FERREIRA, Antonio Airton. Pena de Perdimento de Bens Danos Ao Erario - Tompson Reuters
FERREIRA, Antonio Airton. Pena de Perdimento de Bens Danos Ao Erario - Tompson Reuters
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A indagação acima lançada foi retirada da Ementa do Acórdão nº 3403-003-319 da Terceira Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, vertida nestes termos:
DANO AO ERÁRIO. PERDIMENTO. DISPOSIÇÃO LEGAL. Nos arts. 23 e 24 do Decreto-Lei nº 1.455/1976 enumeram-se as infrações que, por constituírem dano ao Erário,
são punidas com a pena de perdimento das mercadorias. É inócua, assim, a discussão sobre a existência de dano ao Erário nos dispositivos citados, visto que o dano ao
Erário decorre do texto da própria lei.
O Acórdão destacado é apenas um exemplo da mudança constatada na jurisprudência administrativa, que resultou no juízo da desnecessidade da avaliação concreta da
existência do dano ao erário.
Isso se deu por força da interpretação equivocada conferida ao artigo 23 do Decreto-lei nº 1.455/76, em especial ao seu novel inciso V, por não se perceber que esse inciso
trata de situação jurídica radicalmente distinta das anteriormente previstas nos incisos I a IV. Antecipando as observações que serão apontadas no tópico subsequente,
pode-se deixar anotado que os incisos I a IV contêm elementos objetivos, enquanto o inciso V é formado por tipo com elemento subjetivo, o que não foi observado pelos
partidários da tese do dano ao erário incondicionado ou decorrente do próprio texto da lei.
Há, contudo, uma exceção a ser destacada. Com efeito, o ilustre Procurador da Fazenda Nacional - Dr. Luís Alberto Saavedra (1), no artigo publicado com o título de
"Interposição fraudulenta - em busca de um conceito", captou com precisão os efeitos da inclusão do inciso V ao texto do artigo 23 do Decreto-lei nº 1.455/76, ao anotar
que:
No § 2º do artigo 23 do Decreto-Lei nº 1455/76, descreve-se interposição fraudulenta pelos seus elementos circunstanciais, como a não comprovação da origem, a
disponibilidade e a transferência dos recursos empregados - verificados em operações de comércio exterior.
Destaco ainda um aspecto importante: a interposição fraudulenta é o
único ilícito que se refere exclusivamente à pessoa do importador, previsto no capítulo do Regulamento Aduaneiro (art. 618), e que tem como pena o perdimento da
mercadoria importada. Todas as demais hipóteses referem-se à mercadoria importada. [destaques acrescidos]
A percepção do D. Procurador não podia ser mais precisa: nas situações anteriormente previstas no art. 23 do Decreto-lei 1.455/76, o crivo incidia sobre a situação fática na
qual havia sido colocada a mercadoria importada; agora, o exame deve ser dirigido à conduta dos intervenientes na operação de importação, pondo na berlinda o negócio
jurídico pactuado. Ora, quando se trata da conduta do importador, à evidência, torna-se imperativo avaliar se essa conduta resultou em dano ao erário, enquanto as
situações diretamente vinculadas à mercadoria importada, o juízo sobre esse dano já foi feito pelo próprio legislador.
São situações radicalmente distintas, que precisam ser avaliadas de forma igualmente distinta, como será demonstrado no tópico subsequente.
No momento, pede-se licença para destacar outros elementos para reflexão. Agora, a atenção dirige-se à previsão contida no § 3º do artigo 23 do Decreto-lei 1.455/76, que,
com a redação dada pela Lei nº 12.350, de 2010, ficou assim vertido:
§ 3º As infrações previstas no caput serão punidas com multa equivalente ao valor aduaneiro da mercadoria, na importação, ou ao preço constante da respectiva nota fiscal
ou documento equivalente, na exportação, quando a mercadoria não for localizada, ou tiver sido consumida ou revendida, observados o rito e as competências
estabelecidos no Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972.
Vê-se que a pena de perdimento será substituída pela multa equivalente ao valor aduaneiro da mercadoria na importação, quando não for localizada ou tiver sido
consumida ou revendida. Assim, a mercadoria aplicada no processo produtivo (=consumida) ou revendida, pode ser objeto da pena de perdimento traduzida na sua multa
substitutiva.
Duas observações se impõem, diante dessa regra. A multa substitutiva da pena de perdimento, que era exceção, tornou-se regra. O perdimento, que tinha relação direta
com a situação da mercadoria importada, foi elevado a instrumento de desconsideração dos negócios jurídicos praticados pelos intervenientes nas operações de
importação.
