Artigo - Histeria

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A SUPOSTA BUSCA POR RESPOSTAS:

ESTRUTURA CLÍNICA DA HISTERIA

MICAELLEM MYSLA ROSA LEMOS

RESUMO
O artigo apresentado é a construção de um caso clínico de uma paciente
atendida por estagiária do curso de psicologia do 9º período. Os atendimentos
foram realizados dentro da teoria psicanalítica, fez-se a articulação da escrita
de acordo com as contribuições de Freud e Lacan. Nos atendimentos
realizados foi possível pensar em uma hipótese diagnóstica de uma estrutura
clínica da neurose histérica e algumas das perguntas que o sujeito desta
estrutura vai supostamente buscar respostas, diante da escuta de uma jovem
de vinte e quatros anos. Ademais, foi possível a reflexão sobre a histeria nos
dias de hoje para além dos sintomas conversivos e a importância da análise
pessoal, supervisão e estudos para se realizar os atendimentos através da
abordagem psicanalítica.
Palavras-chaves: Psicanálise, estrutura, histeria.

ABSTRACT
The article presented is the construction of a clinical case of a patient attended
by an intern of the psychology course of the 9th period. The consultations were
carried out within the psychoanalytic theory, articulating the writing according to
the contributions of Freud and Lacan. In the consultations carried out, it was
possible to think of a diagnostic hypothesis of a clinical structure of hysterical
neurosis and some of the questions that the subject of this structure will
supposedly seek answers, before listening to a young woman of twenty and
four Years. In addition, it was possible to reflect on hysteria today beyond the
conversion symptoms and the importance of personal analysis, supervision and
study to perform the care through the psychoanalytic approach.
Keywords: Psychoanalysis, structure, hysteria.
1. INTRODUÇÃO
No nono período do curso de Psicologia da Faculdade Anhanguera de
Betim/MG no primeiro semestre de 2023 foi realizado o Estágio Específico Il na
abordagem da psicanálise e para conclusão desse estágio, ao final do
semestre é preciso que o estagiário escolha um dos casos que realizou os
atendimentos para fazer uma articulação da teoria com o caso.
O caso clínico apresentado no presente trabalho foi realizado durante
atendimentos clínicos na Clínica Escola de Psicologia da Faculdade
Anhanguera em encontros semanais de 50 minutos que totalizaram seis
atendimentos da paciente Emma, até o momento da escrita do artigo.
Para realização dos atendimentos de Emma a estagiária buscou utilizar
da teoria da psicanálise em que a paciente foi convidada a falar livremente.
Além disso, foi pensado durante os atendimentos em uma hipótese diagnóstica
de uma estrutura clínica como Lacan propôs em sua teoria, ou seja, como o
sujeito irá se posicionar diante da castração dele e do Outro. No presente
trabalho, pode-se pensar mais especificamente na neurose histérica.
Ademais, faz-se necessário citar que a neurose histérica, é mais
prevalente em mulheres, mas que existem também homens que se constituem
em uma neurose histérica. Para além disso, faz-se necessário pensar nas
novas formas de sintomas que se apresentam na clínica hoje, para além de
sintomas de conversão, sintomas que dizem do contexto social e histórico em
que as pessoas estão inseridas também.
Portanto, esse artigo vai buscar mostrar um pouco mais sobre a
estrutura da neurose histérica e sobre a insatisfação presente nesta estrutura
como uma suposta busca de saber sobre algumas questões fundamentais que
se farão presentes na constituição da histeria, como a busca por saber o que
desejar, quem desejar, o que os homens buscam em uma mulher, o que as
mulheres buscam nos homens e o que é uma mulher.
2. DESCRIÇÃO DO TRABALHO
2.1 ESTRUTURA CLÍNICA

Lacan (1955) vai trazer no livro 3 a noção de estruturas clínicas, como


uma forma de pensar o sujeito para além do fenômeno que se apresenta e sim
através da forma em que esse sujeito irá se estruturar. Logo, pode-se pensar
em psicanálise a noção de três estrutura clínicas reconhecidas, sendo elas a
neurose, psicose e perversão e que o sujeito irá fazer parte de uma estrutura
ainda antes de nascer:
De fato, o ser humano faz parte de uma estrutura ainda antes
de nascer, uma vez que ninguém chega no vazio. Em relação
aos pais, à família, à cultura, já existe um certo lugar reservado
para a criança que ainda não nasceu, ela já tem o seu lugar
marcado. Isso significa que a vida de um indivíduo tem suas
determinações fora dele, determinações anteriores e exteriores
a ele. A essa estrutura na qual todo ser humano se insere, a
essa estrutura externa ao sujeito e que o determina, chamamos
em psicanálise de Outro (A). (PALONSKY, CINTIA, 1997, p.
17).

