Atendimento Psicológico Aos Pacientes em Ventilação Mecânica

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Brazilian Journal of Development 20265

ISSN: 2525-8761

Atendimento psicológico aos pacientes em Ventilação Mecânica


Invasiva: relato de experiência em uma Unidade de Terapia Intensiva
na pandemia de COVID-19

Psychological care to patients in Invasive Mechanical Ventilation:


experience report in an Intensive Care Unit in the COVID-19
pandemic
DOI:10.34117/bjdv7n2-596

Recebimento dos originais: 25/01/2021


Aceitação para publicação: 25/02/2021

Stephanie Araújo Ribeiro de Souza


Pós-graduanda em Psicologia Perinatal pelo Instituto de Neuropsicologia Aplicada
(INAP)
Psicóloga de um programa de residência vinculado à Universidade de Pernambuco
(UPE)
Endereço: Av Conselheiro Rosa e Silva, n 1619, Bairro Graças – Recife/PE
E-mail: [email protected]

RESUMO
O relato de experiência objetivou discorrer sobre o atendimento psicológico aos pacientes
internados em UTI que estão em ventilação mecânica invasiva (VMI) durante o ano de
2020. A psicóloga realizou atendimentos aos pacientes e suas famílias, bem como
intervenções em conjunto com outras categorias profissionais visando a assistência
integral aos pacientes. Ainda foi utilizado como intervenção psicológica a comunicação
por vídeochamada ou chamada de voz, buscando proporcionar uma forma de presença
dos familiares ao paciente e atuando no sentido de acolher as reações emocionais que a
internação e a interação familiar ocasionavam. Após tais experiências, pode-se constatar
como a atuação psicológica, trabalhando de forma interprofissional, auxiliou na
minimização dos agentes ansiogênicos e das angústias decorrentes da utilização da VMI,
favorecendo em um desmame bem-sucedido. Por fim, salienta-se a necessidade de novos
estudos que aprofundem e ampliem as estratégias psicológicas interventivas junto aos
pacientes internados na UTI que estão em VMI.

Palavras-chave: Ventilação Mecânica, Psicologia, Unidades de Terapia Intensiva.

ABSTRACT
The experience report aimed to discuss psychological care for patients admitted to the
ICU who are on invasive mechanical ventilation (IMV) during 2020. The psychologist
provided care to patients and their families, as well as interventions in conjunction with
other professional categories comprehensive patient care. Communication by video call
or voice call was also used as a psychological intervention, seeking to provide a form of
presence of family members to the patient and acting to welcome the emotional reactions
that hospitalization and family interaction caused. After such experiences, it can be seen
how the psychological performance, working in an interprofessional way, helped in
minimizing the anxiogenic agents and the anguish resulting from the use of IMV, favoring
a successful weaning. Finally, there is a need for further studies to deepen and expand
psychological interventional strategies with patients admitted to the ICU who are on IMV.

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Keywords: Mechanical Ventilation, Psychology, Intensive Care Units.

1 INTRODUÇÃO
Este estudo se configurou enquanto um relato de experiência, sendo oriundo das
vivências de uma psicóloga residente no setor de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de
um hospital geral da rede pública de saúde do estado de Pernambuco. Assim, teve como
objetivo relatar as experiências de atendimento psicológico aos pacientes internados em
UTI que estão em Ventilação Mecânica Invasiva (VMI).
O paciente internado na UTI está submetido a vários agentes estressores, como: a
restrição ao leito, ruídos e iluminação constantes, procedimentos invasivos, além do
afastamento social. Tais fatores ocasionam uma série de repercussões emocionais,
influenciando na forma como ocorrerá a sua evolução clínica. A atuação interprofissional
neste contexto pode auxiliar na minimização de tais mobilizações emocionais,
potencializando o investimento e enfrentamento do paciente no seu processo de
tratamento e reabilitação. No tocante à VMI, seja esta realizada por traqueostomia ou pela
intubação oro/nasotraqueal, como decorrência deste procedimento, o paciente fica
impossibilitado de falar, o que agudiza todo o sofrimento mencionado anteriormente,
podendo interferir inclusive na recuperação do paciente. Assim, para que possa atuar
visando a saúde biopsicossocial do paciente e assim ser possível de intervir em sua
condição psíquica, o profissional de Psicologia deve encontrar outras formas de
comunicação através da linguagem não-verbal, visando possibilitar a expressão dos
sentimentos do paciente que se encontra em VMI (ARRUDA, 2019).
Devido à escassez de produção científica sobre atendimento psicológico nesses
casos, torna-se fundamental esta e outras pesquisas e relatos bem-sucedidos sobre tal
temática, para que possam contribuir com a capacitação teórico-técnica dos profissionais
intensivistas, bem como potencializar suas intervenções e práticas interprofissionais.
Além disto, esta pesquisa também torna-se relevante para a Psicologia enquanto ciência
e profissional, bem como para o âmbito da saúde pública considerando o contexto
pandêmico atual de COVID-19 e a necessidade de se pensar em novas práticas
profissionais que possam potencializar o cuidado e a assistência à saúde do usuário que
se encontra no serviço público de saúde.

