Ens. Manipulaãço Gen Que Fala Sobre Sandel
Ens. Manipulaãço Gen Que Fala Sobre Sandel
Ens. Manipulaãço Gen Que Fala Sobre Sandel
APROVADO:______/______/_____
BANCA EXAMINADORA:
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Cristiano Simão Miller
Centro Universitário Fluminense– UNIFLU
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Giovane do Nascimento
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF
À minha esposa Erika Costa Barreto Monteiro de Barros, meu baluarte nesta vida
caótica e eterno amor!
5
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais Evandro Monteiro de Barros e Ana Célia Braga Monteiro de Barros a
quem devo minha formação, minha total gratidão pelo amor e dedicação.
À minha querida avó Zelândia da Fonseca Braga por todo o carinho.
À minha esposa Erika C. Barreto Monteiro de Barros por sempre estar ao meu lado
me orientando e me proporcionando lapidar cada vez mais o meu ser.
Aos meus sogros Jurema Costa Barreto e Evaldo Gomes Barreto pela convivência e
aprendizados.
Ao meu amigo de infância (o irmão que identifiquei aqui na terra), meu revisor oficial
e conselheiro para todos os assuntos, Francisco Daniel Luna de Almeida (o Chico).
Ao mestre Fernando da Silveira que sempre acreditou no meu potencial e pela
amizade.
Ao meu orientador Julio Cesar Ramos Esteves, hoje a quem tenho a honra de ter
também como amigo, por quem nutro profundo respeito e admiração e por me
mostrar caminhos para reflexões filosóficas influenciando minha vida acadêmica e
pessoal.
À minha coorientadora Verusca Moss Simões dos Reis pela dedicação e paciência
durante essa jornada.
Aos amigos Luiz Fernando Baptista do Amaral Pinto, Manoel da Fonseca Junior
(meu professor de história medieval e da igreja), Jefferson Menezes, Lucas
Rodrigues, Marcelo Saldanha, Luan Raphael, Ronaldo Sobral, Sandro Leandro e
RESUMO
Este trabalho versa sobre os limites morais da manipulação genética, tendo como
objeto em seu primeiro capítulo tratar da questão da eugenia como projeto político
por meio de uma abordagem da história geral da filosofia, ou seja, ideais utópicos de
Platão à Campanella a respeito de seus Estados utópicos, adentrando ao período
das ditaduras nazista, da URSS e aspectos autoritários da China. No segundo
capítulo abordamos a eugenia como projeto individual, dissertando sobre o
liberalismo e o libertarianismo, bem como sobre o que seria a vida boa e o
perfeccionismo, com o escopo principal de tratar da eugenia nas famílias abordando
reflexões pautadas em casos concretos. Por último, tratamos da eugenia
moralmente possível e do espectro que ela representa no mundo ocidental,
apresentando argumentos em favor da utilização de técnicas da engenharia genética
desde que com critérios ético-legais rigorosos e com a impreterível participação da
doutrina jurídica.
ABSTRACT
This work deals on moral limits of genetic manipulation covering general history of
philosophy with the utopian ideas from Plato up until Campanella, entering the period
of the Nazi, URSS dictatorsships and authoritarian aspects of China. In the second
chapter we approach the eugenics as an individual project, expounding about
liberalism and libertarianism, as well as about what should be a good life and the
perfectionism, with the goal about eugenics in the families approaching reflections in
concrete cases. At last, we approach the eugenics we consider morally possible, and
about spectrum that it represents in the Western wolrd, presenting arguments in
support of the use of the genetic engeneering as long as with ethical-legal strict rules
and with the unavoidable legal writings participation.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................11
INTRODUÇÃO
de uma melhora no estilo de vida do ser humano, bem como de sua evolução,
principalmente no que toca à esfera da genética com a possível e viável
manipulação de genes humanos, ao passo que a manipulação de genes é um sonho
que vem crescendo ao longo dos anos. Definir características desejadas e eliminar
doenças são alguns dos supostos benefícios possíveis de se alcançar através do
domínio de tal feito, que, a partir do século passado, passou a tornar-se realidade.
Apesar de todos os benefícios possíveis com o domínio e controle das
combinações genéticas, bem como com a seleção e descarte das mesmas, realizá-
las não é uma tarefa tão simples como pode parecer. O pensamento sobre as
possibilidades genéticas e seus benefícios deve vir sempre acompanhado do
escopo ético e filosófico que pretende nos atentar para a os limites morais de tais
feitos, um questionamento nascido da área da filosofia. Hoje tal questionamento está
presente em uma área subordinada ao pensamento filosófico, denominada bioética.
Falar sobre manipulação genética e suas finalidades, ou seja, incluir e excluir
características físicas e cognitivas em seres humanos faz com que recaiamos no
problema que tange ao possível melhoramento da espécie e das populações, para
que as coletividades humanas possam ser selecionadas, questão pertinente à esfera
da eugenia.
O termo eugenia vem do grego e traduz, segundo consta no dicionário
Michaelis, a “Ciência que se ocupa com o estudo e cultivo de condições que tendem
a melhorar as qualidades físicas e morais de gerações futuras, especialmente pelo
controle social dos matrimônios” (MICHAELIS, 2016).
Neste trabalho, a palavra eugenia deve ser lida e entendida sob o
aspecto científico, mais precisamente como uma forma de tentativa de
aprimoramento das qualidades da espécie humana e ou de evitar doenças que
podem ser sanadas já no embrião. Esse conceito sempre se mostra muito polêmico,
principalmente em virtude das ações empreendidas com vistas aos objetivos
nazistas de “melhoramento” da espécie através da segregação das raças (termo que
já não se usa mais, pois hoje se fala em uma só raça humana), e até mesmo
aniquilamento daquelas consideradas por eles como inferiores.
O termo eugenia, diferente do que as pessoas comuns pensam, não foi
cunhado por Hitler e, sequer idealizado por ele. Já na antiga Grécia, o filósofo
Platão, em A República, almejava uma sociedade se aperfeiçoando por processos
16
seletivos (PLATÃO, 1961), porém, Platão planejava uma classe elitizada, que seria a
classe dos guardiões, ou seja, a eugenia de Platão não estava direcionada a toda a
sociedade, e sim a uma elite.
Francis Galton (1822 – 1911), um antropólogo, meteorologista, matemático e
estatístico, em 1883 cunhou o termo eugenia ou bem-nascido (BLACK, 2003, p.56),
termo que demonstrou seu interesse em uma ciência que tratasse genuinamente da
hereditariedade genética humana, utilizando ferramentas biológicas e matemáticas
capazes de identificar os seres com as melhores características com o objetivo de
reprodução para fins de nascimentos de “seres melhores”.
Galton acreditava ser possível evitar problemas de doenças e garantir
melhoramentos da espécie humana evitando cruzamentos entre “indesejáveis”. Esta
seleção seria feita de forma natural, onde os pares se escolheriam de forma a não
perpetuarem, ou não potencializarem características indesejáveis, tais como
doenças hereditárias, doenças físicas ou mentais, propensão ao alcoolismo, entre
outras.
Ocorre que hoje em dia essa seleção já pode ser realizada por intervenção
direta da engenharia genética, capaz de modificar o indivíduo, independentemente
dos cruzamentos, selecionando dentre os genes dos pares que doarão os gametas
(células reprodutoras que se unirão para formar o zigoto), aqueles que possuam, ou
não, as características desejadas para o embrião. Isto é possível através da
manipulação “in vitro”, por exemplo.
Tratamos neste tópico o conceito de eugenia e dissertamos a respeito de
algumas técnicas já dominadas pela ciência no que toca a prática das atividades que
envolvem o tema. Assim, dando continuidade, pretendemos abordar no próximo
tópico a reprodução assistida, técnicas e dilemas.
1
MOREIRA, R. V. Maternidade Construída: implicações filosófico-jurídicas do útero de substituição.
Campos dos Goytacazes, RJ: Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF,
2016.
18
Entretanto, há fins que podem não parecer tão nobres quanto os que são
defendidos acima. Atualmente a escolha do sexo do bebê já é possível com a
separação dos espermatozoides que contém o cromossomo X dos que possuem o
cromossomo Y, conforme explicado abaixo:
Em 1993, esta já era uma realidade nos Estados Unidos quando casais que
desejavam ter uma menina foram recrutados por uma clínica americana para
realizarem o processo e obteve-se uma eficácia técnica de 92,9%. Ocorre que há
diferença entre os espermatozoides Y, que por sua vez possuem menor material
genético que os que carregam o cromossomo X, uma diferença de apenas 2,8%,
mas que torna difícil separá-los com 100% de exatidão (ENGELHARDT, 1986).
