Atuação Do Poder Judiciário Na Judicialização Do Direito À Saúde
Atuação Do Poder Judiciário Na Judicialização Do Direito À Saúde
Atuação Do Poder Judiciário Na Judicialização Do Direito À Saúde
CURSO DE DIREITO
Presidente Prudente/SP
2024
CENTRO UNIVERSITÁRIO
ANTÔNIO EUFRÁSIO DE TOLEDO DE PRESIDENTE PRUDENTE
CURSO DE DIREITO
Presidente Prudente/SP
2024
ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À
SAÚDE
This work is based on addressing the judicialization of health, specifically the right that
constitutes it, making a comparison between the dimensions of human rights,
constitutional and infra-constitutional provisions, their applicability, and their
realization in the factual world through individual judicial claims. It explores the causes,
historical context, and current scenario of related demands. Likewise, it questions the
potential possibility of lawful refusal by the Public Administration, touching on topics
such as the Theory of the Reserve of the Possible and the Minimum Existential,
including relevant jurisprudential understandings of the higher courts. Beyond this
point, the main issue of the study is how judicial commands are presented when they
compel the State to provide medications and medical-hospital treatments, particularly
concerning the content of the decisions, as it examines the limits of this judicial
intervention and its relation to mitigating the negative effects of excessive
judicialization. Moreover, to provide a broader discussion regarding the limitation of
this fundamental right, the research aims to dispel the common belief that, due to its
constitutional provision, the Public Administration must unconditionally provide the
claimed life goods or obligations, especially when the request is not included in the
current public policy. Thus, the article aims to discuss these limitations on judicial
commands and their impact on excessive judicialization, based on bibliographic,
documentary research, and case studies. Finally, it concludes that, although the State
cannot shirk its duty to provide services or goods already established in public policies,
the Judiciary, in collaboration with medical professionals and managers, must
establish parameters for judicial decisions that intervene or replace them, in a way
that observes evidence-based medicine, without losing sight of the context in which it
is inserted, in favor of legal certainty.
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 86
REFÊRENCIAS......................................................................................................... 88
10
1 INTRODUÇÃO
Das leis naturais deve defluir uma inspiração para a formação das leis do
Estado. Isso porque o Estado precisa respeitar ditames ordenados pelo
direito natural, não constrangendo, por exemplo, a liberdade de vida que cada
indivíduo preserva mesmo após ter aderido ao pacto social. Eis um impeditivo
ao avanço do poder do Estado.
3 Fundamental Orders of Connecticut (1639), Habeas Corpus Act (1679), Bill of Rights (1668).
4 A Declaração Universal Dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) em seu artigo 3º proclama que:
“O princípio de toda a soberania reside essencialmente na Nação. Nenhuma corporação, nenhum
indivíduo pode exercer autoridade que aquela não emane expressamente.”
14
constitui uma parte típica das constituições modernas, não é essencialmente nada
além de uma tal determinação negativa.” (KELSEN, 2021, p. 69).
Por sua vez, Karl Lowenstein, ao tratar de seus sentidos ontológicos
(normativo, nominativo e semântica), rechaça a definição kelseniana da exclusiva
juridicidade, admitindo que a constituição abarca outros conteúdos além do jurídico,
devendo o seu conteúdo corresponder à realidade. O jurista alemão acrescenta que
esta traduz efetivamente o processo político, e representação do poder popular e os
seus anseios ao tempo da manifestação constituinte, bem como a identidade entre a
semântica da carta constitucional e a realidade social e, em suas palavras:
Para que una constitución sea viva, debe ser, por lo tanto, efectivamente
“vivida” por destinatarios y detentadores del poder, necesitando un ambiente
nacional favorable para su realización. [...] Para que uma constituición sea
viva no es suficiente que sea válida em sentido jurídico. Para ser real y
efectiva, la constitución tendrá que ser observada lealmente por todos los
interesados y tendrá que estar integrada em la sociedad estatal, y ésta em
ella. La constitución y la comunidad habrán tenido que pasar por una
simbiosis.5 (LOWENSTEIN, 1973, p. 217)
5 Tradução livre: “Para que uma constituição seja viva, deve ser, portanto, efetivamente vivida pelos
destinatários e detentores do poder, necessitando de um ambiente nacional favorável à sua realização.
