(BRITTO, 2021) - Dissert-PROJETAR É PROJETARCOM

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo


Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo

Dissertação

PROJETAR É PROJETARCOM:
O processo de projeto como construção coletiva

Tanara Fernandes de Britto

Pelotas, 2021
Tanara Fernandes de Britto

PROJETAR É PROJETARCOM:
O processo de projeto como construção coletiva

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial
à obtenção do título de Mestre em Arquitetura e
Urbanismo.
Área de concentração: Arquitetura, Patrimônio e
Sistemas Urbanos.
Linha de pesquisa: Percepção e Avaliação do Ambiente
pelo Usuário.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Afonso Rheingantz

Co-Orientadora: Profa. Dra. Adriane Borda Almeida da Silva

Pelotas, 2021
Tanara Fernandes de Britto

PROJETAR É PROJETARCOM: O PROCESSO DE PROJETO COMO CONSTRUÇÃO COLETIVA

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Arquitetura e
Urbanismo do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas.

Data da defesa: 01 de dezembro de 2020.

Banca Examinadora:

______________________________________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Afonso Rheingantz (orientador)
Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas

______________________________________________________________________________
Profa. Dra. Adriane Borda Almeida da Silva (co-orientadora)
Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas

______________________________________________________________________________
Prof. Dr. Eduardo Rocha (Membro Interno)
Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas

______________________________________________________________________________
Profa.Dra. Irme Salete Bonamigo (Membro Externo)
Universidade Comunitária da Região de Chapecó (UNOCHAPECÓ)

______________________________________________________________________________
Dr. Rodrigo das Neves Costa (Membro Externo)
Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)
Agradeço

Ao orientador Paulo Afonso Rheingantz, pelo desafio proposto, confiança, incentivo e admirável
condução ao longo do caminho;
À coorientadora Adriane Borda Almeida da Silva, pela vigorosa disposição em aprender junto
comigo e por suas contribuições primordiais durante a pesquisa;
À arquiteta Ana Beatriz Goulart de Faria, por generosamente ceder seu tempo, informações e
material de pesquisa, possibilitando a inclusão do projeto ilustrativo nessa dissertação;
Aos meus pais, pelo amor, dedicação, valores transmitidos e por sempre estarem ao meu lado;
Ao meu irmão e minha cunhada, que nunca deixaram a distância física ser motivo para não
estarem por perto;
Às minhas amigas Fernanda Dors e Thalita Maciel, por deixarem essa caminhada mais divertida
e leve;
À minha amiga Tais Brandelli, pela companhia virtual nesses tempos de distanciamento, e por
não me deixar desistir mesmo quando tudo se tornava muito exaustivo;
Ao PROGRAU e a UFPEL, pelo ensino, oportunidade de crescimento e aprendizado.
Resumo

BRITTO, Tanara Fernandes de. Projetar é ProjetarCOM: o processo de projeto como


construção coletiva. 2021. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Programa de
Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,
Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2021.

As múltiplas realidades em constante transformação do mundo contemporâneo complexificam


o processo de projeto em arquitetura-urbanismo. Em consonância com os fundamentos dos
estudos Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS) e da Teoria Ator-Rede (TAR), esta pesquisa parte do
entendimento do projeto de arquitetura como um artefato sociotécnico que performa uma
construção coletiva cujas redes híbridas articulam e associam atores humanos e não-humanos.
A partir do entendimento de que pesquisar produz e intervém em mundos e possibilita delinear
e modificar fronteiras, esta pesquisa objetiva mapear os efeitos do ProjetarCOM o outro na
formulação de princípios e procedimentos para o projeto de arquitetura-urbanismo. Buscando
respostas para a pergunta "quais as possíveis contribuições do PesquisarCOM para o processo
de projeto de arquitetura-urbanismo?" as estratégias metodológicas empregadas buscam
explorar os modos para descrever a complexidade difusa das dinâmicas do processo de projeto
entendido como um coletivo de atores humanos e não-humanos, divididos em três movimentos
– mapear as associações que se produzem no processo projetual; seguir os atores e registrar seus
relatos; percorrer um caminho de incertezas na dinâmica do processo projetual. Para explorar a
transposição dos efeitos de pesquisarCOM para o projetarCOM, a pesquisa recorre à Cartografia
das Controvérsias, desdobramento prático da TAR, a partir de reflexões sobre um processo
projetual de arquitetura-urbanismo do Campus Integrado da Educação Básica Serra Grande. A
dissertação reúne e apresenta uma pesquisa em movimento, e que até o momento, busca
colaborar para o entendimento de que as tentativas de simplificação do processo projetual ao
rigor de uma atividade técnica se afastam da indeterminação e perversidade inerentes de seus
problemas, bem como da complexidade e não-linearidade das redes que o sustentam.

Palavras-chave: Arquitetura. Processo de projeto. ProjetarCOM. Cartografia das controvérsias.


Teoria Ator-Rede. Percepção.
Abstract

BRITTO, Tanara Fernandes de. Designing is DesigningWITH: the design process as a collective
construction approach. 2021. Thesis (Masters in Architecture and Urbanism) - Graduate Program
in Architecture and Urbanism, College of Architecture and Urbanism, Federal University of
Pelotas, Pelotas, 2021.

Multiple realities in constant changes in the contemporary world further challenge the design
process within the architecture-urbanism field. In accordance with the Science-Technology-
Society (STS) studies and with the fundamentals of Actor-Network Theory (ANT), this thesis starts
from the understanding of the architectural project as a sociotechnical artifact enacted as a
collective construction whose hybrid networks articulate and associate both human and non-
human actors. Starting from the understanding that researching produces and step in worlds, as
well as the possibility of drawing and modifying existing boundaries, this research aims to map
the effects of the designingWHITH in the architecture-urbanism design processes and in the
formulation of the design principles and procedures. Seeking answers to the question “what are
the possible contributions of designingWHITH to the architecture-urbanism design process?”, the
methodological strategies proposed aim to explore ways to describe the diffuse complexity of
the dynamics of the design process contemplated as collective of human and non-human actors.
They are divided into three movements – mapping the associations produced during the design
process; following the actors and register their enactments; walking an uncertain road in the
dynamics of the process of design. In order to explore the transposition of the effects of to
researchWITH to designingWITH, this thesis call upon the cartography of controversies as a
practical development of ANT, taking an illustrative design process of an architectural project as
an object to think over. It also brings together and presents a research-in-motion, that until now
seeks to collaborate to the understanding that the attempts to simplify the design process as a
mere technical activity will move it away from the inherent indeterminacy and perversity of its
problems, and from the complexity and non-linearity of its supportive networks.

Keywords: Architecture. Design process. DesigningWITH. Cartography of controversies. Actor-


network Theory. Perception.
Lista de Figuras

Figura 1 Representação gráfica do processo de projeto................................... 37


Figura 2 O processo a partir do gerador primário ............................................ 38
Figura 3 O processo de projeto como negociação ............................................ 39
Figura 4 Os limites de integração dos conhecimentos – versão I...................... 44
Figura 5 Os limites de integração dos conhecimentos – versão II..................... 45
Figura 6 Capa do documento PPPCPPA.............................................................. 57
Figura 7 Localidade de Serra Grande.................................................................. 68
Figura 8 Localização das novas escolas.............................................................. 70
Figura 9 Implantação das edificações................................................................. 77
Figura 10 Perspectiva aérea do projeto arquitetônico original para Educação 83
Infantil e Fundamental.........................................................................
Figura 11 Perspectiva do projeto arquitetônico original para Educação Infantil 83
e Fundamental......................................................................................
Figura 12 Perspectiva do projeto arquitetônico original para Ensino 84
Médio...................................................................................................
Figura 13 Sistema de energia renovável previsto no projeto original para 84
Educação Infantil e Fundamental.........................................................
Figura 14 Projeto original para refeitório da Educação Infantil e Fundamental.. 87
Figura 15 Obra em andamento do refeitório [A].................................................. 88
Figura 16 Obra em andamento do refeitório [B].................................................. 88
Figura 17 Projeto para pátio descoberto da Educação Infantil e Fundamental... 89
Figura 18 Obra em andamento do pátio descoberto da Educação Infantil e 89
Fundamental [C]...................................................................................
Figura 19 Mobilidade e acessos do projeto original............................................. 89
Figura 20 Mapa da pesquisa e do processo de projeto do Centro Integrado de 96
Educação Básica Serra Grande..............................................................
Lista de Quadros

Quadro 01 Quadro-síntese da pesquisa ................................................................... 20


Quadro 02 Uma síntese da TAR................................................................................. 25
Quadro 03 Narrativa do exemplo ilustrativo de arquitetura-urbanismo [A]............. 62
Quadro0 4 Narrativa do exemplo ilustrativo de arquitetura-urbanismo [A1]........... 63
Quadro 05 Narrativa do exemplo ilustrativo de arquitetura-urbanismo [A2]........... 64
Quadro 06 Narrativa do exemplo ilustrativo de arquitetura-urbanismo [A3]........... 67
Quadro 07 Narrativa do exemplo ilustrativo de arquitetura-urbanismo [A4]........... 72
Quadro 08 Narrativa do exemplo ilustrativo de arquitetura-urbanismo [A5]........... 73
Quadro 09 Narrativa do exemplo ilustrativo de arquitetura-urbanismo [A6]........... 74
Quadro 10 Narrativa do exemplo ilustrativo de arquitetura-urbanismo [A7]........... 75
Quadro 11 Narrativa do exemplo ilustrativo de arquitetura-urbanismo [A8]........... 76
Quadro 12 Narrativa do exemplo ilustrativo de arquitetura-urbanismo [A9]........... 78
Quadro 13 Narrativa do exemplo ilustrativo de arquitetura-urbanismo [A10]......... 85
Lista de Abreviaturas e Siglas

AE Abordagem Experiencial
APO Avaliação Pós-ocupação
CEU Centro Educacional Integrado
CTS Ciência-Tecnologia-Sociedade
DRP Diagnóstico Rápido Participativo
DT Design Thinking
MEC Ministério da Educação
PD Plano Diretor
PPPCPPA Plano para o Processo Participativo de Criação dos Projetos Pedagógico e
Arquitetônico
PROGRAU Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo
ProLUGAR Grupo de pesquisa Lugares e Paisagens
PRUA Plano de Revitalização Urbana e Ambiental
TAR Teoria Ator-rede
UFPel Universidade Federal de Pelotas
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
Sumário

Apresentação ................................................................................................................................12
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................................15
1.1. A (des)Construção de um problema de pesquisa ..................................................................15
1.2. Delineamento da pesquisa .....................................................................................................19
2 COMPLEXIDADE E HETEROGENEIDADE: A PROPOSIÇÃO DE ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS
...........................................................................................................................................23
2.1. Primeiro movimento: Compreender coisas complexas e difusas ..........................................23
2.2. Segundo movimento: Seguir os atores e registrar suas performações .................................27
2.3. Terceiro movimento: Percorrer um caminho de incertezas ..................................................29
3 SOBRE PROJETO E PROCESSO PROJETUAL ................................................................................31
3.1. Verbo e Substantivo ...............................................................................................................31
3.2. Ação e Solução ........................................................................................................................34
4 SOBRE PROJETOS PARTICIPATIVOS E COLABORATIVOS...........................................................42
4.1. Participar.................................................................................................................................47
4.2. Colaborar ................................................................................................................................50
5 DO PESQUISARCOM AO PROJETARCOM ...................................................................................53
5.1. PesquisarCOM.........................................................................................................................54
5.2. ProjetarCOM ...........................................................................................................................56
5.2.1.1. Abrindo portas .................................................................................................................60
5.2.1.2. Os porta-vozes ..................................................................................................................65
5.2.1.3. Dispositivos de inscrição...................................................................................................66
5.2.1.4. Associações e articulações ...............................................................................................74
5.3. Um convite para projetar com atores esquecidos e invisibilizados .......................................91
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................97
Referências ..................................................................................................................................105
ANEXO A – Capítulo 01 do Projeto Político Pedagógico do Centro Integrado de Educação
Integral de Serra Grande .................................................................................................110
ANEXO B – Capítulo 06 do Projeto Político Pedagógico do Centro Integrado de Educação
Integral de Serra Grande .................................................................................................116
ANEXO C – Projeto arquitetônico para o Centro Integrado de Educação Básica Serra Grande:
Educação Infantil e Fundamental ...................................................................................119
ANEXO D – Projeto arquitetônico para o Centro Integrado de Educação Básica Serra Grande:
Ensino Médio ...................................................................................................................127
12

Apresentação

Esta pesquisa é, por linhas e entrelinhas, a história dela mesma. E, também, a minha
história como pesquisadora. Digo isso, porque construir esse trabalho também é me construir
dentro desse universo da pesquisa científica. A ideia de fazer mestrado começou a tomar forma
no último ano da minha graduação em Arquitetura e Urbanismo, mas ainda não estava
consolidada o suficiente para investir nessa possibilidade. Sempre me aproximei da prática,
sempre acreditei que seria no dia-a-dia do escritório e das obras que trilharia meu caminho
profissional – talvez por isso não tenha me interessado tanto pela pesquisa cientifica ainda nos
meus anos de graduação, já que naquela época não conseguia enxergar nitidamente as linhas
que entrelaçavam esses campos. Foi no encontro com a prática cotidiana da profissão de
arquiteta que se deu o amadurecimento necessário para que essa pesquisa pudesse acontecer.
Um laço importante que se mantém vivo até hoje. Sou arquiteta-pesquisadora e, também
pesquisadora-arquiteta. Já não vejo como desassociar esses dois títulos e nem como conferir
protagonismo a um em detrimento do outro.
Intimamente ligado a essa minha aproximação com a prática cotidiana e com o projeto
de arquitetura e, respaldado nas experiências vivenciadas, está o interesse no processo de
concepção projetual. Minhas compreensões sobre o significado de projeto vêm sendo
continuamente construídas ao longo do tempo. No exercício de reflexão para essa escrita,
percebi que em quatro momentos a palavra projeto mudou de significado. Aqui, me refiro a
mudanças complementares, e não excludentes. O primeiro momento se iniciou quando ingressei
na universidade, no ano de 2010, e considerava a disciplina de Projeto a mais importante do
curso; entendia que projetar seria a maneira mais clara de me aproximar daquilo que almejava
ser; que projetar significava explorar e resolver um programa de necessidades dos usuários,
inserido em uma estrutura formal, no mínimo, interessante e adequada ao programa e partido
adotado. Que o projeto seria um produto.
O segundo momento se iniciou no ano de 2014, quando tive a oportunidade de vivenciar
um intercâmbio na Parsons The New School for Design. Durante essa experiência me vi fora da
minha zona de conforto, comecei a me questionar sobre quantos significados o projeto poderia
assumir. Resolver um programa de necessidades não bastava. Tampouco estudar a estética
formal. A noção do projeto como um produto final começou a se modificar. Naquele ano, fui
13

convidada a me despir dos meus pré-conceitos sobre projeto e começar de novo (certamente,
um dos maiores desafios que minha experiência acadêmica proporcionou). O resultado final do
exercício projetual não era o protagonista, mas sim o percurso até ele. Passei a fortalecer a
importância de criar experiências com o outro e para o outro, de criar conexões com as dinâmicas
dos caminhos. E projeto ganhou mais um significado: processo.
O terceiro momento transcorreu depois de graduada, no convívio com o cotidiano de
trabalho com clientes reais, com seus desejos e limitações, necessidades e rotinas, que me
possibilitou perceber o projeto como uma contribuição pessoal-profissional na vida dessas
pessoas e das demais que, por alguma razão, devem experienciar aqueles espaços. Além de
produto e processo, projeto passou a significar continuidade.
O quarto momento aconteceu quando ingressei no Programa de Mestrado em
Arquitetura e Urbanismo, propondo uma pesquisa sobre as possíveis contribuições da
abordagem Design Thinking para a caracterização de processos projetuais participativos. Meu
interesse nesse tema foi se consolidando juntamente com a construção dos significados de
projeto: quando compreendi que o projeto não é produto individual, mas sim coletivo, me
questionei quem seriam os participantes que projetam. Daí essa primeira proposta de estudo, já
que minhas experiências tinham me aproximado da abordagem Design Thinking e das práticas
de co-projetar. Não poderia prever de antemão que os rumos dessa pesquisa mudariam tanto.
Mas mudar nunca fez tanto sentido como agora.
No momento que me permiti desprender de um laço rígido que me envolvia com o tema
de pesquisa almejado anteriormente, essa aqui começou a tomar forma. Mas falar em me
desprender, deixar para trás, romper, abandonar – todos os sinônimos para me afastar – não
significa que de fato o fiz. Porque a maneira como nós arquitetos pensamos o processo de projeto
e damos forma ao projeto em si – o nosso design thinking – diz muito sobre como
compreendemos nossas realidades e quem as performa. Hoje, enxergo que esse laço não
precisava ser rompido, apenas desatado, e entendo que foi somente por experienciar os três
primeiros momentos que esse quarto pôde acontecer. E é através da densidade de estudos sobre
a Teoria Ator-Rede e sobre a abordagem sociotécnica, que minhas realidades estão mudando.
Hoje, projeto também é rede.
Apresento essa pesquisa, não só como um instrumento para reflexão - com a intenção de
colaborar na formação de posturas sobre projetar em arquitetura-urbanismo - mas também
14

como uma cartografia do meu processo de construção de conhecimento e ampliação de


horizontes sobre o significado e as implicações de projetar na contemporaneidade.
Seguindo os passos de Boaventura Santos (1985), Vera Feitosa (1991) e Paulo Rheingantz
(2000), nesta pesquisa, optei por uma narrativa em primeira pessoa do singular, para dar voz às
minhas reflexões e compreensões. Entretanto, esse não é um trabalho construído inteiramente
por mim: a difícil tarefa da escrita só está sendo possível porque escrevoCOM meus orientadores
e com outros tantos atores não-humanos (artigos, livros, desenhos, projetos, vídeos e demais
publicações e mídias) que falam com e por seus autores humanos. Por isso, os momentos da
escrita em primeira pessoa do plural também são suas vozes.
15

1 INTRODUÇÃO

1.1. A (des)Construção de um problema de pesquisa

Com quem o arquiteto poderia projetar? A complexidade de colocar em palavras – faladas


e escritas – uma única resposta para essa pergunta, através dessa pesquisa1, possibilitou adentrar
num mundo de realidades densas, múltiplas e, por vezes, entrelaçadas. Pesquisar é estar
constantemente inquieto, nos pensamentos e nas mãos que escrevem. Segundo Moraes (2014),
pesquisar é produzir e intervir em mundos, delinear e modificar fronteiras. E, modificar as
fronteiras nesse trabalho implica em reformular perguntas, olhar sob outros ângulos o objeto de
interesse, despir-se de pré-conceitos. Foi justamente buscando alargar essas fronteiras e
contribuir para a produção de novas realidades, que aquela primeira pergunta – com quem o
arquiteto poderia projetar – nos indicou caminhos que compreendem uma pluralidade de
respostas. É no estranhamento do encontro com o outro que o pensamento surge (MORAES,
2010). A partir dos encontros com os outros, com as diferentes perspectivas de responder àquela
questão, que novos questionamentos surgiram, ampliando os horizontes dessa dissertação.
Partindo de um profundo interesse em processo de projeto de arquitetura-urbanismo2 e,
principalmente na complexidade das relações desenvolvidas entre os diversos atores implicados
na concepção projetual, esta pesquisa propõe enxergar o projeto enquanto construção coletiva3:
Ao questionar quais realidades são produzidas nas nossas pesquisas, Moraes (2010) nos
convida a refletir sobre o significado de fazer pesquisa no mundo contemporâneo.
Tradicionalmente, entende-se a pesquisa como um procedimento racional e sistemático, com o

1
Inserida no campo das Ciências Sociais Aplicadas, vinculada à linha de pesquisa Percepção e Avaliação do
Ambiente pelo Usuário do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de
Pelotas na, esta pesquisa está situada no tema de processo de projeto e as abordagens contemporâneas sobre o
projetar.
2
Para Castello (2007, p. 38), o termo composto considera a indissociabilidade entre arquitetura e urbanismo e se
refere ao “campo de disciplinas projetuais englobadas naquelas áreas do conhecimento”.
3
Conforme Latour (2005, p. 74. Tradução nossa), por “coletivo” não nos referimos a uma ação tomada por forças
sociais homogêneas, mas pelo contrário, por uma ação que agrupa diferentes tipos de forças entrelaçadas
exatamente porque são diferentes.
16

propósito de buscar respostas para determinados problemas (GIL, 2002). Pesquisar, portanto, a
partir de métodos tradicionais, implica em seguir um caminho estruturado a partir de regras e
metas previamente determinadas (ESCÓSSIA; KASTRUP; PASSOS, 2010) com ênfase nos produtos
finais obtidos. Assumir a maneira clássica de fazer pesquisa, nos permite compreender o
exercício de pesquisar como um movimento centralizado, orientado a um método pré-
determinado (MORAES, 2014).
Na contramão dessa tradição, Stengers (2002), Mol (2008), Latour (2005, 2008, 2011),
Law (2004), Pedro (2010) e Moraes (2014) propõem compreender o método como um modo de
fazer política, que lida com maneiras de compor o mundo e as múltiplas realidades, articulando-
se com o coletivo e com as relações envolvendo os atores nele implicados. Essa estratégia
fundamenta o pesquisar com o outro - pesquisarCOM - e não sobre o outro (MORAES;
BERNARDES, 2014). PesquisarCOM se afasta da linearidade e do determinismo de regras pré-
estipuladas para a pesquisa (REISHOFFER; BICALHO, 2016) e se volta para uma aproximação com
o processo e com a dinâmica das associações que se produzem durante o caminho; com os traços
de outras realidades performadas4, com o outro enquanto sujeito agente na pesquisa (MORAES,
2014).
A possibilidade da transposição do entendimento norteador do pesquisarCOM para
outras áreas de atuação possibilita desdobramentos que, inerentemente, conduzem a outros
caminhos além daqueles sinalizados pelos protocolos tradicionais da Modernidade. Com base
nesse pressuposto, o escreverCOM emerge como uma maneira de conhecer situada e implicada,
uma escrita que se permite explicitar suas marcas, silêncios e hesitações (MORAES; BERNARDES,
2014), que extrapola a função simplesmente de comunicação de resultados das pesquisas
(BONAMIGO, 2017). De fato, é por meio do texto que a investigação alcança interlocutores,
facilita a crítica e é difundida nos mais variados meios (TSALLIS et al, 2019). Conforme Silveira,
Palombini e Moraes (2014), escreverCOM os outros significa contemplar um processo de
transformação do pesquisador e do pesquisado, em que o tradicional objeto de pesquisa passa
a ser sujeito agente na produção do conhecimento. Assim, os estudos acadêmicos passam a

4
Originado nos estudos CTS-TAR (Ciência Tecnologia e Sociedade – Teoria Ator Rede), e proposto por Annemarie
Mol (2008, p.6), performar determinada realidade implica que ela é “concebida muito mais do que observada,
manipulada por uma variedade de instrumentos ao longo de diferentes práticas”. Nesse sentido, entidades, fatos e
artefatos são “performados ou produzidos na ação e pela agência de outros entes, ou seja, as coisas e suas ontologias
passam a ser entendidas como produto final de uma trama de ações” (RHEINGANTZ, 2000).
17

compor uma análise de como a linguagem e a escrita performam e transportam “coisas sem
deformação ao longo de transformações” (LATOUR, 2001).
Assim, pesquisarCOM os outros denota entender o outro como sujeito dotado de saber
inerente, e não como sujeito difuso, passivo de nossas atuações (MORAES, 2014). Se direcionado
para o campo da arquitetura-urbanismo, esse entendimento possibilita explorar seus
desdobramentos sobre o projetarCOM5, bem como mapear um conjunto de efeitos que são
produzidos em um processo de projetar COM os outros e não projetar PARA os outros.
Numa primeira aproximação, PesquisarCOM direcionou essa pesquisa para um
alinhamento fundamental com o campo de estudo Ciência-Tecnologia-Sociedade6 (CTS), que
compreende que a ciência é um conjunto de práticas moldadas pelo seu contexto histórico,
organizacional e social, e que o conhecimento científico é construído nessas práticas (LAW,
2004). Em medida complementar, a Teoria Ator-Rede (TAR), elaborada pelos sociólogos Bruno
Latour e John Law, se volta para as práticas cotidianas que compreendem ciência, tecnologia e
sociedade (NOBRE; PEDRO, 2010). A centralidade da TAR reside nas redes heterogêneas de
atores humanos e não-humanos que performam nossas realidades. O encontro com essa teoria
me possibilitou apreender o processo de projeto de arquitetura-urbanismo à luz da sua
complexidade inerente e, explorar essa pesquisa sob uma perspectiva sociotécnica.
Nesse sentido, Costa7 (2019, p.56) sugere a ação projetual como o resultado de diversas
forças, um ato coletivo, e propõe o termo projetarCOM para caracterizá-la numa abordagem
sociotécnica, enfatizando “seu caráter político, articulado, localizado, contingencial, negociado e
transformador”. Longe de constituir um ato individual e linear, projetarCOM manifesta a relação
entre cinco pressupostos que guiam essa investigação:
(a) o projeto é uma construção [...] coletiva, na qual humanos e não humanos se
articulam ativamente, como experts, tanto na formulação do problema quanto da
solução; (b) nesse processo, não há determinismo social, tecnológico ou natural, a priori,
pois a definição é local e heterogênea; (c) a ação transforma tanto o arquiteto como os
outros atores, pois o produto gera tensão, instabilidade, variação; (d) as inconsistências
– instabilidades, controvérsias – são importantes para apontar realidades não
articuladas no projeto; (e) a autoria está mais ligada à capacidade de conexão e à
emergência a partir de condições localizadas (COSTA, 2019, p. 56).

