Ciencia & Religião Ed. 08 - Maio 2017

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HISTORIA DAS

RELIGIOES

Ciência & Religião,


Ano 5 - nº 8 - 2017
Mitos e verdades sobre as crenças ao redor do mundo
CRISTIANISMO, BUDA
JUDAÍSMO O que a história do
E ISLAMISMO príncipe que se
Conheça os tornou o iluminado
pontos em pode nos ensinar
comum
entre eles

R$ 14,90

JUDEUS X PALESTINOS
A origem histórica do
confronto longe de um fim

A VERDADE SOBRE O
ISLAMISMO
É uma religião violenta? As mulheres são realmente submissas?
Revelamos o que o Alcorão diz sobre esses e outros assuntos
INÊS 249

EDITORIAL

Religiões Índice

sem rótulos
Religiões antes
de Cristo

Quem foi
Buda?

Desde o ataque terrorista comandado por Osama Bin Laden às Torres


A origem do
Gêmeas no dia 11 de setembro de 2001, a religião islâmica começou a
antissemitismo
receber destaque nos meios de comunicação em todo o mundo. No en-
tanto, a doutrina muçulmana estava sempre relacionada ao extremismo
de alguns seguidores, o que gerou uma imagem equivocada de que as Mitos sobre o
palavras proferidas pelo Alcorão, livro sagrado do Islã, emanavam intole- Islamismo
rância, violência e opressão.
Com o crescimento do Estado Islâmico e a política anti-imigração Pontos de
do presidente dos EUA, Donald Trump, a religião volta a chamar a convergência
atenção. No entanto, o que é fato e o que é inverdade em relação à
segunda maior doutrina do mundo em número de seguidores? Esta
edição de Ciência & Religião se debruçou sobre as versões do Alco-rão O conflito entre
judeus e palestinos
(traduções feitas a partir do original árabe são consideradas apenas

ISTOCK.COM/GETTY IMAGES
interpretações) e ouviu especialistas para revelar o que o Islamismo
prega. Desde já, adiantamos: não se deixe levar pelos atos de alguns Novas
extremistas. Veja esta e outras curiosidades sobre as principais religiões religiões
do mundo nas próximas páginas.

Boa leitura!
A Redação

CAPA
Produção Gráfica Vanessa Sueishi
Imagem iStock.com/Getty Images
INÊS 249

ANTIGUIDADE

Antes de
Cristo
Sociedades politeístas, O Cristianismo é a religião criada
por Jesus Cristo que foi rapidamen-
te espalhada pelo mundo. Surgida
monoteístas e diferentes na Palestina, sustentava a ideia de
que Deus havia mandado seu filho
práticas religiosas já ao mundo como salvador dos ho-
mens, transmitindo os ensinamen-
conviviam antes mesmo do tos de seu pai. Como essa região
estava sob domínio do Império Ro-

surgimento do Cristianismo mano, logo os cristãos começaram


a ser perseguidos por suas ideias,
que iam contra os interesses vigen-
tes na época.
A figura de Jesus Cristo foi tão
marcante na história que passou a
determinar uma divisão temporal
da humanidade: os eventos passa-
ram a ser definidos como se tives-
sem ocorrido “Antes de Cristo” e
“Depois de Cristo”. Desse modo, o
nascimento de Jesus foi ligado ao
século I. Mas a pergunta que fica é:
como era o panorama religioso do
Texto Andrey Seisdedos/Colaborador

mundo até então?

As esfinges eram criaturas


místicas, representadas por
um leão com cabeça humana,
e demonstravam o poder dos
egípcios
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Religião
A primeira definição de “religião” “O panorama religioso do
do dicionário Michaelis representa mundo antes do Cristianismo era
muito bem um comportamento
que a humanidade manteve ao lon-
constituído pelo politeísmo e, na
go dos séculos quando se trata de Palestina, pelo monoteísmo judaico”
fé: “Serviço ou culto a Deus, ou a
uma divindade qualquer, expresso
Luciano Gomes, professor de Cultura Religiosa
por meio de ritos, preces e obser-
vância do que se considera manda- invadiram o subcontinente indiano.
mento divino”. O Hinduísmo carrega elementos
Há muito tempo, o ser huma- culturais, crenças, tradições e valores
no vem buscando encontrar uma herdados de vários povos da região.
divindade a qual atribuir todos os Na primeira fase, chamada de
acontecimentos que não apresen- Hinduísmo Védico, era comum o
tassem explicações lógicas ou ra- culto a deuses tribais, como Dyaus
cionais. A religião sempre foi ainda (Deus supremo que gerou outros
um meio pelo qual os indivíduos deuses). A segunda fase da religião é
tentaram ligar a humanidade à es- conhecida como Hinduísmo Bramâ-
piritualidade e aos valores morais. nico e, com a influência de outras
Levando em conta o meio no religiões, passou-se a acreditar em
qual se insere, é importante lem- uma trindade: Brahma (divindade
brar que cada religião apresenta criadora do universo), Vishnu (repre-
seu próprio conjunto de crenças senta o sol – divindade preservadora)
e hábitos culturais, resultando em e Shiva (representa as tempestades
filosofias que podem ser bastante – divindade destruidora). Shiva Nataraja,
divergentes ao redor do globo. Sua terceira fase chega a ganhar o rei da dança, no Hinduísmo
De acordo com Luciano Gomes, ainda mais influências, até mesmo No Hinduísmo, Ganesha é
professor de Cultura Religiosa, “o do Cristianismo. Surgia, assim, o uma das mais conhecidas
panorama religioso do mundo an- Hinduísmo Híbrido; nele, algumas representações de Deus
tes do Cristianismo era constituí- crenças e rituais recorrentes são: os
do pelo politeísmo e, na Palestina, hindus acreditam que a trajetória
pelo monoteísmo judaico”. O es- da alma é resultado das ações pra-
pecialista salienta que os romanos ticadas em vida, a libertação final
que dominavam a Terra Santa, an- da alma, a meditação, a sociedade
tes do surgimento do Cristianismo, de castas, a oferenda aos deuses, a
eram politeístas e ficavam atentos alimentação vegetariana, o respeito
a qualquer tentativa de impedi- aos rituais e às tradições, os mantras
mento de seu avanço territorial. e outras.
“Os romanos permitiam a vivência O Hinduísmo é a terceira maior
do monoteísmo judaico, desde que religião do mundo, com estimativa
não houvessem rebeliões contrá- de 900 milhões de adeptos, e tam-
rias ao domínio do Império Roma- bém a mais antiga. Os primeiros
no”, explica. textos (Vedas), foram escritos há
mais de 3.500 anos. A religião tem
Hinduísmo o xamã, um curandeiro tribal, como
A religião hinduísta foi originada figura central. Para os fiéis, ele seria
em 1500 a.C., quando arianos (guer- capaz de entrar em contato com o
reiros de pele clara da Ásia Central) mundo espiritual.
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ANTIGUIDADE

Zoroastrismo “No politeísmo


(egípcio), os
É considerada a religião mais antiga do mundo com um fundador deuses e as
determinado. O Zoroastrismo foi desenvolvido por Zaratustra no deusas estavam
século VI a.C. Marcada por seus rituais simplistas, foi a religião
predominante no Império Persa. relacionados às
O Zoroastrismo apresenta uma visão dualista do mundo, que seria necessidades
dividido entre as forças do bem e do mal. Segundo os ensinamentos,
um deus supremo foi responsável por criar outros dois seres após se
práticas do povo”
rebelar: Ormuzd (fonte de todo o bem) e Ariman (origem do mal), Luciano Gomes, professor
que vivem em conflito. de Cultura Religiosa
Enquanto o ser da maldade criou as plantas e os animais venenosos,
cabia ao homem orar pelo ser da bondade. A religião começou a
ruir devido à expansão islâmica, uma vez que seus adeptos foram
considerados infiéis e perseguidos.

O Faravahar, símbolo do
Zoroastrismo, representa
a alma humana antes do
nascimento e depois da morte

Egípcios de reger o comportamento dos egípcios, tra-


A religião tinha um papel muito impor- ziam respostas às suas questões existenciais.
tante no Antigo Egito, embora eles não “No politeísmo, os deuses e as deusas esta-
adotassem nenhuma vertente específica. vam relacionados às necessidades práticas
Sua sociedade era marcada por um conjun- do povo”, acrescenta o professor. Na época,
to de crenças, simbolismos, mitos, cerimô- existia um deus para o sol, para os mortos,
nias e rituais. Desde as camadas mais in- para os pescadores, para a família, para a co-
feriores da sociedade até os detentores do lheita e muitas outras atribuições.
poder na época, todos acreditavam nas for- Embora o politeísmo tenha marcado a
ças espirituais. Os egípcios achavam que, sociedade, ela também viveu um período
ao cultuar os deuses, eles iriam reencarnar. monoteísta. Estima-se que isso tenha ocor-
É por conta disso que eles sustentavam o rido em 1360 a.C. quando o faraó Amenó-
ritual de mumificação. fis IV, pai de Tutancâmon, o faraó-menino,
Ao contrário dos cristãos, os egípcios estava no poder. Ele acreditava que o cul-
eram politeístas, acreditando em várias di- to a vários deuses era um obstáculo ao
vindades místicas. Para eles, os deuses ti- progresso egípcio, uma vez que a grande
nham poderes específicos e, mais do que camada sacerdotal ocasionaria influências
servir de inspiração, também eram respon- religiosas em decisões políticas. Em sua
sáveis por afastar seus maiores temores. nova religião, Aton (representante do sol),
Existem registros de práticas religiosas des- era considerado o deus único.
de 4000 a.C. até 5000 a.C. Porém, esse cenário não durou muito.
Cada deus assumia uma forma física dife- O faraó recebeu forte oposição popular e
rente, muitas vezes misturando formas ani- sacerdotal e chegou a ser considerado um
malescas e humanas, e exercia algum tipo de rei herege. Após a morte de Amenófis IV, os
influência direta na vida das pessoas. Além egípcios voltaram a adotar o politeísmo.
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Império Romano
Existem duas explicações para a
criação do Império Romano. Uma
é de origem mitológica, na qual
os irmãos Rômulo e Remo foram
abandonados em um rio, salvos por
uma loba e criados por um casal
de pastores. Quando voltam para
a cidade natal, ganham terras para
fundar Roma.
A outra explicação tem um teor Um dos
histórico e compreende que Roma Lupa Capitolina é uma
símbolos do
escultura em bronze que Moeda de
se deu por meio da junção de três representa a loba alimentando
Judaísmo é
prata com a Estrela
povos na Península Itálica: gregos, os irmãos Rômulo e Remo Hércules, filho de Davi
etruscos e italiotas. A sociedade vi- do deus grego
via uma monarquia, fundamentada Zeus, lutando
na atividade agrícola e era dividida versão do império. No ano 380, Te- contra
entre patrícios (nobres donos de odósio I estabeleceu o Cristianismo a Hidra
terras) e plebeus (comerciantes, ar- como a religião oficial.
tesãos). Desde sua criação, em 753 O fim do Império Romano se
a.C., a religião adotada no Império deu após uma grande crise eco-
Romano era politeísta, com deuses nômica e política. Graças a um
antropomórficos (características exército cada vez mais fraco, as
humanas), de origem grega, cujos conquistas espaciais cessaram e os
nomes foram alterados. territórios romanos sofriam pres-
A soberania conquistada por sões de serem invadidos pelos po-
Roma na época se dava pela sua vos bárbaros. O império foi dividido
política emancipacionista. Com um e um dos lados acaba caindo – o
exército bem preparado, o império Império Romano do Ocidente (com
dominou muitas áreas, chegando capital em Roma) –, restando o
até o Mar Mediterrâneo. Com as Império Bizantino, com capital em Mitologia grega
novas conquistas, muitas mudan- Constantinopla. Assim como em outras socieda-
ças ocorreram em Roma: a agricul- des, os gregos eram politeístas, acre-
tura deu lugar ao comércio, surgiu Judaísmo ditando na existência de vários deu-
a escravização dos povos conquis- É considerado a religião mono- ses que tinham o poder de agir na
tados, entre outras reformas. teísta mais antiga do mundo, sen- vida mundana. Apesar de imortais,
Nesse contexto, o Cristianismo do originada no século XVIII a.C., os deuses gregos apresentavam ca-
Imagens iStock.com/Getty Images, Shutterstock Images e Wikimedia Commons

