Leão Na Pele de Passarinho Sem Imagens

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Leão na pele de passarinho: transmídia storytelling do filme vencedor do Cannes

Lions International Advertising Festival 2010 via redes sociais


Lion in Bird’s clothing: transmedia storytelling trough social networks for the 2010
Cannes Lions International Advertising Festival film winner

Miriam de Souza ROSSINI1


André Zambam de MATTOS2
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS

Resumo

Twitter, Youtube, Facebook, blogs e outras mídias atuais vêm ocupando notadamente
uma posição de relevo nas estratégias publicitárias. O International Creativity
Festival, reconhecido como o mais famoso e vanguardista festival do setor, tem
percebido e premiado campanhas que, mais do que trabalharem uma comunicação
integrada utilizando diversas mídias, criam histórias que transitam, se transpassam e
se complementam através do chamado transmídia storytelling. É o caso da campanha
Responses para o sabonete Old Spice, presentemente apresentado, na qual o filme
comercial da marca para televisão premiado em 2010 teve sobrevida online e foi, em
seguida, multiplicado em inúmeras narrativas transversais baseadas na criação
interativa do público e no sentimento de communitainement, que por sua vez
renderam mais prêmios em Cannes em 2011.

Palavras-chave: publicidade; transmídia; storytelling; narrativa; microblogging, Old


Spice; Cannes Lions.

Abstract

Twitter, Youtube, Facebook, blogs and other modern medias are indubitably
conquering a relevant position when it comes to advertising strategies. The Cannes
Lions International Creativity Festival, known as the most famous and trend setter in
the area, has realized that and awarded ad campaigns that not only work with
integrated communication by using various medias, but also create stories that
intersect and complement one another trough what has been called transmedia
storytelling. That’s the case of the Responses Campaign for Old Spice’s body wash,
hereby presented, in which the 2010 awarded TV commercial for the brand has
“survived” online and multiplied its stories based on a interactive co-creation with the
consumer and in the feeling of communitainement, receiving once again a prize in the
2011 Cannes Festival.

Keywords: advertising; transmedia; storytelling; narrative; microblogging, Old


Spice; Cannes Lions.

1 Doutora em História pela UFRGS e Mestre em Artes/Cinema pela USP, e-mail: [email protected].
2 Mestrando do Curso de Comunicação e Informação na FABICO-UFRGS, e-mail: [email protected].
Propaganda criativa e conversações entre mídia tradicional e online
Mais tradicional premiação da área publicitária, o Cannes Lions International
Advertising Festival (que neste ano recebeu o nome de Cannes Lions International
Creativity Festival) é anualmente um dos maiores responsáveis por determinar as
grandes tendências da comunicação criativa e moderna. Apesar de ter se restringido à
categoria de filmes publicitários, desde sua criação em 1953 até a década de 90, nos
últimos 20 anos tanto as áreas afins (como o Design e as Relações Públicas), quanto a
produção em outras mídias (impressas, externas, rádio e Internet) e a própria
integração de diferentes mídias em uma campanha (na categoria Titanium Integrated)
têm multiplicado as premiações do festival e o foco da propaganda mundial.
Não é, portanto, motivo de surpresa que o comercial de Old Spice, o grande
vencedor da tradicional categoria Films do Festival em 2010, tenha construído sua
estratégia de campanha apoiando sua peça principal, veiculada na televisão, em um
estratégico trabalho em mídias online que, em determinado ponto, assumiram o papel
de protagonistas da campanha, criando um prolífero transmídia storytelling nos sites
Youtube e Twitter. O presente artigo pretende, portanto, analisar como contribuiu a
plataforma e as conversações da Old Spice no Twitter (e suas consequentes gerações
de conteúdo no Youtube) na construção do personagem e na divulgação da campanha
da marca, que seria premiada no mesmo festival no ano seguinte nas categorias Cyber
(Grand Prix), Direct (Gold), Titanium and Integrated (Gold) e Media (Silver).