5
Termo proposto por Rodrigo das Neves Costa e Ulisses Carvalho, em que a expressão “COM” em letras
maiúsculas enfatiza a presença indissociável de múltiplos atores nas redes.
6
CTS designa uma abordagem sociológica do estudo da ciência e tecnologia (LAW, 2004, p.12. Tradução minha).
7
Tese Debaixo do mesmo teto: prática projetual em edifícios de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, de autoria
de Rodrigo das Neves Costa, contemplado com menção honrosa no Prêmio Capes de Tese 2020.
18

A partir dessa visão alternativa da ação projetual, essa pesquisa emerge como um
desdobramento das reflexões propostas pelo autor e com a intenção de ampliar as provocações
em torno dessa proposição. A pergunta que deu origem a esse capítulo, ganha agora uma nova
grafia: COM quem o arquiteto poderia projetar?
Participar e colaborar são verbos frequentemente utilizados quando é necessário
comunicar a intenção de projetar conjuntamente, de incluir o outro no fazer arquitetura-
urbanismo. O projeto participativo, conforme Sanoff (2010) é uma atitude direcionada para
mudanças na criação e gerenciamento de ambientes para as pessoas, em que a participação da
comunidade se baseia no princípio de que o ambiente funciona melhor se os cidadãos se
envolvem ativamente na criação e gerenciamento desses. Nesse modelo, o usuário e/ ou a
comunidade são ditos como o outro. Segundo Scariot, Heemann e Padovani (2012), quando um
chamado de colaborativo. Multidisciplinaridade e interdisciplinaridade também são termos que
se aproximam de colaborar, expandindo o significado de outro: não mais somente o usuário ou
a comunidade, mas como diversas pessoas com expertises distintas, envolvidas no projeto. Este
assunto será explorado mais adiante no capítulo 04.
Ainda que não faltem estudos sobre outros métodos que veem na inclusão de outros uma
prática necessária para o projeto, ao ir de encontro a essas práticas esbarramos em pistas de que
elas seguem não contemplando o processo de projeto como construção coletiva; como um
movimento entendido a partir das associações entre forças heterogêneas e articulações de
múltiplos atores (humanos e não-humanos). Ao explorar as contribuições de um processo
projetual multicêntrico e não-hierárquico de pesquisa e de concepção, pensamos na
possibilidade de mapear/ delinear o projetarCOM como um exercício de prática projetual
cotidiana situada, que fortaleça uma construção coletiva.
De imediato, talvez o maior interesse a explorar nesse encontro com o projetarCOM seja
a oportunidade de estudar uma perspectiva emergente sobre o processo de concepção de
projeto e seu produto. Uma reflexão para melhor projetar e compreender o projeto na
contemporaneidade.
19

1.2. Delineamento da pesquisa

Partindo do entendimento de que a contínua transformação e heterogeneidade do


mundo contemporâneo complexifica o processo de projeto em arquitetura-urbanismo –
pressuposto que remonta ao primeiro insight da pesquisa – sugerimos caminhos e alternativas
que orientem um processo de pesquisa difuso, contínuo e articulado.
O alinhamento com esse pressuposto possibilitou formular o problema de pesquisa:
quais as possíveis contribuições que projetarCOM pode trazer para o campo da arquitetura-
urbanismo? que foi desmembrado em outras questões auxiliares para o direcionamento dos
rumos dessa investigação:
▪ Quais efeitos emergem do explorar os fundamentos e processos do pesquisarCOM no
projetarCOM?
▪ Quais são as convergências e divergências existentes entre o entendimento de projetos
participativos, colaborativos e projetarCOM?
▪ Quais interfaces o projetarCOM incorpora ao processo de projeto?
▪ Como compreender um processo de projeto a partir de uma investigação sob a
abordagem do pesquisarCOM?
▪ COM quem o arquiteto poderia projetar?
São tantas as questões e possibilidades de investigação a serem exploradas em um
complexo e incerto universo do processo de projeto, que algumas estratégias necessitaram ser
traçadas para dar conta de responder a alguns (dos múltiplos) questionamentos que surgiram.
Situada no tema de processos de projeto e abordagens contemporâneas sobre o projetar,
o objetivo geral desta pesquisa é: mapear os efeitos do projetarCOM sobre o processo de projeto
de arquitetura-urbanismo e sobre a formulação de princípios e procedimentos projetuais, que se
desdobra nos seguintes objetivos específicos:
(a) Compreender o processo de projeto a partir da abordagem e dos fundamentos do
pesquisarCOM;
(b) Explorar um processo de projeto que associe os múltiplos atores implicados com a
concepção do projeto de arquitetura-urbanismo;
(c) Mapear os efeitos do projetarCOM a partir dos seus interfaceamentos com exemplo
ilustrativo de processo participativo/colaborativo;
20

É importante ressaltar que, para esboçar um quadro síntese capaz de dar conta dos
objetivos de pesquisa acima explicitados, foi necessário construí-lo de maneira aberta, sem
amarras ou juízos limitantes, de maneira que possibilitasse incorporar as diferentes e
inesperadas condições encontradas ao longo do caminho. Portanto, o Quadro 01 visa orientar e
estruturar a pesquisa, ao mesmo tempo em que a pesquisa possibilitava sua construção:

Quadro 01 – Síntese orientativa do trabalho.

Objetivo específico Justificativa Estratégia Resultados esperados


metodológica
Compreender o A transposição dos Revisão bibliográfica Delinear um processo
processo de projeto a entendimentos de PesquisarCOM que possibilite
partir da abordagem e pesquisarCOM para o Relato de exemplo compreender o
dos fundamentos do projetarCOM indica ilustrativo processo de projeto
pesquisarCOM outras possibilidades como construção
ao explorar o processo coletiva
de projeto e o próprio
projeto

Explorar um processo Importância de Revisão bibliográfica Ampliação do


de projeto que associe explorar a efetividade e PesquisarCOM entendimento do
os múltiplos atores as contribuições das Relato de exemplo processo de
implicados com a ações de projetarCOM ilustrativo projetarCOM
concepção do projeto o outro, e não PARA o
de arquitetura- outro.
urbanismo

Mapear os efeitos do Ao projetar, revelamos Revisão da literatura Expandir os horizontes


projetarCOM a partir novas possibilidades de sobre PesquisarCOM do processo de
das interfaces modelo múltiplas realidades Relato exemplo projeto concepção de projeto,
ilustrativo de processo e/ou de novos mundos. ilustrativo a partir de ações
participativo/ Cartografia das projetuais
colaborativo Controvérsias compartilhadas COM
outros atores
impulsionando um
transbordamento das
fronteiras do projetar
Fonte: autora, 2020.

Os capítulos foram produzidos de modo a guiar o leitor no entendimento de um processo


de pesquisa que se ocupa de “mapear a dinâmica das traduções8 que se encontram em ação na

8
Segundo Pedro (2010, p. 83) a tradução significa “um deslocamento, um desvio de rota, uma mediação ou invenção
de uma relação antes inexistente e que, de algum modo, modifica os atores nela envolvidos [...]”. Costa (2019, p.
32) complementa que o “objetivo da tradução é tornar equivalente duas proposições”.
21

rede” (PEDRO, 2010, p.86) que está inserida, sem preocupação de hierarquiza-las ou classifica-
las. O alinhamento com a Teoria-Ator-Rede implica em compreender que cada tradução provoca
movimentos na rede, que a modificam.
Nesse sentido, a relação com a política da própria pesquisa implicou num deslocamento
do capítulo das estratégias metodológicas para seu início. Isso porque a compreensão dos
movimentos que deram origem a essas estratégias metodológicas aqui esboçadas foi
fundamental para que a própria pesquisa pudesse acontecer.
O capítulo 02 “Complexidade e heterogeneidade: a proposição de estratégias
metodológicas” apresenta a construção do método de pesquisa à luz do campo de estudos CTS
– em especial da TAR – e de princípios da Abordagem Experiencial (AE). A partir da apresentação
de três movimentos contínuos de abordagem à pesquisa, busco traçar uma lógica norteadora
capaz de explicar e delinear o processo de projeto de arquitetura-urbanismo em toda sua
heterogeneidade. Recorro à Cartografia das Controvérsias (LATOUR, 2005; PEDRO, 2010;
VENTURINI, 2010) como procedimento de pesquisa para viabilizar a transposição dos efeitos de
pesquisarCOM para o projetarCOM e, por fim, proponho o pesquisarCOM em si como estratégia
metodológica. Este capítulo foi escrito à medida que a pesquisa se tornou mais densa, que novos
encontros e traduções aconteciam.
Diante da amplitude e complexidade do significado da palavra projeto, o capítulo 03
“Sobre projeto e processo projetual” reúne múltiplas reflexões sobre processo de projeto em
arquitetura-urbanismo. Não tenho a intenção de apresentar todos os estudos e modelos
propostos para um mapeamento do processo de projeto, já que a literatura está repleta deles
para consulta. Portanto, o que apresento é uma visão mais ampla do que foi proposto, e que
pode ser acrescida de outras perspectivas e ampliada nas suas elaborações, conforme ao longo
dessa pesquisa encontre pontos de inflexão.
No capítulo 04, “Sobre projetos participativos e colaborativos” discuto o projeto a partir
de sua natureza transdisciplinar. Reflexões sobre os limites de interação dos saberes e
conhecimentos convergem às práticas de co-projetar. Ao incorporar à rede sociotécnica dessa
pesquisa autores, textos, noções e reflexões sobre essas práticas, exploro interfaces e
articulações entre elas, para então fazer um movimento em direção ao projetarCOM.
Os quatro primeiros capítulos têm uma intenção introdutória, situacional; é nesse corpo
de texto que estão contidos conteúdos orientativos fundamentais para esse estudo e, portanto,
22

a escrita deles certamente não se deu desprendida dos próximos. Foram esses capítulos que me
deram pistas para acessar a porta de entrada da rede do projetarCOM, para então cartografar
suas controvérsias.
O capítulo 5, “Do pesquisarCOM ao projetarCOM” é dedicado ao pesquisarCOM e a
transposição de seus fundamentos para projetarCOM, delineado com o apoio da cartografia das
controvérsias. A partir da narrativa do exemplo ilustrativo de processo de projeto do Campus
Integrado da Educação Básica Serra Grande9, situado no munícipio de Uruçuca no estado da
Bahia, proponho o entendimento do processo de arquitetura-urbanismo como um movimento
dinâmico de articulações, associações e traduções. Nesse sentido, busco as controvérsias do
processo projetual, as discordâncias que se revelam, para nelas identificar e mapear a rede
sociotécnica que o configura.
No capítulo 6, “Considerações finais”, procuro delinear um desfecho momentâneo para
a pesquisa. Considerando que a rede que a sustenta não está estabilizada e que as reflexões
estão muito longe de serem esgotadas, nesse capítulo, trato sobre as limitações e desafios da
pesquisa. Discorro sobre as respostas às principais questões propostas ao longo da dissertação,
bem como sobre os objetivos inicialmente almejados, se eles foram ou não contemplados. E
também proponho algumas reflexões sobre projetarCOM indicativas de possíveis
desdobramentos futuros e referências para o processo projetual COM outros em arquitetura-
urbanismo.

9
Posteriormente renomeado como Campus Integrado de Educação Integral de Serra Grande em arquivo atualizado
e revisado. O arquivo (2012) que tive acesso para a obtenção de informações sobre o processo projetual era anterior
essa renomeação (2020), portanto optei por manter o nome tal qual está no documento original.
23

2 COMPLEXIDADE E HETEROGENEIDADE: A PROPOSIÇÃO DE ESTRATÉGIAS


METODOLÓGICAS

Distante de qualquer possibilidade de simplificação, tratar sobre a complexidade10 do


projeto e do seu processo de concepção em um contexto de contínuas transformações não é
tarefa simples. Delimitar uma única abordagem que dê conta de ser palco para reflexões e
discussões sobre o assunto, tampouco.
Ao buscar respostas para o problema - “quais as possíveis contribuições que projetarCOM
pode trazer para o campo da arquitetura-urbanismo?”- para seguir e registrar os efeitos da
exploração dos fundamentos e práticas do pesquisarCOM na formulação de princípios e
procedimentos para projetarCOM, esboçamos um conjunto de estratégias que possibilitam
performar o alinhamento da pesquisa com o campo dos estudos CTS, TAR e de uma necessária
atualização dos fundamentos da AE. Assim, apresento um estudo qualitativo, de caráter
bibliográfico, propositivo11 e exploratório.
As estratégias metodológicas da pesquisa foram emergindo a partir de alguns
movimentos e associações na medida em que eles são performados. A designação estratégias
metodológicas se justifica pelo entendimento de que a construção dos métodos se dá a partir
das traduções das experiências e associações que foram sendo mapeadas durante o pesquisar.

2.1. Primeiro movimento: Compreender coisas complexas e difusas

O primeiro movimento se deu em direção à complexidade de uma pesquisa que se ocupa


em mapear e descrever, sem a intensão de hierarquizar ou estabelecer alguma lógica ordenadora
entre as múltiplas associações que se produzem num coletivo envolvendo as associações dos

10
Nessa pesquisa, o termo complexidade denota heterogeneidade, multiplicidade, mutabilidade, instabilidade,
divergência, controvérsia.
11
Segundo Latour (2008, p. 45), o termo proposições descreve aquilo que é articulado. O termo “conjuga três
elementos: (a) denota uma obstinação (posição), que (b) não tem uma autoridade definitiva (é apenas uma
proposição) e (c) pode aceitar-se negociar-se a si mesmo para formar uma com-posição sem perder sua solidez.
24

atores humanos e não-humanos nele implicados. Alinhada com Law (2004, p. 2, tradução minha)
a pesquisa explora o modo como as ciências sociais aplicadas “tentam descrever coisas
complexas, difusas e bagunçadas”. Para isso, busca compreender o processo de projeto de
arquitetura-urbanismo enquanto parte de um coletivo ou rede conformado e afetado pelas
dinâmicas das associações sociotécnicas contemporâneas. Alinhadas com essa compreensão,
proposições advindas do campo CTS constituem importante referência para este trabalho.
Conforme Pedro (2010) a ciência e a tecnologia operam inegáveis transformações nos
mais diversos âmbitos da vida e da produção de conhecimento. Elas têm “propiciado novas
formas de cognição, de interação, de ação social, de ativismo político, de geração e difusão do
conhecimento” (PEDRO, 2010, p. 77) e, implicam no entendimento de que quase a totalidade das
atividades humanas na contemporaneidade são mediadas por algum tipo de tecnologia.
Fundamentados nos estudos CTS, compreendemos que relações heterogêneas, complexas e
difusas emergem de redes híbridas que reúnem ciência, tecnologia e sociedade. A
indissociabilidade entre esses três fenômenos sugere que o conhecimento científico e as
tecnologias participam de um mundo social, moldando-o e sendo moldado por ele (LAW, 2004).
Outra referência importante é a TAR, que caracteriza o conhecimento como um produto
ou efeito de “uma rede de materiais heterogêneos” (LAW, 1992, p. 381): conhecimento é um
produto sociotécnico, não algo que é gerado a partir da operação de um método científico linear.
Um dos princípios fundamentais da TAR (LAW,1992) é que o argumento das redes heterogêneas
implica que sociedade, organizações, agentes, máquinas, edifícios e lugares urbanos são
produtos obtidos a partir de uma rede de múltiplos materiais – e não simplesmente humanos.
Apoiado nesse argumento os termos atores humanos e não-humanos ganham força nessa
pesquisa. Esses termos buscam contemplar o entendimento de que tudo aquilo que performa
ações pode compor as redes, que tanto pessoas quanto coisas possuem agência (TSALLIS et al,
2019), influenciando, concordando, discordando, determinando, direcionando, permitindo,
bloqueando, estabilizando e desestabilizando as redes em que atuam. Ancorada nesses
fundamentos trazidos da TAR, projeto de arquitetura-urbanismo passa a ser discutido como um
artefato sociotécnico a ser articulado a partir dos movimentos, associações, negociações e
traduções entre atores humanos e não-humanos, performados dentro da rede.
25

Quadro 02 – Uma síntese da TAR

Law (2007) define a TAR como uma família composta por diferentes instrumentos de
construção de significados materiais e imateriais, sensibilidades e métodos de análise que abordam
os atores dos mundos sociais e naturais como um efeito contínuo obtido a partir das redes de
associações nas quais eles estão situados. A TAR também se propõe a rastrear os atores e seus
movimentos (LATOUR, 2005), a observar suas atuações e conexões, suas controvérsias e
articulações.

A abordagem da TAR não tem a intenção de explicar fenômenos (COSTA, 2017) ou


determinar o porquê algo acontece e, tampouco é uma teoria no sentido comum do termo: não se
trata de um conjunto de regras e leis sistematizadas empregadas numa área específica do
conhecimento e/ou prática, mas mais de um método de ação capaz de produzir alguns efeitos que
não seriam possíveis ser obtidos através de outras teorias sociais (LATOUR, 2005). Isso porque a
TAR é descritiva e não estrutural em termos explicativos (LAW, 2007), e ocupa-se de contar histórias
sobre como certas relações são agregadas, de investigar tais fenômenos sem previamente
determinar efeitos de causalidades (COSTA, 2017). Já como uma forma semiótica material, pode
ser compreendida como um kit de ferramentas para contar histórias e interferir nessas relações
(LAW, 2007), dando voz aos elementos que performam as realidades, a sensibilidade das práticas
relacionais e materiais do mundo, ao mesmo tempo que enfatiza seus aspectos situacionais,
culturais e materiais (LOURENÇO; PEDRO, 2019). Intrinsicamente, a TAR é uma teoria sobre dar
oportunidade para que os atores humanos e não-humanos possam se expressar e que se ocupa de
registrar e descrever, sem filtrar ou disciplinar (LATOUR, 2005) os movimentos performados por
eles.

Diante disso, o interesse na figura do ator humano ou não-humano é deslocado para as


associações que ocorrem entre eles, para as conexões e justaposições performadas por eles
(COSTA, 2019), e para as negociações em torno das controvérsias que emergem quando as redes
passam a ser configuradas. Segundo Costa (2019) é a ênfase na indissociabilidade entre o ator e a
rede que dá origem ao termo composto ator-rede, uma vez que explicita a relação inerente entre
o ator e a rede de outros atores que o sustenta. Na mesma medida, Latour (2005) argumenta que
a incerteza sobre a origem e controle da ação é o que o termo ator-rede busca restaurar, uma vez
que a ação deve ser tomada como um nó, como um arranjo de conjuntos de funções emaranhadas,
que as poucos pode ser desatado.

Fonte: autora, 2021.


26

Ao projetar, alguns mundos emergem, enquanto outros são apagados (MORAES;


BERNARDES, 2014), revelando novas realidades, novos mundos possíveis. Vale destacar o termo
composto política ontológica, abordado por Mol (2008), e que se refere à maneira como as
realidades estão relacionadas com a política12 e vice-versa. O termo política ontológica, proposto
por Annemarie Mol (2008: 63) levanta algumas perguntas que "têm a ver com a forma como o
'real' está implicado no 'político' e vice-versa", onde "política" indica que as condições de
possibilidade não são dadas previamente, ou seja, que a 'realidade' não é algo pré-existente; que
ela é modelada pelas práticas; sugere as ontologias – ou múltiplas realidades – são questões de
escolhas agenciadas pela performance dos atores que compõem a rede (COSTA, 2019). A noção
de realidades múltiplas possibilita construir um argumento central, no qual a realidade é
performada, situada, construída por atores diferentes e específicos que possuem diferentes
olhares, diferentes pontos de vista sobre o mundo, e o representam singularmente (MOL, 2008).
As realidades são múltiplas porque são heterogêneas e articuladas continuamente com os atores
humanos e não-humanos (MORAES; ARENDT, 2013), elas são efeitos das práticas.
Nesse sentido, práticas distintas produzem múltiplas realidades em que versões díspares
de um mesmo fenômeno são articuladas e localizadas singularmente segundo os interesses
(COSTA, 2019) dos atores implicados na rede – interesses que podem interferir na autonomia
dos objetos sociotécnicos, como é o caso do projeto de arquitetura-urbanismo.
A revisão dos fundamentos da AE à luz da TAR e do CTS tem sido fundamental para o
encontro com essas múltiplas realidades performadas. Isso porque a AE – produzida a partir dos
estudos do grupo de pesquisa Lugares e Paisagens – ProLUGAR, da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ) como uma abordagem alternativa à behaviorista, prevalente nos trabalhos de
Avaliação Pós-ocupação (APO). A AE questiona a ênfase nos resultados numéricos e em sua
pretensa precisão para registro das opiniões dos usuários e a imparcialidade dos resultados
(RHEINGANTZ et al, 2013), reconhecendo e valorizando a subjetividade dos dados, dos registros
e dos relatos. Rowe (1987) define o behaviorismo como uma rejeição a todas as considerações
dos processos mentais, implicando numa dissociação entre o corpo e a mente, e uma aceitação
somente de explicações concretas que possam ser medidas e seus padrões replicados, para dar
conta de explicar os fenômenos observáveis. Dessa maneira, as experiências, conhecimentos e
opiniões dos atores envolvidos nas avaliações se tornam dispensáveis, e esses tornam-se apenas

12
O termo “política” implica em escolhas, em tomar caminhos.
27

instrumentos neutros de aplicação (DESPRET, 2011; RHEINGANTZ et al, 2013). A impossibilidade


da descrição das experiências experimentadas no ambiente a partir de representações mentais
desassociadas do mundo vivenciado (RHEINGANTZ, 2020) e o reconhecimento da
indeterminação do mundo, fundamentam a AE. Nesse sentido, a AE performa traduções e
propõe uma cartografia dos efeitos que se produzem nas experiências envolvendo pessoas,
objetos e ambiente (RHEINGANTZ, 2020).
Ao recorrer à AE como apoio para as estratégias metodológicas a partir de uma
perspectiva sociotécnica, associada com a TAR, a exemplo de Rheingantz (2020), busco diluir o
protagonismo do observador, agora entendido como mais um co-protagonista que performa, ou
uma interface que aprende a ser afetada pelas dinâmicas e múltiplas associações implicadas nas
redes, configuradas a partir dos coletivos de atores humanos, não-humanos e ambientes.
Alinhada com a proposição enativa (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 2003), a AE entende a
cognição como uma ação incorporada, vinculada às relações indissociáveis envolvendo corpo,
mente e ambiente, que se afetam reciprocamente, produzindo mudanças dinâmicas e contínuas.
Uma ação incorporada resulta de tentativas para entender e dialogar com nossos corpos – não a
partir de sua fisiologia, mas a partir de suas performações no e com o ambiente. Latour (2008,)
define o corpo como uma interface que aprende, que vai se tornando mais descritível na medida
em que se aprende a ser afetado por muitos outros elementos. Segundo o autor, é a capacidade
de aprender a ser afetado que nos sensibiliza para e no mundo, que nos permite adquirir um
corpo consciente e envolvido em suas performances (LATOUR, 2008).

2.2. Segundo movimento: Seguir os atores e registrar suas performações

O segundo movimento seguiu em direção à resposta para uma questão fundamental:


qual estratégia metodológica nos permitiria fazer as transposições dos entendimentos do
pesquisarCOM para o projetarCOM? A cartografia das controvérsias13, proposta por Bruno Latour
como um exercício pedagógico para explorar e visualizar debates tecnocientíficos
contemporâneos (VENTURINI, 2010), surge como um potente procedimento de pesquisa, como

13
A cartografia das controvérsias é performada através da observação e descrição das controvérsias,
apresentando-se como um procedimento teoricamente mais simples do que a Teoria Ator-Rede. Entretanto, sua
complexidade torna as investigações mais lentas e difíceis (TSALLIS et al, 2019).
28

um desdobramento prático da TAR e que apresenta aspectos que se alinham às singularidades


das redes, como heterogeneidade, complexidade e fluidez (PEDRO, 2010).
Controvérsias são espaços de formação de relações heterogêneas e de conflitos e
negociações, são interfaceamentos. São debates ou polêmicas em torno de “conhecimentos14
científicos ou técnicos que não são ainda totalmente consagrados” (PEDRO, 2010, p.86). De
acordo com Venturini (2010), controvérsias são incertezas compartilhadas, situações onde os
vários tipos de atores envolvidos discordam. Para o autor, mapear as controvérsias implica em
observá-las e descrevê-las, despida de suposições conceituais. É nesse espaço que se produzem
as traduções e negociações da rede sociotécnica ou coletivo, envolvendo a emergência e a
performação de múltiplos atores, cujos efeitos nos ajudam a identificar e mapear as implicações
do projetarCOM eles.
O mapeamento das controvérsias não demanda protocolos metodológicos; não há
procedimentos a seguir, premissas para honrar, hipóteses para demonstrar, nem correlações
para estabelecer (VENTURINI, 2010). Cartografar controvérsias é “seguir os atores e deixá-los
falar” (PEDRO, 2010, p. 87), é mapear a complexidade, as negociações de interesses, as
traduções, as resistências, as convergências e divergências que performam as redes; é desenhar
múltiplas realidades que emergem das associações entre os atores que configuram as redes
sociotécnicas em suas dinâmicas.
Em um projeto de arquitetura, a cartografia das controvérsias que emergem enfatiza o
processo que busca estabilizar a rede. No contexto da TAR, a noção de estabilidade diz respeito
ao processo envolvendo a busca por equilíbrio e estabilização de fatos e artefatos, o modo como
são construídos e reconstruídos. Nesse sentido, a estabilidade é alcançada quando as traduções
performadas pelos múltiplos atores nesse processo são bem-sucedidas e a rede que integram é
consolidada (COSTA, 2019).
Para delinear a cartografia do projetarCOM, recorro aos quatro passos mínimos
delineados por Trannin e Pedro (in PEDRO, 2010, p. 90-91):

14
Conhecimentos e fatos que ainda contém em si controvérsias, discordâncias, são chamados de “caixa-cinza”,
enquanto aqueles bem estabelecidos constituem uma “caixa-preta”. Conforme Latour (2001), um fato ou
conhecimento estabelecido como uma “caixa-preta” tem sua produção enfatizada, enquanto sua complexidade
inerente é preterida. Dessa maneira, quanto mais sucesso tal fato ou conhecimento obtêm, mais obscuro ele se
torna. Na TAR, o interesse é deslocado para as “caixas-cinza”, já que nelas é possível explorar a complexidade das
conexões que se formam nas redes.
29

(1) encontrar uma forma de entrar na rede, abrir uma porta de acesso para se envolver em
sua dinâmica. Seguindo as recomendações de Latour (2005), devemos entrar in media
res, começar pelo meio, já que é em meio aos fatos e artefatos que as conexões são
articuladas, onde os híbridos são formados;
(2) identificar os porta-vozes da rede, isto é, aqueles atores cujas vozes concordantes e
discordantes falam pela rede;
(3) acessar todo tipo de exposição visual disponível na forma de textos e documentos, que
configuram os dispositivos de inscrição pelos quais se pode materializar a rede e,
(4) mapear as relações e associações entre os atores na rede, envolvendo as traduções e
articulações produzidas por eles, com o objetivo de identificar os efeitos de sinergia ou
cooperação, de encadeamento ou repercussão e as cristalizações ou limitações que se
manifestam na rede.
Diferentemente de um mapa estático para representar determinada realidade, a
cartografia produz “um relevo a partir dos movimentos dos atores” (PEDRO, 2010, p. 86). Nesse
sentido, cartografias são sempre efêmeras (PEDRO, 2010): emergem e se dissolvem à medida
que novas associações e realidades são performadas. Ao cartografar as controvérsias do
projetarCOM, abandono minha posição de exterioridade: sou mais um ator que se movimenta
na rede.

