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POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE AO RECÉM-NASCIDO NO BRASIL: REFLEXOS PARA A ASSISTÊNCIA

NEONATAL

Roberta Costa1
Maria Itayra Padilha2
Marisa Monticelli3
Flávia Regina de Souza Ramos4
Miriam Süsskind Borenstein5

RESUMO
O objetivo deste estudo é identificar as principais políticas públicas de saúde ao recém-nascido no
cenário brasileiro, a partir da década de oitenta, e refletir sobre o impacto destas, na assistência
neonatal. Neste percurso identificam-se dois grandes marcos: o primeiro, de conquista dos
direitos da mulher/mãe e do recém-nascido, e o segundo, da busca da qualidade da assistência
materno-infantil. A elaboração destas políticas culminou na consolidação de diversas leis e
programas de saúde voltados à atenção materno-infantil, que tiveram papel importante na
organização dos sistemas e serviços de saúde. Apesar dos reconhecidos avanços conquistados em
termos de políticas públicas de saúde no Brasil há ainda um longo e complexo caminho na busca
da qualidade da assistência neonatal, no qual a superação das iniqüidades e das desigualdades se
apresenta como desafio para todos os que defendem a vida como um direito de cidadania e bem
público.
PALAVRAS-CHAVE: políticas públicas de saúde, recém-nascido, neonatologia.

1
Doutora em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PEN) da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). Coordenadora da equipe de enfermagem da unidade neonatal do Hospital Universitário da UFSC.
Membro do Grupo de Estudos de História do Conhecimento de Enfermagem e Saúde (GEHCES). E-mail:
[email protected]
2
Professora Associada do Departamento de Enfermagem da UFSC. Doutora em Enfermagem pela Escola Anna Nery
(UFRJ). Pos-Doutora pela Lawrence Bloomberg Faculty of Nursing at University of Toronto. Canada. Líder do
GEHCES. Pesquisadora do CNPq. E- mail: [email protected].
3
Doutora em Enfermagem. Professora Associado do Departamento de Enfermagem e do PEN/UFSC. Vice-líder do
Grupo de Pesquisa em Enfermagem na Saúde da Mulher e do Recém-nascido (GRUPESMUR).
4
Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta da UFSC. Pesquisadora do CNPq.
5
Enfermeira. Doutora em Enfermagem pelo PEN/UFSC. Professora Associada do Departamento de Enfermagem da
UFSC. Vice-lider do GEHCES. Pesquisadora do CNPq.
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PUBLIC HEALTH POLICY TO THE NEWBORN IN BRAZIL: REFLECTIONS TO THE NEONATAL


ASSISTANCE
ABSTRACT
This study aims to the identification of the main health public policies to the newborn in the
Brazilian scenario, from the eighties decade and reflect about its impact, in the neonatal
assistance. In this course we identified two big points: the first about the conquest of women’s,
mother/newborn and the second about the search of assistance quality in maternal-infantile. The
elaboration of this politics culminated in the consolidation of many laws and health programs
facing the maternal-infantile that had an important role in the systems and health services
organization. Despite the recognized advancements acquired in the terms of health public policies
in Brazil, there is still a long and hard path in the search of neonatal assistance quality, which the
overcoming of iniquity and differences presents itself as a challenge to those that defend life as a
citizenship right and public good.
KEYWORDS: health public policy, newborn, neonatology.

POLÍTICAS PÚBLICAS DE SALUD DEL RECIÉN NACIDO EN BRASIL: LOS REFLEJOS EN LA ATENCIÓN
NEONATAL
RESUMEN
Este estudio tiene como objetivo la identificación de las principales políticas públicas de salud para
el recién nacido en el escenario brasileño, desde la década de los ochenta y reflexionar sobre su
impacto, en la atención neonatal. En este curso hemos identificado dos grandes puntos: el
primero sobre la conquista de la mujer, madre-recién nacido y la segunda acerca de la búsqueda
de la calidad de la atención materno-infantil. La elaboración de esta política culminó en la
consolidación de un gran número de leyes y programas de salud que enfrenta el materno
infantiles que tienen un importante papel en los sistemas y organización de los servicios de salud.
A pesar de los reconocidos avances adquiridos en los términos de la política de salud pública en
Brasil, aún queda un largo y difícil camino en la búsqueda de la calidad de la atención neonatal,
que la superación de la iniquidad y las diferencias se presenta como un desafío a los que
defienden la vida como un derecho de ciudadanía y de bien público.
DESCRITORES: políticas públicas de salud, recién nacido, neonatología