Transmídia Storytelling: uma estratégia pós-moderna para contar histórias


Jenkins (2008) define a convergência como o “fluxo de conteúdos através de
múltiplas plataformas de mídia”. As transformações tecnológicas, mercadológicas,
culturais e sociais advindas da transmissão de informação surgem como uma releitura
das mídias tradicionais -e que conversa com as mesmas- no ciberespaço. Não há a
simples substituição das mídias antigas por novas, mas evolução do que era um eixo
narrativo em mídia tradicional para uma série de roteiros tangenciais e
complementares em mídias de apoio. Segundo Fechine e Figueirôa (2009, p. 3):
As narrativas transmídias envolvem a criação de universos ficcionais
compartilhados pelos diferentes meios, cabendo a cada um deles
desenvolver programas narrativos próprios, mas de modo articulado e
complementar com os demais.
É o que Jenkins (apud RODRIGUES, 2009, p 4.) chamou de transmídia
storytelling: “a maneira de divulgação das histórias ao longo de diversas mídias, por
camadas de conteúdo”. O filme (ou filme comercial, no caso deste artigo) não é
apenas transposto para diversos formatos, mas passa por um planejamento de cada
uma das mídias que irão compor histórias que se ampliam, bifurcam e ganham
versões, para as quais também são estimulados a contribuírem os consumidores finais,
dada a interatividade dos veículos modernos. Os conteúdos são complementares e,
apesar de as histórias fazerem sentido independentemente, elas completam o sentido
umas das outras, ampliando o contexto e a compreensão narrativa.
Para Rodrigues (2009, p.5) “quanto maior o contato do espectador com a
variedade de produtos, mais entende as piadas internas da trama, as citações
escondidas em objetos,(…)”. Assim sendo, cabe ao espectador perder a inocência e
desvendar o sistema narrativo com o somatório de informações obtidas em redes
sociais, sites, blogs, games, livros, histórias em quadrinhos, etc. Jenkins (2008)
considera a narrativa transmidiática como a criação de um universo: para uma
experiência ficcional plena, os consumidores se transformam em “caçadores de
informação” e rumam à diferentes canais, comparando suas informações com a de
outros fãs e enriquecendo o material gerador de entretenimento e estimulando o maior
tempo de vivência com o produto.
Segundo Domingos (2008) o storytelling funciona de diferentes maneiras, mas,
no que tange as narrativas midiadas pós-Internet, é responsável pela ruptura do modo
clássico e linear de emissão e recepção, pois transforma público-alvo em mediador e
midiatário. Tornam-se então fluidas as noções de tempo, espaço, tensão, clímax,
ponto de vista, personagens, fio narrativo, gêneros narrativos, entre outras. Ou seja, o
mesmo storytelling se adequa a linguagem de cada mídia e os hipertextos resultantes
são tipicamente híbridos, já que absorvem e transformam elementos de todos os
espaços culturais (JENKINS, 2008).
Economicamente e, em especial junto aos veículos audiovisuais, o storytelling
vem despertando interesse e sendo usado para contribuir à narrativa e engajar o
público de filmes como Matrix e Batman The Dark Knight e em séries televisivas
como Lost, Heroes, ou até mesmo o Big Brother.
A publicidade evidentemente soube desenvolver com rapidez essa inter-relação
midiática de alto retorno mercadológico e começa a acompanhar suas principais
campanhas de TV com trabalho em mídias online. Se interessa à divulgação de um
produto a constante aparição midiática do mesmo junto a seu público e justamente
através da maior variedade possível de pontos de contato, a circularidade interativa
proposta por Domingos (2008) será uma aliada na manutenção da evidência das
histórias criadas pela publicidade.

