Uem Ppi Diana
Uem Ppi Diana
Uem Ppi Diana
Maringá,
2017
2
Maringá,
2017
3
FOLHA DE APROVAÇÃO
BANCA EXAMINADORA
AGRADECIMENTOS
Agradeço a professora Dra. Marilda Gonçalves Dias Facci pelas análises e orientações
precisas, pela ética profissional e pelo comprometimento com a saúde do trabalhador,
especificamente dos docentes. Agradeço por ter possibilitado-me a chance de estudo na pós–
graduação, chance essa que me ensinou e me fez crescer tanto pessoalmente quanto
profissionalmente. Obrigada pelo auxílio e compreensão nesse processo de aprendizado
intenso e complexo possibilitado durante os estudos do mestrado.
À Prof.ª Dr.ª Nilza Sanches Tessaro Leonardo, que com suas orientações precisas e
claras no exame de qualificação me auxiliou a pensar esta dissertação e visualizá-la em outros
âmbitos, sempre em busca de melhor atender e contribuir para o meu processo de
compreensão, tanto do objeto de estudo como também da busca constante de transformação e
de contribuição a todos os docentes e a Educação.
À Prof.ª Dr. Sônia da Cunha Urt, que com seu parecer contribuiu não só com
correções profícuas em minha dissertação, mas que me fez pensar e refletir em quem seria
esse professor que adoece? Quem seria esse profissional que se encontra em sala de aula?
Perguntas que os questionários feitos por mim ainda não respondem, mas que me fizeram
refletir em novas possibilidades de pesquisas e de contribuições a saúde do professor e a
Educação, que poderão ser realizadas posteriormente. Agradeço pelas contribuições e pelo
auxílio e confiança nessa pesquisa e na sua intenção construtiva.
Ao CAPES/CNPQ, pela disponibilização da bolsa que contribuiu muito não só no
processo de pesquisa e de coleta de dados, mas em todo o processo do mestrado, com o
auxílio na aquisição de livros e de bibliografias.
Aos diversos professores que passaram por toda essa minha trajetória de estudo e
contribuíram para o meu crescimento pessoal e como profissional da psicologia e me fizeram
visualizar o mundo e suas relações de formas diferentes, sempre buscando muitas reflexões e
possibilitando variadas discussões que me transformaram como profissional e ser humano.
À minha mãe Vilma Aparecida de Souza Mezzari, ao meu pai Darci Mezzari e a
minha irmã Danielly Christina de Souza Mezzari, que sempre estiveram comigo nessa
caminhada, dando-me força e amor e acreditando em mim, os quais mesmo nos momentos de
maior desespero e correria estiveram do meu lado.
À minha avó, Maria Marques de Souza, por sempre ter me dado seu amor e por
sempre ter estado do meu lado nessa caminhada, torcendo por mim. Mesmo sem muitas vezes
entender o que eu estava fazendo, ela lutou comigo nesses 2 anos intensos de mestrado.
6
Bertolt Brecht
8
RESUMO
MEZZARI, Diana Priscilla de Souza. The use of medicines by teachers and workrelations: a
comprehension from historical-cultural psychology. 133 f. Dissertation (Master in
psychology). Universidade Estadual de Maringá. Maringá/PR.
ABSTRACT
At the present time, many research shows that in the educational universe teachers are
becoming ill; These illnesses, of a physical nature, are often associated with those of a
psychological nature. Thus, this dissertation aims to analyzethe use of medications by
teachers and the relationship with working conditions, using the assumptions of Cultural
Historical Psychology. The research was carried out through a bibliographical research and
presentation of the results of 223 questionnaires answered by teachers from the north of
Paraná, whose data were used to demonstrate the use of medicines by professionals. The work
is organized into four sections. Section 1 discusses medicalization in school andsociety; In
Section 2 we present information obtained through the questionnaires; In Section 3 we present
some assumptions of Historical-Cultural Psychology that can aid in the understanding of our
research object and finally in Section 4 we present a discussion about the teacher's work in the
capitalista mode of production and he alienating processes that permeate professional activity.
As a result of the questionnaires, we found that 49% of the teachers who participated in there
search use drugs; Of these, 59% report that illness is related to work and 7% are parcial
related to work. Among the main relationships between illness and work, 41% of teachers
consider that work conditions (stress and professional devaluation) are themain cause
ofillness, while 12% say that physical problems are the main cause. We will try to discuss the
pedagogical practice, taking in to account the social and cultural determinants that produce
the teacher's illness, and which should aid in the practice of the school psychologist. By way
of conclusion, we understand that the capitalista mode of production has produced various
types of diseases. These illnesses generate culpability and responsibility of the individual who
becomes ill and has its root in the materiality and inequality engendered and maintained by
this form of sociability in which we find ourselves today. Due to the precarious working
conditions, many teachers use medication as a way of resisting the dichotomy between sense
and meaning of teaching activity.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11
REFERÊNCIAS....................................................................................................................113
APÊNDICES..........................................................................................................................118
APÊNDICE 1 – TCLE..........................................................................................................119
APÊNDICE 2 – ROTEIRO DE ENTREVISTAS..............................................................122
APÊNDICE 3 – TABELA COM DADOS DAS ENTREVISTAS....................................124
APÊNDICE 4 – LEVANTAMENTO DO SCIELO E DO GOOGLE ACADÊMICO ..130
11
INTRODUÇÃO
grande contribuição desse autor é desviar o foco de análise do professor para o contexto das
mudanças sociais, ressaltando a incapacidade dos sistemas educacionais se adequarem a elas.
Portanto, o docente deixa de ser o único responsável pelo fracasso escolar, já que ele divide
esse ônus com a forma de organização do trabalho na escola, com o sistema governamental e,
por fim, com toda a sociedade. O autor considera que o mal-estar do professor decorre de
fatores de primeira ordem, que se circunscrevem no âmbito da prática docente, gerando
tensões que são associadas a sentimentos e emoções negativas no trabalho; e fatores de
segunda ordem, referentes às condições ambientais e ao contexto em que se exerce à
docência. Esses dois fatores, quando analisados conjuntamente, influenciam
fundamentalmente sobre a imagem que o professor tem de si mesmo e do seu trabalho,
gerando crises de identidade e de sentido do trabalho realizado, podendo ocasionar a
autodepreciação.
Diante deste cenário, com professores cada vez mais insatisfeitos com seu contexto de
trabalho pelos motivos já citados, é de se esperar um panorama cada vez mais biologizado e
medicalizado por parte desses profissionais. Segundo o jornal “O Globo”, de 01/03/2015,
mais de 1.200 professores da rede estadual de ensino do Rio de Janeiro ficaram licenciados
por depressão ou transtornos mentais em 2014. O número corresponde a 12,5% dos 9.680 mil
docentes que tiraram licença médica no ano passado. O afastamento por motivos psiquiátricos
é a segunda maior causa, perdendo apenas para os 33% por problemas ósseos e fraturas.
Com a apresentação desses dados, percebe-se que os profissionais da educação vêm
cada vez mais adoecendo. A solução apresentada aos docentes como resolução dessas doenças
se encontra no uso do medicamento. Esse fenômeno carrega uma explicação biológica para
um fenômeno de ordem social, e isso traz repercussões, visto que o remédio serve como um
paliativo para um problema que se encontra na raiz do modo de produção em que estamos
inseridos, e não no sujeito individual, no caso o docente, que carrega o sintoma e que toma
um remédio para resolver o problema.
Esse fenômeno, de acordo com Zorzanelli, Ortega e Bezerra (2014), é conhecido como
medicalização e diz respeito a um processo em que problemas não médicos acabam se
transformando em problemas médicos, apresentando características de doenças e desordens
em nível orgânico. Para os autores, “(...) medicalização descreve um processo pelo qual
problemas não médicos passam a ser definidos e tratados como problemas médicos,
frequentemente em termos de doenças ou transtornos” (Zorzanelli, Ortega & Bezerra, 2014, p.
1860).
13
outros autores desta abordagem teórica, as funções psíquicas são entendidas não como
funções inatas, mas sim como funções desenvolvidas por meio das atividades ao longo da
vida, o que faz com que as alterações psíquicas sejam compreendidas como alterações na
atividade.
Na quarta seção deste trabalho, discorre-se sobre o trabalho do professor no modo de
produção capitalista, modo que altera as formas de organização de trabalho, inclusive a
docente, servindo para a perpetuação da mais valia e de mecanismos que "coisificam" o ser
humano. Essas modificações perpassam e atingem diretamente várias instâncias da atividade
humana, sobretudo a Educação. Esse processo gera adoecimentos, repercutindo no uso de
medicamentos pelos docentes. Assim sendo, um fenômeno que é socialmente construído recai
sobre os professores, que sendo medicados justificam a ideia de que as mazelas da educação
são de responsabilidade individual e não social.
16
Para Boarini (2006) e Zucoloto (2010), no Brasil a busca por soluções no campo da
saúde para problemas do âmbito educacional é uma prática existente desde a entrada dos
médicos higienistas nas escolas brasileiras no início do século XIX. Estes, com o objetivo
principal de elevar o Brasil à categoria das grandes nações, investiram nas grandes
instituições brasileiras, como as escolas e as famílias, com o intuito de transformar o
indivíduo e seu corpo, bem como seus hábitos e costumes.
Para Schwarcz (2007), a época das grandes navegações na Europa trouxe consigo o
conhecimento de novos indivíduos, iniciando um processo de reflexões sobre as diferenças
entre os homens. Essa discussão é realizada por meio de duas principais influências, uma
baseada em ideais humanistas, onde se pressupunha a ideia que a igualdade e a liberdade eram
naturais aos seres humanos; e a outra em que a alteridade desses novos homens é
transformada em um modelo lógico, no qual os discursos sobre as diferenças humanas vão
sendo formulados, produzindo e instituindo hierarquizações entre os europeus e o resto do
mundo. Portanto, a origem da humanidade passa a ser pensada a partir de duas vertentes, de
um lado uma visão monogenista que acreditava que o homem surge de uma fonte comum e as
diferenças humanas eram produtos da maior degeneração ou perfeição do Éden1. Por outro
lado, uma visão poligenista que considerava a existência de diferentes centros de criação,
parte de uma interpretação biologizante dos comportamentos humanos, ao considerá-los como
resultado de leis biológicas e naturais. Por meio desses discursos surgem os estudos
antropológicos, vinculados às ciências físicas e biológicas, baseados em uma interpretação
poligenista, ao passo que análises etnológicas se mantêm ligadas a uma orientação humanista,
sendo influenciadas pelos preceitos monogenistas. Essas disciplinas trazem consigo a ideia de
que progresso e civilização eram considerados modelos universais:
1
Esta degeneração e perfeição do Éden são influências de duas vertentes: uma que acredita que o selvagem
encontrado no Brasil era naturalmente bom e a sociedade o corrompe (bom selvagem), e a outra vertente que
acredita que o selvagem nasce mau e degenerado, de forma que essa degeneração é considerada um desvio
patológico e introduz um senso hierárquico no gênero humano.
18
Essa ciência e essas ideias nascidas na Europa foram sendo também reproduzidas no
Brasil. Na década de 1870, as faculdades de direito de São Paulo e Recife, munidas de um
discurso científico, realizavam interpretações diversas, influenciadas pelas ideias liberalistas
da Europa, passando a adotar um discurso evolucionista para análise social da população
brasileira. “Os mesmos modelos que explicavam o atraso brasileiro em relação ao mundo
ocidental passavam a justificar as novas formas de inferioridade” (Schwarcz, 2007, p. 28).
Assim os negros, africanos e escravos passam a ser objeto desta ciência que busca a todo o
momento inferiorizá-los como forma de explicar os problemas sociais que existem no Brasil.
Dessa forma, a ciência que chega ao Brasil em finais do século XIX é marcada por um tipo de
ciência experimental, baseada em modelos evolucionistas e sociais darwinistas que justificam
práticas de dominação dos superiores sobre os inferiores, com o pressuposto de apresentar o
Brasil como um país com uma imagem industrializada, civilizada e principalmente científica.
Segundo Zucoloto (2010), a medicina e o estado brasileiro no século XIX firmaram
um compromisso de higienização das cidades e das populações, pois o Estado reconheceu que
a ordem e o progresso sociais dependiam da higienização dessas. Em decorrência disso, o
discurso higiênico se apropriou de diversos âmbitos da vida das pessoas com o intuito de
normatizar, disciplinar e produzir o cidadão burguês que interessava a nova ordem social
naquele momento histórico.
O desencadear do processo de industrialização, segundo Boarini (2006), promoveu o
êxodo rural, que na sequência produziu uma desordenada aglomeração de pessoas nos centros
urbanos, cuja precariedade de estrutura, aliada a inadequados hábitos de higiene, passa a ser o
foco de inúmeras e variadas doenças que atingiam, sobretudo, a infância. Unindo-se a isso, o
cotidiano vivido pela maioria da população recém industrializada caracterizava-se pelo
excesso de trabalho, alimentação deficiente, alcoolismo, moradias insalubres, doenças
causadas por falta de água potável e higiene – tais como as verminoses e a escabiose, além de
outras doenças que na época eram fatais, como exemplo a sífilis, a febre tifóide e a
tuberculose, dentre tantos outros males. Portanto, de acordo com a autora, ao se considerar a
perspectiva da industrialização vivida pela sociedade brasileira, cujo projeto político era
transformar o Brasil em uma grande nação, formada por uma raça forte e sadia, essa situação
não era nada interessante.
19
A meta da nova ordem social era diminuir a incidência de mortalidade infantil, aumentar
demograficamente o número de pessoas sadias e convencidas de que o trabalho não é aviltante
e neste sentido não cabe só ao escravo realizá-lo, tal como se pensava no Brasil colônia. O
lema do capitalismo, que se coloca tardiamente no Brasil, é que o trabalho dignifica o homem,
traz bem-estar material e progresso a nação (Boarini, 2006, p. 6519).