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
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As primeiras políticas públicas de saúde surgiram a partir de grandes transformações


políticas, sociais e econômicas na Europa no século XVIII, quando houve o estabelecimento de
novas relações de poder entre estado e sociedade e o nascimento da medicina social. Estas
políticas eram voltadas fundamentalmente para o controle social, privilegiando a higiene, a
infância e a medicalização da família(1). Neste período, a família começou a se organizar em torno
da criança, atribuindo-lhe certa importância, o que a fez sair do anonimato. Tornou-se
conveniente limitar o número de filhos, para melhorar a atenção dispensada a eles. Também o
cuidado com o corpo, que antes era realizado com intuito moral, passou a ter um sentido novo:
saúde, disciplina e higiene; e como o corpo abrigava a alma, ele precisava ser sadio(2).
Assim, no século XVIII surgiu um marco em relação à infância. O reconhecimento deste
período cronológico como uma etapa distinta e com características próprias de desenvolvimento
humano conferiu ao mesmo certa individualidade, passando então a ter um mundo próprio,
separado do mundo dos adultos(2). O principal objetivo das primeiras políticas de saúde consistia
em produzir maior número de crianças, com boas condições de vida, sob a imposição de um
conjunto de obrigações, tanto aos pais, quanto aos filhos. Isso porque para o estabelecimento
dessas novas relações, o capitalismo burguês, baseado na razão, na tecnologia e na produtividade,
necessitava reformular o modo de entender os indivíduos, transformando a visão de corpo
individual para corpo social produtivo, que deve ser protegido e cuidado, de modo quase médico-
biológico, higienista, sob controle e vigilância do estado(3).
As transformações sociais ocorridas na vida infantil se deram concomitantemente às
mudanças estruturais na produção dos bens materiais das sociedades européias, pois foi no
período mercantilista, caracterizado como o de transição do modo de produção feudal para o
capitalista, que emergiu um novo juízo valorativo para a infância. O aumento da população
tornou-se objetivo do estado, que tinha como meta o aumento da produtividade e o
fortalecimento do exército.
Uma das medidas implementadas para o exercício do controle estatal foi a
institucionalização do parto, constituindo-se numa das tentativas de se controlar e monitorar o
desenvolvimento da população(4). Desde então, o entendimento sobre os processos fisiológicos e
patológicos referentes à gestante, ao parto e ao recém-nascido avançaram pelo desenvolvimento
científico e tecnológico, permitindo a intervenção médica para melhoria das condições de saúde
materno-infantil.
Foucault(3) analisa a natureza política da medicina na sociedade capitalista como uma
estratégia de controle social que começa com o controle do corpo. O autor questiona se o
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controle da sexualidade e da reprodução não teria implicações sociais para assegurar o controle
populacional, reproduzir a força de trabalho e os modos que as relações sociais são estabelecidas,
de forma a garantir que se tenha uma sexualidade socialmente útil e politicamente conservadora.
No Brasil, ao longo das últimas décadas, o conjunto de intervenções voltadas para a
atenção ao período da gestação e primeiro ano de vida esteve sempre no escopo das políticas
públicas de saúde(1). A elaboração das políticas públicas voltadas ao recém-nascido culminou na
consolidação de diversas leis e programas de saúde, voltados à atenção materno-infantil, que
tiveram papel preponderante na organização dos sistemas e serviços de saúde.
O objetivo deste estudo é identificar as principais políticas públicas de saúde ao recém-
nascido no cenário brasileiro, a partir da década de oitenta do século XX e refletir sobre o impacto
destas, na assistência neonatal.

