Modulo 1
Modulo 1
Modulo 1
SOCIOLOGIA
Módulo 1
O QUE É A SOCIOLOGIA
LUANDA 2020
AD USO PRIVATUM
2
O QUE É A SOCIOLOGIA?..............................................................................................2
NASCIMENTO E DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA.....................................3
OS FUNDADORES DA SOCIOLOGIA............................................................................9
COMTE..............................................................................................................................9
MARX..............................................................................................................................13
DURKHEIM....................................................................................................................16
MAX WEBER.................................................................................................................20
OBJECTO E MÉTODO DA SOCIOLOGIA...............................................................................27
ELEMENTOS PARA UM ESTUDO SOCIOLÓGICO.................................................27
O senso comum a ideologia, e o conhecimento sociológico........................................28
A SOCIOLOGIA E A INTERDEPENDÊNCIA E COMPLEMENTARIDADE ENTRE AS CIÊNCIAS
SOCIAIS.............................................................................................................................30
O FACTO SOCIAL.........................................................................................................33
CARACTERÍSTICAS DOS FENÓMENOS SOCIAIS...................................................................35
O SOCIÓLOGO E OS FACTOS SOCIAIS.................................................................................36
A PERSPECTIVA EM QUE O SOCIÓLOGO SE COLOCA AO INVESTIGAR QUALQUER
ACONTECIMENTO OU ASPECTO SOCIAL CONSISTE, ANTES DE TUDO, EM EXAMINÁ-LO DO
PONTO DE VISTA DO CONJUNTO DOS RELACIONAMENTOS SOCIAIS, DAS INTERACÇÕES E
DAS INTERDEPENDÊNCIAS ENTRE INDIVÍDUOS E GRUPOS O SOCIAL COMO SUBSISTEMA DA
REALIDADE NATURAL.......................................................................................................37
SOCIOLOGIA, ACÇÕES HUMANAS E ESTRUTURA SOCIAL...................................................37
ASPECTOS GERAIS DOS MÉTODOS UTILIZADOS NA SOCIOLOGIA..............38
FASES DA PESQUISA CIENTIFICA......................................................................................40
A Observação: suas características:...........................................................................42
Observação participante e não participante..................................................................43
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O QUE É A SOCIOLOGIA?
Sociologia é, o estudo científico ou positivo dos factos sociais como tais. Isto
significa que a Sociologia procura conhecer os fenómenos enquanto são sociais e não
enquanto são económicas ou jurídicos, ou qualquer outra coisa, ou seja, vai ver em que
medida um fenómeno resulta e actua na vida em grupo.
Podemos considerar a sociologia como ciência empírica que estuda os modos como
os seres humanos vivem em colectividade mais ou menos amplas, como se formam estas
colectividades, como se modificam, como estão organizadas, como se influenciam o
comportamento humano e como são influenciadas por este último.
No sentido mais lato, sociologia é o estudo das inter-relações e interacções
humanas, suas condições e consequências. Idealmente, a sociologia tem por campo toda a
vida do homem em sociedade, todas as actividades pelas quais os homens se mantêm na
luta pela existência, as regras e normas que definem as suas relações uns com os outros, os
sistemas de conhecimento e fé, arte e moral, e quaisquer outras aptidões e hábitos
adquiridos e desenvolvidos no decurso das suas actividades como membros da sociedade.
Sumariamente consideramos as principais funções da sociologia as seguintes:
1. Procura fornecer o que se pode chamar uma morfologia ou classificação de
tipos e formas das relações sociais, especialmente daqueles que têm sido
definidos nas instituições e associações.
2. Tentar determinar a relação entre diferentes partes ou factores da vida social; por
exemplo, os elementos económicos e políticos, morais e religiosos, morais e
legais, intelectuais e sociais.
3. Esforça-se por destrinçar as condições fundamentais da permanência e mudança
social. Visto que as relações sociais dependem presumivelmente da natureza dos
indivíduos e das suas relações a) uns com os outros, b) com a comunidade e c)
com o ambiente exterior, a sociologia procura passar das suas generalizações
empíricas preliminares às leis últimas da biologia e da psicologia e possivelmente
também às leis sociológicas características, isto é, leis sui generi.s não redutíveis
às leis que governam a vida e o espirito .nos organismos individuais.
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NASCIMENTO E DESENVOLVIMENTO DA SOCIOLOGIA
Desde muito cedo que o homem começou a reflectir sobre a vida social. As
pinturas rupestres (cenas da vida social pintadas nos rochedos) e as religiões primitivas
como o totemismo, revelam já certas leituras do social. Só que essas leituras (bem como,
no essencial, as que lhe sucederam até muito recentemente) negavam à inteligência
humana a capacidade para compreender os «mecanismos» sociais, ou, então, eram de
carácter moral ou filosófico, pelo que indicavam mais as normas do comportamento
social que deveriam permitir estabelecer a sociedade ideal, do que analisavam
positivamente as práticas sociais capazes de criarem as condições da conservação ou da
transformação da sociedade1.
As circunstâncias nas quais a Sociologia surgiu podem ser distinguidas como
intelectuais e materiais.
Os principais antecedentes intelectuais da Sociologia não são difíceis de identificar.
"De modo geral, podemos dizer que a Sociologia tem uma quádrupla origem: na
Filosofia Política, na Filosofia da História, nas teorias biológicas da evolução e nos
movimentos para a reforma social e política, que julgaram necessário empreender
levantamentos das condições sociais." Duas dessas fontes. a Filosofia da História e o
levantamento social, foram particularmente importantes, de início. Também elas haviam
chegado tarde à história intelectual do homem.
No plano da reflexão sobre a vida social, ela manifestou-se, primeiramente, no
quadro de outras disciplinas. Assim, desde a Antiguidade, historiadores como Heródoto
(denominado o pai da História, séc. V a. C.) fazem observações e comparações entre as
formas de vida dos diferentes povos que revestem, por vezes, carácter propriamente
psicológico; Aristóteles2 (384-322 a.C.), A política e Platão3 (429-341 a.C.), A república,
figuras de maior relevo da Antiguidade clássica, foram os primeiros a tratar de problemas
sociais de maneira sistemática e separada da religião, mas não independente dos regimes
políticos e económicos. As ideias e obras desses dois sábios tiveram imensa repercussão e
sua influência, na verdade, que se faz sentir até nossos dias. Posteriormente, Santo
1
Cfr. BRAVO DIAS ORLANDO AUGUSTO, Noções fundamentais de sociologia, Porto, Editora Porto, 1984, p.28.
2
Aristóteles foi um notável observador e estudioso das estruturas sociais do seu tempo. Foi, também, o primeiro filósofo
a precisar o conceito de indução, ou seja, que a indução é um raciocínio que parte do singular para o geral.
3
Platão viveu também no séc. IV a. C. e fundou um sistema filosófico conhecido por platonismo. O método do
platonismo é a dialéctica, que consiste em eliminar as diferenças dos indivíduos para considerar apenas as suas
semelhanças, porque estas derivam duma realidade comum e pré-existente, única capaz de tudo explicar. A dialéctica
leva às ideias (de justiça, de bondade, etc.) que formam uma hierarquia, no cimo da qual está a ideia superior, a ideia do
Bem, ou o próprio Deus.
5
Agostinho (354-430), A cidade de Deus, apresentou ideias e análises básicas para as
modernas concepções jurídicas e até sociológicas.
Dando, agora, um salto para a Idade Média, vamos encontrar a época áurea do
racionalismo4 escolástico 5, cujo método consistia em partir de textos de filósofos e
teólogos célebres, para os analisar, interpretar e discutir com exigências de clareza e de
rigor. No Século XIII, Santo Tomás de Aquino (1226-1274), Summa teológica, conquanto
inteiramente decidido a não se afastar da orientação cristã, retomou os processos e as ideias
de Aristóteles, para manifestar-se sobre as relações inter-humanas.
O movimento renascentista (finais do séc. XIII) desenvolveu uma nova
mentalidade, afirmou um espírito mais crítico e racional, colocando o Homem no
centro de toda a reflexão, procurando uma síntese entre os ensinamentos da
Antiguidade e a realidade. A ciência tentou libertar-se da magia, assumindo a
matemática uma importância cada vez maior. A observação e a experiência passaram a
ser o fundamento do Os homens desta época começaram a desenvolver, portanto, o
espírito crítico, e enfraqueceram o espírito da autoridade pela exaltação do indivíduo. A
cultura na Idade Média, expressão de uma forte vivência religiosa, foi dominada por
uma visão –teocêntrica. Agora o Homem, colocado no centro da reflexão, deu lugar a
uma visão antropocêntrica. Houve humanistas que continuaram a seguir e a defender os
valores cristãos a par de outros que percorreram caminhos diferentes, sem se afastarem
de um sentido ético da vida.
O inglês Thomas More, amigo de Erasmo, imaginava, na Utopia, uma sociedade
ideal onde a ignorância e a pobreza fossem banidas. Escrita numa altura em que a
cristandade se combatia, exaltava a paz, a compreensão e a tolerância.