Além disso, esse Outro pode ser encarnado em cada momento por algo
que pode ser uma pessoa ou a religião, por exemplo e deve pensar nesse
Outro como referência, uma vez que é um lugar de estrutura e interessa muito
como posição. Ademais, é importante pensar que não existe estrutura sem
falha e a essa falha Lacan (1957) chamará de castração como uma dimensão
imaginária, simbólica diferente do que Freud dizia da inveja do pênis, e aparece
para o sujeito como essa noção de que algo falta. E devido a suposição do
sujeito de uma estrutura completa, o falo seria o que completaria a estrutura,
que supostamente falta. (PALONSKY, CINTIA, 1997, p. 18).
Portanto, quando se fala de estrutura em psicanálise, se diz sobre “a
maneira como o sujeito se posiciona frente à castração do Outro e à sua
própria” (p.19) e se atentar a estrutura do sujeito é muito importante para a
escuta psicanalítica e para a condução do caso do analista, como no estudo de
caso apresentado, foi importante que estagiária se atentasse a esses
conceitos, o que fez com que pensasse em uma hipótese diagnóstica de uma
neurose histérica. E o que seria essa neurose histérica?
2.2 ESTRUTURA CLÍNICA DA NEUROSE DE HISTERIA

Para se falar da estrutura clínica da histeria, se diz também do início da


psicanálise, uma vez que Freud, o pai da psicanálise, iniciou seus estudos
através da compreensão dos sintomas das histéricas, sintomas esses que
eram um enigma para a medicina e colocava em xeque o próprio saber médico.
Um exemplo disso foram as paralisias, mutismos, anestesias e tosses sentidas
por pacientes que Freud irá relatar em seu livro, como Elisabeth von N., Dora,
Anna O. que não possuíam causas orgânicas conhecidas para seus sintomas.
Diante disso, Freud e Josef Breuer realizaram diversos estudos sobre
essas pacientes e publicou o livro “Estudos sobre a Histeria” (1895) em que
eles tentavam encontrar as causas dos sofrimentos dessas diversas mulheres
acometidas por essa doença na época, classificaram que esses sintomas
seriam devido a uma intensa carga de afeto que elas não podiam vivenciar, por
alguma razão -sejam pelo incesto ou as proibições da época impostos ao
desejo da mulher- ficava bloqueado de se tornar consciente e retornava como
conversão física. (FREUD, 1895).
Entretanto, a histeria não pode ser pensada, assim como as outras
estruturas também, sem o contexto histórico e cultural da época em que se
apresentam. No caso da histeria, Lacan convida os psicanalistas a pensar nas
manifestações na atualidade:

Por onde andarão as histéricas de outrora, essas mulheres


maravilhosas, as Anna O.; as Emmy von N.? Elas
representavam não apenas um certo papel, mas um papel
social certo. Quando Freud se pôs a escutá-las, foram elas que
permitiram o nascimento da psicanálise. Foi a partir de sua
escuta que Freud inaugurou um modo inteiramente novo de
relação humana. O que substitui hoje estes sintomas histéricos
de outrora? A histeria não se deslocou, no campo social? A
maluquice psicanalítica não a teria substituído?
(LACAN,1977/2007, p. 17).

Logo, pensar nas histéricas de hoje é pensar na modernidade em que


reina outros ideais como o ideal de corpo perfeito, das cirurgias plásticas,
exercícios físicos em excesso e dietas mirabolantes, ideais esses que se
tornam mais prevalentes com as redes sociais e mídias. Sendo assim deve-se
escutar as mulheres que chegam à clínica, não pensando somente nos
sintomas conversões como na época de Freud, mas com outras formas de
sintoma, com isso Cintia (1997) vai alertar:
Essa digamos mutabilidade na forma como os sintomas se
apresentam é um dos indicadores de que a definição de uma
estrutura clínica não pode ser feita com referência a um certo
tipo de sintoma. Muito embora possamos falar de “sintomas
histéricos”, é importante reafirmar que os sintomas em si, não
caracterizam uma estrutura, mesmo porque um dado sintoma
pode aparecer em qualquer estrutura. O reconhecimento de
uma estrutura clínica requer um outro referencial. O conceito
central em torno do qual vai girar a possibilidade de um
diagnóstico diferencial em termos de estrutura clínica é o
conceito de castração (PALONSKY, CINTIA, 1997, p.31).