METODOLOGIA

Trata-se de estudo histórico de cunho documental para analisar a produção científica e a


legislação brasileira sobre as políticas públicas de saúde ao recém-nascido, a partir da década de
80 do século XX. Para realização desta pesquisa optamos pela abordagem qualitativa, uma vez que
esta permite visualizar e aprofundar o estado da arte referente à temática. Por outro lado,
entendemos que as fontes documentais são fundamentais para construir a história, possibilitam
realizar a análise dos dados e permitem confirmar e/ou rejeitar hipóteses, de modo a garantir a
objetividade e a intersubjetividade da pesquisa(5).
Para alcançar o objetivo foi realizado um levantamento nas bases de dados Medline e
Lilacs, buscando artigos sobre as políticas públicas voltadas ao recém-nascido. Foram utilizadas,
também, informações dos endereços eletrônicos do Governo Federal Brasileiro, que permitiram o
acesso e a seleção das legislações aprovadas, assim como das políticas implementadas pelo
Ministério da Saúde (MS), relacionadas à atenção materno-infantil, a partir da década de 1980.
Inicialmente foi feito um levantamento das principais políticas públicas brasileiras ao
recém-nascido e dos artigos publicados que versavam sobre a temática. Após a coleta dos dados,
procedeu-se à leitura atenta do material, com a intencionalidade de contextualizar as políticas
públicas e avaliar o impacto destas para a assistência neonatal. Para análise dos dados utilizou-se a
abordagem documental de Bardin(6), uma vez que a mesma tem por objetivo representar de outra
forma a informação que consta nos documentos, permitindo transformar um documento primário
em secundário. O objetivo da análise documental é a representação condensada da informação,
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para consulta e armazenagem, em que a operação intelectual, como o recorte da informação e a


divisão em categorias, se reproduz de igual forma em relação ao tratamento das mensagens na
análise de conteúdo, tendo como diferença que a análise de conteúdo trabalha com mensagens e
comunicação, enquanto a segunda trabalha com documentos.
Deste modo, a partir da análise dos textos e documentos pesquisados, buscamos
interpretar os principais fatos que marcaram a evolução histórica destas políticas, o que nos
permitiu identificar dois grandes marcos: o primeiro, de conquista dos direitos da mulher/mãe e
do recém-nascido, e o segundo, da busca da qualidade da assistência materno-infantil.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A formalização das políticas públicas na assistência à saúde materno-infantil ocorreu a


partir da década de 70, com a implantação do Programa de Saúde Materno-Infantil (PSMI), cujas
ações estavam basicamente voltadas para o acompanhamento do pré-natal, o controle dos partos
domiciliares e do puerpério, e também para as ações de promoção de saúde da criança. Até
meados da década de 1980, o PSMI caracterizava-se por um alcance limitado, ao se dirigir
principalmente à melhoria da assistência pré-natal, negligenciando medidas como a continuidade
da assistência até o parto e a garantia de assistência hospitalar qualificada (7).
O final dos anos 70 ficou notabilizado pela articulação dos movimentos sociais (de moradia,
da saúde, dos médicos, das mulheres) na luta pela redemocratização do país e,
conseqüentemente, pela melhoria das condições de vida da sociedade brasileira. Dentre esses
movimentos, destacou-se o da reforma sanitária, tendo como principal bandeira o direito à saúde
como um direito de cidadania de toda a população. Esses movimentos foram fundamentais para
se compreender as principais conquistas no início da década de 1980, no que tange às políticas de
saúde voltadas à população materno-infantil(1).
A partir desses movimentos, a regulamentação legal dos direitos à proteção começou a
surgir, ancorada não apenas no interesse unilateral do estado brasileiro, mas impulsionada por
forte pressão popular, que culminaria na aprovação de leis e políticas públicas que permearam
todo o decorrer da década de 1980, intensificaram-se em toda a década de 1990 e estenderam-se
até os anos 2000, pela formulação e execução de programas e estratégias de saúde pública
voltadas à atenção materno-infantil.
Ao identificar as políticas públicas de saúde ao recém-nascido, neste período, conseguimos
perceber dois grandes marcos; o primeiro, que se caracteriza por um interregno de conquistas de
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direitos e de consolidação das lutas anteriores, abrangendo toda a década de 1980 e início da
década de 1990, e o segundo, a partir da década de 1990, onde as políticas públicas não têm mais
o objetivo de tornar visível a atenção materno-infantil, nem de tornar visível o direito consolidado,
mas, a partir daí, trata se de qualificar ainda mais o que já fora conquistado. Apresentamos, a
seguir, as principais leis e políticas públicas que compõem esses dois marcos.

