do presidente
481
Ver, por exemplo: O Jornal, 25/2/1925.
482
Ver, por exemplo: Gazeta de Notícias, 9/1/1925; 12/1/1925; 7/3/1925; 20/5/1925. Diário da Bahia,
28/2/1925.
483
Carta de Arnolfo Azevedo a Carlos de Campos. 8/3/1925. APESP. AWL. Caixa 188. Pasta 1; carta de
Carlos de Campos a Washington Luís. 9/3/1925. APESP. AWL. Caixa 240. Pasta 1; carta de Arnolfo
Azevedo a Washington Luís. 15/3/1925. APESP. AWL. Caixa 188. Pasta 1. O Jornal, 22/3/1925.
164
Bernardes, com tal reforma, é, antes de tudo, cercar o poder público de mais força e
prestígio”.484 Por altura da apresentação do anteprojeto no Catete, O Jornal e o Correio
da Manhã anunciaram as posições revisionistas do PRP e de Washington Luís. 485 Para o
órgão, Herculano de Freitas apresentou o projeto na Câmara dos Deputados por ocasião
da chegada de Washington Luís no Rio de Janeiro precisamente para constrangê-lo a
declarações a favor da reforma. 486
A apresentação coincidiu não só com a chegada de Washington Luís, mas também
com a estadia de Melo Viana na cidade, o que foi suficiente para impor a necessidade da
escolha imediata do candidato do Catete. O mineiro e o paulista foram igualmente
recebidos de modo caloroso, evidência de que ainda não havia certeza sobre qual deles
substituiria Bernardes. Aparentemente mostrando-se inábil, Melo Viana concedeu
entrevistas a órgãos oposicionistas que deram a entender opinião favorável à anistia dos
rebeldes e contrária à escolha de candidatos sem consultas ao povo ou apresentação de
programas. Foi notada a calorosa acolhida de Miguel Calmon a Melo Viana. Além de
colocar a seu dispor luxuosa limusine para passeios no Rio de Janeiro, o ministro
ofereceu-lhe um almoço em seu palacete na rua São Clemente (em Botafogo), com a
presença das maiores autoridades da Bahia, de Minas Gerais e dos três poderes da
República.487 Pode ter sido um gesto de gratidão por uma recepção anterior em Belo
Horizonte, mas, segundo o Correio da Manhã, Calmon tentava garantir o seu lugar
numa eventual ruptura entre Bernardes e São Paulo, mesma opinião de Pires do Rio, ex-
ministro paulista de Epitácio Pessoa. Em Salvador, A Tarde e o Diário da Bahia, órgãos
da CRB, alinhavam-se discretamente por Melo Viana ao passo em que o oposicionista
Diário de Notícias adotava a candidatura de Washington Luís. 488
484
Carta de Carlos de Campos a Washington Luís. 19/5/1925. APESP. AWL. Caixa 240. Pasta 3.
485
O Jornal, 7/7/1925. Correio da Manhã, 17/7/1925.
486
Correio da Manhã, 18/7/1925.
487
Compareceram todos os ministros e um representante do presidente da República; André Cavalcanti,
presidente do STF; Estácio Coimbra, vice-presidente da República e presidente do Senado; Antônio
Azeredo, vice-presidentes do Senado; Pedro Lago, senador pela Bahia; Bueno Brandão, senador por
Minas Gerais; Arnolfo Azevedo, presidente da Câmara dos Deputados; Otávio Mangabeira, vice-
presidente e líder da Bahia na Câmara dos Deputados; Viana do Castelo, líder da maioria e de Minas
Gerais na Câmara dos Deputados; Alaor Prata, prefeito do Rio de Janeiro. Gazeta de Notícias, 28/7/1925
488
Pedro Calmon afirma que Miguel Calmon acreditava que Bernardes queria Melo Viana para o governo
de Minas Gerais. Tal explica é incorreta porque o segundo já estava no governo mineiro, mas fortalece a
hipótese do engano em relação ao que faria Bernardes. CALMON, Pedro. Miguel Calmon: uma grande
vida, p. 26-27, 30, 48. Carta de Pires do Rio a Washington Luís. 24/8/1925. APESP. AWL. Caixa 241.
