O Destino Do CEO - Erika Martins

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 234

Copyright © 2020 ÉRIKA MARTINS

Capa: Thaís Oliveira


Revisão: Tatiane Souza

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos
da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera
coincidência.
______________________________

O DESTINO DO CEO
1ª Edição, 2020
Brasil
______________________________

Todos os direitos reservados.

São proibidos o armazenamento e / ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de


quaisquer meios ─ tangível ou intangível ─ sem o consentimento escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº. 9.610/98 e punido pelo artigo 184
do Código Penal.
SE A VIDA NÃO FICAR MAIS FÁCIL,
TRATE DE FICAR MAIS FORTE.
Autor desconhecido
ATENÇÃO
Livro não recomendável para pessoas sensíveis, o tema abordado mostra um pouco, mesmo que
com suavidade, violência contra a mulher.
|ALERTA DE GATILHO|
Sumário
Sumário
Querido leitor,
Você sabia?
Sinopse
Prólogo
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Quatorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete
Capítulo Dezoito – Especial Valentina
Capítulo Dezenove
Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e Um
Capítulo Vinte e Dois
Capítulo Vinte e Três
Capítulo Vinte e Quatro
Capítulo Vinte e Cinco
Capítulo Vinte e Seis
Capítulo Vinte e Sete
Capítulo Vinte e Oito
Capítulo Vinte e Nove
Capítulo Trinta
Capítulo Trinta e Um – Especial
Capítulo Trinta e Dois
Epílogo
O que vem por aí...
Querido leitor,
Em primeiro lugar gostaria de agradecer por ter dado uma oportunidade
para conhecer a história de Isabelle e Ryan. No entanto, também gostaria de
citar alguns pontos antes de mergulhar neste romance incrível.
Em O destino do CEO não é citado um lugar especifico, além da cidade,
onde desenrola a história. Deixe sua imaginação livre para encontrar o lugar
perfeito, qualquer semelhança à realidade é mera coincidência.
Peço que deixe sua mente aberta, aproveite o livro e se apaixone por mais
esse casal incrível.
Boa leitura!
Um beijo, um cheiro...
Com carinho, Erika Martins.
Você sabia?
Sabia que a violência doméstica cresceu muito durante a pandemia?
Segundo dados de um relatório produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), os
casos de feminicídio cresceram 22,2%, entre março e abril deste ano, comparado ao ano passado.
O feminicídio é o assassinato de uma mulher, cometido por desprezo do autor do crime quanto à
identidade de gênero da vítima. Os fatores que explicam o agravante e aumento desta situação é o
fato de que podem mais facilmente impedi-las de se dirigir a uma delegacia ou a outros locais que
prestam ajuda a vítimas.
Para ter noção, as chamadas e atendimentos pela Polícia Militar no estado de São Paulo registrou
um aumento de 44,9% relacionado a violência doméstica.

A cada 11 minutos, acontece um estupro.


A cada 2 horas, uma mulher é assassinada.
A cada hora, 503 mulheres são vitimas de agressão.
A cada 2 minutos acontecem espancamentos
(Dados retirados do Dossiê Violência contra as mulheres, Instituto Patrícia Galvão.)
Eu sei, é assustador ler esses dados, mas o que eu quero mostrar é que a
cada ano mais mulheres são agredidas ou até mortas diante o crescimento
absurdo da violência.
Isto nos faz refletir sobre o que estamos vivendo e sobre o que é certo ou
errado. Sobre como não devemos romantizar de forma alguma os abusos,
agressões, ciúmes excessivos entre outras coisas.
Neste livro, tento mostrar um pouquinho do quanto um trauma tão grande
pode afetar uma mulher. Tentei, com muito afinco, tratar o assunto com
suavidade.
Toda mulher deve ser amada, venerada e não machucada. Se o seu amor
te machuca, não vale a pena. Tenho certeza que em algum lugar neste
mundo haverá alguém que te ame da forma que merece.
Embora, antes de qualquer romance, você deve aprender a amar a si
mesma. Amor próprio é a primeira coisa que te salvará do fundo do poço.
Seja forte, se ame...
Ame a vida...
E seja feliz, mesmo que sozinha.
Sinopse
Já percebeu que para sua vida mudar basta apenas um segundo? Entende que não aceitar uma mão
estendida em um momento crucial pode acabar em tragédia?
Foi exatamente essa a lição que Isabelle aprendeu.
Depois de ser agredida pelo namorado em um canto escuro de uma boate, ela acredita poder
resolver tudo sozinha e não aceita a ajuda que um desconhecido oferece.
Um simples táxi e a segurança de ter uma pessoa ao seu lado teria evitado o que sofreu naquela
noite.
Cinco anos depois, Ryan descobre que sua nova gerente executiva é a mulher que ele tentou
amparar. Intrigado por tudo o que a envolve, ele se apaixona.
Agora, para cuidar de seu coração machucado ele precisará trabalhar duro até conseguir sua
confiança, e assim, também ganhar o seu amor.
Prólogo
Cinco anos atrás
Ryan Stone, herdeiro da companhia área Stone e piloto de aeronaves,
estava se sentindo sufocado no meio da boate onde sua família acreditou
que seria um bom lugar para um jovem, que agora tinha grandes
responsabilidades, festejar sua posição de CEO na empresa que seu pai
deixou.
Mal eles sabiam como Ryan estava odiando tudo aquilo. Por ele, nem
mesmo teria colocado os pés naquele lugar. Não depois de perder seu pai
em uma morte tão repentina. Não depois de ter que deixar sua carreia de
piloto para assumir os negócios.
— Eu teria ido embora — afirmou Ítalo ao seu lado, o assustando.
— O que? — perguntou Ryan confuso.
— Vá para casa, você não quer estar aqui — disse Ítalo muito sério.
— Não é assim...
Seu amigo o interrompeu com um olhar afiado.
— Escute-me Ryan — insistiu Ítalo. — Eu fui usado por meus pais por
muito tempo, até que aprendi a ser livre. Você é livre e não quer estar aqui,
pare de aceitar as vontades de sua madrasta e vá embora. Sinta seu luto e
arregace as mangas para o trabalho. Não aceite que imponha vontades sobre
você.
Eram bons conselhos, só que foram dados no momento errado.
— Você tem que parar de me analisar — bufou Ryan.
Ele não costumava brigar com seu amigo por suas observações e
suposições inteligentes, mas hoje não era um dia em que Ryan estava com
muita paciência para ouvir.
— Não vou, isto sempre o tira de problemas — disse Ítalo com
arrogância. — Sou indiscreto, porém muito eficaz.
Ryan não o respondeu, principalmente porque sua madrasta se aproximou
puxando uma ruiva bonita.
— Ryan! — exclamou ela animada. — Essa é Amanda, filha de uma
amiga minha...
Ele parou de escutá-la no momento que ouviu “filha de uma amiga”,
encarou Ítalo que tinha um olhar de “eu te avisei” e voltou a olhar o sorriso
animado da ruiva. Estava estampando na sua cara caça tesouros que ele
precisou se segurar para não estremecer.
As amigas da sua madrasta não eram pessoas que ele gostava de ficar
muito tempo por perto. Geralmente eram socialites ricas ou falidas, em
busca de um marido com uma conta milionária.
— É um prazer conhecê-la, Amanda, mas eu já estou de saída.
— É uma pena. — Amanda fez biquinho.
Levou muito esforço de Ryan para não dizê-la o quão feio e nada atraente
era aquilo.
— Pague uma bebida para ela — insistiu sua madrasta.
— Não. — Seu tom foi duro e em resposta, ele ganhou da madrasta um
olhar muito ameaçador, mas ele não se importou. — Estou saindo.
Acenou para seu amigo e se afastou daquelas pessoas afrouxando a
gravata que tanto parecia sufocá-lo. Caminhou desviando da multidão de
pessoas suadas e bêbadas na pista de dança e ficou aliviado por encontrar
uma saída. Nem mesmo se importou por ser uma porta que o jogou em uma
rua nos fundos.
Soltou o ar com força sentindo-se sobrecarregado de emoções. No
entanto, antes que pudesse se afastar, um pequeno corpo bateu em suas
costas. Ele se virou e viu uma nuvem de cabelos negros antes de visualizar
o rosto delicado da mulher.
Se assustou com o hematoma que estava formando no olho já inchado
dela.
— Moça, está tudo bem?
— Sim — respondeu ela e deu a volta ao redor do corpo dele.
— Precisa de ajuda?
— Não.
Ele franziu a testa, sem saber exatamente o que fazer, mas antes que
pudesse se controlar já estava caminhando atrás dela.
— Tem certeza? — questionou ele.
A mulher, que não tinha nem um metro e sessenta, se virou com fúria nos
olhos.
— Eu não quero sua ajuda, não tem nada de errado comigo.
— Seu olho está ficando roxo e inchado. — Ryan fez questão de observar
o obvio.
Ela prendeu o ar e parecia assustada.
— Não vou lhe machucar — prometeu ele. — Só quero ajudar. Qual é o
seu nome?
— Sou Isabelle.
— Ryan — ofereceu seu nome. — Quem te bateu?
— Caí — contou Isabelle, mas ele não acreditou.
— Precisa de um médico? Ou um táxi?
Ela chegou a abrir a boca para responder, mas o movimento atrás de
Ryan fez toda a cor sumir do seu rosto. Curioso e em alerta, Ryan se virou
para encontrar Heron, o segurança que seu pai, antes de morrer, fez questão
de colocar em seu calcanhar. O homem se tornou sua sombra, o que
realmente irritava Ryan.
— É meu segurança — contou a Isabelle.
Ela acenou concordando ainda com os olhos arregalados de pavor e
disse:
— Preciso ir.
— Isabelle...
— Agradeço, mas ninguém pode me ajudar.
Ele queria segui-la, mas sentiu que estaria violando sua vontade de
alguma forma. E Ryan sabia como era ruim ter pessoas se metendo em sua
vida. Suspirando ele a deixou ir, porém, não se sentia satisfeito com a
situação. Ele queria ajudá-la, sentia que ela precisava disto, mas tinha medo
demais para aceitar.
Ryan a observou virar a esquina, andando com pressa e olhando para os
lados como se alguém estivesse a seguindo. Coçando a nuca, Ryan andou
devagar pela rua sabendo que sua sombra o acompanharia. Quando chegou
aonde Isabelle virou, não pode encontrá-la.
O jeito era ir para casa, pensou ele.
E foi exatamente o que fez, mas o que Ryan não esperava era que
pensaria em Isabelle por muitos dias. Chegou até voltar à boate para ver se
a encontrava, mas nunca mais a viu.
Capítulo Um
Por Ryan
— Nem pensar! — protestei, mas April não estava me ouvindo.
— Já estou decidida, nem adianta tentar me fazer mudar de ideia.
Bufei sentando com impaciência na minha cadeira, o que eu faria sem
aquela mulher? Desde que tomei o lugar do meu pai na empresa, ela era a
única pessoa eficiente que dava conta de todos os setores sem nem hesitar.
April me recebeu com um olhar reprovador e cheia de critica, mas não
ofereceu sua opinião por terem me jogado naquele lugar.
Guiou-me mais vezes do que eu poderia contar, afinal, eu não entendia
nada sobre os negócios. Nasci para ser piloto de aeronaves, e fui, até que
meu pai morreu e me deixou o simples fardo de carregar nas costas uma
empresa milionária com acionistas furiosos.
Cinco anos, tinha se passado cinco longos anos que eu estava sentado
atrás daquela cadeira. Agora, a mulher que foi meu porto seguro estava de
saída para um ano sabático.
— Nem a pau! — exclamei a beira do descontrole.
— Ryan! — April colocou as mãos nos quadris.
— Você não pode me deixar aqui, jogado aos lobos!
— Você já teve tempo suficiente para aprender a ser o alfa! — retrucou
impaciente.
— Não será a mesma coisa sem você aqui — bufei realmente irritado.
— Eu tive um enfarto — acusou ela como se fosse minha culpa. —
Preciso de uma pausa...
— Eu sei...
— Calado, não terminei de falar — me repreendeu como se eu fosse seu
filho. — Não estou pronta para morrer, então vou cuidar da minha saúde e
vou voltar quando me sentir melhor. Estou na menopausa e não tenho
tempo, nem disposição para outro ataque no meu coração. Sem contar que
não estou de bom humor.
— Você nunca está de bom humor — retruquei. — E é bem provável que
eu tenha um enfarto.
— Deixa de ser bobo, você da conta e ainda vai poder manter o futevôlei
nas quartas.
Cruzei os braços.
— Não tenho tanta certeza — murmurei.
Ela me ignorou e apontou para a pasta que tinha jogado na minha mesa
antes daquela discussão começar.
— Não vou te deixar desamparado — sorriu. — Falei que estava
treinando uma pessoa.
— Uma pessoa que não é você — a interrompi e recebi um olhar de
repreensão dela.
April era o tipo de pessoa que não era amiga de todo mundo, muito
menos gentil com todo mundo. Aqueles de quem ela gosta, são os que ela
mais briga e repreende. E eu fui o afortunado em ser o escolhido para
aquele carinho nos últimos anos. Não que isto seja ruim, foi muito bom
lidar com o terrível senso de humor dela e agora eu não queria que se
afastasse.
Um ano é muito tempo!
— Ela é minha sobrinha, e eu a ensinei tudo em seis meses.
— Nunca a vi, parece um fantasma — provoquei sabendo que parecia um
menino birrento.
April revirou os olhos com impaciência para mim.
— Como se você fosse a alguma reunião que não seja urgente ou de
muita importância — retrucou. — Belle é muito inteligente e absorveu tudo
o que passei para ela.
— Se não é necessário minha presença, não vejo motivos para me
aborrecer — me defendi. — Mas tem certeza de que ela vai dar conta?
O olhar que recebi quase me fez encolher na cadeira, April sabia como
aterrorizar um homem.
Eu que o diga.
— Nem vou lhe responder — apontou o dedo em riste na minha direção.
— Trate-a muito bem e não tente, nem por um segundo, me ligar.
— Eu sou o chefe aqui — a lembrei.
— Como se eu me importasse, eu o vi nascer!
— Bem que desconfiei que você já estava na casa dos sessenta —
brinquei sabendo que a deixaria furiosa.
April tinha quarenta e oito anos, e com toda certeza não me viu nascer.
— Não me faça bater na sua cara, sabe que eu faria!
— Não tenho dúvidas — ri.
Ela se rendeu, baixando a guarda, e se sentou na minha frente. Soltou um
suspiro preocupado e me encarou com os olhos lacrimejando.
— Seja gentil com a Belle, tudo bem? — pediu
— Eu sou gentil — enfatizei e recebi um olhar indignado dela.
— Você consegue ser um idiota quando está mal-humorado. — Corrigiu-
me.
Relaxei na cadeira sabendo que não adiantaria brigar, eu já tinha perdido
aquela luta.
— Não sei do que está falando.
Ela me ignorou e empurrou a pasta na minha direção.
— Belle não é uma faladeira, é muito objetiva e se tornou bastante
eficiente — contou. — O que precisar, é só pedir, sabe disto. Só não seja
um abusado. — Ergui uma sobrancelha pra ela. — E a proteja se for
preciso, está me ouvindo?
— Sou o chefe dela April, não o segurança.
Seu sorriso irônico me informou que eu falei demais, apesar de ter dito
uma grande verdade.
— Eu não disse? — Era uma pergunta retórica. — Você sabe ser um
idiota.
— Não sei como não te demiti até hoje.
— Idiota — reafirmou para me provocar. — Protege-a — ordenou. —
Vai saber quando for preciso.
— O que quer dizer com isto?
Ela fingiu não me ouvir, se levantou pegando a bolsa e caminhou em
passos decididos até a porta. Parou e estreitou os olhos para mim.
— Não me ligue. — Exigiu antes de sair e me deixar com muitas
perguntas sem respostas.
Esfreguei a nuca, queria gritar de frustação. O que seria de mim sem
April? Teria que participar de todas aquelas reuniões irritantes, ela era a
gerente executiva de todos os setores. Todo mundo se reportava a ela, o que
adiantava muito para mim, pois não precisava escutá-los. Estremeci com a
possibilidade de voltar a viver em prol do trabalho. April resolvia os
problemas e trazia para mim somente o que era realmente necessário.
Agora tudo mudou, apesar de confiar no seu bom senso, não poderia
arriscar toda minha empresa nas mãos de uma desconhecida.
Curioso, peguei a pasta que me negava a olhar desde que April jogou a
bomba chamada ano sabático na minha direção.
Isabelle James, vinte e oito anos, formada em duas faculdades e com
mais três especializações na área de administração. Uma pessoa estudada e
com experiência, pelo menos April não deixou a desejar.
Encarei a foto 3x4 da minha gerente de setores substituta para
experimentar uma sensação estranha. Como se eu a conhecesse de algum
lugar, talvez tenha esbarrado com ela algumas vezes pelo prédio, ou... bem,
eu não sei.
No entanto, aquele rosto era familiar.
Quem era ela?
Capítulo Dois
Por Isabelle
Minhas pernas não paravam de tremer. Tremiam tanto que eu tinha medo
dos meus ossos estarem fazendo algum barulho constrangedor. Era coisa da
minha cabeça, eu sei, eu sei, só que estava difícil dizer isto para mim
mesma.
Tia April nem mesmo me deu a oportunidade de abrir a boca, ela
somente apontou para o elevador e me mandou subir para a cobertura. Era a
hora de me encontrar com o chefe. Tentei protestar, ela nunca tinha me
apresentado a ele antes, dizia que o homem vivia ocupado. Que ele não
gostava de reuniões “bobas”, as eu participei nos últimos seis meses
categoricamente, e que em algum momento nos conheceríamos.
O que ela se esqueceu de mencionar era que tiraria um ano sabático e me
colocaria em seu lugar. Eu estava muito perto da histeria, não daria conta
daquilo. Era muita coisa. Muita informação. Infinitas questões burocráticas.
Meu pai do céu, eu estava tão ferrada.
— Enfiei em sua cabeça vinte anos de experiência e conhecimento sobre
essa empresa em seis meses — disse ela como se eu não tivesse percebido.
— Agora é sua vez, vá trabalhar e me deixe orgulhosa, que eu vou para a
Itália.
— O que...
— Nos vemos por vídeo chamada, quero saber de tudo e não se atreva
me esconder nada. — Beijou meu rosto e saiu praticamente correndo da
minha sala.
Só Deus sabe como eu estava arrependida de ter aceitado aquele emprego
de assistente dela. Principalmente neste momento, enquanto esperava a
secretária do senhor Stone liberar minha entrada. Titia me disse quinhentas
vezes ou mais que eu não deveria esperar, somente entrar sem bater. Era o
que ela fazia todos os dias. No entanto, como eu faria isto se nem mesmo o
conhecia?
Tia April era a chefe de todo mundo, os funcionários corriam diretamente
para ela com todos os tipos de problemas possíveis e impossíveis. Ela os
resolvia com perfeição e só subia com alguma situação caso fosse
extremamente necessário.
Por isto, nos últimos meses eu nunca tinha pisado naquele andar. Meu
estômago estava tão revirado que fiquei com medo de passar mal ali mesmo
no espelhado, e caro, porcelanato do chão.
Todo o andar tinha tons claros e muitos pontos com espelhos, o que
claramente me deixava mais nervosa. Espelhos são ótimos para mostrar
imperfeições e eu já tinha defeitos demais para ficar vendo-os.
A réplica miniatura de um avião estava pendurada na parede e parecia se
encaixar tão bem naquele ambiente luxuoso que era surpreendente. Tudo
bem, não tanto. A companhia aérea Stone estava por todo o lugar, dominou
o planeta se é que isto é possível. Seus aviões chegavam a lugares que eu
nem sabia que existia.
A secretária, Sabine, uma exuberante loira de um metro e oitenta, sorriu
na minha direção informando que poderia entrar.
Foi preciso uma boa parcela de coragem para me levantar. Testei a
estabilidade dos meus joelhos antes de seguir na direção da porta. Segurei
firme o tablet em uma mão e com a outra automaticamente alisei a saia
lápis que estava usando e tentei, muito mesmo, não me constranger com a
secretária.
Ela se ergueu e abriu a porta para mim.
Meu bom Deus, a mulher deveria estar nas passarelas e não atrás de uma
mesa. Seu sorriso era perfeito, seus olhos perfeitos, suas curvas perfeitas e
seu rosto... bem perfeito.
Sem contar que quando parei do lado dela, me senti uma anã de pernas
realmente curtas. Meus tão simples e humildes um metro e sessenta e dois
eram insignificantes ao seu lado.
— Obrigada, Sabine — digo passando pela porta.
— Disponha — sorriu e se sentou.
Passei pela porta, fechando-a atrás de mim o mais silenciosa possível e
me virei para o homem atrás da mesa. Meu coração parou. Eu o
reconheceria entre um milhão de pessoas.
— Isabelle — começou ele. —, peço desculpas pela demora, mas estava
em uma chamada importante.
Sua voz ainda me causava o mesmo arrepio que senti na primeira vez que
escutei anos atrás.
— Isabelle?
Precisei respirar fundo para afastar as memórias. Eu não poderia lidar
com aquilo também. Então, sorri gentilmente e oferece minha mão.
— Muito prazer em finalmente conhecê-lo senhor Stone. — Seus dedos
envolveram minha mão em um aperto firme.
O calor de sua pele tinha um contraste gritante contra a minha, que estava
fria de nervosismo. No entanto, eu poderia ganhar um prêmio por conseguir
não estremecer.
— O prazer é todo meu, chama-me de Ryan — se afastou. — Sente-se,
por favor.
Agradeci mentalmente por poder sentar, eu não sabia até onde minhas
forças durariam. Pelo menos meus ossos não faziam barulhos como pensei
inicialmente de acordo com minha tremedeira.
— Então, você é a famosa sobrinha de April.
— Não sei dizer se sou tão famosa assim — repliquei.
— Acredite em mim, ela falou bastante de você e de sua eficiência —
elogiou. — Sinto muito por não ter nos conhecido antes, foi rude da minha
parte, mas...
— Tudo bem, eu entendo — o interrompi.
Não aguentaria ficar ouvindo suas desculpas por tanto tempo. Não
quando minhas lembranças estavam tentando arrombar a porta que eu
fechei com tantos cadeados.
— Ela me deixou encarregada de suas funções enquanto está fora —
comecei. — Imagino que ela tenha te informado.
— Sim — acenou e então murmurou. — De última hora.
O encarei surpresa, apesar de aquela ser uma atitude muito esperada de
tia April. Ela não contava seus planos com antecedência, para ninguém,
nem mesmo seu chefe conseguiu essa cortesia de sua parte. Ela só se
organizava e fazia não deixando ninguém entrar em seu caminho.
— Imagino que ela também não tenha te avisado com antecedência —
disse ele.
— Não é do feitio da minha tia dar avisos — consegui brincar.
Ele relaxou na cadeira dando-me um sorriso bonito.
O homem parecia perfeito demais para ser de verdade, igual sua
secretária. Ambos deveriam estar nas passarelas e não atrás de uma mesa, o
que havia de errado neles? Se fosse eu em seus lugares, estaria colocando o
mundo em meus pés. Talvez seja exatamente por isto que Deus não dá asas
a cobras.
Ryan não tinha uma beleza estonteante, mas ainda assim chamava
atenção. Seu cabelo era mais claro do que me lembrava, assim como seus
olhos verdes eram mais cinzentos do que imaginava. Eu tinha certeza que
por debaixo daquele terno caro existia um corpo firme, envolvido em
músculos bem desenhados e que daria inveja em metade da população
masculina.
— Tenho uma sensação de que te conheço de algum lugar, só que não
consigo me lembrar — disse Ryan estreitando os olhos como se buscasse
em algum lugar na sua mente uma informação, uma dica.
Ah sim, agora não consegui me segurar e estremeci. Se ele se lembrasse,
pioraria muito as coisas, por que de todos, ele era o que mais sabia o que
tinha acontecido comigo naquela noite.
— Eu não saberia te dizer — menti. — Mas gostaria de começar a falar
sobre o trabalho, espero estar à altura do cargo da minha tia e não deixar
nada a desejar. — Assumi uma postura profissional. — Isto me lembra de
que no próximo fim de semana, temos um jantar de gala, a Stone Aviação
recebeu um prêmio de reconhecimento por redução aos danos ecológicos.
Por pouco ele conseguiria esconder a careta que fez.
— Tenho alguma chance de negar? — sua pergunta não me surpreendeu.
Tia April tinha me treinado para lidar com aquele homem, mesmo sem
nem ao menos conhecê-lo.
— Claro que sim. — Dei de ombros. — A empresa é sua — afirmei. —
Mas devo apontar que não é o único nisto, existe vários funcionários que
trabalhou duro para ganhar esse reconhecimento. E também os clientes que
pagam um pouco mais caro para compensar e valorizar nossas medidas para
proteger o meio ambiente.
Ele ficou me encarando em silêncio, pensativo.
Então, completei com a jogada mestre.
— Sem contar que tia April deixou tudo planejado e ela espera uma foto
sua em todas as revistas — avisei. — Vai deixá-la furiosa se não
comparecer.
— Devia ter começado com isto — apontou sorrindo. — Agora estou
com a consciência pesada por não ter pensado no trabalho dos funcionários
e o carinho dos clientes antes de considerar não ir a esse evento.
Levantei lentamente querendo ter a certeza de que minhas pernas ainda
se lembravam de como deveriam funcionar. Olhei para o homem que agora
era o meu chefe e quem eu deveria ter muito contato no próximo ano.
Segurei o estremecimento.
— Encaminhei para o seu e-mail algumas coisas que precisam de seu
aval — informei me afastando. — Aconselho a participar da reunião com os
engenheiros, é importante saber o que eles estão comprando para a nova
frota de aviões. — Cheguei até a porta e não o olhei quando avisei. — Seu
smoking será entregue ás seis, na sábado, em sua casa. Lembre-se de não se
atrasar.
— Não vou, afinal, você irá me acompanhar.
Virei meu rosto em sua direção chocada com o que tinha escutado.
— O quê?
Ele sorriu e seu celular tocou.
— Passo na sua casa ás oito, no sábado — informou e levou o aparelho
ao ouvido. — Sim?
Ryan não me olhou mais, somente me ignorou. O que de certa forma foi
algo bom, pois eu precisava de um minuto para conseguir fazer minha
mente voltar a funcionar. Balançando a cabeça seguindo para fora e aquela
mesma sensação de pânico que senti quando subi pelo elevador, voltou
quando desci e por muito pouco não corri para me esconder nas colinas.
Capítulo Três
Por Ryan
Ah a tão sonhada quarta-feira, que maravilha era sair daquele terno e
mergulhar no mar. Aquele era o dia mais sagrado da minha semana. O dia
em que eu fugia de todas minhas responsabilidades e deixava minha mente
em um grande espaço em branco. Sem preocupações, sem contratos, sem
funcionários, sem madrasta, sem ser o CEO de uma grande empresa de
aviação.
Eu e meus amigos sempre fazíamos as mesmas coisas nas quartas-feiras.
Chegávamos prontos para um mergulho de uns dez minutos, jogávamos
futevôlei por uma hora e depois tomávamos algumas cervejas.
Saímos da água e seguimos direto para nossa rede. Benjamin era o
responsável por trazê-la, assim não corríamos o risco de chegar e não
encontrar uma rede no lugar. Ajudamos a colocá-la e depois separamos as
duplas. Hoje Ítalo ficou ao meu lado, mas sua atenção estava em Leo.
Ele nem mesmo escondia que estava analisando nosso amigo. Balancei a
cabeça, me negando a entender o que Ítalo pensava. Para mim, Leo estava
muito bem com sua nova vida de casado. Não tinha nada de errado.
Porém, não precisava ser um gênio para entender que Ítalo via mais do
que estávamos dispostos a mostrar.
O jogo começou.
Bola no pé, bola no alto, chute no ar.
Ítalo tornou o jogo interessante, ele estava motivado a derrubar a outra
dupla por algum motivo que agora atiçava minha curiosidade. Ele era muito
bom com estratégias e probabilidades, então, facilmente conseguia alcançar
a bola e jogar em algum ponto que considerava fraco entre nossos amigos
do outro lado.
A vitória tinha um sabor muito bom, eu gostava disto e queria mais.
Muito mais. Irritar Leo sempre trazia uma sensação extremamente
prazerosa. E por isto, não economizei nas provocações.
Até que o sol ficou mais forte e foi necessário parar. Ninguém gostava de
queimaduras e muito menos colaborar com o câncer de pele. Por isto,
juntamos nossas coisas e seguimos em uma linha reta para o quiosque.
— Cerveja chegando! — anunciou Robertinho, nosso garçom amigo.
— Você é o cara! — elogiou Benjamin.
— Eu preciso de duas! — gritou Leo para o rapaz. — Esses dois são
trapaceiros.
— Negativo — disse Ítalo. — Trapacear é um verbo intransitivo e
transitivo direto, que significa fraudulento; agir de má fé; fazer trapaças
entre outras coisas. — Sorriu sabendo que estava irritando ainda mais nosso
amigo. — O que acontece é que você é um péssimo perdedor.
Benjamin gargalhou despreocupado.
— Não posso te defender, você não sabe perder — digo rindo.
— Isto não é verdade! — protestou Leo.
— Você não gosta de perder nem no banco imobiliário. — Benjamin o
provocou nos fazendo rir.
Aquela era uma história boa, em alguns jantares na casa de Benjamin e
Tina, parávamos para jogar algumas coisas. As cartas não eram muito
animadoras, mas o banco imobiliário... Bem eu não sei como definir. Só que
deixava todos com os ânimos muito exaltados. Benjamin era o único
despreocupado, desde que sua esposa conseguisse comprar todos os
imóveis. Ítalo usava a lógica e nos irritava com suas suposições sobre os
dados. Leo odiava perder um ponto para Tina e exigia para que Ellen o
ajudasse, mas sua própria esposa se negava a entrar no jogo dizendo que
parecíamos um bando de loucos. E eu, então... Também lutava para
conseguir meu lugar naquele jogo.
Três CEO’s que não gostam de perder, um gênio e uma esposa grávida e
muito competitiva, o que poderia sair daquilo?
— Isto porque ele se considera um bom negociador — disse Ítalo.
— Eu sou um bom negociador. — Leo apontou para o próprio peito.
— Não o suficiente para ganhar no banco imobiliário — retruquei rindo.
— Claro, Tina quer comprar tudo — respondeu cruzando os braços. —
Ben deixa, o que é um absurdo.
— Eu a deixo fazer o que quiser — admitiu tranquilamente.
O garçom voltou com uma bandeja cheia de garrafas e um sorriso
acolhedor. Comentou sobre futebol enquanto distribuía as cervejas, o que
provocou muitos risos e até uma discussão. Torcíamos por times diferentes,
o que claramente causava a disputa.
Agradeci pela cerveja estar tão gelada que doíam os dentes.
Pelas próximas duas horas relaxei mais do que imaginava. Apesar da
conversa fácil entre meus amigos, meus pensamentos se voltaram para a
sobrinha de April. Minha nova gerente, Isabelle James. Incrivelmente
bonita e igualmente eficiente. Três dias e nenhum problema ou reclamação.
Não me envergonhava por estar acompanhando-a tão de perto. Era
importante saber o que estava fazendo, como lidava com as situações.
Eu a conhecia, porém, de onde?
Seu nome me lembrava a alguém, mas, quem?
Por mais que me esforçasse, eu não conseguia me recordar. Seu rosto tão
familiar e ao mesmo tempo tão estranho causava certa emoção em meu
peito. Algo que eu ainda não consegui decifrar, mas em algum momento
isto aconteceria e eu não me sentiria tão perdido.
Quando cheguei até o meu carro, depois de cinco cervejas, meu
segurança, Heron, me olhava com atenção. Apesar de não ter gostado dele
no início, quando meu pai deixou em seu testamento que um segurança
deveria me seguir o tempo todo, hoje, Heron se tornou um bom amigo. Seu
silêncio era muito reconfortante, ajudava-me a colocar meus pensamentos
no lugar, assim como, também seus conselhos dava-me uma boa direção.
— O que aconteceu? — perguntei aceitando a camisa que me oferecia.
— Fui informado que a senhora Edith Stone o aguarda.
— Ela está na minha casa? — perguntei sem esconder a frustração.
— Sim.
Cocei a nuca pensando no que deveria fazer. Desde o dia em que ela se
casou com meu pai, quando eu tinha quinze anos e desde então venho
fugindo daquela mulher. Não que tivesse algo errado com Edith, pelo
menos nada que eu saiba, ela amava meu pai. E agora gostava de jogar
filhas de suas amigas na minha direção acreditando que eu deveria me casar
com algumas delas.
Ou até mesmo engravida-las, para garantir que meus filhos nascessem
com sangue nobre. O pensamento me fazia estremecer. Não sei que tipo de
nobreza em pessoas tão pobres de espírito tem.
— Vamos para casa — ordenei e entrei no carro.
Pelo caminho fui tentando fazer algumas suposições do que a faria
invadir minha casa. Qual seria o motivo de sua visita? O que ela queria
desta vez? Meu pai a deixou bem amparada, casa, carro com motorista e
uma conta bancária gorda.
No entanto, ela continuava me perseguindo como se eu fosse seu filho.
Seu projeto de vida. Querendo saber de todos os meus passos e decisões.
Esse foi o grande motivo para que eu me mantivesse longe de algumas
reuniões, pois anos atrás percebi seus espiões infiltrados ansiosos para uma
fofoca nova.
Tanto Heron quanto Sabine foram proibidos de dar qualquer relatório
sobre minha agenda. Se abrissem a boca para responder sobre minha
localização seriam demitidos e processados.
Eu não queria ninguém me seguindo para fofocar sobre minha vida.
Prezo muito pela privacidade que sempre tive. Meu pai me criou sozinho,
da melhor forma que conseguiu, enquanto minha mãe corria de um amante
para outro. E depois de um tempo, ela se cansou daquela vida, levou uma
bolada de dinheiro com a promessa de que nunca mais voltaria.
E não voltou.
No entanto, meu pai voltou a se casar com Edith anos depois. Uma
mulher boa, mas que aprecia o dinheiro tão bem quanto minha mãe e isto
me revirava o estômago. Carregar o nome Stone nem sempre era uma coisa
boa, não atraia pessoas que gostavam de mim como pessoa, somente da
herança que me pertencia.
...
A encontrei sentada na minha sala com uma xícara de chá nas mãos. Fiz
uma careta, pois ela agia como se fosse dona da casa.
— Edith.
Seu rosto virou na minha direção e ela não escondeu o desgosto de ver o
que eu vestia. Camiseta branca, bermuda surf colorida e chinelos. A ignorei
e me sentei no meu sofá sem me importar com a areia sujando o tapete caro.
Seria amaldiçoado se não pudesse fazer o que quisesse na minha própria
casa.
— Ryan — disse e pousou a xícara na mesinha de centro.
O olhar dela foi bem reprovador, além do sofá, eu não lhe cumprimentei
com um beijo como costumava fazer. O tempo me fez ser mais rude do que
esperava. Ela testava muito minha paciência, o que me fazia ser, como April
mesmo disse, um idiota.
— Está sujando toda a casa com areia — disse ela franzindo as
sobrancelhas.
— É a minha casa — apontei. — Não me importo.
— Deveria, não é educado receber pessoas assim...
— Pelo o que parece, você é quem está me recebendo, não é mesmo? —
questionei e estiquei meus pés cheios de areia até a mesa de centro.
Por muito pouco não puxei os pés para fora da mesa e levantei para
limpar, dona Darci mantinha minha casa limpa e organizada, não que eu
fosse um bagunceiro, mas ela era caprichosa e merecia meu respeito.
No entanto, afrontar Edith era algo que valia a pena.
— Não seja tão rude.
— Desculpe? — Ergui uma sobrancelha.
Ela me ignorou e eu quase ri, mas segurei o impulso para não piorar a
situação.
— O jantar deste final de semana — começou ela conseguindo minha
atenção. — É muito importante e você precisa de uma acompanhante...
— Já tenho uma — sorri ao anunciar.
— Como? — Ela parecia chocada. — O que você disse?
— Eu já tenho uma acompanhante.
Era impossível não me divertir com a situação.
— Você está namorando?
— Não — respondi o óbvio.
Seus olhos se arregalaram ainda mais.
— Contratou uma garota de luxo?
— O que? — assustei-me com sua pergunta. — Claro que não. — bufei.
— Não diga besteira.
Supor que eu faria uma coisa daquelas era um absurdo, não que eu julgue
quem o faça, mas aquela era uma opção que eu nunca recorreria. Se eu não
posso convencer uma mulher a me acompanhar sem ter que pagá-la para
isto, prefiro ir sozinho.
Pensando bem, Isabelle trabalha para mim. Eu pago seu gordo salário.
Será que era a mesma coisa? Esperava que não, pois eu tinha gostado
muito de ver a surpresa no seu rosto. E eu nem mesmo a convidei, somente
a informei que iria comigo. Isto foi errado, mas ela iria ao evento de
qualquer forma, não iria?
— Quem vai com você? — Edith exigiu saber.
— Alguém — respondi com um suspiro.
Por que eu continuava respondendo-a?
— Quero saber quem — disse muito séria. — Você não pode ser visto na
companhia de qualquer uma...
— Chega — me levantei. — Vou tomar um banho e aproveitar o resto do
meu dia.
— Ryan, estamos conversando. — Também se levantou. — Eu tenho
alguns contatos, Gisele, disse que sua filha está disponível para ir com você.
Ela não tem um namorado...
— O que você quer de mim? — exigi saber. — Você foi casada com meu
pai e eu a respeito, ponto! — explodi. — Pelo amor de Deus pare de cuidar
da minha vida e das coisas que eu faço.
— Ryan!
— E pare de jogar mulheres em cima de mim — ordenei.
Seus olhos lacrimejaram e ela parou de me encarar, o que me fez sentir
culpado.
— Só quero ajudar.
— Está fazendo da maneira errada! — exclamei. — Caramba, não quero
brigar com você, mas desse jeito não dá!
Vi o momento que se rendeu, mas isto não me fez me sentir melhor.
Aquele dia não estava terminando como planejei. Suspirando, me forcei
acalmar. Edith me enfurecia com suas interrupções na minha vida, só que
sou bem consciente de que no fundo não era uma pessoa ruim. Marcela, sua
filha, havia se mudado para outro país e criado um nome para si mesma na
arquitetura, o que claramente deixava a mãe feliz, mas também solitária.
Brigar com Edith não faria bem a nenhum dos dois, eu teria que arrumar
outra forma de controlá-la.
— Por que não pede para Darci fazer um café bem reforçado para mim e
me espera na mesa perto da piscina? — questionei. — Vou tomar um banho
rápido e já volto.
Capítulo Quatro
Por Isabelle
Estava-me alto vangloriando quando se passou três dias desde que
assumi meu novo cargo e eu não havia perdido o controle da situação,
ainda. Segui com a rotina que tia April havia me colocado acreditando que
este seria o melhor caminho, e foi, sendo que de alguma forma não parecia
ter tido nenhuma mudança, ela havia me infiltrado tanto no seu trabalho que
agora parecia ser uma extensão de mim.
E com isto, eu esperava que assim se seguisse pelos próximos meses.
O latido alto que ecoou na sala quase me fez tremer, passei tempo demais
parada na porta da minha casa pensando. Eles estavam esperando minha
atenção enquanto acabava de entrar.
— Lola, seja paciente — a repreendi.
Então ganhei outro latido, esse mais forte e intenso.
— Aros, não a encoraje. — Tentei soar duro, mas falhei miseravelmente.
Eu sabia o que ambos queriam, deixei minha bolsa no aparador e me
abaixei de joelhos para ganhar suas lambidas sem que eles pulassem em
mim como sempre faziam. Quase fui derrubada não chão, o que seria muito
fácil já que ambos eram muito grandes e robustos. Eu os ganhei do meu pai
quatro anos atrás. Dois rottweiler para me proteger, foi o que ele disse e eu
não me atrevi a discordar. Principalmente porque eram os filhotes mais
fofinhos do mundo e meu coração se apaixonou imediatamente por eles.
— Vocês ainda são fofinhos — digo ao ganhar uma grande e nojenta
lambida de Aros. — Muito fofinho.
Ambos latiram.
— Porém, barulhentos. — Ri.
— Muito — anunciou meu pai.
Aceitei suas mãos quando ele se ofereceu para me ajudar a levantar,
como sempre fazia. Ao me erguer, bufei com o contraste entre nossos
tamanhos. Seus olhos se estreitaram e um sorriso maroto surgiu em seus
lábios, meu pai era o orgulhoso dono de dois metros de altura.
— Não poderia ter me dado um pouco de altura quando me fez? —
questionei.
— Não — respondeu e deixou um beijo no topo da minha cabeça. —
Como eu a chamaria de meu chaveirinho se fosse tão alta quanto eu?
— Pelo menos eu olharia as pessoas de cima — brinquei.
— É só fazer aquela cara de brava que qualquer pessoa se ajoelharia aos
seus pés — disse com muita gentileza. — Apesar de ficar muito fofinha —
riu.
Balancei a cabeça, meu pai era incorrigível.
— Temos café?
— Não — respondeu o óbvio. — Isto não é hora de beber café. — Tinha
um tom de repreensão. — Mas acabei de fazer bife e batata frita, o que
acha?
— Você é o melhor — ri. — Vou lavar minhas mãos e te encontro na
cozinha.
— Combinado — desviou o olhar. — Aros! — exclamou bravo. — Aí
não é lugar, caramba!
Não parei para ouvir aquela discussão novamente, Aros gostava de
marcar seu território quando entrava dentro de casa. Meu pai não os deixava
entrar normalmente e quando fazia, era certeiro que Aros tentaria quebrar as
regras para fazer xixi em algum canto proibido.
Falei que deveria castrá-lo, assim diminuiria sua necessidade de marcar
território, mas papai somente estremeceu e disse que nunca faria algo do
tipo com o pobre bichinho. Então, deixei pra lá. Eles que se entendam. Lola
aproveitou a distração dos machos da sala para me seguir até o banheiro.
Ela era mais rabugenta e a mais protetora. Não gostava de todo mundo, não
se sentia obrigada a isto. Quando não gosta de alguém, fica em alerta e
mostra bastante os dentes. Aros seguia sua liderança sem pestanejar, mas no
fundo era um grande bobão que ama um carinho na orelha.
Mais tarde naquela noite, quando me deitei na minha cama uma
mensagem chegou no meu número privado. Foi uma dica importante de tia
April separar um telefone somente para o trabalho, ou eu ficaria louca com
todas as chamadas que receberia dia e noite.
Quando abri reconheci o número pelo qual enviei algumas mensagens
nos últimos três dias.
Olá!
Ryan, aqui.
Quase revirei os olhos, como se eu não soubesse que era ele.
Como posso ajudá-lo senhor Stone?
Sua resposta não demorou a chegar.
Chego a estremecer quando me chamam assim,
somente Ryan está bom para mim.

Não queria sorrir, mas antes que pudesse me controlar meus lábios já
estavam curvados.
Só queria convidá-la para me acompanhar
no jantar do final de semana.
Achei que já tivéssemos combinado isto.

Sim.
Mas pelo que parece eu não lhe fiz um convite,
somente a intimei me acompanhar.
E isto não parece certo.

