Representação e Narrativa
Representação e Narrativa
Representação e Narrativa
RESUMO: Os historiadores, de um modo geral, têm recusado com certa insistência o rótulo
com o qual filósofos e cientistas sociais tentam dirimir a importância do trabalho historiográfico
e do conhecimento que ele produz. Na visão destes especialistas, nós seriamos pouco afeitos à
reflexão teórica e à explicitação dos seus métodos de trabalho. Nunca é demais dizer, em
contrário, que a produção do conhecimento histórico tem passado obrigatoriamente pela
reflexão e interpretação da construção historiográfica. Desse modo Representação e narrativa
configura-se num conjunto de anotações - inicialmente elaboradas a partir de algumas
considerações do historiador francês Roger Chartier - sobre o diálogo que os historiadores vem
desenvolvendo, dentro da própria disciplina e fora dela, acerca destes dois conceitos importantes
na produção historiográfica.
PALAVRAS-CHAVE: Representação, narrativa, verdade.
Os olhos não vêem coisas mas figuras de coisas que significam outras
coisas (...) O olhar percorre as ruas como se fossem páginas escritas: a
cidade diz tudo o que você deve pensar, faz você repetir o discurso, e,
enquanto você acredita estar visitando Tamara, não faz nada além de
registrar os nomes com os quais ela define a si própria e todas as suas
partes.3
A extensa citação é tanto mais necessária na medida em que dois dos mais
importantes historiadores da corrente micro-histórica afirmam em seus textos
programáticos que uma das principais características no processo de redução de escala,
na observação histórica, é basear-se na centralidade do indivíduo sem perder de vista os
sistemas aos quais ele se integra. Portando a crítica de Chartier nesse ponto é deslocada
e inconveniente.
Passemos a outros pontos das frutíferas observações do historiador francês. Para
ele, essa abordagem que historiciza os conceitos e articula ações individuais com os
sistemas coercitivos encontra-se em outros campos da investigação histórica – estudos
sobre a cidade, processos educativos, construção dos saberes científicos, etc... – não
sendo portanto uma prerrogativa da historiografia. Essa abordagem articuladora coloca
em perspectiva o conceito de representação a partir do reconhecimento de que as
práticas sociais são determinadas por sistemas coercitivos desconhecidos dos próprios
Por fim, Pomian afirma que a ficção entra na narrativa histórica em face dos três
‘defeitos’ com os quais o passado se apresenta ao conhecimento histórico: fragmentário,
lacunar e descontextualizado. A imaginação, portanto, seria a única atividade capaz de
preencher as lacunas dos vestígios que restaram. “(...) a aparência visível reconstruída
de um objeto comporta sempre uma parte de ficção.”38 Desse modo, a ficção
desempenharia um papel heurístico na construção do conhecimento histórico.
1
Este texto foi apresentado originalmente como trabalho final da disciplina Seminário Avançado em
Estudos Dirigidos, ministrada pela Profa. Dra. Diva do Couto Gontijo Muniz, durante o primeiro
semestre de 2004, no Programa de Pós-Graduação em História da UNB, a quem agradeço pelas criticas,
comentários e a sugestão de envio para publicação.
2
O autor é mestre em História pela PUC/SP e doutorando em História Social pela UNB. É membro do
NIESC/UFG-CAC.
3
CALVINO, Ítalo. Cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 17-18.
4
CALVINO, Italo. O barão nas árvores. São Paulo: Companhia das Letras. 1991, p. 143.
5
A historiadora Ângela Gomes afirma que nesta apropriação teórica o historiador não é nem muito fiel,
nem muito fértil. Cf. GOMES, Ângela Maria de Castro. A reflexão teórico-metodológica dos
historiadores brasileiros: contribuições para pensar a nossa História. In: GUAZZELLI, César Augusto
Barcellos. Questões de Teoria e metodologia da história. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2000, p
19-26.
6
FOUCAULT, Michel. A verdade e o poder. In: Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979, p. 12.
Ver também DE CERTEAU, Michel. A operação histórica. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. (orgs.)