2.3. Terceiro movimento: Percorrer um caminho de incertezas

Por último, o terceiro movimento, direcionado para a caracterização de um conjunto de


procedimentos que contemple em si a complexidade e a pluralidade das noções que constituem
as estratégias metodológicas encontradas e articuladas ao longo da pesquisa, o pesquisarCOM
possibilita um distanciamento do percurso tradicional de pesquisa determinado por regras
previamente estipuladas (REISHOFFER; BICALHO, 2016). Compreendo os outros como
especialista, considerando suas capacidades de serem afetados, seus saberes inerentes, e não
como sujeitos passivos, alvos de nossas intervenções (MORES, 2014). PesquisarCOM as
controvérsias sugere que elas produzem pistas importantes que podem indicar novas
possibilidades de entender o mundo através das diferentes visões sobre o processo de concepção
projetual em arquitetura-urbanismo. Ao propor o pesquisarCOM como estratégia metodológica
de pesquisa, nos comprometemos com uma maneira de pesquisar situada, localizada e
30

construída a partir de múltiplas proposições de realidades (MOL, 2008), que transcende a


linearidade de um único caminho objetivo. O pesquisarCOM não opõe a pesquisadora com a
pesquisa, a teoria com a prática, a produção de conhecimento com a produção de realidades
(REISHOFFER; BICALHO, 2016).
Ao não restringir as fronteiras do método, a construção de uma pesquisa em movimento
percorre um caminho de incertezas, que possibilita que as estratégias sejam ajustadas, revistas
ou até mesmo abandonadas ou substituídas, segundo a dinâmica de um processo que vem sendo
construído e fundamentado durante a própria performance. Na medida que mais passos vão
sendo dados e os estudos se desenvolvendo, ocorrem movimentos de retorno, pausa e avanço
ao longo de suas diferentes fases. Não há como prever a que resultados chegarei ao fim desse
trabalho, nem como neste momento garantir a estabilidade do método. Mas a pesquisa segue,
performando e registrando encontrosCOM e pesquisandoCOM eles.
31

3 SOBRE PROJETO E PROCESSO PROJETUAL

Segundo Alves e Moraes (2019, p. 495), pesquisarCOM “é um ato de começar por dentro,
de começar investigando quem está dentro da história”. E a história que estou contando nessa
pesquisa requer a elaboração de noções sobre o processo de projeto de arquitetura-urbanismo,
a fim de esboçar os efeitos de projetarCOM os outros. Longe de restringir as possibilidades de
compreensão sobre o processo de concepção projetual, abordo o assunto a partir do
mapeamento de conhecimentos fundamentais sobre projeto, e construo um panorama geral que
fornece pistas para um alinhamento do projeto de arquitetura-urbanismo e do seu processo com
os fundamentos CTS e da abordagem sociotécnica.

3.1. Verbo e Substantivo

O termo design, do inglês, denota duas atuações: como verbo, implica em ação e, como
substantivo refere-se ao processo e produto final (LAWSON, 2011). Numa retrospectiva sobre a
caracterização do termo, Latour (2008) nos remete à sua juventude, quando design significava
“relooking”, isto é, atribuição de uma nova estética formal ou visual a objetos e espaços que por
si só, limitados unicamente a sua função, permaneceriam simples, desajeitados ou rígidos
demais. O significado de design era limitado ao âmbito estético, imbricado as superficiais
questões de gosto e modismo, valendo como uma opção a ser feita entre duas maneiras de
compreender um espaço ou objeto: observe não apenas a função, mas também o design.
Estabelecia-se uma dicotomia entre a materialidade e os aspectos estéticos e simbólicos. De
acordo com o autor, na contemporaneidade o termo transcendeu para além do seu significado
primeiro, crescendo em extensão e compreensão.
32

Nessa pesquisa, o termo assume o verbo projetar e o substantivo projeto, integrando


ação, processo e produto. Ao considerar que o designer atua como aquele que projeta,
caracterizando diferentes atores envolvidos no processo projetual, é possível abordar o projeto
através de diferentes perspectivas.
Uma delas é buscar na História os registros de sua produção formal e interpreta-los a
partir de modelos sociais e tecnológicos de determinado período de tempo (ROWE, 1987).
Também é possível abordá-lo através de sua correspondência com o que costuma ser prescrito
teoricamente como um bom projeto. Outra perspectiva seria compreendê-lo a partir da ação
projetual de quem faz arquitetura-urbanismo. Nesse sentido, essa última possibilidade se
aproxima diretamente do processo de concepção de projeto, objeto de interesse dessa pesquisa,
e é através dela que proponho reflexões sobre o assunto.
Muitas são as tentativas encontradas na literatura para descrever o projeto; porém,
esperar que sua complexidade seja reduzida a uma definição lógica e direta, nos distancia da sua
real compreensão. Herbert Simon (1969, p. 114, tradução minha) argumenta que “o projeto dá
conta de como as coisas devem ser, e produz artefatos para atingir determinados objetivos”,
destacando-o como um processo instrumental. Isso, segundo o autor, é o que o opõe às ciências
naturais, que se ocupam das coisas como elas realmente são. Como complemento, Lawson
(2019) sugere que, de certa forma, cada projeto contém uma indicação sobre o futuro, uma vez
que o arquiteto-urbanista envolvido no seu processo acaba por prever modos e meios de uso do
ambiente. Dessa maneira, intrinsecamente conectado com o tempo futuro, o projeto soa como
um instrumento para concepção de novos mundos, ainda que vistos por um olhar menos
abstrato.
Situado no campo da arquitetura-urbanismo, Rowe (1987, p. 1, tradução minha)
compreende projeto como “um meio fundamental de investigação, pelo qual os seres humanos
percebem e dão forma às ideias de moradia e assentamento”. Em certo ponto, essa proposição
reconhece a natureza subjetiva do projeto ao caracterizá-lo como meio de investigação, ao
mesmo tempo em que admite sua objetivação em forma de produto. Reconhecer as qualidades
objetivas do projeto também é importante no sentido de se aproximar da sua performance no
mundo físico.
33

Tratando da ambiguidade implicada no que considera nossa civilização técnica15, Boutinet


(2002, p. 60) reconhece que o projeto apresenta um dualismo em suas definições: “como um
auxílio a um domínio instrumental de nossa existência e como uma tentativa de busca de um
ideal impossível”. Essa dualidade persiste em outras abordagens ao projeto, como a de Manzini
(2015) , que o situa em dois mundos: no primeiro, como integrante do mundo físico e biológico,
habitado pelos seres humanos, onde as coisas acontecem, atuando como um solucionador de
problemas (problem solver16); e no segundo, como parte do mundo social, constituído de
significados, onde se dão as conversas entre os seres humanos que os produzem, produzindo
sentido (sense maker17). Segundo o autor, os dois mundos coexistem, interagem e se influenciam
mutuamente – um não é função do outro. De fato, por mais que essa perspectiva busque
evidenciar um grau de complexidade maior para o projeto, enfatize sua subjetividade, e de certo
modo, se aproxime das noções de diversidade de realidades - uma vez que considera a existência
do projeto em mais de um único mundo e admite noções de coexistência, interações e
continuidade - ainda assim busca por uma simplificação: o processo de projeto é tido como um
solucionador de problemas, e que busca atribuir algum sentido para as coisas. Nesse ponto,
mesmo que ocorra uma mudança de direção, uma transposição de um limite da racionalidade
do projeto no momento em que a produção de sentido e significado também é atribuída a ele,
ainda assim não há uma convergência com a noção de produto sociotécnico. Isso porque, até
aqui, o que existem são tentativas de resumir a complexidade na simplificação.
Um importante argumento que permitiu reconhecer a heterogeneidade e a infinita
extensão das fronteiras do projeto situado no campo da arquitetura-urbanismo foi formulado
por Latour (2008): se cidades inteiras podem ser remodeladas, arquiteturas reconstruídas,
interiores redecorados e regiões urbanas inteiras redesenhadas, o termo projeto não tem mais
limite. Assim, os termos projetar e projeto se expandem não somente dentro do campo da
arquitetura-urbanismo, como extrapolam para outros campos de atuação, já que
O crescente conceito de projeto indica uma profunda mudança na nossa composição
emocional: no exato momento em que a escala do que precisa ser refeito se torna
infinitamente maior [...], o que significa fazer alguma coisa é também profundamente
modificado. A modificação é tão profunda que as coisas deixam de ser feitas ou

15
Conforme Boutinet (2002), a apropriação, monopolização e uso de saberes produzidos e objetos consumidos,
consolidam as provas da nossa civilização técnica. Para o autor, se por um lado o termo projeto conota uma
racionalidade instrumental, por outro ele demonstra uma aproximação com a significação da existência, conferindo
sentido as coisas.
16
Termo em inglês para manter fidelidade com o pensamento do autor.
17
Termo em inglês para manter fidelidade com o pensamento do autor.
34

fabricadas, mas passam a ser cuidadosamente projetadas. (LATOUR, 2008, p. 3-4,


tradução minha).

Latour (2008) destaca que o significado de projetar e projeto se expandiu para além da
escala dos objetos, e passou a incluir lugares, paisagens, culturas, corpos, políticas, genes,
tecnologias, natureza. Essa expansão se deu em dois sentidos: em compreensão, quando o
significado dos termos passou a conter mais elementos e entendimento sobre as coisas; e em
extensão, justamente porque mais coisas passaram a ser projetadas.
Nesse sentido, Schön (2000) aproxima o processo de concepção projetual de uma
construção, onde a origem de coisas novas depende da capacidade dos projetistas de juntar
outras coisas, de promover uma representação de algo que virá a existir. Nessa perspectiva do
processo de projeto, problemas, restrições e variáveis estão implicados.

3.2. Ação e Solução

Na medida em que nos aproximamos do processo de concepção projetual, mergulhamos


na complexidade da determinação do que conta e o que não conta como ponto de partida. Assim
como “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” (célebre frase de Antoine
Lavosier, 1743-1794), o processo de projeto também nunca começa do zero, sempre há algo que
o antecede – na forma de uma questão, um problema (LATOUR, (2008). Podemos usar essa
compreensão para refletir sobre a metáfora da folha em branco: se projetar é redesenhar,
remodelar, reconstruir, então nossas folhas nunca estão em branco; elas sempre contêm traços
prévios que necessitam ser incorporados ao processo. Nesse sentido, Lawson (2019) sugere que
nenhum projetista aborda os problemas de projeto a partir de uma mente vazia, sem nenhum
repertório prévio, uma vez que suas motivações, seus conjuntos de crenças e valores e suas
experiências práticas e intelectuais permeiam cada projeto em que se envolve, as vezes
conscientemente, outras nem tanto. Evidenciar essa relação com aquilo preexistente implica que
uma parte importante da definição do problema a ser abordado pelo arquiteto “é uma questão
de decidir exatamente quanto do que já existe pode ser questionado” (LAWSON, 2011, p. 63,
tradução minha).
Na perspectiva da natureza dos problemas, podemos categorizá-los em bem definidos ou
mal definidos. De acordo com Rowe (1987), a classe de problemas bem definidos trata daqueles
que têm seus objetivos ou fins suficientemente claros, determinados. São problemas com
35

comportamentos previsíveis, em que a solução, por vezes, depende da aplicação de regras ou


resultados de combinações. A determinação faz parte dos modelos lineares de design thinking18
(DT), e segundo Buchanan (1992), demanda que o projetista identifique precisamente essas
questões, para então conceber uma solução.
Ainda segundo Rowe (1987), a segunda classe de problemas abrange aqueles
denominados mal definidos, ou seja, aqueles em que os objetivos ou resultados finais – em ao
menos algum aspecto - são desconhecidos, variáveis, imprevisíveis. Para o autor, a maior parte
dos problemas abordados em arquitetura-urbanismo correspondem à essa categoria, implicando
numa dinâmica de solução de problemas pautada na definição e redefinição dos mesmos.
Adicionalmente, Lawson (2011) aponta que os problemas de projeto muitas vezes não são
visíveis, e, portanto, precisam ser descobertos. Embora essa classe contenha em si muitos dos
problemas de projeto, alguns outros transcendem essa definição.
Na década de 1960, Horst Rittel formulou a abordagem dos wicked-problems – problemas
perversos – que se “configuram como uma classe de problemas sociotécnicos19 mal formulados,
onde a informação é confusa, onde há muitos clientes e pessoas com valores conflitantes
tomando decisões, e onde as ramificações em todo o sistema são completamente confusas”
(RITTEL apud BUCHANAN, 1992, tradução minha). A perversidade dos problemas se dá a partir
da noção de indeterminação fundamental, característica desses problemas de design. Rittel
(apud BUCHANAN, 1992, tradução minha) apresentou dez propriedades inerentes aos problemas
perversos:
(1) Não há formulação definitiva para os problemas perversos, mas cada formulação deles
corresponde a formulação de uma solução;
(2) Problemas perversos não têm regras que definam o momento de parar;
(3) As soluções para esses problemas não podem ser verdadeiras ou falsas, apenas boas ou
más;
(4) Não há um número determinado de operações possíveis para solucionar um problema
perverso;

18
A abordagem Design Thinking não possui uma definição definitiva. Nesse contexto, aproxima-se do processo de
projeto como maneira de pensamento do arquiteto/ designer.
19
Originalmente o autor propõe o termo “sociais”. Diante do alinhamento dessa pesquisa com os fundamentos do
campo CTS e TAR, substituímos o termo por sociotécnico, uma vez que compreendemos a inseparabilidade entre o
técnico e o social.
36

(5) Para cada problema há sempre mais de uma explicação possível e, essas explicações
dependem das perspectivas intelectuais de quem está projetando;
(6) Cada problema perverso é sintoma de outro mais complexo;
(7) Não há um teste definitivo para qualquer formulação ou solução de um problema
perverso;
(8) Não há espaço para práticas de tentativa e erro na solução desses problemas;
(9) Cada problema perverso é único;
(10) Quem está solucionando o problema perverso é totalmente responsável por suas ações.
Seguindo a linha de pensamento de Rittel, sugere que “a indeterminação implica que não
existem condições definitivas ou limites para os problemas de projeto” (BUCHANAN 1992, p. 16
tradução minha).
Essas características, resumidas às particularidades de cada problema, à indeterminação
fundamental, à pluralidade de soluções, à contribuição única de cada designer no processo de
determinação e solução, sublinham a complexidade e os desafios do processo de concepção
projetual. De acordo com Cross (1982), diante de um contexto pautado pela perversidade dos
problemas, é preferível que seja adotada uma estratégia de projeto focada na solução e não no
problema. A partir da noção de wicked-problems é possível compreender que o projeto de
arquitetura-urbanismo seja, realmente, um problema perverso. Alexander (1973) sugere que, ao
mesmo tempo que os problemas se tornam maiores e mais complexos, também mudam
rapidamente, já que novas técnicas e materiais são desenvolvidos com maior frequência,
mudanças sociais e culturais ocorrem constantemente. Nesse sentido, Schön (2000) aponta que
as ações tomadas pelo arquiteto-urbanista resultam em muitas ramificações, complexificando os
problemas. O que particularmente nos interessa nesse modelo é a indeterminação dos
problemas e a pluralidade de soluções, considerando quem as propõem.
Segundo Schön (1988) os arquitetos encontram dificuldades em expressar seu
conhecimento e habilidades em palavras e, tendem a descrevê-los de forma parcial e distante da
realidade da prática. A ideia de que o processo de projeto pode ser generalizado e, de certa
maneira, mapeado a partir de um comportamento linear não parece convergir com os problemas
perversos que estão implicados nele. No entanto, muitas tentativas foram ilustradas ao longo
dos anos, buscando por uma sistematização na complexidade.
37

Uma das mais reconhecidas é a de Christopher Alexander, que em seu livro Notes of the
Synthesis of the Form (ALEXANDER, 1973), propõe utilizar diagramas, chamados por ele de
padrões, para investigar o processo de projeto. Para o autor, modelos matemáticos poderiam ser
ineficientes para prescrever a natureza física das formas, mas serviriam como uma ferramenta
potente para explorar os padrões e ordens pelos quais os problemas se apresentam. A partir
disso, propôs o que chamou de “programa”: um padrão de decomposição do problema em partes
(conjuntos e subconjuntos), que poderiam ser resolvidas independentemente, reduzindo a
complexidade dos problemas.
Assim como o modelo de Alexander, todas as outras tentativas propostas estavam
centradas no ordenamento de atividades de forma lógica, racional, controlável e sugeriam
aproximações do processo com o método científico tradicional.
Em resumo, o projeto era considerado uma série de estágios caracterizados por formas
dominantes dessas atividades, como análise, síntese e avaliação (ROWE, 1987).
Cabe aqui uma breve explicação: segundo Lawson (2011), nessas visões, a análise dá
conta das relações existentes entre as informações que compõem o problema, buscando
estruturá-las e organizá-las. A síntese está alinhada com a solução do problema, com a criação
de respostas. E a avaliação, por fim, compromete-se com as críticas às soluções propostas para
os problemas determinados. Para o autor, a sequência linear entre as etapas não é capaz de
representar o processo de concepção de projeto, já que retornos e avanços às diferentes fases
ocorrem em diversos momentos do processo, ideia ilustrada pela figura 01.

Figura 01 – Representação gráfica do processo de projeto.

Fonte: LAWSON, 2011, p. 47.


38

Outra noção é a de gerador primário, cunhada por Jane Darke a partir de


entrevistas com arquitetos renomados atuantes em projetos de habitações públicas. O
entendimento é de que os profissionais usam de uma primeira ideia, simplificada e provisória,
para abordar o problema de projeto (LAWSON, 2011) e, assim limitam a variabilidade de soluções
(figura 02).

Figura 02 –O processo a partir do gerador primário.

Fonte: LAWSON, 2011, p. 53.

O que essas abordagens têm em comum é que tomam o processo de projeto como uma
sequência de atividades determinadas e prescritivas. Mesmo que essas sequências possam ser
interrompidas e modificadas por outros atores, ainda assim há uma busca pela sistematização
do processo e a limitação dele ao rigor de uma atividade técnica. Lawson (2011) questionou essa
visão restritiva de cada etapa do processo, de que é possível tratar cada uma individualmente e
colocá-las em algum tipo de ordem geral. O autor propôs definir o processo de projeto como
uma negociação entre problema e solução (figura 03) em torno das atividades de análise, síntese
e avaliação, onde problema e solução se manifestam ao mesmo tempo, sem a determinação de
um ponto de início ou fim.
39

Figura 03 – O processo de projeto como negociação.

Fonte: LAWSON, 2011, p. 55.

A exemplo de Lawson, Schön (1988) argumenta que se cada processo de concepção


projetual tem suas particularidades, regras gerais não resolvem casos específicos. Projetar é
muito mais complexo do que estipular etapas, modelos a serem seguidos e atividades
combinadas. Ao voltar sua pesquisa para a observação da prática projetual em ateliê de ensino,
o autor sugeriu o processo de projeto de arquitetura-urbanismo como uma reflexão-na-ação
(SCHÖN, 2000), elaborando uma epistemologia da prática. Situando a prática projetual num
presente-da-ação20, Schön (2000, p. 32) argumenta que refletir-na-ação implica que “nosso
pensar serve para dar nova forma ao que estamos fazendo, enquanto ainda o fazemos” e, atribui
significado imediato à ação. A função crítica de refletir sobre um problema, ação ou situação já
reestruturado é atributo fundamental da prática reflexiva.
Nesse sentido, uma noção importante apresentada por Schön é a de conversa reflexiva:
ele explora a relação do arquiteto-urbanista com os materiais que compõem o contexto da
concepção projetual, atribuindo valor aos desenhos, croquis, diagramas e outras formas de
representação que se configuram como linguagens de fazer arquitetura, linguagens do processo
de projeto. Posteriormente, o autor introduz a ideia de conversa reflexiva com a situação,
representada por meio de linguagens de ação e espaço (SCHÖN, 2000), linguagem do processo
de projeto em que
Cada ação tem consequências descritas e avaliadas em termos de um ou mais domínios
do projeto. Cada uma tem implicações liga que a ações posteriores. E cada uma cria
novos problemas a serem descritos e resolvidos. (SCHÖN, 2000, p. 55)

20
Período vigente com o desenvolvimento do processo de concepção de projeto.
40

O que difere a perspectiva apontada por Schön das outras abordadas anteriormente é sua
visão do processo projetual como uma construção - que envolve complexidade e síntese,
particularidades e conflitos – além da afirmação de uma abstração em relação aos modelos da
racionalidade técnica21. É interessante que a visão construcionista22 - defendida pelo autor como
campo para ação do processo projetual - se aproxima das noções de realidades múltiplas
introduzidas por Annemarie Mol (2008), já que admite que nossas crenças e visões da realidade
são inerentes aos mundos23 que nós construímos. Portanto, a maneira como cada profissional
responde aos problemas e situações da sua prática é particular as suas perspectivas.
Os estudos de Schön ampliaram o campo do processo de projeto de arquitetura-
urbanismo para além da objetividade da ciência tradicional, levando em consideração o
conhecimento empírico do projetista e se afastando da determinação de um modelo genérico.
Ainda que a elaboração da reflexão-na-ação proposta pelo autor não se proponha a simplificar a
complexidade do processo projetual (pelo contrário, afirma e explora essa complexidade), alguns
pontos precisam ser considerados ao estabelecer relações concordantes, mesmo que frágeis, e
discordantes, com a abordagem sociotécnica.
Ao mesmo tempo que o autor sustenta a conversação reflexiva entre projetista e suas
tecnologias de linguagem de processo de projeto, sugere que essas tecnologias estão
continuamente respondendo ao arquiteto-urbanista e, portanto, auxiliando-o na compreensão
de imprevistos, na forma de problemas ou ações demandadas perante alguma situação. Essa
mesma bidirecionalidade é encontrada na conversação reflexiva, que se apresenta como uma
negociação entre problema e solução (COSTA, 2019). Assim, nessa via de mão-dupla, o
protagonismo do processo está centrado na figura do projetista. Outro ponto abordado por
Schön (2000) é a capacidade do profissional de tecer redes complexas dentro do processo de
concepção projetual. Na visão adotada pelo autor, essas redes são conformadas por implicações
projetuais que incentivam ações durante o projetar.

21
Segundo Schön (2000, p. 39), o termo está alinhado com “uma visão objetivista da relação do profissional de
conhecimento com a realidade que ele conhece”, em que o conhecimento é e está baseado em fatos.
22
A visão construcionista reconhece que construímos mundos singulares a partir de nossas crenças, entendimentos,
vivências e juízos, e que aceitamos esses mundos como realidades, ou seja, nossas “visões de mundo” (SCHÖN,
2000). Um profissional, nesse caso, constrói suas realidades também a partir de situações experienciadas na sua
prática.
23
Destaco aqui, a relevância do termo “mundos”, que sugere, ainda que timidamente, a multiplicidade de
realidades.
41

Enquanto o diálogo e a negociação bidirecional, o peso da autoria sobre o profissional e


as noções de redes projetuais complexas fundamentam a prática reflexiva do processo de
concepção de projeto, a abordagem sociotécnica implica na compreensão da complexidade e
heterogeneidade das redes conformadas por uma pluralidade de atores humanos e não-
humanos que têm agência, nos efeitos causados por suas associações e negociações
multidirecionais, e principalmente nos efeitos da rede como coletivo.
42

4 SOBRE PROJETOS PARTICIPATIVOS E COLABORATIVOS

Na contemporaneidade, as fronteiras do termo projeto se tornam cada vez mais difusas,


a ação de fazer alguma coisa muda de significado, tudo passa a ser projetado (Latour, 2009) e a
contínuas transformação e heterogeneidade do mundo complexifica o processo de projeto em
arquitetura-urbanismo para além da perversidade de seus problemas e dinâmica inerente. A
prática da arquitetura-urbanismo tem passado por transformações significativas e, segundo
Salama (2016) busca responder às mudanças consequentes do crescimento populacional, avanço
de tecnologias, crises econômicas e de saúde pública, facilidade e velocidade na disseminação de
informações, envelhecimento populacional, expansão urbana e outras infinidades de
movimentos, eventos e necessidades que emergem dos indivíduos e coletivos. Diante disso,
resgato a pergunta que deu início a essa dissertação – “com quem o arquiteto poderia projetar? ”
– e, trago nesse capítulo, abordagens às práticas de co-projetar e proposições que nos
aproximam da natureza transdisciplinar do projeto.
O conhecimento de um arquiteto-urbanista não se constitui somente de suas ideias,
ações ou treinamento técnico, mas compreende também as coisas com as quais ele lida
(SCHÖN,1988) através de suas vivências e experiências. Larson (2015. p. 53) aponta que “a
arquitetura não pode ser reduzida a um conhecimento codificado”, já que o conhecimento
implicado em saber arquitetura, enquanto disciplina24, está intimamente relacionado com o fazer
arquitetura, enquanto prática. Habilidades técnicas e formais, e conhecimento tácito adquirido
através da prática integram o processo de projeto de arquitetura-urbanismo; isso porque,
equilíbrio entre arte e ciência, saberes técnicos e não-técnicos, múltiplas realidades, individual e
coletivo, demandam que a arquitetura-urbanismo reúna uma multiplicidade de conhecimentos
disciplinares e não-disciplinares (DOUCET; JANSSENS, 2011).