Segundo Glauco, no diálogo com Sócrates, esse seria o meio eficaz para
preservar a pureza da raça dos guardiões, e nesse ponto já pode ser claramente
identificado um verdadeiro problema moral na vontade (intenção) dos protagonistas
daquela ideia, ou seja, o descarte dos “malnascidos” como garantia de uma
sociedade mais saudável e feliz, ou mesmo bela. Nesse ínterim paira a pergunta:
essa sociedade “perfeita” deveria ser concebida aos olhos de quem? Do filósofo?
É preciso salientar que a obra platônica se revela tão importante para o tema
por nós abordado, que cabe adentrar na esfera de um importante comentador para
que possamos compreender A República de forma mais ampla.
Ao longo do texto apresentado em A República, o pensamento de Platão se
revela aos poucos demonstrando uma grande preocupação com a questão
relacionada a um projeto político de eugenia estatal, ainda que como algo
meramente ideal, e isso, se dá diante do arcabouço do filósofo, que já, no
entendimento de Jaeger em escritos anteriores vinha consolidando uma formação
de embasamento direcionada a ideia de que a análise socrática das virtudes estaria
intimamente ligada à ideia da virtude política. Tal virtude, ainda segundo o autor,
estaria presente no Protágoras e no Górgias, obras nas quais, ainda segundo o
autor, “o conhecimento socrático do bem em si é concebido como arte política, da
qual se tem de esperar toda a salvação” (JAEGER. 2013. p. 755).
A República é obra considerada por muitos como a mais arquitetada de
Platão, e isso, deve-se ao fato do sentido dos escritos não ser direcionado à uma
cidade específica ou momento histórico determinado, o que revela em sua obra um
caráter elástico, que a caracteriza como pretensão de um modelo universal, um
paradigma para a busca de um Estado perfeito, de maneira que: “A sua República
não é uma obra de direito político ou administrativo, de legislação ou de política, no
sentido atual. Platão não parte de um povo histórico existente, como Atenas ou
Esparta”, e continua o comentador: “Ainda quando se refere conscientemente às
condições vigentes na Grécia, não se sente vinculado a um determinado torrão nem
a uma cidade determinada” (JAEGER. 2013. p. 756).
Esse aspecto de caráter geral e ideal da obra platônica faz com que
estudiosos de Platão concluam que os estudos e escritos do filósofo não pretendem
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chama de “um bom guardião dos seus”, com capacidade de distinguir as pessoas
conhecidas das desconhecidas e também deveriam reunir “qualidades
aparentemente contraditórias: doçura para com os seus e agressividade contra os
estranhos” (JAEGER. 2013. p. 770/772). Na obra platônica esse ponto fica bem
definido nas seguintes passagens:
Para o guerreiro ser bom guardião dos seus, a sua alma tem de
reunir, como os bons cães, duas qualidades aparentemente
contraditórias: doçura para com os seus e agressividade contra os
estranhos (JAEGER. 2013. p. 771/772).
- Queremos – disse ele – que tudo lhes seja comum, exceto que
empregaremos as fêmeas como mais fracas e os machos como mais
fortes.
- Ora, é possível obter de um animal os mesmos serviços que de
outro, se não for nutrido e criado da mesma maneira?
- É impossível, certamente.
- Se, portanto, exigimos das mulheres os mesmos serviços que dos
homens, devemos formá-las nas mesmas disciplinas.
- Certo (PLATÃO, 451 e. 2010).
- Ainda te lembras que há pouco fomos censurados por não sei quem
de negligenciar a felicidade de nossos guardiães, os quais, podendo
possuir todo o haver dos outros cidadãos, nada possuíam de
próprio? (PLATÃO, 466 a. 2010).
28
Pelos escritos, é possível afirmar que o Estado ideal platônico não seria algo
somente possível entre os gregos ou mesmo em uma sociedade isolada, como
podemos ver: “O Estado ideal de Platão poderia realizar-se igualmente entre os
bárbaros, e até é possível que alguma vez tenha existido entre eles nos tempos
passados, sem o nosso conhecimento” (JAEGER. 2013. p. 832).
Dessa forma fica claro também que no pensamento de Platão não é a etnia
ou raça que está em jogo, mas uma seleção para a perfeição em sua completude,
como consta na obra de Jaeger: “Não é o material étnico de que está formado que
infunde valor à comunidade estatal de Platão, mas sim a sua perfeição como um
todo”. E, por fim, complementa o comentador que: “Aos olhos de Platão, o seu
Estado tinha mais de Estado que qualquer outro. Estava convencido de que o
homem alcançaria nele a forma suprema da virtude e da felicidade humana”
(JAEGER. 2013. p. 832/833).
Já quanto à educação dos guerreiros e a reforma do direito de guerra, cabe
mencionar que os guerreiros, para Platão deveriam ser iniciados desde muito novos
na arte da guerra, para que crescessem acostumados com as batalhas e
adquirissem uma coragem maior do que a dos homens comuns. Nas linhas da obra
da Jaeger:
Devem eles ser iniciados na guerra logo desde a infância, tal como
os filhos dos oleiros aprendem a arte da olaria, vendo o pai trabalhar
ou dando-lhe uma ajuda na sua tarefa. Os filhos dos “Guardiões” não
podem receber uma educação pior do que os pais. Porém também
não se deixará que eles corram o mínimo risco, quando forem
levados a guerra com eles. Platão adota providências especiais para
a segurança. Destina-lhes como guias e “pedagogos” os superiores
mais idosos, de maior capacidade e experiência e preocupa-se com
que sejam rapidamente afastados da zona de combate em caso de
acontecimentos imprevistos que pudessem pô-los em contato direto
com a luta (JAEGER. 2013. p. 836).
Nesse ponto a finalidade visada por Platão, afirma Jaeger, seria a formação
do éthos desses guerreiros, pois para ele: “Trata-se de um enrijecimento espiritual,
32
Em meio a todo o conteúdo da obra platônica e por ser seu estilo de escrita
tão marcante é possível perceber que há uma mensagem além do que está escrito
literalmente em A República, mensagem esta que Nussbaum foi capaz de alcançar e
explica em citação interessante:
cidadãos solares deveria ser arquitetada com base em critérios rígidos desde a
escolha entre os progenitores até a maneira de alimentar e educar os nascidos,
como na passagem apresentada a seguir:
O terceiro triúnviro é o Amor, que tem o primeiro papel no que diz
respeito à geração. Sua principal função é que a união amorosa se
realize entre indivíduos de tal modo organizados que possam
produzir uma excelente prole. Escarnecem de nós por nos
esforçarmos pelo melhoramento das raças dos cães e dos cavalos, e
nos descuidarmos totalmente da raça dos homens (CAMPANELLA,
p. 245. 1973).
2
Para mais informações vide: LALANDE, A. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. – 3º ed. – São
Paulo: Martins Fontes, p. 615 e seguintes. 1999.
39
Há diversas fontes que tratam de forma verossímil sobre o que realmente foi
feito pelos nazistas, bem como a respeito do mito de que o Nazismo teria implantado
ideologicamente a eugenia na Alemanha. Em um rico documentário (BARON, 2008),
baseado em depoimentos de médicos nazistas de diversas especialidades e de seus
familiares, bem como de vítimas do que ocorreu na Alemanha, encontramos
fundamentos que nos ajudam a comprovar que não foi o partido nazista que
implantou ideologicamente um sistema de eugenia na Alemanha do 3º Reich, mas
sim os profissionais da saúde que já vinham idealizando projetos eugênicos bastante
ambiciosos e que com o advento da ascensão do nazismo vieram a influenciar o
partido de Hitler a realizar os empreendimentos.
É óbvio que o fato de as ideias eugênicas não terem nascido no partido
nazista não os exime da total responsabilidade pelo ocorrido na ocasião da
ascensão do Terceiro Reich, e isso, tendo em vista que se essas ideias somente
fossem pensadas e não executadas pelo poder do governo alemão, não haveria
prejuízos tão sérios à sociedade.
Rolf Thurm, um funcionário público aposentado que viveu na época do
ocorrido, contribuiu em depoimento no referido documentário proferindo as seguintes
palavras: “Qualquer um que não se encaixasse nesse plano grandioso teria de ser
destruído, ou mesmo impedido de nascer” (Ibidem).
Esse período da história deve ser considerado como um momento no qual o
Estado fez o que quis, mesmo que as bases científicas não fossem fortes o
suficiente para garantir que as medidas tomadas pudessem dar certo e tudo isso
com a chancela dos profissionais da ciência.
Já o professor Michael Burleigh, autor do livro O Terceiro Reich (2001),
considera que:
3
“In Paraguay there is an isolated village with an unusual name: Nueva Germania, New Germany. Its inhabitants
look quite different from their neighbors. Many have bold hair and blue eyes. Their names are not Spanish, but
are more likely to be Schutte or Neumann. These people are the descendants of an experiment, an experiment in
improving humanity. Their ancestors were chosen from the people of Saxony in 1886 by Elisabeth Nietzsche-
sister of the philosopher […]. The idea was suggested by Wagner (who planned to visit, although he never did).
