Atuação Do Poder Judiciário Na Judicialização Do Direito À Saúde

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CENTRO UNIVERSITÁRIO

ANTÔNIO EUFRÁSIO DE TOLEDO DE PRESIDENTE PRUDENTE

CURSO DE DIREITO

ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À


SAÚDE

Felipe Augusto Figueredo Zulin

Presidente Prudente/SP
2024
CENTRO UNIVERSITÁRIO
ANTÔNIO EUFRÁSIO DE TOLEDO DE PRESIDENTE PRUDENTE

CURSO DE DIREITO

ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À


SAÚDE

Felipe Augusto Figueredo Zulin

Monografia apresentada como requisito


parcial de conclusão do curso e obtenção do
grau de Bacharel em Direito, sob a
orientação do Prof. MSc. Gabriel Lino de
Paula Pires.

Presidente Prudente/SP
2024
ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À
SAÚDE

Monografia apresentada como requisito


parcial para obtenção do grau de Bacharel
em Direito.

Gabriel Lino de Paula Pires


Orientador

Florestan Rodrigo do Prado


Examinador 1

Deyvison Heberth dos Reis


Examinador 2

Presidente Prudente, ____________.


“A justiça sustenta numa das mãos a balança que pesa
o direito, e na outra, a espada de que se serve para o
defender. A espada sem a balança é a força brutal; a
balança sem a espada é a impotência do direito.”

Rudolf von Ihering


AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, a Deus, que me deu força e disposição na busca de


meus objetivos acadêmicos, e a resiliência oportuna para a superação de momentos
difíceis neste período.
Aos meus pais, Saulo e Eliandra, por confiarem em mim, e por
conferirem todo o amparo material e moral para a consecução de minhas metas, com
muito amor e sem medir esforços.
Aos meus avós, Francisco e Odete, por sempre me guiarem na direção
de Deus, por serem meus ouvintes e oferecerem, a qualquer tempo, a palavra amiga
que muito me acalmava.
À minha namorada, Maria Fernanda, que me fez a grata e a melhor
companhia possível de todas as horas, e que comigo compartilhou os momentos mais
difíceis e extenuantes.
Aos meus amigos, especialmente aos meus colegas de sala, Thales e
Pedro, que comigo dividiram não apenas a jornada acadêmica, como também muitos
momentos de descontração.
Ao 3º Ofício da Comarca de Presidente Venceslau/SP, especialmente
ao Marlon e à Laís, Assistentes Judiciários, e ao Juiz de Direito, Dr. Deyvison, pelo
apoio, paciência e auxílio incondicional em meu tempo como estagiário, e por muito
contribuírem com meu desenvolvimento como aluno e profissional do Direito.
Aos professores, em especial ao meu orientador, Prof. Gabriel Lino, e
todos os colaboradores da Toledo Prudente.
Enfim, a todos que, ainda que indiretamente, ajudaram na minha
caminhada até agora.
RESUMO

O trabalho fundamentou-se em tratar da judicialização da saúde, especificamente do


direito que a constitui, fazendo-se um cotejo entre as dimensões de direitos humanos,
previsões constitucionais e infraconstitucionais deste, a sua aplicabilidade e a
efetivação no mundo fático através de uma pretensão judicial de forma individual,
suas causas, o seu contexto histórico e o atual cenário das demandas a ela afetas.
De igual modo, foi posta em questão a eventual possibilidade de o Poder Público
oferecer recusa lícita, tangenciando temas como a Teoria da Reserva do Possível e
o Mínimo Existencial, inclusive com a demonstração de entendimento jurisprudencial
pertinente dos tribunais superiores. Superado este ponto, a principal questão em que
se baseia o estudo foi o modo pelo qual dos comandos judiciais se apresentam
quando compelem o Estado ao fornecimento de medicamentos e tratamentos
médico-hospitalares, notadamente em se tendo como objeto o conteúdo da decisão,
na medida em que se perquiriu os limites dessa intervenção judicial e sua relação
com a mitigação dos efeitos negativos da judicialização excessiva. Além disso, com
vistas a proporcionar maior espectro de discussão quanto a limitação deste direito
fundamental, a pesquisa teve a finalidade de afastar o senso comum de que, por sua
previsão constitucional, o Poder Público incondicionalmente deverá fornecer o bem
da vida ou a obrigação de fazer pleiteados, notadamente quando o pedido não está
inserido na política pública vigente. Assim, o artigo tem como objetivo a discussão
das referidas limitações ao comando judicial e o impacto destes na judicialização
excessiva, baseando-se em pesquisas bibliográficas, documentais e estudo de caso.
Finalmente, findou-se que, malgrado o Estado não pode se escusar de prestar
serviços ou fornecer bens já consagrados em políticas públicas, o Poder Judiciário,
em colaboração com profissionais médicos e gestores, deve estabelecer parâmetros
às decisões judiciais que nelas intervém ou quando as suprem, de forma a observar
a Medicina baseada em evidências, sem perder de vista o cenário na qual está
inserida, em prestígio à segurança jurídica.

Palavras-chave: Direito constitucional à saúde. Judicialização da saúde. Custo


dos direitos.
ABSTRACT

This work is based on addressing the judicialization of health, specifically the right that
constitutes it, making a comparison between the dimensions of human rights,
constitutional and infra-constitutional provisions, their applicability, and their
realization in the factual world through individual judicial claims. It explores the causes,
historical context, and current scenario of related demands. Likewise, it questions the
potential possibility of lawful refusal by the Public Administration, touching on topics
such as the Theory of the Reserve of the Possible and the Minimum Existential,
including relevant jurisprudential understandings of the higher courts. Beyond this
point, the main issue of the study is how judicial commands are presented when they
compel the State to provide medications and medical-hospital treatments, particularly
concerning the content of the decisions, as it examines the limits of this judicial
intervention and its relation to mitigating the negative effects of excessive
judicialization. Moreover, to provide a broader discussion regarding the limitation of
this fundamental right, the research aims to dispel the common belief that, due to its
constitutional provision, the Public Administration must unconditionally provide the
claimed life goods or obligations, especially when the request is not included in the
current public policy. Thus, the article aims to discuss these limitations on judicial
commands and their impact on excessive judicialization, based on bibliographic,
documentary research, and case studies. Finally, it concludes that, although the State
cannot shirk its duty to provide services or goods already established in public policies,
the Judiciary, in collaboration with medical professionals and managers, must
establish parameters for judicial decisions that intervene or replace them, in a way
that observes evidence-based medicine, without losing sight of the context in which it
is inserted, in favor of legal certainty.

Keywords: Constitutional right to health. Judicialization of health. Cost of rights.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10

2 CONSTITUCIONALISMO E DIREITO À SAÚDE .................................................. 12


2.1 Constitucionalismo e Dimensões de Direitos Humanos ...................................... 13
2.1.1 Constitucionalismo moderno e os direitos individuais ...................................... 15
2.1.2 Constitucionalismo contemporâneo e os direitos sociais ................................. 17
2.2 A força normativa da constituição e a ascensão do Poder Judiciário .................. 18

3 A SAÚDE COMO DEVER E DIREITO DUPLAMENTE FUNDAMENTAL ............. 23


3.1 Conceito de Saúde no plano individual e coletivo ............................................... 25
3.2 Direito à Saúde no Plano Internacional ............................................................... 26
3.3 Previsão Constitucional ....................................................................................... 29
3.3.1 Direito à saúde como cláusula pétrea .............................................................. 33
3.3.2 Justiciabilidade do direito à saúde .................................................................... 37
3.4 Previsão Infraconstitucional e o Sistema Único de Saúde .................................. 39
3.4.1 Princípios do SUS e o significado de integralidade .......................................... 41
3.5 Implementação das políticas públicas ................................................................. 46

4 DIREITO À SAÚDE E ORÇAMENTO .................................................................... 49


4.1 Direitos como custos ........................................................................................... 49
4.1.1 A teoria da reserva do possível ........................................................................ 51
4.1.2 O direito à garantia de um mínimo existencial e a progressividade do direito à
saúde ........................................................................................................................ 55

5 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL ..................................................... 61


5.1 A judicialização e o ativismo judicial .................................................................... 62
5.2 O início e o desenvolvimento da judicialização da saúde no Brasil ..................... 64
5.3 Consequências da judicialização excessiva ........................................................ 71
5.4 Resposta do Poder Judiciário à judicialização .................................................... 75
5.4.1 Medidas administrativas ................................................................................... 75
5.4.2 Análise jurisprudencial...................................................................................... 80

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 86

REFÊRENCIAS......................................................................................................... 88
10

1 INTRODUÇÃO

Indissociável do ser humano, além da intrínseca característica


aristotélica da sociabilidade, é a incessante necessidade da busca do bem-estar físico
e mental, concomitantemente para si e seus pares. A saúde, dentro desse contexto,
reveste-se de condição singular ao pleno desenvolvimento da personalidade do
cidadão individualmente considerado e, de igual modo, ao da sociedade e das
diversas áreas científicas.
Nesse espectro, o moderno Estado Democrático de Direito brasileiro,
influenciado pelas construções teóricas valiosas advindas do pós-positivismo, e de
outras Constituições alienígenas, mostra-se imprescindível ao prever uma extensa
carta de direitos que possibilita ao cidadão o seu exercício fático e dotado de
concretude, notadamente em se tratando de direitos prestacionais.
Ademais, conforme foi minuciosamente tratado ao longo deste trabalho,
a evolução dos direitos humanos desempenhara fulcral atuação no que diz respeito
ao reconhecimento jurídico indistinto, em nível constitucional e de aplicação imediata,
de direitos individuais, difusos e coletivos. Esses últimos, na esteira das lições da
clássica e melhor doutrina, envolve o oferecimento, pelo Estado, de assistência
material aos desamparados, na busca da promoção da Justiça Distributiva e
prevenção do crescimento da desigualdade econômica e social.
No âmbito da saúde e com a finalidade de promover a disponibilização
fática de tais direitos, vale-se o Poder Público de promoção de políticas públicas à
população em geral, a exemplo de fornecimento gratuito de tratamentos médicos,
procedimentos cirúrgicos e de fármacos, inclusive de alto custo. Entretanto, o Poder
Executivo, responsável pelo fomento de tais prestações, com supedâneo na
discricionariedade, atributo dos atos administrativos, recusa tal fornecimento das
comodidades prestadas ao cidadão postulante, por razões diversas, principalmente
econômicas, as quais serão oportunamente exploradas.
Por conseguinte, ao cidadão é conferida a possibilidade de pretensão
judicial ao recebimento de tal comodidade, inicialmente recusada pelo Administrador,
daí intervindo o Poder Judiciário a fim de que o direito constitucional à saúde seja
efetivado a quem a ele faça jus. Logo, a judicialização deste direito é permeada por
questões como a essencialidade e sensibilidade do direito que é discutido em cotejo
com a possibilidade fática, jurídica e financeira de o Estado realizar a prestação de
11

direitos, originariamente sociais, ao cidadão que o pleiteia judicialmente, percebendo-


o de maneira direta e individual.
Atualmente, é possível concluir que tais pretensões, consubstanciadas
na busca de comodidades médicas, restritas àquelas não cobertas ou não
reconhecidas pelo Sistema Único de Saúde, embasam muitos dos processos judiciais
que tramitam nos Tribunais Estaduais, Federais e Superiores brasileiros. No corrente
ano, de acordo com o Painel de Estatísticas Processuais de Direito da Saúde (CNJ,
[s.d.]), que apresenta dados sobre a quantidade e a movimentação de processos
judiciais nos tribunais, os litígios que envolvem a saúde pública até o momento em
2024 se perfazem em 511,07 mil, neste número incluindo-se os feitos suspensos.
Nesse sentido, o objetivo principal do presente estudo foi realizar uma
análise da judicialização da saúde no Brasil e, em especial, compreender a forma
como que o Poder Judiciário, seja administrativa ou jurisprudencialmente, tem se
posicionado em relação ao tema.
O presente trabalho se utilizou, preponderantemente, dos métodos
demonstrativo (num primeiro momento, teve o escopo de apresentar um panorama
geral sobre o direito à saúde o funcionamento do Sistema Único de Saúde no Brasil,
e explicar a contento o fenômeno da judicialização), dialético (como a síntese entre a
o Princípio da Reserva do Possível e o Mínimo Existencial, e a confrontação de
diferentes posicionamentos) e dedutivo (para o fim de dissertar sobre o problema geral
da excessiva judicialização e seus desdobramentos específicos, sendo o principal a
necessidade da imposição de limites jurisprudenciais).
Quanto as técnicas de pesquisa empregadas, mereceu destaque a
teórica conceitual, mormente em relação à extensa e minuciosa investigação teórico-
bibliográfica sobre a evolução da matéria tratada e os principais conceitos utilizados
pela qualificada doutrina nacional e estrangeira. De igual turno, não se descurou da
teórica normativa, depreendida da análise dos principais diplomas normativos afetos,
como a Constituição Federal, Tratados Internacionais internalizados pelo Brasil e a
Lei Orgânica da Saúde.
Por fim, também foi utilizada a técnica empírica de estudo de caso,
sobretudo em relação ao exame de casos jurídicos relevantes e relacionados ao
direito à saúde ou o direito à vida, e os precedentes vinculantes estabelecidos pelas
Cortes Superiores.
12

2 CONSTITUCIONALISMO E DIREITO À SAÚDE

Em proêmio, com o advento do movimento Iluminista no século XIX, as


monarquias absolutistas europeias, notadamente a inglesa e a francesa, viram-se
isoladas devido ao crescimento exponencial das ideias burguesas liberais, apoiadas
por todas as classes sociais, que aspiravam a melhores condições de vida. A
decadência econômica destes estados fora aflorada e intensificada pelo
descontentamento geral com o regime autoritário absolutista.
Pragmaticamente, tal regime concentrava todo o poder do Estado sob a
guarda de apenas um governante: o mesmo rei que administrava, também criava a
legislação de seu Estado – inclusive definindo-lhe o alcance e o sentido – e julgava os
conflitos. Dessarte, justificado por constituir a máxima representação divina dentre os
homens, o poder Estatal era absolutamente discricionário, ilimitado e desvinculado de
qualquer norma prévia, reservado ao livre arbítrio de seu titular, consubstanciado pela
frase do rei francês Luís XIV: “L'État c'est moi”1, nos termos do que leciona Pedro
Lenza (2022).
Por conseguinte, cumpre mencionar que os ideais moderno-iluministas
jusnaturalistas, em contraposição ao Antigo Regime, foram permeadas
essencialmente pela pretensão de liberdade econômica, política e religiosa, e pela
igualdade formal dos cidadãos, propagadas pela burguesia.
Vale registrar que, nessa época, houve o crescimento exponencial de
criação de teorias pela busca da limitação do poder do estado, fomentadas por
soluções técnicas-jurídicas que possuíam o objetivo de promover vinculação a priori
do poder Estatal a um conjunto de leis escritas (influenciadas pelas leis naturais), de
modo a reduzir a influência do poder público na vida privada. No campo jurídico,
quanto à organização do Estado, propagavam-se as ideias contratualistas de John
Locke, Thomas Hobbes e Jean Jacques Rousseau e, quanto à separação de poderes,
a de Barão de Montesquieu.
Como exemplo máximo e de maior influência dessa corrente, segundo
Bittar (2016), o contrato social rousseauniano era formado pela vontade geral2, cujas
leis do Estado externalizavam a soberania do povo como forma de evitar a desordem

1O Estado sou eu. (tradução nossa)


2Neste caso, a vontade geral deve ser entendida como a união das vontades individuais da coletividade
de pessoas, ao invés de sua simples somatória.
13

social, com o escopo de limitar o poder, profundamente influenciadas pela carga


axiológica, metafísica e universal do Direito Natural. Nas palavras do autor:

Das leis naturais deve defluir uma inspiração para a formação das leis do
Estado. Isso porque o Estado precisa respeitar ditames ordenados pelo
direito natural, não constrangendo, por exemplo, a liberdade de vida que cada
indivíduo preserva mesmo após ter aderido ao pacto social. Eis um impeditivo
ao avanço do poder do Estado.

Portanto, é de se averbar que as teorias incipientes do Iluminismo,


mormente o contrato social, tiveram fundamental importância em alavancar a limitação
do poder estatal ao prever o núcleo essencial dos direitos fundamentais de liberdade,
de modo a tornar o titular do poder como o representante da vontade popular restrito
ao alcance da lei criada pelo povo. Com este fundamento, fora criada a Declaração
Universal Dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789, que influenciou a carta de
direitos prevista na Constituição Francesa de 1791.
Dessarte, faz-se imperiosa uma compreensão geral e análise histórica,
ainda que singela, do constitucionalismo, especialmente o moderno e o
contemporâneo, os quais se desenvolveram, nos séculos XIX e XX, a partir da criação
do Estado de direito (rule of law), com o apoio do desenvolvimento da teoria da
separação dos poderes e da ideia de democracia.

2.1 Constitucionalismo e Dimensões de Direitos Humanos

Em se fazendo um recorte histórico para o início da Idade


Contemporânea, não se descuidando que a Constituição escrita ocidental teve suas
origens em diferidas cartas no século XVII3 nos Estados Unidos (ainda colono) e na
Inglaterra, fato é que a Revolução Francesa de 1789 chancelou a tomada do poder
pela burguesia, fazendo com que o povo fosse o próprio titular do poder por meio de
representantes4, e inaugurou o constitucionalismo escrito.
Amparada na necessidade de se criar um coordenado e sistematizado
conjunto normativo que organizasse e sujeitasse o Estado em suas funções
primordiais e controlasse o poder político, a criação pelos próprios governados de uma

3 Fundamental Orders of Connecticut (1639), Habeas Corpus Act (1679), Bill of Rights (1668).
4 A Declaração Universal Dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) em seu artigo 3º proclama que:
“O princípio de toda a soberania reside essencialmente na Nação. Nenhuma corporação, nenhum
indivíduo pode exercer autoridade que aquela não emane expressamente.”
14

Constituição escrita foi a solução encontrada a fim de promover a democracia e


garantir, ainda que formalmente, o princípio da legalidade, a igualdade dos cidadãos,
a separação dos poderes e os direitos e liberdades individuais.
Na esteira das lições de José Joaquim Gomes Canotilho (2002, p. 51), a
expressão “movimentos constitucionais” melhor se adequa a sua compreensão, ante
suas diferentes expressões em diferentes épocas e estados, que consigo carregam
características teóricas comuns e próprias do constitucionalismo:

O movimento constitucional gerador da constituição em sentido moderno tem


várias raízes localizadas em horizontes temporais diacrónicos e em espaços
históricos geográficos e culturais diferenciados. Em termos rigorosos, não há
um constitucionalismo mas vários constitucionalismos (o constitucionalismo
inglês, o constitucionalismo americano, o constitucionalismo francês). Será
preferível dizer que existem diversos movimentos constitucionais com
corações nacionais mas também com alguns momentos de aproximação
entre si, fornecendo uma complexa tessitura histórico-cultural. E dizemos ser
mais rigoroso falar de vários movimentos constitucionais do que de vários
constitucionalismos porque isso permite recortar desde já uma noção básica
de constitucionalismo. Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue
o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em
dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade.
Neste sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica
específica de limitação do poder com fins garantísticos.

Dentre as lições doutrinárias, em uma noção incipiente acerca de seu


conceito, destaca-se aquela que o define como um instrumento teórico que se destina
a limitar o poder estatal, de forma a evitar abusos e arbitrariedades por quem
devidamente o detenha, ao prever a organização político-jurídica do Estado, o
processo legislativo e a carta de direitos oponíveis contra o Estado (direitos
fundamentais). Noutros termos, o constitucionalismo pressupõe a estrita e prévia
vinculação jurídica (sub specie juris) do titular do Poder (governante), como forma de
restringi-lo.
Por conseguinte, a constituição escrita, como a representação máxima
dessa teoria, é objeto de infindáveis discussões acadêmicas, possuindo múltiplas
acepções e sentidos. Nesse sentido, em sua obra Teoria Pura do Direito, publicada
em 1934, Hans Kelsen identifica a constituição como norma jurídica fundamental e
pressuposto de criação das demais normas, despindo o seu conteúdo de qualquer
conteúdo que não seja o jurídico, revelando a criação do direito pelo próprio direito.
Nesse sentido, “O catálogo de direitos fundamentais e direitos de liberdade, que
15

constitui uma parte típica das constituições modernas, não é essencialmente nada
além de uma tal determinação negativa.” (KELSEN, 2021, p. 69).
Por sua vez, Karl Lowenstein, ao tratar de seus sentidos ontológicos
(normativo, nominativo e semântica), rechaça a definição kelseniana da exclusiva
juridicidade, admitindo que a constituição abarca outros conteúdos além do jurídico,
devendo o seu conteúdo corresponder à realidade. O jurista alemão acrescenta que
esta traduz efetivamente o processo político, e representação do poder popular e os
seus anseios ao tempo da manifestação constituinte, bem como a identidade entre a
semântica da carta constitucional e a realidade social e, em suas palavras:

Para que una constitución sea viva, debe ser, por lo tanto, efectivamente
“vivida” por destinatarios y detentadores del poder, necesitando un ambiente
nacional favorable para su realización. [...] Para que uma constituición sea
viva no es suficiente que sea válida em sentido jurídico. Para ser real y
efectiva, la constitución tendrá que ser observada lealmente por todos los
interesados y tendrá que estar integrada em la sociedad estatal, y ésta em
ella. La constitución y la comunidad habrán tenido que pasar por una
simbiosis.5 (LOWENSTEIN, 1973, p. 217)

Logo, a história das constituições dos estados guarda intrínseca relação


com a evolução dos direitos fundamentais6, na medida em que a constitucionalização
de um direito faz com que o sobreleve ao máximo patamar da escala de normas
jurídicas7. De forma semelhante, norteia a execução da política do Estado, por
reclamar dever de submissão os direitos dos cidadãos previstos em uma lei maior.