Fiquei encarando o celular por um tempo sem saber o que fazer. Sua
exigência em me fazer acompanhá-lo no jantar me irritou, mas eu não
protestei por ele ser meu chefe. E eu já iria de qualquer forma, só que não
me imaginava naquela situação. Ao lado de um dos homens mais ricos do
mundo, pelo menos foi isto que li em uma revista.
Então? Vai comigo?
E se eu falasse que não?
Mordi o lábio inferior um pouco receosa com o rumo daquela conversa.
Agradeceria a sinceridade e finalizaria a conversa.
Não posso forçá-la a me acompanhar
Hm...
O que isto significa?
Vou ter que ir ao jantar mesmo,
não me importaria de lhe acompanhar.
Meu estômago se revirou com uma súbita ansiedade que me tomou.
Diga-me que isto não é nenhum ato de caridade.
Não
hahaha
Bom, então, fico mais tranquilo.
Peço que me desculpe por ter sido tão arrogante.
Tudo bem, está desculpado.
Obrigado!
Boa noite, Belle.
Meu coração saltou no peito, parecia tão íntimo a forma com que me
chamou de Belle que senti que precisava corrigi-lo. No entanto, enquanto
fitava a tela digitei uma mensagem que surpreendeu a mim mesma.
Boa noite, Ryan.
Não recebi nenhuma outra mensagem, mas não fazia diferença. Sentia
que o assunto tinha sido resolvido e acabado, embora pelas próximas horas
eu não sabia o que fazer com toda a ansiedade que estava me invadindo.
Ryan não se recordava de mim, mas eu me lembrava dele. Se naquela
noite, quando me esgueirei para fora daquela boate, depois de ter levado
meu primeiro soco da vida, eu tivesse aceitado sua ajuda, talvez eu tivesse
uma vida melhor pelos anos que se seguiram.
No entanto, eu acreditei que estava tudo resolvido e que não precisava da
ajuda de um estranho. Bufei alto demais para aquela noite tão silenciosa.
Como fui ridícula e confiante, talvez até arrogante, não sei bem, e isto
quase me matou.
Cheguei bem perto disto.
Muito perto.
Estremeci e me sentei na cama tentando controlar minha respiração. Era
um exercício simples que minha terapeuta me ensinou e que há um tempo
não usava mais.
Ar limpo dentro, ar sujo fora.
Simples, não é?
Então, por que parecia tão difícil?
Levantei-me, ainda ofegante demais e acendi a luz do quarto. Parei na
frente do espelho e com o peito subindo e descendo pesadamente, retirei a
blusa do meu pijama. As marcas na minha pele mostravam que eu já não
era mais a mesma.
Quinze facadas.
Quinze ataques de ódio.
Quinze cicatrizes espalhadas pelo meu corpo.
Agora, eu não as via com facilidade, pois meus olhos estavam tomados
por lágrimas. Eu não conseguia impedi-las de fugir das minhas pálpebras.
As gotas grossas faziam uma linha reta por minhas bochechas. Chorar era
necessário, foi o que a terapeuta me disse, mas chorar naquele momento
não ajudava em nada. Já que minha respiração se tornava cada vez mais
difícil.
As lembranças eram cruéis. Duras demais para manter o controle de
minhas emoções. Conseguia sentir o cheiro do sangue, do gosto dele
quando mordi a mão do meu agressor, da mistura do sabor com minhas
lágrimas e... o desespero.
O desespero era pior do que a dor, pois eu não estava pronta para morrer.
Não naquele dia, muito menos daquela forma. Foi desesperador não ouvir
meu grito, foi agoniante o arrependimento que senti por não ter aceitado a
ajuda de Ryan.
E a dor...
Coloquei minha blusa de volta e limpei o rosto grosseiramente. Precisava
de um pouco de ar puro. Vesti um roupão felpudo que me manteria
aquecida e corri para fora de casa. Era um alivio morar em uma casa
grande, tinha vários pontos em que eu poderia me esconder e ficar sozinha
por um tempo.
Claro que assim que abri a porta dos fundos, na cozinha, Aros e Lola já
estavam lá me aguardando como se soubessem que tinha algo errado. Eles
me olhavam com atenção, como se oferecessem sua ajuda silenciosamente.
Sim, eles me protegiam com o amor que ofereciam. Caminhei na frente
direto para as espreguiçadeiras da piscina.
Aquele era um lugar não tão perfeito, pois se fizesse algum barulho meu
pai logo estaria ali. Sentei puxando os joelhos para o peito e mal percebi
quando já não tinha mais dificuldade para respirar. O frio da noite era muito
bem-vindo, envolvia-me por inteiro aliviando a tensão do meu corpo.
Não sei quanto tempo fiquei ali, mas em algum momento ouvi os passos
pesados do meu pai. Ele não conseguiria ser silencioso nem se sua vida
dependesse disto. Paulo James foi um grande jogador de basquete e se
aposentou quando o joelho esquerdo não aguentou mais a pressão dos
treinos e jogos.
— Chaveirinho? — Sua voz estava hesitante.
— Oi pai — murmurei.
Ele puxou uma espreguiçadeira para perto e se sentou ao meu lado.
— Está tarde e um pouco frio para ficar aqui fora.
— Estava precisando de ar — respondi me aproximando dele.
— Não me diga que Aros estava no seu quarto e soltou uma daquelas
bufas, isto sim faria qualquer ser humano precisar de ar fresco — brincou
me fazendo rir.
Aros ergueu a cabeça de onde estava deitado e resmungou alguma coisa
entre um rosnado e latido.
— Só estou falando a verdade. — Meu pai se defendeu.
Rimos juntos e ficamos em silêncio observando o nada.
— Chaveirinho?
Suspirei.
Meu pai era um bom ouvinte e também um ótimo amigo. Desde que me
lembro, sempre foi só nós dois. Um cuidando do outro, bem, na maioria das
vezes era ele cuidando de mim. Conhecia-me tão bem que era ridículo me
esconder, por mais que quisesse.
— Eu o vi — contei.
Senti que ele ficou tenso, entendendo errado sobre quem eu estava
falando. Ele conhecia quase toda a verdade, não pude, de forma nenhuma,
mentir tanto para ele. Depois de todo esforço que teve para me criar, não era
justo que eu lhe negasse ou distorcesse os fatos assim como eu fiz com a
polícia. Corroía-me por dentro não ter dito a verdade sobre meu verdadeiro
agressor.
— Vi o homem que me ofereceu ajuda naquela noite.
Quando me virei para encará-lo, meu pai tinha um olhar confuso.
— Aquele que esbarrou quando saiu da boate?
Acenei concordando.
— Ele é o meu chefe — contei prendendo a respiração.
— Por que não me contou antes? — perguntou. — Trabalha lá há seis
meses...
— Eu não o conhecia antes, tia April era a única que ia até ele. — Dei de
ombros.
— Ele a reconheceu?
— Não.
— Já se passaram muitos anos — comentou meu pai como se
desculpasse por Ryan não se lembrar de mim.
Eu não me ofendia com o fato, acreditava que era o melhor, já que ele iria
fazer perguntas que eu não estava pronta para responder. Nunca estaria.
Dei de ombros.
— Eu sei — digo baixo. — Mas vê-lo me faz cogitar como fui idiota, seu
eu tivesse aceitado a mão que ele estendia para mim...
Não consegui completar o que estava pensando. Sabia que meu pai se
arrependia muito de não ter prestado mais atenção em mim quando eu
namorava Flavian. Era uma época ruim, papai estava tendo dias muito
longos com seu joelho machucado. A fisioterapia era muito dura e ele
precisava se afastar dos analgésicos que tinha se viciado.
— Pensou que estava segura, não fique remoendo isto querida.
— É como reabrir as feridas — murmurei derrotada.
— Sim, mas não faça isto, por favor — pediu aflito. — Vamos superar
isto, juntos — segurou minha mão com carinho.
Seu carinho acalmou meu coração. Me inclinei para frente e deitei a
cabeça em seu ombro. Respirei fundo e devagar, aquele apoio era a única
coisa que me mantinha sã. Apesar da ajuda da terapia, eu ainda me sentia a
beira do precipício muitas vezes.
— Seu chefe é um idiota? — perguntou ele me fazendo rir.
— Ele tem seus momentos — brinquei. — Me pareceu uma boa pessoa.
Era verdade, outro não teria me oferecido ajuda naquela noite cinco anos
atrás. Ele o fez sem nem hesitar. Ainda me lembrava da sua voz suave e
firme ao mesmo tempo, do olhar sério e acolhedor, dos movimentos lentos
como se não quisesse parecer ameaçador, e principalmente de como
respeitou minha decisão de não aceitar sua ajuda.
Aquilo quase custou minha vida, e eu sou a única culpada disto.
— Sim — afirmou meu pai sem pensar duas vezes. — Ele é uma boa
pessoa.
Capítulo Cinco
Por Ryan
Desci da minha BMW Z4 ignorando o olhar reprovador de Heron que
estava parado ao lado da SUV. Ele não aprovava, nem um pouco, quando eu
dirigia. Na sua cabeça paranoica, deveria me proteger vinte quatro horas por
dia, sem folga, sem pausa. Já desisti, há muito tempo, de tentar dar a ele
uma folga.
Férias, bufei mentalmente, nem pensar!
Não sei do que tanto ele me protegia, mas levava seu trabalho muito a
sério. Eu simplesmente me rendi e deixei aquele assunto para lá. Algumas
vezes, como hoje, eu o irritava me desviando, levemente, das regras de
segurança.
Parei na frente do interfone e me anunciei. Logo o portão da frente foi
aberto e eu caminhei para dentro. Era uma casa bonita, pensei. Gramado
bem cuidado, um jardim florido, uma pequena quadra de basquete na lateral
e ao fundo eu conseguia ver o brilho de uma piscina.
No entanto, minhas observações não pareceram ser tão importantes
quando minhas pernas travaram ao ouvir um rosnado baixo e muito
ameaçador. Na minha frente se materializou um gigante rottweiler com
dentes, particularmente, grandes.
— A merda — resmunguei.
O cão, que mais parecia ter vindo do inferno, deu um passo na minha
direção como se me avisasse para não se aproximar mais. O que Isabelle
tinha na cabeça para ter um cachorro daquele?
A porta principal da casa se abriu e de dentro dela apareceu outro
cachorro, maior do que o que rosnava já para mim, e um homem que mais
parecia uma montanha. Eu o reconheceria em qualquer lugar, Paulo James,
ou Paulão para o time de basquete em que jogou. Com sua cabeça careca,
dois metros de altura e braços cruzados no peito gigante, podia-se dizer que
eu não passaria pela porta sem antes o convencê-lo de minhas boas
intensões.
— Stone — disse sério, reconhecendo-me. — Conheci seu pai.
Aquele era um desfecho interessante, nunca poderia imaginar que
Isabelle era a filha de um jogador tão famoso quanto ele. Quando li a ficha
dela, não liguei os pontos. Não tinha como, o nome de batismo do homem
não era o que ele usava em sua carreira.
— James — olhei para os cachorros com receio. — Lhe ofereceria minha
mão se eu tivesse certeza de que ela voltaria com meu braço.
Ele riu de mim.
— Lola, comporte-se — disse para o cachorro que continuava rosnando
para mim.
Lola olhou para o dono e depois se sentou, em um momento pude jurar
que vi desdém em seus olhos escuros.
— Bem-vindo a minha casa — disse James oferecendo a mão.
Apertei agora sem hesitar já que o cachorro ao seu lado não parecia
querer arrancar um pedaço.
— Obrigado — acenei e comentei. —, meu pai não perdia um jogo seu.
— Foi o que eu fiquei sabendo — riu. — Entre.
Olhei novamente para o cachorro ao seu lado.
— Não se preocupe, Aros só tem tamanho, no fundo é um bobão.
— Um bobão de dentes grandes — murmurei.
— Exatamente — riu novamente.
O acompanhei para dentro sentindo-me realmente pequeno ao lado
daquele homem. No entanto, meus pensamentos não foram mais longe do
que aquilo, pois Isabelle descia as escadas e estava incrivelmente linda.
Usava um vestido longo com mangas três quartos de um tom suave de
azul. Não tinha muitos detalhes, nem mesmo decotes, e ainda assim parecia
ser o vestido mais bonito que eu já tenha visto em uma mulher. Seus
cabelos estavam soltos e retos até abaixo dos seios. E seus olhos... me fez
perder o fôlego.
— Isa — disse James admirado com a filha. — Está tão linda.
— Obrigada papai. — Sorriu e suas bochechas coraram. — Ryan.
— Está muito bonita, Isabelle — comentei.
— Obrigada — disse e desviou o olhar.
Ela aceitou o beijo do seu pai e caminhou na minha direção como uma
deusa, cheia de confiança e determinação.
— Stone? — a voz de James se ergueu.
— Sim? — desviei meu olhar.
— Traga-a de volta perfeita e inteira — ordenou.
— Papai! — exclamou Isabelle e foi ignorada com muito sucesso pelo
pai.
— E mantenha suas mãos longe dela.
— Besteira — Isabelle se aproximou e pegou minha mão antes que eu
conseguisse prometer. — Ele é o meu chefe e está ficando atrasado, é minha
função fazer com que tudo saia como o esperado.
— Você é tão teimosa — murmurou James.
— Um traço familiar — retrucou Isabelle. — Vamos logo Ryan, odeio
me atrasar.
Fingi estremecer.
— Até parece que ouvi April falando — brinquei.
— Ah, você ouviu — afirmou James.
Isabelle bufou e me puxou para longe de seu pai. Olhei para trás rindo e
James sussurrou “mãos longe dela”. Não respondi, somente ri. Eu não
pretendia tocá-la daquela forma, respeitava Isabelle e agora trabalhávamos
juntos. Não poderíamos confundir as coisas adicionando sexo na jogada.
Distraído, levei sua mão ao meu braço como um cavaleiro e seguimos
para fora. Ajudei entrar no carro e novamente ignorei o olhar indignado de
Heron. Eu gosto de dirigir as inúmeras máquinas que compro e nem sempre
tenho a oportunidade, não seria agora que perderia a chance.
Sem contar que estava muito bem acompanhado por uma mulher bonita.
Fazia bem para o meu ego masculino estar naquela situação.
— Poderia ter sido mais discreto — disse Isabelle quando arranquei com
o carro.
— Sim. — Dei de ombros. — Gosto de chegar em grande estilo.
Soei bem arrogante e não me importei nenhum pouco com isto.
— Vamos repassar os eventos da noite...
— Já fiz isto com Sabine — a interrompi. — Não quero falar de
trabalhado agora.
— E do que quer falar? — perguntou em um tom que eu diria bem
irritado.
Estava começando a conhecer a tão famosa sobrinha de April. Ambas
tinham personalidades parecidas, algo que no futuro faria com que Isabelle
agisse igual à tia. Não tive certeza se ficava feliz com isto ou estremecia,
April era amorosa e bondosa quando queria, e uma cadela malvada na
maioria das vezes.
— Sobre aqueles dois monstros de quatro patas? — sugeri.
— Não fale assim — disse sorrindo. — Eles são fofinhos.
Olhei para ela por um pequeno instante, sua beleza era algo para se
admirar e me tirou do foco.
— Você viu os mesmos cachorros que eu? — perguntei tentando parecer
chocado.
Voltei a encarar o trânsito.
— Claro que sim! — exclamou. — São os meus cachorros.
— Seus? Achei que fossem do seu pai.
— Ele que me deu os dois.
— Que presente de grego!
Ela riu.
— Eles são muito fofinhos e carinhosos — afirmou. — Não os criamos
para serem agressivos, somente protetores.
— Não foi o que Lola mostrou.
— Ela te mordeu? — questionou sério.
— Não, mas acredito que ela ainda está sonhando com o gosto do meu
sangue — brinquei.
Isabelle riu.
— Nunca imaginei que você fosse tão dramático.
— Realista — me defendi.
— Sei.
Seu tom era debochado.
— Conte-me sobre eles — pedi.
— O que eu poderia dizer? — questionou a si mesma antes de continuar.
— Lola é a mais protetora, ela não tem bom humor e nem gosta de todo
mundo.
— Isto eu percebi — retruquei.
Ela me ignorou e continuou falando.
—... Aros, apesar de ser maior, é super bobão.
— Bobão com dentes — repeti o que disse para o pai dela.
— Vai me deixar falar ou não?
— Desculpe, continue.
Sorri.
— Não são agressivos — repetiu dando bastante ênfase naquele fato. —
E eram os filhotes mais fofinhos que já coloquei meus olhos. Achei exagero
do meu pai, mas me apaixonei...
Ela continuava a falar, mas eu tinha parado de ouvir. Dirigia por uma
avenida muito conhecida por suas boates, era o caminho mais rápido até o
evento apesar de que enfrentaria um pouco de trânsito e eu realmente não
estava com pressa, a conversa com Isabelle...