Pasta 1.
165
Adepto da candidatura Calmon,489 Otávio Mangabeira esclareceu ao ministro e a
Góis Calmon que a Bahia deveria sair da expectativa e pronunciar-se de imediato por
Washington Luís, sob pena de perder a vice-presidência da República. Embora
afirmasse estar certo de que esse seria o candidato oficial, procurou informar-se com um
amigo de Minas Gerais se não havia qualquer combinação entre Bernardes e Melo
Viana. O próprio Bernardes confessara a Mangabeira estar de posse das grandes cartas
do jogo e à espera do andamento do projeto da reforma da Constituição. Entretanto, o
baiano temia à aparente insensibilidade do presidente aos temporais que a seu ver
despontavam no horizonte político. Acreditava na possibilidade de ruptura entre São
Paulo e o Catete, inclusive em função do conservadorismo de Washington Luís.
Ponderou a divisão existente no PRP e a crise de numerários em São Paulo,
considerando sem importância os seus aliados, em comparação com as estados que
delegaram poderes ao Catete. Ainda assim, julgava perigosa uma candidatura paulista
de oposição, dada a impopularidade de Bernardes, em especial entre os militares.
Diferente de Mangabeira, Pires do Rio acreditava que Bernardes teria dificuldade de
encontrar um nome em Minas Gerais, mas, como o baiano, observou que o seu ponto
fraco era a impopularidade e a desconfiança em que vivia de todos e de tudo. Sem fiar-
se mesmo na polícia ou no Exército, viajava do Rio de Janeiro a Petrópolis e de
Petrópolis a Minas Gerais sem informar ao público. Em janeiro de 1925, cometera outra
gafe diplomática: permaneceu em Petrópolis enquanto visitava o Rio de Janeiro o
general estadunidense John Pershing, herói da Grande Guerra. Mangabeira preocupava-
se com os chamados pescadores de águas turvas, ávidos por se beneficiar de uma cisão
na política nacional cujas consequências seriam imprevisíveis. “Vamos esperar pelo
Bernardes. Está-lhe entregue o comando geral na batalha. Não acredito que ele nos
conduza, conduzindo-se a si próprio, ao aniquilamento”, disse, para concluir: “estamos
em plena Babel”.490
A emergência do problema sucessório já prejudicava claramente a tramitação do
anteprojeto na Câmara. Depois de os dois governadores deixarem a capital, Carlos de
489
Minuta de Telegrama de Otávio Mangabeira a Fiel Fontes. 1925. FPC/CMB. AOM. 4796. Ver
também: Minuta de Telegrama de Otávio Mangabeira a Góis Calmon. 28/7/1925. FPC/CMB. AOM.
4534.
490
Carta de Otávio Mangabeira a Carneiro Rezende. 27/7/1925. FPC/CMB. AOM. 4797; minuta de
Telegrama de Otávio Mangabeira a Góis Calmon. 28/7/1925. FPC/CMB. AOM. 4534; cópia de Carta de
Otávio Mangabeira a Carneiro Rezende. 02/8/1925. FPC/CMB. AOM. 4798; minuta de carta de Otávio
Mangabeira a Carneiro Rezende. Sem data. FPC/CMB. AOM. 1936; carta de Pires do Rio a Washington
Luís. 24/8/1925. APESP. AWL. Caixa 241. Pasta 1.
166
Campos lançou a candidatura Washington Luís em Santos. Os jornais cariocas
continuaram a pregoar que Melo Viana não a aceitaria nem seguiria Artur Bernardes.
Na Câmara dos Deputados, Otávio Mangabeira e os colegas da maioria esvaziam
sessões para impedir a votação de um requerimento oposicionista de publicação, nos
anais da Casa, das entrevistas do mineiro aos oposicionistas O Jornal e a Correio da
Manhã. A situação tornou-se insustentável após declaração de autenticidade das
entrevistas por parte de Melo Viana. O Catete decidiu então resolver o problema.