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2 METODOLOGIA
A experiência de atendimento psicológico ocorreu durante o ano de 2020, tendo
como foco principal os pacientes que estavam em VMI. O hospital consta de três UTI’s,
as quais possuem uma estrutura sempre climatizada e iluminada, tendo uma equipe
multiprofissional própria que acompanham a evolução clínica dos pacientes internados
neste setor. Antes da pandemia, a visita familiar ocorria diariamente no período da tarde,
sendo autorizada a entrada de um familiar por vez. No final de cada visita, os profissionais
se comunicavam com a família de cada paciente, relatando sua condição clínica, podendo
assim a família estar ciente diariamente da evolução do paciente. A Psicologia participava
das visitas familiares, de forma a oferecer suporte emocional aos envolvidos, bem como
colher mais informações a respeito da dinâmica familiar e psíquica do paciente. Observa-
se como esta interação da tríade família-paciente-equipe favorece a minimização do
sofrimento psíquico dos sujeitos e no fortalecimento da confiança entre a tríade,
potencializando, inclusive, a recuperação do paciente.
Entretanto, com a ocorrência da pandemia de Covid-19 e a recomendação
governamental de diminuir a circulação de pessoas e aglomerações, foi decidido restringir
as visitas em todos os setores do hospital, de forma que os pacientes internados nas UTI’s
ficaram impedidos de ter contato com seus familiares, intensificando o seu sofrimento
psíquico e influenciando seu tratamento e recuperação. Além disto, uma das três UTI foi
separada para receber unicamente pacientes diagnosticados com o novo corona vírus,
estando mais isolada das outras duas.
A psicóloga residente está inserida dentro da equipe multiprofissional da UTI,
realizando atendimentos através de interconsulta e busca ativa aos pacientes e familiares,
e atuando na minimização do sofrimento decorrente do processo de internação, assim
como mediando a comunicação entre a tríade. A psicóloga atuou nas três UTI’s,
atendendo pacientes que se encontravam em VMI com ou sem COVID-19, mas que se
encontravam em um contexto emocional similar de isolamento dos familiares e
desconfortos ocasionados pelo suporte ventilatório.
No caso dos pacientes na UTI COVID-19, foi constantemente orientado aos
profissionais de esclarecessem assim que os pacientes chegassem no setor sobre o motivo
de terem sido transferidos para lá, visto que muitos desconheciam inclusive o próprio
diagnóstico, assustando-se pela paramentação dos profissionais e pelos aparelhos que lhes
eram colocados. Assim, foi realizado um trabalho de sensibilização com a equipe visando
favorecer em um maior acolhimento dos pacientes e maiores esclarecimentos quanto ao