2.1.1 Constitucionalismo moderno e os direitos individuais

5 Tradução livre: “Para que uma constituição seja viva, deve ser, portanto, efetivamente vivida pelos
destinatários e detentores do poder, necessitando de um ambiente nacional favorável à sua realização.
[...] Para que uma constituição seja viva, não é suficiente que seja válida em sentido jurídico. Para ser
real e efetiva, a constituição terá de ser observada lealmente por todos os interessados e estar
integrada na sociedade estatal, e aquela nesta. A constituição e a comunidade terão de passar por uma
simbiose.”
6 Os direitos fundamentais devem ser entendidos como os direitos humanos positivados na constituição

de um Estado.
7 O status constitucional do direito traduz a ideia de dificuldade de alteração de seu conteúdo pelo

procedimento legislativo qualificado, além da impossibilidade de sua revogação por uma norma
infraconstitucional (a norma conflitante será presumidamente inconstitucional antes mesmo de
ingressar no ordenamento). Ressalte-se que os direitos fundamentais fazem parte do núcleo
imodificável da Constituição brasileira de 1988 (art. 60, § 4º), submetendo-se, de igual modo, ao
Princípio da Vedação ao Retrocesso (ou efeito cliquet).
16

Carreadas pelos sentimentos burguês de liberdade e igualdade,


teorizados pelo Iluminismo e consolidados pela Revolução Francesa8, principalmente
nas esferas econômica e política, bem como pela necessidade de se prever
mecanismos que evitassem a arbitrariedade por quem detivesse o poder, as primeiras
constituições foram unânimes em prever semelhantes direitos.
Nesta baila, os estados liberais do século XVII foram pensados e
estruturados com base nos direitos humanos de primeira dimensão: os direitos
individuais (v.g. direito à igualdade formal e o direito à liberdade9), aviltando a
influência estatal em relação à vida privada, nos termos do que disciplinou a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, consoante já frisado.
Nesse sentido, os Estados Unidos, após a promulgação das dez
primeiras emendas (Bill of Rights – 1791), a carta dos referidos direitos negativos de
primeira dimensão foi incorporada à Constituição de 1788. Segundo Barroso (2022, p.
16), “Nelas se consagravam direitos que já constavam das constituições de diversos
Estados e que incluíam as liberdades de expressão, religião, reunião e os direitos ao
devido processo legal e a um julgamento justo.”. Por sua vez, em 1791 a França tomou
igual rumo, inclusive se utilizando da carta de direitos prevista na Declaração de 1789.
É indispensável se averbar que, nesta época, não havia qualquer tipo de
coação constitucional, no sentido de que o administrador não era vinculado à
execução destes direitos por qualquer mecanismo legal. Conforme será tratado em
momento deste capítulo, a força normativa da constituição somente desenvolver-se-
ia em período posterior, culminando-se na mera discricionariedade a observância
destes direitos pelo Poder Executivo10 (BARROSO, 2022, p. 93).
Portanto, é nítido que tais direitos revelam uma atuação negativa do
Estado (não-fazer), valorizando-se o indivíduo em detrimento do corpo social, a fim de
garantir que a liberdade formal dos cidadãos face ao arbítrio do Estado, considerados
estes como iguais perante a lei, sem qualquer distinção.

8 O seu lema foi a “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.


9 Entendida assim em suas diferentes acepções, seja a individual (no sentido de não ser privado de
sua liberdade sem fundada razão e a religiosa), a econômica (direito à propriedade e a sua livre
disposição, à livre iniciativa) e a política (votar e ser votado).
10 Malgrado a inexistência de vinculação jurídica à observância de tais direitos, fato é que a pressão e

o anseio popular exerciam tal controle, mormente em se visando a aceitação política de um governo.
17

2.1.2 Constitucionalismo contemporâneo e os direitos sociais

O absenteísmo estatal preconizado pelos direitos individuais,


notadamente a igualdade formal, gerou concentração de renda em razão do terreno
fértil gerado pelo liberalismo político e econômico. A falta de condições materiais
mínimas ao exercício de tais liberdades ocasionou a marginalização e a falta de
igualdade de oportunidades necessárias ao desenvolvimento social.
As primeiras e expoentes Constituições que propuseram uma nova
roupagem aos direitos foram a mexicana de 1917 e a alemã de 1919 e, posteriormente
por elas inspirada, houve a promulgação da Constituição brasileira de 1934. No plano
internacional, ganharam destaque a Declaração da ONU de 1948 e o Pacto
Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, de 1966.
Em suma, tais direitos acompanharam a tendência política do Welfare
State, na medida em que os Estados procuraram intervir na economia e implementar
o assistencialismo material com o fim de promover a justiça distributiva e evitar as
mazelas trazidas pela inação estatal, na esteira das características dos primitivos
direitos fundamentais, sem prejuízo da convivência pacífica entre tais direitos11.
Em total contramão aos direitos fundamentais de primeira dimensão, os
novos direitos (chamados doutrinariamente de segunda dimensão) conjecturavam a
atuação positiva do Estado, ou seja, uma atitude de cunho eminentemente
prestacional, de forma a garantir a igualdade material aristotélica12, e não a simples
igualdade dos homens perante a lei. É o que leciona Barroso (2022, p. 202):

As sociedades ocidentais, quer pelo avanço da consciência social, quer pelo


ímpeto de conter o apelo das ideias socialistas, passaram a incorporar à sua
agenda política e institucional compromissos com a melhoria das condições
de vida das pessoas, sobretudo as menos favorecidas. Diante disso, aumenta
o nível de intervenção do Estado na economia, que assume compromissos
de oferta de serviços, bens e utilidades diversos, que podem incluir desde
acesso à água, alimentação e abrigo até prestações envolvendo educação,
saúde e previdência social, em meio a muitas outras. Direitos sociais estão
ligados à superação das falhas e deficiências do mercado, à proteção contra
a pobreza e à promoção de justiça social. Seu objeto é assegurar aos
indivíduos vida digna e acesso às oportunidades em geral. Idealmente, são
direitos que devem ser satisfeitos, não por prestações individuais, mas por
serviços públicos de qualidade disponíveis para todos. O reconhecimento e a

11 A doutrina em geral, de forma costumeira, critica Norberto Bobbio ao se utilizar da expressão


“geração” de direitos humanos, ao invés de “dimensão”, justamente pela possibilidade de coexistência
pacífica desses direitos, e não pelo total abandono de gerações pretéritas.
12 Mencione-se a célere frase de Aristóteles, ao definir a igualdade material: “tratar os iguais igualmente

e desiguais desigualmente, na medida de sua desigualdade.”.


18

exigibilidade dos chamados direitos sociais constituem uma das questões


mais tormentosas do direito constitucional contemporâneo.

Segundo Sarlet (2016, p. 385), tais direitos são responsáveis por


inaugurar transição do Estado Constitucional a Estado Social. Especificamente sobre
os direitos sociais, referido autor faz a alusão de que sua titularidade é individual,
malgrado sejam destinados a classes sociais economicamente e culturalmente
desfavorecidas.
Logo, faz-se mister a conclusão de que os direitos de segunda dimensão
se constituíram em benefício da coletividade em geral em contraposição à
individualidade, impondo nítidas obrigações ao Estado, a serem implementadas e
executadas pelo Poder Executivo.
Em que pesem sejam costumeiramente ligados diretamente aos direitos
dos trabalhadores como forma de proteção ao polo hipossuficiente da relação
trabalhista, fato é que o direito à seguridade social também é catalogado como um
dos principais dessa dimensão de direitos.
Por corolário lógico, o direito à saúde desponta como uma das subáreas
do direito à seguridade social, ao lado do direito à assistência social e direito à
previdência social dentro deste espectro. (TAVARES, 2022, p. 325).

2.2 A força normativa da constituição e a ascensão do Poder Judiciário

A supremacia da constituição, principal objeto de estudo kelseniano,


torna o tratamento da Constituição perante a doutrina especializada como norma
fundamental, no sentido de ter o escopo de ser parâmetro para toda e qualquer
produção normativa ulterior na sua forma e conteúdo, o que implica na adequação
dos atos normativos, sejam eles oriundos do Poder Executivo ou Legislativo, aos
direitos fundamentais.
Por conseguinte, conforme já tratado, os direitos fundamentais careciam
de instrumentos que possibilitassem sua realização no plano fático. Noutros termos,
os direitos que estavam previstos na carta de uma constituição tornavam-se, pouco a
pouco, simplesmente um escrito em uma folha de papel, notadamente em virtude de
sua não transposição ao mundo dos fatos: a previsão abstrata de comandos
constitucionais, não se concretizava materialmente.
19

Outrossim, para alguns, o fato de a norma necessitar de


complementação normativa obstava a sua aplicação e observância por parte do
aplicador do direito e intérprete constitucional.
Não obstante as lições pioneiras de Ruy Barbosa13, e a de Pontes de
Miranda14, a classificação normativa-constitucional proposta por José Afonso da Silva
é a que mais goza de prestígio na doutrina constitucional. O autor propõe que as
normas (princípios e regras) constitucionais poderiam ser divididas em normas de
eficácia plena, de eficácia contida e as de eficácia limitada.
Segundo o jurista (1982 apud Mitidiero, Marinoni e Sarlet, 2023, p. 79):

Normas de eficácia plena seriam aquelas que, por serem dotadas de


aplicabilidade direta, imediata e integral, não dependem da atuação do
legislador ordinário para que alcancem sua plena operatividade, já que,
“desde a entrada em vigor da Constituição, produzem, ou têm possibilidade
de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses,
comportamentos e situações que o legislador constituinte, direta ou
indiretamente, quis regular”.

Já as normas de eficácia contida, dotadas de aplicabilidade direta, imediata,


mas possivelmente não integral, “são aquelas em que o legislador constituinte
regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas
deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária
do Poder Público, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de
conceitos gerais nelas enunciados”.

As normas de eficácia limitada, por sua vez, caracterizam-se essencialmente


pela sua aplicabilidade indireta e reduzida, não tendo recebido do legislador
constituinte a normatividade suficiente para, por si sós e desde logo, serem
aplicáveis e gerarem seus principais efeitos, reclamando, por este motivo, a
intervenção legislativa. Ressalte-se que as normas de eficácia limitada
englobam tanto as normas declaratórias de princípios programáticos, quanto
as normas declaratórias de princípios institutivos e organizatórios, que
definem a estrutura e as funções de determinados órgãos e instituições, cuja

13 Referido autor classificava as normas constitucionais quanto à sua aplicação em: autoaplicáveis (self-
executing), e; não autoaplicáveis (not self-executing). As primeiras referiam-se àquelas que conferiam
direitos ou pressupunham a execução de um dever, e as últimas, quando se tratava de princípios ou a
criação de órgãos. A classificação proposta era inspirada no direito norte-americano, o que, mais tarde,
ocasionou a incompletude da classificação ao ser transposta ao direito brasileiro pelo fato de o common
law ser norteado pela formação do direito preponderantemente jurisprudencial. Além disso, a expressão
utilizada traduz a ideia equivocada de que, por ser a norma autoaplicável, não poderia ser
regulamentada por outra infraconstitucional. (MITIDIERO, MARINONI e SARLET, 2022)
14 Mitidero, Marinoni e Sarlet (2022) dissertam que: ”Neste sentido, Pontes de Miranda, cuja

terminologia apresenta o mérito de ressaltar com maior precisão o critério com base no qual pauta a
distinção entre as normas no que concerne à sua eficácia e aplicabilidade, também sustentava a
classificação das normas em dois grupos, dependendo de seu grau de completude, notadamente, as
normas bastantes em si mesmas, que independem de concretização legislativa para alcançarem sua
plena eficácia, bem como de normas incompletas, isto é, não bastantes em si mesmas e que, por este
motivo, reclamam atuação do legislador infraconstitucional.” (grifo nosso)
20

formatação definitiva, contudo, se encontra na dependência do legislador


ordinário. (grifo nosso)

Em suma, as normas de eficácia15 plena são bastantes por si mesmas,


as de eficácia contida podem (ou não) ter o seu alcance reduzido por lei
infraconstitucional ulterior, e as de eficácia limitada são aquelas que dependem de lei
infraconstitucional posterior para produzirem efeitos quanto ao seu próprio conteúdo.
O uso da expressão “quanto ao seu próprio conteúdo” é primordial, na
medida em que sempre produzem efeitos jurídicos (plano internormativo), ou seja,
ainda que a situação, comportamento ou relação regulada não possam ser
controlados faticamente pela norma, estas são, desde o início de sua vigência,
responsáveis pela derrogação ou não recepção de outras normas com elas
incompatíveis. Entretanto, as potencialidades de produção de efeitos no plano fático
da norma de eficácia contida e limitada serão, respectivamente, restringíveis e
restritas.
Adentrando à força normativa, Konrad Hesse, em contraposição a
doutrina de Ferdinand Lassalle, proclama que:

A Constituição jurídica logra converter-se, ela mesma, em força ativa, que se


assenta na natureza singular do presente (individuelle Beschaffenheit der
Gegenwart). Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela
pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas
tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a
própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos
os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se
puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. Concluindo, pode-se
afirmar que a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-se
presentes, na consciência geral – particularmente, na consciência dos
principais responsáveis pela ordem constitucional –, não só a vontade de
poder (Wille zur Macht), mas também a vontade de Constituição (Wille zur
Verfassung).

Portanto, a efetividade (eficácia social) de uma norma jurídica,


compreendida assim como congruência entre o “dever-ser” (previsão jurídica abstrata)
e o “ser” (realidade social concreta), deve-se espraiar por todo o ordenamento jurídico,
sobretudo a Constituição, e ser dotada de plena aplicabilidade por si só,
independentemente de norma infraconstitucional. (BARROSO, 2022)

15 Eficácia, segundo José Afonso da Silva (1988), é ”a capacidade de atingir objetivos previamente
fixados como metas. Tratando-se de normas jurídicas a eficácia consiste na capacidade de atingir os
objetivos nela traduzidos que vêm a ser, em última análise, realizar os ditames jurídicos objetivados
pelo legislador.”.
21

Nesse interregno, adquirem especial qualidade os direitos e garantias


fundamentais: diferem-se das outras normas constitucionais de simples organização
de órgãos, na medida em que constituem prerrogativas ao cidadão face ao Estado, e
possuem dupla natureza: são princípios objetivos e direitos subjetivos. A
hermenêutica constitucional de tais direitos pressupõe a atuação conjunta do Poder
Executivo, Legislativo e Judiciário a fim de dar-lhe máxima efetividade e promoção
quando os direitos fundamentais se mostram sob a faceta principiológica, e proteger-
lhes em caso de violações. (BARROSO, 2022) (TAVARES, 2022)
Denotando o tratamento diferenciado pelo constituinte, é de se ratificar o §
1º do art. 5º da CF, que será trabalhado mais adiante quando da composição do direito
à saúde no rol de direitos fundamentais, define que os direitos e garantias
fundamentais independem de norma infraconstitucional para a sua aplicação, ou seja,
possuem aplicação imediata, que decorre por força da própria previsão constitucional,
ou seja, da Força Normativa da Constituição.
Além disso, faz-se imperiosa a anotação doutrinária no sentido de que os
direitos fundamentais são, mais especificamente, direitos subjetivos fundamentais.
Logo, a característica de subjetividade traduz o sentido de facultatividade de seu
exercício pelo titular que o detém segundo o direito objetivo, inclusive dispondo o
modo e a finalidade de sua utilização em caso positivo de os exercê-los, respeitados
os direitos alheios, a boa-fé, os usos e costumes, e a razoabilidade e
proporcionalidade.
Indubitavelmente, com o descumprimento de uma norma jurídica-
constitucional por parte do Estado-legislador ou Estado-administrador, nasce ao titular
uma pretensão jurídica (também facultativa), em virtude de sua violação: seja por sua
má-realização, quando provido em desconformidade com os parâmetros
constitucionais, ou pela omissão em provê-lo. (TAVARES, 2022)
Nesta baila, cabe ao Estado-juiz, devidamente provocado pelo interessado,
promover sua justiciabilidade e execução forçada sob o fundamento constitucional da
inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV da Constituição Federal de 1988), fundada
na eficácia irradiante dos direitos fundamentais e na teoria dos freios e contrapesos
entre os poderes. (BARROSO, 2022)
A separação dos poderes fora preconizada por Charles Louis de Secondat,
o Barão de Montesquieu, primordialmente desenvolvida em sua obra o Espírito das
22

Leis. Em apertada síntese, a histórica obra defende que a concentração de atribuições


do Estado em um órgão singular tornaria a atuação estatal tirânica, na medida em que
um poder pretende, naturalmente, a se tornar mais poderoso. A teoria dos “checks
and balances16” garante a restrição recíproca entre os três poderes constitucionais,
em virtude da existência de mecanismos que “freiam” o exercício exacerbado (fora
dos limites legais e finalísticos) de um poder.
Ademais, faz-se a crucial observação de que o Poder Judiciário adquire
notável primazia neste ponto, por ser a única alternativa a disposição do cidadão
lesado em seu direito. É digno de nota que os Tribunais, atraindo para si tal questão,
avocam a decisão de questões que naturalmente não são de sua competência, haja
vista que a execução de políticas públicas é de competência do Poder Executivo na
sua essência, os quais deslocam recursos previamente planejados e destinados para
tanto.
Portanto, em se fixando olhar exclusivamente à matéria de aplicabilidade e
efetividade dos direitos e garantias fundamentais, e sem perquirir suas causas e
consequências, a judicialização da saúde representa a alternativa hábil ao cidadão no
que toca à vinculação dos demais poderes, notadamente o Executivo, ser compelido
a conferir tratamentos médicos e medicamentos, quando não obtidos por via das
políticas públicas.

16 Freios e contrapesos, em português.


23

3 A SAÚDE COMO DEVER E DIREITO DUPLAMENTE FUNDAMENTAL

O direito à saúde, nos moldes como conhecemos atualmente, é fruto de um


processo histórico que, pouco a pouco, tornou o mister de promover a saúde a uma
responsabilidade do Estado, através do reconhecimento da natureza coletiva do
direito, e também da interdependência com outros direitos correlatos, a partir da
apreensão de concepção de saúde pública.
Essa dimensão coletiva foi introduzida pela conclusão científica de que a
restauração da saúde de um indivíduo ou de uma parcela doente da sociedade
depende de medidas metaindividuais, a serem adotadas por todas as classes sociais,
que devem ser estimuladas e amplamente divulgadas pelo Estado, como a adoção de
costumes higiênicos, ou a própria vacinação.
Historicamente, conforme os meios de produção em massa se
desenvolviam durante a Revolução Industrial (séc. XVIII e XIX), maior se tornava a
busca por mão de obra trabalhadora, que exerciam o seu labor em ambientes
insalubres ou sem qualquer tipo de fiscalização sanitária.
Por conseguinte, o desenvolvimento de doenças tornou-se comum nos
ambientes de trabalho causado pelas condições insalubres e jornadas de trabalho
extenuantes e de longa duração. De igual modo nas moradias dos trabalhadores em
razão da falta de saneamento básico causada pelo intenso surto de urbanização nas
cidades.
Dallari (1998), sobre tal evolução, disserta que:

O evoluir desse processo acabou conscientizando todo o povo,


especialmente a partir da Segunda Guerra Mundial, para a necessidade de
responsabilização do Estado pela saúde da população, agora compreendida
não apenas como a ausência de doenças. Com efeito, o completo bem estar
físico, mental e social não pode ser conseguido apenas com atitudes
isoladas. Ninguém tem condições de alcançar somente com seus próprios
meios tal estado de bem-estar na sociedade moderna.

A concepção do estado liberal, muito embora calcada na própria ideia de


liberdade e de abstenção na vida dos cidadãos, transforma o panorama de que a
saúde seria apenas curativa, medicinal ou farmacológica (mesmo porque o exercício
da Medicina e a Farmácia já possuíam regulamentação), mas também preventiva pela
concepção e evolução da noção de higiene. (DALLARI, 2003)
24

Num primeiro momento, pode parecer contraditório o fato de o Estado, que


seria em tese liberal, ter inovado pela atração da responsabilidade sanitária para si.
Entretanto, a ideia de saúde pública ganhou importância na medida em que a
burguesia, titular do poder, notava que uma classe trabalhadora saudável maximizava
seus lucros. (PIVETTA, 2010)
Desta forma, ao invés de a saúde ser enfrentada pelos políticos como um
gasto financeiro, passou a ser tratada como investimento, já que a prevenção de
doenças ganhou força na comunidade internacional com o fim de evitar graves
epidemias. Logo, a eclosão da vacinação despontou como máxima expressão dessa
guinada de convicção.
Em seguida, no começo do séc. XX, houve o recrudescimento da ideia de
efetividade de direitos de segunda dimensão. Esses direitos, fundados na ideia de
promoção da igualdade social e de maior intervenção do Estado propostas pelo
Welfare State, acarretou a implementação e da execução de políticas públicas de
prevenção de doenças, como resultado da preocupação dos Estados em atender aos
comandos das constituições sociais.
A Organização das Nações Unidas, com vistas à promoção conjunta de
melhores condições de vida aos cidadãos de seus Estados-membros, constituiu uma
agência especializada, a Organização Mundial da Saúde - OMS (World Health
Organization – WHO, em inglês), que possui a função precípua de “direcionar e
coordenar a saúde internacional dentro do sistema das Nações Unidas”.
(ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2024)
Em suma, é o órgão responsável por orientar os países em relação ao
enfrentamento e a gravidade de doenças, bem como por direcioná-los, através de
pareceres e conferências, em busca de comportamentos e atitudes que visem ao
desenvolvimento de políticas públicas que se valem de tratamentos cientificamente
comprovados.
Por fim, é possível concluir que tal direito adquire especial importância em
nosso ordenamento, já que o direito à saúde é intrinsecamente ligado ao princípio da
dignidade humana, na medida em que este constitui um fundamento da República
Federativa do Brasil (art. 1º, III da Constituição Federal), isto é, uma baliza sobre o
qual se funda o Estado Democrático, além de representar vetor indispensável em
25

matéria de hermenêutica constitucional e direitos fundamentais, como um


desdobramento do direito à vida.

3.1 Conceito de Saúde no plano individual e coletivo

Inicialmente, cumpre mencionar que o verbete “saúde” é polissêmico.


Entretanto, os significados convergem para o entendimento de que saúde é uma
regular condição física e mental, e de bom funcionamento do organismo. No
dicionário, o substantivo “saúde” é tratado como:

a) Estado habitual de equilíbrio do organismo; boa disposição física e mental;


bem-estar, higidez;
b) Estado do organismo que está em equilíbrio com o ambiente, mantendo as
condições necessárias para dar continuidade à vida;
c) Condição de quem está saudável: boa saúde;
d) Demonstração de força; vigor, robustez. (DICIO, [s.d.])