nasceu pregando a paz e a tolerân- quando YHWH, unicidade abso- racterísticas humanas. Eles moravam
cia com o próximo, objetivos que luta como Deus criador, mandou no Olimpo e possuíam habilidades.
iam contra os interesses imperiais. Abraão procurar pela terra prome- As cidades gregas apresentavam
Desse modo, os romanos logo en- tida. Segundo os judeus, YHWH uma divindade protetora, muito cul-
traram em choque com os cristãos, fez um acordo com os hebreus, tuada seja nos templos ou dentro
estabelecendo uma política de tornando-os o povo escolhido, e te- das casas de família. A história des-
perseguição aos novos fiéis. Foi só ria revelado suas leis e mandamen- ses deuses era passada oralmente
em 313 que o imperador Constanti- tos para Moisés, no Monte Sinai. de geração a geração, por meio dos
no proclamou o Édito de Milão, lei “Aos olhos do povo judeu, todas as mitos. O politeísmo foi marcante
que garantia total liberdade para os religiões politeístas eram idólatras, durante toda a Grécia Antiga, que
romanos cultuarem qualquer deus. pois o povo adorava falsos deuses”, vai desde 1000 a.C. até a invasão do
Isso contribuiu para a futura con- revela Luciano. Império Romano, em 146 a.C.
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BUDA

Para além
da sombra
do palácio
Testo: Gabriele Alves/colaboradora
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Conheça Quando o assunto é o Budismo,


sua origem e os nomes que se relacio-
nam à sua fundação, é muito comum
Sem muito contato com a reali-
dade fora do palácio, a infância e a
juventude de Sidarta foram focadas
Sidarta ouvirmos a frase: “Já ouvi falar em
Buda. Ele não é o fundador do Budis-
nos estudos sobre as artes, a litera-
tura e as ciências tradicionais. Mas
Gautama, o mo?”. A resposta é sim; já que associar
a palavra “Buda” à filosofia budista não
o príncipe sempre procurou, desde
pequeno, manter aproximação com

príncipe que é um erro. Porém, é preciso esclarecer


que Buda é um título que significa “o
questões espirituais, encorajando
as pessoas a seguirem esse cami-

largou uma Desperto” ou até mesmo “o Ilumina-


do”, e não o nome de uma pessoa em
particular. Trata-se mais da represen-
nho. Pensava sempre sobre o desti-
no do homem e adquiriu uma sen-
sibilidade suficiente para agir com
vida de luxo tação de um estado de espírito em
cada um de nós do que a adoração de
métodos baseados na justiça e no
amor em seu cotidiano.
para dar alguém ou a materialização de uma
figura que rege uma religião.
Casou-se com sua prima Yaso-
dhara para atender a uma vontade

origem ao Além disso, há uma explicação


para que esse questionamento seja
do rei, seu pai. Mas aos vinte e nove
anos, quando nasceu seu primeiro

Budismo tão comum quando muitos se refe-


rem à fundação do Budismo. Ele se re-
laciona, principalmente, com a histó-
e único filho, Sidarta decidiu renun-
ciar aos bens mundanos para seguir
uma doutrina de desvalorização dos
ria de um príncipe nascido na Índia na aspectos corpóreos. Sendo assim, ini-
metade do século V a.C.. Seu nome? ciou uma expedição que o permitiu
Sidarta Gautama. Membro de uma desvendar o problema do sofrimen-
família rica e poderosa, Sidarta era fi- to humano por meio de quatro situ-
lho de um chefe de um renomado clã ações, três delas a ver com a velhice,
na Índia antiga. Ele seria o responsável a doença e a morte.
por apontar que as coisas das quais A primeira situação aconteceu
mais gostamos sempre serão afasta- quando o príncipe viu um idoso que
das de nós, e as coisas que detesta- tinha dificuldades para andar e que
mos sempre nos forçarão a conviver utilizava um bastão para que o peso
com elas, especialmente a velhice, a de seu corpo fosse sustentado. A se-
doença e a morte. gunda foi quando Sidarta conheceu
um homem que estava tendo sua
O nascimento do Iluminado vida consumida por uma doença. E
O príncipe Sidarta nasceu no par- a terceira permitiu a ele o contato
que de Lumbini, onde hoje se localiza com o transporte de um cadáver que
as planícies de Teari, no sul do Nepal. era levado por seus antigos compa-
Filho da rainha Maya com o rei Su- nheiros para a cremação. Na quarta
ddhodana, era descendente da família situação, Sidarta retornava ao palá-
Gautama, e sua herança, as terras fér- cio, quando encontrou um falso be-
teis do reino dos Shakyas, consistia em ato e percebeu que, mesmo com sua
um local propício para a agricultura, condição pobre, ele demonstrava em
sobretudo do plantio de arroz. Mesmo sua face uma paz muito grande.
com o ambiente sempre emharmonia, Essas situações estimularam Sidar-
sete dias após seu nascimento, a mãe ta a renunciar ao conforto e aos seus
de Sidarta faleceu, e sua tia, Mahapra- bens, para buscar um caminho que
japaty, passou a ser a responsável por lhe conduzisse à resposta para tantas
toda a educação do príncipe. injustiças e desigualdades, além de pro-
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BUDA

“Nirvana é o estado além da dor que Sidarta seguiu sozinho, confiando


que poderia alcançar um estado de
podemos conquistar nos iluminando” espírito que estivesse ligado a um
Kelsang Mudita, Monja e Professora do Centro de Meditação modo de vida mais natural. Já havia
Kadampa Mahabodhi tido contato com vários filósofos e
com muitas técnicas que poderiam
porcionar a ele uma paz espiritual. Para de. A busca de Sidarta era por uma ajudá-lo. Com isso, chegou à conclu-
isso, aproximou-se de mestres em suas vida equilibrada, com disciplina, para são que, talvez, a verdade que pro-
peregrinações para que lhe ensinas- evitar extremos de prazer e de sofri- curava pudesse estar em si mesmo.
sem as filosofias mais famosas de seu mento que impedissem a clareza de Parou ao pé de uma figueira, próxi-
tempo. Juntou-se a um grupo de sacer- reflexão ao pensar. Para ele, deveria mo à cidade de Gaya, atualmente
dotes da religião hindu e durante seis haver um Caminho do Meio, ou seja, estado de Bihar, leste da Índia, onde
anos dedicou-se ao ascetismo, pratica- uma trajetória que pudesse evitar os permaneceu por 49 dias. Sem ajuda
do por meio de orações e a privação de dois extremos: o extremo da vida dos de qualquer força sobrenatural, en-
muitos hábitos, além da mortificação prazeres e, o outro, a vida dos sacri- tregou-se à meditação, libertando-se
por meio do jejum, castigando o corpo fícios rigorosos que são feitos para de suas fraquezas e aperfeiçoando
para provocar o próprio sofrimento a o alcance da paz espiritual. Assim, sua percepção das coisas em todos
fim de inibir certas vontades. abandonou os sacerdotes hindus e os níveis de sua mente.
Mas, após esse período, ele per- chegou à conclusão que certos sacri- Em um estágio máximo de sabe-
cebeu que não era tão válido sa- fícios não conduzem à felicidade e à doria, Sidarta alcançou a iluminação,
crificar-se dessa forma e que levar paz, até porque um corpo enfraque- o chamado estado Nirvana. Atingiu
o organismo a vivenciar a dor não cido perturbaria a mente e a incapa- a perfei-ção da paz e da compaixão,
traria uma compreensão de liberda- citaria de se manter tranquila. acreditando que o ser humano é
quem possui o alto potencial de sabe-
Ascetismo X Nirvana doria, sem intermédio de forças divi-
nas como um deus, por exemplo. E é
por isso que recebeu o título de Buda,
Os hinduístas praticavam o ascetismo, acreditando que, para alcançar a
pois a palavra significa justamente
total espiritualidade e paz, o caminho mais apropriado seria o de renúncia
esse estado de consciência da mente.
às coisas e aos prazeres mundanos. Para eles, a purificação do corpo
Desprendendo-se do sofrimento e da
contribui com a da alma, e por isso impõem restrições para que, além
disso, haja liberdade na vida e no desenvolvimento de habilidades para “Ao nos
pensar sempre no bem, sem impulsos negativos.
No Budismo, o estado de alcance da paz e da tranquilidade, por meio percebermos
da sabedoria, recebe o nome de Nirvana. A palavra vem da expressão interligados a tudo
“nibbana” que significa “extinguir” ou “apagar”. Dentro do Budismo, pode
ser usada em diferentes circunstâncias, mas, quando a relacionamos com
e a todos, surge
Sidarta Gautama, procuramos fazer menção ao estado de iluminação que espontaneamente
extingue o apego a elementos que levam à ignorância. um sentimento de
De acordo com Tenryu Dairo, membro da Comunidade Zen Budista, “o
Nirvana, ou iluminação, é o estado que surge da prática da meditação,
cuidado, respeito e
quando são compreendidas e vivenciadas algumas verdades sobre a vida, apreciação à vida, o
principalmente a impermanência e a interdependência de tudo que existe. que gera bem-estar
Ao perceber que não existe nada fixo, apenas um processo de mudança
incessante, podemos nos libertar de muitos apegos e aversões. Não há e relacionamentos
nada que possamos segurar ou manter fixo, desta forma passamos pelo de harmonia”
sofrimento com maior paz, sabendo que nada dura para sempre”, conta o
Tenryu Daiko da Comunidade
monge, praticante há 5 anos.
Zen Budista
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insatisfação e se empenhando, a par-


tir de então, a ensinar até o fim de sua
vida o que poderia ser feito para que
outras pessoas conseguissem atingir
esse estado de eliminação, ou pelo
menos, diminuição do sofrimento na
vida, Buda foi a nomeação atribuída a
Sidarta como referência ao momento
que alcançou.