A conquista de direitos da mulher/mãe e do recém-nascido


Na década de 1980, o principal foco das leis e políticas públicas estava voltado para as
conquistas dos direitos da mulher-mãe e, particularmente, para a consolidação das lutas
anteriores, procurando dar visibilidade a este campo de atenção. Cabe-nos destacar que, durante
esta década, o recém-nascido não era visto como sujeito do cuidado. Até então ele ficava
subsumido na atenção “integral” à mulher-mãe.
No início dos anos 80, a regulamentação sobre o alojamento conjunto, pela Portaria 18 do
Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS) do MS (8), apresentava
algumas normas básicas para a implantação de alojamentos conjunto em instituições hospitalares.
Na medida em que proporcionava maior contato entre a mãe e o recém-nascido para o incentivo
ao aleitamento materno, também apontava o início de uma série de transformações no campo
assistencial da saúde. Embora fosse restrita a abrangência populacional dessa medida, nascia
nesse momento a percepção sobre a necessidade de amparo legal como premissa inicial para a
efetivação de práticas humanizadas, direcionadas para o parto e o puerpério. O recém-nascido
não aparecia como sujeito do cuidado, sendo que as ações e condutas estavam quase
inteiramnente voltadas para a mulher-mãe. Não eram, por conseguinte, respeitadas as
especificidades da criança que chegava ao mundo.
Em 1983, uma das maiores conquistas do movimento feminista foi a formulação, pelo MS,
do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), sendo um programa inédito até
então, não apenas voltado ao binômio mãe-filho, mas à atenção à saúde da mulher em sua
totalidade e abrangência. O PAISM nasceu no processo de discussão do movimento sanitário,
fundamentado na necessidade de reestruturação do Sistema Nacional de Saúde, e tendo como
(9)
prioridade a atenção primária e a integralidade da atenção à saúde . Nesse sentido, a proposta
do PAISM considerava a necessidade de articulação das ações de pré-natal, a assistência ao parto
e ao puerpério, além da prevenção ao câncer e às doenças sexualmente transmissíveis, a
assistência ao adolescente, assim como assistência específica às mulheres que vivenciavam a
menopausa e a anticoncepção.
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O PAISM foi anunciado como uma nova e diferenciada abordagem da saúde da mulher,
baseado no conceito de “atenção integral à saúde das mulheres” (AISM). Esse conceito implica o
rompimento com a visão tradicional acerca desse tema, sobretudo no âmbito da medicina, que
centralizava o atendimento às mulheres nas questões relativas à reprodução(9). Paradoxalmente,
entretanto, esse programa constituiu-se também na primeira vez em que o Estado brasileiro
propôs, oficial e explicitamente, e efetivamente implantou, embora de modo parcial, um
programa que inclui o planejamento familiar dentre suas ações, ou seja, um projeto que
contemplava o controle da reprodução. Desta forma, o PAISM foi pioneiro, inclusive, no cenário
mundial, ao propor o atendimento à saúde reprodutiva das mulheres e não mais a utilização de
ações isoladas em planejamento familiar. O foco do programa era o planejamento familiar e a
saúde da mulher.
No âmbito das relações de mercado, o grande marco de amparo à saúde da mulher e da
criança foi a Constituição de 1988, com diversos artigos que fundamentavam e constituíam a base
dos direitos reprodutivos. Dentre eles, destacam-se: o direito das presidiárias de permanecerem
com seus filhos durante o período de amamentação; a proteção à maternidade e à infância; a
licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário e com a duração de cento e vinte dias; a
licença-paternidade, nos termos fixados em lei; a assistência gratuita aos filhos e dependentes,
desde o nascimento até seis anos de idade em creches e pré-escolas; a proteção especialmente à
gestante; e ao planejamento familiar(10). Estes direitos impedem diversas formas de discriminação
à mulher trabalhadora e, por outro, ampara e garante a independência financeira da mulher no
momento reprodutivo, além de prover o mecanismo básico de sobrevivência da mãe e do recém-
nascido, vale dizer, a renda. É válido salientar também que a garantia dos direitos sociais e
reprodutivos constados na legislação brasileira rompeu, no âmbito legal, com concepções acerca
do papel exclusivamente reprodutor da mulher, ampliando o entendimento sobre a cidadania
feminina. Apesar de obter significativos avanços na atenção materno-infantil, salientamos
novamente que não era dada ao recém-nascido a real atenção, sendo seus direitos garantidos
somente no lastro e no enredo das ações de proteção à mulher-mãe, não havendo leis específicas
que assegurassem o adequado desenvolvimento físico-emocional do recém-nascido.
Em 1990, com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o recém-
nascido passou a integrar as preocupações no âmbito das políticas, especialmente por se
beneficiar da atenção em saúde voltada à sua genitora. Conforme vigência até os dias atuais, o
ECA pretende assegurar à gestante, através do Sistema Único de Saúde (SUS), o atendimento
antes e após o parto, proporcionar condições adequadas ao aleitamento materno, aos filhos de
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mães submetidas à medida privativa de liberdade, e também, a implantação de alojamentos