[...] Para que uma constituição seja viva, não é suficiente que seja válida em sentido jurídico. Para ser
real e efetiva, a constituição terá de ser observada lealmente por todos os interessados e estar
integrada na sociedade estatal, e aquela nesta. A constituição e a comunidade terão de passar por uma
simbiose.”
6 Os direitos fundamentais devem ser entendidos como os direitos humanos positivados na constituição
de um Estado.
7 O status constitucional do direito traduz a ideia de dificuldade de alteração de seu conteúdo pelo
procedimento legislativo qualificado, além da impossibilidade de sua revogação por uma norma
infraconstitucional (a norma conflitante será presumidamente inconstitucional antes mesmo de
ingressar no ordenamento). Ressalte-se que os direitos fundamentais fazem parte do núcleo
imodificável da Constituição brasileira de 1988 (art. 60, § 4º), submetendo-se, de igual modo, ao
Princípio da Vedação ao Retrocesso (ou efeito cliquet).
16
o anseio popular exerciam tal controle, mormente em se visando a aceitação política de um governo.
17
13 Referido autor classificava as normas constitucionais quanto à sua aplicação em: autoaplicáveis (self-
executing), e; não autoaplicáveis (not self-executing). As primeiras referiam-se àquelas que conferiam
direitos ou pressupunham a execução de um dever, e as últimas, quando se tratava de princípios ou a
criação de órgãos. A classificação proposta era inspirada no direito norte-americano, o que, mais tarde,
ocasionou a incompletude da classificação ao ser transposta ao direito brasileiro pelo fato de o common
law ser norteado pela formação do direito preponderantemente jurisprudencial. Além disso, a expressão
utilizada traduz a ideia equivocada de que, por ser a norma autoaplicável, não poderia ser
regulamentada por outra infraconstitucional. (MITIDIERO, MARINONI e SARLET, 2022)
14 Mitidero, Marinoni e Sarlet (2022) dissertam que: ”Neste sentido, Pontes de Miranda, cuja
terminologia apresenta o mérito de ressaltar com maior precisão o critério com base no qual pauta a
distinção entre as normas no que concerne à sua eficácia e aplicabilidade, também sustentava a
classificação das normas em dois grupos, dependendo de seu grau de completude, notadamente, as
normas bastantes em si mesmas, que independem de concretização legislativa para alcançarem sua
plena eficácia, bem como de normas incompletas, isto é, não bastantes em si mesmas e que, por este
motivo, reclamam atuação do legislador infraconstitucional.” (grifo nosso)
20
15 Eficácia, segundo José Afonso da Silva (1988), é ”a capacidade de atingir objetivos previamente
fixados como metas. Tratando-se de normas jurídicas a eficácia consiste na capacidade de atingir os
objetivos nela traduzidos que vêm a ser, em última análise, realizar os ditames jurídicos objetivados
pelo legislador.”.
21
Além disso, a saúde está diretamente interligada com outros fatores, que
dela derivam ou é derivada, como a alimentação, trabalho, saneamento básico,
moradia, e o meio ambiente ecologicamente sustentável.
Disso extrai-se que a saúde não pode ser dimensionada apenas
individualmente. Ainda que a genética ou condições individuais influam no surgimento
de doenças e no estado de bem-estar, estes fatores externos também devem ser
considerados para o conceito de saúde, revestindo-o de uma dimensão coletiva, o que
consolidou a importância da saúde pública que, invariavelmente, reflete na saúde
individual.
Um exemplo claro de materialização da saúde pública, foram as medidas
tomadas pelos Governadores durante a pandemia de COVID-19. Como uma doença
infectocontagiosa, que não dependia do esforço ou nível de saúde individual para a
sua superação, foi necessária uma intervenção do Estado, como expressão do poder
de polícia, para evitar o crescimento exponencial da doença, como as medidas
coletivas de isolamento e a vacinação, destinadas à população em massa, e não a
um indivíduo em específico, já que não teriam o mesmo êxito.