Em preambular análise, a saúde é caracterizada como “ausência de


doença”, na medida em que uma condição clínica que afeta negativamente o
organismo é responsável por impedir o regular funcionamento do organismo.
Nesse contexto, embora os conceitos “saúde” e “doença” estejam
diretamente interligados, ressalte-se que o critério exclusivo da inexistência de mazela
física, mental ou social não pode ser considerado “saúde”. Tal conceito seria
equivalente ao da mera existência física, o que não se coaduna com o Princípio da
Dignidade Humana, notadamente porque a vida digna – e saudável - não deve ser
reduzida à simples existência. (SARLET, 2016)
A OMS, através de sua Constituição (1946), define saúde como “um estado
de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de
doença ou de enfermidade.”. Não obstante o caráter amplo da definição, o “estado de
completo bem-estar” é, em verdade, um ideal a ser almejado, e que tem como
parâmetro exclusivamente a noção individual de “bem-estar”.
É de se salientar que a busca pela saúde é um objetivo a ser buscado por
todos os países, o que obriga a Medicina internacional, como ciência, estar em dia
com as necessidades da população, já que novas doenças e desafios para o bem-
estar surgem rotineiramente, e ser instada, através de estudos científicos, a oferecer
novos tratamentos destinados a melhoria da qualidade de vida.
26

Além disso, a saúde está diretamente interligada com outros fatores, que
dela derivam ou é derivada, como a alimentação, trabalho, saneamento básico,
moradia, e o meio ambiente ecologicamente sustentável.
Disso extrai-se que a saúde não pode ser dimensionada apenas
individualmente. Ainda que a genética ou condições individuais influam no surgimento
de doenças e no estado de bem-estar, estes fatores externos também devem ser
considerados para o conceito de saúde, revestindo-o de uma dimensão coletiva, o que
consolidou a importância da saúde pública que, invariavelmente, reflete na saúde
individual.
Um exemplo claro de materialização da saúde pública, foram as medidas
tomadas pelos Governadores durante a pandemia de COVID-19. Como uma doença
infectocontagiosa, que não dependia do esforço ou nível de saúde individual para a
sua superação, foi necessária uma intervenção do Estado, como expressão do poder
de polícia, para evitar o crescimento exponencial da doença, como as medidas
coletivas de isolamento e a vacinação, destinadas à população em massa, e não a
um indivíduo em específico, já que não teriam o mesmo êxito.
A saúde pública, portanto, é o conjunto de ações sistematicamente
organizadas pelo Estado que destinado a prevenir a proliferação de doenças num
macro contexto, que se manifestam através de elaboração de medidas sanitárias, que
variam desde a conscientização da população por meio de campanhas até a melhoria
no sistema de abastecimento e esgoto. Assim, vê-se que a ingerência estatal é
fundamental para a condução do processo de saúde individual.

3.2 Direito à Saúde no Plano Internacional

Em incipiente análise, faz-se necessário conferir o destaque merecido ao


Direito Internacional. Os países, na busca pelo cumprimento comum de objetivos que
ultrapassam a necessidade de seus próprios interesses, organizam-se para criar
obrigações aos Estados com a finalidade de garantir direitos humanos para pessoas
indeterminadas, ou seja, para seus próprios nacionais e também aos estrangeiros.
Por conseguinte, atentando-se a gradual agregação do Direito
Internacional como fonte formal do Direito, é de se rememorar o fato de que direitos e
garantias previstos em um Tratado Internacional ratificado pelo Brasil, após aprovação
27

do Congresso Nacional17, são incorporados ao ordenamento jurídico nacional, e


passam a constituir lei em sentido amplo, dotada de plena validade jurídica.
Por conseguinte, é de grande valia a menção à Emenda Constitucional nº
45/2004. Ela acrescentou o § 3º ao art. 5º da Constituição Federal, dispondo que, na
hipótese de o tratado ou convenção versar sobre direitos humanos e serem aprovados
com quórum qualificado nas duas casas do Poder Legislativo federal, o tratado será
equivalente a uma emenda constitucional.
Destarte, a internacionalização do direito é uma consequência natural do
esforço comum dos países em estabelecer direitos humanos, de forma a ordenar uma
unificação da carta de direitos dos signatários. Nessa medida, os dispositivos legais
dos países signatários que contrariem o tratado, carta ou convenção ou que com eles
sejam incompatíveis, serão tidos por “inconvencionais”, o que culminará na
responsabilização do Estado perante os tribunais internacionais, a exemplo da Corte
Interamericana de Direitos Humanos.
No campo internacional, o direito à saúde tomou forma após a Segunda
Guerra Mundial, através da positivação da Carta das Nações Unidas de 1945,
dispositivo criador da Organização das Nações Unidas (ONU). Por sua vez, esta tem
o objetivo, entre outros, de promover a paz mundial e autodeterminação dos povos e
de resolver problemas de caráter comum, nos termos de sua Carta:

Artigo 1. Os propósitos das Nações unidas são:


[...]
3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas
internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para
promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades
fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e
4. Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a
consecução desses objetivos comuns.
[...]
Artigo 55. Com o fim de criar condições de estabilidade e bem estar (SIC),
necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no
respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos
povos, as Nações Unidas favorecerão:
a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e
desenvolvimento econômico e social;
b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e
conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e
c) o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades
fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.
(BRASIL, 1945) (grifo nosso)

17 Cf. Art. 49, I, Constituição Federal (BRASIL, 1988)


28

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ORGANIZAÇÃO DAS


NAÇÕES UNIDAS, 1948), preocupada em rechaçar “atos bárbaros que ultrajaram a
consciência da humanidade”, como é disposto no preâmbulo, inova ao prever
implicitamente a seguridade social aos trabalhadores como um direito humano em seu
art. 23, já que dispõe sobre a proteção social aos que necessitarem. No art. 2518da
Declaração, é previsto o direito a um padrão de vida que assegure saúde e cuidados
médicos.
Com o fito de criar obrigações jurídicas aos Estados signatários quanto aos
direitos de segunda dimensão, foi criado o Pacto Internacional de Direitos Sociais,
Econômicos e Culturais de 1966, responsável por complementar e aprofundar os
conceitos e direitos da Declaração de 1948.
Impende mencionar que o Brasil é signatário deste pacto, que ostenta plena
vigência no plano nacional por ter sido incorporado ao ordenamento nacional por meio
do Decreto nº 591/92, disciplina em seu artigo 12, inciso I, que “os Estados Partes do
presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível
possível de saúde física e mental.”19.
Por serem direitos que exigem prestações positivas do Estado, e
demandarem maior alocação de recursos para a sua consecução, a implementação
destes é condicionado à ideia de progressividade prevista no art. 2º, I do PIDESC, e
que, segundo Aith (2019):

18 “Artigo 25
1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde,
bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais
indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou
outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças,
nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.” (ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS, 1948)
19 No inciso II do mesmo dispositivo, há a previsão de que:

“As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno
exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar:
a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento são das
crianças;
b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente;
c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como
a luta contra essas doenças;
d) A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de
enfermidade.”
29

dificulta bastante o controle na realização destes direitos e de suas violações,


pois permite que os Estados escapem das sanções previstas no ordenamento
internacional, sob o argumento de que estão os realizando dentro de suas
capacidades.

Nesse espectro, compreendem-se alocados no interior desse direito para


proporcionar-lhe efetividade, constituindo o objeto do presente estudo, o fornecimento
de tratamentos médicos e ações sanitárias preventivos (procedimentos que impedem
a contração de doenças por indivíduos saudáveis, v.g. imunizações, distribuição
gratuita de preservativos, saneamento básico, conscientização por meio de
campanhas), terapêuticos (procedimento que objetiva restaurar a saúde ou diminuir
os sintomas de um indivíduo acometido por uma doença), bem como o oferecimento
de fármacos, através de políticas públicas.
Logo, ao se fazer uma correlação entre o conceito de saúde e sua previsão
no plano externo como um direito, torna-se interessante a reflexão sobre o modo pelo
qual o Estado deve garantir o direito a saúde, sobretudo no que tange à correlação
entre o “bem-estar físico, mental e social” mencionado pela OMS, o “mais elevado
nível possível de saúde” tratado pelo PIDESC, e o que cada cidadão efetivamente
considera saudável.
Por este prisma, surgem questões inevitáveis em se questionando e
levando em consideração a disposição de recursos estatais: poderia o Estado fornecer
tratamentos ou medicamentos sem eficácia comprovada cientificamente? Em qual
grau estaria vinculado o Poder Executivo em promover as políticas públicas de saúde?
O que compreenderia a expressão “mais elevado nível possível de saúde”? Não fosse
isso, é de se cogitar, consequentemente, em caso de não oferecimento ou
oferecimento parcial ou em má qualidade, em qual limite poderia o Poder Judiciário
intervir nas demandas médicas que envolvem o Estado?
Destarte, tais questionamentos são de grande complexidade e se
interpenetram com a extensão do que se entende doutrinária e jurisprudencialmente
do conteúdo do direito à saúde.

3.3 Previsão Constitucional

É digno de nota que um sistema jurídico-constitucional que abarca


garantias positivas como os direitos à vida, à alimentação e à segurança, também
30

deve prever o direito à saúde, já que inevitavelmente apresentam pontos em comum


e são dependentes entre si, na medida em que constituem prerrogativas básicas ao
exercício da cidadania e ao desenvolvimento completo da personalidade humana.
Por conseguinte, faz-se mister ponderar que as Constituições brasileiras
anteriores não disciplinavam a matéria “saúde” de modo satisfatório, ao passo que
não indicava seus destinatários, tampouco a responsabilidade dos entes políticos em
eventual falha ou omissão. Desses textos constitucionais, é possível extrair que o
constituinte se atentou tão somente à fixação da competência legislativa e material.
Tanto é assim que a Constituição de 1967, na esteira de suas
antecessoras, assim tratou o tema:

“Art 8º - Compete à União: [...]


XIV - estabelecer planos nacionais de educação e de saúde; [...]
XVII - legislar sobre:
c) Normas gerais de direito financeiro; de seguro e previdência social; de
defesa e proteção da saúde; de regime penitenciário; [...]
§ 2º - A competência da União não exclui a dos Estados para legislar
supletivamente sobre as matérias das letras c, d, e, n, q e v do item XVII,
respeitada a lei federal.

Art. 158. A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos,


além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria, de sua condição
social: [...]
XV - assistência sanitária, hospitalar e médica preventiva;” (BRASIL, 1967)

Dessa forma, impende salientar que a saúde, dentro do aspecto


constitucional brasileiro nesta época, refletia o ambiente ditatorial militar que se iniciou
em 1964. Assim, se o direito de liberdade do cidadão era nitidamente embaraçado,
denotado pelas perseguições políticas contra opositores, intensificadas após a edição
de vários Atos Institucionais (inclusive determinando a suspensão da garantia
fundamental do habeas corpus), dificilmente as prestações positivas, como o direito à
saúde, seriam realizadas pelo Estado.
Urge mencionar que o direito à assistência sanitária, hospitalar e médica
preventiva possuía como destinatário tão somente o trabalhador. O Sistema Público
de Saúde somente poderia ser utilizado por aquele que contribuísse com a
previdência social.
Nesta baila, o término do período ditatorial inaugurou uma nova ordem
política num viés totalmente democratizado, no qual se buscou equilibrar os poderes
republicanos e promover os direitos humanos e a justiça distributiva, com vistas a
31

propugnar uma total ruptura com o autoritarismo e a concentração de riquezas gerada


neste período.
Como máxima expressão desse novo paradigma democrático aspirado
pela sociedade civil, a Constituição Federal de 1988, motivada por aqueles ideais,
deixou de apenas a fixar competência material e legislativa da saúde, para consagrá-
la como um verdadeiro direito social fundamental de forma inédita, in verbis:

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,


a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção
à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta
Constituição. [...]

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante


políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde,


cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua
regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita
diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica
de direito privado.” (BRASIL, 1988) (grifo nosso)

Da leitura desses dispositivos, é nítida a preocupação do constituinte em


conferir mais importância a tal direito, tendo lhe atribuído status constitucional, bem
como erigi-lo ao caráter universal. Destaque-se que o Brasil, ao contrário da maioria
dos países, também estende o oferecimento do serviço público de saúde aos
estrangeiros que residem no país. (SARLET e FIGUEIREDO, 2008)
Refletindo sobre o interesse de atribuir importância às ações e serviços de
saúde e segundo Martins (2024), a Constituição, em sua literalidade, reserva-lhes o
caráter de relevância pública, diferentemente de outros serviços como a segurança
pública e educação. Não se olvida da relevância pública destes direitos ao
ordenamento e ao desenvolvimento do Estado brasileiro, mas cumpre a menção de
que não foram desta forma qualificados de forma expressa.
Ferraz e Benjamim (2004) propõem que o legislador constitucional tratou a
expressão “pública” distintamente da expressão “social”, que são diferentes, por
32

exemplo, quando a Constituição menciona ordem pública e a paz social20, além o


patrimônio público e o patrimônio social21.
Dessa forma, analisa-se direito à saúde como um direito social dotado de
relevância pública. Importa dizer que, como direito social, sua prestação interessa a
coletividade, ao passo que enquanto dotado de relevância pública, reveste o serviço
público como “poder-dever” do Estado quando o presta diretamente, ou justifica uma
intervenção rígida de fiscalização quando prestado indiretamente. (FERRAZ e
BENJAMIM, 2004)
Como consequência, com a finalidade de resguardar o interesse público
e/ou evitar perigo iminente, o Estado pode (e deve, se assim for o caso), utilizar-se de
institutos unilaterais próprios do regime jurídico-administrativo de imposição de perda
e limitação da propriedade do particular como, respectivamente, a desapropriação22 e
a requisição administrativa23. Sobre esta no âmbito da saúde, disserta Maria Sylvia
Zanella Di Pietro (2023):

A Lei nº 8.080, de 19-9-90, que dispõe sobre o Sistema Único de Saúde


(SUS), também tratou expressamente de hipótese de requisição
administrativa voltada para a promoção, proteção e recuperação da saúde. O
artigo 15, XIII, deu competência à União, Estados, Distrito Federal e
Municípios para, em seu âmbito administrativo, requisitar bens e serviços,
tanto de pessoas naturais como de pessoas jurídicas, assegurada justa
indenização, quando a medida seja necessária para atendimento de
necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de
perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemia.

Por fim, em cumprimento de sua função constitucional (art. 129, II, CF), o
Ministério Público é parte legítima para propor ações que obriguem o efetivo respeito

20 Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa
Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e
determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade
institucional [...]. (BRASIL, 1988) (grifo nosso)
21 Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social,
do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; (BRASIL, 1988) (grifo nosso)
22 O Decreto Estadual de São Paulo nº 52.842, de 27 de março de 2008, promoveu a desapropriação

do Hospital Universitário "Dr. Domingos Leonardo Cerávolo" (que é chamado atualmente de Hospital
Regional), localizado em Presidente Prudente/SP em favor do Governo Estadual, para fins de
instalação de uma unidade hospitalar estadual.
23 O Decreto Municipal de Andradina/SP nº 7.599, de 15 de maio de 2023, dispôs sobre a requisição

administrativa da Santa Casa de Misericórdia local, motivada pela verificação de diversas


irregularidades administrativas e por grande prejuízo financeiro, o que fez com que o Município nela
interviesse para evitar que a situação da prestação do serviço público de saúde fosse agravada ou até
mesmo interrompida.
33

pelo Poder Público e dos serviços de relevância pública aos direitos fundamentais,
cabendo a tal instituição o ajuizamento de ação civil pública para compelir entes
públicos ao fornecimento de medicamentos, ainda que o destinatário seja individual24.

3.3.1 Direito à saúde como cláusula pétrea

A previsão constitucional de um direito o sobreleva na ordem jurídica-


constitucional de forma a diferenciá-lo de outros não originariamente previstos na Lei
Fundamental, na medida em que recebem uma proteção qualificada. É justificada a
sua essencialidade nos Estados modernos, de forma a impedir arbitrariedades do
Estado em face dos cidadãos, em caso de cenários políticos nos quais a ordem
democrática esteja fragilizada.
O Constituinte, não por acaso, os elevou ao patamar de cláusula pétrea
(art. 60, § 4º, inciso IV), culminando na inclusão textual dos direitos fundamentais
individuais ao núcleo imodificável da Constituição, limitando a atuação do poder
derivado:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:


[..].
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais. (BRASIL, 1988) (grifo nosso)

Em se fazendo uma leitura atenta do dispositivo, cumpre mencionar que


apenas os direitos e garantias individuais, isto é, aqueles de primeira dimensão, e
previstos no art. 5º da Constituição, seriam objeto de vedação de emenda
constitucional.

24 Nesse contexto, cite-se a tese fixada no Tema 262 de Repercussão Geral, no julgamento do RE
605533, tomado como leading case: “O Ministério Público é parte legítima para ajuizamento de ação
civil pública que vise o fornecimento de remédios a portadores de certa doença.”. (BRASIL, Supremo
Tribunal Federal, RE 605533, Relator: Min. Marco Aurélio, 15/08/2018).
Não fosse isso, o STJ também firmou precedente vinculante sobre a matéria no julgamento do REsp
1681690 / SP, afetado na sistemática dos Recursos Repetitivos, firmando a tese 766, de seguinte
redação: "O Ministério Público é parte legítima para pleitear tratamento médico ou entrega de
medicamentos nas demandas de saúde propostas contra os entes federativos, mesmo quando se tratar
de feitos contendo beneficiários individualizados, porque se refere a direitos individuais indisponíveis,
na forma do art. 1º da Lei n. 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público)". (BRASIL,
Superior Tribunal de Justiça, REsp 1681690/SP, Relator: Min. Og Fernandes, 03/05/2018).
34

Nesse contexto, há de se perquirir acerca da inclusão dos direitos e


garantias sociais nesta proibição de alteração no texto constitucional, o que conduz a
seguinte impreterível indagação: seriam admissíveis propostas de emenda
constitucional tendentes a abolir direitos e garantias sociais? O questionamento é
válido, na medida em que os direitos fundamentais sociais não estão nele
textualmente compreendidos.
Sobre o tema, e argumentando contra a interpretação exclusiva 25 dos
direitos e garantias sociais no corpo do inciso, Ingo Wolfgang Sarlet e Rodrigo
Brandão (2018, p. 1224-1225) lecionam que:

Todavia, parece-nos correta a doutrina majoritária ao salientar que o


constituinte de 1988 conferiu o status de cláusulas pétreas aos direitos
fundamentais de primeira, segunda e terceira “dimensão”, sejam eles direitos
de defesa ou prestacionais. Isto porque o sistema constitucional de proteção
dos direitos fundamentais, cuja eficácia reforçada se revela na aplicabilidade
imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais (art. 5,
§ 1º), bem como na sua proteção reforçada quanto a ação erosiva do
constituinte-reformador (art. 60, § 4º, IV), caracteriza-se pela unicidade.

[...]

Deste modo, a leitura sistemática da CF/1988 conduz a considerar cláusulas


pétreas não apenas os direitos de primeira dimensão ou os direitos de defesa,
mas igualmente os direitos de segunda e terceira dimensão, sejam eles
direitos a prestações estatais negativas ou positivas, ainda que se admita que
os direitos prestacionais apresentam dificuldades adicionais no plano da
eficácia. (grifo nosso)

Nessa linha de raciocínio, seria demasiadamente superficial a conclusão


de que os direitos e garantias fundamentais sociais (prestacionais) não estariam
incluídos no art. 60, §4º, IV, CF, na medida em que o Constituinte não deixa de
promover a valorização de uma espécie de direito em proveito de outra, seja ele
essencialmente individual, coletivo ou difuso. Ademais, é essa a conclusão que deriva
da interpretação sistemática da Carta Maior em conjunto com a ideia de
interdependência, complementariedade e coexistência harmônica26 de direitos de
diferentes dimensões em um sistema jurídico. (SARLET e BRANDÃO, 2018)

25No sentido de exclusão.


26A coexistência harmônica, no sentido trabalhado, deve ser entendida como a pluralidade de direitos
constitucionalizados em uma ordem jurídica, visto que podem colidir entre si em uma situação concreta.
35

Em conjunto com esse argumento, é de se constar que a doutrina e


jurisprudência são uníssonas em ratificar que o rol do art. 60, §4º, CF é meramente
exemplificativo, ou seja, é admitida a extensão da vedação a propostas de emendas
constitucionais que tendem a desvirtuar a essência de um princípio ou um direito
constitucional sensível mesmo que este não esteja previsto no dispositivo
mencionado.
É o que preceitua Bulos (2023, p. 207):

[...] não são apenas as liberdades públicas do art. 5º da Constituição que são
insuscetíveis de reforma, em virtude de consignarem direitos fundamentais,
abrangidos pela cláusula pétrea do art. 60, § 4º, IV. Quaisquer outras
prerrogativas, espraiadas na Carta de 1988, e que guardem correspondência
com o seu cerne imodificável, não podem ser alvo de propostas de emendas
tendentes a aboli-lo.

Além disso, há muito, o STF, no julgamento da ADI nº 939-7/DF27 já atribuía


este caráter ao rol do núcleo temático de caráter imutável da Constituição, nos termos
do voto do Ministro Carlos Velloso:

Ora, a Constituição, no seu art. 60, §4º, inciso IV, estabelece que "não será
objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos
e garantias individuais". Direitos e garantias individuais não são apenas
aqueles que estão inscritos nos incisos do art. 5º. Não. Esses direitos e essas
garantias se espalham pela Constituição. O próprio art. 5º, no seu §2º,
estabelece que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou
dos tratados internacionais em que a República do Brasil seja parte. (BRASIL,
Supremo Tribunal Federal, ADI nº 939-7/DF, Relator: Min. Sydney Sanches,
15/12/1993)

Cite-se, ainda, o fato de que a doutrina constitucional moderna considera


que a eles incidem o princípio da vedação do retrocesso (efeito cliquet), também
conhecido como dever de progressividade, tema esse que será desenvolvido neste
trabalho.

27 Em síntese, a Ação Direta de Inconstitucionalidade referia-se ao controle de constitucionalidade da


Emenda Constitucional nº 3/93, que autorizou a União a instituir o Imposto Provisório sobre a
Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (IPMF).
Além de outros dispositivos violados, o requerente suscitou a violação do princípio da anterioridade
tributária em face do art. 60, §4º, IV da CF, por ser um direito do contribuinte. No entanto, não estava
nele contido tal princípio, o que foi ressaltado na manifestação da Procuradoria Geral da República,
atentando-se a demonstrar que o rol exemplificativo tornaria a atuação do legislador limitada.
Entretando, a ação foi julgada procedente para impedir a cobrança do tributo no ano de sua instituição.
36

Indo além, Sarlet e Figueiredo (2008) tratam da dupla fundamentalidade


dos direitos sociais (neles incluído o direito à saúde), expõem que:

[...] se cuida de bens jurídicos que, na ótica do Constituinte, expressa ou


implicitamente enunciada, são dotados de suficiente relevância e
essencialidade (fundamentalidade material) a ponto de merecerem e
necessitarem de uma proteção jurídica e normatividade reforçada em relação
até mesmo às demais normas constitucionais, mas especialmente no que diz
com sua exclusão do âmbito da disponibilidade plena dos poderes
constituídos.