Assim, a pena de perdimento, que guardava temporalidade, individualidade e vinculação com a mercadoria importada, foi deslocada para atingir operações realizadas nos
períodos ainda não atingidos pela decadência. Vale dizer, numa auditoria realizada no estabelecimento da empresa, depois de muito tempo dos desembaraços aduaneiros,
a fiscalização decide aplicar a multa substitutiva da pena de perdimento em relação às operações de importação realizadas nos últimos quatro anos.
Dessa forma, o crivo sobre as mercadorias importadas deixou de ser ultimado no âmbito da conferência aduaneira, passando a integrar as auditorias realizadas
posteriormente ao desembaraço aduaneiro. Assim, a pena de perdimento de mercadoria que era aplicada pontualmente, alcançando a mercadoria no âmbito dos
procedimentos internos da conferência aduaneira, passou a ter como alvo as operações de importação realizadas no período não atingido pela decadência.
É certo que, no inciso V do art. 23 do Decreto-lei destacado, há referência à mercadoria importada ou exportada, mas essa citação representa um mero artifício, pois, de
fato, o crivo fiscal alcança as operações realizadas, alcança os negócios jurídicos realizados. Diz-se, por exemplo, que a importação para um encomendante
predeterminado desnatura a importação direta a cargo de uma trading.
Assim, num passe de mágica, a pena de perdimento desgarrou-se do seu objetivo central, traduzido no controle do ingresso da mercadoria importada no mercado nacional,
e passou a compor as medidas com evidente propósito arrecadatório, centradas na desqualificação dos "negócios jurídicos sem o devido propósito negocial", que
representa o novo eldorado fiscal, uma vez que a multa substitutiva se converte em crédito tributário.
E, tudo isso, sem a avaliação da existência concreta do dano ao erário. Não se cogita, sequer, se as mercadorias importadas, que foram revendidas ou aplicadas no
processo produtivo, deram origem a receitas tributadas internamente. Fica a pergunta: caberia pedido de restituição dos tributos internos gerados pelas mercadorias
atingidas pela multa substitutiva da pena de perdimento?
2 - Elementos do tipo objetivo e subjetivo exigem leitura distinta dos respectivos preceitos legais
Não há dúvida de que a pena de perdimento de mercadoria - e também a sua multa substitutiva -, embora seja uma penalidade administrativa, tem os contornos de uma
sanção típica do nosso sistema penal tributário, não podendo, por isso, ser utilizada para reprimir infrações tributárias, como pondera o mestre Zelmo Denari (2).
Tendo essa natureza, o exame do preceito legal que a instituiu deve passar pelo crivo das diretrizes aplicadas à avaliação dos elementos que integram o tipo penal.
Sabidamente, tipo penal é como se denomina, no Direito Penal, a descrição de um fato ilícito em uma lei que implica a cominação de uma pena.
Nas lições de Fernando Capez (3), "o tipo legal é um dos postulados básicos do princípio da reserva legal". Aduz o mestre: "o conceito de tipo, portanto, é o modelo descrito
das condutas humanas criminosas, criado pela lei penal, com a função de garantia do direito de liberdade".
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Não se deve confundir tipificação com tipicidade. Com efeito, o primeiro termo corresponde à ação do legislador em transformar uma determinada conduta humana em
dispositivo ou preceito legal, enquanto a segunda é a subsunção ou enquadramento de uma conduta praticada no mundo real ao modelo descritivo constante da lei.
Segundo o mestre citado, os tipos legais são compostos de elementos igualmente típicos, o que exige interpretação em conformidade com as características constitutivas
dos respectivos tipos.
Para a análise dos tipos previstos no art. 23 do Decreto-lei nº 1.455/76, aproposita-se destacar as judiciosas lições do mestre Capez a respeito da configuração dos
seguintes elementos do tipo (4):
a) Objetivos: referem-se ao aspecto material do fato. Existem concretamente no mundo dos fatos e só precisam ser descritos pela norma. São elementos objetivos: o
objeto do crime, o lugar, o tempo, os meios empregados, o núcleo do tipo (verbo) etc.
b) Subjetivos: na lição de Johannes Wessels, "elementos subjetivos (=internos) do tipo são os que pertencem ao campo psíquico-espiritual e ao mundo da representação
do autor". Encontram-se, antes de tudo, nos denominados "delitos de intenção", em que uma representação especial do resultado ou do fim deve ser acrescentada à ação
típica como tendência interna transcendente; assim, por exemplo, a intenção de se apropriar do ladrão ou assaltante; a intenção de enriquecimento do estelionatário, etc.