A saúde pública, portanto, é o conjunto de ações sistematicamente
organizadas pelo Estado que destinado a prevenir a proliferação de doenças num
macro contexto, que se manifestam através de elaboração de medidas sanitárias, que
variam desde a conscientização da população por meio de campanhas até a melhoria
no sistema de abastecimento e esgoto. Assim, vê-se que a ingerência estatal é
fundamental para a condução do processo de saúde individual.
18 “Artigo 25
1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde,
bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais
indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou
outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças,
nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.” (ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS, 1948)
19 No inciso II do mesmo dispositivo, há a previsão de que:
“As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno
exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar:
a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento são das
crianças;
b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente;
c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como
a luta contra essas doenças;
d) A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de
enfermidade.”
29
Por fim, em cumprimento de sua função constitucional (art. 129, II, CF), o
Ministério Público é parte legítima para propor ações que obriguem o efetivo respeito
20 Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa
Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e
determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade
institucional [...]. (BRASIL, 1988) (grifo nosso)
21 Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social,
do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; (BRASIL, 1988) (grifo nosso)
22 O Decreto Estadual de São Paulo nº 52.842, de 27 de março de 2008, promoveu a desapropriação
do Hospital Universitário "Dr. Domingos Leonardo Cerávolo" (que é chamado atualmente de Hospital
Regional), localizado em Presidente Prudente/SP em favor do Governo Estadual, para fins de
instalação de uma unidade hospitalar estadual.
23 O Decreto Municipal de Andradina/SP nº 7.599, de 15 de maio de 2023, dispôs sobre a requisição
pelo Poder Público e dos serviços de relevância pública aos direitos fundamentais,
cabendo a tal instituição o ajuizamento de ação civil pública para compelir entes
públicos ao fornecimento de medicamentos, ainda que o destinatário seja individual24.
24 Nesse contexto, cite-se a tese fixada no Tema 262 de Repercussão Geral, no julgamento do RE
605533, tomado como leading case: “O Ministério Público é parte legítima para ajuizamento de ação
civil pública que vise o fornecimento de remédios a portadores de certa doença.”. (BRASIL, Supremo
Tribunal Federal, RE 605533, Relator: Min. Marco Aurélio, 15/08/2018).
Não fosse isso, o STJ também firmou precedente vinculante sobre a matéria no julgamento do REsp
1681690 / SP, afetado na sistemática dos Recursos Repetitivos, firmando a tese 766, de seguinte
redação: "O Ministério Público é parte legítima para pleitear tratamento médico ou entrega de
medicamentos nas demandas de saúde propostas contra os entes federativos, mesmo quando se tratar
de feitos contendo beneficiários individualizados, porque se refere a direitos individuais indisponíveis,
na forma do art. 1º da Lei n. 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público)". (BRASIL,
Superior Tribunal de Justiça, REsp 1681690/SP, Relator: Min. Og Fernandes, 03/05/2018).
34
[...]
[...] não são apenas as liberdades públicas do art. 5º da Constituição que são
insuscetíveis de reforma, em virtude de consignarem direitos fundamentais,
abrangidos pela cláusula pétrea do art. 60, § 4º, IV. Quaisquer outras
prerrogativas, espraiadas na Carta de 1988, e que guardem correspondência
com o seu cerne imodificável, não podem ser alvo de propostas de emendas
tendentes a aboli-lo.
Ora, a Constituição, no seu art. 60, §4º, inciso IV, estabelece que "não será
objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos
e garantias individuais". Direitos e garantias individuais não são apenas
aqueles que estão inscritos nos incisos do art. 5º. Não. Esses direitos e essas
garantias se espalham pela Constituição. O próprio art. 5º, no seu §2º,
estabelece que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou
dos tratados internacionais em que a República do Brasil seja parte. (BRASIL,
Supremo Tribunal Federal, ADI nº 939-7/DF, Relator: Min. Sydney Sanches,
15/12/1993)
[...] todos os direitos sociais são fundamentais, tenham sido eles expressa ou
implicitamente positivados, estejam eles sediados no Título II da CF (dos
direitos e garantias fundamentais) ou dispersos pelo restante do texto
constitucional, ou se encontrem ainda (também expressa e/ou implicitamente)
localizados nos tratados internacionais regularmente firmados e incorporados
pelo Brasil.