They were expected to found a community so favored in its genetic endowment that it would be the seed of a new
race of superman”
44
4
Baby Boom (em tradução livre "Explosão de Bebês") é uma definição genérica para crianças
nascidas durante uma explosão demográfica. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Baby_boom.
Acesso em 20/03/2016.
45
contrário”. Já o cidadão Rolf Thurm conta a dramática história de que foi denunciado
aos 16 anos por seu professor às autoridades de saúde genética, pois nasceu com
deformidades nas mãos e nos pés, o que o fazia um grande candidato à
esterilização, reforçando o entendimento de que naquele tempo, conforme o regime
adotado, as decisões eram tomadas por juntas de médicos (juízes para os casos de
saúde), uma verdadeira invasão médica autorizada pelo Estado (BARON, 2008).
Hoje, há a discussão se essas decisões poderiam se tornar mais democráticas,
tendo em vista o melhor para a população (HABERMAS, 2004) e para que o
ocorrido no período nazista não se repita. O chamado Tribunal de Saúde Hereditária
que julgou Rolf em 1937 e o condenou a ser esterilizado era formado por julgadores
médicos, tendo sido o réu acusado também por médicos, o que nos remete a
célebre frase atribuída ao jurista alemão Gustav Radbruch, contemporâneo à
Segunda Guerra Mundial: "Quando se tem um juiz por acusador é preciso ter Deus
como defensor” (RADBRUCH, G. 1878/1949 apud WIKPÉDIA, 2015).
Ainda quanto aos médicos, o partido nazista os transformou em juízes todo-
poderosos, o que facilitou o caminho para alcançar os fins desejados pelo Estado.
Após a reunificação da Alemanha Rolf obteve um laudo atestando que seu
problema não era de cunho hereditário, mas sim uma mutação em um gene.
Hoje a Ciência estuda maneiras de corrigir essas mutações no embrião, então
por que não permitir? Essa é uma discussão que abordaremos mais adiante, mas
voltando ao caso da eugenia nazista, naquele tempo, os nazistas estavam
licenciando a prática dos médicos:
Não podemos confundir o que foi feito no passado com o que é possível
realizar hoje. Naquela época, mesmo com os cruzamentos selecionados, não foi
possível evitar o nascimento de pessoas com deficiências, o que levou o Estado a
recorrer a outra proposta dos eugenistas alemães, como é narrado no referido
documentário: “A ideia de que, em nome da perfeição genética, era certo matar
doentes e deficientes” (BARON, 2008). O que ocorreu na Alemanha foi um genocídio
46
dos próprios alemães que pode servir sim como um exemplo que jamais deve ser
seguido ou mesmo esquecido, porém, não podemos ficar presos ao passado e
sustentar essa resistência no que toca a questão de se abordar o tema eugenia.
Falar sobre eugenia é planejar o futuro da nossa espécie e isso não pode ser
confundido como indícios de um possível retorno às atrocidades nazistas.
Realizadas as reflexões a respeito do que apresenta Michael Sandel em sua
obra, iremos adentrar ao tema quanto à eugenia praticada na URSS, em Cingapura
e na China.
Para o autor, restou configurado que não só a Alemanha nazista foi a favor e
se utilizou de práticas eugênicas, e isso é enfatizado pelo estudioso em comento
quando afirma que:
Como vimos a URSS teve participação marcante no que tange ao tema eugenia.
Seguiremos agora com a explanação do que ocorreu em Cingapura referente ao
assunto.
47
náufrago solitário em uma ilha), pois a ética está para as relações de um ser
humano para com o outro, podendo ser somente assim aferida.
Tendo estabelecido esse critério, a “empresa social” denominada moralidade
engloba toda a coletividade, não sendo compreendida com caráter pessoal ou
relacionada somente a um indivíduo, mas em caráter geral, ou seja, incluindo toda a
sociedade.
Cabe ressaltar que não se pode confundir moral com direito (erro muito
comum, principalmente perpetrado por leigos ao julgarem fatos com base nas
informações midiáticas), sendo a ética, também de forma errada, confundida até
mesmo com critérios de convenção ou etiqueta.
Sobre essa linha tênue existente entre direito, moral e convenção ou etiqueta:
Nesse ínterim, cabe antes de tudo, uma explicação sobre a diferença entre
valor e norma. Podemos afirmar que os valores possuem um conteúdo axiológico,
ou seja, denotam uma preferência pelo que é bom, pelo que é melhor. No prisma do
valor não se expressa o que deve ser, não se expressa, a título de exemplo, um
modelo de comportamento que deve ser adotado, mas sim o que é preferível. Valor
é algo altamente indeterminado e subjetivo, visto que está intimamente ligado a
conceitos em torno de discussões sobre o que é bom, o que é mau, o que é melhor
ou pior, o que é belo ou horrendo, o que é justo ou injusto. As normas
consubstanciam em sua essência os conceitos, que não são axiológicos, mas sim
deontológicos. Dito isso cabe frisar que as normas não possuem a presteza de
caracterizar preferências, todavia caracterizam um comportamento que deve ser
adotado através de princípios e regras. É justamente nesse ponto que reside o limite
51
do que pode ou não ser considerado como um ato moralmente aceito ou um ato que
transgrida a moralidade.
A bioética (descendente da ética médica) é mais antiga do que Hipócrates,
pois desde os tempos áureos da Babilônia (aproximadamente 1750 a.C), já havia
passado a integrar um dos mais conhecidos diplomas legais da época, o Código de
Hamurabi, que chegou até mesmo determinar normas de conduta aos profissionais
da saúde no sentido de estipular que se um médico falhasse em uma operação de
um membro da nobreza, ou melhor dizendo, se seus atos resultassem em morte ou
perda de um olho, por exemplo, a mão do médico deveria ser amputada como
punição (PRITCHARD, J.B apud KUHSE. H and SINGER. P, 2009, p 4)5.
Além da contemplação da bioética em textos legais, os códigos éticos (o que
mais nos importa nesse trabalho) já eram expressos oralmente em forma de
juramentos, como foi caso do Juramento de Hipócrates que estipulava os princípios
de como oferecer ajuda ao paciente (beneficência), ou mesmo não prejudicá-lo (não
maleficência), que seriam as diretrizes de como o médico deveria atuar para
beneficiar seus assistidos e procurar prevenir danos (PRITCHARD, J.B apud
KUHSE. H and SINGER. P, 2009, p. 5) 6.
A bioética vem se aprimorando cada vez mais ao longo dos séculos, e mais
ainda nas últimas décadas, a partir da descoberta do DNA, considerando o teor do
próprio juramento de Hipócrates e a evolução das ciências biomédicas, bem como
dos códigos de ética e disciplina mais avançados. Sendo assim, a bioética versa
sobre a responsabilidade moral dos médicos, biólogos e de todos os profissionais
que lidam com a vida em suas pesquisas teóricas e principalmente nas aplicações
práticas dessas pesquisas, ou seja, nas condutas dos profissionais que lidam com a
integridade física, saúde e com a vida (o mais importante), visando reforçar a
relevância dos princípios morais para a atuação desses profissionais.
Hoje é possível afirmar sem medo de errar que o enfoque inicial sobre o que
se definiu como bioética evoluiu a ponto de alcançar a microbioética, que substitui a
ética médica tradicional tratando da relação entre médico e paciente, e ainda, a
5
“It stipulates that if a doctor uses a bronze lancet to perform a major operation on a member of the nobility
that results in death or leads to the loss of an eye, the doctor´s hand will be cut off”.
6
“the oath establishes the principles of beneficence and nonmaleficence, that is, that doctors must act as to
benefit their patients and seek to prevent harm”.
52
Outro grande fato motivador da criação do referido relatório teria ocorrido nos
Estados Unidos, como explica Gomes:
John Locke, considerado por muitos como o pai do liberalismo, versou sobre
a liberdade como originalmente limitada pela lei moral, mas ao que nos parece,
levando-se em consideração que ele entendia que o homem teria recebido de Deus
a razão, com a finalidade de que através dela pudesse escolher o melhor para si,
esse limite estaria sempre no cume das deliberações mais importantes da vida.
Se pudéssemos considerar o libertarianismo como uma exacerbação do
liberalismo a conferir importância somente ao Estado Civil e negligenciar a
observância da lei da natureza7, seria lícito partir da premissa de que ninguém teria
direito algum sobre o corpo do ser humano, exceto ele mesmo, o que traduziria uma
espécie de mandamento no sentido de transcender ao outro no que toca ao respeito
à liberdade, autonomia, segurança, integridade física, saúde e vida, ou seja, se
todos têm como restrição qualquer direito sobre o corpo alheio, essa restrição
deveria ser maior quanto às deliberações acerca de atributos que possam ou não
ser adicionados a um embrião ou feto.