Um dos fundadores da Psicologia diferencial foi Sir Francis Galton, que se dedicou ao
estudo da biologia, nas áreas da estatística, da Psicologia experimental e dos testes
psicológicos. Seu principal objetivo era medir a capacidade intelectual para comprovar a sua
determinação hereditária. Tentou também medir processos sensoriais e motores, buscando o
nível intelectual.
Isso denotava que todos tinham oportunidades dentro da sociedade e que não
alcançava o sucesso quem não possuía inteligência pessoal e força moral suficiente. Os
objetivos de Galton estavam ligados diretamente a uma prática eugênica, ciência que buscava
controlar a evolução humana, sendo que o anticlericalismo e a hierarquia das raças estavam
no centro de sua obra. Em uma sociedade em que a discriminação incide sobre determinados
grupos étnicos, a definição do que é superior ou inferior ocasiona ambiguidades, já que na
verdade o que é visto como natural é, socialmente determinado. As ideias de Galton
22
[...]as crianças que não acompanhavam seus colegas na aprendizagem escolar passaram a ser
designadas como anormais escolares e as causas de seu fracasso são procuradas em alguma
anormalidade orgânica (Patto, 1999, p.63).
No século XIX, conforme verificado por Zucoloto (2010), havia uma preocupação
com a instituição escolar, a qual deveria ser transformada em uma instituição higiênica, a fim
de evitar que doenças atingissem as crianças e os adolescentes brasileiros. Os principais sinais
de medicalização seriam aqueles que evidenciam o surgimento da ótica da responsabilização
individual com uma perspectiva patologizante. O foco, então, recairia sobre o aluno e seu
organismo; a exigência de ser saudável e ser normal para frequentar a escola e aprender era
defendida pela inspeção médica para velar pela higiene nas escolas.
De acordo com Zucoloto (2010), as teses de 1930 afirmavam que o professor
precisava do médico para compreender o comportamento do seu aluno a fim de que não
punisse a criança sem saber a verdadeira causa da sua maneira de agir. Isso demonstrava a
importância do médico nas escolas, pois os professores não tinham a obrigação de entender de
assuntos médicos. Para aqueles alunos que eram diagnosticados com alguma anomalia ou
problema, determinava-se a exclusão do mesmo para locais especializados ou
estabelecimentos escolares que os educassem de acordo com sua anormalidade, o que seria
definido com o exame do especialista. Como medidas profiláticas eram recomendados
procedimentos específicos e controlados pelo médico, focalizados nos alunos, como o pré-
exame e a ficha sanitária dos educandos. Por meio dessa ficha, os alunos eram classificados
em normais e anormais, e através dessa classificação, aos considerados normais era permitida
a entrada na escola e aos anormais era determinada a exclusão para locais especializados.
Nessa forma de compreensão, a prevenção incluía a classificação das crianças em normais e
2
Que se utilizava de testes mentais, com o intuito de comprovar cientificamente as diferenças entre os
indivíduos. Mostrando desta forma os que poderiam ser considerado mais aptos e menos apto.
23
anormais e a exclusão dos anormais das escolas regulares. Desse modo, a prevenção levava a
medicalização.
Nesse contexto, a palavra da ordem é “higiene mental”. Com essa ideia “as clinicas de
higiene mental e de orientação infantil disseminaram-se no mundo a partir da década de 1920
e se propõem a estudar e a corrigir os desajustamentos infantis" (Patto, 1999, p.67). As
crianças, então, são mandadas para essas clínicas que têm como função diagnosticá-las e tratá-
las. Essas instituições também assumem a tarefa de orientar as várias medidas pedagógicas
destinadas à correção dos desajustes revelados pela clientela escolar. Logo se transformam em
uma verdadeira fábrica de rótulos. Os mais prováveis destinados a esses diagnósticos serão as
crianças provenientes das classes trabalhadoras dos grandes centros urbanos, que estão em
maior número entre os fracassados na escola.
Atualmente, vivemos em uma sociedade em que tudo é feito com muita velocidade.
Somos solicitados a responder, nessa velocidade intensa, a questões para as quais muitas
vezes não sabemos responder. Há uma padronização de costumes, dos saberes, das
vestimentas, das formas de se portar, do gostar e do sentir. Tudo se padroniza – até mesmo o
sofrimento psíquico – como podemos ver nos manuais, como o Manual Diagnóstico de
Transtorno Mental ou o DSM IV (Boarini, 2010).
Como foi visto, há sinais de aproximações com discursos e encaminhamentos de
caráter higienista quando educadores recorrem com frequência ao campo da saúde para sanar
dificuldades geradas no processo pedagógico.
inadequados. Sendo assim, problemas não médicos são tratados como problemas médicos e
passam a ser definidos como transtornos.
Esse processo, recorrente nos dias atuais, é mantido por uma intensa biologização do
social. Essa passa a ser uma questão vivenciada pela sociedade durante toda a história da
humanidade, permeando os muros da escola e suavizando os conflitos que abrangem questões
pedagógicas e não naturais. De acordo com Moysés e Collares (2012), o processo de
transformar questões sociais em biológicas, chamado de biologização, é bastante conhecido
na história da humanidade.
[...] pretende ter autoridade sobre as pessoas que ainda não estão doentes, sobre as pessoas de
quem não se pode racionalmente esperar a cura, sobre as pessoas para quem os remédios
27
receitados pelos médicos se revelam no mínimo tão eficazes quanto os oferecidos pelos tios e
tias (Moynihan & Cassels, 2007, p.155).
O empenho da Medicina em descobrir doenças o quanto antes é cada vez mais acelerado pelos
processos tecnológicos que produzem equipamentos e testes capazes de fazer diagnósticos de
indivíduos que ainda não apresentam doenças (os chamados grupos de risco ou com
predisposição a desenvolver doenças) (Meira, 2012, p.89).
O risco de transformar boa parte das pessoas em pacientes é que uma epidemia de
diagnósticos gera uma epidemia de tratamentos, muitos dos quais são prejudiciais à saúde,
principalmente quando não seriam necessários. A origem da medicalização, então, se encontra
motivada por interesses financeiros, já que mais diagnósticos significam mais dinheiro para a
indústria farmacêutica, hospitais e advogados. Até mesmo pesquisadores e organizações
federais de medicina asseguram suas posições e financiamentos promovendo descobertas de
suas doenças. Dessa forma, doenças são descobertas para que mais medicamentos sejam
vendidos. Essa é uma prova de que estamos vivendo em um mundo em que absolutamente
tudo está sendo entregue a lógica do capital.
A indústria farmacêutica tem ocupado atualmente lugar central na economia capitalista porque
tem sido capaz de utilizar de forma eficiente concepções equivocadas amplamente enraizadas
no senso comum sobre doença e doença mental, alimentando o “sonho” de resolução de todos
os problemas por meio do controle psicofarmacológico dos comportamentos humanos (Meira,
2012, pg. 90).
O problema é que em nossa sociedade a Medicina – que tem um poder muito grande –
atribui a determinados comportamentos o caráter de doenças mesmo quando não o são. Para
tanto, basta que haja um diagnóstico médico, considerado um parecer científico, para que se
passe a conceber que determinados comportamentos constituem-se em desvios ou patologias.
Em meio a essa lógica, mais e mais medicamentos são produzidos e vendidos como quaisquer
outros produtos e consumidos em escala cada vez maior.
Obviamente que esse crescimento se deu à custa de uma reorganização nas formas de
sociabilidade, impulsionada pelas transformações observadas nas últimas décadas no modo de
produzir e reproduzir a vida humana. De acordo com Antunes (2002), a partir da década de
1970 o capitalismo passa por uma reestruturação produtiva a nível mundial que impõe
mudanças marcadas pela intensificação das jornadas de trabalho a partir dos incrementos
29
Martins (2002, p. 11) afirma que "[...] a sociedade que exclui é a mesma sociedade que
inclui e integra, que cria formas também desumanas de participação, na medida em que delas
faz condição de privilégios e não de direitos." A liberdade na sociedade capitalista é voltada
para a liberdade de compra no mercado. A exclusão no sistema educacional brasileiro, de
acordo com Meira (2012), se expressa a princípio na falta de oportunidades de acesso de
grandes contingentes de crianças, especialmente nas regiões mais pobres do país, e mais
adiante, em elevados níveis de repetência e evasão. Nos dias atuais, essa exclusão é marcada
de uma forma mais sutil, por meio da permanência na escola por longos períodos de tempo de
crianças e jovens que nunca chegam de fato a se apropriar dos conteúdos escolares. Desta
maneira, crianças das camadas populares continuam a ser expulsas das escolas. Entretanto,
essa eliminação é adiada, já que se mantém nas escolas os excluídos potenciais.
Essa exclusão tem sua base ao longo de toda a história da educação. De acordo com
Patto (1999), ao longo de todo o século passado, a política educacional foi influenciada pela
crença no poder da razão e da ciência, na procura de uma igualdade conseguida na luta contra
o modelo baseado em herança familiar e na busca pela consolidação dos estados nacionais.
Dessa forma, para garantir a igualdade em uma sociedade de classes, a primeira função da
escola é a de alcançar a unidade nacional. A escola passa a ser considerada redentora da
humanidade. Os professores passam a ser vistos como missionários que poderão trazer a
salvação para a população. A escola como instituição não é caracterizada até 1870, pois nesse
período ela ainda se insere dentro das fábricas como forma de socialização dos empregados.
Logo após a Primeira Guerra Mundial, essa ideia de escola redentora é desmistificada,
já que “a posse do alfabeto, da constituição, da imprensa, e da moralidade não havia livrado
os homens da tirania, da desigualdade e da exploração" (Patto, 1999, p. 47). A partir daí o
sistema educacional é revisto em suas bases e criticado, buscando na Psicologia nascente o
saber sobre o desenvolvimento infantil, já que esse novo modelo de escola estaria centrado na
figura do aluno. À Psicologia caberia o papel de explicar e mensurar as diferenças individuais,
conforme já apresentamos anteriormente nesta Seção. Meira (2012, p. 78) faz a seguinte
crítica em relação a esse aspecto:
32
É neste contexto que a Psicologia dá uma de suas maiores contribuições para a manutenção
deste processo de impedimento de acesso das crianças pobres aos bens culturais: o pressuposto
de que nem todas as crianças reuniriam as condições necessárias para aprender os conteúdos
escolares. Em síntese, a escola é para todos, mas nem todos podem aproveitar essa
oportunidade em decorrência de problemas individuais (Meira, 2012, p. 78).
No Brasil, pelo menos 35% dos medicamentos são adquiridos por automedicação, ou
seja, para cada dois medicamentos prescritos, pelo menos um é consumido sem orientação
médica, sendo comum a reutilização de receitas. Em estudo sobre o perfil da automedicação
no Brasil, revelou-se a má qualidade da escolha dos medicamentos em termos do valor
intrínseco, o que reflete plenamente o mercado farmacêutico brasileiro, caracterizado pela
predominância de produtos desnecessários, intensamente propagandeados para o público em
geral (Melo, Ribeiro & Sporpirtis, 2006).
No caso dos professores, o significado do seu trabalho é formado pela finalidade da ação de
ensinar, isto é, pelo seu objetivo, e pelo conteúdo concreto efetivado através das operações
realizadas conscientemente pelo professor, considerando as condições reais, objetivas na
condução do processo de apropriação do conhecimento do aluno (Basso, 1994, p.27).
3
Na terceira Seção aborda-se com mais propriedades os conceitos de significado e sentido, a partir dos
pressupostos de Leontiev.
36
professor, Basso (1994, p.38-9) postula que a atividade pedagógica será alienada sempre que
o sentido pessoal não corresponder ao significado social dessa atividade.
Isso pode ser visualizado com os dados da pesquisa realizada nessa dissertação, onde
percebemos que 59% dos professores associam o seu adoecimento ao processo de trabalho, e
7% relatam uma relação parcial entre esses dois fatores. Esses dados nos demonstram que os
professores consideram que o processo da prática pedagógica lhes gera não sentimentos de
realização pessoal, conquistas, etc, mas sim que remetem a sentimentos de desmotivação,
sofrimento, cansaço, estresse e ansiedade. Na mesma pesquisa apresentam que as condições
de trabalho (41%) e problemas físicos (12%) são os principais causadores do seu
adoecimento. Isso, somado a intensa massificação e pauperização da Educação, ocasiona no
professor uma cisão entre o sentido e o significado de sua prática e de sua função como
docente.
Se o sentido do trabalho docente atribuído pelo professor que o realiza for, apenas, o
de garantir a sua sobrevivência, trabalhando só pelo salário, haverá a cisão com o significado
fixado socialmente, entendido como função mediadora entre o aluno e os instrumentos
culturais que serão apropriados, visando ampliar e sistematizar a compreensão da realidade e
possibilitar objetivações em esferas não cotidianas. Nesse caso, o trabalho alienado do
docente pode descaracterizar a prática educativa escolar.
A cisão entre o significado social e o sentido pessoal no trabalho docente compromete
o produto do trabalho do educador e interfere diretamente na qualidade do ensino ministrado.
Para Basso (1994), os professores, ao sentirem essa cisão entre o significado e o sentido de
suas atividades, avaliam suas condições de trabalho como limitadoras e expressam desânimo e
frustração ao falarem sobre sua profissão.
Esse fenômeno, tão característico no meio educacional, pode ser percebido na
pesquisa realizada neste estudo, apresentada de forma mais sistemática na seção 2, com 223
professores da rede estadual de ensino do estado do Paraná. Desse número de professores, 105
(47%) deles utilizam remédio. Ao relatarem o diagnóstico do médico, 25% deles relatam ser
um diagnóstico de ansiedade e depressão, 3% distúrbio bipolar, 5% cansaço mental e estresse,
2% insônia e 1% transtorno de pânico. Todos esses diagnósticos remetem a uma alteração
psicológica e não orgânica. Esses dados associados, por exemplo, a enxaqueca que 7%
relatam e a alergia de outros 7% podem ser problemas decorrentes de estresse e ansiedade.