A literatura inglesa teve em Shakespeare o seu maior vulto e um dos mais famosos
dramaturgos de todos os tempos. O seu espírito penetrante analisou como ninguém a
alma humana.
O humanismo alemão, fortemente ligado aos meios universitários, foi
profundamente crítico a certas situações religiosas e políticas da sociedade. Montaigne,
autor dos Ensaios, questionou a verdade, criticou a superstição e o fanatismo que
4
Racionalismo - filosofia fundada na razão, no domínio do conhecimento, da moral, etc. As ideias vêm da razão e não da
experiência.
5
Escolástica - na Idade Média, a ciência conservava-se nos mosteiros e o ensino era ministrado nos conventos e nas
escolas episcopais. Daí o nome de escolástica, que indica não uma doutrina mas um método de disciplina, de
organização. Uma das principais matérias de ensino e de controvérsia, foi a questão da realidade das ideias gerais ou
universais. Três escolas se ocuparam exclusivamente desta questão que dominou toda a filosofia medieval: a escola
realista sustentava que as ideias gerais existiam realmente e antes das coisas; para a escola nominalista, as ideias gerais
não eram senão nomes e só existiam depois das coisas; a escola conceptualista admitia a ideia geral mas na coisa
individual.
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conduziam à tirania.
7
era verdadeira o todo também era verdadeiro. Este método partia do geral para o particular,
por isso se chama dedutivo.
8
Mathus (1766-1834), Ensaios sobre o princípio de população, - a população tende a
crescer segundo os termos de uma progressão geométrica, enquanto as subsistência só
podem aumentar segundo os termos de uma progressão aritmética, a excessiva fecundidade
humana resulta em graves problemas de antinomia demográfica; Desse período em diante,
sempre sob a inspiração de problemas criados pela evolução económica, multiplicaram-se
as chamadas doutrinas socialistas", cujos autores, tentando atenuar as injustiças imperantes
na distribuição de riquezas e na exploração dos trabalhadores, criticavam a situação
existente e pregavam novas e mais equitativas relações entre os homens. Entre eles
podemos destacar Fourier (1772-1837), que estabeleceu uma correlação entre os
sentimentos e as estruturas sociais; Saint Simon (1760-1825). A tónica de suas directrizes
residia, entretanto, na intenção de mudar as instituições e costumes vigentes e de criar,
através de radicais alterações da ordem política, uma ordem social mais equitativa.
Hegel (1770-1831) (1821), expõe na sua «Filosofia do Direito» toda a Filosofia da
História, do Estado e do Direito. Promove um movimento de íntimo entrosamento entre
princípios puramente filosóficos e. as ciências sociais. A dialéctica de Hegel baseia-se no
método antitético, dando origem à explicação das mudanças ocorridas no universo,
mediante um processo em três tempos: tese, antítese e síntese.
O desenvolvimento da literatura de viagens, sobretudo a partir dos Descobrimentos,
os historiadores tiveram, em grande parte, a responsabilidade pela nova concepção da
sociedade como algo mais do que a "sociedade política" ou o Estado. Estes, ocupavam-
se de toda a gama das instituições sociais e estabeleceram uma cuidadosa distinção entre
o Estado e o que chamavam de "sociedade civil". Este facto, veio proporcionar contactos
mais frequentes e mais numerosos com povos de origem étnica e cultural diferentes, foi
um novo estímulo para a reflexão sociológica.
9
com os outros, a sua mentalidade e os seus gostos, a as relação com os outros e com as
instituições da sociedade. Assistiu-se a crescente da proletarização das classes operárias.
A revolução industrial contribui para o emergir dos problemas como: a condição
dos trabalhadores, a transformação da propriedade, o surgimento da cidade industrial, a
tecnologia e o surgimento do sistema de fábricas. Esta última adequa-se no seu complexo,
ás exigências do modo de produção capitalístico e do mercado. Ampliam-se os horizontes
metais e geográficos. A respeito, a revolução americana e a revolução francesa (1789)
incluindo ainda o movimento nacionalista alemão (que condenava as doutrinas e as
instituições que se baseavam nas tradições nacionais) representam uma ruptura com o
passado e uma radical transformação das instituições que até á altura tinham regulado a
vida social. Os primeiros sociólogos em sentido estreito sejam franceses, testemunhas da
revolução de 1789 e da revolução americana (Saint-Simon, Tocqueville) 8.
As transformações políticas são acompanhadas por profundas mudanças na
estrutura da sociedade, da mentalidade e das relações sociais e inter-individuais. De uma
sociedade tradicional baseada sobre a continuidade, sobre a posição e relações sociais de
carácter adstritivo, fixas e imutável no tempo, e sobre estruturas de poder de tipo
aristocrático, emerge uma sociedade “democrática”, em continua transformação, uma
sociedade de “indivíduos” que contam pelo que valem e não pelo que são.
A sociologia nasce portanto, não somente como “prolongamento” do
desenvolvimento do pensamento científico e das ciências, mas também como necessidade
de adaptação a um mundo em transformação.
8
Cfr. NISBET A. ROBERT, La tradizione sociologica, Firenze, Bagno a Rapoli, 1996, 34.
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OS FUNDADORES DA SOCIOLOGIA
Na 2ª metade do séc. XIX verificou-se uma transformação profunda das condições
de vida quotidiana dos homens. Com base na nova sociedade nascente vão surgir
intelectuais para estudá-la e analisar a sua estrutura.
COMTE
August Comte (1798-1857) nasceu de uma família de classe média apenas uma
antes que a Revolução francesa terminasse com o golpe de estado de Napoleão. August
Comte fez grande parte dos seus estudos no Instituto Politécnico de Paris. Foi aí onde
desenvolveu a ideia que a filosofia pudesse ser construída sobre as bases puramente
cientificas e que o método científico pudesse ser aplicado ás coisas humanas, eliminando
assim aquela diversidade de opiniões e de juízos que constituía a fonte primária do conflito
e instabilidade.
Comte foi por sete anos assistente de Saint-Simon, do qual tirou – segundo alguns
estudiosos- muito do seu pensamento. Sucessivamente destacou-se em modo brusco de
Saint-Simon, por razões diversas. Dentre várias obras por ele escritas destacamos a obra
publicada entre 1830 e 1842 Curso de filosofia positiva em seis volumes, nos passa em
revista todo o conhecimento cientifico para fundar a filosofia geral do positivismo e para
iniciar a sua aplicação nas acções humanas. Ao escrever o Curso de filosofia positiva,
Comte era convicto de descobrir uma filosofia caracterizada pela certeza e que aboliu a
desordem na civilização humana. No capítulo sobre “Caracter da filosofia positiva” Comte
escreve:
9
Para aprofundarmos este aspecto servirmo-nos-emos sobretudo de: FERREIRA CARVALHO J.M. ed.,
Sociologia, Lisboa, McGRaw-hill, 1995; BRAVO DIAS AUGUSTO ORLANDO, Noções fundamentais de sociologia,
Porto, Codex, 1984; FICHTER JOSEPH, Sociologia Fundamental, Pompei, ONARMO. I.P.S.I. 1963.
11
«... a primeira característica da filosofia positiva é que essa considera todos os fenómenos
como sujeitos ás Leis invariáveis da natureza (...). O nosso interesse esta na busca acurada destas
Leis e na tentativa de reduzir-lhes ao numero mais pequeno possível».
Apontado como o fundador desta nova disciplina científica a que deu o nome de
«sociologia». Este termo criou-o Comte em 1839, se bem que, a princípio, tivesse usado a
expressão «física social» em vez de «sociologia». Esta alteração deveu-se ao facto da
expressão «física social» ter começado a ser usada por outro pensador seu contemporâneo,
para designar certos estudos de estatística social a que se dedicava. Comte criou, então, o
novo vocábulo «sociologia» concebendo-a, segundo as suas próprias palavras, como «a
parte complementar da filosofia natural que se refere ao estudo positivo do conjunto das
leis fundamentais, características dos fenómenos sociais».
Comte era um bom matemático, admirador de Laplace e da sua visão do poder da
ciência, da física e da matemática. Todavia, ele não via que estas duas ciências fossem
suficientes para explicar a história da civilização humana. Considerado, ainda, o pai do
Positivismo10, Comte pensava que os fenómenos sociais estão profunda e intimamente
relacionados e que, por isso, todo o estudo parcelar, seria irracional e infecundo. Assim, a
sociologia de que se considerava seu fundador, seria a Ciência Social, não uma das
Ciências Sociais. A sociedade aparece, pois, a Auguste Comte, como um todo
indecomponível, onde todos os seus aspectos se interpenetram, construindo assim uma
Ciência Social unitária, englobante, total, impossível de decompor em disciplinas
parcelares.
