K-Pop Confidencial - Lee, Stephan - 240623 - 111132

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Tradução

Ana Beatriz Omuro


Sumário
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PRÓLOGO: A garota no reflexo

PARTE 1: Candace Park, de Fort Lee, Nova Jersey


Capítulo 1: Você é aquele unicórnio?
Capítulo 2: Uma em um bilhão
Capítulo 3: Número desconhecido
Capítulo 4: Bae-jjae-ra
Capítulo 5: Olho do peixe
Capítulo 6: “Into The New World”
Capítulo 7: Coreanos em todo canto

PARTE 2: A vida de trainee


Capítulo 8: As unnies
Capítulo 9: Um grande problema
Capítulo 10: Daebak
Capítulo 11: A General
Capítulo 12: Domingo
Capítulo 13: Comendo bolinhos de arroz deitada
Capítulo 14: A arma secreta
Capítulo 15: Tortura de esperança
Capítulo 16: Pepero
Capítulo 17: Mãos educadas
Capítulo 18: Avaliação
Capítulo 19: O big bang
Capítulo 20: Raposa
Capítulo 21: Simetria
Capítulo 22: Regras para a saída
Capítulo 23: Jokbal
Capítulo 24: Dobrinhas
Capítulo 25: Rainha da fofura
Capítulo 26: Quem sou eu?
Capítulo 27: Narrativas
Capítulo 28: Alien
Capítulo 29: Vida privada
Capítulo 30: Sou eu! Sou eu! Sou eu!
Capítulo 31: The Queen Girl
Capítulo 32: Isso tudo é real mesmo?
Capítulo 33: “Into The New World” (Reprise)
Capítulo 34: Cho Helena
Capítulo 35: Caminho do arco-íris

Dicionário avançado de K-pop da Imani


Agradecimentos
Nota
Sobre o autor
Créditos
Prólogo
A GAROTA NO REFLEXO
Aposto que já encarei meu reflexo em espelhos de salas de
ensaio como esta por muitas e muitas horas.
Na maioria das vezes, estava encharcada de suor, desejando que
meus dedos do pé caíssem de tantas bolhas e unhas encravadas,
ou assistindo a mim mesma tentando piscar, jogar o cabelo e sorrir
no tempo certo enquanto nossa professora de dança – “a General” –
gritava comigo por estar sempre meio compasso atrasada.
Agora, amontoada nesta sala com outras vinte e quatro trainees –
todas praticando há muito, muito mais tempo do que eu – meu
reflexo até se parece comigo, mas é como se fosse meu rosto com
um filtro do Snapchat. A garota no espelho tem longas mechas de
cabelo lilás-acinzentado que parecem acompanhá-la desde que
nasceu. Ela parece ter nascido com olhos azuis de outro mundo
capazes de perfurar a sua alma. Ela parece nunca ter tido uma
única espinha em sua pele limpa e hidratada.
Ela jamais confessaria que seu couro cabeludo está queimando
por causa do descolorante, que seus olhos estão coçando por causa
das lentes de contato coloridas e que, por baixo de todas aquelas
camadas de maquiagem natural coreana, ela está com cara de
quem não dorme há dias – porque não dormiu mesmo.
Essa garota sou eu, mas não exatamente. Ela ainda é a Candace
de Nova Jersey. Mas essa versão de mim sabe suportar a dor, os
machucados e os pés sangrando, a saudade de casa e as dietas
desumanas. Ela sabe como lidar com as críticas e os insultos e
manter o foco no objetivo final. Ela deixou seus amigos para trás, se
despediu da família e voou até Seul. Ela foi escolhida para estar
aqui por salas cheias de executivos mais velhos que seu pai.
Como se isso não fosse o bastante, não encosto no meu celular
há três meses. Tem sido difícil pra caramba.
Atrás de uma porta fechada, o CEO da S.A.Y. Entertainment e seus
mais importantes executivos e investidores estão escolhendo quem
serão, afinal, as integrantes do super hypado e novo girl group, a
versão feminina da boy band de K-pop mais famosa do mundo, a
SLK. Algumas garotas estão rezando, andando de um lado para o
outro. Outras estão balançando para a frente e para trás enquanto
falam sozinhas. A maioria já está chorando.
Por mais estranho que pareça, estou bem calma. Eu me
aproximo do espelho para ver melhor meu resto familiar, mas ao
mesmo tempo desconhecido. Penso em como desejo isso. Como
lutei para estar aqui. Lembro que desisti de tudo por isso.
Eu mereço.
Acredito, com todo o meu coração, que estou prestes a me tornar
uma idol. E não importa quais sejam as outras garotas que eles vão
escolher, nós vamos arrasar. Não só na Coreia ou na Ásia, mas em
todo o mundo. É o meu destino. Sinto isso nas raízes do meu cabelo
roxo-unicórnio.
Parte 1
Candace Park, de Fort Lee, Nova Jersey
CAPÍTULO 1
Você é aquele unicórnio?

Quatro meses antes…


Um dos meus grandes talentos é air bowing, que seria a versão
orquestral de lip syncing, exceto pelo fato de que não é uma
habilidade legal e nunca vai ser. Nunca vai existir um programa de
TV chamado Air-Bow Battle.
A Orquestra Sinfônica da Fort Lee Magnet vai abrir o Festival de
Artes da Primavera com uma versão empolgante de “Primavera”, de
Vivaldi (um pouco previsível, eu sei). Mantenho meu arco apenas
alguns milímetros acima das cordas enquanto balanço para a frente
e para trás, curvando o lábio superior como se estivesse sentindo
um cheiro desagradável, tudo para dar a impressão de que meu
corpo inteiro está possuído pela emoção crescente da música –
mesmo que, na verdade, eu não esteja produzindo som algum. É
melhor para todo mundo que eu só finja tocar. Assim ninguém vai
me ouvir.
Se dependesse de mim, eu mandaria minha viola para o espaço.
Foi ideia da minha umma, quando eu tinha cinco anos, e tive que
aceitar. Como poucas crianças escolhem a viola, ela achou que
seria mais fácil para eu me destacar e ser aceita em orquestras
infantis de prestígio, o que seria ótimo na hora de me candidatar a
vagas em faculdades.
Bom, o tiro saiu pela culatra. Dez anos depois, estou bem no
fundo da seção das violas com meu parceiro tão sem talento quanto
eu, Chris DeBenedetti. E vamos ser sinceros: violas são os
dançarinos coadjuvantes das orquestras. Somos essenciais, mas
ninguém presta atenção na gente. Os violinos são os cantores
glamorosos que conseguem as melhores partes e as notas mais
valiosas. Os violoncelos são aqueles membros taciturnos,
misteriosos e sexy que têm o maior número de seguidores no
Instagram.
Violas são a Michelle Williams do Destiny’s Child dos
instrumentos de corda… tirando a parte de serem ícones ou
melhores amigas da Beyoncé.
É só quando todos nos levantamos para os agradecimentos no
final da música que enxergo minha umma e meu abba na plateia.
Abba está aplaudindo freneticamente com a boca aberta em um O,
enquanto umma tira milhares de fotos com flash de mim no meu
uniforme de orquestra horroroso (uma blusa branca de babados e
uma saia verde na altura do tornozelo). Sorrio miseravelmente, sem
enxergar nada por causa das luzes, até que possamos nos sentar
novamente para assistir às apresentações do coral, que é o que o
público realmente veio ver.
Ao contrário do estereótipo de todo filme de ensino médio, o coral
na verdade é formado pelos alunos mais descolados da Fort Lee
Magnet. É considerado a atividade “mais fácil” das eletivas de arte,
então está cheio de garotas populares e atletas, incluindo meu
irmão mais velho, Tommy.
O coral tem tantos membros que, para essa apresentação, teve
que ser dividido em grupos. Para o número de abertura, Tommy e
vinte de seus amigos entram no palco vestindo regatas neon,
bandanas e meias de cano alto; os alunos na plateia, especialmente
as garotas, vão à loucura. Eles apresentam uma performance
irônica do clássico “What Makes You Beautiful”, do One Direction.
Os garotos não são bons cantores; fazem graça e cantam sem
afinação enquanto reproduzem todos os movimentos típicos de boy
bands, como desenhar corações no ar, apontar para garotas na
plateia, colocar as mãos sobre o peito e piscar. Mas eles agem de
um jeito tão despreocupado, sem medo de parecerem idiotas, que –
tenho que admitir – a apresentação fica legal mesmo. Tommy e seus
amigos do time de beisebol se posicionam na frente do palco, sob
os holofotes, com Tommy no meio deles. Vejo minha melhor amiga,
Imani, na primeira fila, literalmente desmaiando – ela sempre disse
que meu irmão é seu “maior crush”, o que é nada a ver e vergonha
alheia demais para mim.
Não sei o que me dá quando vejo Tommy e todos aqueles
garotos lá, mas de repente estou cerrando os punhos. Eu me
imagino quebrando minha viola contra o chão.
É tão injusto. Eu sou a filha que canta – ou pelo menos eu acho
que canto, já que só faço isso quando estou sozinha no meu quarto.
Então por que Tommy pode pular por aí com roupas ridículas,
recebendo gritos e aplausos da escola inteira, enquanto eu fico
escondida no fundo da orquestra?
Não importa quantas vezes eu tenha implorado à minha umma
para que ela me deixasse desistir da viola e focar no canto, ela não
cede. Na última vez que toquei no assunto, ela gritou “Bae-jjae-ra!”,
o que significa literalmente “corte meu estômago e me deixe sangrar
até a morte!”. É superdramático, mas, basicamente, é a versão
coreana de “só por cima do meu cadáver!”.
Ainda mais injusto é o fato de que eu tenho certeza de que não
posso fazer parte do coral porque ela sabe que eu levaria a sério, ao
contrário de Tommy. “Você pode cantar no seu tempo livre”, ela me
disse uma vez. “Cantar não é uma arte digna. Você precisa trazer o
som de dentro de você com tanta força – todo mundo consegue ver
o esforço que você faz”.
O preconceito de umma contra o ato de cantar é estranho,
porque, para falar a verdade, ela canta bem. Tanto umma quanto
abba estudaram em uma respeitada faculdade de música na Coreia.
Foi lá que eles se conheceram, inclusive. Abba estava estudando
para ser maestro e umma estudava performance vocal. Mas
também sei que eles não concluíram a faculdade e que se mudaram
para os Estados Unidos logo depois de largarem seus cursos.
Nenhum deles trabalha com música agora – eles são donos de uma
loja de conveniência em Fort Lee –, então eu sei que os sonhos de
umma com a música deram errado em algum momento, mas ela
jamais vai falar sobre isso. Vai ser um daqueles segredos de família,
provavelmente para sempre.
Coloco minha viola no chão – algo inaceitável de acordo com o
sr. Kuznetsova, o maestro da orquestra – e afundo em minha
cadeira. Será que algum dia eu é que vou cantar e pular de um lado
para o outro no palco, sem me preocupar com o que os outros
pensam? Acho que não até depois do ensino médio, quando eu
estiver em algum lugar bem longe da minha família. Enquanto isso,
preciso ter paciência e esperar por mais alguns anos, fazendo o
papel da garota coreana quietinha que assiste a todas as aulas
avançadas, tira notas boas, toca um instrumento clássico e nunca
reclama.

***

Depois da apresentação, Imani e Ethan vêm para minha casa. É


uma noite de sexta-feira e estamos fazendo o que mais gostamos:
passando o tempo no meu quarto, nos enchendo de comida e
assistindo a vídeos no YouTube.
Não que sejamos os excluídos, muito embora estejamos juntos
em todas as aulas de nerd. É só que, em vez de ir para festas ou
jogos de futebol, preferimos passar o tempo juntos surtando com
todas as coisas estranhas pelas quais somos obcecados: vídeos de
RuPaul’s Drag Race aos quais assistimos várias e várias vezes,
vídeos de mukbang e blogueiras de beleza das quais rimos, mas
que secretamente amamos. (“Menos é mais”, Ethan gosta de falar,
fingindo aplicar iluminador nas maçãs do rosto. “E não se esqueça
da região acima dos lábios!”).
Depois de assistirmos a um pequeno mukbanger devorar oito
pacotes de macarrão instantâneo superapimentado em menos de
quatro minutos, Imani assume o controle do meu computador. Já sei
o que ela está prestes a pesquisar: a performance de “Unicorn” que
o SLK fez no Saturday Night Live da semana passada.
— Eu amo, amo, amo o SLK! — Ethan diz enquanto a
apresentadora da noite, Jennifer Lawrence, chama os integrantes ao
palco.
— Duh! E que desculpa alguém teria pra não gostar? — Imani
diz.
Dou de ombros:
— Eles são o.k.
— Pelo visto, alguém aqui tem uma — Imani me lança um olhar
de julgamento. — Mano, às vezes eu acho que sou mais coreana
que você.
Bom, Imani está literalmente comendo kimchi direto do pote neste
exato momento. Nem eu consigo comer kimchi desse jeito – eu
gosto dele na comida, especialmente no arroz com curry ou no
jjigae, mas não tenho coragem de comê-lo puro.
— Quer dizer, fico superfeliz que um grupo asiático seja tão
popular e esteja em capas de revista e tudo o mais — digo —, mas
a música deles parece um pouco… fabricada?
— Amiga, me poupe — Imani diz, fechando o pote de kimchi e
voltando para minha cama para abraçar minha baleia de pelúcia
gigante, a MulKogi (mulkogi significa “água-carne”, ou seja, “peixe”
em coreano). — Como se música pop americana não fosse
fabricada. Enfim, todos os meninos do SLK sabem cantar e fazer rap.
O próprio One.J escreveu vários dos maiores hits deles. E aquela
coreografia é tudo!
— Sim, olha aquilo, Candanista — Ethan diz, totalmente
fascinado. — O One Direction só ficava parado no palco e, tipo, às
vezes pulava de um lado para o outro. Esses caras estão servindo
horrores.
O.k., não sei por que estou mentindo para os meus melhores
amigos – acho que preciso fazer terapia para entender isso –, mas
na verdade eu sou secretamente uma superstan de SLK. Já passei
horas assistindo a performances deles em Music Shows[1]
coreanos e ao seu reality show, o SLK Adventures, no YouTube. E
desde que o SLK começou a fazer sucesso nos Estados Unidos,
passei a acompanhar outros grupos, especialmente o QueenGirl,
que saiu em turnê com a Ariana Grande agora. Nada faria Imani, a
maior stan de K-pop que conheço, mais feliz do que poder surtar por
música pop coreana comigo. Mas, por alguma razão, eu fico com
vergonha. Não seria superprevisível a garota coreana gostar tanto
de K-pop?
Na tela, os cinco garotos do SLK se movem em perfeita sincronia,
mesmo quando estão dando cambalhotas. Cada um tem um tom
diferente de cabelo colorido – eles claramente gastam tanto tempo
com maquiagem e figurino quanto qualquer girl group. Todos eles
são lindos, cada um do seu jeito, especialmente One.J, o idol que
está sempre no centro, à frente dos outros. Tudo em seu rosto
parece ter sido criado em laboratório para ser tão fotogênico quanto
é humanamente possível: seus olhos melancólicos; seus lábios com
cor de doce; seu maxilar esculpido em forma de V. De alguma
maneira, nenhum de seus movimentos parece ensaiado. Quando os
garotos passam as mãos por seus cabelos, parece que One.J está
fazendo isso espontaneamente, só porque sentiu vontade, e os
outros quatro viram como era incrível e decidiram copiá-lo.
A plateia do Saturday Night Live vai à loucura quando os garotos
fazem a dança de “Unicorn”. Essa é uma música perfeita, mesmo
que o refrão, a única parte da letra em inglês, não faça tanto
sentido: “Baby, agora eu acredito em unicórnios / Você é a garota
que eu estive procurando / Procurando sob o arco-íris / Baby, tudo
que eu sei / Você é meu unicórnio, uma em um bilhão”.
Ao final da música, nós três estamos dançando pelo quarto,
cantando a plenos pulmões. Imani balança o cabelo para a frente e
para trás, Ethan faz um duck walk e eu mexo meu corpo sem
qualquer respeito pelo ritmo ou pela minha dignidade.
— O.k., eu admito — digo, ofegante — essa música é
superviciante.
Logo depois da apresentação no Saturday Night Live, “Unicorn”
começa a tocar novamente.
Estamos prontos para gritar a música de novo, mas não é o
Music Video – é uma propaganda (quantos comerciais, YouTube!).
As palavras “VOCÊ É UMA EM UM BILHÃO?” aparecem na tela. E então:

S.A.Y. ENTERTAINMENT,
A EMPRESA QUE TROUXE A VOCÊ
A SENSAÇÃO GLOBAL NÚMERO 1 SLK,
ESTÁ PROCURANDO POR SEU PRIMEIRO GIRL GROUP.

O texto corta para um clipe dos garotos do SLK lançando olhares


intimidadores e sexy diretamente para a câmera, com a luz
refletindo em seus rostos iluminados.

ESTAMOS PROCURANDO POR GAROTAS


QUE CANTAM, DANÇAM E FAZEM RAP COMO O SLK.
É VOCÊ O NOSSO UNICÓRNIO?

Os garotos do SLK dizem para a câmera, sedutores:


— É você o meu unicórnio?
Sinto um calor no estômago quando é a vez de One.J.

SEJA DESCOBERTA,
NAS AUDIÇÕES GLOBAIS DA S.A.Y.,
ROYAL OAK THEATER,
EM PALISADES PARK, NOVA JERSEY,
19 DE ABRIL.

Caio no riso.
— Eles vão avaliar cantoras ou arranjar namoradas para os
garotos?
Imani não está rindo, ela está olhando para mim.
— Você deveria tentar, Candace.
Eu me recuso a responder.
— E logo em Palisades Park? Será que foi um erro na
transmissão? Por que uma gravadora de K-pop recrutaria em
Jersey?
Ethan também não está rindo.
— Bom, Jersey é onde os jovens coreano-americanos do
subúrbio vivem. — Ele gesticula para mim como se dissesse “Você
é a prova viva”.
— Você deveria tentar — Imani repete, séria.
— Ha, ha. — Reviro os olhos. — Você consegue imaginar meus
pais me deixando largar a escola pra fazer parte de um grupo de K-
pop? Além do mais, eu pareço uma idol pra você?
Imani passa os olhos sobre meus pés descalços e machucados,
meu jeans rasgado e meu moletom preto gigante com capuz.
— Não, nem um pouco. Mas você tem potencial debaixo de…
tudo isso. Além disso, você tem ideia do que isso significa? A S.A.Y.
é a empresa de entretenimento mais poderosa do K-pop no
momento por causa do SLK. Uma versão feminina do SLK seria TUDO!
— E você canta — Ethan diz. — Agora mesmo quando a gente
estava cantando “Unicorn”, você estava arrasando.
— Mano, eu sempre te disse — Imani fala. — Você tem uma voz
de anjo. Você precisa compartilhar isso com o mundo.
Imani já me disse esse tipo de coisa antes. É um belo elogio,
claro, mas, por alguma razão, meus olhos ficam um pouco
marejados. Deve ser pela mesma razão que me faz ter vergonha de
admitir o quanto amo K-pop.
Eu não me incomodo de falar sobre minhas artistas americanas
preferidas, como Ariana e Rihanna, mas agora que o SLK agraciou a
capa da Vanity Fair e o QueenGirl se apresentou com a Cardi B nos
VMAs, tudo ficou um pouco real demais. Talvez pessoas como eu
possam mesmo ser estrelas também, se tiverem talento e a
possibilidade de se arriscarem. No fundo, acho que posso ter talento
suficiente. Mas coragem? Com certeza não.
Olho para o violão rosa da Barbie no canto do meu quarto. Foi o
presente do meu pai no meu aniversário de doze anos; ele comprou
seguindo o preceito paternal de que toda garota ama rosa-choque (e
eu meio que amo). Meu abba me ensinou alguns acordes básicos e,
diferentemente da viola, eu aprendi a tocar violão imediatamente,
como se fosse uma parte perdida do meu corpo – talvez porque eu
sempre tenha visto o violão como uma ferramenta para cantar. Eu
assisti a tutoriais de dedilhado no YouTube e aprendi a tocar as
músicas mais antigas da Taylor Swift. Agora meu violão é meu bem
mais precioso, a primeira coisa que eu salvaria de um incêndio.
Mesmo assim, só toco na privacidade do meu quarto. Faço vários
covers e componho algumas músicas. Às vezes filmo a mim mesma
e já pensei em postar alguns vídeos no YouTube – cantando uma
versão acústica de “Here With Me”, de CHVRCHES e Marshmello, e
uma música emotiva que escrevi chamada “Expectations vs. Reality”
–, mas esses vídeos são apenas arquivos no meu computador,
salvos na minha área de trabalho bagunçada no meio de trabalhos
de literatura avançada e relatórios de práticas no laboratório de
biologia.
— Humm — digo. — Vou pensar.
— Mano — Imani diz, abrindo um monte de abas no meu
computador —, acho que você está subestimando o K-pop. Não é
só um gênero musical. Me deixa ser sua guia no universo dos girl
groups.
Imani nos mostra clipes – os Music Videos, ou MVs, como são
chamados no K-pop – de vários tipos de girl groups, como
QueenGirl, Blackpink, Twice, Red Velvet, Everglow e Itzy. Já assisti
a muitos MVs do SLK, mas nunca dei muita atenção aos grupos
femininos. Não desse jeito. Os visuais e a coreografia são
maravilhosos, as garotas são todas incrivelmente lindas e há vários
gêneros e influências, incluindo hip-hop, reggae e EDM.
Enquanto mostra os vídeos, Imani explica a diferença entre
Conceito Girl Crush e Conceito Cute em girl groups de K-pop.
Ela também explica as regras do K-pop como se estivesse
falando dos reinos de Game of Thrones. Há quatro empresas
principais: YG, JYP, SMTown e S.A.Y., e elas recrutam talentos no
mundo todo – em sua maioria na Coreia, mas também no Japão, na
China, na Tailândia e nos Estados Unidos, geralmente em Los
Angeles. Elas procuram jovens talentosos, claro, mas jovens
talentosos que cumpram um papel específico que todo grupo de K-
pop precisa.
— Então é tudo uma fórmula? — pergunto.
— Quer dizer, não é só isso — Imani diz —, mas sim, o K-pop é
meio que uma fábrica de idols. As empresas visitam escolas,
audições, shoppings e, ultimamente, YouTube e outras redes
sociais. Se os jovens que eles recrutarem não forem
supertalentosos, as empresas vão se certificar de que eles se
tornem supertalentosos. Tem todo esse sistema rígido de
treinamento pelos quais eles precisam passar antes do debut,
geralmente por anos. A grande maioria dos trainees nunca debuta
depois de passar a infância inteira treinando. É um negócio super
Jogos vorazes.
Umma aparece na porta. Quando Ethan está no meu quarto, não
posso fechar a porta, mesmo que umma saiba que não há nada
com o que se preocupar.
— Estão se divertindo, crianças?
— Sim, senhora Park! — Imani e Ethan respondem.
— Imani está nos ensinando K-pop Nível Avançado — Ethan diz.
— Eu vou testar vocês dois — Imani brinca.
— Que festa — umma diz. Posso ver um toque de reprovação em
seu rosto. — Imani, sua irmã veio buscar você e o Ethan. Vou pegar
um pouco de kimchi pra vocês levarem.
— Obrigada, senhora Park!

***

Depois que Imani e Ethan vão embora, não consigo parar de ver
outros MVs de girl groups. Eu não tinha ideia de quantos tipos de
garotas você pode ser como idol – a fofa, a rebelde, a rainha da
moda, ou as três ao mesmo tempo. Por que eu nunca pensei nisso
como uma possibilidade para mim mesma?
Bom, essa pergunta é idiota. Há tantas razões óbvias pelas quais
eu jamais poderia sonhar ser uma idol. Em primeiro lugar, meu
coreano é horrível; nunca tive que fazer aulas de coreano aos
sábados como as pessoas da igreja que conheço. Depois, eu
definitivamente não sei dançar. Tipo, eu não consigo nem balançar
meu punho no estilo Jersey Shore – sou ruim assim.
E, é claro, meus pais sempre acabaram com qualquer conversa
sobre ser cantora antes mesmo de elas começarem. Umma enfiou
na minha cabeça e na de Tommy que só existem três, talvez quatro,
áreas respeitáveis que podemos seguir: medicina, direito,
administração ou carreira acadêmica – nessa ordem. Cantar está
bem no final da lista, provavelmente entre ser uma traficante e uma
assassina.
Finalmente saio do YouTube e pego meu violão, me certificando
de que a porta está fechada. Aperto o botão de gravar na câmera do
notebook.
Sei que esse vídeo só vai se perder na bagunça da minha área
de trabalho como todos os outros. Jamais será postado. Mesmo
assim, gosto de gravar porque – e isso é estranho e supermacabro
– eu imagino que, se eu for atropelada por um ônibus escolar ou
algo do tipo, gostaria de deixar esses vídeos para que as pessoas
soubessem: Candace sabia mesmo cantar. Candace tinha algo para
dizer esse tempo todo.
Toco os acordes iniciais de “Expectations vs. Reality”. Canto
suavemente:

Expectativas:
Eu não gosto de confrontos
Eu não recebo convites
Eu vivo na minha imaginação
Realidade:
Você acha que me conhece
Mas há muitas coisas que você não vê
Espere só até eu me tornar quem eu nasci pra ser

O.k, eu sei que a letra é brega e minhas rimas não são tão boas
como as de Hamilton, mas estou me abrindo por inteira aqui.

Eu não sou a garota que se impõe


Mas algum dia eu vou estourar
Um dia você vai ouvir essa música
E descobrir que estava errado
Porque suas expectativas não são minha realidade

— Uau, que lindo!


Eu grito e quase derrubo meu violão. Tommy aparece na porta do
quarto. Ele está esfregando lágrimas de mentira.
— Sai daqui! — grito, jogando o MulKogi nele.
Tommy agarra MulKogi facilmente.
— Ninguém entende a Candace! Candace é tão profunda!
Empurro Tommy para fora do quarto e grito no corredor:
— Umma! Abba! Tommy está me espionando de novo!
— Desculpa, desculpa — Tommy diz, com sotaque coreano,
curvando-se diante de mim e caindo no riso. — Vou me desculpar
de verdade quando você “estourar” e sua música for número 1!
Bato a porta e peço desculpas mentalmente para MulKogi por
jogá-lo. MulKogi responde, telepaticamente: “Bom, Tommy mereceu.
Ele pode participar do coral e você não?”.
Espumando de raiva, mando uma mensagem para Imani.

O.k. Vou fazer a audição.

Sento-me com meu computador e edito o vídeo, cortando a parte


final em que Tommy me interrompeu rudemente. Clico no mouse
furiosamente, como se fosse o rosto de Tommy, e entro na minha
conta no YouTube. Pela primeira vez, depois dos milhares de vídeos
que eu já vi na vida, posto um no meu canal. Lá estou eu, Candee-
Grrrl0303 (não me julgue, eu criei essa conta no ensino
fundamental), com um único vídeo cantando e tocando um violão.
Só porque umma tem medo da própria voz por causa de algum
fracasso que teve na Coreia bem antes de eu nascer não quer dizer
que ela possa calar a minha.
Clico em “publicar”.
Quando olho para o meu celular de novo, Imani já respondeu
minha mensagem.

ARRASOUUUUUU!!!!!!!!!!
CAPÍTULO 2
Uma em um bilhão

Os braços de Imani e Ethan estão cruzados com os meus para


me dar apoio – e para me impedir de fugir. Sou prisioneira dos dois.
Sem eles, eu teria voltado para casa no momento em que vi a
aglomeração. Centenas, talvez milhares de adolescentes e adultos
apareceram para o teste.
A princípio, achei que essa audição fosse apenas para o primeiro
girl group da S.A.Y. Entertainment, mas, de acordo com os avisos em
todo canto, eles também estão procurando por garotos que cantam
para seu novo boy group, que estão chamando de “SLK 2.0”. A fila se
estende do saguão do cinema até o estacionamento, circulando o
prédio.
Estou em choque. Eu não sabia que havia tantos fãs de K-pop
em toda a Costa Leste, muito menos em Nova Jersey. A maioria
deles é asiática, mas fico positivamente surpresa ao ver que há todo
tipo de pessoa aqui. Há uma equipe do jornal local filmando pessoas
dançando a coreografia de “Unicorn” – que é basicamente fazer um
chifre contra a testa com o dedo enquanto imita um galope
complicado. É um pouco como a dança de “Gangnam Style” do PSY,
exceto pelo fato de que, quando os garotos do SLK dançam, é
maneiro e meio sexy.
Olho para os pôsteres gigantes do SLK espalhados ao redor de
todo o complexo. São cinco membros: ChangWoo, o líder e “pai” do
grupo; YooChin, o rapper principal descolado; Joodah, o único com
um senso de estilo realmente ousado; Wookie, o integrante
engraçado que quase se parece com um cara normal; e, é claro,
One.J, que ocupa as posições de Center, Visual, Face e maknae
do grupo.
Em alguns pôsteres, os cinco parecem frios e um pouco
assustadores, como os vampiros de Crepúsculo, com a pele branca
cintilante, os lábios cor de sangue brilhando e os olhos reluzindo um
dourado quente. Em outros, eles têm um visual alegre e charmoso,
como se fossem o namorado ideal que você sonha conhecer no
acampamento de verão, mas nunca encontra de fato.
Por um segundo eu me perco no olhar de One.J em um dos
pôsteres no estilo assustador e sexy. Seu olhar ardente. Seus lábios
perfeitos, levemente abertos.
Chacoalho o corpo para sair do transe – Imani e Ethan também
me ajudam com isso – quando finalmente chegamos à mesa de
inscrições depois de esperar na fila por mais de duas horas. A
garota na mesa, que está vestindo uma camiseta do SLK, pergunta,
um pouco grossa:
— Os três vão participar da audição?
— Não, só essa idol aqui — Imani diz.
A garota olha para mim, cética, e me entrega um formulário.
— Próximo — ela resmunga.
Vamos para a área externa do auditório onde as audições estão
acontecendo. Eu me sento no chão e começo a preencher o
formulário, que está escrito em inglês e em coreano.