— Não vou lhe machucar — prometeu ele. — Só quero ajudar. Qual é o


seu nome?
— Sou Isabelle.
A lembrança veio com um choque que percorreu todo o meu corpo.
Naquele mesmo lugar em que passava agora, foi onde eu a conheci. Tinha
um rosto apavorado e um olho roxo, algo que eu jamais poderia esquecer.
Então, por que não me lembrei dela antes? Talvez os anos que se passaram
tenha mudado algo nela ou em mim, não sei dizer.
Vi um espaço a frente e puxei o carro para o lado, freando bruscamente.
— O que aconteceu? — soou preocupada.
Não a encarei, pois não conseguia desviar os olhos da boate em que
estive comemorando meu novo trabalho na empresa depois da morte do
meu pai. Tinha me esgueirado para fora, saindo por uma porta nos fundos
quando alguém esbarrou em mim.
Uma nuvem de cabelos negros, uma mulher pequena com um olho
machucado. Alguém havia socado seu rosto. Ela estava fugindo de alguém
e ainda assim não aceitou minha ajuda quando ofereci.
“— Sou Isabelle.”
Fechei meus olhos sentindo-me indignado comigo mesmo por não ter
recordado antes.
— Ryan?
Virei meu rosto para encará-la, ainda me sentia em choque. Eu a procurei
por tanto tempo e ela estava bem debaixo do meu nariz.
— Você se lembrou — disse ela com suavidade.
Por isto seu rosto me parecia tão familiar.
— Por que não me contou? — questionei.
— Não achei que fosse importante. — Deu de ombros. — Está no
passado.
— O que? — Franzi as sobrancelhas. — É importante — afirmei. — Eu
procurei por você.
Sua expressão que até então mostrou sua calma e aceitação dos fatos,
agora estava marcada por surpresa.
— Você me procurou?
— Por dias — acenei com a cabeça. — Olhei a lista de convidados da
minha festa — apontei para a boate. — Minha madrasta fechou esse lugar
para comemorar meu novo cargo, mas ela não imaginou que alguns
convidados levariam outros e que perderia o controle. — Quase revirei os
olhos para sua desorganização. Heron estava tenso aquele dia por não ter o
controle da festa. — Nem todo mundo que entrou foi documentado, não
consegui te achar. — Olhei para ela com uma mistura de choque e
curiosidade. — Você entrou com quem?
Meu celular vibrou no bolso e depois o número de Heron apareceu na
tela de multimídia do painel do carro, eu o ignorei desligando a chamada.
Não queria saber de nada, além das respostas para as perguntas que eu
guardava há cinco anos.
— Com quem você entrou na minha festa? Foi com April?
Ela chegou abrir a boca, mas eu falei primeiro.
— Não, April não foi àquela maldita comemoração. — Fiquei ainda mais
confuso.
Isabelle foi ficando pálida e sua respiração agitada.
— Isabelle?
— Com alguém — respondeu.
— A pessoa que te bateu?
Ela arfou.
— Estamos atrasados...
— Não me importo — a interrompi. — Não consegui dormir por dias, de
tanta preocupação.
— Preocupação? — parecia incrédula.
Fiquei pasmo, como ela não imaginaria que eu me preocuparia com ela?
— Sim, alguém bateu em você — digo o óbvio. — Queria ter certeza de
que estava bem, mesmo depois de não ter aceitado minha ajuda.
Cheguei a estremecer, dois de meus amigos se casaram com mulheres
que sofreram algum tipo de violência doméstica dos homens que deveriam
protegê-las e venerá-las. Eu entendia, um pouco, a extensão de que aquele
dano deixava. Valentina foi espancada até quase a morte e ainda foi
baleada. Ellen tinha um passado bem sombrio, que eu não tinha tanto
conhecimento, talvez fosse o melhor, mas sabia que não era algo bom ou
bonito. Leo sempre a olhava com tamanha proteção, da mesma forma que
Benjamin fazia com Tina, que me dizia mais do que palavras poderiam
descrever.
Agora, eu tinha medo de saber qual foi o rumo de Isabelle naquela noite.
— O que aconteceu? — perguntei com um tom cuidadoso.
Talvez minha consciência pesasse depois, mas iria correr o risco.
— Nada.
Ela estava mentindo, eu sabia disto. Também entendia que deveria parar
de fazer perguntas, mas minha mente estava correndo tão rápido quanto
meu carro poderia.
— Foi por isto que ganhou aqueles cachorros? — questionei. — Para
proteger você?
Ela não respondeu. Seu peito subia e descia em um ritmo que eu não
imaginava ser possível.
— Isabelle? — seu olhar não encontrou o meu. — Com quem você
estava naquela noite?
Sentia que merecia aquelas respostas, mas na verdade eu não tinha direito
nenhum. Eu não a conheço, antes era uma desconhecida, agora minha
funcionaria. Só que isto não muda o fato do que pode ter acontecido com
ela por não ter aceitado a ajuda que ofereci.
— Um namorado.
Fechei os olhos, aflito.
— Eu teria te ajudado, bastava ter...
— EU SEI! — gritou ela.
Fiquei chocado com sua explosão e rapidamente, arrependido. Cheguei a
abrir a boca para me desculpar, afinal, eu tinha a empurrado demais naquele
assunto com a minha curiosidade.
— Eu sei — choramingou. — Por favor, não vamos falar sobre isto —
arfou. — Eu não consigo. — Puxou o ar com força e mesmo assim não
parecia ter respirado.
— Tudo bem, desculpe-me.
Inclinei para perto e puxei a alavanca do banco dando-lhe espaço.
— Coloque a cabeça entre as pernas — pedi ansioso. — E respire
devagar.
Imaginei que aquilo ajudaria, foi o que Ítalo disse uma vez sobre o que
fazer quando alguém tem um ataque de pânico. E era exatamente isto que
estava acontecendo com Isabelle.
Eu desencadeie isto.
A culpa me atingiu com crueldade.
— Por favor, me desculpe.
Ela fez o que pedi, se inclinou e puxou o ar devagar. Não estava
funcionando tão rápido quanto eu esperava.
— Sinto muito mesmo, não é da minha conta — falei sem esconder meu
arrependimento com a situação em que a coloquei. — Belle, por favor, me
desculpe.
— Está tudo bem — murmurou ela. — Não é sua culpa.
— Eu não tinha o direito de exigir respostas — suspirei. — Só queria
saber o que aconteceu.
Ela acenou devagar com a mão, como se me mandasse calar a boca.
— Outro dia — começou. — Em outro momento — prometeu. —
Falaremos sobre isto.
— Não precisa.
— Acho que precisa sim — disse ofegante.
— Não fale, somente se concentre em respirar — pedi, ou melhor, quase
implorei. — Parece que só faço coisas erradas quando estou perto de você.
— Algumas coisas — murmurou ela. — Mas é bom em corrigir os erros.
— Me redimir pedindo que me acompanhe e não exigir, como fiz antes, é
um bom começo?
— Sim.
— Então, peço desculpas por ter estragado isto.
Ela ergueu o corpo e se encostou ao banco, porém, não me encarou.
— Eu sabia que isto aconteceria em algum momento — disse e puxou o
ar profundamente. — E também tenho plena consciência de que não estou
pronta para falar.
Estremeci levemente, ela não percebeu, o que foi um alivio, pois não
queria adicionar mais pressão naquela situação. Isabelle não estava pronta
hoje, talvez nunca estivesse. Com calma me encostei-me ao banco do carro
e segurei o volante com as duas mãos. Aquele dia tinha sido um desastre
total, mas eu poderia ter mudado isto se tivesse insistido para que Isabelle
aceitasse minha ajuda.
— Precisamos ir — sua voz era suave.
Acenei concordando, mas não queria sair dali, não até que meu coração
voltasse ao ritmo normal. Não até que minha mente alcançasse algum ponto
de equilíbrio.
— Você está bem? — perguntei baixo.
— Sim, podemos continuar.
Por algum motivo estranho, eu entendi de que ela estaria bem até que
chegássemos ao evento. Conseguiria controlar suas emoções e agir como se
nada tivesse acontecido. Eu não queria que ela se escondesse em sua
concha, mas fui inteligente em manter minha boca fechada.
Não era da minha conta.
Arranquei com o carro e segui em silêncio, mesmo que minha mente
gritasse para conseguir mais respostas. A culpa que continuava crescendo
dentro de mim me dizia que era mais inteligente guardar minha curiosidade.
Eu não queria que Isabelle tivesse outro ataque de pânico. Um sentimento
protetor se espalhou no meu peito, surpreendendo-me.
Fiz o caminho até o evento mais rápido do que esperava, não que eu
estivesse com pressa, mas a confusão dos meus pensamentos me distraiu
por tempo demais.
Quando estacionei na porta, um grupo de repórteres cercou o carro. Seria
uma longa noite, pensei aborrecido.
Heron correu para afastar algumas pessoas e isto me deu a oportunidade
de abrir a porta para Isabelle. Ela sorriu educada e me permitiu guiá-la.
Paramos para fotos por um minuto, ela tentou escapar, mas segurei sua
cintura e a deixei presa ao meu lado. Sorrimos e entramos sem esconder o
alivio de ter passado por aquela primeira etapa.
— Não precisava me segurar para fotos — repreendeu-me baixinho.
— Você aceitou ser minha acompanhante nesta noite — respondi
sabendo que acabaria com o assunto.
— Ryan!
Virei na direção da voz e vi Deborah, uma das acionistas caminhando na
minha direção. Era uma senhora elegante e de sorriso fácil que costumava
me dar tempos realmente difíceis quanto às decisões na empresa. Meu pai
tinha 51% da empresa, eu mais 15% e o resto era dividido entre quatro,
muito irritantes, acionistas.
— Está tudo incrível — elogiou Deborah.
— Obrigado! — beijei seu rosto. — Mas eu não fiz nada disto, a
senhorita James e April são as responsáveis pela beleza desta noite.
Deborah se virou para Isabelle, como se somente agora percebesse sua
presença. Eu vi algo em seus olhos que não me agradou, por isto, fiz
questão de elogiar mais uma vez.
— Isabelle herdou a eficiência de April — digo sorrindo despreocupado.
— Isabelle — disse Deborah com educação, mas não a cumprimentou
com o mesmo afeto que fez comigo.
O que era realmente interessante, já que Isabelle estava no lugar de April,
o que automaticamente a colocava em contato direto com os acionistas.
Nem se quer me envergonho em dizer que evito reuniões, principalmente
com os quatro exigentes e desacreditados acionistas.
— Deborah — respondeu Isabelle no mesmo tom de educação.
Talvez o desprezo que vi nos olhos de Deborah tenha a ver com Isabelle
me representando nestas reuniões, era algo lógico. Já que eles também não
eram muitos fãs de April, nunca foram para ser sincero, mas April não se
importa muito com o que eles pensavam.
No entanto, aquele sentimento de proteção que senti antes me fez querer
olhar mais perto aquela situação.
A noite somente estava começando e eu esperava que acabasse o mais
rápido possível. Enquanto isto, eu não tiraria os olhos de Isabelle. Ela não
teria nenhum imprevisto desagradável, já bastava o que a fiz passar.
Ouvi e conversei com Deborah com atenção, assim como fiz com todos
que se aproximaram de mim. Porém, nas vezes que precisei me afastar da
minha deslumbrante acompanhante, exigi que Heron mantivesse os olhos
nela. Ele protestou, claro, mas eu não estava aberto para discussões. Heron
percebeu a necessidade crescente dentro de mim de protegê-la e concordou
sem hesitar.
Tudo correu bem, bem demais para ser honesto.
E eu não consegui afastar a sensação de algo muito errado estar
acontecendo bem debaixo dos meus olhos.
Capítulo Seis
Por Isaballe
Sentia-me a beira de um precipício. Depois de todo o final de semana
para me preparar e relaxar, o que realmente não teve nenhum efeito. Não
depois de Ryan se lembrar de mim. Não depois de enfrentar aquele jantar de
premiação que mesmo apesar da tensão sobre os meus ombros, de alguma
forma, sentia-me protegida ao lado dele.
O que não acontecia agora.
Não entendia porque a segunda-feira tinha que chegar tão rápido.
Principalmente quando eu tinha minha primeira reunião de resultados com
os acionistas sem a proteção de tia April. Ela colocava todos no chinelo,
lembrando-os que Ryan Stone tinha mais de 60% das ações e mandava em
tudo. Então, não adiantava choramingar que não mudaria o fato.
Era obvio que eu não tinha a mesma coragem que ela, na verdade, eu
tinha certeza disto e tremia só de pensar em me sentar naquela sala.
Tia April me deixou, literalmente, jogada aos lobos!
Respirando fundo, tentei manter minha mente em branco. Era uma boa
técnica para manter o controle das emoções. Assim, não daria espaço para
que as lembranças viessem como uma bomba sobre mim.
Relaxando os ombros e erguendo o queixo, caminhei para dentro da sala.
Ali não havia muitos segredos ou privacidade, já que as paredes eram feitas
de vidro, e eu já tinha visto a impaciência no rosto das pessoas que me
aguardavam.
Deborah era a mais rígida de todas, toda vez que me encarava parecia
ofendida, mas eu tentava não me deixar abalar. Não gosto dela e nem ela de
mim, não que eu tivesse alguma culpa por seu desgosto, mas ela não se
importava com isto. A única coisa importante era proteger seu próprio
nome.
Gerrard era o sinônimo da impaciência. Ele alegava não ter muito tempo
para essas besteiras, mas não faltava a nenhuma reunião. Sem contar que
frequentemente me mandava e-mails querendo relatórios sobre as finanças.
Ântoni era o mais jovem, assim como Ryan, herdou as ações do pai e se
mostrava bem despreocupado desde que o dinheiro continuasse entrando
em sua conta. Ele geralmente não prestava muita atenção, chegava atrasado
e vivia de ressaca de suas noitadas. O que não era da minha conta, embora
muito difícil de ignorar sua irresponsabilidade.
E por fim, tínhamos a gentil Cristina. Ela representava as ações do
marido, que vivia ocupado, e era um amor de pessoa apesar de ser um
pouco impaciente.
— Bom dia — digo tomando meu lugar na mesa.
— Está atrasada — acusou Gerrard.
— Isto é muito deselegante — disse Cristina, mas eu não tinha certeza se
ela estava falando comigo ou com Gerrard.
Deborah cruzou os braços como se estivesse se negando a falar comigo.
O que quase me fez revirar os olhos, se ela acreditava que isto me ofendia,
estava redondamente enganada. Era um alivio não ouvir sua voz polida e
educada.
— Desculpem-me, estava resolvendo uma situação.
— Isto não é um problema — garantiu Ântoni. — April sempre nos fazia
esperar — riu. — Agora podemos começar. — Tentou segurar um bocejo.
— Claro.
Apontei para as pastas na mesa e todos as abriram, mas antes que
pudesse prosseguir a porta da sala se abriu e Ryan entrou com seu ar de
autoritário.
— Se não se importam, vou me juntar a vocês.
— Ótimo — disse Deborah —, assim não precisamos de Isabelle.
Ryan puxou uma cadeira e a colocou bem perto de mim.
— Está enganada — respondeu ele ao se sentar. — Só estou aqui para
ouvir, não vou dizer mais nenhuma palavra — afirmou. — Continue
Isabelle.
Levou muito esforço não franzir a testa para ele. Em seis meses
trabalhando naquela empresa, eu nunca tinha o visto em uma reunião, não
uma que eu participei. O que tinha mudado agora?
Balancei a cabeça concordando e dei início à reunião. De primeira me
senti acanhada com a situação, mas logo soltei meu gênio, aquele que se
parecia com o da tia April. Gênio do cão. Coloquei os acionistas em seus
devidos lugares sabendo que eles estavam tentando achar uma brecha em
mim para me rebaixar. Eu não permitiria isto. Não quando tia April teve
tanto esforço em me treinar.
Aquelas pessoas, principalmente Deborah, iriam aprender a não me
subestimar. A reunião foi bem calorosa, muitas discussões infundadas.
Gerrard insistia em coisas sem sentidos, Deborah tentava me humilhar,
Cristina tentava apaziguar as coisas e Ântoni mascava um chiclete
despreocupado enquanto se divertia bastante balançando a cabeça e rindo
em algumas situações.
Ah, não podia esquecer Ryan que continuava calado ao meu lado e de
braços cruzados. A tensão de seu corpo irradiava direto para o meu. O que
me fazia afirmar, sem sombras de dúvidas, que ele estava irritado.
Muito irritado.
Não lhe dei atenção, não poderia enquanto comandava aquela bagunça.
Entendia que não me daria folga, que buscaria por uma forma para
derrubarem minha coragem e dominarem.
E eu não permitiria isto, jamais!
Finalizei aquela reunião meia hora depois sem deixar um único espaço
para me contestarem. Juntei minhas coisas e saí da mesma forma que entrei,
com o nariz empinado.
Antes de virar no corredor que levava até minha sala, dei uma olhadinha
para trás e vi Ryan falando com os acionistas. Ele estava de pé e batia o
dedo indicador sobre a mesa de vidro com muita irritação. Os outros quatro
continuavam sentados e olhando para ele com atenção e de boca fechada.
Era bem claro que Ryan estava os repreendendo e me... defendendo?
Desviei o olhar sem saber exatamente como me sentir. Corri para minha
sala e me escondi lá determinada a não sair até que fosse necessária minha
presença em outro lugar.
Não conseguia acalmar meu coração, batia tão forte com a adrenalina que
experimentei que era desconcertante.
Um toque suave na porta chamou minha atenção.
— Entre — digo ignorando como minha voz parecia rouca.
Tentei não ficar horrorizada, sabendo que aquilo significa que eu estava
prestes a chorar. Pisquei rapidamente e controlei a respiração.
A porta se abriu e Ryan entrou. Sua postura confiante era algo que eu não
estava acostumada a lidar, não nos últimos cinco anos.
— Ryan, no que posso te ajudar?
Ele riu e se encostou à porta fechada.
— Em nada, eu é que preciso da sua ajuda. — Tinha um tom de
brincadeira. — Controlou muito bem aqueles quatro, acho que posso sair de
férias e te deixar no comando.
— Eu não diria isto — suspirei. — E não se atreva a fazer igual tia April.
— É uma boa ideia.
Arregalei os olhos quase acreditando nele. — Nem mesmo pense nisto!
Ele se aproximou e sentou na minha frente.
— Parece cansada — observou.
— Aquela reunião foi exaustiva — comentei.
— Fiquei impressionado.
Foi difícil não desviar os olhos. — Não deveria.
Comecei a organizar alguns documentos que estavam na mesa sentindo
que precisava fazer alguma coisa.
— E por que não?
Sorri amarga.
— Eles não me respeitam, tenho que lutar para conseguir meu lugar.
Ryan deu de ombros.
— Eles não respeitam ninguém, nem mesmo a mim.
— Por que estava na reunião?
— Sou um acionista? — retrucou com deboche.
Não resisti e revirei os olhos.
— Nunca o vi em uma reunião desta antes — apontei. — Estava lá para
me vigiar? Saber se faço meu trabalho tão bem quanto tia April?
— Não — afirmou. — Eu só queria ver se daria conta de lidar com eles
agora que April não está mais aqui para apaziguar as besteiras.
Estreitei meus olhos para ele.
— Como sabia que ela fazia isto por mim?
— Sei de tudo o que acontece na minha empresa. — Ergui uma
sobrancelha. — Não adianta me olhar assim, eu levo meu trabalho de CEO
muito bem.
Sabia que minhas bochechas coraram. — Nunca duvidei.
— Não foi o que esse olhar presunçoso me disse.
— Eu não sou presunçosa — rebati.
Ele cruzou as pernas como se não acreditasse nenhum pouco em mim.
— Não sou! — repeti.
— Se é o que você acredita — deu de ombros. — Também não sou
arrogante.
— Não tem como comparar — bufei. — Tudo em você esbanja
arrogância.
— Sabe que presunção é um sinônimo de arrogância, não é mesmo?
O encarei com impaciência.
— Já acabou? — perguntei. — Não tem trabalho a fazer?
Segui o conselho de tia April, “Não adianta tratá-lo como se fosse o dono
do mundo. Só o mande embora quando te irritar.” Eu tinha achado um
absurdo, mas foi bom usá-lo nesse momento.
— Está me expulsando? — riu.
Não hesitei em responder que sim. Ele se levantou despreocupado sem
deixar de sorrir.
— Só devo te lembrar de que sou seu chefe.
— Então, eu vou lembrar ao senhor que terá que me aguentar por um ano
ou pode me demitir — brinquei. — E ficar com todo o trabalho pesado.
— Nem sonharia em fazer algo do tipo. — Deu uma piscadela e seguiu
para a porta. — Tenha uma boa semana de trabalho, Belle.
O encarei paralisada com a sensação que percorreu meu corpo. Sua voz
suave e gentil tinha um toque de sensualidade que me chocou.
— Obrigada — respondi, mas ele já tinha saído.
...
Atendi a chamada e me joguei na cama, tia April havia tentado falar
comigo desde o jantar, mas eu continuei rejeitando suas ligações. Não
estava pronta para enfrentar seus sentidos aguçados.
— Belle! — exclamou impaciente. — Sabe que eu tive um enfarto, não é
mesmo?
— Oi tia April — sorri. — Está bronzeada — elogiei.
— Não tente mudar o assunto — apontou o dedo na tela. — Quero saber
de tudo o que aconteceu.
— E eu achando que você queria um ano sabático na Itália sem nenhuma
informação sobre o emprego que jogou nas minhas costas — a provoquei.
— Não seja dramática, você dá conta de tudo — bufou. — Agora me
conte sobre as fotos que vi.
— Que fotos?
Ela revirou os olhos para mim.
— As que eu te enviei, e que você não visualizou.
Sorri fingindo inocência sabendo que ela não acreditaria em mim.
Busquei pelo aplicativo e abri as imagens que ela me enviou. Meu sorriso
apagou. Na foto, eu aparecia com Ryan na entrada do evento. Ele me
segurava pela cintura, para não me deixar escapar, mas parecia possessivo
e intimo juntando com o olhar que compartilhávamos.
Eu o encarava com um sorriso no rosto e ele me olhava com intensidade.
Quem tirou aquela foto, tinha um time perfeito. Parecíamos um casal
apaixonado, o que me fez estremecer de pavor.
Ninguém da equipe de imagem havia me informado daquela situação.
— Não faça essa cara — disse tia April chamando minha atenção.
— Eu não tinha visto isto antes — murmurei ainda chocada.
— Teria se não tivesse me ignorado — apontou estreitando os olhos.
— Depois nos falamos, preciso resolver algumas coisas.
— Nada de trabalho depois do horário...
Desliguei a chamada de vídeo e digitei rapidamente uma mensagem para
o responsável da imagem. Eu não precisava olhar os sites de fofocas para
saber o que estavam falando. Aquela foto dizia muito, mesmo que nenhuma
das coisas seria verdade. Ainda sim, dei uma rápida investigada jogando o
nome de Ryan no navegador do meu celular.
A resposta demorou a chegar, mas me irritou muito.
“Desculpe Isabelle, o senhor Stone disse que não tinha nenhum
problema com as fotos que estavam sendo divulgadas. Então, optamos por
não tomar nenhuma previdência.”
Como assim?
Fiquei furiosa, o que Ryan pensava que estava fazendo? Permitir que
revistas de fofocas tirassem suas próprias conclusões era algo inaceitável.
Ainda mais quando minha carreira profissional estava em risco.
Liguei por chamada de vídeo para Ryan, ele não demorou a me atender,
seu rosto bonito parecia cansado e ainda era segunda-feira. Ao fundo,
reconheci ser seu escritório e franzi a testa ao saber que ele ainda estava no
prédio.
— Isabelle.
Eu não estava com tempo para gentilezas, então, fui direto ao assunto.
— Ryan porque eu não fiquei sabendo da falta de ação com relação as
foto que estão correndo por aí?
Ele pareceu confuso por um momento antes de franzir as sobrancelhas.
— Não achei que fosse algo sério — deu de ombros. — Agi errado?
Eu sabia que ele estava sendo sincero ou irônico. Ele é o meu chefe, e
não o contrário. Porém, acredito que é injustificado deixar que fofocas
infundadas se propaguem.
— Você chegou a ler o que estão falando de nós dois? — questionei.
— Não, deveria?
Eu o encarei, exasperada, não é possível que ele esteja falando sério. Sua
risada somente me irritou mais.
— Não se preocupe, não eram fotos comprometedoras — disse provando
que tinha visto tudo o que falaram a respeito de seu nome. — Eu não me
importo com fofocas — deu de ombros. — E além do que, ficaram bonitas.
— Ryan! — exclamei impaciente.
— Por que parece tão brava?
Eu não sabia.
Se parasse para pensar, era algo que deveria ter previsto quando aceitei ir
com ele naquele evento como sua acompanhante. Passamos a noite lado a
lado, nos afastando somente em alguns momentos, o que foi realmente um
alívio para mim, mas que de alguma forma aumentou os comentários.
Ryan era famoso por seu dinheiro, e eu sou conhecida por ser filha de um
jogador de basquete. Ambos éramos pratos cheios para os fofoqueiros,
ainda mais quando paramos na entrada para tirar fotos.
— Belle?
Suspirei.
— Desculpe — pedi. — Você não me deve satisfação, só não gostei de
não poder resolver.
— Não tinha nada para ser resolvido — afirmou ele. — São só imagens,
amanhã já terão sido esquecidas.
Ele estava certo sobre isto, mas eu não me esqueceria.
— Tudo bem, novamente me desculpe.
— Não há nada para desculpar — afirmou. — Parece que você estava
pronta para dormir.
Observei meu o roupão em que estava envolvida.
— Hm... sim.
— E eu ainda estou trabalhando — suspirou. — Boa noite, Belle.
Encarei sem conseguir desviar meus olhos dos seus. Aquele mar verde
era hipnotizante.
— Boa noite, Ryan.
Desliguei a chamada e me deitei confusa com os sentimentos que estava
experimentando. Sem nenhuma resposta razoável fiquei encarando o teto
até que dormi e sonhei com ele.
Seu rosto era sério, marcante, algo que eu nunca poderia esquecer. E
sabia que não esqueceria. Ele parecia calmo, sereno demais para se encaixar
na situação em que eu me encontrava. Sentia um medo terrível, algo que
tomou cada centímetro do meu corpo e me tinha em submissão. Meu olho
direito doía muito e eu mal conseguia escutá-lo com o barulho do sangue
pulsando em meus ouvidos.
— Eu não quero sua ajuda, não tem nada de errado comigo — respondi
com fúria ignorando a dor.
Ainda muito desacreditada que tinha levado um soco de um homem.
Como ele pôde fazer isto comigo? E por que, mesmo depois de fugir
daquela boate, não me sentia segura?
— Seu olho está ficando roxo e inchado — observou o óbvio.
Segurei para não estremecer, preocupada em como explicaria aquele
hematoma para o meu pai. Estava muito aflita em imaginar o que ele faria
com Flavian.
— Não vou lhe machucar — prometeu e acreditei nele. — Só quero
ajudar. Qual é o seu nome?
— Sou Isabelle.
— Ryan — ofereceu seu nome sem que eu pedisse. — Quem te bateu,
Isabelle?
— Caí — digo a coisa mais boba que veio na minha mente.
Ele não acreditou, porém, também não me questionou.
— Precisa de um médico? Ou um táxi?
Um táxi seria bom, mas ainda assim neguei qualquer ajuda. Eu
encontraria um táxi por conta própria, iria para casa e ficaria tudo bem.
Assim, deixei o rapaz gentil e de rosto marcante para trás e fui embora.
Uma quadra na frente, uma mão se fechou no meu rosto tampando minha
boca e nariz antes da primeira apunhalada. Gritei apavorada contra a palma
da mão que me silenciava.
— Sua cadela — reconheci aquela voz. — Se não ficar comigo, não vai
ficar com mais ninguém.
Capítulo Sete
Por Ryan
Amanheci ansioso para me encontrar com ela, tinha algo em Isabelle que
chamava minha atenção. Algo que me atraia e que me deixava muito
curioso para saber o desenrolar daquelas sensações.
Invadi seu escritório e me surpreendi por encontrá-lo vazio. Sentei em
sua cadeira e observei ao redor. Não tinha nada no lugar que me lembrava
da personalidade dela. Nenhum item pessoal, nenhuma fotografia na mesa,
nenhuma caneta colorida.
Depois de meses ocupando o mesmo lugar, Isabelle não se sentia em
casa. Pelo menos, era a única conclusão que eu conseguia chegar olhando
em volta. Encarei o relógio no meu pulso e vi que ela estava quinze minutos
atrasada.
Seria o trânsito que a teria atrasado?
Girei a cadeira de um lado para o outro pensando em várias
possibilidades e principalmente na ligação dela na noite anterior.
— Ryan?
Sua voz me assustou, tinha me distraído com os pensamentos e não a vi
entrar.
Precisei de um momento para me concentrar e aproveitei esse tempo para
analisá-la. Ela usava calça preta social, sapatos de salto e uma camisa clara
de botões com alguns toques de renda.
Incrivelmente linda em sua simplicidade.
— O que faz aqui? — perguntou com a testa franzida.
Me ergui em um segundo, havia algo em seu rosto que despertou minha
preocupação.
— Você está bem? — questionei.
— Sim, estou bem.
Era mentira, eu sabia disto.
Seus olhos estavam fundos no rosto, não tinha olheiras, mas apostaria
que era devido a maquiagem que usava.
— E você não me respondeu o que faz aqui. — Passou ao meu redor e
tomou sua cadeira. — O que devo a honra de sua visita, tão cedo?
A encarei com mais atenção percebendo que seu humor não era um dos
melhores. Então, fui direto ao ponto:
— Vim dizer que todas as fotos que foram para revistas de fofocas foram
retiradas do ar.
Ela suspirou e jogou a bolsa em cima da mesa.
— Bom — murmurou. — Poderia ter me mandado um e-mail
informando que mudou de ideia e eu cuidaria disto.
— Tenho certeza disto — afirmei sem duvidar de sua disponibilidade. —
Mas gostei de resolver este assunto particularmente.
— Obrigada.
— Por nada — respondi, mas na verdade queria me desculpar por não ter
pensado em como aquelas fotos poderiam afetá-la.
Eu gostei, ficaram bonitas e íntimas. Algo que nunca tive com outra
mulher. Acreditei que não teria nenhum problema permitir que as imagens
continuassem rodando por aí. No entanto, se isto a ofendia, eu fazia questão
de resolver para tranquilizá-la.
Ninguém merece ter a privacidade invadida, isto era um fato muito
concreto para mim, pois conhecia bem aquela sensação.
Abri a porta com a intensão de sair, então, pensei em algo e voltei a
chamá-la:
— Isabelle?
— Sim?
Ela tinha um olhar preocupado, quase com medo do que eu fosse falar.
Sorri tentando parecer inocente.
— Quer ir almoçar comigo?
— Almoçar? — arregalou os olhos. — Eu nem tomei café ainda —
suspirou como se estivesse sonhando com uma xícara bem cheia.
— Sim. — Dei de ombros. — O que acha?
— Desculpe, eu tenho muito trabalho...
— Você vai ter que parar em algum momento, por que não comigo?
Isabelle me encarou com a boca levemente aberta. Ela não tinha um
motivo para negar, mas também não queria aceitar. Fiquei tentado a insistir,
ainda mais, só que não fiz isto. Fiquei calado a olhando com um ar de
despreocupado querendo que tivesse tempo para pensar.
Quando não obtive nenhuma resposta, me dei por vencido.
— Saio às 13h — anunciei. — Se mudar de ideia, me aguarde no saguão
de entrada.
Fui embora com a certeza de que ela não fosse aparecer, afinal, por que
iria? E o mais importante das questões, por que eu a convidei?
Estava distraído enquanto ia em direção ao elevador.
— Ryan?
Deborah não estava muito longe e se apressou para chegar ao meu lado.
— Deborah — acenei para ela e esperei para ver o que queria comigo.
Minha paciência estava muito curta com aquela mulher desde a reunião
de ontem. Chegava a tremer de raiva ao me lembrar de como ela fez de tudo
para rebaixar Isabelle durante todo o tempo daquela reunião.
Não conseguia entender o motivo de tanto veneno, tanta falta de
educação e gentileza. A única coisa que me manteve sentado e calado era
presenciar o gênio de Isabelle. Wow! Era quase como se eu pudesse ver a
cópia de April bem ali ao meu lado. Apesar de parecer intimidada no início,
Isabelle deu a volta por cima e colocou todos os quatro acionistas debaixo
de seus sensuais saltos altos.
Foi prazeroso vê-la dominando a situação e não permitindo que nenhum
deles a humilhassem, não sem uma resposta a altura.
— Podemos conversar?
Ela sempre parecia tão polida e educada que era irritante.
— Tenho alguns minutos — acenei. — Se não se importa em falar
comigo no elevador, — indiquei o caminho. —, não poderei te oferecer
mais tempo, tenho uma ligação em espera me aguardando no escritório.
— Por mim, tudo bem. — Deu de ombros.
Entramos juntos e por fim veio Heron, ele ficou na nossa frente e de
costas. Deborah parecia levemente incomodada com a presença do
segurança e eu fingi não perceber. Se depois de cinco anos ela não aprendeu
a ignorá-lo, então eu não poderia fazer nada.
— O que quer conversar? — questionei quando o elevador começou a
subir.
— Bem. — Ela endireitou os ombros. — Queria deixar meu desagrado
por Isabelle James ser sua representante em nossas reuniões, eu não acho
que ela esteja capacitada para isto.
Me segurei para não revirar os olhos.
— Anotado sua reclamação e ignorada.
— O que? — se virou chocada. — Como assim?
— Eu não tenho nenhum problema sobre como Isabelle age em meu
nome — afirmei sério.
— April levou anos para aprender e essa menina chegou aqui ontem!
— Eu não me importo — respondi. — Se tem algum problema com isto,
agende uma votação e tente me ganhar nos votos.
— Sabe que tem a maior parte das ações.
Sorri da forma mais arrogante que consegui.
— Bom, evite desperdício de tempo e vá trabalhar.
— Eu não sou sua subordinada!
Fiquei de frente para ela realmente irritado.
— Então vá fazer qualquer outra coisa! — exclamei. — Deixei bem claro
ontem que não vou permitir que se repita o que fizeram naquela reunião. Se
não está bom para você, venda suas ações e vá cuidar da sua vida bem
longe daqui.
Ela me olhou totalmente ofendida com meu comportamento.
Que se dane!
— Não adianta usar sua educação e pose polida comigo, Deborah, já
deveria saber disto — apontei. — Principalmente quando você e os outros
não mostraram nenhum pingo de gentileza ou educação.
— Quer que tratemos bem sua namorada?
O deboche da sua voz me irritou.
— Duas coisas. — A porta do elevador se abriu no meu andar. —
Primeiro, ela não é minha namorada e se fosse eu não sei como isto seria da
sua conta. Segundo, você não deveria escolher quem tratar bem, todo
mundo merece respeito.
Ela ficou me encarando mostrando-se estar chocada demais para
conseguir me responder. Usei isto como uma oportunidade para sair do
elevador.
— Se isto é tudo o que tem para conversar — digo do lado de fora. —
Tenha um bom dia.
Fui embora, mas não antes de ver Heron apertar o botão para ela descer.
Ele estava garantindo que ela não voltaria para me incomodar, e eu fiquei
agradecido por isto.
— Sabine, peça para que ele entre — digo para a secretária.
Não ouvi sua resposta, mas sabia que ela havia me entendido. Sentei na
minha cadeira e a deslizei pelo chão até a parede de vidro, olhei para o
horizonte soltando um suspiro. O sol estava no alto, brilhando entre os
prédios e ao fundo eu podia visualizar o azul bonito do mar.
Só Deus sabia como eu queria largar tudo aquilo e ir para a praia, além de
voar, o mar era o único lugar que me fazia sentir paz.
— Senhor?
Eu ainda queria bufar toda vez que ele me chamava de senhor.
— Heron, você se recordou de Isabelle? — perguntei. — Sabia que ela
era a mesma mulher em quem esbarrei fora daquela boate?
— Sim.
Me virei irritado.
— Por que não me disse nada? — exigi saber.
— O senhor não perguntou.
Ergui uma sobrancelha, aquilo poderia ser considerado uma resposta?
Ele sabia que eu procurei por ela e não achou que deveria me contar?
Voltei a girar a cadeira e olhar para o horizonte, eu não tinha paciência
para discutir aquele assunto. Acenei encerrando a conversa e fiquei parado
ali por um longo tempo. Desde sábado minha cabeça continuava dando
voltas e mais voltas sobre muitas questões, e todas elas tinham Isabelle
como o principal ponto.
— Chefe, ainda precisa atender aquela ligação. — A voz de Sabine veio
do interfone na minha mesa.
Era hora de voltar ao mundo real.
...
Horas depois desci para o saguão de entrada como havia combinado com
Isabelle, mas com a sensação de que não me acompanharia. Ela não estava
lá, o que não foi nenhuma surpresa. Esperei por cinco minutos e desisti, não
adiantaria nada ficar ali o dia todo aguardando que ela mudasse de ideia.
Dei alguns passos a frente e parei quando a ouvi me chamar. Encontrei-a
saindo do elevador muito apressada e fiquei preocupado de que caísse.
Apesar de sensual, os sapatos de salto sempre serão uma arma perigosa para
os tornozelos femininos.
— Desculpe o atraso — disse quando chegou perto. — Fiquei presa em
uma situação, mas já está tudo resolvido.
— Tudo bem.
Caminhamos lado a lado.
— Também devo lembrá-lo de que está na hora de voltar a visitar os
aeroportos.
Acenei com a cabeça.
— É sério. — Enfatizou como se não tivesse acreditado que eu faria isto.
— Sim, vou fazer isto.
— Não só nos nacionais deve ir aos internacionais também — insistiu.
— Não posso visitar todos — respondi rindo.
— Claro que não. — Gesticulou com a mão. — Eu fiz uma seleção de
todos os lugares que deve visitar este ano, é importante aparecer e ver como
anda o atendimento ao cliente e se todas as regras de segurança estão sendo
cumpridas à risca.
— Você consegue ser mais insistente que April — observei.
Isabelle deu de ombros.
— Só fazendo o meu trabalho.
— Muito bem, pelo visto — murmurei divertido.
Heron estava do lado de fora com um carro, uma SUV. Ele abriu a porta
para a entrada de Isabelle e eu me virei sozinho sem reclamar nenhum
pouco. Quase dei uma risada por poder abrir minha própria porta.
— Aonde vamos almoçar? — perguntou Isabelle curiosa.
— Um lugar aqui perto que gosto muito.
Ela não rendeu esse assunto, mas aproveitou o momento para me
atualizar de algumas coisas. Precisei me segurar para não sorrir, April fazia
a mesma coisa. Toda vez que ficava mais de um minuto do meu lado,
enchia minha cabeça com compromissos e alguns problemas.
E não final, quando percebia que eu me esqueceria, ela corria para Sabine
e repassava tudo de novo para garantir que eu seguisse a agenda.
— Você não está me ouvindo — acusou Isabelle.
— Estou sim.
— O que foi que eu disse mesmo? — questionou brava.
Ergui uma sobrancelha.
— Aquisição de dois prédios no Norte do país. Revisar os custos de
reparos de aeronaves. Cinco funcionários demitidos por justa causa. Um
passageiro enfartou durante um voo, mas foi atendido por um médico a
bordo. — Fiz uma careta tentando me lembrar da última coisa que ela havia
dito.
Isabelle bufou.
— O diretor do aeroporto internacional pede uma reunião para tratar de
alguns assuntos que ele não quis me dizer.
Ela havia lidado com tudo isto somente no período da manhã? Vou ter
que garantir que ela tenha um assistente, ou vai acabar sofrendo um treco,
igual April.
— Bom, vou mandar Sabine agendar.
— Já fiz isto — anunciou ela.
Sorri.
— Bom, obrigado.
— Só o meu trabalho. — Deu de ombros novamente. — Estamos indo
para a praia? — perguntou parecendo muito chocada e até mesmo um
pouco pálida.
— Somente para um restaurante beira-mar — contei.
Ela tentou disfarçar como ficou aliviada, mas eu estava muito atento para
perder qualquer detalhe dela.
— Algum problema com o mar? — perguntei curioso.
— Nenhum.
Estreitei os olhos.
— Então, qual é o problema?
— Por que teria um? — questionou petulante.
Resolvi testá-la.
— Então, tudo bem para você se tirarmos o resto do dia e ficar na praia?
— Primeiro eu tenho muito trabalho me esperando. — Sorriu confiante.
— Segundo, não temos roupas de banho.
Sorri despreocupado para ela.
— Primeiro, sou seu chefe e posso repassar seu trabalho de hoje para
outra pessoa. — Dei uma piscadela. — Segundo, eu sempre tenho uma
sunga no porta-malas do carro, e caso esqueça, tem muitas lojas nesta
avenida e o problema fica fácil de resolver.
Gargalhei me sentindo o ganhador daquela pequena discussão, mas o que
eu não esperava era que Isabelle ficaria tão pálida. Quando voltei minha
atenção para ela, meu sorriso morreu, pois seu rosto estava tão branco
quanto um gesso.
— Isabelle?
Ela me olhou e parecia horrorizada.
— Você está bem?
Era uma pergunta idiota, já que claramente a resposta era não.
Não com a pele ser cor daquela forma.
— Eu disse algo que a ofendeu?
Ela piscou lentamente.
— Não — gaguejou. — Estou bem, só não quero tirar o dia de folga e
nem curtir o mar.
— Tudo bem — franzi a testa. — A decisão é sua, eu nunca poderia
forçá-la a alguma coisa. Nem mesmo no trabalho.
Isabelle concordou e desviou o olhar para a janela. Seus ombros estavam
rígidos e as costas retas demais e não parecia nenhum pouco confortável.
Existia algo de muito errado com ela e eu queria saber o quê.
O que tinha acontecido naquela noite cinco anos atrás? Minha cabeça
continuou dando voltas e mais voltas atrás de uma resposta, sentia que
mesmo que não gostasse da verdade, Isabelle precisava de ajuda.
No passado aconteceu alguma coisa que ainda estava vivo na sua alma.
Ela sentia no mais profundo do seu ser algo que escondia a sete chaves.
Desencadear aqueles sentimentos não faria bem a ninguém, e ainda assim
não parecia ser a melhor opção esconder, trancar algo que ainda a
machucava.
Eu queria ajudar, mas como?
Capítulo Oito
Por Isabelle
Sentada na varanda do lindo restaurante beira-mar sem conseguir relaxar
um único segundo tentava com muito afinco manter minhas memórias sob
controle. O mar verde na minha frente fazia-me sentir saudades de um
tempo que vivia mergulhada naquelas águas salgadas e sem nenhuma
preocupação no mundo.
Eu me divertia.
Hoje, com o corpo marcado por cicatrizes, não conseguia reunir coragem
para vestir um biquíni ou um maiô para curtir as areais como fiz muitas
vezes antes.
— Isabelle?
A voz de Ryan tinha um toque suave de gentileza de que me fez querer
chorar.
— Sim?
— Decidiu o que vai querer comer?
Olhei para o cardápio que segurava há alguns minutos, mas que não tinha
ganhado nada da minha atenção. Ao lado, estava o garçom com uma
expressão neutra e uma infinita paciência esperando que eu me decidisse.
Murmurei a primeira opção que bati meus olhos e entreguei o cardápio
com um sorriso de desculpas pela demora.
Fiquei agradecida por Ryan não insistir em saber por que eu estava tão
tensa. Ele simplesmente falou sobre trabalho como se soubesse que aquilo
iria distrair minha mente.
Funcionou.
Relaxei pela próxima hora. Trabalho era algo em que eu dominava bem,
principalmente depois de toda a confusão desta manhã. Foram tantos pontos
importantes para resolver que me senti meio tonta, mas que no final deu
tudo certo.
O mar e o suave som das ondas ficaram em segundo plano enquanto eu
despejava sobre Ryan todas as informações que acreditava ser importante
ele saber. O negócio não parava. A companhia aérea Stone era conhecida
por sua eficiência, e isto se devia as grandes mentes atrás do nome da
empresa.
Enquanto eu pensava nas minhas funções o tempo passou correndo e não
consigo dizer se apreciei minha refeição. Comi praticamente no automático,
sem saborear nada e perceber isto me fez sentir algo estranho.
— Vamos dar uma volta no calçadão? — convidou Ryan.
— Eu não...
— Ainda temos alguns minutos antes de voltar ao trabalho — disse me
interrompendo.
Ele caminhou ao meu lado e nem preciso dizer o quão confortável
parecia. Mesmo usando a camisa dobrada até os cotovelos, gravata e sapato
social, Ryan demonstrava pertencer a aquela lugar.
Eu não era assim, sentia-me totalmente deslocada andando de saltos altos
perto de tantas pessoas com roupas de banho.
— Sabe, este é o meu segundo lugar preferido — apontou para a areia.
Sua voz me sacudiu de meus pensamentos.
— E qual seria o primeiro? — perguntei.
Ele olhou com saudade para o céu.
— Voar.
— Você pilota? — Não era de se surpreender, ele era dono de uma
empresa de aviação.
— Sim, ainda o faço quando minha agenda permite.
O olhei com mais atenção, havia algo em seu tom que eu não conseguia
dizer o que era. Ele me encarou por um segundo e continuou andando com
aquele ar de despreocupado de sempre.
— Eu costumava pilotar alguns jatos...
— Alguns? — questionei sem acreditar.
Ele sorriu.
— Mais do que isto — confessou. — Pegava todo voo que precisava de
um piloto — sorriu. — Era um sonho de criança que fiquei muito feliz em
realizar, mas um dia a realidade bateu na minha porta e eu tinha uma
empresa para administrar. — Deu de ombros. — Não posso voar com a
mesma frequência de antes, mas posso vir à praia — sorriu. —
Regularmente — enfatizou.
— É um bom hobbie.
— E você?
— Eu o que?
— Quais hobbies têm?
Cheguei a estremecer com sua pergunta.
— Eu não tenho muitos — respondi engolindo em seco. — Gosto de ler e
ver filmes.
— Hm...
Franzi as sobrancelhas.
— O que isto significa?
— Nada — sorriu e não parecia nada inocente.
— Ryan. — Estreitei meus olhos para ele. — O que quis dizer com
aquele resmungo?
— Eu não resmunguei — protestou.
— Resmungou sim — afirmei.
Paramos de frente um para o outro com desafio nos olhos.
— Algum problema com os meus hobbies? — questionei colocando as
mãos nos quadris.
— Nenhum — disse. — Quais filmes você gosta?
Cheguei abrir a boca para responder, mas não encontrei as palavras, pois
no fundo eu não conseguia me recordar muito bem dos filmes que assisti
nos últimos tempos. Geralmente coloco algo na TV e desligo minha mente,
o barulho ajuda-me a dormir com mais facilidade.
Antes que ele pudesse continuar me questionando, um ciclista passou e
deixou a garrafa d’água cair, batendo na quina de um banco e explodindo
todo o líquido gelado em mim.
— Oh meu Deus! — exclamou o rapaz. — Desculpe moça...
— Tudo bem. — O interrompi enquanto passava as mãos pela minha
roupa encharcada.
— Vamos — chamou Ryan. — Moro aqui perto e posso te pedir algumas
roupas.
O ciclista novamente se desculpou, olhou com pesar para a garrafa
estourada e pedalou para longe. Eu estava um pouco atordoada com a
situação, principalmente quando minha camisa de botões ficou transparente
por estar molhada, e acabei seguindo Ryan de volta até o carro. Heron nos
aguardava com uma expressão neutra.
Entrei no carro com Ryan ao meu lado e minha mente começou a se
encaixar.
— Por favor, leve-me para casa — pedi. — Não posso permitir que me
compre roupas.
— Não vejo problemas nenhum...
— Ryan, por favor, não vamos discutir sobre isto — insisti. — Só me
deixe em casa que eu vou me trocar rapidamente e estarei de volta ao
trabalho.
— Tudo bem — acenou e Heron mudou a direção.
Minha casa não era tão perto, o que claramente me atrasaria para voltar
ao expediente, mas era o melhor a se fazer. Ir até a casa dele não seria algo
aconselhável, não sozinha e com todas essas emoções me invadindo.
O caminho foi feito em silêncio, o que de fato foi algo bom, pois eu não
consigo ignorar o fato de minha camisa estar tão molhada e transparente. Se
grudasse um pouco mais na minha pele as cicatrizes ficariam a mostra e eu
não conseguiria lidar com aquilo.
Novamente puxei a blusa para longe da minha pele sem esconder a
ansiedade que estava experimentando naquele momento.
— Belle? — sussurrou Ryan. — Você está bem?
Congelei quando sua mão tocou a minha, segurando-me com suavidade.
— Está trêmula — murmurou ele. — O que precisa? Diga-me e farei o
meu melhor para te ajudar.
Eu estava tão mal assim? Pensava ter melhor controle de minhas
emoções e acreditava que não estava tão evidente assim o desespero
crescente no meu peito. Eu tremia de medo que ele...
— Isto é uma cicatriz? — Perguntou olhando para onde meu pescoço se
ligava ao ombro.
Puxei minha mão para longe dele e arrumei a gola da camisa. Sabia que
não deveria ter aceitado almoçar com ele. Quanto mais perto fico, mais
aumentam minhas chances de descontrole.
Limpando a garganta, eu disse:
— Acho que gostaria de continuar trabalhando de casa hoje.
Ele ficou me encarando com uma expressão muito confusa no rosto.
Queria explicar, mas as palavras não saiam. Só de imaginar, o pânico
crescia em meu peito.
— Tudo bem — disse baixo. — Vou pedir que enviem suas coisas.
— Eu posso fazer isto — retruquei.
— Faço questão.
Acenei e desviei o olhar rapidamente quando senti as lágrimas
queimando em minhas pálpebras. Não faltava muito para chegar até a
minha casa, o que me deixou realmente aliviada.
Quando o carro parou um tremor atravessou meu corpo, conhecia aquela
sensação. Eu estava sobrecarregada desde ontem à noite, quando um sonho
trouxe com uma assombrosa realidade o dia em que eu quase morri.
Antes de descer, Ryan voltou a segurar minha mão. Quando o olhei,
fiquei presa na determinação que tinha em seus olhos.
— Um dia eu te ofereci ajuda e você não aceitou — disse baixo. —
Gostaria que soubesse que sempre que precisar estarei aqui. Aquele dia eu
não a conhecia, hoje estou começando a ver quem é você, e ainda assim
sinto que precisa de alguma coisa. Não sei se posso ajudar, mas estou à
disposição.
— Obrigada — minha voz saiu rouca de emoção.
Desci o mais de pressa que consegui e toquei o interfone da minha casa,
já que minhas mãos estavam trêmulas demais para firmar a chave. Fiquei
aliviada por Maju me atender, uma doce senhora que trabalha em minha
casa desde que me lembro, ela me informou que meu pai saiu para dar uma
volta com os cachorros.
Ficar sozinha era tudo o que precisava.
Maju me aguardava no meio da sala, as mãos segurando ansiosamente o
avental rosa que usava e tinha um olhar preocupado. Sorri tristemente para
ela e subi para o meu quarto.
Chutei os sapatos em um canto e parei na frente do espelho, mal
conseguindo enxergar por entre as lágrimas, mas sabia que algumas das
minhas marcas estavam proeminentes no tecido transparente e molhado,
desabotoei lentamente minha camisa. Deixei que caísse no chão e tentei
encarar aquelas cicatrizes como uma forma de superar o passado, mas o
medo ainda estava muito presente.
O pavor deixava minha pele fria.
Ergui um pouco meu olhar e me surpreendi ao vê-lo atrás de mim. Ryan
tinha um sorriso de lado e bem triste. Eu tinha algumas perguntas, e a
principal delas é como ele entrou, mas foi difícil encontrar minha voz.
— Uma senhorinha com um doce cheiro de baunilha me deixou entrar e
mostrou o caminho até o seu quarto — contou ele. — Ela disse que sentia
em seu coração que você precisava de um abraço.
Pisquei entre lágrimas tentando sorrir, mas falhei miseravelmente.
Ele se aproximou, segurou meus ombros e me virou. Seu olhar cheio de
gentileza não desviou do meu.
— Aquela noite eu a deixei ir — disse baixo. — Acreditando no que meu
amigo sempre diz sobre não ter como ajudar quem não quer ser ajudado.
Mas hoje, eu acredito que devemos insistir um pouco mais caso isto mude
alguma coisa.
Ryan segurou meu rosto com um carinho chocante e depois me puxou
para seu peito, abraçando-me como ninguém antes.
— Se machucou aquela noite — sussurrou ele. — Continua sangrando,
não é? — questionou e eu senti seus lábios em meus cabelos. — Pode me
mandar embora se quiser, mas não vou sair até ter certeza de que está bem.
Foi impossível continuar segurando toda aquela dor como tenho feito
desde sempre, mas que piorou no dia em que entrei no escritório de Ryan.
Ele era a lembrança viva da minha idiotice. Se eu tivesse aceitado a mão
que me oferecia, a morte não teria batido na minha porta naquela noite...
... cinco anos atrás.
Capítulo Nove
Por Ryan
Os tremores eram tão intensos que abalavam meus ossos, mas eu não a
soltei. Não poderia. Não depois de ver tantas cicatrizes marcando sua pele.
A blusa molhada a desestabilizou, não queria que ninguém visse, mas a
água fez com que o tecido grudasse e ficasse transparente, impossível de
ignorar. Meu coração ficou tão pequeno ao vê-la seminua pelo espelho que
por muito pouco ele não sumiu em meu peito.
A abracei mais apertado sem saber a quem queria consolar. Sentia suas
lágrimas molhando minha camisa e podia dizer que minhas pálpebras
ficaram úmidas com a emoção que me tomou.
— Eu — soluçou. — Me-e — soluçou. — Arrependi. — soluçou. —
Muito. — soluçou. — De-e não — Soluçou novamente. — Ter aceitado-o...
Minha ajuda completei em pensamento.
Ela soluçou de novo.
Seu destino tinha sido cruel aquele dia.
— Sua ajuda — concluiu e parecia ter perdido o resto das forças.
Seu corpo se tornou mais pesado enquanto ela se entregava a dor intensa
que estava presa em seu peito. Me inclinei e a carreguei. Dei alguns passos
e encontrei sua cama, sentei com ela em meu colo.
Seu pranto era o som mais sofrido que já ouvi na minha vida.
Ela se agarrou mais ao meu corpo, seus dedos afundando com força na
minha camisa. Apertei seu rosto contra o meu peito. Queria me desculpar
por ter a deixado ir tão facilmente naquela noite. Neguei meus próprios
instintos ao não segui-la e garantir que chegasse a um lugar seguro.
A culpa corroeu meu estômago e era doloroso.
O que tinha acontecido para ela ganhar tantas cicatrizes assim? Sabia que
a resposta me mataria por dentro, mas eu precisava saber para entender a
melhor forma que poderia ajudá-la agora.
— Sinto muito, minha linda. — Minha voz pareceu enferrujada. — Por
tudo o que passou.
— Ryan — choramingou contra o meu peito.
— Chore o quanto precisar, Belle, pois eu não vou embora até ter certeza
de que vai ficar bem — jurei.
— Eu nunca vou ficar bem — respondeu em um murmuro.
— Não é verdade. — Retruquei. — Você vai ficar bem. — Fiz questão de
enfatizar.
Ela não respondeu, se concentrou em controlar suas emoções e eu quase
fiquei agradecido por isto. Seu choro estava me matando por dentro.
Isabelle respirava profundamente e estremecia muitas vezes. Os soluços e
as lágrimas silenciosas eram os mais difíceis de parar, mas aos poucos ela
foi se acalmando e sussurrando algumas coisas.
Havia tempos que não tinha crises, mas desde que me viu em nossa
primeira reunião perdeu o controle. Suas lembranças se tornaram mais
presentes, seus pesadelos mais constantes, e a culpa por não ter aceitado
minha ajuda estava a torturando com mais força do que o normal.
Quando percebi que ela estava um pouco mais tranquila a deitei em sua
cama e a enrolei, quando tentei me afastar, ela segurou minha mão.
— Volto já — murmurei.
Acenando, ela me permitiu ir. Invadi seu banheiro em busca de uma
toalha pequena e depois seu closet. Quando retornei, pareceu muito
aliviada, aceitou a toalha para limpar o rosto e eu a ajudei vestir a T-shirt
dos Beatles que peguei em seu armário. Mas isto me deu uma clara visão de
suas marcas, todas com praticamente o mesmo tamanho. Linhas retas de
uns três centímetros enrugadas e rosadas.
Tantas que eu não conseguia contar.
Engoli em seco e fiz o máximo que pude para controlar minha expressão.
Não queria que Belle interpretasse errado meu sentimento a respeito de suas
cicatrizes e me afastasse.
Isabelle voltou a se deitar e eu me sentei ao seu lado cruzando as pernas
em cima do colchão sem me importar em colocar meus sapatos em sua
roupa de cama. Ela não me olhava e parecia perdida em lembranças ruins.
Segurei sua mão livre, pois a outra estava debaixo de sua bochecha no
travesseiro.
— Eu acreditei que tinha tudo sob controle — contou baixinho. — Que
não precisava de ajuda — suspirou alto. — Namorei com ele por quase um
ano, era bom, e nunca tinha visto nada demais em suas atitudes. Só o
achava ciumento demais e imaginava que poderia lidar com isto. Depois de
algum tempo comecei a ficar cansada dele tentando me controlar em tudo e
terminei nosso namoro quando o vi me traindo. — Sua voz estava tão baixa
que mal podia ouvi-la. — Ele me deu um soco — contou. — Aquilo foi o
meu limite.
Fechei meus olhos com pesar, esse soco foi no dia em que a conheci.
Queria saber quem era o idiota, ele era um convidado na minha festa e de
alguma forma eu deveria conhecê-lo.
— Depois de negar sua ajuda, fui atacada — choramingou. — Reconheci
sua voz, estava furioso e disse que se eu não fosse ficar com ele...
Não ficaria com mais ninguém completei mentalmente. Aquela era a
famosa frase usada por idiotas que não conseguem lidar com a decisão de
uma mulher ao terminar um namoro.
— Não sei de onde tirou aquela faca — choramingou. — Mas ele a tinha
e não teve medo de usá-la — sussurrou acariciando uma cicatriz pouco
abaixo de sua clavícula. — Um policial me encontrou no beco que fui
deixada e me levou para o hospital.
Seu atacante a deixou para morrer.
— Que bom que alguém a ajudou — digo baixo.
— Isto não teria acontecido se eu tivesse aceitado sua ajuda —
murmurou. — Chegar tão perto de morrer... — estremeceu e se calou.
Era uma experiência que parecia assustá-la muito mais do que o ataque
que sofreu. Novamente voltei a abraçá-la, permitindo que encontrasse em
meus braços algum, nem que seja um mínimo, conforto.
O desejo de insistir em saber a verdade estava forte dentro de mim,
queria que me contasse quem a machucou daquela forma para que eu
pudesse buscar justiça por ela, mas entendi rápido demais que não
adiantava pressioná-la. Em algum momento Isabelle confiaria em mim para
dizer ou não... talvez eu devesse confiar nela.
Olhando para a janela aberta de seu quarto, me perguntei inúmeras vezes
quanto daquilo era minha culpa. Afinal, se eu tivesse sido um pouco mais
insistente, segurando-a mais tempo, seu futuro poderia ter sido outro.
Aquela culpa estava me deixando agoniado e ainda assim me forcei a
ficar quieto. Mostrar a ela algum sentimento de ruim poderia piorar a
situação, pelo menos foi o que eu pensei se estivesse no seu lugar.
Um tempo depois ouvi um rosnado ameaçador, Lola, a rottweiler que
Isabelle insistiu em chamar de fofa apareceu no quarto, seguida por Aros,
um cão maior que ela e com um olhar curioso.
Fiquei gelado por dentro e toda aquela confusão de sentimentos que
estava me invadindo sumiu em um passe de mágica. Meu único desejo era
não respirar para ficar inteiro até que Belle conseguisse garantir que eu
fosse embora com todas as partes do meu corpo inteiros.
Lola me encarava com desafio, mas sua atenção em minha deliciosa
carne não durou muito. Ela subiu na cama, farejou um pouco e se deitou
olhando para Belle. Também olhei e percebi que ela dormia.
Aros me assustou um pouco com o seu tamanho, ele passou por cima de
Lola parecendo meio atrapalhado e se deitou também, ocupando boa parte
da cama com o seu corpo gigante.
Mas aqueles dois não eram os únicos que me olhavam feio, da porta tinha
um homem gigante com as sobrancelhas franzidas. O encarei sem nenhum
pingo de hesitação, apesar de seu tamanho, eu não tinha medo. Não quando
estava ali nas melhores intensões.
Sabendo que era minha hora de ir, me desvencilhei com cuidado dos
braços de Isabelle e tentei não me encostar nos cachorros quando me
levantei. Olhei para ela uma ultima vez antes de sair do seu quarto e segui
seu pai escada abaixo.
— James...
Ele balançou a cabeça e me indicou o sofá.
— Ela desabou, não é mesmo? — se jogou em uma poltrona.
— Sim. — Me sentei. — Eu não fazia ideia.
Ele esfregou a nuca.
— Eu recebi uma ligação quase no início da manhã e me informaram que
minha filha tinha sido esfaqueada até quase a morte em um beco — contou
sério. — Naquela época, eu estava lutando contra o vício de analgésicos. —
Bateu no joelho esquerdo que imaginei ser o que tinha machucado. —, e
não prestei muita atenção no que estava acontecendo. — Era fácil ouvir a
culpa na sua voz. — Ela quase morreu. — Sua voz ficou rouca. — Não deu
um nome na polícia e nem para mim, apesar de eu desconfiar de quem é.
Ainda não entendo seus motivos, mas respeito, quando ela quiser brigar por
causa disto, vou estar ao lado dela.
— Tenha certeza disto. — Me levantei. — Ofereci ajuda naquela noite,
mas deveria ter insistido.
— Não é sua culpa.
— Cheguei a procurá-la por alguns dias — contei. — E não tive nenhum
sucesso. Sinto muito que ela tenha passado por tudo isto. — Vi um bloco de
anotações em um canto e fui até ele. — Não consigo nem imaginar o que
ela está sentindo, mas acredito que ainda precise de ajuda. — Anotei um
número no papel. — Essa pessoa pode ajudá-la — afirmei entregando a ele.
— É meu amigo, ele é arrogante e irritante, mas entende o que faz. — Eu
mesmo estava pensando em correr direto para Ítalo naquele momento. —
Ele sempre diz que não dá pra ajudar quem não quer ajuda... — me calei
por um segundo. — Mas se passou cinco anos e ela ainda está sangrando.
Foi difícil falar isto, porém era a mais pura verdade.
— Eu vou ajudá-la — afirmou muito sério.
— Que bom — suspirei. — Eu preciso ir, mas estou à disposição para
qualquer coisa.
Capítulo Dez
Por Ryan
— Quer me dizer o que está acontecendo? — perguntou Ítalo.
Eu não conseguia falar.
Andei de um lado para o outro ansioso e raivoso com o que estava
sentindo. Olhei para meu amigo sentado reto e aparentemente tranquilo em
sua poltrona com um tablet nas mãos. Cheguei a sentar por um único
segundo e voltei a me levantar, não poderia ficar quieto e calmo.
Não agora.
Assim que sai da casa de Isabelle segui direto para o consultório dele.
Sou muito consciente de que o irrita quando fazemos isto, mas eu tinha um
motivo muito bom. Não sou igual o folgado do Leo que faz isto só para
testar a paciência de Ítalo
Mas...
Eu estava pronto para explodir. Queria gritar, esbravejar e quebrar coisas.
O som dos meus passos duros batendo na madeira do chão estava me
deixando mais pilhado. Tentei reduzir o ritmo e me sentar novamente, mas
não durei nem um minuto e me levantei outra vez.
— Ryan?
— Eu estou surtando! — vociferei.
— Percebi — respondeu ele. — E estou realmente surpreso — comentou
cruzando o tornozelo em cima da coxa. — Imaginei que aguentasse mais
alguns anos antes de realmente explodir.
Parei de caminhar e o encarei com certo choque.
— O que? — Me senti confuso.
Ítalo ergueu uma sobrancelha.
— Sua mãe foi embora, seu pai viveu trabalhando e você teve que largar