conjuntos nas instituições de saúde, possibilitando ao neonato a permanência junto à mãe(11).
Seqüencialmente, em 1991, através da elaboração e divulgação, pelo MS, do Programa de
Assistência à Saúde Perinatal (PROASP)(12), a atenção perinatal, enquanto responsável pelos
cuidados à unidade mãe-feto e ao recém-nascido, foi definida, pela primeira vez, como área
programática nas diretrizes governamentais de atenção à saúde no Brasil. Esta proposta
possibilitou a organização da assistência perinatal de forma hierarquizada e regionalizada; a
melhoria da qualidade da assistência ao parto; o incremento da qualidade da assistência ao
recém-nascido, promovendo o alojamento conjunto e reservando os berçários para os recém-
natos de risco; o incentivo ao aleitamento materno; orientações voltadas para o planejamento
familiar e a supervisão e avaliação do atendimento, através de um sistema de informação
perinatal. Foi neste período que as políticas, finalmente, iniciaram o esboço de ações que buscam
contemplar o recém-nascido como sujeito do cuidado, na sua integralidade, considerando a sua
individualidade e especificidade, ainda que, de forma incipiente.

Em busca da qualidade da assistência materno-infantil


A partir da década de 1990, as políticas públicas passam a se configurar de outra maneira.
Agora se trata de qualificar mais o que foi conquistado, uma vez que a visibilidade da necessidade
de atenção específica a estes sujeitos já fora, de alguma forma, colocada em pauta na década
precedente. Neste contexto, começa-se a pensar no recém-nascido como sujeito do cuidado. O
olhar se volta às demandas específicas da população infantil, que já principiara, com um maior
nível de aproximação, com a publicação do ECA. As políticas passam a se configurar em torno do
eixo político da humanização em saúde.
Centrando esforços em direção aos princípios da humanização do atendimento materno-
infantil, o MS lançou, em 1993, a portaria GM/MS n°.1016, tornando obrigatória a implantação do
alojamento conjunto durante o período de internação da gestante e do recém-nascido em todo
território nacional, considerando a necessidade de incentivar a lactação e o aleitamento materno,
favorecendo o relacionamento mãe-filho e o desenvolvimento de programas educacionais. Ainda
no âmbito da assistência, em 1994, o MS lançou a Iniciativa de Hospitais Amigos da Criança (IHAC),
por meio de duas portarias: uma assegurando pagamento de 10% a mais sobre assistência ao
parto a Hospitais Amigos da Criança vinculados ao SUS, e outra, estabelecendo critérios para o
credenciamento dos hospitais como Amigos da Criança(13). Esta iniciativa evoluiu para o que se
conhece como sendo os 10 passos para o sucesso do aleitamento materno.
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A partir do final da década de 1990, encontramos uma série de iniciativas do MS, no campo
da assistência perinatal. Duas destas iniciativas merecem citação por apresentarem como objetivo