Lançou Washington Luís para a Presidência e insistiu para que a vice-presidência fosse
ocupada pelo mineiro. Aparentemente, era um modo de evitar que o governador
permanecesse um foco de agitações ou até encaminhasse um projeto sucessório
alternativo ao do Catete. Artur Bernardes comunicou a Epitácio Pessoa que o momento
não permitia luta política e por isso impossibilitava a entrega da vice-presidência ao
Norte.491
A substituição de Miguel Calmon por Melo Viana foi menos um indicativo de
solidez do que uma providência para evitar a ruptura entre Minas Gerais e São Paulo. 492
A medida foi tomada na conjuntura em que a muitos parecia iminente a luta de
Bernardes e Minas Gerais contra São Paulo ou mesmo de Bernardes e São Paulo contra
Minas Gerais, revelando que havia três vértices na aliança entre mineiros e paulistas.
Por mais que Bernardes fosse aparentemente bem sucedido em acalmar São Paulo, a
inquietação em torno da sucessão pode ser encarada como o ápice das tensões inerentes
à aliança mineiro-paulistas, pois a crença na cisão ou ao menos as incertezas existentes
eram alimentadas pelos episódios anteriores de atrito entre Bernardes e São Paulo. O
comportamento de Melo Viana complicou ainda mais o quadro. Para o presidente da
República, segurar a escolha do sucessor prejudicaria ao invés de beneficiar a
tramitação do projeto de reforma da Constituição.
Mas não era só a revisão que estava em jogo. Os depoimentos de Otávio
Mangabeira e Pires do Rio indicam outros riscos envolvidos por tal ruptura, isto é, o
encaminhamento de uma candidatura de oposição, de Washington Luís ou Melo Viana.
Dadas a situação de insegurança no país e a impopularidade de Bernardes, a emergência
de uma candidato de oposição poderia trazer um conflito igual ou mais sério do que o de
1921-22. Era isso o que se procurou evitar com a delegação de poderes do estado. Por
491
Telegrama de João Pessoa a Epitácio Pessoa. 14/8/1925. AEL. FAB. MR 5.
492
A Tarde, 25/8/1925.
167
um lado, tal delegação era uma confissão de fraqueza dos estados, incapazes de resolver
o problema sucessório sem a intromissão decisiva do Catete. Por outro lado, era graças
a ela que Bernardes pôde optar por Washington Luís, confirmando a aliança entre Minas
e São Paulo. A principal consequência de tal aliança, isto é, a expectativa da
substituição de Bernardes por Washington Luís, conferia previsibilidade à política e
diminuía as chances de desentendimentos, em torno da sucessão, entre os estados que
delegaram ao Catete. A concretização da expectativa prevista pela aliança mineiro-
paulista era complementar à delegação de poderes, não só porque ambos convergiam
para o mesmo ponto, isto é, a garantia de paz e estabilidade, mas porque o primeiro
dificilmente ocorreria sem o segundo, ao mesmo tempo em que diminuía os riscos de a
delegação enfraquecer-se por disputas internas. Ou seja, como para a Bahia dos
Calmon, a margem de manobra era no fundo estreita para os demais estados, inclusive
São Paulo e Minas Gerais, além do próprio Bernardes.
Figura 40 - Ministério Washington Luís posa para foto oficial no palácio do Catete. De baixo
para cima e da esquerda para a direita, veem-se: Washington Luís, Melo Viana, Sezefredo
dos Passos, Lira de Castro, Otávio Mangabeira, Getúlio Vargas, Viana do Castelo e Adolfo
Konder. De óculos, na última fila, Pinto da Luz. Fonte: sítio do CPDOC/FGV.
493
Em carta a Arnolfo Azevedo, Rareiam as informações sobre o ministro da marinha. Segundo o portal
do planalto, ele era do Distrito Federal. Segundo despachos da embaixada dos Estados Unidos, era de
Santa Catarina. Disponível em: http://www4.planalto.gov.br/. Acesso em: 29/3/2014. Embaixada do Rio
de Janeiro, despacho nº 2686 de 26/10/1926. AEL. ADEB. MR 6. A Tarde, 3/11/1926.
494
Notas políticas do consulado da Bahia, 8/11/1926. AEL. ADEB. MR 6.