Microblogging e a proliferação do internauta gerador de conteúdo


Segundo Lacalle (2010), o grupo editorial O’Reilly Media e MediaLive
International cunhou o termo web 2.0 em 2004, definindo, a seguir, que a Internet não
se restringia a expor conteúdos, mas era construída baseada na participação dos
usuários, seguindo os conceitos de interatividade de Berners-Lee, de inteligência
coletiva Lévy, de multidões inteligentes de Rheingold, de sabedoria das multidões de
Surowiecki e de arquitetura da participação de O’Reilly.
Sabedores de que as tecnologias da comunicação sofrem constante revolução,
os diversos públicos consumidores e produtores da mesma e, cada vez mais, os
integrantes de ambos os grupos têm se mantido atualizados e participado da evolução
das formas tecnológicas e midiáticas, que são moldadas gradualmente conforme o seu
uso deflagrar necessidades. Segundo apresentam Amaral, Recuero e Montardo
(2009), os blogs foram definidos primeiramente como weblogs por Jorn Barger, em
1998, por serem sites que colecionavam e divulgavam links interessantes, mas
rapidamente acabaram se popularizando como diários pessoais com postagens
(pequenos textos periódicos) em ordem cronológica reversa e provavelmente
contendo espaço para comentários de visitantes. Curiosamente, com o site Twitter,
que pode ser considerado um agregador de microblogs, o fenômeno parece ter sido
inverso, já que a prática do público acabou fazendo sua pergunta tema mudar de “o
que você está fazendo” –muito mais adequada a relatos de um diário- para “o que está
acontecendo” –mais propícia à postagem de links. Pois bem, antes de vermos as
transformações que ampliaram as funções do microblogging, convém levantar
rapidamente suas principais características.
Segundo Primo (2008), o microblogging é um fenômeno observado na
blogosfera com o aparecimento de serviços, como o Twitter, que permitem postagens
com no máximo 140 caracteres. Alguns dos motivos do sucesso e audiência dos
microblogs parece ser a rapidez de atualização promovida por tal limitação e a mais
fácil usabilidade e atualização via celular (que tradicionalmente restringiam suas
mensagens de texto a tal tamanho). Por fim, “um sistema de assinaturas permite que
se acompanhe as novas publicações de outras pessoas” (PRIMO, 2008, p. 4).
Mesmo que Shirky (apud PRIMO, 2008) revele que a maior parte dos tweets
(postagens) é voltada para amigos e não para o público em geral, os novos usos do
Twitter englobam a cobertura de eventos em andamento, a divulgação de furos de
reportagem, o acompanhamento das notícias de celebridades, os memes (em geral
frases iniciadas desafiando os usuários para que as completem ou opinem sobre
determinados assuntos), as manifestações, protestos e reivindicações, a propaganda
política e, é claro, a publicidade em geral.
Para Boyd, Golder e Lotan (2010) o Twitter combina elementos de blogs com
outros de redes sociais. Particular é o fato de os participantes poderem conectar seu
perfil a outros sem reciprocidade necessária. Também são comuns os retweets, que se
dão quando um usuário reverbera a mensagem de outro, seja por julgá-la interessante
ao grupo de pessoas que seguem as suas mensagens, seja por querer tornar aquele
assunto um trending topic (assuntos mais presentes no site naquele momento, visíveis
a todos os usuários).
Dessa forma, é comum que o microblogging gere notícias que sejam passadas
adiante até se tornarem tendências, no caso de serem temas a respeito do qual as
pessoas dão sua opinião, ou atingirem a viralização, no caso por exemplo de links
interessantes que podem ser recomendados pelas diversas pessoas que os vêem e
apreciam. A união de dois tipos de disseminação de conteúdo também é freqüente; os
vídeos da web (principalmente os acessados no mais famoso site que os disponibiliza,
o Youtube) podem ser recomendados via Twitter ou gerar comentários juntamente
com seu link de acesso. É o caso dos comerciais, principal e secundários, de mídia
televisiva ou feitos para web, que serão presentemente analisado.

