K-Pop Confidencial - Lee, Stephan - 240623 - 111132
K-Pop Confidencial - Lee, Stephan - 240623 - 111132
K-Pop Confidencial - Lee, Stephan - 240623 - 111132
***
S.A.Y. ENTERTAINMENT,
A EMPRESA QUE TROUXE A VOCÊ
A SENSAÇÃO GLOBAL NÚMERO 1 SLK,
ESTÁ PROCURANDO POR SEU PRIMEIRO GIRL GROUP.
SEJA DESCOBERTA,
NAS AUDIÇÕES GLOBAIS DA S.A.Y.,
ROYAL OAK THEATER,
EM PALISADES PARK, NOVA JERSEY,
19 DE ABRIL.
Caio no riso.
— Eles vão avaliar cantoras ou arranjar namoradas para os
garotos?
Imani não está rindo, ela está olhando para mim.
— Você deveria tentar, Candace.
Eu me recuso a responder.
— E logo em Palisades Park? Será que foi um erro na
transmissão? Por que uma gravadora de K-pop recrutaria em
Jersey?
Ethan também não está rindo.
— Bom, Jersey é onde os jovens coreano-americanos do
subúrbio vivem. — Ele gesticula para mim como se dissesse “Você
é a prova viva”.
— Você deveria tentar — Imani repete, séria.
— Ha, ha. — Reviro os olhos. — Você consegue imaginar meus
pais me deixando largar a escola pra fazer parte de um grupo de K-
pop? Além do mais, eu pareço uma idol pra você?
Imani passa os olhos sobre meus pés descalços e machucados,
meu jeans rasgado e meu moletom preto gigante com capuz.
— Não, nem um pouco. Mas você tem potencial debaixo de…
tudo isso. Além disso, você tem ideia do que isso significa? A S.A.Y.
é a empresa de entretenimento mais poderosa do K-pop no
momento por causa do SLK. Uma versão feminina do SLK seria TUDO!
— E você canta — Ethan diz. — Agora mesmo quando a gente
estava cantando “Unicorn”, você estava arrasando.
— Mano, eu sempre te disse — Imani fala. — Você tem uma voz
de anjo. Você precisa compartilhar isso com o mundo.
Imani já me disse esse tipo de coisa antes. É um belo elogio,
claro, mas, por alguma razão, meus olhos ficam um pouco
marejados. Deve ser pela mesma razão que me faz ter vergonha de
admitir o quanto amo K-pop.
Eu não me incomodo de falar sobre minhas artistas americanas
preferidas, como Ariana e Rihanna, mas agora que o SLK agraciou a
capa da Vanity Fair e o QueenGirl se apresentou com a Cardi B nos
VMAs, tudo ficou um pouco real demais. Talvez pessoas como eu
possam mesmo ser estrelas também, se tiverem talento e a
possibilidade de se arriscarem. No fundo, acho que posso ter talento
suficiente. Mas coragem? Com certeza não.
Olho para o violão rosa da Barbie no canto do meu quarto. Foi o
presente do meu pai no meu aniversário de doze anos; ele comprou
seguindo o preceito paternal de que toda garota ama rosa-choque (e
eu meio que amo). Meu abba me ensinou alguns acordes básicos e,
diferentemente da viola, eu aprendi a tocar violão imediatamente,
como se fosse uma parte perdida do meu corpo – talvez porque eu
sempre tenha visto o violão como uma ferramenta para cantar. Eu
assisti a tutoriais de dedilhado no YouTube e aprendi a tocar as
músicas mais antigas da Taylor Swift. Agora meu violão é meu bem
mais precioso, a primeira coisa que eu salvaria de um incêndio.
Mesmo assim, só toco na privacidade do meu quarto. Faço vários
covers e componho algumas músicas. Às vezes filmo a mim mesma
e já pensei em postar alguns vídeos no YouTube – cantando uma
versão acústica de “Here With Me”, de CHVRCHES e Marshmello, e
uma música emotiva que escrevi chamada “Expectations vs. Reality”
–, mas esses vídeos são apenas arquivos no meu computador,
salvos na minha área de trabalho bagunçada no meio de trabalhos
de literatura avançada e relatórios de práticas no laboratório de
biologia.
— Humm — digo. — Vou pensar.
— Mano — Imani diz, abrindo um monte de abas no meu
computador —, acho que você está subestimando o K-pop. Não é
só um gênero musical. Me deixa ser sua guia no universo dos girl
groups.
Imani nos mostra clipes – os Music Videos, ou MVs, como são
chamados no K-pop – de vários tipos de girl groups, como
QueenGirl, Blackpink, Twice, Red Velvet, Everglow e Itzy. Já assisti
a muitos MVs do SLK, mas nunca dei muita atenção aos grupos
femininos. Não desse jeito. Os visuais e a coreografia são
maravilhosos, as garotas são todas incrivelmente lindas e há vários
gêneros e influências, incluindo hip-hop, reggae e EDM.
Enquanto mostra os vídeos, Imani explica a diferença entre
Conceito Girl Crush e Conceito Cute em girl groups de K-pop.
Ela também explica as regras do K-pop como se estivesse
falando dos reinos de Game of Thrones. Há quatro empresas
principais: YG, JYP, SMTown e S.A.Y., e elas recrutam talentos no
mundo todo – em sua maioria na Coreia, mas também no Japão, na
China, na Tailândia e nos Estados Unidos, geralmente em Los
Angeles. Elas procuram jovens talentosos, claro, mas jovens
talentosos que cumpram um papel específico que todo grupo de K-
pop precisa.
— Então é tudo uma fórmula? — pergunto.
— Quer dizer, não é só isso — Imani diz —, mas sim, o K-pop é
meio que uma fábrica de idols. As empresas visitam escolas,
audições, shoppings e, ultimamente, YouTube e outras redes
sociais. Se os jovens que eles recrutarem não forem
supertalentosos, as empresas vão se certificar de que eles se
tornem supertalentosos. Tem todo esse sistema rígido de
treinamento pelos quais eles precisam passar antes do debut,
geralmente por anos. A grande maioria dos trainees nunca debuta
depois de passar a infância inteira treinando. É um negócio super
Jogos vorazes.
Umma aparece na porta. Quando Ethan está no meu quarto, não
posso fechar a porta, mesmo que umma saiba que não há nada
com o que se preocupar.
— Estão se divertindo, crianças?
— Sim, senhora Park! — Imani e Ethan respondem.
— Imani está nos ensinando K-pop Nível Avançado — Ethan diz.
— Eu vou testar vocês dois — Imani brinca.
— Que festa — umma diz. Posso ver um toque de reprovação em
seu rosto. — Imani, sua irmã veio buscar você e o Ethan. Vou pegar
um pouco de kimchi pra vocês levarem.
— Obrigada, senhora Park!
***
Depois que Imani e Ethan vão embora, não consigo parar de ver
outros MVs de girl groups. Eu não tinha ideia de quantos tipos de
garotas você pode ser como idol – a fofa, a rebelde, a rainha da
moda, ou as três ao mesmo tempo. Por que eu nunca pensei nisso
como uma possibilidade para mim mesma?
Bom, essa pergunta é idiota. Há tantas razões óbvias pelas quais
eu jamais poderia sonhar ser uma idol. Em primeiro lugar, meu
coreano é horrível; nunca tive que fazer aulas de coreano aos
sábados como as pessoas da igreja que conheço. Depois, eu
definitivamente não sei dançar. Tipo, eu não consigo nem balançar
meu punho no estilo Jersey Shore – sou ruim assim.
E, é claro, meus pais sempre acabaram com qualquer conversa
sobre ser cantora antes mesmo de elas começarem. Umma enfiou
na minha cabeça e na de Tommy que só existem três, talvez quatro,
áreas respeitáveis que podemos seguir: medicina, direito,
administração ou carreira acadêmica – nessa ordem. Cantar está
bem no final da lista, provavelmente entre ser uma traficante e uma
assassina.