38
Por fim, corrobora Mendes (2018, p. 57) que, in verbis, “os direitos
fundamentais sociais foram acolhidos pela Constituição Federal de 1988 como
autênticos direitos fundamentais.”. Ainda, o autor (2018, p. 56) averba que parcela
minoritária da doutrina defende o cunho programático de tais normas, fazendo com
que dependam da formulação de políticas públicas para que sejam exigíveis.
De outro ponto de vista, há alguns que defendem o direito a saúde como
norma de eficácia limitada por constituir um direito social, o que, por via de
consequência, geraria a completa inviabilização do pleito judicial, seja por falta de
norma reguladora ou de previsão orçamentária. (MITIDIERO, MARINONI e SARLET,
2023)
A sério, a conclusão se prende mais a discussão lógica do que
propriamente jurídica nessa ocasião: se o direito a saúde é tratado como um direito
fundamental, logo possui aplicação imediata, o que implica na afirmação de que o
direito mencionado independe de norma reguladora.
Nesse sentido, faz-se mister destacar que, de maneira expressa, a
Constituição, em seu art. 5º, § 2º, estatui que os direitos e garantias nela previstos não
excluem outros, sejam previstos no plano interno ou no plano externo. Dessa
premissa, e em se fazendo uma interpretação sistemática e em consonância com os
ditames da finalidade equitativa almejada pela Lei Maior, é possível concluir que tal
norma é plenamente aplicável.
A partir desta característica decorre a faculdade de um administrado
exercer a pretensão em juízo quando um bem da vida necessário não é abarcado
pelas políticas públicas de saúde, denotando a característica de justiciabilidade.
Logo, tem-se que a saúde é um dever fundamental do Estado, não apenas
na sua faceta de se abster de causar dano à saúde ou à integridade física dos
cidadãos. Saliente-se que essa reparação, em momento anterior ao ordenamento
pátrio conferir o caráter de fundamentalidade aos direitos sociais, somente se operava
pela via da responsabilidade civil patrimonial, que muitas vezes não era efetiva –
justamente por não oferecer a prestação (obrigação do Estado), mas sim uma
compensação financeira pelo ilícito.
Após o advento da Constituição vigente, operou-se um novo panorama
acerca da exequibilidade judicial dos serviços públicos de saúde que envolvam o
39
28 Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar
da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;
II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;
III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;
V - incrementar, em sua área de atuação, o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como
bebidas e águas para consumo humano;
VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e
produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. (BRASIL, 1988)
29 A assistência à saúde pode ser prestada de forma pública ou privada, sendo que as pessoas jurídicas
de direito privado podem atuar de forma suplementar, paralelamente ao Estado, mas serão por este
fiscalizados, nos termos do caput do art. 199 da Constituição Federal.
No que tange ao serviço público de saúde no brasil é prestado de forma híbrida: em regra compete a
um ente (administração direta) ou entidade (administração indireta) pública, mas que pode ser prestado
pelo setor privado (com ou sem fins lucrativos) de forma complementar, adequando-se às diretrizes do
SUS, nos termos do §2º do art. 4º da Lei federal nº 8.080 de 1990. Ademais, recursos públicos só
poderão subvencionar entidades privadas que não almejam lucro. (MARTINS, 2023)
40
30 Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):
I - a execução de ações:
a) de vigilância sanitária;
b) de vigilância epidemiológica;
c) de saúde do trabalhador; e
c) de saúde do trabalhador; (Redação dada pela Lei nº 14.572, de 2023)
d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;
e) de saúde bucal; (Incluída pela Lei nº 14.572, de 2023)
II - a participação na formulação da política e na execução de ações de saneamento básico;
III - a ordenação da formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - a vigilância nutricional e a orientação alimentar;
V - a colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho;
VI - a formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e outros insumos de
interesse para a saúde e a participação na sua produção;
VII - o controle e a fiscalização de serviços, produtos e substâncias de interesse para a saúde;
VIII - a fiscalização e a inspeção de alimentos, água e bebidas para consumo humano;
IX - a participação no controle e na fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de
substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
X - o incremento, em sua área de atuação, do desenvolvimento científico e tecnológico;
XI - a formulação e execução da política de sangue e seus derivados.