169
com surpresa no Rio de Janeiro, pois fora cogitada para Agricultura, Marinha ou Viação
e Obras Públicas. 495 Após o convite de Washington Luís, dirigira-se à residência de
Miguel Calmon e solicitara de Góis Calmon a permissão para representar a Bahia no
Ministério. Reafirmando a confiança no deputado, o governador classificou a indicação
como o reconhecimento de sua habilidade para representar as tradições políticas da
Bahia. Mangabeira pensou talvez nessas tradições ao posar para uma foto no Itamaraty.
No gabinete do ministro, sentou-se elegante e confortavelmente em mesa postada sob
um quadro imponente do visconde do Rio Branco, chanceler baiano monárquico, pai do
barão do Rio Branco, cujas tradições seriam revividas no Itamaraty por Mangabeira, na
previsão de O Paiz. A foto sugere a assimilação do filho de um farmacêutico
soteropolitano por uma política que encontrava inspiração num aristocrata do
Império.496
495
Embaixada do Rio de Janeiro. Despacho nº 2677 de 16/10/1926. AEL. DAB. MR 9. A Tarde,
14/10/1926.
496
A Tarde, 13/10/1926. Telegrama de Góis Calmon a Otávio Mangabeira. 1926. FPC/CMB. AOM. 266.
A opinião de O Paiz foi publicado em A Tarde, 14/10/1926 .
170
antes da posse, contribuísse para a garantia de larga presença de aliados da CRB na
representação da Bahia na Câmara dos Deputados, renovada no começo de 1924. Com a
morte de Aurelino Leal, tornou-se, para os deputados anti-Calmon, o ponto de
convergência e articulação com o Catete, alternativa a Miguel Calmon. Sem a
constituição do partido oficial da Bahia, cada eleição era ocasião para disputas
intramuros, quando os Calmon avançavam e Mangabeira resistia como representante da
CRB. Isso é evidente nas eleições ocorridas no período analisado, inclusive as
nomeações de Virgílio de Lemos e de Mangabeira para a liderança baiana na Câmara
dos Deputados. Vice-presidente da Casa, foi o orador na leitura da plataforma de
Washington Luís em 1925. No final do ano, João Mangabeira, seu irmão, substituiu
Herculano de Freitas na relatoria da reforma da Constituição. 497
Como observou José Calasans, Otávio e João Mangabeira eram políticos de
origem humilde, encarregados de conquistar através de luta ingente o seu lugar ao Sol.
Os Calmon, em contraposição, possuíam nome incluídos em catálogos genealógicos.
“Ostentavam brasões da velha nobreza patriarcal. É possível que a tarefa inicial de
aparecer fosse mais fácil. O esforço para permanecer no cenário, todavia, era mais
difícil”.498 Unificada sob a liderança de Miguel Calmon, a Bahia experimentou certa
bipolaridade na sucessão de 1925-26. O Globo anunciou que Góis Calmon receberia o
Ministério da Fazenda, caso aceitasse entregar o governo da Bahia a Mangabeira. 499 A
posse de Mangabeira no Itamaraty evidenciou que o estado arranjava-se em dois
campos e não em três, como queriam Miguel e Góis Calmon. “Deslocar-se-á o eixo da
política baiana?”, questionou Actualidades, ante a perspectiva aberta a Otávio
Mangabeira com a posse de Washington Luís em 1926. Notando que o baiano fora
indicado para orador oficial do banquete da plataforma e era cotado para o Ministério, a
magazine listou-o ao lado de Arnolfo Azevedo, Antônio Azeredo, Gilberto Amado,
Lindolfo Collor e Júlio Prestes, como um dos nomes a deterem acesso livre e prestígio
no Catete. Do Rio de Janeiro, parecia a Actualidades que ao futuro ministro caberia a
chave para a sucessão na Bahia (1928), nuvem sombria sobre a política de Miguel
Calmon. 500
497
MANGABEIRA, Otávio. A Palavra da Bahia aos Candidatos Nacionais à Presidência e vice-
presidência da República. Salvador: Imprensa Oficial do Estado, 1928. LIMA, Hermes. Prefácio. In
MANGABEIRA, João. Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Casa Rui Barbosa, 1958.