O depois
Conhecido como Buda, o príncipe
que abdicou da vida luxuosa, por volta
de seus 40 anos, tornou-se fonte de
felicidade e beneficiou, assim, mui-
tos outros seres com o conjunto de
ensinamentos denominado de dar-
ma, que na língua indiana chamada
sânscrito quer dizer “Lei”. Contudo, a
língua que Buda utilizou para pregar
seus ensinamentos era um dialeto
próprio do nordeste da Índia e não
o sânscrito, utilizado, por exemplo,
pelos hinduístas. Esse não é apenas
o único ponto em que o Budismo se
difere do Hinduísmo. Buda rejeitava a
estrutura de castas que estruturava o
Hinduísmo, além de não defender a
reverência que os seguidores do hin-
du faziam aos brâmanes, representan-
tes hereditários de forças sagradas.

Lendas e
surpresas
Há uma lenda que diz que Sidarta
Gautama, assim que nasceu,
foi levado ao templo, e os
sacerdotes que o analisaram
disseram que em seu
corpo existiam trinta e
duas marcas grandes e
oitenta pequenas, que
significavam que ele
seria um grande homem
e seus ensinamentos se
perpetuariam por gerações.
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BUDA

Se Sidarta era um Buda, seus ensinamentos


originaram o Budismo, sem que houvesse a exis-
tência de deuses ou naturezas superiores para
adoração. Não havia, para ele, necessidade de re-
verência a nenhum ser, pois para alcançar o esta-
do de iluminação se faz necessária uma reflexão
crítica da mente, algo impossível quando se aceita
passivamente a existência de energias celestiais.
Buda admitiu, inclusive, que seus próprios
ensinamentos eram questionáveis e aconselhou
seus seguidores a olharem sempre para dentro
de si mesmos, a fim de perceberem quais eram
as coisas desejáveis e boas, para que pudessem
aceitá-las e segui-las. Entre suas últimas pala-
vras, estava um conselho: “Vivei fazendo de vós
mesmos a vossa ilha, convertendo-vos no pró-
prio refúgio. Trabalhai com diligência para alcan-
çar a vossa iluminação”.
De acordo com Rafael Trindade, residente da
Sociedade Budista do Brasil e que se prepara
para sua ordenação como monge na Tailândia,
conhecer a vida de Sidarta Gautama é muito
importante. “Em primeiro lugar, toda a prática
budista se inspira no seu exemplo. Se colocamos
sua vida, para nós mesmos, como ideal máximo
do que uma vida humana pode ser, plantamos
em nós as condições de uma vida cada vez mais
habilidosa e livre de perturbações”, conta.
Além disso, ele afirma que é essencial para os
seguidores do Budismo nutrir gratidão por quem
descobriu sozinho um caminho muito difícil e su-
til, mas que leva, seguramente, a uma felicidade
mais estável e prazerosa do que qualquer outra
que conhecemos. “Sem gratidão (a nossos pais,
mestres, a nós mesmos, a quem quer que nos aju-
de), não é possível aprender nada de bom. Não é
possível nem mesmo distinguir o que é bom ou
o que é ruim, já que não prestamos atenção no
esforço que essas pessoas fazem, para que as coi-
sas boas se desenvolvam”, comenta o residente.
Apesar de Sidarta ser o primeiro grande Buda
e ter dado origem às bases do Budismo, ele nun-
ca fez questão de ser considerado um mestre,
pois jamais admitiu ter um dom espiritual capaz
Imagens: Shutterstock Images

de ser tomado como verdade por seus seguido- REFERÊNCIAS


Livro A vida e o pensamento de Buda, Morgana Gomes –
res. Sua proposta é que as pessoas ouçam suas Coleção Iluminados da Humanidade
palavras e as associem com suas vidas e experi-
Consultorias Monja e Professora Kelsang Mudita, do
ências para que elas mesmas conduzam o seu Centro de Meditação Kadampa Mahabodhi e Tenryu Dairo,
ser à libertação. membro da Comunidade Zen Budista, ordem Soto Shu
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RAÍZES

A origem
do ódio
O histórico de
perseguição do povo de
Israel até o Holocausto
Sempre que falamos sobre o tema do preconceito aos judeus, a pri-
meira imagem que nos vem à cabeça é a da suástica, a famosa cruz que
se tornou símbolo do regime nazista de Adolf Hitler, vigente na Alema-
nha entre os anos de 1933 e 1945. O contexto que envolveu o governo do
Führer acabou forçando a associação da criação de tal prática ao ditador
alemão. Entretanto, a segregação e mesmo a violência aos israelitas vêm
de tempos muito mais remotos.
O antissemitismo, segundo a definição presente no dicionário Micha-
elis, trata-se da hostilidade aos semitas, em particular aos judeus. Regis-
tros apontam que os primeiros atos contra o povo hebreu se deram ainda
na Antiguidade. Seitas esotéricas dualistas – que acreditam na criação do
universo a partir de dois únicos poderes, o bem e o mal – interpretavam
o Judaísmo como uma corrente ideológica do mal, desprezando e con-
denando qualquer manifestação do povo de Israel por considerarem sua
crença como culto às forças malignas.

Judeus na terra de Homero


Foi com os gregos e romanos que essa perseguição se acentuou. Se-
gundo Marta Francisca Topel, professora, antropóloga e pesquisadora do
Programa de Pós-Graduação em Estudos Judaicos e Árabes da Universi-
dade de São Paulo (USP), a diferença entre a cultura de tais povos foi o
que levou os israelitas a serem oprimidos. “O fato de o povo judeu
ser uma minoria monoteísta num mundo pagão, possuidora
de uma narrativa fundacional construída ao redor de
Texto: João Paulo Fernandes/Colaborador

um ideal ético e com traços sociais singulares


que a separava dos gregos primeiro e dos
romanos posteriormente, desembocou
em atitudes hostis e discriminatórias
por parte dos poderes dominan-
tes”, explica a pesquisadora.
Outro fator que agravou a
repulsa ao povo de Israel foi
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RAÍZES

Já durante o Império Romano, os judeus


foram maciçamente perseguidos por se
mostrarem resistentes à incorporação de
valores da tradição romana e ao abandono
de sua própria cultura, sendo expulsos de
seu território pelo governo de Roma
sua forte luta contra a renúncia à sua cultura. Já durante o Império Romano,
os judeus foram maciçamente perseguidos por se mostrarem resistentes
à incorporação de valores da tradição romana e ao abandono de sua
própria cultura, sendo expulsos de seu território pelo governo de Roma.
“Devemos lembrar que os judeus foram o único povo conquistado pe-
los impérios helenísticos que não aceitou as imposições religiosas dos
conquistadores. Por sua vez, o antijudaísmo pagão nutriu o antiju-
daísmo cristão que o sucedeu e que foi devastador em relação aos
judeus e ao Judaísmo. É suficiente lembrar as Cruzadas, os libelos
de sangue que se sucederam ao longo de toda a Idade Média, as
múltiplas expulsões dos judeus de seus lugares de residência, as
conversões forçadas e a Inquisição”, aponta Marta.