Os instrumentos utilizados por Comte são unicamente, segundo as suas próprias
palavras, «a observação pura, a experimentação em sentido próprio e, finalmente, o método
comparativo». Pressupõe que «o movimento da sociedade está sujeito a leis naturais
invariáveis e não a vontades, quaisquer que elas sejam», que urge descobrir.
Os três princípios de base da saciologia de Comte
Comte enunciou os seguintes três princípios que não só esclarecem inteiramente a
sua sociologia, como lhe servem de base:
10
Positivismo - é o sistema filosófico fundado por Comte e que pretende que nada se pode conhecer com exactidão senão
as verdades verificadas pela observação e pela experiência. Segundo Comte, a filosofia deve tornar-se positiva, isto é, em
vez de se perder em vãs especulações sobre a natureza, a substância. a causa primeira, una, sistemática e positiva do
Universo. Todas as ciências convergem para a sociologia que se divide em estática social, que estuda o indivíduo, a
família e a sociedade. e em dinâmica social, que estuda a lei do desenvolvimento das sociedades, isto é. a «lei dos 3
estádios»: teológico, metafísico e científico ou positivo.
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Primado do todo sobre as partes (é preciso conhecer primeiro o todo para se
poder compreender as partes). Isto significa, segundo Comte, que só é possível
compreender e explicar um fenómeno social ou mesmo a sociedade de uma
determinada época, desde que se reponha esse fenómeno social ou essa sociedade,
no contexto social global a que pertence, isto é, no contexto da história da
humanidade. Comte, movendo-se no quadro geral da história universal, faz uma
sociologia comparada.
O homem age de acordo com os conhecimentos de que dispõe, pelo que as suas
relações com os outros homens e com o mundo que o rodeia, dependem do
conhecimento que tem da sociedade e da própria natureza. Para Comte, o elemento
dominante da história é o estádio dos conhecimentos, cujo progresso influencia a
própria organização social.
O homem é o mesmo em todos os tempos e lugares, devido não só à sua
constituição biológica, como também e particularmente devido ao seu sistema
cerebral. Comte considera, por isso, natural que a sociedade evolua da mesma
maneira e no mesmo sentido, em toda a parte, chegando mesmo a admitir que toda
a humanidade estivesse em marcha para um mesmo tipo de sociedade mais
avançada.
Uma lei histórica que Comte diz ter descoberto, ajuda-nos a compreender estes três
princípios de base: é «a lei dos três estados» que analisaremos a seguir.
A «lei dos três estados»
Segundo a «lei dos três estados», o espírito do homem emprega por natureza e de modo
sucessivo em todas as suas análises, três métodos diferentes e até opostos de filosofar ou,
por outros termos, o progresso dos conhecimentos humanos, realiza-se através dos
seguintes três estádios ou estados:
O estádio teológico ou fictício no qual o homem, ao investigar a natureza íntima
dos seres, as causas primeiras e finais (sua própria natureza, a sua vontade, os seus
sentimentos, as suas paixões, etc.,) apresenta todos esses fenómenos como sendo
produzidos pela acção directa e contínua de seres e forças sobrenaturais e
invisíveis, cuja intervenção arbitrária explica todas as anomalias aparentes do
universo. Este estádio na Europa dourou mais ou monos até aos finais do século
XIV.
O estádio metafísico ou abstracto, que substituiu o estádio precedente, até á
Revolução francesa, é caracterizado pela concepção aristotélica da essência das
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coisas. Os fenómenos da natureza não são mais atribuídos ás forças similares ao
homem, mas sim á propriedades abstractas inerentes á natureza mesma das coisas.
Para Comte o período da Revolução francesa, durante o qual inicia o estádio
positivo, não era tanto um período de revoluções políticas, civis e sociais, mas
sobretudo uma revolução do intelecto que visa a atingir a maturidade das ciências e
a tentativa de explicar os fenómenos da natureza em termos de leis da natureza.
O estado positivo ou científico, no qual o homem procura, através da observação e
do raciocínio, explicar os fenómenos e as relações entre as coisas e os
acontecimentos, pela formulação de leis. De facto, o espírito do homem,
reconhecendo a sua impossibilidade de obter noções absolutas (a origem e o destino
do universo e as causas íntimas, primárias e últimas das coisas) renuncia em
procurá-las para se dedicar apenas à descoberta das suas leis efectivas, através do
emprego bem conjugado da observação e do raciocínio. Segundo Comte, o estado
positivo é, pois, o estado superior que acabará por ser atingido por cada homem,
por cada ciência e por toda a humanidade.
A verificação desta lei, por Comte: Segundo Comte, cada ciencia passou através
destas fases do desenvolvimento da mente, e cada uma delas era uma disciplina
madura, ou melhor positiva. Se bem que nem todas as ciências tivessem conhecido o
progresso, simultaneamente e ao mesmo ritmo (ex: a matemática, a astronomia, a
física, a química e a biologia), o que é verdade é que cada uma delas, ao longo da sua
evolução, foi-se libertando progressivamente das teses teológicas e metafísicas para se
tornar positiva, alcançando assim a maturidade.
Comte propõe, pois, a criação de uma nova ciência positiva - a Sociologia –
capaz de fornecer ao homem, com um conhecimento científico e mais exacto dos
mecanismos da sociedade, os instrumentos necessários para que ela possa erradicar da
sociedade as desordens, as crises, os estados de amargura social quase permanente,
tomando em mãos o seu próprio destino.
As duas principais funções desta ciência social seriam, segundo Comte: contribuir para
o progresso dos conhecimentos, completando o quadro das ciências positivas e promover a
passagem, em definitivo, da sociedade e de toda a humanidade ao estudo positivo.
Auguste Comte propôs, ainda, dividir a sua sociologia em duas grandes partes:
A sociologia estática, destinada a estudar aquilo que ele designava por ordem ou
consenso, isto é, a maneira como os membros de uma sociedade conseguem criar
14
entre si um acordo, um «consenso», graças ao qual a sociedade pode existir,
manter-se e funcionar.
A sociologia dinâmica, destinada a estudar as transformações das sociedades
através da história da humanidade. Era aqui que ele situava a sua «lei dos três
estados». A propósito, convém lembrar que esta sua «lei dos três estados» é
idealista, na medida em que Comte fazia depender as características da sociedade,
em cada um desses três estádios, do tipo de pensamento ou das ideias dominantes:
teológico, metafísico e positivo. Isto significa que, para Comte, a realidade social é
o reflexo do pensamento, das ideias dominantes em cada estádio.
Segundo Comte, o pensamento teológico pertencia ao passado e o pensamento
científico guiaria a inteligência dos homens modernos e que o aumento da produção
industrial iria aumentar a massa operária, cujo destino melhoraria com o aumento dos
recursos. - A propriedade privada não desaparecerá, porque ela é o motor da economia.
As previsões de Comte relativamente à evolução da sociedade industrial, são
profundamente diferentes das que anunciaram os socialistas da sua época - Marx e
Engels.
MARX
Quando Comte atingia vinte anos nascia Karl Marx 11 (1818-1883) na Alemanha. De
descendência hebraica, embora baptizado, contudo Marx nunca teve atracção por
nenhuma confissão religiosa e tratou todas as religiões como alguma coisa de ilusório.
Marx fez os estudos do Direito na Universidade de Bonn; e depois passou para a
Universidade de Berlim onde começou a interessar-se pela filosofia de Hegel (1770-
1831). Depois de alguns anos vividos em Paris e em Bruxelas viu-se obrigado a
transferir-se para Londres, onde transcorreu o resto da sua vida. Marx encontrou
Friedrich Engels pela primeira vez em 1842 mas a estreita colaboração entre os dois
iniciou em 1844. Em 1848 juntos publicaram o Manifesto do partido comunista.
Embora Marx tenha recebido a noção de carácter evolutivo da sociedade do autor
«idealista» Hegel acabou por cair no extremo oposto, relativamente a Comte: em vez de
fazer depender a realidade social das ideias dominantes, como fez Comte, Marx
considera que o que move o mundo, ou o que gera a evolução da sociedade, são os
elementos materiais da sociedade, e portanto a economia e mais precisamente a esfera
da produção dos bens materiais e da organização da produção.
11
Para Marx, a classe dominante faz da ideologia um instrumento do poder. Também para ele toda a história da
humanidade se baseia, fundamentalmente, em factos económicos.
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Segundo Marx, é o modo de produção da vida material que determina o caracter
geral dos processos sociais, políticos e espirituais da vida. Portanto para Marx e Engels
no centro da evolução da sociedade está a produção, e portanto a economia torna-se a
ciência central na análise da sociedade e da sua evolução. Esta economia é entendida
como economia da produção e dos modos de produção. Modos de produção que
passaram através de quatro fases históricas da evolução social, cada um caracterizado
por um nível diverso de tecnologia da produção e de diversas formas de relações
sociais – ou melhor de relações de classe, identificados nas diversas formas de
propriedade dos meios de produção:
O primeiro estádio é aquele do comunismo primitivo: neste a produção, a
produção desenvolve-se num nível elementar e exclui qualquer forma de propriedade.