Sendo assim, faz-se necessário entender como vai se se constituir a


estrutura histérica? Como é o sujeito histérico frente a castração do Outro e
dele mesmo? Quais perguntas as histéricas vão buscar supostamente saber?
Antes de mais nada, é importante dizer que a histeria é uma neurose e
assim sendo, o recalque da castração do Outro é que vai defini-la e vai manter
esse Outro como não-castrado, uma vez que pensar nesse sujeito castrado
produziria angústia ao sujeito e leva para ele a castração. Para além disso, o
sujeito da neurose vai recalcar que esse outro foi castrado e esse recalque da
castração do Outro que será um dos mecanismos da histeria. (PALONSKY,
CINTIA, 1997).
Para além disso, Cintia (1997) vai dizer que existe algumas condições
de estrutura em relação à histeria que irá produzir o aparecimento de questões
fundamentais que vai fazer com que as histéricas suspostamente vão buscar
respostas. E essas três questões estariam ligadas a três fatores importantes,
que são:
 a ausência de um objeto sexual fixo, previamente determinado,
sendo o que Freud trouxe no seu livro “Três ensaios sobre a teoria da
sexualidade” (1905) que o conceito de pulsão deveria ser usado no lugar de
instinto, o que diz de que nada existe para indicar qual o objeto da satisfação
sexual, logo não há nada que vai indicar o que desejar. Sendo uma das
perguntas fundamentais das histéricas. O que desejar? (PALONSKY, CINTIA,
1997, p. 34).
 outra questão fundamental para a histérica é a estrutura do desejo
como desejo que está sempre mediatizado pelo desejo do Outro, uma vez que
quando a criança nasce ela é o tudo da mãe, se percebendo como sendo tudo
que a mãe deseja. Entretanto, acontece em certo momento, o abalo disso e o
sujeito se percebe como não sendo esse tudo da mãe e entra o pai, indicando
que o desejo da mãe está referido para outra ordem e se pergunta o que essa
mãe realmente deseja e ela vai se dar conta de que o que a mãe deseja é o
desejo do pai e o que o pai deseja é o desejo da mãe. Sendo assim, o desejo
de um Outro (PALONSKY, CINTIA, 1997, p. 36).
 Por fim, a ausência de complementaridade entre os sexos, sendo
o que Freud vai dizer sobre o mito que a criança acredita que todos possuem
pênis, mas que acaba aparecendo a ela a possibilidade que há seres sem
pênis e essa falta vai constituir a base da diferença entre os sexos que
Lacan(1957) usa desse mito de Freud para dizer do que aparece para a
criança como sendo o ter o pênis ou não ter, ficando o homem no lugar dos que
têm o falo e a mulher de que não o têm, o que Lacan diz que fará com que se
criei o mito de completude entre os sexos, que um supostamente preencheria o
outro e no caso da histeria, ela vai buscar sustentar esse mito na busca
permanente de uma resposta a sua identificação que não seja o falo vai se
indagar que é ser mulher? (PALONSKY, CINTIA, 1997, p. 39).
Dessa forma, pode-se concluir segundo Cintia (1997) que vai existir
perguntas características da estrutura histérica que vão orientar a identificação
dessa estrutura na clínica, são elas: “O que desejar? A quem desejar? O que é
ser mulher? O que os homens desejam nas mulheres? O que as mulheres
desejam nos homens? “(p.46) decorrentes da estrutura da histeria e vai
direcionar a vida delas, porém elas não se dão conta que nunca irão chegar na
resposta dessas perguntas, uma vez que elas não existem e são devidas a
falhas na estrutura, ou seja, a forma como se posicionaram frente à castração,
mas se deparar com isso é angustiante e fará com que elas vivenciem a
fantasia de ser o objeto de desejo do Outro e não se satisfazer, sempre se
manter insatisfeita para manter esse Outro sempre desejando.

3. APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO


O caso pelo qual será articulado a teoria da psicanálise é da paciente
Emma Bovary, nome fictício dado à paciente que se refere à protagonista do
romance de “Madame Bovary” escrita por Gustavo Flaubert. Na obra a
personagem é uma mulher insatisfeita com sua vida e casa com um médico da
província, Charles, em busca de uma vida de aventuras, porém se desilude
com a realidade do casamento.
Emma, de vinte e quatro anos, sexo feminino, moradora de Betim- MG,
está em um relacionamento heterossexual há sete anos e casada há cinco
anos. Esse relacionamento vai se apresentar a primeiro momento como a sua
queixa, uma vez que diz ter buscado atendimento psicológico devido se sentir
muito confusa com seu relacionamento, no desenrolar das sessões seu
parceiro aparece ora como sendo idealizado ora como fonte de sua
insatisfação.
Outro ponto importante da história de Emma é que ela é filha única e
relata muito nas sessões sobre esse papel dela como sendo a única filha e o
relacionamento dela com esses pais desde a infância. Para que a mãe
pudesse trabalhar a avó materna foi quem se dedicou aos seus cuidados até
os sete anos, quando foi morar na casa dos pais, o que trouxe vários
sofrimentos em sua vida, uma vez que nesta casa, ela dividia o quarto com os
pais e presenciou desde os sete anos até os dezenove anos, quando se casou,
os pais terem relações sexuais, se queixa do pai mesmo sendo pedreiro e
tendo dinheiro nunca ter construído um quarto para ela.
Além disso, diz que devido não ter um quarto nunca convidava as
amigas para irem à sua casa e por vivenciar isso até os seus dezenove anos
“acelerou” seu casamento para deixar de vivenciar isso, uma vez que, mesmo
com essa idade, os pais ainda tinham relações sexuais com ela neste
ambiente, mas diz que começou depois de maior a usar fone, começar a chorar
bem alto para ver se eles paravam e ela conseguia ter paz, além de terem
colocado um guarda-roupa entre a cama dela e a deles.

Diante disso, no discurso da paciente, o pai se faz presente como


alguém agressivo que frequentemente briga com ela e que nunca deu afeto a
ela, mas sim estava sempre exigindo muito, o que ela acredita ser muito devido
à vontade que ele possuía que ela fosse homem, desejo dito por ele e pela
mãe. E sua mãe se apresenta nas falas da paciente como uma rival, sendo
como se fossem “irmãs,” estão sempre brigando.

3.1 ANÁLISE E DISCUSSSÃO DO CASO

Emma durante os atendimentos na Clínica Escola apresentou alguns


pontos que fizeram com que a estagiária pudesse pensar em uma hipótese
diagnóstica de uma neurose histérica. Para tanto, faz-se necessário pensar
quais pontos foram esses e como se apresentaram na clínica.
Nos primeiros atendimentos Emma fala sobre o seu relacionamento
amoroso e sobre seu marido ser um homem muito respeitado, que as pessoas
da igreja buscam ele para pedir conselhos e que todos veem ele como um
homem alegre, servo do senhor e que ela é ao contrário, fechada. Ele cumpre
vários ministérios na igreja, faz parte da banda cantando, tocando instrumentos
e que as pessoas até dizem que nem sabem como eles estão juntos, eles
sendo tão diferentes.
A histérica na tentativa de encontrar um Outro que dê a resposta
esperada costuma eleger um homem que supostamente saiba sobre as
mulheres, buscando assim o homem que tenha características de mestre e ao
encontrar esse homem vai ser para a histérica o homem da sua vida que vai
dar a ela todas as respostas do que desejar, quem desejar, ela realmente
pensa que esse homem possui todas essas respostas. (PALONSKY, CINTIA,
1997).
No caso de Emma pode-se fazer uma aposta que ela percebe seu
marido como esse homem que possui todas as respostas, que ocupa esse
lugar de mestre e que supostamente seria o homem da sua vida, sua outra
metade. Falando sempre dele nesse lugar:

Emma: Meu marido tem o ministério dele na igreja, toca vários


instrumentos é o queridinho do pastor, da igreja.
Emma: Meu marido é muito diferente do meu pai. Ele parece o
pai dele, que não deixa a mãe dele pagar nada em casa, ela
não precisa trabalhar e nem ajudar com nada. Ele é assim
como o pai dele, quer ser o provedor da casa, me dá de tudo.
Emma: Todos na igreja procuram meu marido para pedir
conselhos, conversar sobre as coisas.
Emma: Eu bati o carro essa semana, mas dei sorte que o moço
foi muito acolhedor, na hora eu já liguei para o meu marido
resolver, porque nessas horas eu prefiro que ele resolva, eu
não sei o que fazer, ele conversou e combinaram lá
Emma: Porque não gosto de confronto, eu evito o máximo,
igual quando alguém me manda mensagem, principalmente
áudio grande falando alguma coisa que eu sei que vai me
confrontar, eu peço meu marido para escutar e me falar o que
a pessoa falou e ele digitar respondendo, eu mesma não
respondo.
Emma: Meu pai sempre me colocou e minha mãe para fazer
trabalho de homem, ele nunca pagou um ajudante de pedreiro,
sempre colocava eu e minha mãe para ajudar na construção lá
de casa. Mas meu marido não aceita isso muito bem não, um
dia meu pai foi me colocar para fazer esse tipo de coisa e meu
marido foi e fez.
Sobre esta última fala de Emma é importante dizer sobre o que Joel Dor
(1991) vai dizer, uma vez que a histérica não vai buscar puramente um homem
como o pai, mas o que faltou nesse pai, o que se vê claramente nas falas de
Emma quando ela mesma diz dessa comparação dele com o pai. Sobre isso,
Dor (1991) vai dizer:

Neste ponto, devemos dar precisão quanto à natureza particular


da relação imaginária que existe entre o "homem importante" e o “pai"
da histérica. Um erro comum consiste em pensar que a
histérica busca sempre um homem que substitua uma imagem
paterna. O homem procurado — e eventualmente encontrado —
nunca é uma pura e simples reprodução do pai. O que a histérica
busca num homem é um pai completo, ou seja, um pai tal como
nunca existiu. Através da escolha de um parceiro masculino a
histérica quer, antes de mais nada, preencher as ausências
imaginárias do pai. Ela está disposta a emprestar-lhe tudo o que
faltava ao pai: ser mais forte, mais bonito, mais potente, etc., do que
foi o pai. E, aliás, neste sentido, e somente neste que um homem
assim pode ser o Senhor que a histérica busca.
(DOR, 1991, pg.78-79)
Para além disso, em alguns momentos Emma diz desse marido como
sendo esse homem que vai ter a resposta que ela tanto espera encontrar,
inconscientemente, ou seja, idealizando esse homem. Por outro lado, ela
começa a se queixar muito desse relacionamento e desse homem. Sobre isso
Cintia (1997) vai dizer que:
Os dois polos do ciclo ficam marcados assim pela idealização e pela
decepção. A decepção surge no lugar da angústia, afastando a
possibilidade de que a resposta procurada não exista, mantendo a
suposição de um Outro não-castrado. Dizer que esse outro não sabe,
é idiota, é ruim etc., não significa colocar a castração no Outro; ao
contrário, significa sustentar a possibilidade de um Outro não-
castrado, um Outro que teria essas respostas. Daí resulta um período
de queixas e reclamações em relação a esse homem, como se ele
realmente tivesse algo para dar. que ele não dá porque não quer e
não porque não tem, que ele tem a possibilidade de dar alguma coisa
a mais, A reclamação também não é mais do que uma maneira de
sustentar o Outro como não-castrado, uma vez que sua existência
implica que aquilo que está sendo reclamado ainda vai ser possível.
(CINTIA, 1997, pg.55)