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seu estado de saúde e sobre a necessidade da paramentação. Tais questões foram pontos
emergenciais nos atendimentos psicológicos aos pacientes com COVID-19, somando-se
ainda ao sentimento de desamparo e solidão pelo afastamento da família e o medo do seu
diagnóstico e prognóstico, sendo agudizado por ser muitas vezes a primeira internação
hospitalar do paciente, fazendo com que o ambiente fosse estranho e ameaçador para o
mesmo.
Devido à dificuldade de comunicação verbal dos pacientes em VMI sem sedação,
buscaram-se alternativas para que fossem feitas intervenções através da linguagem não-
verbal. Assim, utilizou-se os significados produzidos pelos olhares, gestos, leitura labial
e escritas para que pudessem nortear os atendimentos psicológicos e possibilitar a
comunicação entre a tríade. Também foram aplicados instrumentos que continham
imagens e palavras para que o paciente pudesse indicar o(s) sentimento(s) que estava
vivenciando naquele momento, bem como possíveis necessidades, desde fisiológicas, até
àquelas de ordem emocional, como falar com a família ou saber o seu diagnóstico e/ou
prognóstico. Além do atendimento aos pacientes, também foram realizados
acompanhamento psicológico aos seus familiares que, enquanto antes da pandemia eram
feitas fisicamente, em uma sala reservada ou mesmos nos corredores fora da UTI, com as
restrições das visitas passou a ocorrer através de ligações telefônicas.
Como forma de tentar possibilitar um retorno aos familiares sobre a condição
clínica do paciente, o hospital separou algumas médicos que ficassem responsáveis para
dar notícias quanto ao estado de saúde do paciente, disponibilizando assim aos familiares,
dois contatos telefônicos que poderiam ligar para ter acesso a tais informações. Tal
organização foi realizada durante o início da pandemia em Março/2020, mantendo-se
assim até o final do ano, mesmo com as dificuldades vivenciadas nesse processo.
Durante os atendimentos psicológicos aos familiares, foi observado intenso
sofrimento psíquico pela impossibilidade de verem seus parentes internados, sendo uma
das queixas mais trazidas a dificuldade de ter notícias a respeito do estado de saúde do
paciente através de tais contatos telefônicos. Assim, foi evidenciado como na maioria das
tentativas, as ligações não eram atendidas, ou quando atendiam, os profissionais
realizavam uma leitura do prontuário, que muitas vezes era conciso e com poucas
informações que pudessem esclarecer aos familiares como o paciente estava,
possibilitando um aumento considerável em sua ansiedade e sofrimento. Assim, tais
questões foram pontos emergenciais nos atendimentos psicológicos, buscando mediar o
canal de comunicação entre a tríade, oferecendo suporte emocional aos familiares e

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possibilitando um maior enfrentamento neste período tão difícil e doloroso para os


envolvidos.
Quanto as inquietações e queixas observadas nos pacientes durante este período,
foram principalmente: o desconforto e dores ocasionados pelas patologias
orgânicas/psíquicas ou mesmo pela não realização adequada da mudança de decúbito; e
preocupações extra-hospitalares, como o trabalho ou algum parente, trazendo inclusive
um sentimento de abandono pela impossibilidade de ver seus familiares. A psicóloga
realizou estimulação sensoperceptiva visando favorecer a orientação do paciente, visto
que o ambiente da UTI pode favorecer a ocorrência de quadros de confusão mental nos
pacientes, sendo necessário intervenções profiláticas, e quando detectados inícios de tais
sintomas, intervir visando a minimização e até extinção de tal confusão, quando é
puramente de ordem ambiental e psíquica, sendo necessária a avaliação multidisciplinar
para investigar a origem de tal desorientação.
Além disto, também foram realizados atendimentos psicológicos aos pacientes
com foco na sua internação e adoecimento, considerando as necessidades singulares de
cada caso, bem como intervenções em conjunto com outras categorias profissionais,
buscando possibilitar conforto e bem-estar biopsicossocial. Em relação aos incômodos
ocasionados pela VMI, a psicóloga interviu principalmente junto a Fisioterapia nos
pacientes que encontravam-se agitados com a utilização do suporte ventilatório. Era feito
atendimento psicológico utilizando formas de comunicação não-verbal para expressar
suas angústias (como gestos, leitura labial, etc). Paralelamente, a Fisioterapia auxiliava
na monitorização da VMI, bem como na leitura labial por ter mais facilidade de
compreensão pela permanência constante dentro da UTI. Além disso, também foram
realizadas intervenções em conjunto com a equipe médica, de Enfermagem e Serviço
Social. Tais atuações interprofissionais demonstraram as possibilidades de uma
intervenção conjunta de diferentes saberes visando a assistência integral à saúde do
paciente.
A suspensão das visitas desencadeou a busca por novas formas de presença dos
familiares para os pacientes, sem que houvesse o contato físico. A solução encontrada foi
através dos recursos tecnológicos subutilizados no âmbito hospitalar. Uma das estratégias
foi a visita ao leito virtual, um programa do governo de Pernambuco criado para
possibilitar o contato entre pacientes internados com Covid-19 e seus familiares por meio
de videoconferência. Tal programa foi implementado através da Nota Técnica nº 22/2020