Nome: Candace Park


Nome em coreano (se houver): Park MinKyung
Idade: 15
Altura (em cm): 1,54 m
Peso (em kg): Não sei. ALIÁS, QUE DESELEGANTE!
Habilidades (Atuar, Dançar, Cantar): Cantar
Outras habilidades: Tocar violão, compor músicas, já comi três burritos de
chipotle de uma só vez.
Artistas ocidentais preferidos: Ariana Grande, Rihanna, Justin Bieber
Artistas de K-pop preferidos: SLK, QueenGirl, Blackpink

Imani espia por cima do meu ombro. Imagino que ela vai me dizer
para levar as perguntas mais a sério, mas ela só diz:
— Ótimo. Você está mostrando que tem personalidade. Ah, e as
suas escolhas de artistas de K-pop preferidos são muito boas. Você
aprende rápido, jovem Padawan.
Entrego meu formulário para a garota emburrada das inscrições,
que me dá uma folha de papel com um número para prender à
minha roupa: 824. Vejo isso como um bom sinal — meu aniversário
é no dia 24 de agosto.
Ethan pega seu celular para me filmar:
— Como você se sente sabendo que está prestes a ser escolhida
para a versão feminina do SLK?
Faço um sinal da paz e mostro o sorriso mais fofo que consigo,
minha imitação de uma idol perfeita.
— Nada disso vai acontecer — digo por trás do meu sorriso
exagerado. — Vou cantar a minha música, ser rejeitada e fingir que
isso nunca aconteceu.
— Ai, como você é chata — Ethan diz, guardando seu celular.
Olho ao redor. O cinema, hoje fechado para o público, está cheio
de jovens que parecem fazer parte de uma convenção de cosplay:
muita gente com delineador pesado, cabelo neon, gargantilhas e
maquiagem gótica pálida. Outros fazem mais o estilo hip-hop, com
jeans largos e correntes. Todos estão dançando break ou fazendo
aquecimento vocal, dando tudo de si para cantar versões à capela
de hits do K-pop como “Loser”, do Big Bang, ou “Love Whisper”, do
GFriend. Nunca me senti tão deslocada. Faltei uma aula
preparatória do vestibular para vir aqui.
Percebendo meu nervosismo, Imani diz:
— Vamos fazer as Mãos da Diversidade pra dar sorte.
“Mãos da Diversidade” é uma das nossas piadas internas, em
que imitamos a foto de uma cartilha que o conselheiro da escola, sr.
Torrence, tem no escritório dele sobre “Celebrar a Diversidade”.
Juntamos nossas mãos e admiramos as diferenças: a mão negra de
Imani; a mão pálida, meio peluda de Ethan; e a minha. Não sei por
que as pessoas dizem que a pele dos asiáticos é amarela, porque
não é, mas é definitivamente diferente das outras duas.
— Ora, veja só — Ethan diz em sua voz de Pai Chato.
Quando meu nome finalmente é chamado, Ethan me ajuda a
pendurar meu violão cor-de-rosa ao redor dos meus ombros. Eu e
outros dois candidatos entramos no auditório, onde subimos em um
pequeno palco na frente da tela IMAX. Depois que meus olhos se
ajustam à luz do holofote brilhando sobre mim, vejo três pessoas na
plateia: um cinegrafista nos filmando, um cara com óculos estilosos
e de colete e uma mulher de aparência poderosa vestindo um terno
com um sorriso neutro congelado em seu rosto. Já sei que ela é a
pessoa que eu realmente devo impressionar.
— Em nome da S.A.Y. Entertainment, Manager Kong agradece a
todos vocês por virem à audição — diz o homem de óculos.
Manager Kong deve ser a mulher poderosa. — Meu nome é
Brandon Choi e serei seu intérprete hoje. Vocês terão até um minuto
pra cantar, dançar ou apresentar um monólogo com base na
habilidade que escolheram. Quando pedirmos para pararem,
significa que já vimos o bastante. Por favor, não continuem.
Primeiro, temos o número 822, Ricky Townshend, que vai cantar…
“Jebal”. É isso mesmo?
Um garoto negro com cabelo rosa dá um passo à frente. Depois
de fazer uma rápida oração em silêncio, Ricky começa a cantar uma
balada incrivelmente triste em um coreano perfeito. Mesmo com
meu conhecimento básico da língua, sei que jebal significa “por
favor” – ou algo mais intenso que “por favor”; é mais tipo “pelo amor
de Deus, por favor!!!” (umma sempre grita: jebal, vá praticar sua
viola!). Ricky arrasa desde a primeira nota. Além de seu coreano ser
melhor do que o meu, ele traz uma emoção dolorosa para a letra.
Quando ele termina, estou arrepiada e não consigo não aplaudir até
que Brandon, o intérprete, me lança um olhar de reprovação.
O próximo é um cara descendente de coreanos com tranças-raiz
que decide apresentar um rap que ele mesmo escreveu. Ele se
autointitula ANTIKDOTE e suas habilidades são tão boas quanto seu
nome. A sra. Kong e Brandon mandam ele parar depois de dez
segundos.
Eu sou a terceira e última do grupo. Dou um passo à frente.
— Vou apresentar uma versão acústica de “Bad Guy”, da Billie
Eilish — digo, balançando a cabeça. Por causa do meu violão, não
consigo fazer uma reverência profunda e adequada, como se
espera na Coreia.
Mal enxergo a sra. Kong ou o intérprete, apenas suas silhuetas.
Prendo a respiração e dedilho o primeiro acorde.
Quando começo a cantar, percebo que estou acelerando um
pouco, mas não consigo evitar – de repente, sinto vergonha da
música que escolhi. Minha voz soa fina para mim, provavelmente
porque não canto mais alto que um sussurro há anos. Eu devo estar
parecendo uma criança de doze anos com meu violão cor-de-rosa.
Ninguém acreditaria que sou “do tipo que deixa sua mãe triste”,
como diz a letra. Eu deveria ter escolhido uma música da Carly Rae
Jepsen ou algo do tipo.
Eu só esperava cantar a primeira estrofe e o refrão, mas não
ouço ninguém me parar. Ou talvez eles estejam gritando para que
eu pare, mas não os escuto porque é como se estivesse fora do
meu corpo – meu cérebro desligou e meus dedos estão se mexendo
por reflexo. Na parte instrumental da música, eu paro de cantar e
apenas assobio enquanto dou tapinhas no meu violão conforme a
batida.
No final da música, eu interrompo meio que de repente e a ficha
cai mais uma vez: estou parada em uma sala de cinema vazia
tentando ser escolhida para fazer parte de um grupo de K-pop. Faço
outra reverência. O lugar está completamente silencioso e dou um
passo para trás para meu lugar ao lado de Ricky e ANTIKDOTE.
— Boa — Ricky sussurra para mim.
— Você também — sussurro de volta.
A sra. Kong e Brandon murmuram um para o outro. Percebo que
meu corpo inteiro está literalmente tremendo. Uma gota de suor
escorre pela minha têmpora.
Brandon finalmente pigarreia.
— Obrigado a todos por virem hoje. Apreciamos seu tempo e
esforço, mas estamos procurando por características muito
específicas hoje. Todos estão dispensados.
Essa doeu.
Eu tinha zero expectativas para a audição, mas, mesmo assim,
meu coração derrete como um relógio de Salvador Dalí e escorre
até meu estômago.
Começo a seguir os outros dois para fora do palco quando, de
repente, Brandon diz:
— Exceto a 824. Todos estão dispensados, exceto a 824. 824,
por favor, continue no palco.
Deixo escapar um gritinho. Sério, o intérprete estava sendo
dramático de propósito, como se fosse uma eliminação falsa de
reality show.
Fico parada e aceno tristemente para Ricky – ele precisa virar um
cantor de alguma forma, seja de K-pop ou não – antes de focar na
minha próxima tarefa. Se eles quiserem ouvir outra música, decorei
como tocar “Since U Been Gone”, da Kelly Clarkson.
— Por favor, tire seu violão — o intérprete diz.
Droga. O.k., eu consigo cantar à capela.
Ponho meu violão no chão, me sentindo toda nua e vulnerável, o
que odeio fazer com meu bebê — ele não é minha viola.
— A sra. Kong agradece pela versão criativa de “Bad Guy” —
Brandon diz. — Que tipo de música você gostaria de dançar?
Eita.
— Dançar? — digo. — Desculpa, acho que houve um engano. Eu
só me inscrevi para a audição de canto.
Silêncio.
— Bom, qualquer idol vai precisar dançar.
Não importa como, mas preciso dar um jeito de não dançar na
frente dessas pessoas.
— Me desculpe… foi a sra. Kong quem disse isso ou só você?
— O quê? — Brandon diz.
Não era a minha intenção soar arrogante, mas sei que soou
assim.
— Desculpa, é que eu não entendo por que preciso dançar em
uma audição de canto.
Brandon e a sra. Kong deliberam em coreano. Ele se volta para
mim e diz:
— Não precisa fazer nada espetacular. Só queremos ver você…
sentir a música.
— Sentir? — pergunto, completamente atordoada. — Desculpa,
não entendi a tarefa…
Antes que eu me dê conta, o sistema de som do cinema começa
a tocar “Havana”, da Camila Cabello. Sinto meu estômago revirar.
Congelo.
Eu literalmente esqueço como é ser um humano com um corpo
conectado ao cérebro. Uma estrofe inteira toca e eu ainda não me
mexi.
Faça alguma coisa, Candace! Grito para mim mesma
mentalmente.
Vejo as silhuetas de Brandon e da sra. Kong se mexerem em
seus assentos. Olho para a luz vermelha da câmera gravando este
momento humilhante. De repente, sinto que estou fora do meu
corpo, assistindo a mim mesma – eu me vejo fazendo arminhas com
as mãos.
Para o que é que estou atirando, além das minhas chances de
ser uma idol? Agora, para o meu horror, estou fazendo o passo do
cabbage patch. Depois o sprinkler. Então o floss. Todas as danças
bregas que vi Tommy fazer no casamento da tia SoonMi, em
Franklin Lakes, no ano passado.
Sem outras ideias, imagino o que uma participante de RuPaul’s
Drag Race faria quando está prestes a perder no “Lip Sync For Your
Life” e está desesperada para fazer alguma coisa extravagante
enquanto ainda há tempo. Não consigo abrir um espacate aéreo ou
fazer um death drop ou arrancar minha peruca. Mas consigo fazer
algo que mais ou menos se parece com voguing.
Faço gestos forçados com meus braços como se fosse uma
controladora de voo mal-humorada – minha tentativa de fazer um
waacking. Depois, me agacho e tento fazer um duck walk, como já
vi Ethan fazer com facilidade um milhão de vezes, mas logo percebo
que minhas coxas não são fortes o suficiente. A música para
abruptamente bem na hora em que estou caindo de bunda no chão.
— Pare! — o intérprete brada. — A sra. Kong e a S.A.Y.
Entertainment agradecem sua participação.
Eu me levanto, totalmente humilhada. Faço uma reverência na
direção da sra. Kong e murmuro “obrigada” em coreano formal:
“gamsamnida”. Pego meu violão e saio do auditório, jogando
mechas de cabelo sobre meu rosto para esconder o fato de que ele
provavelmente está tão vermelho quanto um pote fervente de kimchi
jjigae.
CAPÍTULO 3
Número desconhecido

Na segunda-feira, passo o dia todo me sentindo morta por dentro.


Não consigo me concentrar nas aulas de biologia avançada ou
literatura, e não só porque não paro de receber ligações aleatórias
de um número desconhecido, o que me causa problemas com meu
professor de biologia, o sr. Delacorte. No almoço, mal consigo
engolir duas mordidas de frango tetrazzini.
Por que não levei a audição mais a sério?
A cada dois segundos cai a ficha de que essa coisa toda de K-
pop poderia ter mudado minha vida de verdade. Eu deveria ter me
esforçado mais. Por que eu tratei isso como se fosse uma piada?
Eu deveria ter imaginado que era óbvio que me pediriam para
dançar. Eu agi como se fosse boa demais para o K-pop, quando, na
verdade, eu não sou boa demais para nada. Pelo amor de Deus, eu
toco viola.
Depois da escola, Imani, Ethan e eu vamos para a loja de
conveniência da minha família – que tem o nome superoriginal de
Loja da Família Park – para estudar para a nossa prova de história
mundial de amanhã. Abba traz um prato de yakgwas feitos por
umma. Nós os vendemos na loja e os clientes amam. São
biscoitinhos de mel coreanos, um dos meus doces favoritos –
esticam como caramelo, são gostosos de mastigar e gordurosos
como donuts. Imani e Ethan também amam.
— Yasss, yakgwas são o jjang! — Imani exclama, pegando um
biscoito.
Abba ri. Meus pais sempre ficam felizes com o amor de Imani por
qualquer tipo de coisa coreana.
— Imani — abba diz —, você tem cartão de fidelidade de bubble
tea?
— Na verdade, sr. Park, tenho sim um cartão de fidelidade —
Imani diz, tirando um cartão não usado do bolso.
Desde que a nossa loja começou a vender bubble tea —
provavelmente a melhor decisão de negócios que meus pais já
tomaram – estamos distribuindo cartões de fidelidade compre-dez-
ganhe-um-de-graça.
Abba pega o cartão de Imani, faz dez buracos nele de uma só
vez e joga os pedacinhos de papel no ar como confete.
— Bubble tea de graça para a Imani! — ele comemora. Imani dá
pulinhos e gritinhos de alegria enquanto o papel cai sobre a mesa. É
uma brincadeira dos dois. É tão fofo que me dá vontade de vomitar.
Umma traz o bubble tea gratuito de Imani, de chá oolong com
leite, seu favorito, e um chá de pêssego para Ethan, que tem
intolerância à lactose. Ela deixa um pedaço de papel na ponta dos
canudos, como se fossem um boné – um toque especial de umma.
— Ao que vocês estão assistindo? — ela pergunta.
— Só uns vídeos de K-pop — Ethan responde antes de tomar um
longo gole de chá.
O SLK está no meio da Rebel World Tour e acabou de fazer um
show em Singapura. O YouTube está cheio de fancams.
— De novo? Candace, você também gosta desse tipo de coisa?
— umma pergunta, mordendo os lábios.
— Ah, alguns grupos até que são legais — resmungo, dando de
ombros.
Quando ela se vira, faço uma careta em sua direção. Percebo
que, se ela tivesse incentivado meu talento em vez de tratá-lo como
um segredo vergonhoso, se eu tivesse feito aulas de canto e dança
em vez de anos de aulas de viola, eu teria tido a confiança
necessária para arrasar na audição. Eu provavelmente estaria me
preparando para passar o verão em Seul.
Abba ri, aprovando.
— Eu fico muito surpreso que Candace goste de música coreana
— ele diz —, eu sempre acho que Candace é 100% garota
americana.
— Candace está virando uma stan de K-pop tão obcecada como
eu — Imani diz, radiante.
Umma se volta para nossa direção, alarmada. Olho para o lado
rapidamente.
Imani nos mostra um monte de vídeos de Joodah e ChangWoo,
do SLK, se abraçando de brincadeira no palco.
— Aww, essa tour está tendo bastante skinship JooWoo — Imani
diz, combinando os nomes dos dois.
— Skinship? — Ethan pergunta.
— Essa vai para o Dicionário de K-pop! — Imani diz, abrindo as
páginas finais do seu caderno de história mundial, em que ela está
escrevendo o Dicionário avançado de K-pop da Imani, cheio de
todos os jargões e terminologias que eu deveria saber agora que
decidi me jogar no mundo do K-pop.
Suspiro, lembrando da audição, de como eles me pediram para
sair do palco tão rápido. Quero esquecer de tudo e focar na minha
última descoberta: o MV de “Stun Me Stun You”, do QueenGirl. Ver
aquelas quatro garotas poderosas arrasando – especialmente a
melhor vocalista, WooWee – sempre me motiva. Tiro meu celular da
mochila e o ligo.
— Tem 47 chamadas perdidas de um número desconhecido —
digo.
— Provavelmente um stalker — Ethan diz —, ou um admirador
secreto!
— Não atenda — umma diz, de trás da bancada. Ela completa,
em coreano: — Não dá pra confiar em estranhos hoje em dia.
***

Duas noites depois, a agonia que sinto quando lembro da audição


ainda não passou. Tento pensar em outra coisa agora que as provas
das matérias avançadas estão chegando, mas só de me lembrar
que não preparei uma dança para uma audição de k-pop tenho
vontade de dar um soco em mim mesma.
Enquanto jantamos bulgogi e ssam, o assunto do momento,
obviamente, é o vestibular de Tommy, que se aproxima, e minhas
provas. É tudo tão previsível que suspiro alto enquanto enrolo um
ssam meio frouxo.
— Por que esse suspiro desanimado? — umma pergunta em
coreano.
— Nada — respondo, suspirando de novo.
Depois do jantar, umma chama Tommy e eu para nossa ligação
semanal de quarta-feira à noite. Ela está falando com nosso
harabuji, nosso avô, que mora na Coreia, no KakaoTalk Video, o
aplicativo de mensagens mais popular de lá. Fico na ponta dos
dedos do pé e Tommy se agacha para que nós dois possamos
aparecer na tela. Tommy ainda não tomou banho depois do treino
de beisebol, então cheira a suor. O rosto de harabuji está instável na
tela.
— Annyeonghaseyo — dizemos em uníssono.
— Uh — harabuji diz, com sua voz grave. — São vocês,
crianças?
— Sim — respondemos em coreano formal.
Não sei se isso é algo que só nosso harabuji faz, ou se é algo
que todos os idosos coreanos fazem, mas sempre achei estranho
que harabuji pergunta “São vocês?” enquanto olha diretamente para
nós. Talvez seja porque estamos sempre falando pelo telefone e ele
não consegue nos ver direito. O celular está tremendo na mão dele.
Ele não parece o mesmo de sempre – seus olhos estão amarelados
e sua pele tem uma palidez acinzentada.
Harabuji aponta para seu peito:
— Nah-neun nu-gu-jee? — ele pergunta “Quem sou eu?”.
— Harabuji — Tommy e eu dizemos em uníssono.
Uma expressão de surpresa e satisfação aparece no rosto de
harabuji.
— Orlchi! — ele exclama.
Em coreano, orlchi significa “Isso mesmo!” ou “Esse é meu
garoto/ garota!”. É algo que se diz para crianças pequenas quando
elas fazem alguma coisa precocemente, como carregar sozinhas
uma cesta pesada de roupa escada abaixo.
Isso é o máximo que conseguimos dizer em nossas conversas
com harabuji, provavelmente por causa da barreira linguística. É fofo
que ele pareça feliz de verdade quando conseguimos identificá-lo
corretamente como harabuji, mesmo que sejamos grandes demais
para isso ser impressionante. Acho que ele sempre vai ver Tommy e
eu como crianças de seis e cinco anos, as idades que tínhamos na
única vez que o vimos pessoalmente, quando ele veio de Seul para
cá.
Depois de nos despedirmos várias vezes, desligamos. Devolvo o
celular para umma, que está lavando a louça na cozinha com abba.
— Está tudo bem com o harabuji? — pergunto. — Ele parece um
pouco… diferente.
Umma suspira.
— Harabuji está muito doente — ela diz, preocupada.
Espero um pouco para ver se ela fala mais alguma coisa. O que
ela quer dizer com “muito doente”? E ninguém vai visitá-lo?
Mas, pelo visto, a conversa já acabou.
— Vá estudar — umma diz. — Se você não tirar dez na sua
prova de biologia avançada, kun-il natta. — Vai ser um problemão.

***
Depois de alguns minutos folheando meu livro de exercícios de
biologia avançada, abro o YouTube para assistir a mais alguns
vídeos de K-pop. Há um ponto vermelho ao lado do sininho no canto
superior direito da tela. Tenho uma notificação. Um novo comentário
no meu vídeo.
Abro meu vídeo, que agora tem doze visualizações – com certeza
de Imani e Ethan e pessoas ligadas a eles. Os primeiros dois
comentários eu já vi:

ImaniCharles2003: SUA MARAVILHOSAAAAAAA


EthanEmery627: Você é minha Taylor Swift coreana❤!!!

Então há um terceiro comentário, um que eu ainda não vi. É de


um usuário chamado S.A.Y. Entertainment. E está escrito em
coreano.
Engulo um galão de ar. Meu coração está acelerado enquanto
murmuro os caracteres coreanos (não consigo ler em coreano sem
mexer os lábios). Depois de um minuto, consigo entender o que está
escrito: “Tentamos ligar para você, mas você não atende o telefone.
Você tem KakaoTalk?”
Clico no nome de usuário S.A.Y. Entertainment para me certificar
de que é a S.A.Y. Entertainment de verdade. De fato, o link me leva
ao perfil oficial da S.A.Y. – o canal em que os MVs do SLK, todos com
mais de um bilhão de visualizações, são postados.
Volto para a página do meu vídeo, na qual respondo o comentário
em inglês: “Desculpe por não atender as ligações! Eu não tenho
KakaoTalk, mas vou baixar agora mesmo”.
Não posso acreditar em como fui idiota – o número desconhecido
era da S.A.Y.! Meus dedos tremem enquanto seguro o celular. Baixo
o KakaoTalk. Mesmo que umma e abba usem o aplicativo o tempo
todo, eu nunca tive um motivo para baixá-lo.
No instante em que ativo o KakaoTalk, chega uma notificação de
nova mensagem, que soa como um bebê falando “peekaboo!”.
Saudações.

A mensagem está escrita em inglês, mas veio de um nome de


usuário coreano, que leio como “Kong YeNa”.

Aqui é Manager Kong, da S.A.Y.


Entertainment.

Não pode ser. Sem chance. A moça das audições. A moça


superprofissional de terno que não falava. Digito com o alfabeto
inglês, sem jeito:

Annyeonghaseyo!

Estou gritando por dentro e pulando ao redor do quarto enquanto


a Manager Kong digita por um longo tempo.
Finalmente:

Estou de volta a Seul. Mostrei o vídeo da


sua audição para membros da agência.

Ai meu Deus. Eu preferiria que ela não tivesse mostrado.

Os executivos da agência ficaram bastante


interessados. Você pode falar agora?

Posso? Eu me deito no chão e coloco os pés contra a porta. Já


que ela não tem trava, essa é minha gambiarra para ter um pouco
de privacidade.
Digito:

Posso.
Instantaneamente, uma melodia começa a tocar. É uma chamada
de vídeo do KakaoTalk. Seguro o celular acima do rosto e respondo,
torcendo para que Manager Kong não ache estranho eu estar
estirada sobre o carpete. Ela aparece na tela, sentada no que
parece uma sala de conferência bem-iluminada. Diferentemente de
quando a vi pessoalmente, ela não está usando maquiagem e está
vestida de modo casual, com uma camiseta preta e um boné.
— Annyeonghaseyo — digo, me esforçando para levantar a
cabeça como uma reverência.
— Olá, Candace — ela responde em coreano. — É bom
finalmente falar com você.
Não sei como responder. Consigo entender coreano porque é
como umma e abba sempre falaram comigo, mas sou péssima em
formar frases por conta própria – sempre respondi meus pais em
inglês.
Então digo apenas “Neh”, que é um “sim” formal e serve como
um termo coringa para completar todo tipo de frase.
— Fiquei impressionada com sua audição — a Manager Kong
diz. — Você tem uma voz bastante única, pura.
— Gamsamnida — digo.
— Sua dança…
Dou uma risadinha sem graça.
— Ah, aquilo… Me desculpe — consigo dizer em coreano, com a
voz trêmula.
Manager Kong sorri um pouco.
— Você não demonstrou nenhuma habilidade, mas apreciei seu
esforço. Você mostrou seu charme.
Levanto a cabeça do chão em outra reverência.
— É claro, se você quiser debutar, vai precisar treinar bastante.
Na S.A.Y., não procuramos jovens que já têm todas as qualidades de
uma estrela. Procuramos jovens com potencial e os fazemos treinar,
treinar e treinar. Muito em breve vamos debutar nosso primeiro girl
group. Eu gostaria de te oferecer uma vaga em nosso programa de
trainees. Já temos muitas trainees talentosas, mas nosso CEO acha
que precisamos de outra garota coreano-americana. Dentre as mais
de três mil que participaram das audições em Nova Jersey, você foi
a única que se encaixou em nossos critérios. Então, o que você me
diz?
Manager Kong fala incrivelmente rápido e vai direto ao ponto. Eu
não entendo tudo o que ela diz, mas na minha cabeça completo
com as palavras que eu tenho certeza de que ela está dizendo. Ela
verifica seu relógio enquanto espera por uma resposta, sem
perceber que virou meu mundo inteiro de cabeça para baixo.
Eu pigarreio e digo:
— Hmm… eu ainda estou na escola.
A realidade fria e dura atinge minha cabeça como uma bigorna de
desenho: umma e abba jamais me deixariam pular um ano ou
atrasar meus estudos, muito menos ir para a Coreia em uma
jornada sem pé nem cabeça para virar uma idol de K-pop. Nem em
um trilhão de anos. A única razão pela qual nossa família tem
dinheiro para qualquer coisa extra, além das atividades esportivas
de Tommy, minhas aulas idiotas de viola, o curso preparatório para o
vestibular e computadores para fazer a lição de casa é que umma e
abba estão economizando cada centavo para que eu e Tommy
possamos estudar na melhor faculdade em que consiga entrar.
— Em que ano você está, segundo do ensino médio? — Manager
Kong pergunta, impaciente.
— Sim.
— Estudantes americanos não têm férias de verão? Deve ser
bom. Nosso CEO quer escolher os integrantes finais para os novos
boy e girl groups no fim do verão. Claro, eu acho que treinar por
apenas quatro meses antes do debut é muito pouco, mas alguns
idols já fizeram isso. Se você não conseguir debutar, o que
provavelmente vai acontecer — nada contra você pessoalmente —,
pode voltar para os Estados Unidos e continuar seus estudos. Se
você debutar, podemos conversar a respeito da sua educação.
Existem escolas internacionais excepcionais em Seul. E então?
— Hmm — limpo a garganta. — Posso falar com meus pais e
depois dar uma resposta?
— Tudo bem — ela suspira, aparentemente irritada por eu não ter
concordado voar para o outro lado do mundo e vender minha alma
para uma agência de entretenimento coreana na hora. — Podemos
oferecer passagens de avião para Seul para você e um de seus pais
e hospedagem… o dormitório das trainees para você e um
apartamento da agência para o seu responsável. Ser uma trainee
não vai te custar nada. Você pode pedir para seus pais me ligarem
diretamente, se quiser.
Passo a língua sobre meus lábios ressecados.
— Há algum horário específico em que eu devo ligar?
— Ligue a qualquer hora. Ninguém na S.A.Y. dorme.
Tento ler seu rosto para ver se ela está brincando, mas ela já
desligou.
Com a cabeça girando, me levanto. Passei a semana inteira
pensando que minha vida seria perfeita se eu tivesse passado na
audição. Agora que consegui, percebo que tenho uma missão ainda
mais impossível: convencer umma a me deixar ir.
CAPÍTULO 4
Bae-jjae-ra

No dia seguinte, quando conto a novidade para Imani e Ethan


depois da escola, eles reagem exatamente da forma como eu
esperava. Os dois gritam a plenos pulmões. Ethan planta uma
bananeira do nada. Imani me chacoalha freneticamente enquanto
berra:
— Eu sabia, eu sabia, eu sabia, eu sabia!
Estamos no nosso lugar de costume no gramado do lado de fora
do refeitório. O dia está lindo e quente e há gente espirrando por
todo lado. Um grupo de alunos do Clube de Robótica está fazendo
seus robôs lutarem a poucos metros de distância.
— Não se animem — digo. — Como eu disse no dia da audição,
meus pais nunca vão me deixar ir.
— Amiga, me poupe — Imani diz. — Você sempre faz isso,
Candace.
— Faço o quê?
— Autossabotagem — Ethan diz.
— O quê?
— Autossabotagem — ele repete. Com o rosto vermelho pelo
esforço, Ethan volta a ficar de pé e muda para sua voz de monólogo
teatral: — A Grande RuPaul define “autossabotagem” como a voz
dentro da sua cabeça que traz seus medos à tona e te impede de
tentar fazer as coisas que você realmente quer fazer.
— Ouça a Mãe RuPaul — Imani diz. — E o Ethan, pelo visto.
Acho que sua autossabotagem interior está mais viva do que nunca.
— Você a mantém saudável com uma dieta de desculpas e baixa
autoestima — ele brinca.
Meus amigos são ridículos.
— Ah, nada a ver — eu desconverso, mas sinto meu rosto
esquentar. — Eu não sou assim.
— É mesmo? — Imani pergunta, curvando uma sobrancelha. —
Então por que você não levou sua audição da S.A.Y. a sério?
— E por que você ainda está tocando aquela maldita viola?
— Vocês não entendem — digo. — Vocês não conhecem a
minha mãe.
— Na verdade, eu conheço, e ela é uma verdadeira santa —
Imani diz.
— Ela tem uma edição de Grito de Guerra da Mãe-Tigre com
todas as páginas marcadas! — digo, balançando os braços, sem
paciência.
Imani levanta os braços, rendendo-se.
— Não vou discutir com você sobre esse assunto — ela diz. — Já
te arrastei para aquela audição. Mas não sou a amiga negra
coadjuvante de ninguém. — Ethan emite um “uhummm”,
concordando. — Por outro lado — diz Imani, sorrindo —, se você
decidir que quer tentar isso, tentar de verdade, vou te ajudar a
convencer seus pais. Persuadir pessoas é meu superpoder.
— E pensa: se você for uma trainee na agência do SLK — diz
Ethan —, você definitivamente vai conhecer o One.J!

***

Apesar das mensagens impacientes que estou recebendo da


Manager Kong no KakaoTalk, é só depois do culto de domingo que
resolvo falar com meus pais.

Preciso saber logo.


Uma oportunidade como essas não vai
esperar para sempre.

Você tem ideia de quantos jovens na Coreia


morreriam para estar no seu lugar?

Depois da igreja, quando eles já tiraram seus melhores trajes de


domingo e vestiram suas roupas normais, costuma ser o momento
em que umma e abba estão mais bem-humorados. Como eles não
têm vida social durante a semana, a igreja é meio que o recreio
deles. Depois de horas rezando, comendo e rindo com todos os
seus amigos, eles estão exaustos e felizes.
Reúno umma e abba na sala, anunciando que tenho uma coisa
importante para contar.
Umma fica ressabiada logo de cara. Ela pergunta:
— Você não vai nos contar alguma coisa estranha, vai?
Honestamente, não posso dizer que não.
— Só senta do lado do abba, por favor.
Fico de pé na frente da TV, que está ligada ao meu computador, e
respiro fundo antes de começar minha apresentação
cuidadosamente ensaiada.
— Reuni vocês aqui hoje porque quero pedir uma coisa que
talvez surpreenda a todos. É por isso que preciso pedir, com todo
respeito, que prometam que não vão fazer perguntas ou falar até eu
terminar.
— Prometo — abba diz logo de cara.
Umma puxa um fiapo de sua calça.
— Umma, estou olhando pra você. Diz que promete.
Depois que abba a cutuca com o braço, umma diz:
— Certo, Candace. Eu prometo.
— Obrigada — limpo a garganta. — Então, como o que vamos
discutir é complexo e multifacetado, preparei uma apresentação pra
dar uma ideia mais clara — ligo a TV. O primeiro slide do PowerPoint
já está pronto. É uma foto minha adorável, aos cinco anos, em pé no
palco da igreja com outras crianças da minha idade cantando “Noite
feliz” em um evento de Natal da congregação.
Abba dá um sorriso largo e umma leva a mão ao peito. Por
enquanto, tudo bem.
— Eu, Candace MinKyung Park, nasci em Newark, Nova Jersey,
em 24 de agosto. E desde que me entendo por gente… — Passo
para o próximo slide, com uma foto minha vestida como Rapunzel,
de Enrolados, no Halloween, aos nove anos, cantando “Quando
minha vida vai começar?”. — … no meu coração, eu sempre amei
música, especialmente cantar. — Não estou olhando para umma,
mas consigo sentir sua aura escurecendo. — Qualquer talento que
eu tenha para o canto, devo a vocês, umma e abba. Sei que vocês
já foram, e ainda são, músicos brilhantes.
Mostro uma foto minha aos seis anos chorando
desesperadamente enquanto toco uma pequena viola – por algum
motivo, umma e abba sempre acharam esse retrato genuíno da
minha angústia adorável. Mesmo agora, eles não conseguem deixar
de soltar um “Owwwn”.
— Quando eu era bem novinha, eu podia cantar o que quisesse,
com aquele tipo de alegria e inocência pura que só as crianças têm
— digo, e essa fala é toda de Ethan. — Mas, em algum momento,
perdi aquela alegria. A vida toda, fui fortemente desencorajada a
cantar e, em vez disso, fui forçada a estudar viola, um instrumento
para o qual eu não tenho talento nem paixão.
Mudo de slide para um retrato da orquestra no sétimo ano, no
auge daquela fase esquisita da puberdade. Na foto, eu não poderia
parecer mais infeliz enquanto segurava minha viola naquele
uniforme horrível.
— Ser tão ruim em uma coisa que toma a maior parte do meu
tempo fora da escola não só arruinou minha autoestima, mas
provavelmente também prejudicou minhas chances de entrar na
faculdade. Que tipo de universidade ficaria impressionada com o
fato de eu ter gastado tanto tempo em uma atividade na qual não
me destaco?
Meus olhos se dirigem ao rosto de umma. Ela parece atingida.
Horrorizada. Digo a mim mesma que isso só quer dizer que meu
plano está funcionando. Continuo:
— Ultimamente, meu coração tem gritado pelo desejo há muito
tempo escondido de cantar — continuo, outra frase de Ethan. —
Preciso confessar que semana passada desobedeci às suas regras,
mas foi por um bem maior: faltei no cursinho pra ir a uma audição
pra uma agência de K-pop em Palisades Park.
Meus pais têm um sobressalto. Umma diz:
— O quê…
— Umma, eu disse que vou responder a perguntas e comentários
depois.
Passo o slide e mostro uma selfie de Imani, Ethan e eu no meio
da multidão de jovens esperançosos no estacionamento do
complexo.
— Sim, sei que foi errado, mas eu sabia que seria proibida,
julgada e ridicularizada se tivesse contado. Eu cantei em frente a
uma Manager da S.A.Y. Entertainment que veio lá da Coreia pra
procurar talentos americanos. Na segunda-feira, ela me ligou pra
dizer que, dentre três mil candidatas, eu fui a única que eles
escolheram.
Explico a importância da S.A.Y. Entertainment, falo como é uma
agência séria. Mostro uma foto do SLK – não uma das meio
assustadoras e sexy, mas uma foto simpática dos garotos com
uniformes escolares posando em uma sala de aula.
Mostro um slide com tópicos:

POR QUE CANDACE DEVE SER UMA TRAINEE DE K-POP NESTE VERÃO
• Candace vai aprender bastante coreano.
• Candace fará novas amizades com pessoas do mundo todo.
• Candace vai ganhar mais confiança vendo asiáticos se
tornarem idols de sucesso. Ela não viu muito disso crescendo
nos Estados Unidos.
• Candace já sofreu calada enquanto tocava viola por dez
anos.
• A S.A.Y. vai fornecer passagens aéreas e hospedagem
gratuita em Seul durante o verão.

O último tópico, que foi ideia de Imani, é tão decisivo que dou a
ele um slide próprio:

• Há uma crença entre os avaliadores de universidades que


candidatos asiáticos não se destacam dos demais. Muitos
deles tiram notas altas e tocam instrumentos clássicos muito
melhor que Candace jamais tocará! Passar um verão como
uma trainee de K-pop é uma experiência única que daria uma
redação excelente.