a profissão que escolheu para assumir os negócios da família. — Ele
apontou minha vida com uma naturalidade assustadora. — Você tem
absorvido muitas coisas desde sempre sem realmente lidar com nenhuma
delas.
— Eu não tenho problemas...
— Seu senso de humor retorcido quando o assunto é sua mãe caçadora de
dinheiro, não é algo natural, e precisa ser tratado — me interrompeu.
Estreitei meus olhos para ele.
Odiava que ele visse tanto de mim.
— Mas não é por causa disto que está aqui — concluiu quando me
encarou com mais atenção. — O que tirou seu controle?
Isabelle.
Voltei a caminhar de um lado para o outro e fiz isto por mais tempo do
que poderia contar. A cada passo eu me lembrava de um pouco mais das
cicatrizes dela. Ficava imaginando o quanto sofreu. Como foi deixada para
morrer em um beco sujo. Quinze facadas, foi o que seu pai comentou em
algum momento enquanto me acompanhava até o portão.
Quinze!
Pelo amor de Deus!
Quem foi o cretino filho de uma cadela que fez isto com ela? James disse
que ela afirmou ser um homem qualquer na rua, mas não foi isto que
Isabelle me contou. Seu ex-namorado a atacou. No entanto, não contradisse
o pai dela, ele desconfiava da verdade, se ela não contou, eu não poderia
fazer isto.
Eu queria descobrir seu nome e o espancar até quase a morte.
Aquela raiva não era algo normal, mas a situação em que me encontrava
passava muito longe da normalidade.
Por sorte, Ítalo era um homem muito paciente e experiente, pois a cada
volta que dava ele me fazia uma pergunta. Forçando minha mente funcionar
e quando percebi já tinha contado toda a história para ele. Desde o dia em
que ele mesmo havia me dito para ir embora daquela boate, como encontrei
com Isabelle, seu olho roxo, o medo de sua expressão, sua negativa em
aceitar minha ajuda.
— Não se pode ajudar quem não quer ajuda — repetiu ele.
Eu o mandei a merda com aquela frase, já que se tivesse insistido aquela
noite, Isabelle não teria sido esfaqueada. Seu futuro teria sido outro.
— Não foi sua culpa, Ryan.
— COMO NÃO? — gritei.
Ele nem se moveu com minha explosão.
— Conte-me como você iria segurar uma mulher que estava com medo e
que não te conhecia em uma rua deserta como aquela? — questionou em
um tom sério. — Use a lógica.
— VÁ A MERDA COM A LÓGICA! — soquei uma parede. — ELA
FOI ESFAQUEADA NO SEGUNDO QUE EU A DEIXEI IR!
Ítalo deixou o tablet na mesa de centro do lado com uma paciência
enlouquecedora.
— Se você tivesse impedido isto de acontecer, se ela tivesse aceitado sua
ajuda, não mudaria o fato de ela ter um namorado ciumento e agressivo —
Estremeci. — Esses homens não esquecem com facilidade a negativa de
uma mulher, ele se vingaria de outra forma — apontou. — Não há como
saber o que poderia acontecer em nenhum das situações, Ryan, mas você
deve entender que o que aconteceu não é sua culpa. Deve se lembrar de que
ofereceu ajuda e que ela negou aceitar. Forçar a situação teria a salvado
daquele ataque, mas estaria tirando a opção de escolha dela.
Foi como um balde de água fria no meu corpo em chamas.
— Você está furioso porque tiveram uma pequena ligação em um
momento crucial na vida de ambos — comentou. — E agora sente
necessidade de protegê-la, principalmente por ela ser sobrinha de April.
Me rendi e experimentei uma sensação de extremo cansaço quando me
sentei no sofá que ficava na frente da poltrona de Ítalo.
— Estou confuso — confessei. — E com raiva.
— É um sentimento normal devido às emoções que está experimentando.
— O que eu faço Ítalo?
— Isto depende.
— Como assim? — franzi a testa.
— Depende do que você está perguntando. — Deu de ombros. — Se
quer saber o que fazer com relação o que está sentindo ou sobre Isabelle,
talvez sobre ambos. O que você quer, Ryan?
Fiquei encarando-o sem encontrar uma resposta coerente para sua
pergunta. Deveria tratar somente o que estava sentindo? Ou o que estava
sentindo devia-se tudo a Belle? Não, não seria verdade.
“— Imaginei que aguentasse mais alguns anos antes de realmente
explodir.”
Era assim que ele me via?
Sabia que Ítalo não diria nada que não fosse verdade. E como odiava
admitir, ele estava certo. Havia muitos sentimentos ruins presos dentro de
mim, coisas que fiz questão de ignorar para não precisar lidar com nada
daquilo. Minha vida se tornava mais fácil quando eu me esquecia da minha
mãe gananciosa, meu pai morto, minha madrasta controladora, meus sonhos
em segundo plano... eram tantas coisas que me deixava tonto.
— Vamos conversar sobre isto amanhã, tudo bem? — perguntou Ítalo.
Não precisava ser um gênio para ver que ele estava me incentivando a
voltar.
— Sim — me levantei.
Ele também. — Ryan?
— Sim?
— Sabe que eu não sou bom com emoções ou sentimentos, mas acredito
que o melhor entendimento das situações ajude a encontrar um ponto de
equilíbrio.
— Sei disto.
— Vou te ajudar a encontrar o seu — prometeu.
Sorri.
— Obrigado. — Bati de leve em seu ombro. — Nos vemos amanhã na
praia.
Ele não respondeu e eu também não falei mais nada, fui embora um
pouco mais leve e até que razoavelmente mais calmo.
Quando sentei no meu carro, Heron esperou pacientemente enquanto eu
me decidia o que queria fazer. Aquele dia parecia não ter fim. Sentia que
precisava de um pouco de paz para pensar.
Só existia um lugar.
Respirei fundo antes de pedir:
— Vamos ao aeroporto — comuniquei —, eu preciso voar.
Capítulo Onze
Por Isabelle
Levantar e encarar a vida, não foi, nem de perto, uma tarefa fácil. Minha
cabeça estava doendo, meus olhos fundos e meu corpo tão cansado que tive
a sensação de ter corrido uma maratona durante a noite.
No entanto, me levantei cheia de determinação. Não sou mulher de ficar
me lamentando e me escondendo, apesar dos meus momentos, não
começaria agora. Precisava ir trabalhar, depois de perder toda a tarde de
ontem, hoje seria um dia tumultuado e muito louco.
O banho quente que tomei foi renovador e depois a escolha de roupa
deixou-me com dor de estômago. Sentia que precisava de uma armadura e
foi exatamente isto que vesti. O vestido vermelho que escolhi era justo na
medida certa e tinha certa elegância, apesar de que o decote um pouco mais
profundo exibia uma das minhas cicatrizes.
Engoli em seco e quase mudei de roupa, seria mais confortável usar uma
camisa que cobrisse tudo. Porém, não me troquei. Estava passando da hora
de enfrentar minha realidade. As cicatrizes eram lembranças constantes do
que tinha acontecido e eu não poderia ignorá-las pelo resto da vida.
Maquiagem finalizada, cabelo liso e saltos nos pés.
Encarei-me no espelho.
Sentia-me armada para enfrentar o dia e esperava que aquela força que
me invadiu não fosse embora a um passe de mágica.
Quando cheguei ao andar debaixo, encontrei meu pai tomando café com
um olhar distante. Os cachorros notaram minha presença e se levantaram
rapidamente. Hoje não dava para me ajoelhar para brincar com eles, não
com aquele vestido tão justo. Quis revirar os olhos. Não que isto fizesse
muita diferença com meus poucos metros de altura.
— Aros! — protestei quando ele bateu suas patas pesadas em cima de
mim. — Ei garoto, você é muito grande.
— Aros! — papai o chamou em um tom duro.
O cachorro resmungou e se afastou um pouco. Rindo, lhe fiz um carinho
entre as orelhas e ele latiu animado. Lola o empurrou para longe e tomou
seu lugar para ganhar um carinho. Ela era mandona por natureza e
protetora.
— Obrigada — sussurrei para ela.
Eu senti sua presença na minha cama boa parte da noite. Meu pai não os
deixa ficar tanto dentro de casa, mas ambos conseguem burlar as regras e se
infiltrar em algum cantinho. Lola ficou comigo, me protegendo dos sonhos
e memórias ruins.
— Bom dia, querida! — Papai beijou meus cabelos quando me
aproximei.
— Bom dia, o café está com um cheiro muito bom — comentei.
Não tinha tanta fome, mas não adiantaria nada ficar de barriga vazia o dia
todo. Então, me sentei na frente do meu pai e me servi uma xícara de café.
Escolhi alguns pãezinhos e coloquei no prato.
— Você está bem?
Ergui meu olhar e o encontrei me encarando com preocupação.
— Não. — Eu não via motivos para mentir. — Mas vou ficar.
— Sinto tanto que tenha que passar por isto — suspirou. — Ontem,
Stone, deixou esse número. — Me entregando o papel. — Ligue para esse
número, por mim, e agende um horário.
— E de quem é esse número?
— Ele disse ser de um amigo — contou. — Alguém que vai te ajudar.
Senti meus ombros tensos sem saber direito como reagir àquela situação,
principalmente sem entender o que queriam dizer com “Alguém para te
ajudar”.
— Sei que você é muito independente, e incrivelmente eficiente, mas
precisa ceder um pouco — disse baixo. — Não sei o que aconteceu ontem,
porém, você mesma disse que não estava bem. — Esfregou a nuca. —
Acredito que esteja na hora de você aceitar alguma ajuda.
Cheguei a abrir a boca para responder, se ele estivesse falando de terapia
iria protestar e negar, eu tinha feito isto por um tempo. Contudo, o
observando bem de perto e refletindo em suas palavras, entendi o que
queria dizer.
“Acredito que esteja na hora de você aceitar alguma ajuda”
Será que fui orgulhosa demais durante os anos que se passaram? Engoli
em seco ao avaliar minhas ações, até mesmo me senti envergonhada. Eu
tinha me escondido e me culpado por tempo demais, isto estava acabando
não só comigo, mas com ele também.
Olhei o número rabiscado no papel reconhecendo a caligrafia de Ryan e
acenei concordando. Eu não erraria desta vez ao não aceitar a ajuda que ele
oferecia.
— Vou fazer isto — prometi ao meu pai.
— Bom! — Pareceu aliviado. — Coma, você precisa de energia.
Sorri, não dava para competir com ele quando o assunto era energia. Meu
pai poderia comer um boi inteiro e ainda ficaria com fome no final do dia.
Tomamos o café da manhã juntos e conversamos sobre algumas coisas, mas
o assunto mais tocado era as coisas que Aros aprontava. A nova era um
buraco no jardim, o que deixou meu pai e o jardineiro furiosos, mas agora
causava boas gargalhadas.
...
Assim que cheguei ao trabalho, me surpreendi ao encontrar um
estagiário.
— Senhorita James! — exclamou animado.
— Sim? — olhei confusa para ele e entrei na minha sala com a certeza de
que ele me seguiria. — Como posso ajudar você?
— De forma nenhuma, sou eu quem irá ajudá-la.
Isto chamou minha atenção.
— Como?
— Sou Gabriel, seu assistente, mas me chame de Gaby — se apresentou.
— O senhor Stone ordenou que eu ajudasse a senhorita em tudo o que
precisasse e garantisse que não sofresse um treco como a senhora April.
Soltei uma risadinha.
— Ele disse isto?
— Com estas exatas palavras — afirmou sorrindo.
— Bom, se ele o mandou, então, seja bem-vindo e vamos ao trabalho.
Gaby acenou animado e começou a encher minha cabeça com perguntas,
fiquei me perguntando se ele não respirava em nenhum momento, já que
não parava de falar. Apesar da sua língua solta, ele se mostrou muito
perspicaz em assimilar o trabalho.
Foi uma adição muito bem recebida, principalmente por se mostrar muito
carinhoso. Era bom trabalhar com pessoas de bom coração.
E quando deu meio dia, um toque suave na porta chamou minha atenção.
— Entre.
Fiquei pasma escarando Ryan de bermuda, camiseta e chinelo.
— Gostou da minha nova roupa de trabalho? — perguntou com um
sorriso travesso.
Era uma bonita visão. Sua pele tinha um tom bronzeado de dar inveja e
seus cabelos pareciam mais claros, os fios brilhavam depois de serem
beijados pelo sol.
Isto não era tudo o que eu via.
Foi prazeroso descobrir que debaixo de seus ternos caros existia um
corpo magro e com músculos na medida certa. Sua camiseta branca deixava
muito pouco para a imaginação, o que me permitia ver a sombra de um
abdômen malhado de dar água na boca.
— Sem nenhuma reclamação da minha parte.
Ele riu e levantou um pé.
— A areia é adicional — brincou.
— Dia de folga, chefe?
— Todas as quartas, regularmente — se aproximou e caiu em uma
cadeira na frente da minha mesa.
— Confortável? — ergui uma sobrancelha.
— Muito — riu. — Já almoçou?
— Não, mas vou daqui a pouco.
— Posso ir junto?
— Só se estiver disposto a se reunir com alguns patrocinadores.
Ele franziu o nariz e estava ali sua resposta. Soltei uma risada baixa,
Ryan não era mesmo o melhor fã de reuniões. Percebi que poderia trabalhar
até tarde, feriado e finais de semana, mas só iria a reuniões quando não
pudesse negar.
— Almoço é sagrado, não sei quem inventou esses encontros de negócios
na hora da refeição — se justificou em um resmungo.
— Alguém com pouco tempo — retruquei.
— Eu tenho pouco tempo, mas jamais concordaria com isto.
Estreitei meus olhos para ele.
Não era possível que ele fugisse tanto assim desses compromissos.
— Não foi sempre assim — contou ele em um suspiro. — Eu nasci para
pilotar um avião, não uma empresa de aviação. — Coçou a barba. — Mas
no dia em que meu pai morreu, tive que lidar com tudo isto. Reuniões atrás
de reuniões. Contratos, almoços, jantares e até café da manhã —
estremeceu. — Eu emagreci oito quilos nos primeiros meses e trabalhei até
a exaustão. Ninguém neste prédio confiava em mim para manter essa
empresa. — Sorriu e pareceu bem amargo. — As pessoas me vigiavam,
controlavam meus passos, e chegaram a colocar escutas nos meus telefones.
— Que horror! — exclamei.
— Esse é o mundo corporativo. — Deu de ombros. — Eu não tinha um
segundo de paz. Aprendi a lidar com todos eles e descobri April, ela se
tornou meus dois braços e tirou de mim grande carga — explicou. — Mas
antes disto eu tive que conquistar a confiança dela — revirou os olhos. —
Nunca vi uma pessoa mais desconfiada.
Rimos juntos.
— Ela é terrível — brinquei.
— Mas muito eficiente e mandona — completou. — Sua tia me salvou
da loucura, estava beirando a insanidade — admitiu. — Com o passar dos
anos fiquei mais esperto, Heron tem um controle muito rígido com meus
aparelhos eletrônicos e com quem tem acesso a mim. Sabine espanta todos
que são precisos — riu. — E April domina as reuniões.
— Agora, eu domino as reuniões.
— Exatamente — sorriu despreocupado. — Está fazendo um bom
trabalho, não deixe que desanimem você.
— Não precisa se preocupar com isto, além de ser sobrinha de April, ela
mesma me treinou — afirmei com arrogância.
Ele gargalhou e cruzou os dedos atrás da cabeça flexionando os braços.
Realmente não tinha nenhuma reclamação da minha parte. Os músculos
tencionados de seus braços era algo para se admirar. Levou muito esforço
para desviar os olhos e não babar.
— Ei, rainha...
A voz de Gaby veio da porta aberta e se calou ao ver Ryan dentro.
— Rainha? — questionou Ryan com uma sobrancelha erguida.
Dei de ombros.
— Fazer o que, se ele é o único que reconhece meu poder — brinquei e
Ryan gargalhou. — Entre Gaby.
Ele pareceu bem desconfiado, mas deu três passos para dentro.
— Desculpe incomodar, mas a senhorita precisa ir ou ficará atrasada para
o almoço — informou ele.
— Estarei pronta em dez minutos — informei.
— Bom, o carro estará te aguardando.
— Obrigada, Gaby.
— Por nada — sorriu animado e quando se lembrou de Ryan escondeu
rapidamente o sorriso. — Senhor.
— Gaby — Ryan acenou despreocupado e o garoto correu para fora do
meu escritório. — Acho que o deixo nervoso — riu.
— Coitado! — me levantei. — Ele vai se acostumar com sua presença,
principalmente por que você parece gostar muito da minha sala.
— Não gosto da sua sala — retrucou e também se levantou.
— Não? — questionei quase que chocada.
Deu a volta na mesa e parou na minha frente.
— Eu gosto é da sua companhia — respondeu ele sério.
Não sabia o que responder àquilo, então, digo a primeira coisa que me
vem à mente.
— Bom também gosto da sua.
Ele me surpreendeu afastando levemente o cabelo que estava jogado
sobre o meu ombro. Fiquei tensa sabendo que ele estava vendo. Quando seu
olhar voltou a se erguer, tudo o que consegui ver foi admiração.
— Você está muito bonita — elogiou.
— Obrigada.
— Se sente melhor? — sua pergunta lembrou-me de toda agitação do dia
anterior.
Senti minhas bochechas ficando quentes, estava envergonhada por ele ter
visto tanto de mim. Todas as marcas da minha alma... e ainda me olhava
daquele jeito. Sem nenhum julgamento ou pena, somente preocupação e
gentileza.
— Sim — murmurei. — Desculpe-me por tudo aquilo.
— Não existe nenhum motivo para se desculpar — sorriu de lado. — Eu
não posso dizer que imagino o que sente, por que seria uma mentira, mas
acredito que de alguma forma, algum dia, você vai superar. — Beijou
minha bochecha. — Só se lembre de que estou aqui para ajudar.
— Obrigada — murmurei chocada com a sensação de seus lábios no meu
rosto.
— Eu preciso ir — se afastou. — Vou dar uma surra em um amigo na
academia — afirmou com arrogância. — Vejo você por aí.
Ele parou na porta e me olhou novamente, tinha um sorriso cafajeste e
um olhar brilhante.
— Bom almoço com os patrocinadores. — Deu uma piscadela e foi
embora sem me dar tempo para formular uma resposta.
Toquei o rosto com as postas dos meus dedos e podia jurar que ainda
sentia a suavidade de sua boca. Aquele homem queria me enlouquecer, não
tinha outra opção.
— Belle? — chamou Gaby. — Está atrasada.
— Hm, sim — peguei minha bolsa. — Já estou indo.
Passei pelo meu novo assistente com a mente um pouco enuviada demais
para ser consciente, mas algo me chamou atenção. Meu cabelo estava
jogado para trás, como Ryan havia feito, e a cicatriz aparente em meu
decote parecia queimar. Lembrei-me de seu toque e parei de caminhar.
Soltei o ar, um pouco trêmula, e me virei para Gaby. Ele tinha um olhar
curioso, o que quase me fez desistir.
— Marque um horário para mim com uma dermatologista, a melhor que
encontrar — ordenei.
Não esperei par ouvir sua resposta, corri para o elevador com o coração
na mão e foi aí que me lembrei da promessa que fiz ao meu pai. Tomando o
resto da coragem que me restava, fiz uma ligação.
Capítulo Doze
Por Isabelle
Sabe aquela expressão de falar é fácil, fazer que é difícil? Então, estou
provando a teoria agora mesmo. Sentada no divã do consultório do doutor
Ítalo Cooper, batendo os dedos na coxa e sem conseguir formar palavras, eu
me pergunto, o que mesmo estava fazendo ali?
Deus sabia como era grande minha vontade de levantar e fugir. Isto
mesmo, fugir!
Dois dias depois de fazer a ligação, Gaby conseguiu arrumar minha
agenda para que pudesse ir a essa consulta. Como imaginava, o amigo de
Ryan era um psicólogo. Bastou jogar o nome dele no navegador do meu
celular para saber que era um renomado profissional.
Meu estômago chegou a retorcer com a quantidade de especializações
que tinha abaixo do teu nome. Era um homem de QI extremamente elevado.
Apesar de sua expressão tranquila, eu podia ver inteligência em seus
impressionantes olhos verde através de seus óculos de grau.
— Sou muito bom em competição de silêncio — comentou com uma
pitada de humor. — Mas não acredito que ajude muito no progresso para o
tratamento de meus pacientes.
Ouvir a palavra “paciente” deixou minha pele fria, como isto era
possível, eu não sabia, mas levou muito de mim para não correr para fora
pedindo desculpas por ocupar seu tempo.
— Desculpe, eu não sei por onde começar — murmurei.
— Pelo começo é um bom caminho — disse e um sorriso se formou no
canto de seus lábios. — Conte-me como é ser filha de um jogador de
basquete?
Relaxei um pouco, não ir direto ao assunto me deixou respirar com mais
facilidade.
— Meu pai nunca me expôs muito, ele acredita que a privacidade é algo
que não deve estar nas mídias — respondi um pouco distraída.
— Inteligente. — Cruzou as pernas tentando passar tranquilidade, mas
isto não me enganava. — E sua mãe?
— Morreu durante o parto — contei. — Sempre fomos somente nós dois.
— E como se sente a respeito? — Parecia curioso.
Era uma boa questão.
Eu não sabia.
— Eu não sei dizer se isto me afeta, meu pai sempre esteve tão presente
que ele não me deixou sentir tanta a falta dela.
— Mas ele fala a respeito?
— Sempre — sorri. — Ele ainda é apaixonado por ela, era um amor de
juventude — acrescentei. — Pelo menos é o que sempre diz.
Pelos próximos minutos o assunto foi a respeito da minha criação, meu
crescimento, coisas que ativavam memórias boas. Relaxei tanto que quando
percebi estava deixada no sofá olhando para o teto concentrada em uma
pequena mancha que via lá em cima.
Será que ele já tinha percebido aquele pequeno defeito? Muito
provavelmente. Ítalo não parecia ser o tipo de pessoa que deixava coisas
passar, a prova disto foi à pergunta seguinte:
— Essa cicatriz em seu peito — apontou. — Como aconteceu?
Me repreendi por novamente usar um vestido que não escondesse aquela
marca, mas a cada amanhecer sinto uma nova vontade de me sentir bonita e
sensual. Agora isto tinha um preço, pois bastava um olhar no meu decote
para ver a cicatriz.
— Fui esfaqueada. — Fiquei surpresa com a facilidade em que contei. —
Na saída de uma boate.
— Seu agressor foi preso?
— Não.
— Por que não?
Me calei e foquei naquela manchinha lá no teto. Quase não conseguia
encontrar o ritmo dos meus batimentos, congelava-me por dentro lembrar o
motivo.
— Eu não dei queixa — contei.
— Vai me contar o motivo? — perguntou ele como se soubesse que era
algo que eu não contaria.
Pensei por um minuto.
Aquele era um grande passo, porém, necessário. Adiantava eu me
esconder por mais tempo? O que estava ganhando com aquilo?
Essas perguntas me fizeram lembrar de que se eu tivesse aceitado a ajuda
de Ryan antes, não estaria naquela situação. Engoli em seco sabendo que
agora tomava a decisão correta e eu precisava seguir em frente, não voltar
para trás.
— Vai respeitar os direitos de confidencialidade? — questionei sabendo a
resposta.
— Sempre — afirmou com uma confiança inabalável.
Eu não o encarei quando contei, pela primeira vez, o real motivo do meu
agressor não ter sido preso.
— Quando acordei no hospital, o primeiro rosto que vi foi o da mãe dele.
— O ar da sala se tornou espeço demais para mim. — Ela me ameaçou,
ordenou que eu ficasse de boca fechada, suas ameaças seriam infundadas já
que meu pai poderia muito bem cuidar da minha segurança, mas eu estava
tão apavorada e confusa que... concordei.
Fiquei calada tentando encontrar a melhor forma de respirar. Não
entendia o motivo de confiar naquele homem, mas algo me dizia que não
adiantaria me esconder por mais tempo. Já havia passado da hora de ajudar
a mim mesmo, e se ítalo era alguém que Ryan confiava, eu deveria baixar a
guarda e deixá-lo me ajudar.
— Respire devagar, vamos treinar algumas técnicas que ajudará a manter
a calma quando for necessário.
Acenei concordando e me sentei encurvando o corpo para frente como
Ryan havia me indicado no dia em que tive o início de um ataque de pânico
em seu carro.
Quando me senti melhor, voltei a falar, mas sem encarar Ítalo.
— Contei ao meu pai que foi um homem qualquer na rua, que não
reconheci sua voz, que não vi seu rosto. — Engoli em seco. — O mesmo eu
disse ao delegado.
Somente Ryan sabia que foi um namorado da época.
— Se arrepende?
— Sim — sussurrei. — Foram cinco anos, mas sinto como se tivesse sido
uma vida inteira para mim.
— E ele continuou vivendo normalmente — concluiu Ítalo.
— Sim. — Engoli em seco. — A vida não é justa, não é mesmo?
— Não.
O encarei surpresa com sua sinceridade. A psicóloga com quem me tratei
depois do acidente não hesitava em dizer coisas para me fazer sentir bem. O
que na maioria das vezes eram mentiras e que me deixavam frustrada por
sua falta com a verdade.
— Vejo sua surpresa, eu não vou dizer coisas para te iludir — disse sério.
— Eu trabalho com a lógica, e inverdades não tem espaço em minhas
teorias.
— Bom. — Franzi a testa. — E como a lógica se encaixa nesta situação?
— Foi impossível não questionar.
Ele sorriu como se já tivesse ouvido isto inúmeras vezes.
— Os medos são emoções esperadas tanto para os humanos quanto para
os animais...
— Emoções? — Não resisti à provocação.
— Não me venha com essa besteira de emoções — respondeu com um
sorriso esperto. — O medo é uma reação fisiológica, ligada ao estresse, que
acontecesse quando enfrentamos certas situações — explicou. — É um
ciclo cerebral vicioso, retransmissores como adrenalina e a serotonina
participam do processo. É uma reação muito subjetiva que pode somente te
tirar uma noite de sono ou de dar um ataque de pânico. — O encarei
sabendo que fiquei levemente pálida. — Você veio até aqui por algum
motivo, algo desencadeou suas lembranças e pelo o que posso supor,
chegou a ter ataques de pânico ou talvez de choro.
Era como se estivesse descrevendo o que passei nas últimas semanas.
— Credo — murmurei.
— Vamos trabalhar em cima disto, mas não precisamos ir direto ao
assunto — esclareceu. — Existem infinitas possibilidades por onde
podemos tratar no seu caso. E espero que entenda, que apesar de ambos
termos relacionamentos diferentes com Ryan, nada do que os dois me
falarem durante as sessões afetará meu julgamento ou trabalho.
— Ryan faz terapia? — perguntei curiosa e Ítalo não respondeu, mas eu
sabia a resposta.
Ele fazia, o que deixou meu coração pequeno no peito.
....
Quando parei para prestar atenção no tempo, havia se passado um pouco
mais de seis meses desde que ocupei o cargo de tia April. O trabalho se
tornou uma extensão de mim, não existiam dificuldades que eu não poderia
lidar.
Não até o momento, pelo menos.
Aquela era uma realização pessoal muito gratificante, pois ainda me
lembro do choque e do frio na barriga quando tia April disse que estava
saindo para um descanso e que tudo ficaria em minhas mãos. Imaginei que
seria um desastre, mas não foi bem assim que aconteceu e isto me mostrou
meu potencial.
Falando em tia April, ela se tornou uma desnaturada e sem coração que
só me liga uma vez a cada quinze dias somente para saber das atualizações
e depois some. Ela até tentou se justificar, contando que o namorado
italiano ocupava muito de seu tempo.
Eu sabia que em algum momento ela arrumaria um par, o que não
cheguei nem mesmo perto de cogitar é que ela se mostraria tão apaixonada.
O mundo estava perdido mesmo.
— Rindo sozinha?
Me assustei com a aquela voz tão perto. Virei e encontrei Ryan há alguns
passos de mim, ele tinha um sorriso bonito e seus olhos verdes brilhantes.
Era surpreende o quanto nos tonarmos amigos. Eu gostava da sua presença,
da sua amizade e principalmente do seu coração gentil.
Segurei para não suspirar, sabendo que ele estava me conquistando e que
forças, eu não tinha mais para resistir. Sonhava com o dia em que beijaria
seus sensuais lábios. Arregalei os olhos ao confessar aquilo em
pensamentos, negava-me a cogitar qualquer ideia a respeito. Não queria
confundir nada, não quando minha vida enfim tinha ganhado um rumo
muito agradável.
Agora que me tratava com Ítalo e também fazia um tratamento
dermatológico para reduzir as cicatrizes, eu não queria acabar com um
coração despedaçado.
— Só pensando em tia April.
Ryan bufou dramaticamente.
— Aquela traidora! — revirou os olhos. — Está me trocando por um
italiano qualquer.
Ergui uma sobrancelha e ri.
— Como sabe?
— Ela me mandou algumas fotos — desdenhou com as mãos. — Quando
eu ligo, não me atende, mas fica se exibindo quando quer.
— Essa é a tia April — gargalhei.
— Quer apostar que ela não vai voltar?
— Ela não ficaria lá — respondi e ele fez uma careta. — Tia April vai
voltar!
Ele riu.
— Apostado então, vai ser prazeroso ganhar essa disputa.
— Eu não aceitei isto e tenho certeza de que ela vai voltar.
— Não conte com isto minha linda.
Meu coração sempre dava um salto quando ele me chamava por nomes
carinhosos. Para ignorar a forma que minhas bochechas coravam, resolvi
entrar na brincadeira.
— Qual é o prêmio para quem ganhar? — perguntei.
— O ganhador escolhe.
Senti um frio se espalhar na minha barriga com o tom rouco da sua voz.
Ficamos nos encarando por um segundo, ou talvez, um minuto, não sei
bem, pois tudo o que pensava era em como queria beijá-lo.
Seria muita ousadia da minha parte, mas ainda era um desejo muito
presente nas últimas semanas.
— Ei! — exclamou Gaby da porta. — O que ainda fazem aqui?
— Gaby — murmurou Ryan. — Ele sempre chega assim — reclamou
baixo para que meu assistente não escutasse.
Rindo, peguei minha bolsa.
— Estou pronta — anunciei.
— Peço desculpas, mas chamei a atenção de Heron — contou Gaby. —
Ele não se lembra de seus compromissos — cruzou os braços. — E desta
forma o incentiva a atrasar.
— Deixe o homem em paz — ordenei.
— Mas...
— Sem desculpas, não é função dele seguir a agenda de Ryan — o
repreendi e o olhei para o meu chefe. — Você é o único que não segue as
regras aqui.
— Eu? — se fez de inocente.
— Você sim — apontei. — Combinamos de nos encontrar no elevador.
— Gosto de vir aqui. — Deu de ombros.
Rindo indiquei que deveríamos ir, hoje ele visitaria os guichês do
aeroporto da cidade. Eu realmente não gostava disto, geralmente vinha
acompanhado de puxas sacos e alguma pompa.
Era irritante, mas nada que eu pudesse fazer para evitar. Tia April disse
que era importante, tanto para os funcionários quanto para os clientes, mas
principalmente para Ryan. Ver de perto todo o trabalho sempre o ensinaria a
sempre valorizar o esforço que fez e faz pela empresa do pai.
Capítulo Treze
Por Ryan
As visitas passariam a ser muito mais interessante com a companhia de
Isabelle. Havia se passado três anos desde a última vez que fui naquele
aeroporto ver como estavam indo as coisas. Para mim, era uma grande
perda de tempo, mas April sempre insistiu. Então passei a concordar, pois
era um bom motivo para sair do escritório.
Atividade que salvava minha sanidade, era justo reconhecer.
Ver todas aquelas pessoas andando de um lado para o outro, correndo,
comendo nos cantos, puxando suas malas pesadas e toda confusão do
aeroporto distraia minha mente. Aquela cacofonia era muito bem-vinda no
meu mundo, mesmo que isto trouxesse a saudade de meus tempos como
pilotos de aeronaves.
Suspirando, permitir ser levado de um lado para o outro dentro das salas
ocupadas pela Stone Aviação, desde que Belle não saísse do meu lado, eu
não me importava. Não prestei muita atenção no que aquelas pessoas me
falaram, o que foi rude da minha parte, mas meus olhos continuavam
voltando para a bonita e impressionante mulher ao meu lado.
Não era minha culpa, e sim, dela.
A curva do seu pescoço ficava me chamando, principalmente hoje que
ela escolheu usar os lindos e lisos cabelos negros presos em um longo rabo
de cavalo. O que claramente deixava sua pele exposta para meus olhos
indiscretos e fazia com que minha boca ficasse seca de desejo.
O tempo que se passou nos deu a oportunidade de nos conhecermos
melhor e com isto, trouxe uma paixão que estava me enlouquecendo. Não
conseguia tomar um passo adiante e beijá-la, não quando eu sabia de tudo o
que passou e temia que não fosse bem recebido, e por isto, esperava
ansiosamente o dia em que ela daria um primeiro passo na minha direção.
Um beliscão nas minhas costelas me assustou.
Encarei Belle com as sobrancelhas franzidas.
— Preste atenção — murmurou.
— Eu estou — comentei.
Nela, completei mentalmente, estava prestando atenção nela.
— Neles — resmungou ela como se lesse minha mente.
Sorri inocente e voltei a encarar o gerente, ouvi tudo o que ele tinha a
dizer. Observei cada canto, cada pessoa, cada movimento ao meu redor. Dei
a atenção que era necessária, mesmo com Belle sendo a deusa distração.
E no fim...
Segurei sua mão e a levei até a área de observação de voos. Um dos meus
aviões de transporte doméstico estava taxiando a pista para decolar.
— Ainda fico chocada com isto — comentou Belle.
— Com o que? — perguntei confuso.
— Como o homem foi capaz de colocar uma máquina deste tamanho nos
céus — respondeu apoiando as mãos no vidro. — Sei que tem a engenharia
e toda a bagagem que acompanha, mas não deixa de me surpreender.
Sorri.
— Há coisas que mesmo explicando não faz muito sentido — comentei e
ela me olhou.
O sorriso em seus lábios foi um soco direto em meu estômago. Ignorando
aquele efeito, me encostei ao lado dela e fiquei olhando a pista.
— Você sente falta.
Não era uma pergunta e sim uma afirmação. — Todos os dias —
confessei.
— Como é lá em cima?
Fiquei observando um avião decolar.
— Sabe Belle, essa é uma pergunta que nunca consegui encontrar uma
resposta razoável — murmurei. — Mas lá em cima não existe
preocupações, pensamentos ou confusões. Somente um incrível céu azul e
nuvens que mais parecem algodão-doce.
— Ah, eu amo algodão-doce — disse Belle.
Algo no seu tom chamou minha atenção e quando a encarei, ela tinha um
sorriso gigante e olhos brilhantes.
— Você não? — questionou parecendo muito divertida com minha cara
de bobo, tudo por causa da curva impressionante de seus lábios.
Demorei um tempinho para me relembrar do que estávamos falando.
— Quem não? — devolvi com outra pergunta e ela riu. — Vamos tomar
um café? — ofereci.
— Não temos muito tempo — respondeu e olhou a tela do celular. — Eu
não posso demorar...
— Gaby dá conta, vamos! — a interrompi.
— Ryan!
Fingindo ignorá-la, segurei sua mão e a puxei para as escadas.
— Preciso de um café — justifiquei. — Um bem grande! E se permitir
que mais um bajulador fale na minha cabeça, você será demitida.
Ela gargalhou.
— Eu não tenho culpa!
Saiamos de uma escada e descemos em outra para chegar ao piso
principal do aeroporto.
— Vai ter — respondi.
— Você não pode me demitir — desafiou-me.
Jamais faria isto.
— Teste pra ver — brinquei.
Ela não respondeu, percebi que sua mão segurou a minha com mais força
e quando encarei seu rosto pensei que fosse desmaiar na escada rolante.
— Belle?
Seu olhar não mudou e quando o segui vi um grupo de aeromoças
subindo a escada lateral. Ainda confuso continuei olhando, até que vi a
dupla de pilotos. Um deles era Flavian, filho de Deborah acionista da minha
empresa. Cheguei a pensar em acenar, cumprimentá-lo, mas foi aí que
percebi que ele também a olhava e não era um olhar gentil, somente frio.
Um arrepio de desconfiança subiu por minha coluna.
Qual era a probabilidade de tudo aquilo estar relacionado?
Como o destino lidava com essas coisas?
O aperto na minha mão quase quebrou meus dedos e não relaxou nem
quando a escada rolou mais para baixo.
— Isabelle?
Seu rosto girou lentamente na minha direção. Seus olhos pareciam
perdidos e sua pele extremamente pálida. Não tive tempo de fazer uma
pergunta ou falar qualquer coisa, chegamos ao fim da escada e Isabelle não
se moveu. Precisei ajudá-la a pisar fora e mesmo assim suas pernas
pareciam gelatina.
Segurei ela há um metro da escada e quando ergui meu olhar, encontrei
Flavian na outra ponta nos olhando com atenção. Não conseguia dizer o que
sua expressão mostrava, mas era fácil deduzir que ele não gostava nenhum
pouco dos meus braços ao redor de Isabelle.
Foi aí que os pontos se ligaram.
Era ele.
A apertei contra o meu peito sem saber se eu estava me forçando a ficar
parado ou tentando consolá-la.
— Olhe para mim, Isabelle — exigi quando consegui colocar meus
pensamentos em ordem. — Você não vai desmaiar na frente deste canalha!
Erga seu nariz e caminhe comigo até um lugar que podemos ter
privacidade.
— Carro — disse ela com um esforço que me deu orgulho.
Heron não estava muito longe, eu sempre o sentia me olhando de algum
canto, ele entenderia a situação assim que visse o rosto dela.
— Bom, vamos para o carro.
Segurei sua cintura e indiquei que deveríamos ir, era urgente encontrar
um lugar seguro, pois eu via que ela estava muito perto de desmoronar.
Também tinha a sensação de que se ficasse ali por mais um minuto subiria
as escadas correndo e espancaria aquele idiota, até a morte.
Um passo atrás do outro até que encontramos um ritmo constante para
longe do homem que eu ainda não entendia porque respirava. Percebendo a
nossa urgência em sair daquele lugar, Heron seguiu na frente abrindo
caminho enquanto eu passei a arrastar uma Isabelle que nem parecia
respirar ao meu lado.
Chegou um momento que não resisti e a ergui em meus braços, foi
quando tive a consciência do tamanho do ataque de pânico dela. Corri para
o carro e quase agradeci aos céus por estar em um local de fácil acesso.
— Porra! — exclamei alto.
— Pra onde senhor? — Heron perguntou.
Olhei Isabelle, seus lábios estavam ficando roxos.
— Respire! — gritei em desespero. — Você está segura, eu juro, está
segura!
Seus olhos perdidos encontraram os meus e partiu meu coração.
— Ítalo — pediu ela com a voz abafada.
Seu pedido chegou até os ouvidos de Heron que estava na direção e
assim, ele voou pelo caminho desrespeitando todas as leis de trânsito. Eu
não me importava, não quando Isabelle passou da palidez para a cor da
morte. O pânico estava tão crescente dentro dela que parecia sufocá-la.
Pedi que se inclinasse para frente, mas ela não se moveu, então eu
mesmo a empurrei para baixo e tentei manter a calma enquanto a ajudava
encontrar um ritmo de respiração. Nunca tinha visto algo tão desesperador
daquela forma e acredito que fiquei tão assustado que comecei a esquecer
de respirar igual a ela.
Não sei quanto tempo demorou, mas sou consciente de que não era tão
longe, porém pareceu uma eternidade até chegarmos ao consultório de Ítalo.
Quando o carro parou, eu a carreguei para dentro passando por cima de
qualquer um que entrou na minha frente.
— ÍTALO! — gritei. — ÍTALO!
Sua secretária parecia tão chocada que nem se moveu, eu estava pronto
para entrar no escritório, quando a porta se abriu e meu amigo apareceu.
— O que... — se calou a me ver.
— Ela está tendo alguma coisa — anuncio com urgência.
— Venha — guiou-me para uma sala lateral e fiquei aliviado por ter uma
cama dentro.
Coloquei Isabelle sobre ela e quando tentei me afastar sua mão agarrou a
minha. Fiquei de joelhos ao lado da cama jurando silenciosamente de que
não a deixaria.
Ítalo se inclinou sobre ela e ficou falando calmamente, o que me deixou
foi mais nervoso.
— Lembra-se das táticas de respiração que trabalhamos? — questionou e
recebeu um aceno negativo dela. — Preciso que se concentre em mim, eu
poderia te dar um calmante, mas gostaria que você se encontrasse primeiro.
— Dê a ela alguma coisa! — ordenei nervoso. — Não vê que está
ficando roxa?
— Se acalme ou será o único a receber uma injeção — ameaçou ele.
— Ítalo...
Ele me ignorou e voltou sua atenção toda para Isabelle.
— Você mal está respirando — segurou seu pulso. — E a pulsação muito
rápida, se não se controlar vai acabar tendo um ataque cardíaco. — Aquilo
deixou meu sangue gelado. — Respire devagar. — Isabelle puxou o ar com
força. — Isto, você está segura, se lembra? Respire mais uma vez —
instruiu. — Eu ainda não sei o que aconteceu, mas tenho certeza que Ryan a
protegeria.
— Sempre — jurei preocupado.
Novamente fui ignorado.
— Respire e conte.
— Um — disse Belle com muita dificuldade.
— Mais uma vez — incentivou Ítalo.
— Dois — arfou.
— Isto aí, outra vez.
Ela puxou o ar e pareceu um pouco mais no controle.
— Três.
Seguiram assim até o número vinte, mal reparei que estava participando
da contagem da respiração acalmando a mim mesmo. Ítalo chegou a me
mandar sair, mas eu não me movi além de sentar no chão com minha mão
ainda envolvendo a de Isabelle. Não sairia até que ela ficasse melhor, ele
não entendia isto, mas cedeu quando ela mesma pediu para que eu
permanecesse.
Ele só aceitou porque acalmava sua paciente, se fosse outra situação,
teria arrastado meu traseiro para fora sem pensar duas vezes.
Encostei a cabeça na parede e fechei os olhos, sentia-me exausto. Aquela
situação levou-me ao limite e isto me fez pensar em como aquelas emoções
cobraram de Isabelle.
— Sente-se melhor? — perguntou Ítalo.
— Sim — murmurou ela.
Abri meus olhos e a encontrei me encarando, parecia esgotada. Apertei
seus dedos e lhe ofereci um sorriso gentil.
Ficaria tudo bem.
— Quer conversar? — questionou meu amigo.
Franzi o cenho confuso com aquela pergunta.
Isabelle demorou a responder, ela estava pensando no que fazer e isso me
fez relaxar, pois me indicava que ela tinha se encontrado.
— Um pouco de água antes? — pediu ela hesitante.
— Claro — Ítalo respondeu e se afastou até uma mesa lateral.
Quando retornou, voltou com dois copos como se soubesse que eu
também precisava daquilo. Balancei a cabeça, não sei como ainda me
surpreendia com o poder de percepção dele.
Mal eu sabia que tomar aquela água seria a única coisa refrescante para o
resto deste dia. Observei Ítalo pegar uma cadeira e colocá-la perto da cama
antes de se sentar. Seu rosto mostrava uma tranquilidade que me deixava
nervoso, e imagino que fazia a mesma coisa com Isabelle, afinal, quem
ficaria calmo com toda aquela paz e inteligência que ele exibia?
Ele não disse nada, ficou calado e até mesmo cruzou as pernas enquanto
observava Isabelle. Sua atenção se desviou para mim uma única vez e eu
sabia que estava me analisando, não sei a que conclusão chegou, mas
escolheu não falar nada.
— Eu o vi — murmurou Belle tirando-me dos meus devaneios.
— Quem? — Ítalo sabia a resposta, mas queria que ela falasse.
Isabelle estremeceu. Apertei sua mão oferendo apoio e senti que ela
relaxou uma fração de segundo.
— Flavian — sussurrou parecendo apavorada.
— E quem é ele?
Novamente, eu tinha certeza que Ítalo sabia quem era, mas usava seu
questionamento para fazê-la lidar com a situação. Não importava quanto
tempo passasse, o passado não poderia ser apagado ou mudado, por isto,
Belle tinha que aprender a melhor forma de viver com isto.
Depois de alguns meses de terapia com Ítalo, eu também estava
começando a entender aquilo.
— Um ex-namorado.
Senti meu estômago se retorcer.
— E por que tem tanto medo dele?
Ela não respondeu. Era como se não encontrasse palavras ou coragem
para abrir a boca. Quase fiquei aliviado pela demora dela em dizer, eu sabia
a resposta, porém, ouvir doeria mais.
— Ele me esfaqueou até quase a morte — sussurrou tão baixo que mal
consegui ouvir. — Só não me matou porque a faca que usou quebrou e as
perfurações não foram tão profundas. — Grossas lágrimas desceram por seu
rosto.
Foi a minha vez de estremecer.
Aquela velha culpa voltou a se afundar no meu peito.
Se eu tivesse insistido um pouco mais...
— Conte-me mais sobre isto — pediu Ítalo. — O que sentiu pra
desencadear o que passou hoje?
Prendi o ar ao me relembrar, em um minuto estávamos rindo e
planejando um café e no instante seguinte tudo havia mudado de uma forma
angustiante.
— Eu o vi... enquanto subia na escada... rolante... ao meu lado... As
lembranças pareceram nítidas demais. — Sua voz estava cada vez mais
rouca e falha. — Ainda me lembro do susto quando... alguém me agarrou
por trás... e eu reconheci sua voz... — Uma infinidade de lágrimas desceram
por seu rosto.
Foi quase que impossível não me mover e abraçá-la.
— Desde o ataque, não o tinha visto antes?
— Não — acenou freneticamente.
Aos poucos Ítalo fez mais perguntas e a cada resposta eu me sentia mais
enjoado. Embora o ponto mais alto de toda aquela conversa foi ouvir que o
primeiro rosto que ela avistou ao acordar no hospital tinha sido o da mãe de
Flavian.
Deborah.
Por muito pouco não me levantei e corri até aquela víbora para esganá-la.
Agora fazia sentido a implicância que ela mostrava a respeito de Isabelle.
Como ela ousa ameaçá-la? Só Deus tinha noção de como eu queria gritar
com aquela mulher.
Não sei quanto tempo ficamos ali, contudo, parei de ouvir Ítalo. Ele
conseguiu acalmar Isabelle, mas nada neste mundo me seguraria quando
explodisse em cima de Deborah. Meus pensamentos corriam de um lado
para o outro com uma mistura furiosa de emoções que estavam tornando
muito difícil manter a civilidade e o silêncio.
— Está com raiva — a voz de Ítalo chamou minha atenção.
Olhei para Belle e percebi que ela tinha dormido. Fato que deixou meu
coração mais tranquilo, eu esperava que quando acordasse estivesse se
sentindo melhor.
— Seu silêncio é gritante demais — disse Ítalo fazendo-me encará-lo. —
Imagino que esteja tramando vinganças ou coisas do tipo, seria algo que eu
faria. — Deu de ombros. — Porém, é algo que eu não recomendo.
— O que espera de mim? — questionei.
— Que converse comigo — respondeu. — Vamos debater até
encontrarmos um meio termo.
— E você acredita que existe um meio termo?
— O equilíbrio sempre está em algum lugar, nós que evitamos encontrá-
los.
Bufei sem paciência para aquele tom cheio de lógica dele.
— Eu conheço a mãe desse verme — contei baixo. — Uma das
acionistas na minha empresa.
Uma sobrancelha dele se ergueu em um arco perfeito.
— Devo dizer que essa é uma probabilidade quase que impossível de se
imaginar — comentou ele. — A mulher que você ofereceu ajuda aparece
cinco anos depois e os envolvidos em seu ataque são pessoas próximas a
você — coçou o queixo. — Até que faz sentindo, todos os três estavam na
sua comemoração. Se eu acreditasse em destino, diria que ele está
trabalhando a seu favor.
— Contra a meu favor — o corrigi e ele não pareceu se importar. —
Ainda quero ir até essas pessoas e matá-los por tudo o que fez com ela.
— E por que ainda não foi? — questionou Ítalo com um ar de sabichão.
Olhei minha mão que ainda segurava a de Isabelle.
— Não queria deixá-la — respondi baixo.
— Ela é o seu ponto de equilíbrio — disse Ítalo.
— Como? — perguntei franzindo as sobrancelhas.
Ele se levantou.
— Precisa descobrir isto sozinho — respondeu.
Capítulo Quatorze
Por Isabelle
Despertei desorientada. Eu não conhecia aquela cama e fiquei muito
confusa com o calor que estava sentindo. Queria descobrir o que estava
acontecendo e para isto precisei lutar contra a exaustão que tentava me
dominar a todo custo.
Deslizando minhas mãos pelo lado, descobri um corpo masculino, fato
que fez meus olhos estalar abertos assustada.
Ryan.
Ele dormia esticado na beirada da cama e minha cabeça estava em seu
peito. Uma olhadinha ao redor e as lembranças vieram como uma bomba
em cima da minha cabeça. Respirei fundo e lentamente, não queria ter outro
ataque de pânico. Estremeci me lembrando da intensidade do medo que
experimentei.
Sobressaltei quando os braços de Ryan me envolveram puxando-me para
o aconchego de seu abraço. Acreditei que tinha o acordado, mas ao olhar
para cima seus olhos ainda estavam fechados. Ele parecia relaxado e muito
tranquilo, respirava suavemente, o que fazia seu peito subir e descer em um
balanço calmante.
Surpreendeu-me quando a tensão deixou meu corpo e me permiti ser
embalada pelo conforto que encontrei ali. Eu não deveria gostar, nem
continuar naquela posição. Deus! Estava deitada em cima do meu chefe!
Homem que se tornou meu amigo, mas que ainda era meu chefe!
— Consigo ouvir sua mente — murmurou Ryan sonolento.
É eu não parecia tão relaxada como imaginava.
— Não deveria estar em cima de você. — Apesar de envergonhada não
me afastei.
— Não está em cima de mim. — Sua mão deslizou por meu cabelo
mostrando-me que estavam soltos. — Está ao meu lado. — Riu baixinho.
— Mas não me importaria que estivesse por cima.
Bati de leve em seu ombro, mas devo confessar que a possibilidade fez
meu estômago tremer.
Encontrei seus olhos e aquelas piscinas verdes cinzentas eram muito mais
atraentes de perto. Recriminava-me por querer, no entanto, algo mais
profundo me fez desejar beijá-lo naquele momento.
Seus lábios tinham um desenho perfeito, assim como um tom rosado
tentador que eu não consegui desviar os olhos. E quando ergui somente um
pouquinho, o encontrei me olhando com uma intensidade que... eu não sei
explicar.
— Ryan — sussurrei.
— O que você quer Belle? — era uma pergunta que poderia ter inúmeras
respostas, mas a que escolhi deixou-me tonta.
— Um beijo.
O sorriso de lado que apareceu em seus lábios foi toda a motivação de
que precisava. Acreditava que havia perdido a cabeça e ainda assim não
recuei. Se tivesse que ficar arrependida, que fosse depois de sentir sua boca
na minha. Assim, me ergui um pouco e o beijei.
Só um toque.
Um simples e suave toque.
E todo o meu corpo pareceu irradiar uma energia que quase me paralisou,
mas antes que eu mesma pudesse me deter colocando um pouco de juízo na
minha cabeça, segurei seu rosto e aprofundei o beijo. Sua língua tocou a
minha em uma oscilação sensual, motivando-me a continuar.
Senti meu corpo tremer com os calafrios que o atravessaram, meu
coração tinha um ritmo desconhecido enquanto o beijo se tornava cada vez
mais erótico.
Seus lábios pareciam afrodisíacos.
O aperto de suas mãos na minha cintura tirou-me daquela nevoa de
prazer. Ao me afastar, encerrando nosso beijo, percebi que estava montada
em cima dele. Como fui parar ali e sem perceber o que fazia era uma
explicação que eu não poderia dar.
Arfei bruscamente percebendo que mal respirava, e não era por um
motivo assustador como mais cedo.
— Acho que me empolguei — resmunguei.
Ele sorriu de um jeito bem cafajeste que fez borboletas invadir meu
estômago.
— Eu não tenho nenhuma reclamação — respondeu deslizando as mãos
por minhas costas.
A camisa fina que usava não colaborava muito, fazendo com que eu
pudesse sentir o calor de seus dedos em minha pele. Automaticamente
pressionei meu corpo contra o dele, a rigidez de sua ereção era mais do que
tentador, era uma tortura.
Pensar em sexo me fez reagir, praticamente pulei para fora da cama e
coloquei uma distância bem segura entre nós dois.
— Eu... eu... eu...
— Você? — Ryan dobrou os braços atrás da cabeça.
— Eu não deveria ter beijado você — consegui dizer.
— Então, eu não deveria ter retribuído? — questionou sorrindo.
— Isto!
Ryan gargalhou.
— Pare! — o repreendi. — Não tem graça.
— Tem, e muita! — retrucou. — Eu disse que não me importaria se
estivesse em cima de mim.
— Ryan!
— Quero outro beijo — afirmou despreocupado.
Segurei um gemido, também desejava outro beijo, mas não poderia.
Não mesmo!
Perdi minha mente muito rápido somente por beijá-lo, se fizesse de novo,
isto nos levaria a tirar as roupas e...
— Não — respondi trêmula.
Ele deu de ombros.
— Vou esperar você pedir.
— Eu não vou...
— Não tenho pressa — respondeu me interrompendo e se levantou.
Fiquei aliviada por ele não se aproximar, somente resgatou o terno que
estava jogado em uma cadeira e o jogou por cima do ombro.
— Vou pedir para Ítalo entrar em cinco minutos — anunciou. — E estarei
te esperando lá fora.
— Obrigada — suspirei.
Ele sorriu e deu uma piscadela.
— Disponha.
...
Ítalo não demorou, mas deu-me tempo suficiente para arrumar meu
cabelo e tentar alinhar as roupas.
— Como se sente?
— Melhor. — Sentei na beirada da cama. — Obrigada.
— Por nada — acenou. — Pode me chamar sempre que precisar, sabe
disto.
— Sei, mas ainda quero agradecer.
Cruzando os braços disse:
— Você se sabotou por um tempo, Isabelle, mesmo vindo às sessões não
falou muito sobre Flavian.
Só o nome dele me tirava o foco.
— Eu sei — murmurei.
Foram meses de tratamento, mas nem tudo estava aberto dentro de mim
para ser falado. Flavian e Deborah eram um ponto que eu nunca estava
pronta para tocar.
— Isto tem que mudar — afirmou sério. — O tipo de pânico que sentiu
foi muito extremo para ser ignorado.
Esfreguei a testa quando uma dor de cabeça começar a surgir.
— É só que...
— É difícil falar — completou ele quando me calei. — Eu entendo —
afirmou. — Palavras trazem lembranças e não é todo mundo que está
preparado para isto. Você se mostrou bem forte, resistente, mas não tem
como esconder essa fragilidade por mais tempo. O medo tem que ser
tratado, dominado, entendido, ou não chegaremos a lugar nenhum.
Eu sabia de tudo isto, mas ouvir da boca dele tornava tudo mais
complicado.
— Vamos fazer isto — prometi engolindo em seco.
— Sempre aos poucos, mas sem deixar pontos importantes para trás. —
disse. — Como, por exemplo, o fato da mãe de seu agressor ser alguém que
você vê diariamente.
Fechei meus olhos lentamente.
Deborah era um assunto muito desagradável.
Voltei a encará-lo.
— Nós fingimos que nunca teve um passado, ela dificulta meu trabalho e
eu a ignoro dando o melhor de mim — contei.
— Por que aceitou o trabalho sabendo que ela é uma acionista lá? —
questionou.
— Eu não saberia o que dizer para tia April, para negar recursar a oferta
— suspirei cansada. — Isto me levaria a contar a verdade ou me enrolar em
mentiras.
— Então enfrentou Deborah de frente?
— Sim.
— Impressionante.
Sorri amargamente.
— Eu não diria isto — retruquei. — Tremo cada vez que olho para
aquela mulher polida e aparentemente correta.
— Mas o fato de não demonstrar isto a ela, indica como você é forte e
que saberá lidar com Flavian, pois ele é o próximo passo.
Estremeci.
— Não gosto de falar dele — engoli com dificuldade. — Mas vou me
esforçar.
— Bom, vá para casa e descanse — ordenou e abriu a porta. — Deixei
uma receita para você com a minha secretária, ela mandou buscarem os
medicamentos. Use com sabedoria e nunca, jamais, tome mais do que o
recomendável.
— Obrigada — suspirei.
— Te vejo amanhã.
Capítulo Quinze
Por Ryan
Ela estava calada enquanto íamos para sua casa. Pedi a Heron para
mandar trazerem um carro para mim e agora estava atrás do volante
pensando em todas as coisas que ela poderia estar pensando.
Nunca odiei tanto o silêncio como hoje. Queria falar sobre o nosso beijo
e repeti-lo mil e uma vezes, talvez mais. Só que tudo o que eu poderia fazer
era respeitar o espaço dela até que rolasse o clima novamente.
Isto me mataria.
Meu corpo estava em chamas e não importava o tipo de desastre que eu
pensasse, nada diminuía as sensações que me invadiram depois de sentir a
boca dela sobre a minha e seu pequeno corpo pressionado contra o meu.
Ah Deus, gemi mentalmente, preciso parar de pensar naquele momento
ou iria ter uma dor constante na virilha.
— Obrigada! — Belle disse baixo.
Sua voz foi à salvação para o meu calvário.
— Pelo que? — questionei confuso.
— Por ter me tirado daquele lugar — respondeu com o olhar perdido. —
Também peço desculpas por ter presenciado tudo isto.
Franzi a testa.
— Não há nada para agradecer ou se desculpar, eu não deixaria você
perto destas pessoas se soubesse tudo o que te fizeram.
Estendi a mão e segurei a sua sem desviar o olhar do trânsito, por sorte
era horário de pico e estava indo bem devagar. O que me dava mais tempo
com ela. Não me passou despercebido como sua mão estava gelada e
trêmula.
Apertei seus dedos dando-lhe um apoio silencioso.
— Maior pavor do que o que senti ao vê-lo, foi me lembrar do medo que
experimentei ao perceber que ia morrer naquele chão sujo. — Sua confissão
rouca me pegou desprevenido. — A dor era tão grande e o cheiro do meu
sangue... tão intenso. Lembro-me de ter me arrastado pelo chão e, então,
tudo se tornou confuso. Alguns momentos com o policial que me
encontrou; outros na ambulância e as duas vezes que acordei no hospital —
disse ela tão baixo que nem sei explicar como consegui ouvir suas palavras.
— Eu sabia que iria morrer, sentia isto, sabe? Que estava morrendo. E me
agarrei ao desespero de não deixar esse mundo, e quase que não foi
suficiente. Fiquei em coma.
E acordou para ser ameaçada por Deborah.
O nojo que estava sentindo daquela mulher era gigante. Eu entendo que
os pais tendem a proteger seus filhos, mas o que Flavian fez com Belle não
tem como ignorar. Ele a esfaqueou, pelo amor de Deus!
Quinze vezes!
Deveria estar preso por tentar assassiná-la.
Respirei fundo e controlei minha raiva, sentia que Belle não precisava de
mais estresse e seria exatamente isto que o meu descontrole faria.
— Você quer justiça? — perguntei.
Ela demorou a responder.
Se dissesse que sim, eu moveria céus e terras para colocar os dois atrás
das grades. E se escolhesse não, eu a apoiaria.
— Seria o certo a fazer — comentou em ela. — Mas já se passou tanto
tempo — suspirou. — Agora eu só quero sobreviver, respirar... viver.
Apertei novamente seus dedos.
— Então eu vou te ajudar — prometei e prossegui antes que ela pudesse
protestar. — Não pense muito, Belle. Só aceite a ajuda, é de coração.
— Você não precisa de todo esse peso.
— Não é peso nenhum — retruquei. — Você não percebe?
— O que?
— O destino tem se esforçado para nos colocar juntos, primeiro na porta
dos fundos daquela boate — expliquei. — Depois no meu escritório, com
você ficando no lugar da sua tia, que era meu braço direito e esquerdo
naquela empresa. E agora.
Calei tentando me decidir se deveria dizer.
— O que tem agora?
— Que meu coração é seu — confessei e por sorte foi no exato momento
que parei na porta da casa dela.
Virei no banco depois de puxar o freio de mão.
Ela tinha os olhos arregalados, surpresa com a minha confissão. Não era
nenhuma novidade pra mim, embora tenha deixado mais claro depois de
Ítalo me motivar a descobrir porque Isabelle era o meu ponto de equilíbrio.
E a resposta era essa:
Eu me apaixonei.
Além de ser minha paixão, ela se infiltrou em minha pele. Era um
caminho sem volta.
— Não se assuste — pedi. — Pode parecer que muda a situação, mas não
muda. Meu coração é seu, Belle, e eu tenho todo o tempo do mundo para
você.
E nada disto era prioridade, completei mentalmente, meus desejos e
sentimentos não tinham tanto espaço no momento. Isabelle era a minha
prioridade, sua saúde mental era o mais importante de tudo.
— Nossa — sussurrou. — Por esta eu não esperava.
Sorri despreocupado.
— Só dizendo a verdade — inclinei e beijei seu rosto. — Agora vá para
casa e descanse, nos falamos mais tarde.
— Você simplesmente quer que eu vá descansar? — perguntou chocada.
— Na verdade queria beijá-la novamente — confessei. — Até perder o
fôlego. — completei. — Só que entendo que não preciso me precipitar...
Sua boca calou a minha.
Levei alguns segundos para entender, pois ela estava me beijando.
Segurei seu rosto e fechei meus lábios sobre os dela, e foi surpreendente
experimentar seu sabor novamente. O beijo seguiu lento, suave, sensual...
algo para marcar a alma.
E quando ela se afastou tudo o que encontrei em seus olhos foi tristeza.
— O que foi, meu anjo? — perguntei preocupado.
— Eu não posso ter seu coração, Ryan — disse baixo. — Não quando eu
sou tão danificada.
— Ele já é seu — afirmei e ela tomou mais distância. — Não aceito
devoluções.
Vi a rejeição em seu olhar e não me chocou. Entendia que Isabelle não
era movida pela emoção, ela precisava de tempo para assimilar suas
emoções. E eu daria a ela tudo o que precisasse.
— Não. — Balançou a cabeça. — Eu não posso ter um relacionamento.
Pareceu bem frenética com aquela afirmativa.
— E por que não? — questionei confuso.
Sua expressão caiu, ficando ainda mais triste. E partindo meu coração.
— Tenho tantas cicatrizes, tanto no coração quanto no corpo, que não...
Isabelle se calou, abrindo e fechando a boca ela não conseguia encontrar
as palavras para se explicar. Suas bochechas tomaram um tom escuro de
vermelho mostrando profunda vergonha.
Suas cicatrizes não estavam somente no corpo, mas na alma também.
Coloquei meu dedo sobre seus lábios quando entendi a que se referia.
Isabelle se envergonhava de seu corpo, ela preocupava de um dia ficar nua
na frente de um homem. Isto explicava a forma que pulou para longe de
mim quando nos beijamos na clínica de Ítalo.
Somente a ideia de sexo, mesmo que futuro, a aterrorizava.
Esse era um ponto importante a trabalhar, sua autoconfiança.
— Essas marcas em sua pele faz parte de você, isto nunca mudaria a
forma que a vejo — afirmei sério. — Você é linda, nunca duvide disto. —
Puxei ela para mais perto. — Não pense demais, Belle. Você não está
pronta, entendo isto, vamos com calma. Tudo bem? — Ela acenou. — Que
tal um jantar amanhã?
Vi que queria negar, lhe dei espaço para isto, suas escolhas sempre
seriam respeitadas.
— Tudo bem, ás oito — combinou me fazendo sorrir.
...
Alguns compromissos no escritório me forçaram a voltar para o prédio.
Poderia ter cancelado, mas isto significaria mais trabalho para outro
momento, o que realmente me irritaria.
Porém, antes de tudo, desci no andar que eu sabia que encontraria
Deborah. Aquela mulher não esperava o tumulto que eu arrumaria em sua
cabeça. Isabelle não queria justiça, mas eu ainda tinha cede de vingança.
Mal conseguia acreditar que todo esse inferno que Belle passou poderia
ter sido evitado. A minha consciência ficava me lembrando de que ela foi à
boate para uma comemoração minha, convidada pelo filho de uma das
minhas acionistas, filho esse que a esfaqueou até quase a morte porque ela
quis terminar o namoro.
E para piorar tudo o cretino pilotava meus aviões!
Meus!
Puta que pariu!
Ah, isto não ficaria assim, não mesmo! Não debaixo do meu teto.