Finalmente saio do YouTube e pego meu violão, me certificando
de que a porta está fechada. Aperto o botão de gravar na câmera do
notebook.
Sei que esse vídeo só vai se perder na bagunça da minha área
de trabalho como todos os outros. Jamais será postado. Mesmo
assim, gosto de gravar porque – e isso é estranho e supermacabro
– eu imagino que, se eu for atropelada por um ônibus escolar ou
algo do tipo, gostaria de deixar esses vídeos para que as pessoas
soubessem: Candace sabia mesmo cantar. Candace tinha algo para
dizer esse tempo todo.
Toco os acordes iniciais de “Expectations vs. Reality”. Canto
suavemente:
Expectativas:
Eu não gosto de confrontos
Eu não recebo convites
Eu vivo na minha imaginação
Realidade:
Você acha que me conhece
Mas há muitas coisas que você não vê
Espere só até eu me tornar quem eu nasci pra ser
O.k, eu sei que a letra é brega e minhas rimas não são tão boas
como as de Hamilton, mas estou me abrindo por inteira aqui.
ARRASOUUUUUU!!!!!!!!!!
CAPÍTULO 2
Uma em um bilhão
Imani espia por cima do meu ombro. Imagino que ela vai me dizer
para levar as perguntas mais a sério, mas ela só diz:
— Ótimo. Você está mostrando que tem personalidade. Ah, e as
suas escolhas de artistas de K-pop preferidos são muito boas. Você
aprende rápido, jovem Padawan.
Entrego meu formulário para a garota emburrada das inscrições,
que me dá uma folha de papel com um número para prender à
minha roupa: 824. Vejo isso como um bom sinal — meu aniversário
é no dia 24 de agosto.
Ethan pega seu celular para me filmar:
— Como você se sente sabendo que está prestes a ser escolhida
para a versão feminina do SLK?
Faço um sinal da paz e mostro o sorriso mais fofo que consigo,
minha imitação de uma idol perfeita.
— Nada disso vai acontecer — digo por trás do meu sorriso
exagerado. — Vou cantar a minha música, ser rejeitada e fingir que
isso nunca aconteceu.
— Ai, como você é chata — Ethan diz, guardando seu celular.
Olho ao redor. O cinema, hoje fechado para o público, está cheio
de jovens que parecem fazer parte de uma convenção de cosplay:
muita gente com delineador pesado, cabelo neon, gargantilhas e
maquiagem gótica pálida. Outros fazem mais o estilo hip-hop, com
jeans largos e correntes. Todos estão dançando break ou fazendo
aquecimento vocal, dando tudo de si para cantar versões à capela
de hits do K-pop como “Loser”, do Big Bang, ou “Love Whisper”, do
GFriend. Nunca me senti tão deslocada. Faltei uma aula
preparatória do vestibular para vir aqui.
Percebendo meu nervosismo, Imani diz:
— Vamos fazer as Mãos da Diversidade pra dar sorte.
“Mãos da Diversidade” é uma das nossas piadas internas, em
que imitamos a foto de uma cartilha que o conselheiro da escola, sr.
Torrence, tem no escritório dele sobre “Celebrar a Diversidade”.
Juntamos nossas mãos e admiramos as diferenças: a mão negra de
Imani; a mão pálida, meio peluda de Ethan; e a minha. Não sei por
que as pessoas dizem que a pele dos asiáticos é amarela, porque
não é, mas é definitivamente diferente das outras duas.
— Ora, veja só — Ethan diz em sua voz de Pai Chato.
Quando meu nome finalmente é chamado, Ethan me ajuda a
pendurar meu violão cor-de-rosa ao redor dos meus ombros. Eu e
outros dois candidatos entramos no auditório, onde subimos em um
pequeno palco na frente da tela IMAX. Depois que meus olhos se
ajustam à luz do holofote brilhando sobre mim, vejo três pessoas na
plateia: um cinegrafista nos filmando, um cara com óculos estilosos
e de colete e uma mulher de aparência poderosa vestindo um terno
com um sorriso neutro congelado em seu rosto. Já sei que ela é a
pessoa que eu realmente devo impressionar.
— Em nome da S.A.Y. Entertainment, Manager Kong agradece a
todos vocês por virem à audição — diz o homem de óculos.
Manager Kong deve ser a mulher poderosa. — Meu nome é
Brandon Choi e serei seu intérprete hoje. Vocês terão até um minuto
pra cantar, dançar ou apresentar um monólogo com base na
habilidade que escolheram. Quando pedirmos para pararem,
significa que já vimos o bastante. Por favor, não continuem.
Primeiro, temos o número 822, Ricky Townshend, que vai cantar…
“Jebal”. É isso mesmo?
Um garoto negro com cabelo rosa dá um passo à frente. Depois
de fazer uma rápida oração em silêncio, Ricky começa a cantar uma
balada incrivelmente triste em um coreano perfeito. Mesmo com
meu conhecimento básico da língua, sei que jebal significa “por
favor” – ou algo mais intenso que “por favor”; é mais tipo “pelo amor
de Deus, por favor!!!” (umma sempre grita: jebal, vá praticar sua
viola!). Ricky arrasa desde a primeira nota. Além de seu coreano ser
melhor do que o meu, ele traz uma emoção dolorosa para a letra.
Quando ele termina, estou arrepiada e não consigo não aplaudir até
que Brandon, o intérprete, me lança um olhar de reprovação.
O próximo é um cara descendente de coreanos com tranças-raiz
que decide apresentar um rap que ele mesmo escreveu. Ele se
autointitula ANTIKDOTE e suas habilidades são tão boas quanto seu
nome. A sra. Kong e Brandon mandam ele parar depois de dez
segundos.
Eu sou a terceira e última do grupo. Dou um passo à frente.
— Vou apresentar uma versão acústica de “Bad Guy”, da Billie
Eilish — digo, balançando a cabeça. Por causa do meu violão, não
consigo fazer uma reverência profunda e adequada, como se
espera na Coreia.
Mal enxergo a sra. Kong ou o intérprete, apenas suas silhuetas.
Prendo a respiração e dedilho o primeiro acorde.
Quando começo a cantar, percebo que estou acelerando um
pouco, mas não consigo evitar – de repente, sinto vergonha da
música que escolhi. Minha voz soa fina para mim, provavelmente
porque não canto mais alto que um sussurro há anos. Eu devo estar
parecendo uma criança de doze anos com meu violão cor-de-rosa.
Ninguém acreditaria que sou “do tipo que deixa sua mãe triste”,
como diz a letra. Eu deveria ter escolhido uma música da Carly Rae
Jepsen ou algo do tipo.
Eu só esperava cantar a primeira estrofe e o refrão, mas não
ouço ninguém me parar. Ou talvez eles estejam gritando para que
eu pare, mas não os escuto porque é como se estivesse fora do
meu corpo – meu cérebro desligou e meus dedos estão se mexendo
por reflexo. Na parte instrumental da música, eu paro de cantar e
apenas assobio enquanto dou tapinhas no meu violão conforme a
batida.
No final da música, eu interrompo meio que de repente e a ficha
cai mais uma vez: estou parada em uma sala de cinema vazia
tentando ser escolhida para fazer parte de um grupo de K-pop. Faço
outra reverência. O lugar está completamente silencioso e dou um
passo para trás para meu lugar ao lado de Ricky e ANTIKDOTE.
— Boa — Ricky sussurra para mim.
— Você também — sussurro de volta.
A sra. Kong e Brandon murmuram um para o outro. Percebo que
meu corpo inteiro está literalmente tremendo. Uma gota de suor
escorre pela minha têmpora.
Brandon finalmente pigarreia.
— Obrigado a todos por virem hoje. Apreciamos seu tempo e
esforço, mas estamos procurando por características muito
específicas hoje. Todos estão dispensados.
Essa doeu.
Eu tinha zero expectativas para a audição, mas, mesmo assim,
meu coração derrete como um relógio de Salvador Dalí e escorre
até meu estômago.