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- GAB/SEAS (BRASIL, 2020). Esta e outras estratégias criadas a partir da pandemia


demonstraram as diversas possibilidades terapêuticas que a tecnologia pode ofertar.
Durante a vivência com os pacientes em VMI internados na UTI, utilizou-se como
intervenção psicoterapêutica a comunicação por vídeochamada ou chamada de voz,
buscando proporcionar uma forma de presença destes familiares ao paciente. Quando não
era possível realizar a ligação devido a condição clínica do paciente, ou caso o mesmo
não desejasse uma comunicação síncrona devido a sua limitação da fala, foram mostrados
vídeos/áudios gravados pelos familiares, com mensagens de incentivo, conforto e
amorosidade. Tal estratégia dos vídeos/áudios gravados também foi realizada nos
pacientes em VMI que estavam com algum grau de sedação, sendo percebidas reações
fisiológicas e emocionais ao ouvirem a voz de seu ente (aumento dos batimentos
cardíacos, abertura dos olhos, lágrimas, etc), demonstrando que existe consciência sobre
o que ocorre ao seu redor. Também foram realizadas leituras de cartas elaboradas pela
família, com apelidos e frases utilizados entre seus membros, e ao pronunciar tais
expressões, foram percebidas as mesmas reações citadas. Após tais estímulos, foram
realizados atendimentos psicólogos visando oferecer suporte emocional aos envolvidos,
tanto pacientes como familiares.
É importante salientar que antes de realizar tais intervenções, houve o
consentimento de ambas as partes, respeitando o desejo do paciente sobre se e com quem
ele gostaria de se comunicar, e de que forma, seja interação síncrona ou assíncrona. No
caso dos pacientes com algum grau de sedação, foram realizadas entrevistas com a rede
socioafetiva, visando compreender a dinâmica relacional do paciente e com quem este
possuía maiores vínculos, de forma a propiciar o contato entre o paciente e esta figura de
apoio, seja esta um membro de sua família (pais, filhos, irmãos, avós, cônjuge, etc) ou de
sua rede social (amigos, vizinhos, etc). Após o desmame ventilatório e consequente
adaptação a respiração espontânea, alguns pacientes trouxeram em seu discurso, durante
os atendimentos psicológicos, lembranças ou mesmo sonhos sobre tais interações com os
familiares, rememorando-os e considerando-os como um amparo emocional para o
momento que vivenciaram durante a internação na UTI e o uso da VMI.
Os recursos que foram utilizados ao longo da vivência da psicológica visando a
comunicação não-verbal, foram principalmente: o uso de sinalizações e gestos, leituras
labiais, toques; a articulação com profissionais de outras categorias visando auxiliar na
comunicação efetiva com o paciente; e no caso dos pacientes alfabetizados, pode-se
utilizar instrumentos de comunicação escrita, visando a expressão dos sentimentos dos