Na sequência, conferindo clareza ímpar na definição do tipo subjetivo, anota o mestre citado (5):
No elemento subjetivo do tipo, o legislador destaca uma parte do dolo e a insere expressamente no tipo penal... Quando o tipo incriminador contiver elemento
subjetivo, será necessário que o agente, além da vontade de realizar o núcleo da conduta (o verbo), tenha também a finalidade especial descrita explicitamente no modelo
legal. Na extorsão mediante sequestro (*sequestrar com o fim de obter resgate), além da mera vontade de sequestrar, a lei exige que o agente tenha a finalidade obter
uma vantagem como condição do preço ou resgate. (destaques acrescidos)
Forte nessas lições, torna-se possível assim classificar os tipos constantes dos incisos do art. 23 do Decreto-lei nº 1.455/76:
Vê-se, portanto, que apenas o inciso V tem em seu texto a inclusão da figura dolosa correspondente à ocultação do sujeito passivo ultimada mediante fraude ou simulação
e também por intermédio da interposição fraudulenta, que é uma espécie de fraude. Portanto, tão-somente no tocante ao inciso V o legislador incluiu a figura dolosa
expressamente no tipo infracional, para usar a terminologia adotada pelo mestre Fernando Capez.
Nos demais incisos - I a IV - não há vinculação expressa à conduta dolosa do interveniente - vendedor, comprador ou responsável pela operação. A vinculação é com a
situação em que foi colocada a mercadoria. Ora, sendo assim, os incisos em questão não podem ser interpretados sob a mesma régua interpretativa, como se tem
observado em relação a inúmeros acórdãos administrativos.
Aparentemente, esses intérpretes também não perceberam, ou simplesmente ignoram, o fato de que o inciso V foi adicionado ao corpo do artigo 23 do Decreto-lei nº
1.455/76 pelo artigo 59 da Lei nº 10.637, de 2002 - vinte seis anos depois. Ora, sempre que se faz a leitura de um preceito legal muito antigo, a primeira providência é
ultimar a atualização do direito, como assim leciona o mestre Eros Roberto Grau (6):
Não há dúvida de que o art. 23 em destaque passou a contemplar, ao lado das pretéritas situações objetivas, situação subjetiva que também pode resultar no
reconhecimento do dano ao erário. São, contudo, situações distintas que exigem avaliações igualmente distintas.
Vários exemplos podem ser citados nesse sentido. Com efeito, o inciso I do citado art. 23 prevê a aplicação da pena de perdimento quando constatada a importação ao
desamparo de licença, quando essa tiver emissão ou autorização vedada. Ora, nesse caso, o dano ao Erário é manifesto. Não exige nenhuma cogitação de ordem
subjetiva. O inciso II determina a aplicação da pena de perdimento em relação à mercadoria abandonada pelo decurso de prazo de permanência em recintos alfandegados.
Novamente, o dano ao erário é indiscutível, uma vez que não cabe à Administração Aduaneira permanecer com a mercadoria, se o seu proprietário a abandonou.
No inciso IV, diz-se que o dano se materializa em relação às situações previstas nos incisos I a IX do art. 37 do Decreto-lei nº 37, de 1996, sendo que todas essas situações
estão indicadas no art. 689 do Regulamento Aduaneiro aprovado pelo Decreto nº 6.759/09, a exemplo da prevista no seu inciso III: será aplicada a "pena de perdimento à
mercadoria oculta, a bordo do veículo ou na zona primária, qualquer que seja o processo utilizado". Mais uma vez, o dano ao erário é manifesto.
Portanto, em todas as hipóteses acima apontadas como exemplo, todas vinculadas às previsões antigas, o dano ao Erário resulta da situação fática em que foi colocada a
mercadoria importada. São situações objetivas. Não exigem juízo valorativo a respeito da ocorrência do dano ao erário. Isso, à evidência, não tem relação alguma com
presunção ou ficção. Há, sim, certeza de que as situações fáticas previstas nos incisos I a IV - todas elas vinculadas à mercadoria -, quando constatadas, resultam em dano
concreto ao erário.
Tudo estava em harmonia porque todas as situações originalmente previstas no art. 23 do Decreto-lei 1.455/76 continham situação fática objetiva (tipo objetivo) que não
exigia juízo valorativo sobre a existência do dano ao erário.
Essa unidade técnica foi rompida com a inclusão da previsão contida no inciso V ao referido artigo, com a seguinte dicção:
V - estrangeiras ou nacionais, na importação ou na exportação, na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela
operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros.(Incluído pela Lei nº 10.637, de 30.12.2002) [destaques acrescidos]
É indiscutível que o inciso destacado enquadra-se na classificação de tipo com elemento subjetivo, pois no seu texto foi inserida uma parte do dolo - a ocultação mediante
fraude, simulação ou interposição fraudulenta, nos exatos termos das lições do mestre Fernando Capez, anteriormente destacadas.