24 Conforme Salama (2016) em termos epistemológicos, uma disciplina contém uma estrutura inerente de métodos,
conceitos e objetivos fundamentais. As disciplinas foram caracterizadas como comunidades sistêmicas estáveis, nas
quais os pesquisadores e projetistas concentram suas experiências em visões de mundo particulares (BRUCE et al,
2004).
43

No mundo atual não há como desassociar as relações que ocorrem entre os campos do
conhecimento, e também não há apenas uma teoria que contemple toda complexidade no
campo da arquitetura-urbanismo (SALAMA, 2016), especialmente das dinâmicas do projeto. A
simplificação não é capaz de explicá-lo em um mundo em que regras gerais e soluções pré-
concebidas dificilmente dão conta dos problemas apresentados (COSTA, 2019). As dificuldades
enfrentadas ao lidar com a perversidade dos problemas da contemporaneidade são
consequências da fragmentação do conhecimento, da setorização de responsabilidades e da
heterogeneidade dos contextos sociais em que vivem as pessoas (LAWRENCE, 2004). Diante da
crescente demanda por práticas que apontem soluções para problemas sociotécnicos complexos
(BRUCE et al, 2004), que integrem os saberes e considerem as múltiplas realidades, as noções de
multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade (figura 04) ganham
importância, já que apenas uma área de conhecimento não dá conta de fornecer soluções
absolutas. Em certa medida, os três termos representam movimentos de integração dos saberes,
e sugerem caminhos em oposição à especialização e compartimentalização do conhecimento,
derivado do pensamento e prática da ciência tradicional. Certamente, não é possível pensar
projeto monodisciplinar, nem a arquitetura padronizada.
A multidisciplinaridade agrupa distintas áreas de conhecimentos de maneira
independente: uma questão é abordada sob diferentes perspectivas de uma variedade de
disciplinas, mas não há um cruzamento das fronteiras entre elas (BRUCE et al, 2004). Um projeto
multidisciplinar pode ser visto como a soma de partes individuais não integradas e, ainda que
ocorra uma sutil aproximação com a participação e colaboração – ao admitir que uma pluralidade
de atores faça parte do contexto situado – os níveis de cooperação são baixos, não há uma efetiva
combinação dos múltiplos pontos de vista. Trata-se de um paralelismo entre as ideias, uma
justaposição de disciplinas.
Ao promover a sobreposição de várias disciplinas, a interdisciplinaridade fornece um
resultado holístico da questão abordada (BRUCE et al, 2004) e busca uma unidade do saber. Essa
caracterização pode ser desdobrada em dois modos de abordagem, de acordo com Bruce et al
(2004): no primeiro, o objetivo é transpor barreiras ou permitir o movimento da disciplina para
novas áreas, o que pode levar à formação de novas disciplinas, novas unidades de conhecimento.
Já o segundo, é orientado para a solução de problemas sociotécnicos específicos do projeto em
questão, abrindo mais espaço para novos modos de pensar tanto problema quanto solução,
numa maior aproximação com a prática. Os dois modos de viabilidade da interdisciplinaridade
44

coexistem no campo da arquitetura-urbanismo, e essa coexistência deveria continuar a existir


entre os múltiplos profissionais comprometidos com a criação, construção e manutenção do
ambiente construído, além de usuários, habitantes e atores que performam esses lugares
(SALAMA, 2016). O nível de cooperação e interação por meio de práticas interdisciplinares é
maior em relação as multidisciplinares, há um amplo deslocamento de conhecimentos que
eventualmente resulta na modificação das disciplinas ou no surgimento de uma nova. No
entanto, ainda que a sobreposição de conhecimentos produza esses espaços “entre” que
acomodam novas possibilidades de soluções além daquelas sugeridas pelas disciplinas
individuais, os limites dessas fronteiras ainda são visíveis.
Finalmente, a noção de transdisciplinaridade desafia a fragmentação dos saberes e
transcende os limites das disciplinas como consequência de sua natureza híbrida e não linear
(SALAMA, 2016). Nessa perspectiva, a organização do “conhecimento se dá em torno de
domínios heterogêneos complexos” que não podem ser abordados a partir de contextos
acadêmicos consolidados (BRUCE et al, 2004, p. 459, tradução minha).

Figura 04 – Os limites de integração dos conhecimentos – versão I.

Fonte: traduzido de SALAMA, 2016.


45

Figura 05 – Os limites de integração dos conhecimentos – versão II.

Fonte: adaptado de SALAMA, 2016.

Na segunda versão que formulei para os diagramas de Salama (2016), conforme figura 05,
as representações de conhecimentos disciplinar e multidisciplinar se mantém, mas em se
tratando dos dois outros esquemas propostos, sugiro uma reflexão: há mais clareza na
representação gráfica da interdisciplinaridade quando ela é tomada como uma cruzamento das
fronteiras que ainda se mantém visíveis, onde ainda é possível enxergá-las; já na
transdisciplinaridade, as bordas tendem a se tornar mais difusas, entrelaçando-se umas nas
outras de maneira que não é possível mais distinguir a que campo do conhecimento pertencem.
Como vimos, a própria noção de transdisciplinaridade é complexa o suficiente para
assumir múltiplas interpretações em campos diferentes do conhecimento, uma vez que as
ramificações desses domínios heterogêneos complexos podem variar ilimitadamente. Nesse
sentido, valendo-se da entrelaçada relação da arquitetura-urbanismo com o mundo, suas
articulações com a prática e a disciplina e as diferentes interpretações sobre
transdisciplinaridade, Doucet e Janssens (2011) apontam três elementos principais referentes à
produção do conhecimento em arquitetura-urbanismo: (a) integração entre disciplina e profissão
(teoria e prática); (b) a dimensão ética e (c) a importância dos modos de investigação
experimentais de design. Para os autores, ao agir tanto como disciplina (história, teoria) como
profissão (prática) e associando conhecimentos disciplinares e não-disciplinares, técnicos e
tácitos, experiências e realidades, a natureza da arquitetura-urbanismo é transdisciplinar.
46

Cross (1982) indica que há uma maneira específica de construção do conhecimento em


arquitetura-urbanismo, chamada por ele de “Designerly ways of knowing”25, que evidencia a
transdisciplinaridade inerente desse campo26. Tal maneira se baseia na manipulação de códigos
não-verbais na cultura material que, de acordo com o autor, traduzem mensagens entre objetos
concretos e requisitos abstratos, e vice-versa. Esses códigos favorecem o pensamento
construtivo e focado na solução dos arquitetos, assim como códigos verbais e numéricos facilitam
o pensamento analítico, focado no problema (CROSS, 1982). Essas traduções feitas a partir de
investigações, reflexões e construções do arquiteto não se tratam de respostas irrefutáveis, mas
sim de possibilidades de solução para os problemas perversos.
Considerando as noções de integração de disciplinas apresentadas até aqui, amparada
pela abordagem sociotécnica, na qual a performação do projeto é efeito das associações,
negociações e traduções de múltiplos atores humanos e não-humanos na rede que o constitui,
ressalto a natureza transdisciplinar do projeto de arquitetura-urbanismo. A indeterminação
fundamental dos problemas, a complexidade e a imprevisibilidade desses movimentos
(BUCHANAN, 1992) não me permite abordar o projeto sob a noção tradicional das disciplinas.
Nesse sentido, a transdisciplinaridade oferece uma perspectiva para ampliar a compreensão do
campo da arquitetura-urbanismo, do projeto e dos arquitetos que “compartilham habilidades,
valores e abordagens mais favoráveis à colaboração do que à concorrência” (SALAMA, 2016, p.
46, tradução minha), o que me leva a explorar adiante as proposições sobre projetos
participativos e colaborativos.
Para que possamos adentrar nas generalidades e especificidades desses processos de
criação, se faz necessário explorar, mesmo que de maneira simplificada, algumas possibilidades
de atuação dos atores humanos nesses processos. Nesse sentido, Manzini (2015) argumenta que
todo talento humano pode evoluir para uma habilidade ou, eventualmente, para uma disciplina.
Todos os seres humanos podem aprender a praticar algum esporte, porém são poucos aqueles
que irão participar de competições, e outros menos ainda se tornarão atletas profissionais. Da

25 Expressão mantida em inglês para garantir seu significado. Uma tradução aproximada seria “modos de
conhecimento de design” (tradução minha).
26 Neste ponto, um movimento de retorno às noções sobre projeto e processo projetual pode ser necessário,
porque noções articuladas anteriormente são importantes no sentido de compreender o tipo de conhecimento
implicado em arquitetura-urbanismo e a maneira como ele é produzido.
47

mesma maneira, todos somos capacitados com a habilidade de projetar, porém nem todos serão
bons projetistas ou arquitetos ou designers profissionais (MANZINI, 2015).
A partir dessa proposição, numa tentativa de delinear alguns limites que diferem as
práticas dos atores envolvidos nesses processos, o autor introduz o conceito de design
especializado e de design difuso. Dessa forma, articula uma polaridade fundamentada no
desenvolvimento de talentos, habilidades e práticas: o design especializado é performado por
profissionais treinados como projetistas e designers, com conhecimento específico que os
habilita a atuar profissionalmente; enquanto o design difuso é performado por pessoas que não
detém treinamento técnico, que são apoiadas por suas capacidades naturais inerentes,
experiências prévias ou informações obtidas com outros atores que vivenciaram experiências
similares (MANZINI, 2015).
Ainda que meramente ilustrativos, os perfis associam as atribuições e contribuições de
cada pessoa no processo de projeto e, segundo Manzini (2015), permitem uma quantidade
imensurável de possibilidades e variações em suas dinâmicas. Ao transpor essa proposição para
o campo da arquitetura-urbanismo, mais especificamente para o projeto, o arquiteto-urbanista
e os demais profissionais técnicos de outras disciplinas que performam no processo dessa rede
sociotécnica, atuam como projetistas especialistas; da mesma forma, quando incluídos nas
tomadas de decisões e solução de problemas acerca dos projetos, os usuários e os clientes atuam
como projetistas difusos. Nesse sentido, se produz uma articulação entre diferentes atores
baseada na presença ou ausência de treinamento técnico e, a partir dos verbos participar e
colaborar que exploro algumas dinâmicas entre esses dois modos de projetar.

4.1. Participar

Projetos participativos são sempre motivados por uma reflexão contínua e sistemática
sobre como envolver usuários como parceiros completos no projeto e, como esse envolvimento
pode se desdobrar ao longo do processo de projeto (ROBERTSON; SIMONSEN, 2013, p.5,
tradução minha). Essa seção surge a partir dessa afirmação, e se ramificam em dois
questionamentos: o que significa “participar” em processo de projeto de arquitetura-urbanismo?
Quem são os atores envolvidos em projetos participativos?
Os avanços tecnológicos e a globalização têm contribuído significativamente para as
transformações experimentadas pelos processos de projeto e por seus produtos (SCARIOT;
48

HEEMANN; PADOVANI, 2012), a passos cada vez mais rápidos. Além das mudanças nos processos
e produtos, experimentamos mudanças nas práticas. A tradicional imagem do arquiteto como
um criativo solitário, cercado por desenhos e maquetes físicas vem sendo gradativamente
substituída por outra: a das equipes de projeto, por vezes formadas por profissionais de
diferentes disciplinas, reunidos em busca de soluções para os problemas que, inevitavelmente,
surgem ao longo do processo. Isso porque, segundo Lawson (2011, p. 219) “não se pode projetar
num vácuo social”, uma vez que o desafio de projetar está intrinsicamente conectado com a
presença de outros atores durante todas as fases do processo, integrando usuários, clientes,
profissionais de diversas especialidades, legisladores, fornecedores, mão-de-obra, tecnologias,
leis e normativas, sítio, clima e tudo e todos que, de alguma maneira, influenciam nas tomadas
de decisão.
De fato, a prática multidisciplinar fortemente incorporada por grandes organizações
durante os últimos anos (SCARIOT; HEEMAN; PADOVANI, 2012), não dá conta de incorporar ao
processo projetual todos os atores que, de maneiras particulares e distintas, colaboram para seu
desenvolvimento. Como visto na seção anterior, essa modalidade de processo de projeto é
pautado na soma de partes individuais específicas e não integradas – o que caracteriza uma visão
problemática de abordagem do processo projetual, já que inovação e soluções assertivas não se
restringem ao conhecimento técnico ou ao domínio de habilidades pré-determinadas (SCARIOT;
HEEMAN; PADOVANI, 2012).
Práticas participativas começaram a emergir durante as décadas de 1960 e 1970, a partir
da crescente demanda das pessoas por voz ativa nas tomadas de decisão nos diversos aspectos
de suas vidas, por meio de ações coletivas em torno de interesses e valores compartilhados
(ROBERTSON; SIMONSEN, 2013). Mais precisamente, foi a busca pelo envolvimento nas decisões
relativas aos seus locais de trabalho que deu origem aos projetos participativos, no início da
década de 1970 na Noruega, quando profissionais da computação, líderes e membros do
sindicato dos metalúrgicos buscaram influenciar e criar espaço para iniciativas na implementação
dos sistemas de computação em suas empresas (SANOFF, 2006). Segundo Robertson e Simonsen
(2013, p. 2, tradução minha), o movimento foi “uma resposta às transformações dos ambientes
de trabalho motivados pela introdução dos computadores”, com o objetivo de proporcionar aos
trabalhadores melhores ferramentas para a execução de suas tarefas, bem como melhores
possibilidades de desenvolvimento de suas habilidades, controle gerencial e organização do
trabalho.
49

Em síntese, o projeto participativo emergiu como um novo campo de pesquisa e de


prática, orientado a partir de três valores estruturadores: (1) democracia e qualidade de vida no
trabalho, (2) domínio dos sistemas de computadores por parte dos trabalhadores, e (3) criação
de suporte computacional para trabalhadores especialistas (ANDERSEN et al, 2015). Portanto, as
primeiras proposições para projetos participativos surgiram em contextos de tecnologias da
informação (ROBERTSON; SIMONSEN, 2013), e logo encontraram espaço em outros campos de
atuação, garantindo que todos aqueles envolvidos nos projetos e afetados por seus processos
tem algo a contribuir. Nesse sentido, de maneira geral, o foco da participação se concentrava nas
melhorias da qualidade do trabalho cotidiano e, segundo Andersen et al (2015, p. 252, tradução
minha), atualmente busca por “melhorar a qualidade de vida num sentido mais amplo através
do design de alternativas, reconhecendo implicitamente a complexidade do projeto” e
constituindo um movimento que vai além das fronteiras culturais e profissionais tradicionais
(SANOFF, 2006).
Considerando a expansão de objetivos e desdobramentos da participação, há
necessidade de determinar o seu entendimento em contextos de projetos participativos, uma
vez que ele ainda é amplo e pouco definido (ANDERSERN et al, 2015). Sanoff argumenta que a
centralidade da participação está nas questões que demandam tomadas de decisão; que a
participação em projetos está ancorada no princípio de que o ambiente em que as pessoas estão
inseridas “funciona melhor se elas estiverem ativamente envolvidas na sua criação e
gerenciamento” (SANOFF, 2006, p. 12, tradução minha). Aqui, o argumento reforça a busca por
uma melhora na qualidade de vida, uma vez que as pessoas devem ter a possibilidade de opinar
sobre as ações que, de alguma maneira, afetam suas vidas e, através de suas contribuições,
influenciar as decisões dos arquitetos envolvidos na concepção projetual (SANOFF, 2006).
De maneira complementar, múltiplas ações são articuladas por Robert e Simonsen (2013,
p. 2, tradução minha) para definir o termo projeto participativo como um “processo de
investigação, entendimento, reflexão, determinação, desenvolvimento de um aprendizado
mútuo entre múltiplos participantes numa reflexão-na-ação”. Ao propor o entendimento da
participação como uma reflexão-na-ação compartilhada, os autores reforçam e, de certa maneira
ampliam, o caráter complexo e conflituoso dos projetos participativos, anteriormente
50

argumentados por Schön27 na sua proposição sobre o processo de projeto. Se projetar


individualmente já era tarefa difícil, combinar opiniões, experiências, necessidades e desejos de
múltiplos atores implicados no processo certamente contribui para elevar a complexidade da
ação.
Segundo Lawson (2019, p. 220) “onde há grupos envolvidos na tomada de decisões, não
só existem tensões, como também coalizões e, portanto, facções”. Admitir a existência de
tensões, mal entendidos e opiniões divergentes ao longo de um processo participativo, a partir
de uma abordagem sociotécnica, é facilitar o reconhecimento de controvérsias, de incertezas
compartilhadas. Trata-se de expor as “caixas-pretas” da reflexão-na-ação.
Vincular a participação a movimentos de escolhas e formação de juízos em que o usuário
atua como um parceiro é fundamental para que possamos distingui-la de outros movimentos
aparentemente semelhantes, mas com lógicas diferentes. Um desses movimentos é o design
centrado no usuário: com origem norte americana, tem sua centralidade na perspectiva do
especialista, ou seja, as tomadas de decisões não incluem o usuário - que configura um objeto de
interesse e atua fornecendo opiniões ou conceitos sobre produtos e estratégias desenvolvidos
por outros profissionais, posteriormente avaliados pelos especialistas envolvidos no processo.
(SANDERS; STAPPERS, 2008). De maneira geral, nessa prática, as opiniões e especialidades dos
usuários são consideradas somente no momento de análise do projeto, e não constituem parte
do processo de criação ou desenvolvimento. Um design centrado no usuário dá origem a um
produto baseado no que as pessoas demandam ou necessitam (SANDERS; STAPPERS, 2008), sem
necessariamente incluí-las no processo.

4.2. Colaborar

É possível reconhecer que o sucesso da colaboração é alcançado quando realizamos


alguma coisa em grupo que, individualmente, não poderia ser feita (KVAN, 2000). Assim como na
seção anterior, aqui vou discorrer sobre o significado de “colaborar” em processo de projeto de
arquitetura-urbanismo e explorar quem compõe o coletivo num projeto colaborativo.
Segundo Scariot, Heemann e Padovani (2012), um projeto colaborativo é aquele
desenvolvido por meio de esforços conjuntos de diversas atores, especialistas e difusos. A noção

27
Para retomar as proposições do autor sobre o processo de projeto, sugiro um retorno ao capítulo 3 “Sobre projeto
e processo projetual”.
51

de grupo não se limita a um conjunto de indivíduos já que avança sobre as habilidades dos
talentos individuais coletivos (LAWSON, 2019). De maneira complementar, o conceito já
difundido de que o todo é diferente da soma das partes muito se assemelha a noção de grupo
sugerida num processo colaborativo, ainda que “nesse caso a relação entre as partes é que,
claramente, mais contribui para a diferença.” (LAWSON, 2019, p. 224). Isso porque simplesmente
trabalhar em conjunto ou discutir os mesmos assuntos não faz da ação um ato colaborativo
(KVAN, 2000). Um projeto colaborativo é performado por múltiplos atores que, dentro do grupo,
assumem a representação de sua própria individualidade, de um time ou de uma organização
inteira e que, eventualmente podem contribuir na proposição de valores para os problemas de
projeto e avaliar as tomadas de decisão do grupo a partir de seus pontos de vista (KLEIN et al,
2003). Compartilhar uma compreensão sobre o projeto desponta com o principal propósito de
um processo projetual colaborativo, na medida que articulações de múltiplas ideias, habilidades,
recursos e responsabilidades ocorrem ao longo de seu desenvolvimento (SCARIOT; HEEMANN;
PADOVANI, 2012). Do mesmo modo como num processo participativo a capacidade de ação e
interferência recaí sobre as pessoas envolvidas no projeto, num processo colaborativo isso
também ocorre. Ainda que se trate sobre a ação de múltiplos atores em ambos processos
projetuais, o termo ator se mantém vinculado às pessoas implicadas no projeto; nessas
modalidades de co-projetar, as experiências pessoais são adicionadas a equação do projeto sob
a visão do indivíduo.
O êxito de um projeto colaborativo pode ser medido a partir de quatro movimentos
garantidos ao longo do processo, sugeridos por Kvan (2000): (a) definir a equipe; (b) identificar
seus resultados; (c) garantir a existência de um propósito para a colaboração e, (c) deixar claro
as interdependências entre os atores envolvidos. Nesse sentido, Lawson (2019) aponta a clara
vantagem que o grupo tem sobre o indivíduo quando se trata de romper os laços produzidos pela
noção de que as ideias possam se tornar propriedade individual ou intelectual de uma única
pessoa. Isso porque, num grupo “a capacidade crítica é despersonalizada” (LAWSON, 2019),
facilitando o rompimento desses laços, compartilhando a autoria das ideias e reforçando-as
como uma articulação, um arranjo de entendimentos.
Dessa forma, um projeto colaborativo sempre inclui o projeto participativo sob o ponto
de vista da sua complexidade, em que a interação entre os atores contemplados no processo
configura a ação participativa (PRATSCHKE et al, 2005). Na mesma linha, um projeto participativo
sempre inclui o projeto colaborativo quando dá voz a múltiplos atores durante seu processo,
52

considerando seus diferentes pontos de vista e integrando os usuários como colaboradores


internos e ativos durante o processo projetual (SCARIOT; HEEMANN; PADOVANI, 2012). Adotar
o termo composto participativo-colaborativo parece ser pertinente para dar conta de englobar
os múltiplos significados e carga teórica que cada termo, individualmente, carrega em si,
articulando-os num sistema ainda mais complexo. Se a participação está intrinsicamente contida
na colaboração e vice-versa, sugerir que um projeto possa ser participativo ou colaborativo,
exclui atores e fatos que tem suas dinâmicas entrelaçadas ao projeto em questão.
Certamente, um projeto participativo-colaborativo reconhece a agência de múltiplos
atores e se preocupa em dar voz a todos eles ao longo do processo por meio de uma prática que
busca enfatizar a noção de grupo/ coletivo. Reconhecer que tanto projetistas especialistas
quanto projetistas difusos atuam de maneira efetiva durante o processo projetual em
arquitetura-urbanismo, insinua uma aproximação de algumas associações e dinâmicas entre essa
prática projetual e o projetarCOM. Contudo, contemplar múltiplos atores humanos na prática
projetual é apenas umas das muitas possiblidades propostas para um processo de projeto
tomado à luz da TAR e da proposição do projeto como um artefato socioténico – argumento
manifestado nessa dissertação. A noção de coletivo nessas práticas aborda tanto atores humanos
quanto atores não-humanos, e tem seu interesse deslocado para as associações que são
articuladas entre eles, o que não ocorre num processo projetual participativo-colaborativo.
Assim, um projeto participativo-colaborativo ainda não é, em sua totalidade, um projetoCOM.
53

5 DO PESQUISARCOM AO PROJETARCOM

Esse capítulo é dedicado ao encontro com os três objetivos específicos dessa pesquisa: a
compreensão do processo de concepção de projeto a partir da abordagem e fundamentos do
pesquisarCOM o outro, e não PARA o outro; o delineamento do processo de projetarCOM a partir
de um exemplo ilustrativo de processo de projeto de arquitetura-urbanismo; e explorar as
implicações do projetarCOM a partir das interfaces com projetos participativos e colaborativos.
Espero contemplar a densidade e a complexidade desse capítulo nas três seções a seguir.
A primeira seção – pesquisarCOM – busca expandir a noção da abordagem pesquisarCOM
já abordada nos capítulos iniciais desta dissertação. Com o objetivo de construir repertório e
bases para compreender o processo de concepção de projeto a partir da abordagem e
fundamentos desse método de pesquisa, o texto foi escrito de maneira que sirva como um
prefácio para o exemplo ilustrativo proposto adiante.
A segunda seção – projetarCOM - aborda o exemplo ilustrativo em si, e busca contemplar
todas as noções abordadas até então. Apresento uma narrativa do “Plano para o processo
participativo de criação dos projetos pedagógico e arquitetônico do Campus Integrado da
Educação Básica Serra Grande”28, mediada a partir de noções e proposições articuladas ao longo
da pesquisa com o auxílio do relato cedido por Faria (2021). As informações que compõem a
escrita dessa seção são produtos de algumas fontes: (a) encontros virtuais com a arquiteta Faria.
O primeiro, em julho de 2020 contou também com a presença do orientador Paulo Afonso
Rheingantz, e serviu como uma prévia ou contato inicial com o processo de projeto apresentado
para uma avaliação quanto a viabilidade de incorporá-lo à dissertação como objeto de estudo
ilustrativo; o segundo, em maio de 2021, resultou no relato narrado nas próximas páginas,
dotado de informações mais completas e complexas; (b) material de acervo da arquiteta Faria,
disponibilizado via e-mail, (c) solicitações de complementos de informações básicas e de acesso

28
Gentilmente cedido por Ana Beatriz Goulart de Faria que, juntamente com outros profissionais, atuou como
consultora e projetista no desenvolvimento desse projeto.
54

à outras via aplicativo WhatsApp e, (d) textos oriundos de revisão bibliográfica pertinente aos
assuntos abordados. A intenção original com a inserção do projeto ilustrativo era acompanhar o
processo projetual desde seu início até os dias atuais, investigando as controvérsias ao longo de
todo o caminho a partir dos projetos preliminares e executivo e, de relatos de outros atores
envolvidos diretamente com o projeto. Entretanto, não tive acesso a outros materiais e pessoas
que certamente poderiam colaborar para ampliar as discussões aqui apresentadas, como a
tentativa de conversa com profissionais da prefeitura de Uruçuca, BA que não pode ser
viabilizada ou o projeto arquitetônico executivo final que não foi disponibilizado. Nesse sentido,
é necessário ressaltar que o foco dessa dissertação está nas reflexões sobre o processo de projeto
de arquitetura-urbanismo à luz da TAR, e que a ausência do projeto arquitetônico em suas
múltiplas versões não as distanciou dos objetivos propostos na introdução geral.
As questões de autoria de projeto estão abordadas na terceira seção - um convite para
projetar com atores esquecidos e invisibilizados - a partir da atuação dos atores humanos e não-
humanos nas múltiplas etapas do processo de projeto. Nessa seção os mecanismos de agência
dos atores não-humanos em projetos participativos-colaborativos são abordados.