Conversações midiáticas na formação de narrativas


Na seguinte análise, o objetivo foi partir do filme de Old Spice, The Man Your
Man Could Smell Like, premiado em Cannes em junho de 2010, para investigar suas
ramificações transmidiáticas, principalmente aquelas que surgiram em julho do
mesmo ano, no projeto The Response Campaign. Tem-se por objetivo a identificação
das presenças transmidiáticas de seu storytelling, em especial referentes a sua
divulgação relacionada ao serviço de microblogging do Twitter. Também é meta a
percepção da capacidade de unidade comunicacional da campanha e do valor
agregado ao anúncio de TV, a sua narrativa e a sua personagem a partir das narrativas
tangenciais geradas online.
Os recursos utilizados para analisar o grau de repercussão das ações foram
dados secundários (disponíveis em ReadWriteWeb e no video case da agência
Wieden+Kennedy Portland), o serviço do site Google Trends (que analisa tráfego de
notícias e busca de termos no buscador do Google), o próprio Twitter (percebendo o
número de tweets relacionados à marca e, principalmente, o número de seguidores de
alguns dos “microblogueiros” que interagiram nos storytellings) e o Youtube (no
qual, apesar da ausência de dados quantitativos claros, foi percebida grande geração
de conteúdo por parte dos internautas).
Ao primeiro olhar o comercial da para o sabonete corporal Old Spice, já é
construído em um estilo que agrada e alimenta o público e as conversações informais
em redes sociais e blogs. Além do humor, tradicional gerador de repercussão e
viralização online, o foco criativo está em desvendar a técnica cenográfica e de
produção do comercial, no qual o protagonista muda constantemente de roupas e de
cenários em um plano sequência. Ao longo de trinta segundos, é possível ver que o
personagem, primeiramente, envolto em uma toalha e, em seguida, vestindo calças e
com uma camisa em seu pescoço. Além disso, parece transitar “magicamente” de um
banheiro para um barco e, finalmente, para o dorso de um cavalo.
Conforme estabelecido anteriormente, é comum aos transmídia storytellings que
o público tenha alguma curiosidade despertada e queira desvendar algo buscando
respostas em outras mídias que não a principal. O senso de comunidade advindo da
capacidade participativa de sites como o Twitter permitem alta geração de conteúdo,
até pelo fato de as pessoas se sentirem mais aptas e estimuladas a perguntarem e
deixarem suas declarações em microblogs, dada a rapidez e facilidade de textos tão
curtos e informais. O primeiro ponto a destacar do anúncio em questão é, portanto,
sua capacidade transmidiática de motivar os espectadores a buscarem na Internet a
resposta para como seriam feitas aquelas cenas. Outro indicador de sua estratégia
transmidiática é o fato de este anúncio ter sido lançado online na semana do
Superbawl -semana dos grandes lançamentos publicitários e mais altos picos de
audiência televisiva dos EUA- e a seguir também veiculado na televisão.
A atmosfera preparada pela estratégia de comunicação da Old Spice envolvia
muito profundamente o sentido de Communitainment, termo que expressa a união de
comunidade, comunicação e entretenimento (LACALLE, 2010). Os serviços de
microblogging do Twitter incluíam um perfil da marca totalmente personificado pelo
protagonista do comercial em questão. Os seguidores e visitantes poderiam mandar
mensagens para a personagem e, principalmente, ler seus tweets, em média um por
dia, escritos sempre com a mesma personalidade egocêntrica e engraçada, o mesmo
modo de falar e até as mesmas gírias das utilizadas no comercial. No tweet de 13 de
Agosto de 2010, o garoto-propaganda de Old Spice diz: “Vocês, meus amigos, estão
ganhando na vida, e eu os saúdo com cada músculo do meu corpo másculo.”3
(disponível em twitter.com/oldspice)
Mas se o comercial já configurava um sucesso, inclusive transmidiático,
gerando uma série de comentários em microblogs, o fenômeno ainda maior se deu
com um repique da campanha, aproximadamente 4 meses depois de seu lançamento.
Ora, o público já mais íntimo e com muito mais informação e histórias sobre aquela
personagem, passa a ter também maior intimidade com a marca, além da
familiaridade evidentemente decorrente do maior tempo de contato com a mesma, a
partir da leitura dos tweets assinados por ela e seu representante fictício. Uma
aproximação ainda maior com esse segmento de público, que acompanhava online o
desenvolver do storytelling de The Man Your Man Could Smell Like, só poderia
ocorrer com a personalização de respostas aos internautas. Mas como fazer com que
se sentissem em uma verdadeira troca de informação de igual para igual com a
personagem de Old Spice?
Era necessário escolher alguns dos seguidores e fazer algo que chamasse a
atenção dos demais, em uma ação que também seguisse o conceito da linha de
comunicação e ainda transmitisse a noção de customização. A descoberta de que o
personagem do comercial de televisão poderia responder a qualquer pessoa que lhe
enviasse uma pergunta estabelecia uma relação com o ego dos espectadores que
queriam ser nominalmente atendidos e, ao mesmo tempo, já se sentiam prestigiados
por alguns membros do seu grupo de tuiteiros, blogueiros ou internautas receberem
tais respostas personalizadas.
A alternativa gerada para a Old Spice foi, portanto, a de “plantar” convites em
diversas redes sociais pedindo perguntas para o seu protagonista. O retorno veio
principalmente por meio do Twitter, mas também via Facebook, Reddit e blogs. Desta
feita, foram produzidos, em dois dias de gravação, 186 novos comerciais respondendo
praticamente em tempo real na web perguntas que eram escolhidas por uma equipe no