Para além da religião


A Idade Média marcou o início de uma investida mais
pesada ao povo hebreu. A Igreja Católica dominava pra-
ticamente toda a Europa, pois além de ser a religião
vigente em quase todas as nações, tinha forte influên-
cia no poder dos reis e os membros do clero desfru-
tavam de um prestígio social muito elevado. O que
era ruim para os israelitas.
O Judaísmo é uma corrente religiosa que, ao con-
trário do Cristianismo, não compartilha da crença
de que Jesus é o filho de Deus. Para os judeus,
ele foi um profeta igual a Elias, Isaías e tantos
outros que vieram antes dele. “A Igreja Católica
perseguiu e encorajou massacres de judeus
porque eles não aceitaram Cristo como mes-
sias. Do ponto de vista teológico, a existência
de judeus e do Judaísmo, depois do estabe-
lecimento da Igreja Católica, era um proble-
ma difícil de resolver, já que a sua própria
existência contradizia a revelação do Novo
Testamento”, aponta a professora. Além de
considerarem tal ideia uma afronta à auto-
ridade da Igreja, os líderes católicos culpa-
vam os judeus pela morte de Cristo, sendo
que, na verdade, ele foi preso e executado
pelos romanos.
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Para piorar a situação do povo de contra o povo de Israel. “A emanci- do pelos Pais da Igreja e por diferentes
Israel, na metade do século XII, a Eu- pação dos judeus constituiu um ver- correntes protestantes, Hitler não te-
ropa foi afetada por uma pandemia dadeiro avanço para a incorporação ria uma ‘audiência’ tão receptiva para
– doença epidêmica de ampla dis- deles à vida civil da França, fenôme- incorporar a ideologia nazista que pre-
seminação –, que dizimou um terço no que posteriormente foi difundido gava demonização total dos judeus e
da população do continente: a peste pela Europa Central, ainda que par- seu posterior extermínio”, explica.
negra. Sem maiores conhecimentos cialmente, por meio das conquistas Além do discurso católico, outros
científicos para identificar as causas e napoleônicas. Entretanto, se política grupos ajudaram a disseminar con-
as formas de propagação da doença, e legalmente os judeus se transfor- ceitos que induziam à violência contra
as pessoas acreditavam que a enfer- maram em cidadãos franceses com os semitas e são apontados como as
midade era um castigo divino lançado todos os direitos e deveres dos outros principais influências para criação da
contra os humanos por conta de suas cidadãos, o antissemitismo enraizado ideologia racial do nazismo. “Para os
ações pecaminosas. Mas é claro que a na França e na Europa Central colo- ideólogos do Contra Iluminismo e dos
culpa não era de todos os homens. A cou obstáculos para a assimilação dos nacionalismos de finais do século XIX e
responsabilidade sobre a epidemia foi judeus nas dimensões social e cultu- início do século XX, os judeus eram es-
atribuída às minorias que habitavam ral”, explica a antropóloga. tranhos e estrangeiros, inassimiláveis,
o continente na época. Leprosos, ho- não tinham lugar numa sociedade e
mossexuais e estrangeiros, incluindo Culto à violência num Estado supostamente homogê-
os judeus, foram severamente per- No final do século XIX e início do neos, definidos pela religião, por laços
seguidos e isolados do restante da século XX, a violência contra os judeus de consanguinidade e por um passado
população com o argumento de que começou a partir definitivamente para e um futuro que excluíam os judeus do
seus atos – no caso dos judeus, que o campo racial, justificada por ideolo- projeto nacional”, aponta a professora.
tinham outras crenças – e condições gias que tinham um fundo muito mais Tais ideólogos foram os respon-
– no caso dos leprosos, considerados esotérico do que político. E, como sáveis por criar sociedades ocultistas
pecadores que estavam pagando em sabemos, encontrou sua expressão como a Sociedade Vril e o Grupo
vida pelos seus erros – impuros esta- máxima nas teorias sobre a raça aria- Thule, das quais floresceram teorias
vam provocando a ira de Deus, que na de Adolf Hitler. Segundo aponta a que apresentavam a comunidade
enviara, como castigo, a peste. professora Marta Topel, a propagação europeia como a raça pura, que tinha
de conceitos deturpados sobre o povo como missão “limpar” o mundo, ex-
Liberdade, igualdade e e a cultura judaica, principalmente terminando todos os grupos e etnias
fraternidade... só que não pela Igreja Católica, tornou o discurso que impediam os seres humanos de
O século XIX poderia ter apresen- do ditador alemão algo aceitável para se desenvolverem plenamente. “Pa-
tado um cenário mais favorável aos uma população que era majoritaria- ralelamente, as teorias conspiratórias,
judeus. Inundados com os ideais de li- mente católica e que passava por um das quais Os Protocolos dos Sábios
berdade, igualdade e fraternidade pro- momento de dificuldade e revolta. “Ao de Sião foram a expressão mais difun-
pagados durante a Revolução France- longo da Idade Média e em diferentes dida e virulenta, constituíram a fonte
sa, diversos países formularam leis que estágios da Modernidade, existiu uma mais importante da qual se nutriu
emancipavam os israelitas, e davam a cultura antissemita enraizada na Euro- Hitler para desenvolver a ideologia
eles os mesmos direitos que os habi- pa. Sem o antissemitismo dissemina- nazista”, conclui Marta.
tantes das nações em que viviam.
Contudo, a difusão simultânea de
ideologias extremamente racistas e No final do século XIX e início do
nacionalistas pela Europa, que foram século XX, a violência contra os judeus
amplamente aceitas pelos governan-
começou a partir definitivamente
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tes da maior parte das nações do ve-


lho continente, fez com que os povos para o campo racial, justificada por
desses países, mesmo com as leis a
favor dos judeus, acabassem por de-
ideologias que tinham um fundo muito
senvolver um preconceito infundado mais esotérico do que político
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MITOS
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A verdade sobre
o Islamismo

Texto: João Pedro Vallim / Colaborador


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Vista como violenta, intolerante e machista


por boa parte da sociedade ocidental, a
religião islâmica carrega palavras de paz e
harmonia em seu livro sagrado
No dia 6 de março de 2017, o pre- mes. Aliado a esse fato, uma leitura
sidente dos Estados Unidos, Donald superficial do Alcorão pode gerar
Trump, assinou uma versão atualiza- interpretações equivocadas sobre
da do decreto anti-imigração, um de a crença muçulmana. Afinal, o que
seus principais projetos políticos. O prega o Islamismo e como o Alco-
documento proibiu a entrada de ci- rão aborda certas questões?
dadãos de seis países – Síria, Irã, Lí-
bia, Somália, Sudão e Iêmen, todos Uma religião violenta?
de maioria muçulmana – em terri- “O Islã é uma religião de paz. No
tório norte-americano. Com isso, Islã, o termo ‘paz’ representa um
cidadãos dessas nações não terão dos 99 nomes de Deus”, ressalta
vistos emitidos por um período de Eduardo Meinberg de Albuquer-
90 dias. A decisão visou fortalecer que Maranhão Filho, doutor em
a segurança dos EUA contra poten- História pela USP. Os muçulmanos
ciais ataques terroristas. acreditam que todos que chegam
É claro que nem todos os cida- ao Paraíso são saudados pacifica-
dãos dos países citados são terroris- mente. Além disso, de acordo com
tas, assim como adeptos a ataques a Surata 97, o próprio Alcorão re-
podem residir em qualquer lugar presenta a paz.
do mundo. Mas esse tipo de deci-
são cria uma barreira ainda maior
em relação à cultura e à religião Alcorão, Surata 97,
islâmica. Apesar de ser a segunda Al Cadr (“O Decreto”)
maior religião monoteísta do mun-
“Em nome de Deus, o Clemente,
do, com pouco mais de 1,6 bilhão de
o Misericordioso.
seguidores, o Islamismo ainda está
1 Sabei que o revelamos (o
distante da cultura e da sociedade
Alcorão), na Noite do Decreto.
ocidental, majoritariamente cristã –
o Brasil é um exemplo. Dessa ma- 2 E o que te fará entender o que é
neira, muitas pessoas desconhecem a Noite do Decreto?
certas práticas e tradições da dou- 3 A Noite do Decreto é melhor do
trina muçulmana, o que leva facil- que mil meses.
mente à construção de estereótipos 4 Nela descem os anjos e o
sobre os seguidores de Alá. Espírito (Anjo Gabriel), com a
Além disso, grande parte das anuência do seu Senhor, para
notícias veiculadas na imprensa executar todas as Suas ordens.
faz uma conexão da religião com a 5 (Ela) é paz, até ao romper da
política dos países islâmicos, o que aurora!”
levanta dúvidas sobre seus costu-
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MITOS

No entanto, assim como em ou- acordo com os ensinamentos islâ- mento social, que estão prescritos
tras religiões, o Islamismo também micos, não se deve estimular ou co- no Alcorão. A mulher muçulmana
é marcado pela presença de alguns meçar um conflito. Para a religião, deve andar com o corpo e os cabelos
seguidores mais fanáticos ou extre- se a terra for invadida, cada pessoa cobertos como uma proteção a ela
mistas, que justificam seus atos mais tem direito de defender sua posse. mesma, assim como o homem tam-
violentos com os textos do livro sa- “No caso, se um povo for atacado bém não pode andar com as partes
grado. “Se isto eventualmente ocor- ou seus direitos forem violados, ele íntimas descobertas ou sem camisa.
re, é por obra de maus muçulmanos tem legítimo direito de se defender, O casamento também possui
que deturpam a mensagem geral do assim como sua pátria, família, e re- direitos e deveres bem claros, tanto
Alcorão, que é de paz”, explica Eduar- ligião”, complementa o Sheik. para o homem quanto para a mulher
do Meinberg. Nesse contexto, a pala- Na língua árabe, o termo “guerra muçulmanos. O marido é o chefe
vra “jihad” tem sido constantemente santa” equivale a expressões como da família e deve arcar com todas as
associada à violência, sendo tradu- “harbun muqaddasatu” ou “al-harbu despesas e responsabilidades para a
zida como “guerra santa”. Contudo, al-muqaddasatu”, diferente da pa- manutenção do lar. Já a esposa tam-
linguisticamente, o termo significa lavra jihad. Ou seja, não existe o bém pode trabalhar, mas seu salário é
“esforço” ou “empenho”, e se aplica termo “guerra santa” em nenhum utilizado para uso próprio, pois não é
a toda dedicação utilizada na execu- texto islâmico. Na verdade, é uma sua obrigação o sustento da casa. As
ção de qualquer ação em nossa vida. expressão criada durante as Cruza- decisões também devem ser tomadas
Dentro das tradições islâmicas, das e que atualmente se associa de em grupo, mas a palavra final é do ho-
existe um conceito sobre essa pala- forma equivocada ao jihad. mem, justamente o responsável por
vra que se divide em duas partes: o todas as consequências de sua esco-
jihad maior e o jihad menor. O pri- O papel da mulher lha (para o bem e para o mal).
meiro consiste na luta interior de Para o Islamismo, homens e mu- Uma das atribuições da mulher é
cada pessoa contra os seus desejos, lheres são iguais enquanto seres hu- obter o conhecimento e a sabedoria,
com a finalidade de alcançar a paz in- manos. No entanto, possuem diferen- principalmente para a maternidade,
terna. Em outras palavras, é o esforço ças nas características com as quais pois cabe a ela a educação dos filhos.
que a pessoa faz para se manter no foram criados, um fato óbvio. Por isso, “O paraíso jaz aos pés de uma mãe”,
caminho correto, afastando-se de a doutrina determina direitos e deve- afirmou o profeta Maomé em uma
pecados e resistindo às tentações. res de acordo com as particularidades Hadith. E, para a doutrina islâmica,
Já o jihad menor é extremamente de cada gênero, garantindo suas atri- a posição da mãe é três vezes supe-
amplo, e pode ser definido como tudo buições e seus benefícios de maneira rior à do pai. “O que o Islã preserva
aquilo que abrange o comportamen- justa e harmônica. – e que muitas pessoas ainda não
to da pessoa com o seu semelhante. Aliás, com a revelação do Alcorão compreendem – é a personalidade
Para um muçulmano, divulgar a sua ao profeta Maomé, foram estabele- feminina e seus limites”, ressalta o
religião e tirar um obstáculo do cami- cidos também os direitos da mulher Sheik Jalloul. Não é recomendado à
nho de alguém são exemplos desse muçulmana, como o voto, a herança, mulher, por exemplo, trabalhar em
conceito. O sheik Rodrigo Jalloul ex- o divórcio, a disposição de seus bens serviços considerados pesados, mas
plica que o jihad menor representa da maneira que quiser (sem a tutela caso não exceda seu limite, ela pode
um grande desafio para a vida. “Se- de nenhum homem), o trabalho, o realizá-lo sem qualquer proibição.
guramente o jihad maior é mais difí- estudo, o prazer sexual, entre outros É importante ressaltar que o uso
cil para o ser humano, afinal, se fosse – vale observar, por exemplo, que as do véu pelas mulheres e a conduta
respeitado, não haveria necessidade mulheres conquistaram direito ao no casamento são questões de fé, ou
do jihad menor”. voto no Brasil somente em 1932. seja, coisas em que as pessoas acre-
A distorção entre os termos é Entretanto, há uma visão de que ditam ser certas e de acordo com as
causada por um dos diversos as- o Islamismo é uma religião que opri- leis divinas. “O Alcorão estabelece
pectos do jihad menor: o confronto me as mulheres. Um dos principais normas e condutas, mas deixa sem-
armado. Entretanto, ele se refere ao motivos para isso são questões do pre as pessoas livres para a escolha
combate que preza pela autodefesa cotidiano, como a vestimenta (prin- de seu caminho”, reforça Rafael Hus-
que Deus permitiu ao homem; de cipalmente o hijab) e o comporta- sein, do site Islamismo Brasil.
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Há uma visão de
que o Islamismo é
uma religião que
oprime as mulheres.
Um dos principais
motivos para isso
são questões do
cotidiano, como
a vestimenta
(principalmente
o hijab) e o
comportamento
social, que estão
prescritos no
Alcorão.