Começo a seguir os outros dois para fora do palco quando, de
repente, Brandon diz:
— Exceto a 824. Todos estão dispensados, exceto a 824. 824,
por favor, continue no palco.
Deixo escapar um gritinho. Sério, o intérprete estava sendo
dramático de propósito, como se fosse uma eliminação falsa de
reality show.
Fico parada e aceno tristemente para Ricky – ele precisa virar um
cantor de alguma forma, seja de K-pop ou não – antes de focar na
minha próxima tarefa. Se eles quiserem ouvir outra música, decorei
como tocar “Since U Been Gone”, da Kelly Clarkson.
— Por favor, tire seu violão — o intérprete diz.
Droga. O.k., eu consigo cantar à capela.
Ponho meu violão no chão, me sentindo toda nua e vulnerável, o
que odeio fazer com meu bebê — ele não é minha viola.
— A sra. Kong agradece pela versão criativa de “Bad Guy” —
Brandon diz. — Que tipo de música você gostaria de dançar?
Eita.
— Dançar? — digo. — Desculpa, acho que houve um engano. Eu
só me inscrevi para a audição de canto.
Silêncio.
— Bom, qualquer idol vai precisar dançar.
Não importa como, mas preciso dar um jeito de não dançar na
frente dessas pessoas.
— Me desculpe… foi a sra. Kong quem disse isso ou só você?
— O quê? — Brandon diz.
Não era a minha intenção soar arrogante, mas sei que soou
assim.
— Desculpa, é que eu não entendo por que preciso dançar em
uma audição de canto.
Brandon e a sra. Kong deliberam em coreano. Ele se volta para
mim e diz:
— Não precisa fazer nada espetacular. Só queremos ver você…
sentir a música.
— Sentir? — pergunto, completamente atordoada. — Desculpa,
não entendi a tarefa…
Antes que eu me dê conta, o sistema de som do cinema começa
a tocar “Havana”, da Camila Cabello. Sinto meu estômago revirar.
Congelo.
Eu literalmente esqueço como é ser um humano com um corpo
conectado ao cérebro. Uma estrofe inteira toca e eu ainda não me
mexi.
Faça alguma coisa, Candace! Grito para mim mesma
mentalmente.
Vejo as silhuetas de Brandon e da sra. Kong se mexerem em
seus assentos. Olho para a luz vermelha da câmera gravando este
momento humilhante. De repente, sinto que estou fora do meu
corpo, assistindo a mim mesma – eu me vejo fazendo arminhas com
as mãos.
Para o que é que estou atirando, além das minhas chances de
ser uma idol? Agora, para o meu horror, estou fazendo o passo do
cabbage patch. Depois o sprinkler. Então o floss. Todas as danças
bregas que vi Tommy fazer no casamento da tia SoonMi, em
Franklin Lakes, no ano passado.
Sem outras ideias, imagino o que uma participante de RuPaul’s
Drag Race faria quando está prestes a perder no “Lip Sync For Your
Life” e está desesperada para fazer alguma coisa extravagante
enquanto ainda há tempo. Não consigo abrir um espacate aéreo ou
fazer um death drop ou arrancar minha peruca. Mas consigo fazer
algo que mais ou menos se parece com voguing.
Faço gestos forçados com meus braços como se fosse uma
controladora de voo mal-humorada – minha tentativa de fazer um
waacking. Depois, me agacho e tento fazer um duck walk, como já
vi Ethan fazer com facilidade um milhão de vezes, mas logo percebo
que minhas coxas não são fortes o suficiente. A música para
abruptamente bem na hora em que estou caindo de bunda no chão.
— Pare! — o intérprete brada. — A sra. Kong e a S.A.Y.
Entertainment agradecem sua participação.
Eu me levanto, totalmente humilhada. Faço uma reverência na
direção da sra. Kong e murmuro “obrigada” em coreano formal:
“gamsamnida”. Pego meu violão e saio do auditório, jogando
mechas de cabelo sobre meu rosto para esconder o fato de que ele
provavelmente está tão vermelho quanto um pote fervente de kimchi
jjigae.
CAPÍTULO 3
Número desconhecido
***
Depois de alguns minutos folheando meu livro de exercícios de
biologia avançada, abro o YouTube para assistir a mais alguns
vídeos de K-pop. Há um ponto vermelho ao lado do sininho no canto
superior direito da tela. Tenho uma notificação. Um novo comentário
no meu vídeo.
Abro meu vídeo, que agora tem doze visualizações – com certeza
de Imani e Ethan e pessoas ligadas a eles. Os primeiros dois
comentários eu já vi:
Annyeonghaseyo!
Posso.
Instantaneamente, uma melodia começa a tocar. É uma chamada
de vídeo do KakaoTalk. Seguro o celular acima do rosto e respondo,
torcendo para que Manager Kong não ache estranho eu estar
estirada sobre o carpete. Ela aparece na tela, sentada no que
parece uma sala de conferência bem-iluminada. Diferentemente de
quando a vi pessoalmente, ela não está usando maquiagem e está
vestida de modo casual, com uma camiseta preta e um boné.
— Annyeonghaseyo — digo, me esforçando para levantar a
cabeça como uma reverência.
— Olá, Candace — ela responde em coreano. — É bom
finalmente falar com você.
Não sei como responder. Consigo entender coreano porque é
como umma e abba sempre falaram comigo, mas sou péssima em
formar frases por conta própria – sempre respondi meus pais em
inglês.
Então digo apenas “Neh”, que é um “sim” formal e serve como
um termo coringa para completar todo tipo de frase.
— Fiquei impressionada com sua audição — a Manager Kong
diz. — Você tem uma voz bastante única, pura.
— Gamsamnida — digo.
— Sua dança…
Dou uma risadinha sem graça.
— Ah, aquilo… Me desculpe — consigo dizer em coreano, com a
voz trêmula.
Manager Kong sorri um pouco.
— Você não demonstrou nenhuma habilidade, mas apreciei seu
esforço. Você mostrou seu charme.
Levanto a cabeça do chão em outra reverência.
— É claro, se você quiser debutar, vai precisar treinar bastante.
Na S.A.Y., não procuramos jovens que já têm todas as qualidades de
uma estrela. Procuramos jovens com potencial e os fazemos treinar,
treinar e treinar. Muito em breve vamos debutar nosso primeiro girl
group. Eu gostaria de te oferecer uma vaga em nosso programa de
trainees. Já temos muitas trainees talentosas, mas nosso CEO acha
que precisamos de outra garota coreano-americana. Dentre as mais
de três mil que participaram das audições em Nova Jersey, você foi
a única que se encaixou em nossos critérios. Então, o que você me
diz?
Manager Kong fala incrivelmente rápido e vai direto ao ponto. Eu
não entendo tudo o que ela diz, mas na minha cabeça completo
com as palavras que eu tenho certeza de que ela está dizendo. Ela
verifica seu relógio enquanto espera por uma resposta, sem
perceber que virou meu mundo inteiro de cabeça para baixo.
Eu pigarreio e digo:
— Hmm… eu ainda estou na escola.
A realidade fria e dura atinge minha cabeça como uma bigorna de
desenho: umma e abba jamais me deixariam pular um ano ou
atrasar meus estudos, muito menos ir para a Coreia em uma
jornada sem pé nem cabeça para virar uma idol de K-pop. Nem em
um trilhão de anos. A única razão pela qual nossa família tem
dinheiro para qualquer coisa extra, além das atividades esportivas
de Tommy, minhas aulas idiotas de viola, o curso preparatório para o
vestibular e computadores para fazer a lição de casa é que umma e
abba estão economizando cada centavo para que eu e Tommy
possamos estudar na melhor faculdade em que consiga entrar.
— Em que ano você está, segundo do ensino médio? — Manager
Kong pergunta, impaciente.
— Sim.