Cheguei ao escritório de Deborah e a secretária me olhou surpresa.
— Senhor...
— Vim falar com Deborah.
— Ela está ocupada...
Não parei para ouvi-la. Abri a porta do escritório e encontrei Deborah
conversando com Gerrard, um dos acionistas. Outro causador de problemas.
— Ryan.
Ergui uma mão fazendo-a se calar.
— Gerrard, poderia nos dar licença? — questionei sem realmente o
encarar.
O homem se levantou rapidamente percebendo que eu não estava lhe
dando espaço para negar, não foi um pedido.
— Claro — acenou. — Depois conversamos mais, Deborah.
— Eu ligo para você — respondeu ela.
Ficamos nos encarando até que ouvimos a porta bater.
— Parece ser um assunto urgente, sente-se Ryan, por favor. — A
gentileza de sua voz e a polidez em sua expressão fez meu sangue chegar ao
ponto de ebulição.
Ela permaneceu em sua cadeira acreditando que se mostraria superior a
mim. Dei dois passos a frente e pousei minhas mãos espalmadas sobre sua
elegante mesa de vidro.
— A partir de hoje exijo que trate Isabelle com todo o respeito que ela
merece, ou eu vou acabar com sua vida e com o verme que chama de filho
— digo baixo e em um tom bem tranquilo.
O mesmo que uso para algumas negociações.
Presenciei o exato momento em que a cor fugiu de seu rosto e me senti
satisfeito.
— O que ela disse...
— Não abra a boca — exigi. — Sua voz me causa enjoos. — Apontei um
dedo em seu rosto. — Tente ameaça-la novamente, por favor, tente. —
Implorei. — Vou garantir que você e Flavian tenham a mesma sentença.
— Ryan, é um absurdo o que está dizendo.
Batendo a mão na mesa vociferei: — Não minta na minha cara!
— Ryan olhe como fala comigo!
— Ou o que? Vai mandar seu filho me esfaquear? — questionei furioso.
Por um momento, pensei que Deborah fosse desmaiar, porém nem
mesmo isto me fez parar.
— Aquela mulher era só uma menina cinco anos atrás! — exclamei. —
Eu a encontrei saindo fugida pelas portas do fundo daquela boate com um
olho roxo e inchado — rosnei furioso. — Ofereci ajuda a ela e a única coisa
que salvou Flavian, foi que Isabelle não aceitou minha ajuda. Ou eu teria
quebrado a cara dele por bater em uma mulher. — Afastei um pouco para
não fazer besteira. — Inacreditável que ele ainda tenha perseguido Isabelle
e a esfaqueado.
— Não foi bem assim — engasgou.
— Pare de tentar defendê-lo! — exclamei indignando. — Coloque-se
você no lugar dela. Se imagine agredida, esfaqueada e jogada em um beco
sujo! Só depois disto pense se pode defender esse verme.
— É meu filho!
— Ele esfaqueou uma mulher até quase a morte! — retruquei no mesmo
tom.
— Isabelle distorceu a história...
— CALE A BOCA! — gritei. — Pare de ser cega! Entendo que é seu
filho, mas não tem como perdoar o que ele fez! — digo furioso. — Se
coloque no lugar dela! Nunca, nunca mais chegue perto dela ou eu vou
fazer você pagar.
— Não me ameace. — Se levantou parecendo trêmula.
— É um aviso, única coisa que vai ter de mim.
Sai de sua sala sem esperar por respostas, faria da vida daquela mulher
um inferno se ousasse me desafiar.
Encontrei Gaby no caminho para o elevador.
— Gaby!
— Senhor. — Seus olhos se arregalaram.
Percebi a dureza na minha voz e não consegui recuar. — Reunião na
minha sala agora!
— Sim, senhor! — respondeu de prontidão.
Entramos no elevador com a companhia de Heron. Coloquei minhas
mãos no bolso da calça quando percebi que tremiam. Por sorte chegamos ao
meu andar rapidamente e eu marchei para fora.
— Heron você também! — exigi.
Sabine ergueu o olhar e pareceu muito curiosa com a cena, bastou um
aceno meu para ela se colocar de pé e me seguir para dentro.
Sentei na minha cadeira forçando-me a recuperar o controle de que tanto
me orgulhava. Encarei os três funcionários. Dois se tornaram minha família,
e o terceiro tem se mostrado alguém de muita confiança.
— Gaby, nada que for dito nesta sala pode ser repetido — apontei. — Na
saída, Sabine terá um termo de confidencialidade especial pronto para você.
— Sim, senhor — acenou ele rapidamente.
— Bom, quero que arrume um comprador para as ações de Deborah. —
Ele arregalou os olhos e pude ver surpresa em Sabine também, mas ela era
mais rápida em esconder suas emoções. — Alguém que a incomode até que
venda e no fim compre as ações para mim. Chame Leonardo Sabag.
— Farei isto, olharei com Isa...
— Isabelle não saberá desta reunião. — O interrompi. — Somente
compre as malditas ações e tire essa mulher desta empresa.
Gaby acenou freneticamente.
— Heron, aumente a segurança no andar de Isabelle — ordenei. — Tenha
certeza de que ninguém vai ameaçá-la. Também quero um segurança a
seguindo, a distância, mas tenha alguém protegendo-a.
Seu aceno discreto era a confirmação de que ele faria tudo isto e um
pouco mais para garantir a segurança de Isabelle.
Então, encarei Sabine.
— Seu alvo é Flavian, filho de Deborah, e um dos nossos pilotos —
contei, por pouco não rosnei. — Ele está nos voos internacionais.
— Vou fazê-lo cair — prometeu ela entendendo rapidamente o recado.
— Quero mais que isto, vá mais longe — apontei para Heron. —
Descubra todos os podres dele, em algum momento ele vai cometer outro
erro e desta vez quero provas para que não escape de uma longa estadia na
prisão.
Sabine sorriu, ela faria isto acontecer. — Estão dispensados.
— Vou mandar trazerem um lanche para você — informou Sabine.
Pensei em negar, mas somente a encarei em silêncio. Sabine conhecia
todos os meus passos, ela estava em contato direto com Heron. Ele deve ter
informado que perdi o almoço e não me deixaria em paz.
Também tinha o fato que morrer de fome, ou desmaiar, não me levaria a
lugar nenhum.
Fiquei sozinho, encarando a porta com um milhão de pensamentos
diferentes invadindo minha mente. Seria um longo dia.
Suspirei.
Meu celular tocou e atendi assim que vi o nome na tela.
— Leo.
Capítulo Dezesseis
Por Isabelle
Com as pernas trêmulas desci as escadas da minha casa, ouvi quando
Ryan chegou e isto fez meu coração descompassar. Passei o dia buscando
coragem para cancelar aquele encontro. Era um absurdo! E uma idiotice!
Não deveria ter aceitado aquele convite.
Odiava como a sensação de pânico estava se tornando cada vez mais
comum. Embora toda a emoção do dia anterior ainda estivesse sobre mim, o
que mais me abalava era a confissão dele.
“Que meu coração é seu.”
Estremeci.
Eu sabia que o meu era dele, mas nunca esperei a retribuição. Não depois
de me encarar no espelho. Não depois de ele ter visto como meu corpo era
marcado. As cicatrizes já não eram mais tão proeminentes, fiz seis meses de
tratamento, elas ainda estavam lá e não iriam embora.
Deveria sentir nojo com todos aqueles rasgos cicatrizados em minha pele.
Como ele poderia ainda me querer?
Eu tinha medo da resposta, medo por ser tão covarde.
— Ei! — exclamei quando Aros subiu correndo as escadas e quase me
derrubou.
Ele me olhou por um segundo mostrando que estava com pressa de
encontrar um lugar para mastigar a bolinha que tinha na boca.
Por uma segunda vez, quase fui derrubada quando Lola voou pelos
degraus atrás de Aros. Aquela seria uma confusão boa, mas teria que pedir a
meu pai que olhasse os dois ou acabariam se machucando.
— Vai ficar aí para sempre? — perguntou papai.
O encontrei no andar de baixo, Ryan estava dois passos atrás com um
sorriso bonito no rosto.
— Não — ri. — Só observando que Aros e Lola estão competindo por
causa de um brinquedo.
— Vou cuidar deles — prometeu e sorriu. — Está muito linda,
chaveirinho.
Revirei os olhos e desci mais alguns degraus.
— Chaveirinho? — questionou Ryan.
— Não se atreva — coloquei as mãos na cintura.
— Está linda. — Sorriu inocente.
Minhas bochechas coraram, o vestido preto que coloquei era um dos
mais bonitos do meu armário. Cobria minhas cicatrizes, o que trazia grande
comodidade para mim, e dava-me uma sensualidade elegante.
— Estou de olho nos dois, mas sem toque de recolher — disse papai
antes de subir para o andar de cima.
Ryan gargalhou.
— Eu gosto do seu pai — afirmou.
— Às vezes eu tenho minhas dúvidas sobre gostar dele — brinquei.
Ele me surpreendeu ao beijar o canto da minha boca.
— Está realmente muito bonita.
— Obrigada — murmurei.
Sua piscadela me fez rir.
— Pronta?
...
O caminho até o restaurante foi surpreendentemente tranquilo. Antes, eu
estava assustada com todas as possibilidades do que poderia acontecer se eu
prosseguisse com aquela loucura.
No entanto, quando entrei no carro dele toda a tensão desapareceu. Ryan
agiu da mesma forma de sempre, leve, descontraído e com uma pitada de
safadeza. Apesar dos meus receios, aquele era o meu Ryan.
Não! Espere!
Ele não é meu.
Não mesmo.
Só meu chefe, um bom amigo e um homem que beijei duas vezes.
Simples assim.
Não seria nada bom complicar as coisas ainda mais. Segurei o suspiro de
frustração e permiti que ele me guiasse para dentro do elevador. Ainda não
tinha entendido o que estávamos fazendo naquele prédio beira-mar, mas o
acompanhei silenciosamente.
Aproveitei os espelhos ao redor para reparar, com bastante discrição, em
como ele estava bonito. Era uma surpresa vê-lo fora de um terno. Jeans
cropped preto, aquelas calças curtas na panturrilha, sapatos sociais mega
elegantes que eu tinha medo de perguntar o preço e uma camisa de botões,
azul escuro.
— Estou com fome — murmurou ele me fazendo rir. — Aqui tem o
melhor risoto de camarão que já comi.
— Amo!
— Ufa — riu. — Fico aliviado por compartilhamos algo tão bom.
— Quero ver se é tão bom assim, pois nenhum outro ganha o da tia April.
Ele me olhou chocado.
— April sabe cozinhar?
— Sim.
— Não acredito. — Fingiu estar ofendido, mas falhou rindo.
— Acredite, Master Chef!
— Que absurdo. — Fez uma careta. — E ela sempre exigindo
restaurantes caros, sendo que poderia estar cozinhando para mim.
— Ela não faria isto — provoquei.
Ele bufou.
— Não mesmo — concordou.
As portas se abriram e fomos recebidos por uma morena elegante.
Conferiu nossa reserva e nos encaminhou para a nossa mesa e... uau. Fiquei
encantada com o horizonte. O mar escuro. A lua cheia. As estrelas
brilhando no céu.
— Ryan, meu amor!
Nos viramos juntos ao ouvir aquela voz grossa com uma boa pegada
afeminada. Um homem de uma beleza impressionante e um sorriso de
molhar calcinha nos olhava com grande divertimento.
— Ben. — Ryan riu.
Ao lado de ‘Ben’ tinha uma radiante mulher grávida.
— Querido, não me contou que tinha me trocado. — Ben continuou com
aquele tom fino que parecia não combinar com sua personalidade, mas
quem sou eu para julgar?
— Benjamim! — a mulher bateu em seu braço e ele gargalhou.
— Acho bom não ser outra modelo ou vou contar para Esmeralda. —
Ameaçou Benjamin ainda em tom de brincadeira.
— Pelo amor de Deus! — exclamou sua acompanhante.
— Seu veado! — retrucou Ryan. — Belle, esses são meus amigos,
Benjamim Daslow e sua linda esposa Valentina Daslow.
Ah, bem que eu tinha a sensação de que os conhecia de algum lugar.
— Muito prazer em conhecê-los! — digo.
Recebo um abraço de Valentina e um beijo no rosto de seu marido.
— Acabamos de chegar — anunciou Benjamin. — E pode ter certeza que
vou me sentar com vocês — afirmou ele.
— Eu não te convidei — retrucou Ryan depois de abraçar Valentina. —
Mas você é outra história.
— Obrigada Ryan. — Ela riu. — Ben está só pegando no seu pé, já
temos nossa mesa reservada...
— Vou ficar com ele. — Benjamin a interrompeu. — Iaiá quer relatos
sobre sua vida — contou. — Não vou sair daqui até descobrir.
— Benjamin! — exclamou sua esposa.
Ryan gargalhou chamando atenção das pessoas ao redor.
— Seu fofoqueiro — acusou.
— Prefiro ser fofoqueiro a lutar para tirar Iaiá da minha cama — cruzou
os braços. — Ela adotou Tina debaixo de suas asas. Mal abro meus olhos e
ela já está invadindo meu quarto com café da manhã somente para a neta e
bisneta dela.
— Você só está com ciúmes. — Tina o provocou.
— Claro! Ela é minha avó, não sua, e ela nunca me mimou.
Rimos juntos.
— Esmeralda precisa cuidar da vida de outra pessoa — completou
Benjamin apontando para Ryan. — Eu quero sexo matinal.
— Benjamin! — Ela o repreendeu e ele revirou os olhos. — Você está
impossível...
Ela se calou, seu rosto foi ficando pálido com uma rapidez angustiante.
— Amor? — Benjamin a chamou.
Valentina não respondeu. Abraçou sua barriga se inclinando para frente,
seu marido apressou para segurá-la.
— Querida?
Quando os olhos dela se ergueram estavam arregalados e assustados.
— Minha bolsa estourou — anunciou em um sussurro.
— Porra! — exclamou Benjamin.
— Vamos para o hospital — disse Ryan.
— Não entre em pânico — ordenou Valentina para o marido.
— Eu não entro em pânico — afirmou arrogante. — Precisamos ligar
para sua médica, e informar seus pais, e os meus, e pegar a bolsa... será que
está no carro? Alex, eu preciso de Alex...
Ele caminhou para a saída nos deixando para trás com sua esposa em
trabalho de parto. Ryan gargalhou e só se controlou quando eu o olhei feio.
— Benjamin! — exclamou Valentina.
Ele parou e olhou para trás confuso, o que fez Ryan rir baixinho.
— Está esquecendo-se do principal amigo — disse apoiando Valentina.
— Sua esposa e sua filha.
— Eu não... oh — arregalou os olhos e voltou correndo. — Desculpe
querida...
— Não fale nada. — Deu um gemido dolorido. — Só vamos logo.
— Consegue andar? — perguntou Ryan.
— Eu vou carregá-la — anunciou Benjamin.
— Não. — Negou. — Eu posso andar — suspirou. — Vamos logo!
Heron estava por perto como sempre e se aproximou quando Ryan o
chamou. Fiquei impressionada com a praticidade dele. Instruiu ao
segurança a chamar Alex, o segurança de Benjamin, e que fizesse as
ligações necessárias tanto para a médica de Valentina quanto para os
familiares e amigos mais próximos.
Benjamin tentava apoiar a esposa, mas no fim ela era quem o estava
confortando. O homem estava pálido e totalmente desorientado, por isto
Ryan dominou a situação. Assim que chegamos ao térreo, um segurança
alto com uma expressão neutra nos aguardava. Acredito ser o Alex. Atrás
dele, mais dois rapazes aguardavam. Descobri ser Aslan e Ciro, ambos
demonstravam ansiedade e nos escoltaram até os carros. Ciro era uma
grande montanha que começou a tagarelar fazendo Valentina relaxar e
sorrir. Descobri uma grande amizade ali e fiquei feliz em ver a naturalidade
em que se tratavam.
Até mesmo Benjamin relaxou um pouco e pareceu se reencontrar. Agora,
a única ansiedade que mostrava era a de conhecer sua filha.
Essa sim era uma mudança no rumo da noite que eu nem cheguei a
imaginar. Em vez de jantar em um restaurante chique, estávamos indo para
o hospital e eu não poderia estar mais feliz... apesar de que quando coloquei
meus pés no saguão do hospital, cada célula no meu corpo pareceu
congelar.
Capítulo Dezessete
Por Ryan
Depois de dez minutos sentado na sala de espera privada do hospital, não
consegui mais ignorar a tensão que tinha se acumulado em Isabelle.
— Ei — sussurrei. — Venha aqui.
Ela me olhou com as sobrancelhas franzidas. Não lhe dei tempo para
pensar e a puxei do assento direto para o meu colo. Isabelle arfou chocada
quando sua bunda pousou nas minhas coxas e seus pés bateram na almofada
em que estava sentada.
— Ryan!
Olhou ao redor e cor manchou suas bochechas quando viu Heron e Ciro
perto da porta. Revirei os olhos. Estava tão acostumado com a presença
deles que já não me afetava.
— Quieta — digo baixo.
A acomodo no meu colo e seguro seu rosto com carinho. — Eles nem
estão nos vendo, só pensam compulsivamente com medidas de segurança.
Ela riu baixinho.
— Coitados — murmurou.
— Já te contei que conheço Benjamin a minha vida toda? — perguntei.
Isabelle relaxou uma fração de segundo quando me olhou com
curiosidade.
— Não.
— Somos um total de quatro amigos — contei. — Benjamin, Leonardo,
Ítalo e eu. — Deslizei meus dedos por sua bochecha. — Ítalo foi o último a
agregar, o conhecemos em Harvard — ri. — O louco já estava lá há alguns
anos estudando tudo o que conseguia, pois sua mente é algo incrível.
— Ele é impressionante — comentou ela.
— E arrogante — completei. — E segundo Valentina, esse parece ser o
requisito básico para o nosso pequeno grupo.
— Então, devo acreditar que Leonardo não fique atrás na presunção.
— Ele é o líder da arrogância — brinquei e ela gargalhou.
— Está ciente que você faz parte do grupo, não é mesmo?
Estreitei meus olhos para ela de forma bem teatral.
— Não sou arrogante.
— Essa sua afirmação já diz tudo!
— A verdade — retruquei.
— Nem perto disto — Seu olhar tinha um toque encantador de desafio.
— Acredito que vou ter que concordar com Valentina, arrogância deve, sim,
ser um requisito básico para o seu grupo.
— Deveria me defender — acusei.
— Eu não. — Bateu levemente no meu peito. — Você é arrogante, mas
não é algo ruim. Não é maldoso ou mentiroso. É natural com uma grande
parcela de orgulho. — Segurou a gola da minha camisa. — É atraente.
Tudo dentro de mim pareceu sentir aquela pequena afirmação.
Envolvendo minha mão em seus cabelos sedosos, puxei seu rosto para
mais perto e roubei um beijo seu. Sua boca sempre tão macia e saborosa
envolveu a minha, correspondendo no mesmo ritmo. Nunca me cansaria de
sentir seu sabor, de chupar seu lábio inferior carnudo.
— Ah pronto! — exclamou uma voz muito conhecida. — Se esqueceram
de ensinar boas maneiras para esse menino!
Ergui meu rosto e sorri para a figura que encontrei nos observando. —
Esmeralda.
Ela colocou as mãos nos quadris.
Isabelle tentou sair do meu colo, mas eu a segurei no lugar.
— Seu pai não te ensinou que hospital não é lugar para essas
indecências?
Vestindo um jeans mais justo do que qualquer um que eu já tenha visto,
botas de salto e jaqueta de couro, Esmeralda parecia muito mais jovem do
que realmente era.
— Não. — Balancei a cabeça. — Ele gastava muito tempo construindo a
bomba que chamo de herança.
— Justo — sorriu. — Sou Esmeralda — se apresentou e beijou o rosto de
Belle. — Adorei você não ser uma modelo alta e magricela — riu.
— Essa piada nunca vai passar — resmunguei.
— Não — retrucou Esmeralda. — Vocês tem o péssimo hábito de se
envolverem com aquelas sem sal.
Isabelle riu.
— Coloquei um pouco de bom senso na cabeça dele — afirmou ela.
Meu coração perdeu uma batida, isto significava que até o momento
Belle não estava recuando. Ela estava dando a nós dois uma chance de nos
conhecer melhor e era um grande alivio.
— Ousada — elogiou Esmeralda. — Adorei.
— Sou Isabelle.
— Muito prazer em conhecê-la — afirmou Esmeralda. — Agora só falta
o cabeça oca do Ítalo arrumar uma mulher.
A voz dele ecoou na sala — Falando de mim?
Ítalo atravessou o lugar com uma calma aparente que não me enganava.
Discretamente ele estava mapeando e analisando todos ao redor e tirando
suas próprias conclusões.
— Falando no diabo — Esmeralda o provocou.
Deixei Isabelle se levantar e me ergui ao seu lado abraçando
discretamente sua cintura. O que me distraiu por um momento. Seu vestido
era de um tecido suave que me permitia sentir o calor de sua pele.
— Pegou essa calça de alguma adolescente perdida? — Ítalo retrucou.
— Com certeza não foi da sua mãe — afirmou colocando as mãos nos
quadris pronta para uma briga.
Belle arfou baixinho chocada.
Ítalo ergueu uma sobrancelha e deu um olhar cínico.
— Como se ela tivesse dinheiro para comprar algo assim — respondeu.
— Você tem um bom olho — disse Esmeralda antes de abraçá-lo. —
Cheiroso.
— Ei! — exclamou Ítalo. — Pare de pegar na minha bunda.
Gargalhei e Isabelle me encarou cheia de diversão no olhar.
A chegada de mais pessoas chamou minha atenção. Leo e Ellen, Olavo e
Emília Daslow e o conjunto interminável de mulheres daquela família.
— Esmeralda está precisando de um homem — afirmou Leo.
— Sempre digo isto a ela — confirmou Mônica, tia de Benjamin.
— Preciso de um homem igual, preciso de calo nos pés! — retrucou
furiosa.
Leo beijou seu rosto e a segurou.
— Botox? — questionou.
— Seu...
— Mamãe! — exclamou Emília a interrompendo. — A senhora sempre
causando por onde passa.
— Se não for para causar, eu nem saio de casa — respondeu dando de
ombros.
— Alguém tem notícias de Valentina? — perguntou Olavo.
Maravilha, uma pessoa sã naquela família.
— Também gostaria de saber — Ellen concordou.
— Ainda não — respondi.
Belle se aconchegou ao meu lado. — Entraram há uns vinte minutos,
imagino que um parto deva demorar.
— Ah vai — afirmou Fernanda, outra tia de Benjamin.
Como sempre brincava Ítalo, naquela família, as mulheres nasciam e
cresciam como ervas daninhas.
— Você sabe bem disto — Esmeralda tinha um tom de provocação. —
Demorou dezesseis horas para nascer.
Fernanda revirou os olhos. — Eu não tenho culpa, mamãe.
— Tem sim!
— Claro que não — respondeu Ítalo com muita coerência e quando ele
estava pronto para explicar a demora de um trabalho de parto e os motivos,
Leo abriu a boca e disse:
— Naquela época as parteiras não faziam milagres.
— Ela nasceu em um hospital seu linguarudo — retrucou Esmeralda.
Leo desdenhou dela com um movimento de mãos.
— Deixa de ser mentirosa! Como se na era dos dinossauros tivesse
algum tipo de evolução, um hospital hahaha. — Debochou.
Esmeralda estreitou os olhos para ele e parecia muito perto de esganá-lo,
o que aumentava a diversão da galera que assistia aquela rixa.
— Leonardo! — Ellen exclamou rindo. — Você está impossível.
— Eu vou te matar! — ameaçou Esmeralda.
Ele se escondeu atrás de sua esposa e fez uma expressão fingida de
medo.
— Não pode deixar duas crianças órfãs — disse ele apontando um dedo
para ela.
— Duas? — Ítalo perguntou franzindo a testa.
Um enorme sorriso se abriu no rosto do meu amigo e eu entendi tudo.
— Sim — concordou. — João Victor e o bebê que está no forninho da
minha linda esposa.
— Mais discreto que isto, só se usasse um megafone — Ellen murmurou,
antes de anunciar também sorrindo. — Vamos ter um bebê.
Capítulo Dezoito – Especial Valentina
Estava me sentindo zonza com a dor perturbadora que tinha me invadido
enquanto estávamos a caminho do hospital. No meu coração se instalou
uma preocupação, um medo terrível de que tudo desse errado nas próximas
horas, o que me deixou ainda mais agitada.
Afinal, ela deveria nascer na próxima semana.
Menina apressada!
Segurei a mão de Benjamin com mais força e ele me olhou ansioso.
— Estamos quase chegando — prometeu. — Aguente mais um
pouquinho.
Acenei concordando, queria abrir a boca e derramar meus medos, mas
fiquei calada agarrando-me a esperança de que tudo daria certo. Não queria
assustá-lo ainda mais, sabia que estava com tanto medo quanto eu. Ter um
filho era um sonho que compartilhamos juntos, mas o mundo era muito
assustador.
Esse homem mudou minha vida, me fez brilhar, enxergou a mulher por
debaixo das feridas, me valorizou e me venerou. Nada neste mundo seria
capaz de me fazer deixar de amá-lo.
Ele me salvou de mim mesma, pois estava me afundando em desespero.
Espancada e violada diariamente, não existia um pingo de forças para lutar
contra o destino que me aguardava, a morte. Por muito pouco não sobrevivi
e pensar nisto agora me fazia querer chorar, pois ficava apavorada de que
minha pequena Zoe sofresse com suas escolhas. Queria que ela ficasse no
meu ventre para sempre, protegida, segura...
— Sem lágrimas — disse Ben deslizando os dedos por minha bochecha.
— Vai dar tudo certo, meu anjo.
— Estou com medo — confessei.
— Eu também. — Beijou minha testa. — Mas nem sempre o medo é
algo ruim.
Me aconcheguei em seus braços e gemi com dor quando outra contração
atravessou meu corpo como um raio. Ele me encarou aflito.
— Depois que tudo isto passar vou ficar brava por você quase ter ido
embora sem mim do restaurante — murmurei.
Ele deu uma risada nervosa.
— Mereço um bom castigo — respondeu me olhando nos olhos. — Sabe
que eu voltaria para você, não é mesmo?
— Sim, você sempre irá vir por mim.
— Nunca duvide disto nem por um segundo.
— Jamais — prometi.
— Mesmo que eu fique confuso e desesperado — brincou.
Rimos juntos e quando olhei pela janela, percebi que já estávamos no
hospital. Soltei o ar trêmulo antes de reunir toda coragem que tinha e descer
do carro.
Os próximos minutos foram confusos, fui levada para dentro
acompanhada por uma enfermeira muito gentil e logo depois chegou minha
médica que me medicou, doutora Paula. Um amor de pessoa que com
poucas palavras conseguiu me tranquilizar.
Já meu marido era outra história, ele continuava nervoso e agitado. Era
quase divertido ver como ele parecia fora de si, algo que raramente
acontecia.
— Ben?
Com uma virada rápida de cabeça ele me encarou pronto para me dar o
mundo, caso pedisse.
— Um beijo? — pedi.
Vi seus ombros relaxarem e ele sorriu.
Inclinando-se sobre mim, pela lateral da cama, seus lábios tocaram os
meus. Suave, protetor e sedutor. Segurei seu cabelo da nuca e aprofundei
ainda mais nosso beijo. Queria beijá-lo, sempre, mas agora isto seria uma
boa distração. Como a dor das minhas contrações haviam aliviado com a
medicação, minha total preocupação agora era com ele.
Quando se afastou eu ofeguei por ar enquanto encarava seu olhar quente,
quase derretendo de desejo.
Sentando-se ao meu lado, sua testa tocou a minha.
— Você se sente melhor? — perguntei sorrindo.
— Não muito — riu. — Agora tenho uma ereção dolorosa.
Gargalhei.
— Isto não tem graça. — Beijou a ponta do meu nariz.
— Tem sim, Ben, muita!
Ele sorriu de lado e pareceu distraído por um instante. Seus dedos
deslizaram por meu braço, circulou meu pulso e segurou minha mão.
— Sei que estou assustando você — comentou baixo. — Não sei por que
me sinto tão apavorado, mas mesmo que ter um filho tenha sido um sonho
planejado, ainda me deixa em pânico. — Confessou com suavidade. — Já
amo tanto nossa menina, você e ela me deram um mundo, que eu não sei
explicar, mas que cabe direitinho no meu peito. — Sorriu apaixonado. — E
acredito que esse amor só tende a crescer.
— Nós também te amamos, muito!
— Eu sei — roçou seu nariz no meu. — Estou sentindo tantas coisas
neste momento que me sinto desorientado. Medo, preocupação, felicidade,
ansiedade...
— Vai ficar tudo bem — o interrompi.
— Vai sim.
E iria.
E ficou!
Três horas depois eu estava na mesma cama que cheguei e a única coisa
que mudava, era que agora observava Benjamin carregar nossa filha nos
braços. Ele não conseguia parar de olhar para ela. Estava hipnotizado e me
deixando cada vez mais emocionada e apaixonada pelos dois.
Quando, enfim, ele percebeu que eu o olhava, ergueu o rosto e me
surpreendeu com as lágrimas que vi em seus belos olhos.
— E agora, como se sente? — sussurrei inundada de amor.
— Tranquilo — murmurou.
Eu o entendia.
Todas aquelas emoções confusas se transforam em amor, felicidade e a
promessa de proteção pela vida inteira. A tempestade se acalmou e deixou o
frescor com a promessa de dias ensolarados. Aquela menininha, de cabelos
escuros e pulmões fortes, seria amada e protegida, por nós dois, seus pais.
Ela era nossa vida.
Nossa filha.
Nossa pequena família.
Capítulo Dezenove
Por Isabelle
— Que bebê mais fofo! — exclamei ainda em êxtase depois de segurar a
pequena Zoe.
— Ben e Tina fizeram um bom trabalho — respondeu Ryan com um
sorriso bobo.
— Sim, estou apaixonada por ela — confessei rindo.
Ryan acenou concordando e pegou o hot-dog que o rapaz do carrinho
oferecia, me entregou um e deu uma longa mordida no outro. Sem
conseguir me conter ao observar aquela cena dei uma gargalhada e ele me
olhou com curiosidade.
Não contei o que estava pensando, mas me sentei no banco mais próximo
daquela praça. Quem imaginaria uma noite desta? Eu não conseguiria ser
tão criativa. Não depois de conhecer a famosa Esmeralda e sua língua
afiada. A mulher garantiu o entretenimento na sala de espera. Seu bom
humor fez com que as horas aguardando não fossem nem de longe chatas.
Claro que todos acabavam implicando com ela de propósito, suas filhas
estava sempre a alfinetando, e Leonardo e Ítalo não mediram esforços para
tirá-la do sério. E quando isto acontecia, somente Ellen, esposa de
Leonardo, e Emília, mãe de Benjamin, conseguia contornar a situação.
Todos os outros ficavam apenas assistindo o circo pegar fogo.
— Vai me contar, ou espera que eu adivinhe? — questionou Ryan
chamando minha atenção.
Mordi um pedaço do meu hot-dog fazendo hora para respondê-lo,
somente por gostar de seu olhar avaliador sob meu rosto. Ryan terminou
seu lanche com mais duas mordidas, o que era de surpreender, enquanto me
aguardava decidir falar.
Dei outra mordiscada.
— Foi o melhor encontro que já tive — digo a ele com um sorriso cheio
de satisfação.
Era verdade, nunca me senti mais livre e espontânea como naquela noite.
— Estamos aqui para agradar — brincou. — Pleno inicio da madrugada,
um lanche de rua e uma praça iluminada na frente de um hospital.
— Perfeito — completei sorrindo.
Em um movimento rápido que me tirou o ar, Ryan me puxou para seu
colo. Fazendo com que eu quase derrubasse o hot-dog em sua camisa.
— Você tem feito muito disto — arfei.
— É uma reclamação? — questionou erguendo uma sobrancelha.
— Não — respondi.
Eu não precisava pensar muito a respeito. Gostava de sua companhia, de
estar em seus braços, de beijar sua boca...
— Bom, porque eu gosto de você no meu colo. — Sua voz interrompeu
meus pensamentos.
Isto também me agradava, mas não confessei em voz alta. Não precisava,
pois sentia que meus olhos brilhavam enquanto olhava em seus olhos
verdes cinzentos. Como poderia ele ser tão bonito por dentro e por fora?
Como ele conseguiu me fazer apaixonar quando prometi nunca mais
confiar em um homem?
— Como você chegou tão perto? — sussurrei.
Vi um brilho de confusão em seus olhos. — Tão perto do meu coração.
Sua expressão suavizou e ele me olhou como se eu fosse a coisa mais
preciosa do seu mundo. Milhões de borboletas invadiram meu estômago
fazendo uma desordem completa que quase me virou ao avesso com todas
aquelas sensações e emoções. Estava com medo, sabia disto, mas também
tinha algo a mais. Algo que eu não poderia explicar, pois somente
conseguia sentir.
— Te entregando o meu — respondeu ele baixinho fazendo meus olhos
lacrimejarem. — Você não percebe, mas seu destino está entrelaçado ao
meu.
Não conseguia entender como ele poderia ter tanta certeza. Existia algo
dentro da minha mente dizendo-me constantemente para não acreditar, não
confiar, não se expor. Uma vontade perturbadora de correr para bem longe
dele.
Precisava me proteger.
Desviei o olhar e encontrei o hospital do outro lado da rua. Não me
lembrava de como cheguei ali naquela noite a cinco anos, mas sabia que
estive por três dias inconsciente e muitos outros em recuperação.
Tinha tanto medo que precisaram me dar calmantes algumas vezes. As
consultas eram longas. A fisioterapia uma tortura. E comer, dormir,
respirar... viver era quase que doloso demais para suportar. Tudo pelo
tamanho do choque que minhas lembranças me causavam.
Uma lágrima desceu por minha bochecha e Ryan a resgatou antes que
caísse.
— Se você me permitir — começou a falar tão baixo que mal o ouvi. —
Vou cuidar de você, amá-la, venerá-la até meu ultimo dia de vida.
Sua promessa me fez estremecer.
A intensidade em sua voz não dava espaço para dúvidas, porém ainda
não afastava o pavor crescente dentro de mim. Dar-nos aquela chance tinha
sugado cada grama de determinação do meu corpo, e olha que eu não tinha
muita. Eu não queria recuar. Não desejava me afastar..., mas o medo.
— Vejo suas emoções tão claras quanto a luz do dia — roçou seu nariz
no meu.
Fechei meus olhos tentando me controlar. Respirando fundo e devagar,
desacelerando o ritmo das batidas do meu coração.
Senti seus lábios no alto de minha bochecha, depois em minha pálpebra
fechada, então do outro lado do rosto. Tocando-me com suavidade, com
carinho. Seus pequenos beijos foram se espalhando, levando embora
minhas inseguranças e fazendo-me pensar somente em como era prazeroso
sentir seu toque.
Até que sua boca desceu sobre a minha, não fui capaz de pensar, somente
em corresponder. Pareceu que o tempo parou ao nosso redor. O beijo foi se
aprofundando, sua língua mais ousada e meu corpo se incendiando.
Senti o hot-dog escapando da minha mão e caindo no chão, não pude me
importar, pois me agarrei a ele com mais força do que o necessário
enquanto o correspondia na mesma intensidade ou até mais. Não sei bem,
não poderia raciocinar mais do que isto.
Me perdi por completo ao sentir sua mão subir por minha coxa e apertar
a lateral da minha bunda. Estava arrepiada, trêmula, a beira de um abismo
perigoso. Era demais. Afastei minha boca da sua por um pequeno
centímetro. Precisava me reencontrar.
Apertei sua nuca, enfiando meus dedos em seus cabelos claros e sedosos.
Pressionei minha testa contra a dele enquanto buscava por um pouco de
sanidade.
— Preciso te levar para casa, não é mesmo? — sua voz estava rouca.
— Sim — murmurei.
Encaixou sua cabeça na curva do meu pescoço e me beliscou com os
dentes.
— Posso te buscar amanhã para o trabalho?
Precisei de alguns segundos para entender sua pergunta e quando isto
aconteceu fiquei rígida.
— Não.
— Não? — seu rosto se ergueu e ele me encarou com as sobrancelhas
franzidas.
— Não — repeti. — Moramos em direções opostas...
— Não me importo — interrompeu-me.
— Ainda assim vou dirigindo meu próprio carro para o trabalho —
concluí.
Suas sobrancelhas se juntaram.
— Qual seria o problema de buscá-la? — perguntou sério.
— Nenhum — respondi no mesmo tom. — Mas você ainda é o meu
chefe, e apesar de estar sentada no seu colo e beijando sua boca, eu sou uma
mulher independente. — Suspirei. — Peço desculpas, mas gostaria que não
grudasse em mim. Que me rodeasse com possessão e ciúmes, ou
exigências. — Tentei não estremecer, mas foi impossível. — Vamos
devagar, tudo bem?
Acenou lentamente. — Sim.
— Bom — soltei o ar, aliviada. — Obrigada.
— Ele te tratava assim?
Minha coluna pareceu uma barra de ferro. Não queria responder. Era um
direito meu, mas também entendia que não seria justo com ele minha falta
de palavras. A verdade estava aí e não falar sobre ela, não mudaria os fatos.
— Não no inicio — contei baixo. — Ele começou discretamente a
controlar meus passos, minhas amizades, o que vestia, aonde ia. — Encarei
o vazio na minha frente. — Eu não me importava. — Me senti amarga. —
Enquanto estava tudo, aparentemente, correndo bem eu não ligava para as
exigências. Sempre dizia a mim mesma que não eram coisas impossíveis de
fazer. Mal percebi qual caminho estava seguindo, como ele estava me
prendendo, tirando meus direitos de escolha, controlando meu ir e vir. —
Sua mão apertou suavemente minha cintura em um apoio silencioso. —
Estava tudo bem. — Minha voz saiu rouca. — Até que eu o vi beijando
outra mulher naquela boate.
— Idiota — murmurou Ryan.
— Foi um choque quando ele me deu um soco na cara.
— Eu teria o matado se tivesse visto. — Ryan disse muito sério.
— Não liguei para todo o resto, mas a traição doeu, não tanto quanto seus
ataques...
— Só que você não aceitaria.
— Quem aceitaria?
— retruquei. — Ele me levou para uma festa que eu não queria ir, e ainda
me traiu? Terminei imediatamente, Flavian chegou a insistir, pedir perdão.
Jurou que foi a primeira vez, mas eu não pude desculpar. — Senti meus
olhos marejarem.
Aconcheguei em seu peito e me permiti desfrutar do conforto de seus
braços.
— Sabe, eu era muito arrogante e frívola antes disto — confessei baixo.
— Imaginava que nenhum homem ousaria levantar a mão pra mim. Não
para a filha de um famoso jogador de basquete. Não para uma mulher rica.
Muito menos para alguém que tem um pai com dois metros de altura.
— A violência não escolhe pessoas, Belle, basta um segundo para tudo
vir a baixo.
— Sei muito bem disto — suspirei. — Mas chega deste assunto.
Ele ergueu meu queixo fazendo com que meus olhos encontrassem os
seus.
— Nunca, jamais, teria coragem de machucá-la fisicamente — jurou. —
Não posso dizer nada sobre emocionalmente, homens costumam serem
idiotas e eu não sou diferente.
Ri baixinho. — Bobo.
— Mas prometo me esforçar para não feri-la de forma alguma, pois tudo
o que mais quero neste mundo é cuidar de você...
— Eu sei — acreditava nele.
—... E te amar. — Completou.
Meu coração, ou o que sobrou dele, derreteu um pouco mais. Segurei seu
rosto, me inclinei para frente e o beijei.
Capítulo Vinte
Por Ryan
Eu estava em uma semana infernal, desde o dia em que levei Isabelle
para um jantar que não aconteceu, eu não consegui um segundo de
descanso. Para piorar o futevôlei da semana foi cancelado porque Benjamin
estava babando em sua filha, não que ele estivesse errado, mas eu estava
desesperado por uma distração.
Havia autoridades nacionais e internacionais atrás de mim para reuniões
sobre os voos. Gerentes pedindo encontros com urgência. Um avião em um
quase acidente, que forçou o piloto a fazer um pouso de emergência. O que,
graças a Deus, poupou a vida de muitas pessoas.
Eu poderia lidar com tudo isto, mas o que mais me irritava era que quase
não estava vendo Belle. Como isto era possível? Ela estava há alguns
andares abaixo de mim, ou estava, já que fui informado que fez uma viagem
de emergência e estaria de volta na manhã do dia anterior.
— Chefe? — Sabine chamou minha atenção.
Ela estava sentada do outro lado da minha mesa, com uma sobrancelha
erguida e um olhar irritado. Sua semana também não estava sendo lá
grandes coisas. Cruzei os braços, mal-humorado.
— Você não estava me ouvindo — acusou.
— Não.
Ela bufou.
— Sua única sorte é que paga meu salário, ou eu iria socar seu nariz —
ameaçou.
Levantei e caminhei para o bar.
— Por que mesmo Isabelle não pode voltar hoje? — questionei.
Escolhi um copo e coloquei alguns cubos de gelo. Estávamos no inicio da
noite e depois de toda aquela loucura, acreditava que precisava com
urgência de algumas doses.
— Olhei com Gaby a agenda, e estava realmente cheia. — Comentou ela.
— A auditoria do mês no escritório apontou algumas irregularidades...
— Disto eu já sei — a interrompi. — E todas as irritantes reuniões que
irão acontecer por causa dessa idiotice.
Ouvi o bufo indignado dela com minha intromissão. — Quero saber por
que ela não vai voltar hoje.
— Não seja absurdo! — exclamou Sabine. — E deixe-a em paz!
— Não estou sendo nada — resmunguei olhando as garradas procurando
por algo que me atraísse.
— Ela ficaria muito cansada — Sabine disse o óbvio.
Eu sabia disto, mas algo dentro de mim a queria por perto e era frustrante
não poder. Exigir que ela não fosse estragaria tudo o que estávamos
construindo junto, e quebraria a promessa que fiz. Queria mantê-la ao
alcance de meus olhos. Iria sempre cuidar dela, desde que jamais tirasse sua
liberdade.
Era uma tortura, porém a coisa certa a fazer.
Ouvi os passos de Sabine atrás de mim e não me importei, sabia o que ela
faria. Escolheu seu próprio copo e colocou gelo. Peguei uma garrafa de
conhaque e servi meu copo, já Sabine, escolheu um bom Bourbon.
— Sabe que não sou cega, não é mesmo? — questionou ela.
— Ninguém poderia acusá-la disto — respondi.
— Está acontecendo algo entre vocês. — Tinha um tom de acusação e
curiosidade em sua voz.
Ela levou o copo aos bonitos lábios e mal os molhou com o uísque.
— Acredito que devo acrescentar em seu currículo, fofoqueira
profissional. —Tomei um gole da minha bebida.
— Você é ridículo — acusou.
— E seu chefe — retruquei.
Ela revirou os olhos.
Ninguém nesta empresa me respeitava, pensei mal-humorado. Sabine e
April eram duas abusadas, trabalhadoras, mas terrivelmente insubordinadas.
A porta se abriu com força, chocou-se contra a parede, assustando a nós
dois. Heron atravessou meu escritório em passos firmes e parecia vir direto
do inferno. Antes que eu conseguisse perguntar o que estava acontecendo,
ele puxou o copo da minha mão e jogou no chão. E fez o mesmo com
Sabine.
— Vocês beberam? — exigiu saber.
— Heron? — franzi a testa.
— Ficou louco? — Sabine questionou furiosa com a ousadia do meu
segurança.
Não era uma surpresa seu temperamento, ambos viviam trocando farpas
quando pensavam que eu não estava ouvindo.
— Vocês beberam? — repetiu sua pergunta.
A urgência em sua voz me deixou tenso imaginando que tinha alguma
coisa na minha bebida. Será que alguém tentou me envenenar?
— Tomei um gole de conhaque e Sabine molhou os lábios com Bourbon
— informei rapidamente.
— Porra! — exclamou Heron. — Venham comigo agora!
— O que...
Sabine começou a falar, mas ele a ignorou. Heron agarrou a mão dela e
começou a puxá-la pra fora.
Eu os segui sabendo que algo muito grave estava acontecendo.
— Heron! — Sabine exclamou.
— Quebra na segurança — informou ele tenso. — Estava revisando as
câmeras e encontrei um invasor mexendo em seu bar. — Me deu um olhar
rápido.
Do lado de fora os seguranças tinham acabado de chegar a sala de
entrada.
— Só a policia entra — ordenou Heron. — Onde estão os paramédicos?
— No elevador, senhor — respondeu um rapaz.
— Heron? — chamei quando me senti levemente tonto.
Ele se virou para me encarar e não era bom o que ele encontrou no meu
rosto.
— Caralho! — resmungou soltando Sabine e me segurando por um
ombro acreditando que eu precisava de um apoio.
— Quero um relatório, agora — exigi o surpreendendo.
Não importava como estava me sentindo, só que ele me contasse e
ajudasse a distrair o pânico que começava a subir por minha coluna. Jamais
tinha passado por algo assim e não sabia como agir. Não havia tomado
muito do conhaque, era algo que deveria me tranquilizar, embora estivesse
um pouco tonto e com as mãos frias, imagino que seja pelo choque da
situação.
— Um invasor mexeu em todas as suas garrafas antes do amanhecer —
disse baixo para que somente eu e Sabine pudéssemos escutá-lo. — Vamos
para o hospital e depois vemos todo o resto, tudo bem?
— Isto — confirmou Sabine.
Ela parecia pálida e com medo, mas me encarou com firmeza. — Eu não
bebi, você bebeu, vamos agora.
Acenei concordando por causa da urgência em sua voz. Visualizei o
alivio dos dois quando o elevador se abriu e os paramédicos entraram
correndo.
— Fechem esse andar! — ordenou Heron aos seus homens. — Tragam a
polícia pelo elevador privado e não permitem que ninguém passe ou fale a
respeito. — comandou. — Se isto sair nos jornais, alguém será demitido!
Era bom ter alguém no comando tirando um pouco do peso que eu
costumava carregar. Heron encontraria quem permitiu e principalmente
quem invadiu meu escritório.
Fui colocado em uma poltrona e rapidamente medicado, mas não era
certeza de que poderiam me ajudar, pois não sabiam que tipo de substância
tinha ingerido. Apesar de um pouco atordoado e tonto, me sentia
relativamente bem.
Um investigador entrou apressado, falou com algumas pessoas e o
cientista forense andou despreocupado para o meu escritório. Queria gritar
com ele para que agisse com rapidez, mas eu conhecia aquele olhar. Era o
mesmo que Ítalo tinha na maior parte das vezes, parecia tranquilo,
entretanto estava analisando, observando, vendo tudo ao redor e tirando
suas próprias conclusões.
Suspirei, aquela seria uma longa noite.
...
— Que porra é essa? — exclamou Leo assim que entrou em meu quarto
no hospital.
Eu estava bem, mas o médico insistiu em me manter ali pela noite em
observação. Ainda não eram nem dez horas e eu estava pronto para
enlouquecer. Sabine ficou de castigo no quarto ao lado, por exigência de
Heron, e ele guardava as duas portas enquanto latia ordens para algumas
pessoas no seu comando.
— Me tira daqui — exigi.
— Você não vai a lugar nenhum — informou Ítalo assim que entrou atrás
de Leo.
Joguei a cabeça no travesseiro exasperado.
— Você foi envenenado, caralho! — esbravejou Leo.
— Estou bem, não ingeri uma quantidade preocupante...
— Não importa! — apontou o dedo em riste em minha direção. — Vou
condenar esse filho da puta à prisão perpetua.
— Não temos isto — comentei.
— E você acha que eu me importo? — retrucou puto.
Ítalo chegou mais perto e ficou me encarando, não me surpreendeu
quando pegou meu pulso para sentir meus batimentos. Depois olhou a
irritante máquina de monitoramento e as anotações dos médicos na ponta da
cama.
— Estou bem — afirmei com bastante ênfase.
— Não estaria — disse Leo andando de um lado para o outro.
— Você precisa aprender a se controlar — Ítalo repreendeu Leo.
— Não me irrite mais — bufou Leo.
Não daria para passar o resto da noite com aqueles dois, eles não me
salvariam daquela tortura e testariam o que restou da minha paciência com
suas implicâncias.
— Vá começar as investigações...
— Heron já fez isto — Leo parou e cruzou os braços.
— Então vá processar alguém! — exclamei. — Ou me tirem daqui.
— Não — Leo se recusou.
Olhei para Ítalo e ele fez uma cara irônica, não adiantaria tentar com o
gênio do grupo.
— Bom, se vão ficar aqui me irritando — apontei para a porta. — Leo,
coloque essa cidade abaixo e descubra quem fez isto comigo.
— Não sou detetive!
— Vá à merda — mandei. — Você tem seus contatos.
— Já os coloquei para trabalhar — resmungou. — Por que alguém quer
você morto?
— É uma boa pergunta — concordou Ítalo.
— Eu não sei — quase gritei.
Leo franziu as sobrancelhas.
— Deborah e o filho? — questionou.
Ítalo olhou de um para o outro e tirou conclusões rápidas demais sobre o
assunto.
— O que vocês aprontaram? — cruzou os braços.
— Nada — respondeu Leo.
— Ainda — concluí.
— Ryan não me diga que está se vingando deles, você não pode ser tão
inconsequente! — Ítalo realmente parecia irritado.
— Nada fora da lei — garanti. — Pedi que Gaby e Leo conseguissem um
comprador para as ações de Deborah. Heron está de olho em Belle. E
Sabine no rastro daquele verme — contei sem mostrar nenhum
arrependimento.
— Já conseguiu alguma dessas coisas? — perguntou.
— Não — resmunguei. — Mas vou.
— Ótimo — o sarcasmo em sua voz era desconcertante. — E agora todas
as suas bebidas foram envenenadas.
— Tem certeza que foram todas? — questionei preocupado que o
mandante deste crime tentasse chegar a Isabelle.
— Sim — afirmou Leo. — Conversei com o delegado e seu cientista, não
há duvidas de que queriam envenenar você.
— Pequenas doses de um coquetel perigoso em cada garrafa —
completou Ítalo. — Hoje poderia te dar sono, amanhã tontura, depois
vômito e muitos outros sintomas que quando percebesse nenhum médico
poderia ajudá-lo.
Esfreguei a nuca.
— Não tenho inimigos, além de Deborah e aquele filho de chocadeira —
comentei. — Mas ainda não provoquei nada — murmurei pensativo. — Só
confrontei Deborah.
Ítalo me olhou feio.
— Quero saber como alguém chegou lá em cima — apontou Ítalo
ignorando-me. — Vou ver todas as câmeras de segurança — prometeu. —
Existem algumas probabilidades, mas nada muito fácil, Heron não brinca
com a segurança.
Minha cabeça até doeu em pensar em probabilidades uma hora dessas,
mas não o critiquei. Já teve situações que Ítalo passou dias olhando imagens
de segurança só para desvendar alguma coisa mal resolvida. Apesar de
escolher psicologia, ele gostava mesmo era de quebra cabeças e não desistia
até concluir.
— E eu vou irritar algumas pessoas — disse Leo. — Quero respostas! —
ainda parecia irritadíssimo. — Ninguém tenta matar um amigo meu e fica
por isto mesmo.
Relaxei contra meu travesseiro. Eu tinha bons amigos e eles fariam o que
fosse preciso para me ajudar nessa sinuca de bico em que estava.
— Obrigado.
— Agradeça mesmo, recebi uma ligação em um momento muito
importante com minha esposa para ser incomodado — respondeu Leo.
Ítalo revirou os olhos.
— Não sei como Ellen o aguenta — disse.
— Ela me ama — Apontou Leo com muita presunção.
— Coitada — murmurei.
Ele me ignorou e saiu sem se despedir. Ítalo ficou por um minuto, calado
e me encarando com aquele olhar avaliador.
— Só tenha cuidado — pediu.
Acenei concordando sabendo que ele tinha mais o que falar.
— Vingança nem sempre traz coisas boas — afirmou. — Seja esperto e
não deixe que Isabelle se machuque ainda mais.
— Eu não vou.
— Bom. — Balançou a cabeça levemente. — Vamos descobrir o que
aconteceu e manter vocês dois em segurança — disse enxergando além de
mim, o que não era nenhuma surpresa.
— Obrigado.
— Não tem que agradecer — respondeu antes de sair.
Fiquei olhando para o nada por um tempo, pensando em tudo o que tinha
acontecido. Foi tão rápido que só fui entender a gravidade da situação
quando o médico me colocou nesta cama. Ainda acho desnecessário, mas
isto não muda o fato de que alguém estava tentando me envenenar.
Que merda estava acontecendo?
Minha cabeça chegou a doer com todas as possibilidades que pensei e
nenhuma realmente interessante que respondesse a todas as dúvidas que me
surgiu.
Quando comecei a cochilar, meu celular tocou, a foto de Isabelle ao meu
lado no jantar beneficente brilhou na tela. Impressionante, como ela era
linda.
— Olá, boneca! — atendi.
— Ryan — sua voz soou trêmula.
Em um instante me coloquei de pé com todos meus sentidos em alerta
total.
— O que aconteceu?
— Ele está aqui — sussurrou.
Senti o medo dela através da linha.
— Onde você está? — perguntei com urgência.
— No toalete do restaurante que tive uma reunião — ofegou. — Estava
saindo quando o vi — pareceu a beira do pânico. — Tentou falar comigo —
contou assustada. — Voltei para dentro o mais depressa que consegui e me
tranquei aqui.
— Fique aí! — ordenei.
Ouvi batidas leves.
— Ryan — choramingou. — Ele está na porta... Deus!
— Não abra, eu vou te ajudar, só espere.
Corri até a porta do quarto e no momento que Heron me olhou sabia que
tínhamos mais problemas.
— Ligue para o segurança que está de olho em Isabelle! — esbravejei. —
AGORA!
Com um aceno de cabeça, Heron pegou o celular e fez a chamada.
— Isabelle? — ouvi a voz de Flavian. — Você está bem?
Eu iria matar aquele idiota.
— Ryan — sua voz era um fiapo fraco. — Por Deus, eu não posso falar
com ele.
— Você não vai — jurei. — Só não abra a porta.
Olhei para Heron, sua expressão não mostrava nada, nem calma, nem
raiva, nada. O que dava nos nervos, como ele poderia sempre se manter tão
calmo? Ainda mais quando Belle estava correndo perigo.
Pelo celular tinha uma mistura de vozes murmuradas que eu não
conseguia entender e a respiração agitada de Belle.
— Mande-o tira-la de lá agora! — ordenei. — E me arrume uma roupa!
Capítulo Vinte e Um
Por Isabelle
O medo era uma arma poderosa, tirava-lhe a coragem, o bom-senso, a
vontade. Ele te corrói por dentro com crueldade, não lhe permite reagir
como uma pessoa racional. Seu cérebro se transformava em gelatina pura e
os músculos tão duros quanto paredes de concreto.
Era exatamente assim que me definia neste momento. Agarrada ao
celular e escondida em uma cabine no banheiro depois de me trancar ali,
tentava me manter o mais silenciosa possível.
Aquilo não era coincidência, eu o conhecia, sabia que ele não fazia nada
por acaso. De alguma forma, sabia que eu estaria ali, sozinha, sem Ryan,
longe de casa. Era o momento perfeito para se aproximar, mas não
imaginava que eu seria tão covarde e me esconderia em um banheiro.
Só a voz daquele homem me causava tantos calafrios que meus ossos
batiam em descontrole.
— Isabelle? — chamou Ryan pelo celular.
— Oi — sussurrei.
— Vá até a porta em três minutos e só a abra para um dos meus
seguranças — orientou. — Ele se chama Emerson e eu estou te enviando a
foto dele.
Respirei fundo e acabou sendo um som ruidoso.
— Confie em mim — pediu Ryan. — Ele vai levá-la de volta para o hotel
e cuidará da sua porta até que eu chegue.
— Você não precisa...
— Estarei aí em uma hora — prometeu.
Meus olhos se encheram de lágrimas da mais pura gratidão por ele largar
tudo por mim, eu nunca pediria isto, mas ficava aliviada em saber que
alguém viria por mim. Sabia que meu pai viria no segundo em que o
chamasse, mas ele não conhecia toda verdade. A batida firme na porta me
assustou, será que já tinha passado os minutos que Ryan tinha falado?
— Senhorita James? — chamou uma voz desconhecida. — Sou
Emerson, o senhor Stone pediu que eu a acompanhasse até seu hotel.
— Ele chegou — disse Ryan do outro lado da linha.
— Sim — respondi. — Obrigada Ryan.
— Sempre vou cuidar de você, Belle.
Informei que ia desligar a chamada e o chamaria no momento em que
estivesse no carro. Ryan protestou, mas eu precisava de um minuto para
limpar meu rosto e retocar a maquiagem. Esconder a palidez do meu rosto
seria impossível, mas as manchas das lágrimas era algo que poderia ser
arrumado.
Caminhei até a porta quando estava pronta, encostei-me a ela ainda
ouvindo vozes do lado de fora e reconhecia uma delas como a de Flávian.
Tremi sentindo-me ainda terrivelmente assustada.
Respirei fundo.
— Um — sussurrei e puxei o ar novamente. — Dois.
Três, quatro, cinco, seis... dez.
— Emerson?
— Estou aqui senhorita — respondeu ele de imediato.
— Poderia pedir para todos se retirarem?
— Claro.
— Eu quero falar com ela — protestou Flavian.
— Senhor, fale baixo, está perturbando nossos clientes — disse uma voz
gentil.
— Eu sou seu cliente.
— Não me importo o que seja — retrucou Emerson. — Saia ou eu vou
tirá-lo a força — ameaçou.
— Tente... — Flavian se calou rapidamente.
Tudo ficou silencioso por um longo minuto, a única coisa fazendo
barulho era o meu coração descontrolado. Sentia-me tão tensa que meus
ossos pareciam ranger a cada respiração profunda que dava.
Pelo menos não entrei em choque, pensei amargurada.
— Senhorita James? — chamou Emerson. — Estamos sozinhos, saia
quando estiver pronta.
— Obrigada — respondi engasgada com o choro.
— Disponha — o ouvi responder baixo.
Abri a porta acreditando que ele tivesse tudo sob controle. O homem do
lado de fora era um desconhecido, mas o mesmo da foto que Ryan me
enviou. Relaxei um pouquinho e acenei.
— Somente Isabelle, por favor — digo rouca.
— Muito prazer em conhecê-la pessoalmente — disse com cordialidade.
— Senhor Stone me enviou e tenho certeza que ambos ficarão mais
tranquilos quando a senhorita estiver no hotel.
Acenei concordando. — Sim.
— Bom, vamos sair por aqui — indicou o caminho dos fundos.
Um pouco mais de alivio infiltrou em meu peito por não ter que
atravessar todo o restaurante. Minhas bochechas queimariam em algum
momento quando me lembrasse de como voltei para dentro do
estabelecimento depois de esbarrar em Flavian na porta. Nunca tinha
andado tão rápido na minha vida. Ignorei a hostess e fiz um caminho reto
até o toalete.
Com esses pensamentos na cabeça, segui o segurança de Ryan para fora,
saímos em uma rua dos fundos, o que foi bem irônico do destino, antes de
chegar ao carro que estava do outro lado da avenida.
No entanto, antes de Emerson abrir a porta para mim, eu ouvi a voz dele.
— Isa!
O segurança se projetou na minha frente como uma imensa muralha.
— Afaste-se! — ordenou Emerson.
— Não — respondeu Flavian. — Eu quero falar com ela!
— Tenho ordens de mantê-lo longe, mesmo que para isto precise usar
meus punhos.
— Eu também tenho punhos! — retrucou Flavian.
Estremeci.
Emerson estava tão perto que pude jurar que ele sentiu a forma que tremi.
Respirando com dificuldade e tomando uma coragem que não tinha dei a
volta no corpo volumoso do segurança. Encarei Flavian de frente. Ele
parecia tão bonito quanto me lembrava. Observando-o de perto não
consegui encontrar nenhuma mudança, nada.
O segurança tentou me empurrar para trás dele novamente, mas eu ergui
minha mão trêmula o impedindo. Recebi seu aceno firme antes dele ficar ao
meu lado, reto e imenso como um poste.
— Isa...
— Não — digo bruscamente. — Não diga nada, nenhuma palavra! —
exclamei. — Sua voz me dá pesadelos — confessei sabendo que lágrimas
invadiam minhas pálpebras novamente. — O que mais você quer de mim?
— perguntei angustiada. — Não bastou socar minha cara e me esfaquear?
Me deixar sangrando em um beco sujo pra morrer, não foi suficiente?
Seu rosto se transformou em pedra, rígido como nunca vi antes. — Sua
liberdade não foi o bastante?
Algumas lágrimas riscaram meu rosto e eu fiquei aliviada por estar tão
tarde e quase não ter trânsito. Não tinha mais ninguém vendo minha alma
ser derramada naquela rua.
— Veio completar o serviço? — questionei sentindo uma fúria encher
meu peito. — Se eu não fosse sua não seria de mais ninguém, não foi o que
me disse naquela noite?
Sua boca se abriu e ele deu um passo à frente, seu movimento causou
uma reação em Emerson. Nunca vi uma arma tão de perto, e isto mudou
neste instante, pois o segurança sacou uma automática preta de sua cintura e
apontou para Flavian.
— Mais um passo e eu vou atirar em você — disse Emerson em um tom
baixo que causou arrepios na minha espinha. — Socar e esfaquear uma
mulher? Vou preso com satisfação depois de quebrar sua cara.
Flavian ficou congelado no lugar sem saber como agir, o que me deu
coragem para tocar com suavidade no braço do segurança.
— Está tudo bem, Emerson — digo rouca.
Ele abaixou o braço e não pareceu feliz com isto.
Olhei para Flavian e me segurei para não mergulhar naquelas
lembranças.
— Te dei um ano da minha vida, minha cara para bater, meu corpo para
ferir — engasguei antes de dizer: — Meu sangue para derramar.
— Isabelle, só quero conversar — disse baixo.
— Não tenho mais nada para te oferecer Flavian — afirmei. — Nem
mesmo uma conversa. — Balancei a cabeça. — Por favor, não insista, não
fique perto de mim. Não me procure. — Abri a porta do carro. — Ver você
me faz mal.
Entrei sem olhar para trás, mesmo trêmula e a beira da histeria não me
permiti quebrar. Não na frente daquele homem que já me tirou tanto.
Emerson fechou a porta e disse alguma coisa para Flavian que eu não me
importei em saber o que era.
Eu só queria o conforto do quarto luxuoso que me aguardava...
E Ryan.
Queria Ryan, precisava dele.
Engoli o choro que estava subindo com forçar total, a barragem de
lágrimas estava pronta para estourar.
O segurança entrou no carro com uma batida de porta suave, se não
estivesse atenta, nem o perceberia. Nossos olhos se encontram no espelho
retrovisor e eu queria agradecer, mas as palavras simplesmente não saíam.
Um aceno firme, e ele arrancou com o carro.
Meu coração ficou um pouquinho mais leve sabendo que estava, a cada
segundo, me distanciando ainda mais daquele homem que se tornou o
monstro em meu armário. A diferença era que agora eu tomei coragem para
enfrentá-lo. Ítalo ficará orgulhoso quando souber o que fiz.
Só esperava que em algum momento parasse de tremer.
Capítulo Vinte e Dois
Por Ryan
Não sei por quanto tempo ignorei o olhar repreensivo de Heron. Ele não
estava feliz com Isabelle longe e comigo saindo do hospital contrariando as
recomendações médicas, mas não tinha nada neste mundo que me seguraria
naquele quarto.
Heron era protetor por natureza e não passou despercebido seu carinho
por Belle. Acredito que este seja o único motivo por estarmos no ar agora.
Ainda esperava um médico aparecer do nada e me prender em uma
poltrona do jato impedindo-me de caminhar de um lado para o outro, como
fazia agora. Estava terrivelmente ansioso.
Sabine mandou preparar o jato e Heron se atualizou com Emerson.
Belle estava segura no hotel, mas não conseguiu chegar lá sem enfrentar
Flavian. Agora eu tinha medo de pensar nela sozinha em um quarto. Todo
aquele ataque de pânico quando ela o viu no aeroporto me veio na cabeça.
Ítalo comentou que mais um pouco e ela teria até um ataque cardíaco.
— Jesus — murmurei para ninguém em especial.
Demoraríamos mais vinte minutos para chegar à cidade que Belle estava
e outros dez a quinze até o hotel dependendo do trânsito.
— Por favor, sente-se — pediu Heron.
Ele não era um falador, nem de perto, mas quando dizia algo para mim
era porque acreditava ser necessário.
— Estou bem — reafirmei pela milésima vez.
— Ainda assim, sabe que uma turbulência poderia feri-lo ou ter um
ataque do coração se não se acalmar.
— Heron — digo entredentes cheio de frustração.
— Emerson informou que Isabelle disse que você pode entrar assim que
chegar lá.
Meu coração saltou forte no peito.
— Droga, ela não está bem.
— Você não sabe — retrucou.
— Me mandou entrar! É como se dissesse que não consegue abrir a
porta! — exclamei. — Deus, eu vou estrangular aquele idiota! Não bastou
machucá-la, agora vem persegui-la, depois de cinco anos?
— Se acalme — pediu Heron. — E se sente, já vamos pousar — apontou
para o sinal luminoso.
No minuto seguinte o piloto pediu para que afivelassem o cinto. Sentei
somente pelo alivio de chegar logo ao chão, algo que jamais fiz antes. Em
anos de profissão, nunca senti nenhum alivio de pousar, sempre quis ficar
no ar. Mergulhar no céu azul ou estrelado rumo ao horizonte era o meu
maior desejo por anos.
No entanto, hoje, tudo o que eu mais queria fazer era pular para fora