História: novos problemas. p. 17-48.
7
CHARTIER, Roger. Uma crise da história? A história entre narração e conhecimento. In:
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Fronteiras do Milênio. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2001, p.
115-140.
8
Idem, p. 118.
12
CHARTIER, Roger. Uma crise da história? A história entre narração e conhecimento. In:
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Op. cit., p. 126
13
Idem. Uma crise da história? A história entre narração e conhecimento. In: PESAVENTO, Sandra
Jatahy. Op. cit., p. 126.
14
CARDOSO, Ciro Flamarion. MALERBA, Jurandir. (org) Representações: contribuição a um debate
transdisciplinar. Campinas/SP: Papirus, 2000, p. 9-39.
15
Idem, p. 10.
16
CHARTIER, Roger. Text, symbols, and frenchness. Journal of Modern History, n. 57, p. 682-695.
17
CARDOSO. Op.cit. p. 11
18
Idem, p. 24.
19
THOMPSON, Edward P. Patrícios e plebeus. In: ___. Costumes em comum. Estudos sobre a cultura
popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 25-85.
20
“A reciprocidade [nesse campo de força societal] dessas relações sublinha a importância das expressões
simbólicas de hegemonia e protesto no século XVIII. É por isso que tenho chamado tanto a atenção para a
noção de teatro. Claro, toda sociedade tem seu próprio tipo de teatro. Grande parte da vida política das
sociedades contemporâneas só pode ser compreendida como uma luta pela autoridade simbólica. Mas
estou indo além da afirmação de que as lutas simbólicas do século XVIII eram peculiares à época e
exigem mais estudo. Acho que o simbolismo nesse século tinha uma importância peculiar devido à
fraqueza de outros órgãos de controle: a autoridade da Igreja estava morrendo, e a autoridade da escola e
dos meios de comunicação de massa ainda não surgira. A gentry tinha quatro meios principais de controle
– um sistema de influência e promoção que mal comportava os pobres rejeitados, a majestade e o terror
da lei, o exercício local de favores e caridade, e o simbolismo de sua hegemonia. Isso representava, às
vezes, um equilíbrio social delicado, em que os governantes eram obrigados a fazer concessões. Por isso,
a briga pela autoridade simbólica pode ser vista, não como um modo de representar brigas ‘reais’
inconfessas, mas uma briga real em si.” Cf. THOMPSON, E. P. Op. cit., p. 70.
21
D’ALESSIO, Márcia Mansor. Reflexões sobre o saber histórico. Pierre Vilar, Michel Vovelle,
Madeleine Rebérioux. São Paulo: Unesp, 1998, p. 30.
22
LANGLOIS, Ch.; V. SEIGNOBOS, Ch. Introdução aos estudos históricos. São Paulo: Renascença,
1944, p. 208.
23
Idem, p. 212.
24
CHARTIER, Roger. Uma crise da história? A história entre narração e conhecimento. In:
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Op. cit., p. 131.
25
WHITE, Hayden. O texto histórico como artefato literário. In: ___. Trópicos do discurso. São Paulo:
Edusp, 1994, p. 98.
26
WHITE. O fardo da história. In: ___. Trópicos do discurso, p. 59.
27
Idem, p. 63.
28
CHARTIER, Roger. Uma crise da história? A história entre narração e conhecimento. In:
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Op. cit., p. 138
29
DE CERTEAU, Michel. A operação histórica. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. (orgs.) História:
novos problemas. p. 17-48.
30
VEYNE, Paul. O inventário das diferenças.Lisboa: Gradiva,1989.
31
VEYNE, Paul. Como se escreve a história. Brasília: Edunb, 1998, p. 18.
32
Idem, p. 23.
33
GAY, Peter. O estilo na história. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.171.
34
Idem, p. 172.
35
Idem, p. 179.
36
POMIAN, Krzysztof. Sur l’histoire. Paris: Gallimard, 1999. A tradução informal deste texto foi
distribuído entre os alunos da pós-graduação da PUC/SP pela professora Marina Maluf.
37
Idem, p. 29.