— Estudantes americanos não têm férias de verão? Deve ser
bom. Nosso CEO quer escolher os integrantes finais para os novos
boy e girl groups no fim do verão. Claro, eu acho que treinar por
apenas quatro meses antes do debut é muito pouco, mas alguns
idols já fizeram isso. Se você não conseguir debutar, o que
provavelmente vai acontecer — nada contra você pessoalmente —,
pode voltar para os Estados Unidos e continuar seus estudos. Se
você debutar, podemos conversar a respeito da sua educação.
Existem escolas internacionais excepcionais em Seul. E então?
— Hmm — limpo a garganta. — Posso falar com meus pais e
depois dar uma resposta?
— Tudo bem — ela suspira, aparentemente irritada por eu não ter
concordado voar para o outro lado do mundo e vender minha alma
para uma agência de entretenimento coreana na hora. — Podemos
oferecer passagens de avião para Seul para você e um de seus pais
e hospedagem… o dormitório das trainees para você e um
apartamento da agência para o seu responsável. Ser uma trainee
não vai te custar nada. Você pode pedir para seus pais me ligarem
diretamente, se quiser.
Passo a língua sobre meus lábios ressecados.
— Há algum horário específico em que eu devo ligar?
— Ligue a qualquer hora. Ninguém na S.A.Y. dorme.
Tento ler seu rosto para ver se ela está brincando, mas ela já
desligou.
Com a cabeça girando, me levanto. Passei a semana inteira
pensando que minha vida seria perfeita se eu tivesse passado na
audição. Agora que consegui, percebo que tenho uma missão ainda
mais impossível: convencer umma a me deixar ir.
CAPÍTULO 4
Bae-jjae-ra
***
POR QUE CANDACE DEVE SER UMA TRAINEE DE K-POP NESTE VERÃO
• Candace vai aprender bastante coreano.
• Candace fará novas amizades com pessoas do mundo todo.
• Candace vai ganhar mais confiança vendo asiáticos se
tornarem idols de sucesso. Ela não viu muito disso crescendo
nos Estados Unidos.
• Candace já sofreu calada enquanto tocava viola por dez
anos.
• A S.A.Y. vai fornecer passagens aéreas e hospedagem
gratuita em Seul durante o verão.
O último tópico, que foi ideia de Imani, é tão decisivo que dou a
ele um slide próprio:
***
***
***
Ugh, e daííííí.
Durante todo o meu tempo acompanhando K-pop, uma coisa que
nunca entendi é a obsessão dos fãs com namoro entre idols e por
que isso sempre é considerado um escândalo, não importa o quão
inocente a relação seja. Leio o artigo, que especula o futuro do
QueenGirl e do RubiKon, uma boy band menos conhecida, dizendo
que os grupos estão em risco. Até WooWee, a melhor vocalista,
Center do QueenGirl e provavelmente a idol mais bonita do K-pop
no momento, pode perder seu contrato – tudo porque sua colega de
grupo Iseul e HyunTaek foram pegos de mãos dadas em público.
São dois adultos ridiculamente atraentes e muito bem capazes de
escolher por si próprios, e o QueenGirl está fazendo o maior
sucesso agora. Qual é o problema?
Umma me traz de volta à realidade.
— Mesmo que eles não me deixem te ver durante o primeiro mês
— ela diz — lembre-se de que eu estou a apenas uma viagem de
metrô de distância. De qualquer forma, o primeiro mês vai passar
voando. Você vai aprender tanto e fazer tantas novas amizades que
nem vai sentir a minha falta.
Umma balança a cabeça firmemente. Sei que ela está tentando
convencer mais a si mesma do que a mim.
Caminhamos até Sangam-dong. A sede da S.A.Y. não é difícil de
encontrar. Eu já esperava um prédio moderno, mas não imaginava
que seria um arranha-céu gigante, com vidros brilhantes, indo até a
atmosfera, partindo do meio de um aglomerado de outros arranha-
céus de vidro.
O nó que senti na garganta durante o dia inteiro está
praticamente me sufocando quando entramos na recepção, que
está lotada de homens em ternos caros e mulheres em trajes pretos
superempresariais, todos andando rápido e digitando em seus
celulares. Dezenas de telas exibem noticiários, números da bolsa de
valores, K-dramas e MVs do SLK. Há uma longa fila em frente a uma
cafeteria futurista chamada Café Tomorrow.
Uma mulher emerge de dentro da multidão e caminha em nossa
direção.
— Candace? — ela pergunta.
Não a reconheço de primeira. Umma deixa escapar uma
exclamação de surpresa, e nós duas fazemos uma reverência.
Manager Kong não está usando maquiagem, mas sua pele é
perfeita e brilhante. Ela está vestindo um conjunto preto casual (mas
ainda chique) e um boné de beisebol, ambos estampados com a
logo da S.A.Y.
— Bem-vinda, Candace. Bem-vinda, sra. Park — ela diz, com um
sorriso largo. — Fico feliz que tenham chegado em segurança. Você
está pronta, Candace?
Com certeza não. Tenho a impressão de que tudo aconteceu
rápido demais.
— Manager Kong, Candace e eu podemos conversar por um
momento? — umma diz, gesticulando para mim.
— É claro — Manager Kong responde. Seu sorriso desaparece
enquanto ela se afasta para digitar furiosamente em seu celular.
Umma segura meu rosto com ambas as mãos.
— Candace — ela morde os lábios para não chorar. Eu faço o
mesmo —, tenho uma última coisa pra te dizer, o.k.? — Ela encara
meus olhos com atenção, prestes a desabar. — Se alguém aqui te
incomodar ou te machucar, por favor dê um jeito de me contar. —
Tento sair de seus braços; não quero desabar bem aqui na
recepção, mas ela aperta minhas mãos com ainda mais força. —
Espero que eles saibam que eu e seu abba estamos deixando
nosso coração neste prédio. — Ela gesticula para o teto alto da
recepção. — Faça com que eles te tratem como se você fosse a
pessoa mais importante da vida de alguém. É o que você é.
— Certo, umma. — Eu me afasto e pego minha mala novamente.
Se eu não correr para dentro agora, vou segurar nas pernas de
umma e não vou soltá-las por nada, como fiz no meu primeiro dia na
pré-escola. — Vou ficar bem. Eu te amo.
Umma passa os dedos pelo meu cabelo uma última vez.
— Você é tão preciosa — ela diz. — Ninguém aqui pode
mensurar seu valor. — Eu balanço a cabeça e corro para encontrar
Manager Kong, que me passa pela catraca com o cartão que ela
usa ao redor do pescoço. Ela explica para um segurança que sou a
nova trainee, que estou aqui para entregar meu celular. Entregar
minha liberdade.
Dou meu celular para ele como se fosse meu próprio coração.
Vou sentir saudades de todos aqueles episódios de Friends e Queer
Eye que me ajudaram a aguentar o voo de catorze horas. Enquanto
o segurança inspeciona minha mala e o estojo do meu violão
cuidadosamente, examinando minhas roupas de baixo e camisetas,
prendo a respiração – mas, para meu alívio, ele não olha dentro do
violão. Ele desaparece em um quarto com meu celular. Viro para
trás uma última vez e vejo umma parada, sozinha. Ela parece ser a
única pessoa de verdade nessa recepção, que é tão sem vida como
uma estação espacial, com todos esses monitores, luzes piscantes
e pessoas importantes andando de um lado para o outro com
pressa. Seus olhos estão marejados; ela está com uma mão sobre o
peito.
Entro no elevador espelhado. Manager Kong aperta o botão do
nonagésimo oitavo andar. Encosto no canto, imaginando umma
voltando sozinha para aquele pequeno apartamento escuro. Forço
todos os músculos do rosto para não chorar.
— Não fique triste — Manager Kong diz. Ela parece quase
entediada. Seu reflexo olha para o meu. — A melhor coisa que
qualquer pessoa pode fazer por sua família é se tornar alguém. É
pra isso que você está aqui.