específico contribuir para a organização do sistema perinatal: o Programa de Apoio à Implantação
dos Sistemas Estaduais de Referência Hospitalar para Atendimento à Gestante de Alto Risco e o
Programa Nacional de Humanização do Pré-Natal e Nascimento (PNHPN)(14). A primeira iniciativa
diz respeito à organização dos Sistemas Estaduais para Atendimento à Gestante de Alto Risco,
onde foram destinados recursos específicos para criação de centrais de leitos, aquisição de
equipamentos e treinamento de profissionais que atingiram 226 maternidades em diferentes
regiões do país. Com esta iniciativa, o governo federal buscou através de incentivos financeiros
para os municípios, melhoria da qualidade da assistência pré-natal e no vínculo entre o pré-natal e
o parto.
O PNHPN foi criado e implantado através da Portaria nº.569 de 1/6/2000(15), com o
objetivo primordial de reduzir as altas taxas de morbimortalidade materna, perinatal e neonatal
no país. Baseia-se no direito inalienável da cidadania, portanto, direito ao acesso, por parte das
gestantes e dos recém-nascidos, à assistência à saúde nos períodos pré-natal, parto, puerpério e
neonatal, tanto na gestação de baixo como de alto risco, através da organização adequada dos
serviços de saúde, assegurando a integralidade da assistência e com investimentos e custeios
necessários. A principal estratégia deste programa é a reorganização da assistência através da
vinculação pré-natal, parto e puerpério, fazendo com que a assistência prestada à gestante e ao
recém-nascido seja realizada com qualidade e sob os trilhos da humanização(16).
No campo específico da qualidade da atenção neonatal, estratégias que possam garantir o
acesso a práticas assistenciais adequadas e baseadas nas melhores evidências disponíveis são
urgentes e prioritárias. Em vários países, as redes colaborativas neonatais têm se consolidado com
o objetivo de melhorar a efetividade e a eficiência da assistência neonatal, por meio de programas
coordenados de pesquisa, educação e projetos de melhoria da qualidade. Neste contexto, a
preocupação com a qualidade de vida e com os aspectos éticos que envolvem a sobrevida de
prematuros extremos é um desafio bastante significativo nos países desenvolvidos e deve ser da
mesma forma, objeto de reflexão sistemática e abrangente em nosso meio. Cabe destacar a
necessidade de revisão das práticas assistenciais que cercam o parto e o nascimento, num
movimento que abarque variadas estratégias de humanização. Garantir as boas práticas de
atenção obstétrica e neonatal e resgatar o parto e o nascimento como momentos especiais e de
grande valor social para as mulheres, seus bebês e suas famílias, são elementos centrais naquilo
que se convencionou chamar de “movimento de humanização”. É importante considerar que as
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práticas neonatais no atendimento de recém-nascidos de risco, além de influenciadas por este