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MITOS

A tolerância a outras religiões los, onde as palavras dos homens se tável sustentáculo, porque Deus é
Como já foi explicado, o Islamis- misturaram às palavras de Deus. Oniouvinte, Sapientíssimo”. O Alco-
mo reconhece a existência e a impor- Mas as pessoas que não seguem rão preza pelo entendimento entre
tância da Bíblia, do Torá e dos profe- o Islamismo são consideradas infi- muçulmanos e não muçulmanos,
tas que antecederam Maomé. “O Islã éis ou cidadãos menores? De acor- como diz a Surata 2, versículo 83:
reconhece que, ao longo da história, do com o próprio Alcorão, Surata 2, “Falai ao próximo com benevolên-
tivemos 124 mil profetas e mensagei- Al Bacara (“A Vaca”), versículo 256, cia”. Ao todo, são 527 versículos que
ros”, comenta o Sheik Rodrigo Jalloul. as outras religiões devem ser res- falam sobre o diálogo. Para o Isla-
Tanto que o próprio Alcorão cita al- peitadas, já que são uma vontade mismo, se Deus deu aos homens o
guns dos livros revelados, como os de Deus. “Não há imposição quan- livre-arbítrio, ou seja, a possibilida-
Livros de Abraão, os Salmos revela- to à religião, pois já se destacou a de de escolher um caminho, sendo
dos a Davi, a Torá revelada a Moisés verdade do erro. Quem renegar o cada um responsável por suas op-
e o Evangelho revelado a Jesus. sedutor e crer em Deus, ter-se-á ções, não há motivos para acreditar
Os muçulmanos, no entanto, apegado a um firme e inquebran- em uma crença certa ou errada. Por
acreditam que o Alcorão carrega
a palavra definitiva de Deus, com-
plementando e confirmando as es-
crituras anteriores. Soma-se a isso
o fato de que os livros passados,
apesar das revelações divinas, foram
modificados com o passar dos sécu-

Os muçulmanos, no
entanto, acreditam
que o Alcorão
carrega a palavra
definitiva de Deus,
complementando
e confirmando
as escrituras
anteriores. Soma-
se a isso o fato
de que os livros
passados, apesar das
revelações divinas,
foram modificados
com o passar dos
séculos, onde as
palavras dos homens
se misturaram às
palavras de Deus.
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Ao pé da letra
isso, prega-se sempre o respeito à Os livros sagrados, como o Alcorão, o Torá e a Bíblia, são passíveis
liberdade de escolha. de interpretação. Por conta disso, uma leitura literal e mais radical
Foi desta forma que Alá estabe- do texto pode levar a um sentimento mais exaltado e até mesmo a
leceu os dois princípios que levam ações mais vigorosas.
a paz a toda a humanidade: o bom
caráter ou a boa conduta e a justiça.
Antigo Testamento (Torá)
“Se existir a justiça e a boa conduta
“Quando o Senhor, o seu Deus, entregá-la [a cidade] em suas mãos,
na sociedade, certamente, não have-
matem ao fio da espada todos os homens que nela houver. Mas
rá nenhum problema na sociedade, e
as mulheres, as crianças, os rebanhos e tudo o que acharem na
todos poderão viver em paz e unidos,
mesmo existindo as diferenças cultu- cidade, será de vocês; vocês poderão ficar com os despojos dos seus
rais, religiosas ou de raças”, salienta inimigos dados pelo Senhor, o seu Deus. É assim que vocês tratarão
o Sheik Abdel Hamid Metwally, líder todas as cidades distantes que não pertencem às nações vizinhas de
religioso da Mesquita Brasil. vocês. Contudo, nas cidades das nações que o Senhor, o seu Deus,
dá a vocês por herança, não deixem vivo nenhum ser que respira.”
(Deuteronômio, capítulo 20, versículos 13-16).

Alcorão
“O castigo, para aqueles que lutam contra Deus e contra o Seu
Mensageiro e semeiam a corrupção na terra, é que sejam mortos, ou
crucificados, ou lhes seja decepada a mão e o pé opostos, ou banidos. Tal
será, para eles, um aviltamento nesse mundo e, no outro, sofrerão um
severo castigo” (Surata 5, Al Máida, (“A Mesa Servida”), versículo 33).

Novo Testamento (Bíblia)


“Não pensem que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas
espada. Pois eu vim para fazer que ‘o homem fique contra seu pai, a
filha contra sua mãe, a nora contra sua sogra; os inimigos do homem
serão os da sua própria família’” (Mateus, capítulo 10, versículos 34-36).

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CONVERGÊNCIA

Pontos que
aproximam O Judaísmo, o Cristianismo e
o Islamismo possuem várias
semelhanças entre muitas diferenças

A mais antiga religião monoteísta aspectos comuns: a crença em um Eles acreditam que o menino nas-
do mundo surgiu por volta de XVIII Deus único, o amor como base, as ceu no deserto e que Alá indicou a
a.C.. A doutrina possui a Torá (os cin- ideias de paraíso, inferno, juízo final Maria que comesse do fruto de uma
co primeiros livros da Bíblia) como e regras pré-estabelecidas, além árvore e bebesse da água de um ria-
texto central e realiza seus cultos em da existência de profetas, líderes cho para que as dores do parto fos-
templos chamados de sinagogas. A religiosos, perseguições históricas. sem aliviadas. De acordo com a cren-
maior doutrina religiosa do mundo, Também compartilham de um livro ça muçulmana, Jesus declarou, bem
fundamentada nos ensinamentos sagrado que possui “leis escritas”. E pequeno, aos descrentes da história
de Jesus, o filho de Deus e o messias as semelhanças não param por aí, de sua mãe, que ele era um servo de
profetizado pela Bíblia, que, com o já que existem variados aspectos Alá, que fez dele um profeta – para
Antigo e o Novo Testamento, tem a convergentes entre essas religiões. os muçulmanos, ele não é o filho de
Bíblia como livro sagrado. Deus, mas é um profeta que antece-
O sistema religioso fundado pelo As visões sobre Jesus deu o maior deles, Maomé.
profeta árabe Maomé (Muhammad) Jesus Cristo é a figura base de Outra diferença entre as duas re-
é a religião que mais cresce no mun- uma das principais correntes religio- ligiões consiste no fato que os islâ-
do e prega a crença em Alá e no Islã sas contemporâneas, o Cristianismo. micos consideram Jesus semelhan-
– que significa submissão e obedi- Os Evangelhos Canônicos, textos te a Adão, porque ambos vieram ao
ência às leis e aos planos de Alá. Tal pertencentes ao Novo Testamento, mundo pela vontade divina. A ques-
doutrina tem como guia o Alcorão, narram a história do nascimento do tão de Adão e Eva também é explo-
que seria a palavra final de Deus. messias, segundo a crença cristã, rada pelo Islamismo, que surgiu
As três descrições correspon- com personagens como a Virgem quando o Cristianismo e Judaísmo
dem, respectivamente, ao Judaís- Maria e o anjo Gabriel. E, assim já estavam consolidados. Eles acre-
mo, ao Cristianismo e ao Islamis- como a Bíblia, o Alcorão também ditam na existência do casal, creem
mo. Entre muitas divergências e descreve esses acontecimentos – o que Adão foi o primeiro profeta que
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conflitos, as três doutrinas, que menino Jesus nascendo da virgem e já existiu, é o pai da humanidade e
são as maiores religiões monote- a figura do arcanjo. Mas, na versão que todos os outros (Noé, Salomão,
ístas do mundo, possuem muitos islâmica, não tem manjedoura. Jó, Moisés, Elias, João Batista e Je-
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CONVERGÊNCIA

sus) são seus descendentes.


Entretanto, para eles, a vida
humana não foi um castigo
por causa do fruto proibido.
Aliás, os profetas exercem
um papel fundamental nas três
religiões: eles são os respon-
sáveis por transmitir a palavra
divina. “Todos os mensageiros
e profetas ordenaram as pes-
soas a adorarem ao Deus Úni-
co, sem sócio e sem parceiro,
nunca a adorarem algum deles,
mas somente a Deus. Pois eles
foram os primeiros a adorarem
a Deus”, explica o Sheik Abdel
Hamid Metwally, líder religioso
da Mesquita Brasil.