Ocorre que para Locke o ser humano teria o dever moral de fazer o uso da
razão em seu próprio benefício, como consta na assertiva: “Deus, que deu o mundo
aos homens em comum, deu-lhes também a razão, a fim de que dela fizessem uso
para maior benefício e conveniência da vida” (LOCKE, 1998, p. 406).
Considerando as palavras de Locke sobre o que seria um “estado de perfeita
liberdade para regular suas ações e dispor de suas posses e pessoas do modo
como julgarem acertado”, é possível considerar que essa passagem teria o cunho de
transmitir a ideia de que pessoas devem ser respeitadas, mas os bens podem ser
dispostos, mesmo que criteriosamente, o que significa um estado de liberdade, mas
como ele mesmo se manifestou, “não de licenciosidade” (LOCKE, 1998, p.382).
7
Essa tese de que haveria uma exacerbação ou deturpação do liberalismo traduzida por libertarianismo é
defendida pelo professor Julio Esteves (no prelo).
55
Por outro lado, o pensador parece ter deixado claro que há na lei natural uma
igualdade estabelecida entre os seres da mesma espécie, apontando que não
deveria haver subordinação ou sujeição de qualquer sorte entre eles, a não ser que
fosse o caso dessa subordinação ou sujeição surgir de uma emanação (ordem)
divina:
Nos dias atuais, esse soberano que seria concebido como Deus para Locke,
poderia ser comparado ao Estado (como já foi demonstrado em determinados
momentos da história) ou até mesmo com os pais projetistas, que colocam sua
vontade acima da autonomia de sua prole e, nesse sentido, Locke salienta que o
estado de liberdade não pode ser confundido com estado de licenciosidade, o que
parece estar de acordo com Thomas Hobbes, que reconhece a importância das leis
da honra como limites para controlar a violência entre os homens. (HOBBES, 2014,
p. 139).
Esse limite (um estado de não-licenciosidade), algo como uma lei moral,
parece prever que o homem não teria a liberdade de autodestruir-se, nem de
destruir qualquer criatura que estivesse sobre sua posse, o que analogamente
permitiria uma interpretação no sentido de proteger filhos de pais projetistas,
conforme a seguir: “Ninguém deveria prejudicar a outrem em sua vida, saúde,
liberdade ou posses” (LOCKE, 1998, p. 384).
Na mesma linha de pensamento, está prevista a proteção do homem contra si
mesmo ou contra outros homens para garantir que nenhum deles possa ser meio
para a satisfação dos anseios de outrem:
[...] não se pode presumir subordinação alguma entre nós que nos
possa autorizar a destruirmos uns aos outros, como se fôssemos
feitos para o uso (como meios – tradução nossa) uns dos outros,
assim como as classes inferiores de criaturas são para o nosso uso.
(LOCKE, 1998, p. 385).
56
Assim, Locke parecia acreditar que o ser humano não poderia e não deveria
ser utilizado como meio para atingir determinados fins, como a “perfeição”, por
exemplo, mas isso não implica em uma limitação que possa ser danosa ou injusta a
ponto de ter de deixar o homem, de contemplar em seu benefício as maravilhas que
a ciência moderna pode oferecer, sendo importante ressaltar esse ponto no que toca
a doenças que já podem e ou estão em iminência de serem detectadas no embrião,
podendo ser extirpadas através da intervenção direta de geneticistas. Entendemos
diante dos argumentos apresentados, que esse é o correto a se fazer, tendo em
vista que todos nós temos um dever diante de nós mesmos e em última análise
perante toda humanidade, que se traduz na autodeterminação e busca pelo
aperfeiçoamento pessoal, de modo que, retirar de um filho o sofrimento que uma
enfermidade certamente iria lhe impor durante toda a sua vida parece ser uma
escolha correta e que não viria a ferir a moral, pois em casos tais não se estaria
atribuindo valores no sentido de afirmar que somente determinado modo ou tipo de
vida mereceria ou valeria a pena de ser vivida. Em outras palavras, ao escolher
poupar o sofrimento de um ser humano que virá ao mundo não se estaria
determinando se o sujeito seria alto ou baixo, se teria olhos claros ou escuros, ou
mesmo se a vida daquele embrião merece ou não ser vivida; mas sim, deliberando
algo que traria a possibilidade de uma vida melhor, a saber, com menos sofrimentos
e limitações, algo em favor de uma vida mais próxima do que seria uma vida plena.
A concepção de Locke no sentido de que nenhum homem deve existir como
meio para os anseios de outro, mas que o uso da razão deve ser aplicado para o
bem da humanidade, afiança a tese que propomos e inclusive acentua que:
“Ninguém deveria prejudicar a outrem em sua vida, saúde, liberdade ou posses
(LOCKE, 1998, p. 385). Nesse aspecto é possível concluir que infringir ao embrião
ou feto qualquer tipo de dano ou mesmo deixar com que um dano já identificado
venha a permanecer por toda sua vida seria negligenciar à lei moral:
Nesses dois casos, há uma certa diferença que deve ser apontada, pois no
primeiro o sujeito queria doar o único rim por um motivo nobre, mesmo que isso
fosse causar sua morte, enquanto que no segundo caso, os motivos foram
basicamente a deliberação da vontade de morrer e ser comido de maneira egoística
e exacerbada, ou seja, um típico libertário.
Partindo de uma explicação do liberalismo para o libertarianismo, tentamos
esclarecer o ponto de vista desses dois ramos da filosofia política. A partir de agora
daremos sequencia aos estudos abordando a questão da vida boa e o
perfeccionismo.
Essa teoria moral começa com uma explicação sobre a vida boa, ou
o desejo intrínseco de uma vida desejável. E caracteriza essa vida
em um caminho distinto. Certas propriedades, segundo a teoria,
constituem a natureza humana ou pertencem definitivamente à
humanidade – elas fazem dos humanos. A vida boa, como dizem,
desenvolve essas propriedades a níveis altos ou realizam o que é
central para a natureza humana. Diferentes versões da teoria podem
divergir sobre qual relevância tais propriedades possuem e também
divergir sobre o conteúdo da vida boa. Mas eles compartilham a ideia
fundamental que o que é bom, em última análise, é o
desenvolvimento da natureza humana (HURKA, 1993, p.3).
necessário um freio, um limite moral para que não fosse desordenadamente possível
a determinação dos pais, e inclusive por parte do Estado, direcionando os filhos
como meios e não como fins em si mesmos, algo como determinar as suas
características físicas (altura, cor dos olhos etc.) e ou habilidades como (velocidade,
inteligência, memória, entre outras).
Segundo o imperativo categórico de Immanuel Kant (1797), o Estado deve se
justificar perante o indivíduo, daí não se admitir medidas eugênicas determinadas
pelo Estado, mas diante da facilidade atual de se praticar eugenia entre particulares,
sem que o próprio Estado venha a ser consultado, nos parece importante
estabelecer limites morais e legais para direcionarem essas práticas.
É claro que devemos também levar em consideração os milhões de seres
humanos que vivem em condições sub-humanas e que não possuem meios de se
expressar diante das autoridades, mas, para parcela significativa da nossa espécie,
as práticas de manipulação genética já estão disponíveis no mercado. Diante disso,
pensando em como estabelecer tais limites, não os financeiros, mas sim os morais,
recorremos aos estudos da ética e da filosofia como um todo para abordar o tema.
Na Idade Antiga, o filósofo grego Hipócrates (460 – 370 a.c.) defendia a
hipótese do Pangênese, segundo o qual cada órgão ou parte do corpo de um ser
vivo produziria uma gêmula que conteria as informações para a formação dessa
parte ou órgão. Essas gêmulas seriam repassadas, segundo o pai da medicina, aos
órgãos reprodutores e transmitidas aos descendentes. Essa parece ter sido a
explicação encontrada por Hipócrates para esclarecer a semelhança entre pais e
filhos.
Posteriormente, Aristóteles (384 – 322 a.c.) posicionou-se como opositor à
ideia da Pangênese, tendo elaborado um tratado que explica a reprodução e a
hereditariedade, no qual descreveu 4 tipos de reprodução: Reprodução sexuada
com cópula, reprodução sexuada sem cópula, reprodução assexuada por
brotamento, geração espontânea ou abiogênese.
Somente após o Século XVII, com as reflexões do médico William Harvey
(1578 – 1657), os conhecimentos sobre a hereditariedade tiveram um avanço
significativo.
O médico concluiu que todo animal se originaria a partir de um ovo produzido
pela fêmea e fertilizado pelo sêmen do macho. Com a aceitação das ideias de
62
empregados, mas também nos fins alcançados pela prática da eugenia, mas admite
que é difícil identificar quais práticas reduzem à humanidade:
O referido filósofo parece condenar até mesmo a prática eugênica para fins
“desejáveis”, tomando como exemplo o talento musical e aptidão para esportes, e
assevera que mesmo a escolha dos pais por essas qualidades viria a conduzir a
prole a uma escolha de vida determinada, negligenciando a autonomia do indivíduo,
violando o direito de escolha e liberdade daquele ser. Em nossa visão existem,
todavia, melhoramentos almejados por nós que não seriam nada além de benéficos
para nossa espécie, como a eliminação de doenças hereditárias e características
físicas limitadoras, como baixa estatura, obesidade e outras como problemas de
visão. Não veríamos mal algum na utilização dessas práticas, desde que com
critérios rigorosos pautados na bioética e na própria norma jurídica.