Todos esses dados nos apresentam que os professores vêm utilizando o remédio como forma
de enfrentamento das condições degradantes e alienadoras do trabalho no modo de produção
capitalista. E que há sim uma quebra entre o sentido pessoal e a significação social da sua
37
função, demonstrando que muitos desses educadores vêm considerando a prática educativa
como limitadora e geradora de sofrimentos e adoecimentos, fazendo com que expressem ao
falar sobre seu trabalho sintomas como desmotivação, frustração, cansaço e etc. O trabalho no
modo de produção capitalista, é um trabalho fragmentado e alienado, isso quer nos dizer, que
o sujeito frente ao processo de trabalho não se reconhece nas relações sociais que vivencia,
nos produtos de sua atividade, na sua própria atividade, pois esta é vista como algo externo a
ele, no qual ele não encontra mais a sua realização.
Basso (1994) nos alerta que a falta de motivação dos professores não é meramente
subjetiva e sim engendrada em condições objetivas, concretas que repercutem diretamente na
consciência docente. Para Asbahr (2005), a alienação da atividade pedagógica só pode ser
compreendida se analisarmos as condições objetivas e subjetivas do trabalho docente como
unidade dialética, como, por exemplo, a extensa jornada de trabalho dos educadores, os
baixos salários e a falta de recursos materiais nas escolas. Como condição subjetiva, estaria a
formação teórica e acadêmica do professor que vem se apresentando como insuficiente,
pautada num ensino "bacharelesco e enciclopédico", apresentando uma grande distância entre
os conteúdos aprendidos nos cursos de licenciatura e a realidade da escola pública.
Pesquisa realizada sobre a saúde mental dos professores de primeiro e segundo graus em todos
os estados do Brasil, abrangendo 1.440 escolas e 30 mil professores, revelou que 26% dos
estudados apresentavam exaustão emocional. Essa proporção variou de 17% em Minas Gerais
e Ceará a 39% no Rio Grande do Sul. De acordo com os autores, a desvalorização
profissional, baixa autoestima e ausência de resultados percebidos no trabalho desenvolvido
foram fatores importantes para o quadro encontrado (Diefenthaeler & Segat, 2013, p.47).
A vida está sendo medicalizada pelo sistema médico, que se apropria dos saberes e da própria
vida das pessoas e, apresenta-se como competente para solucionar todo e qualquer problema.
(...) A Medicina afirma que os graves – e crônicos problemas do sistema educacional seriam
decorrentes de doenças que ela, Medicina, seria capaz de resolver; cria, assim, a demanda por
seus serviços, ampliando a medicalização (Moysés & Collares, 2012, p. 135).
38
Cabe-nos, portanto, analisar como a medicina tem adentrado os espaços escolares para
resolver problemas que não são de sua responsabilidade. Nesse sentido, a medicalização no
contexto escolar precisa ser analisada sob a ótica de questões sociais mais amplas, uma vez
que ela se torna decorrente de uma determinada visão de homem e sociedade.
4
Os Núcleos Regionais de Ensino são unidades que estão diretamente ligados à Secretaria de Estado da
Educação do Paraná, atuando em várias regiões do estado. Eles acompanham a implantação e execução das
políticas educacionais do Governo do Estado do Paraná no âmbito das escolas que fazem parte de sua jurisdição.
41
2.2 Participantes
Foram realizados 223 questionários com professores do Estado do Paraná. Junto com
o questionário, foi entregue aos participantes um termo de consentimento livre e esclarecido.
A seguir, demonstram-se alguns gráficos que apresentam dados de identificação dos
professores.
42
MASCULINO 10,3%
FEMININO 89,7%
Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de pesquisa realizada com 223 professores da região
norte do Estado do Paraná (2016).
Como percebido no gráfico 1, a maioria das participantes dessa pesquisa são mulheres,
visto que elas representam 89,7% da totalidade dos dados. Inicialmente podemos discutir que
como exposto no gráfico 5, que 61,9% são formadas em pedagogia e este em geral é um curso
feito por um maior número de mulheres e sendo assim isso justificaria os dados. A profissão
de professor e principalmente, de professores do ensino inicial, é ministrado em geral por
professoras, e isto se deve ao fato de que ainda hoje se perpetua que essa profissão tem
ligação com aspectos como cuidado, apreço e aspectos ditos maternais, ligados em geral as
mulheres.
De acordo com Costa et all (2006), desde o fim do século XVIII, a natureza feminina
era associada gradativamente aos órgãos reprodutivos. Essa associação referendava o discurso
médico e de autoridades acerca das limitações dos papéis das mulheres (sociais e
econômicos). A divisão sexual do trabalho, reforçada por meio do capitalismo industrial
urbano, restringia as atividades femininas ao espaço doméstico. As descrições médicas dos
corpos de homens e mulheres, em que a diferença era salientada, aliavam-se a evidências de
que a sexualidade feminina também se associava às funções de mãe e esposa, e que o desejo
sexual das mulheres era, por natureza, menor do que o dos homens. Com base nos papéis
diferenciados na reprodução, são prescritos papéis sociais distintos para homens e mulheres:
aos primeiros destinam-se atividades do mundo público, do trabalho, da política e do
comércio e, às últimas, atividades na esfera privada da família, desempenhando funções de
mães e esposas.
43
Até hoje ainda há uma associação a figura da mulher com mãe, cuidadora e mesmo
que estas conquistaram diversos direitos, desde a entrada no mundo do trabalho, o voto, a lei
Maria da Penha, e muitos outros direitos, que foram consequência de lutas de vários
movimentos, dentre eles, o Movimento Feminista, a mulher em geral, ainda é alvo de diversos
preconceitos e sofrimentos decorrentes muitas vezes da jornada dupla e até mesmo tripla de
trabalho. Pode-se conceber, que uma das consequências do uso de medicamentos,
principalmente de ordem psicológica (ansiedade, calmantes, antidepressivos) percebidos com
os dados dispostos neste questionário, que o fato de serem mulheres, acarreta inicialmente em
funções que em geral homens em nossa sociedade não carregam como função. Pesquisas que
levaram em conta o gênero do deprimido revelaram que o risco de sofrer um transtorno
mental durante a vida foi 1,5 vez maior para as mulheres que para os homens. No caso da
depressão é de duas a três vezes mais. As mulheres apresentam maiores taxas de prevalência
de transtornos de ansiedade e do humor que homens, enquanto estes apresentam maior
prevalência de transtornos associados ao uso de substâncias psicoativas, de personalidade
anti-social e esquizotípica, do controle de impulsos e de déficit de atenção e hiperatividade
(Oliveira, 2013).
Já gráfico 2, grande parte dos docentes que responderam o questionário tem idade
acima de 30 anos, sendo que 21,5% tem 45 a 50 anos, 13,5% 40 a 45 anos, 15,2% 30 a 40
anos e 15,7% 30 a 35 anos.
25 a 30 anos 5,8%
20 a 25 anos 6,3%
15 a 20 anos 8,5%
10 a 15 anos 18,8%
5 a 10 anos 23,3%
Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de pesquisa realizada com 223 professores da região
norte do Estado do Paraná (2016).
45
Tempo de Docência
25 a 30 anos 4,5%
20 a 25 anos 14,3%
15 a 20 anos 13,5%
10 a 15 anos 14,3%
5 a 10 anos 21,1%
Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de pesquisa realizada com 223 professores da região
norte do Estado do Paraná (2016).
responsável pelas escolas da Educação Infantil e do primeiro ciclo do Ensino Fundamental (de
1º ao 5º. Ano). Como dito acima, a maioria dos professores da rede municipal de ensino,
ainda são formados principalmente por mulheres, como demonstrado no gráfico 1 deste
levantamento, que 89,7% de nossos participantes são mulheres.
Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de pesquisa realizada com 223 professores da região
norte do Estado do Paraná (2016).
Intituição de Formação
dos participantes
Não respondeu à questão 7,6%
ANHANGUERA 4,5%
FAFIMAN 9,4%
FAFIPA 2,7%
FAG 4,9%
FECIVEL 0,9%
FUNDESTE 0,4%
IFPR 0,4%
UCB 0,4%
UEM 9,4%
UFPR 0,4%
UNESP 0,4%
UNESPAR 0,4%
UNIASSELVI 0,4%
UNICENTRO 0,9%
UNICESUMAR 2,2%
UNIMEO 2,2%
UNINTER 0,4%
UNIOESTE 25,6%
UNIPAN 6,7%
UNISSA 0,9%
UNIVALE 0,4%
UNIVEL 1,8%
UNOPAR 1,3%
USB 0,4%
UNIPAR 14,3%
Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de pesquisa realizada com 223 professores da região
norte do Estado do Paraná (2016).
Foram utilizados:
Termo de consentimento livre e esclarecido: com o objetivo de que os participantes
tivessem compreensão dos objetivos da pesquisa que estava sendo realizada, podendo
assim apresentar concordância em participar da mesma (Apêndice 1);
Questionário sobre a utilização de medicamentos (Apêndice 2).
48
2.4. Resultados
Uso de
medicamentos
53%
47%
Uso de Medicamento
Sim Não
Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de pesquisa realizada com 223 professores da região
norte do Estado do Paraná (2016).
O número apresentado neste levantamento é de fato alarmante, visto que quase metade
dos professores que responderam ao questionário feito para esta pesquisa utilizam
medicamentos. Isso demonstra o que já foi discutido na primeira Seção desta dissertação: a
utilização de remédios por professores e também por alunos em número cada vez maior nos
apresenta um universo medicalizado tanto dentro da escola quanto na vida das pessoas.
De acordo com Moysés e Collares (2012), é por meio do discurso moralizador da
medicalização na vida das pessoas que esse processo adentra a instituição escolar, adquirindo
características e nomes diferentes, os quais à primeira vista não são percebidos como uma
forma de controle social. Quando se trata da moralização das condutas humanas, afirma-se
que a produção humana acompanha a produção dos comportamentos e sentimentos humanos.
49
Os professores vêm, em larga escala, sendo medicalizados, como uma forma de controlar os
variados sentimentos que estes têm em relação a suas vidas e ao ambiente de trabalho,
sentimentos que os fazem adoecer. A solução para esse adoecimento se encontra no remédio,
visto que, no modo de produção capitalista o remédio se encontra associado de forma
intrínseca ao adoecimento, como já discutimos no capitulo 1, na construção histórica da
entrada da medicina nas escolas, principalmente como função de higiene desta, vai
comandando espaços e justificando com sua prática a culpabilização de diversos participes
não só da Educação mas da sociedade como um todo, de que o remédio é a solução para
diversos problemas, mesmo aqueles de ordem social, fazendo com que se mascare as
condições reais e materiais que resultam diversas vezes em sofrimento/adoecimento dos
docentes.
Gráfico 8 – Uso de medicamentos pelos professores
Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de pesquisa realizada com 223 professores da região
norte do Estado do Paraná (2016).
O oitavo gráfico apresentado acima volta-se para essa mesma discussão e vem para
responder uma das questões do questionário: quais são os tipos de remédios utilizados pelos
professores? Essa questão foi respondida apenas por aqueles que utilizavam medicamentos e
foram identificados o tipo de medicamento que os docentes utilizavam: anticonvulsivo (1%),
antidepressivo (16%), ansíolitco (9%) e outros tipos de medicamentos (58%). Alguns
professores marcaram mais de uma alternativa: ansiolítico e antidepressivo (6%), ansiolítico e
outros (3%), antidepressivo e outros (3%) e antidepressivo, ansiolítico e outros (4%). Para
50
aqueles que marcaram outras opções (58%) se encontram remédios para hipertensão,
enxaqueca, tireóide, estômago e diversos outros remédios.
Abaixo, no quadro 1, estão alguns dos remédios utilizados pelos professores e os
tratamentos específicos para cada um deles de acordo com a bula do remédio.
Ao procurar para que eram indicados os remédios (Quadro 1), na bula dos remédios
especificados pelos professores percebe-se que grande parte desses remédios são para
tratamentos de depressão (proximax, escitalopram, fluoxetina, BUP, Alenthus, Pondera,
Paroxetina, Espran, Cloridrato de sertralina, reconter) utilizados por 16 professores.
Tratamentos para pânico (algadil e rivotril) utilizado por 2 professores, tratamentos para
ansiedade (frisium) utilizado por 1 professor. Tratamento para transtorno bipolar (dekapote,
carbonato de litio) utilizado por 3 professores, tratamento de esquizofrenia (respiridon)
utilizado por 1 professor e calmantes (chá calmante e valeriana) utilizado por 3. Essa lista
soma ao todo 26 medicamentos utilizados por professores. Todos esses remédios são
indicados para problemas psicológicos e como visto, eles se encontram em grande número
dentro dos utilizados pelos professores, demonstrando que mesmo que diversas pesquisas
discutam os adoecimentos dos professores enfocando em problemas orgânicos, os de ordem
psicológica têm grande influência nos tratamentos prescritos aos professores.
Mesmo aqueles problemas apresentados no quadro 1, que são considerados como
problemas orgânicos como hipertensão e enxaqueca, podem também, em alguns casos, serem
associados a problemas de ordem psiquíca, e serem considerados como decorrentes de
doenças como ansiedade, depressão e pânico. Portanto, se levarmos em consideração os dados
expostos acima, e o gráfico 10 que apresentam o diagnótico prescrito pelo médico, se
confirma que em sua maioria esses diagnósticos são para ansiedade e depressão (25%),
cansaço mental e estresse (5%), trantorno de pânico (1%), distúrbio bipolar (3%) e insônia
(2%). Portanto, os problemas que os professores vêm enfrentando em geral são de ordem
psíquica, e como exposto no gráfico 10, tem relação com o trabalho (51%) ou relação parcial
(7%).