Abraão, o patriarca
As três doutrinas – o Is-
lamismo, o Cristianismo e o
Judaísmo – possuem um pon-
to comum importante: são
religiões abraâmicas. Abraão
foi um profeta com grande
reconhecimento por ter mos-
trado uma fé inabalável em
Deus. Em decorrência de uma
promessa divina, ele deixou
sua terra e sua família e quase
foi queimado em uma foguei-
ra. Além disso, Deus pediu a
Abraão que ele sacrificasse
seu próprio filho, Ismael, para
comprovar sua devoção. Re-
conhecendo o poder de sua
crença, o criador livrou o pro-
feta dessas situações.
Uma das histórias mais
conhecidas diz respeito aos fi-
lhos de Abraão. Em meados de
1850 a.C., o mercador recebeu
uma mensagem do Senhor
que dizia a ele para migrar
para o oeste junto com sua
esposa. Obedecendo ao que
Deus disse, ele deixou a Me-
sopotâmia (atual Iraque) com
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destino a Canaã, com a promessa sincero e nunca foi idólatra, sempre mé e ficou com ele por décadas du-
de que o Criador teria oferecido a esteve na senda reta” no livro islâmi- rante sua jornada. “Foi a partir deste
Palestina a ele. Durante a trajetória, co, Surata 16, An Nahl (“As Abelhas”), momento que Maomé iniciou sua
Abraão, mesmo sendo um senhor versículo 120. jornada de divulgação da palavra de
de idade avançada, teve dois filhos Deus, originando o Islã, que signifi-
(milagres concedidos por Deus). O anjo mensageiro ca ‘submissão à vontade de Deus’”,
Primeiro, com sua serva Agar, o pri- “E eis que em teu ventre con- completa Eduardo Meinberg de Al-
mogênito Ismael. Depois, com sua ceberás e darás à luz um filho, e buquerque Maranhão Filho, doutor
esposa Sara, Isaac. Desta maneira, por-lhe-ás o nome de Jesus” (Lucas em História pela USP. Junto ao ar-
Ismael se estabeleceu no deserto da 1:31). Foi Gabriel o anjo que apare- canjo, Maomé continuou recitando
Arábia e deu origem a doze filhos – ceu para Maria com o intuito de as palavras divinas até sua morte.
as doze tribos ismaelitas, ancestrais dar a ela a notícia de que estava O Sheik Metwally ressalta que, na
do povo árabe. O outro filho, Isaac, carregando o filho de Deus, segun- religião islâmica, o papel do anjo é ser
teve Esaú e Jacó – dele nasceriam as do a doutrina cristã. Também foi ele o responsável pela entrega da revela-
doze tribos de Israel. quem revelou ao profeta Daniel a ção. “O anjo não é um deus ou uma
Tanto na Bíblia quanto no Alcorão sucessão das potências mundiais divindade. É apenas uma criatura com
encontram-se passagens que exal- e anunciou a Zacarias que ele teria suas funções estabelecidas por Deus,
tam o patriarca. “E farte-ei uma gran- um filho que chamaria João Batista. e é limitada, não interferindo na entre-
de nação, e abençoar-te-ei, e engran- Uma figura tão importante para ga da mensagem nem na alteração de
decerei o teu nome, e tu serás uma o Cristianismo também possui um qualquer item que Deus enviou aos
bênção” (Gn 12:1). “Por certo, Abraão papel de destaque na tradição islâ- profetas e mensageiros. Ele carregou
é o equivalente a uma Nação Com- mica, uma vez que o anjo Gabriel as palavras perfeitas de Deus direta-
pleta, devoto a Deus, monoteísta, revelou o Alcorão ao profeta Mao- mente a essas pessoas”, completa.

Ensinando a conviver
“Alá nos ordena a nos relacionarmos com as No Alcorão, Maomé dirigia-se aos cristãos com
pessoas pacíficas com a gentileza (boa conduta um tratamento muito respeitoso – o livro chama
e bom caráter) e com a equidade (justiça – os adeptos do Judaísmo e do Cristianismo de
devemos ser sempre justos), porque Deus “povos do livro”, já que eles também receberam
aprecia e ama os equitativos (os que fazem a a revelação das escrituras de Deus. Diz-se que
justiça reinar)”. Esse trecho pode ser encontrado o sultão Saladino, um chefe militar árabe,
no Alcorão, na Surata 60, Al Mumtahana (“A costumava se ajoelhar e reverenciar uma igreja
Examinada”), versículo 8. Sendo assim, o livro sempre que passava por uma, uma vez que
sagrado do Islamismo ensina seus seguidores a acreditava que aquele era um lugar simbólico e de
conviver pacificamente com outros povos. grande importância para muitas pessoas.
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Uma
guerra de
séculos
A rivalidade entre árabes
e judeus vem de uma
história antiga, escrita
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em linhas de conflitos
que foram além dos
princípios religiosos
Em meados de 1850 a.C., Abraão, mercador prove-
niente da cidade de Ur, recebeu uma mensagem de
Deus. No chamado, o Senhor dizia a ele para deixar
o lugar onde estava, junto com sua esposa, e migrar
para oeste. Obedecendo ao que Deus disse, ele dei-
xou a Mesopotâmia (que atualmente corresponde ao
Iraque) com destino a Canaã, com a promessa de que
o Criador teria oferecido a Palestina a ele. Desta maneira,
aquele lugar passou a ser a Terra Prometida aos hebreus e,
segundo essa história, os judeus se consideram proprietários
do território. “Os conflitos entre árabes, em verdade palestinos, e judeus têm ori-
gens históricas, antes de Cristo”, ressalta Claudio Di Mauro, diretor do Institu-
to de Geografia da UFU. Isso porque, remontando à história de Abraão,
temos uma visão bíblica da origem do conflito.
Entretanto, segundo registros históricos, a área da Pales-
tina era povoada por cananeus e filisteus, e fora do-
minada por diversos povos no
Testo: Gabriele Alves/colaboradora
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decorrer dos tempos. As crenças ára- Foi no final do século XlX que sur-
bes e judias se diferenciam, sendo Alá giu um movimento essencial para
o deus dos primeiros, como diz o Al- compreender a disputa entre árabes
corão. Por esse motivo, o povo árabe e judeus: o sionismo. Os sionistas
não reconhece como legítima a posse querem a criação de um Estado inde-
do território por parte dos judeus, que pendente e soberano para os judeus,
acreditam ter o herdado do seu deus. depois de diversas diásporas que os
“Assim é que os judeus reivindicam a espalharam pelo mundo. Esse movi-
terra, alegando que lhes pertence por mento ganhou muita força e, naquele Mar
doação de Deus ao seu patriarca, e os período, a Palestina se encontrava sob Mediterrâneo
árabes alegam que a posse da terra o poder do Império Otomano, sendo

Vale do Rio Jordão


era mantida pelos cananeus, antes ocupada por árabes e muçulmanos.
mesmo de tal doação. Fica claro que Com o incentivo dos sionistas à imi- CISJORDÂNIA
os conflitos são originários da luta gração para a Terra Santa, os judeus
pela soberania e propriedade das ter- voltaram para lá, fato que começou
ras”, observa Claudio. a gerar diversos enfrentamentos das
populações locais. JERUSALÉM
Além da Bíblia

o
Mar Mort
“Voltando a um passado longín- Intervenção da ONU
quo, poderíamos dizer que a origem No cenário pós-Segunda Guerra FAIXA
do conflito se remete a antiguidade Mundial, no qual o mundo estava DE GAZA
e envolve a expulsão dos judeus do ciente do holocausto, o massacre de
território palestino pelos romanos, o mais de seis milhões de judeus, hou-
que originou a conhecida diáspora ve uma pressão para que a Inglaterra
no século VII, com a expansão islâ- renunciasse ao território. Desde o mo-
ISRAEL
mica e a ocupação do território pelos vimento sionista até o final da grande
árabes”, afirma Karl Schurster, profes- guerra, cerca de 600 mil judeus se
sor de História Contemporânea da estabeleceram na região da Palestina.
Universidade Federal de Pernambu- E, em 1945, os países árabes se organi-
co. Os judeus haviam conquistado a zaram e se uniram para formar a Liga
região da Palestina por volta de 1200 Árabe. Foi então que entrou em cena
a.C., mas, depois de diversas inva- a ONU (Organização das Nações
sões, foram expulsos dali pelos ro- Unidas) e sua proposta, em 1947.
manos, e, desde então, existe a ideia De acordo com Thiago, a ONU
de regressar para aquele lugar. propôs a partilha do território da Pa-

Território disputado
A Palestina está localizada entre o Mar Mediterrâneo e cristãos acreditam que morreu Maria, mãe de Jesus.
o vale do Rio Jordão, e engloba, atualmente, junto com É em Jerusalém que se encontra a construção em que
o Estado da Palestina, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. pode ter sido feita a última ceia de Cristo, além do
Essa área é privilegiada por ser um acesso estratégico Muro das Lamentações, uma parte do antigo Templo
entre a Ásia e a África, além de ser próximo da Europa. de Salomão. É também o local onde está a tumba
Considerado um local santo para judeus, muçulmanos do Rei Davi e a Mesquita de Omar, lugar do Domo
e cristãos, a cidade de Jerusalém, que fica nessa região, da Rocha, onde o profeta Maomé ascendeu ao céu,
marcou a história dessas religiões. É lá que se encontra após morrer. Desta maneira, não há como dizer que a
o Monte Sião, local onde está a igreja em que os Palestina não é a Terra Santa.
INÊS 249

QUESTÃO PALESTINA

lestina em dois Estados, um judeu e terras que possuem 60% no deserto


o outro árabe. “A decisão foi aceita de Negev. “Essa proposta da ONU
pela maior parte dos líderes sionistas, foi muito questionada tendo em vis-
embora outras organizações judaicas ta um princípio jurídico fundamental
desejassem todo o território. Por ou- que é a autodeterminação dos povos,
tro lado, a Liga Árabe não aceitou o afinal, os palestinos consideram indis-
plano de partilha, pois a ONU deixava pensável o retorno em relação às áre-
a maior parte do território para a mi- as das quais foram expulsos”, assinala.
noria judaica. Desta maneira, eclodiu O geógrafo explica que outra di-
um conflito armado entre os países ficuldade é o fato de que tanto os
árabes e os judeus”, observa. Nesse árabes quanto os judeus reivindicam
plano, a cidade de Jerusalém foi colo- as áreas onde se localizam seus mo-
cada como uma cidade internacional, numentos sagrados. “Estes são alguns
um “corpus separatum”, para que fos- dos motivos originais pelos quais não
se neutra e administrada pela ONU, se resolve o impasse. Mas, as questões
isso pelo fato da importância desse que afetam os ‘campos’ petrolíferos e
local para árabes e judeus. a disponibilidade hídrica também são
Claudio Di Mauro ainda ressalta fatores decisivos”, afirma. Essa repulsa
que, para os palestinos, seriam dados à proposta da ONU marcaria o início
45% da área total da Palestina e, para de várias guerras na história da dispu-
os judeus, seriam oferecidas 55% das ta pelo território da Palestina.