498
CALASANS, José. Miguel Calmon Sobrinho e sua época: 1912-1967, p. 36.
499
A Tarde, 7/10/1926.
500
Actualidades, 16/10/1925. Ano VIII. Número 169.
171
Era uma possibilidade, mas os Calmon reuniam condições, isto é, a expressão
eleitoral, o prestígio do nome e em especial o controle sobre o governo para
consolidarem-se como facção hegemônica na Bahia. Agiam, aliás, patrocinando com
tais recursos a meteórica ascensão de Vital Soares, ruísta que assumira a presidência do
Banco Econômico, vaga com a posse de Góis Calmon no Rio Branco. Vital Soares, até
então, só conseguira eleger-se para vereador e por uma única vez, antes da ascensão de
Seabra. Em 1925, o govenador indicou-o diretamente para o Senado da Bahia,
confiando-lhe a liderança da maioria e a presidência da Comissão de Fazenda. Na
Convenção que lançou as candidaturas de Washington Luís e Melo Viana, ocupou a
secretaria da mesa de honra ao lado de Vespúcio de Abreu, do Rio Grande do Sul.
Meses depois, com a morte de Álvaro Cova, foi eleito para a Câmara dos Deputados e
assumiu a liderança da bancada, vaga com a posse de Otávio Mangabeira no Itamaraty,
o que frustrou a chance de João Mangabeira.501 Vital Soares era cultivado pelos Calmon
para substituí-los no governo da Bahia. Portanto, era uma resposta ao risco representado
pelo crescimento de Otávio Mangabeira. Entretanto, quando houve uma tentativa de
exploração do caso por parte da imprensa do Rio de Janeiro, Miguel Calmon, Otávio
Mangabeira e a delegação baiana reuniram-se na casa de Pedro Lago para reafirmar em
nota a satisfação com a gestão de Góis Calmon e negar a existência de cogitações em
torno da sucessão na Bahia. 502
501
PINTO, Epaminondas de Souza. Vital Soares. Salvador: 1955. Cópia de Telegrama de Alfredo Rui
Barbosa a Góis Calmon. 21/11/1926. FPC/CMB. AOM. 3481.
502
Diário da Bahia, 22/8/1926
172
Figura 42 - Góis Calmon (mais alto do centro), Vital Soares (mãos cruzadas) e Frederico Costa
(cavanhaque grisalho) em Salvador. Fonte: Arquivo do Museu Eugênio Teixeira Leal/Banco
Econômico da Bahia.
503
Carta de Arnolfo Azevedo a Washington Luís. 23/1/1926. APESP. AWL. Caixa 188. Pasta 1; carta de
Sérgio Loreto a Washington Luís. 14/3/1926. APESP. AWL. Caixa 188. Pasta 1; carta de Arnolfo
Azevedo a Washington Luís. 28/3/1926. APESP. AWL. Caixa 188. Pasta 1; carta de Washington Luís a
Arnolfo Azevedo. 15/4/1926. Caixa 188. Pasta 1; carta de Arnolfo Azevedo a Washington Luís.
21/4/1926. APESP. AWL. Caixa 188. Pasta 1.
173
arriscado e quem tiver a maioria absoluta dos seus valores fará, não só um governo
bom, mas ótimo e fácil”. 504 Em 1927, Arnolfo Azevedo deixou a presidência da Câmara
dos Deputados e ela foi entregue a Sebastião do Rego Barros, deputado por
Pernambuco.
Tais palavras não são conjecturas, pois revelam não só o conhecimento sobre o
lugar cabido aos estados no jogo da política federal, mas também a possibilidade de
ruptura ou de atritos entre São Paulo e Minas Gerais. Como elas, uma foto batida
durante inauguração da biblioteca do Itamaraty parece ironicamente anunciar a cisão a
ocorrer em 1930. Washington Luís e Otávio Mangabeira, no primeiro plano, deixam
para trás Melo Viana, vice-presidente da República. Como no começo da I República, a
Bahia seria o maior aliado de São Paulo e do Catete na sucessão presidencial de 1929-
1930, ocasião em que foi preterida a candidatura de Antônio Carlos, governador de
Minas Gerais. Na chapa oficial figurariam o paulista Júlio Prestes e o baiano Vital
Soares, candidato à Presidência e vice-presidência, respectivamente. Contra o levante
armado de 1930, o estado cumpriria o papel de fronteira da legalidade ao Norte. Papel
idêntico cumpriria São Paulo, ao Sul. 505
504
Carta de Arnolfo Azevedo. 26/4/1926. APESP. AWL. Caixa 188. Pasta 1.