3Tradução do autor para: “You my friends are winning at life and I salute you with every muscle of my manly
body.”
estúdio, que tratava de escrever, produzir e publicar online mensagens dirigidas a
cada um dos “seguidores” escolhidos.
Ao ser entrevistado, o Diretor de Criação da agência publicitária responsável,
Iain Tait, disse: "Nós apenas demos vida a uma personagem usando os canais sociais
que todos nós (geeks da mídia social) usamos diariamente. Mas nós também pegamos
uma personagem bem quista e criamos conteúdo de novos episódios em tempo real”4
(disponível em ReadWriteWeb).
A campanha não apenas parece ter esculpido novas narrativas para o seu
protagonista, como conferiu credibilidade não imaginada à marca. Graças à
sistemática informal do microblogging e a interação bem-humorada e estimulada pelo
posicionamento de marca, muitos famosos presentes no Twitter acabaram criando
perguntas, atendendo à convocação da Old Spice. A marca evidentemente, aproveitou
os depoimentos gratuitos das celebridades, os incluindo na campanha de respostas.
Celebridades são grandes detentores de seguidores no Twitter, além de estarem
comummente associadas a trending topics. Isto significa que, ao atingi-las e receber
respostas das mesmas, a notoriedade destes tweets promete atingir muito mais pessoas
(no caso analisado, dezenas de milhões). Dentre os famosos que receberam um vídeo-
resposta da campanha estão os apresentadores Ryan Seacrest (que possui quase 3,5
milhões de followers, pessoas que acompanham seus tweets) e Ellen Degenerous
(com mais de 5 milhões), o fundador da rede Digg Kevin Rose (com mais de 1
milhão), o presidente da MegatonApps LLC Casey Ayers, as atrizes Demi Moore
(com quase 3 milhões), Cristina Applegate, Rose Mcgowan e Alissa Mylano (com
mais de 1 milhão). A última, em especial, rendeu não apenas um, mas quatro vídeo-
respostas gravadas, a medida que estabeleceu uma conversa com a personagem de
Old Spice via tweets, tal era sua surpresa ao ver os tweets e vídeos personalizadas que
lhe eram dirigidos.
Nesse caso particular de storytelling, durante os dois dias de filmagem, uma
verdadeira narrativa a parte se desenvolveu, valorizando marca, personagem e
inclusive aumentando a audiência e provavelmente a popularidade da própria Alyssa.
Os gráficos abaixo demonstram as trajetórias relativas de buscas e notícias no Google
pelos termos “Alyssa Milano” e “Old Spice” nos EUA em 2010 e o pico de buscas
pela marca, mas também pela atriz, nos dias 13 e 14 de julho, quando a campanha foi