Com a genialidade que lhe é de costume, Canotilho (2010, p. 379-380)


explora o tema em profusão e diferencia a fundamentalidade formal e a material,
assinalando que:

A fundamentalidade formal, geralmente associada à constitucionalização,


assinala quatro dimensões relevantes: (1) as normas consagradoras de
direitos fundamentais, enquanto normas fundamentais, são normas
colocadas no grau superior da ordem jurídica; (2) como normas
constitucionais encontram-se submetidas aos procedimentos agravados de
revisão; (3) como normas incorporadoras de direitos fundamentais passam,
muitas vezes, a constituir limites materiais da própria revisão [...]; (4) como
normas dotadas de vinculatividade imediata dos poderes públicos constituem
parâmetros materiais de escolhas, decisões, acções e controlo, dos órgãos
legislativos, administrativos e jurisdicionais [...].

A ideia de fundamentalidade material insinua que o conteúdo dos direitos


fundamentais é decisivamente constitutivo das estruturas básicas do Estado
e da sociedade. Prima facie, a fundamentalidade material poderá parecer
desnecessária perante a constitucionalização e a fundamentalidade formal a
ela associada. Mas não é assim. Por um lado, a fundamentalização pode não
estar associada à constituição escrita e à ideia de fundamentalidade formal
como o demonstra a tradição inglesa das Common-Law Liberties. Por outro
lado, só a ideia de fundamentalidade material pode fornecer suporte para: (1)
a abertura da constituição a outros direitos, também fundamentais, mas não
constitucionalizados, isto é, direitos materialmente mas não formalmente
fundamentais [...]; (2) a aplicação a estes direitos só materialmente
constitucionais de alguns aspectos do regime jurídico inerente à
fundamentalidade formal; (3) a abertura a novos direitos fundamentais (Jorge
Miranda). Daí o falar-se, nos sentidos (1) e (3), em cláusula aberta ou em
princípio da não tipicidade dos direitos fundamentais. (grifo do original)

Em suma, a fundamentalidade formal decorre da própria


constitucionalização do direito (positividade na Carta Magna), o que culmina na
superioridade do direito fundamental em detrimento de direitos infraconstitucionais,
além da maior rigidez para sua alteração em função do quórum diferenciado para a
alteração do texto constitucional e, finalmente, na limitação material consistente no
37

impedimento de alteração substancial no seu conteúdo por constituir cláusula pétrea


“implícita”.
A fundamentalidade material, que é a relevância do bem jurídico tutelado
pela ordem constitucional, por seu turno, ocasiona a atribuição da característica de
fundamentalidade de direitos subjetivos àqueles não formalmente previstos no corpo
de uma Constituição, mas que se exteriorizam em textos infraconstitucionais e que
derivam da lei fundamental.

3.3.2 Justiciabilidade do direito à saúde

Prima facie, é importante afirmar, sem margem de dúvida razoável, de que


o direito à saúde é um direito fundamental social e, malgrado não esteja catalogado
no rol do art. 5º da Lei Maior, a ele é aplicável o disposto no § 1º do mesmo artigo.
Nesse sentido:

Quanto à indivisibilidade dos direitos humanos, faz-se necessário enfatizar


que a Carta de 1988 é a primeira Constituição que integra ao elenco dos
direitos fundamentais os direitos sociais e econômicos, que nas Cartas
anteriores restavam pulverizados no capítulo pertinente à ordem econômica
e social. Observe-se que, no direito brasileiro, desde 1934, as Constituições
passaram a incorporar os direitos sociais e econômicos. Contudo, a
Constituição de 1988 é a primeira a afirmar que os direitos sociais são direitos
fundamentais, tendo aplicabilidade imediata. [...]

Cabe ainda mencionar que a Carta de 1988, no intuito de proteger


maximamente os direitos fundamentais, consagra dentre as cláusulas pétreas
a cláusula “direitos e garantias individuais”. Considerando a universalidade e
a indivisibilidade dos direitos humanos, a cláusula de proibição do retrocesso
social, o valor da dignidade humana e demais princípios fundamentais da
Carta de 1988, conclui-se que essa cláusula alcança os direitos sociais. Para
Paulo Bonavides: ‘os direitos sociais não são apenas justiciáveis, mas são
providos, no ordenamento constitucional da garantia da suprema rigidez do
parágrafo 4º do art. 60’. São, portanto, direitos intangíveis, direitos
irredutíveis, de forma que tanto a lei ordinária como a emenda à Constituição
que afetarem, abolirem ou suprimirem os direitos sociais padecerão do vício
de inconstitucionalidade. (PIOVESAN, 2015. p. 19)

Na mesma esteira de raciocínio afirma Sarlet e Figueiredo (2008):

[...] todos os direitos sociais são fundamentais, tenham sido eles expressa ou
implicitamente positivados, estejam eles sediados no Título II da CF (dos
direitos e garantias fundamentais) ou dispersos pelo restante do texto
constitucional, ou se encontrem ainda (também expressa e/ou implicitamente)
localizados nos tratados internacionais regularmente firmados e incorporados
pelo Brasil.
38

Por fim, corrobora Mendes (2018, p. 57) que, in verbis, “os direitos
fundamentais sociais foram acolhidos pela Constituição Federal de 1988 como
autênticos direitos fundamentais.”. Ainda, o autor (2018, p. 56) averba que parcela
minoritária da doutrina defende o cunho programático de tais normas, fazendo com
que dependam da formulação de políticas públicas para que sejam exigíveis.
De outro ponto de vista, há alguns que defendem o direito a saúde como
norma de eficácia limitada por constituir um direito social, o que, por via de
consequência, geraria a completa inviabilização do pleito judicial, seja por falta de
norma reguladora ou de previsão orçamentária. (MITIDIERO, MARINONI e SARLET,
2023)
A sério, a conclusão se prende mais a discussão lógica do que
propriamente jurídica nessa ocasião: se o direito a saúde é tratado como um direito
fundamental, logo possui aplicação imediata, o que implica na afirmação de que o
direito mencionado independe de norma reguladora.
Nesse sentido, faz-se mister destacar que, de maneira expressa, a
Constituição, em seu art. 5º, § 2º, estatui que os direitos e garantias nela previstos não
excluem outros, sejam previstos no plano interno ou no plano externo. Dessa
premissa, e em se fazendo uma interpretação sistemática e em consonância com os
ditames da finalidade equitativa almejada pela Lei Maior, é possível concluir que tal
norma é plenamente aplicável.
A partir desta característica decorre a faculdade de um administrado
exercer a pretensão em juízo quando um bem da vida necessário não é abarcado
pelas políticas públicas de saúde, denotando a característica de justiciabilidade.
Logo, tem-se que a saúde é um dever fundamental do Estado, não apenas
na sua faceta de se abster de causar dano à saúde ou à integridade física dos
cidadãos. Saliente-se que essa reparação, em momento anterior ao ordenamento
pátrio conferir o caráter de fundamentalidade aos direitos sociais, somente se operava
pela via da responsabilidade civil patrimonial, que muitas vezes não era efetiva –
justamente por não oferecer a prestação (obrigação do Estado), mas sim uma
compensação financeira pelo ilícito.
Após o advento da Constituição vigente, operou-se um novo panorama
acerca da exequibilidade judicial dos serviços públicos de saúde que envolvam o
39

fornecimento de medicamentos e tratamentos médicos, sejam eles assistenciais ou


preventivos.

3.4 Previsão Infraconstitucional e o Sistema Único de Saúde

Com o fim de disciplinar a forma de execução prática do comando do art.


200 da Constituição Federal28, que versa sobre as competências básicas do SUS, foi
criada a Lei Orgânica da Saúde (Lei Federal nº 8.080 de 1990).
Essa lei é o principal dispositivo infraconstitucional que trata da matéria e,
nos termos do caput de seu art. 1º, regula as ações e serviços de saúde, eventuais ou
permanentes, executados por pessoas naturais ou jurídicas de Direito Público ou
Privado, em conjunto ou não. Também é responsável por distribuir competências das
instituições responsáveis pela prestação do serviço público relativo à saúde.
A Lei 8.080/90 também criou o Sistema Único de Saúde e o define, no caput
do art. 4º, como o “conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e
instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e
indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público”29. O dispositivo legal, no art.
5º contempla seus objetivos, quais sejam:

I - a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da


saúde;

28 Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar
da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;
II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;
III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;
V - incrementar, em sua área de atuação, o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como
bebidas e águas para consumo humano;
VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e
produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. (BRASIL, 1988)

29 A assistência à saúde pode ser prestada de forma pública ou privada, sendo que as pessoas jurídicas
de direito privado podem atuar de forma suplementar, paralelamente ao Estado, mas serão por este
fiscalizados, nos termos do caput do art. 199 da Constituição Federal.
No que tange ao serviço público de saúde no brasil é prestado de forma híbrida: em regra compete a
um ente (administração direta) ou entidade (administração indireta) pública, mas que pode ser prestado
pelo setor privado (com ou sem fins lucrativos) de forma complementar, adequando-se às diretrizes do
SUS, nos termos do §2º do art. 4º da Lei federal nº 8.080 de 1990. Ademais, recursos públicos só
poderão subvencionar entidades privadas que não almejam lucro. (MARTINS, 2023)
40

II - a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos


econômico e social, a observância do disposto no § 1º do art. 2º desta lei
[formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à
redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de
condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos
serviços para a sua promoção, proteção e recuperação];
III - a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção
e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais
e das atividades preventivas. (BRASIL, 1990)

O SUS é um sistema que atua em uma ampla gama de cenários,


justamente pela amplitude conferida pelo comando constitucional. O art. 6º da LOS30,
por sua vez, explicita os vários campos de atuação do sistema, que se perfazem, de
modo exemplificativo e dentre os mais importantes:
A) execução de ações de vigilância sanitária (inciso I, alínea a);
B) execução de ações de vigilância epidemiológica (inciso I, alínea b);

30 Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):
I - a execução de ações:
a) de vigilância sanitária;
b) de vigilância epidemiológica;
c) de saúde do trabalhador; e
c) de saúde do trabalhador; (Redação dada pela Lei nº 14.572, de 2023)
d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;
e) de saúde bucal; (Incluída pela Lei nº 14.572, de 2023)
II - a participação na formulação da política e na execução de ações de saneamento básico;
III - a ordenação da formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - a vigilância nutricional e a orientação alimentar;
V - a colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho;
VI - a formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e outros insumos de
interesse para a saúde e a participação na sua produção;
VII - o controle e a fiscalização de serviços, produtos e substâncias de interesse para a saúde;
VIII - a fiscalização e a inspeção de alimentos, água e bebidas para consumo humano;
IX - a participação no controle e na fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de
substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
X - o incremento, em sua área de atuação, do desenvolvimento científico e tecnológico;
XI - a formulação e execução da política de sangue e seus derivados.
XII – a formulação e a execução da política de informação e assistência toxicológica e de logística de
antídotos e medicamentos utilizados em intoxicações. (Incluído pela Lei nº 14.715, de 2023)
§ 1º Entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir
riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e
circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo:
I - o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde,
compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; e
II - o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde.
§ 2º Entende-se por vigilância epidemiológica um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento,
a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde
individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle
das doenças ou agravos. (BRASIL, 1990)
41

C) execução de ações de assistência terapêutica integral, inclusive


farmacêutica (inciso I, alínea d), o qual será retomado no curso deste trabalho, quando
da exposição do princípio da integralidade;
D) formulação da política de medicamentos, equipamentos,
imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua
produção (inciso VI); e
E) o controle e a fiscalização de serviços, produtos e substâncias de
interesse para a saúde (inciso VII).
Inclusive, os §§ 1º e 2º do artigo mencionado definem o que se entende por
“vigilância sanitária” e “vigilância epidemiológica”.
Pela simples leitura do artigo, é possível compreender que o SUS aloca
uma imensidade de ações positivadas pelo legislador ordinário, o que causa a natural
dificuldade de os administradores públicos concretizá-las, agravada pela desigual
estruturação regional dos Estados e Municípios.
Tais dificuldades ensejaram a preocupação dos parlamentares em tratar a
distribuição de competências de forma refinada, repartindo-as entre os membros da
Federação para mitigar a desorganização administrativa no desempenho das ações
previstas pela LOS.
O art. 15 estabelece as atribuições comuns de cada esfera de direção do
SUS. Por sua vez, os artigos 16, 17 e 18 disciplinam as competências de cada esfera,
a exemplo do Ministério da Saúde (federal), Secretarias de saúde (estadual e
municipal), e agências reguladoras, com a observação de que o Distrito Federal avoca
para si as competências estaduais e municipais.

3.4.1 Princípios do SUS e o significado de integralidade

Os seus princípios são costumeiramente divididos em finalísticos (também


chamados de doutrinários) e os organizativos: aqueles dizem respeito às bases do
sistema, dentro do qual se incluem a oferta de direitos em si e a sua finalidade, e estes
se referem ao modo de organização interno e a estruturação de estratégias
operacionais destinadas a mitigar a natural dificuldade na articulação de um sistema
de saúde público que pretende oferecer serviços em um país de grandeza continental
como o Brasil.
42

Nesse contexto, os princípios finalísticos, ou seja, aqueles que regem o


Sistema Único de Saúde são a universalidade, a equidade e a integralidade. Por sua
vez, os princípios organizativos, também chamados de integrativos, dizem respeito ao
modo de coordenação e articulação administrativa dos órgãos governamentais que
são responsáveis pela prestação e oferecimento dos serviços afetos à área da saúde.
São eles: descentralização; regionalização; hierarquização; e a participação popular31.
A universalidade, contida no art. 196 da Constituição Federal, e no art. 7º,
I, da Lei Orgânica supramencionada, refere-se aos destinatários dos direitos,
notadamente o acesso universal já trabalhado, rememorando-se que brasileiros e
estrangeiros podem se utilizar das benesses do sistema, independentemente de
qualquer análise da condição econômica de quem o utiliza, de eventual titularidade de
plano de saúde privado, de vínculo empregatício, ou de residir na área urbana ou rural.
Além disso, é de se considerar que a não-contributividade é uma
característica que garante a gratuidade dos serviços e ações prestados, está inserida
dentro deste princípio, o que contribui para que o SUS seja utilizado pelas classes
sociais menos favorecidas. (MARTINS, 2023)
Por sua vez, a equidade, tratada normativamente no art. 196 da CF,
encontra fundamento no próprio direito de igualdade, mormente sob o prisma material,
revela que a prestação do serviço de saúde deve ser igualitária aos seus usuários,
condizente com o estado de saúde do paciente e conforme o desenvolvimento
econômico e estrutural de cada região do país. Ademais, como forma de expressão
do referido princípio é de se mencionar a Tese 579 de Repercussão Geral do STF,
que versa sobre a impossibilidade de o paciente do SUS usufruir de acomodações de

31 Segundo o Ministério da Saúde, a regionalização e a hierarquização traduzem-se na noção de que


“os serviços devem ser organizados em níveis crescentes de complexidade, circunscritos a uma
determinada área geográfica, planejados a partir de critérios epidemiológicos e com definição e
conhecimento da população a ser atendida. A regionalização é um processo de articulação entre os
serviços que já existem, visando o comando unificado dos mesmos. Já a hierarquização deve proceder
à divisão de níveis de atenção e garantir formas de acesso a serviços que façam parte da complexidade
requerida pelo caso, nos limites dos recursos disponíveis numa dada região.”. Quanto à
descentralização, esta transpõe a ideia de “redistribuir poder e responsabilidade entre os três níveis
de governo. [...] No SUS, a responsabilidade pela saúde deve ser descentralizada até o município, ou
seja, devem ser fornecidas ao município condições gerenciais, técnicas, administrativas e financeiras
para exercer esta função. Para que valha o princípio da descentralização, existe a concepção
constitucional do mando único, onde cada esfera de governo é autônoma e soberana nas suas decisões
e atividades, respeitando os princípios gerais e a participação da sociedade. Por fim, no que tange à
participação popular, “a sociedade deve participar no dia-a-dia do sistema. Para isto, devem ser
criados os Conselhos e as Conferências de Saúde, que visam formular estratégias, controlar e avaliar
a execução da política de saúde.”. (MINISTÉRIO DA SAÚDE)
43

qualidades superiores àquelas normalmente oferecidas mediante pagamento da


diferença, com a seguinte redação:

É constitucional a regra que veda, no âmbito do Sistema Único de Saúde, a


internação em acomodações superiores, bem como o atendimento
diferenciado por médico do próprio Sistema Único de Saúde, ou por médico
conveniado, mediante o pagamento da diferença dos valores
correspondentes. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, RE 581488, Relator:
Min. Dias Toffoli, 03/12/2015)

Nessa toada, o princípio da integralidade, ao qual remetem o art. 198 da


CF e o art. 7º, II32 da LOS, do qual desdobram a previsão da alínea d do inciso I do
art. 6º desta lei, é o mais controverso em se tratando de oferta de comodidades
médicas na rede pública de saúde.
Ademais, neste trabalho, merece uma posição destacada, haja vista a
imediata correlação entre este princípio e seu tema central, particularmente se visando
a assistência médica integral, na medida em que a depender da exegese deste
princípio, é que se determinará a abrangência tanto da prestação do serviço, quanto
para a própria regulação judicial, influindo diretamente na judicialização da saúde.
De início, de bom tom se faz a diferenciação para o princípio da
universalidade: a integralidade trata do objeto da prestação do serviço público, ao
contrário da universalidade, que busca delimitar os destinatários do sistema, ou seja,
as pessoas elegíveis a sua utilização.
Antes de conceituá-lo, é de suma importância a menção da Lei nº 12.401,
de 28 de abril de 2011, que inseriu os artigos 19-M a 19-U na LOS (Lei nº 8.080 de
1990). Aquela teve o condão de regulamentar a alínea d do inciso I do art. 6º desta,
para definir em que consistiria a “assistência terapêutica integral, inclusive
farmacêutica”, e regulamentar a integração de tecnologia em saúde no âmbito do
SUS.
Destarte, a Lei dispõe que medicamentos e outros produtos como órteses,
próteses, bolsas coletoras e equipamentos médicos dispensados no contexto desta
assistência devem estar em conformidade com aquilo disposto em Protocolos Clínicos
e Diretrizes Terapêuticas, documentos oficiais que estabelecem o diagnóstico e o

32O art. 7º, II da LOS, disciplina que a integralidade da assistência deve ser entendida como o “conjunto
articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para
cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema” (BRASIL, 1990)
44

procedimento médico adequado à doença em tratamento, bem como em suas


diferentes fases evolutivas.
Na falta dos mencionados protocolos, a dispensação (termo usado pela lei,
que significa distribuição) de fármacos é realizada com base nas relações de
medicamentos instituídas pelo gestor do SUS de cada ente federativo respectivo (art.
19-P).
Essas relações de medicamentos das esferas estaduais, municipais e
distrital (criadas de forma suplementar para atendimento de demandas regionais
específicas) deverão, no mínimo, conter aqueles previstos na Relação Nacional de
Medicamentos Essenciais - RENAME, popularmente conhecida como “lista do SUS”,
regulamentada atualmente pelo Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011.
O órgão responsável pela revisão da PCDT e da RENAME é o Ministério
da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no
SUS - CONIITEC (art. 19-Q da LOS), cujo funcionamento é regulamentado pelo
Decreto n° 7.646, de 21 de dezembro de 2011.
Essas revisões, sejam para incluir, alterar, ou excluir medicamentos
produtos e procedimentos, e para alteração de protocolos clínicos e terapêuticos,
serão realizadas por meio de um procedimento administrativo (art. 19-R da LOS),
embasados em relatórios produzidos pela CONITEC, os quais deverão considerar
evidências científicas que atestem a adequação do medicamento, produto ou
procedimento conjuntamente com a avaliação econômica comparativa dos benefícios
e custos em relação àqueles que já compõem as listas e os protocolos.
Essa é a base da dinâmica de funcionamento da assistência integral do
SUS, como especialização normativa do princípio da integralidade.
A primeira – e lógica conexão – é pensarmos que o princípio da
integralidade faz com que o usuário possa postular tudo que o entender na seara
médica, próximo do que se entende por “totalidade”, o que é absolutamente
impossível de ser alcançado. Assim, entendemos que o sentido almejado pelo
constituinte e legislador não busca a totalidade do atendimento para toda e qualquer
vontade do usuário (ou conjunto de usuários), mas sim do que é estritamente
necessário para a saúde, afastando-se, portanto, procedimentos exclusivamente
estéticos.
45

Por conseguinte, nota-se que a maioria da doutrina especializada considera


que a “integralidade” é polissêmica, mas há consenso de que deve ser tratada “ora
como eixo integrador de serviços, ora como visão holística do sujeito do cuidado ou
como ações de atendimento integral de demandas e necessidades, entre outros”.
(AGUIAR e SANTOS, 2016)
O primeiro sentido é o de integração. “Integração” entendida como um
processo multidisciplinar e intersetorial de coordenação entre os diferentes campos
da Saúde, a partir de uma abordagem multilateral.
O segundo sentido está para a visão não fragmentada do sujeito,
considerando-o dentro de um contexto biopsicossocial do paciente, incluindo fatores
emocionais, sociais e culturais.
Por fim, o terceiro sentido reflete que a integralidade envolve a ampliação
do olhar para além das queixas específicas do paciente e considera suas
necessidades globais.
Nesse sentido, é a lição de Ferraz (2007):

Integralidade em saúde compreende três ideais inter-relacionados: enxergar


o paciente como um todo, e não apenas como portador de uma doença
específica; integrar ações preventivas com ações curativas; e integrar todos
os níveis operacionais de atenção à saúde (primário, secundário e terciário).
É mais próximo do significado de integração, portanto, que de integralidade.
[...]
A interpretação equivocada da integralidade resulta, assim, numa perniciosa
guerra pelos recursos escassos do SUS.

Em estudo realizado a partir de 13 artigos científicos publicados entre 2010


e 2015, Aguiar e Santos (2016) concluíram que, não obstante a polissemia da
expressão, a maioria dos autores analisados trataram que o fornecimento de todas as
necessidades de saúde estava contido no conceito de “integralidade”. Ainda, houve
quem defendeu que a necessidade de saúde deveria estar prevista pelo Protocolo
Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do Sistema Único de Saúde.
Segundo as autoras:

Para as necessidades de saúde, deve-se levar em conta os regulamentos


técnicos e científicos, protocolos de conduta, limites para incorporação de
tecnologias, protocolos farmacêuticos, os estudos científicos de custo-
benefício, de eficácia, efetividade e segurança. Sob tal ótica, a integralidade
não admite toda e qualquer terapêutica existente (3) (17).
46

Alinhando-se o princípio à realidade brasileira, bem como às disposições


normativas da LOS e suas alterações, principalmente à alteração pela Lei nº 12.401
de 2011, vê-se que o princípio da integralidade, no contexto do SUS, é o atendimento
das necessidades básicas de saúde da população, a partir da adoção de tratamentos
multisetoriais permeados por uma visão completa do sistema biopsicossocial dentro
do qual o indivíduo está inserido, sem ignorar a melhor relação custo-efetividade da
medida.
Não corresponde à totalidade, mas sim àquilo estritamente necessário a
uma vida digna, sob pena de inviabilizar a prestação do direito à coletividade.
Logo, o princípio da integralidade, além de constituir previamente um
objetivo ao gestor, assume grande importância quando o direito é posto em uma
discussão judicial. Nesse sentido, torna-se ainda mais veemente observado quando o
medicamento postulado não se encontra nas listas oficiais do Governo, seja nos
PCDT’s ou na RENAME, fazendo com que o Magistrado tenha de avaliar a demanda
judicial em relação ao princípio.