Termino a apresentação com uma foto minha recebendo meu


violão cor-de-rosa do abba no meu aniversário de doze anos. Meus
olhos brilham de alegria e com as chamas das velas.
— Obrigada por sua atenção — digo, respirando fundo. — Algum
comentário? Perguntas?
Silêncio. Abba bate palmas, sem jeito. Umma está olhando para o
lado com os braços cruzados. Tudo bem. Eu já esperava
resistência.
— Umma. Parece que você tem algo a dizer.
Umma diz, ríspida:
— Bae-jjae-ra. — Só por cima do meu cadáver. — Isso é ridículo.
A frase que ela usa em coreano para dizer “ridículo” – maldo
andwae – significa, literalmente, “essas palavras nem existem”.
Minhas bochechas estão queimando como carvão quente sob
uma chapa de galbi escaldante.
— Por quê?! — grito. — O que é tão ridículo? Eu nunca te peço
nada. Você nunca me deixou fazer o que eu quero de verdade e eu
tiro notas boas e nunca reclamei.
— Você já reclamou bastante — umma responde.
— Por que Tommy pode ser quem ele quiser e ser uma estrela do
esporte e você nunca disse nada? Eu tiro notas melhores. É por que
ele é menino?
— Como você pode dizer uma coisa dessas? — umma pergunta.
Há urgência em sua voz. — Não é por isso. É porque os esportes
podem ajudar Tommy a entrar em uma boa faculdade. Ajudar seu
futuro.
— Talvez cantar possa me ajudar também! — grito.
Umma morde os lábios. Ela mexe a cabeça, tentando se acalmar.
— Pra ser sincera, Candace — ela diz, suave, mas firme —, você
tem uma voz decente, mas é tão difícil se destacar como cantora.
Você tem ideia de quantos cantores e artistas incríveis existem na
Coreia? Você é uma menina tímida, e esses idols têm tanto carisma
e autoconfiança…
Fico sem palavras, chocada. Nunca fiquei tão magoada.
Abba finalmente se levanta.
— Candace — ele diz em coreano —, preciso admitir, estou
preocupado também. Já li umas coisas no jornal sobre essas
agências. Tem tanta corrupção, e esses trainees são tão
maltratados… tem contratos abusivos, já ouvi falar de assédio…
Mal ouço abba. A raiva que sinto de umma toma conta de mim.
— Você é o motivo de eu não ter autoconfiança — falo para ela,
com a voz trêmula; nem sei se isso é verdade, mas parece real
nesse momento. — Você tentou tirar de mim minha única paixão, a
única coisa que faz de mim especial. Se não for por ódio, por que
outro motivo você faria algo tão cruel comigo? Você está brava
comigo porque você nunca conseguiu se tornar uma cantora.
Umma está boquiaberta. Ela parece completamente devastada.
O gosto amargo da culpa sobe pela minha garganta, mas eu o
engulo.
— Isso é demais, Candace — abba diz. — Vamos conversar
sobre isso depois.
— Ótimo!
Caminho furiosamente para meu quarto e bato a porta. Deito no
chão e coloco os pés contra a porta. Ouço passos. Alguém gira a
maçaneta, mas faço mais força com as pernas. Uma batida.
— Candace, abra a porta — umma pede, gentilmente.
— Bae-jjae-ra! — grito.
Sei que algum dia vou me arrepender de ter dito isso a umma.
Mas encaro o teto, percebendo que não estou realmente brava com
ela; estou brava comigo mesma. Isso não é sobre as aulas de viola,
ou sobre não poder fazer parte do coral, ou sobre não ir à Coreia
para treinar. É sobre ser honesta a respeito do que realmente quero
uma vez na vida. É sobre ter coragem.
Esmurro a porta com meus pés. Grito ainda mais alto:
— Bae-jjae-ra!
CAPÍTULO 5
Olho do peixe

No jantar, umma traz a panela quente de doenjang jjigae para a


mesa com as mãos nuas – a pele dela com certeza é feita de
escamas de dragão. Quero pedir desculpas, mas lembro: essa é a
primeira vez que declaro o que realmente quero. Não vou voltar
atrás.
Abba traz um pargo-vermelho marinado fumegante, com cabeça,
cauda e tudo mais. Talvez possa parecer nojento para a maioria das
pessoas, mas Tommy e eu costumamos brigar para ver quem come
o olho do peixe porque, quando éramos pequenos, umma nos disse
que dava sorte. Hoje, porém, Tommy não tem concorrência. Ele
arranca o olho cinza e gelatinoso do pargo com seus jeotgarak –
nhac! – e o coloca na boca.
Todos mergulham suas colheres na mesma panela de jjigae,
menos eu. Umma e abba elogiam Tommy que, junto com seu time
de beisebol, venceu uma partida. Ou jogo. Sei lá.
Sento-me à mesa sem tocar na comida, encarando os três.
— Qual é o seu problema? — Tommy pergunta. — Você está
mais esquisita do que o normal.
Sofro em silêncio enquanto umma me ignora com destreza.
Como ninguém diz nada, respondo em voz alta:
— Meu problema é que umma e abba estão destruindo meus
sonhos e arruinando minha vida.
— Eita. Que drama — Tommy diz. Ele pega um pedaço enorme
de filé de peixe com a colher. — O que aconteceu?
— O que aconteceu é que eu me arrisquei pela primeira na vez
na vida, fiz um teste pra fazer parte de um girl group de K-pop na
agência do SLK, encarei todos os desafios, fui a única cantora entre
milhares que passou na audição e agora umma não me deixa ir para
a Coreia treinar.
Tommy congela no meio da mordida. Sua boca está cheia de
comida e há um único grão de arroz grudado em seu lábio inferior.
— Sério? — ele pergunta.
Há um silêncio na mesa. De repente, meus olhos estão
marejados e minhas bochechas ficam quentes como lava. Mais uma
vez, a vergonha toma conta de mim. Ver minha família – perceber
que agora eles sabem que acho que posso talvez me tornar uma
idol, que sabem que quero uma coisa dessas – é tão vergonhoso.
— É idiota, eu sei — murmuro.
— Na real, acho da hora — Tommy diz.
— Sério? — encaro Tommy, cem por cento chocada.
— Sério. — Ele já devorou metade do pargo, que era mais ou
menos do tamanho de um corgi. — Quer dizer, não me surpreende.
É óbvio que você canta bem.
— É?
Acho que essa é a primeira vez que Tommy me elogia durante os
meus quinze anos neste planeta.
— Canta, sim — ele diz. — Todo mundo sabe disso. Além do
mais, eu te ouço pela parede o tempo todo. Aquela música que você
escreveu… “expectativas e não sei o quê”… é meio brega, mas dá
pra imaginar as pessoas pagando pra ouvir. Não muitas, mas
algumas.
Umma finalmente acorda para a vida e tenta colocar um fim na
conversa.
— Não encoraje essa bobagem — ela diz. — Essas agências
coreanas de música são cruéis. Elas arruinam vidas. A maioria
delas sequer paga os idols e faz eles morrerem de tanto trabalhar.
Imani me preparou bem para esse debate.
— As agências estão melhorando bastante nesse quesito — digo.
— Além do mais, a S.A.Y. é a agência mais bem-sucedida na Coreia
e consegue pagar seus idols quando eles debutam. Ela é conhecida
por ser uma das boas agências. É só olhar para o SLK.
Umma aperta os lábios.
— Candace, você canta muito bem. Eu sempre soube disso. Mas
por que cantar precisa ser algo além de um hobby? Você tem noção
de como tem sorte de que a única coisa que precisa fazer é ir bem
na escola? Isso é tudo que precisa fazer pra ter uma carreira em
que seu valor está na sua inteligência e nas suas habilidades,
diferente de abba e eu.
Ela abaixa a cabeça, triste. Eu me pergunto o que umma acha
que é o seu “valor”. Quero dizer a ela que, apesar das coisas que
gritei na noite anterior, seu valor não tem nada a ver com o que ela
faz. Ela é a pessoa mais importante do mundo inteiro porque ela é a
umma.
Ela bate na mesa. Seu rosto instantaneamente volta para sua
expressão determinada de todo dia.
— O fato, Candace, é que virar uma cantora não vai ajudar o seu
futuro. Como eu disse ontem, é diferente do beisebol de Tommy,
que pode ajudá-lo a entrar em uma boa faculdade, o que vai ajudá-
lo a conseguir um bom emprego. Seu abba e eu nos esforçamos pra
que vocês possam fazer algo nobre e útil para os outros. É uma
oportunidade que nunca tivemos.
Abba pigarreia. Há um sorriso triste e pensativo em seu rosto. Ele
faz um carinho na mão de umma.
— Yubboh — ele diz. Querida. — Sabe, não é pra isso que nos
esforçamos. Nos esforçamos pra que Tommy e Candace possam
fazer o que os faz felizes de verdade. Essa é a oportunidade que
nunca tivemos.
Mordo meus lábios para conter as lágrimas. Com uma mão,
Tommy dá uns tapinhas no meu ombro, sem jeito, enquanto
continua a se empanturrar com a outra.
— Candace, não chore — umma diz, séria. — Olhe pra mim. —
Ela coloca os jeotgarak sobre o prato e procura meus olhos. — Essa
é mesmo sua paixão?
Balanço a cabeça, concordando. Com o choro entalado na
garganta, consigo colocar para fora o argumento que preparei:
— Umma, vai ser só durante o verão, por favor. A executiva da
S.A.Y. disse que só faltam alguns meses para o debut do novo girl
group. Aí, se eu não for escolhida, e claro que eu não vou ser…
— Você vai, sim — umma diz. — Se você for, é claro que eles
vão te escolher. Quem é mais talentosa ou especial que você?
Por um segundo, fico totalmente abalada com esse voto inédito
de confiança. Olho para umma, maravilhada.
Meu abba diz:
— Candace com certeza tem talento.
— Tá bom, tá bom, não vamos exagerar — Tommy diz.
— Mas, Candace — abba diz —, tem muita coisa que você não
entende sobre a cultura e o jeito de pensar coreano. Como uma
garota americana, não tem como saber. As coisas estão difíceis
para os jovens na Coreia agora. Entrar numa faculdade e conseguir
emprego é tão concorrido lá. Vai ser a mesma coisa pra virar uma
idol. Acho que você vai ficar surpresa ao ver o quanto um trainee
coreano está disposto a se esforçar, tendo seu talento nato ou não.
Pra eles, virar um idol pode não ser só um sonho ou uma paixão
como é pra você. Pode ser a única esperança para o futuro.
— Eu vou me esforçar — digo. — Mais do que já me esforcei em
toda a minha vida.
Umma segura seus jeotgarak novamente, pega o último pedaço
de peixe e o coloca em minha tigela de arroz.
— Não estou dizendo sim — ela suspira. — Temos que pensar a
respeito, e com certeza precisamos falar com alguém da S.A.Y.
— Claro — digo, concordando avidamente com a cabeça. Não
consigo conter o maior dos sorrisos enquanto dou a primeira
mordida no jantar.
CAPÍTULO 6
“Into The New World”

Ainda não ouvi um “sim”, mas, na semana seguinte, umma e


abba falam por horas com a Manager Kong no KakaoTalk à mesa da
cozinha enquanto eu tento ouvir da sala. Depois das longas
chamadas de vídeo, umma e abba falam sem parar sobre como ela
é uma pessoa simpática. Isso me deixa confusa, porque Manager
Kong me parece ser muitas coisas, menos simpática.
A S.A.Y. nos envia o contrato de trainee para que meus pais deem
uma olhada. Os dois, especialmente umma, odeiam assinar
contratos, e esse tem literalmente setenta páginas. Umma pergunta
para as mulheres do grupo de estudo da Bíblia se alguém conhece
um advogado na Coreia, e por acaso o irmão da esposa de um
primo da diaconisa Min, mãe da minha amiga Jinny, entende os
contratos supercomplicados da indústria de entretenimento coreana.
Por KakaoTalk, umma o convence a ler o meu, e ele diz que é um
contrato bem padrão. Sim, a empresa vai controlar totalmente meu
tempo enquanto eu for uma trainee, mas não tenta dar nenhum
golpe absurdo como algumas das empresas menores fazem.
O que realmente preocupa umma e abba é uma cláusula no
contrato segundo a qual a S.A.Y. pode atrasar a decisão final sobre
as selecionadas para o girl group para depois do fim de agosto e,
durante esse tempo, eu ainda estarei presa como uma trainee.
Umma e abba insistem em mudar a cláusula para que eu possa
deixar a S.A.Y. se eles não tiverem decidido até 29 de agosto – um
dia antes do meu primeiro dia de aula do terceiro ano na Fort Lee
Magnet.
Certa noite, os dois ficam acordados até tarde para negociar esse
ponto com Manager Kong e os advogados da S.A.Y., que fazem um
escarcéu, dizendo que não podem concordar com isso, que nunca
abriram uma exceção como essa para ninguém na história da
empresa. Mas umma e abba insistem.
Ficamos sem resposta da S.A.Y. por uma semana inteira.
Por mais incrível que pareça, estou meio aliviada. É um pouco
reconfortante poder continuar com a minha vida de sempre,
sabendo que tenho talento, que a S.A.Y. me queria, sem ter que ir de
fato para Seul para provar que consigo.
Mas sei também que há uma chama dentro de mim que não vai
me deixar admitir isso em voz alta. Quando umma e abba
perguntam como estou, querendo saber se ainda quero ir, continuo
dizendo que sim.
Finalmente, em uma tarde de domingo, a S.A.Y. entra em contato
com meus pais pelo KakaoTalk. Ainda com as roupas da igreja, eles
me fazem sentar à mesa da cozinha.
— A S.A.Y. concordou com nosso prazo de 29 de agosto — umma
diz, apertando os lábios firmemente — com uma condição: se você
desistir do programa de trainee antes dessa data e eles ainda não
tiverem escolhido as garotas que vão debutar, nós seremos
cobrados pelo valor total do seu treinamento, que será de dezenas
de milhares de dólares. Não estou falando isso pra te proibir de
desistir antes. Se eles te maltratarem, ou se você estiver infeliz,
queremos que você desista na hora. Vamos dar um jeito de pagar.
Só queremos ter certeza de que você está levando isso a sério. De
que esse é realmente o seu sonho.
Estou chocada. Nunca imaginei que daria certo. Balanço a
cabeça devagar, concordando.
Fazemos um plano – na verdade, eles fazem, enquanto eu ouço,
boquiaberta –: um dia depois da minha última prova, vou para Seul
com umma. Ela vai ficar em um apartamento pago pela S.A.Y.
durante todo o tempo em que eu estiver treinando. Umma vai usar
esse tempo para cuidar de harabuji, que está piorando; ele
provavelmente vai ter que ser internado. Durante o primeiro mês,
não poderei vê-la ou sequer sair do complexo de treinamento
enquanto me acostumo à vida de trainee. Depois desse período,
poderei passar as noites de sábado e o domingo inteiro com umma,
mas esse vai ser o único tempo de descanso que vou ter. Abba vai
tomar conta da loja sozinho com a ajuda de Tommy, que vai ficar em
Jersey no verão para treinar com seu time.
— O que você acha? — abba pergunta.
De repente, desabo em lágrimas. Entre soluços, digo, em
coreano:
— É tudo o que eu poderia querer.
Umma e abba ficam chocados com minha reação.
— Por que você está chorando? — abba pergunta.
— Estou chorando porque estou muito feliz — respondo, mesmo
que não seja exatamente a verdade. Estou chorando porque não
consigo acreditar que eles me deixaram fazer isso. Estou chorando
porque não consigo acreditar que pensei que umma me impedia de
cantar porque ela não me amava o suficiente.
Umma dá a volta na mesa e apoia minha cabeça contra seu
corpo:
— Só queremos que nossa Candace seja feliz — ela diz.

***

Tenho um ataque de pânico por noite durante as três semanas


seguintes pensando em tudo que minha família está sacrificando
para que eu possa ir para a Coreia. Meus pais estão indo contra
tudo que acreditam sobre criar filhos e revogando o sonho
americano. Estou tão grata e ao mesmo tempo me sinto tão indigna
que, na maioria das noites, choro até dormir. Não consigo deixar de
pensar que um grande motivo para umma ter concordado com isso
é poder cuidar do meu harabuji na Coreia. Não há nada de bom na
doença de harabuji, mas a condição dele está, sim, contribuindo
para que tudo isso pareça real. A culpa que vem com esse
pensamento é demais para mim.
Estudo para minhas provas finais como nunca estudei antes e
acabo gabaritando todas, até mesmo a de cálculo avançado, a
prova que mais me preocupava. Tiro dez nas provas de biologia
avançada e literatura. Faço horas extras na loja e até chego a
praticar um pouco de viola.
Antes de viajar como voluntária para cavar latrinas no Paraguai
durante o verão, Imani me ensina mais sobre a história do K-pop,
falando sobre o começo da era moderna do hip-hop, com H.O.T. e
S.E.S. e Shinhwa dos anos noventa. Pratico o máximo de coreano
que consigo, assistindo a K-dramas com umma e abba depois do
jantar quase todas as noites – antes disso tudo, eu não assistia a
eles nem que me pagassem.
Quando a S.A.Y. manda um pacote com letras de cinquenta
músicas que eu preciso saber antes de ir para lá (doze delas são
músicas de artistas dos Estados Unidos: três da Ariana Grande,
graças a Deus), umma passa a me ajudar com elas nas horas de
pouco movimento na loja.
— Você precisa entender o significado de cada palavra pra saber
como se apresentar — ela diz enquanto dissecamos as letras de
“Into The New World”, o single do debut do Girls Generation, de
2007. — Essa música é sobre começar uma jornada que com
certeza será longa e cheia de incertezas, mas ainda assim
prosseguir com coragem, sabendo que seu coração está cheio de
esperança e amor.
— Nossa, sério?
Já assisti ao MV de “Into The New World” com Imani. Ela me disse
que é um clássico dos girl groups e eu provavelmente terei que
cantar várias vezes como trainee. Mas achei que era só uma música
pop chiclete cantada por nove garotas adoráveis e sorridentes que
pareciam estar na quinta série. Não fazia ideia de que era tão
profunda.
— Você precisa pensar no significado dessa música quando for
cantar o refrão — umma diz. Então ela pigarreia e canta os versos
para mim.
Fico sem palavras. A vida toda, só a ouvi cantar algumas vezes.
Ela mal canta mais alto que um sussurro durante os hinos na igreja.
Sua voz encantadora passeia por meus ouvidos e me causa
arrepios. Estou tão feliz por ela estar embarcando comigo nessa
jornada, como diz a música.
Logo que ela termina de cantar, uma mulher loira de aparência
cansada entra para comprar Advil e um bubble tea de taro. Umma
faz o chá para ela como se nada tivesse acontecido.

***

Tommy, abba, Imani e Ethan vão para o aeroporto de Newark para


se despedirem de nós. Quase desejo que não tivessem vindo. E se
tudo der completamente errado e eu tiver que voltar em uma
semana, morta de vergonha? Quer dizer, tenho quase certeza de
que vou me dar mal: meu coreano é terrível e não sei dançar!
Mas ainda mais assustadora é a possibilidade de eu ser
escolhida. Será que vou ter que me matricular em uma escola
internacional na Coreia em setembro? Será que essa vai ser a
última vez que vou ver essas pessoas em muito, muito tempo?
Depois que despachamos as duas malas gigantes de umma –
uma está cheia de coisas aleatórias que nossos parentes coreanos
querem e que são melhores e mais baratas nos Estados Unidos,
como grãos de café do Starbucks, multivitamínicos e pilhas –, é hora
das despedidas. Tommy se inclina para me abraçar com seus
longos braços. Como sempre, ele cheira a suor e desodorante.
— Você vai voltar como um pesadelo maligno do K-pop? — ele
pergunta.
— Provavelmente — digo.
Imani e Ethan trouxeram presentes para mim. Imani me dá um
livro encadernado manualmente com o título Dicionário avançado de
K-pop da Imani, decorado com glitter e adesivos.
— Já que você não vai ter internet lá, esse é seu Google do K-
pop, com um toque da Imani.
Ethan me dá um estojo fofo coberto de fotos do SLK, Blackpink,
QueenGirl, Twice, 2NE1 e Girls Generation.
— Pra te ajudar a visualizar e incorporar quem você vai ser um
dia — ele diz.
— Como vou sobreviver lá sem vocês dois? — pergunto,
piscando sem parar.
— Moleza — Imani diz. — Quando você estiver passando por um
momento difícil, pergunte-se: “O que a Imani faria?”.
— Isso. E lembre-se de silenciar sua autossabotagem — Ethan
diz.
Imani sorri para mim, orgulhosa.
— Vamos dar um último Abraço da Diversidade?
Nos aproximamos e encostamos nossas testas. Vou sentir muita
falta desses dois ridículos.
Agora é hora de me despedir de abba.
— Arrase lá, mas não muito — ele brinca, cutucando meu nariz.
Todos dizem que temos o mesmo nariz. — Divirta-se e aprenda
bastante, o.k.?
— O.k., abba.
Coloco meu violão nas costas. Umma e eu seguramos as alças
da minha mala, que está estufada – metade dela é só MulKogi –
enquanto subimos na escada rolante. Olho para as pessoas que
estou deixando para trás e sinto um aperto no coração. Imani e
Ethan estão pulando, animados, fazendo o sinal da paz com os
dedos como fangirls. Tommy está com um braço sobre o ombro de
abba, que está esfregando os olhos com a manga da camisa.
Umma segura meu braço de repente, parecendo tão insegura
como eu me sinto por dentro.
— Candace — ela diz, ofegante —, você disse que essa
experiência vai dar uma boa redação para a faculdade, né? Estou
fazendo a coisa certa deixando você ir?
— É claro — digo, forçando um sorriso confiante. — Vou dar
conta.
CAPÍTULO 7
Coreanos em todo canto

Já estamos há algumas horas em Seul e acho que meu cérebro


vai explodir de sobrecarga sensorial. Umma parece estar igualmente
extasiada – qualquer coisinha a faz arregalar os olhos, da ponte
quilométrica que cruzamos de táxi para sair do aeroporto de Incheon
ao majestoso horizonte que se estende a distância. Ela não para de
repetir:
— A cidade está tão diferente da última vez que a vi.
Eu, por outro lado, não consigo superar o quão coreano tudo é.
Coreanos, há coreanos em todo canto. A parte de Nova Jersey onde
moro já é um dos lugares mais coreanos dos Estados Unidos, mas
aqui, é tão estranho saber que, aonde quer que eu vá, não há
chance alguma de eu ser uma minoria. Passamos pela região que,
segundo umma, é Gangnam – da música do PSY! – e, para qualquer
lugar que olhamos, há outdoors de mulheres perfeitas e sorridentes,
em propagandas de maquiagem, marcas de roupas, soju e cirurgia
plástica.
Então eu o vejo.
— Umma, olha! — digo, apontando para o céu.
Na lateral de um prédio, há um painel de LED enorme mostrando
um comercial de One.J segurando uma bebida energética chamada
Elektro Hydrate. O rosto dele deve ter uns trinta metros de altura.
Ele dá um sorriso radiante que queima minhas retinas. Sinto que
virei o iogurte mais cremoso e refrescante que existe. One.J não
poderia ser mais perfeito.
— Nah-lee ga nasseo — umma diz, exausta. Todo mundo é louco
por ele.
Vejo grupos de crianças em uniformes escolares, a maioria com o
clássico corte de cabelo tigela dos estudantes coreanos, rindo e
fofocando. Queria saber sobre o que eles estão falando. Talvez
sobre seus idols favoritos ou sobre como seus professores são
chatos – assim como eu e meus amigos. Penso em como elas se
parecem comigo, mas, ao mesmo tempo, são tão diferentes – em
como eu facilmente poderia ser uma delas se as coisas tivessem
acontecido de outro jeito.
Quando finalmente chegamos à casa em que umma vai ficar,
noto que a vizinhança não é tão requintada quanto Gangnam. Eu
imaginava que os apartamentos corporativos da S.A.Y. fossem um
pouquinho melhores, mas ficam em pequenos prédios cinza que
foram escurecidos pela poluição. Por dentro, vemos que o
apartamento é pequeno, de apenas um quarto, com piso adesivado
imitando azulejos e sem espaço para uma mesa de jantar. Mesmo
assim, é aconchegante o suficiente.
Assim que colocamos nossas malas no chão, umma sorri e bate
as mãos:
— Enfim! Chegamos! O que vamos fazer primeiro? Podemos ir a
uma cafeteria diferente. A Coreia tem as melhores cafeterias do
mundo. Podemos fazer compras em Myeong-dong ou conhecer o
Palácio Gyeongbokgung. Podemos até ir ao Lotte World!
Digo que não estou com muita vontade de sair. Só quero
aprender as cinquenta músicas aprovadas pela S.A.Y. e ficar perto
dela – se formos para qualquer lugar, só quero ver harabuji, que foi
internado em um hospital. Temos menos de 24 horas antes que eu
tenha que me apresentar na sede da S.A.Y.; Manager Kong não para
de nos mandar mensagens no KakaoTalk, dizendo que, quanto mais
demoramos, mais tempo precioso de treino eu perco.
Umma parece aliviada e surpresa.
— Com tanta diversão nessa cidade, você quer ver seu harabuji
primeiro? Que boa neta.
Antes de irmos para o hospital, umma arruma o cabelo, passa um
batom e se certifica de que estou vestindo uma blusa passada – é a
primeira vez que vemos meu harabuji pessoalmente em muito,
muito tempo. Pegamos o metrô limpo e iluminado para chegar ao
hospital onde ele está, que é cheio de enfermeiros simpáticos e
médicos estressados. Por mais idiota que pareça, ainda não consigo
acreditar em como todas as pessoas que vi no caminho são
coreanas.
Quando chegamos ao quarto de harabuji, ele imediatamente
grita:
— São vocês!
Umma corre até ele e o abraça com carinho, evitando os tubos
em seu nariz.
— Abba! — ela exclama, enxugando as lágrimas.
Harabuji ri e diz, com sua voz grave e áspera:
— Por que você está chorando? Ver vocês duas me deixa muito
feliz.
Ele vira para mim. A parte de seus olhos que deveria ser branca
está com um tom vivo e chocante de amarelo, mas seu sorriso ainda
é animado e cheio de energia. Fazemos todo o nosso ritual “Nah-
neun nu-gu-jee?”, o mesmo que fazemos todas as semanas desde
que me entendo por gente.
— Você é o harabuji! — digo — Eu sou a Candace!
Umma dá notícias de Tommy e abba e diz a ele que estou aqui
para virar uma gasu — uma cantora —, o que, pelo visto, é
novidade para ele. Ele olha para mim, maravilhado.
— Wah! — ele diz — Igual a sua mãe. Sua mãe é a melhor
cantora do mundo, sabia?
— Ah, abba, isso foi há tanto tempo — umma diz, envergonhada.
— Candace! Cante alguma coisa para o seu harabuji — ele diz,
batendo palmas.
Rio, sem jeito. Odeio ser o centro das atenções assim, mas acho
que preciso me acostumar a isso se quero ser uma trainee. E como
posso dizer não a meu harabuji doente? Fecho os olhos e canto
alguns versos de “Into The New World”.
Os olhos amarelados de harabuji estão brilhando quando termino.
— Wah, que incrível. Você até cantou em coreano. Sim, esse seu
talento é de família. Sim, você vai ser uma gasu famosa e muito
amada. Tenho certeza.
Ele balança a cabeça, totalmente certo disso, e agradeço com
uma reverência. Espero que o pessoal da S.A.Y. seja tão fácil de
impressionar quanto harabuji.

***

Depois de uma noite sem dormir – eu na cama, umma no sofá –, o


dia chega. No café da manhã, umma já está perguntando o que
quero de almoço. Ela se oferece para cozinhar um banquete das
minhas comidas favoritas ou para me levar a um restaurante de
jokbal. Mas não quero nada muito caro. De qualquer forma, meu
estômago está revirado de nervosismo.
— Que tal jajangmyeon? — digo.
Começo a enfiar todas as minhas roupas na minha mala gigante,
mas umma tira todas elas para dobrá-las.
— Faça direito — ela diz.
Começo a reclamar, mas paro – sei que, em breve, vou sentir
saudade desses puxões de orelha da minha mãe.
— Ah, antes que eu me esqueça — umma diz. Ela vai até a
cozinha e traz uma pilha de yakgwas, embaladas caprichosamente
em plástico azul e amarradas com um laço. — Não consegui dormir
ontem à noite, então fiz isso. Seus favoritos. — Ela os enterra em
minha mala, bem debaixo de todas as minhas roupas.
— Acho que não posso levar isso para lá — digo, me lembrando
do aviso de Imani sobre as dietas rígidas do K-pop.
Umma afasta minhas preocupações.
— Diga a eles que são uma lembrança de casa. Tenho certeza de
que vão entender.
Tiro os yakgwas da mochila e os coloco dentro do meu violão –
dentro do buraco mesmo, atrás das cordas, onde espero que
ninguém vá encontrá-los.
Quando saímos do apartamento, carrego meu violão nas costas e
umma puxa a mala para mim. Ela aperta minha mão em silêncio
durante toda a viagem de metrô, que nos leva à outra margem do rio
Han.
Quando descemos na estação Hongik, dá para ver que é uma
vizinhança descolada. Há jovens agitados por toda a parte: casais
apaixonados com roupas combinando passando por nós em motos,
cafeterias de jogos de tabuleiro, salas de karaokê, lan-houses,
dezenas de cafeterias adoráveis – incluindo uma com temática de
cocô com canecas em formato de privada! –, boutiques de skincare,
artistas de rua e lojas de discos vintage, todas empilhadas uma em
cima da outra para qualquer direção que você vá.
Encontramos um restaurante especializado em jajangmyeon
imediatamente – tem, tipo, sete em cada quarteirão. Não
conseguimos olhar uma para a outra porque sabemos que podemos
começar a chorar.
Em vez disso, encaro meu celular. Lá do Paraguai, Imani me
mandou uma mensagem por KakaoTalk com um link para um artigo
do Koreaboo. Ao que tudo indica, QueenGirl, meu girl group favorito,
está envolvido em um escândalo enorme que está deixando os fãs
de K-pop em surto: “ISEUL DO QUEENGIRL ADMITIU ESTAR NAMORANDO
HYUNTAEK DO RUBIKON!”.
Respondo:

Ugh, e daííííí.
Durante todo o meu tempo acompanhando K-pop, uma coisa que
nunca entendi é a obsessão dos fãs com namoro entre idols e por
que isso sempre é considerado um escândalo, não importa o quão
inocente a relação seja. Leio o artigo, que especula o futuro do
QueenGirl e do RubiKon, uma boy band menos conhecida, dizendo
que os grupos estão em risco. Até WooWee, a melhor vocalista,
Center do QueenGirl e provavelmente a idol mais bonita do K-pop
no momento, pode perder seu contrato – tudo porque sua colega de
grupo Iseul e HyunTaek foram pegos de mãos dadas em público.
São dois adultos ridiculamente atraentes e muito bem capazes de
escolher por si próprios, e o QueenGirl está fazendo o maior
sucesso agora. Qual é o problema?
Umma me traz de volta à realidade.
— Mesmo que eles não me deixem te ver durante o primeiro mês
— ela diz — lembre-se de que eu estou a apenas uma viagem de
metrô de distância. De qualquer forma, o primeiro mês vai passar
voando. Você vai aprender tanto e fazer tantas novas amizades que
nem vai sentir a minha falta.
Umma balança a cabeça firmemente. Sei que ela está tentando
convencer mais a si mesma do que a mim.
Caminhamos até Sangam-dong. A sede da S.A.Y. não é difícil de
encontrar. Eu já esperava um prédio moderno, mas não imaginava
que seria um arranha-céu gigante, com vidros brilhantes, indo até a
atmosfera, partindo do meio de um aglomerado de outros arranha-
céus de vidro.
O nó que senti na garganta durante o dia inteiro está
praticamente me sufocando quando entramos na recepção, que
está lotada de homens em ternos caros e mulheres em trajes pretos
superempresariais, todos andando rápido e digitando em seus
celulares. Dezenas de telas exibem noticiários, números da bolsa de
valores, K-dramas e MVs do SLK. Há uma longa fila em frente a uma
cafeteria futurista chamada Café Tomorrow.
Uma mulher emerge de dentro da multidão e caminha em nossa
direção.
— Candace? — ela pergunta.
Não a reconheço de primeira. Umma deixa escapar uma
exclamação de surpresa, e nós duas fazemos uma reverência.
Manager Kong não está usando maquiagem, mas sua pele é
perfeita e brilhante. Ela está vestindo um conjunto preto casual (mas
ainda chique) e um boné de beisebol, ambos estampados com a
logo da S.A.Y.
— Bem-vinda, Candace. Bem-vinda, sra. Park — ela diz, com um
sorriso largo. — Fico feliz que tenham chegado em segurança. Você
está pronta, Candace?
Com certeza não. Tenho a impressão de que tudo aconteceu
rápido demais.
— Manager Kong, Candace e eu podemos conversar por um
momento? — umma diz, gesticulando para mim.
— É claro — Manager Kong responde. Seu sorriso desaparece
enquanto ela se afasta para digitar furiosamente em seu celular.
Umma segura meu rosto com ambas as mãos.
— Candace — ela morde os lábios para não chorar. Eu faço o
mesmo —, tenho uma última coisa pra te dizer, o.k.? — Ela encara
meus olhos com atenção, prestes a desabar. — Se alguém aqui te
incomodar ou te machucar, por favor dê um jeito de me contar. —
Tento sair de seus braços; não quero desabar bem aqui na
recepção, mas ela aperta minhas mãos com ainda mais força. —
Espero que eles saibam que eu e seu abba estamos deixando
nosso coração neste prédio. — Ela gesticula para o teto alto da
recepção. — Faça com que eles te tratem como se você fosse a
pessoa mais importante da vida de alguém. É o que você é.
— Certo, umma. — Eu me afasto e pego minha mala novamente.
Se eu não correr para dentro agora, vou segurar nas pernas de
umma e não vou soltá-las por nada, como fiz no meu primeiro dia na
pré-escola. — Vou ficar bem. Eu te amo.
Umma passa os dedos pelo meu cabelo uma última vez.
— Você é tão preciosa — ela diz. — Ninguém aqui pode
mensurar seu valor. — Eu balanço a cabeça e corro para encontrar
Manager Kong, que me passa pela catraca com o cartão que ela
usa ao redor do pescoço. Ela explica para um segurança que sou a
nova trainee, que estou aqui para entregar meu celular. Entregar
minha liberdade.
Dou meu celular para ele como se fosse meu próprio coração.
Vou sentir saudades de todos aqueles episódios de Friends e Queer
Eye que me ajudaram a aguentar o voo de catorze horas. Enquanto
o segurança inspeciona minha mala e o estojo do meu violão
cuidadosamente, examinando minhas roupas de baixo e camisetas,
prendo a respiração – mas, para meu alívio, ele não olha dentro do
violão. Ele desaparece em um quarto com meu celular. Viro para
trás uma última vez e vejo umma parada, sozinha. Ela parece ser a
única pessoa de verdade nessa recepção, que é tão sem vida como
uma estação espacial, com todos esses monitores, luzes piscantes
e pessoas importantes andando de um lado para o outro com
pressa. Seus olhos estão marejados; ela está com uma mão sobre o
peito.
Entro no elevador espelhado. Manager Kong aperta o botão do
nonagésimo oitavo andar. Encosto no canto, imaginando umma
voltando sozinha para aquele pequeno apartamento escuro. Forço
todos os músculos do rosto para não chorar.
— Não fique triste — Manager Kong diz. Ela parece quase
entediada. Seu reflexo olha para o meu. — A melhor coisa que
qualquer pessoa pode fazer por sua família é se tornar alguém. É
pra isso que você está aqui.
Parte 2
A vida de trainee
CAPÍTULO 8
As unnies