Nesse sentido, pode-se perceber que Emma muitas vezes se encontra


nesse lugar de decepção, de queixas e reclamações desse homem, o que de
certa forma, causa sofrimento a ela, mas ao olhar psicanalítico, corresponde a
uma forma de manter a fantasia desse Outro como não-castrado, conforme
suas queixas:
Emma: Como lá em casa era muito cheio de discussão, brigas
eu não gosto, não gosto de brigar com pessoas, que não sejam
da minha família…
Estagiária: Com quem não seja da sua família?
Emma: Sim, com as pessoas da minha família eu gosto eu
acabo brigando, mas com o meu marido parece não adiantar,
eu falo as coisas com ele e ele nunca me responde, ele não
me confronta e isso me deixa muito estressada, mas eu
sempre brigo com ele, coitado.
Estagiária: E por que você acha que briga tanto com ele?
Emma: Porque ele é muito lento, queria que ele fosse mais
proativo, igual quando eu sei que vamos sair eu já tento
adiantar o lado dele e tudo, mas ele não adianta o meu.
Emma: Igual a gente tinha o compromisso aqui hoje e eu já fico
pensando nisso, fui lavar o cabelo porque tinha dias que eu
não lavava, aí no meio do banho já me atrapalhei toda porque
fiquei pensando que tinha que separar a roupa, pegar o tênis e
ele lá de boa, aí eu já começo a ficar estressada e falar na
cabeça dele, e a casa tava toda bagunçada e fiquei pensando
nisso, não que ele tenha que arrumar a casa, porque eu até
prefiro que não arruma, mas aí eu vou falando e ele só
concorda comigo, ele não discute e isso me deixa mais
estressada, aí na hora de vim ele vem dirigindo devagar e eu
brigo com ele e ele nunca me confronta
Estagiária: Você gostaria que ele te confortasse?
Emma: Sim, porque ele ficar concordando com tudo que eu
falo fica muito igual uma criança "tá bom mãe, eu sei que você
tá certa" " tá, eu concordo" eu queria que ele pelo menos
falasse o ponto de vista dele, o que ele pensa das coisas, ele
nunca me confronta.
Emma deixa em evidência sua insatisfação e queixas com esse marido,
querendo inclusive que ele, literalmente a confrontasse, ela precisa acreditar
que ele tem as respostas que ela supostamente quer encontrar e que ele não
dá porque não quer. Entretanto, ela em outros momentos, traz a dualidade
frente a essa relação, na idealização desse marido e o colocando no lugar de
que não pode se mostrar ansioso, ou seja, não pode demonstrar que não tem
todas as repostas e mostrar ele como castrado e pensar nele assim, causaria
angústia a ela, conforme relato:
Emma: (...) meu marido já tem coisas demais para se
preocupar, apesar que ele nunca demonstra está preocupado e
eu até prefiro assim.
Estagiária: Então você prefere assim?
Emma: Ah... eu prefiro que ele seja assim, porque se ele fica
ansioso eu perco o equilíbrio porque aí que eu vejo que as
coisas estão ruins mesmo e peço para ele não ficar ansioso
porque já basta eu, porque eu sou a estressada mesmo e se
nós dois ficar assim vai ser pior.
Cintia (1997) vai dizer que o momento em que a histérica se depara com
esse homem como não sendo esse homem que ela tanto idealizou, que não
tem as repostas, é um ponto importante da clínica. No caso de Emma, no
entanto, pode se apostar que ela está ainda no movimento de dualidade entre
idealização em insatisfação e não se deparou com ele como não tendo as
repostas.
Outro ponto importante, percebido nas sessões com Emma que se leva
a pensar na hipótese diagnóstica da neurose histérica, é que ela vai estar
sempre se queixando de outros pontos de sua vida, sempre fazendo
movimentos, mesmo que inconscientemente, que a levam a ficar sempre como
insatisfeita, isso é percebido em relatos dela como:
Emma: (..) e eu faço igualzinho meu pai com meu marido, não
gosto de parecer com ele, mas eu ainda pareço muito, minha
ansiedade está muito forte.
Estagiária: Você se sente muito ansiosa?
Emma: Sim, desde que eu me casei, isso piorou muito.
Estagiária Por que você acha que piorou?
Emma: Às preocupações da vida adulta que antes não
existiam, ter as contas pra pagar, toda vez que vai no
supermercado é 100 teias, às vezes eu só sinto falta de
quando eu podia ficar em casa e só estudar e não ter essas
preocupações, mas ao mesmo tempo quando eu estava eu
não gostava de ficar só em casa, eu nunca tô satisfeita com
nada.
Emma: Eu tento ser mais grata pelas minhas coisas, sabe?
Pelas coisas que eu tenho na minha vida, mas tô sempre
reclamando, eu crio as coisas pra ficar estressada, pra ficar
preocupada, pode até não ter alguma coisa pra eu preocupar,
eu acho.
Em outros momentos diz:
Emma: Eu não sei muito bem o que fazer, sabe? Eu queria
mesmo era ter feito o técnico em contabilidade, mas acabei
fazendo o de química, porque as meninas do salão sempre
falaram que dá para ganhar bem, mas não sei, não decidir
ainda que carreira seguir. Podia ter ficado no salão mesmo, eu
gosto de trabalhar lá, mas não me sentia satisfeita lá.