Sendo assim, novamente, cabe recorrer às judiciosas lições do mestre Capez, in verbis:
Quando o tipo incriminador contiver elemento subjetivo, será necessário que o agente, além da vontade de realizar o núcleo da conduta (o verbo), tenha também a
finalidade especial descrita explicitamente no modelo legal. Na extorsão mediante sequestro (sequestrar com o fim de obter resgate), além da mera vontade de sequestrar,
a lei exige que o agente tenha a finalidade de obter uma vantagem como condição do preço ou do resgate.
(...)
Frise-se que o dolo é elemento da conduta e não do tipo. O legislador pode, no entanto, destacar uma parte do dolo e inseri-la expressamente no tipo, fazendo com que
uma conduta só seja típica se aquela estiver presente.
É o que aconteceu no tocante ao inciso V do art. 23 do Decreto-lei nº 1.455/76, ao restar nele previsto:
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Em conformidade com as lições do mestre Capez, a interposição fraudulenta citada no inciso acima destacado precisa ter a finalidade de causar dano ao erário. A
ocorrência do dano ao erário é a condição especial contida no citado inciso. E mais: essa condição especial precisa ser provada, como se verá mais adiante.
Não basta afirmar, como se constata, por exemplo, no Acórdão nº 3403-002.255, que o dano ao erário decorre do texto da lei. É preciso avaliar se o negócio jurídico,
efetivamente, causou prejuízo ao erário.
Afirmativa desse jaez deixa subentendido que o dano ao erário pode ser simplesmente presumido ou, o que é mais grave, decorrer de uma ficção legal. Os autores que
tratam dessa matéria, à evidência, não referendam essa conclusão.
Deveras, a respeito da necessidade da efetividade do dano, essas são as lições do mestre Carlos Alberto Bittar: "dano é a perda, ou diminuição, total ou parcial, de
elementos, ou de expressão componente de sua estrutura de bens psíquicos, físicos, morais ou materiais" (7).
No mesmo sentido é o magistério da Dra. Déborah Regina Lambach Ferreira da Costa (8):
Pode-se afirmar com relativa segurança de que não há responsabilidade civil sem dano. Este é o elemento da configuração da responsabilização do agente, "o seu grande
vilão". Mesmo porque, se o ato ilícito não causar prejuízo a outrem, faltar-lhe-á interesse processual para pleitear judicialmente a reparação, devendo o juiz
declarar a carência da ação, extinguindo o processo nos moldes do inciso VI do art. 267 do Código de Processo Civil. (destaque acrescido)
No rigor das lições dos mestres citados, em especial na feliz expressão do mestre Bittar de que o "dano é a perda", revela-se factível concluir que a pena de perdimento do
bem tem natureza reparatória e não apenas repressiva.
Essa assertiva encontra suporte no entendimento do magistrado Federal - Dr. Rony Ferreira, assim externado (9):
No mesmo sentido, são as percepções do ilustre Juiz Federal Dr. Caio Roberto Souto de Moura (10):
A pena de perdimento só se justiça quando há dano ou, pelo menos, risco efetivo de dano ao Erário. E por ser uma exceção ao direito constitucional da propriedade e da
vedação ao confisco (CF, art. 5º, caput, e incisos XV, XXII e LIV), deve ser interpretada restritivamente, bem como se faz necessário que esteja expressamente prevista em
lei.
As conclusões dos mestres acima citados, a respeito da necessidade da prova da efetividade do dano ao erário, encontram apoio nas lições de Marcos Bernardes de Mello
(11), quando estabelece a distinção entre a simulação nocente e inocente, nestes termos:
Veja-se que, na precisa conclusão do autor citado, seguindo a linha dos demais autores destacados, não basta haver a simulação; é preciso que dela tenha resultado
efetivo prejuízo ao terceiro.
Ora, isso não pode ser diferente no que tange ao perdimento da mercadoria por conta do dano ao erário. Só é possível cogitar-se sobre a pena de perdimento da
mercadoria se houver dano efetivo ao erário. Deveras, no rigor das lições do mestre Capez, o dano representaria a finalidade especial que é acrescida à conduta ilícita.
Como anteriormente demonstrado, nas hipóteses tratadas nos incisos I a IV do art. 23 do Decreto-lei nº 1.455/76, de fato, o dano ao erário decorre da situação em que foi
colocada a mercadoria importada (tipo objetivo)
No tocante ao inciso V, ainda no rigor das lições do mestre Capez e também do mestre Marcos Bernardes de Mello, não bastaria apontar, por exemplo, a existência de uma
simulação. Precisaria haver prova de que dela resultou dano efetivo ao erário (tipo subjetivo).