3.5 Implementação das políticas públicas

As políticas públicas de saúde são pensadas e estruturalmente


organizadas pelo Poder Executivo para que se atenda de maneira adequada o
máximo de administrados possíveis, considerando as necessidades em comum da
população, mormente no que tange às doenças mais comuns e os medicamentos e
tratamentos a elas adequados, através de prévios estudos técnicos e avaliação
científica de sua eficácia.
Nesta baila, em se fazendo uma análise do presente instituto, segundo o
magistério de Bucci (2006, p. 39):

Política pública é o programa de ação governamental que resulta de um


processo ou conjunto de processos juridicamente regulados – processo
eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo
orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial
– visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades
privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e
politicamente determinados. Como tipo ideal, a política pública deve visar a
realização de objetivos definidos, expressando a seleção de prioridades, a
reserva de meios necessários à sua consecução e o intervalo de tempo em
que se espera o atingimento dos resultados.
47

Destarte, as políticas públicas representam a projeção fática da escolha


política das prioridades dos governantes em determinado campo da vida social, como
nas áreas de educação, ambiente, segurança e saúde, seja a fim de dar cabo a um
problema institucionalizado ou estrutural, como para a disponibilização efetiva de
direitos constitucionalmente garantidos, que atendam ao bem comum.
Em resumo, a principal finalidade das políticas públicas é mudar ou manter
um cenário social por meio de prestações efetivas por parte do Estado, como um
verdadeiro veículo material de irradiação dos direitos fundamentais, que buscam
materializar os objetivos do art. 3º da CF. (CANELA JÚNIOR, 2010)
Inseridas nesse contexto, assumem ímpar destaque as políticas públicas
de saúde, as quais se destinam a promover a manutenção ou a restauração da saúde
da população por meio do oferecimento de tratamentos médicos e distribuição de
medicamentos, nos moldes previstos pela Constituição.
Indiscutivelmente, em se tratando de seus destinatários, as políticas
públicas se prestam a servir uma grande parcela da população: empregar esforços no
sentido de garantir uma cobertura ampla à integralidade da população - que engloba
não só a brasileira, como também dos estrangeiros que no Brasil residem -,
representaria um completo desacerto pelo dispêndio inimaginável de recursos
públicos somente para este campo. Portanto, visam a servir o maior número de
pessoas possível considerando as necessidades coletivas.
Em que pese tal política pública ser considerada teoricamente avançada,
faz-se mister a consideração de que ainda é um sistema em desenvolvimento, longe
de estar perfeito e acabado, que não apresenta cobertura integral, no sentido de
fornecimento de qualquer comodidade médica33. Ademais, o próprio federalismo e o
alto grau de divisão de tarefas entre os entes políticos, propugnado pela Constituição
(art. 198, I) faz com que o oferecimento dos serviços não seja na realidade
completamente organizado e articulado, ainda que Lei Orgânica da Saúde (art. 7º, IX)
procure mitigar essa dificuldade. (BUCCI, 2017)
Em resumo, por todo o exposto, é de se concluir as políticas públicas em
geral visam o cumprimento espontâneo por parte do Estado, em especial pelo

33 O art. 6º da Lei nº 8.080/90, que dispõe sobre assistência terapêutica e farmacêutica integral, é a
principal causa de pedir das ações que versam sobre o fornecimento de medicamentos quando o
postulado não se encontra na lista do Sistema Único de Saúde.
48

Administrador Público, das suas obrigações constitucionais, como forma de


exteriorização dos direitos sociais.
O grande problema vem à tona quando o Estado não formula as políticas
públicas ou o seu exercício, seja por falta de recursos financeiros ou por carecerem
de planejamento ideal, é insuficiente para atender ao comando constitucional, sob o
pretexto de que não possuem recursos para arcar com a necessidade médica do
cidadão.
49

4 DIREITO À SAÚDE E ORÇAMENTO

Superada a exposição da plena exigibilidade e aplicabilidade jurídica, e a


justiciabilidade dos direitos fundamentais positivos, é mister também a explanação
sobre ótica da aplicação prática destes direitos pelo Administrador, e sobre o principal
entrave da implementação a contento destes direitos, antes de se adentrar sobre o
cenário da judicialização do direito à saúde no Brasil.
Tendo uma noção geral do regramento geral do SUS no Brasil, e nos
termos do que já disposto, é necessário reforçar que a noção atual do que se
compreende por Estado tem a íntima relação com o processo de seu “agigantamento”.
Logo, o ente estatal foi obrigado a atrair para si diversas competências e deveres, pela
ampliação da previsão de direitos fundamentais.
Como consequência lógica e exteriormente à esfera propriamente jurídica
(dever-ser), e se utilizando de um viés da corrente da análise econômica do direito, a
qual se atém na aplicação de princípios econômicos a questões eminentemente
jurídicas, faz-se imprescindível esclarecer que a despesa pública sofreu considerável
aumento para tornar possível a realização fática da crescente carta de direitos.
Amparado nessa ampliação de gastos estatais, aliada à economia
emergente do Brasil, sempre permeada por crises econômicas, o Poder Público, seja
administrativamente ou no âmbito de um processo judicial, passou a se esquivar de
disponibilizar medicamentos ou tratamentos que se incluem nas políticas públicas de
Saúde. Então, os entes políticos passaram a adotar o posicionamento de que não
seriam capazes de provê-los, sob o argumento da escassez e finitude dos recursos
públicos.
Portanto, a questão a ser analisada tem por ponto central verificar a
validade constitucional dessa exceção, ou seja, se a Constituição estabelece alguma
permissão às pessoas políticas para que se utilizem dessa “cláusula excludente” de
insuficiência financeira para fundamentar a recusa da prestação de um direito social
previsto por uma política pública.

4.1 Direitos como custos


50

De maneira inaugural, faz-se a imperiosa ressalva de que os direitos


fundamentais não são absolutos34, na medida em que se apresentam por meio de
normas principiológicas e, na colisão entre princípios, o sopesamento é a solução para
a sua aplicação na maior medida possível em um determinado caso em concreto.
Dessarte, ao intérprete constitucional é conferida a possibilidade de restringir
determinado direito fundamental, respeitados certos limites.
A respeito e sobre os direitos fundamentais sociais, Alexy (2008 apud
MENDES, 2018, p. 56):

Considerando os argumentos contrários e favoráveis aos direitos


fundamentais sociais, fica claro que ambos os lados dispõem de argumentos
de peso. A solução consiste em um modelo que leve em consideração tanto
os argumentos a favor quantos os argumentos contrários. [...] De acordo com
essa fórmula, a questão acerca de quais direitos fundamentais sociais o
indivíduo definitivamente tem é uma questão de sopesamento entre
princípios. De um lado está, sobretudo, o princípio da liberdade fática. Do
outro lado estão os princípios formais da competência decisória do legislador
democraticamente legitimado e o princípio da separação de poderes, além
de princípios materiais, que dizem respeito sobretudo à liberdade jurídica de
terceiros, mas também a outros direitos fundamentais sociais e a interesses
coletivos.

Nesta esteira de raciocínio, fulcral é a anotação de que a maioria dos


direitos fundamentais impõem gastos ao Estado, inclusive os direitos de primeira
dimensão. Ainda que a ideia de absenteísmo traga consigo intrinsecamente a omissão
estatal e a consequente suposta ausência de gastos para tutelá-los e provê-los,
alguns direitos pressupõem custos econômicos ao Estado (v.g. direto ao voto, no
âmbito dos gastos para o procedimento eleitoral).
É exatamente nesse contexto que Stephen Holmes e Cass R. Sustein
(1999, p. 48) superam a dicotomia entre direitos positivos e negativos e identificam a
positividade de todos os direitos (ainda que de liberdade), no sentido de que para além
de uma abstenção, é necessário que, na impossibilidade de autotutela, agentes
públicos estatais (remunerados pelo Estado) façam cumprir a lei e os direitos
negativos, sob pena de a ela negar vigência, a exemplo dos juízes que julgam uma
ação de cobrança (com o fito de proteger o direito do credor, que contratou sob o

34 A relatividade é uma característica dos direitos fundamentais, conjuntamente com a historicidade e


universalidade. Em ampla parcela da doutrina, é excepcionalmente admitido que tão somente os
direitos de não ser torturado e o de não ser escravizado é que não comportam qualquer tipo de restrição
e, portanto, são absolutos.
51

manto da liberdade econômica) e da força policial que protege o direito de propriedade


quando alguém é furtado, ao se perquirir a materialidade e autoria do crime.
Ainda, sustentam que:

In practice, rights become more than mere declarations only if they confer
power on bodies whose decisions are legally binding (as the moral rights
announced in the United Nations Declaration of Human Rights of 1948, for
example, do not). As a general rule, unfortunate individuals who do not live
under a government capable of taxing and delivering an effective remedy have
no legal rights. Statelessness spells rightslessness. A legal right exists, in
reality, only when and if it has budgetary costs.35 (HOLMES e SUSTEIN, 1999,
p. 19)

Logo, é passível considerar que, na visão dos autores, a alocação de


recursos orçamentários para o custeio e implementação efetivas dos direitos
fundamentais está intrinsecamente interligada à capacidade de arrecadação de
receita por meio de impostos em sentido amplo, fazendo com que o Estado seja
obrigado a lidar com problema da escassez, otimizando os recursos e os gerindo da
maneira como que entenda a melhor. (HOLMES e SUSTEIN, 1999)
Sem dúvida, malgrado influenciados pelo direito norte-americano, quebram
o paradigma do “Estado-garantidor” e da automaticidade da garantia de direitos
fundamentais, ao prever que estes apenas são realmente devidos e passíveis de
judicialização quando condicionados a capacidade de o poder público contar com o
prévio orçamento.

4.1.1 A teoria da reserva do possível

Paralelamente ao que disciplinam Holmes e Sustein, a teoria (ou princípio)


da reserva do possível (Vorbehalt des Möglichen, em alemão) é uma teoria de origem
alemã que avança no campo da percepção econômica dos recursos do Estado, no
que se refere à exigibilidade dos direitos sociais. Referida construção dogmática

35 Tradução livre: “Na prática, os direitos tornam-se mais do que meras declarações apenas se
conferirem poder a órgãos cujas decisões são juridicamente vinculativas (como não o fazem os direitos
morais anunciados na Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas de 1948, por exemplo).
Como regra geral, indivíduos de pouca sorte que não vivem sob um governo capaz de tributar e fornecer
garantias efetivas [no sentido de fazer valer judicialmente], não têm direitos legais. A ausência estatal
significa falta de direitos. Um direito legal existe na realidade apenas quando e se existirem custos
orçamentários.”
52

defende condiciona a prestação de direitos à disponibilização de ordem fática-


orçamentária.
Desde já, averbe-se que este trabalho não se pretende esmiuçar a matéria,
mas sim apresentar um resumo do que é essencial dentro do proposto neste capítulo
4.
A teoria da reserva do possível foi inaugurada pela Corte Constitucional
alemã por ocasião do julgamento do caso paradigmático “Numerus Clausus”
(Julgamento BVERFGE 33, 303), que versava sobre a constitucionalidade de as
universidades de Hamburgo e da Baviera estabelecerem nota de corte aos candidatos
para limitar o ingresso no curso superior de Medicina. (SCHWABE, 2005)
Nesse contexto, os estudantes alegavam que não podiam exercer os
direitos constitucionais à livre escolha da profissão e o da aprendizagem caso não
conseguissem a formação, sustentando, por este motivo, a inconstitucionalidade da
nota de corte. Estas, por outro lado, argumentavam que a referida limitação era
essencial para a manutenção dos cursos em andamento, a fim de se equilibrar a
quantidade de alunos e as instalações oferecidas.
Em suma, o Tribunal Constitucional Federal germânico deliberou pela
constitucionalidade da limitação de vagas universitárias, conquanto fosse fixada na
medida do estritamente necessário, segundo critérios racionais que assegurassem a
igualdade de oportunidades, desde que implementada por meio de lei ou com base
nesta.
A ratio decidendi baseou-se no fato de que o indivíduo deve tolerar os
limites impostos pelo legislador aos seus direitos individuais (no caso, ao de admissão
e à livre escolha da profissão), já que se afigurou razoável a prevalência do interesse
coletivo (em específico, o funcionamento regular dos cursos).
Para tanto, foi tomado o seguinte argumento:

Mesmo na medida em que os direitos sociais de participação em benefícios


estatais não são desde o início restringidos àquilo existente em cada caso,
eles se encontram sob a reserva do possível, no sentido de estabelecer
o que pode o indivíduo, racionalmente falando, exigir da coletividade.
[...]

Por outro lado, um tal mandamento constitucional não obriga, contudo, a


prover a cada candidato, em qualquer momento, a vaga do ensino superior
por ele desejada, tornando, desse modo, os dispendiosos investimentos na
área do ensino superior dependentes exclusivamente da demanda individual
freqüentemente flutuante e influenciável por variados fatores. Isso levaria a
53

um entendimento errôneo da liberdade, junto ao qual teria sido ignorado que


a liberdade pessoal, em longo prazo, não pode ser realizada alijada da
capacidade funcional e do balanceamento do todo, e que o pensamento das
pretensões subjetivas ilimitadas às custas da coletividade é
incompatível com a idéia do Estado social. (grifos nossos) (SCHWABE,
2005)

Sinteticamente, referida teoria condiciona o provimento de uma imediata


pretensão individual de prestação de direitos sociais à sua razoabilidade, e à
disponibilidade fática de recursos e da capacidade orçamentária do ente político.
Sarlet e Figueiredo (2008) identificam três dimensões do instituto: a)
razoabilidade da pretensão; b) incapacidade fática (econômica); incapacidade jurídica
(falta de orçamento prévio).
De igual turno, não se pode perder de vista o cenário de implementação
dos direitos sociais, se em fase incipiente ou avançada, mormente em relação aos
recursos públicos presentes nesse tempo. (SARLET e FIGUEIREDO, 2008)
Para uma explicação mais didática, merece citação a lição de Scaff (2013):

“Reserva do possível” é um conceito econômico que decorre da constatação


da existência da escassez dos recursos, públicos ou privados, em face da
vastidão das necessidades humanas, sociais, coletivas ou individuais. Cada
indivíduo, ao fazer suas escolhas e eleger suas prioridades, tem que levar em
conta os limites financeiros de suas disponibilidades econômicas. O mesmo
vale para as escolhas políticas que devem ser realizadas no seio do Estado
pelos órgãos competentes para fazê-lo.

Destarte, em uma tendência de imigração do referido princípio, os juristas


perquirem sobre a possibilidade da aplicação da teoria germânica no sistema jurídico-
constitucional brasileiro e, se em caso positivo, se poderia ser transposta em sua ideia
original, ou se seriam necessárias adaptações para adequá-la ao direito brasileiro.
Não é demais lembrar a grande disparidade cultural e socioeconômica dos países em
questão.
Nessa toada, a teoria da reserva do possível foi importada para como sendo
a “reserva do financeiramente possível”. Os juristas brasileiros passaram a
desconsiderar o elemento primordial da razoabilidade da pretensão36, para conceituá-

36 Scaff (2013) adverte que: “É importante observar que esta expressão vem sendo bastante maltratada
pela jurisprudência brasileira, que a hostiliza de maneira praticamente unânime, tudo indica que em
virtude de sua má-compreensão. Ela vem sendo entendida como se existisse um complô no seio da
Administração Pública para esconder recursos públicos visando não cumprir as determinações judiciais
e não implementar os direitos fundamentais sociais, sendo a “reserva do possível” uma tentativa de
refúgio das ordens judiciais.”
54

la com grande enfoque para a falta de recursos econômicos disponíveis (incapacidade


econômica) para prover direitos. (FALSARELLA, 2012)
Essa transposição equivocada da teoria alemã ao direito brasileiro gerou
grande obstáculo para a sua aceitação no sistema jurídico brasileiro.
Nesse contexto, a doutrina majoritária é relutante em admitir sua aplicação
no contexto dos direitos fundamentais, e os principais argumentos remetem-se à
prevalência do direito à garantia do mínimo existencial, e na impossibilidade de se
furtar à obrigação constitucional por falta de recursos quando se pode angariá-los
ilimitadamente. (FALSARELLA, 2012)
Logo, o Poder Público não tem a faculdade de escusar-se de oferecer os
serviços essenciais e indispensáveis de saúde sob o pretexto de falta de recursos
financeiros para tanto, uma vez que, constituindo um dever de prestá-lo por meio de
políticas públicas, o usuário não pode ter o seu direito fundamental lesado por uma
gestão político-administrativa desidiosa. Averbe-se que o orçamento se molda aos
direitos fundamentais e não o contrário. (PIOVESAN e VIEIRA, 2006, p. 140)
A previsão orçamentária engloba tais gastos e a Constituição Federal
impõe a alocação de certa parte da receita ao custeio de ações da saúde e, ainda que
não previstas legalmente, eventuais condenações judiciais devem ser objeto de
mínimo planejamento do Administrador, uma vez que deveriam ser prestadas
independentemente de ordem judicial, justamente pela previsão nas políticas públicas
de saúde. A falha de alocação responsável do dinheiro público não deve gerar reflexos
negativos ao cidadão, sob pena de causar uma grave omissão constitucional.
O trecho a seguir denota grande resistência doutrinária quanto a sua
aplicação, e a preocupação dos juristas brasileiros em rebatê-la, principalmente no
que toca à falta de recursos orçamentários:

Com efeito, o que se verifica, em muitos casos, é uma inversão hierárquica


tanto em termos jurídico-normativos quanto em termos axiológicos, quando
se pretende bloquear qualquer possibilidade de intervenção neste plano, a
ponto de se privilegiar a legislação orçamentária em detrimento de
imposições e prioridades constitucionais e, o que é mais grave, prioridades
em matéria de efetividade de direitos fundamentais. Tudo está a demonstrar,
portanto e como bem recorda Eros Grau, que a assim designada reserva do
possível ‘não pode ser reduzida a limite posto pelo orçamento, até porque, se
fosse assim, um direito social sob ‘reserva de cofres cheios’ equivaleria, na
prática – como diz José Joaquim Gomes Canotilho – a nenhuma vinculação
jurídica’ (SARLET e FIGUEIREDO, 2008, p. 193/194)
55

Sarlet e Figueiredo (2008), consignam que o princípio deve ser “levado a


sério, mas encarado com reservas”, em se cogitando a sua aplicação, “cabe ao poder
público o ônus da comprovação da falta efetiva dos recursos indispensáveis à
satisfação dos direitos a prestações, assim como da eficiente aplicação dos mesmos”.
Na mesma linha de raciocínio, leciona Bulos (2023):

Comprovando, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da


pessoa estatal, nada se poderá exigir dela, pois não se afigura razoável
cobrar a imediata efetivação de prerrogativas constitucionais de quem não
tem aporte financeiro para saldá-las.

Os tribunais superiores não a ignoram37, todavia, as decisões que


preponderam são amparadas na teoria dos limites dos limites, e na mínima
discricionariedade administrativa da execução das políticas públicas, de forma a
priorizar os direitos fundamentais essenciais.
Como afirmado, a doutrina majoritária e jurisprudência dos tribunais
superiores têm entendido que a reserva do (financeiramente) possível não pode ser
aplicada ao sistema jurídico brasileiro. Essa conclusão se origina a partir da
incompatibilidade da teoria quando em embate com valores constitucionais sensíveis,
notadamente com a garantia do mínimo existencial.

4.1.2 O direito à garantia de um mínimo existencial e a progressividade do direito


à saúde

Para aprofundar a fundamentação do principal motivo da inaplicabilidade


da teoria da reserva do possível ao sistema jurídico brasileiro, é preciso registrar que:
se de um lado esta encontra fundamentos fáticos-orçamentários para a recusa da
prestação e posterior à relação fato-norma, o direito à garantia do mínimo existencial
retorna a um argumento que contém substrato propriamente jurídico, deontológico e
anterior à relação fato-norma.

37 O Supremo Tribunal Federal já se posicionou no sentido de sua aplicação: ”É que a realização dos
direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo
de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às
possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade
econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a
limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.“
(BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Relator: Celso de Mello, 2004)
56

Precipuamente, é necessário ponderar que a sistemática dos direitos


fundamentais está diretamente interligada com o princípio da dignidade humana, na
medida em que estão com ele relacionados em maior ou menor grau. (MITIDIERO,
MARINONI e SARLET, 2023)
Ademais, a garantia de uma vida digna deriva da preocupação do
constituinte em ir além da simples previsão de uma carta de direitos de
“sobrevivência”. O rol de direitos fundamentais (incluídos os sociais), não alheio à
intensa carga axiológica da Constituição, também possui a finalidade de viabilizar
mínimas condições materiais de existência digna que, possibilitando o
desenvolvimento da personalidade do indivíduo e o exercício dos direitos de liberdade,
materializam o princípio da dignidade humana, e que se encontram consentâneos com
as condições socioeconômicas da época. (SARLET e FIGUEIREDO, 2008)
Essa assistência material mínima corresponde àquilo que se convencionou
denominar de mínimo existencial, que compreende, em seu núcleo, mais do que
aquilo necessário para apenas sobreviver (este chamado de mínimo vital).
Robert Alexy (2008), disserta sobre a relatividade do conteúdo do mínimo
existencial dentro do sistema de direitos alemão:

Sem recorrer a comparações é praticamente impossível determinar o que faz


parte do mínimo existencial garantido constitucionalmente. Como a História e
outros países demonstram, o mínimo existencial absoluto pode ser fixado em
patamar extremamente baixo. Sob a Constituição alemã o que importa é o
mínimo existencial relativo, ou seja, aquilo que que sob as condições de cada
momento na República Federal da Alemanha seja considerado como mínimo
existencial. [...]

Não é nenhuma obviedade que, sob uma Constituição que não o garante
expressamente, a existência de um direito subjetivo ao mínimo existencial,
em nível constitucional, seja maciçamente sustentada pela jurisprudência e
pela doutrina.