5.1. PesquisarCOM

Latour (2005) associa o método de pesquisa com um guia de viagem, que oferece
sugestões ao invés de se impor ao leitor, ou seja, não se trata de um livro de cabeceira de simples
imagens das paisagens locais para aquele leitor com preguiça de viajar. Trata-se de um livro
direcionado para viajantes praticantes, com o objetivo de ajudá-los a encontrar um rumo a
seguir. Ancorada nessa proposição Moraes (2014) esboça os termos fundamentais do
pesquisarCOM, reforçando poucas porém valiosas coisas que não podem faltar nesse guia de
viagem: (a) os outros – aqueles que abordamos, questionamos – é tido como sujeito agente na
pesquisa e não como objeto passivo ou como objeto de nossas ações; (b) as controvérsias podem
nos indicar diferentes visões de mundo até então não percebidas e exploradas; (c) a pesquisa é
uma maneira de produzir mundos, já que pesquisar e intervir são ações indissociáveis.
Numa pesquisaCOM o que interessa não são as invariantes, como numa pesquisa
tradicional. O que interessa são as possibilidades de variações, “a porosidade das fronteiras, os
caminhos pelos limiares” (MORAES, 2014, p. 132). Nesse contexto, as narrativas emergem como
meios de fazer e desfazer as fronteiras da pesquisa, uma vez que quando narramos certos fatos
55

e cenas, inevitavelmente deixamos outros de fora (MORAES, 2014). Como parte da abordagem,
narrar é interferir e produzir novos mundos e, aquilo que está incluído nas narrativas acaba
por ganhar consistência, se conecta com outros atores, articula novas redes, conferindo à
pesquisa um caráter vivo, que ativa tanto pesquisados como pesquisadores (MORAES, 2014)
através do compartilhamento de saberes. Como um desdobramento do pesquisarCOM,
escreverCOM é a escrita situada que sustenta as narrativas e constitui uma experimentação que
o texto se dispõe a produzir (BONAMIGO, 2017). Diante disso, enquanto modo ordenado de ação,
o pesquisarCOM e o escreverCOM definem uma política de composição (COSTA, 2019), do que
conta e do que não conta; do que integra e do que é excluído das narrativas. É nessa linha que
se percebe o pesquisarCOM como um meio de viabilizar negociações e articulações e o
projetarCOM proposto por Costa (2019) como uma potente articulação do guia de viagem de
Latour (2005), dos argumentos propostos por Moraes (2014) e da composição do projeto e
arquitetura-urbanismo como um artefato sociotécnico à luz da TAR.
Assim como a narrativa está para a pesquisa, o processo está para o projeto, visto que é
por si só uma narrativa arquitetônica. Segundo Costa (2019, p. 59) “compreender o projeto
enquanto artefato sociotécnico entra em colisão com a ideia de uma estrutura estática que está
associada aos edifícios” e que por vezes tenta ser dissolvida por meio de uma falsa realidade
criada por modelos computacionais. Por mais avançada que seja a técnica empregada para
representar o espaço no projeto, ainda assim é incapaz de representar a complexidade da
realidade.
É a dinâmica do movimento gerado durante o processo, a porosidade das fronteiras entre
saberes, técnicas, experiências, necessidades, condicionantes, requisitos e recursos que confere
a cada projeto um caráter único. Conforme Costa (2019), deve-se
[...] estar atento às ações que ocorrem na prática projetual, sabendo que existem
dificuldades para captá-las pelo modo que se desenvolvem; observar as estratégias
utilizadas para incorporação de requisitos ao projeto, olhando para as traduções
realizadas pelo arquiteto; e estar atento para os momentos em que a caixa-preta do
projeto se abre e esse e desestabilizado, quando as conexões ficam evidentes e são
questionadas. (COSTA, 2019, p. 59)

O que se propõe é deslocar o foco do produto final para o seu processo de construção,
buscando se debruçar sobre as complexas dinâmicas que emergem nesses fluxos de contínuas
transformações que chamamos de processo de projeto.
56

5.2. ProjetarCOM

As noções abordadas por Costa (2019) para a caracterização de projetarCOM são ponto
de partida para esta seção, que seguindo a lógica de acompanhar os movimentos das redes
sociotécnicas, se ocupa de ampliá-las e desdobrá-las. A partir do argumento de que toda ação
projetual é distribuída, uma vez que é performada por atores efeitos de redes de elementos
ativos e heterogêneos, Costa (2019) enfatiza que o ato de projetar resulta de múltiplas forças
vinculadas não somente aos atores humanos mas também aos não-humanos, e que a capacidade
de articulação entre eles é o que dá origem a um coletivo. Na contramão da individualidade da
criação tão reforçada nas questões de autoria de projetos de arquitetura, a TAR amplia as
possibilidades para o entendimento do processo projetual e de seus resultados ao “retirar do
arquiteto a carga integral pela origem das ações” (COSTA, 2019, p. 53).
Igualar as condições de agência dos atores humanos e os atores não-humanos na prática
projetual não significa retirar a autonomia do arquiteto (COSTA, 2019) e menos ainda reduzir a
arquitetura a uma colcha de retalhos composta por elementos desconexos, assimétricos. É
justamente o ordenamento dos elementos heterogêneos mediante composições de traduções,
associações, negociações e articulações que resulta numa rede estabilizada, num projeto único.
Ao propor uma pesquisa de caráter propositivo29 fundamentada nos princípios do campo
de estudo CTS, da TAR e da AE, compreendo que a incorporação de novas histórias e realidades
é parte do processo de pesquisar. Isso porque não há um limite real para a expansão da rede que
conforma essa pesquisa, apenas aquele delimitado pelo tempo hábil da duração do programa de
mestrado. Dito isso, durante a qualificação a banca examinadora recomendou a inserção de um
modelo de referência para estudo, com o objetivo de elucidar e explorar a proposição dessa
dissertação e seus desdobramentos.
A necessidade de tornar mais concreta a noção de projetar com o outro – e não para o
outro – a partir dos fundamentos da TAR e de buscar um deslocamento do campo da abstração
para um contexto real e situado, resultou em mais um desdobramento para essa pesquisa:
explicar a reflexão sobre os efeitos do projetarCOM em um processo participativo-colaborativo

29
Termo já abordado no capítulo 2. Recomendo um retorno a esse capítulo para reforçar as estratégias
metodológicas que guiam o processo de pesquisa dessa dissertação.
57

de projeto pré-existente, ou seja, o uso referencial de um projeto de arquitetura e seu processo


como modelo de exploração de articulações e controvérsias.
O “Plano para o processo participativo de criação dos projetos pedagógico e arquitetônico
do Campus Integrado da Educação Básica Serra Grande” (figura 06), torna-se referência de
estudo nessa pesquisa; a partir da exploração e mapeamento do processo projetual e seus
resultados finais, apresento uma cartografia posteriori, uma nova tradução da construção da
escola. Nesse sentido, a descrição dos fatos através de um relato textual e, por consequência, a
exposição da rede que conforma esse plano/projeto – visto a partir da realidade dessa pesquisa
– emerge como método cartográfico, uma vez que “escrever tem tudo a ver com o método”
(LATOUR, 2006, p. 345) e, numa pesquisa aos moldes da TAR o texto é homólogo ao laboratório,
ou seja, constitui espaço para experimentos e simulações (LATOUR, 2006). Esse capítulo,
portanto, é mais um da história que descrevo nessa pesquisa: nem menos, nem mais importante
que os demais; apenas igualmente necessário para avançar na busca por respostas às questões
que originaram essa dissertação.

Figura 06 – Capa do documento PPPCPPA

Fonte: PPPCPPA, 2012.


58

Num primeiro momento, é importante esclarecer alguns pontos que determinaram a


escolha do projeto para o Campus Integrado da Educação Básica Serra Grande como exemplo
ilustrativo Trata-se de um plano que envolve a construção de edificação, constituindo relação
direta com o campo de pesquisa em que essa dissertação está inserida; é um projeto
participativo, que considerou múltiplos segmentos da sociedade civil e poder público e, portanto,
agrega múltiplos atores e, apresenta características que o retratam como uma boa controvérsia,
ou que pelo menos não o excluem como uma má, segundo as instruções expostas por Venturini
(2010):
(1) É uma controvérsia “quente”, uma vez que há discordâncias e negociações entre os atores
e a ocorrência de ações em movimento;
(2) É atual, já que suas dinâmicas gerais continuam sem soluções definitivas;
(3) É delimitada, ou seja, restrita a um tema específico contido num nível de complexidade
de viável determinação;
(4) É aberta ao debate público, o que a torna observável.
Além disso, é importante ressaltar que essas características não foram dadas de antemão,
mas sim foram sendo percebidas ao longo do processo de exploração do exemplo ilustrativo, e
as incluo na introdução desse capítulo a fim de auxiliar o leitor na construção de sua
compreensão sobre a pesquisa. Adiante, abordo-as mais detalhadamente conforme elas se
tornam mais evidentes ao longo do texto.
E, para explicar, nada melhor que o relato de um processo de projeto que possibilite explicitar
argumentos que aproximem a TAR da prática projetual em arquitetura-urbanismo, tomo como
ponto de partida – uma espécie de guia para a análise e construção de entendimentos - os já
mencionados quatros passos mínimos para a produção de uma cartografia30 propostos por
Tranin e Pedro (in PEDRO, 2010, p. 90-91).
De maneira complementar, Latour (2001) descreve cinco circuitos que os estudos científicos
devem considerar e que auxiliam no rastreamento e descrição dos fatos científicos, facilitando a
identificação dos vínculos e nós que conformam uma rede:
(1) Mobilização de mundo: trata dos meios pelos quais os atores não-humanos são inseridos
gradativamente no discurso; é uma questão de mobilidade de mundo, de trazê-lo para o
local da controvérsia e de torná-lo passível de argumentos. Esse primeiro circuito

30
Quatro passos mínimos para a produção de uma cartografia enumerados na página 28.
59

contempla instrumentos, fluxo de dados, levantamentos e locais onde os objetos


mobilizados estão contidos, e constitui a conversão do mundo em argumentos;
(2) Autonomização: consiste na aquisição de autonomia por parte de determinadas
disciplinas, profissões ou pequenos grupos de especialistas e a consequente
independência destes que passam a criar seus próprios critérios de avaliação e relevância.
Refuta o paradoxo do especialista isolado, já que “ninguém pode se especializar sem a
autonomização simultânea de um pequeno grupo de pares” (LATOUR, 2001, p.121).
Assim, não trata somente da existência de dados, mas daqueles que são convencidos por
eles; trata do encontro e diálogo entre colegas e instituições;
(3) Alianças: trata sobre forjar relações entre grupos de atores pertencentes à diferentes
mundos que não se conectariam por meio de uma inclinação natural, e que o fazem
somente através da persuasão e intencionalidade de conexão (LATOUR, 2001). As
associações precisam ser facilitadas, criadas a partir da atração do interesse alheio em
determinado assunto. Este circuito diz respeito à maneira como não-humanos são
integrados à existência de atores humanos, como o mundo social se associa ao mundo
material;
(4) Representação Pública: refere-se sobre as relações com o mundo exterior, ou seja, com
o mundo civil. Segundo Latour (2001), as habilidades requeridas nesse circuito não estão
relacionadas com os três circuitos anteriores, mas são determinantes para que eles
aconteçam, uma vez que o fluxo das informações entre eles não é linear e fluído
diretamente. Assim, trata das relações entre os atores humanos.
(5) Vínculos e nós: é sobre manter unidos múltiplos recursos heterogêneos, atando tanto
conteúdo quanto contexto num nó central da rede (LATOUR, 2001). Não trata da
formulação de um conceito único, mas sim da facilitação do fluxo dos fatos.
A opção para explorar o exemplo ilustrativo para o delineamento de um projetoCOM –
seja reconhecendo suas interfaces, seja identificando suas discordâncias – foi apresentar suas
traduções e análises da seguinte maneira: as falas da arquiteta Ana Beatriz Goulart de Faria 31,
que generosamente relatou com riqueza o processo projetual do projeto referencial,
distinguem-se do texto em fonte itálica e dentro de caixas de texto cinza; as minhas traduções,
considerações e análises seguem na formatação padrão do texto, por vezes interrompendo o

31
Mais conhecida como Bia Goulart. Nas narrativas do exemplo ilustrativo, é referenciada como Faria (2021).
60

relato na medida que considerei necessário discutir os fatos que se revelavam. Ainda, é
importante ressaltar que não se trata de uma transcrição de um relato, mas sim de uma narrativa
construída em torno dele, uma escritaCOM o próprio relato. Para dar conta da densidade dessa
produção textual, somente aqueles fatos referentes ao exemplo ilustrativo explorado foram
contemplados na narrativa, enquanto outros assuntos desviantes foram intencionalmente
suprimidos. De maneira complementar, aspectos referentes ao plano pedagógico que compõe o
PPPCPPA também não estão contemplados nessa produção textual, uma vez que se trata de uma
pesquisa com o foco em processo de projeto de arquitetura-urbanismo (sugiro a leitura do anexo
A para maiores informações sobre a formulação do plano pedagógico).
Faz-se necessário também enfatizar que a cartografia desenhada nesta dissertação se
valeu de diferentes instrumentos; foi sendo construída na medida que novos atores (humanos e
não humanos) se entrelaçavam na rede. Diferentes dispositivos de inscrição que materializam a
rede como entrevistas, relatórios textuais, projeto arquitetônico e bibliografias performaram
múltiplas realidades coexistentes. Esses dispositivos heterogêneos são visões parciais de
realidades que se complementam, possibilitam o acesso à diferentes camadas da controvérsia e
a visualização de múltiplos elementos nas composições (COSTA, 2019).
A combinação desses recursos orientativos e dispositivos serve como uma lógica
necessária para delinear a cartografia proposta, uma vez que a pesquisa cartográfica é
desprovida de intencionalidades e não possui um fim determinado (DONHAUSER; BONAMIGO,
2019). Nesse sentido, tanto os quatro passos propostos por Tranin e Pedro (2010) quanto os
cinco circuitos do sistema circulatório dos fatos científicos descritos por Latour (2001) servem
como uma linha de costura, atando e desatando nós dos fenômenos dessa proposta de
projetarCOM. A partir daqui cada passo dá origem a uma subseção que constrói o relato textual,
ao mesmo tempo que recortes são propostos quando fragmentos da história desse projetarCOM
demandam um desvio na narrativa.

5.2.1.1. Abrindo portas

Proponho aqui um breve retorno aos primeiros momentos da pesquisa32, numa tentativa
de traçar uma perspectiva dos fatos que deram início a rede que a constitui. Certamente, a

32
Comentados na apresentação desse trabalho (p. 12).
61

escolha por abordar o tema do design thinking e processo projetual – que viabilizou meu ingresso
no programa de pós-graduação – e a mudança de direcionamento que resultou na exploração do
projetarCOM (resultado de inúmeros encontros e desencontros com a literatura e de conversas
com meus orientadores), constituem os primeiros fios que tecem essa rede. Isso porque, não há
como desvincular os interesses, as leituras, as pesquisas e as reflexões que precederam essa
dissertação. Tais ações foram portas abertas para ingressar na rede dessa pesquisa, que se torna
mais densa cada vez que novos atores são agregados. Não há, portanto, uma porta única de
acesso à rede; o que há são diferentes pontos de contato, que podem se transformar em acessos
viáveis se suas associações e traduções forem oportunas. Dito isso, a opção por incluir um
exemplo ilustrativo não se deu de maneira antecipada, previsível. Este fato é importante, uma
vez que pesquisarCOM o projeto referencial escolhido é justamente uma das consequências do
método de pesquisa adotado.
Diante de duas possiblidades que me foram apresentadas como sugestão para
constituição do exemplo ilustrativo, o contato com o projeto escolhido se deu com a mediação
do professor Paulo Afonso Rheingantz que, ao me apresentar à arquiteta Ana Beatriz Goulart de
Faria, facilitou essa escolha. Nesse momento, não falo do início de uma nova rede, mas sim de
mais uma adição àquela que já vinha sendo performada a partir dos primeiros ensaios dessa
dissertação. O recebimento de arquivos por e-mail contendo o plano para o processo
participativo de criação dos projetos pedagógicos e arquitetônico e o projeto arquitetônico
desenvolvido para o complexo educacional marcou um limite importante para a conformação da
rede: a própria cartografia traça esse limite, já que é a partir dele que as controvérsias de fato
passam a ser exploradas. É nesse primeiro passo da cartografia que a mobilização de mundo
começa a acontecer, já que o contato com os meios digitais – e a consequente inserção gradativa
de atores não-humanos – é o que de fato impulsiona exemplo ilustrativo de projeto convertendo
sua rede e suas controvérsias em argumentos passíveis de exploração e discussão.
Se a rede dessa pesquisa fosse uma casa, diria que os primeiros momentos da pesquisa
seriam como abrir os portões da frente: acessamos o pátio, temos uma visão geral da casa, mas
não sabemos o que se passa ali dentro. Não há uma regra para o caminhar ou mapas para seguir.
Por vezes vislumbramos possibilidades, como se olhássemos pelas janelas entreabertas. A
escolha do exemplo ilustrativo nos aproxima mais um pouco, nos coloca em frente à porta de
entrada e o recebimento dos arquivos é nosso convite para entrar: ali dentro, nos deparamos
com diversas possibilidades de direções a tomar e cômodos a explorar.
62

Como identificar o ponto inicial de um projeto? O que determina o início de seu processo?
Diante dessas questões, que surgiram a partir pós a coleta do relato33 da arquiteta Ana Beatriz
Goulart de Faria (2021), me vi deslocada no recorte temporal necessário para o delineamento da
cartografia do processo de projeto do exemplo ilustrativo escolhido (ver anexo B para uma visão
geral sobre o Centro Integrado de Educação Básica Serra Grande). Existem algumas possíveis
origens para a narrativa desse exemplo ilustrativo de processo de projeto de arquitetura-
urbanismo, o que já de imediato o afasta da linearidade de um relato determinado e setorizado
em etapas previamente definidas.
Narrar os fatos e cartografar o processo a partir do momento em que a decisão pela
existência do projeto é tomada seria a primeira alternativa. Narrar a partir da identificação de
um problema, uma demanda a ser atendida, também seria outra opção. Mas seriam esses
realmente o início do processo? Cada processo de concepção projetual tem suas particularidades
(SCHÖN, 1988) e, nesse caso, a narrativa desse processo de projeto começa anteriormente à ideia
de sua concepção.
A história do projeto fortalece o papel da mediação da arquitetura, não tanto só do
projeto, mas dos processos, de como as coisas vão se encontrando. (FARIA, 2021)

Quadro 03 – Narrativa do exemplo ilustrativo de arquitetura-urbanismo [A]

No ano de 2012, a arquiteta Ana Beatriz Goulart de Faria Faria (2021) ingressa no Curso
de Mestrado em Arquitetura na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), amparado
por sua experiência prévia com pesquisas e práticas de arquitetura escolar: atuou em
projeto de creche particular na cidade de São Paulo e em projetos de vinte e uma unidades
de Centros Educacionais Unificados (CEU) entre os anos de 2001 e 2004, que mudavam
conforme a implantação dos edifícios nos terrenos. A busca pela qualificação acadêmica
resultou de seu incômodo com a abordagem e com os processos de concepção da
arquitetura escolar; já se interessava mais pelo que se aprende com a arquitetura e com a
natureza dessa experiência do que em estudar como fazer arquitetura para determinada
pedagogia ou tipologia de escola. Nesse sentido, buscava um afastamento do projetar e
uma aproximação com a pesquisa.

33 Relato (entrevista não-estruturada) obtido no dia 21 de maio de 2021 com início às 19h e término as 20h:25min,
realizado por meio do aplicativo de vídeo conferências Zoom. Com a devida autorização de Faria (2021), o áudio foi
gravado para consulta posterior.
63

Após a experiência com os projetos dos CEUs, foi parte integrante da equipe de projeto
alinhado com o movimento Cidade Educadora, em Nova Iguaçu (RJ). Não se tratava de um
edifício propriamente dito, mas de tudo aquilo que não era prédio, daquilo que extrapolava
os limites da construção física. Tratava-se do Programa Bairro-escola, um projeto que
contemplava tudo aquilo que a escola poderia ser além dela mesma, impulsionada por
parcerias.

Fonte: FARIA, 2021.

É importante ressaltar que o modelo de parcerias implementado agregou para o


Programa Praça-escola, também implantado na cidade de Nova Iguaçu e premiado com o
segundo lugar na 7ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo. Segundo Balbio et al
(2008), o principal objetivo do Programa Praça-escola consiste em determinar uma rede de
espaços livres públicos conectados à rede existente ou futura de equipamentos da cidade.

Quadro 04 – Narrativa do exemplo ilustrativo de arquitetura-urbanismo [A1]

Foi a partir do envolvimento com esse projeto que a arquiteta tomou a decisão de se afastar
dos estudos da arquitetura da edificação escolar para explorar as relações entre escola e
cidade: o interesse se voltou para pensar os caminhos a partir das casas (retomando seus
estudos feitos em Barcelona sobre o programa Caminho Escolar, anos antes dessa proposta
chegar no Brasil), para a possibilidade de pensar em questões como o tempo, movimento,
deslocamentos do corpo entre a casa, a escola, a praça.
Na época, ocorreu uma visita do então Presidente da República e do Ministro da Educação
interino ao projeto de Nova Iguaçu, que culminou na implementação do projeto como
política nacional, servindo de inspiração para as origens do programa Mais Educação.

Fonte: FARIA, 2021.


64

Segundo o website34 do Ministério da Educação (MEC), o programa foi criado no ano de


2007 e regulamentado no ano de 2010 e constitui-se como uma estratégia do governo federal
de estímulo para o desenvolvimento de uma agenda de educação integral aplicada às redes
estaduais e municipais de ensino, estabelecendo jornada mínima de sete horas diárias de
atividade escolar. Nesse sentido, a ampliação do período diário de permanência na escola
culmina na prática de atividades optativas, divididas em dez macrocampos: acompanhamento
pedagógico, educação ambiental, esporte e lazer, direitos humanos em educação, cultura e
artes, cultura digital, promoção da saúde, comunicação e uso das mídias, investigação no
campo das ciências da natureza e educação econômica. Trata-se de um programa extenso, que
atingiu mais de sessenta mil escolas em todo o país.

Quadro 05 – Narrativa do exemplo ilustrativo de A+U [A2]

Ainda que a intenção fosse a imediata implementação do programa nas escolas, estas
deveriam ter suas estruturas repensadas para dar conta da concepção de educação integral.
Diante disso, foi criado um grupo de escolas sustentáveis no MEC para dar início a esse processo
de ideação e desenvolvimento das escolas. Nesse momento, a arquiteta Faria (2021) já se
dedicava a estudar e entender o funcionamento e aplicação da educação integral nas escolas,
mais precisamente onde isso “cabia” dentro do modelo até então praticado
Fonte: FARIA, 2021.

Esse primeiro relato, que de fato antecede o exemplo ilustrativo utilizado como referência
nessa pesquisa, deixa visível a criação de um vínculo entre a arquiteta e o tema da educação
escolar, o que inevitavelmente conjectura a produção um conhecimento transdisciplinar e
articulações entre múltiplas experiências, atores e práticas.