Isso nos apresenta um dado de muita relevância, e nos faz questionarmos as condições
do trabalho nesse modo de produção, condições estas que na atualidade se refletem na perca
52
Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de pesquisa realizada com 223 professores da região
norte do Estado do Paraná (2016).
53
Este fato pode ser associado às causas e ao diagnóstico dado pelo médico. Pode-se
perceber com os dados dispostos no gráfico 10, que, por exemplo, ansiedade e depressão,
distúrbio bipolar, cansaço mental, estresse e transtorno de pânico são doenças que em sua
maioria envolvem problemas psicológicos e não orgânicos e essas condições são apresentadas
pelos professores como diagnóstico do adoecimento. E já no gráfico 11, logo a seguir, 59%
dos docentes respondem que esse adoecimento tem relação com o trabalho que exercem e 7%
que parcialmente esse adoecimento tem relação com o trabalho.
Os adoecimentos como apresentados no diagnóstico do médico, tem em sua maioria
ordem psicológica, e como respondido pela maioria deles tem relação com o processo de
trabalho. O professor como será discutido nas sessões adiante, é o mediador principal entre o
a aquisição daquilo que foi construído pelos homens e o aluno. A sua principal função é
auxiliar nesse processo, e como dos diria Vigotski (2000), atuar na zona de desenvolvimento
proximal e possibilitar o desenvolvimento psicológico, das funções superiores e humanizar o
indivíduo. No modo de produção capitalista, principalmente com a divisão do trabalho, com a
fragmentação do processo de trabalho, a desumanização do ser humano com um
desenvolvimento parcial como um dos objetivos em geral da entrada deste no mercado do
trabalho, faz com que a função do professor seja de um facilitador e que este no processo
perca o sentido da sua própria prática. O trabalho então para este profissional não será mais
uma satisfação de uma necessidade, mas virá na contramão, caracterizando o trabalho como
algo alheio ao sentido de sua prática. Como traremos no capitulo 3, com a autora Bluma
Zeigarnik, isso gera no sujeito uma desintegração da sua própria personalidade, fazendo com
que haja, portanto, uma quebra/cisão entre o sentido e o significado da prática que exercem,
gerando sofrimento e adoecimento a esse sujeito. Como apresentado com os dados dispostos
neste levantamento, devemos nos indagar: até que ponto os professores vêm utilizando os
medicamentos como forma de enfrentamento das condições e das relações do trabalho que
exercem? Até que ponto há uma quebra entre o sentido e o significado do trabalho dos
docentes? Até que ponto a atividade docente não vem mais satisfazendo as necessidades do
sujeito que exerce essa função?
54
Diagnóstico do Médico
AIDS 1%
Epilepsia 1%
Sinusite 1%
Gastrite 2%
Artrite 1%
Anemia calciforme 1%
Colesterol 1%
Baixa imunidade 3%
Enxaqueca 7%
Gripe 1%
Transtorno de Pânico 1%
Dengue 1%
Alterações hormonais 2%
Cansaço mental e estresse 5%
Útero Alterado 2%
Distúrbio Bipolar 3%
Ansiedade e depressão 25%
Hipotireoidismo 11%
Alergia 7%
Hipertensão 7%
Insônia 2%
Não especificou 17%
Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de pesquisa realizada com 223 professores da região
norte do Estado do Paraná (2016).
trabalho aliena o sujeito e o faz adoecer, como nos diz Zeigarnik (1981), em um processo
psicopatológico ocorrem alterações das motivações do indivíduo, na estrutura da organização
hierárquica de seus sentidos pessoais, que ocasionam significativas mudanças na
personalidade do indivíduo, modificando seus interesses, valores e opiniões. Assim sendo,
pode-se concluir que ocorre uma desintegração na hierarquia dos motivos e suas vinculações
com as necessidades objetivas do indivíduo. Portanto, o professor quando nos fala de seu
trabalho, o apresenta como um processo também gerador de sofrimentos, e isso ocorre
principalmente porque suas ações, que deveriam gerar uma satisfação, geram sofrimento, o
trabalho se torna sua “perdição”, como nos diz Saviani (2012).
Não 30%
Sim 59%
Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de pesquisa realizada com 223 professores da região
norte do Estado do Paraná (2016).
E reiterando, todas as discussões já apresentadas tanto nesta seção, quanto nas outras,
as relações da atividade com o adoecimento, percebe-se que as condições do trabalho e os
problemas físicos decorrentes do processo de trabalho são os principais fatores que acarretam
adoecimento, e denotam não só falta de recursos financeiros e físicos das escolas, falta de
formação deste professor, tanto a acadêmica quanto a continuada, e que geram adoecimentos
de ordem física e psicológicas. A falta de valorização profissional, o excesso de trabalho, o
estresse do dia-a-dia, são fatores que fazem com que o docente perca o sentido do processo de
trabalho, e que este profissional seja alienado frente a estas condições. A alienação nos
demonstra que ao mesmo tempo em que a produção global se diversifica e se enriquece, a
produção/desenvolvimento pessoal se empobrece cada vez mais, fazendo com que na prática
pedagógica especificamente, venha havendo uma cisão entre o sentido/significado do trabalho
docente, e esta é resultado não só das condições do trabalho, da desestrutura familiar, da
indisciplina dos alunos, dos problemas físicos destes docentes e sim são resultado do modo de
produção capitalista no qual estamos inseridos e das consequências que este gera.
Não responderam 5%
Não tem relação com o trabalho 29%
Fobia ao se aproximar da escola, irritabilidade com
os alunos. 2%
Problemas físicos - dores de garganta, de cabeça e
alergias e etc que são causados pelo trabalho 12%
Condições de trabalho - excesso de trabalho, falta
de valorização profissional, estresse do dia – a –… 41%
Desestrutura familiar 3%
Indisciplina dos alunos 8%
Fonte: Elaborado pela autora com dados extraídos de pesquisa realizada com 223 professores da região
norte do Estado do Paraná (2016).
57
doença tem relação com o trabalho e 7% que o adoecimento tem relação parcial com o
trabalho.
De acordo com o fenômeno visto acima, Pereira (2009) no texto “Saúde do professor
em debate” (DIESAT, 2009 apud ANDES-SN, 2009), apresenta a pesquisa realizada em
junho de 2009 pelo Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisa de Saúde e dos
Ambientes de Trabalho (DIESAT) e o Sindicato de Professores do Rio Grande do Sul
(SINPRO-RS) onde apresenta-se que 45% dos professores que responderam a questionários
propostos sobre saúde docente afirmaram apresentar algum problema de saúde física ou
mental relacionado ao trabalho educativo. A pesquisa ressalta que “[...] os principais fatores
prejudiciais à saúde dos trabalhadores do ensino privado apontam diretamente para a
organização do trabalho e as relações de trabalho" (DIESAT, 2009 apud ANDES-SN, 2009).
Para Carlotto e Câmara (2007), muitos professores não vislumbram perspectivas em
seu trabalho, não avaliam a satisfação e o sucesso que obtém com ele e estabelecem uma
rotina de trabalho esquecendo-se das atividades extraprofissionais. Vedovato e Monteiro
(2008), em pesquisa realizada com 258 professores de escolas estaduais de São Paulo,
verificaram que a maioria desses profissionais apresentavam estilos de vida precários, com a
presença de muitos problemas de saúde, como transtornos músculos-esqueléticos,
respiratórios e mentais. Nessa mesma pesquisa, os referidos autores encontraram que 96,5%
dos sujeitos consideram o trabalho na escola estressante e sugerem que esse fato pode estar
relacionado com o aparecimento de transtornos mentais em 20,9% dos entrevistados, sendo
que 74,1% desses professores faziam uso de medicamentos antidepressivos.
Essas pesquisas, juntamente com o levantamento aqui realizado nos assinalam que
diversos professores vêm adoecendo e utilizando-se de remédios como forma de sanar e de
apaziguar os efeitos catastróficos do ambiente de trabalho e até mesmo os efeitos que a vida
cotidiana vêm acarretando, gerando sofrimento e adoecimento a esses docentes. Como
apresentado no gráfico 8, dentre os tipos de remédio utilizados pelos professores se encontra
um grande número de antidepressivos, ansiolíticos e outros medicamentos tais como,
remédios para o estomago (omeprazol), para enxaqueca, para hipertensão, alergias e etc. O
gráfico 12, exposto anteriormente nesta Seção, que relaciona esses adoecimentos e as
condições de trabalho, nos apresenta um quadro onde 41% dos profissionais consideram que
as condições de trabalho, tais como, excesso de trabalho, falta de valorização profissional,
estresse do dia-a-dia, cansaço físico e mental e a pressão de ter que mostrar resultados
acarretam em adoecimentos, 12% consideram que problemas físicos, como, dores de
garganta, de cabeça e alergias são causados pelo trabalho, 2% tem fobia de se aproximar da
59
...o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é
produzida histórica e coletivamente pelos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito,
de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos
indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e
concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas de atingir esse objetivo (Saviani,
1991, p. 21).
61
sofrimento e adoecimento que diversos desses professores vem sofrendo. A solução, em geral
se encontra na prescrição de medicamentos para esses docentes.
Silva (2007) na investigação feita em sua tese de doutorado, analisa que as condições
inadequadas e alienadoras encontradas pelos professores para executar sua atividade estavam
ocasionando adoecimentos relacionados, principalmente, com as emoções e sentimentos
desses profissionais (estresse, labirintite, depressão) gerando também outras doenças. No caso
mais especifico de duas professoras entrevistadas por ela, em uma das professoras houve o
agravamento de doenças pré-existentes (enxaqueca e problemas respiratórios) devido ao
exercício profissional. No outro caso, o aparecimento de uma doença tipicamente
ocupacional, Lesões por Esforços Repetitivos (L.E.R.), que causava sofrimento psicológico.
O tipo de relação que esses profissionais tinham com a realidade, mediada pela alienação,
irradiou por várias esferas da vida. Isso porque a atividade ocupacional era para eles a
principal forma de se relacionarem com realidade. Percebeu-se também distanciamento entre
os significados da educação e os sentidos que estes tinham para os professores, já que tais
educadores não conseguiam visualizar objetivo e resultados em sua prática cotidiana de
ensinar. Esse fato proporcionava a eles intenso sofrimento psíquico que, em alguns casos, se
manifestava fisicamente, como em dores estomacais e desgaste físico e mental.
No texto “Saúde do professor em debate” (DIESAT, 2009 apud ANDES-SN, 2009),
que apresenta a pesquisa realizada em junho de 2009 pelo Departamento Intersindical de
Estudos e Pesquisa de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (DIESAT) e o Sindicato de
Professores do Rio Grande do Sul (SINPRO-RS), vemos que 45% dos professores que
responderam a questionários propostos sobre saúde docente, afirmaram apresentar algum
problema de saúde física ou mental relacionado ao trabalho educativo. A pesquisa ressalta que
os principais fatores prejudiciais à saúde dos trabalhadores do ensino privado e público
correspondem à organização do trabalho e às relações de trabalho.
Isso pode ser reiterado pelo levantamento apresentado na Seção 2, onde 47% dos
professores utilizam medicamento e, em geral, os diagnósticos se voltam mais para ansiedade
e depressão (25%) e cansaço mental e estresse (5%), sendo que 59% deles relatam que o
processo de adoecimento tem relação com o trabalho e 7% relação parcial. Já para a relação
entre o trabalho e o adoecimento, 41% apresentam que o adoecimento tem relação com as
condições de trabalho (falta de valorização profissional, estresse do dia a dia), 12% problemas
físicos (dores de garganta, de cabeça e alergias), 2% apresentam fobia de se aproximar da
escola.
63
Frente aos dados apresentados nas páginas anteriores, nesta Seção se discutirá,
inicialmente, alguns conceitos na Psicologia Histórico-Cultural que podem auxiliar na
compreensão do adoecimento do professor e da medicalização. Em seguida, serão
apresentados alguns conceitos principais da Patopsicologia com a contribuição dos estudos
feitos por Bluma Zeigarnik (1979, 1981) sobre as patologias, já que a autora visualiza as
alterações psíquicas como alterações de atividade. Para ela como para outros autores da
Psicologia Histórico-Cultural, as funções psíquicas são entendidas não como funções inatas,
mas sim como funções desenvolvidas por meio das atividades ao longo da vida, o que faz
com que as alterações psíquicas sejam vistas por ela como alterações na atividade. Essa forma
de compreensão do adoecimento, nos auxiliará a compreender o processo de adoecimento e
medicalização do professor levando-se em consideração as relações objetivas considerando
que estas estão associadas de forma indivisível aos efeitos sociais e históricos que as
influenciam.
No caso do homem, a atividade estava sempre orientada para a produção dos meios de
vida, ou seja, o homem não apenas retirava o que a natureza lhe oferecia, mas transformava-a,
65
produzindo os meios para sua satisfação. Essa produção dos meios de satisfação é mediada
pela atividade, mas um tipo de atividade específica, que é o trabalho.
Os indivíduos precisam assimilar as conquistas humano-genéricas anteriores,
necessitam se apropriar daquilo que seus antepassados já produziram para se humanizarem.
Nesse sentido, a partir do surgimento do trabalho, o homem faz história, cria a cultura.
Liberta-se, em certa medida, da determinação das leis biológicas da evolução da espécie e
passa a ser governado pelas leis sócio-históricas, pelo processo de desenvolvimento da
sociedade, da cultura propriamente humana (Silva, 2007).
Segundo Leontiev (1978), foi a partir do trabalho que passaram a ser instauradas
possibilidades exclusivamente humanas de desenvolvimento psíquico. Por isso,
consistentemente com o pensamento marxista, Leontiev considera o trabalho como a
atividade vital e fundamental do ser humano. Partindo da ideia de que a existência humana é
conformada pelas condições materiais engendradas pela atividade histórica de gerações,
defende que uma compreensão acerca do que é o ser humano deve partir, inevitavelmente,
daquilo que é o pressuposto de toda a história: a existência de seres humanos vivos. Para
existirem, os seres humanos precisam satisfazer necessidades primeiras, como comer, beber,
morar e vestir. O suprimento dessas necessidades, por sua vez, exige-lhes dispor de certos
meios de existência.