XII – a formulação e a execução da política de informação e assistência toxicológica e de logística de
antídotos e medicamentos utilizados em intoxicações. (Incluído pela Lei nº 14.715, de 2023)
§ 1º Entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir
riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e
circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo:
I - o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde,
compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; e
II - o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde.
§ 2º Entende-se por vigilância epidemiológica um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento,
a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde
individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle
das doenças ou agravos. (BRASIL, 1990)
41
32O art. 7º, II da LOS, disciplina que a integralidade da assistência deve ser entendida como o “conjunto
articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para
cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema” (BRASIL, 1990)
44
33 O art. 6º da Lei nº 8.080/90, que dispõe sobre assistência terapêutica e farmacêutica integral, é a
principal causa de pedir das ações que versam sobre o fornecimento de medicamentos quando o
postulado não se encontra na lista do Sistema Único de Saúde.
48
In practice, rights become more than mere declarations only if they confer
power on bodies whose decisions are legally binding (as the moral rights
announced in the United Nations Declaration of Human Rights of 1948, for
example, do not). As a general rule, unfortunate individuals who do not live
under a government capable of taxing and delivering an effective remedy have
no legal rights. Statelessness spells rightslessness. A legal right exists, in
reality, only when and if it has budgetary costs.35 (HOLMES e SUSTEIN, 1999,
p. 19)
35 Tradução livre: “Na prática, os direitos tornam-se mais do que meras declarações apenas se
conferirem poder a órgãos cujas decisões são juridicamente vinculativas (como não o fazem os direitos
morais anunciados na Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas de 1948, por exemplo).
Como regra geral, indivíduos de pouca sorte que não vivem sob um governo capaz de tributar e fornecer
garantias efetivas [no sentido de fazer valer judicialmente], não têm direitos legais. A ausência estatal
significa falta de direitos. Um direito legal existe na realidade apenas quando e se existirem custos
orçamentários.”
52
36 Scaff (2013) adverte que: “É importante observar que esta expressão vem sendo bastante maltratada
pela jurisprudência brasileira, que a hostiliza de maneira praticamente unânime, tudo indica que em
virtude de sua má-compreensão. Ela vem sendo entendida como se existisse um complô no seio da
Administração Pública para esconder recursos públicos visando não cumprir as determinações judiciais
e não implementar os direitos fundamentais sociais, sendo a “reserva do possível” uma tentativa de
refúgio das ordens judiciais.”
54
37 O Supremo Tribunal Federal já se posicionou no sentido de sua aplicação: ”É que a realização dos
direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo
de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às
possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade
econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a
limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.“
(BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Relator: Celso de Mello, 2004)
56
Não é nenhuma obviedade que, sob uma Constituição que não o garante
expressamente, a existência de um direito subjetivo ao mínimo existencial,
em nível constitucional, seja maciçamente sustentada pela jurisprudência e
pela doutrina.
O conceito de reserva do possível está casado com outro, muito caro aos
direitos sociais, que é o da progressividade na concretização desses direitos.
Os direitos prestacionais, tal como o direito à saúde, não são direitos que se
disponibilizam integralmente de uma única vez. São direitos fornecidos
progressivamente pelo Estado, de modo que, passo a passo, em um ritmo
crescente, ele se torna cada vez mais concretizado - o que não ocorre com
outros direitos, tal como o de maioridade, a qual se obtém de um dia para
outro - literalmente. Os direitos sociais são direitos implementados à
prestação, de forma progressiva.
recuperação", constante do art. 196 da CF, não é algo que seja obtido de
plano, plenamente finalizado em um dado momento histórico Isto decorre do
desenvolvimento cinético e tecnológico da medicina que sempre traz novas
respostas aos problemas de salde existentes, bem como das limitações
próprias dos recursos públicos disponíveis. Infelizmente não há e nem haverá
jamais recursos suficientes para conceder de forma completa e cabal o direito
a saúde de modo a satisfazer plenamente todas as necessidades da
sociedade.
Dizia, então, que uma decisão é ativista até mesmo quando, por exemplo,
concede a metade da herança para a concubina-adulterina, assim como é
ativista uma decisão que diz que é juízo discricionário dizer se pode haver
prova antecipada no caso do artigo 366 do Código de Processo Penal (CPP).