A divisão no pós-guerra
A Primeira Guerra Mundial trouxe o fim dos grandes impérios, dentre eles
o Império Otomano, além do fato de redesenhar o Oriente Médio. A Liga
das Nações definiu que o Reino Unido administraria a Palestina e também
o Iraque e a Jordânia. A França ficou responsável pelos atuais territórios
da Síria e do Líbano. Os britânicos fizeram diversas promessas aos povos,
e em um episódio conhecido como Declaração Balfour, feita por Arthur
James Balfour, o secretário britânico dos Assuntos Estrangeiros chegou a
falar em um “lar nacional” judeu. Segundo Thiago Magella, historiador
e mestre pela Universidade Federal Fluminense (UFF), esse clima de
reivindicação sionista, somado aos desejos palestinos e ao conjunto de
Tanto árabes interesses das potências europeias na região, criou um turbilhão de causas
para o enfrentamento entre judeus e árabes.
quanto judeus
reivindicam áreas
Fotos: iStock.com/Getty Images

LÍBANO
onde se localizam SÍRIA
seus monumentos
sagrados. Campos
IRAQUE
petrolíferos e
disponibilidade PALESTIN A

hídrica também JORDÂNIA


França: Síria e Líbano
são fatores decisivos Reino unido: Palestina, Iraque e Jordânia
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Um cenário de guerras que marcaram a história

GUERRA DE SUEZ
Avião sendo preparado
para o conflito
O ESTADO DE ISRAEL A guerra do canal de Suez (1956)
Ben Gurion (à esquerda), assinando
Não tardou para que o clima entre o recém-criado Estado de
a Declaração de Independência
Israel e alguns países árabes esquentasse novamente. O confli-
O primeiro grande conflito (1948-1949) to dessa vez teve início com Israel declarando guerra ao Egito.
No dia 14 de maio de 1948, David Ben Gurion, Na época, o líder egípcio que chegara ao poder, Gamal Abdel
líder do Movimento Sionista Mundial e presidente Nasser, tinha um projeto de medidas que incluía o fechamento
da Agência Nacional Palestina, anunciou a criação do porto de Eliat, única saída israelense para o Mar Vermelho e
de um território oficial judeu, o Estado de Israel, in- a nacionalização do canal de Suez. O canal era importante por
dependente dos britânicos. “A situação se agravaria ligar o Mar Mediterrâneo ao Vermelho, além de interligar os con-
ainda mais com surgimento do Estado de Israel no tinentes europeu e asiático.
pós-Segunda Guerra Mundial, pois os palestinos As iniciativas de caráter nacionalista incomodaram, e muito,
não aceitaram tamanha arbitrariedade. O conflito, Israel, que perdeu a chance de irrigação de seu deserto e teve
então, deixava de ser local para se tornar regional. impedido o contato com o mar. Apoiado pela França e pela In-
Egito, Jordânia, Síria e Iraque atacariam Israel. Co- glaterra, o governo israelense ordenou o ataque à península do
meçava a Nakba, palavra árabe para ‘destruição’ ou Sinai, que pertencia ao Egito, enquanto os países do ocidente
‘catástrofe’: 750 mil palestinos fugiram ou foram ex- encarregaram-se de atacar a cidade de Porto Said, entrada do
pulsos pelas tropas israelenses”, afirma Thiago. canal de Suez, em 29 de outubro de 1956.
Com a criação desse Estado independente e a Com o ataque, Israel conseguiu liberar o porto de Eliat e der-
desocupação das tropas britânicas, no dia seguin- rotou o Egito, e a guerra chegaria ao fim em duas semanas. No
te, 15 de maio, a guerra começou entre Israel e a ano desse conflito, a hegemonia mundial era disputada por Esta-
Liga Árabe, que, na ocasião, englobava Egito, Síria, dos Unidos e União Soviética, e o conflito entre Israel e Egito não
Imagens: iStock.com/Getty Images, Royal Navy e USN/Wikimedia Commons

Iraque, Jordânia, Líbano e Arábia Saudita. Esse con- passou despercebido por essas grandes potências. Os egípcios
fronto, que ficou conhecido como Guerra da Inde- foram apoiados pelos soviéticos, que ameaçavam um ataque nu-
pendência, foi vencido por Israel que, com o apoio clear aos países do ocidente envolvidos, caso Israel não retirasse
dos Estados Unidos, derrotou a liga e aumentou suas tropas do território egípcio. A essa altura, a ONU já tinha
suas áreas dominadas no território da Palestina. exigido a retirada das tropas temendo um ataque nuclear, já que
O cessar-fogo só veio com o Armistício israelo- a União Soviética era possuidora desse tipo de armamento. Os
-árabe, em 1949. O conflito culminou ainda no au- Estados Unidos pressionaram também Israel e, em 6 de novem-
mento de refugiados palestinos que ficaram sem bro daquele ano, os israelitas, assim como franceses e ingleses,
região e tiveram que abrigar-se em outros países retiraram-se do território egípcio.
da Liga Árabe. Depois dessa guerra, dois territórios Entre as consequências desse conflito, destaca-se a Crise do
que fazem fronteira com Israel foram atribuídos ao Petróleo, em 1973. Países árabes produtores de petróleo restrin-
poder de estados da liga: a Faixa de Gaza ficou sob giram a venda de seus barris para os países que haviam apoiado
o poder do Egito, e a Jordânia incorporou terras a seu rival Israel. O preço do recurso foi elevado e gerou uma crise
oeste do rio Jordão, criando a Cisjordânia. ao sistema capitalista na época.
INÊS 249

QUESTÃO PALESTINA

SEIS DIAS
Alguns navios
americanos
danificados pelas
forças israelenses

YOM KIPPUR
Soldados egípcios
hasteiam sua bandeira
na região de Suez

Guerra dos Seis Dias (1967)


Iniciada em julho de 1967, a guerra foi motivada pelo
clima de tensão que se estabeleceu desde a Guerra de
Suez. Além disso, os países árabes ficaram desagradados
com a humilhação dos dois últimos conflitos e com a
postura superior de Israel. Algumas iniciativas contribu-
íram ainda mais para que o governo israelense, mesmo
isolado, atacasse primeiro e iniciasse um combate em
seis dias: o bloqueio ao estreito de Tirã, que permitia o
acesso de Israel ao Oceano Índico, foi realizado pelas tro-
pas do Egito, e a Síria enviou seu exército para as Colinas
de Golã, região fronteiriça ao território israelense.
Observando a movimentação dos países árabes e com
apoio dos EUA, Israel promoveu um ataque preventivo. Guerra de Yom Kippur (1973)
Em 5 de junho de 1967, pelos ares, atacou as bases aére- Era 6 de outubro de 1973, feriado de Yom Kippur, uma
as do Egito e da Síria destruindo os aeroportos militares. data dedicada pelos judeus ao perdão. Ao ultrapassarem
Aproximadamente dois terços dos 450 aviões egípcios as fronteiras das Colinas de Golã e da Península do Sinai,
ficaram destruídos, e os que sobraram ficaram impos- Síria e Egito não estavam dispostos a lembrar da impor-
Imagens: iStock.com/Getty Images, Royal Navy e USN/Wikimedia Commons

sibilitados de levantar voo. Mesmo com Kuwait, Arábia tância da comemoração para os judeus. Com suas tropas,
Saudita, Argélia e Sudão apoiando Síria, Egito, Líbano e surpreenderam o governo de Israel, atacaram os postos
Jordânia, o país que ainda não havia completado duas militares que protegiam a região de Suez e estavam bus-
décadas não se intimidou e avançou tomando a Faixa de cando recuperar os territórios perdidos com a Guerra dos
Gaza, as Colinas de Golã na Síria, e a Península do Sinai, Seis Dias. Era o início de um novo conflito.
impondo, assim, sua capacidade militar. Os países que atacaram primeiro tiveram a oportu-
De acordo com Claudio Di Mauro, com a Guerra dos nidade de dominar regiões e provocar algumas baixas
Seis Dias e a conquista de todos esses territórios, ficou no exército israelense. Mas não demorou para Israel se
evidente a imensa superioridade bélica de Israel. “Foram recompor e apresentar, mais uma vez, sua força bélica,
expulsos e refugiados cerca de 1,6 milhões de palestinos. entrando nos territórios protegidos pelos inimigos. Israel
A ONU tentou intervir nos conflitos, mas não conseguiu bombardeou Damasco, capital da Síria, e pôs fim ao con-
que Israel devolvesse os territórios conquistados pela flito vinte dias depois. Como o contexto mundial era de
ação das armas”, comenta. Israel saiu vitorioso enquanto Guerra Fria, houve apoio estadunidense a Israel, enquan-
os países árabes foram massacrados. to a União Soviética seguia ao lado dos países árabes.
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Organização para Uma guerra sem fim lestina por meio da violência e a luta
Libertação da Palestina (OLP) No governo de Arafat, o Acordo de armada contra os israelenses. Esses
Depois de tantas batalhas, Israel só Oslo, mediado pelos EUA, foi um fato grupos palestinos seguem divididos.
devolveu o Sinai para o Egito no ano marcante, em 1993. O representante Para alcançar seus objetivos, o
de 1979, após assinar um acordo de palestino assinou um tratado com o Hamas tem construído túneis sub-
paz. Embora grandes guerras como as líder israelense, Yitzhak Rabin, reco- terrâneos para chegar até o territó-
anteriores não mais acontecessem, os nhecendo o Estado de Israel e dando rio israelita, além de praticar ataques
pequeno confrontos seguiram, prin- à Autoridade Palestina a autonomia constantes de bombas e foguetes.
cipalmente depois que Israel tomou sob as Faixas de Gaza e Cisjordânia. Israel também organiza várias ofen-
conta do território de maioria árabe. Porém, o acordo foi rompido com a sivas e ambos os confrontos somam
Uma organização que represen- Segunda Intifada. A região da Cisjor- centenas de mortos e feridos. Karl
tasse o povo palestino depois que dânia ficou sob controle de Al Fatah, esclarece que, mais que sintetizar o
Israel apresentou-se invencível foi comando por Mahmud Abbas, su- conflito em torno de israelenses e
então criada. A Organização para cessor de Yasser Arafat. Contudo, em palestinos, vale praticar um diálogo
Libertação da Palestina (OLP) seria a 2006, eleições democráticas levaram com Líbano, Síria, Jordânia, Egito e
entidade política disposta a lutar pela o grupo terrorista Hamas ao poder na todos os demais envolvidos na ge-
unidade integral do território da Pa- Faixa de Gaza. Enquanto Fatah defen- opolítica do caos dos conflitos de
lestina e requerer o retorno dos pa- de a criação de um Estado Palestino longa duração. “Todos os grupos ter-
lestinos às terras ocupadas por Israel. e um Israelita, o Hamas não admite a roristas identificados pela imprensa
Porém, ela contaria com o apoio de existência de Israel, e defende a cons- internacional são fundamentais na
facções terroristas, como a Al Fatah, trução da unidade do território da Pa- desestabilização política da região,
criada pelo líder Yasser Arafat.
O historiador Karl Schurster ex-
plica que, em sua origem, Al Fatah
chegou a ser considerado um movi-
mento guerrilheiro, mas hoje repre-
senta a maior facção que compõe a
OLP. “Arafat foi um líder de grande
oratória com capacidade de aglu-
tinar pessoas para a militância do
Fatah e da causa palestina. Ele pre-
senciou todas as guerras desde 1948,
além da Primeira Intifada em 1987 e
Imagens: iStock.com/Getty Images e Wikimedia Commons

a da Segunda Intifada em 2000 (ver


box). Morreu afirmando que dessas
desastrosas guerras que presenciara,
sairia como uma fênix uma Palestina
árabe livre”, conta Karl. O líder ainda
sobreviveu a muitos ataques, e rece- ACORDO DE OSLO
beu por parte da ONU e de outros Foto histórica em que Yitzhak Rabin, líder israelense, aperta a mão de
60 países, o reconhecimento da OLP Arafat, líder palestino. Ao centro, o presidente dos EUA, Bill Clinton, como
como legítima representante do mediador do acordo
povo palestino. Ele presidiu a organi-
zação até sua morte, em 2004.
INÊS 249