O trabalho, como atividade fundante do ser social, é a base da sociedade. O trabalho
criou o homem, e, por conseguinte, criou a consciência do homem. O aparecimento e o
desenvolvimento do trabalho acarretam a transformação e a hominização do cérebro, dos
órgãos de atividade externa e dos órgãos de sentido. O trabalho e a linguagem são os
estímulos principais para a transformação e a humanização do homem (Leontiev, 1978).
Para Silva (2007), quando os nossos ancestrais eram quadrúpedes, esses tinham seu
modo de vida determinado por essa estrutura física e quando passaram a ser bípedes, o modo
de vida também se modificou. Assim, o modo como os animais viviam, bem como os
ancestrais dos homens, demonstram que estes estavam limitados pelas suas condições
biológicas. Logo, a satisfação de suas necessidades estava presa a essas limitações e ao que a
natureza lhes oferecia de modo imediato. Nesse caso, a existência de uma dimensão social
estava subordinada às leis biológicas de cada espécie, a sua condição filogenética.
Na relação do homem com o mundo a sua volta, a dimensão filogenética passa a ser
modificada pelas descobertas e criações do homem (aquisição de instrumentos, descoberta do
fogo, bipedalismo, etc.), durante toda a sua evolução histórica. Dessa forma, para Vygotski e
Luria (1996):
66
Se desejamos estudar a Psicologia do homem cultural adulto, devemos ter em mente que ela se
desenvolveu como resultado de uma evolução complexa que combinou pelo menos três
trajetórias: a da evolução biológica desde os animais até o ser humano, a da evolução
histórico-social, que resultou na transformação gradual do homem primitivo no homem
cultural moderno, e a do desenvolvimento individual de uma personalidade específica
(ontogênse), com que um pequeno recém-nascido atravessa inúmeros estágios, tornando-se um
escolar e a seguir um homem adulto cultural (1996, p. 151).
É o trabalho, portanto, que constitui o ser humano como um ser social e histórico; um ser cujas
capacidades materiais e intelectuais não são dadas de antemão, mas desenvolvidas por meio da
apropriação das objetivações sociais, dos produtos da atividade coletiva. Por meio do trabalho,
cria-se uma realidade humanizada e, com isso, novas formas de se relacionar com o mundo,
expandindo as potencialidades humanas para além dos limites do organismo (Rios, 2015, p.
22).
Tonet (2009) corrobora com essas ideias apresentadas e compreende que quando o
homem passa a produzir os meios para a sua satisfação, nas descobertas para a satisfação de
suas necessidades, é que ele vai se distanciando do reino animal.
Á diferença dos animais, nós humanos não nascemos geneticamente determinados a realizar as
atividades necessárias à nossa existência. Precisamos aprender o que temos que fazer.
Precisamos porque o trabalho implica teleologia, isto é, uma atividade intencional prévia e a
existência de alternativas. Nada disso é biologicamente determinado. Precisa ser
conscientemente assumido (Tonet, 2009, p. 9).
67
A atividade originária e o fundamento de toda atividade humana é o trabalho. Por meio dessa
atividade social, o ser humano cria historicamente os meios necessários para produzir e
70
reproduzir sua vida e, ao fazê-lo, modifica não só o mundo exterior como a si mesmo – o seu
corpo e o seu psiquismo. É com a transição da atividade adaptativa dos animais para a
atividade produtiva – o trabalho – que se inaugura e se desenvolve o psiquismo consciente,
peculiar ao ser humano (Rios, 2015, p.34).
Uma vez que o produto a que a atividade humana se dirige não existe previamente, ele
só passa a regular a atividade na condição de que se apresente ao sujeito como uma imagem
mental; uma imagem que possa ser comparada com a matéria sobre a qual incide a atividade e
com as suas transformações intermediárias (Leontiev, 1978). Assim, a atividade humana tem,
necessariamente, uma existência psicológica, assumindo um caráter cognoscitivo (envolve o
conhecimento da realidade presente) e teleológico (orienta-se por finalidades e objetivos
previamente estabelecidos) (Martins, 2001).
Em concordância, para Vasquez (1977), atividade é um ato ou conjunto de atos que
modifica uma determinada matéria-prima. Atividade pressupõe não passividade, mas um
agente que age e atua sobre o meio. Sendo assim, atividade não é um ato desarticulado, ela é
um ato articulado com o todo ou um processo total que culmina na modificação da matéria-
prima. Portanto, um ato, ou um conjunto de atos sobre a matéria se traduzem em um produto
que é essa mesma matéria transformada pelo agente. A atividade propriamente humana é
verificada quando os atos dirigidos a um objeto para transformá-lo se iniciem com um
resultado ideal (finalidade) e terminem com um resultado ou produto real.
Considerando essas ideias, para Leontiev (1978) a atividade realiza-se primeiramente
no âmbito externo e, posteriormente, pela própria dinâmica da atividade ela orienta-se para o
plano interno, psicológico, ou seja, como um reflexo psíquico da realidade. Esse reflexo
psíquico é uma reconstrução de uma operação externa que se internalizou. Sendo assim, a
atividade configura-se como uma tentativa do sujeito de satisfazer suas necessidades, uma vez
que essa necessidade encontra sua determinação no objeto. O dito objeto se torna então o
motivo da atividade, aquilo que o estimula. Desse modo, a atividade mantém a relação com o
motivo que a engendra, enquanto a ação remete-se a finalidade. Para que se forme a ligação
entre o motivo dessa atividade e as relações entre as ações e suas finalidades especificas é
necessário que essas conexões se estabeleçam no psiquismo do homem, constituam-se
enquanto ideias a serem conservadas em sua consciência. Somente assim será possível ao
indivíduo estabelecer sentido para suas ações.
Toda atividade é, desse modo, objetivada, isto é, possui um objeto que, ao atender
determinada necessidade, motiva a sua realização. No caso da atividade animal, esse objeto é
dado imediatamente pelo meio natural, servindo de impulso à atividade tão logo apareça ao
71
campo perceptivo e seja correlato a uma necessidade vital. No caso da atividade humana,
porém, os objetos que satisfazem às necessidades são produzidos pelo trabalho social e, não
estando diretamente presentes no campo de atuação individual, precisam ser refletidos pela
consciência para que possam impulsionar a atividade (Rios, 2015, p.36).
É essa articulação e determinação, diferentes dos atos, com uma finalidade pensada e
objetivada posteriormente na transformação do objeto que caracteriza a atividade
propriamente humana. A atividade humana tem um caráter consciente, já que antes a
finalidade estava posta mentalmente (ideal) e foi esse ideal que gerou os atos e culminou na
real modificação do objeto (real). Ela (consciência) antecipa a ação, mesmo com uma
inadequação entre intenção e resultado, ou seja, o objetivo ideal se diferir do que foi
alcançado. Isso pode ocorrer pelas transformações que podem ir acontecendo durante esse
processo, e basta que nela se formule um objetivo ideal ou um fim a atingir que esta atividade
será considerada uma atividade humana.
Já a finalidade é a expressão de certa atitude do sujeito em face da realidade. Pelo fato
do indivíduo traçar um objetivo, ele adota certa posição na realidade. O fato de o homem
propor-se objetivos é uma maneira desse homem negar a realidade posta e afirmar outra que
ainda não existe, apenas existe idealmente em sua consciência (Vasquez, 1977).
No homem, a satisfação das necessidades fisiológicas ocorre de modo diferenciado
dos animais. O homem produz os meios para satisfazê-las e, com a complexificação das
relações e das sociedades humanas, não é como um animal de modo imediato. A “produção
da própria vida material” do homem se dá por meio de uma mediação: a atividade. Por
atividade, entende-se
[...] é uma unidade molecular, não uma unidade aditiva da vida do sujeito corporal, material. É
um sentido mais estrito, isto é, no nível psicológico, é uma unidade de vida mediatizada pelo
reflexo psicológico, cuja função real consiste em orientar o sujeito no mundo objetivo. Em
outras palavras, a atividade não é uma reação nem um conjunto de reações, mas um sistema
que tem estrutura, suas transações e transformações internas, seu desenvolvimento (Leontiev,
1978, p. 66 – 67).
A atividade humana só existe porque está ligada as relações sociais, calcada nas
relações econômicas e nos modos de produção. Portanto, está subordinada as condições de
vida de cada indivíduo em sociedade. Se a atividade só existe graças as relações sociais, toda
atividade é, inicialmente prática, externa, e, posteriormente, interna ao indivíduo, isto é,
psicológica. É por isso que, quando o homem modifica a realidade externa, também modifica
sua dimensão interna; evidenciando assim a historicidade social e ontológica da humanidade.
72
Podemos formular a lei genética do desenvolvimento cultural do seguinte modo: toda a função
no desenvolvimento cultural aparece duas vezes, em dois planos; primeiro no plano social e
depois no psicológico, no princípio entre os homens como categoria interpsíquica e logo no
interior da criança como categoria intrapsíquica (Vigotski, 1995, p. 150).
[...] por meio da ferramenta o homem interfere no objeto de sua atividade; a ferramenta está
dirigida para fora: deve provocar uma ou outra transformação no objeto. É um meio de
atividade exterior do homem, orientada a modificar o meio que acaba interferindo
psicologicamente na sua própria conduta, bem como os demais; é um meio para sua atividade
interior, voltada para dominar o próprio ser humano: o signo está orientado para dentro.
Ambas as atividades são tão diferentes que a natureza dos meios empregados não podem ser a
mesma nos dois casos (Vigotski, 1995, p. 94).
A categoria atividade, além de se constituir nas e pelas relações sociais e ser sempre
orientada por um objeto, ela pressupõe a existência de uma necessidade. Essa necessidade,
gerada nas e pelas relações sociais, pode ser tanto material como ideal. É a necessidade que
diferencia uma atividade de outra, e sua satisfação é sempre objetiva. A necessidade está
vinculada com o motivo, que é sempre uma necessidade objetivada, que tem a função de
orientar a atividade. “(..) Uma vez que a necessidade encontra sua determinação no objeto
torna-se o motivo da atividade, aquilo que o estimula” (Leontiev, 1978, p. 108).
Os motivos que regem a atividade humana são, portanto, motivos superiores, criados e
desenvolvidos pelo trabalho de gerações e apropriados pelo indivíduo em sua existência
social. São os produtos materiais e intelectuais resultantes do trabalho que, convertidos em
objetos de novas necessidades, motivam a atividade humana. Assim, a atividade individual do
ser humano está intimamente relacionada à atividade social. A atividade do indivíduo,
considerada toda a diversidade de sua manifestação, inexiste fora do sistema de relações
sociais, das condições de vida e do lugar ocupado por ele na sociedade. São essas condições
73
que comportam os motivos de sua atividade, bem como os modos e meios de realizá-la
(Leontiev, 1978).
Desse modo, não há atividade sem motivo. Ele pode não ser conhecido, consciente
para o sujeito que executa a atividade, mas subjetivamente a um motivo que está
objetivamente oculto e que pode ser desvelado. Deste modo, a atividade mantém relação com
o motivo que a engendra, enquanto a ação remete-se a finalidade.
Mas há outros componentes da atividade que são a ação e a operação. A ação é “o
processo que corresponde a noção de resultado que deve ser alcançado, isto é, o processo que
obedece a um fim consciente” (Leontiev, 1978, p. 55). Assim, como a atividade está
correlacionada com o motivo, a ação está com o fim, ou dito de outro modo, se analisar o
processo pelo motivo, surge à atividade humana; mas se análise for pelo fim, surge uma ação
ou uma cadeia de ações. Os meios para que uma ação ocorra se chamam operações. As ações
e operações têm origem, dinâmica e destinos distintos. A gênese da ação reside nas relações,
no intercâmbio de atividades. Em cada transformação, toda operação é resultado da
metamorfose da ação que ocorre porque foi incluída outra ação e sobrevive sua
“tecnificação”. "[...] O destino das operações, em geral, é converter-se, mais cedo ou mais
tarde, em função mecânica" (Leontiev, 1978, p. 86).
Leontiev (1978, p. 304) ainda comenta que para transformar uma ação em operação é
necessário dar “um novo fim na qual a ação considerada se torne o meio de execução de uma
outra ação. Por outras palavras, o que era o fim da primeira ação deve transformar-se numa
das condições requeridas pelo novo fim”.
Em atividades simples, motivo e fim coincidem diretamente. Por exemplo, se sentimos
frio, ao ver uma possibilidade de nos esquentarmos, por exemplo, um local quente, somos
impelidos a entrar. A atividade humana, contudo, frequentemente envolve uma complexa
cadeia de ações com seus respectivos fins e tem, por consequência, uma duração prolongada
(Leontiev, 1978). Daí a importância de se ter consciência da relação dos fins com os motivos,
pois são estes que conferem um significado psicológico às ações. Tome-se, como segundo
exemplo, a leitura de um livro. Quando essa leitura supre a necessidade de conhecimento, seu
fim está coincidindo com o motivo. Trata-se, portanto, de uma atividade de leitura. Quando,
pelo contrário, o fim da leitura é apropriar-se do conteúdo do livro com vistas ao triunfo numa
prova, tem-se uma ação de ler cujo fim, não sendo idêntico ao motivo, precisa ser
conscientizado em relação a ele (Leontiev, 1978).