4Tradução do autor para: “We just brought a character to life using the social channels we all [social media geeks]
use every day. But we've also taken a loved character and created new episodic content in real time."
lançada (disponível em Google Trends). A atriz tinha obtido buscas tão numerosas
somente na metade de abril, ao estrear em uma série de TV do horário nobre
americano. Os noticiários tem um comportamento semelhante; destacando-se,
contudo, o aumento no número de referências à marca desde junho, mês em que o
Cannes Lions International Advertising Festival colocou a mesma em evidência.

Aqui entra a Figura 1.

Figura 1: Gráficos comparativos entre buscas e notícias da atriz e da marca em 2010 (disponível em
Google Trends).

Ao ver os primeiros vídeos da campanha, Alyssa tuitou: “Genial! Cara sem


camisa da Old Spice responde no twitter via vídeos personalizados hilários.” Como
resposta, o microblog da Old Spice tuitou o link do vídeo em que a sua personagem
comenta a genialidade da história de Who’s the Boss, a série de TV que levou a atriz
ao estrelato. Aqui, nesta coleção the narrativas, os fãs de Alyssa, the Old Spice e
agora de Who’s the Boss assistem a uma improvável intersecção das histórias dos
mesmos, que certamente desencadeia buzz e valoriza todos integrantes do storytelling.
Alyssa respondeu ao vídeo com um tweet dizendo que rira tanto, que o café que
tomava subira até seu nariz, ao que um novo tweet e gravação responderam com um
flerte do garoto-propaganda. A atriz tuitou mais uma vez, admirada pela “cantada”
que recebera e, como resposta, ganhou um terceiro vídeo em que o rapaz de Old Spice
insinuava que lhe mandaria flores (Filme Re: @Alyssa_Milano 3, disponível em
youtube.com/OldSpice).
E a equipe da Wieden+Kennedy o fez, o que foi anunciado por Alyssa com
surpresa aos seus seguidores do Twitter: “Hum, vocês estão sentados? Sentem.
Prontos? O cara de Old Spice me mandou flores!”. Na quarta mensagem gravada e
tuitada para a atriz, o garoto-propaganda se diz comprometido em uma longa relação
amorosa com a mesma e pede para que ela lhe diga o que fazer a seguir. Alyssa não se
limita agora a atender seu pedido via Twitter, mas produz uma resposta gravada à
altura das de seu admirador fictício, em um vídeo caseiro e feito em seu banheiro.
Nesse momento, o já enriquecido storytelling ganha a imagem da atriz e uma última
narrativa que a princípio não teria relação com a marca: a celebridade diz que para
agradá-la o rapaz deveria doar 100 mil dólares para o fundo nacional pela restauração
da vida selvagem em risco pelo derramamento de óleo no Golfo (disponível no
youtube.com/ watch?v=25nY5-QUEx8).