Não obstante a dúvida sobre quais direitos fundamentais sociais, culturais


e econômicos básicos efetivamente a compõem, o seu conteúdo assume contornos
mais precisos no caso em concreto. (SARLET e ZOCKUN, 2016)
Nesse contexto, malgrado a dificuldade (ou impossibilidade) na
enumeração dos direitos que o compõem, o direito à saúde desponta como um dos
mais importantes, na medida em que decorre diretamente do direito à vida, como já
afirmado anteriormente neste trabalho.
57

De forma consequente, a ineficiência de políticas públicas que garantam


direitos sociais, especialmente o direito à saúde, impede que o indivíduo participe
diretamente do Estado Democrático de Direito e embaraça o exercício de seus direitos
de liberdade, notadamente os de participação política.
Essa prestação insuficiente faz nascer o direito subjetivo ao cidadão, pela
característica da justiciabilidade dos direitos sociais já mencionada, e a consequente
alegação da exceção da reserva do possível por parte do Estado no âmbito do
processo judicial.
Atualmente, a reserva do possível é tese repetidamente defendida nas
demandas judiciais que versam sobre a obtenção de tratamentos e remédios, sendo
comum a alegação genérica da referida teoria pelo Estado, sem se explicitar de forma
objetiva, e precisamente comprovada, a indisponibilidade absoluta de recursos para
prestá-los.
Há, sem dúvida, um nítido embate entre interesses diametralmente
opostos: a suposta oneração financeira desmedida do Estado, que alega a
incapacidade de efetivar a prestação fática de um direito por insuficiência de recursos,
que já estão previamente alocados, em contraposição ao direito (líquido e certo) à
saúde do cidadão, abarcado efetivamente pela política pública, direito que qualificado
como fundamental social e dotado de essencialidade no sistema jurídico
constitucional. Em resumo: a existência de recursos financeiros é condição da
prestação das políticas públicas de saúde?
Como já delineado, a regra geral é que não. O direito à garantia do mínimo
existencial, em caso de conflito com o princípio da reserva do possível, deverá
prevalecer, fazendo o Poder Judiciário compelir o Estado na obrigação de fazer valer
as políticas públicas. Seguindo essa conclusão, o Ministro Celso de Mello, por ocasião
de decisão monocrática proferida na ADPF nº 45, explanou:

Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese -


mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-
administrativa - criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e
censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o
estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos,
de condições materiais mínimas de existência.

Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" -


ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser
invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de
suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta
58

governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo,


aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de
essencial fundamentalidade. [...]

É que, se tais Poderes [Legislativo e Executivo] do Estado agirem de modo


irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar,
comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais,
afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de
um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível
consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas
necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do
indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado - e
até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a
possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a
todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada
pelo Estado. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, ADPF 45, Relator: Min.
Celso de Mello, 29/01/2004).

O precedente vinculante transpõe de forma cristalina a preocupação em


garantir a existência digna em detrimento de um “obstáculo artificial”, que consiste na
alegação genérica e infundada da impossibilidade da prestação por falta de recursos
financeiros que já estejam previamente alocados. Entretanto, o referido “justo motivo
objetivamente aferível”, que autorizaria a invocação legítima da cláusula da reserva
do possível pelo Estado, não foi esmiuçado pelo julgador, tampouco exemplificado,
deixando a esmo a sua aplicabilidade no caso em concreto.
Doutrinariamente, esse raciocínio de primazia do direito ao mínimo
existencial também é compartilhado pela doutrina. Nesse sentido, Ana Paula Barcellos
(2017) vai além e dispõe que o mínimo existencial é uma regra, prevalecendo sobre o
princípio da reserva do possível:

Pela ponderação, portanto, se extrai da norma programática que consagra o


princípio da dignidade da pessoa humana um núcleo básico, que é
transformado em regra diretamente sindicável pelo Judiciário: o mínimo
existencial. A regra do mínimo existencial, como toda regra, é biunívoca, e a
ela não se pode opor os princípios acima enunciados (separação dos
poderes, reserva do orçamento etc.).

Assim, Piovesan e Vieira (2006, p. 141) concluem que

Sustenta-se, no presente texto, que a ‘reserva do possível’ não pode


acarretar a ineficácia do direito. Ainda assim, chama atenção o caso concreto,
no qual se discutiu a abrangência da cláusula da ‘reserva do possível’ para o
direito à saúde, o que beira uma ousadia indevida. Isso porque, no caso
brasileiro, como se ensina, o mínimo essencial dos direitos seria a garantia à
saúde e à educação básica, pontos nos quais não se poderia chegar a cogitar
de descumprimento ‘justificado’ da Constituição Federal, por questões de
caixa. Com sinceridade à Constituição, tamanha a essencialidade do direito
59

que seria incogitável sua análise concreta à luz de discussões técnico


orçamentárias.

Posto isso, em análise conjunta com a já destacada a essencialidade do


direito à saúde, é quase um consenso a prevalência do mínimo existencial em
detrimento da reserva do possível. O Poder Judiciário deve fazer prevalecer o direito
à saúde líquido e certo do cidadão que se encontre em consonância com as políticas
públicas do SUS.
Não obstante, se há um consenso quanto à sua inaplicabilidade quando se
pretende ardilosamente argui-la para o fim de impedir condições materiais de
existência digna, a reserva do possível se mostra, de alguma forma, limitadora do
planejamento das políticas públicas pelo administrador.
Note-se que essa análise é feita com base em um momento prévio à
disponibilização da prestação de serviços ou disponibilização de medicamentos. É
quando o gestor se depara com os recursos disponíveis (que são limitados), e precisa
os utilizar mais eficientemente possível. Assim disciplina Flávio Galdino (2002, p. 179):

Por evidente, há o reconhecimento, explícito ou mesmo implícito, de que


também as prestações públicas que integram o mínimo existencial
encontram-se sujeitas aos recursos econômicos e financeiros disponíveis no
momento, salientando-se apenas, contudo, que tais prestações devem
receber tratamento preferencial em relação às que não ostentem tal caráter.

Os direitos sociais, por possuírem natureza de prestações positivas pelo


Estado, são implementados de maneira progressiva: paulatinamente têm o seu
conteúdo expandido, na medida da capacidade econômica do Estado. Não são
verificados perfeitos e acabados de forma instantânea. É o que dispõe Fernando
Facury Scaff (2012):

O conceito de reserva do possível está casado com outro, muito caro aos
direitos sociais, que é o da progressividade na concretização desses direitos.
Os direitos prestacionais, tal como o direito à saúde, não são direitos que se
disponibilizam integralmente de uma única vez. São direitos fornecidos
progressivamente pelo Estado, de modo que, passo a passo, em um ritmo
crescente, ele se torna cada vez mais concretizado - o que não ocorre com
outros direitos, tal como o de maioridade, a qual se obtém de um dia para
outro - literalmente. Os direitos sociais são direitos implementados à
prestação, de forma progressiva.

Esta característica aplicada ao direito à saúde no Brasil implica em dizer que


o direito "à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
60

recuperação", constante do art. 196 da CF, não é algo que seja obtido de
plano, plenamente finalizado em um dado momento histórico Isto decorre do
desenvolvimento cinético e tecnológico da medicina que sempre traz novas
respostas aos problemas de salde existentes, bem como das limitações
próprias dos recursos públicos disponíveis. Infelizmente não há e nem haverá
jamais recursos suficientes para conceder de forma completa e cabal o direito
a saúde de modo a satisfazer plenamente todas as necessidades da
sociedade.

Portanto, a reserva do possível está, de certo modo, casada com a necessária


característica de serem os direitos sociais direitos a prestações. Os recursos
públicos são escassos, mas, a despeito disso, devem sempre ser utilizados
de modo a ampliar as prestações sociais que implementem os direitos sociais
previstos em nossa Constituição.
Ingo Sarlet, em preciosa obra, destaca que “a dependência, da realização de
direitos sociais prestacionais, da conjuntura socioeconômica é tudo menos
pura retórica ou mera ideologia'. Negar que apenas se pode buscar algo onde
este algo existe e desconsiderar que o Direito não tem o condão de - qual
toque de Midas gerar recursos materiais para sua realização fática, significa,
de certa forma, fechar os olhos para os limites do real”.

Por todo o exposto, as políticas públicas de saúde, ao menos em tese,


devem ampliar o seu campo de atuação com o passar do tempo para que mais
situações da vida sejam por elas previstas, com o fito de simultaneamente equilibrar
a reserva do possível, e materializar e elevar o mínimo existencial.
Ora, o estudado até aqui tem relação intrínseca com o Sistema Único de
Saúde, e com a previsão de tratamentos e medicamentos que nele se inserem. Não
há dúvidas de que o Estado não pode deixar de fornecê-los, mesmo alegando que
não há recursos financeiros em caixa para tanto.
Assim, põe-se à prova comodidades que nele não foram incorporados, ou
seja, que não passaram pelo crivo do gestor para a sua inclusão nas políticas públicas,
as quais são objeto de discussão na Justiça.
O que se conclui da jurisprudência destacada, conforme se verá na próxima
seção, é que as comodidades médicas não abarcadas pelo SUS, especialmente
medicamentos, têm sido objeto de limitações por meio dos tribunais superiores, já que
estabelecem condições para a sua concessão.
61

5 A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO BRASIL

Nos últimos anos, é incontestável a consideração que, a partir da


redemocratização e a promulgação da analítica e idealista Constituição de 1988, o
Poder Judiciário tem se tornado cada vez mais atuante na sociedade, em especial no
que toca às cortes superiores, não imotivadamente.
Em primeiro lugar, a informatização causou maior publicização dos atos
processuais e aumentou a velocidade da divulgação das decisões judiciais. Dessarte,
acórdãos uniformizadores de jurisprudência e pronunciamentos judiciais em geral,
antes publicados em apenas em suporte físico, passaram a ser disponibilizados de
maneira global pelo Diário da Justiça Eletrônico, além de que sessões de julgamento
passaram a ser transmitidas ao vivo pela Internet.
Como consequência, é possível que todos podem ter conhecimento do que
é decidido e quais as razões adotadas para a decisão de forma imediata e sem
maiores dificuldades, o que contribui para a materialização do princípio constitucional
da publicidade dos atos processuais (artigos 5°, LX e 93, IX da CF), e da ampliação
da fiscalização democrática do dever de fundamentação das decisões.
Além disso, juridicamente vem se tornando cada vez mais importante.
Acompanhando a tendência das relações interpessoais e da estrutura social, os
conflitos de interesses se multiplicam e adquirem contornos mais complexos e
desafiadores, reclamando soluções à altura por parte do Poder Judiciário que, por seu
turno, é cada vez mais exigido pela alta litigiosidade das demandas.
Cite-se aqui o sistema híbrido de controle de constitucionalidade brasileiro,
abstratização de controle difuso, e também própria cultura de valorização dos
precedentes, tendo a lei criado a possibilidade de edição de precedentes vinculantes,
mostra-se uma clara influência da teoria do stare decisis e do commom law no Brasil,
fatores que privilegiam a figura do órgão julgador e a importância da jurisprudência.
Por fim, a Força Normativa da Constituição, como já anteriormente
destacado na seção 2.2 deste trabalho, conferiu maior protagonismo ao Poder
Judiciário por confiá-lo na aplicação das normas constitucionais como se jurídicas
fossem, e não mais como simples programas ou de mero conteúdo político.
(SARMENTO, 2003)
Certamente, como expressão máxima do princípio do acesso à justiça (ou
inafastabilidade da jurisdição) contido no art. 5º, XXXV da CF, a inobservância de uma
62

disposição constitucional confere ao indivíduo afetado o direito de exigir juridicamente


o seu direito em razão do descumprimento: seja pela completa omissão em executá-
la ou pela execução inadequada ao ser realizado de forma contrária ou insuficiente
quanto aos padrões constitucionais.
Esse princípio, se por um lado garante e maximiza o direito do cidadão,
também atribui grande responsabilidade ao Poder Judiciário: a ele cumpre dirimir
conflitos que envolvem questões políticas de fulcral relevância à estrutura social e que,
originalmente, deveriam ter sidos resolvidos pelo gestor e pelo legislador, observada
a vedação ao non liquet. Dá-se a esse fenômeno a designação de “judicialização da
política”.
Destarte, naturalmente vem à tona a questão do controle judicial das
políticas públicas de saúde, seus limites, e o equilíbrio de valores sensíveis. Nesta
seção, busca-se analisar o fenômeno da judicialização da saúde (inserida no contexto
da judicialização da política), o ativismo judicial e finalmente, o panorama do direito à
saúde na jurisprudência dos Tribunais.

5.1 A judicialização e o ativismo judicial

Como já afirmado, o Estado-juiz, no exercício da jurisdição, ao cabo de pôr


fim a um conflito de interesses e com fulcro na Constituição, deve influir em demandas
que versam sobre o direito a saúde, como espécie de direito fundamental e norma de
eficácia plena e aplicabilidade imediata, exigível independentemente da existência de
qualquer norma reguladora.
Além disso, fato é que a separação de poderes e a teoria dos freios e
contrapesos, como visto, servem de fundamento para possibilidade de intervenção
judicial, e não de impedimento.
Primordialmente, faz-se necessária a diferenciação entre judicialização e
ativismo judicial. À primeira vista, podem parecer que são expressões sinônimas ou
equivalentes, o que não é verdade.
Barroso (2009) define a judicialização como:

Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política


ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas
instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo –
em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e
a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve
63

uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações


significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da
sociedade.

Em complemento, segundo o autor Lenio Luiz Streck (2016), a


judicialização está relacionada ao desempenho ou não das competências
constitucionais pelos poderes, e à possibilidade de, em maior ou menor grau, discutir
a adequação e ineficiência de ações governamentais “lato sensu” frente à
Constituição.
A judicialização tem a função de servir como uma saída para direitos
fundamentais não atendidos, como uma verdadeira espécie de “execução forçada”
destes direitos. Destarte, em uma primeira análise, a judicialização traria tão somente
consequências positivas para o fim de dar efetividade aos comandos constitucionais.
Entretanto, há nuances que, inseridas no contexto brasileiro, evidenciam algumas
inconveniências do fenômeno, as quais serão tratadas na próxima subseção.
Por sua vez, ativismo judicial é produto de uma escolha do próprio Poder
Judiciário, conduta que deriva de uma usurpação de sua competência institucional,
que necessariamente traz consequências negativas, o que é o oposto da
autorregulação (ou autocontenção) judicial. Lenio Streck (2016) aponta casos
concretos de decisões ativistas pelas cortes superiores:

Dizia, então, que uma decisão é ativista até mesmo quando, por exemplo,
concede a metade da herança para a concubina-adulterina, assim como é
ativista uma decisão que diz que é juízo discricionário dizer se pode haver
prova antecipada no caso do artigo 366 do Código de Processo Penal (CPP).
Também foi ativista a decisão do STF no caso das uniões homoafetivas (não
gostaria de debater o mérito desse assunto, novamente – apenas cito a
decisão como amostragem de ativismo, nada mais). E sobre terras indígenas.
E o caso Donadon no MS 32.326. E o que dizer do Estado de Coisas
Inconstitucional (ECI)? Assim, o direito à saúde pode ser concedido por
decisões que concretizam adequadamente o direito, como também por
decisões ativistas. Por exemplo, conceder um tratamento que consumirá um
terço do orçamento do município é um caso de judicialização que acaba em
ativismo. Um exemplo explícito de ativismo: foi ativista a decisão que
autorizou o consumo da pílula contra o câncer e que provocou uma corrida
ao Judiciário. No mais, decisões contra legem são (também) práticas
ativistas, porque, nesse caso, o juiz se assenhora da lei e coloca os seus
juízos pessoais no lugar dos do constituinte e/ou do legislador ordinário.
Também é ativista decisão que confunde explicitamente os conceitos de texto
e norma, remetendo o direito aos cânones formalistas.

Aqui, como exemplo, o órgão julgador pode atuar de forma contrária à lei,
não aplicar a jurisprudência vinculante sem indicar o distinguishing, fazer menção à
64

princípios extravagantes e absolutamente genéricos sem motivar a correlação com os


fatos, ou se utilizar de suas vontades político-ideológicas e preferências pessoais para
decidir o que é justo38, de forma a adequar o Direito a sua decisão, e não o contrário,
como expressão do decisionismo.
Cambi e Vasconcelos (2016), após apresentarem definições de Lenio
Streck, Luís Roberto Barroso e Elival da Silva Ramos, valiosamente indicam uma
síntese clara sobre o tema:

Portanto, [...], a expressão “ativismo judicial”, no sentido negativo que a


acompanha desde a sua recepção no Brasil, deve ser utilizada nas hipóteses
de extrapolação dos limites de exercício da atividade jurisdicional. Isto é, se
e quando a decisão judicial se funda em argumentos meramente políticos, de
cunho moral, conforme a convicção pessoal do julgador: quando ultrapassa
os limites impostos pelo próprio ordenamento jurídico e o faz em detrimento
dos demais poderes, usurpando as suas respectivas competências.

Em resumo, a judicialização, mais do que um simples aumento do volume


processos nos tribunais, é o processo de interferência do Poder Judiciário em
questões originariamente de competência de outros poderes, os quais não as trataram
de maneira suficientemente constitucional.
O ativismo, por sua vez, expressa-se quando o órgão julgador, no caso
concreto e no exercício da jurisdição, interpreta a lei de forma manifestamente alheia
às atribuições constitucionais.
Portanto, é possível extrair que os institutos estão interligados, visto que
podem coexistir39, e se referem de alguma forma à atuação do Poder Judiciário, mas
que possuem nítidas diferenças.

5.2 O início e o desenvolvimento da judicialização da saúde no Brasil

38 Como exemplo, cumpre mencionar a decisão do Supremo Tribunal Federal que equiparou a prática
de homofobia e transfobia ao crime de racismo, na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão
26 (Rel. Ministro Celso de Mello) e no Mandado de Injunção 4.733 (Rel. Ministro Edson Fachin).
Malgrado não se discuta a questão da grave e terrível omissão do legislador ordinário, não se pode
duvidar, de outro turno, de uma decisão que viola frontalmente o Princípio da Legalidade Estrita, como
um dos vetores constitucionais do Direito Penal brasileiro (art. 5º, XXXIX da Constituição Federal).
39 Streck (2016), dissertando sobre o ativismo no contexto da judicialização, leciona que: “No caso

específico da judicialização da política, o ativismo representa um tipo de decisão na qual a vontade do


julgador substitui o debate político (seja para realizar um pretenso “avanço”, seja para manter o status
quo). Ativismo é, assim, um behaviorismo judicial.”.
65

Após serem apontados os motivos da ampliação da atuação e do


protagonismo do Poder Judiciário no cenário jurídico-social, especialmente nas
causas que versem sobre a saúde pública, bem como diferenciada a judicialização do
ativismo judicial, mister apresentar o panorama geral da judicialização da saúde no
Brasil.
Em incipiente análise, vê-se que a judicialização da saúde não é um
fenômeno atual, mas sim que a transferência de questões de grande complexidade e
relevância social, e de repercussão política ao Poder Judiciário é resposta de uma
omissão, crise institucional e descrença em relação aos demais poderes, aliado aos
fatores já enfatizados.
Historicamente, é imperioso mencionar o caso da AIDS (Acquired
immunodeficiency syndrome40), causada pelo vírus HIV (Human Immunodeficiency
Virus41), que chancelou o início do processo da judicialização da saúde no Brasil.
A epidemia surgiu na década de 1980, e rapidamente se espalhou pelo
mundo inteiro. Em razão do desconhecimento do vírus, este foi responsável por vitimar
muitas homens e mulheres de diferentes orientações sexuais.
Após a descoberta de tratamento eficaz na metade dos anos 1990, a
terapia antirretroviral altamente ativa, de nome AZT, popularmente conhecida como
“coquetel” foi disponibilizada pelo SUS, o que conferiu a possibilidade de evitar a
multiplicação do vírus e o impacto ao sistema imunológico. Entretanto, pela droga
manifestar graves efeitos colaterais, e/ou deixar de ser efetiva contra a doença, houve
os primeiros pedidos judiciais de concessão de outros medicamentos que inicialmente
não estavam incorporados na rede pública42. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005)
Impulsionadas pela criação da Lei Federal nº 9.313 de 1996, que dispunha
sobre o acesso gratuito e universal de medicamentos antiretrovirais aos portadores
de HIV e doentes de AIDS, as ações judiciais, que antes eram julgadas liminarmente
improcedentes, passaram a conceder inclusive liminares em favor dos postulantes.

40 Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA), em português.