Parte 2
A vida de trainee
CAPÍTULO 8
As unnies
***
***
***
***
***
Saio procurando por Helena depois do jantar com uma arma secreta
escondida no bolso do meu blusão. Caminho pelo corredor das
salas de treino, olhando por cada janela até que a encontro
ensaiando o dance break de “Problem” sozinha. Bato na porta até
que ela finalmente me ouve. Ela vira para mim com um sorriso
resplandecente, como se estivesse esperando uma amiga – sou
pega de surpresa por sua beleza e bom humor inesperado –, mas o
sorriso desaparece quando ela vê que sou eu. Entro mesmo assim.
— Oi, unnie — digo timidamente, abaixando a cabeça. —
Imaginei que talvez você precisasse de um descanso.
Estou segurando um chá gelado de cevada que trouxe do
refeitório e o estendo na direção dela com ambas as mãos. Ela
arranca a bebida de mim.
— Não preciso de tanto descanso como você — Helena diz.
Aceito a resposta rude com outra humilde reverência. Estou
decepcionada por ela ainda se recusar a falar em inglês comigo,
mesmo quando estamos sozinhas.
— Posso aprender muito com sua ética de trabalho — digo. —
Espero conquistar seu respeito gradualmente.
— Hmph — ela diz enquanto sorve o chá em um gole só.
Respiro fundo, tentando me acalmar.
— Acho que começamos com o pé esquerdo, unnie.
— E qual é o problema? Estamos aqui pra treinar, não sermos
melhores amigas. Tem alguma coisa em você que eu não gosto, só
isso.
Eu estremeço. Há muitos jeitos de dizer que você não gosta de
alguém em coreano, mas as palavras que ela escolheu — “nae
maumae ahn dureo” — soam estranhas para mim. Posso estar
errada, mas acho que as palavras significam, literalmente, algo
como “você não se encaixa no formato do meu coração”.
Eu pigarreio.
— Pode ser, mas eu pensei que, como nós duas somos dos
Estados Unidos, talvez tenhamos algumas coisas em comum.
Podemos ajudar uma a outra.
Helena revira os olhos.
— Você não entende, não é? Não faz sentido nós nos
aproximarmos. Eles nunca vão debutar mais de uma garota
americana no grupo.
— Eu não acho — digo, sem qualquer base. — Tenho certeza de
que a empresa vai escolher garotas de acordo com nossos talentos
individuais, não com a nossa origem.
Helena estala suas unhas coloridas impacientemente.
— Você é muito inocente se acha isso. O CEO Sang quer que o
grupo tenha um apelo global. Ele vai querer que a maior parte do
grupo seja coreana, o que significa três garotas. Eles vão querer
uma do Japão ou da China ou do sul asiático para agradar os outros
principais mercados do K-pop. Já são quatro. O CEO Sang é
obcecado pela ideia de conquistar os Estados Unidos, mas ele só
precisa de uma de nós pra fazer isso – o SLK fez sucesso por lá sem
americano algum. Então vai ser você ou eu.
Eu não aceito esse argumento. Não pode ser tão simples assim.
— O Girls’ Generation não tinha duas americanas?
— Sim, mas o Girls’ Generation tinha nove integrantes. E só
havia espaço pra uma, no final das contas.
— Bom, nós podemos ser diferentes — digo. — E, além disso, se
eles tivessem que escolher só uma, é claro que escolheriam você.
Eu só quero que as coisas sejam melhores entre a gente.
Helena me lança um olhar fulminante. Isso é um risco, já que ela
não é do tipo que quebra regras, mas tiro o pacote de yakgwas
caseiros de dentro do bolso do meu blusão.
Helena dá um passo para trás.
— O quê?! Não podemos comer isso.
— Eu sei — digo rapidamente. — Se você quiser que eu jogue
fora agora, eu jogo. Mas… foi minha mãe que fez. São meus
favoritos e minha única lembrança de casa.
Desembrulho meus preciosos yakgwas e os estendo para ela,
usando toda a minha força de vontade para não os devorar sozinha.
Helena pensa, hesitante, então pega um pedacinho e o coloca na
boca, mastigando avidamente. Ela fecha os olhos.
— Você quer mais? — pergunto.
— Não. É muito bom, mas eu não deveria ter feito isso. Vou ter
que dançar por mais uma hora pra queimar essas calorias.
Faço uma reverência e embrulho os yakgwas novamente,
esperando que esse seja um passo rumo à paz entre nós.
— Se você quiser mais, é só pedir. Eles ficam guardados dentro
do meu violão.
Quero dividir um segredo com ela, caso isso nos aproxime.
Helena zomba, colocando seus fones de volta.
— Não vou querer mais. Eu tenho autocontrole.
Faço uma reverência e caminho até a porta.
— Ah, Candace? Essa é a segunda vez que você me interrompe
enquanto estou com fones de ouvido. Não faça isso de novo.
CAPÍTULO 13
Comendo bolinhos de arroz deitada
— Vamos direto ao ponto: você não tem talento algum pra dança,
e nunca terá — Binna diz, olhando dentro de meus olhos com as
mãos sobre os meus ombros.
Cruel, Binna.
— Uau, obrigada. A General já deixou isso bem claro.
Estamos em uma das salas de treino menores para nossa
primeira aula particular de dança. Este lugar mal tem espaço para
duas pessoas dançarem sem atingir o rosto uma da outra.
— Não, Candace, estou falando como amiga. O que eu quero
dizer é: não posso te dar o talento, mas posso te ajudar a
desenvolver algumas habilidades. Habilidades nunca vão te deixar
na mão.
Concordo com a cabeça, mas tenho minhas dúvidas. Muitos já
tentaram me ensinar habilidades de viola e falharam; por que isso
seria diferente?
— Segunda coisa. Se é pra eu realmente te ajudar, você não
pode ter medo de parecer ridícula na minha frente. Dá pra perceber
que é disso que você tem medo quando estamos dançando com o
grupo. Sei que nós não nos conhecemos há muito tempo, mas, se
vamos debutar juntas, precisamos avançar na nossa amizade. Você
pode até usar banmal comigo, se isso ajudar.
Fico boquiaberta. Aprendi que, para os coreanos, é um grande
passo receber permissão para usar banmal com um amigo mais
velho.
— Unnie, nem sei como…
— Certo, tudo bem, só me promete que vai confiar em mim como
uma amiga — Binna diz, oferecendo o mindinho.
Entrelaço meu mindinho com o dela.
— Prometo.
Binna coloca “Problem” no sistema de som, que tem todas as
cinquenta músicas aprovadas pela S.A.Y. pré-carregadas. Passei a
odiar essa música; o saxofone que toca durante toda a faixa
começou a soar como o mensageiro do meu apocalipse.
— Se solta, Candace! — Binna grita. — Mexe o corpo!
Balanço a cabeça. Transfiro meu peso de um pé para o outro e já
fico morrendo de vergonha.
— Vamos lá! — Binna diz. Ela começa a mexer seus braços e
pernas loucamente e empinar a bunda. Ela deve estar se
esforçando para dançar mal, mas ainda assim fica incrível.
Olho para minha imagem constrangedora no espelho. Digo a mim
mesma para balançar meus braços como uma idiota, mas não
consigo explicar, é fisicamente impossível. Estou convencida de
que, se eu agir como idiota, serei a mais idiota de todos os idiotas.
Qualquer coisa que eu fizer vai estar errada. Binna vai olhar para
mim e dizer “Esquece, eu desisto. Não há nada que eu possa fazer”.
Binna pausa a música.
— Hmm. Isso tudo é um bloqueio mental, Candace. Me diz: o que
você fez na sua audição? Claramente, Manager Kong viu alguma
coisa.
Minhas bochechas ficam vermelhas.
— Ah, aquilo. Não, aquilo foi sorte. Eu me fiz de palhaça e caí de
bunda.
— Então faça isso de novo, agora.
— Não consigo. Acho que só consegui fazer aquilo na hora
porque já tinha desistido. Eu só fingi que estava dançando com
meus melhores amigos. Aqui, tudo é tão…
— Qual é o nome dos seus amigos?