daquele jato e correr direto para Isabelle. Segurá-la em meus braços e não a
soltar nunca mais. Precisava senti-la protegida e bem ao meu redor.
O pouso foi o mais longo da minha vida, assim como o trajeto para o
hotel. Nada acalmava ou distraia minha mente da ansiedade que estava me
apavorando desde que recebi a ligação dela.
Passei como uma bala pelo saguão do hotel e bati os pés com ansiedade
no chão do elevador. No corredor estava Emerson, eu já tinha o visto
algumas vezes para relatórios diários com Heron. Ele era uma muralha
firme na frente da porta do quarto.
— Como ela está? — perguntei baixo.
— Calada — respondeu de imediato. — Esteve chorando no carro, mas
se controlou ao chegar aqui.
Alguma coisa dentro de mim desapertou, trouxe-me um pouco de alivio
aquela informação. Ele me ofereceu uma chave de acesso e eu não demorei
a usá-la. Abri a porta e a fechei lentamente atrás de mim. Passei pela sala
direto até o quarto principal da suíte. A TV estava ligada, o quarto
parcialmente iluminado e na cama tinha uma pequena forma encolhida em
um roupão branco.
Seus olhos encontraram os meus e nunca me senti tão aliviado como
naquele instante. Havia lágrimas, e estava tão vermelho quanto seu nariz,
mas não tinha aquele branco e vazio como eu já tinha visto antes.
Apressei-me até ela, deitando-me ao seu lado e envolvendo-a em meus
braços.
— Ryan — choramingou.
— Estou aqui.
— Você veio.
— Sempre — jurei.
Era verdade, sempre viria por ela. Atravessaria meio mundo, ou melhor,
um mundo inteiro somente para tê-la assim... agarrada ao meu corpo.
Mesmo que odiasse vê-la chorando, nada, nem se o céu desabasse me tiraria
de seu lado.
— Você está segura — murmurei beijando seus cabelos.
— Obrigada...
— Nunca me agradeça — pedi interrompendo-a. — Faço qualquer coisa
por você, basta me chamar que venho correndo.
Seu rosto se ergueu, e apesar de molhado em lágrimas e o cabelo
bagunçado, nunca esteve mais linda.
— Eu o enfrentei — contou com a voz trêmula.
— Eu sei, boneca.
— Eu o enfrentei — repetiu como se não acreditasse no que tinha feito.
— Mas não acho que ele vá me deixar em paz.
Seu pequeno corpo tremeu.
— Ele vai — afirmei muito certo do que estava dizendo.
Rever Isabelle chamou atenção de Flavian e isto é o que me preocupa.
Ela não estava errada em acreditar que ele não a deixaria em paz. Encontrá-
la aqui não foi coincidência. Nem de perto e isto me causou um calafrio.
Problemas na empresa sempre surgiriam, mas o ex-namorado e agressor
aparecer quando ela estava em um restaurante a trabalho em outra cidade
não foi o acaso.
Deborah.
Aquela víbora deu a localização de Isabelle para o filho. E eu tenho
certeza que nem fez muito esforço para descobrir onde ela estava.
Deslizei meus dedos pelos cabelos dela, penteando-os suavemente,
tentando com muito esforço manter a calma, pois tudo dentro de mim
gritava para me levantar e arrancar a cabeça daquela corja amaldiçoada.
— Você está segura — repeti baixinho. — Ninguém irá machucá-la.
Ela soltou o ar e abraçou-me com força. Meus dedos fecharam em seus
cabelos lisos e tão negros quanto à noite antes de abaixar o rosto e tomar
sua boca na minha.
Não pretendia nada, somente beijá-la até que se esquecesse de tudo e
focasse somente em nós dois. Moldei seus lábios, puxando o inferior entre
os dentes antes de sugá-los lentamente. Ela suspirou e seus dedos apertaram
em minhas costas incentivando-me a aprofundar um pouco mais o beijo.
Busquei por sua língua com a minha quando ela permitiu minha invasão.
Era impressionante como bastava tão pouco para me perder nela. Seu sabor,
sua pele, seu toque, tudo me levava há um lugar que não sei dizer se já
conheci antes.
Nunca fui santo, pulei de cama em cama com as mulheres mais lindas
que conheci, claro que tinha o pequeno detalhe que elas eram
principalmente atraídas pelo tamanho da minha conta bancária. Fato que
dificilmente não era reconhecido quando escutavam meu sobrenome.
Em alguns momentos isto era cansativo, em outros, divertido. Não sou
hipócrita de mentir que não aproveitei meu status para sexo fácil e quente.
Por isto a implicância de Esmeralda com as tais ‘modelos magrelas e sem
sal’. Elas não eram assim, todas com belezas de cair o queixo, mas que nem
disfarçavam o fato de se aproximarem pelo meu dinheiro.
Isto sim as faziam parecer sem sal, sem conteúdo.
E era exatamente isto que me atraia em Isabelle, ela é cheia de conteúdo,
inteligência, e apesar de ser muito ferida em seu coração e mente, mostra-se
incrivelmente forte. Eu não desejava sexo rápido e fácil com ela. Pelo
contrário, ansiava pela conquista, dando um passo na frente do outro sem
pressa, pois sabia que meu destino era ela.
Belle tinha beleza única, não sorria facilmente e nem para qualquer um,
mas quando seus lábios se abriam tirava-me do foco, ofuscando tudo ao
redor.
Aquilo era amor?
Fiquei confuso, sabia que estava me apaixonando por ele, mas eu não
conhecia o amor. Meus pais não se amaram, minha madrasta amava mais o
dinheiro, e ainda ama, do que qualquer outra coisa. E qualquer mulher que
se aproximava de mim via somente o nome Stone e a fortuna milionária que
vinha com ele.
— O que foi? — sussurrou Belle se afastando.
Não tinha percebido que tinha parado de beijá-la enquanto me perdia em
devaneios.
— Desculpe — murmurei.
Ela acariciou meu rosto, escovando as unhas na minha barba por fazer.
— No que estava pensando?
Antes de responder, a deitei sobre a cama inclinando-me parcialmente
sobre ela. Seus cabelos negros contrastavam com a roupa de cama branca e
seus lábios vermelhos em sua pele cremosa.
— Sabe que eu disse sério sobre meu coração ser seu, não é mesmo? —
perguntei baixo.
— Sim — respondeu sem hesitar.
— Bom, sou apaixonado por você e estava me perguntando se esse
sentimento já havia se transformado em amor.
Seus olhos arregalaram.
— E qual conclusão chegou? — sussurrou parecendo assustada.
— Que eu não sei. — Dei de ombros. — Porque não conheço o amor
romântico, o amor que não seja pelo dinheiro.
— Ryan — abraçou meu pescoço. — Eu acreditei uma vez ter
encontrado o amor e errei — disse baixo. — Não sei julgar quando
chegamos a esse ponto, mas amar é muito mais do que gostar. Amar não
envolve dinheiro e nem beleza. — Beijou suavemente meus lábios. — O
verdadeiro amor tem que ser puro, honesto, cuidadoso e isto eu também não
conheço.
— Vamos desvendar isto, juntos — prometi.
Ela sorriu iluminando minha vida e concordou. — Combinado.
— Você está bem? — perguntei observando-a bem de perto.
O sorriso se apagou e ela franziu a testa.
— Não. — Fiquei satisfeito por ela não mentir. — Mas vou ficar, um
passo de cada vez, não é mesmo?
— Sim. — Deixei um beijo na sua testa. — Precisa que eu chame Ítalo?
Posso trazê-lo aqui em uma hora.
— Ele iria ficar irritadíssimo — riu. — Agradeço, mas posso falar com
ele amanhã.
— Então, o que eu posso fazer por você, boneca?
Ela fez uma cara de pensativa e novamente ofuscou o mundo ao nosso
redor quando sorriu.
— Um beijo?
Toquei meus lábios nos seus.
— Somente um? — brinquei.
Seus dedos invadiram meus cabelos da nuca, arrepiando-me.
— Quanto quiser — disse em um tom rouco.
Assaltei sua boca.
A calma tinha se esgotado no instante em que ela retribuiu meu beijo
com a mesma intensidade e ainda exigiu mais. Antes que pudesse me
controlar estava em cima dela, com meu corpo encaixado entre suas pernas
quase nuas.
A beijei mais profundamente fazendo nossas línguas duelarem. Era a
batalha mais sensual que já tinha experimentado. O que me lembrava de
que precisava ir com calma, reduzir o ritmo. Não queria estragar tudo e me
forcei a acalmar, parei aos poucos e me afastei em busca de ar.
O que não esperava era que ela abraçaria minha cintura com suas pernas,
puxando-me para mais perto. Subindo um pouco o corpo, ela buscou meu
rosto com as mãos ansiosas e foi sua vez de saquear minha boca em busca
de mais beijos.
Como disse antes, não sou, e nunca fui, santo.
Apoiei em um cotovelo enquanto minha mão livre buscava por sua perna,
tocar sua pele nua e aquecida levou-me a beira da insanidade. Deslizei a
palma, apertando algumas vezes sua carne macia, descobrindo que o roupão
tinha escorregado aberto e que por baixo ela não vestia nada.
Isabelle ficou tensa, se afastando, mas não permiti, a segurei. Seus medos
com relação ao corpo eram infundados para mim. Entendia que as cicatrizes
a abalavam, mas isto não diminuía sua beleza. Se ela não estivesse pronta
para sexo, eu concordaria, porém, nunca iria permitir que ela se sentisse feia
por causa daquelas marcas.
— Você é linda.
— Não diga isto — pediu.
— Não diria se não fosse verdade — digo afastando uma mecha de
cabelo de seu pescoço. — Você é linda do jeito que é. — Beijei seu ombro
depois de deslizar o tecido que usava. — Não entende? Todo soldado tem
marcas de batalhas. E você é uma guerreira com uma força impressionante.
Distribui beijos molhados por seu pescoço e garganta muito satisfeito
com o arrepio que vi espalhando por sua pele. O roupão era grande e ficava
frouxo em seus braços finos. Encontrei uma cicatriz no ombro e não parecia
tão proeminente como na primeira vez que a vi.
— Está mais clara — murmurei.
Ela engoliu em seco.
— Tenho feito um tratamento para tentar reduzi-las.
— Conseguiu.
— Elas ainda estão aí — murmurou.
— Mesmo que as apagassem, sempre estariam — comentei. — Fico
orgulhoso por enfrentá-las.
Estava realmente orgulhoso, Ítalo já havia me dito que os tratamentos
dermatológicos para cicatrizes eram, muitas vezes dolorosos.
Deus, como essa mulher é forte!
— O passado não vai mudar — sussurrou.
— Não, mas o futuro é você quem controla. — Apontei para o roupão e
perguntei — Posso continuar?
Não poderia sem sua permissão, precisava que ela confiasse e
concordasse comigo antes de desnudá-la.
Apesar da hesitação em seus olhos, Belle me deu um aceno de cabeça
firme. Tomei espaço e empurrei o tecido felpudo para longe de seu corpo.
Ela puxou os braços das mangas e ficou nua debaixo de mim.
Senti que ambos ficamos com a respiração suspensa. Ela esperava uma
reação ruim de mim, mas não se encolheu ou se escondeu enquanto meus
olhos deslizavam por ela. Havia uma cicatriz no ombro direito, outra no
esterno onde ficava visível quando ela usava decotes. Duas marcas
irregulares no seio direito e uma na lateral do esquerdo.
Mais abaixo, em seu abdômen havia cinco ou seis espalhadas, fiquei
confuso contando-as. As outras, muito provavelmente estavam nas costas e
nos braços. Fiquei impressionado por não estarem tão proeminentes, tinha
um tom de rosa prateado e não eram altas.
Não queria pensar em como deve ter doído ser atacada daquela forma.
Encontrei seu olhar e doeu meu coração ver o medo da rejeição ali.
— Você é linda.
— Não minta — sussurrou.
Seu rosto estava tomado por uma dor que me partiu ao meio.
— Não é mentira — afirmei cobrindo-a novamente com meu corpo. —
Não sente isto? — me pressionei contra ela para que sentisse o quanto a
desejava. — Estou dolorosamente duro por você, somente por você. —
Segurei sua nuca. — Eu vou passar o resto da minha vida mostrando como
é linda. E irei começar agora, porque vou beijá-la e venerá-la até o
amanhecer. — Selei duramente nossos lábios. — E se quando o sol nascer,
você ainda não acreditar que eu a acho linda e a desejo, vou fazer tudo de
novo até que não tenha mais forças para resistir.
Capítulo Vinte e Três
Por Isabelle
A amplitude de suas palavras tirou minha capacidade de fala. Ryan
ignorou o choque no meu rosto, que eu tinha certeza que estava estampado,
e buscou minha boca com a sua. Ele não foi cuidadoso e nem me tratou
como frágil, somente tomou o que queria e eu permiti sem hesitar.
Isto era o que mais me atraia nele, não agia por simplesmente agir. Ele
era intenso em tudo o que fazia. Dando o melhor de si sem se importar
muito com as consequências. A prova disto era o jeito que me beijava, eu o
retribuía e queria mais.
Não ver nojo ou repulsa em seu rosto deixou-me incrédula, pois tudo o
que enxergava era desejo puro, derretido em seus bonitos olhos verdes.
Como ele ainda poderia me desejar?
— Pare de pensar — exigiu descendo seus lábios por meu queixo e
garganta.
Não conseguia, minha mente estava uma confusão de pensamentos e
sensações que se talvez perguntasse meu nome agora eu não poderia dizer.
Quis chorar quando o senti beijar cada uma das cicatrizes que sua boca
alcançou. Mapeando a dedo todas minhas marcas, desvendando o melhor e
o pior de mim. Toda vez que seu olhar encontrava o meu surpreendia-me.
Amor e cuidado brilhavam além do desejo.
E mesmo vendo as lágrimas presas em minhas pálpebras, Ryan não
parou. Tocou-me com meiguice, venerou meu corpo com suas mãos e sua
boca. Deixando um carinho ou um beijo molhado por onde passava. Tomou
meus seios entre os lábios e os provou até que toda lágrima se transformou
em um desejo pungente por mais.
Seu nome escapava por meus lábios acompanhados de gemidos altos e
barulhos desconhecidos. Minha pele estava quente e apertada no corpo com
a inundação de prazer em meus sentidos.
— Ryan! — exclamei quando o senti beijar o interior das minhas coxas.
Ele não disse nada, estava concentrado demais em me torturar até a morte
por puro prazer.
Não saberia dizer qual foi a última vez que me senti desta forma, se é que
alguma vez experimentei um desejo tão intenso assim. Tive poucos
namorados e passei um longo tempo sem o toque de um homem.
Somente agora percebia o quanto sentia falta... gritei fechando meus
olhos e arqueando o corpo. Estrelas invadiram minhas pálpebras enviando
uma carga de energia por todo o meu corpo. Esqueci de respirar por um
momento e desabei sobre a cama, suada e com o coração batendo forte no
peito.
Ryan não se afastou, continuou beijando-me intimamente até que a
sensibilidade quase me matou e fui obrigada a tentar afastá-lo.
— De novo — exigiu.
— O que? — arregalei os olhos. — Eu não posso...
As palavras sumiram quando ele deslizou um dedo para dentro de mim e
se tornou mais intenso. Oh meu Deus! Não sobreviveria a isto até o
amanhecer como ele havia prometido.
Todas aquelas sensações foram se construindo novamente. Tomando
minha respiração. Fazendo meu corpo ansiar por mais. Deixando minha
boca seca. Meus gritos mais altos. Minha pele em chamas. Até que
explodi... e Deus nunca me senti melhor.
Estava desossada e meu cérebro virou gelatina pura e mole. Sentia que
por muito pouco não perdia a consciência.
Ryan se ergueu com uma expressão satisfeita e um olhar escuro,
mostrando que estava se segurando por muito pouco. Beijou-me lentamente
antes de se deitar ao meu lado.
— O que esta fazendo? — questionei.
— Abraçando você — respondeu o obvio.
— E eu estou com cara de quem precisa ser abraçada? — questionei o
encarando nos olhos.
— Não — respondeu rapidamente.
— Eu quero mais! — exclamei.
Não queria pensar sobre mais nada, somente em nós dois. Ignorei minha
nudez e montei em seu colo. Ele se sentou comigo sentada sobre suas
pernas. Seu olhar quente encontrou o meu. Percebi que ele buscava algo no
meu rosto, tentava ver se eu tinha certeza do que estava fazendo e quando
encontrou não disse nada, somente aceitou o que estava acontecendo.
Eu precisava viver.
Viver por mim mesma.
E me entregar a ele era uma decisão que dependia unicamente de mim.
Era exatamente o que estava fazendo. Desabotoei sua camisa cinza com
uma rapidez impressionante, a joguei de lado e me assustei quando ele me
empurrou para trás cobrindo-me novamente com o seu corpo. Envolvi
minhas pernas em sua cintura, segurando-o com força.
— Com calma — rosnou antes de tomar minha boca em um beijo duro.
Acabei rindo, nem ele mesmo acreditava que poderia ir com calma. A
diversão acabou no instante que o senti pressionar contra meu centro
sensível. Mesmo ainda parcialmente vestido, era impossível ignorar a
rigidez de sua masculinidade.
Ele engoliu meu gemido aprofundando mais aquele beijo, ambos
estávamos famintos e desesperados. Rolamos pelo colchão, tentei ficar por
cima, mas ele nos rolou novamente e por muito pouco não caímos no chão.
Suas mãos exploraram meu corpo em um toque firme.
Explicar como ele se livrou do resto de suas roupas era algo que
realmente me deixaria em uma sinuca de beco, pois não conseguiria
encontrar uma resposta. No entanto, antes de deslizar para dentro de mim
seu olhar encontrou o meu. Ryan estava tão ofegante quanto eu, mas não se
moveu até que me ouviu dizer:
— Quero você.
A calma predominou somente no início enquanto ele nos permitia
desfrutar das sensações prazerosas da conexão. Permaneceu quieto e
profundamente enterrado dentro de mim.
Seu olhar congelou no meu, antes nos perdemos em um beijo.
E durante todo o resto da noite, assim como prometeu, ele me beijou.
Fez-me sentir bonita ao seu toque, venerou-me e me valorizou como
mulher. Ryan não amou somente meu corpo, ele amou minha alma.
Não existia nenhuma gota de arrependimento em mim, mas assim que ele
adormeceu quando o sol nasceu senti uma vontade perturbadora de chorar.
Era uma mistura angustiante de sentimentos, todos se revirando e provando-
me.
Os braços dele me rodearam um pouco mais firme como se soubesse de
que eu precisasse de seu abraço. E seus lábios roçaram meu cabelo.
— Estou aqui — sussurrou sonolento. — Não tenha medo de se apoiar
em mim.
Fiquei quieta e não respondi, confiava nele e iria me apoiar sempre que
precisasse, mas as lágrimas silenciosas que desciam por meu rosto me dizia
que se abrisse a boca seria muito pior.
Uma vez, eu não aceitei a ajuda dele e isto é algo que eu não repetiria.
Estaria sempre disposta a ouvi-lo e aceitar sua mão estendida. Não preciso
ser sozinha para ser livre. E foi exatamente essa sensação de liberdade que
me fez chorar um pouquinho mais.
Capítulo Vinte e Quatro
Por Ryan
— O que é isto? — questionou Belle assim que entramos no banho.
Ela apontava para o adesivo no meu braço e a mancha roxa espalhada
pela pele. Escondi uma careta. Toda vez que furavam meu braço para um
simples exame de sangue ficava roxo como se tivessem me espancado e a
intravenosa que colocaram ontem não passou batido.
— Você tirou sangue? — questionou com as sobrancelhas franzidas
— Hm... basicamente sim.
— Ryan! — estreitou os olhos para mim. — Você está bem? Não minta
para mim — avisou.
Deslizei ela pela banheira até que montasse em meu colo. Não reclamou
e nem protestou, mas estava muito claro que não deixaria o assunto de lado.
Mentir era uma opção?
Valia a pena quebrar a confiança dela somente para não preocupá-la?
— Fui parcialmente envenenado ontem no meu escritório — contei, pois
nada no mundo me faria quebrar, propositalmente, a confiança que ela
depositava em mim.
Quase escutei Ítalo falando “Não existe isto de parcialmente, ou é ou não
é” era algo que ele diria e isto me fez estremecer.
— O que? — seus olhos pareceram pratos de tão arregalados. — Como
assim parcialmente? Você foi envenenado? Não existe um meio termo para
isto!
— Se acalme — pedi deslizando minhas mãos por seu corpo.
Isabelle segurou minhas mãos.
— Não tente me distrair!
— Só não quero preocupá-la...
— Deus! — exclamou e eu não soube dizer se ela estava preocupada ou
com raiva. — Você deveria estar em um hospital.
— Eu estava...
Seu rosto empalideceu.
— Mas eu te liguei e o fiz sair...
— Você não fez nada. — Segurei seu rosto. — Eu não ficaria lá nem por
um minuto sabendo que você estava assustada e correndo perigo.
— Você era o único em perigo! — exclamou. — Tentaram te matar, pelo
amor de Deus!
— Se acalme — pedi novamente mesmo sabendo que ela não me ouviria.
— Vou lhe contar tudo, mas não deve se exaltar.
— Não pode me pedir isto. — Cruzou os braços com teimosia.
— Então não vou dizer nada — retruquei.
— Acho bom dizer ou não vai se enroscar comigo em um lençol tão cedo
— ameaçou.
Sorri e ela me olhou feio.
— Eu não preciso de um lençol, boneca — a provoquei.
— Ryan! — exclamou brava, mas suas bochechas coraram.
Sorri com falsa inocência.
— Posso te provar isto agora mesmo.
Tentei beijá-la, ela se afastou. — Não! Pare de me distrair e diga logo o
que aconteceu.
Frustração era uma coisa terrível de sentir, mas cedi sabendo que não
teria outro jeito. Ela saberia uma hora ou outra.
— Fui tomar um conhaque no bar da minha sala — comecei olhando-a
atentamente. — Sabine se serviu um Bourbon, mas não bebeu, só molhou
os lábios. Então, Heron entrou como um cão do inferno e arrancou os copos
de nossas mãos. — expliquei. — Enquanto ele revisava as imagens de
segurança, percebeu um intruso. Esse homem usava boné e conseguiu
acessar minha sala, o que ainda não podemos explicar, já que tem
fechadura eletrônica na porta. — Deslizei minhas mãos molhadas por suas
costas. — Ele colocou uma mistura perigosa em todas as garrafas.
— Vamos para o hospital...
— Estou bem — afirmei interrompendo-a. — Juro.
— Ryan — repreendeu preocupada.
— Não mentiria para você — afirmei. — Eu estou bem — enfatizo. —
Fiquei abalado por saber que alguém tentou me matar, somente isto.
— Jura que está bem?
— Juro.
Ela me abraçou aflita. — Por favor, se cuida.
— Eu vou — prometi. — Fui examinado e medicado, não tem nada de
errado comigo.
— Graças a Deus — murmurou ainda agarrada ao meu pescoço.
— Só não tenho certeza se não vou enlouquecer com a paranoia de Heron
de agora para frente — brinquei.
— Ele está cuidando de você — respondeu séria. — Fico tranquila
sabendo que você o tem.
— E você terá Emerson — comentei com hesitação, pois teríamos que
falar disto em algum momento.
Já estava todo ferrado mesmo.
Isto a fez se afastar e me encarar com os olhos cheios de desconfiança.
— Há quanto tempo ele está me seguindo? — questionou.
Pensei em negar e dizer que eu não tinha colocado ninguém para segui-
la, mas nem a pessoa mais boba do mundo acreditaria nesta mentira.
— Desde o dia em que descobri sobre Flavian.
Ela ficou tensa por um segundo antes de relaxar.
— Não vou dizer que fiquei feliz em saber que colocou um segurança no
meu pé, mas estou realmente agradecida — disse baixo. — Obrigada.
Outra vez queria dizer que não precisava agradecer, mas entendia que ela
se sentia grata.
— Por nada.
— Se ele não estivesse por perto, não sei o que teria acontecido —
murmurou.
— Daríamos um jeito — afirmei.
Ela não pareceu confiante e era um bom momento para uma distração.
— Deixa-me te mostrar como eu não preciso de um lençol para me
enroscar com você.
— Ryan!
Gargalhei antes de beijá-la.
...
Ser o chefe não reduzia minhas responsabilidades, o que significava que
eu precisava voltar para o escritório. Tomamos o café no quarto
enroscados nos lençóis, o que não teria nenhuma reclamação minha, mas
não demorou muito para Gaby ligar para Belle e Sabine exigir que eu a
atendesse.
Isto sim me irritava.
Minha secretária ficou tanto tempo perto de April que se comportava
igual aquela ingrata fujona. Sabine sabia muito bem quando eu não queria
atendê-la e não desistia com facilidade.
A vida real batia na porta, o trabalho nos esperava, o que realmente me
chateava. Seguimos para fora da suíte enquanto Belle tinha uma conversa
muito acalorada com Gaby sobre alguns procedimentos. A vontade de
estremecer era grande, pois ouvindo-a comandando Gabriel era a mesma
coisa de escutar April rosnando pelos corredores e salas.
Eu estava tão ferrado por me apaixonar por essa mulher de gênio forte.
Emerson e Heron estavam do lado de fora nos aguardando, entreguei as
duas malas que estava puxando e guiei Isabelle até o elevador. Ela deu bom
dia aos seguranças antes de voltar para seu assistente com uma
concentração hipnotizante.
Para me frustrar um pouco mais, Sabine me colocou em uma vídeo-
chamada com um cliente. A reunião durou vinte minutos, tempo suficiente
para chegarmos ao aeroporto. Antes de estourar nossa bola por completo,
pedi um jato pequeno e levei Isabelle para a cabine.
— O que estamos fazendo aqui? — perguntou curiosa.
— Hoje eu serei seu piloto — contei.
Um copiloto apareceria em alguns minutos para me auxiliar como
mandava as regras para esse tipo de aeronave.
Mas até lá...
— Sério? — pareceu animada.
— Sim, senhora.
Lhe entreguei um fone.
— Nada de senhora, quero ser a aeromoça — brincou. — Senhores
passageiros, gentileza afivelarem seus cintos de seguranças e somente os
desconectar quando o sinal luminoso for desligado. A Companhia Stone
agradece. Decolaremos em breve e o serviço de bordo será iniciado.
Gargalhei impressionado e divertido com a cena que ela fez.
— Contratada?
— Sem dúvidas — afirmei. — Mas deverá atender somente a mim
durante o serviço de bordo.
Ela ergueu uma sobrancelha enquanto me dava um olhar desafiador.
Desabotoou dois botões de sua bonita camisa de seda vermelha e subiu a
saia lápis o máximo que conseguiu.
— Acho que vou ter que procurar um uniforme adequado — brincou.
— Sua provocadora — murmurei puxando-a contra meu peito. — Espere
só que eu vou te pegar em sua sala exatamente assim. — Ela estremeceu. —
E não tenha dúvidas que eu estou te arrumando um vestido bem curto de
aeromoça.
— Ryan — repreendeu-me sorrindo.
A beijei rapidamente.
Tínhamos que voltar para casa, e eu estava ansioso por mais tempo a sós
com ela.
Porém também me sentia animado em decolar...
...o céu nos aguardava.
...
Antes de entrarmos no elevador do prédio, Isabelle me olhou de repente.
Seu rosto tão branco como o de um fantasma que me deixou paralisado.
Rapidamente olhei ao redor em busca da pessoa, ou melhor, do verme que
sempre a deixava daquele jeito.
— Ryan...
— O que foi? — perguntei ainda procurando por ameaças.
Estávamos na garagem e eu não conseguia ver nada de mais para aquela
reação. Percebi que não era nenhum tipo de ameaça quando suas bochechas
coraram e ela olhou para Heron, que estava parado ao lado do elevador
segurando as portas abertas.
— Podemos ter alguns minutos? — perguntou em um sussurro
constrangido.
— Hm sim — acenei e a levei para dentro. — Heron, nos dê privacidade
— ordenei,
Ele me olhou por um segundo antes de concordar e se afastar, ele entraria
no elevador do lado. A porta nos fechou dentro enquanto eu observava seus
olhos arregalados.
— Qual é o problema?
O elevador começou a subir.
— Bem... nós... eu quero dizer. — Passou as mãos nas coxas, o que
indicava ansiedade. — Não usamos camisinha.
A vermelhidão do seu rosto espalhou por seu pescoço e eu podia jurar
que desceu por seu colo e seios.
— Camisinha — murmurei distraído com aquele tom atraente. — Ah
porra! — exclamei ao entender o que estava acontecendo. — Porra! —
Senti que tinha falhado com ela. — Por favor, desculpe-me, eu não tive a
intenção. Jamais faria algo assim sem o seu consentimento.
Chegava a estremecer com a ideia, não que Isabelle fosse alguém em
quem eu não confiava, mas já estive com muitas mulheres que imploravam
para que eu não usasse o preservativo afirmando que estavam no...
— Você não está no controle de natalidade? — perguntei completando
meu pensamento.
Ela balançou a cabeça e parecia que iria desmaiar com a possibilidade de
uma gravidez.
— Não — engasgou-se. — Eu não sentia necessidade... eu... não
acreditava que ficaria nua na frente de outra pessoa.
Controlei minha raiva, vê-la confessando esse tipo de coisa esquentava
meu sangue. Uma mulher tão linda não deveria estar escondida. Tudo culpa
de Flavian. Eu ainda quebraria a cara daquele imbecil.
Segurei o rosto dela.
— Você é linda — afirmei. — Por dentro e por fora.
Sua tentadora boca chegou abrir para protestar, mas ela foi esperta em
não dizer nada. Não sairíamos desse elevador até que entendesse que é
maravilhosa, que suas cicatrizes só a deixavam mais bonita porque era uma
guerreira que lutou e sobreviveu.
— Vamos subir — apontei que estávamos quase chegando ao meu andar.
— Vou assinar uma papelada, depois vamos participar de uma reunião e
assim que acabar iremos, juntos, a uma farmácia lhe comprar um
medicamento. — Eu não conseguia entender o que refletia em seus olhos e
continuei dizendo: — É escolha sua tomar ou não. E não importa o que
decidir, pois não estou deixando-a.
— Ryan...
— Se escolher tomar, prometo ter mais cuidado toda vez que eu a tocar
— digo ignorando a vibração do meu celular. — Se optar por não tomar,
então pode ser que tenhamos um mine chaveirinho daqui uns meses —
brinquei com seu apelido.
— Você é impossível — repreendeu-me sorrindo.
A possibilidade de ter um filho com ela não me deixou nervoso, pelo
contrário, fez-me desejar que isto acontecesse.
— Só me desculpe por isto — pedi.
— A culpa não é só sua — resmungou.
Balancei a cabeça sem concordar.
— Entendo que ambos devem pensar nas formas de se proteger, mas a
responsabilidade maior é minha. — Acariciei seu rosto. — Sou eu quem
devo cuidar de você, boneca.
O olhar apaixonado que ela me deu apagou meus pensamentos coerentes,
então eu a beijei. Era tão fácil perder a cabeça toda vez que sentia seus
lábios que me assustava um pouco.
E ainda assim, não conseguia recuar.
O apito das portas anunciou nossa chegada. Aos poucos finalizei o beijo,
era sempre tão bom que parar me frustrava. Toquei sua testa com a minha
ainda com os olhos fechados, aproveitando o som da sua respiração agitada.
— Belle — sussurrei.
Seus olhos se abriram lentamente tomando de joelhos cada parte de mim
que ainda não tinha se curvado.
— Você é perfeita, linda, doce e minha.
Ela sorriu travessa.
— Não me lembro de ter Stone no meu nome.
Sorri da mesma forma.
— Um dia vai ter — prometi.
Incredulidade brilhou na profunda beleza de seus olhos. — Você é muito
apressado.
Ignorei a acusação de seu tom e a puxei para fora do elevador quando
senti o celular vibrar novamente. Eu tinha certeza de que era Heron
avisando da minha demora em descer.
— Sou realista. — Dei de ombros.
Uma nuvem de cabelos vermelhos pousou em mim e braços finos
rodearam meu pescoço.
— Ryan! — exclamou Marcela, filha de Edith minha madrasta.
Ela gargalhou e quando se afastou segurou meu rosto e estalou um beijo
na minha boca. Eu já havia a repreendido por causa disto antes, mas
continuava me ignorando. Era louca.
— Marcela? O que faz aqui? — perguntei ainda chocado com em vê-la.
— Vim passar um tempo com você.
Heron limpou a garganta chamando minha atenção, o encarei e ele
acenou para algo atrás de mim. Quando me virei vi que Isabelle tinha
entrado de volta no elevador, estava indo embora.
— O que...
Seu olhar encontrou o meu e eu fiquei rígido com o vazio que encontrei
ali.
— Ryan eu tenho mil e uma coisas para te contar — disse Marcela.
— Belle — chamei e a porta do elevador se fechou. — A caralho!
— O que? — Marcela perguntou curiosa.
— Você me agarrou e me beijou na frente dela.
— Era sua namorada? — perguntou franzindo as belas sobrancelhas.
— Quantas vezes já pedi para não fazer isto? — questionei. — Não
somos mais adolescentes caramba.
— Foi só um beijinho — Ela revirou os olhos. — Vou lá conhecer e falar
com sua namorada.
— Não! — exclamei. — Vai estragar mais as coisas.
— Ryan deixa de ser chato, não vou estragar nada.
— Claro, já fez isto — acusei.
— Você é tão exagerado — bufou. — Eu nem gosto de homem —
afirmou me deixando perplexo com a informação.
Nada contra, mas ela poderia ter me preparado primeiro para isto.
— Não faça essa cara — apontou um dedo no meu rosto. — Vocês são
uns bandos de idiotas — afirmou balançando seu indicador entre mim e
Heron.
— Estou sem tempo para isto agora — respondi. — Porra, Marcela!
Caminhei para o outro elevador e parei quando ouvi Heron dizer: — Ela
desceu no térreo.
— Chefe? — ouvi Sabine chamar.
— Cancele a reunião. — Quase coloquei um pé dentro do elevador.
Precisava ir com urgência atrás de Isabelle ou de Ítalo porque estava
pronto para surtar. O mundo deveria me dar uma pausa, nem que fosse por
algumas horas. Porém, tudo o que a vida me deu neste momento foi uma
pontada desesperadora de pânico.
Foram meses para desvendá-la, conquistá-la, fazê-la retribuir meus
sentimentos para tudo se perder com um beijo estalado da desavisada que
eu considerava minha irmã. Deus, se fosse eu no lugar de Isabelle teria
quebrado a cara do idiota que a beijasse. Independente de quem fosse e
sabe-se lá se eu ouviria alguma explicação dela.
Meu bom Senhor, que ela me escute antes de decidir chutar minha bunda
idiota.
— Não pode deixar o Major Esdra da aeronáutica o esperando. — Sabine
disse baixo. — Nem cancelar essa reunião outra vez.
Fechei os olhos por um segundo antes de me virar e encarar os três.
— Porra! — exclamei irritado.
Era para Belle participar da reunião comigo. Encarei Marcela, furioso, se
minha Isabelle derramasse uma lágrima por causa dessa besteira...
— Eu não tive culpa — protestou.
Estreitei os olhos para ela.
— Fique longe de problemas — digo em um tom de ameaças. — Sabine
acomode o Major — ordenei e ela saiu apressada.
Busquei meu segurança com os olhos antes de ordenar: — Encontre-a!
Capítulo Vinte e Cinco
Por Isabelle
Era difícil decidir o que sentir, pois havia uma confusão de emoções
dentro de mim depois de ver aquela deslumbrante ruiva beijando Ryan.
O meu Ryan!
Pelo amor de Deus, não era meu coisa nenhuma! Meu celular tocou três
vezes dentro da bolsa e foi ignorado. Atravessei a avenida e continuei
andando com os pensamentos confusos. Ryan nem mesmo havia percebido
que eu tinha me afastado, parecia chocado em ver a tal Marcela.
Tranquei as lágrimas, recusava-me a chorar. Principalmente por alguém
que estava me prometendo meio mundo em um minuto e no segundo
seguinte é agarrado e beijado por outra mulher. Deveria ter socado a cara
dos dois, isto sim! Ryan merecia uns dentes quebrados e aquela moça um
olho roxo por tocar algo que deveria ser meu.
Não saberia dizer o que doía mais, meu orgulho ferido ou meu coração
desapontado. A mágoa era crua e amarga na minha boca. Que merda tinha
acontecido? Choraminguei baixinho e olhei para o céu azul.
— Poderia me dar uma pausa, universo? — sussurrei antes de voltar a
caminhar.
Não sei por quanto tempo andei, mas quando ouvi as ondas, percebi que
atravessei vários quarteirões e cheguei à praia. Sentei em um banquinho e
deixei a bolsa pousada no colo.
O que faria agora?
Chorar? Nem a pau!
Mesmo teimando, eu podia sentir minhas pálpebras cada vez mais
pesadas pelas lágrimas. Lutei contra e quando estava quase perdendo aquela
batalha, alguém sentou ao meu lado.
Senti a pele saltar do corpo com o susto e suspirei aliviada ao ver
Emerson.
— Estou sempre no seu encalço — brincou.
— Me assustou.
— Desculpe. — Deu de ombros. — Mas a senhorita não deveria sair sem
avisar ou planejar, isto torna um pouquinho difícil as coisas.
Suspirando eu o ignorei por um tempo e encarei o mar azul, de alguma
forma ver aquela imensidão de água mudou meus sentimentos e trouxe uma
saudade perturbadora de ser feliz.
— Às vezes me pergunto o que fiz para o universo me presentear com
tanta solidão — comento. — Eu costumava aproveitar a vida ao máximo.
Vivia na praia, indo a festas, praticando exercícios. — A saudade apertou
em meu peito. — Até já corri uma maratona — ri com tristeza. — Minha
vida acabou naquele beco sujo em que Flavian me deixou para morrer.
— Não é verdade — negou Emerson. — Se isto tivesse acontecido você
não estaria aqui, trabalhando, viajando, lutando.
— Só estou salvando minha mente da loucura, trabalhar se tornou uma
necessidade básica, assim como comer e dormir.
— Servi o exército por oito anos — contou chamando minha atenção. —
Voltei para casa mais oco do que madeira pobre.
Virei meu rosto, mas ele não me encarava. Seu olhar estava escondido
atrás de óculos escuros e em direção do horizonte azul.
— Uma emboscada me fez perder todos os meus companheiros de uma
única vez. — Sua voz ficou rouca. — Somente eu sobrevivi. — Fez uma
pausa. — Eu sei o que é ser deixado para morrer, Isabelle. — Engoliu em
seco. — Foi Deus que garantiu que aqueles homens não fossem conferir
quantos tinham abatido ou eu teria visto meu assassino antes que ele
terminasse com minha vida.
— Sinto muito Emerson.
Ele sorriu de lado.
— Não sinta, isto é a guerra — disse baixo. — Ela é feia e cruel.
— Como sobreviveu? — perguntei curiosa.
Desta vez ele me encarou e seu sorriso iluminou tudo ao redor.
— Encontrei um anjo — contou. — Um anjo atrapalhado que me virou
do avesso e me deu dois filhos lindos.
— Fico feliz por você.
— Obrigado. — Tirou os óculos. — Não desista de si mesma, imagino
quão cansada está com a vida, mas viver é muito melhor do que sobreviver.
O passado não vai mudar, mas o futuro é você quem escolhe.
Eu não tinha uma resposta para ele, mas aceitei seu conselho.
— Isabelle! — exclamou uma voz animada.
Quase gargalhei ao ver Esmeralda correndo na minha direção com um
biquíni preto minúsculo de cortininha. Ela tinha um corpo de invejar, o que
era impossível não reparar sua boa forma.
Impressionante para sua idade. Belíssima com os cabelos brancos curtos
e curvas que deixaria um adolescente no chinelo.
— Como vai Esmeralda?
— Renovada. — Abraçou-me sem se importar em me molhar. — Quem é
o gatinho? — olhou para o segurança.
— Alguém que vai ficar de fora desta conversa — afirmou Emerson ao
se afastar rindo.
— É casado — afirmou ela e se sentou ao meu lado onde o segurança
estava. — Mas bonito, olhar não tira pedaço, não é mesmo?
Rindo respondi. — Se tirasse Emerson estaria sem alguns pedaços agora
mesmo.
Ela gargalhou concordando.
— Eu pegaria as melhores partes — disse com maldade. — Sem dúvidas.
Gargalhei.
Ela viu o rapaz do coco e gritou: — Ei moreno! Corte dois pra gente e
cobre do bonitão de terno ali — apontou para Emerson.
— Esmeralda! — exclamei chocada e divertida ao mesmo tempo.
— Que? — se fez de inocente. — Esses seguranças tem dinheiro —
brincou. — Ryan nunca deixaria alguém te seguir sem um cartão de crédito.
Abri a boca para responder que era besteira e vi Emerson indo até a
barraquinha do coco e pagando por dois, como Esmeralda havia pedido.
— Eu não disse! — disse com triunfo.
— Você é terrível, mas eu gosto — comentei.
— Também gosto de você — afirmou. — Obrigada bonitão. — Pegou o
coco que Emerson ofereceu.
Peguei o meu e também agradeci. Foi bom tomar aquela água gelada e
docinha, fez bem para minha alma. E por muito pouco não abracei
Esmeralda em gratidão por conseguir me tirar daquele buraco em que
estava me afundando minutos antes.
— Está de folga? — perguntou. — Vamos tomar um banho de mar.
— Não e não — respondi. — Só estou tomando uma pausa — contei.
— Mesmo assim, vamos nadar — chamou. — Esse mar leva embora
todas as coisas ruins, acho que também a velhice porque me sinto cada vez
mais jovem a cada mergulho.
— Tenho certeza que sim — consegui responder sem estremecer.
— Vamos arrumar uma roupa de banho para você, bem curta e
mergulhar...
— Eu não posso. — Minha voz vacilou.
— Ryan não vai ligar, e se ele falar algo eu lhe chuto as bolas.
Segurei sua mão para acalmá-la, mas no fundo estava tentando
tranquilizar a mim mesma.
— Eu não uso biquíni...
— Um maiô então. — Me interrompeu.
— Nem mesmo isto — digo rapidamente. — Não consigo me expor
tanto.
Ela apertou meus dedos dando-me um apoio silencioso.
— Por que querida? Você é tão linda...
— Eu não sou bonita em um biquíni — comentei.
Esmeralda me olhava nos olhos buscando entender o que eu estava
dizendo. Levei um minuto para me decidir se deveria ou não confiar nela.
— Cinco anos atrás fui esfaqueada por um ex-namorado — contei
sentindo a garganta seca. — Meu corpo é muito marcado e eu mal consigo
me encarar no espelho, meu estômago dói de imaginar o julgamento ou a
pena no olhar das pessoas.
Suas sobrancelhas franzidas se suavizaram e ela me abraçou.
— Diga-me que esse verme está morto ou preso, ou pode me passar o
endereço dele que vou visitá-lo com um machado para castrá-lo.
Uma risada borbulhou em minha garganta, o que me deixou horrorizada.
— Solto e eu não sei onde mora. — Pelo menos acreditava que não
morava no mesmo lugar.
— Podemos descobrir — afirmou ao se afastar.
— Está tudo bem Esmeralda — digo olhando-a nos olhos. — Eu vou
superar isto em algum momento, mas não consigo me mostrar assim.
Esmeralda me olhou com tanto carinho que inundou meus olhos de
lágrimas e aqueceu meu coração que parecia tão frio desde que entrei
naquele elevador para ir embora.
— Eu poderia matar quem te machucou, mas você pode fazer algo muito
melhor.
— Como o que? — perguntei em um choramingo.
— Vivendo — respondeu como se fosse óbvio. — Mostrando a mulher
forte que é — afirmou como se me conhecesse. — Quando se olhar no
espelho, não veja as cicatrizes, enxergue a mulher por trás disto. Reconheça
sua força! Beleza não é seguir o padrão, é você se sentir bem com você
mesma.
As lágrimas teimosas me venceram.
Esmeralda voltou a me abraçar e disse: — Você é linda, de corpo, de
sorriso, de coração e de alma.
— Obrigada — sussurrei.
— Não basta resistir, Isabelle, tem que florescer.
...
No caminho de volta para o trabalho, aquela frase não saiu da minha
cabeça. Tanto Esmeralda quanto Emerson não estavam errados em seus
pensamentos. Não bastava eu continuar sobrevivendo, resistindo. Eu
precisava viver e florescer.
A cada passo eu me sentia mais determinada, mesmo com as bochechas
coradas ao me lembrar da sensação de liberdade que experimentei depois de
uma noite com Ryan. Queria sentir aquilo de novo, todos os dias. Não estou
falando do sexo, mas da emoção de me recordar que ninguém me
controlava.
Que eu sou dona de mim mesma, dona das minhas ações e reações. E que
não era justo estar presa enquanto meu atacante vivia livre, não permitiria
que ele continuasse se alimentando de minhas inseguranças.
Era a minha vez de me encontrar.
Sou forte, decidida e ninguém pode tirar isto de mim.
Isto me lembrava de que voltar ao trabalho me forçaria a encontrar e
conversar com Ryan. Quase estremeci sabendo que não seria uma conversa
fácil. E por muito pouco não corri para bem longe e me escondi, o que seria
muito contraditório com meus pensamentos anteriores.
Emerson me acompanhou até a porta do meu escritório e disse que
estaria por perto, mas primeiro olharia as câmeras de segurança e outras
coisas que doíam minha cabeça só de tentar entender.
Gaby acenou quando passou por mim e disse que minha secretária estava
resolvendo uma questão de documentação para ele no andar debaixo. Então
ele correu resmungando algo sobre estar atrasado para um compromisso.
Me senti culpada por tê-lo sobrecarregado tanto nos últimos dias.
Sozinha, entrei no meu escritório e fechei a porta.
Senti um arrepio atravessar todo o meu corpo elevando meus pelos.
Antes de conseguir me virar na direção de onde vinha aquela sensação
ruim, uma mão se fechou na minha boca enquanto outra agarrava minha
cintura.
Lutei por um segundo até que ouvi a voz dele.
— Fique quieta.
Sentia que meus olhos sairiam de minhas pálpebras.
— Flavian — minha voz foi abafada.
— Eu só quero conversar.
— Vá a merda — gritei contra sua palma e lutei.
Ele era muito mais forte e eu não conseguia me livrar dele, mas não
estava desistindo. Não mesmo. Ele poderia me matar, mas eu lutaria até o
fim. Joguei a cabeça para trás e acertei seu queixo, não o nariz, pois era alto
demais.
— Porra se acalma.
Um caralho que eu iria me acalmar. Se quisesse só conversar não entraria
sem permissão e me abordaria daquela forma. Eu enlouqueci. O passado
começou a se misturar com o presente, as situações se igualavam e me
assustavam da mesma forma.
A cadeira caiu e isto o deu a oportunidade de me inclinar sobre a mesa.
Gritei e o mordi, ele sentiu dor e resmungou quando eu provei do seu
sangue.
— Você ficou escondida por tanto tempo — disse em um rosnado. —
Porra, Isa! Tinha que abrir a boca para aquele idiota. Você está dando para
ele não é mesmo?
Me debati em pânico.
Deus, onde estava Ryan? Heron? Gaby? Emerson?
Será que num lugar tão cheio como esse ninguém perceberia que tinha
algo errado?
— Não vou deixar que estrague minha vida! — exclamou ele no meu
ouvido. — Sinto muito, porra, sinto muito mesmo pelo o que fiz, mas vou
fazer de novo se não se manter calada — ameaçou. — Ontem eu só queria
conversar, você deveria ter me ouvido.
— Não! — gritei contra sua mão.
— Então minha mãe me contou hoje que o Stone idiota a ameaçou por
sua causa, sua desgraçada — rosnou. — Antes dele tomar, você era minha,
deveria continuar sendo. Eu te disse!
Estremeci.
Se eu não fosse dele, não seria de mais ninguém.
— Você sabe a quem pertence Isa. É minha!
Gritei contra sua palma, apavorada de que ele pegasse alguma arma para
me ferir. Berrei o mais alto que consegui implorando para que alguém me
ouvisse. Então, de repente o peso dele saiu de cima mim. Desesperada para
me proteger, custei a me estabilizar e quando isto não aconteceu, minhas
pernas saíram debaixo de mim fazendo com que eu caísse e batesse a
cabeça na quina na mesa.
Tudo ficou escuro.
Capítulo Vinte e Seis
Por Ryan
A dor que irradiou do meu punho para o meu braço tinha sido prazerosa.
Ainda sentia o medo enraizado em mim sem saber se Isabelle estava bem,
pois estava cego de ódio. Heron interrompeu minha reunião para informar
que tínhamos uma “situação” no andar em que ela estava.
Isabelle tinha voltado com Emerson e estava tudo bem, até que ele
informou que viu Flavian andando pelo prédio em uma das imagens. Então,
Heron perdeu contato com o segurança de Belle e isto me apavorou.
Corri para o elevador e ignorei todas as recomendações de Heron. O
Major Esdra nos acompanhou e parecia confuso, mas em alerta devido a
minha agitação. Encontramos Emerson caído em um dos corredores,
alguém tinha o atordoado com uma arma de choque.
Ao abrir a porta do escritório de Isabelle, encontrei Flavian subjugando-a
sobre a mesa. Ela gritava contra a mão dele e se debatia apavorada. Foi
quase que automático puxá-lo para longe dela e meu punho já estava
pronto. Ele pareceu tão atordoado que foi ainda mais gostoso enfiar minha
mão na sua cara.
O primeiro soco o jogou contra uma parede, o segundo estourou seu
nariz, o terceiro acertou seu olho.
— Gosta de machucar mulheres, não é? — O joguei no chão e montei em
cima, prendendo-o com meu peso, assim teria as duas mãos livres.
E então, eu o espanquei com gosto. Estava tão cego de ódio, que não
conseguia parar, não até que o acertasse pelo menos quinze vezes. Eu
precisava me vingar por ela. Por toda dor que causou. Por machucá-la tão
cruelmente. Por marcá-la na pele e na alma.
— Ryan! — gritou Heron.
Não conseguia parar, queria mais do seu sangue.
— Ryan, caralho! — era a voz de Leo.
— Porra, segure-o! — ordenou Heron.
Bati mais rápido, com mais força.
— Ryan pare — pediu o Major.
Me puxaram para longe do corpo mole daquele verme escroto. Não lutei
contra eles, satisfeito em olhar para seu rosto machucado. Sentia que tinha
sido pouco, por tudo o que ele fez a ela.
Leo entrou na minha frente.
— Ryan do caralho! — exclamou. — Que porra você fez?
— Ele a estava machucando — rosnei.
Foi então que senti a falta dela na sala, não tinha ouvido sua voz nem por
um segundo. Virei o rosto de um lado para o outro em pânico, sem saber se
todo o sangue em cima de Flavian era somente dele ou... dela.
— Ryan se acalme! — Heron rosnou.
— Onde está Isabelle? — perguntei sabendo que o desespero era bem
presente na minha voz.
Os três congelaram. Heron, o Major Esdra e Leo. Nenhum deles tinha
pensado nela até o momento, somente se preocuparam em não me deixar
matar aquele idiota. Assim que me soltaram e eu me virei apavorado.
Encontrei as pernas dela espreitando pela mesa.
— Isabelle! — minha voz saiu tão alta que ecoou pelo escritório.
Cheguei até ela em segundos e caí de joelhos ao seu lado. Seu rosto
estava arranhado e a bochecha vermelha. Tirando isto, não havia manchas
de sangue. Nada que pudesse dizer que Flavian a feriu gravemente.
— Belle? — chamei tocando seu pescoço para sentir seu pulso. —
Chamem uma ambulância — pedi nervoso.
— Ela tem pulso? — perguntou o Major.
— Sim — murmurei. — Isabelle? Deus, por favor, boneca acorde.
— Não a mova — ordenou Heron quando fui pegá-la do chão.
Me senti quebrado por dentro por deixá-la ali, mas segui a
recomendação. Segurei seu rosto, inclinando-me sobre ela.
— Belle? — chamei novamente e devo confessar que nunca
experimentei um alivio tão grande, igual no momento em que seus olhos
piscaram abertos.
— Graças a Deus, porra! — exclamou Leo e eu concordei.
— Boneca? — chamei.
— Ryan. — Ela me olhou totalmente desorientada.
Seus lindos olhos estavam nublados, mas abertos.
— Estou aqui querida. — Ela piscou várias vezes. — Onde está
machucada? Como posso te ajudar?
— Minha cabeça — gemeu de dor e tentou tocar a nuca.
— Não mexa — pedi. — Vamos esperar chegar a ajuda.
Ela acenou devagar, foi piscando e parecendo cada vez mais consciente.
— Deus que dor! — Tentou se levantar e eu a segurei no lugar. — Me
ajude a sentar, Ryan — Sua voz estava rouca.
Vi o exato momento em que ela se deu conta de tudo o que tinha
acontecido.
— Boneca. — Hesitei.
Seus olhos encheram de lágrimas, deixando meu coração pequeno no
peito. Envolvi meus braços ao redor dela e a tirei do chão ignorando a ação
inicial de mantê-la quieta. Eu não poderia. Precisava abraçá-la.
— Está tudo bem, Belle, você está segura. — Sentei com ela no sofá que
estava na lateral do seu escritório.
Ela tremeu tão forte que me preocupou ainda mais, então percebi que ela
estava olhando o corpo jogado na outra extremidade de sua sala. Heron se
moveu e ficou na frente, tampando a visão. O olhei com gratidão.
— Ele... ele... ele — chorou levando a mão a nuca. — Entrei aqui... e ele
apareceu atrás de mim. — Levou muito esforço dela para contar. —
Tampou minha-a-a boca. — Percebi que seus dentes estavam vermelhos.
— Machucou? — segurei seu queixo.
Puxei seu lábio inferior com o polegar e encontrei pequenos cortes.
— Sua mão — observou ela.
Meus dedos estavam manchados de sangue e com alguns, ou todos, os
nós inchados.
— É só sangue ruim — resmunguei.
Ela desceu a mão que pressionava contra a nuca e eu a segurei antes de
me tocar.
— Está sangrando — observei e não era pouco.
— Minha cabeça... bati — resmungou um pouco confusa.
Major Esdra apareceu na nossa frente e me entregou uma toalha de rosto
branca, para pressionar aonde ela havia se machucado.
— Isabelle. — Ele a cumprimentou. — Conte-nos o que mais aconteceu.
Eu o encarei confuso com sua iniciativa, até que entendi. Ele era uma
autoridade militar de poder naquela sala. Nossa reunião anterior tratava de
alguns assuntos, digamos que políticos, no entanto, isto não reduzia as
estrelas e medalhas em seu uniforme.
— Ele me agarrou e eu lutei — sussurrou assustada.
— Este é Flavian — comentei. — Filho de uma das minhas acionistas e
já foi namorado de Isabelle. Cinco anos atrás, ele a esfaqueou, quinze
vezes, em um beco escuro e nunca foi preso.
O olhar duro do Major dizia que esse fato mudaria e eu realmente fiquei
agradecido, apesar de que prisão parecia muito pouco para o tamanho da
covardia de Flavian.
— Eu não o denunciei — confessou Belle. — Mas ele voltou. —
Estremeceu. — Me ameaçou dizendo que faria novamente para me manter
calada — ofegou. — Lembrou-me que... — puxou o ar e não pareceu
chegar aos pulmões. —, sou dele.
Fiquei muito tentado a levantar e socá-lo mais um pouco
— Isto não é verdade — retruquei. — Você é dona de si mesma!
Ela acenou concordando e tentou respirar novamente, eu já tinha visto
aquilo acontecer antes. A realidade estava batendo e o pânico crescendo
dentro dela. Procurei Leonardo pelo olhar com urgência.
— Ítalo, traga-o agora! — pedi e ordenei ao mesmo tempo.
Leo tirou o celular do bolso numa velocidade que foi impressionante não
ter caído de sua mão.
E como esperado, Isabelle entrou em pânico deixando meu coração
pequeno no peito. Seu ataque foi tão grave quanto o que teve no aeroporto e
que, por sorte, agora eu tinha alguma experiência para acalmá-la. Como um
choque, fui me lembrando de todas as técnicas que vi Ítalo fazer e
colocando-as em prática até que um profissional chegasse e conseguisse nos
ajudar.
O sangramento na sua nuca não parou, mas tanto o Major Esdra quanto
Heron me acalmaram dizendo que era normal ferimentos assim sangrarem
bastante. Os paramédicos chegaram aliviando o aperto da minha alma, por
enfim, Isabelle teria um atendimento médico.
Outro par de profissionais se abaixaram perto de Flavian, que estava
acordado e bastante desorientado, infelizmente vivo. Ítalo correu para dentro
um minuto depois e nem olhou ao redor, foi direto para Belle que ainda
estava no meu colo respirando como se tivesse vinte quilos ou mais em
cima de seu peito.
Ele conversou com ela por alguns minutos, não mudou muito a situação e
junto com a paramédica concordaram com um medicamento para acalmá-
la. Tirá-la dos meus braços foi como se me arrancassem um membro, pois
havia um sentimento de proteção tão grande dentro de mim, e que
continuava crescendo, que eu queria mantê-la para sempre ao meu redor.
— Ryan — Ítalo chamou minha atenção como se soubesse o que eu
estava sentindo.
Desviei meu olhar de Isabelle deitada na maca e encarei meu amigo.
— Respire — pediu ele.
— Estou fazendo isto — murmurei.
Ouvi Flavian resmungando maldições do outro lado, sua voz me fez
querer voltar até ele e bater mais em sua cara dissimulada.
— Vamos cuidar dela, tudo bem? — questionou Ítalo pousando uma mão
no meu ombro. — Você tem todo direito de surtar, mas acredito que agora
não seja o momento. Lembre-se do seu ponto de equilíbrio.
Esfreguei a nuca ignorando a mão suja e acenei concordando.
A próxima hora foi uma verdadeira loucura. Os policiais vieram como
cães famintos para cima de mim, novamente uma confusão envolvendo meu
nome. Dois dias seguidos, primeiro com o envenenamento em minhas
garrafas e a agora com agressão. Eu não me arrependia de bater em Flavian
e cada vez que eu o ouvia distorcendo os fatos me fazia pensar que bati
pouco.
Afinal, ele ainda tinha os dentes.
Somente pela intercessão do Major Esdra que fui liberado do
interrogatório de imediato. Acompanhei Isabelle para o hospital deixando
Leo no comando de tudo. Ele controlaria as mídias e fofocas com punho de
ferro. Eu não queria exposição desnecessária, Belle merecia privacidade e
respeito.
O médico no hospital a colocou em observação por causa da concussão e
me olhou feio quando neguei ser examinado. Ítalo estava de prontidão para
quando ela acordasse e James, seu pai, chegou como se estivesse pronto
para enfrentar qualquer pessoa que entrasse no seu caminho.
Eu não teria coragem de confrontá-lo, não quando minhas forças foram
se esgotando com o baixar da adrenalina. Sentia-me exausto e não me
levantei da poltrona em que colei minha bunda ao lado dela.
Relatei o que sabia para ele. Não vi sua expressão enquanto falava, pois
meus olhos não saiam do rosto de Isabelle. Ela ainda parecia pálida, em
minha opinião, o que me mantinha preocupado.
Não sei quanto tempo passou, só sei que velei seu sono por horas. Não
deixaria seu lado por nenhum segundo. Queria que meu rosto fosse o
primeiro a ver quando acordasse. Lutei contra a exaustão e perdi, o cansaço
forçou minhas pálpebras se fecharem dizendo-me que seria somente por um
minuto...
Capítulo Vinte e Sete
Por Isabelle
Algo muito importante tinha acontecido, mas o sono me envolvia de
forma tão preguiçosa que eu não conseguia resistir. Aconcheguei um pouco
mais no travesseiro e senti um dor irradiar da minha nuca para todo o corpo,
quase como um choque elétrico.
Suspirando abri os olhos e me surpreendi em como demorei a focar.
Prestando um pouco de atenção, a figura borrada na minha frente foi
tomando forma e descobri um Ryan adormecido em uma poltrona. Ficaria
dolorido quando acordasse.
Meu estômago chegou a se contorcer ao perceber que estava em um
hospital. Memórias ruins vieram tão rápido quanto um avião a jato, passado
e presente.
Doeu.
— Chaveirinho?
Meu pai apareceu um segundo depois do meu lado, passando por Ryan.
— Pai.
Minha garganta estava seca e a voz enferrujada.
— Filha. — Beijou minha testa. — Como se sente?
— Bem, eu acho — hesitei.
— Tem certeza? Posso chamar o médico...
— O que aconteceu? — perguntei o interrompendo.
— Não se lembra? — Olhou-me com mais preocupação.
Engoli em seco.
— Depois que dormi — esclareci.
— Flavian recebeu voz de prisão — disse sério e baixo. — Está em um
quarto neste hospital, mas algemado. A mãe dele apareceu, mas foi proibida
de se aproximar. O segurança Emerson está bem...
— O que aconteceu com ele? — perguntei preocupada.
— Levou um tiro de choque de um teaser — explicou. — O apagou por
um tempo, nada grave. Gaby mandou dizer que está cuidando de tudo. —
Franziu as sobrancelhas. — O doutor Ítalo manteve um olho em você
durante todo o dia. E Leonardo Sabag junto com o Major Esdra, garantiram
que ele — apontou para Ryan. — Não fosse preso por espancar aquele
maldito.
Minha cabeça doeu um pouco mais com todas aquelas informações.
— Ryan bateu nele? — perguntei baixinho.
A lembrança do corpo caído no meu escritório veio igual uma flecha
direta em minha mente.
— Foi pouco — cruzou os braços. — Eu mesmo queria descer lá e só
não fui porque ameaçaram me espetar com uma agulha de tranquilizante.
Sorri para ele.
— Medo de agulhas? — brinquei.
— Medo de deixar você sozinha, chaveirinho.
Olhei para Ryan e uma emoção boa invadiu meu coração.
— Eu não estou sozinha — sussurrei.
Não mais, completei em pensamentos.
Papai segurou meu rosto antes de dizer: — Nunca esteve.
Eu sabia disto, ele sempre estaria comigo, mas nós dois conhecíamos a
verdade. Ele ficou perdido, distante, quando se viciou em analgésicos e na
mesma época comecei a namorar com Flavian. Depois do ataque, meu pai
lutou contra o vicio por se sentir culpado e foi minha vez de me fechar em
uma concha.
Não estive sozinha, mas isto não me afastou da bolha em que me
coloquei.
— Eu sei — choraminguei.
— Temos muito o que conversar, sabe disto, não é?
— Sei.
— Bom, mas não precisa ser agora — sorriu. — Vou buscar um café,
sinto que Ryan irá precisar quando acordar.
— Você é um bom sogro. — A voz rouca de Ryan nos assustou.
Meu pai o encarou com uma sobrancelha erguida.
— Não abuse da sorte — respondeu levemente mal-humorado. — Fique
de olho nela — ordenou antes de sair.
Não falamos nada, somente nos encaramos. Ryan e eu compartilhamos
uma infinidade de sentimentos naquela troca de olhares. Até que quebrei o
silêncio dizendo: — Oi.
O brilho de lágrimas em suas pálpebras iriam me assombrar pelo resto da
vida. Minhas bochechas molharam e eu as toquei levemente, sentindo a
humidade se espalhar. Ele se levantou e rapidamente me envolveu em seus
braços.
— Você me assustou — sussurrou.
— Obrigada — choraminguei ignorando a dor de cabeça.
— Nunca me agradeça — pediu. — Eu sempre vou até você — jurou. —
Que seja para conquistá-la, seduzi-la, amá-la... ou simplesmente protegê-la.
Nada irá me impedir de manter você segura, boneca.
Tentei falar, mas a garganta parecia tomada por uma bola de emoções
conflitantes que tudo o que saiu por meus lábios foram resmungos.
— Ele nunca mais irá machucá-la — prometeu. — Nem ele, nem
ninguém! Nem mesmo eu. — Beijou meu rosto. — Sinto muito por tudo,
foi um dia de merda. — Tristeza brilhou em seus olhos. — E além de tudo
isto, peço que, por favor, me dê a chance de explicar sobre o que aconteceu
de manhã.
— Ryan...
— Aquela ruiva é a Marcela, filha da minha madrasta — disse apressado.
— Eu nunca a toquei — declarou. — Ela tem o péssimo hábito de me
roubar selinhos — resmungou mal-humorado. — Já cansei de repreendê-la.
Relaxei contra seu abraço.
— Tudo bem.
— Não está tudo bem, Bella — retrucou baixo. — Aquela cena ridícula a
machucou, e eu imploro que me desculpe.
Beijou-me lentamente.
— Entendo agora que ficou chocado com a presença dela, por isto não
reagiu. — Deslizei minha mão por seu pescoço, era o único ponto
descoberto e eu estava sentindo uma necessidade de tocá-lo, sentir seu
calor.
Nunca tinha o visto tão amassado em todos esses meses de convivência.
Seu cabelo era uma bagunça bonita, sua camisa social já viu dias melhores
e a gravata estava frouxa na gola.
— Mais do que imagina — resmungou. — Marcela causa problemas por
onde passa — Havia carinho em sua voz. — A novidade é que ela decidiu
se assumir — estremeceu. — Não vou ter dias de paz.
— Como assim? — Franzi a testa.
— A mãe dela, Edith, fará dos meus dias muito longos quando