Também foi ativista a decisão do STF no caso das uniões homoafetivas (não
gostaria de debater o mérito desse assunto, novamente – apenas cito a
decisão como amostragem de ativismo, nada mais). E sobre terras indígenas.
E o caso Donadon no MS 32.326. E o que dizer do Estado de Coisas
Inconstitucional (ECI)? Assim, o direito à saúde pode ser concedido por
decisões que concretizam adequadamente o direito, como também por
decisões ativistas. Por exemplo, conceder um tratamento que consumirá um
terço do orçamento do município é um caso de judicialização que acaba em
ativismo. Um exemplo explícito de ativismo: foi ativista a decisão que
autorizou o consumo da pílula contra o câncer e que provocou uma corrida
ao Judiciário. No mais, decisões contra legem são (também) práticas
ativistas, porque, nesse caso, o juiz se assenhora da lei e coloca os seus
juízos pessoais no lugar dos do constituinte e/ou do legislador ordinário.
Também é ativista decisão que confunde explicitamente os conceitos de texto
e norma, remetendo o direito aos cânones formalistas.
Aqui, como exemplo, o órgão julgador pode atuar de forma contrária à lei,
não aplicar a jurisprudência vinculante sem indicar o distinguishing, fazer menção à
64
38 Como exemplo, cumpre mencionar a decisão do Supremo Tribunal Federal que equiparou a prática
de homofobia e transfobia ao crime de racismo, na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão
26 (Rel. Ministro Celso de Mello) e no Mandado de Injunção 4.733 (Rel. Ministro Edson Fachin).
Malgrado não se discuta a questão da grave e terrível omissão do legislador ordinário, não se pode
duvidar, de outro turno, de uma decisão que viola frontalmente o Princípio da Legalidade Estrita, como
um dos vetores constitucionais do Direito Penal brasileiro (art. 5º, XXXIX da Constituição Federal).
39 Streck (2016), dissertando sobre o ativismo no contexto da judicialização, leciona que: “No caso
Foi feliz o relator em asseverar que “não pode o Poder Judiciário, em razão
de tantas lacunas científicas e éticas, permitir que substância de duvidosa eficácia e
de desconhecida toxicidade seja distribuída indiscriminadamente.”.
Ainda assim, a USP foi demandada em tribunais de outros Estados e nos
tribunais federais, o que fomentou o pedido de Suspensão de Tutela Antecipada nº
828 no Supremo Tribunal Federal, tendo a autarquia obtido decisão favorável a
69
43 Art. 3o Em cada unidade federativa, funcionará um Comitê Estadual de Saúde, com composição
formada por representantes do sistema de justiça, do sistema de saúde, de órgãos executivos,
comunitários e acadêmicos, contendo, idealmente, os seguintes integrantes:
I – magistrados indicados pelos Presidentes dos Tribunais de Justiça;
II – magistrados indicados pelo Presidente do Tribunal Regional Federal com jurisdição na respectiva
unidade federativa;
III – 1 (um) profissional de saúde integrante do NatJus, indicado pelo magistrado que o coordena;
IV – 1 (um) membro indicado pelo Ministério da Saúde;
V – 1 (um) membro indicado pela Advocacia-Geral da União;
VI – 1 (um) membro indicado pela Secretaria de Estado de Saúde da unidade federativa e do Distrito
Federal;
VII – 1 (um) Procurador do Estado indicado pelo Procurador-Geral do Estado ou Distrito Federal;
VIII – 1 (um) membro indicado pela Secretaria Municipal de Saúde da capital da unidade federativa;
IX – 1 (um) Procurador do Município indicado pelo Procurador-Geral Municipal da capital da unidade
federativa;
X – 1 (um) membro indicado pelo Conselho Estadual de Secretários Municipais de Saúde (Cosems);
XI – 1 (um) membro indicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa);
XII – 1 (um) membro indicado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS);
XIII – 1 (um) membro do Ministério Público Estadual ou do Distrito Federal indicado pelo Procurador-
Geral de Justiça;
XIV – 1 (um) Procurador da República indicado pelo Procurador-Chefe da Procuradoria da República
na unidade federativa ou Distrito Federal;
XV – 1 (um) Defensor Público indicado pelo Defensor Público-Geral da unidade federativa ou Distrito
Federal;
XVI – 1 (um) Defensor Público da União indicado pelo Defensor Público-Geral da União;
XVII – 1 (um) advogado indicado pelo Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil da unidade
federativa ou Distrito Federal;
XVIII – 1 (um) membro indicado pelo Conselho Estadual ou Distrital de Saúde, como representante dos
usuários do Sistema Público de Saúde;
XIX – 1 (um) membro indicado pelo Sistema de Saúde Suplementar; e
XX – 1 (um) membro indicado pelo Procon, como representante dos usuários da saúde
suplementar. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2024)
79
44 O CNJ as define como: “documento de caráter científico, elaborado pela equipe técnica dos Núcleos
de Apoio ao Judiciário (NATJus), que se propõe a responder, de modo preliminar, a uma questão clínica
sobre os potenciais efeitos de uma tecnologia para uma condição de saúde vivenciada por um
indivíduo. A NT é produzida sob demanda, ou seja, após a solicitação de um juiz como instrumento
científico para auxílio da tomada de decisão judicial em um caso específico.”. (CONSELHO NACIONAL
DE JUSTIÇA, [s.d.])