— Imani e Ethan.
Sinto meu peito doer de saudade.
— Feche os olhos e finja que eu sou Imani e Ethan — Binna
pede.
Fecho os olhos. Estou de volta ao meu quarto. Imani está
devorando kimchi direto do pote. Ethan está todo exagerado, como
sempre. Procuro “Problem” no YouTube. Imani está jogando o
cabelo. Ethan está rebolando na minha cama. Então ele faz um
duck walk. Estou pulando ao redor do quarto, fazendo meus passos
fajutos de vogue, interpretando a letra sempre que posso. Quando o
saxofone toca, finjo estar com ele nas mãos e toco
apaixonadamente.
Quando abro os olhos, a música terminou e Binna está rolando
no chão, rindo.
Eu sabia. Ela pode até ter dito eu deveria dar uma de idiota, mas,
quando ela realmente me viu, foi demais para ela.
Ela esfrega as lágrimas e olha para mim.
— Candace, isso foi ótimo.
Faço uma careta e chacoalho a cabeça.
— Não, é sério! Você manda bem e tem bastante carisma.
Aquele saxofone… nossa, você precisa fazer isso no stage. Vai
arrasar. E dá para ver que você gosta de fazer movimentos de
vogue e waacking. Esse estilo não é comum em coreografias de K-
pop, mas posso colocar um pouco na nossa apresentação.
Começamos os trabalhos. Ela me incentiva a ir em frente e
extravasar – “liberar geral”, ela diz. Toda vez que quase acerto o
rosto dela com meu braço, ou caio enquanto dou um giro, ela grita
“Orlchi!”, como se eu estivesse fazendo o maior favor do mundo
para ela.
— Podemos até colocar energia demais em uma boa
performance — ela explica —, mas não podemos fazer uma
performance sem energia alguma.
Durante nossa sessão de cinco horas, ela grita repetidamente:
— Estamos nos divertindo! Estamos nos divertindo!
E, depois de um tempo, isso vira verdade. Estou me divertindo.
No fim, desabamos no chão, exaustas. Binna me dá um high five.
— Logo, logo, você vai arrasar nessa coreografia. Vai ser como
comer bolinhos de arroz deitada.
— O quê? — pergunto.
— Ah, acho que você não conhece esse ditado. Quer dizer que
tudo isso vai ser fácil pra você um dia.
— Ah, entendi. Tem um ditado parecido lá onde eu moro. Nós só
dizemos “mamão com açúcar”.
— Hmm — ela parece intrigada. — Mamão só com açúcar? Mais
nada?
Solto uma risada.
— Hmm, é uma boa pergunta.
CAPÍTULO 14
A arma secreta
***
***
Entendi. Animada. :)
Nem tenho uma chance para chorar, porque meu cérebro está a
mil, pensando em um plano para quando eu for atirada sozinha no
meio de Seul. Faltam três dias para eu encontrar umma e não tenho
ideia de como voltar para o apartamento. Devo dormir na estação de
metrô? Procurar um abrigo para fugitivos? Estou com o dinheiro que
umma me deu, mas não é suficiente para um hotel.
Levo menos de cinco minutos para empacotar toda a minha vida.
Coloco o estojo do violão ao redor das costas, enfio MulKogi na
minha mala e dou uma última olhada naquele quartinho bagunçado
e fedorento. Eu odeio tudo nesse quarto, mas percebo que algum
dia vou sentir falta dele – daquele sentimento de ter uma chance de
realizar um sonho, de dar tudo de você do momento em que acorda
até o momento em que fecha os olhos à noite.
Não vou conseguir dizer adeus para YoungBae.
Quero escrever um bilhete para Binna e JinJoo, mas não tenho
tempo.
Meu estômago revira enquanto o elevador desce 99 andares até
o térreo.
Eu me viro timidamente para Manager Kong.
— Desculpa perguntar, mas será que eu poderia pegar meu
celular de volta, por favor? Preciso ligar para a minha mãe pra ela
vir me buscar.
— Pergunte para os seguranças na recepção — ela diz, seca.
Manager Kong sequer sai do elevador comigo. Ela não se dá ao
trabalho de olhar para mim uma última vez antes das portas se
fecharem.
O imenso chão de mármore preto faz a recepção parecer uma
estação espacial abandonada. Os monitores exibem canais de
notícia 24 horas para ninguém. As luzes do Café Tomorrow estão
apagadas. Um guarda solitário de pescoço grosso ocupa a mesa da
recepção. Ele está vendo um programa de variedades barulhento no
celular.
Quando peço a ele meu celular, ele diz que não está com
nenhum.
— Mas eu preciso ligar para a minha mãe.
— Qual é o número dela?
Não faço ideia de qual é o número coreano de umma. Ela deu
todas as informações essenciais de contato diretamente para
Manager Kong. Em vez disso, começo a dizer o número de telefone
da minha casa em Nova Jersey para que abba possa ligar para
umma por mim.
— Ei, sem essa — diz o segurança. — Não vou ligar pra um
número americano. Vá para aquele canto e espere alguém vir te
buscar.
Ele aponta para um conjunto de sofás modernos, mas
aparentemente desconfortáveis.
Não sei o endereço de umma. Não lembro o nome do bairro – só
lembro que é na outra margem do rio Han. E se eu sair pela noite de
Seul e for assassinada ou algo do tipo? A S.A.Y. realmente quer ser
responsável pela morte de uma trainee?
Suponho, com o pouco de coreano que sei e minha cara de
acabada, que vou conseguir descobrir o caminho de volta pedindo
informações por aí. Mas não no meio da noite.
É então que lembro do celular que YoungBae me deu – eu o
deixei no teto do quarto. Sou uma idiota mesmo.
Quando eu me encolho em um dos sofás desconfortáveis,
usando MulKogi como travesseiro, sou atingida pela gravidade do
que acabou de acontecer. Cheguei mesmo tão perto de me tornar
uma idol? Realmente estraguei tudo só por causa da minha boca
grande e minha atitude petulante?
Depois de gemer na barriga macia e fofa de MulKogi por não sei
quanto tempo, finalmente caio em um sono leve e sem descanso.
***
***
***
Manager Kong se junta ao nosso treino em grupo para discutir
nosso plano para a próxima avaliação.
— Antes que alguém pergunte — ela diz —, One.J ainda não
escolheu uma trainee pra aparecer em seu MV.
Meu coração despenca. Uma parte de mim esperava que ele
tivesse encerrado sua busca depois que cantei minha música para
ele no térreo. Mas estou sendo uma idiota. One.J é o cantor mais
popular do planeta no momento – seu superpoder é fazer bilhões de
garotas (e garotos) se apaixonarem por ele. Não tem chance de eu
ser realmente tão especial quanto ele me fez sentir.
— One.J e CEO Sang querem ver mais antes de tomar uma
decisão — Manager Kong continua. — E eu não os culpo. Embora a
apresentação de vocês tenha tido pontos altos, foi bagunçada e teve
muita gente tentando roubar a cena.
Abaixo a cabeça, envergonhada.
— A próxima avaliação não será no estúdio. Será na sala de
conferências do CEO. E não estou falando do CEO Sang. Estou
falando do CEO Im, CEO de toda a ShinBi Unlimited.
Santa máscara facial. Esse tal de CEO Im deve ser uma das cinco
pessoas mais ricas da Coreia.
— Daebak — Helena suspira.
— CEO Im, CEO Sang, os principais investidores, principais
executivos e principais criadores vão assisti-las de perto. Vocês não
podem errar nem facilitar a coreografia dessa vez. E nada de
gracinhas. Certo, Candace?
Sinto o olhar de laser de Helena sobre o meu rosto.
— Sim, Manager Kong — digo, fazendo uma reverência.
— Além de uma apresentação em grupo, CEO Sang quer que
cada uma de vocês prepare uma apresentação individual de dois
minutos. Pode ser o que vocês quiserem, desde que realce sua
principal habilidade, seja ela canto, dança ou atuação.