Habermas também se posiciona de forma defensiva quanto à possível pratica
da eugenia negativa:
A título de conceito, cabe mencionar que a eugenia positiva é aquela que visa
agregar características ao embrião, enquanto que a negativa é a que visa retirar do
embrião os genes reputados como “defeituosos”, o que já é possível devido a
galopante evolução de várias esferas da ciência, direciona pesquisadores a crer ser
possível descartar tais características genéticas indesejadas, para que tenhamos
uma vida melhor, o que não se confunde com o projeto embrionário de eugenia
desde os gregos (de cunho militar e dominador), transpassando os pensadores de
séculos posteriores, até o surgimento do Nazismo (também de cunho militar, mas
ideológico racial), sua queda e os dias de hoje.
Em se tratando do lado bom de se pensar a eugenia, são apresentadas por
Sandel questões pensadas por filósofos e pensadores:
falarmos dos direitos humanos e das normas éticas que protegem a vida, que seriam
também violados se tais práticas fossem realizadas de maneira desmensurada.
Nos dois últimos dois anos em que nos dedicamos a este trabalho de
pesquisa (2015/2016), foram veiculadas na mídia diversas notícias, matérias e
reportagens, bem como artigos científicos por todo o mundo, representando
verdadeiro “boom” sobre o tema manipulação genética. Nas últimas décadas a
humanidade passou a se preocupar cada vez mais com esse assunto, pois parece
que essa realidade está cada vez mais próxima das famílias dos países mais
desenvolvidos, e nesse sentido, a Grã-Bretanha e a China parecem estar à frente
nessas novas pesquisas, apresentando novidades a cada dia como numa corrida
armamentista, de maneira que, desenvolveremos a seguir as informações e críticas
a respeito dessas novidades científicas.
Em muitos aspectos já é possível afirmar que superamos a barreira do
humano, como, por exemplo, a informação que foi publicada em 08 de março de
2015, que dizia: “Decisão da Grã-Bretanha de permitir a geração de embriões com
DNAs de três pessoas é saudada pelos defensores do transumanismo, que propõem
romper os limites impostos ao homem por sua biologia” (ROSA, 2015, p. 1). A
matéria escrita por Gulherme Rosa apresentou uma nova possibilidade de geração
de seres humanos. Segundo o autor, “o objetivo de deixar que mães com mutações
consideradas maléficas em seu DNA mitocondrial não as transmitam para o filho”
(ROSA, 2015, p. 1).
Esse procedimento dá origem aos transumanos, que por lei já podem ser
contemplados na Grã-Bretanha. Os defensores do transumanismo pregam que esse
avanço deveria ser utilizado em diversas esferas da ciência como, por exemplo, na
neurociência, nanotecnologia e na própria genética para fins de ultrapassarmos os
limites impostos ao ser humano pela natureza, e isso é no mínimo preocupante.
Com todo esse avanço científico e com a aprovação do legislativo, a Grã-
Bretanha, além de ter se tornado o primeiro país a permitir a manipulação genética
em células germinais humanas, o sociólogo Steve Fuller nos recorda que: “A Grã-
70
Bretanha também foi o primeiro país a introduzir a fertilização in vitro em 1979. Essa
decisão é apenas outro passo desse processo" (ROSA, 2015, p. 1).
Os britânicos continuaram suas conquistas nas pesquisas, de modo que, em
setembro de 2015, foi divulgada a seguinte notícia:
um ano após, quando cientistas editaram o gene HBB, no cromossomo 11, causador
da talassemia beta em macacos transgênicos.
Embora somente uma pequena parcela dos embriões manipulados pudesse
gerar vidas humanas saudáveis, como alegam terem comprovado, cientistas do
mundo todo temem a respeito da segurança da técnica e principalmente quanto às
consequências dessas manipulações nos seres humanos do futuro, e nesse
contexto, segundo a matéria:
O que nos preocupa é o fato de que é possível que pesquisas dessa natureza
possam estar sendo feitas em algum lugar do mundo sem que sejam realizados
quaisquer tipos de controle ético.
Em pouco tempo, após a divulgação do avanço britânico, a nova técnica de
fertilização com três pais foi realizada com sucesso esse ano (2016). De acordo com
a publicação, o bebê Abrahim Hasan tem 5 meses e nasceu no México sob os
cuidados da equipe do New Hope Fertility Center, de Nova York. Os pais da criança, de
acordo com a notícia, residem na Jordânia e escolheram o México como local de
nascimento do bebê porque lá, as leis são omissas quanto ao assunto. Segundo o
médico John Zhang, líder da equipe que realizou o procedimento, o país "não tem
regras" a respeito desse tipo de técnica (GLOBO, 2016).
Mesmo em se tratando de um caso no qual a mãe do bebê seja portadora de
genes para a síndrome de Leigh, distúrbio neurológico fatal que acomete bebês no
primeiro ano de vida, esse cenário nos causa certa preocupação, pois comprova que em
certos aspectos basta ter condições financeiras para se realizar um projeto de
manipulação genética. A mãe de Abrahim é saudável, mas há sempre a possibilidade de
transmissão de sua doença aos seus filhos, o que já ocorreu e causou a morte de seus
primeiros bebês. Diversos experimentos de fertilização já foram realizados com sucesso
por Cientistas nos Estados Unidos em 2001, ocorre que com técnica diferente
empregada mais especificamente por pesquisadores de Nova Jersey que utilizaram o
72
que pode ser eliminada já no embrião com a utilização das técnicas mais modernas,
o CRISPR, ou até mesmo curada já em uma pessoa que seja portadora.
Conforme a explicação do biólogo da USP Oswaldo Okamoto, o procedimento
seria o seguinte: “É possível, por exemplo, obter células doentes do próprio
paciente, fazer esta correção no laboratório utilizando a técnica do CRISPR e
devolver essas células corrigidas geneticamente para o mesmo paciente” (GLOBO,
2016).
O procedimento explicado pelo especialista traz cada vez mais esperança
para os portadores de doenças como a AIDS, que poderão ser beneficiados da
mesma forma, através da manipulação genética. Nesse caso, o CRISPR poderia ser
usado para deixar as células de defesa com resistência ao vírus HIV, o que já se
demonstrou possível no laboratório da Califórnia, que obteve resultados positivos.
Os benefícios são facilmente enxergados por nós, mas ainda há certa
resistência, enquanto isso cientistas continuam trabalhando em novas descobertas e
testes possibitando cada vez mais o que Urnov acredita ser possível em um futuro
bem próximo, editar o DNA para prevenir pessoas de ataques cardíacos e também
para a cura do câncer, com tratamento por meio de células de defesa alteradas
geneticamente para atacar um tumor, por exemplo.
Essas pesquisas mais recentes proporcionam cada vez mais o debate ético
sobre quais seriam os critérios; de que forma poderíamos agir sem ultrapassar os
limites morais; quem ou qual órgão político teria autoridade para decidir essas
questões tão importantes; se deveríamos proibir ou liberar a atuação desenfreada de
cientistas, inclusive com a utilização de cobaias, pessoas portadoras de doenças
que não podem mais esperar pois não há tempo. É relevante sabermos quais
diretrizes morais e legais deveriam orientar os profissionais no sentido de não violar
os limites morais com essas intervenções e onde ficaria o respeito à vontade do
paciente que não dispusesse de tempo e desejasse ser submetido a testes na
tentativa de lutar pela vida, afinal, essa é uma escolha que só cabe ao próprio
indivíduo fazer, sem contar que as pesquisas nesses casos poderiam ser favoráveis
e benéficas à sociedade como um todo.
O que causa certo temor é o fato de que uma equipe chinesa já teria realizado
uma empreitada ousada, mexendo no DNA de células de embriões com o simples
75
intuito de ver se dava certo e obteve êxito em algumas células, o que já basta para
confirmar que é possível (GLOBO, 2016).
A partir daí, começam a ressurgir problemas concernentes à bioética (mesmo
que sob nova roupagem), pois a manipulação genética foi realizada no embrião sem
consentimento daquele ser, que virá a se tornar um adulto com as características
pré-estipuladas pela manipulação genética segundo os desejos de um terceiro.
Um segundo problema ético seria também a hereditariedade das
características concebidas através da manipulação genética, ou seja, os futuros
seres humanos viriam a herdar características dos seus pais que foram modificados
geneticamente, dando assim origem a uma nova espécie humana (os melhorados).