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pacientes e na comunicação de seus desejos. Tais recursos são essenciais para a expressão
dos sentimentos dos pacientes, podendo através destes, intervir para a ressignificação do
momento vivenciado. Também podem funcionar como mediação na comunicação da
tríade paciente-equipe-família, possibilitando uma maior transparência e articulação entre
os sujeitos.
No caso dos pacientes inconscientes, que não foi possível encontrar formas
alternativas de comunicação, buscou-se trazer para a equipe e família a importância de
considerar a subjetividade dos pacientes, considerando-os como sujeitos ativos na
hospitalização, mesmo quando não possam falar por si. Da mesma forma, buscou-se
refletir sobre a importância da família na internação do paciente, incluindo a rede
socioafetiva nesse processo, esclarecendo-os, ainda que remotamente, sobre o quadro
clínico e emocional do paciente, as possíveis alterações vivenciadas ao longo da
internação e sobre os procedimentos que o paciente necessita realizar, nesse caso, sobre
a VMI e até mesmo do processo de desmame ventilatório. Também foram feitos trabalhos
de psicoeducação com a equipe, trazendo sobre formas de humanização do cuidado,
principalmente quanto a importância de sempre se identificar antes de tocar o paciente e
comunicar os procedimentos que precisam realizar e qual a finalidade destes, mesmo que
o paciente não possa interagir por encontrar-se inconsciente.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Um dos aspectos relacionados à UTI é o suporte ventilatório, que tem como
objetivo aliviar o trabalho da musculatura respiratória. A ventilação mecânica pode ser
classificada em: invasiva, que utiliza tubo oro/nasotraqueal ou traquestomia, e não-
invasiva, utilizando uma máscara como interface entre o paciente e o ventilador artificial.
Embora a ventilação mecânica seja um dos principais recursos utilizados no tratamento
de pacientes graves na UTI, esta pode ocasionar diversas complicações, tornando
fundamental o rápido retorno do paciente à respiração espontânea. Devido a isto, inicia-
se o desmame ventilatório após a solução do motivo que fez o paciente ir para a VMI. O
desmame é efetuado através de diferentes estágios e é considerado bem-sucedido quando
o paciente se mantém na ventilação espontânea por pelo menos 48 horas (ARAÚJO;
ASSIS; SCIAVICCO, 2019; ARRUDA, 2019; CARVALHO; TOUFEN JUNIOR;
FRANCA, 2007; GOLDWASSER et al., 2007).
Os pacientes que utilizam a VMI comumente encontram-se sedados, porém
também ocorrem casos em que os pacientes estão acordados ou já estão em processo de

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desmame e interrompendo diariamente a sedação. Esse processo envolve diversos


aspectos físicos, como dores, desconforto ao respirar, sensação de sufocamento e náuseas,
bem como emocionais, como medo, ansiedade e irritação (ARRUDA, 2019). Ao trabalhar
essas questões no acompanhamento interprofissional, é possível proporcionar uma
melhor adaptação do paciente à VMI e no processo de desmame ventilatório, ratificando
o que foi observado durante a prática na UTI.
Dependendo da complexibilidade da COVID-19 e outras patologias que os
pacientes tenham adquirido, este pode permanecer por um tempo prolongado na UTI, o
que predispõe a inúmeras complicações relacionadas à imobilidade, ocasionando ainda
mais sofrimento psíquico ao paciente (FURTADO; et al, 2020). Nesse sentido, o
acompanhamento psicológico, em conjunto com outras categorias, em particular a
Fisioterapia, forneceu um amparo emocional e minimização dos fatores ansiogênicos, a
partir da identificação de desconfortos e incômodos biopsicossociais. Também
possibilitou a expressão das preocupações e angústias além da fala, proporcionando um
maior fortalecimento psíquico no paciente e, consequentemente, numa melhor adaptação
na ventilação espontânea e um desmame ventilatório bem-sucedido.
O atendimento psicológico ao paciente impossibilitado de fala, neste caso devido
ao uso de VMI, é um desafio para a área da Psicologia, cuja atuação se pauta
principalmente no campo da fala. Diante disto, torna-se imprescindível que o profissional
de Psicologia possua flexibilidade na sua prática, visto que a técnica centrada unicamente
na fala e na escuta não é efetivo nesses casos. Apesar do universo envolvendo psicologia
intensivista se encontrar bastante com cenários envolvendo limitações na linguagem, são
escassos as pesquisas envolvendo possibilidades de intervenções com esse público,
tornando-se necessário o aprimoramento de novas práticas psicológicas no setor da UTI,
principalmente envolvendo pacientes em VMI (ORTIZ; GIGUER; GRZYBOWSKI,
2016).
Ortiz, Giguer e Grzybowski (2016) ainda apontam que pela comunicação ser um
elemento fundamental para a vida humana, sua restrição acaba afetando não apenas a
expressão dos sentimentos e frustrações dos pacientes, mas também na sua garantia de
autonomia durante a internação. Tais limitações é frustrante para o paciente, a família, e
inclusive para a equipe de saúde, que enfrentam dificuldade na articulação junto ao
paciente, e até mesmo na prática de um cuidado humanizado, pois segundo as autoras, “a
ausência da fala traz novos desafios para o cuidar” (p. 45).