41 Vírus da imunodeficiência humana, em português.
42 Dissertando a origem da política de saúde brasileira contra a AIDS, estabelece Barros (2013): “A

apresentação na XI Conferência Internacional de Aids de Vancouver, em julho de 1996, por David Ho


e Martin Markowitz, dos resultados obtidos com um coquetel de 3 drogas, contendo um inibidor da
protease, associada a decisão favorável da Justiça de São Paulo à ação impetrada pela advogada do
Gapa, Áurea Abbade, em nome da professora Nair Soares Brito para fornecimento dos medicamentos
Neodecapeptil, Saquinavir e Epivir pelo Estado, serviram de impulso para novas ações judiciais
demandando fornecimento de inibidores da protease. Até aquele momento, a única cidade do país que
fornecia por conta própria o coquetel era a cidade de Santos, São Paulo”.
66

Além disso, reconheceram o dever dos entes políticos em solidariedade, em razão da


ausência de norma específica de prestar assistência terapêutica, independentemente
de estarem os medicamentos postulados estarem “constantes de relação padronizada
do Ministério da Saúde”, conforme dispõe a lei. Assim leciona Gouvêa (2003):

Circunstâncias as mais variadas, porém, fizeram com que o argumento da


insuficiência do texto legal, outrora fatalmente admitido, não obtivesse mais
a acolhida dos tribunais que, invertendo a tendência anterior, passaram a
condenar o Estado não apenas à entrega de medicamentos, mas também à
prestação dos serviços médicos necessários ao tratamento da síndrome.
Impulsionadas por esta mudança no padrão decisório, ações versando o
fornecimento de medicamentos para outras doenças foram se tornando cada
vez mais freqüentes e com maior porcentagem de êxito. O sucesso dos
soropositivos impulsionou o reconhecimento do direito aos medicamentos por
parte de outras classes de doentes, a despeito da inexistência de estatuto
legal que amparasse esta extensão. (sic)

Assim, foi possível observar clara mudança de paradigma por parte do


Poder Judiciário, que passou a abrir espaço à postulação de medicamentos. Ademais,
a judicialização modelou políticas públicas, visto que foi crucial para o
desenvolvimento e concretização do Programa Nacional de DST/AIDS que, dos
resultados das ações judiciais, concluiu-se que a utilização dos antirretrovirais
concedidos judicialmente (tratamento preventivo aos soropositivos) era, além de mais
benéfica, menos custosa do que tratar um doente. (BARROS, 2013)
Impende denotar que referida “abertura” do Poder Judiciário, causada pelo
caso específico da AIDS foi uma experiência extremamente positiva da judicialização
para dar efetividade ao direito à saúde. Nesse contexto, o número de ações judiciais
ampliou para além dos portadores de HIV/AIDS, possibilitando que, em virtude dos
importantes precedentes conquistados, cidadãos acometidos por outras doenças
pudessem ir à juízo. Desde então, o número de processos que tinham por objeto o
fornecimento de bens e serviços de saúde cresceu exponencialmente (GOUVÊA,
2003).
. Entretanto, a judicialização, em ritmo crescente nos anos 2000 e 2010,
acarretou implicações negativas e com nuances ativistas no caso da fosfoetanolamina
sintética, conhecida como a “pílula do câncer”.
Nesse contexto, essa substância foi produzida por um docente da
Universidade de São Paulo, também promovida e divulgada por ele como a
“descoberta da cura do câncer” após testes positivos em camundongos com
67

melanoma, tipo de câncer de pele. Inclusive, chegou a patenteá-la, sem vincular a


instituição de ensino entre os titulares. (DOS SANTOS et al, 2017)
No entanto, cumpre mencionar que o processo de desenvolvimento,
produção e pesquisa científica da substância foi totalmente inadequado, visto que se
efetuou em um laboratório universitário de Química, que nem ao menos possuía um
médico, sem propiciar qualquer evidência cientifica ou estudos clínicos que
comprovassem segurança e eficácia em humanos. (DOS SANTOS et al, 2017)
Apesar da falta de endosso da comunidade médica e da ausência de
comprovação científica e autorização dos órgãos reguladores, houve distribuição por
parte do docente, fazendo com que a Universidade emitisse portaria para proibi-la até
que se cumprissem as exigências legais. Essa atitude acarretou o aforamento de
várias ações judiciais, o que originou, por conseguinte, liminares judiciais
determinando o fornecimento da substância pela universidade, a qual também era
imposta a indicar a quantidade necessária ao postulante. (DOS SANTOS et al, 2017)
Em fevereiro de 2016, a USP figurava em aproximadamente treze mil
ações. A existência de milhares de ordens judiciais abarrotou o laboratório
universitário, que nitidamente não detém com pessoal e estrutura de ordem industrial
para o fim de produção de medicamento em larga escala. A impossibilidade de
prestação gerou imposições de multa diária em caso de descumprimento de
obrigações de fazer, que chegou a ocasionar um bloqueio de R$ 3.000.000,00 (três
milhões de reais) nas contas bancárias da autarquia de ensino, e paralisou a
Administração da Universidade até sua revogação pela instância superior. (DOS
SANTOS et al, 2017)
Ademais, além do impacto financeiro causado à Universidade, que teve de
produzir a substância sem condições laboratoriais adequadas, nota-se que não há
obrigação legal a um ente da Administração Indireta para a prestação direta de
medicamentos ou qualquer fornecimento de bens ou serviços na área da saúde, na
medida em que se constitui uma autarquia estadual. (DOS SANTOS et al, 2017)
Em termos de prosseguimento, não obstante o que já alinhavado nos
parágrafos anteriores, faz-se obrigatória a atenção do leitor ao objeto das demandas:
o Poder Judiciário, em dado momento, estava compelindo o Estado (aqui em sentido
amplo, englobando a autarquia mencionada) à entrega de uma substância ao
postulante, sem a necessária comprovação científica ou registro no órgão regulador.
68

Não há dúvidas de que esse movimento caracterizou um risco muito grande


à saúde dos contendores que pleiteavam tal medicamento: se não havia comprovação
científica sequer da sua eficácia, o que dizer sobre eventuais efeitos colaterais que,
àquele tempo, não eram conhecidos? Por mais que, informalmente, havia uma
“melhora” do paciente, é de rigor a afirmação de que não bastava para uma resposta
conclusiva, posto que haveria a possibilidade de constituir um placebo. (DOS
SANTOS et al, 2017)
A partir dessas constatações, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, ao prover agravo regimental nº 2205847-
43.2015.8.26.0000/5000 interposto pela Universidade de São Paulo e pelo Estado de
São Paulo suspendeu todas as execuções de decisões liminares. O relator, Sérgio
Rui, em voto vencedor, consignou que:

No que respeita ao processo de aprovação de uma substância terapêutica, a


Fundação Oswaldo Cruz Fiocruz asseverou que “para determinar se a
substância é ou não uma alternativa terapêutica para o combate a neoplasias
ou qualquer doença, são necessários, primeiramente, estudos precedidos de
aprovação do Comitê de Ética (Conep), com protocolo de pesquisa clínica
aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Portanto,
ainda não é possível levantar considerações ou garantias, sem uma série de
estudos pré-clínicos e clínicos, sobre a eficácia e a segurança terapêutica do
uso de cápsulas com sal de etanolamina no combate ao câncer” (sic) (in
http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/fiocruz-esclarece-dúvidas-sobre-suposto-
medicamento-contra-o-cancer).
[...]
É irresponsável, portanto, a liberação de substância sintetizada em
laboratório, denominada fosfoetanolamina, que não é medicamento aprovado
e que vem sendo utilizada sem um mínimo de rigor científico e sem critério
por pacientes de câncer que relatam melhora genérica em seus quadros
clínicos, porque não foram realizadas pesquisas exaurientes pelas
comunidades científicas internacional e nacional que permitam estabelecer
uma correlação segura e indubitável entre seu uso e a hipotética evolução
relatada. E não pode o Poder Judiciário, em razão de tantas lacunas
científicas e éticas, permitir que substância de duvidosa eficácia e de
desconhecida toxicidade seja distribuída indiscriminadamente.

Foi feliz o relator em asseverar que “não pode o Poder Judiciário, em razão
de tantas lacunas científicas e éticas, permitir que substância de duvidosa eficácia e
de desconhecida toxicidade seja distribuída indiscriminadamente.”.
Ainda assim, a USP foi demandada em tribunais de outros Estados e nos
tribunais federais, o que fomentou o pedido de Suspensão de Tutela Antecipada nº
828 no Supremo Tribunal Federal, tendo a autarquia obtido decisão favorável a
69

suspensão de liminares e de decisões de segunda instância que a compeliam à


fabricação da substância. (DOS SANTOS et al, 2017)
Desta feita, pode se extrair que, tanto no caso de sucesso da HIV/AIDS e
quanto no infortunado caso da fosfoetanolamina sintética, a judicialização da saúde
se manifesta sob diferentes prismas. Logo, foi possível analisar que a judicialização
da saúde é extremamente benéfica sob o ângulo do sujeito de direitos, porque lhe
oferece uma saída quando os Poderes competentes não exercem suas atribuições a
contento.
Entretanto, é preciso haver criteriosa análise do Poder Judiciário quanto à
adequação da viabilidade do bem da vida postulado, e baseie suas decisões em
evidências científicas sólidas, visto que decisões sem profundas reflexões,
principalmente no que toca a saúde do postulante, podem acarretar graves e
irreparáveis danos.
Superada a análise de exemplos da judicialização da saúde no Brasil, e da
conclusão de que as experiências práticas trazem profundas reflexões,
consequências e ensinamentos, além de sobrelevarem a importância do Poder
Judiciário, é curial mencionar que, atualmente, o Brasil enfrenta um cenário em que a
judicialização da saúde tem se intensificado consideravelmente, para além do que se
imaginaria quando de sua concepção.
Os números falam por si: de acordo com o Painel de Estatísticas
Processuais de Direito da Saúde (CNJ, [s.d.]), ferramenta lançada pelo Conselho
Nacional de Justiça para o monitoramento de movimentação processual e quantidade
de processos em saúde, os litígios pendentes de resolução que envolvem a saúde
pública até se perfazem, em 2024, em extraordinários 511,07 mil.

ILUSTRAÇÃO 1 – Número de processos pendentes bruto que tem como assunto a


saúde pública no Brasil nos anos de 2020 a 2023
70

Fonte: Painel de Estatísticas Processuais de Direito da Saúde, 2024.

ILUSTRAÇÃO 2 – Número de processos novos que tem como assunto a saúde


pública no Brasil nos anos de 2020 a 2023

Fonte: Painel de Estatísticas Processuais de Direito da Saúde, 2024.

Na segunda ilustração, é possível extrair que, dos anos de 2020 a 2023


houve um aumento médio de aproximadamente 41,68 mil de processos novos por
ano, ou seja, esse número representa a média do aumento do ingresso anual de ações
judiciais. Ademais, é digno de nota que, dentre os assuntos dos processos novos
analisados no Painel Estatístico, é possível perceber que o assunto “Fornecimento de
medicamentos”, seguido por “Tratamento Médico-Hospitalar” se destacam.
Essa quantidade expressiva de novas ações evidencia o aumento da
judicialização da saúde. Ademais, é importante pontar que alguns autores a
consideram até mesmo excessiva, e que pode gerar reflexos indesejados para a
71

estrutura e contrários à finalidade do Sistema Único de Saúde, que merecem ser


tratados em subseção própria.

5.3 Consequências da judicialização excessiva

Em primeiro lugar, é preciso ter em mente que a judicialização da saúde é,


em sua essência, uma alternativa e não a via principal: a saúde deve ser
ordinariamente prestada através das políticas públicas. Como já ilustrado, há uma
certa “substituição” para o Judiciário de competências dos poderes originariamente
instituídos, os quais não as exercem de maneira suficiente.
A judicialização, por si só, não é capaz de causar danos ao sistema de
promoção de justiça social preconizada pelas políticas públicas, notadamente o
Sistema Único de Saúde, mas sim a judicialização excessiva, que evidentemente por
reiteração de certas condutas em larga escala é capaz de retornar impactos negativos.
A primeira questão a ser analisada é que a judicialização e a abertura do
Poder Judiciário através de precedentes frutíferos causa mais judicialização,
fenômeno já observado quando do estudo do caso HIV/AIDS. Por conseguinte, a
tendência de crescimento dos processos judiciais, em uma sociedade já tão litigante
como a brasileira, é outra realidade a ser enfrentada, o que contribui para a sobrecarga
do sistema judiciário, problema do qual derivam outros, como a demora na prestação
jurisdicional e automaticidade das decisões.
Nesta baila, as liminares assumem ímpar relevância, notadamente quando
se perfazem inaudita altera parte. A falta de contraditório por parte do Poder Público,
aliada à imediatidade e sensibilidade que o direito à saúde – por vezes o direito à vida
- é revestido (caracterizando por si só o periculum in mora), e à análise perfunctória
dos fatos e cognição sumária da causa, faz com que o Poder Judiciário defira o
fornecimento de medicamentos sem que, por vezes, o postulante realmente tenha a
necessidade do bem da vida. É o pensamento de Bucci (2017, p. 34):

Portanto, não é mero jogo de palavras dizer que a “judicialização excessiva”


da saúde tornou-se sintoma de uma doença institucional.

Num primeiro momento, saudada como uma importante inovação


institucional, filha da Constituição cidadã̃ de 1988, que finalmente conferiria
aos direitos, em particular os direitos sociais, uma garantia de efetividade,
que deixasse para trás o tempo das enunciações meramente declaratórias, a
judicialização da saúde no Brasil, desde o final da década de 1990, tornou-se
72

um problema. A ampliação das ações judiciais para a prestação do direito à


saúde, permitam-me dizer, assumiu características epidêmicas.

Se por um lado as demandas de massa realizam a derrubada, pelo menos


parcial, de barreiras que impediam a reivindicação consequente do
atendimento a direitos, por outro lado criaram um paradoxo, em que a
judicialização gera mais judicialização.

Banalizaram-se problemas e respostas. Diante da rotina de liminares


garantindo a entrega de praticamente todo e qualquer medicamento e
providencia requerido, qualquer medida oferecida no âmbito do sistema de
saúde, ainda que célere e razoável, tende a ser vista como emulação
acanhada do verdadeiro direito subjetivo do interessado. Nada menos que a
providência máxima será́ tido como aceitável. Seria como parafrasear o
antigo ditado: aos que tiverem a sorte do caminho judicial, tudo; à
coletividade, a lei. O direito à saúde de uns oposto ao direito à saúde de
muitos.

Em prosseguimento, é de se mencionar também a consequência da


desorganização administrativa, que se desdobra na necessária reorganização de
ações do SUS, v.g. litigante individual que, obtendo liminar, é movido para o 1º lugar
da fila de espera para uma cirurgia. Assim leciona Barroso (2007, p. 25-26):

Mais recentemente, vem se tornando recorrente a objeção de que as


decisões judiciais em matéria de medicamentos provocam a desorganização
da Administração Pública. São comuns, por exemplo, programas de
atendimentos integral, no âmbito dos quais, além de medicamentos, os
pacientes recebem atendimento médico, social e psicológico. Quando há
alguma decisão judicial determinando a entrega imediata de medicamentos,
freqüentemente o Governo retira o fármaco do programa, desatendendo a um
paciente que o recebia regularmente, para entregá-lo ao litigante individual
que obteve a decisão favorável. Tais decisões privariam a Administração da
capacidade de se planejar, comprometendo a eficiência administrativa no
atendimento ao cidadão. Cada uma das decisões pode atender às
necessidades imediatas do jurisdicionado, mas, globalmente, impediria a
otimização das possibilidades estatais no que toca à promoção da saúde
pública.

No mesmo sentido, assinala Gouvêa (2003), citado indiretamente na


passagem acima:

Um viés da crítica que se traça ao intervencionismo judiciário na área de


fornecimento de remédios é, precisamente, o de que ele põe por água abaixo
tais esforços organizacionais. Autoridades e diretores de unidades médicas
afirmam que, constantemente, uma ordem judicial impondo a entrega de
remédio para um determinado postulante acaba por deixar sem assistência
farmacêutica outro doente, que já se encontrava devidamente cadastrado
junto ao centro de referência.
73

Ademais, Barroso (2007, p. 27) sustenta que concede preferência ao


atendimento do litigante individual, que, em regra, possui maior poder aquisitivo e grau
de informação do que a maioria da população, em detrimento da dispensação de bens
e serviços à coletividade:

[..] quando o Judiciário assume o papel de protagonista na implementação


dessas políticas, privilegia aqueles que possuem acesso qualificado à
Justiça, seja por conhecerem seus direitos, seja por poderem arcar com os
custos do processo judicial. Por isso, a possibilidade de o Judiciário
determinar a entrega gratuita de medicamentos mais serviria à classe média
que aos pobres. Inclusive, a exclusão destes se aprofundaria pela
circunstância de o Governo transferir os recursos que lhes dispensaria, em
programas institucionalizados, para o cumprimento de decisões judiciais,
proferidas, em sua grande maioria, em benefício da classe média.

Destarte, foram apresentadas alhures as consequências negativas da


excessiva judicialização, que causa efeitos deletérios ao sistema de promoção de
justiça social em razão da quantidade excessiva de demandas.
Originariamente a fim de levantar óbices a qualquer intervenção do controle
judicial de políticas públicas, seja quando o Judiciário compele à sua efetiva execução
ou à sua criação, podem aqui ser elencados argumentos para, neste tópico, mitigar a
judicialização excessiva: a) falta de legitimidade democrática; b) falta de técnica.
No que tange à falta de legitimidade democrática, se perquire acerca da
legitimidade do Judiciário para decidir a respeito da melhor alocação dos recursos e
de decisões trágicas, tarefa reservada ao Poder Executivo.
Dito isto, é preciso pontuar que a democracia reserva ao povo o poder, que
o exerce por meio de representantes. Entretanto, há vozes que defendem que o Poder
Judiciário, cujos membros são admitidos em vias alheias ao voto popular, não teria
legitimidade para a interferência ativa ou atividade criativa em questões políticas. Se
baseia nessa premissa Barroso (2007, p. 24), que constrói o seguinte raciocínio:

Não são poucos os que sustentam a impropriedade de se retirar dos poderes


legitimados pelo voto popular a prerrogativa de decidir de que modo os
recursos públicos devem ser gastos. Tais recursos são obtidos através da
cobrança de impostos. É o próprio povo – que paga os impostos – quem deve
decidir de que modo os recursos públicos devem ser gastos. E o povo pode,
por exemplo, preferir priorizar medidas preventivas de proteção da saúde, ou
concentrar a maior parte dos recursos públicos na educação das novas
gerações. Essas decisões são razoáveis, e caberia ao povo tomá-las,
diretamente ou por meio de seus representantes eleitos.
74

Em contraposição e, respeitando opiniões em contrário, é de se retornar


aqui ao argumento lançado na análise da teoria da reserva do possível: o Poder
Judiciário tem a atribuição constitucional (e, portanto, democrática!) de, quando
provocado, fazer cumprir a lei, ainda que, para tanto, necessite fazer escolhas políticas
para a consecução de direitos fundamentais. O Administrador teve a oportunidade de
fazê-las, em termos de aplicação e execução, mas que, em razão de sua própria
desídia, a deixou a esmo, lesando o direito líquido e certo do cidadão.
Igual conclusão reverbera ao Legislador, que deixou de formular política
pública, cabendo ao Judiciário suprir a lacuna, ressalvada a necessidade de claros
parâmetros para o fim de evitar decisões ativistas, que substituem de maneira indevida
um poder constitucional por outro.
Quanto à falta de técnica, há quem entenda que juízes, ao decidirem sobre
questões de saúde, podem não ter o embasamento técnico necessário para
compreender plenamente as implicações de suas decisões. (BARROSO, 2007)
Destarte, a crítica técnica se fundamenta na visão de que o Judiciário
carece da expertise específica necessária para formular ou intervir eficientemente nas
políticas de saúde. Há uma preocupação de que o Judiciário, mesmo munido de
pareceres técnicos, não possui a capacidade de julgar a necessidade real de um
medicamento ou tratamento para a promoção da saúde e preservação da vida, uma
competência tradicionalmente atribuída à Administração Pública. (BARROSO, 2007)
Além disso, argumenta-se que o juiz, focado na justiça individualizada dos
casos que lhe são apresentados, não tem a visão ampla requerida para a gestão da
saúde pública, que demanda uma abordagem mais holística e estratégica,
caracterizada por verdadeiras metas políticas, típica da macrojustiça. Luís Roberto
Barroso assim sustenta (2009, p. 19-20):

O juiz, por vocação e treinamento, normalmente estará preparado para


realizar a justiça do caso concreto, a microjustiça. Ele nem sempre dispõe
das informações, do tempo e mesmo do conhecimento para avaliar o impacto
de determinadas decisões, proferidas em processos individuais, sobre a
realidade de um segmento econômico ou sobre a prestação de um serviço
público.

Aqui, a reflexão mostra-se extremamente válida, mas não no sentido de


infirmar a atuação do Judiciário, e sim para coadunar ações de diferentes poderes
75

para o fim de instruir tecnicamente decisões e, consequentemente, aprimorar a


prestação jurisdicional.
Logo, é possível concluir que a judicialização excessiva da saúde reflete
um dilema contemporâneo: o resultado de uma busca judicial descomedida por
direitos individuais de acesso à saúde pode entrar em rota de colisão com os fins das
políticas públicas estabelecidas. Essa tendência, embora fundada na efetividade dos
direitos fundamentais, ao tempo em que sobrecarrega do sistema judiciário, gera uma
potencial desestabilização do planejamento em saúde pública, pela necessária
reorganização incessante dos recursos do SUS.
Em resposta a essa realidade, o Poder Judiciário tem buscado desenvolver
mecanismos de diálogo com os demais poderes e especialistas em saúde, visando
aprimorar a capacitação técnica dos magistrados e promover decisões mais
informadas e alinhadas com as necessidades coletivas.

5.4 Resposta do Poder Judiciário à judicialização

As experiências advindas com a judicialização da saúde, em conjunto com


quantidade de processos afetos à saúde pública, e com a necessidade de equilibrar a
atuação judicial com o impacto financeiro das decisões mobilizaram o Poder Judiciário
a adotar medidas compatíveis com a essencialidade e sensibilidade do direito em
questão.
Essa mobilização se opera no fato de que os órgãos judiciários brasileiros
têm procurado promover o equilíbrio da proteção dos direitos fundamentais em
relação à interferência em matérias afetas aos demais poderes, utilizando-se de uma
abordagem mais sistêmica, democrática e colaborativa, por intermédio de medidas
administrativas e jurisprudenciais conduzidas pelo Conselho Nacional de Justiça e
pelos tribunais superiores.