Somos recebidas no nonagésimo oitavo andar pelo logo gigante


da S.A.Y. e fotos enormes de cada membro do SLK, com o rosto
perfeito de One.J brilhando no meio. Por um segundo, esqueço
minha tristeza e nervosismo – é como se o olhar de One.J
abaixasse a temperatura e me deixasse com um tremendo frio na
barriga. A realidade de que estou entre os corredores sagrados que
transformaram One.J no ser perfeito que ele é toma conta de mim.
Balanço a cabeça para me livrar do feitiço de One.J e corro para
alcançar Manager Kong enquanto ela me guia para além dos
escritórios e salas de conferência com paredes de vidro onde
pessoas superdescoladas e bem-vestidas trabalham. O prédio é
ridiculamente legal, o que eu não esperava – Imani me disse que
mesmo alguns dos idols mais famosos treinavam em porões sujos.
Manager Kong responde minha pergunta antes mesmo de eu ter a
chance de falar.
— Somos parte da ShinBi Unlimited — ela diz —, e é por isso
que estamos neste prédio incrível. Você tem muita sorte de ser uma
trainee na S.A.Y. e não em outro lugar.
Ela explica também que a ShinBi Unlimited é dona de centenas
de outras empresas: redes de TV, cadeias de supermercado,
estúdios de cinema, linhas de eletrodomésticos e todo tipo de
indústria, até mesmo mísseis e tanques para o exército coreano. Os
escritórios e o centro de treinamento da S.A.Y. ocupam os três últimos
andares da sede da ShinBi Unlimited porque, conforme ela me diz
orgulhosamente, trainees são os bens mais preciosos da ShinBi –
não porque o K-pop dá mais dinheiro, mas porque idols,
especialmente o SLK, são a imagem da empresa, representando-a
não apenas diante da Coreia, mas também de todo o planeta.
Meu corpo inteiro está formigando. Eu juro que achava que ser
um idol era apenas cantar músicas chiclete e parecer poderosa em
MVs, não representar uma corporação bilionária e um país inteiro.
— É por isso que nossos padrões para o comportamento dos
idols são tão altos — Manager Kong diz — e porque nossa regra
número 1 para trainees é: namoro é absolutamente proibido. Não
podem namorar outros trainees, garotos normais, ninguém.
— Entendi — digo, ofegante, enquanto Manager Kong me guia
para mais uma revista de segurança.
Ela continua:
— Na Coreia, idols pertencem aos fãs, ao país. Imagine que você
está em um relacionamento sério com seus fãs. Não é como
Hollywood, onde pegar geral e se comportar mal são coisas
celebradas. Imagine como sua reputação diante do seu grupo,
diante de toda a empresa, seria arruinada se você fosse pega
traindo o povo coreano. Você deve sempre manter uma imagem
pura.
Uau. O.k., entendi – os coreanos são fãs intensos. Isso explica
por que o fandom está surtando tanto com a notícia do namoro de
Iseul e HyunTaek.
Os Dating Bans do K-pop não são um grande problema para
mim, já que nunca namorei um garoto antes – a menos que dê para
contar quando, no primeiro ano, eu “namorei” Ethan por uma
semana antes de ele se assumir. Não vou começar a fazer isso
enquanto estiver trancada em um dormitório feminino por três
meses.
— Este é o andar corporativo da S.A.Y., onde ficam todos os
escritórios. Você virá aqui apenas para as aulas de coreano,
reuniões especiais e avaliações mensais. Este também é o andar
onde os trainees mais novos praticam.
Paramos ao lado de uma grande sala de treinamento onde
dezenas de criancinhas bizarramente adoráveis estão fazendo
passos fofinhos de K-pop. Sério, cada uma delas deve ter sido
escolhida em uma agência de modelos infantis.
— É obvio que as crianças vão para uma escola normal e moram
com suas famílias. Muitas das suas colegas estão na S.A.Y. desde
que tinham a idade desses pequenos. Os dois andares acima de
nós são o centro de treinamento para os mais velhos, é lá que você
vai morar e treinar. Esses andares são separados no meio, o lado
norte é para os garotos e o sul é para as garotas. Cada um tem
escadarias, elevadores e seguranças separados. É impossível ir de
um lado para o outro, então nem ouse tentar. Pense nesses andares
como dois pedaços de tofu que foram cortados ao meio com uma
faca.
— Entendi, Manager Kong — digo em minha voz mais obediente.
— A única interação que você terá com os garotos será com
alguns deles em suas aulas de coreano, mas mesmo lá você será
supervisionada de perto pela professora Lee, que é extremamente
rígida. Entendido?
— Entendido — digo.
Para me acalmar, aceno para uma das pequenas trainees. Seu
rosto todo se ilumina. Ela e suas amigas correm para perto da
parede de vidro para se curvarem e acenarem para mim
animadamente. Meu coração se derrete… e se parte um pouquinho.
— Não é fofo? — Manager Kong pergunta, sorrindo. — Elas
acham que você é alguém importante.
Aceno em despedida para as trainees adoráveis enquanto
Manager Kong me guia por uma porta sem sinalização. Se ela não
tivesse mostrado, eu nem a teria notado.
— Atrás dessa porta fica o que chamamos de Fábrica da
Fantasia. Temos um time completo com alguns dos mais talentosos
estilistas, figurinistas, cenografistas e outros artistas lá dentro
criando conceitos para MVs e tours internacionais para os nossos
artistas, além dos dois novos grupos que ainda nem foram
escolhidos. Eles são os responsáveis por garantir que nossas
estrelas tenham os conceitos mais inovadores e fantásticos que o
mundo já viu.
Balanço a cabeça, impressionada.
— Wah!
Ela me leva até uma escadaria escura. É tanta informação nova
que estou ficando tonta.
— Há cinquenta garotos esperando debutar no SLK 2.0 — ela diz
— e cinquenta garotas tentando debutar em nosso primeiro girl
group. Isso depois de já termos cortado centenas de trainees. As
garotas são divididas em dez times de cinco trainees cada. Cada
time tem elementos que o CEO Sang quer na seleção final, mas ele
vai escolher apenas as melhores das melhores. A cada mês haverá
uma avaliação dos trainees, nas quais o CEO Sang tomará decisões
importantes.
No topo das escadas há uma robusta porta de metal – ela parece
fazer parte de um submarino ou do cofre de um banco – com o
número 99 marcado em rosa. Leio as palavras em coreano escritas
embaixo do 99 e percebo que dizem “femininas candidatas-prática”.
Ou “garotas trainees”. Manager Kong escaneia seu cartão de
identificação e eu preciso ajudá-la a abrir a porta – que é
superpesada.
O nonagésimo nono andar é muito menos requintado que o andar
corporativo. Parece um pouco com um dormitório de faculdade: um
corredor de portas decoradas com nomes de garotas e fotos.
— Você vai ficar no Time 2 — Manager Kong diz. — Você tem
sorte. Até pouco tempo, eu não ficaria surpresa se o CEO Sang
decidisse transformar o Time 2 no grupo final. Todos sabem que ele
tem alguns dos talentos e Visuais mais promissores. Mas então
perdemos uma garota.
Uma expressão sombria toma conta do rosto de Manager Kong.
— Perderam ela? Como perderam ela? — pergunto.
Ela muda de assunto.
— Não importa. Enfim, em vez de simplesmente transferir outra
trainee para o Time 2, decidi recrutar uma garota totalmente nova. O
grupo sabe que é especial, e as garotas estão ficando acomodadas.
Eu queria encontrar alguém que as desafiasse.
Não estou entendendo mais nada. O que na minha audição fez a
Manager Kong achar que eu seria um desafio para as melhores
trainees?
— Você estará nas melhores mãos com o Time 2. Eu administro
cinco dos times, então não poderei supervisionar tudo. Você é a
maknae, então vai aprender bastante com suas unnies. Tem até
outra garota americana no time.
Antes que eu possa perguntar qualquer coisa, chegamos ao
dormitório do Time 2. Manager Kong bate na porta duas vezes e a
abre antes que alguém responda.
O dormitório é menor que meu quarto em casa, mas mesmo
assim há duas beliches, uma outra cama, e nenhuma janela. Parece
que uma bomba superfeminina explodiu, espalhando montes de
tops, calcinhas, maquiagem e produtos para a pele por todo lugar.
No meio da pilha de coisas estão três das mais belas criaturas
que já vi. Elas se levantam apressadas e se curvam para
cumprimentar Manager Kong.
— Garotas, prestem atenção — Manager Kong diz. — Deem
boas-vindas para sua nova colega de time, Park Candace.
Faço uma reverência profunda, curvando meu corpo em noventa
graus. Digo “annyeonghaseyo”, a palavra formal para “oi”.
A garota no canto mais distante, que parece um pouco uma
personagem de desenho, me dá um sorriso brilhante. Ela está
usando delineador forte e tem duas tranças volumosas com mechas
em azul e rosa que parecem ter saído diretamente de um anime. A
garota que está arrasando de batom e boné pretos com o
inexplicável texto “POWER PUP”, levanta o queixo em minha direção;
ela ocupa a cama de solteiro. E a mais bonita de todas, com longas
mechas de cabelo tingidas com um tom delicado de ruivo-claro, mal
olha para mim enquanto resmunga “annyeong”.
— Candace é sua maknae, sua irmã mais nova, e ela tem muito a
aprender com vocês. Sei que vocês provavelmente estão pensando
nela como sua nova concorrente, mas se forem boas unnies pra ela,
isso vai apenas refletir suas qualidades. Entendido?
— Sim, Manager Kong — as garotas respondem em uníssono.
Manager Kong olha ao redor do quarto:
— Onde está Aram?
— Ela está no meio da rotina de beleza dela — a garota com
boné responde, sorrindo e revirando os olhos, apontando a cabeça
na direção de uma porta nos fundos do quarto.
Manager Kong revira os olhos também e diz:
— Claro que está. Enfim, estejam na sala de treino 24 em dez
minutos. Sejam gentis com Candace. E, jebal, arrumem este quarto!
E assim, Manager Kong me deixa sozinha com minhas novas
unnies. Eu me sinto tão intimidada que tenho medo de me mexer.
— Aquela é a sua cama — diz a garota de boné, apontando para
a parte de cima do beliche da princesa ruiva. Jamais imaginaria que
aquela cama estava livre, já que está cheia de tralhas.
Eu me curvo para ela. É estranho me curvar diante de garotas
que são só um pouco mais velhas do que eu. Nos Estados Unidos,
só uso linguagem formal com coreanos da idade dos meus pais e,
mesmo assim, eles não se incomodam se minhas reverências não
forem perfeitas. Mas umma e abba me avisaram que, em uma
agência de K-pop, devo sempre usar honoríficos e me referir a
trainees mais velhas como unnie. Ninguém vai pegar leve comigo só
porque sou estrangeira.
Subo pela escada do beliche e cuidadosamente encontro um
espaço no colchão para colocar meu violão. Olho para a princesa
ruiva.
— Desculpa incomodar — digo, com uma voz suave. — Alguma
dessas coisas é sua?
Ela não olha para cima. Está sentada na cama, com as pernas
pálidas e brilhantes esticadas à sua frente, superfocada em suas
unhas, que estão pontudas como garras, cada uma com um tom
diferente de neon com glitter.
Eu pigarreio.
— Unnie, não quero mexer em nada se for seu.
Nenhuma resposta. Ao lado de sua cama, vejo todos os sete
livros da saga Harry Potter, além de A coragem de ser imperfeito, de
Brené Brown, e A mágica da arrumação, de Marie Kondo. Estico a
cabeça. Essa deve ser a norte-americana.
Ela parece o tipo de garota que me ignoraria nos corredores se
frequentássemos a mesma escola, mas não consigo expressar meu
alívio por estar dividindo o quarto com alguém com quem posso
conversar em inglês. O fato de ela gostar de bruxos e livros de
autoajuda é a cereja do bolo.
Aponto para o livro da Marie Kondo.
— Já li esse — digo, em inglês. — Se não for incomodar, eu
preciso te pedir, unnie, pra “arrumar” sua cama só um pouquinho pra
eu ter onde colocar minha mala.
Rio nervosamente da minha própria piada idiota. A princesa ruiva
olha para mim com uma expressão confusa.
— Desculpa, você estava falando comigo? — ela pergunta, em
voz alta e em coreano.
Ela tira os fones de ouvido. Eu não os tinha visto embaixo de sua
cortina de cabelo.
— Ah, sim, desculpa. Só estava admirando seu gosto pra livros.
Eu já li todos esses. Harry Potter é ótimo.
Ela se afasta de mim como se eu fosse algum tipo de lunática.
— Você está falando comigo em inglês?
— Ah, desculpa — gaguejo, voltando a falar em coreano. — É
que eu vi que você tinha livros em inglês, e…
— Você era órfã e foi adotada por americanos ou algo do tipo? —
ela pergunta, com uma sobrancelha levantada. — Seu sotaque é
tão… misturado.
— Não — digo, nervosa dos pés à cabeça. — Sou dos Estados
Unidos, mas meus pais são coreanos. E vivos.
A garota de boné interrompe:
— Não liga para a Helena; ela está tirando uma com a sua cara
— ela sorri. Então a princesa ruiva tem um nome. — A Helena não
poderia ser mais americana. Ela é de um lugar da Califórnia
chamado Newport Beach.
Seu sotaque coreano é tão forte que parece que ela está falando
“Newport Bit”.
— Meu nome é Binna, aliás — ela diz.
— E eu sou JinJoo! — a garota de tranças que estava treinando
escalas vocais diz. Ela tem uma voz ótima.
Não consigo expressar como sou grata a Binna e JinJoo por
serem legais comigo. Eu me curvo pela, sei lá, vigésima vez desde
que entrei no quarto.
— Não falo nada de inglês, na verdade, mas entendo bastante
coisa — diz Binna, com uma voz distintamente grave.
— Meus pais falam comigo em coreano, então eu entendo bem
— explico —, mas cresci respondendo a eles em inglês, então não
sou a melhor falante.
Binna balança a cabeça. Segundo os padrões coreanos, Binna é
a menos atraente das três – sua pele não é branca como leite e ela
tem um maxilar robusto e quadrado –, mas, de certa forma, é a que
mais chama a atenção. Ela tem uma aura que faz com que eu me
sinta instantaneamente calma.
— Bom, nos disseram pra não falar em inglês com você — Binna
eplica. — A Helena é do tipo que segue regras. Quer dizer, quando
é conveniente pra ela.
Bem na hora, outra garota sai do banheiro com o rosto reluzindo.
Deve ser Aram. Ela diz:
— Então, quando é que a nova ocidental chega?
Binna olha para Aram, e ela percebe, surpresa, que estou bem
aqui. Imediatamente faço uma reverência profunda e, quando me
levanto, consigo vê-la diretamente pela primeira vez. Fico
boquiaberta.
Essa é, sem dúvidas, a garota mais maravilhosa que já vi na vida.
Dois segundos atrás, eu teria dito isso sobre Helena, mas a beleza
de Aram é de outro universo. Se, por um lado, Helena seria a
menina mais linda de qualquer escola, Aram é a rainha de contos de
fada, a rival asiática mais nova e mais bonita da Malévola. Com
maçãs do rosto afiadas, pele de mármore e circle lenses azuis-
cristalinas, é impossível saber quantos anos ela tem – ela poderia
ter qualquer idade entre dezesseis e trinta.
— Aram, esta é Park Candace — Binna diz.
Aram me examina dos pés à cabeça com seus olhos de husky
siberiano. Ela solta um ronco como se dissesse “ah, então eu não
tinha motivo para me preocupar” e se vira sem dizer uma palavra, o
que faz seu cabelo preto e sedoso flutuar no ar. De repente, sinto
vontade de me esconder e ligar para umma vir me buscar.
Binna suspira e solta um riso abafado.
— Você vai ter que desculpar essas garotas, Candace. A trainee
que ocupava a sua cama foi como uma irmã pra nós nesses últimos
dois anos. Ela foi expulsa da empresa ontem, o que foi um choque.
Vai levar um tempo para a gente se acostumar com a nova
dinâmica.
— Ontem? — pergunto, chocada. Manager Kong não me contou
essa parte. — Por que ela foi expulsa?
— Acho que não foi nada específico — Binna diz, desconfortável.
— EunJeong era ótima dançarina, ótima cantora…
— Ah, uma cantora muito boa mesmo — JinJoo completa.
— Ela também era muito esforçada — Binna fala. — Ela era uma
trainee que todo mundo achava que ia debutar, sem dúvidas. Mas,
em algum momento de abril, foi como se o fogo dela tivesse se
apagado, como se ela tivesse perdido a paixão. Foi muito sutil, mas
todo mundo percebeu. Só que nenhuma de nós achava que eles
iam simplesmente expulsá-la. Foi brutal.
Faço algumas contas mentalmente e percebo que a S.A.Y.
anunciou as audições em Jersey em abril. Por que Manager Kong
achou que eu teria alguma coisa para oferecer que essas garotas
não têm?
Binna finalmente vem até mim e empurra as coisas de Helena
para fora da minha cama.
— Ei! — Helena diz.
Coloco minha mala gigante sobre a cama. Eu me sinto tão grata
por Binna que poderia chorar.
CAPÍTULO 9
Um grande problema

Eu mal fechei os olhos para dormir e me acordam às quatro da


manhã.
— Rápido — Binna diz. — Já devíamos estar na academia.
— Sério? — Pisco diante das fortes luzes fluorescentes. Não
estou exatamente cansada; ainda sinto a adrenalina e o estresse de
ontem, mas, mesmo assim, a última coisa que quero é sair da cama
para fazer exercícios.
Eu me arrasto para o andar de cima atrás de Binna até a
academia no centésimo andar, que é espaçosa, mas, ainda assim,
está lotada com cinquenta garotas se alongando, fazendo
agachamentos e correndo em esteiras. “Fire-Eyed Girl”, do SLK, está
tocando. Essas garotas estão treinando com tudo. Algumas de nós,
inclusive eu, parecem zumbis, mas outras, como Aram, parecem ter
dormido por onze horas em uma banheira cheia de leite de coco e
pétalas de rosa.
Bem no meio da academia está um garoto com uma camiseta
laranja fazendo supino, grunhindo alto a cada movimento.
— Binna — sussurro, alarmada. — Como um garoto entrou aqui?
Binna olha ao redor, intrigada, então ri quando percebe de quem
estou falando.
— Ele não é um trainee. Aquele é JiHoon-oppa. Ele é um dos
aprendizes de manager. Ele ajuda Manager Kong e Manager Shin
— ela completa, sussurrando com tanta suavidade que parece até
ASMR. — Tome cuidado com esse aí, ele é um babaca.
— Por que há um garoto aprendiz de manager no lado das
garotas? — pergunto.
Binna dá de ombros:
— Eu acho que JiHoon-oppa tem contatos na agência ou algo do
tipo.
JiHoon não parece ser muito mais velho do que nós, embora
provavelmente seja. Oppa é a versão masculina de unnie, a forma
como garotas devem chamar seus irmãos mais velhos ou qualquer
garoto que seja mais velho que elas. Mas oppa pode ter outro
significado dependendo da forma como é usado; o único equivalente
no qual consigo pensar é contatinho, algo que uma garota poderia
usar para chamar um garoto com quem estivesse flertando. Não
preciso olhar JiHoon duas vezes para perceber que ele é do tipo
que adoraria ter cinquenta meninas bonitas o chamando de oppa
um pouco mais do que o necessário. Prometo a mim mesma nunca
dar essa satisfação a ele.
Binna me manda fazer um exercício em que eu me inclino e
rastejo com minhas mãos no chão.
— Isso é pra melhorar sua força e flexibilidade — ela diz.
JiHoon caminha em nossa direção.
— Você é a novata — ele diz para mim.
Não consigo me curvar para ele – há algo nesse cara que não me
agrada nem um pouco. Aceno levemente com a cabeça. Ele anda
em círculos ao meu redor, respirando com dificuldade pela boca.
Consigo sentir seu olhar se arrastando sobre mim.
— Você não está acima do peso — ele declara —, mas não tem
curvas.
Como é que é? Binna suspira fundo enquanto se abaixa em um
espacate, mas não fala nada.
Tenho vontade de responder JiHoon: “olha só, você tem o
formato de um orelhão — é esse o corpo ideal para garotos?”. Mas
é cedo demais na minha carreira no K-pop para criticar um superior,
então me levanto e deixo JiHoon me mandar fazer tantos
agachamentos que sinto que minha bunda está prestes a cair.
Por mais que esteja suada, nem consigo tomar um banho depois
do treino porque, como maknae do Time 2, sou a última a usar o
banheiro e Aram gasta vinte minutos inteiros em sua rotina de
beleza. Quando finalmente sai, tão glamorosa e jovial como uma
modelo de um comercial da Glossier, ela diz:
— É sua função limpar o ralo depois que todas tomarem banho.
Quero retrucar “limpa você, querida!”. Mas, em vez disso, me
curvo humildemente.
Nosso banheiro é pequeno e o chuveiro não é separado por uma
porta ou sequer uma cortina. A água simplesmente respinga pela
pia e privada e molha tudo, incluindo o papel higiênico, então o
cômodo todo está sempre tão úmido quanto um pântano da Flórida,
e há um ralo no meio do chão, entupido por um monte enorme de
cabelo preto e ruivo. Ainda que provavelmente cheire a shampoo
florido, aperto o nariz e prendo a respiração enquanto pego o
amontoado de fios e o jogo na privada.

***

O refeitório fica no centésimo andar, o último da sede da ShinBi. O


ambiente é dividido no meio por uma parede de vidro – a faca que
corta o tofu –, para que os garotos e garotas possam se ver durante
as refeições. Uma vez ou outra os trainees se cumprimentam
através do Vidro do Gênero, mas, na maior parte do tempo, eles se
ignoram porque estão todos mortos de cansaço e os aprendizes de
manager, incluindo um ainda suado JiHoon, estão de olho.
Para o café da manhã, temos batata-doce e ovos cozidos – bem
diferente do meu café da manhã favorito, que é um sanduíche
McGriddles com linguiça, ovos mexidos e queijo. Mesmo que os
aprendizes de manager nos vigiem como falcões, podemos pegar a
quantidade que desejamos. Apanho uma batata-doce e dois ovos.
JiHoon faz uma careta de braços cruzados ao lado da fila, como se
nos desafiasse a pegar mais.
Meus olhos encontram Binna e JinJoo, que acenam para mim.
Elas estão sentadas com duas meninas que ainda não conheço.
Observo o quanto as outras garotas estão comendo. JinJoo tem
apenas metade de uma batata-doce e nenhum ovo em seu prato.
Binna tem uma batata-doce e dois ovos, assim como eu.
Binna e JinJoo me apresentam às outras duas garotas. BowHee
é do Time 1. Ela é tão baixinha quanto eu e tem dentes salientes, o
que lhe dá uma vibe meio andrógina, apesar de seus longos cachos
de cabelo violeta.
— Oi! Você deve ser a americana! Em que ano você nasceu?
Hesito um pouco, mas abba me disse que é normal entre os
coreanos perguntar sua idade logo que te conhecem – assim eles
sabem como falar com você, se devem usar linguagem formal
(jondaetmal) ou informal (banmal) e como te tratar de forma geral.
— Ah, então você é a maknae dessa mesa! — BowHee exclama,
rindo. Para uma pessoa tão pequena, sua voz é
surpreendentemente grave e alta. Por algum motivo, consigo
imaginá-la chutando garotos na canela no parquinho de uma escola.
A última garota faz uma reverência silenciosa para mim. Ela tem
um cabelo tigela, óculos grossos e me lembra uma tartaruga fofinha
de desenho – ela não se parece nem um pouco com uma idol, o que
me faz gostar dela logo de cara.
— Essa é a RaLa! — BowHee diz. — Ela é do Time 6 e nunca diz
nada!
Através do Vidro do Gênero, vejo os garotos comendo em sua
metade idêntica do refeitório, exceto pelo fato de que seu café da
manhã parece bem melhor que o nosso: mingau, ovos mexidos e
linguiça – mesmo que suas porções sejam pequenas também. Por
um instante, meus olhos encontram os de um garoto superfofo, mais
alto do que todos os outros a seu redor. Nem todos aqui se parecem
com idols ainda, mas esse definitivamente parece. Posso estar
errada, mas ele balança a cabeça em minha direção.
Rapidamente olho de volta para minha batata-doce, pensando
em Iseul e HyunTaek – suas carreiras promissoras em risco só por
terem sido flagrados de mãos dadas.
Pergunto a Binna por que diabos a parede é transparente – por
que nos expor à tentação, nos deixando ver os garotos, mas nos
proibindo de falar com eles? Binna dá de ombros e diz que
provavelmente é porque a agência pensa que as garotas vão comer
menos se os garotos estiverem olhando.
Penso em como isso é errado. Mas não tenho dúvidas de que
Binna está certa.
Vejo Helena e Aram em uma mesa com as garotas que, suponho,
são as mais bonitas dos outros times.
— Aquelas são as Poderosas? — pergunto.
Todas as garotas na minha mesa riem. Graças a Deus elas já
viram Meninas malvadas.
— Nós as chamamos de “Mesa das Visuais” — JinJoo diz,
escondendo o riso atrás das mãos.
Pisco, confusa. Então lembro que Imani me explicou que todo
grupo tem uma Visual, aquela integrante que a empresa considera
ser a mais bonita.
Olhando ao redor do refeitório, percebo que as garotas na minha
mesa são as que menos se parecem com idols típicas; se essa é a
escola do K-pop, nós somos as nerds. Deve ser por isso que me
sinto tão à vontade.
Uma aprendiz de manager deixa minha agenda semanal sobre a
mesa. Levo um susto.

CANDACE (TIME 2), AGENDA DE TERÇA-FEIRA


04:00 – 5:00: ACADEMIA/ BANHO
05:00 – 05:30: CAFÉ DA MANHÃ SAUDÁVEL
05:30 – 11:30: AULA DE LÍNGUA COREANA
11:30 – 12:30: ALMOÇO SAUDÁVEL/ TEMPO AO AR LIVRE
12:30 – 19:30: TREINO EM GRUPO DO TIME 2
19:30 – 20:30: JANTAR SAUDÁVEL/ TEMPO AO AR LIVRE
20:30 – 00:00: TREINO EM GRUPO DO TIME 2/ TREINO INDIVIDUAL

Minha agenda muda um pouco de acordo com o dia – algumas


vezes tenho uma tal de “Aula de Comportamento e Boas Maneiras”
e aos sábados tenho “Aula de Dança com a sra. Yoon” por cinco
horas –, mas as seis horas de aula de coreano, as nove horas de
treino e a quantidade inumana de sono são diárias, exceto pelo
domingo.
Se não sei nem como vou sobreviver a uma semana dessa
rotina, quem dirá três meses. Fico supermal-humorada quando
durmo menos de oito horas e estou realmente com medo de que
Manager Kong tenha, de alguma forma, esquecido como eu danço
mal. E, quando eu penso no tanto que eu perderia se falhasse, o
quanto meus pais sacrificaram para eu estar aqui e em como meus
amigos estão entusiasmados…
BowHee dá um tapinha no meu ombro, compreensiva:
— As primeiras semanas são as mais difíceis! Mas você vai se
acostumando.
— Sim — JinJoo diz, animada. — Eu tive tantas crises no meu
primeiro mês, mas olha pra mim agora. — Eu mal entendo o que ela
está dizendo, porque sua boca está cheia com sua própria trança.
Sua metade de batata-doce continua intocada.

***

Na minha primeira aula de coreano, todos nós, os estrangeiros,


falantes não nativos, entramos em uma sala de aula iluminada sem
janelas no andar corporativo. Garotos e garotas são guiados
separadamente por aprendizes de managers. A sala está
literalmente dividida ao meio por uma Linha do Gênero: dois
pedaços de fita adesiva – um rosa e outro azul –, garotas de um
lado, garotos de outro.
Sou colocada em uma mesa bem na frente. Logo além da divisão
entre meninos e meninas, ao meu lado, está um garoto que precisa
se sentar de lado porque suas pernas são muito compridas para
caber debaixo da carteira – é o cara bonito do refeitório. Ele me dá
um sorriso amigável; desvio o olhar rapidamente, lembrando da
palestra de Manager Kong sobre como fazer amizade com um
menino vai arruinar meu futuro, destruir a agência inteira e causar o
apocalipse.
A professora Lee entra na sala, cumprimentando os alunos com
uma voz animada demais para cinco e meia da manhã. Todos se
levantam apressados para fazer uma reverência.
— Bom dia, professora Lee.
A professora, que mal parece ser mais velha que alguns dos
trainees, faz um gesto para nos sentarmos.
Logo de cara, ela me passa uma vibe de professora do jardim de
infância. Ela tem um rosto inocente, com covinhas, e veste uma
roupa que parece ter sido tirada de uma boneca em tamanho real:
um vestido xadrez com gola boneca e tamancos com meias na
altura do joelho. Quando ela me vê, diz:
— Ah, sim, temos uma aluna nova hoje, não temos? Park
Candace, certo?
Balanço a cabeça e encaro minha carteira. Não sinto o
nervosismo do primeiro dia assim desde… nunca.
— Bem-vinda, Candace-shi. Porque você não se levanta e nos
diz o ano em que nasceu, de onde você veio, sua principal
habilidade de K-pop e… seu prato favorito?
Eu me levanto e olho ao redor da sala pela primeira vez. Há duas
filas únicas de carteiras. Quatro garotos e seis garotas, incluindo
eu… e Helena. Do fundo, ela me lança um olhar maligno sem
qualquer razão aparente.
Meu coração dispara; todos vão rir do meu péssimo coreano.
Pela primeira vez na vida, fico brava com umma e abba por não me
forçarem a ir para as aulas de coreano aos sábados.
Começo com uma reverência:
— Olá a todos. Meu nome é Candace. Sou de Nova Jersey e
tenho quinze anos. E… não sei quais são minhas principais
habilidades de K-pop ainda. Estou treinando há menos de vinte e
quatro horas. — Nessa parte, ouço algumas risadas baixinhas. —
Mas gosto de cantar e tocar violão. E qual era a última? Ah, sim.
Meu prato favorito é… jokbal.
Mais risadinhas ao redor da sala. O garoto de pernas longas
aplaude minha resposta:
— Uma garota americana que ama pés de porco — ele exclama
—, estou apaixonado!
Todos riem. Corando, me sento novamente, e a professora Lee
diz:
— Wah! Candace, seu coreano não é tão ruim como me
disseram. Você só precisa de um pouco mais de confiança.
Olho para ela e sorrio. Não consigo imaginar por que Manager
Kong me alertou sobre a professora Lee ser muito rígida.
O resto da turma se levanta para se apresentar para mim
também. No lado das meninas, há ShiHong, uma andrógina com
corte de cabelo pixie de Shanghai; Luciana, uma linda coreano-
brasileira com o cabelo mais grosso, brilhante e digno de se
transformar peruca que já vi; uma garota das Filipinas chamada
Zina; e uma de Osaka. E, claro, Cho Helena, de Newport Beach. As
principais habilidades de Helena, de acordo com ela, são “dança,
canto, rap, Visual e carisma”. Manga é sua comida favorita.
Na vez dos meninos, escuto enquanto mantenho os olhos fixos
na mesa até a vez do garoto de pernas compridas, cujo nome é
YoungBae. Ele tem a mesma idade que eu, é de Atlanta e está
treinando há dois meses.
A aula começa. Não é uma aula de idiomas comum como em
uma escola; tudo é abordado pensando em nossas futuras carreiras
como idols. A professora Lee pergunta:
— Helena, se eu fosse uma jornalista que quer saber onde você
estudou, o que você diria? — (Helena responde em coreano perfeito
e polido que fez o ensino fundamental em uma ensolarada escola
particular perto do oceano.) Depois, a professora pergunta a
YoungBae: — Se eu fosse uma fã que pergunta qual foi seu primeiro
emprego, como você responderia? — (“‘Bom, querida fã,
primeiramente muito obrigado por ser uma fã. Não há nada que eu
ame mais que meus fãs’. Depois eu diria que trabalhei em um
cinema. ‘A melhor parte do trabalho foi poder assistir a Velozes e
furiosos 8 dezesseis vezes em um verão’.”)
Sendo bem sincera, eu não sabia a palavra para “cinema” até
que YoungBae a usou em contexto com seu sotaque americano,
que é tão forte quanto o meu. Anoto não só o novo vocabulário, mas
também, por alguma razão, escrevo “YoungBae ❤ ❤ ❤ ❤ ❤ ❤
❤❤❤ Velozes e furiosos” e sublinho.
— Candace, sou a apresentadora de um programa de variedades
que pergunta onde seus pais trabalham — diz a professora Lee. —
O que você diz?
Congelo. Vasculho meu cérebro à procura da palavra para “loja
de conveniência” — obviamente já ouvi umma e abba a dizerem
milhares de vezes, mas não consigo lembrar.
— Eles são donos de um lugar que vende coisas — respondo,
como uma criança de três anos. — Um lugar que vende coisas e
também vende bubble tea.
— Daebak — exclama YoungBae —, eu amo bubble tea.
As seis horas de aula passam surpreendentemente rápido.
Depois das primeiras duas horas, Helena e alguns dos trainees mais
fluentes saem para praticar. Na última hora, YoungBae e eu, os
menos avançados, ficamos sozinhos na sala.
Nos últimos quinze minutos, a professora Lee nos deixa bater
papo em coreano, já que nós provavelmente temos “muito sobre o
que conversar” porque somos ambos dos Estados Unidos. Nós a
encaramos, incrédulos; tanta interação assim entre um garoto e uma
garota definitivamente não é permitido. Mas ela apenas aponta para
o próprio olho, depois para a porta.
E neste instante decido que a professora Lee é minha adulta
favorita na S.A.Y.
Pela primeira vez, consigo olhar para YoungBae de perto e
diretamente. Mesmo sob a horrível luz fluorescente, seu rosto brilha.
Ele tem lábios cheios, com um leve formato de coração, e um corte
de cabelo moderno, raspado nos lados, mas cheio e meio
bagunçado em cima. Ele está usando uma camisa branca que está
metade enfiada em seus jeans rasgados.
Tudo isso para dizer: YoungBae é young e totalmente bae.
E ele definitivamente não é tímido.
— Então, Candace-shi… é com esse nome que você quer
debutar?
Dou de ombros.
— Não sei. Acho que não tem outra Candace no K-pop, então
provavelmente sim.
— Legal. Tem alguns outros idols chamados YoungBae, então
acho que a agência vai me fazer mudar.
— Você pode usar seu nome americano, se tiver um.
Ele sorri.
— Sem chance de usar meu nome americano. É horrível. É tão
ruim que prefiro ser chamado de YoungBae até nos Estados Unidos.
— O.k., agora você precisa me contar qual é.
— Promete que não vai rir?
— Prometo.
— O.k. — ele pausa. — É Albert.
Caio na gargalhada.
— Você prometeu que não ia rir!
— Desculpa! É que Albert não parece nem um pouco ser um
nome de idol.
— É, é péssimo. Qual é a dos pais coreanos americanos, com
essa mania de dar nomes de gente velha pras crianças?
Pela primeira vez, esqueço que estou em um centro de
treinamento e até que estou falando em coreano. Descubro que
YoungBae e eu temos muito em comum: nós dois tocamos violão;
nós dois gostamos de jokbal; nós dois frequentamos grandes igrejas
coreanas nos Estados Unidos. Inclusive, YoungBae foi descoberto
quando um recrutador da S.A.Y. encontrou um vídeo em que ele
estava fazendo um rap sobre Jesus na banda da igreja.
Um barulho de sinos sai das caixas de som na parede, marcando
o fim da aula. A professora Lee se despede acenando
animadamente e diz:
— Bom trabalho hoje, Candace!
YoungBae enfia seus livros em sua mochila.
— Prazer em conhecê-la, Candace.
De repente, a professora Lee bate em sua mesa, fica vermelha e
grita:
— VOCÊS DOIS, PELA ÚLTIMA VEZ, NADA DE CONVERSA!
Eu quase tenho um infarto. Faço uma anotação mental: cuidado
com a professora Lee, porque ela é claramente uma psicopata
duas-caras.
Mas então percebo que o manager de YoungBae e Manager
Kong chegaram para nos levar até nossas próximas aulas. Na
saída, eu me viro na direção da professora Lee quando eles não
estão olhando. Ela sorri e dá de ombros, se desculpando.