Para Rios (2015), apesar de a atividade humana ser polimotivada, isto é, responder a
vários motivos, é possível identificar nas diferentes etapas do desenvolvimento um motivo
74
dominante, que ocupa posição principal dentro do sistema de motivos. Esse é um aspecto
central à teoria da atividade de Leontiev, segundo a qual o que determina diretamente o
desenvolvimento da psique são os processos reais da vida e o que demarca as passagens entre
os diferentes estágios desse desenvolvimento são as mudanças na hierarquia de motivos e
atividades. O estabelecimento de uma atividade principal, isto é, de um modo fundamental de
se relacionar com a realidade por meio do qual ocorrem as transformações mais importantes
no psiquismo e na personalidade em cada estágio da vida.
Segundo Leontiev (1978), a atividade dominante não é exatamente aquela em que o
indivíduo se ocupa por mais tempo naquele determinado período, mas sim, aquela na qual
ocorrem outros tipos de atividades, que possibilitam que os processos psíquicos particulares
tomem forma ou possam ser reorganizados e da qual dependem, de forma mais íntima, as
mudanças mais importantes naquela determinada idade. Para Facci e Reis (2011), a atividade
dominante ou principal é aquela que reflete a maneira como o homem se relacionará com a
realidade naquele momento, sendo essa atividade principal definida a partir da cultura e do
momento histórico em que o indivíduo vive, ou seja, a partir das condições concretas. As
atividades são dominantes em determinados períodos e, no período seguinte, não deixam de
existir, mas vão perdendo sua força. Após os períodos em que tem lugar o desenvolvimento
preponderante na esfera motivacional e de necessidades, seguem períodos com
preponderância de formação de possibilidades operacionais técnicas.
No decorrer do seu desenvolvimento, a criança começa a se dar conta de que o lugar que
ocupava no mundo das relações humanas que a circundava não corresponde às suas
potencialidades e se esforça para modificá-lo, surgindo uma contradição explícita entre esses
dois fatores. Ela torna-se consciente das relações sociais estabelecidas, e essa conscientização
a leva a uma mudança na motivação de sua atividade; nascem novos motivos, conduzindo-a a
uma reinterpretação de suas ações anteriores. A atividade principal em determinado momento
passa a um segundo plano, e uma nova atividade principal surge, dando início a um novo
estágio de desenvolvimento. Essas transições provocam mudanças em ações, operações e
funções que, por sua vez, conduzem a mudanças de atividades como um todo (Facci, 2004, p.
72 – 73).
1) discriminação de objetos e fenômenos por meio da palavra, que permite entre outros
aspectos, o controle da atenção e memorização; 2) a abstração das propriedades essenciais do
objeto, o que permite a generalização em categorias (fazer relações entre os diferentes
objetos); 3) a comunicação de informações e conhecimentos decorrentes da práxis social, e
justamente pela abstração e generalização, a linguagem possibilita o desenvolvimento do
pensamento e da imaginação, pelo fato do homem conseguir refletir a realidade e agir na e
sobre ela desvencilhando-se da experiência imediata (Silva, 2007, p. 55).
A linguagem é tão velha como a consciência – a linguagem é a consciência real e prática que
existe também para mim, e a linguagem nasce, como a consciência, da necessidade, da
carência física, do intercâmbio com outros homens. Desde o início, portanto, a consciência já é
um produto social e continuará sendo enquanto existirem homens. (Marx & Engels, 2007, p.
34 – 35).
preparar-se para uma futura profissão – que será responsável por conferir uma qualidade
distinta a essa assimilação.
Retomando as características da atividade, que já foram discutidas anteriormente, no
processo de atividade como um todo, para que se forme a ligação entre as ações e suas
finalidades especificas é preciso que essas conexões se estabeleçam no psiquismo do homem
e constituam-se enquanto ideias a serem conservadas na sua consciência. Somente assim o
indivíduo será capaz de estabelecer sentido para suas ações.
Esse processo de tomada de consciência – de estabelecimento das conexões entre
cadeia de ações, dos modos de executá-las e o motivo da atividade – ocorre a partir das
relações que os sujeitos fazem das objetivações humanas (significados sociais) com os
aspectos individuais (sentidos pessoais) que se formam nessa relação (Santos, 2014).
Para Santos (2014), que se ampara nos estudos de Leontiev, por significado social
entende-se a fixação, prática social humana sintetizada em instrumentos, objetos, técnicas,
linguagem, relações sociais e outras formas de objetivações como a arte e a ciência,
objetivações que possuem um caráter estável (porém mutável), conservam-se enquanto tais
em variados contextos. O significado é, portanto, uma generalização das produções culturais
da humanidade.
O sentido pessoal, por sua vez, se dá pela relação do motivo da atividade com os fins
da sua ação: “[...]para encontrar o sentido pessoal devemos descobrir o motivo que lhe
corresponde” (Leontiev, 1978, p. 97). Assim, só se compreende o sentido mediante a relação
estabelecida entre o motivo e o objetivo da atividade, ou, dito de outro modo, “o sentido
consciente traduz a relação do motivo com o fim” (Leontiev, 1978, p. 97). O sentido é então,
o conteúdo subjetivo.
A individualização dos significados por meio do sentido pessoal não o torna
geneticamente diferente do primeiro, pois “o sentido é antes de mais uma relação que se cria
na vida, na atividade do sujeito” (Leontiev, 1978, p. 97). Essa relação é mediada pelo motivo,
ou seja, para encontrar o sentido pessoal, deve-se descobrir o motivo que o corresponde. É
por isso que o motivo e consequentemente o sentido pessoal é único entre os sujeitos, mesmo
quando eles estão inseridos em uma mesma atividade.
O significado, então, corresponde às objetivações, aos objetos e fenômenos culturais.
É aquilo que está disponível no mundo para que os indivíduos se apropriem, tomem parte dos
mesmos. Dessa forma, o significado possui um caráter constante, porém não imutável. Leva-
se certo tempo e depende do desenvolvimento da sociedade para que sua significação se
transforme ou se aprimore, ganhando outras características. Ao seu turno, o sentido é
conteúdo subjetivo porque corresponde a relação que cada sujeito estabelece com
determinado objeto cultural. Dentro da relação entre significação e sentido pessoal, há ainda
um terceiro componente, a saber: o conteúdo sensível. É o conteúdo sensível (sensações,
imagens da percepção, representações) que cria a base e as condições de toda a consciência.
Ele é aquilo que cria diretamente a transformação da energia do estímulo exterior em fato de
consciência (Leontiev, 1978).
Já os sentidos, para Silva (2007), só podem conferir à consciência do sujeito a
singularidade por serem constituídos, fundamentalmente, por emoções, afetos e sentimentos.
Nos sentidos, há o predomínio dessas esferas do psiquismo, que vão se constituindo conforme
o desenvolvimento da atividade, da personalidade e da própria consciência.
As emoções (sensação que revela uma determinada relação do sujeito com o objeto, mas de
forma temporária) e os afetos (estados emocionais de maior intensidade, tendo como uma das
características o contágio), que têm as dimensões elementares e superiores, são sinais internos
que regulam a conduta do sujeito, e promovem o desenvolvimento do psiquismo. Já o
sentimento (constituído por emoções) evidencia uma relação mais estável do sujeito com o
objeto, de modo a refletir a atitude diante do objeto e de uma necessidade também estável. Ao
contrário, das emoções e dos afetos, que têm raízes inatas, mas que são transformados
histórica e socialmente, os sentimentos são necessariamente de ordem ontogenética, pois
80
refletem o modo de vida dos indivíduos por meio de normas, valores e exigências (Silva,
2007, p. 62 – 63).
Desse modo, o sentido pode se materializar nas mais diferentes formas, alterando-se
de acordo com o contexto em que o sujeito está inserido e sendo, portanto, mais dinâmico do
que o significado. O sentido pessoal é aquilo que motiva, impulsiona, incita o sujeito a
realizar sua atividade. O sentido é uma relação que se cria na atividade do sujeito; o sentido
consciente é criado por uma relação objetiva entre aquilo que o faz agir e aquilo para o qual
sua ação se orienta. Assim, o sentido consciente traduz a relação do motivo ao fim.
Para Leontiev (1978), conforme mencionado nas páginas anteriores, motivo é
entendido como aquilo que leva o sujeito a agir. Dessa maneira, as reações, opiniões e atos
das pessoas são condicionados por seus motivos e necessidades, que são estabelecidos
conforme a educação e o ensino recebidos e determinam as atividades da pessoa sã e doente,
na evidência da relação com a estrutura da personalidade da pessoa. A unificação e vinculação
das atividades do sujeito em suas vidas, dentro do sistema de relações objetivas da sociedade,
vão formando suas personalidades.
Assim como a consciência, a personalidade é um processo resultante das condições
objetivas e subjetivas do indivíduo, que, inserido em uma sociedade (e essa é condição
fundamental), singulariza-se e diferencia-se ao ponto de ser único.
Em sua gênese, a personalidade resulta de relações dialéticas entre fatores externos e internos
sintetizados na atividade social do indivíduo”. Por fatores externos, a autora [Martins]entende
as condições sociais (materiais) do indivíduo, desde suas relações mais imediatas com outros
indivíduos e aquelas que estabelece com o gênero humano. Os fatores internos (condições
subjetivas) se referem a materialidade biológica e psicológica do indivíduo, que se
desenvolveram em decorrência da atividade social deste (Martins, 2007, p. 107).
5
São muito raras as produções que tratam da Patopsicologia na perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural.
Dessa forma, este item se concentrará mais nas duas obras de Zeigarnik (1979, 1981) às quais foi possível o
acesso neste momento de elaboração da dissertação.
85
A medição quantitativa somente detecta os resultados finais do trabalho, contudo, por este
procedimento não se pode detectar o próprio processo de trabalho, a atitude do sujeito ante o
problema colocado, os motivos que induzem o sujeito a optar por um determinado modo de
ação, suas posturas pessoais, nem seus desejos, em uma palavra, toda a variedade das
particularidades qualitativas na atividade do sujeito experimentado (Zeigarnik, 1981, p. 25).
[...] deve estar focado na análise qualitativa das distintas formas de desintegração do
psiquismo no descobrimento dos mecanismos da atividade alterada e das possibilidades
existentes para sua recuperação. Se tratam de alterações nos processos cognoscitivos, os
métodos experimentais devem mostrar como decompõem-se tal ou qual operação mental do
doente [...], como modifica-se o processo de formação de novas conexões e em que forma
desfigura-se a possibilidade de utilizar o sistema das antigas conexões que se formaram na
experiência anterior [...] (Zeigarnik, 1981, p. 27).
parâmetro, ao delimitar princípios norteadores que seriam as bases para o estudo dos mais
distintos objetos de pesquisa.
Sendo assim, para compreender a Patopsicologia deve-se partir dos princípios acima
citados e considerar, de acordo com Zeigarnik (1981) que a restauração das funções psíquicas
alteradas se fundamenta em ligações intactas da atividade psíquica. Ou seja, ao reabilitar ou
tratar indivíduos com certas enfermidades, deve-se levar em conta não somente os aspectos
comprometidos de determinadas funções, mas sobretudo, considerar o que há de intacto, as
esferas que se mantém saudáveis. Nesse caso, ao estudar-se o adoecimento dos professores,
temos que ter em conta não apenas os sintomas e suas queixas que se apresentam nas variadas
patologias psicológicas que os atingem, mas também considerar, de igual forma, os aspectos
sadios presentes nesses sujeitos.
“A Patopsicologia parte das leis do desenvolvimento e da estrutura da psique em
estado normal” (Zeigarnik, 1981, p. 08). Essa afirmação é consistente com a tese marxista de
que “a anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco”. Essa concepção indica que
para a compreensão das formas de desenvolvimento inferiores, é necessário que essas sejam
estudadas a partir das superiores. Assim como Marx estudou os modos de produção feudal e
escravista a partir do modo de produção burguês (mais desenvolvido), Zeigarnik (1981)
afirma que a investigação dos estados psíquicos patológicos deve ser realizada tomando-se
como base o desenvolvimento “normal”, que as leis de funcionamento e estrutura da psique
em estado normal são as mesmas para o estado patológico.
Quando retratamos o fenômeno do adoecimento e da medicalização do professor, um
dos pontos principais a que devemos nos ater, não são os aspectos de desintegração da
personalidade ou aqueles que se encontram em estado de adoecimento, mas deve-se focar em
aspectos que se encontram saudáveis e intactos na psique do sujeito que sofre.
Uma das formulações de Zeigarnik (1981), que pode auxiliar mais diretamente na
discussão sobre o adoecimento dos professores, é que a autora propõe uma possibilidade de
investigação sobre as patologias psíquicas – sobretudo as que denomina de alterações de
personalidade – a partir da atividade do sujeito, considerando seus motivos e necessidades,
constituídos nas suas relações objetivas de vida e trabalho. Para Martins (2007), a
personalidade é resultado
[...] de relações dialéticas entre fatores externos e internos sintetizados na atividade social do
indivíduo. Como fatores extrínsecos, temos as condições materiais de vida, o conjunto de
relações sociais que sustentam sua superação ao ser hominizado em direção ao ser
humanizado, que guardam as possibilidades reais da atividade humana. Como fatores
89
atos não têm objetivo, as ações não são mediadas, quando a pessoa deixa de regular seu
comportamento, não pode valorar adequadamente suas capacidades, quando se modifica sua
atitude para consigo mesma e com o mundo que a rodeia. Esta atitude modificada é indicativa
de mudança na personalidade (Zeigarnik, 1981, p. 29).
Podemos dizer, então, que para o autor cada indivíduo aprende a ser um homem,
superando aquilo que em termos biológicos lhe foi proporcionado. Para o processo de
humanização, ele precisa se apropriar daquilo que foi sendo construído pelo homem durante o
processo histórico. Assim, o homem é colocado diante de uma imensidade de riquezas
acumuladas ao longo dos séculos por inumeráveis gerações de homens, os únicos seres, no
nosso planeta, que são criadores. As gerações humanas morrem e sucedem-se, mas aquilo que
criaram passa às gerações seguintes que multiplicam e aperfeiçoam, pelo trabalho e pela luta,
as riquezas que lhes foram transmitidas e o desenvolvimento da humanidade (Leontiev,
1978).