— Atuação? Daebak! — Aram grita. Enquanto estou na aula de
coreano todos os dias, Aram e algumas das outras melhores Visuais
fazem aulas de atuação em K-dramas no andar corporativo. É para
onde Helena vai quando ela sai da aula de coreano duas horas mais
cedo.
Dessa vez, a música do nosso grupo será coreana – “Red
Flavor”, do Red Velvet –, o que deixa todas nós entusiasmadas (eu
amo o grupo Red Velvet mais do que amo cupcakes red velvet –
minha bias é a Seulgi). Por outro lado, nunca apresentei uma
música em coreano, e agora minhas colegas de time precisam se
preocupar com minha dança e minha pronúncia. Mas silencio minha
autossabotagem e digo a mim mesma o que preciso ouvir: “Vou
arrasar”. Como One.J disse, preciso mostrar para S.A.Y. que tenho a
determinação para me tornar a idol perfeita. Custe o que custar, vou
debutar.
A única coisa na qual me permito pensar é debutar – comer
(principalmente batata-doce), dormir (não o suficiente) e debutar.
***
[+734, -12] Ouvi dizer que essa garota está treinando para a
versão feminina do SLK que está prestes a debutar! Voz incrível e
visual fofo. Espero que consiga!
[+158, -413] canta bem. visual apenas ok. só minha opinião mas
não acho que ela está à altura da S.A.Y. ou do SLK. sinto muito
[+1.206, -29] ACHO QUE ESTOU APAIXONADA! ESPERO QUE ELA DEBUTE!
[+47, -944] K-POP GROUPS DEVEM SER COREANOS NÃO COREANO-
AMERICANOS
***
***
***
Fecho os olhos e vejo até onde meus uivos podem ir. Ao final do
refrão, quase alcanço um falsete, algo que nunca me ouvi fazer
antes.
Ahwooooooooooooo!
***
Mesmo que nem todas as partes da nossa segunda avaliação
tenham sido incríveis, o Time 2 está nas alturas naquela noite por
ter sido considerado o time favorito do CEO Im e pela possibilidade,
por menor que seja, de que talvez nós cinco sejamos escolhidas
para debutar. Desde que Helena consertou meu violão, estou
começando a ter um pouco de esperança de que possamos ser pelo
menos colegas de time.
Nem tomei bronca por ter cantando uma música diferente.
Manager Kong disse:
— Só queria que você tivesse me avisado. Gostei da sua música.
De volta ao dormitório, JinJoo diz, modestamente:
— Se todo grupo precisa de defeitos, como o CEO Sang disse,
acho que posso ser o defeito do nosso grupo.
Todas nós dizemos “Nãoooooo!” e fazemos questão que ela
dance ao redor do quarto conosco ao som de “Unicorn”, do SLK;
“Ddu-Du Ddu-Du”, do BlackPink; “Dumb Dumb”, do Red Velvet; e
“Fancy”, do Twice. Depois de um tempo, uma garota do Time 3 bate
na parede fina como papel que separa os quartos e grita “CALEM A
BOCA, ESTAMOS TENTANDO DORMIR!”. Binna desliga a música logo de
cara e grita de volta “Mil desculpas!”, mas o resto de nós ri, fazendo
tanto barulho quanto antes.
Bem depois da uma da manhã, nós cinco estamos finalmente
deitadas e fazemos algo que nunca fizemos durante todo o meu
tempo como integrante do time: conversamos a noite inteira, como
se estivéssemos em um acampamento de verão. Fofocamos sobre
nossos crushes trainees. JinJoo admite gostar de um garoto do
Time 4 chamado YoonChul e que tem um piercing na sobrancelha;
Binna gosta de Noah, um garoto metade canadense que está na
minha aula de coreano; Aram não gosta de nenhum dos trainees, só
de ChangWoo, do SLK. Helena afirma que está tão focada nos
treinos que “não presta atenção em nenhum dos garotos”.
— Ugh, Helena, você é tão no-jam — Binna diz.
— E você, Candace? — JinJoo pergunta.
— Ah, eu sei — Aram diz, batendo as mãos. — Ela gosta daquele
menino fofo. Aquele engraçadinho que dança hip-hop, YoungBae.
— É verdade, é verdade! — Binna diz, batendo as mãos. — Eu
notei o jeito como você olha pra ele no refeitório.
— Eu não gosto dele! — insisto. — A gente só conversa um
pouco na aula de coreano, só isso.
— Isso é mais do que a maioria de nós consegue — JinJoo diz.
Espero Helena me denunciar, mas, felizmente, ela fica em
silêncio.
— Bom — brinco —, meu coração pertence ao One.J, de
qualquer forma.
— Isso é óbvio — JinJoo diz. — Todas gostamos dele. O mundo
inteiro também.
— Duh — Aram diz. — Eu nem gosto de caras mais novos, mas
One.J? Eu seria a noona dele.
Todas nós morremos de rir.
— Obviamente, One.J vai escolher Aram para o MV solo dele —
JinJoo diz com um suspiro. — Ah, imagina ser Kim Aram por um dia.
— Ah, nem vem com essa! — Aram responde, embora eu
consiga ouvir a satisfação na voz dela.
Enquanto encaro o teto escuro, me pergunto se existe alguma
chance de One.J me escolher. Ou, mesmo que One.J quisesse me
escolher, será que a empresa o faria escolher uma das garotas mais
bonitas que eu, sem um nariz largo e com dobrinhas nas pálpebras?
***
— Harabuji não falou nada esta semana — umma diz —, mas ele
entende tudo o que dizemos.
No hospital, harabuji parece péssimo, pior do que antes. As
escleras dos olhos dele têm um tom perigoso de amarelo, da cor de
sapos venenosos. Seus olhos me seguem enquanto eu ponho um
pano molhado sobre sua testa. Umma leva uma colher de purê de
batata a seus lábios, mas ele os mantém fechados.
Eu me dou conta de que, enquanto eu estava desmaiando com a
notícia de que One.J escolheu a mim dentre outras quarenta e nove
garotas, meu harabuji estava aqui, se recusando a comer.
— Seu harabuji sempre teve um bom apetite — umma diz. — O
fato de ele não querer comer…
Massageio as orelhas oleosas dele entre meus dedos. Umma me
instruiu a ter bastante contato com ele, já que pessoas idosas
acamadas não são muito tocadas.
— O apetite dele vai voltar, umma. Olha para os olhos dele. Ainda
estão aguçados.
Umma sorri para mim com todo o seu rosto.
— Olha só a minha Candace, tão madura, cuidando tão bem do
seu harabuji.
Sorrio de volta, mas me sinto tão culpada. Mesmo sentada aqui,
não paro de pensar que vou participar do MV de One.J e de me
lembrar de todos os olhares de inveja no refeitório. Há um tempinho
já, tenho vivido como se a vida dentro da S.A.Y. fosse a única real –
tudo é tão intenso, novo, perigoso e entusiasmante lá – e tudo do
lado de fora: esse país vasto e pulsante, onde minha mãe e meu
avô nasceram, onde meus ancestrais nasceram, fosse só uma
distração. No último fim de semana, viemos para o hospital e
harabuji estava falando sem problemas, me perguntando “Nah-neun
nu-gu-jee?” – Quem sou eu? – como sempre. Minha mente estava
tão consumida pela notícia na TV de que o QueenGirl estava
oficialmente acabado por causa do escândalo envolvendo Iseul e
HyunTaek – todas as integrantes choravam copiosamente em uma
coletiva de imprensa, especialmente WooWee – que só murmurei
uma resposta vaga.
Agora percebo que talvez aquelas tenham sido as últimas
palavras que harabuji me disse.
— Harabuji — digo, focando em seus olhos. Aponto para mim
mesma. — Nah-neun nu-gu-jee??