começarem o cabo de guerra.
Ri baixinho.
— Quem ganha no final? — perguntei.
— Marcela, sem dúvidas! E eu perco alguns fios de cabelos. — Era
visível seu exagero.
Era bom sentir aquela tranquilidade no meio da tempestade que acabava
de enfrentar. Vê-lo quando acordei aqueceu meu coração e me deu uma
nova perspectiva de vida. Um pouquinho mais de coragem para seguir o
conselho de Esmeralda, florescer.
— Você está mesmo bem? — perguntou.
— Vou ficar — digo olhando ao redor e estremeci. — Quero ir embora.
— Ainda precisa de mais algumas horas de observação.
Não era a resposta que queria ouvir, mas fiquei quieta ouvindo seu
coração bater. Eu odiava hospitais, tanto que por um segundo pensei em
levantar e ir embora. Não aguentaria ficar presa àquela cama por muito
tempo.
— Posso ficar de repouso na minha cama, se for necessário —
resmunguei.
Ryan não respondeu de imediato, se aconchegou um pouco mais na cama
sem aliviar os braços ao meu redor, acomodando novamente minha cabeça
com cuidado sobre seu peito.
— Não tenha medo — sussurrou. — Eu vou ficar com você — prometeu.
Fiquei quieta, lutando contra aquele desejo de protestar e correr para fora.
Sua promessa acalmou os demônios que ameaçavam fugir para me
aterrorizar. Respirei fundo e devagar determinada a enfrentar aquele quarto
de cabeça erguida.
Meus medos teriam que passar em algum momento...
— Olá.
Ítalo entrou com aquele olhar calmo que não me enganava nenhum
pouco.
— Oi — respondi.
— Como se sente?
Abri a boca para dizer que estava bem e a fechei rapidamente.
Honestidade era a única exigência do meu psicólogo.
— Quero ir embora — comentei.
Ele não pareceu nenhum pouco surpreso e se sentou onde Ryan estava
dormindo anteriormente. Cruzou as pernas parecendo extremamente
relaxado e sem um único problema na vida.
— Eu também — respondeu surpreendendo não só a mim, mas a Ryan
também. — Não gosto de hospitais. — Deu de ombros. — Telhado de vidro
— apontou para si mesmo.
— Por quê?
Claro que não tive resposta imediata, ele estava decidindo se contava ou
não.
— Perdi meu avô quando tinha cinco anos, ele tinha câncer e era um bom
homem — contou parecendo perdido na lembrança. — Má, a cuidadora
dele, me trazia junto para as sessões de quimioterapia — sorriu com certa
amargura. — As pessoas me olhavam e achavam bonitinho o neto com o
avô, mas eu não era só isto. Tinha um gênio por trás do menino pequeno de
grandes olhos verdes — calou-se por um segundo. — Eu observava tudo, os
medicamentos, as reações, quantas gotas caindo por minuto. — Deu de
ombros. — Não estava ali brincando, estava aprendendo a cuidar dele para
quando voltasse para casa. Li alguns livros que os médicos me davam para
ver as imagens — revirou os olhos. — Memória fotográfica.
Bufei e Ryan riu como se soubesse que eu estava chamando Ítalo de
arrogante mentalmente.
— O que aconteceu? — perguntei.
— Ele morreu.
— Isto você já disse — apontei. — E você se diz gênio.
Ryan gargalhou.
— Você está realmente bem — disse Ítalo para me provocar.
— Esmeralda me disse hoje que cuidar da vida dos outros era um ótimo
remédio — retruquei.
— Ela é louca — afirmou Ítalo.
Ele cruzou os braços.
— Você viu Esmeralda hoje? — perguntou Ryan.
— Sim — o ignorei e voltei a encarar o gênio. — O que aconteceu?
— Um dia percebi a diferença de um medicamento e a contagem rápida
de gotas na intravenosa, chamei atenção da enfermeira e ela achou
bonitinha minha observação inteligente. — A frieza na sua voz era algo que
nunca tinha ouvido antes. — Desde sempre as pessoas me subestimam, não
acreditam no que minha mente é capaz de registrar. — Esfregou a nuca. —
A enfermeira estava começando na profissão e errou a dosagem, isto causou
uma parada cardiorrespiratória no meu avô. Tentaram ressuscitá-lo bem ali
na minha frente. — Franziu a testa. — Ainda consigo ouvir o som exato de
seus ossos frágeis se quebrando quando fizeram a massagem em seu
coração.
Estremeci e Ryan me segurou um pouco mais apertado. Meu coração se
encheu de empatia pelo menino que Ítalo um dia foi. Atrás do gênio
arrogante que não acredita em sentimentos existia um garotinho que perdeu
alguém importante, que tem memórias tristes e pesadas que arrancaram um
pouco mais da sua infância.
— Eu não sou como vocês — disse distraído. — Posso me lembrar de
coisas tão antigas que às vezes sobrecarregam minha mente — confessou.
— Por isto não gosto de hospitais, aqui as pessoas podem cometer erros que
não tem consertos.
Eu não poderia entendê-lo, mas uma mente tão inteligente assim parecia
uma benção e uma maldição ao mesmo tempo.
— Mas você é médico — comentou Ryan.
— Trabalho com a mente — observou. — Estou pronto para ouvir
qualquer pessoa que tenha algo para falar, independentemente de sua idade
ou realidade. — Seu tom era quase que robótico. — A mente humana é
como um quebra-cabeça de um milhão de peças, a possibilidade de tudo se
misturar é muito grande, mas com paciência e o tratamento adequado é
possível encontrar alguns encaixes. — Explicou pelo seu ponto de vista. —
Querer, embora, é uma reação normal para mim, mas não muda o fato de
que tenho outras coisas para fazer aqui, como por exemplo ouvir você.
Gemi frustrada, ele não me deixaria escapar nem por um dia.
— Vou acompanhá-la durante seu depoimento aos investigadores que
ainda estão aqui no hospital — explicou. — E aos poucos iremos lidar com
tudo o que aconteceu ontem e hoje. — Balançou seu indicador entre mim e
Ryan. — Com os dois.
— Eu estou bem — protestou Ryan.
— Envenenaram você ontem e hoje entrou em uma briga — replicou
Ítalo. — Vejo que enfim assumiram um relacionamento, mais um ponto
para conversar. Vocês não estão de saída.
Ryan gemeu com frustração e disse: — Vou buscar um lanche, vomitar
meus sentimentos de estômago vazio não é algo que estou fazendo.
Ítalo não se importou, sabia que Ryan não iria muito longe, não quando
ele se mostrava tão protetor comigo. Uma ajeitada na roupa, uma passada
de mãos no cabelo e um beijo nos meus lábios, foi tudo o que ele fez antes
de correr para fora do quarto.
Olhei feio para a porta antes de suspirar e encarar Ítalo.
— Realmente temos que fazer isto hoje?
O arco perfeito da sua sobrancelha respondeu tudo, desviei meu olhar
para o teto antes de começar a falar.
Capítulo Vinte e Oito
Por Ryan
No final do dia levei em meus braços, uma adormecida e muito cansada,
Isabelle. O desenrolar dos fatos foram cruéis com ela. Além de uma longa
conversa com Ítalo, ela também repetiu a história mais duas vezes. E não a
coisa pela metade, a história toda de cinco anos atrás sem deixar nenhum
ponto para trás. O que causou muito mal estar nela ao recordar, com riqueza
de detalhes, e falar repetidas vezes os acontecimentos.
Leo conseguiu evitar que ela fosse até a delegacia, mas isto não
significava que ela escaparia de uma visita ao delegado em algum
momento. Isto a desgastou, principalmente quando tomou coragem para
relatar ao seu pai tudo. Paulo, como ele insistiu que eu o chamasse, ficou
abalado, mas confessou que desconfiava de que Flavian era o responsável
por machucá-la.
A paz tinha se instalado parcialmente, pois mesmo com as coisas se
encaixando em seus devidos lugares, Isabelle se mostrou muito afetada.
Durante o dia ela me pediu inúmeras vezes para ir embora, o que me
quebrava ao meio negar, entendia que o hospital a assustava, mas era
importante que estivesse perto dos médicos para qualquer emergência.
O ferimento na sua cabeça não progrediu para algo muito pior e isto
resultou em sua liberação. O alivio que apareceu em seu rosto foi algo que
me marcou. E no caminho até a sua casa, ela acabou adormecendo.
Seu pai não se importou quando me viu passando, com muita coragem,
pelos cachorros raivosos e indo direto para o quarto dela. Quando fui
colocá-la na cama, seus olhos se abriram congelando-me por um segundo.
— Está em casa — informei.
A deixei na cama.
— Bom. — Ela se sentou.
Lola entrou sem ser convidada e atrás dela, veio Aros com um olhar
curioso. Eles praticamente me jogaram para o lado, tirando-me do caminho
para chegar até Belle. Balancei a cabeça ainda tentando entender como
aqueles cachorros, gigantes e com dentes poderosos, ainda não tiraram um
pedaço de mim.
Belle sorriu e esfregou o rosto de Lola enquanto ela a farejava.
— Estou bem menina — murmurou
Aros fez a mesma coisa, um pouco mais atrapalhado, mas com a mesma
preocupação e ganhou um carinho entre as orelhas.
— Esse é seu ponto fraco — contou Belle. — Tente.
— Mas é nunca — protestei.
Belle riu e insistiu. — Ande! Eles são bons companheiros.
— Com dentes gigantes — apontei o obvio.
— Sim — riu. — Mas que estão sempre cuidando de mim.
Sua afirmação foi o que motivou a erguer a mão, mesmo com medo de
perdê-la, e coçar entre as orelhas de Aros. Ele parecia o menos pior entre os
dois, apesar de ser o maior. Lola tinha um olhar que parecia julgar as
pessoas antes de tirar seu sangue. Acredito que com ela eu precisaria de
mais tempo antes de ganhar sua confiança.
Aros se derreteu e quando me assustei o safado já estava deitado de
barriga para cima na cama exigindo mais carinho. Isabelle gargalhou antes
de enxotar Aros de sua cama.
— Pra fora — a voz do pai dela ecoou no quarto me assustando.
Achei que era comigo, mas seu olhar estava grudado nos cachorros. Lola
resmungou um rosnado antes de correr para fora sem olhar para trás. Quase
pude ver Aros dando de ombros antes de segui-la.
— Vou pedir pizza — anunciou antes de fechar a porta.
— Acho que estou convidado para o jantar — murmurei.
— Sem dúvidas — disse Belle e se levantou. — Vou tomar um banho.
Odiei a fragilidade que vi em seu olhar, mesmo desviando, não conseguiu
se esconder de mim.
Segurei seu braço e a surpreendi levantando-a em meus braços, seu
gritinho de surpresa me fez sorrir. Caminhei para o banheiro e assim que
entrei a coloquei sentada no mármore da pia.
— Ryan — meu nome saiu com um suspiro.
— Boneca, estou aqui, sabe disto — segurei seu rosto.
Tinha algo mais em sua mente que eu não conseguia dizer o que seria.
Quando ela fechou os olhos percebi que era mais profundo do que
imaginava.
— Belle?
— Eu não o mereço, Ryan. — Tristeza estava estampada no seu rosto
quando abriu os olhos. — Olhe para mim — sussurrou.
— Estou olhando — afirmei sério.
— Você não precisa deste problema, Ryan. — Referiu a si mesma.
— Você não é um — retruquei a interrompendo.
— Desde que nos conhecemos eu só causei problemas. — Seus ombros
caíram um pouco mais. — Começando naquela boate, depois no jantar
beneficente, na praia... infinitos lugares — enfatizou.
— Não continue. — Toquei seus lábios com o meu dedo indicador. — O
que acontece entre a gente não é questão de mérito, Belle. Eu me apaixonei
por você, não entende? — rocei meu nariz contra o dela. — Do jeitinho que
é.
— Não é justo com você, uma mulher tão quebrada assim —
choramingou seu protesto.
— Se me permitir, vou amar igualmente cada pedacinho seu. — jurei. —
Quebrado ou não.
— Você não existe — soluçou.
Meus dedos escorregaram para dentro dos seus fios negros e sedosos.
— Mentira — sorri. — Estou bem aqui.
Tomei sua boca na minha e a beijei profundamente, não queria permitir
que pensasse em outra coisa além de como era boa nossa química.
Eu não me importo com seu coração quebrado, com seu corpo marcado,
com sua mente fragilizada. Eu só me importo com ela. Em amar cada
pedacinho dela. Em venerar seu corpo e alma. Em ajudá-la a se fortalecer
cada dia mais.
O dia tinha sido longo e cruel, mas ela sobreviveu. Lutou e enfrentou
tudo o que foi jogado em sua direção. Para mim, não existia mulher mais
forte do que ela. E era essa força que me motivava a não sair, jamais, do seu
lado.
— Eu te amo, Belle — digo ao me afastar um centímetro de sua boca.
Vi o momento que seus olhos se abriram estalados, assustada com aquela
confissão.
— Não entendo de amor, já te disse isto antes, mas é o que eu sinto. —
Ela abraçou meu pescoço de um jeito bem apertado.
— Como pode me amar...
— Como não amaria? — retruquei. — Você é uma mulher incrível. —
Beijei seu ombro. — Vou passar todos os dias da minha vida dizendo isto,
até que acredite.
Ela se afastou para conseguir me encarar nos olhos. Suas bochechas
estavam molhadas e eu fiz questão de beijar cada mancha de lágrima que
encontrei.
— Eu também te amo — confessou ela paralisando-me por um segundo,
então, sorri. — Eu nunca imaginei isto, mas te amo, Ryan.
Não me envergonho de dizer que me emocionei, sua declaração tocou
meu coração, pois eu sabia o quanto era difícil para ela confiar. Ataquei sua
boca em um beijo longo e cheio de palavras não ditas, antes de tirar nossas
roupas e amá-la debaixo do chuveiro.
...
No início da madrugada escorreguei para fora da cama de Isabelle.
Acabei dormindo ali e agora fui informado que Edith e Marcela estavam
aos berros na minha casa. Deus será que essas duas não tinham casa?
Precisavam sempre invadir a minha?
— Aonde vai? — murmurou Belle ao me ver puxando as roupas
apressadamente.
— Apagar um incêndio — reclamei. — Edith e Marcela.
Compreensão passou por seu rosto.
— Ah — ela se sentou segurando o edredom no peito. — Imagino que
estão brigando.
— Eufemismo — resmunguei.
Isabelle se jogou de volta contra os travesseiros.
— Te vejo no trabalho — disse pronta para voltar a dormir.
— Sua sorte é que estou com pressa, ou iria afastar esse seu sono.
Minha ameaça surtiu efeito e ela abriu os olhos.
— Ryan! — exclamou.
— Deveria se oferecer para ir comigo — brinquei. — Ou me salvar da
obrigação de ir lá.
— É a sua casa — afirmou dando de ombros.
— Vai ser sua também. — Me inclinei e a beijei lentamente. — Não
pretendo dormir mais nenhuma noite sem você.
— Você é muito apressado — acusou rindo.
Como eu amava ouvi-la rir.
— Eu te amo, não esquece, okay?
Seus olhos brilharam.
— Não vou esquecer porque também te amo — enroscou os dedos nos
meus cabelos e me puxou para outro beijo. — Eu amo você, Ryan.
Meu coração bateu mais forte, decidi rapidamente que era uma emoção
muito boa de sentir.
— Eu te amo mais — afirmei.
Tomei sua boca na minha mais uma vez, parecia cada vez mais difícil
ficar longe dela. E quando consegui, a enrolei com seu edredom e afofei seu
travesseiro. Prometi vê-la no trabalho, antes de me esgueirar para fora.
A última coisa que precisava era de um pai ciumento e extremamente
grande...
Ah merda!
Pensei cedo demais. No final da escada, sentado em uma poltrona e
olhando para o nada estava James, pai de Isabelle. A TV estava ligada, mas
ele não estava assistindo. Os cachorros estavam deitados aos seus pés e a
primeira cabeça a se levantar foi a de Lola. Claro, ela rosnou pra mim como
se eu fosse uma ameaça e depois olhou para o outro lado como se quisesse
ignorar minha presença.
Não sei dizer o que poderia ser mais intimidante do que isto.
As orelhas de Aros balançaram com interesse, o safado nem escondia que
estava ansioso por um pouco de atenção.
— Ryan — murmurou James. — Saindo escondido? — ergueu as
sobrancelhas.
Havia uma ameaça bem explicita em sua voz.
— Não. — Terminei de descer os degraus. — Me despedi de Belle, mas
preciso ir — respondi sem esconder meu aborrecimento em sair.
— Problemas?
— Um incêndio entre as damas Stone — respondi com impaciência,
quase que descrente por deixar Belle para resolver uma briga. — Minha
madrasta e sua filha estão tendo um arranca rabo na minha casa —
esfreguei a testa.
James fingiu estremecer, mas não escondeu a diversão de seu rosto.
— Boa sorte, filho — riu.
Balancei a cabeça.
— Vejo você depois, qualquer coisa é só chamar — digo. — Sabe disto.
James se levantou, não tinha mais bom humor no seu rosto, e realmente
me intimidou com o seu tamanho.
— Vou chamar — disse sério. — E sempre vou ser grato pelo o que fez
por ela.
— Não precisa.
— Mas se magoar minha menina, eu vou socar sua cara — ameaçou.
Quase revirei os olhos, só não fiz isto porque Lola me olhava com os
dentes de fora como se concordasse com James e só esperasse ele liberá-la
para me atacar.
— Não vou te prometer nada — afirmei com uma coragem de admirar.
— Claro que não tenho a intensão de magoá-la, mas como prometer não
fazer isto? — questionei. — Sou um idiota, como April gosta de dizer. Mas
amo Isabelle, vou lhe dar o mundo se me pedir — afirmei. — E nunca, em
hipótese nenhuma, irei erguer minha mão para agredi-la. — Meu celular
começou a vibrar no bolso. — Isto é tudo o que posso prometer.
Ele acenou e me estendeu a mão.
— Está bom pra mim — concordou e apertamos as mãos.
Não perdi a forma que Lola relaxou.
— Agora eu preciso mesmo ir — cocei a cabeça. — Inferno.
James riu e me acompanhou até a porta, do outro lado estava Heron com
a porta do carro já aberta. Não me surpreendeu sua eficiência, só de estar na
propriedade e não fora dela me aguardando.
— E Ryan.
Encarei o gigante do basquete ao meu lado. — Você também precisa de
uma pausa, tem um homem aí dentro — apontou para o meu peito. —
Debaixo do Stone, herdeiro de uma fortuna.
— Só preciso colocar umas coisas no lugar — respondi deixando que ele
visse o cansaço que estava sentindo. — Primeiro o fogo na minha casa,
garantir que Flavian não saia da cadeia e — pensei se deveria falar mais. —
Descobrir quem tentou me envenenar.
— O que? — arregalou os olhos. — Está brincando.
— Queria — murmurei.
— Tome cuidado. — Bateu de leve no meu ombro. — Não adianta cuidar
de todo mundo e não cuidar de si mesmo.
— Vou fazer isto — prometi e me surpreendi quando Lola veio e
esfregou a cabeça contra minha coxa, fiz um carinho atrás de sua orelha. —
Se eu não fizer, minha sombra dará um jeito. — Apontei para Heron que
fingiu não me ouvir.
— Isto é muito sério.
O celular de Heron tocou e ele não atendeu isto me indicava quem ligava.
— Vou dar um jeito — afirmei. — Cuide dela.
James não gastou saliva me respondendo, era obvio que faria isto.
Cuidaria da sua filha, daria sua vida por ela e isto me tranquilizava. Entrei
no carro e ouvi o relatório de Heron sobre a confusão de Edith e Marcela.
Eu sabia que não demoraria elas brigarem, mas poderiam ter esperado
alguns dias antes de me jogar naquele novo inferno.
Capítulo Vinte e Nove
Por Ryan
Olhei a hora no relógio solto em meu pulso e me frustrei um pouco mais.
Já se passava das duas da manhã e eu estava sentado no meu sofá ouvindo
Edith e Marcela brigarem. Claro, devo enfatizar que cheguei há dez minutos
e nem sei dizer se elas perceberam minha presença.
O motivo era claro, Marcela estava namorando uma mulher chamada
Naira. Elas se conheceram em um bar e estavam apaixonadas. Eu não via
nenhum problema nisto, Edith já não pensava desta forma.
— Você não é mais uma criança para brincar com essas coisas! — Ela
exclamou horrorizada. — Você precisa de um homem rico...
— E de sangue nobre. — Marcela zombou. — Isto não vai acontecer.
— O que eu vou fazer com você? — questionou parecendo realmente
pálida. — Ryan faça alguma coisa!
Tive que suspirar ainda sem acreditar que deixei Belle para me envolver
naquele problema.
— A escolha é dela. — Dei de ombros.
— Não seja absurdo! — esbravejou. — Ela não pode namorar uma
mulher!
— Não só posso como faço exatamente isto — Marcela a provocou.
— Você deveria se casar com ele! — gritou Edith apontando um dedo na
minha direção.
Por um minuto fiquei congelado no lugar ao ouvir aquele absurdo. Então
esse era o seu plano? Esperar que Marcela voltasse para nos fazer um casal?
Deus! E o que foi todas aquelas mulheres interesseiras que ela jogou na
minha direção nos últimos anos?
— Isto não vai acontecer — afirmou Marcela parecendo tão horrorizada
quanto eu me sentia.
— Não mesmo — concordei.
— E ele já tem uma namorada.
Claro que Marcela não deixaria a informação de lado, ela sempre foi
péssima em guardar segredos.
— O que? — os olhos de Edith pareciam pratos.
Acenei afirmando, pois não era um segredo. — Eu também tenho uma
namorada.
Marcela gargalhou e se jogou ao meu lado no sofá.
— Aceite isto mamãe, você não tem poder em nossas escolhas.
— Vocês estão levando isto na brincadeira? — Edith arregalou os olhos.
— Claro que não — respondi impaciente.
— Preferia que ele namorasse um homem? — Marcela a provocou.
— O que? — a encarei chocado.
Sabia que desta vez era os meus olhos que expandiram como bolachas.
— Pare de brincar! — Edith ordenou. — Leve isto a sério.
— Você não pode ser levada a sério, mamãe! — Marcela perdeu a
paciência. — Esse seu preconceito se não for levado na brincadeira vai
acabar separando nós duas. E você também precisa deixar Ryan em paz,
que coisa!
— Mas...
Eu já estava farto daquela conversa.
— Já tinha te falado que não permitiria que controlasse minha vida — a
lembrei. — Isto não vai mudar agora. E por favor, não tente empurrar
nenhuma mulher na minha direção para causar problemas. Eu tenho uma
namorada e não vou mudar de opinião só porque quer.
— Eu só quero o melhor para vocês!
Marcela bufou como se já tivesse ouvido aquilo muitas vezes.
— Você quer uma conta bancária cheia — desdenhou. — Como se
precisasse.
— E isto é um crime? — questionou como se nem ouvisse a besteira que
dizia.
Me levantei pronto para acabar com toda aquela besteira.
— Chega disto — ignorei meu próprio tom de ordem. — Se querem
brigar, façam isto longe da minha casa.
— Vou me hospedar aqui — anunciou Marcela como se eu não soubesse
que ela já tinha se acomodado em um dos quartos.
— Então, seja uma boa hospede — retruquei sem tirar os olhos da minha
madrasta. — Você precisa escolher suas prioridades, Edith. Não pode ter e
controlar tudo. O que irá acontecer é que você vai acabar sozinha —
afirmei. — Eu ainda vou considerá-la, mas isto tem um limite. Se atravessar
essa linha não será mais bem-vinda na minha casa ou considerada família.
— Peguei meu terno que estava jogado na poltrona e caminhei lentamente
para a escada. — Considere isto um aviso. Sei que não sentiria minha falta,
mas não será assim com Marcela. Deixe e aceite que ela namore com quem
quiser. Tente ser feliz assim, porque eu não tenho certeza se todo o dinheiro
e a nobreza que você tanto busca seria algo que traria paz e alegria. —
Botei um pé na escada. — Para mim a escolha parece fácil, sua filha ou
seus preconceitos?
Não esperei por uma resposta.
...
Assim que amanheceu me arrastei para fora da cama. Meu humor não era
uma coisa de que eu me orgulhava e não me julguem por isto, estava
cansado e me sentindo como um velho resmungão cada vez que pensava
que deixei Belle por causa de Edith e Marcela.
Por uma benção divina, não encontrei nenhuma das duas na mesa do
café.
— Parece que precisa mais disto — Darci me ofereceu mais café.
— Obrigado — murmurei.
Ela sorriu e bateu de leve no meu ombro antes de se afastar. Tomei
aquele café tão devagar que quem olhasse de fora imaginaria que era o
último café do mundo. Somente me apressei ao ouvir som de sapatos
femininos descendo as escadas. Larguei tudo e corri para o carro sem um
pingo de vergonha por estar fugindo.
Heron não perguntou, ele nunca perguntava. O que era um alívio poder
ficar em silêncio com meus próprios pensamentos. Com o olhar perdido
pela janela, mal percebi quando recebi uma mensagem. Eu não pretendia lê-
la, imaginando que fosse trabalho ou as senhoras Stone em mais uma
guerra.
Ou poderia ser Belle.
Foi bom mudar de ideia, pois sua mensagem de bom dia tirou um pouco
daquele humor do cão. Preferia que ficasse em casa e descansasse um
pouco mais, o dia de ontem tinha sido cruel com ela, mas eu não podia
exigir nada. Se trabalhar é o que ela precisava para espairecer, por mim
estava ótimo.
Respondi sua mensagem e prometi ir à sua sala antes de chegar a minha.
Aquilo me deixou ansioso. Queria beijá-la e envolvê-la em meus braços
para matar aquela saudade que estava me deixando agoniado desde o
momento em que saí de sua cama.
O que eu não imaginava era que quando chegasse ao prédio encontraria
Gaby em seu lugar.
— Sinto muito, chefe, mas ela está presa no trânsito.
— Tudo bem. — Dei meia volta.
— Ei! — Gaby chamou novamente. — O doutor Sabag disse que vem
hoje, ele tem novidades sobre aquela compra.
Acenei concordando. — Me envie tudo o que tem, quero estar preparado.
— Já fiz isto, mas o doutor Sabag deixou as anotações pessoais dele fora.
Informou que gostaria de falar pessoalmente.
— Bom, avise Sabine que ela organizará minha agenda.
— Farei isto — acenou.
Saindo dali caminhei sem pressa pelos corredores e quando passei pela
sala de reuniões algo me chamou atenção. Deborah estava sentada em uma
das cadeiras com o olhar distante. Não sei dizer o que me moveu a fazer
isto, mas acenei para Heron ficar onde estava que eu iria falar com ela. Abri
a porta de vidro e senti um frio subir por minha coluna.
Ela nem mesmo me olhou.
— Deborah? — chamei em dúvida se ela percebeu minha presença.
Não tive nenhuma resposta.
Claro que eu não gostava dela, mas isto não significava nada caso ela
precisasse de ajuda. Como parecia no momento.
— Deborah? — insisti e me aproximei. — Você não parece bem, precisa
de alguma coisa?
Ela levantou o rosto e o vazio de seus olhos quase me fez dar um passo
atrás. Eu sabia que o dia de ontem também não tinha sido fácil para ela.
Apesar de suas escolhas ruins, eu entendia que Flavian, por mais maldito
que ele fosse, ainda era filho dela.
— Claro que eu não pareço bem — respondeu ela tão polida como
sempre.
— Precisa de um médico?
— Oh, não! — Balançou a cabeça. — Eu não quero sua ajuda, você não
passa de um garoto mimado que não sabe o que está fazendo.
Seu ataque foi inesperado.
— O que? — tive que rir. — Sério que está falando de mim mesmo?
Ela não se abalou com o meu sarcasmo.
— Ele só queria conversar com ela — justificou a atitude do filho. — E
você o mandou para um hospital! Agora para trás das celas.
— E você acha que eu estou preocupado? — questionei. — A prisão era
o lugar que ele deveria estar a cinco anos!
— Você não sabe de nada! — exclamou. — Nunca soube. Só porque seu
pai tinha a maior parte das ações, nunca se dignou a aparecer por aqui. Não
trabalhou pesado. Não construiu esse lugar. Só vivia por aí com mulheres
fúteis e se aventurando em aviões, colocando a vida das pessoas em risco.
— Eu sou um piloto qualificado, trabalhei duro para isto, e nunca
coloquei a vida de ninguém em risco, pelo contrário, assumia toda a
responsabilidade de levar nossos passageiros em segurança a seus destinos.
— O meu filho também!
— Aquele assediador e esfaqueador de mulheres? — questionei irritado.
— Sei que quer protegê-lo, mas é tarde demais para isto. A maternidade te
deixa cega!
— Um dia ainda irá ter filhos — disse como se fosse uma ameaça.
— Sim — a interrompi. — Mas isto não mudará tentativas de assassinato
— retruquei. — Deveria saber a diferença.
Ela ficou calada encarando-me com uma frieza que não me
impressionou. Vi o movimento da sua mão para dentro da bolsa e entendi
que era hora de finalizar aquela conversa.
— Eu não vou fazer nada para ajudar Flavian, ele merece tudo o que vai
receber a partir de hoje.
Virei para ir embora, mas antes de alcançar a porta ela me chamou de
volta. Girei para encará-la e paralisei, cada músculo do meu corpo ficou
congelado por um segundo, talvez minutos, não saberia dizer. Deborah
segurava uma pequena pistola prateada na minha direção e porra... eu sabia
que ela iria atirar.
— Tudo começou com o seu pai me prometendo mundos — contou
baixo. — Trabalhamos muito para levar o nome Stone a cada canto que
pudemos encontrar. E ele jurou que me deixaria metade de suas ações como
prova da sua gratidão e amor, mas assim que morreu tive a surpresa em
saber que não fez o que prometeu. — Sua mão nem tremia. — Eu mereço
essas ações, não você. Agora estou sem família, sem ações, nada do que
passei a vida construindo, só um dinheiro amargo.
Entendi o que ela quis dizer sobre as ações. Esse era o motivo de Leo
querer falar comigo. Ele tinha convencido Deborah vender como eu tinha
ordenado. Tudo bem que eu tinha culpa por ela querer vingança, mas não
precisei fazer muito. Flavian encontrou seu próprio caminho para destruir a
vida de ambos, dele e da própria mãe.
— Abaixe essa arma — pedi.
— Você me tirou tudo.
— Eu não lhe tirei nada, nem mesmo queria essas ações, mas são minhas
por direito — afirmei baixo. — Se meu pai as prometeu para você, deveria
tê-lo feito passar para você ainda em vida. Agora não adianta atirar em
mim, o máximo que vai conseguir é que elas sejam passadas para Edith e aí
sim eu não tenho certeza se teremos uma companhia nos próximos anos.
— RYAN!
O grito de Isabelle veio de algum lugar de fora, mas eu não arrisquei
olhar para longe de Deborah. Apavorava-me só de imaginar que ela se
tornaria o alvo daquela mulher.
— Você me tirou tudo, Ryan Stone — Ela não escondeu o nojo de sua
voz.
— Atirar em mim vai devolvê-la alguma coisa? — questionei.
— Não — respondeu com tranquilidade.
Eu quase me senti tranquilo também acreditando que ela cederia
baixando aquela arma de fogo, no entanto, seu dedo apertou o gatilho.
Capítulo Trinta
Por Isabelle
Eu não sabia o que eles estavam falando e realmente não me importava
desde que aquela mulher abaixasse a arma que apontava para Ryan. Debati
contra Emerson tentando desesperadamente me soltar.
— Oh Deus — Gaby murmurou apavorado ao nosso lado.
— Me solte — implorei.
Antes que ele respondesse um barulho alto ecoou por todo o salão
fazendo meus tímpanos doerem. Paralisei vendo o que realmente aconteceu.
Ryan estava caído em uma cadeira e em sua frente Heron sangrava em um
braço, mas nem parecia sentir.
Cotovelei Emerson e corri. Alcancei a porta da sala de reunião em
poucos segundos. Heron imobilizou Deborah inclinando-a sobre a mesa
com as mãos para trás, não sei como, mas consegui reparar que ele tinha
algemas de plásticos nos pulsos dela.
— Ryan!
— Estou bem — afirmou me dando um abraço apertado.
— Chame a polícia. — Heron ordenou a Emerson que estava na porta.
— Gaby, silencie isto — Ryan ordenou. — E chame uma ambulância.
Meu coração ainda batia ferozmente no peito, mas conseguia respirar e
pensar facilmente.
Ryan estava bem.
— Estou bem — disse Heron.
Me afastei de Ryan e encarei Deborah que agora estava sentada na
cadeira. Seu rosto não mostrava nada, somente a mesma polidez de sempre.
Como é possível aquela mulher ser tão fria?
— Sua louca — rosnei antes de bater meu punho fechado contra o rosto
dela.
Não me constrange o fato de ter apreciado o grito de Deborah. Minha
única frustração era não poder bater mais nela, era uma senhora e eu tinha
que respeitar essa linha de limite com ela.
— Apontou uma arma para ele? — perguntei ainda descrente. — Essa
sua cabeça retorcida!
— Você é culpada também! — disse Deborah.
Eu não queria fazer um discurso para ela, não mesmo. Eu não gastaria
saliva desse jeito. Então agarrei o braço de Heron, o que não estava ferido, e
o puxei.
— Deixe ela e vamos para fora, você está ferido.
— Não posso...
— Um dos seguranças pode ficar aqui — retruquei.
— Exatamente — Ryan concordou e indicou para o homem na porta
entrar.
Arrastamos Heron para fora ignorando totalmente seus protestos. Em um
momento, olhei para trás e vi Deborah, ela não parecia abalada com tudo o
que tinha acontecido. Seus olhos encontraram os meus e por muito pouco
não estremeci. Era como se a vida tivesse drenado dela. A frieza que vi me
fez sentir pena quando entendi que ela não se preocupava com o futuro que
a aguardava. Se vingar de Ryan, pelo que eu suspeitava ser por tudo o que
aconteceu ontem, mas sentia que tinha algo mais, era mais importante.
Agora não importava, Ryan estava bem, porém, Heron não.
— Mas que caralho! — exclamou uma voz conhecia.
Leonardo Sabag atravessou a sala com passos largos e parecia realmente
irritado.
— Leo. — Ryan o cumprimentou.
— Todo dia uma merda nova nesse escritório — bufou. — Eu como seu
advogado exijo descanso desse trabalho escravo!
Ele parou e nos analisou minuciosamente buscando saber se estávamos
todos bem, mesmo. Heron bufou e se jogou em um sofá fazendo pressão no
ferimento.
— Além do buraco no braço dele, mais alguém machucado?
— Estamos bem — confirmou Ryan.
— Que merda aconteceu aqui? — questionou olhando ao redor e tirando
suas próprias conclusões. — Ah, caralho.
— Sim — Ryan suspirou — Ela tentou me matar.
— Ela também tentou te envenenar? — questionou sério.
— Eu não sei — Ryan respondeu passando as mãos pelo cabelo.
Aquele dia seria tão longo como o anterior. Aceitei uma toalha que Gaby
me ofereceu e pressionei contra o braço de Heron. Ele chegou abrir a boca
para negar, mas foi inteligente para ficar calado quando lhe dei um olhar
duro.
O ajudei a se livrar do terno e voltei a pressionar contra o ferimento.
Desta vez, quando me olhou nos olhos existia uma suavidade lá que eu
nunca tinha visto antes. Sorri com gentileza para ele e juntos, esperamos a
ambulância, e novamente a polícia.
Leonardo e Ryan falaram de possibilidades, imprensa e negócios o tempo
todo. Era cansativo escutá-los. Ainda mais porque eles pareciam ouvir a
mente um do outro e em alguns momentos cheguei a cogitar que tivessem
um dialeto próprio.
— Eu sempre os ignoro — murmurou Heron enquanto um paramédico o
examinava.
— O que? — me perdi por um minuto.
— A minha mente é um pouco mais devagar do que a deles — contou
baixo. — Não sei nada sobre probabilidade. — Sorriu de lado, algo que
considerei raro. — Só sobre segurança.
— Você parece bem com esse ferimento.
— Sou um soldado. — Deu de ombros. — Não é o primeiro e pelo jeito
não será o último.
— Espero que seja o último — retruquei. — Nada mais de ser baleado.
— Ele acenou. — E obrigada.
Era um alívio que tenha protegido Ryan. Deborah apontava direto para o
peito dele e ela não hesitou em atirar. Tremia só de pensar em como Ryan
estaria se Heron não tivesse interferido.
— Não por isto — disse ele. — É meu trabalho protegê-lo.
— A bala atravessou seu braço — informou a paramédica. — Precisa ir
para o hospital para alguém te costurar.
— Não vou.
A voz de Sabine veio de trás de mim. — Vai sim!
— Não há necessidade — retrucou ele com um tom bem teimoso.
— Vai andando ou precisa que te coloquem em uma maca? — Sabine
perguntou colocando as mãos na cintura.
— Eu não lutaria com ela. — Brincou Leo.
— Vá logo — Ryan ordenou. — Estaremos logo atrás de você.
— Nem pensar — protestou Heron se levantando. — Estou bem e não
preciso de babás. — Afirmou encarando Sabine. — Nem mesmo se atreva a
me colocar em uma maca.
— Vai tirar uns dias de folga também — ordenou ela.
— Eu não trabalho para você — respondeu franzindo a testa.
— Heron — Sabine claramente o ameaçou.
— Trabalha para mim — Ryan interrompeu. — Hospital e folga, Heron.
— Aquela sim era uma ordem direta. — E obrigado pelo o que fez.
Heron não estava muito feliz quando acenou, mas não protestou contra
Ryan e realmente pareceu mal-humorado. Todo mundo se virou quando
ouviu a aproximação de uma pessoa. Era a polícia e o investigador na frente
não tinha uma expressão feliz, apesar do seu andar lento, ele tinha um olhar
esperto.
— Novamente aqui — disse ele. — Espero que hoje eu consiga fechar
todas essas pontas soltas.
— Também espero por isto, investigador Drummond — disse Ryan
oferecendo uma mão. — Estou cansado dessa confusão toda.
— Bom, eu nunca visitei um lugar três dias seguidos antes.
Leo tomou a frente e levou o investigador até Deborah, que continuava
no mesmo lugar com aquela polidez que tanto me irritava. Sabine arrastou
Heron para a ambulância que aguardava no estacionamento privado e Ryan
tinha um depoimento para dar.
...
— Nem acredito que isto acabou — resmunguei atravessando o escritório
de Ryan.
Tinha acabado de falar com Sabine e ela estava garantindo que Heron
conseguisse algumas horas de descanso.
Ryan estava sentado e muito pensativo atrás de sua mesa, com um olhar
distante, mas apontou para que eu fosse até ele. E quando o fiz, me puxou
para seu colo e abraçou-me com carinho.
— E todas as pontas foram amarradas — disse baixo roçando o nariz no
meu cabelo.
Sim, eu ainda estava chocada com as coisas que tinha ouvido. Deborah
estava com raiva de Ryan por muito tempo, desde que ele assumiu o lugar
do pai. Ela acreditava que parte das ações seria dela e para piorar teve um
caso com ele na época. Ryan disse que não contaria nada a Edith, acredito
que era o melhor a fazer do que magoar uma pessoa depois da morte de
alguém importante. Ryan afirmou que Edith gostava e ainda gosta muito do
dinheiro, mas amou seu pai e por isto optou pelo silêncio.
Deborah também contratou um homem para entrar no prédio e envenenar
todas as bebidas do bar de Ryan. O mais chocante não era isto, era que
Gerrard se tornou seu cumplice nessa invasão. Ele não sabia de tudo o que
Deborah e Flavian tinha feito, mas concordou em ajudar o invasor a
adulterar as bebidas.
Leonardo Sabag foi rápido em pegar Gerrard e com sua lábia perfeita o
fez vender as ações. Na hora eu não entendi o que estava fazendo, mas
bastaram uns minutos pensando para descobrir. Seria péssimo para a
imagem da empresa um acionista preso e acusado de tentativa de
assassinato. Leonardo sabia que não demoraria muito para que a imprensa
ficasse sabendo de todos os fatos e colocasse o nome da empresa em risco.
Com isto, ele tomou frente das ações com as equipes de controle de danos
da companhia e logo todos os assuntos foram alinhados para serem
resolvidos.
— Vai para casa comigo hoje? — perguntou Ryan.
— Hm?
— Odiei acordar sem você — confessou. — Vem comigo hoje — pediu.
— Isto é muito rápido — respondi.
— Não. — Seus lábios passaram suavemente por minha orelha. — Estou
atrasado demais quando o assunto é você.
— Atrasado? — questionei rindo.
— Sim, cinco anos.
Meu sangue pareceu pulsar mais forte quando meu coração acelerou.
Encontrei seu olhar e não vi nenhuma hesitação, somente amor.
— E então, boneca? — ergueu uma sobrancelha. — Vai comigo para
casa?
— Sim — sussurrei.
— Bom, estou precisando de uma trégua e só posso fazer isto ao seu
lado.
Capítulo Trinta e Um – Especial
Por Heron
Ela tinha um balanço especial. A forma que seus quadris se moviam de
um lado para o outro enquanto ela caminhava na minha sala com
impaciência estava me deixando tenso. E até mesmo preocupado de estar
babando sobre ela.
Sabine tinha um jeito especial e uma bravura escondida debaixo daquela
beleza grega. Havia muito tempo que meus olhos estavam sobre ela, mas
nunca me atrevi a nada mais.
Não poderia.
Não depois de conhecer sua história.
Era meu trabalho investigar a vida de todos e não hesitei em escavar tudo
sobre ela. Sabine cresceu na parte mais pobre da cidade e fugiu de casa
quando sua mãe tentou aliciá-la para a prostituição por causa da sua beleza.
Uma tia a ajudou. Deu casa, comida e um lugar seguro para morar.
Enquanto crescia, foi para escola e nunca aceitou um trabalho para ser
modelo. Um dos agentes de modelos com quem falei ainda reclamava por
não ter conseguido convencê-la a trabalhar com ele. E me contou que só
não insistiu porque Sabine disse que queria ser conhecida por sua
inteligência, não pela beleza.
Eu via os dois.
E realmente a entendia.
A forma que sua mãe tentou usá-la por causa da beleza a feriu
profundamente. Precisei de muito autocontrole para não persegui essa
mulher e lhe dar uma lição de moral.
— Você não está me escutando!
A voz irritada me deixou um pouco impaciente, mas valeu a pena ao ver
em como ela parecia sexy colocando as mãos sobre o quadril inclinado.
— Nem uma palavra — confessei.
— Heron! — Seu pescoço estava ficando vermelho. — Você foi baleado
e age como se tivesse só um arranhão.
— Eu estou bem. — Dei de ombros. — Foi só um arranhão.
— Atravessou seu braço!
— Nem mesmo sinto — retruquei despreocupado.
Ela realmente me surpreendeu ao se aproximar apontando o dedo em
riste no meu rosto.
— Como pode deixar aquela velha maldita balear você? — Seu tom era
bem alto. — E como ela entrou armada no prédio?
— Ela era uma acionista, dona do prédio, não havia uma razão para
revistá-la — respondi com tranquilidade.
Levou muito esforço e controle para não olhar em seu decote.
— Nunca mais entre na frente de uma arma!
— É minha obrigação manter Ryan vivo — respondi e eu sempre levaria
meu trabalho a sério.
— Não poderá fazer isto se estiver morto!
Foi o brilho de lágrimas nos seus olhos que me indicou o que estava
acontecendo com Sabine. Desde o momento que ela arrastou meu traseiro
para o hospital, acreditei que ela estava sendo apenas chata, mas aceitei por
gostar de observar sua bunda quando ela não estava olhando.
Mas agora eu conseguia enxergar sua preocupação debaixo de toda
aquela ousadia mandona que ela possuía.
Agarrei seu dedo, que ainda apontava na minha direção, e a levei para
baixo no sofá imobilizando-a com o meu corpo. Meu braço doeu um pouco,
mas fiquei feliz por não usar a porcaria da tipoia.
— Heron o...
Segurei seu rosto e tomei sua boca na minha calando-a com um beijo. A
forma que arfou, empurrando seus seios contra o meu peito tirou-me o que
restava do controle. Desenhei seus lábios com minha língua saboreando-a
antes de aprofundar o beijo. Ela não hesitou em me corresponder,
agarrando-me com suas mãos suaves e cravando suas unhas longas na
minha nuca.
O mundo poderia acabar neste exato momento e eu nem mesmo
perceberia, pois tê-la em meus braços pareceu o meu mundo. Me senti
abalado por um único segundo antes de ter a certeza de que nunca mais a
soltaria.
Sabine não era nenhuma submissa, a prova disto foi quando suas
elegantes pernas me rodearam e ela nos rolou. O sofá não era grande
suficiente para isto e logo estávamos no chão. Pela primeira vez na minha
vida me arrependi de não ter um tapete macio. Minhas costas bateram duro
no chão e a parte de trás do meu ferimento no braço também se chocou.
A dor não foi nenhum pouco bem-vinda, principalmente quando Sabine
empurrou sua boca para longe da minha.
— Oh Deus! — seus olhos expandiram. — Sinto muito! Eu só agi por
impulso.
— Está tudo bem.
Ela se ergueu, sentando-se em cima de mim. — Nada está bem, você está
machucado caramba!
Respirei fundo ignorando a dor latejante antes de nos rolar, tomei
cuidado de não bater em nada e protegi sua cabeça com minhas mãos antes
de beijá-la novamente. Eu não queria conversar. Estava determinado a ficar
sem fôlego de tanto beijá-la, mas novamente Sabine se afastou.
— Você tem que parar — ofegou.
— Tenho?
Quase tremi com a possibilidade de me afastar dela naquele momento.
— Sim, está machucado.
Franzi a testa. — É por isto que quer que eu pare?
— Não quero te machucar — sussurrou fazendo carinho em meu rosto.
— Como é que chegamos a isto?
— Você me afrontou e eu te beijei — expliquei sabendo que não era isto
que ela queria ouvir.
— Não — sorriu de lado. — Eu tenho te afrontado há muito tempo —
corrigiu-me. — E você só me beijou, porque eu deixei.
— É? — sorri.
— Sim! — Deu-me um olhar de desafio. — A pergunta é, por que não
me beijou antes?
Era uma boa questão a responder, mas a verdade é que eu não conseguia
encontrar as palavras certas para justificar. Durante os últimos anos,
trocamos olhares quentes e muito significativos em momentos de
discussões. Sabine controla a agenda de Ryan e eu o protejo, o que sempre
causava atritos por não concordarmos em algumas situações. Não teve
nada, além disto, nada que indicasse algo mais.
— Não sei — respondi com sinceridade. — Talvez não fosse o momento.
— E agora é?
— Parece que sim — sorri. — Mas vou te provar que não estou tão
machucado assim.
Levantei rapidamente e arranquei a camisa com pressa.
— O que? — Seu olhar estava cheio de diversão.
Não respondi, a puxei para cima e a levei em meus braços. Sabine
protestou, mas eu não estava a ouvindo. E quando ela percebeu que não
adiantaria reclamar, abraçou meu pescoço e uma de suas mãos puxou meu
cabelo enquanto sua boca voltava para a minha.
Quando eu a coloquei sobre minha cama, tive a certeza de que ela
entendesse que eu não estava disposto a deixá-la ir.
— Não estou indo a lugar nenhum — afirmou antes de nos rolar na cama
e me montar. — Tente se livrar de mim e saberá do que uma mulher é
capaz.
Capítulo Trinta e Dois
Por Ryan
— Converse comigo — pedi quando vi a palidez no rosto de Belle.
O que tinha acontecido?
Era o início da noite e como prometido estávamos na minha casa.
Jantamos juntos e por muita falta de sorte acabei apresentando Isabelle para
Edith e Marcela. Claro que Marcela se desculpou repetidas vezes sobre o
acontecido no escritório e jurou nunca mais fazer. Edith foi mais restrita
com o afeto, não era uma surpresa, mas não foi grosseira. O que já era
grande coisa.
Para mim, pareceu como se fosse uma grande bandeira branca
balançando no teto da minha casa.
No entanto, agora na privacidade da minha banheira eu não entendia o
porquê de ela parecer pálida daquela forma. Ela colocou a taça de vinho na
lateral da banheira e me olhou assustada.
— Não fomos à farmácia — contou.
— Você esqueceu algum medicamento? — perguntei com as
sobrancelhas franzidas. — Ítalo mandou entregar...
— Não é isto — suspirou. — Antes de toda essa confusão, quando
voltamos de viagem, você prometeu que iríamos a uma farmácia porque
não usamos camisinha.
— Ah merda!
— Sim, agora me lembrei disto e acredito que não tenha mais efeito... e
sem contar que... — Suas bochechas flamejaram. — Fizemos de novo na
minha casa ontem.
— Porra, boneca, eu não fiz de propósito...
— Eu sei, Ryan — sorriu de lado. — Aconteceram muitas coisas em três
dias. — Sua voz pareceu cansada. — Não temos culpa de ter deixado
passar.
Ela estava certa, nenhum dos dois tinha culpa e tudo começou com
Marcela me agarrando no escritório para terminar com Flavian agredindo
Isabelle.
— E se eu estiver grávida? — a cor drenou do seu rosto novamente.
— Já te falei o que penso sobre isto. — Segurei seu rosto fazendo um
carinho. — Diga-me o que quer fazer? Podemos ir a um médico agora
mesmo ou deixar como está. A escolha é sua.
— Eu não sei se posso ser uma boa mãe — murmurou. — Não faria isto
direito...
— Isto não é verdade, você pode ser quem quiser — afirmei. — E
acredito que também deveria ser minha esposa.
Ela pulou assustada. — Você está brincando.
— Nem por um segundo.
— Precisamos nos conhecer melhor — ofegou.
— Concordo. — Não havia motivo para negar. — Podemos fazer.
Deslizei ela pela água até pousar no meu colo. Com carinho, deixei
minha mão vagar por seu corpo nu satisfeito por não parecer constrangida
com suas marcas. Ainda me doía saber como ela tinha sido ferida. A culpa
era uma dor constante, pois eu sabia que se tivesse insistido um pouco mais
naquela noite eu a teria protegido.
Olhando em seus olhos, jurei silenciosamente mantê-la segura pelo resto
de sua vida. Nunca mais iria se ferir. E se isto acontecesse, mesmo que
fosse um único arranhão em seu dedo, eu estaria lá para cuidar dela.
— Vou pedir que uma médica venha até aqui — contei tocando seu rosto.
— Iremos fazer todos os testes necessários, descobrir o que podemos fazer
e conversar sobre controle de natalidade.
— Obrigada — suspirou. — Não vai ficar chateado...
— Jamais diga isto — pedi a interrompendo. — É o seu corpo, suas
regras. Fico feliz que o compartilhe comigo, mas isto não me dá o direito de
engravidá-la sem sua concessão. Muito menos devo ficar com raiva ou
chateado. — Beijei sua testa. — Amo você, boneca, e a respeito. — Seus
olhos lacrimejaram. — Não chore. Vamos nos conhecer, namorar, noivar,
casar ou inverter a ordem... Tudo o que quiser, Isabelle.
— Eu também te amo, Ryan — sorriu de lado. — E te respeito.
— Bom, pois não preciso de mais nada.
Belle segurou meu rosto e me beijou selando aquele amor que jurávamos
um ao outro dentro da banheira que a partir de agora passou a ser nossa
banheira. Tudo que é meu, agora é dela, pois há muito tempo ela já tinha o
meu coração.
De todas as promessas que fiz nesta noite, a mais importante delas era
sempre insistir quando alguém negasse ajuda. Não via razão em continuar
acreditando que não tem como ajudar quem não quer ajuda. Depois de tudo
o que aconteceu, percebia que um pouco de insistência poderia salvar a vida
de uma pessoa.
— De alguma forma, você era o meu destino — murmurei quando me
afastei.
O sorriso que ela me deu foi o melhor prêmio que poderia receber na
vida.
— Estando aqui, nua em seus braços, hoje eu acredito nisto — afirmou.
— É mesmo?
— Sim. — Olhou-me com ternura. — Eu sou, O destino do CEO.
Epílogo
Alguns meses depois
— Não acredito que ganhou meu imóvel! — exclamou Belle debruçada
sobre a mesa.
A gargalhada foi geral na sala de jantar da casa de Benjamin.
— Boneca, sabe que eu te dou o mundo, não é mesmo? — Ryan
perguntou rindo.
— O que é ilógico — resmungou Ítalo.
Ryan o ignorou e contou suas notas restantes. — Mas jogo é jogo.
— Vou me lembrar disto hoje à noite — retrucou Belle.
O barulho de zombaria na sala não afetou Ryan, mas o olhar determinado
de sua noiva o deixou preocupado. Ele não queria uma noite sem sexo ou
uma semana de greve. Chegava a estremecer só de pensar ser privado de
tocá-la todas as noites.
— Boneca...
— Não me venha com essa de boneca — o interrompeu. — Comprou
meu imóvel!
— Isto está ficando interessante — disse Leo com grande interesse. —
Pelo menos minha esposa fica longe desse jogo.
— Eu sou mais inteligente que vocês, querido — respondeu Ellen do sofá
enquanto balançava a filha de Benjamin e Tina nos braços. Seu filho mais
velho estava dormindo ao seu lado e muito alheio a tudo o que acontecia
depois do jantar.
Aquele tabuleiro de banco imobiliário era um grande causador de boas
discussões entre o grupo de amigos. A prova disto foi quando Ítalo se virou,
encarando Ellen com um olhar ofendido.
— E lá vamos nós — resmungou Tina.
Ryan sabia o que viria em seguida. O gênio iria bater de cabeça com
Ellen e nenhum dos dois chegaria há um consenso. Era engraçado que
mesmo com todo QI elevado de Ítalo, ele ainda não conseguia vencer a
teimosia de Ellen, não era atoa que ela era uma excelente advogada.
— Sabemos que nesta sala, eu sou a pessoa mais inteligente — disse
Ítalo.
— Nem me venha com essa história de QI — Ellen bufou. — Estou
grávida, quase explodindo, com uma fome constante e realmente sem
paciência para esse discurso.
— Só estava apontando o óbvio — se defendeu. — E sua falta de
paciência...
— Eu não diria que é culpa dos hormônios dela — comentou Leonardo
baixinho fazendo nosso amigo franzir a testa confuso.
— Mas é...
Ryan cobriu a boca de Ítalo com a mão antes que Ellen o acertasse com a
mamadeira da pequena e bonitinha Zoe. Até Ryan já tinha aprendido a lição
de que não se discutia sobre os hormônios malucos da esposa de Leonardo.
Ellen se tornou uma grande bomba, que explodia facilmente, gritando ou
chorando, era impossível saber o que viria.
— Bem, vocês não vão jogar? — Tina interrompeu balançando os dados
em uma mão e se abanando com a outra cheia de notas que arrancou da
gente.
O jogo seguiu, mesmo com a clara indignação de Ítalo por não poder
falar o que queria com Ellen. A lógica no mínimo estava o corroendo para
expor seus pontos, mas seu QI elevado o fez ficar calado.
Muito inteligente de sua parte.
Leo roubou uma propriedade de Tina, o que realmente a deixou furiosa,
Benjamin estava quase sem dinheiro, Ítalo tinha alguma estabilidade, mas
eu sabia que era porque ele manipulava os dados. Ryan se mantinha com o
ponto de parada e Belle continuava ganhando o dinheiro de todos.
— Você não vai me cobrar essa parada — protestou Isabelle quando
parou no ponto que Ryan tomou dela.
— São as regras, boneca — sorri.
— Vai me pagar caro por isto! — ameaçou jogando as notas sobre a
mesa.
— Você é tão sanguinária quanto, Valentina — disse Ítalo com bom
humor.
Uma voz ecoou na sala — Não mais do que eu!
Eles giraram surpresos com aquela invasão. April caminhava com aquele
andar mortal em seus saltos direto para eles.
— Tia April! — Belle pulou animada.
— Tive que caçá-los, porque não atendem os celulares! — retrucou
brava. — Precisei buscar por Heron e ameaçar fazer da vida dele um
inferno para que me dissesse onde encontrá-los!
— Como está linda! — Belle correu para abraçá-la. — Que bronzeado!
— E você! Meu Deus! — April a abraçou com força. — Te deixo por um
ano para encontrá-la grávida deste idiota.
— Ainda bem que estou aqui para me defender — Ryan murmurou
causando algumas risadas ecoar pela sala. — Que bom que voltou, sua
traidora.
Ryan a abraçou com carinho e se afastou com um pulo quando April
beliscou sua cintura.
— Ei!
— Agradeça porque pensei em fazer algo muito pior — afirmou ela. —
Acho bom fazer minha menina feliz ou...
A ameaça no ar era verdadeira, mas Ryan sabia que nunca se realizaria.
Abraçando Isabelle por trás, suas mãos foram diretas para a barriguinha de
quatro meses de gestação. Depois daquela consulta em sua casa Isabelle não
estava grávida, mas pensar nisto deixou ambos ansiosos para gerarem um
bebê.
Não foi necessário nenhum método de controle de natalidade, depois de
um tempo e muito amor, em uma manhã chuvosa Belle acordou com um
terrível enjoo. Eles seriam pais de um bonito menino.
Inverteram a ordem dos acontecimentos e estavam muito felizes com
isto. O casamento aconteceria em quinze dias e a tão sonhada férias em uma
praia paradisíaca aconteceria agora que April estava de volta.
Enquanto April conversava com todos, Ryan só conseguia pensar em
como aquele ano sabático que sua gerente tirou mudou sua vida. E estava
grato com o rumo que o destino o levava.
— Pronto para pagar aquela aposta? — Belle sussurrou.
Ele riu.
— Só se isto nos deixar nus — a provocou.
Belle acenou concordando. — E você de joelhos.
O que vem por aí...
Havia dias que não deveria ser comemorado, esse era o pensamento
mais contínuo na cabeça de Ítalo enquanto permitia que seus amigos o
embebedassem. O dia vinte e dois de setembro, marco do início da
primavera, também era seu aniversário.
— Não é lógico — resmungou ele virando a sétima dose de vodca.
— Nem tud-o-o-o — começou Leonardo. — O que eu estava dizendo?
— perguntou para Benjamin, que riu como um tolo.
— Acho, acho, acho que quis dizer que nem tudo é lógico — respondeu
ele.
— Ele não parece bêbado — observou Ryan balançando um pouco em
sua cadeira.
Ítalo bufou, ele sentia a alteração em seu sistema. Seu gigantesco cérebro
não estava funcionando muito bem, seus pensamentos estavam realmente
confusos por causa do álcool. Era lógico que isto aconteceria, depois de oito
cervejas, sete doses de vodca pura e duas de whisky. Claro que ele estava
bêbado, mas isto não fazia dele um idiota de fala enrolada igual seus
amigos.
Não estava tão ruim assim já que ele ainda conseguia contar. Os números
era algo que o provocavam desde que abriu os olhos pela primeira vez ao
nascer. Contava tudo ao seu redor, mesmo que sem querer. Passos, não
somente os seus, mas os daqueles ao seu redor ou quem ele parava para
observar. Contava pisos, distâncias, respirações, batimentos, palavras, ações
e até quantas vezes uma pessoa piscava por minuto.
Isto era o mínimo do que sua mente era capaz de registrar.
Sentia-se mais mal-humorado do que o normal. Era o dia, resmungou em
pensamentos. Ele não gostava do seu aniversário e mesmo assim chegou
aos trinta. Quem diria, não é mesmo? A ironia era tão comum na sua vida
que ele não resistia quando ela aparecia de forma tão simples.
Ele não deveria ter nascido, não com aquele cérebro amaldiçoado. Ter
um QI elevado, nem sempre significava boa coisa. Ítalo considerava uma
maldição e por duas mil e quinhentas e trinta e sete vezes, ele contou, tinha
desejado ter nascido como uma pessoa normal.
Agora, olhando para seus amigos totalmente apaixonados desejava por
espaço. Já que ingerir álcool daquele jeito inapropriado não era a coisa mais
inteligente para o funcionamento do corpo.
Não que reclamasse caso seu corpo ficasse entorpecido por algumas
horas, mas nem isto seria capaz de fazer sua mente se acalmar.
— Vou buscar uma garrafa de água — anunciou para seus amigos.
— Eu-u não-o prec-ciso de água — respondeu Leo.
— Eu quero outra cerveja, acho — anunciou Ben.
— É só pedir ao garçom — disse Ryan com a voz arrastada. — Sei que
está tentando fuuugir.
Ítalo não deu atenção para eles. Leonardo estava gago, Benjamin confuso
e Ryan arrastava a voz como se sua língua estivesse inchada na boca.
Nenhum deles eram capazes de encontrar o próprio caminho se fosse
preciso.
Revirando os olhos com impaciência, os ignorou e desceu pelas escadas
da área VIP até o bar no centro da boate. Acenou para o barmen.
— Uma garrafa de água — pediu. — Com gás — acrescentou um
segundo depois.
O homem somente balançou a cabeça e deslizou uma garrafa de água na
sua direção. Ítalo queria mais tempo longe de seus amigos, então, se sentou
em uma banqueta enquanto tirava a tampa e a levava até a boca.
Tomou um gole bem devagar olhando distraído para os movimentos do
barman. Seu braço direito não tinha tanta habilidade, o que mostrava ser
canhoto. Sua mão esquerda, era a mão dominante. Três passos até o freezer
de cervejas. Dois até o balcão lateral, o que resultava em cinco, caso sua
passada fosse maior até o balcão central.
— Tequila — pediu uma voz feminina ao seu lado.
Aquela voz parecia trêmula, observou em pensamentos. Precisou se
controlar para não bufar, sua mente ainda estava funcionando perfeitamente.
Errou ao acreditar que se sentia confuso, dois minutos atrás. Não chegava
nem estar lento por causa do álcool. Talvez, somente, levemente
embriagado.
O barman demorou exatos quarenta segundos para colocar um shot na
frente da mulher e enchê-lo, derramando um pouco pelas bordas salgadas.
Pela visão periférica, viu a moça aceitar uma rodela de limão.
Ela tomou, parecendo ser algo para ganhar um pouco de coragem. Foi o
que Ítalo deduziu quando se virou para encará-la. Precisou de alguns
segundos para registrar tudo sobre ela. Cabelos castanhos, em um tom
bonito de chocolate, ondulados e longos. Olhos puxados de alguma mistura
asiática. E uma boca incrivelmente sensual.
— Olá! — disse ela.
Foi impossível segurar que sua sobrancelha arrogante se erguesse.
— Olá! — respondeu ele mais atento, curioso pela atitude dela em iniciar
uma conversa.
— Sou Samantha — ofereceu sua mão.
Dedos longos, como os de uma pianista, unhas curtas e sem esmalte.
— Ítalo — respondeu ele apertando sua mão.
Não tinha o hábito de apertar mãos de estranhos, principalmente em
boates. Odiava o conceito de quantas microbactérias poderiam compartilhar
naquele simples ato criado pelos homens idiotas. Precisou segurar a vontade
de seguir até o banheiro e lavar as mãos, ou usar os lenços umedecidos que
carregava no bolso.
— Sei que parece estranho, e que eu sou estranha, mas apostei com
minha amiga de que viria até aqui e falaria com você — informou
Samantha.
Mas Ítalo não se deixava enganar, tinha mais alguma coisa atrás daquele
tom e da cor que tomou em suas bochechas.
— E o que ganha? — perguntou.
— Hm... um favor.
— E esse favor vai te ajudar muito?
— Sim — suspirou.
— Bom, então, espero que tenha valido a pena sua coragem — disse
Ítalo.
Ele observou quando ela mordeu a lateral do lábio inferior, indecisa e
claramente ansiosa. Ítalo não disse nada. Somente a encarou, da mesma
forma que fazia com seus pacientes, esperando que ela falasse o que
realmente queria.
— Então — murmurou e respirou bem fundo antes de continuar. — Não
era somente isto...
Ela desviou o olhar, provocando ainda mais sua curiosidade.
Ítalo deslizou o olhar por seu pescoço, observando o pulso constante ali.
Moveu os olhos antes que começasse a contar novamente a pulsação de
Samantha. A pele tinha um bronzeamento natural bonito, era dourada de um
jeito que muitos invejariam. Uma cor que descia em um tom mais suave por
seu tentador decote, o que significava que não ia muito a praia.
— Poderia me dar um beijo?
Ítalo ergueu a cabeça em um movimento brusco, surpreso com o que
tinha ouvido.
Erika Martins, nasceu em São Domingos do Prata, mas ainda na infância
mudou-se para João Monlevade com a família. Formada em contabilidade,
resolveu trocar os números pelas letras. Apaixonada por romances,
começou a escrever em um aplicativo para autores independentes, onde já
alcançou a expressiva marca de mais de 3 milhões de páginas lidas. Viciada
em sorvetes, filmes e séries, passa boa parte do seu tempo escrevendo,
acompanhada de uma boa música e seu inseparável Chá Mate.