Esta é uma sociedade sem exclusões particulares da propriedade dos meios de
produção. (correspondente, numa 1ª etapa, às origens da sociedade).
O segundo estádio é o do esclavagismo: neste, as relações de propriedade dos
meios de produção transformam-se em relações de propriedade não somente dos meios
materiais de produção, mas também dos homens sobre os homens. Inicia aqui a
sociedade de classes e a exploração de uma classe sobre a outra -senhores e escravos-.
(Grécia e Roma).
O terceiro estádio é o do feudalismo: neste caso as relações de propriedade
exprimem-se em relações de servidão. (surgido na Idade Média fende-se também em
duas classes antagónicas - senhores e servos).
O quarto estádio e o capitalismo: caracterizado pelo facto que o proprietário da
própria força de trabalho não é mais um escravo, nem servo, mas sim um indivíduo
“livre” que vende a própria força de trabalho (surgido na Idade Moderna, das ruínas da
sociedade feudal, fende-se em duas classes antagónicas: burguesia e proletariado). A
economia da “escravidão” é substituída pela economia de” mercado” e as relações
sociais fundadas sobre dicotómicas Senhor/servo substitui-se a dicotomia proprietários
dos meios de produção/ proprietários da força trabalho. Não existem mais Senhores e
camponeses servos; Existem capitalistas e proletários. Na concepção marxiana, o
carácter essencial está no facto que os meios de produção são de propriedade privada
de um distinto grupo social.
Enfim a que sublinhar que para Marx e Engels a história da humanidade está
destinada a atingir o último estádio de evolução. Trata-se do estádio do Comunismo
que primeiro passará pelo Socialismo. Neste, os homens estarão libertos das correntes
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da escravidão económica através da abolição da propriedade privada e por isso da
exploração do homem pelo homem. Este estádio é uma forma de regresso ao
comunismo primitivo, mas num contexto social e económico mais avançado.
(sociedade ideal, sem classes, nascido das contradições do capitalismo.
O seu raciocínio é muito simples: Marx considera que a sociedade está apoiada
numa base, que é a sua «infra-estrutura» ou estrutura económica, constituída pelo
«modo de produção» (forças produtivas12 e relações de produção); trata-se, primeiro
que tudo, «da capacidade de produzir de uma dada sociedade». No cimo da sociedade,
a sua «superstrutura», existem as ideias e as instituições (políticas, jurídicas, sociais e
intelectuais). A seguir, considera Marx que a «superestrutura» é o reflexo da «infra-
estrutura». Mudando a base, mudam as coisas - e nunca o contrário. As ideias e as
instituições só exercem influência na sociedade e na sua evolução dentro dos limites e
das formas permitidas pela «infra-estrutura». Porém, as relações de produção são, por
natureza própria, relações de conflito entre grupos que têm interesses opostos e
exprimem-se em conflitos de classe, na «luta de classes», consequência inevitável das
relações de propriedade. A classe dominante organiza e mantém o «edifício jurídico e
político» que mais lhe interessa, isto é, organiza social e politicamente a sociedade, de
acordo com os seus interesses económicos (lá está: a «superstrutura», reflexo directo
da estrutura económica ou «infra-estrutura»). Para inverter o quadro é necessário que
as relações de produção sejam substituídas por novas relações de produção,
correspondentes a um estádio mais avançado de desenvolvimento das forças
produtivas” através da participação consciente da classe dominada e com a forte
oposição da classe instalada no poder.
O homem e a sociedade estão, para Marx, em constante evolução, tudo evoluindo,
tudo passando, tudo se destinando a ser ultrapassado. Na verdade, se a natureza
humana se define por crenças, costumes, comportamentos, capacidades, ideias, modos
de ser, de pensar e de agir - tudo isso aparece, de facto, sujeito a uma evolução
constante, que é uma parte da evolução geral das sociedades, nas suas estruturas, na sua
organização e vida social.
Portanto, para Marx, a evolução social e económica traduz-se num movimento
histórico e multilinear, em que cada estádio seguinte é superior ao anterior e em que
12
) As relações de produção são, para os mesmos autores, o conjunto das relações estabelecidas pelos homens com vista
à produção, ou seja, mais precisamente, as «relações de propriedade» (relações de trabalho entre proprietários de forças
produtivas e não proprietários, isto é, entre «exploradores e explorados», entre classe dominante e dominada), o direito de
se dispor dos meios de produção e o modo como se reparte o rendimento da produção.
17
cada novo modo de produção se fundamenta nas contradições surgidas no modo de
produção anterior (a ditadura do proletariado, por exemplo, surgiu das contradições,
segundo Marx, existentes no capitalismo e este desenvolveu-se a partir das ruínas da
sociedade feudal). É este o chamado materialismo dialéctico, mais conhecido pelo
nome de Marxismo.
O conceito de alienação é parte integrante da concepção marxiana da sociedade
capitalista. Na interpretação do pensamento de Marx este conceito assume diversos
significados. Aqui importa no entanto ressaltar apenas que alienação no seu sentido
sociológico é a separação e distanciamento do próprio trabalho. Este conceito está
intimamente ligado aquele de mais valia e de exploração. Em breve enquanto o
trabalhador trabalha mais horas daquelas necessárias para o seu sustento e a sua
produção, o capitalista apropria-se do “excedente” explorando o trabalhador.
Finalmente, como Comte, também Marx concebia a sociedade como um todo
indecomponível. De facto, em todas as suas análises, Marx nunca procedeu como
especialista desta ou daquela Ciência Social em particular mas segundo um método de
análise total que abarcava, numa visão de conjunto estruturas sociais, sistemas
económicos, regimes políticos, formas de cultura, etc., como elementos e aspectos
interdependentes de uma realidade, una e indecomponível.
DURKHEIM
18
No decurso da construção sociológica Durkheim deveu muito a conjunto de mestres
sobretudo Auguste Comte. Porém tal influência não resultou numa aceitação
incondicional de todos os pressupostos comteanos. Aliás o autor das Regras do Método
sociologico sempre preferiu ver-se como um racionalista e não como positivista. De
facto, Durkheim ataca a «lei dos três estádios» de Comte e, rejeitando a maneira linear,
como ele diz que evolui a sociedade, estabelece a seguinte lei: «A causa determinante
de um facto social, deve ser procurada entre os factos sociais antecedentes e não entre
os estádios de consciência individual». Nada existe fora da realidade social. Essa
predominância da sociedade sobre o indivíduo deve permitir a realização desse, desde
que consiga integrar-se a essa estrutura. Para que reine certo consenso nessa sociedade,
deve-se favorecer o aparecimento de uma solidariedade entre seus membros.
Durkheim concorda com Comte sob o aspecto de que a sociedade é, na verdade,
feita de indivíduos, com as suas «consciências individuais» e que nada se pode
produzir de colectivo se essas consciências particulares não existirem. Mas isso não
chega, continua Durkheim, é preciso ainda que essas consciências se combinem, se
associem (tal como as combinações químicas) de uma certa maneira para que, dessa
combinação, resulte a vida social. Quer dizer: para Durkheim, a vida social só resulta
e somente pode ser explicada pela combinação ou associação de todas as
«consciências individuais». «Ao agregarem-se, ao penetrarem-se, ao fundirem-se, as
almas individuais dão origem a um ser, a uma vida nova.».
Por outro lado, pensa Durkheim, em nenhum momento os homens, ao longo da sua
evolução social, tiveram que deliberar para saber se entrariam ou não na vida colectiva,
preferindo esta ou outra.
Os factos sociais (as relações interindividuais e os resultados da vida em grupo)
exercem um poder de pressão sobre as «consciências individuais» e é por esta razão
que a sociedade e o indivíduo têm naturezas diferentes. E, se é assim, os fenómenos
sociológicos (dependentes da vida em grupo) não derivam das «consciências
individuais», antes têm um poder de força, de pressão (de fora) sobre as mesmas
«consciências individuais».
O social é uma coisa - diz Durkheim. Coisa é tudo aquilo que nos impõe, que existe
fora de nós, que não podemos modificar simplesmente pela vontade. A sociedade é
uma coisa, tem existência própria e é independente da existência dos indivíduos que a
compõem. Assim, a realidade social é uma coisa, uma unidade independente, que não
se pode reduzir aos indivíduos, nem pode ser explicada por quaisquer fenómenos,
19
sejam de natureza biológica ou psicológica. Só o social pode explicar o social. só o
social é uma realidade especifica - preocupação, ainda, de Durkheim, de assegurar à
sociologia o carácter de ciência, garantindo-lhe um objecto específico, diferente do das
outras ciências.
Para Durkheim, as mudanças socioculturais têm como causa não as ideias
dominantes como queria Comte, mas sim e apenas os factos sociais, a realidade social.