***

Manager Kong assiste à minha primeira sessão de treinamento com


o Time 2. Nós nos sentamos no chão, de pernas cruzadas,
enquanto ela escreve nossos nomes no quadro branco ao lado de
um colchete. Então ela escreve a palavra “PROBLEM”, em inglês, com
letras enormes, no topo. Por um segundo, tenho certeza de que ela
está se referindo a mim, o grande PROBLEMA.
— Meninas, essa é a música que vocês vão apresentar na sua
próxima avaliação mensal — ela diz. — “Problem”, de Ariana
Grande e Iggy Azalea.
Ouço um grito de entusiasmo.
— Daebak! — Binna diz.
Aram parece horrorizada.
— Outra música em inglês? Já apresentamos “Worth It” no mês
passado.
— Bom, já que é a primeira avaliação da nossa amiga americana,
imaginei que seria bom fazer alguma coisa em sua zona de conforto
— Manager Kong diz.
Aram me dirige um olhar maravilhosamente penetrante. Eu me
curvo para me desculpar, mas, devo admitir, estou aliviada.
— Bom, essa música é bem desafiadora de se cantar e, por ter
tanta energia, a dança também precisa ser rápida e intensa —
Manager Kong diz.
Ah, droga. Como uma idiota, não tinha pensado na possibilidade
de cantar e dançar ao mesmo tempo, mesmo que isso seja
literalmente o trabalho de um idol.
— Dito isso — Manager Kong continua —, quem quer ser a
Center?
Quatro mãos imediatamente se levantam. Noto que as garotas
cobrem suas axilas em sinal de discrição.
— Candace, você não está interessada?
Balanço a cabeça negativamente. Imani me ensinou que a função
de Center é muito importante. Ela deve personificar a essência da
música de um jeito indescritível. Em um MV ou em uma
apresentação ao vivo, é o rosto do Center que vai ser o foco da
câmera do começo ao fim. Não tenho qualquer confiança na minha
capacidade de conduzir uma performance dessa ou de qualquer
outra música.
— Mesmo? Hum — Manager Kong diz.
Mantenho a cabeça baixa e a balanço novamente.
— Como quiser. Binna, você foi a Center em “Worth It”, então
vamos dar a chance pra outra pessoa. Aram, você estava agora
mesmo reclamando da música ser em inglês, então abaixe sua mão.
Helena e JinJoo, vamos fazer um duelo de canto pra decidir.
Eu me inclino para a frente, ansiosa para ver do que essas
garotas são capazes. Helena e JinJoo se levantam em um pulo para
cantar um verso da parte mais difícil da música, o pré-refrão. A voz
de Helena é clara como um sino, mas ela trapaceia ao fazer um
falsete nas notas altas. JinJoo canta o mesmo verso, mas com
muito mais força. Ela tem um forte sotaque coreano, mas sua voz é
poderosa e lembra grandes divas como Christina Aguilera ou Mariah
Carey quando atinge as notas altas.
— Wah, acho que Ariana combina muito bem com JinJoo —
Manager Kong diz. — JinJoo, você será a Center desta vez.
JinJoo faz uma dancinha animada. Helena parece furiosa.
— Candace — Manager Kong pede —, cante o mesmo verso. Só
pra sabermos com o que estamos lidando.
Sinto gotas de suor frio escorrendo pelas minhas axilas. Com
exceção da minha audição, nunca cantei na frente de estranhos.
Além disso, estou acostumada a cantar só um pouco mais alto que
um sussurro no meu quarto; com uma música da Ariana, ou você
canta no volume máximo ou não canta. Eu me levanto, escondendo
minhas mãos trêmulas atrás das costas. Lá vai. Fecho os olhos e
solto uma música que já ouvi milhares de vezes, mas nunca cheguei
a cantar.
Abro meus olhos e vejo todas boquiabertas. Binna, JinJoo e até
mesmo Aram aplaudem lentamente. Helena parece mais furiosa do
que nunca.
— Daebak, é por isso que eu te escolhi, Candace — Manager
Kong comenta, fazendo um sinal de positivo.
Uma explosão de emojis com olhos de coração detona em meu
cérebro enquanto volto para meu lugar. Manager Kong distribui as
outras posições no quadro branco.

JinJoo: Center, vocalista principal, dançarina de apoio


Binna: Líder, dançarina principal, rapper principal, vocalista de apoio 3
Helena: Dançarina líder, rapper líder, vocalista de apoio 1
Aram: Vocalista de apoio 2, Dançarina de apoio
Candace: Vocalista Líder, Dançarina de apoio

Não consigo nem descrever minha euforia em palavras quando


vejo meu nome no quadro com posições definidas – lembro a mim
mesma que “principal” está acima de “líder” na linguagem do K-pop,
o que é super confuso, mas, mesmo assim, fazer parte de um grupo
real é emocionante. Deve ser assim que Tommy se sente como
jogador de um time esportivo.
Meu entusiasmo desaparece logo, porque Manager Kong diz que
devemos focar em montar a coreografia antes de adicionar as
vozes.
A música sai pelas caixas de som e Binna tenta fazer alguns
passos de dança na frente do espelho, improvisando uma
coreografia. O resto das garotas fica atrás e tenta copiar o que ela
está fazendo, o que parece impossível para mim. Não consigo
acreditar que ela está criando uma coreografia tão incrível na hora.
Depois de ouvir a música apenas três vezes, ela já montou toda
uma sequência de passos.
— Parece bom — Manager Kong diz, antes de ir embora para
acompanhar os outros times.
— O.k., meninas — Binna diz. — Vamos tentar!
O que vem depois são as sete horas mais torturantes de toda a
minha vida. Não é só o cansaço físico de contorcer meu corpo em
posições que nunca tentei antes ou usar músculos que eu nem
sabia que existiam. O que realmente acaba comigo é a humilhação
pura de não conseguir fazer as coisas mais simples. O primeiro
movimento da coreografia, antes de a batida começar, consiste em
todas nós colocando as mãos nos quadris e os empurrando para a
frente – uma simples pose do America’s Next Top Model. Mas na
mesma hora Binna percebe, pelo espelho, que estou fazendo tudo
errado.
— Oh, Candace, você está errando o compasso — Binna diz.
— Estou? — pergunto.
— Sim. Só três, dois um, JOGA! JOGA esse quadril, garota. Ah. Seu
quadril não quer se jogar? Tudo bem, vamos tentar de novo. O.k.,
agora você está um pouco adiantada. Dá uma exagerada nesse
movimento. JOGA! Ai, Deus. Não é assim também.
Sem brincadeira, passamos uma hora inteira começando e
parando a música enquanto Binna tenta me ajudar a acertar aquela
pose. Aram está puxando seu cabelo preto lustroso, frustrada.
Helena me fuzila com o olhar. JinJoo está perdida em seu próprio
mundo, olhando para seu reflexo, maravilhada, contemplando seus
próprios poros.
Toda vez que Manager Kong volta para ver como estamos, ela
fica impressionada com minha incapacidade de progredir.
— A Candace ainda não acertou o primeiro movimento? Eu não
sabia nem que isso era possível.
De alguma forma, é possível, sim. Não consigo explicar por que
sou péssima. Assim como meus dedinhos grossos não foram feitos
para dedilhar cordas de viola, meu corpo não foi feito para dançar.
Eu simplesmente desligo, dissociando minha mente do meu corpo,
deixando meus braços caírem e meus quadris fazerem qualquer
coisa, exceto se JOGAREM.
Depois de algum tempo, Helena e Aram colocam seus fones de
ouvido e praticam sozinhas. JinJoo não se mexe há horas e até
Binna, que pelo visto tem a paciência de Madre Teresa e Michelle
Obama combinadas, começa a ficar um pouco frustrada.
— O que está havendo, Candace? Pode me falar.
— Não sei — digo, em voz baixa, deixando meu cabelo cobrir
meu rosto. — Eu simplesmente não consigo.
— Vamos lá. Levanta a cabeça. Se olha no espelho enquanto
estiver se mexendo. Como seu cérebro vai saber o que seu corpo
está fazendo se você não olhar?
Consigo me sentir murchando. Não suporto olhar para o meu
corpo ridículo desse jeito. Se meu corpo é meu instrumento, ele está
claramente quebrado. A música que eu costumava amar já está
parecendo a trilha sonora do meu destino trágico; o verso que diz
“eu tenho um problema a menos sem você” começa a soar como
um demônio sussurrando no meu ouvido.
Pareço idiota, como se houvesse alguma coisa muito errada
comigo. Não sei explicar por que não consigo fazer uma coisa tão
simples. Pulamos para outros passos, mas nada dá certo. Não
consigo. Talvez eu devesse apenas me desligar em todos os treinos
de dança para que eles me expulsem. Se eles me eliminarem antes
de eu desistir, meus pais não vão ter que pagar minhas despesas
como trainee. Vir até aqui foi um grande erro.
Ao fim da sessão de treino de sete horas, Manager Kong vem
nos ver mais uma vez. Helena diz:
— Não conseguimos treinar como um grupo por causa dela. Não
podemos trocá-la com alguém de outro time?
Manager Kong a ignora e fixa seu olhar em mim, intensamente.
— Candace. Olhe pra mim.
Tiro meus olhos do chão.
— Você quer mesmo ser uma idol?
Balanço a cabeça, concordando, mesmo que eu não tenha mais
tanta certeza. Acho que não consigo sobreviver a outra sessão de
sete horas de treino depois do jantar antes de ir para a cama a uma
hora da manhã.
— Dê um jeito de melhorar — Manager Kong diz. — Se não…
kun-il-nasseo. — A coisa vai ficar feia.
CAPÍTULO 10
Daebak

Acho que, durante minha primeira semana, não consigo dormir


mais de três horas por noite. Mesmo assim, eu não diria que estou
cansada. O pânico me mantém alerta o tempo todo. Sempre que
penso em umma ou abba ou Imani ou Ethan ou até mesmo em
Tommy, sinto uma pontada de dor real, física, no meu peito.
Por sorte, não tenho muito tempo para pensar neles. A cada
minuto preciso me preocupar com uma nova enxurrada de coisas.
Novas palavras em coreano, novas gafes que preciso evitar, novos
passos de dança que não consigo fazer, pessoas para quem preciso
me curvar, novos adultos gritando comigo por qualquer coisinha que
eu faça de errado.
Certa manhã, gritam comigo no refeitório por aparecer vestindo
um top velho de alça fina todo esfarrapado e minhas calças de
pijama xadrez confortáveis – meu look “queria estar dormindo”.
Manager Kong, que fica andando de um lado para o outro
fiscalizando o quanto estamos comendo, olha para mim e grita
“Você não tem vergonha, não?”, me empurrando até o corredor
enquanto as outras garotas nos olham com as mãos sobre a boca.
Primeiro acho que é porque peguei três ovos cozidos. Mas então ela
grita:
— O que você tem na cabeça? Mostrando seus ombros e seu
peito quando os garotos podem ver tudo pelo vidro?
Todas as garotas e até alguns garotos no outro lado do Vidro do
Gênero se viram para encarar a cena. YoungBae olha para mim,
alarmado.
Eu me sinto tão humilhada e confusa. Pelo visto, é totalmente
aceitável que as garotas usem saias minúsculas – tão curtas que o
refeitório oferece as “mantas da modéstia” para que elas cubram o
colo quando se sentam. Mas usar um top de alça fina é inaceitável?
Não é como se eu tivesse muita coisa para mostrar.
Há várias outras coisinhas que me deixam abismada. Não temos
absorventes internos, só externos (quando eu pergunto para uma
das aprendizes de manager, SeoHyun-unnie, se não temos
absorventes internos, ela olha para mim como se eu tivesse pedido
um preservativo ou coisa do tipo). Além disso, os interruptores ficam
do lado de fora do banheiro. Alguém sempre desliga a luz quando
estou lá dentro; suspeito que seja Helena, implicando comigo sem
motivo.
Outra coisa estranha: sempre que subo na minha cama para
dormir, encontro lixo no meu travesseiro. Cascas de banana, miolos
de maçã, embalagens de absorvente. Deve ser algum tipo cruel de
trote coreano. Meu beliche fica bem do lado do banheiro, então dá
mais trabalho subir na minha cama do que simplesmente jogar tudo
na lata de lixo. Mais uma vez, Helena é minha principal suspeita.
Estou tão estressada que, mesmo sabendo que meu estômago
está vazio, nem sinto minha barriga doer de fome. Nossas refeições
do dia a dia são:

Café da manhã: ovos cozidos, batata-doce.


Almoço: salada sem molho, iogurte grego.
Jantar: bolinhos de peixe, sopa de rabanete, arroz negro.
Sobremesa: fruta à escolha.

As garotas podem pegar uma fruta do refeitório depois do jantar


como sobremesa – uma maçã, uma tangerina ou uma banana.
Fazemos uma fila de acordo com a idade, então sempre sou uma
das últimas. Como as bananas são as frutas que dão a maior
sensação de saciedade, são as mais populares e, quando chega a
minha vez, já acabaram. Geralmente tenho que me contentar com
uma pequena tangerina, que chupo em segundos assim que chego
no quarto. Depois jogo a casca na lata de lixo, como uma pessoa
civilizada.
Os ensaios de dança não melhoram nem um pouco. Manager
Kong continua repetindo “A coisa vai ficar feia, Candace” sempre
que me vê errar um passo. Em certo momento, Binna precisa
continuar ajudando as outras garotas a aprenderem a coreografia
completa, enquanto eu simplesmente fico parada no canto da sala,
sabendo que não tenho a mínima condição de acompanhá-las. De
vez em quando, Binna vem ver como estou, levantando o punho e
gritando “Hwaiting, Candace, hwaiting!”.
Demoro um pouco para entender o que ela está dizendo, mas
depois descubro que ela está dizendo “fighting”, “lutar” em inglês –
não existe som de F no alfabeto coreano. Então, basicamente ela
está me dizendo “Força!” ou “Você consegue!”. Levanto o punho e
resmungo “hwaiting” de volta, mas a palavra parece não ter
significado quando sai da minha boca.
Meus surtos nas aulas de dança estão atrapalhando todas as
minhas outras atividades. Costumo ser uma boa aluna, mas, na aula
de coreano, toda vez que a professora Lee me pergunta “Candace-
shi, você consegue dizer o nome de todas as províncias da Coreia
do Sul?”, tenho que dizer “Desculpa, não sei”. A ansiedade tem me
deixado distraída demais para prestar atenção em qualquer uma
das minhas aulas. Fico imaginando como e quando vou ser expulsa
da agência.
Visualizo a curva nos lábios de umma quando ela descobrir que
estava certa – que realmente não tenho futuro como cantora.
Até mesmo YoungBae parece preocupado.
— Ei, está tudo bem? — ele sussurra do outro lado da Linha do
Gênero um dia quando a professora Lee está de costas para nós.
Faço que sim, ainda que eu esteja mordendo as juntas dos dedos
com tanta força que elas estão sangrando.
A única coisa mantendo minha sanidade, além das minhas
breves conversas com YoungBae, é nosso momento diário ao ar
livre no terraço do prédio, depois do almoço e do jantar. O lugar é
demais. Há trilhinhas de pedra, flores de lavanda (ou será que são
lilases?), árvores em vasos para fazer sombra e vários bancos de
madeira. Mas o verdadeiro destaque é a espetacular vista
panorâmica de Seul, com o rio Han e as montanhas verdes ao
redor. Elas têm um formato diferente de qualquer coisa que já vi nos
Estados Unidos – é como se tivessem sido escritas no céu em um
alfabeto totalmente diferente.
Uma parede de três metros de acrílico nos separa de Seul, para
que ninguém caia ou se jogue, eu acho. A única coisa feia aqui é um
muro de concreto, mais uma vez separando a metade dos garotos
da metade das garotas – o topo da faca cortando o tofu. Há uma
porta bem no meio do muro, mas é feita de metal enferrujado e fica
trancada com um mecanismo a cartão. Às vezes ouvimos os
garotos gritando no outro lado, provavelmente jogando handebol ou
coisa do tipo.
BowHee gosta de chamar Binna, JinJoo, RaLa e eu para praticar
taekwondo, mas não tenho forças para participar de outra atividade
que exija movimentos coordenados, então eu acompanho as quatro
meio sem vontade enquanto conversamos.
— Candace, de que parte dos Estados Unidos você é? —
BowHee pergunta, golpeando o ar com seu punho.
— Nova Jersey.
O rosto de BowHee se ilumina.
— Daebak! Não é bem do ladinho de Nova York?
— É, não fica muito longe de lá — respondo.
Na verdade, vou para Nova York umas três vezes por ano, no
máximo. E geralmente só para o bairro coreano enquanto abba faz
alguma coisa chata, como comprar uma nova caixa registradora.
— Daebak. Eu sou a Carrie Bradshaw — BowHee diz, rindo. Ela
chuta o ar com a força de um avestruz zangado e grita “KYAHHHH!”.
Eu mal levanto a perna.
— Não me leve a mal — digo —, mas tem uma coisa que quero
perguntar desde que cheguei aqui: o que significa daebak? Todo
mundo fala isso.
Elas acham graça na pergunta. Binna responde:
— É uma palavra muito importante para os jovens na Coreia.
Daebak significa… — ela passa a falar em inglês e faz um sinal de
positivo com as duas mãos — “muito, muito excelente”.
Eu rio. É tão bom rir; sinto um pouquinho da ansiedade
paralisante sair do meu corpo. Já gosto tanto dessas garotas.
Mesmo RaLa, que nunca ouvi dizer uma palavra, me passa uma
sensação boa.
— Bom, nesse caso — digo —, vocês são todas daebak.
Talvez o apoio que recebo dessas novas amigas e de YoungBae
na aula de coreano será o suficiente para me dar motivação para
sobreviver até a avaliação. Então, logo depois, vou poder visitar
umma pela primeira vez.
“Eu consigo!”, penso, socando o ar.
— Ei, belo golpe, Candace! — BowHee grita. — Você finalmente
acordou!
CAPÍTULO 11
A General

Ninguém na Coreia tira folga aos sábados, muito menos trainees.


Para meu desespero, é minha primeira sessão de treino com a sra.
Yoon, também conhecida como General. Binna me explicou que a
General fez parte do StarLady, um girl group dos anos noventa que
ajudou a lançar a onda do K-pop. Agora, ela é a coreógrafa e
principal professora de dança da S.A.Y. Foi ela quem criou a dança
de “Unicorn”, do SLK, que viralizou no mundo inteiro. Em outras
palavras, ela meio que é muito importante.
Quando chegamos lá, a General está terminando uma sessão
com um time dos garotos. Nos amontoamos do lado de fora da porta
de vidro para assistir.
Meu coração palpita quando vejo YoungBae bem no centro do
grupo. A General grita a batida enquanto os garotos dançam e
fazem o rap de “Ridin”, do Chamillionaire. Todos os cinco são
incríveis, mas YoungBae é o melhor dançarino, quase tão bom
quanto Binna. Ele está se entregando à coreografia, esmurrando o
ar com os punhos e fazendo seus tênis deslizarem pelo chão como
um borrão branco. Ele faz até o rap completo, com letras ousadas e
tudo, sem perder uma batida. Definitivamente não é um rap sobre
Jesus.
Quando o ensaio termina, os cinco abraçam a General como se
ela fosse um deles. YoungBae está pingando de suor. Ele está
vestindo uma regata tão fina e folgada que é como se estivesse sem
camisa. Seus ombros são largos e sua cintura é fina, formando um V
– o torso dele tem basicamente a forma de um Doritos. Embora ele
tenha tanquinho, sua pele parece ser macia ao toque. E, mesmo
com seu cabelo encharcado, ele ainda tem aquela mecha
perfeitamente ondulada caindo sobre a testa.
— Candace, fecha a boca. Dá pra ver você babando.
Dou um pulo, assustada. Passo as costas da mão pelos lábios,
mas eles estão secos. Helena sorri maliciosamente. Aram tenta
segurar uma risada.
Quando os garotos saem da sala de treino, nos cumprimentamos
com uma reverência.
Eles sussurram desculpas por estarem tão suados.
— Oi, Candace-shi — YoungBae diz, usando linguagem formal.
Minhas bochechas estão queimando e não ouso encará-lo.
— Meninas, vamos começar. Rápido! — a General grita, batendo
as palmas.
A sala de treinamento ainda cheira a suor de garoto, mas é bem
mais requintada que as salas do outro andar. O ambiente tem um
pé-direito de nove metros e fotos gigantes na parede das maiores
estrelas da S.A.Y., o MegaloMaxx, um duo de hip-hop; e JinKo, um
cantor solo de músicas românticas superfamoso que meus pais
amam. As únicas mulheres são atrizes de primeira linha da divisão
de televisão da S.A.Y., incluindo Jeon DanHee, a estrela de um K-
drama superpopular chamado My Spiky Pearl, que eu achei na
Netflix antes de vir para Seul. É sobre uma mulher do interior sem
papas na língua que se casa com o membro de uma família rígida
dona de um chaebol. Superfofo.
Obviamente, o SLK ocupa a maior parte da parede, maravilhosos
como sempre. O rosto de One.J é maior do que três de mim. Em
minha mente, peço desculpas a ele antecipadamente porque sei
que logo mais vou estar que nem uma palhaça em sua presença.
— Venham cá, meninas — a General ordena. Ela realmente
parece um sargento, com sua regata preta, cinto cravejado e
postura militar. — Como sabem, a data do debut está próxima. CEO
Sang vai escolher cinco garotas dentre as cinquenta trainees. É
hora de pegar firme nos treinos. Até agora, só estávamos brincando.
Olho para minhas colegas de time, seus olhos brilhando com
determinação. Eu duvido muito que elas estivessem brincando.
A General nos conta que nossa próxima avaliação mensal não
vai ser realizada na tradicional sala de conferências principal, e sim
no estúdio do Popular 10, no terceiro andar. As garotas dão um
suspiro de espanto; Popular 10 é um Music Show de um dos canais
da ShinBi, YNN. Ele exibe os dez MVs mais populares de cada
semana e várias apresentações ao vivo. Depois, ela diz que, além
dos outros trainees – incluindo os garotos – que vão assistir às
performances uns dos outros, algumas pessoas muito importantes
estarão na plateia.
Todas nós damos gritinhos de empolgação. Antes que eu possa
me impedir, estou pulando também. Sei o que todas estão
pensando: vamos conhecer o SLK!
— Sim, é bom vocês ficarem animadas mesmo — a General diz,
andando de um lado para o outro com os braços cruzados atrás das
costas. — Os garotos do SLK vão fazer uma pausa na turnê mundial
pra avaliar vocês para o CEO Sang. Além disso, essa informação não
pode sair daqui, mas, como One.J está preparando seu segundo
comeback solo, pode ser que ele escolha uma de vocês pra
aparecer no MV.
Helena grita. Os joelhos de Aram e JinJoo tremem. Binna e eu
seguramos as mãos uma da outra.
— Isso quer dizer que vocês precisam se esforçar mais do nunca
— a General declara.
— SIM, SRTA. YOON! — gritamos em uníssono.
— Isso significa não desistir mesmo diante da dor e da
insegurança.
— SIM, SRTA. YOON!
— Certo, meninas. Vamos ver quanto vocês estão pesando.
Meus braços e pernas congelam. Minhas colegas caminham até
o canto, onde há uma balança digital. Não estamos prestes a nos
pesar uma na frente da outra, né?
Mas é exatamente o que acontece. Helena sobe primeiro. A
balança mostra um número em quilogramas – não sei fazer a
conversão de quilos para libras, mas sei que é um valor baixo. Eu
me recuso a dizer o peso exato dela aqui, porque não é da conta de
ninguém, mas a General elogia o “autocontrole” de Helena. O
número de Aram é ainda menor, o que a General diz ser muito bom,
mas que gostaria de vê-la ganhar mais força e definição em seus
braços e pernas. Binna pesa um pouco mais que as outras duas,
mas não muito. A General diz que ela está ficando muito musculosa
e que precisa correr mais e levantar menos peso.
JinJoo tem mais curvas do que as outras garotas. Nos Estados
Unidos, muitas pessoas diriam que ela tem a silhueta mais sexy de
todas nós. Mas sei que, de acordo com os padrões do K-pop, ela é
considerada gorda, o que, francamente, é ridículo demais.
— JinJoo — a General diz, séria, quando o peso dela aparece. —
É sério que ainda estamos nessa? O que o CEO Sang pensaria?
Você está mostrando pra ele que não está comprometida com uma
das responsabilidades mais importantes de um idol: cuidar de sua
parte Visual.
JinJoo está prestes a chorar.
— Eu não sei como é possível. Eu me cuido tanto com a comida.
Não bebi nem água hoje. Fico cuspindo o tempo inteiro só pra
perder um pouco mais de peso.
Estou chocada em níveis shakespearianos – estou estarrecida. É
tão desumano que adultos possam julgar garotas adolescentes com
base em seu peso e sem nenhuma preocupação com sua saúde
física ou mental. Imagino como minha orientadora em Fort Lee
Magnet ficaria horrorizada.
Quando chega a minha vez, porém, não faço o monólogo
emocionado que criei na minha cabeça. Todas as minhas colegas se
viram na minha direção. Não tenho escolha: subo na balança e
prendo a respiração. Não tenho ideia do que a General vai dizer.
Minha família tem metabolismo rápido, mas não me considero nem
magra nem acima do peso. Uma das maiores alegrias de umma e
abba é ver Tommy e eu comendo bastante, então nunca pensei em
fazer dieta.
Meu número não significa nada para mim, mas a General faz um
estalo com a língua.
— Você é a garota nova, certo? — ela diz.
Respondo que sim do jeito mais formal que conheço.
— Tecnicamente, seu peso não é horrível, mas, como você é
muito baixa, nossa meta deve ser perder dois quilos até o mês que
vem.
Quero perguntar: “Isso é uma opinião médica?”. Cubro meu
estomago com os braços. Para completar minha humilhação, a
General diz:
— Além do seu peso, suas proporções não são boas. Você não
vai ficar bem dançando. Precisamos dar um jeito de fazer você
parecer mais alta e mais bonita.
Eu nem tenho tempo de digerir isso, porque, do nada, a General
dá um assobio ensurdecedor. Ela nos faz amarrar pesos de cinco
quilos que parecem pequenos pacotes de dinamite em volta dos
nossos tornozelos.
— Treinamos com eles pra que, na hora da performance, você se
sinta livre e leve — a General me explica. Como aquecimento, ela
nos faz correr em círculos ao redor da sala cantando “Into The New
World” a plenos pulmões. Sem qualquer aviso, ela grita um dos
nossos nomes e lança uma bola medicinal pesada na nossa direção
para que tenhamos que parar e pegá-la. É para melhorar nossa
“estabilidade” enquanto cantamos.
Enquanto corremos e gritamos a letra – ainda bem que umma
treinou essa música comigo –, a General explica:
— Quando você está se apresentando ao vivo, tem que realizar
várias tarefas ao mesmo tempo com maestria. Precisa saber pra
qual câmera olhar, precisa dominar uma coreografia complexa e
suas expressões faciais. Se você tiver sorte, pode ficar distraídas
com os milhares de fãs enlouquecidos. Durante tudo isso, você não
pode se esquecer da respiração e do canto. Por enquanto, não se
preocupem em soar bem. Só não deixem nada tirar a atenção da
respiração de vocês.
Essa forma cruel de tortura combina três das atividades que mais
odeio: dança das cadeiras, queimada e correr em círculos com
pesos amarrados nos meus tornozelos.
Binna e Helena são profissionais nisso: pegam as bolas com
facilidade e sem parar de gritar as letras da música. JinJoo machuca
o dedo na primeira pegada e Aram para de cantar completamente
sempre que é a vez dela.
— ACORDE, ARAM! — a General brada.
A corrida por si só já me deixa tão ofegante que mal consigo
pronunciar as palavras. No começo, os pesos não fazem muita
diferença, mas depois de apenas um minuto mal consigo tirar os pés
do chão. Na primeira vez que a General grita “CANDACE!”, há uma
expressão tão feroz em seu rosto que parece até que ela está
tentando me matar, então em vez de parar para pegar a bola, eu
grito e desvio dela. A bola atinge a parede atrás de mim. A General
marcha na minha direção e grita, na minha cara:
— Qual é o seu problema, geopjaengi?! Por que você não tem
energia alguma?
Enquanto ela está bem perto de mim, sussurro:
— Desculpa falar sobre isso, mas estou com cólicas daqueles
dias do mês…
Não é mentira. Umma me ensinou exatamente como dizer isso
em coreano para o caso de eu precisar que um professor pegue
leve comigo.
Mas essa é a professora errada para usar essa tática.
— EU TAMBÉM, GAROTA! — a General grita bem na minha cara. —
VOCÊ ACHA QUE IDOLS NUNCA ESTÃO NAQUELES DIAS DO MÊS DURANTE OS
COMEBACKS?! NUNCA MAIS USE ESSA DESCULPA COMIGO. E NÃO FIQUE TÃO
SURPRESA DE SABER QUE EU AINDA PASSO POR ISSO. AINDA SOU UMA MULHER
JOVEM.
Helena e Aram riem baixinho por trás das mãos.
“Into The New World” toca mais dez vezes e, a cada vez que a
música para, fujo da bola e levo uma bronca da General. Na única
vez em que não desvio rápido o suficiente, a bola me atinge
diretamente nas costelas. Todo o ar sai dos meus pulmões e desabo
no chão, sufocando e tossindo. A General para a música. Todas se
reúnem ao meu redor.
— Você está bem? — Binna pergunta.
Pisco diante dos rostos acima de mim. Uma gota do suor de
alguém cai no meu rosto. Estou vendo pontinhos, minhas pernas
estão queimando e estou com falta de ar.
— Estão vendo isso, meninas? Venham cá — a General diz para
Helena e Aram. — É isso que acontece quando o espírito de uma
garota comum sai do corpo, abrindo espaço para o espírito de uma
idol. É uma visão patética, não é?
— É sim, sra. Yoon — Helena diz.
Ah, cala a boca, Helena! é o que eu diria se tivesse ar nos
pulmões.
A General continua:
— É um processo doloroso. Que Candace seja um exemplo do
quanto vocês já mudaram e do quanto ainda precisam crescer.
Enquanto levanto, eu me pergunto: “é isso que Manager Kong
quis dizer quando falou que fui recrutada para motivar as outras
garotas? Será que sou um exemplo de como elas eram fracas e de
tudo que elas não devem ser se quiserem ser idols?”.
Do alto da parede, o rosto de One.J me encara. Não consigo
deixar de pensar que ele está me julgando em silêncio, se
perguntando quem eu penso que sou para achar que posso atingir
sua grandeza.
Depois dos nossos exercícios, Binna mostra à General a
coreografia que criou para “Problem”. A General gosta, mas
adiciona passos extras e faz mudanças nas nossas formações para
deixar a coreografia ainda mais complexa.
Quando o restante de nós se levanta para se juntar a elas, a
General está na minha cola como abacate na torrada (bem que eu
aceitaria uma torradinha com abacate agora).
“EI, GAROTA, POR QUE VOCÊ NÃO RESPONDE? É ALGUM PROBLEMA COM O
IDIOMA? PRECISO TRAZER UM INTÉRPRETE?
VOCÊ CHAMA ISSO DE JOGADA DE CABELO? EU JÁ VI O CABELO DO SEU
PRESIDENTE SE MOVER MAIS GRACIOSAMENTE!
CANDACE, O QUE O CHÃO TEM DE TÃO INTERESSANTE? OLHE PRA CIMA,
GAROTA!”
Ao final da sessão de cinco horas, estou destruída. Não só meu
corpo e meu cérebro estão exaustos, mas também todo o meu
senso de identidade. Eu sinto como se nunca tivesse feito nada
certo e que nunca vou fazer nada certo de novo. Eu quase quero
dizer a elas que não sou sempre tão inútil – sou uma boa aluna,
ajudo na loja dos meus pais, sou uma boa amiga e até que sou
eloquente quando falo em inglês. É só nessa coisa específica que
sou um completo fracasso.
Manager Kong chega para nos levar de volta ao dormitório. A
General a atualiza na mesma hora:
— Isso aqui não vai dar certo com a Candace. Acho que você
terá que dizer ao CEO Sang que foi um erro trazê-la até aqui, ainda
mais tão em cima da hora. — A voz dela é rouca e áspera. — Já
trabalhei com muitas trainees sem habilidade alguma, mas nenhuma
sem força de vontade. Se ao menos eu conseguisse ver um brilho
nos olhos dela, uma vontade de melhorar…, mas nem isso eu vejo.
Manager Kong suspira.
Eu daria tudo para desaparecer agora.
Até Helena e Aram parecem preocupadas; isso é ruim.
— Candace — Manager Kong diz —, preciso mesmo ir até o CEO
Sang e admitir que cometi um erro ao ir até os Estados Unidos e
realizar uma audição cara só pra te encontrar? Ele vai me matar,
talvez eu perca meu emprego…, mas faço mesmo assim, se
significar que você não vai mais desperdiçar o tempo precioso de
nossas trainees e professoras. O Time 2 merece mais que isso.
Eu desabo. Lágrimas e muco explodem do meu rosto como um
tsunami destruindo uma represa. Não sei o que dizer. Tudo o que eu
diria é “desculpa, desculpa, desculpa”, mas estou soluçando tão
violentamente que chego a tremer — a cada suspiro por ar, sinto
uma pontada forte nas costelas onde fui atingida pela bola. Não
consigo falar.
Então sinto uma mão nas minhas costas.
— Manager Kong, eu vou treinar com a Candace. É minha falha
como líder não ter passado mais tempo com ela.
Eu olho para cima, chocada. Binna balança a cabeça, resoluta.
— Você acha mesmo que isso vai ajudar em algo? — Manager
Kong pergunta.
— Sim. Acredito que o único problema da Candace é que ela
acha que não consegue. Mas ela é muito inteligente e tem
capacidade… consegui ver isso no tempo que passei com ela.
Seco meu rosto nas mangas da blusa e olho para Manager Kong.
— Prometo me esforçar e melhorar — choramingo.
Manager Kong dá um meio sorriso quase simpático.
— Agradeça a sua unnie por estar disposta a te ajudar. Ela é a
melhor dançarina e líder na agência.
Binna seca o restante das minhas lágrimas com seus polegares e
coloca uma mecha de cabelo atrás da minha orelha. Percebo que é
a primeira vez que alguém me toca desde que eu cheguei aqui. O
que fiz para merecer tanta gentileza?
CAPÍTULO 12
Domingo

Estou em estado de choque depois daquele treino. Vazia. Como


um pão sem miolo.
É fim de tarde, nem chegou a hora do jantar, e estou deitada no
meu beliche, virada para a parede, enquanto as outras garotas
arrumam as malas. Há cascas de fruta e embalagens de máscaras
faciais coreanas na minha cama, mas não me dou ao trabalho de
jogá-las no lixo; apenas me deito entre a sujeira.
As trainees que têm família por perto, que são quase todas,
podem passar as noites de sábado em casa e não precisam voltar
até o começo da noite de domingo. Todas as células do meu corpo
estão desesperadas para segui-las até o lado de fora do prédio para
ver umma, mas agora entendo por que não me deixam sair daqui
durante o primeiro mês – se eu saísse agora, jamais teria vontade
de voltar.
Alguém me cutuca e eu me viro. Binna está usando seu boné
com a frase “POWDER PUP”.
— Aproveite para descansar bastante — ela diz — porque,
quando eu voltar, nós duas vamos treinar até cairmos mortas.
Entendido?
Ela pisca. Balanço a cabeça e sorrio suavemente.
Aram e JinJoo também arrumam suas coisas e saem, deixando
Helena e eu sozinhas no quarto. Imagino que ela não tenha para
onde ir, já que a família dela está na Califórnia. Helena está bem
embaixo de mim na cama inferior do beliche. Ela está com fones de
ouvido, mas o volume da música está tão alto que consigo perceber
que está ouvindo Post Malone. Quero me aproximar e dizer alguma
coisa, qualquer coisa. “Também gosto de Post Malone.” “Qual é seu
episódio favorito de Friends?”. “Você tem irmãos?”.
Enquanto ainda estou criando coragem para interromper sua
música, ela se levanta e sai. Provavelmente para treinar por horas e
horas sozinha. O que eu realmente queria perguntar para ela, como
outra trainee estrangeira, é: “Quando fica mais fácil?”.