505
FREITAS, Alexandra de. Alcance e Limites do Movimento Tenentista na Bahia. Salvador: UFBa,
2010 (História, dissertação de mestrado), 2010, p. 67.
174
Considerações
Finais
177
No desenrolar do processo sucessório, houve a reabertura da luta entre Seabra e
Rui Barbosa, paralela à aproximação entre oposição baiana e Artur Bernardes. Essa
reabertura revelou a fragilidade do acordo feito entre os dois líderes baianos, o qual não
previra o lançamento do nome do governador em chapa oposicionista. Os ruístas
mantiveram o compromisso de votar em Seabra nas eleições de 1922, entretanto, não
votaram em Nilo Peçanha e nem trabalharam para o posterior reconhecimento do
governador da Bahia. Nos bastidores ou publicamente, alinharam-se pelo candidato da
Convenção Nacional, dele recebendo posteriormente cargos como o Ministério da
Agricultura e a “interventoria” do Rio de Janeiro. Tal consagração e outros detalhes
vistos no segundo capítulo evidenciaram que as divididas elites baianas de oposição ou
situacionistas não eram cartas jogadas fora no jogo político federal.
A aliança entre oposicionistas baianos e Bernardes redimensionou a disputa em
torno da sucessão estadual de 1923-24. Como o fluminense e o gaúcho, o caso baiano
deve ser encarado ao mesmo tempo como desdobramento e fator da crise nacional que
marcou o começo do governo Bernardes. Nas disputas da Bahia, Rio de Janeiro e Rio
Grande do Sul estavam em jogo a luta local pelo poder e a necessidade de reconstrução
da base de apoio ao Catete, abalada com a disputada sucessão presidencial e a
campanha da Reação Republicana. Tratava-se da reconduzir para as mãos do Catete os
ases e reis perdidos na sucessão presidencial. Era preciso reintegrar a Bahia entre os
aliados de Bernardes e isso passava diretamente pelas eleições estaduais de 1923.
Intervenções do Catete em disputas estaduais devem ser encaradas como
momentos de crise na federação e, portanto, de fragilidade não só para os estados, como
também para o próprio Catete. Por um lado, a intervenção depende da existência de
acirrada disputa entre as elites estaduais. Frequentemente, isso ocorreu de modo
simultâneo ao alinhamento do governo federal com parte das facções em luta.
Entretanto, isso não foi apenas razão de fraqueza para as elites estaduais, mas também
para o presidente, pois a disputa local poderia evoluir para lutas ou retirada de apoio na
arena federal, em detrimento do Catete. O cuidado com que Bernardes conduziu a
resolução do caso baiano e do gaúcho, enquanto intervia mais diretamente no
fluminense, demonstrou suas limitações em intervir ao mesmo tempo nos três estados, o
que indica a importância de cada um deles para a federação. Uma derrota em um dos
três casos poderia trazer prejuízos para o Catete. Não por acaso, o presidente incluiria
178
em seu projeto de reforma constitucional dispositivos reduzindo a autonomia dos
estados.
Por isso, a ascensão dos Calmon no governo da Bahia foi vista como uma
restauração do estado em seu papel de sustentação ao poder central. Esse é um momento
em que o novo situacionismo baiano esforçou-se para afastar os riscos do divisionismo
entre as facções. Esse divisionismo ocorreu, mas não deu lugar a cisões, pois havia a
crença de as lutas internas enfraqueciam a Bahia. No plano federal, o sistema
republicano sofria avarias decorrentes da sucessão presidencial disputada e da
emergência de novos atores no cenário político, como os jovens tenentes do Exército.