34 BRASIL. Ministério da Educação. Programa Mais Educação. Brasília, 20XXa. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/programa-mais-
educacao/apresentacao?id=16689#:~:text=O%20Programa%20Mais%20Educa%C3%A7%C3%A3o%2C%20criado,jo
rnada%20escolar%20nas%20escolas%20p%C3%BAblicas%2C. Acesso em: 19 set 2021.
65

5.2.1.2. Os porta-vozes

No processo de uma cartografia alinhada com a TAR, identificar aqueles que falam pela
rede é um segundo movimento necessário para continuarmos delineando o projetarCOM. De
antemão, retomo uma noção base e fundamental para o que vem a seguir:
O conceito de redes sociotécnicas envolve a ideia de vários nós e múltiplas relações na
produção dos fenômenos, buscando traduzir a complexidade presente nestas relações.
Trata-se de uma configuração altamente instável e dinâmica, com trocas intensas entre
os vários pontos, conexões e atores. Na rede, cada elemento é simultaneamente um
ator, cuja atividade consiste em fazer alianças e arregimentar outros atores; uma rede
capaz de, a partir de seus movimentos, redefinir e transformar seus componentes.
(PEDRO, 2010, p. 80)

Tanto o desenvolvimento da rede sociotécnica dessa pesquisa quanto do exemplo


ilustrativo aqui relatado, enquanto redes entrelaçadas que emergem como instrumento para a
cartografia das controvérsias, são indissociáveis dos atores que as performam. Conforme o
conhecimento em torno da TAR vai sendo performado, fica clara a impossibilidade de nomear,
listar e/ou enumerar todos os atores humanos e não-humanos performam as redes. Por outro
lado, igualar as condições de atuação de cada um tampouco permite que as controvérsias
possam ser cartografadas, já que não se pode deixar de rastrear as vozes concordantes e
discordantes que circulam. Portanto, com esse movimento busco identificar os porta-vozes da
rede, ou seja, aqueles que sintetizam a expressão dos atores que a conformam (PEDRO, 2010).
Nesse sentido, o entendimento de rede sociotécnica reforça a complexidade desse movimento
e serve como um lembrete sobre a instabilidade e a dinâmica das relações que procurei
cartografar e dos atores que convoquei.
Com relação à pesquisa bibliográfica que fundamenta essa dissertação, os porta-vozes
são autores e textos que estruturam os capítulos apresentados. Se cada texto consultado é, por
si só, uma síntese de tantos outros conhecimentos advindos de múltiplos atores, aqueles
selecionados para compor o corpo de texto da pesquisa representam as pontas de alguns nós
passíveis de serem conectados, performados. Foi a partir de sua atuação como pontos de contato
com outras redes que tive acesso a tantos outros. Com exemplo, cito Bruno Latour (2001, 2005)
pela argumentação sobre a capacidade de agência dos atores humanos e não-humanos a partir
da TAR; Annemarie Mol (2008) que proporcionou outro ponto de vista sobre a performação de
realidades; Márcia Moraes (2010, 2014) que com seus textos sobre pesquisarCOM instigou um
direcionamento para projetarCOM; Irme Bonamigo (2017), por explorar o escreverCOM como
66

método de pesquisa; Rosa Pedro e Maria Cecilia Trannin (in PEDRO, 2010) pela sugestão dos
quatro passos mínimos para a cartografia; Rodrigo Costa (2019), por propor uma abordagem
sociotécnica ao projeto de arquitetura-urbanismo em sua tese, cunhando o termo projetarCOM.
Na mesma linha, a inserção do exemplo ilustrativo surge como um ponto de acesso a
outra rede complementar. A intenção primeira era coletar relatos de múltiplos profissionais
envolvidos diretamente com o processo projetual do Campus Integrado da Educação Básica Serra
Grande para que fosse possível explorar a heterogeneidade de atores e fatos que constituem tal
rede e, trazer à tona as controvérsias que surgiram durante o percurso. Diante da impossibilidade
de contato com esses profissionais, em virtude da sua indisponibilidade, os relatos da arquiteta
Faria (2021) e o material digital por ela cedido despontam como portas de acesso à rede desse
processo. Consequentemente, a arquiteta e o Plano para o Processo Participativo de Criação dos
Projetos Arquitetônico e Pedagógico (PPPCPPA) emergem como porta-vozes da rede, uma vez
que suas atuações direcionam a cartografia.
Por fim, ao combinar as duas perspectivas da pesquisa (pesquisa bibliográfica e exemplo
ilustrativo) originando a completude do estudo proposto, atuo como porta-voz dessa rede,
amparada pelas vozes de meus orientadores. É possível pensar que a determinação de
segmentos tão claros e explícitos para uma pesquisa que, desde o início, vem sendo pensada
para evidenciar a complexidade do projetar na contemporaneidade, não dê conta de exemplificar
na “prática” as noções propostas pela TAR. Se de fato as coisas são complexas e difusas,
fragmentar a pesquisa não parece ser tarefa factível. Por outro lado, como minha
responsabilidade enquanto pesquisadora é de facilitar um conhecimento que vem sendo
construído à medida que a pesquisa avança, optei por esse formato para expor noções que até
o momento ainda estão sendo esclarecidas.

5.2.1.3. Dispositivos de inscrição

O terceiro movimento para a cartografia proposto por Tranin e Pedro (in PEDRO, 2010, p.
90-91) trata sobre o acesso as estruturas que possibilitam “objetivar” a rede, ainda que nem
todos os atores e fatos pertençam efetivamente ao mundo concreto. Essas estruturas de
naturezas distintas que facilitam a visualização da rede são chamadas de dispositivos de inscrição
que, segundo Latour (2011) possibilitam a exposição visual de qualquer tipo em textos científicos,
artigos e documentos usados para materializar os fatos e fenômenos estudados (COSTA, 2019).
67

Diante disso, a materialização da rede dessa pesquisa se corporifica por meio da produção
textual, da escrita tomada como método de pesquisa e como agente de informação. Segundo
Latour (2013), a informação não consiste na comunicação de um significado – um signo – mas
sim numa relação articulada entre dois lugares distintos, entre os quais há a circulação de um
veículo cuja exposição de seu aspecto material recebe o nome de inscrição.
Ao tratar do acesso a rede que delineia o exemplo ilustrativo, os dispositivos de inscrição
que permitiram a exposição da complexidade das negociações e articulações do projeto
selecionado foram o próprio Plano para o Processo Participativo de Criação dos Projetos
Pedagógico e Arquitetônico para o Centro Integrado de Educação Básica Serra Grande, o projeto
arquitetônico apresentado como resultado do processo participativo (anexos C e D) e o relato
dos fenômenos fornecido pela arquiteta Faria (2021). Os debates em torno das controvérsias
manifestadas só foram possíveis uma vez que as informações contidas na rede puderam ser
acessadas por meio desses dispositivos. Nesse sentido, ao mesmo tempo que os textos e mídias
acessados durante a pesquisa35 têm agência ao promoverem associações e permitirem traduções
singulares quando tomados como parte de uma composição, também são dispositivos de
inscrição para uma nova rede que é exposta – a rede do projetarCOM.

Quadro 06 – Narrativa do exemplo ilustrativo de arquitetura-urbanismo [A3]

Um convite para palestrar sobre arquitetura escolar em agosto de 2012, numa pequena
vila de aproximadamente quatro mil habitantes no sul da Bahia, feito pela amiga e
professora PL36 (que na época trabalhava no Governo Federal como diretora de educação)
foi o primeiro contato de fato entre a arquiteta Faria e o que viria a ser o projeto do Campus
Integrado da Educação Básica Serra Grande.
Diante do aceite ao convite para falar sobre o tema, a arquiteta embarcou numa viagem
de avião até Ilhéus/BA, seguido por um deslocamento de uma hora sentido norte por uma
estrada estadual em direção a Itacaré, a cidade mais conhecida próxima da localidade de
Serra Grande - o destino final do percurso. Com aproximadamente 20km de praia e cercada

35
Listados nas referências, ao final da dissertação.
36
Por questões de anonimato, o nome da amiga e professora foi substituído por uma sigla.
68

por mata atlântica, o distrito de Serra Grande está distante 40km do município de Uruçuca,
ao qual pertence (figura 07).
Ao chegar na localidade, foi recebida num grande gramado, à luz do dia, repleto de crianças
e adultos nativos da região que a esperavam para a palestra. A palestra por sua vez, estava
programada para ser apresentada com o auxílio da projeção de slides num telão, o que de
imediato soou muito rígida. Diante do cenário que se configurava a sua frente, Faria relata
ter pensado que não seria possível palestrar daquela maneira, afinal, como falar de
arquitetura escolar para uma população não especialista sobre o assunto?

Fonte: FARIA, 2021.

Figura 07 – Localidade de Serra Grande

Fonte: EQUIPE DE PROJETO, [201-]

O próprio tema do projeto proposto para criação do Campus Integrado da Educação


Básica emerge em torno de uma controvérsia: a necessidade de promover o conhecimento
acerca de um conteúdo específico (arquitetura escolar) esbarra na disponibilidade de meios de
69

comunicação propostos para isso, demandando uma negociação entre profissionais envolvidos,
recursos locais disponíveis e comunidade ouvinte.
O projeto para o Campus Integrado da Educação Básica surge a partir Diagnóstico Rápido
Participativo (DRP), que deu origem ao Plano de Revitalização Urbana e Ambiental (PRUA). Este,
eventualmente, evoluiu para um Plano Diretor (PD) 37 da vila de Serra Grande que segue sendo
revisado até os dias atuais (ano de 2021). Faria (2021) dá ênfase ao fato de que se trata de um
Plano Diretor de uma vila pertencente a um município (Uruçuca, BA), e que esse que não possui
um. Para melhor compreender as origens do projeto, complemento o relato da arquiteta com
informações obtidas no Plano para o Processo Participativo de Criação dos Projetos Pedagógico
e Arquitetônico elaborado no ano de 2012.
O projeto surge a partir de um DRP feito no ano de 2009, em parceria entre organizações
da sociedade civil e a Prefeitura Municipal de Uruçuca. Conforme o PPPCPPA (2012), nas
discussões dos resultados do DRP feitas em praça pública com a participação da população local,
a educação emergiu como prioridade absoluta pela comunidade. De imediato, essa demanda
promoveu um levantamento da então atual situação do sistema educacional do distrito, feito
pelo Instituto Arapyaú de Educação e Desenvolvimento Sustentável. O próximo passo foi a
elaboração de um projeto colaborativo de melhoria e aperfeiçoamento da escola pública,
envolvendo educadores das escolas públicas locais, pais, alunos e voluntários da comunidade.
Iniciava-se o Movimento Vila Aprendiz, antecessor da proposta do Campus Integrado de
Educação Básica Serra Grande.
Dessa forma, a noção da vila como um ambiente38 aprendente emerge como aspiração
do Movimento Vila Aprendiz: “a vila ensinando e aprendendo, na escola e fora dela” (PPPCPPA,
2012, p.10) a partir da perspectiva da educação integral e do desenvolvimento de ações
compartilhadas focadas na aprendizagem dos alunos. Essas ações foram estruturadas em torno
de duas linhas de trabalho complementares, referentes aos (a) aspectos físicos, buscando
qualificar os ambientes pré-existentes para as práticas de aprendizagem, assim como criar novos
espaços para abrigar a creche-escola e a escola municipal e, (b) aspectos culturais, com o foco na

37
Por não ter acesso aos materiais relativos ao DRP, PRUA e PD, as informações expressas aqui se limitam ao seu
conteúdo descrito no PPPCPPA (2012).
38
Substituí intencionalmente o termo original “espaço”, abordado no PPPCPPA (2012), por entender que ambiente
é espaço com significado, envolvendo as relações e dinâmicas entre os atores que o constituem, afetos, memórias,
valores e topofilias. Nesse sentido, não se confunde espaço - tomado como métrica de superfície e volume - com
ambiente.
70

potencialização e transformação das relações entre escola e comunidade, estudo e


aprendizagem (PPPCPPA, 2012). Diversas parcerias com voluntários, profissionais, empresários,
organizações sociais e instituições foram firmadas para compor atividades e práticas com o
propósito de reafirmar e ampliar as novas formas de ensino e aprendizagem aos estudantes da
vila. De acordo com o PPPCPPA (2012), ao final do ano de 2010 o trabalho realizado pelo
Movimento Vila Aprendiz, que até então constituía ações localizadas na comunidade, extrapola
suas fronteiras físicas e passa a demandar a ampliação das práticas propostas, dando início a uma
nova etapa do trabalho. Essa iniciativa pautava-se na proposição de um modelo de
desenvolvimento local singular impulsionado pelos processos da educação, através da promoção
de um processo original e criativo de interação entre a comunidade da vila e a escola local, e do
desenvolvimento de uma nova escola – tanto em termos pedagógicos quanto arquitetônicos
(figura 08).

Figura 08 – Localização das novas escolas39

Fonte: EQUIPE DE PROJETO, [201-]

39
Diagramação e fontes na imagem fazem parte da edição original inclusa na apresentação de projeto pela Equipe
de Projeto (2021-).
71

A implementação de um modelo participativo de construção da nova escola pensada para


a vila surge a partir da discussão e dos questionamentos sobre os tradicionais de se fazer escola
no país. Conforme o PPPCPA (2012), quanto à concepção arquitetônica do espaço da escola, raros
são os projetos que surgem a partir da participação com a comunidade escolar. Aqueles que se
propõem a ouvir e discutir com a comunidade local, o fazem por meio de práticas que excluem
alunos, professores e comunidades, restringindo-se às consultas com direções das escolas – o
que não estende o debate de demandas e necessidades para os demais usuários do espaço.
Por vezes, decisões são tomadas com base em limitações orçamentarias, resultando em
escolas novas ou reformadas que não atendem às demandas do chão da escola e de desejos
pedagógicos, espaciais, estéticos, funcionais e de uso do grupo escolar e da comunidade local. A
exclusão de tantos atores do processo de criação das escolas certamente não colabora para o
desenvolvimento de um projeto participativo-colaborativo e inclusivo.
Para transpor as barreiras e limitações dos processos tradicionais de concepção projetual,
o Plano para o Processo Participativo de Criação dos Projetos Pedagógico e Arquitetônico para a
nova escola da vila se estrutura em torno de um novo conceito: o Campus Integrado de Educação
Básica. Dessa forma, movidos pelo desejo de construção de um modelo inovador de caráter
pedagógico e arquitetônico integrado para concepção da escola pública, o projeto das Novas
Escolas de Serra Grande desponta como uma construção coletiva, integrando comunidade,
estudantes, funcionários, professores, gestores e famílias em torno de debates sobre espaços e
tempos adequados para as novas escolas, considerando aspectos espaciais, naturais, sociais,
culturais e pedagógicos. Nesse sentido, o Centro Integrado de Educação desponta como um
projeto pedagógico e arquitetônico para atender de forma integrada a Educação Básica entre
idades de zero a dezessete anos, num modelo inclusivo e de resgate das relações entre a vila e
as pessoas.
Para além do projeto em si, o que se tem é um extenso processo de autonomização
conforme o segundo circuito sugerido por Latour (2001), visto a partir dos encontros entre tantos
atores humanos, grupos e instituições que se envolveram no desenvolvimento da proposta para
as novas escolas. Trata-se também da visualização do terceiro circuito – as alianças: a articulação
de interesses em torno da construção das novas escolas e da facilitação de um novo modelo de
educação uniu projetistas especialistas e projetistas difusos em torno de uma intenção.
Arquitetos, professores, alunos, comunidade escolar, políticos, empresários, terrenos, projetos,
72

dados, orçamentos, espaços e vila são associados, estendendo a rede tanto para o mundo social
quanto para o mundo material.

Quadro 07 – Narrativa do exemplo ilustrativo de arquitetura-urbanismo [A4]

Faria narra uma cena que decorre ao longo de uma conversa com uma professora da escola
da vila. Ao ser apresentada, através da fala de um arquiteto estrangeiro que morava na
localidade de Serra Grande, a um projeto de uma escola construída com bambu – citada
pela arquiteta como uma referência internacional, porém sem fornecer grandes detalhes –
a professora comenta que não queria uma escola de bambu e de barro ao seu lado, que
gostava da escola que eles tinham na localidade. Nesse momento, faz um adendo
importante ao contexto que se formava em torno do projeto da escola: o PRUA viabilizou a
participação de empresários na doação de terrenos para a construção da escola, visto que
as existentes estavam localizadas em locais muito precários.
Diante dessa cena e diante da comunidade que aguardava por sua palestra sobre
arquitetura escolar (agosto de 2012), a arquiteta falou “que há uma pessoa que não foi
convidada para a festa e que está chorando, e quer que a gente vá visitar...é a escola velha.
Eu queria que a gente fosse lá ouvir o que ela tem para dizer para a gente.” Ela propôs que
todas as pessoas presentes naquele encontro (aproximadamente cem pessoas) fossem até
a escola e tentassem “ouvir o que as paredes estão dizendo, e a gente vai voltar aqui e
quem quiser vai falar o que ouviu”. A experiência narrada por Faria apresentou resultados
inesperados, e segundo o relato da arquiteta, muitas vozes da escola foram ouvidas pelas
pessoas que se dirigiram até ela, como:
- “Sou feia, mas sou muito cuidadosa.”
- “Sou apertada, mas quero ser linda.”
- “Eu quero que me levem para a escola nova.”
- “O que será feito de mim?”

Fonte: FARIA, 2021.

Na subseção “Abrindo Portas” trato sobre a mobilização de mundo da própria pesquisa


a partir da inserção de textos, e-mails e relato; aqui, reconheço a mobilização de mundo nesse
primeiro contato da arquiteta Faria (2021) com a escola velha, que emerge tanto como meio de
73

inserção para que suas vozes sejam ouvidas quanto como ator não-humano que dialoga com as
pessoas dispostas a escutá-la. Nesse momento, a mobilização de mundo ganha mais densidade
no relato, uma vez que a proposta da arquiteta em “ouvir” a antiga escola é ponto de inflexão
para a conversão de tantas realidades daquela comunidade em argumentos, trazendo à tona
controvérsias e mobilizando mundos.
A controvérsia em torno da abordagem do tema arquitetura escolar com a comunidade
local foi estabilizada a partir de uma articulação entre a arquiteta, a escola velha e a comunidade
engajada. Ao incluir a escola como um ator importante e que deveria ser ouvido, a arquiteta deu
início a um extenso processo de tradução entre as vozes da escola e os anseios da comunidade
em relação ao que seria feito com ela. Nesse sentido, dar voz a escola foi também dar voz as
pessoas que dela usufruíam; foi facilitar a circulação do fluxo dos fatos, o que caracteriza o quinto
circuito proposto por Latour (2001). Diante da proposta dessa dinâmica não planejada, a palestra
foi suspensa e os debates tiveram início a partir da participação da escola velha.

Quadro 08 – Narrativa do exemplo ilustrativo de arquitetura-urbanismo [A5]

Ao fim da dinâmica, o empresário mantenedor do Instituo Arapyaú de Desenvolvimento


Sustentável que havia organizado o encontro entre arquiteta e comunidade, abordou Bia
Goulart e disse ter se emocionado muito com sua fala, e a convidou para que ficasse
trabalhando com eles por um tempo para aprofundar essa escuta que havia sido iniciada com
a comunidade.
Fonte: FARIA, 2021.

Nesse momento do relato, nos deparamos com o que pode ser considerada outra versão
da origem do projeto: o aceite ao convite feito resultou no Plano para o Processo Participativo
de Criação dos Projetos Pedagógico e Arquitetônico elaborado em conjunto ao longo de um ano.
O questionamento “como identificar o ponto inicial de um projeto?” ganha mais uma
possibilidade de resposta. Certamente, são tantas as possibilidades de respostas para essa
questão quantas as pessoas dispostas a acessar a rede do projeto e facilitar traduções. Cada
narrador, diretamente envolvido ou não com o projeto, dotado de capacidade de mobilizar
atores humanos e não-humanos e promover associações, frente a diferentes portas de entrada
à rede tem a possibilidade de responder com uma versão singular essa questão.
74

5.2.1.4. Associações e articulações

Como vimos anteriormente, o início do projeto do Campus Integrado da Educação Básica


Serra Grande foi atrelado ao ingresso da arquiteta Faria (2021) no programa de pós-graduação,
o que muito antecede os fatos relatados a seguir. Esse marco temporal foi estabelecido para fins
dessa pesquisa e, certamente pode variar conforme outros atores e fatos se conectam à rede
proposta. Isso permitiu compreender o valor das vivências e experiências da arquiteta na
construção do seu repertório e conhecimento que, somados às suas ideias e treinamento técnico,
facilitaram o desenvolvimento do projeto. Trata-se, portanto, de evidenciar um longo processo
de articulação que suscitou em mudanças de interesses e comportamentos. Articulação não
significa a habilidade de falar com autoridade, mas sim de ser afetado pelas diferenças (LATOUR,
2008).
Quadro 09 – Narrativa do exemplo ilustrativo de arquitetura-urbanismo [A6]

Posteriormente, ao ser questionada durante uma entrevista sobre o porquê elaborar um


projeto arquitetônico e pedagógico juntos e não “uma arquitetura para uma pedagogia”,
a arquiteta viu uma oportunidade de defender aquela ideia que já vinha nutrindo desde o
início do seu mestrado: a experiência de aprender com a arquitetura durante o processo. A
oportunidade de participar da construção do PPPCPPA possibilitou Faria trabalhar com algo
que sempre almejou: não somente a elaboração de um projeto de arquitetura, mas o
desenvolvimento de um programa completo construído a partir dos desejos e gostos da
comunidade, do clima local, das visitas ao terreno.
O PPPCPPA foi desenvolvido para viabilizar a construção de duas escolas: uma municipal de
ensino fundamental e outra estadual de ensino médio.

Fonte: FARIA, 2021.

O processo participativo proposto por Faria (2021) para a elaboração dos projetos
arquitetônico e pedagógico não seguiu nenhum método convencional pré-estabelecido ou guias
orientativas fundamentadas em literatura. Frente a oportunidade de ouvir estudantes,
professores e demais pessoas envolvidas diretamente na rotina diária das escolas, a arquiteta
direcionou o processo participativo através de uma escuta ativa da comunidade escolar, de uma
abordagem intuitiva de coleta de dados. A ausência de um rigor metodológico possibilitou rumos
diferentes para o processo projetual.
75

Quadro 10 – Narrativa do exemplo ilustrativo de arquitetura-urbanismo [A7]

Nas palavras da arquiteta, tudo


era muito intuitivo, a minha teoria era mais ligada a [...] ocupar o território, a
apropriação, a se sentir pertencente. Meu foco era muito mais nisso do que na
ergonomia [...]. Na verdade, estava trabalhando muito mais a ação do que
espaço. Naquela definição de Milton Santos de que o território é formado por
objetos e ações, parece que eu me interessava mais pelas ações do que pelos
objetos. (FARIA, 2021)

Faria relata ter ouvido muito mais as professoras do que as crianças, uma vez que passou
a achar – baseada em suas experiências prévias com arquitetura escolar, em que teve
resultados ruins de projeto ao considerar a criação do espaço pautada majoritariamente
nos desejos das crianças – que as professoras que “mandam”, já que o espaço pode ser
incrível para as crianças, mas se o projeto não despertar sensações e memórias agradáveis
nas professoras, elas impedem que as pessoas usem o espaço. De maneira complementar,
percebeu que deveria estabelecer uma conversa não tanto com a teoria, mas com os
métodos e práticas pedagógicas, incluindo as limitações das professoras e suas concepções
de infância.
O prazo dado pelo Instituto Arapyaú de Desenvolvimento Sustentável para a elaboração do
projeto estava se esgotando, e diante do cenário e das experiências que a arquiteta
vivenciava ao longo do processo, solicitou uma prorrogação de seis meses para continuar
os trabalhos. O argumento foi que seria preciso trabalhar a noção de concepção de
território com as professoras das escolas porque elas ainda se mostravam resistentes as
mudanças no espaço escolar: se opunham à integração de ambientes e a ideias como
janelas mais baixas, pois segundo elas, não queriam as crianças olhando para fora; estavam
habituadas a ambientes tradicionais de escolas, com espaços de sala de aula delimitados e
considerados por elas adequados aos seus métodos de ensino. Nesse sentido, a arquiteta
percebeu a necessidade de falar com as professoras sobre o corpo, a infância; havia a
necessidade de sensibilizar as professoras em relação à essas noções para que elas
pudessem compreender a importância de oferecer para as crianças daquela localidade uma
outra oportunidade de aprendizado e de experiências que elas não tiveram.

Fonte: FARIA, 2021.


76

Ainda que esse processo tenha sido curto em sua duração, possibilitou para Faria (2021)
passar de um projeto considerado desestruturado “em que as coisas não tinham nome”, com um
descompasso de vocabulário entre arquiteta e professoras, para uma nova abordagem do
processo. Existia uma grande controvérsia em torno das concepções idealizadas para o novo
espaço proposto, evidenciada pelos diferentes pontos de vista dos envolvidos. O desafio de lidar
com diferentes realidades se torna nítido nesse ponto do relato, reforçando a noção de política
ontológica proposta por Mol (2008). O direcionamento sugerido pela arquiteta para explorar essa
controvérsia e permitir o fluxo do projeto foi traduzir o que até então era desconhecido,
colaborando para ampliar as possibilidades concebidas pelas professoras: uma articulação entre
o pré-concebido e o novo.

Quadro 11– Narrativa do exemplo ilustrativo de arquitetura-urbanismo [A8]

Nesse meio tempo, segundo Faria, houve uma “interrupção muito violenta” nas dinâmicas
do processo participativo, ocasionada por um processo de eleição: no ano de 2012, uma
nova prefeita é eleita, trazendo mudanças significativas para o processo que estava em
andamento para os projetos das novas escolas. Na época, a gestão que assumiu a
Prefeitura Municipal de Uruçuca limitou a atuação da arquiteta no desenvolvimento do
projeto e passou a exigir uma maior velocidade na conclusão dos projetos para que a
execução das escolas pudesse ser viabilizada rapidamente, modificando o processo que
vinha sendo desenvolvido até o momento.
Em meados do ano de 2013, já com o programa de usos desenvolvido, surge a necessidade
da contratação de um escritório para a elaboração do projeto arquitetônico executivo, a
partir das diretrizes apontadas no processo participativo. Faria foi convidada para
desenvolver o projeto, e após alguma resistência de sua parte, aceitou a contratação
mediante a condição de que ela elaboraria o projeto completo e se responsabilizaria por
tudo que estivesse envolvido nele, incluindo outras disciplinas, como engenharias.
Para dar conta do desenvolvimento de um projeto arquitetônico de tamanha dimensão e
complexidade (figura 09 e anexos C e D), a arquiteta contou com uma equipe de
aproximadamente trinta profissionais registrados sob sua responsabilidade.