***

Quando acordo, são quatro da manhã de domingo. Como é possível


eu ter dormido tanto tempo? Durante todo o caos da minha primeira
semana, esqueci que ainda estou sofrendo com o jet lag. Passei
uma semana inteira sem dormir direito. Quando meus pés tocam o
chão, de repente as dores da semana toda me atingem de uma só
vez. Meus tornozelos e joelhos estão ardendo. Minhas pernas e
braços estão tão rígidos que mal consigo movê-los o suficiente para
andar. Minha cabeça está explodindo.
A metade do refeitório das garotas está vazia, exceto por JiHoon,
Helena e Luciana, da aula de coreano. A maior parte das luzes nem
está ligada. Quando me aproximo da mesa de Helena e Luciana, os
olhos de Helena brilham como um par de adagas, então faço um
desvio e levo minha bandeja de arroz, salada e quatro bolinhos de
peixe frios até uma mesa vazia, bem ao lado do Vidro do Gênero.
Sentada no refeitório escuro e frio, um vazio toma conta de mim.
Será que vou sobreviver a um verão inteiro assim?
É aí que YoungBae coloca sua bandeja sobre uma mesa a
poucos centímetros de mim. Cumprimentamos um ao outro com um
aceno de cabeça, mas nada mais. Olho fixamente para a frente,
mas praticamente consigo sentir o calor do seu corpo através do
Vidro do Gênero que nos separa. Ficamos sentados lá o máximo
que podemos – fico feliz só de poder vê-lo pelo canto dos olhos.
Bem quando estou me levantando com minha bandeja, YoungBae
subitamente pressiona sua boca contra o vidro, infla as bochechas
como um baiacu e revira os olhos.
Caio na gargalhada. Ele é tão idiota e fofo – superconsigo
imaginá-lo como aquela criança brincalhona que pressiona a boca
contra os tanques de água na excursão da escola ao aquário. Mas
JiHoon precisa vir correndo para estragar o momento. Ele dá uma
batida no vidro no lugar onde a boca de YoungBae está e grita:
— Pare com isso, imma!
Superconsigo imaginá-lo como o valentão da escola que bate nos
tanques de água para assustar os peixes na excursão.
Aquele breve momento me anima o suficiente para eu decidir
fazer algo meio arriscado – quase uma loucura.

***

Saio procurando por Helena depois do jantar com uma arma secreta
escondida no bolso do meu blusão. Caminho pelo corredor das
salas de treino, olhando por cada janela até que a encontro
ensaiando o dance break de “Problem” sozinha. Bato na porta até
que ela finalmente me ouve. Ela vira para mim com um sorriso
resplandecente, como se estivesse esperando uma amiga – sou
pega de surpresa por sua beleza e bom humor inesperado –, mas o
sorriso desaparece quando ela vê que sou eu. Entro mesmo assim.
— Oi, unnie — digo timidamente, abaixando a cabeça. —
Imaginei que talvez você precisasse de um descanso.
Estou segurando um chá gelado de cevada que trouxe do
refeitório e o estendo na direção dela com ambas as mãos. Ela
arranca a bebida de mim.
— Não preciso de tanto descanso como você — Helena diz.
Aceito a resposta rude com outra humilde reverência. Estou
decepcionada por ela ainda se recusar a falar em inglês comigo,
mesmo quando estamos sozinhas.
— Posso aprender muito com sua ética de trabalho — digo. —
Espero conquistar seu respeito gradualmente.
— Hmph — ela diz enquanto sorve o chá em um gole só.
Respiro fundo, tentando me acalmar.
— Acho que começamos com o pé esquerdo, unnie.
— E qual é o problema? Estamos aqui pra treinar, não sermos
melhores amigas. Tem alguma coisa em você que eu não gosto, só
isso.
Eu estremeço. Há muitos jeitos de dizer que você não gosta de
alguém em coreano, mas as palavras que ela escolheu — “nae
maumae ahn dureo” — soam estranhas para mim. Posso estar
errada, mas acho que as palavras significam, literalmente, algo
como “você não se encaixa no formato do meu coração”.
Eu pigarreio.
— Pode ser, mas eu pensei que, como nós duas somos dos
Estados Unidos, talvez tenhamos algumas coisas em comum.
Podemos ajudar uma a outra.
Helena revira os olhos.
— Você não entende, não é? Não faz sentido nós nos
aproximarmos. Eles nunca vão debutar mais de uma garota
americana no grupo.
— Eu não acho — digo, sem qualquer base. — Tenho certeza de
que a empresa vai escolher garotas de acordo com nossos talentos
individuais, não com a nossa origem.
Helena estala suas unhas coloridas impacientemente.
— Você é muito inocente se acha isso. O CEO Sang quer que o
grupo tenha um apelo global. Ele vai querer que a maior parte do
grupo seja coreana, o que significa três garotas. Eles vão querer
uma do Japão ou da China ou do sul asiático para agradar os outros
principais mercados do K-pop. Já são quatro. O CEO Sang é
obcecado pela ideia de conquistar os Estados Unidos, mas ele só
precisa de uma de nós pra fazer isso – o SLK fez sucesso por lá sem
americano algum. Então vai ser você ou eu.
Eu não aceito esse argumento. Não pode ser tão simples assim.
— O Girls’ Generation não tinha duas americanas?
— Sim, mas o Girls’ Generation tinha nove integrantes. E só
havia espaço pra uma, no final das contas.
— Bom, nós podemos ser diferentes — digo. — E, além disso, se
eles tivessem que escolher só uma, é claro que escolheriam você.
Eu só quero que as coisas sejam melhores entre a gente.
Helena me lança um olhar fulminante. Isso é um risco, já que ela
não é do tipo que quebra regras, mas tiro o pacote de yakgwas
caseiros de dentro do bolso do meu blusão.
Helena dá um passo para trás.
— O quê?! Não podemos comer isso.
— Eu sei — digo rapidamente. — Se você quiser que eu jogue
fora agora, eu jogo. Mas… foi minha mãe que fez. São meus
favoritos e minha única lembrança de casa.
Desembrulho meus preciosos yakgwas e os estendo para ela,
usando toda a minha força de vontade para não os devorar sozinha.
Helena pensa, hesitante, então pega um pedacinho e o coloca na
boca, mastigando avidamente. Ela fecha os olhos.
— Você quer mais? — pergunto.
— Não. É muito bom, mas eu não deveria ter feito isso. Vou ter
que dançar por mais uma hora pra queimar essas calorias.
Faço uma reverência e embrulho os yakgwas novamente,
esperando que esse seja um passo rumo à paz entre nós.
— Se você quiser mais, é só pedir. Eles ficam guardados dentro
do meu violão.
Quero dividir um segredo com ela, caso isso nos aproxime.
Helena zomba, colocando seus fones de volta.
— Não vou querer mais. Eu tenho autocontrole.
Faço uma reverência e caminho até a porta.
— Ah, Candace? Essa é a segunda vez que você me interrompe
enquanto estou com fones de ouvido. Não faça isso de novo.
CAPÍTULO 13
Comendo bolinhos de arroz deitada

— Vamos direto ao ponto: você não tem talento algum pra dança,
e nunca terá — Binna diz, olhando dentro de meus olhos com as
mãos sobre os meus ombros.
Cruel, Binna.
— Uau, obrigada. A General já deixou isso bem claro.
Estamos em uma das salas de treino menores para nossa
primeira aula particular de dança. Este lugar mal tem espaço para
duas pessoas dançarem sem atingir o rosto uma da outra.
— Não, Candace, estou falando como amiga. O que eu quero
dizer é: não posso te dar o talento, mas posso te ajudar a
desenvolver algumas habilidades. Habilidades nunca vão te deixar
na mão.
Concordo com a cabeça, mas tenho minhas dúvidas. Muitos já
tentaram me ensinar habilidades de viola e falharam; por que isso
seria diferente?
— Segunda coisa. Se é pra eu realmente te ajudar, você não
pode ter medo de parecer ridícula na minha frente. Dá pra perceber
que é disso que você tem medo quando estamos dançando com o
grupo. Sei que nós não nos conhecemos há muito tempo, mas, se
vamos debutar juntas, precisamos avançar na nossa amizade. Você
pode até usar banmal comigo, se isso ajudar.
Fico boquiaberta. Aprendi que, para os coreanos, é um grande
passo receber permissão para usar banmal com um amigo mais
velho.
— Unnie, nem sei como…
— Certo, tudo bem, só me promete que vai confiar em mim como
uma amiga — Binna diz, oferecendo o mindinho.
Entrelaço meu mindinho com o dela.
— Prometo.
Binna coloca “Problem” no sistema de som, que tem todas as
cinquenta músicas aprovadas pela S.A.Y. pré-carregadas. Passei a
odiar essa música; o saxofone que toca durante toda a faixa
começou a soar como o mensageiro do meu apocalipse.
— Se solta, Candace! — Binna grita. — Mexe o corpo!
Balanço a cabeça. Transfiro meu peso de um pé para o outro e já
fico morrendo de vergonha.
— Vamos lá! — Binna diz. Ela começa a mexer seus braços e
pernas loucamente e empinar a bunda. Ela deve estar se
esforçando para dançar mal, mas ainda assim fica incrível.
Olho para minha imagem constrangedora no espelho. Digo a mim
mesma para balançar meus braços como uma idiota, mas não
consigo explicar, é fisicamente impossível. Estou convencida de
que, se eu agir como idiota, serei a mais idiota de todos os idiotas.
Qualquer coisa que eu fizer vai estar errada. Binna vai olhar para
mim e dizer “Esquece, eu desisto. Não há nada que eu possa fazer”.
Binna pausa a música.
— Hmm. Isso tudo é um bloqueio mental, Candace. Me diz: o que
você fez na sua audição? Claramente, Manager Kong viu alguma
coisa.
Minhas bochechas ficam vermelhas.
— Ah, aquilo. Não, aquilo foi sorte. Eu me fiz de palhaça e caí de
bunda.
— Então faça isso de novo, agora.
— Não consigo. Acho que só consegui fazer aquilo na hora
porque já tinha desistido. Eu só fingi que estava dançando com
meus melhores amigos. Aqui, tudo é tão…
— Qual é o nome dos seus amigos?
— Imani e Ethan.
Sinto meu peito doer de saudade.
— Feche os olhos e finja que eu sou Imani e Ethan — Binna
pede.
Fecho os olhos. Estou de volta ao meu quarto. Imani está
devorando kimchi direto do pote. Ethan está todo exagerado, como
sempre. Procuro “Problem” no YouTube. Imani está jogando o
cabelo. Ethan está rebolando na minha cama. Então ele faz um
duck walk. Estou pulando ao redor do quarto, fazendo meus passos
fajutos de vogue, interpretando a letra sempre que posso. Quando o
saxofone toca, finjo estar com ele nas mãos e toco
apaixonadamente.
Quando abro os olhos, a música terminou e Binna está rolando
no chão, rindo.
Eu sabia. Ela pode até ter dito eu deveria dar uma de idiota, mas,
quando ela realmente me viu, foi demais para ela.
Ela esfrega as lágrimas e olha para mim.
— Candace, isso foi ótimo.
Faço uma careta e chacoalho a cabeça.
— Não, é sério! Você manda bem e tem bastante carisma.
Aquele saxofone… nossa, você precisa fazer isso no stage. Vai
arrasar. E dá para ver que você gosta de fazer movimentos de
vogue e waacking. Esse estilo não é comum em coreografias de K-
pop, mas posso colocar um pouco na nossa apresentação.
Começamos os trabalhos. Ela me incentiva a ir em frente e
extravasar – “liberar geral”, ela diz. Toda vez que quase acerto o
rosto dela com meu braço, ou caio enquanto dou um giro, ela grita
“Orlchi!”, como se eu estivesse fazendo o maior favor do mundo
para ela.
— Podemos até colocar energia demais em uma boa
performance — ela explica —, mas não podemos fazer uma
performance sem energia alguma.
Durante nossa sessão de cinco horas, ela grita repetidamente:
— Estamos nos divertindo! Estamos nos divertindo!
E, depois de um tempo, isso vira verdade. Estou me divertindo.
No fim, desabamos no chão, exaustas. Binna me dá um high five.
— Logo, logo, você vai arrasar nessa coreografia. Vai ser como
comer bolinhos de arroz deitada.
— O quê? — pergunto.
— Ah, acho que você não conhece esse ditado. Quer dizer que
tudo isso vai ser fácil pra você um dia.
— Ah, entendi. Tem um ditado parecido lá onde eu moro. Nós só
dizemos “mamão com açúcar”.
— Hmm — ela parece intrigada. — Mamão só com açúcar? Mais
nada?
Solto uma risada.
— Hmm, é uma boa pergunta.
CAPÍTULO 14
A arma secreta

Para minha primeira aula de comportamento e boas maneiras,


Manager Kong me leva até o quinquagésimo andar do prédio, onde
fica o escritório enorme e iluminado de madame Jung. No elevador,
Manager Kong explica que madame Jung é a diretora de
comunicações globais da ShinBi.
Madame Jung é o ser humano mais elegante que já vi. Eu diria
que ela é mais velha que umma e abba, mas é difícil dizer – seu
rosto não tem rugas e está coberto por uma maquiagem tão branca
que a deixa parecendo uma vampira. Ela está vestida de preto dos
pés à cabeça.
Madame Jung mal levanta a cabeça quando entro na sala. Ela
está respondendo a e-mails em sua mesa imaculadamente
organizada. Atrás dela há uma vista de tirar o fôlego do horizonte de
Seul.
— Entre, senhorita Park — ela diz. — Sente-se.
Sento-me com as mãos dobradas modestamente sobre o meu
colo. Tento ficar o mais ereta possível e cruzo as pernas, joelho
sobre joelho.
— Odeio tudo no jeito como você está sentada — Madame Jung
diz, suspirando. — Você é desleixada como qualquer americano. E
por que suas pernas estão cruzadas? Pernas cruzadas não são
nada elegantes. Ugh, não quis dizer que você deve afastar as
pernas. Grude seus joelhos e tornozelos e gire seus pés para um
lado, qualquer lado. Não está ótimo, mas melhorou.
Madame Jung então me ignora pelo que parece uma eternidade.
Ela digita sem parar em seu teclado e atende duas ligações.
Continuo absolutamente imóvel, congelada na mesma posição.
Minhas costas e meus ombros começam a doer. Eu me pergunto se
são apenas meus músculos de garota coreana educada ficando
mais fortes.
— Quando você está com uma pessoa importante ou em uma
aparição pública como idol — ela começa, e levo um segundo para
perceber que ela está falando comigo de novo —, você está
representando não apenas a si mesma, mas também a esperança
do povo coreano. Você é a manifestação do melhor que esse país
pode produzir. — Ela tira os olhos do computador e me olha
cuidadosamente dos pés à cabeça. — Você precisa se dedicar mais
à sua aparência. Não estamos nos Estados Unidos, onde você pode
andar por aí toda desleixada. Manter a sua melhor aparência é um
sinal de respeito e caráter, entendeu?
— Sim, madame Jung — respondo, com a voz levemente
trêmula.
Madame Jung tira uma sacola debaixo de sua mesa.
— Felizmente, sua pele é naturalmente bem clara, mas um idol
deve ter uma pele branca, o mais próximo do ideal possível. — Ela
tateia o interior da sacola e tira de lá um elegante tubo branco que
me faz pensar em Gwyneth Paltrow. — Da próxima vez que você
vier, use essa combinação de BB cream e base. Cosméticos
coreanos são os melhores do mundo, não acha?
— Sim, madame Jung — digo, me lembrando de todos os
tutoriais de dez passos de K-beauty que vi no YouTube com Imani e
Ethan.
— Este produto é bastante requintado — madame Jung continua,
orgulhosa. — É fabricado pela linha de cosméticos da ShinBi,
GlowSong. É maquiagem e tratamento para a pele em um produto
só. É tão eficiente que não preciso mais usar nenhuma outra
maquiagem. O que você acha disso?
Fico boquiaberta. O que eu estou realmente pensando é
“Senhora, seu pescoço é no mínimo três tons da Fenty mais escuro
que seu rosto. Sem maquiagem, é? Hm… dá para perceber”. Em
vez disso, consigo murmurar:
— É incrível, madame Jung.
Com um sorriso satisfeito, madame Jung estende o tubo em
minha direção. Eu me inclino para recebê-lo com uma reverência,
mas ela o arranca de volta.
— Ora, tenha modos. Na Coreia, recebemos presentes com as
duas mãos.
— Desculpe-me, madame Jung — murmuro, enquanto me
levanto para receber o tubo com as duas mãos. Mas então ela o
arranca novamente.
— Sério? Você vai simplesmente aceitá-lo? Assim mesmo?
Madame Jung só pode estar de brincadeira comigo. O que diabos
estou fazendo de errado?
Ela suspira.
— É tão rude que você aceite minha gentileza assim tão fácil.
Você deveria recusar minha generosidade três vezes. Diga “não
posso aceitar!”, “isso é um presente e tanto!”. Porque, sendo
sincera, este é mesmo um presente e tanto. Vamos!
Eu me sento novamente e digo:
— Oh, meu Deus, não posso aceitar um presente tão refinado.
Por favor, ofereça-o a alguém que realmente o mereça.
Madame Jung suspira impacientemente.
— Eu insisto. Você deve usá-lo pra ficar mais bonita.
Depois de recusar mais duas vezes, eu me levanto, faço uma
profunda reverência e estendo as duas mãos.
— Eu usarei este requintado presente diligentemente para que
um dia eu seja tão bonita quanto a senhora.
Madame Jung gargalha:
— Tá bom, tá bom, não exagere.
Balanço a cabeça, tentando parecer atenta, mostrar que estou
ouvindo cada palavra.
— Por que você está me olhando desse jeito? Ocidentais são tão
agressivos com seu contato visual. É muito desconcertante, parece
que você quer algo de mim. Quando falar com um superior, só faça
contato visual dez por cento do tempo. Olhe pra baixo.
Outros quinze minutos torturantes se passam.
— O.k., isso é tudo por hoje. Na próxima semana, venha com um
rosto mais bem-cuidado. E, jebal, use um vestido ou uma saia.
Faço uma reverência e caminho o mais rápido possível para a
área onde devo esperar Manager Kong para que ela me leve de
volta para o dormitório. Fecho os olhos e repito as últimas palavras
que umma me disse na recepção: “Você é tão preciosa. Ninguém
aqui pode definir seu valor”.

***

Nossa primeira aula formal de canto só acontece na sexta-feira da


segunda semana. Acompanhadas pela Manager Kong, entramos
em um estúdio de gravação de ponta no andar corporativo,
completo com uma iluminação especial, isolamento acústico nas
paredes, cinco suportes para partitura com microfones e fones de
ouvido alinhados em círculo e uma cabine de mixagem de som onde
os produtores ficam.
Estou entusiasmada e nervosa. Entusiasmada porque é um lugar
onde eu realmente posso brilhar, e nervosa porque o nome do
nosso instrutor de canto é Clown Killah. De acordo com Manager
Kong, ele é o braço direito do principal produtor da S.A.Y., Chang-y, e
é o principal diretor musical das gravações dos trainees. Com um
nome desses, imagino que ele tenha um rosto todo tatuado ou algo
do tipo. Mas Clown Killah na verdade faz o tipo nerd descolado, com
sua camisa abotoada até a garganta, óculos hipster e um chapéu
branco e moderno – alguém que você poderia apresentar para os
seus pais.
Da cabine do produtor, Clown Killah diz:
— Antes de começarmos a trabalhar em “Problem”, vocês
gostariam de ouvir o que Chang-y e eu estamos preparando para o
próximo comeback do SLK?
Todas nós surtamos.
— Sim, produtor Clown Killah!
Ele toca dez segundos de uma batida muito boa. A faixa é densa
e rica, literalmente como dinheiro – como sacos com moedas de
ouro sendo jogados sobre uma mesa várias vezes. As outras
garotas fazem de tudo para expressar seu entusiasmo.
— Senhor Clown Killah, isso com certeza vai ser o próximo
Perfect All-Kill número 1 do SLK — Helena diz. — Espero que
possamos gravar um hit que seja um décimo tão maravilhoso como
esse se tivermos a grande sorte de debutar!
Clown Killah ri e distribui nossas folhas com as letras, que estão
todas marcadas para mostrar quem canta cada parte. Como
vocalistas principal e líder, JinJoo e eu cantamos a maioria das
estrofes e pré-refrões, enquanto as outras harmonizam. Depois
Binna e Helena dividem a parte do rap da Iggy Azalea, para a qual
elas escreveram uma letra que mistura coreano e inglês –
“Konglish”.
Quando canto meus primeiros versos, meu corpo inteiro formiga.
Minhas colegas de time arregalam os olhos, chocadas; Binna faz um
sinal de positivo. Nunca ouvi minha voz em uma música produzida
profissionalmente, e é como se meu cérebro estivesse mergulhado
em meu refrigerante favorito.
— Candace, isso foi muito, muito bom — Clown Killah diz. —
Você se encaixa perfeitamente na harmonia que elas aperfeiçoaram
por anos. Eu estava preocupado com esse time depois que
perdemos EunJeong, mas agora acho que você pode ser a arma
secreta do Time 2. Sua voz tem um carisma muito especial. Muitas
pessoas conseguem imitar Mariah Carey, como a JinJoo, mas nem
todas as vozes são… únicas como a sua.
Olho para JinJoo como que pedindo desculpas. Ela parece estar
em pânico.
Cantamos a música pelo menos mais vinte vezes, começando e
parando bastante, na maior parte das vezes para que Clown Killah
corrija o tom de Aram ou peça para Binna cantar com mais força.
Cada momento é como o paraíso para mim. Deve ser assim que
Tommy se sente no campo de beisebol e Binna em uma pista de
dança. Então é assim que é saber que você é boa em alguma coisa
e que todos podem ver isso também. Não consigo deixar de me
ressentir com umma por ter me privado desse sentimento todos
esses anos.
— Uau — Clown Killah diz ao final da sessão, piscando
maravilhado. — Uau, uau, uau. Preciso perguntar: não seria melhor
se nós trocássemos a vocalista principal e a vocalista líder?
— Eu não poderia, JinJoo está fazendo um ótimo trabalho —
digo, ofegante, enquanto faço uma reverência. — Obrigada,
produtor Clown Killah.
Manager Kong, que estava no canto olhando seu celular, levanta
a cabeça e sorri para mim.
— Escutem, meninas — ela diz. — Assim como Binna lidera os
treinos de dança do grupo, Candace é sua nova líder no quesito
vocal. Quando vocês não estiverem com um produtor, podem pedir
conselhos a ela.
Olho para o rosto pálido de JinJoo novamente. Ela parece
totalmente atordoada, como se seu mundo tivesse virado de cabeça
para baixo. Sinto uma mistura complexa de entusiasmo por mim
mesma e culpa por JinJoo – ela tem sido tão legal comigo até agora,
mas nesse momento me pergunto se ela está amaldiçoando o dia
em que pisei na sede da S.A.Y.
Ao lado dela, Helena me encara com tanta intensidade que
parece estar tentando fazer minha cabeça explodir com sua mente.
Mesmo que ela seja assustadora, eu me forço a encará-la de
volta até que ela desvie o olhar primeiro.
CAPÍTULO 15
Tortura de esperança

Na segunda-feira seguinte, eu consigo sobreviver ao treino em


grupo sem que Manager Kong grite comigo. Eu treinei sozinha o dia
inteiro no domingo. Ainda não consigo acompanhar as partes mais
difíceis da coreografia, mas melhorei o suficiente para que Aram
diga “Bom trabalho!” no final, o que, vindo dela, me faz sentir tão
bem como se me dissessem que eu fui escolhida para aparecer no
MV solo do One.J.
Mas JinJoo passa o treino inteiro mole, arrastando seus braços e
pernas como macarrão a ponto de Binna ter que gritar com ela para
que se recomponha ou saia. JinJoo consegue melhorar um pouco,
mas está prestes a chorar o tempo todo.
Parece que toda a confiança que ganho está sendo sugada de
JinJoo, como se eu fosse um tipo de parasita.
À noite, durante nosso tempo ao ar livre, Binna e eu ficamos na
parede de acrílico, olhando as ruas de Seul. Está ridiculamente
abafado aqui fora – é a temporada das monções na Coreia –, mas a
vista ainda é incrível. Garotas conversam e cantam atrás de nós,
mas vejo JinJoo sentada em um banco sozinha, olhando para o
chão.
— Ela vai ficar bem? — pergunto.
— Sim — Binna diz. — Todas nós passamos por momentos
difíceis. Horas em que dá vontade de desistir.
— Eu me sinto tão culpada. Depois do que Clown Killah disse…
— Não se culpe. Esse é seu sonho também.
Olhamos mais uma vez a silhueta de JinJoo – ela está curvada,
com uma aparência trágica.
— Eu amo a JinJoo — Binna diz. — Treino com ela há muito
tempo. Mas às vezes sinto que não a conheço direito também. Ela é
uma criança K-pop. A mãe dela, que a criou sozinha, é uma
daquelas mães extremistas do K-pop. Antes mesmo que ela
pudesse andar ou falar, já foi matriculada em academias intensas
para idols. A mãe dela até a levou pra fazer cirurgia plástica assim
que ela fez catorze anos.
— Sério?
— Sério. Tipo, é insano. JinJoo é coreana, mas é como se ela
fosse mais estrangeira pra mim do que estrangeiras de verdade,
como você ou a Helena. Ela treinou tão intensamente pra ser uma
idol a vida inteira que não sabe de coisas que todo mundo deveria
saber, como o partido do nosso presidente. E ela nunca fez certas
coisas normais que todos costumam fazer –, tipo ir ao cinema com
amigos ou algo assim. Olha, eu sou uma trainee há dez anos, mas
faz só um ano que moro aqui. Antes disso, terminei o ensino médio
e morava com meus pais. Mas o caso da JinJoo é diferente. Imagina
a intensidade disso aqui, mas durante sua vida inteira.
Estou chocada.
— Binna. Você é trainee há dez anos?
— Não na S.A.Y. Mas, contando tudo, sim. Comecei em uma
agência pequena, mas nunca consegui debutar. Depois de alguns
anos, eu fui para uma das outras quatro principais agências e treinei
pra debutar com o QueenGirl, na verdade. Fui escolhida pra debutar
com elas, mas, no último segundo, a empresa recrutou a WooWee e
ela pegou o meu lugar.
Fico boquiaberta. WooWee, Center e Face do QueenGirl? Tento
imaginar Binna no QueenGirl em vez de WooWee, mas não consigo.
WooWee é minha ultimate bias das idols e tenho me preocupado
pensando no que vai acontecer com ela se o QueenGirl acabar por
causa do escândalo envolvendo Iseul e HyunTaek.
— Depois disso — Binna continua —, fui transferida para a S.A.Y.
logo que eles começaram a aceitar garotas como trainees, quando
ainda era uma agência pequena. Foi antes do SLK debutar e a S.A.Y.
ser comprada pela ShinBi.
— Não consigo nem imaginar como é treinar por tanto tempo —
digo —, estou aqui faz só duas semanas e já parece uma vida
inteira.
Binna se vira para olhar para mim, seu cabelo preto flutuando ao
vento.
— Sabe qual é a sensação? É como hwemang gomun.
— O que isso quer dizer?
Binna explica cada parte da frase e entendo que significa algo
como “tortura de esperança”.
— Você nunca sabe se uma empresa vai te escolher pra debutar,
ou dizer que você não tem o visual certo, ou se vão te escolher, mas
cancelar o debut do grupo no último minuto — Binna diz, encarando
o horizonte. — Todas essas coisas aconteceram comigo. Eles
mantêm sua esperança viva, dizem “se esforce mais, perca um
pouco de peso, faça cirurgia plástica”. E o tempo todo, você não tem
qualquer certeza sobre o seu futuro, e a cada ano que passa, é
menos provável que você debute.
Um peso se forma no meu peito. Eu me sinto tão indigna, como
se não tivesse sofrido o suficiente. Mas sei que quero estar aqui
também.
Enquanto isso, me comprometo a ser uma boa amiga para
JinJoo. Vou até ela para me sentar ao seu lado no banco. Pergunto
qual é seu rap favorito do Wookie – seu bias do SLK, o que é uma
escolha e tanto – e ela se anima imediatamente. Parece que ela tem
muito a dizer se você tirar um tempo para perguntar.
CAPÍTULO 16
Pepero

Na última hora da aula de coreano, estamos só eu e YoungBae na


frente da sala depois que todos os alunos mais avançados já
saíram. A professora Lee está ensinando como devemos falar com
o CEO Sang na nossa avaliação.
— Vocês dois são os que mais me preocupam em termos de se
envolverem em um sago.
Sempre achei que sago significasse “acidente de carro”, mas,
pelo visto, também significa “passar por um momento constrangedor
em público”. Não deixa de ser um tipo de acidente, eu acho.
A professora Lee nos diz que, em caso de dúvida, devemos falar
com o CEO Sang usando estrutura frasal indireta. É uma forma
humilde e super-respeitosa de falar. Se ele por acaso me elogiar,
não devo simplesmente dizer “Me esforcei bastante e estou
orgulhosa de mim mesma”. Ela faz um X com seus antebraços.
— Não digam isso. Kanye West pode até falar coisas desse tipo
nos Estados Unidos, mas, na Coreia, nossos idols diriam algo como
“Parece que talvez eu tenha mesmo me esforçado bastante, e
parece que estou feliz que nossa apresentação pareça ter sido boa”.
Minha caneta está deslizando sobre as linhas do caderno. Meus
olhos se voltam para YoungBae. Pelo amor de Deus, como ele é
lindo. Seus olhos estão inchados, mas isso só faz ele parecer mais
devastador, e aquela mecha de cabelo na testa dele sempre acaba
comigo. Enquanto a professora Lee está escrevendo frases no
quadro, YoungBae tira uma caixa do bolso de seus jeans.
É uma caixa vermelha de Pepero, um doce popular coreano que
vendemos na loja da minha família. São longos biscoitos em forma
de palito mergulhados em chocolate. Deliciosos. Como foi que
YoungBae conseguiu uma caixa deles?
Com os olhos ainda nas costas da professora Lee, ele estica seu
longo braço através da Linha do Gênero para oferecê-los a mim. Eu
lanço um olhar na direção dele. Não posso aceitar. Mas ele
chacoalha a caixa uma vez, insistente. Eu me viro e olho para a
porta para ter certeza de que nenhum executivo ou manager está
passando – a barra está limpa – e pego a caixa, mais para que ela
não fique à vista do que qualquer outra coisa. Eu a coloco no estojo
que Ethan me deu e a professora Lee vira para nós bem no
momento em que o fecho.
— Alguma dúvida? — ela pergunta, sorrindo alegremente para
nós.
— Não, professora Lee! — YoungBae e eu respondemos em
uníssono.

***

À noite, depois que as outras garotas caem no sono, eu acendo a


luzinha que fica presa à grade da minha cama e abro meu estojo,
fingindo que estou fazendo minha lição de casa de coreano como
sempre. Meu coração dispara quando vejo que o Pepero ainda está
lá; não foi uma “ilusão de trainee” – uma alucinação – sobre a qual
eu já ouvi outras garotas falarem. Eu abro o pacote, praticamente
sentindo o gosto delicioso e não muito doce dos Peperos.
Mas nenhum cookie sai da caixa, que é surpreendentemente
pesada. Em vez disso, um cartão plástico com um longo cordão
preso a ele – um desses crachás de identificação que os managers
usam ao redor do pescoço – cai na minha mão. Depois, um celular.
Um daqueles celulares antigos que as pessoas usavam antes de eu
nascer.
Onde ele conseguiu essas coisas?
Mordo meu punho para não gritar. O crachá pertence, ou
pertencia, a um aprendiz de manager de cara ranzinza chamado
Pak DongHo. É muita ousadia de YoungBae roubar um desses. Não
consigo imaginar a confusão em que vou me meter se alguém
encontrar esses objetos contrabandeados.
Apesar de eu não estar entendendo nada, fico animada para
caramba. Um garoto lindo gosta de mim! Acho que isso nunca
aconteceu comigo antes (a menos que você conte o tempo em que
Ethan e eu namoramos por uma semana). Um garoto não passa
uma caixa extremamente proibida de Pepero para uma garota
através da Linha do Gênero a menos que goste dela.
O celular antigo é daqueles que abrem, o que é meio fofo.
Encontro o botão de ligar. O celular faz um barulhinho de sino
quando acende. Aram se vira em sua cama e eu cubro a cabeça
com meus lençóis enquanto olho as duas novas mensagens na
minha caixa de entrada!

(1/2) oi candace. aqui é youngbae o trainee.


n tenho carregador p/ esse cel estranho
entao pfvr abra ele só 1x por dia

(2/2) o cartao abre a porta do terraço. vou te


mandar mensagem qdo for seguro te
encontrar. esse lugar tá me deixando louco
kkkk

Estou tão entusiasmada que prendo a respiração. Escrevo uma


resposta – demoro uma eternidade para digitar no teclado numérico.
Queria que houvesse emojis nesse celular antigo para que eu
pudesse me comunicar direito, mas…
Como você conseguiu essas coisas? Por
que me deu elas?

A chance de ele estar com seu próprio celular contrabandeado


aberto agora é pequena, mas espero por um tempo para o caso de
ele me responder de cara. Eu checo a bateria, que está quase
metade vazia. Ou metade cheia, sei lá.
O celular vibra duas vezes. Abafo meus gritinhos animados com
MulKogi.