Essas são questões de ética na genética que devem ser discutidas cada vez
mais, pois as pesquisas não param de avançar, e consciente disso, Urnov, em
entrevista (FANTÁSTICO, 2016), chegou a cogitar a possibilidade de que deveria
haver um consenso entre os cientistas no sentido de não utilizarem essas técnicas
em embriões humanos, não em sua totalidade, mas que seja limitado e que a
sociedade e os pesquisadores possam conversar sobre essas questões antes de
qualquer decisão. A solução para ele seria uma espécie de moratória, pelo menos
por agora, uma modalidade de convenção entre os povos.
O problema de tudo isso é que muitas vidas não podem mais esperar...
positiva, ocorre, porém, que se observarmos com mais cautela perceberemos que a
intervenção na genética em ambos os casos se torna algo bastante delicado. Muitos
argumentos apresentados por pesquisadores no sentido de tentar impedir as
práticas eugênicas em geral, são pautados no passado nazista ou na tentativa de
refutar o darwinismo social, como é possível apreender na seguinte explanação:
Não é difícil perceber logo de pronto que o tema requer um olhar proveniente
de diversas áreas do saber, caracterizando verdadeiro link entre filosofia política,
ética e direito, entre outras e, desse modo, a interpretação constitucional jamais
poderia ser deixada de lado, como observa Forst citado por Nicolau:
Sob esse prisma parece haver para alguns autores uma diferença moral entre
eugenia negativa e positiva, como é possível compreender na passagem de
Habermas em que ele reputa o conhecer e o agir como qualidades embutidas no
que ele chama de ética da espécie humana, afirmando que torná-la disponível seria
o mesmo que abandonar o substrato natural “da moralidade e do direito, da
dignidade humana e do direito humano”, ou como assevera Nicolau na formulação
de Volpato Dutra: “Mexer na natureza humana altera o auto entendimento do
homem como eticamente livre e moralmente guiado por normas” (NICOLAU, 2006,
p. 42-55). Todavia, ousamos discordar, uma vez que acreditamos não haver tal
distinção, visto que ambas teriam o condão de aperfeiçoar a espécie humana,
restringindo obviamente qualquer tipo de prática nociva à nossa espécie, a saber,
qualquer ato capaz de colocar em risco a saúde e a vida humana. Portanto, nos
posicionamos junto aos defensores moderados da Eugenia, tanto a negativa, como
a positiva, visando sempre o melhor para o ser humano, ponderando, é claro, que
haja em todas as situações o olhar de comitês de ética e bioética, legisladores
dedicados à coletividade para que confeccionem leis aperfeiçoadas, julgadores com
formação hábil a aplicar bem as leis aos casos concretos devido às diferenças
peculiares de cada caso, entendemos que com a presença de todos esses atores
seria possível que as decisões fossem tomadas com os devidos cuidados em prol do
ser humano. Nesse meandro:
81
Naturalmente nós, seres humanos, lutamos a cada dia para que possamos
sobreviver e, acima de tudo, para que tenhamos uma vida melhor. O jurista filósofo
norte-americano Ronald Dworkin certa vez afirmou que: “Brincar de Deus é de fato
brincar com fogo. Mas é isso que nós mortais temos feito desde Prometeu”. O
pensador considera em seus escritos que: [...] nós brincamos com fogo e assumimos
Nos dias de hoje, podemos contar com grandes avanços não somente na
tecnologia como também na alimentação própria para os atletas e nas técnicas que
ajudam a melhorar o desempenho dos competidores. Desde as sandálias de folhas
improvisadas por corredores olímpicos no mundo antigo até as vestimentas
altamente hidrodinâmicas próprias para nadadores já disponíveis nos tempos atuais,
há debates sobre competição desleal entre os atletas, uma espécie de argumento no
sentido de não haver, nesses casos, uma paridade de armas que proporcionaria
uma competição justa. Tudo isso nos leva a pensar se deveria ou não ser
considerado como desleal o uso de artifícios que ajudam a promover ou aumentar
as potencialidades dos competidores. Para abordarmos essa questão, é necessário
considerar qual é o télos do esporte e quais são os limites morais da manipulação
genética no caso dos esportistas. Este trabalho pretende esclarecer qual é o télos
dos esportes e evidenciar que a busca da perfeição nesse caso, ou seja, através da
manipulação genética, deve ser avaliada com base em critérios distintos daqueles
geralmente aplicáveis ao ser humano comum.
Ao examinar a questão do melhoramento genético aplicado à prática de
esportes, no livro intitulado Contra a Perfeição, o filósofo norte-americano Michael
82
Sandel busca refletir sobre as razões e princípios que dariam conta de nossos
escrúpulos morais face às técnicas utilizadas por esportistas com a finalidade de
alcançar grandes feitos. Sandel (2013) conjectura que a utilização dessas técnicas
poderia representar uma ameaça à nossa capacidade de agir de forma autônoma e
livre, com a consequente diminuição de nosso sentimento de sermos os autores do
que fazemos (pp. 25-6). Na linha desse argumento, no que tange ao esporte, a
noção de mérito desapareceria completamente. Contudo, Sandel não está
convencido de que o problema estaria no fato de que o melhoramento genético
arruinaria uma noção fundamental para o pensamento liberal, a saber, a
meritocracia.
Na visão do filósofo, o pressuposto liberal que norteia competições baseadas
no mérito não seria o determinante dos nossos escrúpulos com relação aos atletas.
Ele objeta que muita coisa relevante em nossas vidas é fruto do acaso, de dádivas,
do que não depende do nosso esforço. Além disso, segundo ele, o esporte não teria
a ver com esforço (pessoal), mas com excelência. Dito isso, exploraremos a ideia do
que seria o verdadeiro télos dos esportes a partir de uma proposição apresentada
pelo Professor Julio Esteves em suas aulas, o que nos proporcionou alcançar uma
conclusão sobre o tema eugenia nos esportes.
99% transpiração. O grande músico erudito Mozart é conhecido até hoje por ter sido
um “prodígio da natureza”, mas sua história foi diferente. Essa glória foi
proporcionada não somente pela genética de seus ancestrais (avô materno e seu
pai), que eram habilidosos artistas, mas sim por meio de uma prática árdua que o
tornou um exímio instrumentista. Esse exemplo serve também para afiançar nossa
tese sobre o desempenho dos esportistas e a respeito do que seria o télos dos
esportes.
Da mesma forma que o pai do músico o direcionou à prática durante longas
horas diárias e o proporcionou algo inacreditável, como o aprendizado das oito
peças do livro de música de Nannerl, aos quatro anos de idade (um feito
considerado impossível até então), podemos observar um comportamento bem
parecido do pai do nosso craque Neymar desde quando o garoto começou a andar.
O talento de Neymar é facilmente visível, mas o que seria dele sem a prática
reiterada dos movimentos e das técnicas, bem como sem o preparo físico que o
revelou um destaque nos campos? Desse modo, acreditamos que o esforço faça a
verdadeira diferença no final, sendo possível afirmar, mesmo que empiricamente,
que na convivência de pessoas de extremo talento, mas que nada fazem para
potencializá-los, ao invés de se tornarem pessoas virtuosas se revelam verdadeiros
fracassados. Nesse prisma, do que adianta a “dádiva” sem o esforço e o
comprometimento?
É claro que falar em meritocracia em uma sociedade com valores de justiça e
igualdade tão deturpados não é tarefa fácil, mas nesse aspecto preferimos apostar
nos esforçados.
Outro exemplo de superatleta é o jogador de futebol lusitano Cristiano
Ronaldo, que vem de maneira surpreendente acumulando títulos e batendo recordes
sem parar ao longo de sua carreira. Fora a acumulação de títulos e a insuperável
média de 1,17 gols por partida, o desportista surpreende a cada jogo com sua
explosão muscular, velocidade e outros atributos que segundo seus biógrafos,
fazem dele o melhor jogador de futebol de todos os tempos. Acrescentam ainda que,
a genética do jogador parece ser privilegiada, mas esse fato unido ao
comprometimento que ele tem com a causa, toda sua dedicação e preparo com os
melhores profissionais e com as melhores técnicas e aparelhos do mundo fazem
com que ele tenha sucesso (PEREIRA e GALLARDO, 2014).
87
Afinal, quais são os segredos por trás desse grande atleta? Será que todo
esse sucesso nas competições é fruto somente de uma genética favorável à
modalidade esportiva que ele escolheu praticar, ou existe alguma intervenção
externa responsável por isso?
Para os cidadãos comuns, o desempenho do jogador é algo que simboliza o
limite do homem e que nos faz perguntar: Como ele consegue realizar isso tudo?
Seria sua completude fruto somente de uma genética privilegiada?
Essa pergunta é o que os biógrafos de Cristiano Ronaldo (PEREIRA e
GALLARDO, 2014) tentam responder em seu livro mencionando velocidade e força
do atleta (resultantes em uma magnífica explosão muscular) seriam oriundas de
qualidades geneticamente herdadas de sua avó paterna, uma africana de Cabo
Verde.