Além das celebridades, também foram respondidas as perguntas de empresas


que possuem microblogs no Twitter, como os sites TechFrog, PingChat, G4tv e
4Chan. As fontes geradoras de credibilidade para a marca e enriquecedoras do
storytelling via postagens no microblog foram tantas, que até a própria Gillette,
através de seu microblog, postou uma mensagem para a Old Spice (uma de suas
companhias afiliadas), que a respondeu, como nos demais casos, através de tweet com
link para um comercial personalizado no Youtube (disponível em Canal de Youtube
de Old Spice). Neste caso, portanto, gerou-se uma promoção cruzada, visto que o
garoto-propaganda enaltece um produto da Gillette em sua resposta, o que demonstra
que os resultados surpreendentes da ação geraram interesse mercadológico de
parceiros e levaram à divulgação de um produto totalmente diferente do que aquele
para o qual a campanha fora idealizada.
A campanha e a personagem mostraram, portanto, uma capacidade quase
interminável de propagação e produção de continuidade, seja produzida pela própria
marca, seja pelo seu público consumidor e espectadores da web (inclusive por aqueles
famosos). Os apreciadores deste storytelling podem ter seu pensamento bem
elucidado pelo tweet do internauta Heartbourne: “cara, quando aparece um novo
vídeo de Internet com comercial da Old Spice é como ganhar um bônus ao invés de
um anúncio”.
Com tal engajamento e percepção positiva do público, a campanha seguiu
fazendo sucesso e gerando comentários em blogs, microblogs e redes sociais. Os
usuários do Reddit, por exemplo, criaram um sistema personalizado para mensagem
de caixa postal eletrônica com a voz do garoto-propaganda criando novas pequenas
histórias (mas mantendo, é claro, seu estilo e jargões). Além deste sistema gerado
pelo público ter sido incorporado ao site da marca, outras muitas paródias são
estimuladas e ganham visibilidade, sobretudo no Youtube, mantendo a lembrança da
marca em alta, bem como suas aparições em novos links tuitados.
De acordo com o case em vídeo da agência Wieden+Kennedy, a série The
Response Campaign atingiu em seu primeiro dia mais de 5.9 milhões de visualizações
no Youtube e ao término de uma semana, já contava com 40 milhões, o que tornou o
canal da marca Old Spice no site o mais visto de todos os tempos. Neste período, o
número de seus seguidores no Twitter cresceu 2700% (disponível em BrightCove).
Em 30 de agosto de 2010, a marca, que seguia aumentando seus seguidores, atingia o
número de 116.843. Menos de um ano depois e com os resultados ainda crescentes, a
campanha Responses foi premiada em Cannes, agora com 4 Leões.