(1/2) muitos trainees morreram p/ conseguir


esses itens. zuera, mas quase. dei eles p vc
porque parecia que vc precisava de 1 amigo
aquela vez q eu te vi

(2/2) no domingo no refeitorio. vc parecia


aquela menina do chamado. eu sei como é
isso kkkk entao…

Um amigo? Então ele só sente pena de mim. Meu coração


murcha um pouquinho. Eu amo Binna e JinJoo e algumas das
garotas dos outros times, mas, como um trainee novo dos Estados
Unidos, YoungBae é o único que realmente sabe o que estou
passando. Digito:

Entendi. Animada. :)

E, imediatamente, ele responde:

Ok desliga o celular. ligue ele 1x toda noite.


boa noite.
Eu digito “bons sonhos”, o que é literalmente a coisa mais brega
que já escrevi em uma mensagem. Culpo o celular esquisito e o
desligo. Enrolo a alça do crachá em volta dele e guardo os dois em
cima do azulejo no teto alguns centímetros acima da minha cabeça.
CAPÍTULO 17
Mãos educadas

Às cinco para a meia-noite, checo o corredor das salas de treino


para ter certeza de que o caminho está livre. Como sempre, Helena
está treinando em uma delas, mas ela está ocupada demais
praticando expressões faciais – piscando e fazendo biquinho em
frente ao espelho – para perceber eu me esgueirando por aí. Dou
uma olhada para atrás de mim para ter certeza de que JiHoon não
está espreitando os corredores como um capanga de Missão
impossível.
Essa é a última coisa que eu deveria estar fazendo em uma noite
tão perto da avaliação. Se eu for pega, acabou para mim. Mas, por
alguma razão, não ver YoungBae não é uma opção. Prendo a
respiração e subo a escada que vai até o terraço. Minhas mãos
estão suadas quando as coloco dentro das minhas roupas de baixo
para pegar o crachá – que não coloquei no bolso das calças para o
caso de eu encontrar um aprendiz de manager no corredor e ele me
mandar revirar os bolsos ou algo do tipo… o que literalmente nunca
aconteceu, mas esse lugar deixa qualquer um paranoico.
Aproximo o crachá do scanner, ainda prendendo a respiração. A
porta se abre com um clique. Lá fora, no ar abafado da noite, espero
um alarme alertar todos os guardas no prédio inteiro, e eles virão
atrás de mim com lanternas e armas de eletrochoque. Mas, sem
dezenas de garotas conversando, o jardim tem uma atmosfera
misteriosa e está quase todo escuro – só vejo sombras projetadas
pelas luzes da cidade abaixo de nós. Tudo o que ouço é o zumbido
distante do trânsito.
Fico olhando a porta de metal enferrujado no meio do Muro do
Gênero de concreto. Está quente aqui fora, mas estou tão nervosa
que, na verdade, sinto um pouco de frio. Eu poderia ser descoberta
por um aprendiz de manager ou por um segurança a qualquer
momento.
Tenho checado o celular toda noite, e geralmente há uma
mensagem de YoungBae dizendo “hoje ñ. o manager está no meu
pé. ñ responda, economize bateria”, mas, na noite passada, ele
finalmente escreveu “ok podemos nos ver amanhã meia-noite, yay”.
Mas depois de vinte minutos esperando, imagino que alguma
coisa deva ter dado errado. Eu me viro para voltar para o dormitório
quando ouço um clique alto. O scanner no Muro do Gênero brilha
em verde. A porta abre e uma silhueta alta atravessa a porta. Eu me
preparo para correr no caso de ser um adulto…
— Mano, você conseguiu — diz a sombra, em inglês.
— YoungBae? — sussurro.
— Fiquei com medo de você amarelar.
YoungBae pisa em um feixe de luz laranja, que reflete em seu
cabelo ondulado e ilumina seu maxilar afiado. Sinto suor escorrer
por minha testa enquanto meu coração dispara.
— Eu é que estava te esperando — sussurro. — Isso é loucura.
— Desculpa o atraso. Estou cheio de problemas com meu
manager agora. É por isso que estamos aqui. Recebi outra
advertência.
Ele desenrola uma mangueira escondida atrás de um vaso de
bonsai.
— Como assim?
— Quando recebo uma advertência antes do almoço, me fazem
limpar o banheiro, o que é horrível. Quando recebo uma advertência
depois do almoço, me fazem regar as plantas do terraço. — Ele
mostra seu próprio crachá de identificação. — O sr. Jeon, um dos
zeladores, me empresta o dele.
— E o meu? — pergunto, olhando a foto ranzinza de DongHo.
— Um dos meus colegas de time, WooChin-hyung, encontrou
esse crachá faz um tempo e o entregou para mim quando foi
cortado do programa de trainees no mês passado. Nunca foi
desativado, pelo jeito. Esses celulares antigos e baratos WooChin
trouxe de fora pra mim. Você não vai querer saber o que eu tive que
fazer pra ele como agradecimento…
— Ah, não — digo. — O quê?
Ele faz uma cara de quem vai vomitar.
— Tive que massagear os pés dele toda noite.
— Ugh, eca! — digo, rindo. Agora sei o que YoungBae teve que
fazer por mim. Os pés de qualquer trainee ficam nojentos e
estourados; quer dizer, é só olhar para os meus. Voltei a ter
esperanças de não estar na friendzone.
É incrivelmente libertador estar falando em inglês. Eu me sinto
livre e leve, como quando tiro os pesos dos tornozelos depois de um
dos exercícios da General. Conversamos sobre os treinos absurdos
que estamos fazendo antes da avaliação, que vai acontecer em
alguns dias. Eu descubro que ele, assim como eu, é o maknae de
seu time e que seus hyungs – a versão masculina de unnies – o
atormentaram no começo também.
— Que tipo de coisa suas unnies têm aprontado? — ele
pergunta.
— Bom, duas delas continuam jogando lixo no meu travesseiro
todo dia.
YoungBae ri.
— Putz, que saco. Meus hyungs fizeram isso comigo no começo
também. É um tipo de regra esquisita dos coreanos que o maknae
tem que jogar o lixo fora para os mais velhos. Mas no seu
travesseiro? Isso é cruel demais. Meus hyungs pelo menos tinham a
decência de colocar o lixo no meu armário.
— Como você fez eles pararem?
— Conquistei o respeito do time depois de um tempo.
— Como?
— Primeiro, eu ganhei do meu hyung mais cruel, YoonSoo, em
uma partida de queda de braço, e agora estamos de boa.
— Acho que isso não vai dar muito certo comigo.
— A outra coisa foi a minha primeira avaliação mensal. Eu fiz uns
passos novos, o que pareceu causar uma boa impressão. Quando
perceberam que eu estava levando o treinamento a sério e não
estava só de brincadeira, eles pararam de me atormentar.
— Ah. Bom, minha manager e a General me disseram que sou a
pior dançarina que elas já viram. Elas me deixam no canto sem
fazer nada enquanto as outras garotas treinam o dance break.
YoungBae acidentalmente derrama água sobre o colo.
— Droga!
Eu rio e ele joga água em mim por rir. Eu grito e saio correndo.
— Para com isso!
— Mil desculpas, minha mão escorregou — ele diz, fazendo uma
reverência profunda. Ao terminar de regar as plantas, ele recolhe a
mangueira.
— Não sei o que fazer — digo —, eu realmente acho que vou ser
expulsa depois dessa avaliação.
— Bom, não podemos deixar isso acontecer — YoungBae
responde, coçando o queixo. — Se você não é a melhor dançarina,
precisa pensar em alguma outra coisa que te ajude a se destacar.
— Acho que o melhor que posso fazer é deixar a dança
engraçada. Fazer umas caretas divertidas e coisas do tipo. Mas
nossos stages são tão planejados. Acho que as managers e as
unnies não vão gostar se eu fizer isso.
— Deixa pra lá e se divirta na apresentação. Meio tipo isso — ele
diz. Sem qualquer aviso, ele vai ao chão e faz um windmill, com
suas pernas cortando o ar como hélices e seu pé quase raspando
meu queixo. Ele volta a ficar de pé como se nada tivesse
acontecido, sem nem mesmo ficar ofegante.
Aplaudo e YoungBae faz uma reverência.
— Faça suas caretas — ele diz. — A gente está tentando ser
idols, e não, sei lá, advogados ou coisa do tipo. Todo mundo espera
que você seja meio exagerada, de qualquer jeito, por ser americana
e tudo mais.
Faço uma nota mental: SEJA ORIGINAL.
Eu paro e olho para ele.
— Por que você está parado desse jeito?
Agora que ele terminou de regar as plantas, YoungBae está
estático com os braços cruzados e suas pernas compridas
afastadas, como se ele estivesse secando seu colo molhado.
— Aprendi isso na aula de Comportamento e Boas Maneiras. Se
chama Pernas Educadas.
Ele explica que, como é muito alto, seu professor de
Comportamento e Boas Maneiras – que, para a sorte dele, não é
Madame Jung –, lhe diz que é educado, quando ele estiver
conversando com uma mulher, ficar parado desse jeito para que ele
não fique muito acima dela como se fosse um gigante assustador.
Pernas Educadas.
Sinceramente, eu até que gosto. Ele ainda fica mais alto que eu,
mas acho fofo que ele esteja tentando. Com seus ombros largos, ele
parece um X gigante.
— Ele também me ensinou uma coisa chamada Mãos Educadas.
— Ah, eu sei tudo sobre Mãos Educadas — digo.
Já vi fotos de idols homens posando com fãs mulheres em
Fansigns. Eles colocam seus braços ao redor das garotas, mas não
as tocam de fato – suas mãos apenas pairam alguns centímetros
sobre os ombros delas, ou sobre suas costas se eles estiverem “se
abraçando”.
— Isso não é quase mais rude do que apenas tocar alguém? —
digo. — É como se você achasse que garotas são radioativas ou
algo do tipo.
— É, tem muita coisa que eu não entendo sobre etiqueta coreana
— YoungBae concorda.
Ele abre mais as pernas. Suas Pernas Educadas ficam ainda
mais educadas, e agora estamos quase da mesma altura. Assim
que me concentro olhando para o rosto dele, devo ser atraída por
uma força gravitacional vinda de seus lábios ou algo assim, porque
me inclino para a frente – eu juro, é totalmente por acidente. Antes
que meus lábios possam tocar os dele, ele me pega e ri:
— Você está bem?
— Sim — digo, levando as mãos à cabeça. Estou um pouco
tonta. — Acho que só estou com fome.
Ele ainda está parado com as Pernas Educadas, mas colocou um
braço ao redor das minhas costas e uma mão sobre o meu ombro.
Minha mão está repousada sobre seu peito; ele não se moveu nem
um pouco depois que caí em cima dele – se manteve
completamente firme. É tão bom.
Ele sorri e nós fazemos contato visual por um longo segundo.
Seus olhos estão virando uma daquelas adoráveis linhas retas. Mas
então ele subitamente me empurra de volta para uma posição
normal e levanta as palmas para o ar.
— Ah, esqueci minhas Mãos Educadas. Mãos Educadas!
Nós rimos, mas, por dentro, penso que não vou me importar se
ele resolver usar Mãos Mal-educadas da próxima vez. Ou Lábios
Mal-educados.
Ou talvez seja minha vez de deixar a etiqueta de lado.
CAPÍTULO 18
Avaliação

Os absorventes costurados às axilas do meu uniforme escolar da


S.A.Y. estão realmente cumprindo seu papel. São sete da manhã do
dia da avaliação e estamos no estúdio do Popular 10 no terceiro
andar. Dá para pegar a tensão no ar com um par de jeotgarak. Eu
assisti a vários episódios de Popular 10 no YouTube antes de vir
para a Coreia – é um dos lugares favoritos do SLK para seus
comeback stages. Normalmente, o estúdio é cheio de luzes que
ficam piscando enquanto Kim SeungBum, estrela de cinema e
apresentador, anuncia as músicas mais populares da semana com
seu bordão “Nóóóóóós somos populares!”. Mas agora o palco está
totalmente escuro, com uma vibe de parque de diversões
abandonado ou algo assim.
Todo mundo está olhando ao redor do estúdio escurecido para
ver se o SLK está mesmo aqui. Eu vejo YoungBae no outro lado do
auditório, sentado com seu time. Ele está adorável e sexy – uma
combinação confusa, eu sei – em seu uniforme da S.A.Y., que é
composto por um blazer azul-marinho, uma gravata xadrez roxa e
calça justa cinza.
Estou sentada entre Binna e Aram, suando bastante nos
absorventes, que foram ideia de Binna para dar um jeito no meu
problema de transpiração. Manager Kong nos avisou que a
avaliação inteira duraria de treze a dezesseis horas. Já estamos
acordadas há três horas. CEO Sang aparentemente não gosta de
garotas com muita maquiagem, então acordamos às quatro da
manhã para tentar usar maquiagem o suficiente para parecer que
não estamos usando nada.
Às oito da manhã, uma batida estrondosa de música apocalíptica
soa no estúdio. As luzes do palco se acendem. Os trainees gritam
de pavor e depois aplaudem. A porta no fundo do palco se abre
devagar, com muita dramaticidade. Faíscas ofuscantes chovem do
teto enquanto um homem emerge da porta. Todos se levantam
rapidamente. O homem tem um cabelo escorrido brilhante e
artificialmente preto penteado para fora da testa. Apesar de ter
provavelmente quase a mesma idade que meu harabuji, ele está
vestindo as roupas mais descoladas que já vi – óculos de sol em
formato de meia-lua, jeans preto apertado, uma camisa feita de dois
padrões de xadrez contrastantes e sapatos prateados brilhantes.
Todas as pessoas reunidas no estúdio estão gritando, pulando de
cima para baixo, como se ele fosse o próprio One.J.
Esse só pode ser o CEO Sang.
— Obrigado, obrigado — ele diz, gesticulando para que todos se
sentem. — Trainees, em nome da S.A.Y., gostaria de agradecê-los
por todo o seu esforço durante este período intensivo de pré-debut.
Sei que alguns de vocês estão no limite, mas preciso pedir que se
esforcem ainda mais nos próximos meses. Só para que vocês
saibam o quanto isso é sério, deixe-me começar dizendo que o
primeiro girl group da S.A.Y. será o mais caro, mais hypado e terá o
mais ambicioso debut da história. Não só de grupos de K-pop, mas
de qualquer grupo musical no planeta. Com o sucesso esmagador
do SLK, que segue quebrando recordes, podemos investir para
chocar o mundo com o melhor girl group que a Coreia pode
produzir. Este será o grupo que vai destruir todos os outros girl
groups. É por isso que o conceito do debut de nosso novo girl group
será… — ele faz uma pausa dramática — dominação mundial.
Uma cena aparece na tela de projeção gigante atrás do CEO
Sang. É uma imagem de satélite da Terra, mas o planeta inteiro está
sendo apertado como uma bola de estresse na palma de uma mão
feminina com unhas perfeitas. No fim de cada dedo longo e delgado
há uma unha afiada pintada em uma cor vibrante diferente – há a
silhueta de uma garota desenhada sobre cada unha, representando
as futuras cinco integrantes.
Ouço um “Wahhhh!” coletivo de entusiasmo e suspiros ao redor
do estúdio. Meu estômago revira – é uma imagem forte, poderosa,
icônica. Examino os desenhos para ver se alguma das silhuetas se
parece comigo, mas nenhuma delas é de uma garota baixinha com
pernas atarracadas – são todas figuras femininas idealizadas, com
longas pernas, em poses estilo Sailor Moon.
Ouço Helena a dois assentos de mim.
— Daebak, é minha mão! — ela sussurra. — Bem que eu estava
curiosa pra saber por que o pessoal da área de criação queria me
fotografar apertando uma bolinha!
Ugh. De repente, gosto um pouco menos da imagem.
— Estivemos avaliando o progresso de vocês de perto para ver o
quão bem vocês se encaixam nesse conceito — o CEO Sang
continua. — Como esse vai ser o melhor girl group de todos, que vai
dominar todas as categorias, vamos quebrar todas as regras. O
primeiro single, que nosso produtor principal Chang-y e nosso
aprendiz de produtor Clown Killah estão aperfeiçoando há meses,
na verdade era para ser a música do próximo comeback do SLK.
A reação a essa notícia é ainda mais expressiva.
— Sim, vocês ouviram direito. Estou atrasando o comeback mais
esperado da história do K-pop para me certificar de que o debut
desse girl group quebre recordes. Seus sunbaenims do SLK
graciosamente sacrificaram esse hit que é garantia de um Perfect
All-Kill para o bem do grupo e da agência. Por que vocês não
agradecem seus sunbaenims agora?
Aram aperta o meu braço. Eu aperto o de Binna. Nós nos viramos
para o fundo do auditório, onde cinco figuras em roupas escuras
aparecem sem ninguém notar. Não conseguimos enxergar seus
rostos, mas meu coração explode como uma pipoca em um micro-
ondas. Não consigo acreditar que estou no mesmo ambiente que o
SLK. Nos curvamos na direção do grupo para agradecer suas
sombras profusas.
— Agora, sem mais delongas, vamos começar! Espero que essa
revelação do que está por vir motive todos vocês, trainees, a dar o
melhor de si nesta apresentação. Este é o seu teste mais importante
até agora.
Com isso, a avaliação finalmente começa. As garotas são as
primeiras, e os times estão se apresentando em ordem reversa,
começando com o Time 10. CEO Sang se senta em uma plataforma
elevada no centro da plateia, no estilo American Idol.
Estou fascinada ao ver as habilidades dos outros grupos pela
primeira vez. O Time 10 apresenta uma versão perfeita de “I Am The
Best”, do 2NE1. Luciana, a amiga brasileira de Helena da aula de
coreano, é a Center e Visual do time. Seu estilo de dança é
poderoso e sedutor. RaLa, do Time 6, arrasa no rap de “Up & Down”
do EXID – agora entendo por que ela está aqui.
Será que sou capaz de fazer o que essas garotas estão fazendo?
Estou fascinada pelo talento. Nervosa, mas entusiasmada.
Depois que os grupos se apresentam, o CEO Sang chama cada
integrante do time para subir ao palco sozinha e ser avaliada na
frente de todos. Eu logo percebo que ele é brutal, mais ou menos
como o Simon Cowell, do The X Factor, só que depois de muito
esteroide. Ele não fala apenas das habilidades das trainees
(“SooJung, se eu tivesse pagado para ver seu show, eu não apenas
pediria meu dinheiro de volta, como entraria com um processo por
danos morais”), mas também faz comentários cruéis sobre a
aparência das garotas, o que me deixa completamente horrorizada
(“MunHee, você comeu alguma coisa salgada noite passada? Por
que seu rosto está tão inchado?”). Ele faz algumas garotas subirem
em uma balança, que exibe seu peso exato na tela grande para que
todos possam ver. Inclusive o SLK. Esse processo todo leva horas –
alguns dos garotos, sabendo que ainda falta muito tempo para se
apresentarem, pegam no sono –, mas minha revolta me mantém tão
acordada quanto uma lata de Red Bull cheio de açúcar.
Fecho as mãos com força enquanto uma dezena de defeitos que
ele pode apontar no meu corpo rodeiam meu cérebro, roubando o
foco que eu deveria dedicar à coreografia.
Antes que o Time 3 suba ao palco para apresentar
“Abracadabra”, do Brown Eyed Girls, Manager Kong nos chama
para irmos com ela até os bastidores para nos prepararmos. No
camarim, Aram retoca a maquiagem. JinJoo aquece a voz. Binna e
Helena se alongam.
De repente, a realidade insana do que estou tentando fazer me
atinge de uma só vez. Nunca dancei na frente de uma plateia de
verdade antes. Nunca me apresentei na frente de um assustador
CEO coreano. E eu definitivamente nunca me apresentei na frente da
boy band mais popular do mundo.
Caminho até Binna e a puxo pelo pulso:
— Binna — sussurro, preocupada. — Vou fazer alguma coisa
errada. Tenho certeza. Vou estragar tudo.
Ela me agarra pelos ombros e me olha diretamente nos olhos:
— Não, você não vai — ela diz.
— Eu vou! Se você me perguntar agora mesmo qual é o primeiro
passo da coreografia, eu não vou saber te responder.
— Você vai saber quando a música começar. A gente ensaiou
bastante.
— É, você está certa — digo, sem ar.
— Além disso — ela diz, com um meio sorriso —, se nos sairmos
mal, fazer o que, né? Não é o fim do mundo, certo?
“Tente dizer isso para o CEO Sang ou para a Manager Kong”, eu
penso em dizer.
Formamos uma fila na coxia. Um pouco antes de Manager Kong
nos dar o sinal para entrarmos, Binna pisca para mim e sussurra:
— Estamos nos divertindo!
Pode ser só a minha imaginação, mas sinto que os aplausos que
recebemos quando subimos no palco são mais altos do que os
outros que ouvimos até agora. Aceno. Não me atrevo a olhar para o
canto distante ao fundo, onde dizem que os garotos do SLK estão
sentados – não consigo nem começar a pensar nisso. Eu passo os
olhos pela seção onde os garotos estão para procurar o rosto de
YoungBae, o que é fácil, porque ele está de pé gritando alguma
coisa; espero que seja algo como “CANDACE, SOU SEU FÃ NÚMERO 1!”.
Estou tão distraída pela plateia que me choco contra Aram. Ouço
risadinhas ao redor do auditório e Aram me lança um sorriso frio e
mortal. Ainda nem nos apresentamos e eu já fiz bobagem. E Binna
estava errada – estragar tudo vai ser o fim do mundo, sim, tenho
certeza.
Binna faz a contagem para a introdução que preparamos e
ensaiamos milhões de vezes. “Um, dois, três…”
— ANNYEONGHASEYO! NÓS SOMOS O AMÁVEL E TALENTOSO TIME 2! —
dizemos em perfeito uníssono com as vozes mais alegres e
femininas que conseguimos.
— Muito bem — CEO Sang diz no centro do auditório. Sua voz
viaja de sua plataforma diretamente até meus in-ears. — Eu estava
ansioso para ver o grande Time 2.
Silêncio total toma conta do estúdio. Prendo a respiração
enquanto nós cinco nos posicionamos em nossa formação inicial, eu
na extremidade ao lado de Aram, com minha mão sobre o quadril
projetado para fora. Por um breve segundo, sinto uma conexão com
as outras quatro garotas – até mesmo Helena –como nunca senti
antes na vida. Se vamos arrasar ou estragar tudo não importa,
estamos juntas nessa.
Finalmente, ouço os saxofones familiares do começo de
“Problem” saindo das caixas de som, e é como se eu tivesse
perdido todo o controle do meu corpo. A primeira estrofe da música
é minha e eu levo o microfone – quando foi que peguei um
microfone? – até a boca e solto a voz. A plateia solta um “uaaau!”
surpreso quando me ouve.
Então é para isso que treinamos dia e noite. Todos os
pensamentos, todos os planos, todos os mantras desaparecem do
meu cérebro e tudo que meu corpo tem a fazer é a coreografia que
praticou durante o curso de quatro excruciantes semanas. Estou
completamente, totalmente, absurdamente focada no que estou
fazendo. Só vejo as outras garotas na minha visão periférica. Não
tenho ideia se elas estão fazendo o que devem fazer, ou se eu estou
exatamente onde devo estar.
No primeiro pré-refrão, depois que JinJoo e eu soltamos uma
nota G alta e perfeitamente harmonizada, a plateia vai à loucura. Na
hora em que chegamos ao segundo refrão, vejo que todos os
trainees estão de pé – eles não fizeram isso para nenhum dos times
antes de nós. Eu me sinto como a Sininho ou a Lady Gaga – minha
essência brilha mais forte quanto mais aplausos recebo. Uma
energia flui por meu corpo.
Então vem o dance break: a parte em que devo ficar parada, sem
jeito, cantando minhas notas enquanto as outras quatro arrasam na
Killing Part da coreografia.
Mas alguma coisa toma conta de mim. Minhas mãos se curvam
ao redor de um saxofone imaginário e de repente é como se eu
estivesse possuída. Minhas bochechas inflam como um baiacu;
meus dedos deslizam sobre os botões invisíveis. Balanço todo o
meu corpo, empolgada. Estou tão absorta em meu saxofone
imaginário que saio do meu lugar ao lado das outras garotas e
atravesso o palco inteiro sozinha. Estou arrasando no meu
instrumento, e meu instrumento está arrasando comigo. A plateia vai
à loucura – não sei se é por causa das acrobacias insanas que
Binna está fazendo a alguns metros de mim ou se é pelo meu
animado, esquisito e bombástico solo de sax – nesse momento, não
me importo. Só quero soprar com toda a alma de Kenny G e Lisa
Simpson combinados.
Depois do meu solo, saio do transe e meu saxofone imaginário
desaparece. Corro para me juntar às garotas para a última parte da
coreografia. Estou tão cheia de adrenalina que, quando a canção se
aproxima do fim, sei que não tenho outra escolha: no final da
música, o combinado é que eu pose com a mão no quadril enquanto
todas as minhas colegas fazem espacates, mas, agora, preciso
fazer uma pose surpreendente e impactante.
Na última batida, é como se a gravidade me agarrasse pelas
costas da minha blusa de uniforme e me puxasse para o chão com
toda a sua força. Tudo que eu vejo é o labirinto de luzes no teto.
Sinto uma leve pontada no joelho, que está dobrado debaixo do
meu corpo, quando ouço uma onda de aplausos e gritos.
Fiz um death drop – ou pelo menos o que espero pelo amor de
Deus que tenha sido alguma coisa parecida com um death drop –
logo no final. Comecei a praticar esse passo logo depois do meu
encontro com YoungBae no sábado. Acho que foi o conselho dele
de “seja exagerada” que me deu essa ideia. Já vi algumas das
minhas drag queens favoritas em RuPaul’s Drag Race fazerem
death drops durante uma batalha de “Lip Sync For Your Life”,
jogando-se para trás em direção ao chão enquanto dobram uma
perna atrás de si mesmas para absorver o impacto. Não requer a
mesma flexibilidade que um espacate, mas pode ser tão
impressionante quanto.
Eu me levanto devagar. Meu joelho está doendo e estou vendo
estrelas, mas tudo bem, porque também vejo os outros trainees,
garotos e garotas, pulando e vibrando. Até o CEO Sang está
aplaudindo e sorrindo. Dou uma olhada no canto do auditório – as
cinco figuras escurecidas que supostamente são o SLK estão
pulando também.
Jogo meus braços ao redor da pessoa mais próxima – que, por
acaso, é a Helena – e grito em seu ouvido:
— Bom trabalho!
— Sim, sim, obrigada — ela arfa enquanto me afasta com as
mãos.
Pulo em cima de Binna e aperto ela o mais forte que consigo.
“Obrigada!” é a única coisa que consigo pensar em dizer.
— Você foi tão bem, Candace — ela diz, ofegante, enquanto
suamos uma sobre a outra.
— Uau! — o CEO Sang diz. — É isso aqui que eu estava
esperando!
Nós cinco nos curvamos profusamente e dizemos em uníssono:
— Obrigada, CEO Sang!
— O que as managers têm dito talvez seja mesmo verdade.
Talvez eu deva simplesmente debutar o Time 2 e acabar logo com
isso.
Ao ouvir isso, nós cinco gritamos e pulamos, abraçando umas às
outras mais uma vez. Ouvimos um grunhido das outras trainees e
um “uaaau” coletivo dos garotos pelo estúdio.
— Me parece que — CEO Sang diz, checando suas anotações —,
que… Candace, é isso mesmo?
Balanço a cabeça tão violentamente que meu pescoço dói.
— Park Candace, de Nova Jersey. Nova Jersey de Tony Soprano.
Não tenho absolutamente nada para dizer em resposta, então
faço mais uma reverência e digo:
— Sim, senhor.
CEO Sang continua:
— Eu não sabia se trazer uma americana a essa altura do
campeonato seria uma boa ideia, mas… todas menos Candace, por
favor saiam do palco por enquanto.
Então minha avaliação individual começa. Piso no centro do
palco enquanto as outras quatro voltam para a coxia.
— Você tem uma voz bastante impressionante — ele diz.
Faço uma reverência profunda.
— Gamsamnida. Parece que talvez eu tenha me esforçado
bastante e parece que estou feliz que nosso stage pareça ter sido
bom.
O CEO Sang balança a cabeça.
— Sua pronúncia é o.k., mas tem muito o que melhorar. Fãs
coreanos têm muito orgulho da nossa língua e esperam que até
mesmo idols gyopo falem corretamente.
Eu me curvo novamente.
— Parece que devo me esforçar ainda mais — digo.
— Ótimo. Agora vamos falar sobre sua performance, Candace-
shi.
Ele diz que meu canto é excelente — forte, moderno e perfeito
para gravar.
— Entretanto — ele diz —, suas habilidades em dança ainda
deixam muito a desejar. Você estava desalinhada e fora de
sincronia. Mesmo assim, não consegui tirar meus olhos de você.
Gostei bastante do seu… passo do saxofone. — Há risos calorosos
da plateia. — E aquele passo interessante que você fez bem no
final, quando você caiu no chão, eu nunca vi meus idols ou trainees
fazerem isso. Esse passo foi aprovado pela senhora Yoon?
Faço que não com a cabeça, mantendo os olhos fixos no chão.
Mas, quando eu olho para cima, para minha surpresa, CEO Sang
está fazendo um sinal de positivo.
— Seu passo me fez lembrar de um artista americano — ele diz.
— O modo como você estava disposta a sentir a música e ser
espontânea no palco. Ainda assim, quero ver você melhorar nas
habilidades básicas da próxima vez.
Mesmo que horas atrás eu tenha decidido que o CEO Sang era
um monstro misógino, a aprovação dele tem um efeito mágico sobre
mim.
— Agora, vamos falar do seu Visual. Você tem um rosto bem fofo.
Perto de suas colegas Aram e Helena, você definitivamente não é
do tipo “deusa” do K-pop, mas tem uma aparência alegre e
saudável. Consigo imaginar sendo popular com os fãs mais novos.
Eu daria qualquer coisa para ele parar de falar da minha
aparência. Que situação mais constrangedora.
— Mas acho que você consegue alcançar um outro patamar.
Você quer ser apenas fofa, ou quer ser um ícone fashion como a
Jennie, do Blackpink? Ou uma boneca viva como a Wonyoung, do
IZ*ONE? Ou uma rainha dos CFS como a Irene, do Red Velvet? Acho
que você deveria fazer plástica no nariz.
Minha cabeça balança por conta própria.
— Bae-jjae-ra — digo, abruptamente.
Sinto o oxigênio sair do auditório enquanto todos soltam um
suspiro de espanto. Cubro a boca com as mãos.
Devo ter perdido a noção. Eu disse mesmo isso em voz alta.
Acabei de dizer para ele abrir meu estômago – só por cima do meu
cadáver. Além disso, eu definitivamente não usei jondaetmal. Com o
CEO! Minha carreira no K-pop acabou.
— O que você acabou de me dizer? — ele pergunta, sério.
Eu me curvo várias e várias vezes.
— Sinto muito, muito mesmo. Mil desculpas. Simplesmente
escapou.
CEO Sang me surpreende ao sorrir – mas, dessa vez, é um sorriso
frio como gelo:
— Mesmo assim, imagino que o sentimento seja verdadeiro.
Você não quer fazer plástica no nariz? Mesmo que eu pague o
procedimento? Mesmo que isso leve seu Visual para outro nível?
— Sendo sincera, senhor, não — balbucio, encarando o chão.
— E por que isso, Candace-shi? É porque você acha que seu
aspecto Visual é perfeito como está?
— Não é isso, senhor — digo. — É só que… quero continuar
parecida com meu abba.
Um tsunami de risadas me atinge de todas as direções. Não
tenho ideia do que tem de tão engraçado no que eu disse.
Mas então me ocorre que, com meu coreano imperfeito, eu posso
ter acidentalmente dado a entender que eu me importo tão pouco
com minha aparência que não me incomodo de parecer um ajusshi
– um homem de meia-idade. Abro a boca para explicar o que quis
dizer, mas percebo que ainda não tenho o vocabulário para me
expressar.
O que eu realmente quero dizer é que eu tenho o nariz de abba –
é o que todos dizem. Quando éramos pequenos, Tommy costumava
me chamar de “nariz de batata”. Eu odiava meu nariz e, para ser
sincera, ainda não o amo. Já sonhei transformá-lo em um nariz
perfeito, refinado e delicado como o de Natalie Portman. Mas agora,
percebi que jamais vou fazer isso – não para agradar um CEO
qualquer, não para fazer parte de um girl group hypado, não para
fazer YoungBae ou mesmo One.J se apaixonarem por mim. Toda
vez que me olho no espelho, vejo o nariz de abba. Quando sorrio ou
rio, meu nariz fica mais largo, assim como o de abba. O rosto
grande de abba parece transmitir uma mensagem mais ou menos
como “Não vou te julgar. Você já é exatamente como deve ser”. Por
acaso existe honra maior nessa vida do que ter um pouco dessa
qualidade dele bem no meio do meu rosto?
— Você realmente tem um espírito americano — CEO Sang diz —,
mas precisa aprender mais do respeito coreano, Candace-shi.
Eu me curvo e peço desculpas várias e várias vezes.
— Mas, por enquanto, continue mais um pouco com sua
franqueza americana, porque tenho uma pergunta importante para
você. Como a mais nova integrante do melhor time da agência,
quais são suas impressões das suas colegas de time?
Essa é fácil.
— Cada uma delas é mais gentil e talentosa do que a outra —
digo.
— Certo, certo — CEO Sang diz, balançando a mão como se
estivesse pedindo para eu parar de enrolar. — Não estamos em um
programa de TV. Quero que você seja honesta. Se eu tivesse que
cortar uma integrante do Time 2 hoje, quem seria?
Há um murmúrio escandalizado na plateia. Meu corpo inteiro se
contrai.
— Eu não poderia cortar nenhuma delas — digo —, todas são
muito talentosas.
— Vamos logo, responda à pergunta, Candace.
— Eu diria que deveria ser cortada antes delas, senhor.
— Candace — CEO Sang diz, sério. — Se você não responder à
pergunta, eu realmente vou te cortar. Você está sendo
desrespeitosa. Me responda agora.
Bom, estou ferrada. Agora não tem escapatória. Lembro a lição
da minha primeira aula com Madame Jung: você deve recusar um
presente de um coreano três vezes; se eles insistirem, é hora de
ceder.
Fecho os olhos com força e digo, suavemente:
— Temo que minha escolha teria que ser Helena-unnie.
Ouço suspiros de choque na plateia. Abro os olhos novamente,
devagar. A cabeça de leão de CEO Sang se move para trás.
— Helena? Mas eu a considero uma das minhas melhores
trainees.
— Bom, então eu gostaria de mudar minha resposta de volta para
cortar eu mesma.
— Não, tarde demais. Agora preciso saber o porquê.
Consigo sentir Helena lançando mísseis infravermelhos de seus
olhos na minha direção. Eu gaguejo:
— Bom, me parece que Helena é ótima em todas as habilidades
que um idol deve ter, mas me parece que ela não é exatamente a
melhor em nenhuma delas… e seu objetivo não é criar o melhor girl
group?
Para minha surpresa, CEO Sang ri como se não pudesse estar
mais satisfeito.
— Você é mais durona do que parece, Candace-shi. Uma
verdadeira yeowoo.
Não tenho certeza, mas acho que ele acabou de me chamar de
raposa – basicamente o equivalente a uma mulher-lobo.
— Obrigada, Candace-shi, você me forneceu observações
fascinantes. Agora saia do palco para que eu possa falar com sua
unnie Helena sobre tudo isso.
O que foi que acabou de acontecer? Minha cabeça está girando
enquanto me dirijo até a coxia, onde minhas colegas estão
esperando. Não consigo olhar nenhuma delas no olho, mas eu sei
que é Helena que dá um puxão em meu ombro quando caminha até
o centro do palco para ser grelhada pelo CEO Sang.
No momento em que piso nos bastidores, Manager Kong agarra
meu pulso.
— O que diabos foi aquilo? — ela rosna, com dentes cerrados.
Ela me arrasta até a sala verde, onde as integrantes do Time 1,
incluindo BowHee, estão se aquecendo para a apresentação delas.
— Não sei o que deu em mim — insisto. — Desculpa!
— Como você pôde trair uma das suas colegas desse jeito? Uma
das minhas trainees?
— Ele perguntou três vezes! — explico, encarando o chão.
— E daí? De onde você tirou esse negócio de “três vezes”, sua
idiota? Você imitaria um pato se ele te pedisse três vezes?
— Eu não sei? — respondo honestamente.
Mas dá para perceber que Manager Kong acha que estou sendo
petulante. Ela enfia o dedo no meu peito:
— Você precisa aprender um pouco de respeito. Você acha que
só porque canta bem e sua apresentação foi boa, seu debut está
garantido? Que já é uma celebridade?
— Não, Manager Kong…
Ela me ignora e me arrasta até o elevador para o nonagésimo
oitavo andar, pelos corredores do andar corporativo e pelas escadas
até a porta de metal da área de treino das garotas, gritando comigo
o tempo inteiro, falando sobre como Helena tem se esforçado mais
do que eu por anos, que eu não sou metade da trainee que ela é.
Manager Kong me empurra para dentro do meu quarto e acende
as luzes. Eu massageio meu pulso.
— Acabou — Manager Kong diz, friamente. — Acabou pra você.
O quê?
— Me desculpe, Manager Kong, mas o que você quer dizer com
“acabou”?
— Quero dizer que você deve arrumar suas coisas e dar o fora
daqui. Quando te vi aquela primeira vez em Nova Jersey, eu pensei
“ah, que garota fofa, que voz única”. Você dançou como uma
palhaça, mas havia alguma coisa no seu rosto que me fez pensar
que estaria aberta a aprender. Mas agora sei que cometi um grande
erro. Não acredito que usou banmal com o CEO desta empresa. É
tão inapropriado que quase me dá vontade de rir. Não apenas isso,
você saiu da coreografia e poderia ter atrapalhado suas unnies.
Você acha que trabalha bem em equipe? Você é uma princesinha
americana arrogante e está atrapalhando minhas outras garotas.
Estou vendo pontinhos. Fecho os olhos, esperando que tudo não
passe de um pesadelo horrível. Preciso me esforçar para abri-los
novamente. Não acredito que todo o meu esforço desse mês – o
pior e melhor mês da minha vida – foi totalmente em vão.
— E então? — Manager Kong grita.— Comece a arrumar suas
coisas, sua pentelha!
Um adulto gritando com você em coreano é um milhão de vezes
mais assustador que um berrando em inglês.
— Agora? — pergunto. Checo o relógio do quarto. São quinze
para meia-noite. — Eu não tenho pra onde ir.
— Não é problema meu. Volto pra te levar para fora em cinco
minutos. Não vou perder nem mais um pouco da avaliação pra lidar
com você.
Ela fecha a porta com força, me deixando sozinha.
CAPÍTULO 19
O big bang