Ele olha para mim. O canto esquerdo de seus lábios se move
levemente para cima e ele levanta o dedo em minha direção.
— Isso mesmo — digo, batendo palmas. — Sou eu, Candace.
***
***
Já é a noite anterior à minha gravação com One.J e não sei nada
sobre o que vai acontecer. Sobre o que é a música? Onde vamos
filmar? O que vou fazer? Tudo o que sei é que devo estar pronta
para começar às 3h30 da manhã de amanhã.
Todos estão tão agitados com o showcase que ninguém
consegue responder minhas perguntas. Tudo o que sei é que a
gravação vai levar o dia todo – vou perder um tempo precioso de
treino bem enquanto minhas colegas aprendem uma coreografia
nova.
Sei que vale a pena. Vou estar em um MV do One.J. Qualquer
coisa envolvendo One.J ou SLK recebe um bilhão de visualizações
no YouTube em uma semana. Vou ter a oportunidade de ficar perto
dele por um dia. Milhões de garotas matariam por essa chance. O
único prolema é que tudo isso está acontecendo na época mais
estressante da minha vida, e não consigo deixar de ter essa
preocupação idiota de que estou, de alguma forma, traindo
YoungBae por estar no MV.
Vou fazer cabelo e maquiagem de manhã, mas estou preocupada
que os cabelereiros vão olhar para a vassoura empoeirada de bruxa
na minha cabeça, jogar as mãos para o alto e dizer: “Essa garota é
um desastre! Alguém chame Aram para ficar no lugar dela!”.
Então eu faço o inimaginável. Vou até a mesa das Visuais
durante o jantar e peço ajuda para Helena. Suas mechas ruivas
sempre perfeitas são prova de que ela é uma expert em cuidar de
cabelo coreano descolorido e tingido.
Helena me encara como se eu fosse uma barata do tamanho de
uma pessoa e consigo sentir os lindos olhos com lentes verdes de
Luciana se enterrando em mim. Mas, para meu alívio, ela acaba
concordando.
— Tá bom — Helena diz, se levantando. — Eu já ia te oferecer
ajuda de qualquer jeito. Ninguém deveria aparecer em um MV do
One.J com esse cabelo.
Eu me curvo e a agradeço um milhão de vezes.
— Vou te ajudar por pena — ela diz.
De volta ao dormitório, ela coloca um biquíni e entra no banheiro
comigo. Eu não trouxe roupa de banho, então só visto uma camiseta
preta e shorts esportivos e me sento na privada enquanto ela liga o
chuveiro para lavar meu cabelo, molhando nós duas. Ela coloca
luvas sobre as mãos e unhas e esfrega um líquido transparente de
cheiro horrível por todo o meu couro cabeludo, de um jeito nem um
pouco gentil.
— Isso é pra limpar seu couro cabeludo — ela diz. — Você tem
muita caspa.
— Não tenho, não — digo.
Não tenho mesmo.
— Sabe, loiro platinado não fica bom em você, de qualquer jeito
— diz Helena. — O formato do seu rosto não combina com essa cor.
“Ela está te fazendo um favor”, digo para mim mesma.
Helena esvazia uma garrafa inteira de gosma em suas mãos e a
esfrega nas minhas mechas quebradiças.
Ela desliga o chuveiro, torce meu cabelo em uma toalha e a
enrola no topo da minha cabeça de um jeito que não vai se desfazer
– coisa que eu nunca soube como fazer.
— O.k. É só deixar assim durante a noite e vai estar melhor de
manhã.
— Muito obrigada, Helena. Te devo uma.
— Hmm. Deve mesmo, né.
***
Já fomos inseparáveis
Mas agora vivemos em planetas diferentes
Já esqueci como é o nosso antigo mundo
Nunca vou poder voltar de verdade
Mas, por favor, saiba que ainda venho ver como você está
Só pra saber que você está feliz
Na língua que é só nossa, vou te enviar sinais
Da minha estrela distante
***
Okay!
***
***
***
***
Depois que descemos na estação em Sangam-dong, digo para
umma:
— Umma, temos bastante tempo. Quero fazer alguma coisa
divertida com você antes de voltar.
Umma parece surpresa.
— Você não tem que voltar cedo para ensaiar para o showcase?
— Eu prefiro ir a um norabaeng. Uma sala de karaokê.
— Um norabaeng? Mas você não fez nada além de cantar nesse
verão!
— Mas nunca com você.
Depois de um pouco mais de insistência – tive que pedir mais
três vezes –, ela finalmente concorda e eu a incentivo a escolher
músicas que tenham algum significado para ela. Vou tentar cantar
junto se conseguir, mas quero só ouvir, para falar a verdade. Ela
escolhe músicas que me soam familiares, de quando ela e abba as
escutavam no carro ou na loja, mas que eu nunca parei para ouvir
com atenção até agora. Músicas como “Dear J”, de Lee Sun Hee;
“Sad Fate”, de Nami; e “Where Are You?”, de Yim Jae Beom. É
claro, ela canta lindamente, com uma voz forte e vulnerável – ela
tem muito a me ensinar sobre transmitir emoção através da música.
Entendo quase todas as palavras agora, mas mesmo as que eu
entendo mexem com uma parte de mim que sempre esteve lá. A
parte de mim que é coreana. A parte de mim que é filha da minha
mãe.
CAPÍTULO 30
Sou eu! Sou eu! Sou eu!
***
***
***
PRIMEIRO LUGAR
Time 2: Kim Aram (1.209.345), Candace Park (845.844), Kwon
Binna (828.988), Helena Cho (623.112), Chae JinJoo (242.559)
***
O estádio está quase todo no escuro exceto por uma única luz
focando em Binna. Ouvimos um som agudo em nossos in-ears, o
sinal para Binna começar a cantar. Sua voz na primeira estrofe está
um pouco trêmula, insegura.
Sinto uma onda de culpa tomar conta de mim; não acredito que
fiz meu time assistir àquele espetáculo logo antes da apresentação
mais importante das nossas vidas. A segunda estrofe é minha:
fecho os olhos e coloco todas as emoções que estou sentindo –
desespero, arrependimento, remorso, amor – nas palavras. Elas
ecoam através do estádio que está em completo silêncio. Não há
um pio.
No refrão, quando todas as nossas vozes se juntam para
harmonizar, a vibração do público cresce e se espalha como uma
onda. Um oceano de bastões fluorescentes cor-de-rosa ondula
pacificamente. Cantando sem instrumentos, só com as vozes das
minhas colegas, eu me esqueço de onde estou e sinto que estou
conectada a elas telepaticamente. Quando é hora de Helena e eu
fazermos contato visual, posso jurar que ela me pede desculpas
com os olhos. E eu peço desculpas a ela também.
Antes mesmo de ela chegar ao ápice da música, tenho certeza
de que Binna vai soltar aquela nota alta como nunca. Sinto uma
força intensa elevando nossa performance – e sei que as outras
conseguem sentir isso também, é como se os fãs estivessem nos
aninhando nas palmas das mãos. E, desse jeito, Binna fecha os
olhos e solta a nota alta com perfeição. Os gritos são tão altos que
precisamos esperar um minuto inteiro para recomeçar.
A música termina, e nós cinco estamos de mãos dadas, certas de
que, juntas, entramos para a história do K-pop.
CAPÍTULO 34
Cho Helena
***
***
Lauren Perlstein
Publicado mediante acordo com a Scholastic Inc., 557 Broadway, Nova York, NY 10012,
Estados Unidos. Direitos de tradução negociados por Ute Körner Literary Agent SLU –
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Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou
reproduzida — em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia,
gravação etc. — nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dados sem a
expressa autorização da editora.
Lee, Stephan
K-pop confidencial / Stephan Lee ; tradução Ana Beatriz Omuro. – 1. ed. – Rio
de Janeiro : Globo Alt, 2021.
Direitos de edição em língua portuguesa para o Brasil adquiridos por Editora Globo S.A.
R. Marquês de Pombal, 25 – 20.230-240 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
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