O Twitter como ferramenta publicitária de transmídia storytelling


Na presente análise, o Twitter provou ser uma ferramenta capaz de obter
mobilização social, com alto grau de audiência, pró-atividade com relação a transição
para outras mídias (no caso apresentado, fundamentalmente para o canal Youtube) e
relevantemente apoiada na figura de formadores de opiniões, dos quais os mais
freqüentes são as celebridades já famosas em outras mídias. Com isso, provou
também ser um recurso muito adequado à divulgação publicitária, inclusive pelo
baixo custo (no caso do Twitter, não apenas as postagens em cada microblog são
gratuitas, como também parecem ter sido neste caso as interações geradas com os
microblogs de celebridades e outros internautas). Pode-se supor, entretanto, que a
criatividade do conceito de campanha e o conhecimento prévio e simpatia com o
contexto comunicacional provavelmente contribuem à eficácia do efeito de
viralização. Parece evidente que foram chaves para o sucesso da ação a fama inicial
gerada pelas inserções televisivas, o próprio conhecimento histórico da marca e, mais
recentemente, de sua carismática personagem e certamente a falta de precedentes de
ações no estilo.
Chamou também a atenção a interação entre os sites Twitter e Youtube,
servindo o primeiro como promotor de vídeos apresentados no segundo. Segundo a
análise, a limitação de caracteres dos microblogs acaba estimulando a utilização de
links, que remetem os leitores a outras páginas sem tais limites (como a do Youtube).
Tal presença de links é uma evidencia da fluidez transmidiática promovida pelo
serviço do Twitter. Além disso, os textos reduzidíssimos dos microblogs permitem
que tenham uma audiência muito maior que a de blogs tradicionais. Assim, o site
agregador tem por especialidades a colocação de assuntos em voga e a reverberação
de comentários rápidos dos mais diversos “microblogueiros” (inclusive os célebres).
O Twitter também parece enaltecer as especialidades de outras mídias, como a
transmissão de vídeos no Youtube, sendo que cada uma possibilita diferentes tipos de
experiência narrativa (RODRIGUES, 2009).
Como queria Jenkins (2008), nesta dinâmica é o usuário que cruza conteúdos
narrativos e que muitas vezes vai em busca dos mesmos, em uma espécie de
investigação, realizando a convergência midiática e narrativa dentro de sua mente.
Rodrigues (2009, p. 6) cita os autores Antikainen, Kangas e Vainikainen para
complementar a noção de entretenimento crossmidiático, revelando que “a principal
razão das pessoas fazerem opção pelo uso dos produtos ao longo das mídias está na
satisfação da experiência, na interação”.
Nesse contexto participativo, emerge também a importância do feedback (via
chats, forums, blogs, redes sociais, etc) e a comunicação assume um constante
processo de reconstrução, no qual produtores e autores são considerados bricoleurs
culturais (NEWCOMB e HIRSH apud LACALLE, 2010). É nesse sentido que
retalhos da realidade cotidiana e da biografia dos espectadores são convertidos em
fonte inspiradora. Não é à toa, portanto, que uma resposta personalizada a alguns dos
internautas e formadores desse conteúdo de transmídia storytelling tenha sido criado
com desenvoltura pela Wieden+Kennedy e recebido com simpatia pelo público.
A propaganda de Old Spice (tanto a televisiva, quanto a no Youtube, ou mesmo
a divulgação via tweets) se torna uma antologia, a medida que remete a uma série de
histórias para aquele espectador que está adquirindo o conjunto integrado da
comunicação da marca. Cada forma de narrativa remete as demais, como anunciam,
segundo Domingos (2008b), Salmon e Bauman, que respectivamente apresentam a
característica de retomada na narrativa (revival storytelling) e a justificativa para a
fluidez pós-moderna do acompanhamento, interesse e conteúdo nas mídias (“era da
liquidez”).
O caso estudado foi paradigmático na demonstração do sucesso de um
storytelling que acabou tendo o Twitter como um fio condutor que centralizava, mas
também pulverizava as narrativas, encaminhando para outras mídias. A clareza de
posicionamento da marca, de personalidade do protagonista e de enredo, inicialmente
gerado pelo anúncio veiculado na televisão, foi aprimorada a cada novo tweet no
microblog da Old Spice, a cada construção de narrativas secundárias de Youtube, a
cada interação de espectadores e a cada geração de paródias. O sucesso e o
fortalecimento da marca foram tais que a própria Gillette se favoreceu da campanha
de sua marca afiliada para anunciar seu produto, sem precisar temer uma confusão ou
dificuldade de compreensão por parte do público. A intertextualidade e as
conversações geradas entre narrativas reforçaram o storytelling e o conceito da
campanha, tanto que em suas interações, a atriz Alyssa Milano soube usar o mesmo
tipo de humor, locação e atmosfera dos comerciais de Old Spice.
Enfim, o Twitter (e sua particular interação com o Youtube) mostrou uma
capacidade singular de participação na construção de histórias transmidiáticas. Mais
que isto, provou quantitativamente a repercussão de uma ação publicitária criativa que
utilizou microblogs, indicando formarem estes uma potencial área para a publicidade.
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Isabella: encadeamento midiático de blogs, Twitter e mídia massiva. Galáxia, v.
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READWRITEWEB. Disponível em: <http://www.readwriteweb.com/archives/how_


old_spice_won_the_internet.php>. Acesso em: 24 de julho de 2010.

RODRIGUES, Raquel Timponi Pereira. The Dark Knight e o conteúdo


convergente nas redes sociais: uma análise transmidiática. In: III Simpósio
Nacional ABCiber – São Paulo – 16 a 18 de novembro de 2009.
Dados Profissionais

Miriam de Souza ROSSINI


Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Cargo: Doutora em História pela UFRGS e Mestre em Artes/Cinema pela USP
Email: [email protected]

André Zambam de MATTOS


Instituição: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Cargo: Mestrando do Curso de Comunicação e Informação na FABICO-UFRGS
Principais publicações: Onde bebem os Leões: Estudos de Referência nos filmes
vencedores do Cannes Lions International Advertising Festival de 2007 a 2010
Email: [email protected]
Lista das Imagens para serem incluídas no texto
Figura 1

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