Ocorre que essa herança genética, por mais acentuada que possa ser, não
faz dele o que ele realmente é, visto que o jogador conta com o melhor que a
tecnologia pode proporcionar a um atleta. Além de todo a aparato técnico e
alimentação regrada de acordo com nutricionistas, ele treina em uma máquina
“futurista” desenvolvida pela NASA. Essa máquina simula um ambiente que diminui
a força da gravidade e consequentemente o peso de quem corre nela. Em outras
palavras, a máquina permite que o seu usuário corra com pelo menos 80% a menos
que seu peso real, ou seja, um homem de 100 Kg corre nessa esteira com o peso de
uma criança de somente 20 Kg (GLOBO ESPORTE, 2015).
Esse grande invento da ciência e da tecnologia permitiu que o atleta não
forçasse seu tornozelo operado e que pudesse continuar treinando sem problemas
para desenvolver suas habilidades e capacidades aeróbicas, ao invés de ter que
passar meses ou até anos sem poder treinar, comprometendo sua carreira como
acontecia com os atletas lesionados no passado.
Os biógrafos do livro citado complementam que Cristiano Ronaldo não treina
somente o futebol, mas que se revelou um exímio jogador de tênis de mesa desde
criança e que pratica até hoje essa modalidade, o que o permite desenvolver ainda
mais suas habilidades de coordenação motora e psicológica, que são fundamentais
para o desempenho em campo.
Como vimos, o resultado final do melhor do mundo não é só baseado em sua
genética, mas também em um complexo conjunto de fatores externos, e sendo
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assim, por que não falarmos em uma possível manipulação genética em favor dos
atletas?
que cada um, através do que já é naturalmente (a genética pode ajudar) e do seu
próprio esforço e empenho, poderá aproveitar em seu favor. Por esse motivo, não
detectamos qualquer objeção moral à utilização das “altitude houses”.
Já os outros métodos, que inclusive foram banidos pelo Comitê Olímpico
Internacional até o momento, dizem respeito ao uso de drogas pelos atletas, o que
consideramos mais sério, em virtude do perigo à saúde dos atletas, e como já
versamos sobre a integridade física dos esportistas e também a respeito de suas
almejadas performances, adentraremos agora no que definiríamos como o télos do
esporte.
frisar que no esporte sempre há, de certo modo, um espetáculo, mas na essência de
uma apresentação artística não há o objetivo peculiar à pratica esportiva
profissional, que é bater recordes e obter a vitória..
Sob o ponto de vista do espectador (pagante), o que ele espera quando vai
ao Maracanã assistir a seu time jogar? É claro que ele espera a vitória do seu time e
gols que garantam a artilharia com quebra de records e, para isso, é necessário que
a equipe se empenhe ao máximo no objetivo de vencer, de modo que, a mínima
parte que toca ao espetáculo no jogo é reservada as jogadas incríveis como olés,
canetas e balõezinhos. Tudo isso é belo, mas não faz o time ganhar o jogo. Do
mesmo modo se comporta o torcedor do Dream Team, que é um time considerado
perfeito (equilibrado) e que visa o objetivo de fazer cestas. É claro que entre uma
jogada e outra há performances exibicionistas que embelezam o jogo, mas ninguém
está ali senão para vencer. É dessa forma que classificamos o télos do esporte, no
sentido de atingir recordes e vencer, e não de apresentar pura e simplesmente um
espetáculo.
É justamente sob este prisma que se faz necessário cobrar dos estudiosos da
ética e bioética, melhor dizendo, da própria filosofia como mãe de todas as ciências
uma resposta através de manifestações que possam servir à humanidade na prática
e não somente construções teóricas. Nesse sentido continua o autor:
liberal, uma espécie, à primeira vista, regulada pela lei da oferta e da procura, o que
faz o pensador aduzir se haveria a possibilidade de uma moderação justificada e se
seria possível haver respostas pós-metafísicas para a questão sobre a vida
considerada como “correta”.
A antiga questão aberta aos pensadores sobre o que o ser humano deve e/ou
pode fazer com a própria vida pareceu durante muito tempo estar sob o domínio de
resposta dos filósofos, que teriam achado, segundo Habermas, que dispunham de
conselhos adequados para tal pergunta ou até mesmo respostas para elas. No
entanto, ainda no entendimento do referido pensador, após a metafísica, a filosofia
já não se julgaria mais capaz de dar respostas definitivas às perguntas sobre a
conduta de vida pessoal ou até mesmo coletiva.
Foi justamente em busca de um sentido exemplar ou de um modelo digno de
imitação para a vida que as grandes religiões apresentaram e ainda vêm
apresentando, de há muito, a vida dos seus fundadores e de grandes seguidores
como o caminho da salvação, ou seja, o modelo de uma vida exemplar, uma vida
que “merece ser vivida”, mostrando que a metafísica também parece ter algum dia
pretendido e, ao que parece ainda hoje, oferecer seu posicionamento quanto a
modelos de vida.
Ainda no entendimento de Habermas (2004), as doutrinas da sociedade justa,
como ele mesmo exemplifica como sendo a ética e a política, seriam consideradas
ainda como doutrinas com uma base única, aptas a formarem um todo que estaria
sendo construído no mundo do conhecimento, ao passo que, para o pensador,
desde a antiga Polis grega à classe medieval, transpassando o Renascimento com o
conceito hegeliano do indivíduo universal até a estrutura da família, da sociedade
civil e da monarquia constitucional, alcançando o liberalismo político proposto por
John Rawls (que reage ao pluralismo ideológico e a individualização dos estilos de
vida), as tentativas filosóficas de apresentar um modelo de vida foram fracassadas.
Para Rawls a “sociedade justa” deixa à critério de todas as pessoas aquilo que eles
querem “iniciar com o tempo de suas vidas” (HABERMAS, 2004, p. 4/5).
Esse ponto traz à baila o que entendemos ser o mais adequado ao que
passamos no presente, uma vez que diante das conjunturas atuais parece ser lícito
convir que somente pudesse ser possível a uma cultura conseguir se afirmar perante
outra se convencesse as novas gerações sobre suas vantagens, e a única maneira
98
em Justiça – O que é Fazer a Coisa Certa: “os libertários são contra as leis que
protegem as pessoas contra si mesmas” (SANDEL, 2013, p.79).
Mas não foi somente citando como exemplo as leis que obrigam o uso de
cinto de segurança e as relativas ao uso de capacetes para motociclistas, exemplos
já tratados anteriormente por nós neste trabalho, que Sandel marcou sua posição
quanto às questões sobre intervenção direta do ser humano no próprio ser humano,
tanto ao que concerne à vida intrauterina e ao próprio embrião utilizado em
laboratório, mas também em seu livro intitulado Contra a Perfeição – Ética na Era da
Engenharia Genética, no qual aborda temas como: a ética do melhoramento; atletas
biônicos, filhos projetados, pais projetistas, entre outros não menos relevantes.
Em todo esse contexto, existe hoje um grande desafio a respeito da liberdade
e de se estabelecer seus limites em uma compreensão moderna, o que, para
Habermas, pelo menos no que toca a uma possível eugenia negativa, somente após
um consenso em favor de que o poder de intervir no genoma humano significaria um
aumento de nossa liberdade, mas que deveria, segundo ele, ser normativamente
regulamentado. Somente a partir disso, poderíamos falar na possibilidade da prática
da eugenia negativa com segurança e nos limites da ética, ou seja, a única espécie
de eugenia voltada à eliminação de males poderia ser aplicada de forma a servir o
homem.
Para que possamos responder à velha questão, se os seres humanos teriam
sido transformados em objetos, acreditamos que o caminho é o diálogo, mas que
para tanto, os pensadores devem estar sempre atentos a sua função crítica de
escrever sobre direcionamentos ao corpo legislativo, que não raras vezes
principalmente em países como o Brasil, não é formado por juristas especializados
ou profissionais versados em questões ético-legais. Portanto, para nós, esse seria o
momento de se pensar em como outorgar à humanidade a chance de decidir sobre
o seu futuro.
Mas, por que a preocupação na esfera jurídica se esses são problemas que
permeiam a bioética? Na época da publicação do livro (2004), Habermas afirmou
que:
8
Esse termo é utilizado pelo prof. Dr. Julio Cesar Ramos Esteves para expor uma teoria. No prelo.
103
das qualidades e princípios nutritivos de plantas (como tudo começou), bem como
fortalecimento de características dos seres humanos (de alguns anos pra cá).