Definindo o social como realidade independente dos indivíduos que o compõem e não
redutível a eles, Durkheim conclui ser o social superior ao individual, pois este não é
senão parte do todo, nele se integrando e só por ele se explicando. Sendo assim,
Durkheim é ainda levado a negar não só a personalidade individual, como a existência
da alma e a própria liberdade humana, por incompatibilidade com as leis sociais
existentes. Durkheim substitui assim, a «consciência individual» pela «consciência
colectiva» que define como o conjunto das ciências e sentimentos comuns à média dos
indivíduos de uma dada sociedade, e que se impõe, obrigatoriamente, às consciências
individuais.
A teoria de Durkheim acerca da evolução social.
Antes de mais, torna-se necessário estabelecer a diferenciação entre «evolução social»
e «mudança social».
Aceita-se geralmente a ideia de evolução social, como o conjunto das transformações
sofridas por uma sociedade durante um período longo, que excede uma geração ou várias
gerações. O observador não a pode observar com a sua presença física. A mudança social
consiste, igualmente, em transformações sofridas por uma sociedade, mas que são
observáveis e verificáveis em períodos curtos de tempo, possibilitando a um mesmo
observador, o seu desenvolvimento e o seu resultado (embora provisório). Por outro lado, a
mudança social está mais localizada geograficamente.
Na perspectiva de Durkheim evolução social apresenta duas fases, fazendo corresponder, a
cada uma delas, um tipo de sociedade:
A sociedade de solidariedade mecânica, que Durkheim faz corresponder às
sociedades primitivas, onde a divisão do trabalho está pouco desenvolvida e a
organização social pouco centralizada, pois trata-se de uma sociedade constituída
por famílias ou clãs, que têm todas a mesma natureza e desempenham funções
semelhantes. Existe, pois, uma solidariedade por semelhança e onde a «consciência
colectiva» envolve quase por completo a «consciência individual». Na verdade, o
homem primitivo pensa, sente e age de acordo com as ordens ou prescrições
20
recebidas da colectividade a que pertence, sofrendo, por isso, uma pressão
demasiado forte para que a sua consciência se desenvolva.
O princípio que preside, pois, à organização social de tal colectividade, não é a
diversidade dos grupos ou das pessoas, mas sim a sua semelhança. O laço que une
estas pessoas e estes grupos constitui, por conseguinte, um tipo de solidariedade
por semelhança, a que Durkheim chama solidariedade mecânica, a qual
corresponde, necessariamente, a um forte estado da «consciência colectiva» porque,
para sobreviver, tal sociedade não pode tolerar as disparidades e os particularismos,
tanto nos grupos como nos indivíduos. A cooperação entre os indivíduos é
puramente voluntária e espontânea.
A sociedade de solidariedade orgânica, que Durkheim faz corresponder às
sociedades modernas (industriais), mais avançadas devido à divisão do trabalho e à
especialização. Daí que a solidariedade já não seja baseada na semelhança das
pessoas e dos grupos, mas na sua independência. Embora haja uma cooperação,
ela já não é espontânea, mas resulta da interdependência das partes. O lugar do
indivíduo torna-se maior, ao passo que o poder governamental torna-se menos
absoluto, não implicando, pois, a dissolução da autoridade política.
Este tipo de sociedade implica, pois, uma maior autonomia das pessoas, uma
consciência individual mais vasta. Mas este aumento de autonomia dos indivíduos
não significa, necessariamente, a dissolução da organização social.
A «lei da gravitação do mundo social»: foi o progresso da divisão do trabalho (factor
demográfico) que provocou uma transformação radical das sociedades. A base da
passagem da sociedade tradicional de solidariedade mecânica, à sociedade industrial de
solidariedade orgânica, foi a divisão do trabalho.
Durkheim explica que, quando numa sociedade a população é fraca relativamente
ao território, consegue sobreviver sem recorrer à divisão do trabalho. Porém, quando a
população aumenta e se torna mais densa, a sobrevivência só é possível, se se fizer uma
divisão de tarefas e se se desenvolver a especialização. «A divisão do trabalho varia na
razão directa do volume e da densidade das sociedades, e se progride de maneira contínua
no decurso do desenvolvimento social, é porque as sociedades se tornam mais densas e
mais volumosas» - factor dominante da mudança social, para Durkheim.
Pela expressão «densidade moral», pretende Durkheim significar o produto de toda
uma multiplicidade de interacções e uma influência recíproca cada vez maior das pessoas -
21
maior especialização, maior volume de trabalho material e mental, maiores acções e
reacções, vida social mais intensa, enfim, civilização.
MAX WEBER
22
Qual é o critério de escolha metodológica em Weber?
Como método de investigação, Weber diz que se deve, antes de mais, isolar um
fenómeno histórico concreto, conhecer-lhe as suas causas e efeitos dentro das relações
historicamente determinadas. Esta realidade concreta passará a ser o tipo ideal existente,
destinado a servir de comparação não só com outros tipos, como com a própria realidade.
Este tipo ideal serve, assim, de referência e de termo de comparação nas análises sociais,
tendo ainda em conta a maior ou menor proximidade da realidade observada e fruto de
análise, relativamente ao tipo ideal de referência. Weber chama de tipo-ideal três especies
de conceitos:
A primeira forma de tipo-ideai é de individualidade histórica como por exemplo o
capitalismo ou a sociedade ocidental. Neste caso o tipo ideal é a reconstrução da realidade
histórica global e singular. Global, porque é um conjunto de elementos que fazem parte de
regime económico que é designado com o termo capitalismo; singular, porque segundo
Weber, o capitalismo, no sentido como vem definido é plenamente realizado somente nas
sociedades ocidentais. Esta é portanto uma reconstrução parcial.
A Segunda forma de tipo ideal é aquela designada por elementos abstractos da
realidade histórica que se encontra em grande número de circunstâncias. Aqui emerge o
exemplo da burocracia um aspecto das instituições políticas, que não se identificam com
um regime assumido na sua totalidade e que se encontra muitas vezes em épocas diversas.
Estes tipos ideias colocam-se em diferentes níveis de abstracção. A um nível
inferior, aprecem conceitos como a burocracia ou o feudalismo. A um nível de abstracção
mais alto, encontram-se três tipos de poder: racional, tradicional e carismático. Cada um
destes três tipos é definido pela motivação de obediência ou pela natureza da legitimidade
a qual o chefe pretende. O poder racional se justifica com as leis e regulamentos; aquele
tradicional com referência ao passado e aos costumes; aquele carismático com certos dotes
excepcionais, quase mágicos, possuídas pelo chefe e que lhe são reconhecidas por aqueles
que o seguem e a ele votam. Através destes três tipos podemos compreender os diferentes
regimes políticos.
A terceira espécie de tipo ideal é constituída pelas reconstruções racionalistas do
comportamento que possui uma caracter particular. Por Exemplo segundo Weber o
conjunto das preposições da teoria económica é a reconstrução ideal típica dos modos em
que os sujeitos se comportassem se fossem sujeitos económicos.
A sua obra A ética protestante e o espirito do capitalismo permite verificar esta
relação.
23
Cabe agora aqui um parêntese para perguntar: através de que critério se pode
afirmar que a relação estabelecida entre fins e meios numa determinada sociedade, foi
produzida cientificamente e não de acordo com a subjectividade do analista? Por outro
lado, se os fins são inexplicáveis porque resultam de uma acção histórica imprevisível,
serão, então, os critérios científicos objectivos.
Weber, portador de uma grande coerência, diz que essa objectividade não é, de
facto, possível e afirma que os critérios científicos se fundamentam sobre o que é ou não
ciência na comunidade científica de cada época. Portanto, ao negar a possibilidade de
existência de leis científicas não contingentes e, também, da objectividade da análise de
uma determinada realidade dependente dos valores de um grupo social particular (os
sábios), Max Weber volta a insistir que os cientistas têm de ser eticamente neutros. De
facto, se os cientistas estivessem ligados a determinados interesses sociais (os da classe
dominante, por exemplo), tudo seria subjectivo e, então, a ligação dos efeitos às causas
seria feita segundo esses mesmos interesses (segundo a ideologia da classe dominante no
poder).
Ora, diz Weber, como os investigadores não são neutros, pois não é possível
considerá-los desligados dos interesses da classe, qualquer que ela seja (também ele se
considerava não neutro, por partilhar de uma certa posição político ideológica), há que
repudiar o cientismo até ao seu último reduto e ter apenas em conta o único critério da
verdade: a prática da racionalida de, concebida como uma acção livre e deliberada.
Em resumo Max Weber afirma que, o conhecimento científico é relativamente
objectivo, e o social, é subjectivo, na medida em que se torna impossível fazer-se um
estudo objectivo do social. Isto porque na investigação do social, os analistas partem
sempre de acontecimentos e, se por um lado, dão sempre uma importância
demasiadamente grande ao que é expresso, por outro lado, o que é mais grave,
interpretam o observado segundo critérios morais e ideológicos.