Sendo assim, Cintia (1997) vai dizer que essa insatisfação é a forma
de saída da angústia da histérica, ela se apresentar sempre como insatisfeita e
“essa insatisfação vai estar frequentemente referida a “algo que falta”, uma
representação que indica o que está faltando.” (CINTIA, 1997, p.57)
Pode-se perceber uma certa rivalidade com várias mulheres na vida de
Emma, desde a sua mãe até uma moça da igreja. Sobre a sua mãe, ela diz
muito da raiva que sente devido a mãe dela ter deixado ela aos cuidados da
avó para trabalhar, culpa muito a mãe por isso e por ela não saber lidar com o
pai, uma vez que ela se coloca como sendo ela (Emma) quem sabe lidar
melhor com o jeito do pai. Essa rivalidade, se mostra presente com uma moça
da igreja também:
Emma: Eu já fui muito de participar do ministério da igreja, mas
eu me afastei um pouco, queria ser mais atuante lá na igreja,
mas não consigo lidar com as pessoas lá não.
Estagiária: Como assim não consegue lidar com as pessoas
lá?
Emma: Porque lá para você participar das coisas e ser visto
tem que ser puxa saco, sabe? E eu não suporto. E o jeito das
meninas com o meu marido, esses dias eu cheguei durante um
ensaio da banda e tinha uma menina lá que canta com ele que
estava toda dada para cima dele, na hora que ela me viu ela
ficou toda sem graça, mas meu marido fala que é coisa da
minha cabeça
Estagiária: E o que você acha sobre isso?
Emma: Que não é coisa da minha cabeça não, ela chega na
igreja e cumprimenta todos, menos eu, e olha que estou do
lado do meu marido, eu sei que fico com a cara mais fechada,
mas não importa.
Emma: Ela agora deu até se aproximar das pessoas da minha
família, ela fica lá conversando com minha sogra, minha mãe
como se fossem amigas, eu descobri esses dias que ela
chamou minha mãe foi tomar café na casa dela. Ah… aí eu
não aguentei, eu briguei com a minha mãe, ela nem na minha
casa vai e ainda pediu para eu mentir para o meu pai que ela
tava na minha casa. Por que ela tem que se aproximar logo da
minha família?
Em outros momentos, pode se-perceber essa rivalidade com sua sogra também:
Emma: Minha sogra não entende o papel do meu marido, ela o
trata como uma criança, não como um homem casado. Esses
dias ela me mandou mensagem pedindo para eu o lembrar de
tomar as vacinas dele. Eu até mostrei para minha amiga do
curso para ver se era loucura minha, exagero e ela concordou
que não. Eu xingo muito meu marido e ela eu trato normal, mas
ele eu xingo mesmo, ele fica sempre sendo o neném da
mamãe.
Emma: Ela percebe até quando ele troca a armação dos óculos
dele, uma coisa que ninguém repara, igual ele trocou a
armação dos óculos esses dias era uma cor de azul muito
parecido com o outro, que eu nem tinha reparado, mas foi ele
chegar lá ela veio “e esse óculos novo meu filho?”
Emma: Como ele vai ser um homem de família assim, sendo
que é o neném da mamãe? Eu brigo com ele mesmo, porque
ele que tem se posicionar igual homem, mas parece que ele
gosta.