Na visita de Umberto di Savoia a Salvador, a consciência do papel reservado a Bahia no
novo governo foi ritualizado pelos Calmon. Igualmente, o estado enviou forças militares
para combater em São Paulo, Sergipe e no Rio Grande do Sul.
Tratava-se de um momento de crescente fortalecimento político para a Bahia e de
fragilidade para Bernardes. Na I República, como concluíram os brasilianistas Joseph
Love, Robert Levine e John Wirth, episódios importantes nos estados não refletiram
sempre acontecimentos nacionais ou tiveram o mesmo significado. Se a campanha da
Reação Republicana e a posse de Bernardes no Catete abrem uma fase de
intranquilidades políticas na arena federal, na Bahia contribuíram indiretamente para a
ascensão ao poder de grupos políticos aptos para estabelecer entre si acordos que
conferiram até a revolução de 1930 estabilidade ao até então imprevisível tabuleiro da
Mulata Velha. 506
Estudadas no último capítulo, as eleições para a Assembleia Legislativa
possibilitaram a consolidação dos Calmon na liderança estadual. Ao mesmo tempo,
sedimentaram a aliança com a Concentração Republicana e os ex-seabristas, liderados
por Frederico Costa. No ano anterior, os baianos prestaram eficiente apoio a Bernardes.
Não por acaso, Miguel Calmon chegou a ser cogitado para a vice-presidência da
República. Foi afastado como um meio de garantir que a sucessão presidencial seria
tranquila, isto é, que o governador Melo Viana não viraria um foco de agitações
contrárias a Bernardes e Washington Luís. Como visto, a aliança entre Minas Gerais e
São Paulo representou um fator de estabilidade que encontrou o complemente na
delegação de poderes dos demais estados a Bernardes. A principal consequência dessa
506
As conclusões de Love, Levine e Wirth encontram-se na introdução de suas livros sobre São Paulo,
Pernambuco e Minas Gerais. Por exemplo, LEVINE, Robert. A Velha Usina: Pernambuco na federação
brasileira, 1889-1937, p. 20.
179
aliança, isto é, a substituição de Bernardes por Washington Luís, conferia
previsibilidade à política, já fortalecida pelo apoio dos grandes estados ao Catete. A
possibilidade de uma ruptura entre São Paulo e Minas Gerais ou entre um desses
estados e o governo federal existia, como demonstra, entre outras coisas, as disputas em
torno da revisão da Constituição. Tratava-se de um momento de pouca margem de
manobra para os principais atores da República.
Finalmente, a indicação de Otávio Mangabeira para o novo Ministério premiou
efetivamente apoio da Bahia ao Catete e mostrou que os Calmon e a CRB dispunham-se
a sacrificar rivalidades para a conservação da unidade interna na Bahia. Sua posse no
Itamaraty qualificaria o estado para assumir o papel conservador como aliado de peso
do governo Washington Luís em 1930, final da I República. Para o desempenho desse
papel, foi preciso fechar o estado contra a campanha da Aliança Liberal, como
demonstrou Luís Henrique Dias Tavares. 507 Como no começo da República, São Paulo
estaria coligado com a Bahia e não com Minas Gerais.
507
TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Bahia. Salvador: Edufba e São Paulo: Editora da Unesp,
2005, p. 479.
180
ABREVIATURAS
181
LISTA DE TABELAS
182
ARQUIVOS E FUNDOS
Bahia
Arquivo Público do Estado da Bahia
Arquivo Francisco Marques de Góis Calmon
Arquivo José Wanderley de Araújo Pinho
São Paulo
Arquivo Edgard Leuenroth
Arquivos Diplomáticos e Estrangeiros sobre o Brasil
Fundo Artur Bernardes
183
SÍTIOS ELETRÔNICOS COM DOCUMENTAÇÃO
http://www.crl.edu/ http://www.ighb.org.br/
http://www.casaruibarbosa.gov.br/
184
PERIÓDICOS CONSULTADOS
Rio de Janeiro
Actualidades A Careta A Noite
Salvador
A Tarde Diário da Bahia Diário Oficial do Estado
da Bahia
Revista do Instituto
Geográfico e Histórico da
Bahia
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