contexto, vivem, assim como outras áreas da terapia intensiva, um momento de intensa
reavaliação.
Apesar da assistência ao recém-nascido em unidades neonatais ter passado por
importantes transformações, seja em virtude das inovações tecnológicas, seja na perspectiva da
inserção da família e outras práticas inclusivas, constatamos ainda a necessidade de minimizar o
impacto negativo de intervenções inerentes ao ambiente da terapia intensiva neonatal,
imprescindíveis para a sobrevida do prematuro, mas, por vezes, invasivas e agressivas (17). Nesta
área, também temos boas perspectivas. Já é possível falar na experiência brasileira com uma
política pública de humanização no atendimento neonatal de risco – a Atenção Humanizada ao
Recém-Nascido de Baixo Peso – Método Canguru. O Método Canguru (MC) surgiu a partir do
modelo proposto por Edgar Sanabria Rey e Héctor Gomes Martinez da Universidade Nacional de
Bogotá na Colômbia em 1979(18), que inovaram na assistência tradicional aos recém-nascidos
prematuros e de baixo peso, criando uma nova e ampla perspectiva para assistir esses recém-
nascidos. No Brasil, esta política foi disseminada, a partir de 1999, através de normas e protocolos
e de um amplo processo de capacitação coordenado pelo MS, estando apoiada em quatro
fundamentos básicos: acolhimento do bebê e sua família, respeito às singularidades, promoção do
contato pele a pele o mais precoce possível e o envolvimento da mãe nos cuidados com o bebê (18).
Esta política foi regulamentada pelo Ministério da Saúde brasileiro, por meio da Portaria nº 693 de
05 de julho de 2000(19), a Norma de Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso -
Método Canguru (MC). É importante mencionar que, na análise desta diretriz, não encontramos
nenhum propósito de substituição da tecnologia inerente à boa prática neonatal. Na proposta da
Atenção Humanizada, o contato pele a pele e a posição canguru estão inseridos num conjunto de
intervenções comprometidas com a integralidade do cuidado ao recém-nascido e sua família no
período da internação e com sua saúde e qualidade de vida após a alta.
Em 2004 ocorreu ainda, o lançamento da Agenda de Compromissos para a Saúde Integral da
Criança e Redução da Mortalidade Infantil(21), que contribuiu sobremaneira, tanto para a
promoção da saúde materna, quanto infantil. Esta agenda destaca, dentro das linhas de cuidado, a
atenção integral da saúde da criança, a redução da mortalidade infantil, as ações de saúde da
mulher com atenção humanizada e qualificada à gestante e ao recém-nascido, e o incentivo ao
aleitamento materno desde a gestação até o puerpério. Além disso, as principais estratégias de
ação da vigilância à saúde, pela equipe de atenção básica, e da vigilância da mortalidade materna
e infantil ampliam a responsabilização da gestão dos serviços de saúde no controle de doenças e
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agravos que podem surgir interferindo na sobrevivência da mãe e da criança. Nesta linha de
pensamento, em 2006, o MS, através da Portaria MS/GM n. 399, aprova o Pacto pela Saúde que
estabelece como prioridades o Pacto de pela vida e a redução da mortalidade materna, neonatal e
infantil(22).
A Norma de Atenção Humanizada aprovada em 2000 foi atualizada sete anos depois pela
Portaria nº 1.683 de 12 de julho de 2007(20) contendo as informações necessárias à aplicação das
três fases do Método Canguru, especificando a população-alvo, os recursos necessários para a
adoção do MC, as normas gerais e as vantagens para a promoção da saúde do bebê. Prevê
também, apoiar a capacitação da equipe multiprofissional (médicos, enfermeiros, psicólogos,
fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, fonoaudiólogos e nutricionistas) na
implantação do método nas unidades de saúde do País, principalmente nas Unidades Hospitalares
do Sistema Único de Saúde (SUS) com atenção à gestante de alto risco. Em seguida, em 2008
foram publicados os resultados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Mulher e da
Criança(23), que apontam uma queda de 44% na mortalidade infantil, aumento da amamentação
no primeiro dia pós-parto de 70,8% para 99,5%, o acesso das crianças aos serviços de saúde
passou de 18,2% para 49,7%, melhora da cobertura ao pré-natal (99% em 2006 contra 86% em
1996), além de dados que refletem a melhora do planejamento familiar. Destacamos ainda, a nova
Resolução da Diretoria Colegiada n.36 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, de 03 de junho
de 2008(24), que dispõe sobre regulamento técnico para funcionamento dos serviços de atenção
obstétrica e neonatal. Esta resolução tem por objetivo estabelecer padrões para funcionamento
dos serviços com base na qualificação, humanização e redução e controle dos riscos. Aplica-se aos
serviços de atenção obstétrica e neonatal, sejam públicos, privados, civis ou militares.
Em 2009, a Área Técnica de Saúde da Criança e Aleitamento Materno/MS incluiu na sua
agenda de ações estratégicas o fortalecimento e a expansão do Método Canguru no território
brasileiro(25). Entendendo que, o fortalecimento e expansão do mesmo é uma importante
estratégia para a humanização do atendimento ao binômio mãe-bebê e a promoção do
aleitamento materno no Brasil, contribuindo para a melhoria da assistência à saúde e da qualidade
de vida das crianças brasileiras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O percurso aqui apresentado aponta para uma importante evolução no âmbito das
políticas públicas no Brasil, mostrando que a melhoria da qualidade de vida, e não medidas
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isoladas e verticalizadas, tem norteado a promoção de saúde integral materno-infantil. Entretanto,