Fonte: FARIA, 2021.


77

Figura 09 – Implantação das edificações40

Fonte: EQUIPE DE PROJETO, [201-]

Aqui, gostaria de fazer uma pequena pausa para relatar um desvio de rota que ocorreu
durante o relato de Faria (2021), e que considero importante de ser abordado já que, de maneira
complementar, se relaciona diretamente com os assuntos abordados ao longo dessa dissertação.
A formação de uma equipe de profissionais para o desenvolvimento dos projetos arquitetônico
e complementares trouxe à tona uma controvérsia a ser explorada: a atuação de uma
multiplicidade de profissionais engajados num projeto de tamanha complexidade, tanto em
termos de estratégias projetuais quanto de disciplinas envolvidas.
Nesse caso, a controvérsia se desenvolveu no sentido de que a estruturação da equipe
não se deu de forma horizontal, não se tratava de um processo em que as atribuições eram
distribuídas igualmente. Havia a figura da arquiteta Faria como profissional e contratante,

40
Diagramação e fontes na imagem fazem parte da edição original inclusa na apresentação de projeto pela Equipe
de Projeto (2021-).
78

tornando-se responsável tanto pelos projetos necessários quanto pelo pagamento dos outros
profissionais envolvidos sob sua coordenação. De fato, existia uma hierarquia profissional que
deveria ser respeitada para garantir o bom andamento dos projetos.
Como exemplo, a arquiteta cita o caso da remoção de uma escada do projeto: após passar
por avaliação de outras pessoas envolvidas como políticos, professores e coordenadores,
chegava-se ao pedido de alteração com a retirada da escada. Esse pedido era feito para a
arquiteta que na sua posição de coordenadora, o repassava para os outros colaboradores do
escritório. Existia uma resistência do colaborador em fazer a alteração, quando questionava a
arquiteta sobre “tirar a escada depois de todo o trabalho que eu fiz?”.
No seu relato, a arquiteta relembra que optava sempre por recrutar para sua equipe
arquitetos com titulação mínima de mestrado, uma vez que queria a participação de
pesquisadores-projetistas e não somente projetistas. Por vezes, contratou profissionais de fora
da cidade de São Paulo (onde estava localizado seu escritório) para trabalhar no projeto e estes
acabavam ficando aproximadamente um ano integrando a equipe, antes de interromperem seus
contratos. Em determinado momento, a arquiteta relata “não ter mais fôlego” para dar conta de
uma equipe de projeto tão grande e opta por rescindir os contratos trabalhistas.
Ainda que o foco dessa dissertação não seja a reflexão sobre as rotinas e processos
internos do escritório de Faria – o que se configura como um possível desdobramento dessa
pesquisa, e que possibilitaria agregar ao processo projetual aqui relatado – não posso deixar de
dar ênfase ao circuito de autonomização que ocorre quando diferentes profissionais com
especializações diferentes são vinculados em torno dos projetos da escola. Nesse caso, a
controvérsia em torno da autonomia projetual e das tomadas de decisões foi superada mediante
a hierarquia estabelecida entre profissionais, ordenando as tomadas de decisões verticalmente,
ou seja, a hierarquia determinada no escritório - efeito das associações - agiu para que o fluxo
de projeto não fosse retido, para que demandas pudessem ser atendidas.

Quadro 12 – Narrativa do exemplo ilustrativo de arquitetura-urbanismo [A9]

Foram aproximadamente dois anos de trabalho na concepção e desenvolvimento dos


projetos para as escolas (de ensino básico e ensino médio, entre os anos de 2013 e 2014,
figuras 10, 11 e 12). No ano de 2015, o MEC anuncia edital para a construção de escolas no
79

modelo padrão: só poderiam ser submetidos projetos especiais para municípios com mais
de um milhão de habitantes, o que impossibilitava a construção no munícipio e Uruçuca,
que na época contava com algo em torno de 18 mil habitantes.
Diante dessa situação, os responsáveis pelo projeto do Campus de Educação Básica de Serra
Grande convidaram o presidente do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação
(FNDE) para um seminário, onde o questionaram sobre a possibilidade do MEC e FNDE
investirem num projeto piloto para uma escola sustentável, num terreno íngreme – ainda
que a proposta não incorporasse soluções como construção de adobe, por exemplo, mas
havia a intenção de propor uma escola mais interessante do que as construídas aos moldes
das existentes. Houve o aceite das partes abordadas para esse investimento, o que
viabilizou a aplicação do projeto que estava sendo desenvolvido na categoria de projeto
especial no edital que estava aberto, o que o classificou como uma exceção juntamente
com outra proposta fora dos padrões permitidos, de uma escola no sul do país.
Por possuir uma estreita relação com os funcionários do FNDE, entre os anos de 2015 e
2016 (não há precisão temporal nessa situação) Faria vai até Brasília levar os projetos até
então desenvolvidos. Segundo a arquiteta, foi necessário transportá-los numa caixa já que
era composto por mais de 400 pranchas de detalhamentos e especificações de múltiplas
disciplinas.
Para desenvolver os projetos de engenharia, foi contratado um escritório de localizado em
Portugal. O argumento para a contratação de uma empresa do exterior para participar do
projeto na Bahia foi que no Brasil não havia um escritório que fizesse tudo, ou seja, não
havia a integração das diferentes disciplinas necessárias numa única contratação. Segundo
o relato da arquiteta, o que se encontrava no Brasil eram empresas muito especializadas:
uma faz somente projetos de concreto, outra somente madeira, outra instalações
hidráulicas, outra, instalações elétricas. O que a arquiteta queria era toda a
compatibilização entre as disciplinas feita por uma única empresa, retirando do escritório
sob sua coordenação esse escopo de trabalho. No contrato com a empresa portuguesa
foram contempladas soluções em energia solar e reuso de água, mas que, assim como os
demais projetos desenvolvidos por eles, acabaram não dando certo.
80

A aprovação do projeto pelo MEC dependia do seu protocolo junto ao sistema, que deveria
ser feito pela Prefeitura Municipal de Uruçuca - nessa situação representada pela então
Prefeita em exercício. Diante da demora por parte da representante em protocolar o
projeto, um representante do Instituo Arapyaú – que financiou o projeto – questionou o que
estava acontecendo, já que “a prefeitura tem que querer” implementar o projeto. Como
resposta da administração municipal ouviu que “a escola era muito grande”, entre outros
argumentos. Nesse momento, é importante evidenciar que os reais motivos pelos quais não
havia uma demonstração de interesse por parte da gestão à época na viabilização da
execução do projeto, nunca foram de fato esclarecidos ou entendidos por Faria.
Numa outra tentativa de facilitar o protocolo do projeto no sistema do MEC, a arquiteta se
reúne com a Prefeita e a questiona sobre o que estava ocorrendo. A justificativa para
tamanho atraso era que “estavam tentando postar, mas o projeto padrão são três pranchas
e esse são quinhentas, e a gente não consegue [fazer o upload] já que nossa internet é
fraca.”
Não era possível levar o projeto impresso até a sede do MEC, e sua submissão deveria ser
feita via sistema online. Para tentar resolver o impasse, Faria e o Secretário de Educação
daquela gestão municipal passaram a noite em claro tentando fazer o upload dos
documentos. Para agilizar o processo, Faria sugere que ele desse a ela a senha de acesso
ao portal do MEC para que ela pudesse retornar a São Paulo e fizesse o upload de lá, onde
a internet era mais rápida. Porém, essa opção foi descartada pelo secretário, que se negou
a compartilhar a senha mesmo diante do comprometimento da arquiteta em comunicá-lo
assim que finalizasse o procedimento para que ele pudesse alterá-la, interrompendo assim
o acesso de Faria ao sistema. Como única alternativa, o processo de protocolar o projeto
no sistema foi finalizado mediante o acesso a rede da prefeitura. O upload dos arquivos
garantiu o protocolo do projeto, que entrou em tramitação para ser analisado.
No ano de 2016, o país passava por mais um momento de instabilidade política ocasionado
por um processo de impeachment presidencial, que refletiu diretamente nas atividades dos
setores públicos como o MEC. O processo de análise estava pausado e diante da situação,
representantes do Instituto Arapyaú solicitaram que Faria fosse até a comunidade de Serra
Grande entregar o projeto em mãos para a população, o que prontamente foi atendido por
ela. Nesse momento, é interessante salientar que dois anos se passaram desde a escuta
81

ativa realizada com a comunidade escolar e as crianças que foram ouvidas tinham crescido,
estavam mais experientes e apresentavam outras demandas.
Para explicar o processo de projeto das novas escolas para a comunidade, Faria preparou
uma história em quadrinhos “gigante” para que a população pudesse visualizar os fatos.
Entregou o protocolo de submissão do MEC e solicitou para a comunidade que
acompanhasse os trâmites legais no sistema. Nesse momento, esbarrou em mais alguns
percalços, já que boatos estavam sendo espalhados de que o projeto para as escolas não
existia.
O ano de 2016 foi marcado pelas eleições municipais: como a Prefeita em Exercício não foi
reeleita, o cargo máximo da administração municipal foi assumido pelo Prefeito da gestão
anterior, eleito para novo mandato. No dia 01 de janeiro de 2017, Faria recebe um
telefonema do atual prefeito: “Bia, cadê o projeto da escola? Vamos construir!”. Dava-se
início a uma nova fase do projeto das escolas.
Em seguida, a Faria teve acesso à informação do FNDE de que no dia seguinte ao seu
protocolo (2015), o projeto havia sido removido do sistema do MEC. A retomada do projeto
ocorreu em outra conjuntura política do país; alguns funcionários do MEC ainda
permaneciam nas mesmas funções época da primeira submissão do projeto e
reconheceram a arquiteta quando ela os procurou. Um fato interessante foi que no ano em
que o projeto ficou parado (2016), o grupo de arquitetura sustentável (MEC) do qual Faria
fazia parte, conseguiu aprovar a proposta de que toda escola sustentável do país deveria
ter sistema de energia solar. Esse fato foi importante para um novo direcionamento do
projeto, já que na licitação anterior essa possibilidade não existia. Naquele tempo, a
implementação do sistema de energia solar seria feita mediante acordo com os
empresários envolvidos no projeto, que arcariam com os custos onerados pela instalação
do sistema durante a fase de execução da obra. Na primeira versão do projeto o sistema de
energia solar (figura 13) estava incluso no projeto elétrico, mas foi rejeitado pelo MEC. Para
conseguir seguir com a aprovação, o projeto elétrico foi refeito excluindo o sistema de
energia solar, contudo, aquele primeiro projeto continuou existindo como uma “carta na
manga” com a intenção de ser executado via parceria privada. A aprovação da
implementação de sistemas de energia solar nos projetos de escolas sustentáveis
financiadas pelo MEC possibilitou que o projeto para as escolas de Serra Grande fosse
82

reavaliado, e retornasse com algumas sugestões para adaptação, com poucos prejuízos
gerados à sua totalidade.
No ano de 2018 o projeto finalmente foi aprovado e licitado com um orçamento estimado
de 18 milhões de reais. A empresa vencedora da licitação assinou um contrato no valor de
16,5 milhões de reais, dando início às obras no mês de janeiro de 2019. Sob
responsabilidade da equipe da Prefeitura Municipal de Uruçuca, as planilhas orçamentarias
foram preparadas para que o orçamento global para licitação pudesse ser feito. No
entanto, por falha humana na formulação das planilhas, itens fundamentais como o
sistema de esgoto biodigestor não foram incluídos, assim como erros na quantificação de
materiais ocorreram – como o caso das cinco toneladas de aço necessárias, que foram
reduzidas para apenas duas toneladas. Tais fatos ocorreram porque o profissional
responsável pela formulação das planilhas não olhou os projetos arquitetônico e
complementares para a quantificação de materiais e serviços, e se baseou num cálculo pré-
estipulado padrão de uso da prefeitura considerando somente a metragem quadrada a ser
construída.
Numa das primeiras reuniões após a licitação da obra, o dono da construtora vencedora
chamou Faria e disse que “as planilhas não condiziam com o projeto”, questionando o que
poderia ser feito para buscar uma solução para o problema. Segundo o construtor, havia
“muito dinheiro e com esse dinheiro a gente faz uma boa escola, mas a gente vai ter que
ajustar[...].”

Fonte: FARIA, 2021.


83

Figura 10 – Perspectiva aérea do projeto arquitetônico original para Educação Infantil e Fundamental

Fonte: EQUIPE DE PROJETO, [201-]

Figura 11 – Perspectiva do projeto arquitetônico original para Educação Infantil e Fundamental

Fonte: EQUIPE DE PROJETO, [201-]


84

Figura 12 – Perspectiva do projeto arquitetônico original para Ensino Médio

Fonte: EQUIPE DE PROJETO, [201-]


Figura 13 – Sistema de energia renovável previsto no projeto original para Educação Infantil e
Fundamental

Fonte: EQUIPE DE PROJETO, [201-]


85

Manter múltiplos recursos heterogêneos unidos em prol de uma intenção comum parece
ter sido a maior fonte de controvérsias até então verificada, durante o que foi um longo processo
projetual. Na mesma medida, o circuito quatro sugerido por Latour (2001) – representação
pública - emerge como um centro em torno do qual ocorrem os fluxos não lineares de
informações, as múltiplas associações e articulações; emerge como uma das pontas pela qual foi
possível acessar a rede. Foram professores, alunos, comunidade escolar, moradores da vila,
arquitetos, engenheiros, construtores, prefeitos, funcionários municipais, estaduais, federais e
muitas outras pessoas envolvidas direta e indiretamente no projeto. Admitir uma linearidade e
fluidez contínua entre essas associações e entre as distintas camadas de cada controvérsia efeitos
delas, é ignorar a complexidade do processo projetual. Uma nova etapa estava se iniciando, e
certamente novas controvérsias poderiam ser mapeadas durante o processo de execução da
nova escola.

Quadro 13 – Narrativa do exemplo ilustrativo de arquitetura-urbanismo [A10]

A arquiteta Faria ainda está envolvida com o projeto e com o acompanhamento mensal das
obras. Durante as performações envolvendo o processo de construção da escola, Faria tem
sinalizado para a equipe de engenharia responsável alguns erros que não podem ser mais
retificados, já que aquilo que está edificado não pode ser desmanchado. Entretanto, diante
do cenário econômico do país e agravado pela pandemia mundial de COVID, a obra
relatada é uma das poucas que segue sem ter suas atividades interrompidas. A previsão de
duração da obra de 18 meses com inauguração prevista para início do ano de 2021 não foi
cumprida e a obra segue sendo executada. Segundo Faria, além da eclosão da pandemia -
que influenciou no atrasado da obra - outros fatores contribuíram para esse atraso, como
por exemplo, a alteração do projeto de engenharia para ajustar a obra às quantidades de
material licitado, que resultaram em mudanças na estrutura da edificação. Segundo Faria,
diante da necessidade de alterações, foi necessário refazer umas quatro vezes o conjunto
de duzentas pranchas de projeto arquitetônico; itens projetados por sua equipe, como as
esquadrias, foram alteradas pelo fabricante sem aviso prévio; o guarda-corpo desenhado
exclusivamente para a escola teve sua execução inviabilizada pelo fabricante diante do
argumento de que não conseguiam fabricá-lo da maneira que foi projetado. Apesar das
86

frustrações com as modificações no projeto, Faria observa que “a escola vai sair, as crianças
vão [...], alguma coisa está garantida.”
Nesse momento, questiono Faria:
- “Então aquele projeto original, em que as crianças participaram, disseram o que queriam
[...]”
Resposta:
- “O que elas queriam está lá. Tudo o que eu perdi era da minha cabeça, elas nunca
pediram. [...] O que elas queriam, está lá, que é [...] um lugar para brincar. Elas não queriam
quase nada. O repertório delas é uma sala sem janelas, hoje, lá na escola delas. [...] um
banheiro que tem duas privadas para 900 crianças.”
No relato da arquiteta, o que as crianças pediam era um lugar para brincar.
- “Pode ter pé de jaca?”
- “Pode ter limoeiro?”
O que os professores pedem, o que as crianças pedem, não é arquitetura. Eles
pedem ambientes. Nem pedem iluminação natural, porque eles acham lindo
acender uma luz, ligar um ar-condicionado. Então, é um trabalho muito difícil
esse de tradução, de intérprete. (FARIA, 2021)

Numa retrospectiva de sua atuação ao longo da performance projetual da escola, a


arquiteta reconhece alguns de seus erros projetuais, percebidos durante o processo de
construção. Erros que não foram possíveis de serem corrigidos, que estão lá (na escola) e
que segundo ela, irão “ficar para sempre.” Faria também considera um erro ter negociado
os erros dos outros profissionais, apesar de ser “muito difícil a negociação.”
Por fim, Faria retoma alguns aspectos relacionados com a formação da equipe de projeto,
composta por arquitetos, paisagistas, estagiários. Um fato pertinente é que o projeto
desenvolvido por essa grande equipe de profissionais sob coordenação de Faria não foi
executado, tudo “foi para o lixo”. Na opinião de Faria, o que está sendo executado é um
projeto completamente diferente daquele inicialmente proposto (figuras 14,15,16,17 e 18).
Poucos dias antes da coleta do relato, a arquiteta e sua equipe emitiram um novo projeto
para a quadra de esportes, de uma quadra completamente remodelada e que segundo ela
“ficou tão melhor” que o anterior, já que “uns 80% do que [foi mudado] da circulação, por
exemplo, melhorou muito.” Para Faria, esse processo de alterações permitiu que ela visse
87

que “as coisas precisam ser feitas conforme vão sendo construídas”, ao mesmo tempo em
que reconheceu esse processo não é algo possível na profissão de arquiteto-urbanista
atualmente.
Tem uma história aí que é [sobre] o processo poder ser mais elástico. (FARIA,
2021)

As fases em andamento buscam dar conta dos projetos dos mobiliários e brinquedos – que
estão sendo planejados tendo em vista uma execução a partir da contribuição financeira
de empresários locais – e a uma ciclovia, para que as crianças possam acessar a escola pelo
lado do terreno onde está situado o rio e o bairro, já que a entrada prevista era somente
pelo lado da estrada e estava deslocada do que seria o acesso mais fácil a pé ao edifício
(figura 19). No que diz respeito ao projeto da ciclovia, a arquiteta relata a agência do rio na
tomada de decisões, uma vez que é a partir da cota de nível dele que o projeto é planejado.
A proposta é a execução de uma ciclovia de aproximadamente dois quilômetros, entre o
bairro mais distante até a porta da escola, para que as crianças possam trafegar ao lado
do rio. Ainda, a arquiteta foi convidada para participar da revisão proposta ao Plano Diretor
da localidade.

Fonte: FARIA, 2021.


Figura 14 – Projeto original para refeitório da Educação Infantil e Fundamental

Fonte: EQUIPE DE PROJETO, [201-]


88

Figura 15 – Obra em andamento do refeitório [A]

Fonte: BRASIL, 20XXb. Disponível em: http://simec.mec.gov.br/painelObras/vistoria.php?obra=1081892.

Acesso em: 24 out 2021.

Figura 16 – Obra em andamento do refeitório [B]

Fonte: BRASIL, 20XXb. Disponível em: http://simec.mec.gov.br/painelObras/vistoria.php?obra=1081892.

Acesso em: 24 out 2021.


89

Figura 17 – Projeto para pátio descoberto da Educação Infantil e Fundamental

Fonte: EQUIPE DE PROJETO, [201-]

Figura 18 – Obra em andamento do pátio descoberto da Educação Infantil e Fundamental [C]

Fonte: BRASIL, 20XXb. Disponível em: http://simec.mec.gov.br/painelObras/vistoria.php?obra=1081892.

Acesso em: 24 out 2021.


90

Figura 19 – Mobilidade e acessos do projeto original41

Fonte: EQUIPE DE PROJETO, [201-]

É possível considerar que, de um modo geral, o resultado da construção de um processo


de projeto de arquitetura-urbanismo apresente diferenças significativas em relação à sua
concepção original. Aquilo que consideramos um fim é por si só mais uma controvérsia que deve
ser acessada, articulada. O exemplo do projeto relatado nessa dissertação é um exemplo disso:
muitos elementos projetados ao longo do processo participativo-colaborativo não foram
literalmente executados. Cada controvérsia evidenciada ao longo do texto implicou na
associação – ou desassociação – de alguns atores; cada articulação, principalmente aquelas
envolvendo os órgãos públicos, esbarrou na fragilidade de uma rede complexa composta por
muitos atores com vozes imperativas (prefeitos, secretários de educação, funcionários do MEC,
construtoras, documentos, prazos, novas demandas projetuais).

41
Diagramação e fontes na imagem fazem parte da edição original inclusa na apresentação de projeto pela Equipe
de Projeto (2021-).
91

Tomado à luz da TAR e do campo de estudo CTS, o processo de projeto para o Campus
Integrado da Educação Básica Serra Grande emerge como um projetoCOM, pois foi performado
em torno das dinâmicas entres múltiplos atores heterogêneos, incluindo os não-humanos. De
fato, foi a agência dos não-humanos que por vezes impulsionaram o processo, enquanto em
outras o atrasaram: como o caso da escola antiga que teve sua voz ouvida logo nos primeiros
momentos da concepção projetual, e o upload do projeto completo no sistema do MEC que
esbarrou na velocidade da internet contratada pela administração municipal.
Nesse sentido, o processo de projeto relatado, antes tomado como um processo
participativo-colaborativo e respaldado nas noções de integração de disciplinas e multiplicidade
de pessoas envolvidas, superou essa nomenclatura e contribuiu para evidenciar a complexidade
da ação projetual. Em outras palavras, a contínua transformação e heterogeneidade do mundo
contemporâneo complexifica o processo de projeto de arquitetura-urbanismo.

5.3. Um convite para projetar com atores esquecidos e invisibilizados

Toda rede é um processo em movimento, um processo constante de adição, retenção,


subtração, sedução, dissuasão e alistamento de participantes, que demanda constante
manutenção (RICE, 2017). Num projeto à luz da TAR, tanto humanos quanto não-humanos
participam do processo de projeto através de suas ações. Segundo Rice (2017) humanos e não-
humanos não podem participar se não agirem, ou seja, não há participação se não há ação. Nesse
sentido é importante retomar os fundamentos da TAR em que a ação é compreendida como um
efeito sobre outro ator e que tanto humanos quanto não-humanos tem capacidade de agência.
Ainda que soe repetitivo, é importante registrar com a maior clareza possível esses fundamentos,
uma vez que é partir deles que nessa seção exploro questões sobre o papel dos não-humanos no
processo projetual participativo-colaborativo de arquitetura-urbanismo e questões de autoria de
projeto.
A ação é compreendida como um efeito de um ator sobre outros e, de maneira geral,
pode ser performada por qualquer coisa que afete outra. Latour (1992) chamou de objetos “com
sociologia”, ou ainda artefatos sociotécnicos, aqueles atores não-humanos que interferem,
afetam ou interveem com atores humanos. Na medida que sem a ação humana os artefatos
permanecem no seu estado primário, existindo apenas na condição de objeto, quando
92

submetidos a relações com atores humanos, formam uma nova condição híbrida de existência –
afetando e sendo afetados (Rice, 2017).
Num contexto de processo de projeto participativo-colaborativo de arquitetura-
urbanismo, o coletivo configurado pelos agenciamentos envolvendo atores heterogêneos
performa uma equipe de projetoCOM. Ao reconhecer a participação dos não-humanos no
processo, compreendemos que toda ação projetual resulta das dinâmicas performadas pelas
ações compartilhadas em uma rede heterogênea; e que a possibilidade de diferentes associações
e articulações entre os atores na rede do projeto gera incertezas na determinação da origem das
ações (COSTA, 2019). Nesse sentido, a TAR oferece uma visão alternativa para as questões de
autoria projetual no campo de estudos e práticas de arquitetura-urbanismo, onde ainda se
costuma falar do arquiteto no singular, mesmo quando este é respaldado por uma equipe de
projeto composta por inúmeros outros profissionais (COSTA, 2019). De fato, o que a TAR propõe
é a admissão da incerteza da origem da ação e a equivalência nas condições de participação entre
atores humanos e não-humanos, o que por consequência retira do arquiteto a responsabilidade
única de capacidade de ação.
Ao atribuir aos não-humanos a condição de igualdade de ação, Rice (2017) propõe a
categorização da sua participação nas redes a partir de três mecanismos: substituição, mediação
e comunicação. No primeiro mecanismo os não humanos substituem o ator humano, tornando
a ação humana desnecessária ou redundante: como exemplo, o sensor de movimento para
acionamento de iluminação residencial, em que o ato de acender ou desligar a lâmpada, antes
executado por um humano, torna-se desnecessário. Na mesma linha, um passeio virtual
performado com um software de realidade virtual antecipa a experiência de percorrer os
ambientes projetados. No segundo mecanismo, o que ocorre é a mediação do comportamento
humano por um não-humano, ou ainda, a interação de um ator não-humano com um ator-
humano para facilitar uma ação: o software de modelagem 3D computacional facilita os estudos
volumétricos de concepção projetual. Segundo Rice (2017), atores não-humanos na maioria das
vezes participam como mediadores para atores humanos na forma de ferramentas. Por fim, o
terceiro mecanismo se refere aos não-humanos atuando como gráficos, modelos e diagramas
para a comunicação com humanos. Em processos de projeto, os não-humanos comunicam-se de
diversas maneiras, transmitindo mensagens e informações através de conversas entre os
membros do time de projeto e também entre os meios de representação, mídias, materiais e
espaço em que essas conversas ocorrem (RICE, 2017).
93