Sobre isso, Lacan vai dizer dessa rivalidade, no lugar da “outra mulher” e
que é importante ser identificada essa mulher na clínica, uma vez que no Édipo
feminino ela se deu conta de que o desejo é sempre desejo de desejo e na
busca de entender o que o homem deseja, ela vai buscar através da
identificação com o homem a busca das respostas de o que é uma mulher? o
que o homem deseja nela? E quando essa mulher não existe a histérica irá
apresentá-la ao homem, como Emma frequentemente apresenta essa moça da
igreja ao marido, se queixando e dizendo a ele que tem algo estranho dela com
ele.
Além disso, no complexo de édipo feminino, a mulher se identifica como
sendo o falo e no caso da histérica diante da fantasia da castração ela vai se
identificar como a causa de desejo do homem “e, neste sentido, faz uma série
de esforços para “melhorar” a aparência, tentando despertar o desejo dos
homens, buscando coisas que elas não é. (PALONSKY, CINTIA, 1997).
Neste sentido, pode-se pensar no que Emma traz ao longo das sessões
na sua busca incessante para melhorar a aparência, com dietas restritivas,
treinos pesados e desgastantes na academia nos quais se queixa muito, mas
diz manter isso todos os dias, mesmo odiando acordar cedo para que ela
possa ter um corpo melhor. Além disso, já desmarcou sessões devido ter
depilação marcada, está sempre dizendo dos inúmeros procedimentos
estéticos que busca fazer para melhorar sua aparência.
Por fim, é importante dizer do papel do analista com a paciente histérica,
uma vez que ele pode ser mais um em que ela vai acreditar que tenha a
resposta, mas ela não está realmente interessada em saber, de fato, ela não
quer saber, e quando o terapeuta cai nessa teia e dar respostas a ela, constitui
um problema.
Dessa forma, é muito importante que os analistas e mesmo os
estudantes se atentam e sigam o que Freud vai chamar do tripé da formação
do analista como sendo: análise pessoal, ensino teórico e supervisão. No
presente caso, a estagiário cometeu um erro que evidência a importância
desse tripé ao tentar dar uma resposta a paciente que supostamente ela não
queria saber:
Emma: Ele é parado demais, eu me sinto muito cansada,
sobrecarregada com tanta coisa sozinha
Estagiária: E como você divide esse cansaço com ele na
relação?
Emma: Na verdade eu não divido e nem acho que deva dividir,
porque ele já tem coisa demais para se preocupar, ele trabalha
muito, agora está saindo do emprego dele atual para começar
outro, porque ele não gosta muito desse atual, ele vai para
uma área totalmente diferente e já trabalha de Uber quando
não está no trabalho de CLT dele, ele já tem coisa demais para
se preocupar, apesar que ele nunca demonstra está
preocupado e eu até prefiro assim.
Emma deixou bem claro a estagiária que “não gostaria de ter essa
resposta”. A estagiária pôde perceber através da sua análise pessoal que
estava levando algo que dizia mais do seu processo de análise e do seu desejo
de que a paciente se implicasse diante daquela situação. E foi através da
supervisão e estudo da teoria que pôde perceber que a paciente estava
claramente dizendo de que ela não queria de fato saber e sair deste lugar de
insatisfação, para não se deparar com a angústia. Portanto, foi importante que
a estagiária percebesse isso para poder ouvir melhor a paciente e repensasse
a forma de manejar o caso.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do caso relatado, faz-se necessário dizer que a paciente permanece
em atendimento psicoterapêutico e que foram realizadas apenas seis sessões
de cinquenta minutos. Sendo assim, a paciente permanece sendo escutada
através de uma atenção flutuante em que é convidada a falar livremente. E os
conceitos de estrutura clínica da paciente aqui apresentado se configuram
como uma hipótese diagnóstica, não tendo como finalidade de enquadrá-la em
categorias psicopatológica, mas de pensar na posição subjetiva da paciente
frente à castração para que pudesse melhor escutá-la e pensar nos
atendimentos.
Além disso, é importante pontuar que os fatores que apresentaram na
infância da paciente relacionados as relações sexuais dos pais, não deixam de
configurar um abuso e violação de direitos. Porém, a estagiária no papel de
psicoterapeuta da abordagem psicanalítica, não buscou concentrar em apenas
em determinados aspectos da vida da paciente e sim, deixar com que ela
falasse livremente, a fim de acessar os conteúdos inconscientes através dos
atos falhos, sintoma, chistes e sonhos e marcar para a paciente.
Para além disso, essa suposta busca de saber da estrutura da histérica
causa sofrimento também, uma vez que são conteúdos inconscientes e que
vão estar presentes em vários âmbitos da sua vida, sendo assim, não se pode
pensar somente nessa insatisfação, como se de fato não houve sofrimento
nesta forma da histérica lidar com a sua castração e do Outro, uma vez que se
busca fugir da angústia.
Portanto, cabe a estagiária a busca contínua dos estudos da teoria da
psicanálise, sua análise pessoal e participação ativa nas supervisões para que
possa atender a paciente da melhor forma possível e não cair no jogo de ficar
só avaliando os motivos da insatisfação e da reclamação da paciente como se
isso fosse a solução.

REFERÊNCIAS

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Taurus-Timbri Editores.

FREUD, S. (1893) Alguns pontos para o estudo comparativo das paralisias


motoras orgânicas e histéricas. In Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago.

FREUD, S. (1895). Estudos sobre a Histeria. In Edição Standard Brasileira


das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, (V. 2) (2ª ed.). Rio de
Janeiro, Imago.

FREUD, S. (1905) Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. In Edição


Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Rio
de Janeiro, Imago.

FREUD, S. (1919). Deve-se ensinar a psicanálise nas universidades? In


Sigmund Freud Obras Completas (Vol. 14). São Paulo: Companhia das Letras.

FUKS, R. Madame Bovary: resumo e análise do livro. Cultura Genial.


Disponível em: https://www.culturagenial.com/livro-madame-bovary/. Acesso
em 20. mai. 2023.

LACAN, J. (1955). Livro 3: As psicoses. In Campo freudiano no Brasil, (2a


ed.). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

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PALONSKY, C. Estruturas clínicas na clínica: Histeria. Belo Horizonte:


Editora da PUC-MINAS, 1997.

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