na prática, encontramos lacunas entre as normas programáticas e a realidade do sistema de saúde
brasileiro. Assim como em outras áreas da atenção à saúde em nosso país, a falta de articulação
entre as áreas de formulação e de execução das ações de saúde tem sido um complicador para a
implementação das diretrizes e normas técnicas. Além disso, não podemos desconsiderar os
urgentes desafios no financiamento do setor da saúde em nosso meio, nem as lacunas existentes
para a efetiva integração e atuação sistêmica dos diferentes prestadores (federais, estaduais,
municipais, universitários, filantrópicos e conveniados). Além disso, devemos lembrar a grande
diversidade regional de nosso país, marcada pelo alcance limitado do atendimento em termos de
cobertura plena da população, o que se reflete num modelo de atendimento curativo e
hospitalocêntrico. Outro aspecto diz respeito à formação dos profissionais - agentes responsáveis
pela efetivação dos prinicpios e ações das políticas, que, apesar de sofrer mudanças, reproduz
modelos contrários, baseados no atendimento fisiopatológico-biomédico.
Com este estudo é possível perceber que há, no Brasil, inúmeros esforços garantidos em lei
e diversos incentivos do Governo Federal, para que, efetivamente, tais políticas rompam barreiras
de diversas ordens e amplifiquem o escopo legal, de modo a promover, na prática, a melhoria das
condições de assistência à saúde materno-infantil, o que figura, simbolicamente, uma ampla rede,
com um emaranhado de nós que sustentem e assegurem o exercício amplo do direito à saúde. No
cotidiano da assistência percebemos muitas barreiras para a efetivação de um cuidado
individualizado e integral, que vise a promoção da saúde, seja pelas enormes diversidades
regionais encontradas em nosso país, seja pela formação dos profissionais de saúde ainda
marcada pelo modelo biomédico.
Finalizando, entendemos que apesar dos reconhecidos avanços conquistados em termos
de políticas públicas de saúde no Brasil, há um longo e difícil caminho na busca da qualidade da
assistência neonatal no qual a superação das iniquidades e das desigualdades se apresenta como
desafio para todos os que defendem a vida como um direito de cidadania e bem público.

REFERÊNCIAS
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com indicadores de saúde materno-infantil. Saúde Soc. São Paulo. 2008; 17(2): 107-119.
2. Airès P. História social da criança e da família. Trad. De Dora Flaksman, 2.ed., Rio de Janeiro:
LCT, 2006.
3. Foucault M. A microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
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