Abrindo um parêntese, para adentrar ao mundo jurídico, muitos hermeneutas
e pensadores do direito estão preocupados não é de agora com esse tema. O jurista
Augusto Cardio constatou o que já era esperado nos últimos anos, diante de tanta
novidade científica e tecnológica, a necessidade de que surgissem normas no
sentido de proteger o ser humano:
A título de explicação, cabe mencionar que hoje o termo usado para definir
esse ramo da biologia é eugenética, que pode ser negativa, aquela que consiste nas
ações para prevenir doenças genéticas, ou eugenética positiva, a que cuida de
especular sobre o melhoramento de características físicas e mentais do futuro ser.
Nesse conceito, o termo “eugenética” representa a forma contemporânea da
eugenia, “uma tecnociência nascida nos anos 70 do encontro entre genética,
biologia molecular e engenharia genética” (ROLAND SCHRAMM, 2016).
Há inclusive alguns estudiosos que advogam em prol de uma eugenia a ser
aplicada com a finalidade do aperfeiçoamento do caráter, o que, à primeira vista, nos
parece algo intangível e, seguindo a mesma direção, para Arnhart, em se tratando
do caráter, nós não nascemos virtuosos ou com vícios, mas sim com temperamentos
e capacidades que nos influenciam a adquirir virtudes por meio do aprendizado e de
nossa capacidade de realizar julgamento. (ARNHART, 2010).
Essa linha teórica, parece ser afiliada ao que Aristóteles já propunha em Ética
à Nicômaco, versando que as virtudes não surgiriam em nós pela natureza nem
contrariamente a ela, mas por nossa natureza seria possível receber tais virtudes e
aperfeiçoá-las por meio do hábito (ARISTÓTELES, 1991, p. 24-25).
De Platão à Galton, lançando-se aos dias atuais, o sonho utópico de melhorar
o caráter humano (aperfeiçoamento moral) vai se tornando cada vez mais ambicioso
diante das novas técnicas atingidas pela ciência, o que traduz uma causa com intuito
de transformar o ser humano do futuro em super-homens, todavia, em contrapartida,
104
existe um grupo de teóricos mais conservadores que parece temer bastante o que
eles chamam de uma perigosa sedução que poderia desumanizar nossa espécie.
Nosso ponto é algo que acreditamos ser do interesse do próprio ser humano,
a saber, a discussão no sentido de impulsionar as convenções políticas no sentido
de definir como a ciência de hoje pode nos beneficiar e quais seriam os limites
dessa atuação capazes de garantir a segurança da nossa espécie.
A doutrina, ao longo da história do direito e da própria filosofia, vem ocupando
um papel ético no sentido de abrir os olhos do legislador e dos lidadores do direito,
para que haja a possibilidade de se corrigir leis ou revogá-las no que couber em prol
de um ordenamento mais lapidado. É nisso que consiste a atividade do pensador no
âmbito do que pode e deve ocorrer no mundo fenomênico e, a esse respeito, o
pensador britânico Bertrand Russell certa feita afirmou que:
Sim, pois não foi decisão de Zeus; e a Justiça, a deusa que habita
com as divindades subterrâneas, jamais estabeleceu tal decreto
entre os humanos; tampouco acredito que tua proclamação tenha
legitimidade para conferir a um mortal o poder de infringir as leis
divinas, nunca escritas, porém irrevogáveis; não existem a partir de
ontem, ou de hoje; são eternas, sim! E ninguém pode dizer desde
quando vigoram (SÓFOCLES, 2006, p. 96).
O autor complementa ainda que: “A lei natural não pode ser legislada em
normas ou cânones de comportamento e não aceita uma formulação rígida ou fixa.
Ela oferece apenas orientações gerais acerca do caráter das pessoas e da ação da
lei” (Ibidem). O caráter metafísico como traço marcante do jusnaturalismo deve-se
ao fato de fundar-se na existência de um direito preexistente ao direito produzido
pelo homem, podendo sua origem ser dupla. Segundo alguns esse direito seria
oriundo de Deus; segundo outros seria proveniente da própria natureza do homem.
Em algum grau, é possível constatarmos manifestações jusnaturalistas até
hoje como, por exemplo, a Declaração de Viena de 1993 – 2° Conferência Mundial
das Nações Unidas, parte 1, § 1°, que versa que “os direitos e as liberdades
fundamentais são direitos naturais de todos os seres humanos” (VIENA, 1993).
O jusnaturalismo também está presente no ordenamento jurídico brasileiro em
decisões recentes do Supremo Tribunal Federal, como é o caso da ADI 595/ES cujo
relator foi o Ministro Celso de Mello, julgamento este que definiu bloco de
constitucionalidade material como sendo “o conjunto de normas de estatura
constitucional composto pelas normas expressas na constituição e normas implícitas
e valores do direito natural” (MELLO, Informativo 258. STF).
Existe uma grande crítica quanto ao jusnaturalismo, que se refere a uma falta
de comprovação dos direitos inerentes à natureza do homem.
Ainda na esfera dos Direitos Humanos, podemos destacar a interpretação
pro-homine, que é utilizada na análise de omissões e lacunas das normas de direitos
9
Os dez mandamentos ou preceitos da lei de Deus, escritos em duas tábuas de pedra e entregues a Moisés no monte Sinai,
segundo o livro do Êxodo.
107
Nos meios urbanos sempre viciados, ela dará maus frutos, e o direito
de intervir para evitar a degeneração da raça. Além disso, a doutrina
do Código apoia-se na ética. A atmosfera moral da família conserva-
se mais límpida, se entre tios e sobrinhos não houver a possibilidade
de enlaces lícitos (LACASSAGNE apud SIMÃO, 2013).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
bem jurídico varia de acordo com o tempo e o espaço, portanto, os valores não são
perpétuos nem imutáveis numa mesma sociedade.
Sendo assim, podemos concluir que a relação entre a prática da eugenia, a
moral e o direito é bastante delicada, justamente em virtude de ser o próprio direito
(em muitos casos) violador dos direitos humanos, como leciona Maus, no sentido de
que a intervenção militar que visa direitos humanos estará de qualquer modo
violando direitos justamente por ser militar, direitos estes como os direitos humanos
fundamentais à vida e à integridade corporal, por exemplo, e isso pode ser
constatado pelo fato de não buscar o consentimento dos indivíduos atingidos
(MAUS, 2010).
Em suma, os valores são reguladores, não são objetivos concretos da vida e
da atividade, mas constituem padrões abstratos pelos quais deverão ser aferidos e
orientados todos os fenômenos da vida nos domínios da cultura que lhes dizem
respeito. Portanto, a doutrina deve fiscalizar e orientar o legislador e o lidador do
direito para que o ordenamento seja cada vez mais lapidado e sirva aos cidadãos da
melhor maneira possível. Assim, a manipulação genética caminhará no sentido de
servir à humanidade ao mesmo tempo que contará com a proteção dos indivíduos
envolvidos.
112
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peso. 2015. Disponível em: <http://globoesporte.globo.com/eu-
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ZATZ, M. Genética: escolhas que nossos avós não faziam. São Paulo. O Globo,
2011.
120
APÊNDICE
Código de Nuremberg
Tribunal Internacional de Nuremberg – 1947
Trials of war criminal before the Nuremberg Military Tribunals. Control Council Law
1949;10(2):181-182.
1 O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial. Isso
significa que as pessoas que serão submetidas ao experimento devem ser
legalmente capazes de dar consentimento; essas pessoas devem exercer o livre
direito de escolha sem qualquer intervenção de elementos de força, fraude, mentira,
coação, astúcia ou outra forma de restrição posterior; devem ter conhecimento
suficiente do assunto em estudo para tomarem uma decisão. Esse último aspecto
exige que sejam explicados às pessoas a natureza, a duração e o propósito do
experimento; os métodos segundo os quais será conduzido; as inconveniências e os
riscos esperados; os efeitos sobre a saúde ou sobre a pessoa do participante, que
eventualmente possam ocorrer, devido à sua participação no experimento. O dever
e a responsabilidade de garantir a qualidade do consentimento repousam sobre o
pesquisador que inicia ou dirige um experimento ou se compromete nele. São
deveres e responsabilidades pessoais que não podem ser delegados a outrem
impunemente.
2 O experimento deve ser tal que produza resultados vantajosos para a
sociedade, que não possam ser buscados por outros métodos de estudo, mas não
podem ser feitos de maneira casuística ou desnecessariamente.
3 O experimento deve ser baseado em resultados de experimentação em
animais e no conhecimento da evolução da doença ou outros problemas em estudo;
dessa maneira, os resultados já conhecidos justificam a condição do experimento.
4 O experimento deve ser conduzido de maneira a evitar todo sofrimento e
danos desnecessários, quer físicos, quer materiais.
5 Não deve ser conduzido qualquer experimento quando existirem razões
para acreditar que pode ocorrer morte ou invalidez permanente; exceto, talvez,
quando o próprio médico pesquisador se submeter ao experimento.
6 O grau de risco aceitável deve ser limitado pela importância do problema
que o pesquisador se propõe a resolver.
121
Declaração de Helsinki I
Introdução
Belmont Report