24
Max Weber debruça-se, sobre o capitalismo (como o fizeram, de resto, Comte, Karl
Marx e Durkheim), cujo espírito ou mentalidade considera não ser novo ou recente, por ter
já existido na China, no Egipto, na Antiguidade greco-latina e na Idade Média. Considera
que o capitalismo moderno ocidental tem características particulares, que o tornam numa
forma mais avançada e mais vasta, nomeadamente pela:
Organização de uma mão-de-obra livre (não composta por escravos como na
Antiguidade grego-romana, nem por servos como na Idade Média);
Utilização mais perfeita da ciência e da tecnologia;
Extensão dos seus mercados;
Existência de uma contabilidade aperfeiçoada;
Procura de lucros cada vez maiores, graças à utilização racional, calculada e
metódica dos meios de produção (recursos, capitais, técnicas, organização do
trabalho), bem como das condições de troca e de mercado.
A singularidade histórica deste tipo de capitalismo, está na extrema racionalidade das
condutas sociais, políticas e económicas, segundo Max Weber.
Uma das preocupações de Max Weber consistiu em tentar analisar as fontes dessa
racionalidade, isto é, dessa nova mentalidade, desse novo estado de espírito que favoreceu
o progresso do capitalismo ocidental moderno.
Max Weber pensa, a esse respeito, que, embora existissem certos factores de ordem
estrutural que favoreciam o capitalismo (acumulação de capitais, novas condições
demográficas, descoberta de novos continentes, etc.), tornava-se necessário que os homens
fossem estimulados por um novo espírito, por uma nova visão do mundo e por valores
favoráveis com vista à produção de tipo capitalista. Ora, noutros períodos históricos, a
visão do mundo predominante era uma visão religiosa e mágica que engendrou uma moral
individual que prejudicava quaisquer objectivos económicos de tipo capitalista ou a
racionalidade na organização e nas acções económicas.
Ora, nos sécs. XVII e XVIII, surgiu no Ocidente uma religião nova - o
Protestantismo13 que, pela primeira vez, empenhou o crente na procura sistemática
do lucro. Weber não quer dizer com isto, taxativamente, que o Protestantismo tenha
13
Protestantismo - conjunto das doutrinas e das seitas religiosas provenientes da Reforma, formadas nessa ocasião pelos
católicos que se separaram da Igreja Romana. protestando em nome do Evangelho e da razão. Apesar da sua
multiplicidade. as Igrejas protestantes entram em alguns tipos que são pouco numerosos. Os principais ramos do
protestantismo são: 1. o - ° luteranismo, fundado por Lutero (Alemanha - 1483/15461 e professado na Suécia,
Dinamarca, Prússia. etc.; 2. o - ° calvinismo, fundado por Calvino em França (1509-1564) e professado em França, na
Suíça. na Holanda e na Escócia sob o nome de presbiterianismo; 3. o - ° anglicanismo, fundado por Henrique VIII de
Inglaterra (1534), quando quebrou relações com o Papa Clemente VII, por este lhe recusar a anulação do seu casamento
com Catarina de Aragão, resolvendo colocar-se ele próprio à frente da Igreja inglesa.
25
dado origem ao capitalismo. O que quis, de facto, assinalar, é que o
Protestantismo (sobretudo o Calvinismo), foi a grande «força espiritual, o factor
cultural que impulsionou fortemente o espirito capitalista e lhe deu força e
originalidade.
No aspecto moral, o Calvinismo comportava várias obrigações
importantes que só vinham beneficiar a mentalidade do empresário e da
burguesia de negócios, de que destacamos:
O trabalho não era considerado como um mal necessário ou a punição de uma
falta, mas sim como o maior contributo do homem para a glorificação de Deus.
Mas não bastava apenas trabalhar; tornava-se necessário que o trabalho
fosse bem feito, que fosse produtivo e servisse fins efectivamente úteis.
A existência de uma vida austera. O homem deveria banir tudo o que agradasse
aos sentidos (conforto material, artes, música, poesia e literatura!. O crente deveria
evitar o luxo e a avareza, não devia gastar nem amealhar, mas empregar antes as
suas riquezas em novas actividades produtivas, a fim de que elas pudessem
frutificar.
A ciência (sobretudo a experimental), é obra de Deus. Todo o crente deveria ter
um mínimo de instrução para poder conhecer a grandeza, a sabedoria e a Palavra de
Deus.
Por tudo isto, não é de admirar que, por toda a parte onde o Calvinismo se implantava, se
intensificasse a actividade económica de tipo capitalista. Todavia, embora Max Weber
tivesse posto em evidência que o capitalismo não teria podido evoluir como evoluiu no
Ocidente, se não tivesse recebido o apoio e o impulso de uma moral religiosa
particularmente favorável (factor dinâmico de mudança económica), ele considera ainda a
existência de outros factores cujo peso não conseguiu medir com segurança, dada a
complexidade da evolução histórica.
26
Quadro de Resumo
Concepções sobre a evolução social e às mudanças socioculturais
desde os quatro pensadores sociais estudados
August Comte Karl Marx Èmile Durkheim Max Weber
Concepção de natureza Concepção materialista Concepção realista - a vida Concepção da prática da
psicológica ou idealista. (materialismo dialéctico) social é formada pelas racionalidade, humanista e
A realidade social - as ideias são o reflexo atitudes e comportamentos historicista a explicação das
depende das ideias da realidade social, da individuais; existe uma coisas só se pode encontrar nas
dominantes que são estrutura económica de «consciência colectiva» que próprias coisas; qualquer
obtidas por «consenso» cada sociedade. As resulta de uma combinação verdade somente pode ser
entre os membros da sociedades e as ideias e ou amálgama das reconhecida como tal, se for
sociedade e graças ao instituições só mudam, se «consciências individuais»; demonstrável, racional e
qual ela existe e pode mudar a estrutura as mudanças socioculturais experimentalmente; a ciência é
funcionar. económica. têm como causa os factos relativamente objectiva, ao
«Positivista», porque A sociologia de Marx sociais, a realidade social. A passo que o «social» é sempre
defende que nada se pode convida à acção sociologia é a ciência dos subjectivo; a Sociologia é uma
conhecer com exactidão revolucionária, através da factos factos sociais ciência da história, comparada e
senão as verdades organização das massas explicativa.
verificadas pela proletárias com vista ao
observação e pela esmagamento da classe
experiência; é, por fim, burguesa.
«racionalista», porque a As sociedades evoluem
sua sociologia também é multilinearmente. isto é,
fundada na razão e no de maneira diversificada,
domínio do não uniforme.
conhecimento.
27
A Sociologia era enciclopédica. Isto significa que ela ocupava-se da vida social como um
todo e da totalidade da história.
A Sociologia era evolucionista. Isto significa que, sob a influência da Filosofia da
História e reforçada pela teoria biológica da evolução, a Sociologia procurava identificar as
principais fases da evolução social. As teorias evolucionistas em Biologia forneceram um
esquema útil para o estudo da evolução humana e social, não só a Durkheim ou Max
Weber, como, sobretudo, a todos os sociólogos e antropólogos do início do séc. XX.
- A Sociologia era concebida como uma ciência positiva, de carácter idêntico ao das
Ciências Naturais. (Comte e Marx), a Sociologia acabou por ser desmembrada das
Ciências Sociais, passando a constituir uma ciência autónoma, à semelhança da
Psicologia Científica e da Etnologia (Durkheim e Max Weber).
- A Sociologia era uma ciência da História. Já Max Weber concebia a Sociologia como
uma ciência da História, comparada e explicativa.
3. a - Quanto às concepções assumidas pelos quatro pensadores sociais estudados, no
que diz respeito à evolução social e às mudanças socioculturais, podemos resumi-las da
seguinte maneira:
- Comte: concepção de natureza psicológica ou idealista. A realidade social depende das
ideias dominantes que são obtidas por «consenso» entre os membros da sociedade e graças
ao qual ela existe e pode funcionar.
- Marx: concepção materialista {materialismo dialéctico} - as ideias são o reflexo da
realidade social, da estrutura económica de cada sociedade. As sociedades e as ideias e
instituições só mudam, se mudar a estrutura económica.
- Durkheim: concepção realista - a vida social é formada pelas atitudes e comportamentos
individuais; existe uma «consciência colectiva» que resulta de uma combinação ou
amálgama das «consciências individuais»; as mudanças socioculturais têm como causa os
factos sociais, a realidade social.
- Max Weber: concepção da prática da racionalidade, humanista e historicista a
explicação das coisas só se pode encontrar nas próprias coisas; qualquer verdade somente
pode ser reconhecida como tal, se for demonstrável, racional e experimentalmente; a
ciência é relativamente objectiva, ao passo que o «social» é sempre subjectivo; a
Sociologia é uma ciência da história, comparada e explicativa.