Por meio da apropriação daquilo que foi construído pelos homens nas gerações
anteriores, o homem se desenvolve e se humaniza. O papel da educação, é que esse processo
deve sempre ser realizado para possibilitar aos seres humanos a apropriação daquilo que foi
construído pelo gênero humano. É essa apropriação que garante a continuidade do processo
histórico (Leontiev, 1978).
O homem começa a se diferenciar dos animais a partir do momento em que começa a
produzir os meios para a sua sobrevivência, já que ao produzir seus meios de vida ele produz
sua própria vida material. Sendo assim, o ato de agir sobre a natureza transformando-a em
função das necessidades humanas é o que conhecemos como trabalho. Portanto, a essência
humana não é dada ao homem, não é uma obra divina ou natural. A essência humana é
produzida pelos homens. O que o homem é, o é pelo trabalho. É o trabalho que se desenvolve
e se complexifica ao longo do tempo: é um processo histórico, conforme já discutimos
anteriormente.
É necessário compreender as transformações que foram operadas com a acentuada
divisão social e técnica do trabalho no decorrer do processo histórico. A estreita relação entre
trabalho e educação, característica das antigas sociedades tribais, foi sendo quebrada com a
progressiva complexificação da sociedade e das forças produtivas.
Essa divisão dos homens em classes irá provocar uma divisão também na Educação.
Introduz-se, assim, uma cisão na unidade da educação, que posteriormente nas comunidades
primitivas era identificada plenamente com o próprio processo de trabalho. A partir do
escravismo antigo, tem-se a primeira divisão no processo de educação em duas modalidades:
uma para a classe proprietária dos meios de produção, identificada como a educação dos
homens livres, e a outra para a classe não – proprietária, destinada aos escravos. A primeira
era centrada nas atividades intelectuais, na arte e na palavra e nos exercícios físicos militares.
E a segunda assimilada no próprio processo de trabalho. Essa primeira modalidade de
educação deu origem a escola. Essa palavra deriva do grego e significa, etimologicamente, o
lugar do ócio. Era o lugar, portanto, para aqueles que possuíam tempo livre. Desenvolveu-se a
partir daí uma forma específica de educação, em contraposição aquela inerente ao processo
produtivo.
Portanto, se nas sociedades primitivas, caracterizadas pelo modo coletivo de produção
da existência humana, a educação consistia numa ação espontânea, não diferenciada das
outras formas de ação desenvolvidas pelo homem, coincidindo inteiramente com o processo
de trabalho que era comum a todos os membros da comunidade, com a divisão dos homens
em classes a educação também resulta dividida. Diferencia-se, em consequência, a educação
destinada à classe dominante daquela a que tem acesso à classe dominada. E é aí que se
localiza a origem da escola. A educação dos membros da classe que dispõe de ócio, de lazer,
de tempo livre passa a organizar-se na forma escolar, contrapondo-se à educação da maioria,
que continua a coincidir com o processo de trabalho (Saviani, 2007, p. 155-156).
Diferentemente da educação ateniense e espartana, assim como da romana, em que o
Estado desempenhava papel importante, na Idade Média as escolas trarão fortemente a marca
da Igreja católica. O modo de produção capitalista provocará decisivas mudanças na própria
educação confessional e colocará em posição central o protagonismo do Estado, forjando a
ideia da escola pública, universal, gratuita, leiga e obrigatória, cujas tentativas de realização
passarão pelas mais diversas vicissitudes. Conclui-se, portanto, que o desenvolvimento da
sociedade de classes, especificamente nas suas formas escravista e feudal, consumou a
separação entre educação e trabalho.
A sociedade feudal deu lugar a sociedade solidificada sobre o modo de produção
capitalista. Este fenômeno se deve, de acordo com Patto (1999), a dupla revolução que se deu
na Europa no final do século XVIII: a revolução política francesa e a revolução industrial
burguesa, que tem como marco a construção, em 1780, do primeiro sistema fabril do mundo
95
moderno. As mudanças proporcionadas por essa dupla revolução foram de tais proporções
que não hesitam em considerá-las como as maiores transformações da história humana, desde
os tempos remotos, quando o homem inventou a metalurgia, a escrita, a cidade e o Estado.
Se a ordem feudal estava socialmente muito viva nessa passagem do século, ela se
mostrava cada vez mais ultrapassada e improdutiva em termos econômicos: tecnicamente, a
agricultura europeia era, com raras exceções, tradicional e ineficiente, o que tornava o mundo
agrícola especialmente lento e inviável para uma massa crescente de camponeses. O oposto
ocorria simultaneamente no mundo comercial e manufatureiro; seu desenvolvimento
proporcionado pela rede cada vez mais complexa das relações comerciais tecidas pela
ampliação da exploração colonial e pelo crescimento em volume e capacidade do sistema de
vias comerciais marítimas foi acompanhado por intensa atividade intelectual e tecnológica.
A partir da ascensão da burguesia ao poder, a escola passa a ser espaço não só da
classe dominante, mas também da classe trabalhadora. De acordo com Santos (2014), a
universalização da escola primaria socializou os indivíduos nas formas de convivência
especificas da sociedade burguesa, alfabetizando-os e, assim, capacitando-os a integrar o
processo produtivo. O desenvolvimento das forças produtivas impôs a necessidade da escola
para a classe trabalhadora, sem, todavia, deixar a classe dominante de fora dos espaços
escolares. A escola bifurcou-se em duas, uma destinada aos burgueses e a outra aos
trabalhadores. A ideologia religiosa, que justificava a determinação divina do pertencimento
dos homens a classes distintas, revela-se anacrônica aos anseios burgueses. Foi preciso à
burguesia destruir a ordem imutável das coisas que garantia privilégios a nobreza, invocando
os direitos naturais dos homens para que a luta contra a aristocracia fosse vitoriosa. A
ideologia liberal buscou a manutenção e o fortalecimento da burguesia.
A função de mascarar os objetivos reais por meio dos objetivos proclamados é exatamente a
marca distintiva da ideologia liberal, dada a sua condição de ideologia típica do modo de
produção capitalista o qual introduziu, pela via do “fetichismo da mercadoria”, a opacidade
das relações sociais. Com efeito, se nas sociedades escravista e feudal as relações sociais eram
transparentes já que o escravo era, no plano da realidade e no plano da concepção, de fato e de
direito, propriedade do senhor e servo, por sua vez, estava submetido ao senhor também de
fato e de direito, real e conceitualmente, na sociedade capitalista defrontam-se no mercado
proprietários aparentemente iguais mas de fato desiguais, realizado, sob a aparência da
liberdade a escravização do trabalho ao capital. Instala-se a cisão entre a aparência e a
essência, entre o direito e o fato, entre a forma e o conteúdo (Saviani, 2003, p. 191).
adoecimento do docente, visto as condições de trabalho (41%) exemplificadas por eles como
geradoras do seu sofrimento, que se voltam para estresse do dia a dia, desvalorização do
trabalho, excesso de trabalho e essas são marcas do novo regime pautado no neoliberalismo.
Regime esse, que pode gerar nos docente, cansaço mental e estresse (5%), ansiedade e
depressão (25%) e variados diagnósticos como já está exemplificado na seção 2. Muitas
dessas consequências para a saúde do trabalhador, exemplificadas no levantamento realizado
com os professores, tem sua raiz no modo de produção capitalista, visto que, as tendências
orientadoras do capitalismo pregam a liberdade econômica, a eficiência e a qualidade como
elementos fundamentais para a manutenção da competitividade e, portanto, da lucratividade
no mercado. Dessa forma, o fator qualidade, dentro da ótica do capital, configura-se como
elemento fundamental em qualquer instituição que se pretenda competitiva. Esse paradigma
vem também reordenar as ações do Estado, com rebatimento nas políticas públicas, inclusive,
educacionais, cuja eficiência seria colocada nas instituições privadas, em detrimento da
ineficiência das públicas, principalmente com o objetivo da intensa privatização dos órgãos
públicos, fazendo com que a responsabilidade do Estado frente as instituições sejam cada vez
menores, e com isso a educação se torna nesse caso mais uma mercadoria que pode ser
comprada e vendida, e onde fomentam-se ações educacionais cada vez mais fragmentadas que
culminam na formação parcial e ineficiente dos alunos e dos professores.
A produção capitalista, nos últimos 40 anos, intensificou mudanças no espaço
produtivo. O processo de reestruturação produtiva trouxe inovações como a robótica e a
automação microeletrônica aplicadas à produção; as novas modalidades de gestão de
produção, tais como os Círculos de Controle de Qualidade e Programas de Qualidade Total; a
série de racionalização da produção, tais como os downsizing e a reengenharia (muitas das
racionalizações produtivas decorreram de novos patamares de centralização e concentração do
capital, por meio de fusões, aquisições e diversificações corporativas, que implicaram – e
ainda implicam – em demissões em massa). Além disso, são importantes componentes do
complexo de reestruturação produtiva, dos vários tipos de descentralização, tais como a
terceirização ou as relocalizações industriais, que implicam o fechamento de fábricas em um
local e abertura em outro, ou, ainda, a instauração de legislações trabalhistas de cariz flexível,
que criam nova regulação institucional do trabalho assalariado, adaptando-o às necessidades
imperiosas do capital em fase de mundialização. Esse conjunto de inovações tecnológicas e
organizacionais ocasionou as diversas desregulamentações das relações de trabalho e atingiu,
por consequência, a saúde do trabalhador.
98
Assim, percebe-se que o modo como as políticas educacionais são engendradas, em princípio,
pode até favorecer uma visão positiva pela comunidade que, baseada no senso comum, é
levada a acreditar na superficialidade de concepções como, por exemplo, a atribuição de um
caráter messiânico a Educação como panaceia social, a solução para todos os problemas ou,
ainda, a crença de que a ineficiência da Educação é devido à má formação do professor ou a
falta de recursos materiais. É importante compreendermos a complexidade da questão
educacional em uma sociabilidade que a usa como instrumento que se adequa a cada
necessidade do capital, dimensão coisificada, fetichizada e esvaziada de seu sentido
ontológico. (Pereira, 2015, p. 40 – 41).
que exige um número maior de turmas, ou mais alunos por sala de aula, seja na extensão das
etapas e modalidades que passam a atender. As escolas obtêm maior autonomia nas suas
dimensões pedagógica, administrativa e financeira.
As mudanças mencionadas resultam em certa configuração dos sistemas educativos nos seus
aspectos físicos e organizacionais, o que vêm acompanhado de relativa responsabilização da
gestão escolar pela adoção de critérios de eficácia, produtividade e excelência. Assim,
observa-se paradoxalmente a noção de justiça social mesclada aos princípios de eficácia que
passam a orientar as políticas públicas educacionais, revelando em certa medida um
movimento contraditório: a democratização do acesso à escola dá-se ao custo da massificação
do ensino. (Assunção & Oliveira, 2009, p. 351).
Marx (2004), situa alienação em um duplo plano, objetivo e subjetivo. Ele considera
que o trabalho alienado converte a natureza em algo alheio ao homem, ou seja, aliena o
homem de sua própria função, de sua atividade vital e também o aliena do gênero humano.
No aspecto subjetivo, de acordo com Saviani (2012), a alienação consiste no não
reconhecimento pelo homem de si mesmo, seja em seus produtos, seja em sua atividade, seja
ainda em outros homens. Portanto, o trabalho, apesar de ser sua própria atividade, é
considerada algo externo no qual ele não encontra a sua realização, mas a sua perdição,
revertendo esse processo em um fator de sofrimento e não de sua satisfação. Isso pode ser
reiterado, quando 66% dos docentes do levantamento realizado nessa pesquisa nos apresenta
que o trabalho tem relação com o processo de adoecimento e sofrimento em que vivem, e isso
é mantido por uma lógica que aliena o trabalhador de seu próprio processo de trabalho e até
mesmo da sua própria vida.
Mas o trabalho alienado não se reduz a esse aspecto subjetivo, apresentando também um
conteúdo objetivo cujas características independem do modo subjetivo de senti-las, como
ocorre com a pauperização material e espiritual do trabalhador, cujo mundo se desvaloriza na
proporção direta da valorização do mundo das coisas por ele produzidas (Saviani, 2012, p. 31).
educação. O que ocorre é que tanto a formação profissional e a continuada possibilitada aos
professores não permite a esse profissional, muitas vezes, educar os alunos, visto que a luz
dessa concepção aqui defendida o currículo escolar deve dispor de uma forma que viabilize a
assimilação, pelos alunos, do conjunto das objetivações humanas. E o professor, ao lidar com
o aluno concreto, precisará ter domínio dessas objetivações para realizar aquela colaboração
inicial do adulto para com a criança, que Vigotski (2000) discute em sua obra, ou seja, que o
professor deve colaborar no desenvolvimento da zona proximal do aluno, a qual se refere
àquilo que ele pode aprender com a ajuda de outra pessoa.
Como visualizamos na política atual, pautada nos moldes neoliberais, o professor não
tem nessa forma de sociabilidade a função de humanizar os sujeitos. A prática docente deve
ser realizada de forma parcial e voltada para a formação de indivíduos capazes de adentrar o
mercado de trabalho de forma eficiente. As políticas educacionais desde 1990 vêm
incorporando esse ideário na prática educativa, preconizando a formação de indivíduos
pautadas nos ideais de eficiência, qualidade, rapidez e objetividade que a filosofia neoliberal
prega.
Assim, não é difícil verificar que o entorno em que se situa a Escola, em todas as suas
dimensões e níveis, oferece desafios de monta àqueles que tomaram a tarefa educativa em
suas mãos. Não somente no sentido do ensino propriamente dito, mas dos embates inerentes à
conquista de melhores condições de trabalho e à compreensão da rede de pensamentos que
embasam política e filosoficamente a Educação, produzindo professores e estudantes
desavisados da manipulação ideológica em função da manutenção do sistema capitalista,
usurpando o sentido libertador que o processo educativo poderia engendrar, precarizando e
deturpando o trabalho educacional.