QUESTÃO PALESTINA

mas que não podem ser esquecidos ou dei-


xados de lado para podermos pensar num Conheça as regiões mais
equilíbrio que possa levar a paz”, comenta. disputadas ao longo do
O historiador ainda ressalta que há confilto
uma discussão bastante problemática ao
pensarmos que Israel deveria, nesse sen- COLINAS
tido, sentar-se à mesa de negociação para DE GOLÃ
tratar de política com um grupo que se uti- MAR MEDITERRÂNEO
SÍRIA
liza sistematicamente do terror como arti-

DÂNIA
fício para justamente subtraí-la. “Por outro
lado, o Israel não enfrenta de forma clara e

CISJOR
direta o problema dos assentamentos nas
FAIXA
fronteiras, e amplia o cultivo do ódio por DE GAZA MAR MORTO
parte da população palestina, que vê seu
território sendo ocupado ainda mais pelos
israelenses”, finaliza. ISRAEL
CANAL JORDÂNIA
Em julho de 2014, o confronto entre Ha- DE SUEZ
mas e Israel, na Faixa de Gaza, voltou a se
intensificar depois que três adolescentes is-
PENÍNSULA
raelenses morreram. Israel acusou o Hamas DO SINAI PORTO
pelas mortes e novos ataques voltaram a DE ELIAT
acontecer. Aproximadamente dois mil pa-
lestinos e setenta israelenses mortos em
um conflito que levanta mais uma vez a ve-
lha questão: quando essa guerra irá acabar? ARÁBIA
EGITO SAUDITA
ESTREITO
As Intifadas DE TIRAN
• Faixa de Gaza - Porção de terra palestina a oeste de
A Primeira Intifada foi um levante Israel, que faz fronteira também com o Egito. Habitada por
palestino contra o domínio israelense aproximadamente um milhão e meio de pessoas, a maioria
em áreas reivindicadas pelo povo pobres, ficou sob o controle israelense até o ano de 2005,
árabe, já no final de 1987. Foram quando foi entregue para integrar o Estado da Palestina.
manifestações que duraram até a Parte do território é controlado pelo grupo islâmico Hamas.
assinatura do Acordo de Oslo, em • Colinas de Golã - Com recursos hídricos em abundância,
1993, e cujas armas em mãos dos pertencia à Síria, mas foi anexada por Israel após a Guerra
palestinos eram paus e pedras. Já a dos Seis Dias.
Segunda Intifada rompeu com esse • Península do Sinai - Região montanhosa do Egito rica em
Imagens: iStock.com/Getty Images e Wikimedia Commons

mesmo acordo nos anos 2000 e foi ouro e poços subterrâneos de petróleo.
caracterizada por um conjunto de • Canal de Suez - Área de 163 quilômetros de extensão
acontecimentos vindos de Israel que que interliga os mares Vermelho e Mediterrâneo. É uma via
desagradaram os palestinos. Entre os marítima importante, pois permite o tráfego de navios entre
problemas estavam os impasses na Europa e Ásia.
retirada do exército israelense do sul • Estreito de Tiran - É a via que permite acesso de Israel ao
do Líbano e também os acordos de Mar Vermelho. Está localizado entre Arábia Saudita e Egito.
Camp David (2000) e a Conferência • Porto de Eliat - É o porto israelense de grande importância
de Taba (2001). para o comércio com outros países da região.
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DIFERENTES

Para chamar de sua


De Maradona ao espaguete:
conheça algumas religiões bastante
peculiares ao redor do mundo
Igreja Maradoniana Igreja do Movimento
O nome já indica: o ex-jogador do Prince Philip
de futebol Diego Maradona é a A tribo Yaohnanen, que
figura principal da Igreja Marado- vive no sul da ilha de Tan-
niana, fundada na cidade argentina na, em Vanuatu acredita
de Rosário. A idolatria ao craque é que o príncipe Philip, du-
tamanha que ele é visto como uma que de Edimburgo e ma-
figura divina pelos seus 500 mil rido da rainha Elizabeth
seguidores espalhados em todo o II, é um ser divino e filho
mundo. Além da Argentina, há fieis de um espírito da mon-
na Espanha, Japão, Peru, México, Es- tanha localizada no local.
tados Unidos e até no Brasil. Eles se baseiam em lendas
A “religião” foi criada no dia 30 antigas, em que o filho de
de outubro de 1998, dia do 38º ani- um espírito da montanha
versário de Maradona, por dois fãs viajou sobre o mar em
do jogador que queriam celebrar a direção a terras distantes,
data de uma maneira especial. Des- casou-se com uma mulher
de então, o “Natal” dos maradonia- muito poderosa e voltou
nos acontece justamente no dia do no tempo.
nascimento do jogador. A partir desse relato, os
Assim como toda religião, esta tem aldeões da ilha supuseram
suas peculiaridades. Os anos são con- que o duque era um deus
tados como a.D. e d.D. (antes de Diego por causa do tratamento
e depois de Diego), sendo 1960 o ano recebido pela detentora
zero. Ao se referirem a Maradona, os do trono inglês – e logo
seguidores devem escrever com uma acreditaram ser a tal “mu-
grafia especial, D10S, uma referência à lher poderosa”. Em 1950,
palavra deus em espanhol e o núme- iniciou-se um movimento
ro da camisa que consagrou o craque. em torno da figura divi-
Para louvar o jogador, existem orações na de Philip, que ganhou
e até dez mandamentos próprios, ainda mais força quando
como amar ao futebol sobre todas as o casal real visitou o país
ISTOCK.COM/GETTY IMAGES

coisas, declarar amor incondicional em 1974. O príncipe che-


a Maradona e ao bom futebol e car- gou a conhecer a tribo e
regar Diego como segundo nome e até trocou presentes com
usá-lo para batizar o filho. seus “fieis”.
INÊS 249

DIFERENTES

Pastafarismo
Você já pensou em cultu-
Woodismo ar um espaguete como deus?
Ed Wood foi um diretor norte-ame- Então, o Pastafarismo ou Pas-
ricano de filmes que ficou conhecido tafarianismo é a sua religião. O
como o “pior cineasta de todos os tem- nome foi elaborado a partir da
pos”. Isso porque ele sempre dispunha junção das palavras pasta (ma-
de poucos recursos para criar suas pro- carrão, em inglês) e rastafári, o
duções e era obrigado a fazer efeitos movimento religioso jamaicano. Mas o prin-
especiais bizarros ou até mesmo utilizar cipal ponto é o motivo de sua criação.
trechos de outros filmes para dar sequ- Em 2005, o norte-americano Bobby Henderson se revol-
ência às suas obras. Com o passar do tou contra uma decisão do conselho educacional de uma
tempo, Wood se tornou uma figura cult escola na cidade de Dover, no estado da Pensilvânia. Os
e ganhou admiradores em todo o mun- professores de ciências foram obrigados a ensinar o cria-
do – alguns, inclusive, decidiram cultuar cionismo cristão como uma alternativa à teoria científica
sua imagem. Os seguidores da Igreja de da evolução. Em resposta, Henderson enviou uma carta
Ed Wood não possuem grandes preten- ao conselho de educação do Kansas. Nela, o homem dizia
sões, mas acreditam que possam levar acreditar em um criador sobrenatural chamado Monstro de
espiritualidade para as pessoas que não Espaguete Voador, formado por espaguete e almôndegas,
a encontram nas religiões mais conhe- e também pedia que o Pastafarianismo fosse igualmente
cidas. Além disso, Wood é visto como ensinado nas aulas.
um salvador, mas não o principal ou o Algumas pessoas encararam o protesto de Henderson
único. Os princípios da religião incluem como a tentativa real de criação de uma nova religião, o
a defesa da moral e dos ideais do dire- que atraiu pessoas de todo o mundo para conhecer mais
tor, que prega a mensagem de compre- sobre o deus de espaguete. No entanto, o próprio fundador
ensão total e aceitação. reconhece que o protesto ganhou uma grande repercussão,
mas que deve ser encarada como uma crítica.
História em Foco - História das Religiões,
Ano 5 - nº 8 - 2017

COORDENADORA DE REVISTAS DIGITAIS Hérica Rodrigues ([email protected])


REDAÇÃO Ana Carvalho ([email protected]), Ana Kubata ([email protected]),
Fernanda Villas Bôas ([email protected]) e Gabrielle Aguiar ([email protected])
DESIGN Eugênio Tonon ([email protected]) e Roberta Lourenço ([email protected])
MARKETING DIGITAL Marcelo Monico ([email protected])

Conteúdo produzido e publicado originalmente na revista: História em Foco - História das Religiões, Ano 5, nº8 - 2017 ©2024 EDITORA
ALTO ASTRAL LTDA. TODOS
Ano 2, Nº 17 DIREÇÃO João Carlos de Almeida e Pedro José Chiquito CONTATO [email protected] OS DIREITOS RESERVADOS.
ENDEREÇO Rua Joaquim Anacleto Bueno, 1-70, Setor M83 - Jardim Contorno, Bauru - SP - CEP: 17047-281 PROIBIDA A REPRODUÇÃO.
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