Um exemplo pode contribuir para referendar a conclusão a que se chegou a respeito da imprescindibilidade da prova da existência do efetivo dano ao erário, como
condição especial para ser aplicada a pena de perdimento.
Cogita-se a hipótese de uma empresa que contrata com uma trading de longa tradição a importação por encomenda de produtos eletrônicos. Como exige a legislação, o
nome da encomendante foi indicado no campo próprio da declaração de importação. No procedimento de auditoria realizado depois do desembaraço das mercadorias, o
Fisco constatou que a empresa encomendante havia centralizado a venda das mercadorias em duas empresas revendedoras. Sem outras indagações, a conclusão oficial
resultou na aplicação da multa substitutiva nas operações realizadas nos últimos quatro anos, sob a acusação de interposição fraudulenta, que já era questionável. Além
disso, não houve apuração do dano ao erário, com a ressalva de que ele decorria do texto legal.
A resposta, à evidência, é negativa. Era preciso ir além para reunir provas, por exemplo, de que as vendas realizadas no mercado interno não tinham sido tributadas. Se
confirmada essa hipótese, a sonegação fiscal daria concretude ao dano ao erário, pois estaria materializada a finalidade especial da alegada interposição fraudulenta, que é
própria dos tipos legais com elemento subjetivo.
No final, do exemplo citado, fica evidenciado que a pena de perdimento ou a sua multa substitutiva não restou centrada no dano ao erário, mas, sim, na alegada
constatação da interposição fraudulenta, que não é o pressuposto do referido dano. A interposição fraudulenta é o meio e não a causa justificadora da multa pelo dano ao
erário. O fato punível é o dano ao erário, como expressamente averbado no caput do art. 23 do Decreto-lei nº 1.455/76.
Esse singelo exemplo serve para confirmar que a aplicação da pena de perdimento ou da sua multa substitutiva precisa estar centrada na certeza de que do fato ilícito
resultou efetivo dano ao erário. Se não for assim, o dano resultaria de presunção simples ou de ficção legal, o que é juridicamente inadmissível.
No ponto, vejam-se as judiciosas observações averbadas no Resp 331.548 (12), da lavra do ilustre Ministro Relator FRANCISCO PEÇANHA MARTINS:
A pena de perdimento, inobstante ter natureza de sanção; pelos critérios legais é imposta para ressarcimento do erário pelos danos causados, inteligência do artigo 23 do
Decreto 1455/76.
Ocorre, porém, que "danos" inexistem, razão pela qual se mostra desarrazoada a aplicação da pena imposta. Afinal - é necessário admitir - que em certas circunstâncias
não perfiguram "dano ao erário'".
Assim, salvo que se admita uma ficção jurídica plena, pela qual o legislador simplesmente dita a hipótese infracional sem embargo de sua existência no plano concreto, a
aplicação do perdimento será tecnicamente imprópria.
O fundamento adotado pelo eg. Tribunal de origem está em sintonia com a jurisprudência desta eg. Segunda Turma de que se deve flexibilizar a pena de perdimento de
bens, quando ausente o elemento danoso. Neste sentido:
"ADMINISTRATIVO - PENA DE PERDIMENTO DE BENS - BOA FÉ DO PROPRIETÁRIO DA MERCADORIA - PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE 1. O Direito pretoriano
enquadra-se na posição de flexibilizar a pena de perdimento, quando ausente o elemento danoso. 2. Interpretação principiológica que se reporta à razoabilidade. 3.
Recurso especial improvido." (RESP 512517/SC, DJ 19/09/2005, Min. Relatora Eliana Calmon)
Notas
(01) Revista de Doutrina. TRF 4ª. Edição de junho de 2010
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(06) Ensaio e discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. Malheiros, 3ª ed. p.115-116
(09) Perdimento de Bens. Artigo do livro da coordenação de Vladimir Passos de Freitas: Importação e Exportação no Direito Brasileiro. 2ª Edição. Editora Revista dos
Tribunais p. 155.
(10) Perdimento de Bens. Artigo do livro da coordenação de Vladimir Passos de Freitas: Importação e Exportação no Direito Brasileiro. 2ª Edição. Editora Revista dos
Tribunais, p. 155. Artigo Processo Administrativo e Recursos, p. 273
(11) Teoria do Fato Jurídico. Plano de Validade. Saraiva. 13ª edição, p.170.
- Publicado em 15/07/2015
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