45 O CNJ as define como: “documento de caráter científico, elaborado pela equipe técnica dos Núcleos
de Avaliação de Tecnologias em Saúde (NATS), por força do Termo de Cooperação n. 21/2016, que
se propõe a responder, de modo sumarizado e com base nas melhores evidências científicas
disponíveis, a uma questão clínica sobre os potenciais efeitos (benefícios e riscos) de uma tecnologia
para uma condição de saúde. O PTC pode resultar em: (a) conclusões suficientes para indicar e
embasar cientificamente o uso de uma tecnologia; (b) conclusões suficientes para contraindicar seu
uso; (c) apenas identificar que as evidências disponíveis são insuficientes (em termos de quantidade
e/ou qualidade) e sugerir que recomendações, para seu uso ou não, não podem ser levantadas
considerando o conhecimento atual.”. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, [s.d.])
46 Acesso em: https://www.pje.jus.br/e-natjus/.
47 Segundo o Enunciado nº 18 das Jornadas de Direito da Saúde do CNJ, “Sempre que possível, as
decisões liminares sobre saúde devem ser precedidas de notas de evidência científica emitidas por
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Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário - NatJus e/ou consulta do banco de dados pertinente.”.
(CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, [s.d.])
48 A segunda edição do Congresso foi gravada e pode ser acessada no YouTube.
49 Acesso em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/06/todos-os-enunciados-consolidados-
jornada-saude.pdf.
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seu custeio. Seguindo essa linha de raciocínio, o Min. Alexandre de Moraes entende
que a hipossuficiência deve ser a do requerente, e não de sua família. (BRASIL, 2019)
Tema 1161 – Leading case RE 1165959 – julgamento em 21/06/2021
Passo à transcrição da tese:
Esta tese fixada pelo STF dialoga com a tese do tema imediatamente
anterior (Tema 500) e se trata de mais uma exceção à regra geral de que o Estado
não pode fornecer medicamento que não possua registro sanitário na Anvisa.
Nesse contexto, o caso se trata do fornecimento pelo Estado de
medicamento não registrado, mas que teve sua importação autorizada pela Anvisa, o
qual ficará condicionado quando houver: a) incapacidade econômica do paciente; b)
imprescindibilidade clínica do tratamento; c) falta de substituto nas listas do SUS.
Tema Repetitivo 106 – Leading case REsp 1.657.156 – julgamento em
25/04/2018
Sob a sistemática do julgamento dos recursos repetitivos, o STJ fixou a
seguinte tese sobre a controvérsia da obrigatoriedade do poder público de fornecer
medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, de seguinte redação:
Crucial mencionar que houve modulação dos efeitos da tese, fazendo com
que os requisitos fossem exigidos tão somente aos processos distribuídos após
04/05/2018, a data da publicação do acórdão embargado. (BRASIL, 2018)
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CONCLUSÃO
REFÊRENCIAS
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aids no Brasil. Tese (Doutorado em Saúde Pública) – Universidade Federal da
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