28
Objecto e método da sociologia
29
Questões relativas ao desenvolvimento: A sociologia não se ocupa somente das
sociedades existentes, confrontando-as entre si, mas visa também comparar
presente e passado. Neste caso, a atenção centra-se sobre as questões do
desenvolvimento. Para compreender a natureza do modo moderno devemos
examinar também as sociedades do passado, nos seus principais processo de
transformação;
Questões teóricas: A sociologia não se limita a recolha dos factos, por mais que
estes sejam importantes. O objectivo é também de compreender porque as situações
acontecem. Torna-se portanto necessário levantar questões teóricas, através das
quais interpretar os factos em modo correcto e recolher deste modo as causas do
fenómeno analisado. As teorias são necessárias porque ajudam-nos a conferir um
significado aos factos16.
A visão sociológica exige sobretudo: a capacidade de reflectir sobre si mesmo, das hábitos
familiares, da própria vida quotidiana, a fim de poder olhar sobre a mesma com olhos
diversos. Um sociólogo portanto é aquele que consegue libertar-se dos condicionamentos
pessoais.
16
Cfr. GIDDENS ANTONY, Sociologia, Bologna, Il Mulino, 1993, p. 22.
17
Cfr GIDDENS ANTONY, Sociologia, Bologna, 1993, p. 19.
30
de uma raça, de cada um dos sexos ou de uma área geográfica. São explicações que
implicam o carácter real ou supostamente dito "natural" (biológico, climatérico,
psicológico, físico-geográfico) dos fenómenos sociais. Porque consideram que as causas
dos fenómenos sociais são "naturais", e não "sociais", este tipo de explicações exclui
qualquer necessidade de investigação. (ex: a emigração é um facto normal)
Outra forma de explicar o social em termos não sociais, do tipo "individualista", tende a
produzir um tipo de explicações do que se passa na sociedade como efeito, a nível
colectivo, de factores que se apreendem ao nível do indivíduo e que se tomam como
independentes dos contextos sociais em que os indivíduos participam. As explicações deste
género são muito frequentes ("há desemprego porque há pessoas que não querem
trabalhar", "o país não progride porque há poucos indivíduos empreendedores",
O ponto de partida para a ruptura com as explicações de tipo individualista é o
estabelecimento de tipologias e de correlações entre os fenómenos sociais.
O etnocentrismo caracteriza-se pela colocação da sua própria cultura no centro da
sua explicação ou da sua descrição do mundo. O ponto de partida para a ruptura
epistemológica com o etnocentrismo é a reflexão crítica sobre a adequação dos
instrumentos teóricos e técnicos à especificidade histórica e social do objecto de análise18.
A ideologia dominante: Todas as sociedades possuem os seus valores e códigos de
conduta que orientam os mais diversos comportamentos dos indivíduos na sociedade. O
sociólogo ao querer explicar o comportamento dos fenómenos sociais que observa, será
influenciado pelos valores e outras ideias dominantes dessa sociedade. Ex: os etnólogos
quando estudavam ou tentavam explicar a vida das chamadas comunidades primitivas, o
faziam considerando essas comunidades “atrasadas” pois o seu ponto de referencia era a
sociedade industrial de que faziam parte.
Resumo
“Um dos precedimentos básicos da sociologia é a ruptura com convicções
preconceituosas e com as explicações simplistas que circulam na sociedade a propósito dos
fenómenos sociais”. António Firmino da Costa
A análise sociológica deve procura ver para além das evidencias imediatas.
Não pode aceitar sem inspecção cuidadosa toda e qualquer interpretação que as
pessoas e as organizações vão fazendo acerca dos processos em que estão envolvidas.
18
Cfr. VERGAS JOSÉ, Introdução ao estudo da sociologia,, p. 22.
31
Para uma análise social ou melhor fazer da sociologia uma ciência, é importante:
ultrapassar o nosso sistema de referências; pôr de lado nossos valores culturais, ideologias
e preconceitos.
Qualquer ramo do conhecimento em que nos situemos, não deverá, nunca haver
dogmas ou verdades incontestáveis (é importante ao espírito cientifico caracterizar-se pela
capacidade de discussão).
A dúvida sistemática, de questionamento constante, de crítica sobre o rigor do
nosso trabalho e objectividade exige que o sociólogo se esforce por fazer tábua rasa das
noções adquiridas empiricamente –Regra da ignorância consciente- .
32
decorre a complementaridade e interdependência das ciências que estudam a realidade
social o que nos leva a concluir que tudo o que se passa na sociedade pode ser estudado por
uma disciplina social específica e, simultaneamente, por outras Ciências Sociais. Embora
todas estas disciplinas que incluímos, genericamente, nas Ciências Sociais, se ocupem
da mesma realidade social, elas são distintas entre si, não pela natureza do seu objecto
que é o mesmo, mas pelo seu «ponto de vista» ou «ângulo de visão» sobre a realidade
social, ou seja, mais simplesmente, cada disciplina interessa-se por determinados aspectos
dos fenómenos sociais. Nenhuma disciplina social, isoladamente, pode explicar o que se
passa na sociedade. Só em complementaridade e interdependência com os conhecimentos
das outras Ciências Sociais se pode ter um conhecimento integral dos fenómenos sociais.
Todo o fenómeno, qualquer que seja, da realidade social, é um todo
plurifacetado, podendo cada faceta (económica, política, demográfica, etc.), ser objecto
de estudo unilateral. Nesta ordem de ideias, cada uma das Ciências Sociais representa
o estudo de uma determinada faceta dos fenómenos sociais. Todo o fenómeno que
depende da vida de um grupo, é considerado fenómeno social. Os fenómenos sociais não
podem ser analisados de forma isolada, mas antes de forma complementar e interdepen-
dente. É que a sociedade não é só o conjunto de pessoas que a constituem, mas também o
conjunto das relações recíprocas que entre elas se estabelecem. A estrutura própria do
"todo" revela certas relações e atributos que existem para além da soma dos elementos
considerados isoladamente; daí a grande complexidade do social.
33
interferência entre as mesmas :
Sociologia e História: História instrumento para compreender a sociedade de hoje e
as perplexidade do pensamento actual. Em nossa formulação do que deve ser
explanado, precisamos de um alcance maior, que se pode ser proporcionado pelo
conhecimento das verdade históricas da sociedade humana. Os estudos não-
históricos tendem a ser estáticos ou curtos.
Sociologia e Direito : Toda sociedade é caracterizada por uma certa ordem social,
económica, jurídica, cultural, política etc. A ordem social geral (conjunto de
normas), económica, política, jurídica é a condições indispensável para o
funcionamento de qualquer sociedade. O direito influencia os nosso
comportamentos sociais. A sociologia descodifica os comportamentos sociais, no
sentido de distinguir os comportamentos resultantes da vivência do grupo daqueles
que lhe são impostos, coactivamente, por normas de direito, que nem sempre
reflectem os costumes, os usos enfim a cultura de um povo.
34
séc. XVIII que a sociologia e a Ciência política mais um passo no caminho da sua
afirmação enquanto ciências. Um estudo em profundidade do fenómeno do poder
exige o recurso á sociologia como a ciência capaz de explicar as interacções entre
grupos sociais.
35
sociedade:
Sociedade, pode definir-se, em sentido sociológico, como um conjunto de seres
humanos em permanente interacção, com vista à satisfação das suas necessidades sociais
e detentores de uma cultura comum. É, pois, no seio da sociedade que os homens se
relacionam uns com os outros, constituindo grupos e colectividades e nelas se
comportando de determinada maneira.
A colectividade manifesta, pois, não a acção individual, mas a resultante das
actividades sensoriais, imaginativas, intelectuais e voluntárias dos seus membros.
Porém, mesmo considerado individualmente, o homem é sempre social. Isto
significa que, seja qual for o aspecto da vida do homem que consideremos, seja qual for o
seu comportamento, encontramos sempre a marca que os diversos grupos sociais lhe
imprimiram.
O fenómeno fundamental do ser humano é essa sua necessidade de relações
(biológicas, económicas e culturais) e que constitui o facto social de que todos os outros
dependem. Factos sociais "consistem em modos de agir, de pensar e de sentir,
exteriores aos indivíduos, e que são dotados de um poder coercitivo, em virtude do
qual lhes são impostos"19. E também, facto social a interacção dos homens através do
espaço e do tempo, ou seja, tudo o que é próprio da vida em grupo: as relações individuais
ou colectivas, sem as quais não existe vida social; os resultados da vida em grupo (produto
da vida social), quer de ordem material, quer de ordem mental. São factos sociais, por
exemplo:
os diferentes tipos de relações que se estabelecem entre o pessoal de uma
fábrica: do operário A com o operário B, dos operários de uma dada secção com
o seu chefe e reciprocamente, dos operários com a direcção, etc.
São, também, factos sociais, a própria fábrica e os planos económicos que
presidem à sua criação e funcionamento;
Os hábitos familiares, o «clima» de uma empresa, as diferenças de
comportamento que permitem identificar os indivíduos dentro da estrutura
social, são, também, factos sociais;
Factos sociais como: a prática religiosa, a linguagem, o sistema de ensino, a
organização do trabalho, o papel e o estatuto social da mulher, o casamento, a
forma de vestir, o tipo de alimentação, a arquitectura, a organização e estrutura
familiar, a organização urbanística.