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Tais dificuldades inclusive levantam a necessidade de (re)pensar a prática da


Psicologia enquanto uma atuação pautada na fala verbal, visto que na diversidade
envolvendo o ser humano, também encontram-se indivíduos que não possuem tal forma
de comunicação, como as pessoas surdas ou mudas, ou mesmo pessoas surdocegas.
Diante disso, é inevitável questionar-se: como a Psicologia pode incluir esta diversidade
de pacientes, se continua pautando-se única e exclusivamente na fala? Devido a isto, é
imprescindível a necessidade de buscar diferentes formas terapêuticas que possam
abarcar e representar diferentes subjetividades e cenários.
A psicóloga durante sua experiência com os pacientes em VMI, atuou no sentido
de acolher as reações emocionais que a internação e a interação familiar ocasionavam,
tendo sido observado, nos pacientes que estavam em processo de desmame ventilatório,
uma diminuição da ansiedade e nas outras reações emocionais decorrentes do processo
de hospitalização, sendo observado um maior relaxamento e adaptação ao suporte
ventilatório. Quanto à família, observou-se que com os atendimentos psicológicos, a
mediação da comunicação entre a tríade, e a interação virtual junto ao paciente, houve
um maior fortalecimento emocional durante a internação do paciente, bem como uma
minimização do sofrimento das famílias diante da distância imposta pelos cuidados
sanitários devido a pandemia.
Considerando a impessoalidade do ambiente hospitalar, que reduz o paciente a
doença e leito, é indispensável uma atuação pautada na humanização e singularização do
cuidado. Sendo o profissional de Psicologia capacitado para ter um olhar individualizado
e uma escuta para o sofrimento do paciente, este tem como um dos seus papeis a mediação
da relação entre paciente e equipe, de forma a destacar as idiossincrasias e funcionamento
emocional que podem facilitar ou dificultar a adesão ao tratamento e reabilitação
(VIEIRA; WAISCHUNNG, 2018). Desta forma, torna-se fundamental a capacitação do
psicólogo intensivista para que possa se efetivar práticas de cuidado, contribuindo com
seus saberes e na atuação interprofissional aos pacientes da UTI em VMI. Entretanto,
estudos demonstram como é incipiente a produção científica sobre esta temática, sendo
ainda mais enfatizada no campo da Psicologia Intensivista (ARRUDA, 2019; CASTELO
BRANCO; ARRUDA, 2020), o que destaca a importância de existirem mais discussões
e pesquisas empíricas nesta temática.
Torna-se necessário buscar estratégias de humanização do cuidado, bem como
integrar o familiar como parte deste processo, e mediar a comunicação entre a tríade
paciente-família-equipe para melhor favorecer a recuperação deste paciente e a garantia

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e confiança na assistência prestada (ARRUDA, 2019; WRZESINSKI; BENINCÁ;


ZANETTINI, 2019). As estratégias utilizadas na UTI demonstraram a importância da
presença, ainda que de novas formas, dos membros da família para o bem-estar
biopsicossocial do paciente. Neste cenário, a psicóloga proporcionou à família um espaço
para expressar seus sentimentos, medos e fantasias relacionados a patologia do paciente,
buscando facilitar a comunicação destes com a equipe.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta experiência possibilitou um aprendizado sobre as possibilidades de
atendimento aos pacientes impossibilitados de fala, porém suscitou algumas inquietações.
Uma delas sendo a necessidade de (re)pensar formas de atuação e intervenção, visto que
a Psicologia se baseia intensamente na linguagem verbal, sendo continuamente um
desafio e até mesmo empecilho nos atendimentos quando o profissional se depara com
circunstâncias em que não é possível esta forma de comunicação. Além disso, levanta-se
a possibilidade da criação de protocolos de atendimento a esses pacientes, buscando
enfatizar a importância do atendimento psicológico nesses procedimentos de suporte
ventilatório e a influência do aspecto emocional nesse processo.
A atuação psicológica, trabalhando de forma interprofissional, pode auxiliar na
minimização dos agentes ansiogênicos e das angústias decorrentes da utilização da VMI,
favorecendo um desmame bem-sucedido e diminuindo as eventuais complicações do uso
prolongado da VMI. Por fim, salienta-se a necessidade de outros estudos relacionados à
temática, buscando aprofundar e ampliar as estratégias psicológicas interventivas junto
aos pacientes internados na UTI que estão em VMI, bem como pesquisas empíricas que
envolvam a influência do atendimento psicológico no desmame ventilatório.

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