5.4.1 Medidas administrativas

Em proêmio cumpre mencionar que a primeira medida administrativa


tomada foi a Audiência Pública nº 4. A audiência pública é um instituto constitucional
que tem a finalidade de, dentro da área de competência do órgão que a convocou,
promover o diálogo institucional entre diferentes atores sociais, inclusive com a
76

participação da sociedade civil e de especialistas, com o objetivo de esclarecer


questões técnicas, cientificas, sociais e econômicas que envolvem um tema de
relevância.
Para o fim de propiciar o esclarecimento de questões afetas a saúde,
segundo Gilmar Mendes (2018, p. 523), em razão da multiplicidade de pedidos de
suspensão de decisões judiciais desfavoráveis ao poder público em virtude de
condenações à fornecimento de bens e prestação de serviços, houve a necessidade
da convocação da audiência pública pelo Ministro, quando ocupava a Presidência do
Supremo Tribunal Federal.
Após as entrevistas da audiência, o Ministro destacou que foi constatado
que a maioria das demandas não versava sobre omissão legislativa, mais sim omissão
no cumprimento das políticas públicas já estabelecidas. Além disso, reafirmou que o
Estado não poderia ser condenado à dispensação de medicamentos experimentais
ou sem registro na ANVISA (salvo quando houver exceção legal), e da
responsabilidade solidária da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
(MENDES, 2018)
A partir destes resultados, e também na presidência do CNJ, o Ministro
Gilmar Mendes expediu a Portaria nº 650/2009, a qual, designando uma equipe
técnica, teve a finalidade de, nos termos do caput do art. 1º, “elaborar estudos e propor
medidas concretas e normativas referentes às demandas judiciais envolvendo o
direito a saúde”. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2009)
Essa equipe, por sua vez, formulou indicação que, em conjunto a outras
considerações, fez com que o Presidente do CNJ deliberasse a Recomendação nº 31
de 30 de março de 2010, recomendando aos Tribunais Federais e Tribunais de Justiça
as seguintes medidas:

a) até dezembro de 2010 celebrem convênios que objetivem disponibilizar


apoio técnico composto por médicos e farmacêuticos para auxiliar os
magistrados na formação de um juízo de valor quanto à apreciação das
questões clínicas apresentadas pelas partes das ações relativas à saúde,
observadas as peculiaridades regionais;
b) orientem, através das suas corregedorias, aos magistrados vinculados,
que:
b.1) procurem instruir as ações, tanto quanto possível, com relatórios
médicos, com descrição da doença, inclusive CID, contendo prescrição de
medicamentos, com denominação genérica ou princípio ativo, produtos,
órteses, próteses e insumos em geral, com posologia exata;
77

b.2) evitem autorizar o fornecimento de medicamentos ainda não registrados


pela ANVISA, ou em fase experimental, ressalvadas as exceções
expressamente previstas em lei;
b.3) ouçam, quando possível, preferencialmente por meio eletrônico, os
gestores, antes da apreciação de medidas de urgência;
b.4) verifiquem, junto à Comissão Nacional de Ética em Pesquisas (CONEP),
se os requerentes fazem parte de programas de pesquisa experimental dos
laboratórios, caso em que estes devem assumir a continuidade do
tratamento;
b.5) determinem, no momento da concessão de medida abrangida por política
pública existente, a inscrição do beneficiário nos respectivos programas;
c) incluam a legislação relativa ao direito sanitário como matéria
individualizada no programa de direito administrativo dos respectivos
concursos para ingresso na carreira da magistratura, de acordo com a relação
mínima de disciplinas estabelecida pela Resolução 75/2009 do Conselho
Nacional de Justiça;
d) promovam, para fins de conhecimento prático de funcionamento, visitas
dos magistrados aos Conselhos Municipais e Estaduais de Saúde, bem como
às unidades de saúde pública ou conveniadas ao SUS, dispensários de
medicamentos e a hospitais habilitados em Oncologia como Unidade de
Assistência de Alta Complexidade em Oncologia - UNACON ou Centro de
Assistência de Alta Complexidade em Oncologia - CACON;
II. Recomendar à Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de
Magistrados - ENFAM, à Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento
de Magistrados do Trabalho - ENAMAT e às Escolas de Magistratura
Federais e Estaduais que:
a) incorporem o direito sanitário nos programas dos cursos de formação,
vitaliciamento e aperfeiçoamento de magistrados;
b) promovam a realização de seminários para estudo e mobilização na área
da saúde, congregando magistrados, membros do ministério público e
gestores, no sentido de propiciar maior entrosamento sobre a matéria;
(CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2010)

Paralelamente, e também como resultado da Audiência Pública nº 4, o


Plenário do CNJ aprovou a Resolução nº 107, que criou o Fórum Nacional do
Judiciário para Monitoramento e Resolução das Demandas de Assistência à Saúde
(Fonajus), que é composto pelos Comitês Executivos Nacional, Estaduais e Distrital.
Nos termos da Portaria nº 245, de 13 de novembro de 2020, fazem parte
integrante do Comitê Executivo Nacional conselheiros do CNJ, juízes auxiliares,
desembargadores, procuradores, defensores públicos, advogados da União, diretores
de agências reguladoras, médicos especialistas e assessores técnicos. (CONSELHO
NACIONAL DE JUSTIÇA, 2020)
78

Quanto aos Comitês Executivos Estaduais e Distrital, nos termos da


Resolução nº 388 de 13 de abril de 2024, que alterou a Resolução CNJ no 238/2016,
há formação de composição qualificada43.
Sem dúvidas, o Fonajus foi o ponto de partida para a reunião de dados
estatísticos, visto que a ele lhe foi atribuído a tarefa de monitoramento em matéria de
demandas da saúde, nos termos dos incisos do art. 2º da Resolução. Ademais, o
inciso IV, dispõe que ao Fonajus caberá: “a proposição de medidas concretas e
normativas voltadas à prevenção de conflitos judiciais e à definição de estratégias nas
questões de direito sanitário”. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2010)
A análise da composição dos Comitês tem por objetivo fomentar o diálogo
interinstitucional entre setores da Justiça, da Saúde, e dos gestores das políticas
públicas de saúde, a fim de propiciar a elaboração conjunta de estudos, medidas
concretas e emissão de recomendações de caráter global.

43 Art. 3o Em cada unidade federativa, funcionará um Comitê Estadual de Saúde, com composição
formada por representantes do sistema de justiça, do sistema de saúde, de órgãos executivos,
comunitários e acadêmicos, contendo, idealmente, os seguintes integrantes:
I – magistrados indicados pelos Presidentes dos Tribunais de Justiça;
II – magistrados indicados pelo Presidente do Tribunal Regional Federal com jurisdição na respectiva
unidade federativa;
III – 1 (um) profissional de saúde integrante do NatJus, indicado pelo magistrado que o coordena;
IV – 1 (um) membro indicado pelo Ministério da Saúde;
V – 1 (um) membro indicado pela Advocacia-Geral da União;
VI – 1 (um) membro indicado pela Secretaria de Estado de Saúde da unidade federativa e do Distrito
Federal;
VII – 1 (um) Procurador do Estado indicado pelo Procurador-Geral do Estado ou Distrito Federal;
VIII – 1 (um) membro indicado pela Secretaria Municipal de Saúde da capital da unidade federativa;
IX – 1 (um) Procurador do Município indicado pelo Procurador-Geral Municipal da capital da unidade
federativa;
X – 1 (um) membro indicado pelo Conselho Estadual de Secretários Municipais de Saúde (Cosems);
XI – 1 (um) membro indicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa);
XII – 1 (um) membro indicado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS);
XIII – 1 (um) membro do Ministério Público Estadual ou do Distrito Federal indicado pelo Procurador-
Geral de Justiça;
XIV – 1 (um) Procurador da República indicado pelo Procurador-Chefe da Procuradoria da República
na unidade federativa ou Distrito Federal;
XV – 1 (um) Defensor Público indicado pelo Defensor Público-Geral da unidade federativa ou Distrito
Federal;
XVI – 1 (um) Defensor Público da União indicado pelo Defensor Público-Geral da União;
XVII – 1 (um) advogado indicado pelo Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil da unidade
federativa ou Distrito Federal;
XVIII – 1 (um) membro indicado pelo Conselho Estadual ou Distrital de Saúde, como representante dos
usuários do Sistema Público de Saúde;
XIX – 1 (um) membro indicado pelo Sistema de Saúde Suplementar; e
XX – 1 (um) membro indicado pelo Procon, como representante dos usuários da saúde
suplementar. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2024)
79

Dentre as medidas instauradas pelo Fonajus, merecem destaque a criação


dos Núcleos de Apoio Técnico do Poder Judiciário – NATJUS, e a mobilização das
dos Congressos Nacionais do Fonajus e das Jornadas de Direito da Saúde.
Quanto aos Núcleos de Apoio Técnico do Poder Judiciário – NATJUS,
estes foram criados pela Resolução 238/2016, e são integrados por profissionais da
área médica, com o objetivo de oferecer aos Tribunais de Justiça e aos Tribunais
Regionais Federais apoio técnico fundamentado em dados científicos para embasar
decisões em casos de saúde pública e privada. Além disso, acrescenta entendimento
técnico aos julgadores e garante mais agilidade e maior grau de certeza na resolução
de demandas.
Por sua vez, o E-NATJUS é um sistema eletrônico à disposição da Justiça
que consiste em um banco de dados, que contém pareceres e relatórios
circunstanciados sobre a viabilidade de medicamentos, produtos e tratamentos,
inclusive fornecendo comparações entre os que não estão incluídos e os que já são
disponibilizados pela política pública, se há registro na Anvisa (no caso de produtos e
medicamentos) e se há recomendação da sua utilização por parte da CONITEC
(Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS). Acrescente-se que, há
a disponibilização de notas técnicas44 e pareceres técnicos45 ao público em geral46.
Inserido no E-NATJUS, encontra-se o Nat-Jus Nacional, outra ferramenta
que se encontra disponível para a utilização, na qual os magistrados terão
profissionais da saúde à disposição para avaliação de eventual urgência47 e caso se
fazem presentem bases científicas para a demanda.

44 O CNJ as define como: “documento de caráter científico, elaborado pela equipe técnica dos Núcleos
de Apoio ao Judiciário (NATJus), que se propõe a responder, de modo preliminar, a uma questão clínica
sobre os potenciais efeitos de uma tecnologia para uma condição de saúde vivenciada por um
indivíduo. A NT é produzida sob demanda, ou seja, após a solicitação de um juiz como instrumento
científico para auxílio da tomada de decisão judicial em um caso específico.”. (CONSELHO NACIONAL
DE JUSTIÇA, [s.d.])
45 O CNJ as define como: “documento de caráter científico, elaborado pela equipe técnica dos Núcleos

de Avaliação de Tecnologias em Saúde (NATS), por força do Termo de Cooperação n. 21/2016, que
se propõe a responder, de modo sumarizado e com base nas melhores evidências científicas
disponíveis, a uma questão clínica sobre os potenciais efeitos (benefícios e riscos) de uma tecnologia
para uma condição de saúde. O PTC pode resultar em: (a) conclusões suficientes para indicar e
embasar cientificamente o uso de uma tecnologia; (b) conclusões suficientes para contraindicar seu
uso; (c) apenas identificar que as evidências disponíveis são insuficientes (em termos de quantidade
e/ou qualidade) e sugerir que recomendações, para seu uso ou não, não podem ser levantadas
considerando o conhecimento atual.”. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, [s.d.])
46 Acesso em: https://www.pje.jus.br/e-natjus/.
47 Segundo o Enunciado nº 18 das Jornadas de Direito da Saúde do CNJ, “Sempre que possível, as

decisões liminares sobre saúde devem ser precedidas de notas de evidência científica emitidas por
80

Por conseguinte, quanto aos Congressos Nacionais do Fonajus48 e as


Jornadas de Direito da Saúde, depreende-se que estas últimas adquirem maior grau
de importância.
Até o momento, foram realizadas seis jornadas, com a aprovação de 117
enunciados fundamentais que, malgrado não tenham exigência de cumprimento
obrigatório, refletem o entendimento majoritário no âmbito jurídico e oferecem
diretrizes para a comunidade jurídica acerca de questões frequentes 49.
Em suma, é possível notar que, neste ponto, as estratégias administrativas
pelo Poder Judiciário possuem a maior aptidão para promover o necessário debate
intersetorial entre gestores, operadores do Direito, e os profissionais da saúde. De
todo o exposto, os resultados são positivos, visto que se desdobraram em ferramentas
úteis, das quais os julgadores podem lançar mão, e em terreno fértil para a indicação
de um caminho cada vez mais coeso, científico e eficiente no curso de uma demanda
judicial.

5.4.2 Análise jurisprudencial

Analisadas as medidas que o Poder Judiciário tem adotado em âmbito


interno, passa-se ao exame da jurisprudência dos tribunais superiores. É de
conhecimento geral de que a uniformização das decisões adquire relevância para a
garantia da segurança jurídica e da isonomia, ainda mais primordiais em matéria de
saúde.
Diante da vastidão do tema, esta subseção contempla alguns dos julgados
mais importantes em matéria de judicialização da saúde, em destaque para os que
fixam jurisprudência vinculante, já que extrapolam os interesses interpartes, sem
preocupação em adentrar sobremaneira os leading cases.
Tema 793 – Leading case RE 855.178/SE – julgamento em 23/05/2019
Transcrevo aqui a tese fixada pelo STF:

Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são


solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde,

Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário - NatJus e/ou consulta do banco de dados pertinente.”.
(CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, [s.d.])
48 A segunda edição do Congresso foi gravada e pode ser acessada no YouTube.
49 Acesso em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/06/todos-os-enunciados-consolidados-

jornada-saude.pdf.
81

e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização,


compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras
de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem
suportou o ônus financeiro. (BRASIL, 2019)

Em primeiro lugar, é preciso destacar que não houve nenhuma inovação


na primeira parte da tese desenvolvida ao explicitar a solidariedade dos entes políticos
na prestação do direito à saúde, visto que esse caráter lhe era atribuído desde a STA
175/CE, julgada em 17/03/2010. (BRASIL, 2019)
Segundo o Ministro Edson Fachin, a responsabilidade solidária decorre da
competência material comum do art. 23, II da CF, e que o usuário tem o direito a uma
prestação solidária. Destarte, reafirmou que é cabível a inclusão de ente que não é
responsável por financiar a aquisição da prestação pleiteada para dar celeridade e
utilidade à demanda. (BRASIL, 2019)
Justamente nesse ínterim da responsabilidade de cada ente por prestações
específicas é que fora tratado como a principal norma nela contida, que consiste no
direcionamento do cumprimento da ordem judicial, bem como o ressarcimento àquele
ente que cumpriu a ordem, mesmo não sendo responsável pela prestação específica,
em razão dos princípios organizativos do SUS, notadamente a regionalização,
descentralização e hierarquização. (BRASIL, 2019)
Destarte, o Ministro motivou esse raciocínio com base nas premissas de
que os Estados e Municípios são os entes mais proporcionalmente impactados,
quando em comparação com a União. (BRASIL, 2019)
Tema 500 – Leading case RE 657.718 – julgamento em 23/05/2019
Referido tema se desdobra na controvérsia do dever do Estado de fornecer
medicamento não registrado pela ANVISA, tendo sido fixada a seguinte tese:

1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais.


2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o
fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível,
excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro
sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido (prazo
superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos três
requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil
(salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);(ii)
a existência de registro do medicamento em renomadas agências de
regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com
registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de
medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser
propostas em face da União. (BRASIL, 2019)
82

Da análise do item 1) da tese fixada, é possível extrair a preocupação em


rechaçar a possibilidade do “dano (ou risco) inverso”: produz-se um risco maior
quando se faz a entrega de medicamentos ou tratamentos de substância sem eficácia
comprovada – cujos efeitos colaterais se desconhecem -, do que se não fosse
dispensado. Claramente, tem a finalidade de evitar novos casos como a da
fosfoetanolamina sintética (“pílula do câncer”), e de proteger a saúde dos próprios
postulantes. (BRASIL, 2019)
No item 2), a atuação da Anvisa é prestigiada, tendo em vista que, nos
termos do voto da Min. Rosa Weber, as suas deliberações administrativas e
regulatórias detêm força persuasiva, já que não é crível admitir diversas
determinações que dela não sejam, com base na interpretação do art. 2º, III, da Lei nº
9.782 de 1999. (BRASIL, 2019)
Por conseguinte, no item 3), há a exceção da regra geral da
indispensabilidade do registro sanitário de medicamentos na sua concessão judicial,
quando houver demora infundada da Anvisa realizar o registro, e na presença de três
requisitos: a) pedido de registro no Brasil (que fica dispensado em caso de
medicamentos para tratamento de doenças raras e ultrarraras); b) registro em
renomadas agências do exterior; c) inexistência de substituto com registro. (BRASIL,
2019)
A dispensa de pedido de registro de medicamentos em caso de tratamento
de doenças raras e ultrarraras deve-se ao fato de não haver interesse do laboratório
ou empresa em proceder ao seu registro sanitário. (BRASIL, 2019)
Quanto ao item 4), consta a compulsoriedade de a União constar
obrigatoriamente no polo passivo, tendo em vista que a mora, que justifica o controle
judicial, é de uma agência federal, ou seja, decorre de sua própria inércia. (BRASIL,
2019)
Ademais, segundo o voto do Min. Luís Roberto Barroso, e sobre a questão
da responsabilidade pelo pagamento, esta será do Estado somente quando o
requerente demonstrar sua hipossuficiência, ou seja, na ocasião em que “comprovar
a impossibilidade de arcar com o pagamento do medicamento solicitado sem prejuízo
da sua capacidade de atender outras necessidades básicas de vida.”. Caso não haja
a comprovação, o Estado terá de arcar com viabilidade da entrega, mas não com o
83

seu custeio. Seguindo essa linha de raciocínio, o Min. Alexandre de Moraes entende
que a hipossuficiência deve ser a do requerente, e não de sua família. (BRASIL, 2019)
Tema 1161 – Leading case RE 1165959 – julgamento em 21/06/2021
Passo à transcrição da tese:

Cabe ao Estado fornecer, em termos excepcionais, medicamento que,


embora não possua registro na ANVISA, tem a sua importação autorizada
pela agência de vigilância sanitária, desde que comprovada a incapacidade
econômica do paciente, a imprescindibilidade clínica do tratamento, e a
impossibilidade de substituição por outro similar constante das listas oficiais
de dispensação de medicamentos e os protocolos de intervenção terapêutica
do SUS.

Esta tese fixada pelo STF dialoga com a tese do tema imediatamente
anterior (Tema 500) e se trata de mais uma exceção à regra geral de que o Estado
não pode fornecer medicamento que não possua registro sanitário na Anvisa.
Nesse contexto, o caso se trata do fornecimento pelo Estado de
medicamento não registrado, mas que teve sua importação autorizada pela Anvisa, o
qual ficará condicionado quando houver: a) incapacidade econômica do paciente; b)
imprescindibilidade clínica do tratamento; c) falta de substituto nas listas do SUS.
Tema Repetitivo 106 – Leading case REsp 1.657.156 – julgamento em
25/04/2018
Sob a sistemática do julgamento dos recursos repetitivos, o STJ fixou a
seguinte tese sobre a controvérsia da obrigatoriedade do poder público de fornecer
medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, de seguinte redação:

A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do


SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:
i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado
expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou
necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento
da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos
autorizados pela agência.

Crucial mencionar que houve modulação dos efeitos da tese, fazendo com
que os requisitos fossem exigidos tão somente aos processos distribuídos após
04/05/2018, a data da publicação do acórdão embargado. (BRASIL, 2018)
84

Além do mais, da leitura do acórdão, extrai-se que é tratado somente do


fornecimento de medicamento, previsto no inciso I do art. 19-M da Lei 8.080 de 1990,
não tendo sua aplicabilidade estendida aos procedimentos terapêuticos. (BRASIL,
2018)
Neste tema, a questão a ser dirimida passa a ser do medicamento que,
registrado em uso específico na Anvisa, não conste nos atos normativos do SUS. Para
tanto, são necessários os seguintes requisitos: a) laudo do médico (particular ou da
rede pública) do requerente que ateste a necessidade (sendo desnecessária a
menção à imprescindibilidade, na medida em que a necessidade compreende aquilo
imprescindível) e a ineficácia de fármacos que constem nas listas do SUS; b)
incapacidade financeira do requerente para arcar com o custo do medicamento (e não
de miserabilidade ou pobreza). (BRASIL, 2018)
Ressalvados outros precedentes sequer julgados, ou que não transitaram
em julgado, ou pendentes de fixação de tese, a exemplo dos Temas 6 e 1234 do STF,
as já analisadas refletem entendimento vinculante e, portanto, extensivo e de
observância obrigatória a todos os tribunais.
Inevitavelmente, a imposição dos limites supra alinhavados é uma resposta
jurisprudencial de autocontenção no controle judicial das políticas públicas. Não
obstante a necessária criteriosidade a impedir malefícios provenientes de
medicamentos duvidosos ou sem comprovação científica, a necessidade de filtros a
decisões judiciais parte da premissa de que o Estado não pode garantir aquilo que
está além do seu alcance razoável, inclusive no que toca ao sagrado direito à saúde.
Tal conclusão se deve a fixação do requisito da comprovação da
hipossuficiência do pleiteante, na medida em que é preferível que este próprio arque
com o custeio de seu medicamento, por sua conta e risco. Ademais, não deve o Poder
Público sofrer com a perda financeira oriundas de condenações que beiram à estudos
científicos, já que os postulantes se tornam verdadeiras cobaias. É de se averbar
ainda que, caso o medicamento cause danos ao postulante, haverá a
responsabilidade civil estatal.
Para além da uniformização de jurisprudência e da racionalização do
ingresso ao Poder Judiciário, visto que os postulantes tem o conhecimento a priori dos
requisitos necessários à consecução do bem da vida, é preciso concluir que, de
maneira implícita, a fixação destes requisitos, seja no âmbito do STJ e do STF, reflete
85

a necessidade de se coadunar a prestação jurisdicional que compele o Poder Público


ao fornecimento de medicamentos e o impacto orçamentário dela proveniente aos
cofres públicos.
86

CONCLUSÃO

A análise do direito à saúde no Brasil, especialmente sob a ótica da


judicialização, revela um cenário complexo e multifacetado. O estudo detalhado deste
tema permitiu entender como o Poder Judiciário intervém para assegurar a efetivação
desse direito fundamental, em meio a desafios econômicos e técnicos significativos.
Primeiramente, é crucial reconhecer que a saúde, é um direito social
duplamente fundamental, revestindo-o de caráter plenamente justiciável, que deriva
da normatividade da Constituição. A possibilidade de ação judicial para compelir
qualquer ente político, isolada ou conjuntamente, a conceder bens (como
medicamentos) ou à prestação de serviços reforça a importância do Poder Judiciário.
Contudo, a judicialização desse direito traz à tona a tensão entre a
necessidade de assegurar tratamentos médicos e medicamentos, muitas vezes de
alto custo, e as limitações orçamentárias enfrentadas pelo Estado. A teoria da "reserva
do possível" e o conceito de "mínimo existencial" foram centrais na discussão sobre
até que ponto o Estado pode ser obrigado a fornecer determinados tratamentos,
levando em conta não apenas a disponibilidade financeira, mas também a
necessidade de garantir a organização do sistema de saúde, como expressão do
direito coletivo que é.
O papel do Poder Judiciário é, portanto, delicado. Ao mesmo tempo em que
deve garantir os direitos individuais dos cidadãos, não pode ignorar as implicações
econômicas e sociais de suas decisões. As teses analisadas indicam que os tribunais
superiores, em sua maioria, têm adotado uma postura cautelosa, buscando evitar
decisões que possam comprometer a sustentabilidade do sistema de saúde como um
todo.
Como visto, o Estado não é obrigado a fornecer medicamentos
experimentais, sob pena de criação do risco/dano inverso. Além disso, a
hipossuficiência do requerente constitui requisito para a concessão de medicamentos
não incluídos nas listas oficiais da política pública, o que reflete a preocupação de não
causar ônus excessivo e desarrazoado aos entes políticos.
Por fim, é imperativo que haja um diálogo constante entre os poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário, como tem-se observado e experimentado
positivamente nas medidas administrativas, a fim de harmonizar a jurisprudência
vinculante com o que se razoavelmente o Estado deve prover em matéria de saúde.
87

Essas atuações do Poder Judiciário são passos essenciais para a


diminuição das consequências negativas da judicialização, notadamente quando se
traduzia na automaticidade e reiterações de decisões sem quaisquer parâmetros
científicos, para a construção de um sistema de saúde mais justo e eficiente, haja vista
que a segurança jurídica é prestigiada pela limitação do controle judicial das políticas
públicas em razão autocontenção.
Em suma, a efetivação do direito à saúde no Brasil deve ser vista como um
compromisso coletivo, e que todos os atores envolvidos desempenham papéis
cruciais para a promoção da justiça social e a garantia de direitos fundamentais, como
forma de fazer valer a Constituição, e corresponder o seu conteúdo à realidade, como
leciona Lowenstein, sempre respeitando os limites impostos pela realidade econômica
do país.
88

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