Redes sociais:
Facebook: Erika Martins Autora
(https://www.facebook.com/erikamartins.autora)
Grupo Facebook : https://www.facebook.com/groups/577293462798038/?ref=bookmarks
Instagran: @erikamartinsautora
Wattpad: @ErikaMartins20
Conheça também outros livros da autora.
Série Irmãos da Máfia
Adônis – Irmãos da Máfia
Apolo – Irmãos da Máfia
Bruce – Um homem da máfia
Malone – O resgate da filha da máfia
Pietro – Um mafioso em perigo
Spin-Of – Roy, o amor de um mafioso

Série Destinados a Amar


Amor Real
Um Amor para Recomeçar
Férias para o Amor

Série Insanos
Abner – Marcas do passado
Elliot – Amor por acidente
Ethan – Inesperado Amor
Alice – Um Amor por toda a vida
Spin-Of - Um Natal para Xavier
Série Mulheres Fortes
Um CEO como salvação
O Amor do CEO
O Destino do CEO
Livros Únicos
Doce Sentimento
Mais que Vizinhos
A força de um Amor
Um Amor de Natal
O quão real é o amor para você?
Já amou alguém em que pode afirmar com todas as letras que aquele
sentimento era real?
Vitor e Sofia se encontram por acaso, talvez por obra do destino. Destino
este, que os mostrou que estavam destinados a amar. O casal mostra todo o
romantismo possível para um relacionamento verdadeiro, autêntico.
Sem muito drama e com uma grande parcela de humor, traz uma delicada
história de amor e cumplicidade.
Já chegou ao ponto de desistir de encontrar sua outra metade? A acreditar
que não existisse uma pessoa que se encaixasse perfeitamente a você e
simplesmente desistiu?
Guilherme e Letícia desistiram, mas não esperavam que fossem
marcados pelo destino para amar.
Mesmo sobre circunstâncias difíceis, os mais puros e belos sentimentos
floresceram. E tudo o que eles precisavam fazer era aceitar aquele amor
inesperado, aquela oportunidade de ter um amor para recomeçar.
Quem nunca teve um primeiro encontro frustrado? Aquele que você
acredita que nada vai dar certo e que estava ali somente por causa de um
amigo ou parente casamenteiro.
Com Dani não foi diferente, seu primeiro encontro com Vinicius foi um
completo desastre. E se dependesse dela, não o veria nunca mais.
O que Dani não sabia era que o destino era caprichoso e não desistia com
facilidade. Vinicius se tornou mais próximo, mais amigo. E depois de uma
pequena mentirinha ele se torna seu namorado.
Foi a semana mais louca de sua vida, no entanto, não se arrependia de
nada.
Afinal, aquela era suas férias para o amor...
Table of Contents
Sumário
Querido leitor,
Você sabia?
Sinopse
Prólogo
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Quatorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete
Capítulo Dezoito – Especial Valentina
Capítulo Dezenove
Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e Um
Capítulo Vinte e Dois
Capítulo Vinte e Três
Capítulo Vinte e Quatro
Capítulo Vinte e Cinco
Capítulo Vinte e Seis
Capítulo Vinte e Sete
Capítulo Vinte e Oito
Capítulo Vinte e Nove
Capítulo Trinta
Capítulo Trinta e Um – Especial
Capítulo Trinta e Dois
Epílogo
O que vem por aí...

Você também pode gostar