19
Cfr. DURKHEIM. ÉMILE, Les Règelsde la Methode Sociologique, Paris, PUF.
36
Factos sociais que só nos últimos anos apareceram na nossa sociedade, como a
homossexualidade, a marginalidade, a delinquência, a imigração, a SIDA, a
globalização da economia. Tudo o que se passa em determinada sociedade que
envolva relações entre as pessoas é facto social. A análise sociológica é,
sobretudo, uma análise das relações sociais.
20
Cfr. VERGAS JOSÉ, Introdução ao estudo da sociologia, Porto, Porto Editora LDA, pp. 8-15.
21
BEAUVOIR DE SIMONNE, Segundo Sexo, ….
37
os fenómenos são determinados por diferentes tipos de códigos, eles próprios susceptíveis
de mudança, como também existem limitações ao conhecimento social.
Por fim, recordemos a totalidade, característica súmula de todos os fenómenos
sociais e inerente ao seu próprio conceito e a que já fizemos referência anteriormente 22.
Todo o fenómeno ocorrido numa sociedade tem repercussões imediatas no "todo" e vem,
portanto, perturbar as relações nas outras ordens de actividades. É impossível analisar um
aspecto da vida social sem ter em conta todos os outros aspectos. A política, por exemplo,
não pode ignorar o que se passa no domínio do religioso, do económico ou do etnológico.
A sociedade tem de ser vista como um todo e não como a soma de diferentes
aspectos. Todo o fenómeno ocorrido numa sociedade tem repercussões imediatas no "todo"
e vem, portanto, perturbar as relações nas outras ordens de actividades. É impossível
analisar um aspecto da vida social sem ter em conta todos os outros aspectos. A política,
por exemplo, não pode ignorar o que se passa no domínio do religioso, do económico ou
do etnológico. A análise de um aspecto isolado ,"o todo que é a sociedade global não tem
qualquer significado para além do fenómeno em si”.
O social é uno e indivisível. A sociedade não existe senão como um "todo" integral
ainda que possa ser observada por diferentes ângulos, sob diferentes pontos de vista.
Marcel Mauss, usa o conceito de “Fenómeno Social Total"23 isto é, nada se compreende
numa sociedade, senão em relação ao todo", diz Mauss. É impossível desligar o fenómeno
social do contexto (totalidade) em que está inserido.
O sociólogo e os factos sociais
22
. VERGAS JOSÉ, Introdução ao estudo da sociologia,, pp. 19-20.
23
Marcel Mauss (1872-1950), Sociológo francês, discipulo de Émile Drcheim.
38
ideias, opiniões e comportamentos que nunca teria adquirido se tivesse permanecido
isolado.
24
Cfr., GIDDENS ANTONY, Sociologia, Bologna, Il Mulino,,1993, p. 18.
39
(alteração paisagística, poluição, exaustão dos recursos). No entanto, as coisas não são
assim tão simples como o senso comum nos quer induzir.
A Natureza, que é objecto da acção do Homem, é ou não, em grande parte, uma criação
do próprio Homem? E este mesmo Homem que age sobre a Natureza não é, ele próprio, do
ponto de vista biológico, um ser natural? A definição das fronteiras entre o Homem e a
Natureza é objecto de grande polémica teórica. Mas importa retirar que entre o natural e o
social se estabelecem relações que fazem com que os seres vivos transformem o meio
natural em que vivem, ao mesmo tempo que são influenciados por ele e obrigados a
diversas adaptações. São estas interacções que nos permitem tipificar o comportamento de
um povo, de uma região. O vestuário, a alimentação, a habitação numa região nórdica são
substancialmente diferentes dos de uma região temperada e opostas dos de uma região
desértica ou tropical. A vida do Homem e as práticas sociais dela decorrentes são
consequência da integração do ser humano num dado meio natural, no seu habitat.
40
Por técnicas consideramos o conjunto de processos operativos, ou operações
simples, que nos permitem pesquisar algo. Ou melhor, as técnicas correspondem ao
«nível» inferior e designam os instrumentos, bem delimitados e transmissíveis, destinados
a produzir certos resultados julgados úteis na observação e na medida dos factos sociais;
corresponderão por exemplo, a este «nível» o questionário, a escala de atitudes, a
entrevista, a observação participante, o teste etc.,
Por método entendemos o processo de selecção de técnicas de pesquisa adequadas
ao trabalho que vamos fazer, o controlo da sua utilização e a integração dos resultados
obtidos.
A metodologia consistirá na análise sistemática e crítica dos pressupostos,
princípios e procedimentos lógicos que moldam a investigação de determinados problemas
sociológicos. Situam-se aqui as questões relacionadas com a estratégia de pesquisa a
adoptar em referência e adequação a certos objectos de análise e em ordem á relacionação
e integração dos resultados obtidos através do uso das técnicas.
Assim sendo, o tratamento estatístico das variáveis (grau de instrução, nível de
rendimento, repartição por sexos, idade etc.,) que caracterizam um fenómeno social
(emigração) pode ser considerado uma técnica, enquanto que o processo de escolha das
variáveis, e selecção das técnicas mais apropriadas para o estudo do referido fenómeno, faz
parte do método25.
25
Cfr. AAV., «Sobre “As novas fronteiras da metodologia sociológica” in Análise social, 35-36, 1972, ; AAV,
Sociologia, Porto, Lello & Irmão, 1998, 55-70.
41
Fases da Pesquisa Cientifica
Teoria e
Formação de
definição do
conceitos, problema Dedução
formação de lógica
proposições e
ordenamento de
proposições
Generalizaçõe
s empíricas Hipóteses
Medição,
Resumo de Interpretação,
amostragens instrumentaliz
de ação,
consideração graduação e
de parâmetros Observa amostragem
ção
Para um estudo aprofundado é necessário conciliar os métodos qualitativos e
quantitativos.
26
P. LAZARSFELD, A Sociologia, Ed. Bertrand, Lisboa, 1973.
42
(questionários) de populações relativamente vastas de unidades colocadas em situações
reais, a fim de obter respostas susceptíveis de serem manejadas. mediante uma análise
quantitativa" (Greenwood, Métodos de investigação empírica em Sociologia).
Como a análise extensiva tem por objecto populações constituídas por um número de
elementos bastante grande, impõe-se o recurso às técnicas de amostragem.
Este terceiro método "consiste no exame intensivo, tanto em amplitude como em
profundidade. de uma amostra representativa de um determinado fenómeno social e
recorrendo a fadas as técnicas disponíveis" (Greenwood, obra citada).
As características deste método, segundo Greenwood, referem-se ao estudo em
profundidade, o que nos mostra os múltiplos aspectos a considerar em qualquer fenómeno
social, e ao estudo em amplitude, o que nos dá a perspectiva histórica do fenómeno em
análise. Outra característica deste método é a liberdade na escolha das técnicas que nós
consideramos mais adequadas em função do nosso objectivo.
43
lacunas, e a análise de conteúdo, que procurar agrupar significações, e não vocábulos, e é,
em principio, aplicável a todos os materiais significantes, a todas as 'comunicações', não se
cantonando aos textos escritos.
44
observações quantitativas e, sobretudo. recorrer a uma linguagem precisa e não literária.
Uma quarta característica indispensável a uma observação científica é a sistematização.
De facto, toda a observação deverá ser feita de acordo com um sistema previamente
definido. Isto é, os fenómenos que observamos apresentam, necessariamente, variantes. O
que interessa ao sociólogo é captar o essencial e afastar os elementos secundários. Para tal,
a observação deverá ser feita frequentes vezes e de acordo com um esquema de
regularidade. Assim, a periodicidade e a frequência serão elementos a considerar na
sistematização da observação.
Outra característica da observação é o registo.
O sociólogo deverá recolher, por escrito, tudo o que observa. pois, como a memória é
selectiva e falível, poderá perder elementos essenciais se estes não forem registados no
momento da observação.
Outro requisito técnico, que a observação deve respeitar, é o controlo. Todo o fenómeno
social é complexo e a sua observação global impedir-nos-á de captar todas as informações
necessárias que, como vimos atrás, são indispensáveis. Assim, teremos de identificar as
diferentes variáveis relativas ao fenómeno em questão e de as observar, primeiro
isoladamente e, só depois, conjugar as diferentes observações feitas.
Este procedimento significa que iremos tentar controlar o fenómeno pela sua divisão em
aspectos fundamentais, cuja análise será facilitada porque mais circunscrita. Ao conjunto
das observações feitas parcialmente, seguir-se-á a sua conjugação, ficando o sociólogo
com uma visão simultaneamente global e pormenorizada do fenómeno social.
Respeitando estes preceitos na observação dos fenómenos sociais. vai identificar e descrever algumas técnicas não
documentais.
45
vários elementos de um grupo decidem aproveitar a sua inserção para observar o grupo de
que participam, pode falar-se de participação-observação.
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