Porém, como analisa Saviani, não vale apenas constatar fatos a respeito da situação da
educação brasileira, mas, principalmente, dar o passo adiante. Ao observarmos essa situação
dentro de uma concepção de totalidade, compreendemos que este próximo passo necessita
103
necessariamente passar pela emancipação da classe trabalhadora como um todo. Não parece
ser essa uma tarefa exclusiva da educação, uma vez que tal tarefa se insere em um contexto
muito mais amplo e reflete as articulações sociais e o pensamento de um grupo que se
concretiza dentro e para além dos processos educativos formais. Porém, é claro que a
Educação pode se tornar também um espaço de enfrentamento, pois se articulada a um projeto
coletivo embasado no entendimento da estruturação do sistema capitalista, como forma de
enfrentamento e de práticas que se encontrem à luz da história e da realidade colocadas pela
sociabilidade capitalista.
mundo animal. Mas, na sociedade de classes, mesmo para o pequeno número que usufrui das
aquisições da humanidade, essas mesmas aquisições manifestam-se na sua limitação,
determinadas pela estreiteza e caráter obrigatoriamente restrito da sua própria atividade.
Portanto, para a esmagadora maioria das pessoas, a apropriação dessas aquisições só é
possível dentro de limites miseráveis.
Quanto mais progride a humanidade, mais rica é a prática sócio histórica acumulada por ela,
portanto, mais cresce o papel específico da educação e mais complexa é a sua tarefa. Razão
por que toda a etapa nova no desenvolvimento da humanidade, bem como no dos diferentes
povos, apela forçosamente para uma nova etapa no desenvolvimento da educação: o tempo
que a sociedade consagra à educação das gerações aumenta; criam-se estabelecimentos de
ensino, a instrução toma formas especializadas, diferencia-se o trabalho do educador do
professor; os programas de estudo enriquecem-se, os métodos pedagógicos aperfeiçoam-se,
desenvolve-se a ciência pedagógica. Esta relação entre o progresso histórico e o progresso da
educação é tão estreita que se pode sem risco de errar julgar o nível geral do desenvolvimento
histórico da sociedade pelo nível do desenvolvimento do seu sistema educativo (Leontiev,
1978, p. 291-292).
diretamente ligados ao nível biológico, mas sim estão entranhados nas desigualdades sociais e
econômicas impostas pelo modo de produção capitalista. Nesse caminho, a medicalização é
um fenômeno histórico e vinculado com as relações sociais de produção.
Isto posto, faz-se necessário discutir a temática desta pesquisa, ancorada em
pressupostos que vão além de uma análise positivista, individualista, que naturalizam os
fenômenos. As problemáticas enfrentadas na escola devem levar em conta os determinantes
sociais que produzem o adoecimento e a medicalização dos professores, auxiliando na atuação
do mesmo na instituição escolar e nos diversos âmbitos de sua prática, produzindo uma
prática que possibilite a emancipação e a humanização dos indivíduos, e como bem nos
auxilia a pensar Zeigarnik (1979,1981), quando visualizarmos o sujeito adoecido, devemos
levar em consideração os aspectos saudáveis e que estão intactos, pois são esses que nos
possibilitarão o espaço para as reais mudanças na vida do sujeito que sofre.
106
CONSIDERAÇÕES FINAIS
sendo que os medicamentos são utilizados por esses professores como enfrentamento dessas
condições de trabalho alienadoras impostas pelo modo de produção capitalista.
Já na Seção 4 desta dissertação discutiu-se a prática desses profissionais da educação
que se encontram inseridos em um modo de produção capitalista, que tem como principais
bases a propriedade privada dos meios de produção, a divisão da sociedade em classes e a
exploração do homem pelo homem, atividades que produzem relações alienadas. Opera-se
dessa maneira uma cisão entre o sentido pessoal e o significado social das atividades. “A
alienação da vida do homem tem por consequência a discordância entre o resultado objetivo
da atividade humana e o seu motivo” (Leontiev, 1978, p.122). Em tal situação, o professor
vem perdendo no processo da prática pedagógica o sentido de seu trabalho e da função desse,
utilizando o medicamento como forma de enfrentamento dessas condições alienadoras do
processo de trabalho no modo de produção capitalista.
A presente pesquisa que discute a medicalização e o adoecimento do professor é
percebida inicialmente apenas na sua imediaticidade, é através da prática social e das relações
do fenômeno com a totalidade, o que possibilita a constituição de determinações gerais do
objeto, os quais podem possibilitar, na sua expressão universal, sua complexidade e sua
relação com o contexto histórico-social e com o modo de produção vigente. Segundo Martins
(2006), primeiramente apreende-se o real imediato para, posteriormente, através das
abstrações teóricas, transformar esse real imediato em concreto pensado, retornando à
complexidade do real que só agora pode ser captada pelos processos de abstração e pode
ocasionar transformações.
A análise proposta nesta dissertação vai para além do fenomênico. Busca, ao contrário,
desvelar a relação entre o fenômeno e a essência inerente a ele, demonstrando que eles
formam o todo. Ao observar a medicalização e o adoecimento do professor, deve-se percebê-
los associados de forma indivisível aos efeitos sociais e históricos que os influenciam
percebendo, através dos instrumentos e técnicas utilizados na pesquisa, meios para apreender
o real (concreto caótico), ou seja, deve-se produzir dados de pesquisa que possam explicar as
bases dinâmico-causais do objeto investigado e as relações teórico-práticas decorrentes da
compreensão sobre a realidade que superem a anterior (concreto no pensamento). Ao final
desse processo, tem-se os procedimentos metodológicos que respondem às especificidades do
objeto investigado e que possibilitam aos sujeitos revolucionar suas condições de existência,
já que ao observar o fenômeno e as bases dinâmico-causais que o influenciam, o sujeito terá a
possibilidade de buscar uma prática que rompa com os processos de dominação e alienação e
110
intacto, as esferas que se mantém saudáveis. Nesse caso, ao estudar-se o adoecimento dos
professores, temos que ter em conta não apenas os sintomas e suas queixas que se apresentam
nas variadas patologias psicológicas que os atingem, mas também considerar, de igual forma,
os aspectos sadios presentes nesses sujeitos. Quando retratamos o fenômeno do adoecimento
e da medicalização do professor, um dos pontos principais a que devemos nos ater, não são os
aspectos de desintegração da personalidade ou aqueles que se encontram em estado de
adoecimento, mas deve-se focar em aspectos que se encontram saudáveis e intactos na psique
do sujeito que sofre.
Esses docentes adoecidos e intensamente medicados, e todos os trabalhadores que
neste modo de produção adoecem e são medicados, como forma principal de mascarar as reais
contradições deste modo de produção, precisam buscar nos aspectos que ainda se encontram
saudáveis e sãos, a busca por níveis e formas de lidar e suportar as condições degradantes e
alienadoras do trabalho na sociabilidade capitalista. O que nos permite dizer, ainda mais nesse
momento histórico em que estamos vivendo de perca de direitos garantidos, de privatização
intensa de órgãos desde a saúde, a educação e diversos outros órgãos públicos, que o
trabalhador em sua totalidade, vem sofrendo as consequências deste modo de produção e vem
sim adoecendo.
Há que se promover a necessidade de envolvimento de todos os profissionais
envolvidos no processo educativo, e nas diversas áreas de saber na discussão e engajamento
desse tema, afim de contribuir para a legitimação da importância do professor no processo de
mediação no sistema educacional vigente resultando assim na humanização e emancipação
dos sujeitos, e a importância de um espaço para fortalecer o debate que objetive a
organização de uma classe trabalhadora capaz e articulada em suas tarefas de construção de
uma nova sociedade em que a saúde do trabalhador seja plena em todas as suas dimensões e
que os sujeitos possam ter espaço para um desenvolvimento pleno de todas as suas funções,
um desenvolvimento omnilateral.
Considera-se necessário discutir a temática dessa pesquisa ancorada em pressupostos
que vão além de uma análise positivista e individualista que naturalizam os fenômenos. Assim
sendo, as problemáticas enfrentadas na escola devem levar em conta os determinantes sociais
que produzem o adoecimento e a medicalização dos professores, auxiliando na atuação do
psicólogo na instituição escolar e nos diversos âmbitos de sua atuação, produzindo uma
prática que possibilite a emancipação e a humanização dos indivíduos.
113
REFERÊNCIAS
Barros, R., Galindo, D., Gomes, J. & Harayama, R. (2015): Nota Técnica o consumo de
psicofármacos no Brasil: Dados do sistema nacional de gerenciamento de produtos
controlados.ANVISA (2007-2014). Disponível em: <www.medicalização.org.br>. Acesso
em 20 de dez. de 2016.
Chaer, G., Diniz, R. & Ribeiro, E. (2011). A técnica do questionário na pesquisa educacional.
Evidência, Araxá, vol. 7, p. 251-266.
Esteve, J. (1999) O mal-estar docente: a sala de aula e a saúde dos professores. Bauru, SP:
EDUSC.
Facci, M., Ribeiro, M. & Silva, S. (2012) Medicalização na escola e fracasso escolar:
novamente a culpa é do aluno. In: A exclusão dos incluídos: uma crítica da Psicologia da
Educação à patologização e medicalização dos processos educativos. Maringá: Eduem.
Martins, J. (2002). A sociedade vista do abismo: novos estudos sobre exclusão, pobreza,
classes sociais. Petrópolis, RJ: Vozes.
Melo, D., Ribeiro, L., & Storpirtis, S. (2006). A importância e a história dos estudos de
utilização de medicamentos. Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas: vol.4.
Moysés, M. & Collares, C. (2012). O lado escuro da dislexia e do TDAH. In: A exclusão dos
incluídos: uma crítica da Psicologia da Educação à patologização e medicalização dos
processos educativos. Maringá: Eduem.
Neto, J. (2011). Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo: Editora Expressão
Popular.
Pereira, J. (2015). Trabalho docente e sofrimento mental: um estudo em uma escola pública
do estado de São Paulo. Dissertação de Mestrado: Universidade Estadual Paulista, São
Paulo – SP.
Rios, C. (2015). O trabalho como atividade principal da vida adulta: contribuições aos
estudos de periodização do desenvolvimento psíquico humano sob o enfoque da psicologia
histórico-cultural. Dissertação de mestrado: Universidade Federal do Paraná, Curitiba –
PR.
Schwarzc, L. (2007). O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial 1870-
1930. Companhia das Letras.
Vigotiski, L. (1996). Teoria e método em psicologia. São Paulo: Martins Fontes, p. 203-420;
Zorzanelli, R., Ortega, F. & Bezerra, Jr. (2014).Um panorama sobre as variações em torno do
conceito de medicalização entre 1950-2010. Ciência e Saúde Coletiva (Impresso), v.19, p.
1859-1868.
APÊNDICES
119
APÊNDICE 1 - TCLE
120
Eu, Marilda Gonçalves Dias Facci, declaro que forneci todas as informações referentes ao
projeto de pesquisa supra-nominado.
________________________________________ Data:..............................
Assinatura do pesquisador
121
Qualquer dúvida com relação à pesquisa poderá ser esclarecida com o pesquisador, conforme
o endereço abaixo:
Qualquer dúvida com relação aos aspectos éticos da pesquisa poderá ser esclarecida com o
Comitê Permanente de Ética em Pesquisa (COPEP) envolvendo Seres Humanos da UEM, no
endereço abaixo:
COPEP/UEM
Universidade Estadual de Maringá.
Av. Colombo, 5790. Campus Sede da UEM.
Bloco da Biblioteca Central (BCE) da UEM.
CEP 87020-900. Maringá-Pr. Tel: (44) 3261-4444
E-mail: [email protected]
122
APÊNDICE 2
ROTEIRO DO QUESTIONÁRIO
123
Você toma ou tomou algum medicamento nos últimos 12 meses? ( ) Sim ( ) Não
Em caso positivo, qual (is) medicamentos?
( )Anticonvulsionante
( )Antidepressivo
( )Ansiolítico (calmante)
( )Outros: Especificar
Há quanto tempo faz uso?
3) Qual o diagnóstico do médico para o uso deste medicamento?
4) Você considera que existe relação entre o seu problema de saúde e a sua atividade profissional
de professora? Em caso positivo, qual seria essa relação?
124
PARTICIPANTES
20 a 25 anos 14 6,3
25 a 30 anos 13 5,8
Mais de 30 anos 4 1,8
Não respondeu à questão 18 8,1
20 a 25 anos 32 14,3
25 a 30 anos 11 4,5
Mais de 30 anos 10 4,9
Não respondeu à questão 19 8,5
FAFIMAN 21 9,4
UNOPAR 3 1,3
FAFIPA 6 2,7
UNISSA 2 0,9
UFPR 1 0,4
UNIMEO 5 2,2
UNIPAN 15 6,7
FAG 11 4,9
FECIVEL 2 0,9
USB 1 0,4
UNICESUMAR 5 2,2
UNIVEL 4 1,8
UNICENTRO 2 0,9
FUNDESTE 1 0,4
UNIASSELVI 1 0,4
UNESP 1 0,4
127
UNESPAR 1 0,4
UCB 1 0,4
UNIVALE 1 0,4
IFPR 1 0,4
UNINTER 1 0,4
ANHANGUERA 10 4,5
Não respondeu à questão 17 7,6
6 a 10 anos 9 9
10 a 12 anos 1 1
Mais de 12 anos 9 9
Não faço mais uso 3 3
Não especificaram 20 20 21 19
LEVANTAMENTO SCIELO
Descritores: Medicamento e escola
TITULO AUTORES (AS) ANO TIPO
Consumo de medicamentos em Clécio H. da Silva; 2004 Artigo
adolescentes escolares: uma Elsa R. G. Giuliani
preocupação