Cabe aqui lembrar a noção apresentada por Schön (2000) de conversa reflexiva, em que
a ênfase do processo projetual é deslocada para a relação entre o arquiteto-urbanista e os meios
de linguagem e espaço em que a ação ocorre, em que as ferramentas de representação dessas
conversas (croquis, diagramas, esquemas, desenhos, maquetes volumétricas, mapas e outros )
participam do processo. De fato, projetar é um movimento contínuo de associações,
composições e traduções entre os dois últimos mecanismos propostos por Rice (2017), entre os
pensamentos humanos traduzidos em ações e o mundo material dos artefatos sociotécnicos.
Nesse sentido, não se pode dissociar a ação dos não-humanos na formação e
performance das redes de processo projetual, nas quais têm agência para manter, fortalecer ou
enfraquecer associações (RICE, 2017), promover articulações e motivar controvérsias. Em certa
medida, um aspecto importante do processo projetual visto a partir da perspectiva da TAR é o
rompimento das barreiras em relação a origem da ação, tornando qualquer ação projetual
relevante independentemente de quem ou o que seja o autor (RICE, 2017). De maneira
complementar, reconhecer a participação e igualar as condições de agência dos atores não-
humanos na formação das redes que performam projetos de arquitetura-urbanismo não quer
dizer que se deva deixar de lado a autonomia do arquiteto-urbanista na prática projetual (COSTA,
2019).
Tomar o projeto como um artefato sociotécnico (RHEINGANTZ, 2016) reforça o papel do
arquiteto-urbanista como um tradutor singular e privilegiado (COSTA, 2019) como um ator
necessário para efetuar o trabalho de composição, de ordenamento de interesses e associações,
dotado de capacidade de escolhas que implicam na inclusão ou exclusão de outros atores da
rede, independentemente de seus status de humanos ou não-humanos. O papel do arquiteto-
urbanista enquanto tradutor é se deslocar na rede para perceber e comunicar esses interesses
(COSTA, 2019), as múltiplas realidades articuladas e se deixar ser afetado. Enquanto artefato
sociotécnico, o projeto de arquitetura-urbanismo se configura como uma interface dinâmica, que
se transforma continuamente sem se desfazer de sua materialidade (RHEINGANTZ, 2016).
Diretamente referente a esse processo de ordenamento está o conceito-chave de
tradução, que teve sua primeira forma de apresentação como translação – preconizada pelo
filósofo Michel Serres para qualificar o processo de estabelecer conexões e comunicação entre
domínios heterogêneos (PEDRO, 2010). A TAR toma a noção de tradução como um
deslocamento, um alinhamento de interesses, uma mediação, uma mobilização de recursos que,
94

de alguma forma, modifica os atores envolvidos nas redes e que, por consequência, as modificam
(PEDRO, 2010). Como um processo de persuasão entre atores que compõem a rede, a tradução
promove o deslocamento da ação, que passa a ser distribuída, sugerida (COSTA, 2019). Nessa
mesma linha, Pedro (2010) ressalta o aspecto imperfeito das traduções, uma vez que traduzir dá
conta apenas da apropriação particular que cada ator faz dos fatos e artefatos que circulam na
rede. Assim, nenhuma tradução é uma verdade absoluta ou indiscutível, mas sim, versões
localizadas de determinadas composições.
À luz da TAR o projeto de arquitetura-urbanismo pode ser compreendido como um
conjunto de traduções e o processo de projeto, por sua vez, uma prática de tradução, de
alinhamento de interesses. Entretanto, a ação projetual não é igualmente distribuída durante o
processo, já que alguns atores são evidenciados enquanto outros não, o que traz como
consequência a invisibilidade de certos atores que performam a rede do projeto. Rice (2017)
explicita que o enfraquecimento e, por vezes, a destruição da rede fazem parte do processo de
projeto: quando os atores não-humanos substituem os humanos, podem invisibilizar a ação
humana no processo. Ainda, quando atores não-humanos mediam o comportamento de atores
humanos, alteram o equilíbrio das ações na rede, implicando em alguns atores humanos com
mais poder – mais voz – que outros. Dessa forma, o desequilíbrio de poder é performado
parcialmente por meio dos não-humanos, que acabam por se tornar invisíveis quando o foco das
associações é deslocado para a ação humana.
A autoria do projeto, portanto, não se dá unilateralmente nem é garantida apenas pela
ação do arquiteto-urbanista. O que de fato ocorre é um processo de coautoria – ou autoriaCOM-,
que não pode ser ignorado quando enxergamos o projeto pela lógica da TAR. Reconhecer a
agência dos atores não-humanos na conformação das redes de projetos de arquitetura-
urbanismo enquanto substitutos e mediadores da ação humana é importante para promover a
visibilidade de seus papéis durante o processo projetual (RICE, 2017). O processo de projeto é
campo para promoção de articulações, associações, controvérsias, práticas e, segundo Costa
(2019), a questão de autoria está mais ligada à habilidade do arquiteto-urbanista de determinar
e manter conexões viáveis do que propriamente ao ato criativo. Certamente, invisibilizar o papel
dos não-humanos na ação projetual ao preconizar a capacidade de ação unicamente do
arquiteto-urbanista, retira uma parte importante da equação que dá origem ao projeto.
95

Projetar é compor o mundo a partir de diversos pontos de vista. Para Costa (2019), o
arquiteto-urbanista não consegue chegar a soluções ou encontrar respostas para problemas
complexos sozinho, ou seja, é o engajamento da rede e suas conexões que promovem a ação
projetual. De fato, reconhecer a agência de tantos outros atores - ainda que alguns tenham maior
evidência que outros - durante o processo projetual coloca em pauta a necessidade de rever e
reconfigurar a questão da autoria. Ainda que o arquiteto-urbanista performe o papel de um
tradutor privilegiado, o que se propõe é uma análise simétrica do projeto (COSTA, 2019), em que
processo e produto são efeitos das articulações de vários atores. Projetar é projetarCOM atores
esquecidos e invisibilizados e o processo; e o projeto, uma construção coletiva.
A seguir, apresento o mapa dessa pesquisa e do processo de projeto do exemplo
ilustrativo do Campus Integrado da Educação Básica Serra Grande (em formato A3 paisagem). O
mapa foi desenhado da seguinte maneira: a cartografia da pesquisa e do processo projetual do
exemplo ilustrativo está dividida por um eixo central horizontal, ocorrendo paralelamente; eixos
verticais situam temporalmente os fatos, atores e controvérsia, conforme emergiram durante o
processo da pesquisa e do relato da arquiteta Faria; as linhas tracejadas indicam eventos, atores
ou controvérsias que se estendem ao longo de períodos e, o fundo cinza representa o impacto
da pandemia de COVID-19 na pesquisa por meio da curva epidemiológica (BRASIL, 2021c) deste
ano.
96
97

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste último capítulo retomo as promessas feitas na introdução dessa dissertação,


comento as principais questões abordadas ao longo da pesquisa e proponho reflexões sobre as
possíveis contribuições de um processo de projetarCOM para a prática da arquitetura-urbanismo
a partir do entendimento do projeto como uma construção coletiva. Para as considerações finais,
proponho um olhar sobre a própria pesquisa e minhas explorações ao longo dela, e também
sobre os assuntos abordados durantes os capítulos – que eventualmente se entrelaçaram,
constituindo esse trabalho em sua completude.
Tanto a proposta quanto a escrita dessa dissertação foram sendo sucessivamente
construídas e reconstruídas algumas vezes durante o período do mestrado. Foi um arranjo
complexo de motivações e interesses que me impulsionaram a enfrentar muitas horas de
pesquisa e produção textual para chegar até aqui. Entre design thinking, processo de projeto,
prática projetual, curiosidade em compreender mais sobre a profissão que escolhi seguir e,
diante de um descompasso com o tema de pesquisa originalmente proposto para essa
dissertação, acolhi a sugestão de meus orientadores, mudei os rumos da investigação e adentrei
num intenso processo de construção de conhecimentos.
Certamente, o maior desafio enfrentado ao longo da dissertação foi a densidade dos
estudos sobre a TAR e o processo de apropriação de um vocabulário específico e de grande carga
teórica. A leitura dos textos de Bruno Latour foi desconfortável, tanto pela complexidade de sua
escrita, quanto por abordar termos, significados e proposições até então por mim
desconhecidos. Mas é no estranhamento do encontro com o outro que o pensamento surge
(MORAES, 2010). Foi no estranhamento dos encontros com o campo de estudo CTS e com a TAR
que essa pesquisa se materializou. Ela possibilitou compreender que a ciência e a tecnologia não
estão desvinculadas do social; que as relações entre esses três campos emergem como redes
híbridas, dinâmicas e complexas; e que as atividades humanas – na sua maioria – são mediadas
98

por algum tipo de tecnologia. E são justamente essas dinâmicas e a fluidez dos fatos, atores e
noções que circulam entre os campos que ampliam os desafios da prática de arquitetura-
urbanismo na atualidade.
Projetar é um processo complexo, e abordar as tentativas de ordenar e sistematizar esse
processo foram importantes para explicitar isso. O entendimento da contínua transformação e
heterogeneidade do mundo contemporâneo complexifica o processo de projeto em arquitetura-
urbanismo se confirma quando Latour (2008) sugere que não existem mais fronteiras para a
palavra projeto: que hoje tudo pode ser projetado e que a ação projetual se qualifica como um
modo de existência. Ao abordar o projeto de arquitetura-urbanismo sob uma perspectiva
sociotécnica, compreendo que está situado em contextos de realidades heterogêneas, articulado
com atores humanos e não-humanos. As tentativas de simplificação do processo ao rigor de uma
atividade técnica divergem da indeterminação e perversidade de seus problemas, e da não-
linearidade das redes que o sustentam.
Ainda sobre o processo de projeto – objeto central em torno do qual essa dissertação foi
estruturada – explorei algumas articulações entre os escritos de autores reconhecidos (tais como
Lawson, 2019; Rowe, 1987; Schön, 2000), na medida em que as proposições de um convergiam
ou divergiam com as de outros. Schön (2000), aproximou a noção de concepção projetual de uma
construção, tomando como fator fundamental a habilidade do arquiteto-urbanista de promover
encontros e arranjos entre as coisas, e de certo modo, predizer o futuro por meio de suas
criações. Em seguida, o autor apresenta a noção de conversa-reflexiva, complementando sua
proposição inicial, explorando a relação entre o arquiteto-urbanista e os materiais por ele
utilizado para a prática da ação projetual, e com a situação. E aqui argumento que o
reconhecimento da existência de uma abstração contida no processo projetual e sua
consequente complexidade sugeridos por Schön (2000) insinua uma aproximação com as noções
propostas pela TAR e, mais ainda, com o campo dos estudos CTS. Se, de um lado temos ainda a
predominância de uma racionalidade técnica buscada por tantos outros autores consagrados, de
outro lado temos uma tentativa inicial de demonstração das associações que ocorrem entre
arquitetos-urbanistas, materiais, espaço e ação.
Auxiliada pela questão orientativa – com quem o arquiteto poderia projetar – relacionei
as práticas de construção de conhecimento multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar,
buscando uma aproximação com o tipo de conhecimento performado no processo projetual em
99

arquitetura-urbanismo. Tomado como um artefato sociotécnico, procurei evidenciar a natureza


transdisciplinar do projeto, amparado pela indeterminação de seus problemas fundamentais,
pela complexidade das redes que o conformam e pela indissociabilidade de suas performances
tanto no mundo social quanto no mundo material. A mesma questão orientativa, longe de ter
uma resposta definitiva, me direcionou para reflexões sobre processos projetuais participativos
e colaborativos, numa tentativa de compreender quem além do arquiteto-urbanista estava
engajado na ação projetual. Então, abordei no capítulo quatro algumas noções sobre a
participação e colaboração de outros atores no processo de concepção projetual.
Durante a revisão de literatura, muitas vezes me deparei com textos que traziam o termo
colaboração como sinônimo para participação. Em tantas outras, o termo participação ia de
encontro a colaboração. Diante dessa dúbia abordagem aos termos que dificultava minha
compreensão sobre o que cada um realmente significava, busquei tratar os dois como elementos
diferentes que poderiam, ou não, ter algum interfaceamento. Foi nesse sentido que organizei
uma lógica que me auxiliasse a alcançar o projetarCOM, a partir dessas interlocuções entre
participar e colaborar.
Concebida inicialmente como uma possibilidade para ouvir e registrar as falas dos
humanos envolvidos diretamente nas tomadas de decisões sobre seus ambientes de trabalho, a
prática participativa ganhou força e se expandiu para outros contextos quando passou a ser
compreendida como um meio de ação para promover o compartilhamento de valores e
interesses em torno de um objetivo comum a ser alcançado. Dessa forma, tratando-se de
projetos, a participação é sinônimo de contribuição, de influência nas estratégias e decisões
projetuais tomadas. Assim como a participação, a colaboração também é performada a partir da
atuação de diversos humanos42 num projeto conjunto. O compartilhamento de uma
compreensão sobre o todo, uma visão global construída a partir de pontos de vistas individuais
está implicado na ação de colaborar.
Inicialmente, acreditava que existia apenas uma confusão semântica entre os termos que
seriam utilizados para o mesmo propósito. Mas ao longo do processo de pesquisa entendi com
clareza que não se tratava disso, mas sim da existência de um limite tênue entre o que seriam
projetos participativos e projetos colaborativos: a diferença entre um e outro reside na
complexidade da ação. Enquanto a interação entre as pessoas é o que caracteriza a participação,

42
Nas práticas participativas e colaborativas não há menção à inclusão de não-humanos.
100

o compartilhamento de argumentos e de pontos de vista caracteriza a colaboração. E assim


compreendi que o termo composto participativo-colaborativo, quando relacionado com projetos
de arquitetura-urbanismo, é o que mais se aproxima de contemplar a complexidade de uma ação
projetual coletiva. Existe, portanto, uma interface a ser explorada entre os projetos
participativos-colaborativos e o projetarCOM. Ainda que essa modalidade de prática projetual
não contemple todos os aspectos de um projetoCOM, uma vez que se trata somente da inserção
de múltiplos atores humanos como projetistas ativos (especialistas e difusos), as práticas
projetuais participativas-colaborativas se mostram como uma iniciativa importante em direção a
isso, promovendo articulações e associações e revelando controvérsias entre as pessoas
envolvidas numa ação projetual conjunta. Projetos participativos-colaborativos não contém em
si um projetoCOM, mas podem ser direcionados a um; já um projetoCOM sempre contém
aspectos de um projeto participativo-colaborativo, uma vez que a ação humana não pode ser
dissociada da prática projetual.
Nesse sentido, iniciei o capítulo cinco retomando e ampliando as noções sobre
pesquisarCOM, para então fazer um movimento em direção da caracterização do projetarCOM
proposto por Costa (2019) em alinhamento e fundamentado nos princípios e noções de
pesquisarCOM delineados por Moraes e Bernardes (2014). Contemplei o primeiro objetivo
específico dessa pesquisa – compreender o processo de projeto a partir da abordagem e dos
fundamentos do pesquisarCOM – a partir da transposição da noção de tomar o outro como
sujeito agente, expert de sua própria realidade, com capacidade de agência durante os
processos. Assim, articulado com o campo da arquitetura-urbanismo, pesquisarCOM ganhou
equivalência a partir do projetarCOM o outro e não para o outro, num deslocamento do interesse
no produto final para o processo que o constrói. Ao tomar o objeto de pesquisa como sujeito
capaz de ação e produção de conhecimento, explicitei a efetividade das estratégias
metodológicas adotadas, uma vez que somente quando articuladas em diferentes arranjos ao
longo da pesquisa, possibilitaram dar conta da densidade de informações e da ordenação e
composição das narrativas que delinearam essa dissertação.
O segundo objetivo específico da pesquisa – explorar um processo de projeto que associe
os múltiplos atores implicados com a concepção do projeto de arquitetura-urbanismo –
começa a ser delineado já no capítulo quatro quando abordo as práticas de co-projetar a partir
dos projetos participativos-colaborativos. Entretanto, é no capítulo cinco que esse objetivo é
impulsionado, corroborado pelo projeto ilustrativo apresentado a partir do relato da arquiteta
101

Faria (2021) e da exploração da atuação dos atores não-humanos no processo, abordada na


seção 5.3. Apoiada na noção sugerida por Costa (2019) de que toda ação projetual é distribuída,
compreendi que durante o processo projetual, tomado à luz da TAR, existe uma simetria nas
condições de agência dos atores humanos e não-humanos, e que o arquiteto-urbanista atua
como um tradutor privilegiado das dinâmicas das redes que compõe.
A inserção do exemplo ilustrativo de projeto de arquitetura-urbanismo emergiu como um
desdobramento da pesquisa sugerido pela banca de qualificação (julho de 2020), por meio do
qual pude mapear os efeitos do projetarCOM a partir dos seus interfaceamentos com um
processo de projeto participativo-colaborativo, completando o terceiro objetivo específico
proposto – mapear os efeitos do projetarCOM a partir dos seus interfaceamentos com modelo
ilustrativo de processo participativo/ colaborativo. Ainda que a quantidade de materiais e dados
foi limitada devido às indisponibilidades de acesso, o projeto ilustrativo se qualificou como um
exemplo importante na pesquisa em função da complexidade e condições de seu processo. A
cartografia das controvérsias foi a estratégia metodológica adotada, e foi por meio dela que o
relato textual tomou a forma de uma série de narrativas e traduções. A complexidade da
abordagem ao projeto ilustrativo por meio da cartografia das controvérsias demandou que
muitas tentativas de apresentação do texto fossem feitas: a maneira mais adequada para a
inserção do projeto de referência e do formato da produção textual não foi dada de antemão.
Diante disso, propus um arranjo de duas noções importantes numa espécie de guia para a
cartografia: os quatro passos da cartografia de Tranin e Pedro (2010) e os cinco circuitos dos
estudos científicos de Latour (2001). Essas duas noções, agora tomadas como ferramentas de
auxílio à cartografia, foram importantes para delimitar os limites da exploração do processo
projetual e de torná-los exequíveis para o delineamento da complexa rede que constituí o objeto
de estudo em questão.
Anteriormente, argumentei que o maior desafio enfrentando ao longo da dissertação foi
a leitura dos textos de Bruno Latour. Ao escrever as considerações finais entendo que muitas
outras barreiras foram sendo superadas durante o processo de pesquisa. Não sendo bolsista,
para me manter, foi necessário seguir trabalhando jornadas mínimas de 8 horas durante todo o
período do mestrado. E as demandas do trabalho me impossibilitaram de viajar até a Bahia para
conhecer o contexto e as obras do Centro Integrado de Educação Básica Serra Grande. Em meio
a uma pandemia mundial, os protocolos de segurança para viagens também foram alterados,
dificultando assim qualquer deslocamento dentro do território. Nesse contexto da pandemia,
102

tive Covid-19 e por dois meses me vi impossibilitada de produzir a dissertação, além de lidar com
algumas sequelas, tais como falta de foco e de concentração, com impactos significativos na
minha performação como pesquisadora. Próximo ao prazo final para defesa, também por
questões de trabalho, mudei de cidade e de estado; assumi novas responsabilidades profissionais
e trabalhei em múltiplos projetos. À luz da TAR, esses eventos mediaram a performação da
dissertação.
Entendi que não há como desvincular ou isolar nossas experiências prévias, interesses e
reflexões da rede que conforma os processos projetuais, caracterizados pelo meu próprio
exemplo de entrada na rede da pesquisa. Argumentei que não há somente uma única porta de
entrada nas redes, mas sim múltiplos pontos de contato que podem facilitar o acesso, e que suas
traduções estão diretamente ligadas à sua viabilidade de ingresso. Ao sugerir isso, questionei o
modo de identificar o ponto inicial de um projeto e de seu processo, em correspondência com a
determinação da porta de acesso de uma rede. Se diferentes atores permitem diferentes
traduções de uma mesma dinâmica, de uma mesma articulação, é possível refletir que o início
de um projeto conforma um nó a ser desatado em função daquilo que conta ou não como ponto
de partida para determinado ator. Ou seja, a determinação do início de um projeto está
intimamente relacionada com os fatos que configuram a rede, bem como de quem ou daquilo
detém a ação projetual.
O processo de projeto relatado por Faria (2021) até então como parte característica de
um projeto participativo-colaborativo foi explorado como um projetoCOM, visto como uma rede
delineada a partir de suas controvérsias, do reconhecimento da capacidade de agência dos não-
humanos e de sua conformação dinâmica e complexa. O projeto ilustrativo foi fundamental para
ampliar as reflexões acerca dos fatos e direcionamentos tidos como garantidos durante o
processo projetual e reforçar o argumento de que a simplificação do projeto ao rigor de uma
atividade puramente técnica não contempla todas as dimensões em que ele está inserido. Seguir
as controvérsias durante a cartografia permitiu visualizar dimensões sociais, políticas, culturais,
psicológicas e econômicas que permearam o processo de projeto, por meio de um recorte
restrito do que de fato é a ação projetual em arquitetura-urbanismo. Consoante com Costa
(2019), a objetividade dessa pesquisa não foi alcançada a partir de um distanciamento do objeto
estudado, mas sim a partir dos múltiplos pontos de observação.
103

Essa dissertação foi construída em torno de um objetivo principal – mapear os efeitos do


projetarCOM sobre o processo de projeto em arquitetura-urbanismo e sobre a formulação de
princípios e procedimentos projetuais – que balizou e orientou as etapas da pesquisa, e que foi
contemplado ao final. O relato do projeto ilustrativo específico possibilitou o entendimento de
que a formulação de regras definitivas vai de encontro ao projetarCOM. Dito de outra forma, não
há como garantir que a aplicação de determinados procedimentos ou regras ocasionarão um
bom resultado de projeto, ou ainda, que irão assegurar um processo de projeto estável e linear.
O processo projetual do Centro Integrado de Educação Básica Serra Grande exemplificou que a
ausência de um método pré-estabelecido durante o processo de concepção projetual não é
sinônimo de um processo equivocado; nesse caso, foi justamente a ausência de regras
preliminares que possibilitou uma nova abordagem de concepção.
Sob a perspectiva da TAR toda ação é compartilhada e relevante, e projetarCOM atores
humanos e não-humanos implica em múltiplas possibilidades de associações e composições de
redes heterogêneas. De fato, a origem da ação é reduzida quando vista sob a perspectiva da TAR,
já que o reconhecimento da capacidade de agência de tudo e todos implica num afastamento de
reivindicações de autoria exclusiva, enfatizando uma coautoria inerente ao projeto.
Nesse sentido, trouxe ao debate três mecanismos pelos quais a ação dos não humanos é
performada (RICE, 2017) num processo de projetarCOM: substituindo, mediando e comunicando
as ações humanas e, no processo projetual relatado por Faria (2021), algumas dessas
performances se tornaram visíveis. A pesquisa acadêmica integrante do mestrado de Faria
(2021), mediando os interesses e ações da prática da arquitetura escolar e, promovendo uma
aproximação entre a arquiteta, autores e projetos; a vila como um ambiente aprendente,
comunicando os anseios e expectativas de educação de toda uma comunidade; a antiga escola,
mediando o comportamento dos participantes da dinâmica proposta por Faria (2021) e
traduzindo seus desejos; o PPPCPPA, como ferramenta de comunicação entre múltiplas pessoas
engajadas com a concepção das novas escolas; a rede de internet, mesmo com velocidade
limitada, mediando a submissão dos projetos; os projetos arquitetônico e complementares,
comunicando decisões importantes tomadas pelos projetistas, órgãos públicos e comunidade
local.
Por se tratar de uma controvérsia aberta, ou seja, um processo em movimento e
literalmente em construção, há campo para investigação das dinâmicas performadas pelos
104

tantos outros atores que foram e estão sendo conectados à rede da escola, o que certamente
resultaria num potente complemento a essa pesquisa. Concluo aqui essa dissertação e o relato
do projeto do Campus Integrado de Educação Básica Serra Grande, certa de que o processo ainda
não foi encerrado e que a rede que se conforma a partir das associações dos múltiplos atores
envolvidos ao longo dele está longe de ser esgotada, ou ainda, totalmente estabilizada.
105

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110

ANEXO A – Capítulo 01 do Projeto Político Pedagógico do Centro Integrado de Educação


Integral de Serra Grande

Fonte: CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2020, p. 11.


111

Fonte: CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2020, p. 12.


112

Fonte: CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2020, p. 13.


113

Fonte: CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2020, p. 14.


114

Fonte: CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2020, p. 15.


115

Fonte: CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2020, p. 16.


116

ANEXO B – Capítulo 06 do Projeto Político Pedagógico do Centro Integrado de Educação


Integral de Serra Grande

Fonte: CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2020, p. 28.


117

Fonte: CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2020, p. 29.


118

Fonte: CENTRO DE REFERÊNCIAS EM EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2020, p. 30.


119

ANEXO C – Projeto arquitetônico para o Centro Integrado de Educação Básica Serra Grande:
Educação Infantil e Fundamental

(Apresentado em formato A3 paisagem)


120

Fonte: EQUIPE DE PROJETO, [201-]


121

Fonte: EQUIPE DE PROJETO, [201-]


122

Fonte: EQUIPE DE PROJETO, [201-]


123

Fonte: EQUIPE DE PROJETO, [201-]


124

Fonte: EQUIPE DE PROJETO, [201-]


125

Fonte: EQUIPE DE PROJETO, [201-]


126

Fonte: EQUIPE DE PROJETO, [201-]


127

Fonte: EQUIPE DE PROJETO, [201-]


128

ANEXO D – Projeto arquitetônico para o Centro Integrado de Educação Básica Serra Grande:
Ensino Médio

(Apresentado em formato A3 paisagem)


129

Fonte: EQUIPE DE PROJETO, [201-]


130

Fonte: EQUIPE DE PROJETO, [201-]


131

Fonte: EQUIPE DE PROJETO, [201-]


132

Fonte: EQUIPE DE PROJETO, [201-]


133

Fonte: EQUIPE DE PROJETO, [201-]


134

Fonte: EQUIPE DE PROJETO, [201-]

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