Nem tenho uma chance para chorar, porque meu cérebro está a
mil, pensando em um plano para quando eu for atirada sozinha no
meio de Seul. Faltam três dias para eu encontrar umma e não tenho
ideia de como voltar para o apartamento. Devo dormir na estação de
metrô? Procurar um abrigo para fugitivos? Estou com o dinheiro que
umma me deu, mas não é suficiente para um hotel.
Levo menos de cinco minutos para empacotar toda a minha vida.
Coloco o estojo do violão ao redor das costas, enfio MulKogi na
minha mala e dou uma última olhada naquele quartinho bagunçado
e fedorento. Eu odeio tudo nesse quarto, mas percebo que algum
dia vou sentir falta dele – daquele sentimento de ter uma chance de
realizar um sonho, de dar tudo de você do momento em que acorda
até o momento em que fecha os olhos à noite.
Não vou conseguir dizer adeus para YoungBae.
Quero escrever um bilhete para Binna e JinJoo, mas não tenho
tempo.
Meu estômago revira enquanto o elevador desce 99 andares até
o térreo.
Eu me viro timidamente para Manager Kong.
— Desculpa perguntar, mas será que eu poderia pegar meu
celular de volta, por favor? Preciso ligar para a minha mãe pra ela
vir me buscar.
— Pergunte para os seguranças na recepção — ela diz, seca.
Manager Kong sequer sai do elevador comigo. Ela não se dá ao
trabalho de olhar para mim uma última vez antes das portas se
fecharem.
O imenso chão de mármore preto faz a recepção parecer uma
estação espacial abandonada. Os monitores exibem canais de
notícia 24 horas para ninguém. As luzes do Café Tomorrow estão
apagadas. Um guarda solitário de pescoço grosso ocupa a mesa da
recepção. Ele está vendo um programa de variedades barulhento no
celular.
Quando peço a ele meu celular, ele diz que não está com
nenhum.
— Mas eu preciso ligar para a minha mãe.
— Qual é o número dela?
Não faço ideia de qual é o número coreano de umma. Ela deu
todas as informações essenciais de contato diretamente para
Manager Kong. Em vez disso, começo a dizer o número de telefone
da minha casa em Nova Jersey para que abba possa ligar para
umma por mim.
— Ei, sem essa — diz o segurança. — Não vou ligar pra um
número americano. Vá para aquele canto e espere alguém vir te
buscar.
Ele aponta para um conjunto de sofás modernos, mas
aparentemente desconfortáveis.
Não sei o endereço de umma. Não lembro o nome do bairro – só
lembro que é na outra margem do rio Han. E se eu sair pela noite de
Seul e for assassinada ou algo do tipo? A S.A.Y. realmente quer ser
responsável pela morte de uma trainee?
Suponho, com o pouco de coreano que sei e minha cara de
acabada, que vou conseguir descobrir o caminho de volta pedindo
informações por aí. Mas não no meio da noite.
É então que lembro do celular que YoungBae me deu – eu o
deixei no teto do quarto. Sou uma idiota mesmo.
Quando eu me encolho em um dos sofás desconfortáveis,
usando MulKogi como travesseiro, sou atingida pela gravidade do
que acabou de acontecer. Cheguei mesmo tão perto de me tornar
uma idol? Realmente estraguei tudo só por causa da minha boca
grande e minha atitude petulante?
Depois de gemer na barriga macia e fofa de MulKogi por não sei
quanto tempo, finalmente caio em um sono leve e sem descanso.

***

— Ei. Ei, você. Acorde.


Sinto alguma coisa molhada e gelada na minha testa. Oi?
Acordo e vejo um par de olhos me encarando com uma máscara
cirúrgica preta com uma caveira estampada. Dou um grito.
Fui sequestrada. Algum estranho quer meus órgãos.
Eu me sento, esfregando o entorpecente gelado ou sangue ou o
que quer que seja para fora da minha testa, e então vejo que há
mais quatro deles. Uma gangue inteira de estranhos vestidos
completamente de preto, com a mesma máscara cirúrgica
assustadora. As palavras “não deixe eles te levarem para um
segundo local” ecoam na minha cabeça, e eu chuto os estranhos o
mais forte que consigo.
— Ei, calma aí! — o líder, que está no meio, diz. Ele tira a
máscara. Os outros fazem o mesmo.
Vejo cinco rostos familiares. Cinco rostos extremamente bonitos.
Minha boca está aberta, mas tudo o que sai dela é um suspiro.
— Você é a garota do saxofone — diz o rapaz alto à direita,
inflando as bochechas, me imitando.
O baixinho no meio — aquele com perfeitos olhos penetrantes e
o queixo delicadamente afiado — diz:
— Não acredito que você falou com CEO Sang daquele jeito. Você
tem coragem — ele levanta as mãos em minha direção, sorrindo.
O estranho e eu damos um high five e a minha ficha finalmente
cai.
— Você é One.J — aponto para o rosto dele com um dedo
trêmulo. Depois continuo, nomeando cada um deles em ordem. — E
você é YooChin. Joodah. Wookie. E ChangWoo.
Sou tão esquisita.
— Sim, somos nós — Wookie ri.
Os membros do SLK parecem exaustos. Eles não estão usando
maquiagem e vestem roupas casuais, mas não se parecem nem um
pouco com rapazes normais (exceto Wookie – Wookie se parece
com qualquer cara coreano). Esses são os cinco garotos que
arrasaram no palco do SNL. Que encantaram Wendy Williams,
James Corden e Jimmy Fallon. Que agraciaram as capas da Vanity
Fair e da Esquire. Que são as celebridades mais seguidas do
Instagram. Que deram esperança a centenas de milhares de jovens
ao redor do mundo.
Então é isso que é ficar maravilhada. Parece que um novo big
bang ocorreu bem na frente dos meus olhos, criando um novo
universo. Esses cinco garotos radiam um brilho quente e estão me
atraindo com sua gravidade. Todos eles têm essa força – até
Wookie –, mas One.J é o centro dessa constelação.
— Por que você está aqui sozinha, Garota do Saxofone? —
ChangWoo pergunta com sua voz profunda e cremosa como
chocolate.
— Bom… — Estou tão envergonhada que não consigo olhar para
eles, mesmo que eu realmente queira olhá-los por dias e dias. —
Fui expulsa do programa de trainees.
O SLK cai na gargalhada. Suas risadas ecoam pela recepção
sideral cavernosa. Wookie se curva, batendo em seus joelhos.
Estou superconfusa.
— Desculpa… mas qual é a graça? — murmuro, devagar.
— Olha! Ela está com a mala e o estojo do violão e tudo — One.J
diz para YooChin. — Que coisa mais fofa!
Finalmente, One.J recupera a respiração. Seu rosto
perturbadoramente simétrico está vermelho.
— Desculpa, desculpa. É que… é muito fofo você achar que foi
realmente expulsa. É Candace, né?
Fico chocada. Estou prestes a desabar no chão como uma
sequoia centenária. One.J sabe meu nome. Faço que sim com a
cabeça, boquiaberta.
— Candace, você não foi expulsa. — Ele dá o meio sorriso de um
bilhão de dólares que já vi em incontáveis pôsteres e MVs. — Sua
manager está te dando uma lição. Todos nós já fomos “expulsos” do
programa de trainee. Todos tivemos que passar a noite na recepção.
YooChin levanta a mão.
— Eu fui “expulso” cinco vezes quando era trainee.
— Quatro vezes — Joodah diz.
— Duas vezes — ChangWoo diz.
— Treze vezes! — Wookie diz, orgulhoso. ChangWoo cutuca seu
ombro, brincando.
Então eu não tenho que voltar para umma e admitir meu
fracasso? Quer dizer que vou poder ver YoungBae e Binna de
novo?
— Ah, não sei, não — digo, trêmula. — Ela estava muito, muito
brava.
— Por que você usou banmal com o CEO? — ChangWoo
pergunta.
— Ou por que falou mal daquela sua colega? — Joodah diz.
Eles caem no riso novamente.
— Meu Deus, Candace, não acredito que você fez isso — One.J
diz, rindo. — Aquela unnie vai te matar quando você voltar lá pra
cima.
Wookie está dando tapinhas no joelho de novo.
— Era pra você ter dito algo tipo “eu cortaria essa unnie porque
ela é tão boa em tudo que não deixaria espaço para o resto de nós
brilhar”. Você não pode dizer algo que seja realmente verdade.
Ainda rindo, ChangWoo diz:
— Quando foi a vez daquela unnie ser avaliada, CEO Sang disse
“Agora que Candace mencionou, você realmente não é a melhor do
seu time em nada. Você é uma boa cantora, mas Candace é melhor.
Você é uma boa dançarina, mas Binna é melhor. Você tem ótimo
carisma, mas a Candace é melhor nisso também”.
Ah, não. Não, não, não. Não há palavras para descrever como
estou morta.
Mas, espera aí, o CEO Sang acha que eu sou mais carismática
que Helena?
— Ah, os velhos tempos de trainee — YooChin diz,
melancolicamente. — Tudo parecia ser questão de vida ou morte.
— Bom, meio que era — One.J diz. Ele me lança um olhar que
faz meu traseiro suar. — Pobrezinha. Você parece traumatizada por
aquela avaliação. Aqui, trouxemos isso pra você.
Ele me entrega um copo de matcha latte gelado do Café
Tomorrow, minha bebida favorita (magicamente, agora há um
funcionário trabalhando na cafeteria no meio da noite). One.J deve
ter pressionado isso contra a minha testa para me acordar. Aceito a
bebida com as duas mãos e uma reverência profunda.
— Obrigada, One.J-sunbaenim.
Uma comitiva inteira de adultos vestidos de preto — os managers
do SLK, eu suponho — estão circulando perto da mesa da recepção.
Todos os trainees lá em cima matariam para estar no meu lugar
agora: estou tomando um matcha com o SLK!
Devo estar alucinando, mas tenho a impressão de que One.J me
olha muito mais do que os outros rapazes. Ele sorri para mim
atenciosamente de novo e – esqueçam minhas axilas – preciso de
absorventes noturnos para o suor no meu traseiro.
Todos eles fingem tocar saxofones. Eu rio e tento esconder
minhas bochechas vermelhas com o cabelo.
— Muitas das trainees são talentosas — One.J diz —, mas
muitas delas são muito mecânicas.
— Mas é isso que o sistema de trainee faz com idols —
ChangWoo diz. — Você aprende coisas importantes, mas parte de
ser um artista é aprender a esquecer o que você aprendeu quando
treinava.
— Eu já esqueci tudo! — Wookie diz com um sorriso brincalhão.
Wookie realmente seria perfeito para JinJoo. Dois fofos.
One.J aponta com a cabeça para o estojo do meu violão cor-de-
rosa.
— Você toca?
— Sim — respondo. — Mas nada muito sério.
— Aposto que você não teve qualquer oportunidade pra tocar
como trainee.
Faço que sim com a cabeça. Sei que One.J é só um ano mais
velho que eu, mas tem alguma coisa em sua postura que, apesar de
seu rosto de bebê, é muito poderosa e adulta. ChangWoo e Joodah
têm vinte e poucos anos, mas One.J é claramente a alma mais
velha.
— É — ele diz —, foi só depois do nosso debut e de dois
comebacks de sucesso que o CEO Sang finalmente deixou
ChangWoo e eu escrevermos nossas próprias músicas.
— Eu amo muito aquela que você escreveu para o miniálbum
Love Darkness… “Flower Petal Romance”. É linda.
Espero que não esteja sendo muito fangirl. One.J ouve
literalmente milhares de pessoas lhe dizendo que suas músicas são
bonitas. Mas ele apenas balança a cabeça e sorri.
— Obrigado. Você escreve músicas?
— Sim, mas não como você…
— Por que você não canta uma para a gente?
Minha boca fica seca como um deserto.
— Está tão tarde… vocês acabaram de passar um dia inteiro
vendo centenas de trainees se apresentarem, devem estar
exaustos…
— Estamos acostumados a não dormir — One.J diz rapidamente.
— Quero ouvir você tocar.
A maioria dos outros garotos parece cansada, mas Wookie bate
palmas:
— Toca, toca, toca!
Não posso dizer não para o SLK – e apesar de estar com medo,
cada parte de mim quer, sim, mostrar a eles do que sou capaz.
Minhas mãos estão tão trêmulas que demoro um longo tempo para
tirar meu violão do estojo. Consigo sentir o pacote de yakgwas
contrabandeados balançando dentro dele, mas não deve afetar
muito o som.
Respiro fundo.
— Por favor, não esperem nada especial.
One.J ajeita a postura.
— Vamos ouvir com corações alegres — ele diz.
Meu. Deus. Por mais irritante que a formalidade coreana possa
ser, às vezes ela é muito sexy.
Dedilho os acordes iniciais de “Expectations vs. Reality”. Não
toco há um mês, mas nem por um segundo fico com medo de ter
esquecido onde posicionar meus dedos.
As palavras voltam à minha cabeça facilmente. Sinto que tenho
um novo controle sobre a minha voz que nunca tive, como se fosse
uma arma. Agora posso usá-la com força, mais forte do que quando
sussurrava suavemente no meu quarto.
Quando termino, os garotos do SLK me aplaudem. O SLK…
batendo palmas para mim. Os managers e o segurança de pescoço
grosso também aplaudem do outro lado da recepção. Wookie está
com a boca aberta e grita:
— De novo, de novo!
Eu me curvo para todos eles, radiante.
— Esse conceito é muito daebak — One.J diz. — “Expectations
vs. Reality”. Essa frase se refere a como as coisas não são sempre
como elas parecem ser do lado de fora?
Assim como na entrevista do SLK no The Tonight Show, o inglês
de One.J é adoravelmente ruim.
— É isso mesmo, sunbaenim — digo.
Um dos managers do SLK caminha até nós.
— Sinto interromper — ele diz —, mas vocês precisam começar a
se preparar pra aparecer no Knowing Bros. E eu falei com a
Manager Kong no KakaoTalk. Ela quer que Candace volte para a
cama imediatamente.
Graças a Deus. Então eu realmente não fui expulsa.
Checo os monitores. São três da manhã.
— Foi bom falar com você, Candace — One.J diz, se levantando.
Eu me ergo também. Ele é apenas alguns centímetros mais alto que
eu, mas sua presença é muito maior. Os outros quatro já
desapareceram ao fundo; são como satélites orbitando ao redor de
One.J.
Ele estende a mão para um cumprimento. Eu a seguro com as
duas mãos e uma reverência, como Madame Jung me ensinou.
One.J parece entretido. Então ele me puxa um centímetro mais
perto e diz, suavemente:
— Escute. Já que você obviamente tem talento como
compositora, tenho um conselho para você: escreva uma música
toda noite. Mesmo que esteja exausta e tudo o que queira fazer é
dormir, mesmo que a vida de trainee tenha sugado toda a sua alma,
escreva uma estrofe, um refrão e uma ponte sobre o que estiver
sentindo naquele dia. Dá para perceber que você não foi feita para
ser apenas uma idol. Você quer ser uma artista também, certo?
Balanço a cabeça, concordando, e ele solta a minha mão. Faço
uma reverência para todos os integrantes e managers. Sinto minha
cabeça girando por causa dos acontecimentos do dia. One.J acha –
ou One.J sabe – que sou uma artista.
O segurança abre as portas de vidro para que eu entre no
elevador. Junto MulKogi, meu violão e minha mala. Prometo a mim
mesma que vou parar de reclamar. Vou treinar até minha voz ficar
rouca e meus pés estarem cobertos de feridas. Não vou deixar uma
garota qualquer com cabelo ruivo de farmácia me intimidar.
Entro no elevador e olho meu reflexo. Não quero ser apenas uma
idol. Quero ser uma artista.
CAPÍTULO 20
Raposa

Enquanto minhas colegas ainda estão dormindo, sou acordada ao


raiar do sol na manhã seguinte para um encontro não agendado
com madame Jung. Em seu escritório, ela está de pé ao lado da
janela com um arquivo na mão. Atrás dela, Seul inteira está coberta
pelo brilho nebuloso e majestoso do amanhecer.
Ninguém aqui dorme?
Madame Jung se aproxima de mim devagar e se apoia na borda
de sua mesa, olhando para mim com a cabeça erguida. Não há
umidade em minha boca, então engulo ar seco.
— Ontem, a forma como você se comportou diante do CEO Sang,
um homem de negócios brilhante responsável pela imagem de
inúmeras figuras públicas, foi inaceitável. Você sabe o que
aconteceria comigo se eu usasse banmal com ele? Mas uma
garotinha fazer isso…
— Sinto muito, madame…
— Não sei se queremos uma garota assim, que estudou viola
mas não tem nenhum talento pra isso, que ficou só em segundo
lugar em uma escola pública de Nova Jersey, pra representar uma
das empresas mais importantes da Coreia. — Ela folheia meu
arquivo. — Ambos os pais frequentaram um conservatório de
prestígio reservado apenas para a elite e os mais talentosos. Agora
eles trabalham em uma loja de conveniência em Nova Jersey. Pra
decair tanto, eles devem ter cometido erros muito graves, não?
Meu rosto está fervendo. Fecho as mãos em punhos. Digo a mim
mesma para manter a calma. Não chore ou grite. Segure a raiva
pelo seu sonho.
— Levante-se — ela diz, com os dentes cerrados.
Se eu achei que Manager Kong gritando comigo era assustadora,
ela não é nada comparada a madame Jung. Eu me levanto
vagarosamente. Madame Jung caminha ao redor de sua mesa e
retira uma delicada caixa de madeira com ornamentos na tampa.
Dentro dela está um par de pedras lisas rosadas.
— Pegue essas pedras, garotinha. Vá para o canto do escritório e
encare a parede. Fique de joelhos e coloque uma pedra embaixo de
cada um. Levante os braços acima da cabeça e os mantenha nessa
posição pelas próximas duas horas. Vou avisar Manager Kong que
você vai se atrasar para o treino em grupo. Enquanto sentir
desconforto, pense no desconforto que você causou aos outros com
seu comportamento desrespeitoso. Vá!
Eu não me mexo.
Ela fala, com raiva:
— Vá! Que desrespeito é esse?
Olho para o chão e tento formar um sorriso plácido com a boca.
De alguma forma, uma calma toma conta de mim.
— Acho que não posso fazer o que você pede, madame — digo,
gentilmente.
Seu rosto pálido como um fantasma escurece um tom.
— Cuidado com o seu tom, garotinha.
Não importa o que madame Jung diga, sinto lá no fundo que não
vou me ajoelhar. Em primeiro lugar, meu joelho direito ainda dói por
ter feito o death drop. Mas, acima disso, eu penso em umma, abba e
Tommy. Em Imani e Ethan. E agora, Binna, JinJoo e YoungBae. Eu
sou amada. Não importa quanto dinheiro ou poder essa empresa
tenha, não importa o quão poderosa essa mulher seja, eu sou a filha
e irmã e amiga querida de alguém. Não vou me ajoelhar em um
canto para madame Jung só porque ela tem um escritório grandioso
e um título elegante.
Forço meus lábios trêmulos em um sorriso e digo:
— Pelo visto, temo que possamos ficar aqui o dia inteiro, e ainda
assim não poderei fazer o que você pede.
Dobro as mãos perfeitamente sobre meus joelhos, mantenho
meus olhos no chão, e me sento completamente imóvel.
— Tch, veja só esse comportamento sem vergonha de ser ssagaji
— madame Jung cospe, descrente, embrulhando suas pedras. — É
por isso que, dentre todas as coisas que faço pela ShinBi, trabalhar
com idols é a tarefa de que menos gosto. Tenho que convencer o
público de que vocês são especiais, dignos de amor e adoração…
quando, na verdade, idols, e os trainees que desejam
desesperadamente ser idols, são os fracassados deste país. O
fundo do barril, como meu filho mais novo. Tive que usar meus
contatos só para arranjar um cargo de aprendiz para ele nesta
empresa. A maioria dos idols é um bando de perdedores sem
cérebro que nunca teve a chance de tirar notas boas o suficiente pra
entrar nas melhores universidades do país.
Começo a dizer “acho que não é isso que eu vi aqui”, mas ela me
interrompe no meio.
— Não pense que você venceu hoje, porque não venceu. Posso
tornar as coisas mais difíceis pra você. Agora saia da minha frente.

***

Quando volto para o dormitório, nenhuma das minhas colegas


parece surpresa em me ver. JinJoo me abraça e diz “Bem-vinda de
volta!” e Binna ri quando dou bom-dia.
Entretanto, na academia, vejo que tudo mudou. As garotas dos
outros times me encaram, desviam de mim quando passo, como se
eu tivesse alguma doença contagiosa. JiHoon grita para todas:
— Acordem, meninas! Ao trabalho. A maioria de vocês estava
gorda no palco ontem.
De volta ao dormitório depois do treino da manhã, Helena fica de
costas para mim. Não consigo ver o rosto dela; sei que vou ter de
enfrentá-la mais tarde. Mas Aram está completamente amigável.
Saindo do banheiro depois de um banho mais curto do que o
normal, ela diz, enquanto seca o cabelo com a toalha:
— Bom trabalho ontem, Candace!
Agradeço com uma reverência. Pela primeira vez, tenho tempo
de tomar um banho matinal antes do café da manhã.
Quando entro no refeitório, olho através do Vidro do Gênero para
YoungBae. Ele levanta as mãos acima da cabeça para me aplaudir.
Eu rio e faço uma reverência exagerada. Aram sussurra:
— Cuidado, Candace!
— Ah, sim — digo, me recompondo e olhando para a frente.
Lembro que YoungBae me disse que conquistou o respeito de
seus hyungs depois da primeira avaliação. Será que conquistei o de
Aram?
Enquanto fazemos fila para nos servirmos, Manager Kong bate
as mãos.
— Meninas — ela grita. — Escutem. Tenho um anúncio para
fazer.
Manager Kong sobe em uma mesa e todas imediatamente fazem
silêncio.
— Vocês todas se esforçaram muito se preparando para a
avaliação de ontem — ela diz. — Por isso, agradecemos vocês. CEO
Sang ficou impressionado com algumas e nem tanto com outras. No
entanto, ele acredita que, entre as garotas, há um pequeno
problema de autocontrole e disciplina.
Posso estar imaginando, mas sinto quarenta e nove pares de
olhos me encarando de uma vez só.
— É por isso que, até a próxima avaliação mensal, a S.A.Y. vai
implantar uma dieta mais rígida.
Há um grunhido de pânico ao redor do refeitório. Não consigo
imaginar como nossas dietas poderiam ser mais extremas do que
são agora.
— É para o bem de vocês. A nova dieta não apenas vai melhorar
seus Visuais, mas também vai testar quem é forte o bastante pra
debutar. Vocês acham que as dietas vão ficar mais fáceis pra vocês
quando estiverem sob o olhar do público? Vocês sabem o quão
cruéis os netizens podem ser? Encarem isso como uma
oportunidade de nos mostrar como são fortes.
— SIM, MANAGER KONG! — cinquenta garotas esfomeadas gritam.
Em nossa mesa de costume, BowHee diz:
— Eles estão tentando nos matar?
— Ai, meu Deus — Binna diz. — Agora está ficando sério.
— Já morri — JinJoo geme.
O cardápio até a segunda avaliação é exatamente o mesmo de
antes, mas as porções estão definidas – não é mais coma-o-quanto-
conseguir-enquanto-os-managers-ficam-te-julgando-
silenciosamente.
Lembro a mim mesma que meu primeiro fim de semana fora do
prédio está chegando em dois dias. No sábado, vou estar com
umma, me empanturrando de jokbal e jajangmyeon e X-burgueres.
Até lá, preciso sobreviver a Helena e a uma última sessão com a
General. Eu consigo… eu acho.
RaLa balança a cabeça dramaticamente diante de seu café da
manhã miserável.
— Uma mulher não pode sobreviver só à base de batata-doce —
ela diz.
Sinto uma pontada de remorso. Será que isso tudo é culpa
minha?

***
Manager Kong se junta ao nosso treino em grupo para discutir
nosso plano para a próxima avaliação.
— Antes que alguém pergunte — ela diz —, One.J ainda não
escolheu uma trainee pra aparecer em seu MV.
Meu coração despenca. Uma parte de mim esperava que ele
tivesse encerrado sua busca depois que cantei minha música para
ele no térreo. Mas estou sendo uma idiota. One.J é o cantor mais
popular do planeta no momento – seu superpoder é fazer bilhões de
garotas (e garotos) se apaixonarem por ele. Não tem chance de eu
ser realmente tão especial quanto ele me fez sentir.
— One.J e CEO Sang querem ver mais antes de tomar uma
decisão — Manager Kong continua. — E eu não os culpo. Embora a
apresentação de vocês tenha tido pontos altos, foi bagunçada e teve
muita gente tentando roubar a cena.
Abaixo a cabeça, envergonhada.
— A próxima avaliação não será no estúdio. Será na sala de
conferências do CEO. E não estou falando do CEO Sang. Estou
falando do CEO Im, CEO de toda a ShinBi Unlimited.
Santa máscara facial. Esse tal de CEO Im deve ser uma das cinco
pessoas mais ricas da Coreia.
— Daebak — Helena suspira.
— CEO Im, CEO Sang, os principais investidores, principais
executivos e principais criadores vão assisti-las de perto. Vocês não
podem errar nem facilitar a coreografia dessa vez. E nada de
gracinhas. Certo, Candace?
Sinto o olhar de laser de Helena sobre o meu rosto.
— Sim, Manager Kong — digo, fazendo uma reverência.
— Além de uma apresentação em grupo, CEO Sang quer que
cada uma de vocês prepare uma apresentação individual de dois
minutos. Pode ser o que vocês quiserem, desde que realce sua
principal habilidade, seja ela canto, dança ou atuação.
— Atuação? Daebak! — Aram grita. Enquanto estou na aula de
coreano todos os dias, Aram e algumas das outras melhores Visuais
fazem aulas de atuação em K-dramas no andar corporativo. É para
onde Helena vai quando ela sai da aula de coreano duas horas mais
cedo.
Dessa vez, a música do nosso grupo será coreana – “Red
Flavor”, do Red Velvet –, o que deixa todas nós entusiasmadas (eu
amo o grupo Red Velvet mais do que amo cupcakes red velvet –
minha bias é a Seulgi). Por outro lado, nunca apresentei uma
música em coreano, e agora minhas colegas de time precisam se
preocupar com minha dança e minha pronúncia. Mas silencio minha
autossabotagem e digo a mim mesma o que preciso ouvir: “Vou
arrasar”. Como One.J disse, preciso mostrar para S.A.Y. que tenho a
determinação para me tornar a idol perfeita. Custe o que custar, vou
debutar.
A única coisa na qual me permito pensar é debutar – comer
(principalmente batata-doce), dormir (não o suficiente) e debutar.

***

Mais tarde, na cama, depois de terminar minha lição de coreano,


não consigo dormir pela segunda noite seguida. Abro meu caderno
e acendo a luz da minha cama. Penso no que o CEO Sang me
chamou – yeowoo, ou raposa – e me pergunto se é isso mesmo que
sou. Rabisco os primeiros versos que vem à minha mente:

Quando eu sou educada, você diz que não sou guerreira


Quando eu ouso, você diz que não sou delicada
Mas eu não sou nenhuma dessas coisas, sou uma yeowoo
Sou doce quando preciso, forte quando preciso
Não me subestime, vou te derrotar no seu próprio jogo
Porque eu sou uma yeowoo, yeowoo, é isso mesmo, negga yeowoo dah

Escrevo alguns uivos no refrão, mesmo achando que são os


lobos que uivam para a lua, não as raposas. Mas isso não importa;
artistas podem ter toda a licença poética que quiserem.
Estive tão absorta pensando em One.J que percebo que estou
esquecendo YoungBae. É patético eu quase ter a sensação de estar
traindo YoungBae com One.J?
Ligo o celular e, claro, há uma mensagem. A bateria já está
menor do que um terço do total.

precisamos falar sobre aquela avaliação. 3


h?
CAPÍTULO 21
Simetria

Às três da manhã, saio de fininho do dormitório com o crachá


roubado, fingindo que estou indo fazer um pouco de treino individual
da madrugada.
No momento em que chego ao terraço, YoungBae atravessa a
porta enferrujada do Muro do Gênero. Logo de cara, ele me puxa
para um abraço. Meus pés estão completamente fora do chão.
Esqueça as Mãos Educadas. Minhas Mãos Mal -educadas seguram
firme nos ombros de YoungBae.
— Você foi tão incrível na avaliação! — ele diz, depois me coloca
no chão e se ajoelha, fazendo reverências de adoração. — Estou no
fã-clube da Candace.
— Você é tão exagerado — digo, rindo.
— Você canta bem, é engraçada, mostrou para o CEO quem é que
manda. Se ele for esperto, vai te debutar amanhã.
— Obrigada. Quer dizer, eu realmente queria ter assistido a sua
apresentação, mas…
Enquanto eu o sigo ao redor da metade feminina do jardim e ele
rega as plantas, conto para ele tudo que aconteceu quando fui
“expulsa” – tudo, menos que conheci os garotos do SLK.
YoungBae acha minha história hilária.
— Já fui “expulso” duas vezes — ele diz, rindo. — Nunca pensei
que alguém como você seria. Olha, acho que nem eu teria coragem
de desafiar o CEO.
— Sério? Sr. Quebra-Regras?
— Sério. Durante a minha entrevista, eu simplesmente travei.
Aquele cara é assustador. Mas, de qualquer forma, ele não disse
muita coisa. Só falou que eu sou bonito e danço bem.
— Sério? Ele disse que não havia nada em você que poderia
melhorar?
YoungBae faz uma careta.
— Na verdade, ele apressou todas as performances dos garotos.
Todos no nosso lado estão falando que o CEO Sang está bem mais
interessado no girl group, já que ele já tem o boy group número 1.
— Hm. — Agora que ele disse isso, percebo que não me lembro
de o CEO ter mencionado o debut dos garotos uma vez sequer. —
Que droga — digo. — Mas eu seria stan do seu grupo.
O rosto de YoungBae se acende.
— Eu seria seu ultimate bias?
— Você vai ter que conquistar esse status. Por enquanto, é o
One.J.
— Ah, poxa! — ele ri, mas parece que sua voz tem um tom real
de ciúme. — Agora eu preciso ser melhor que o One.J?
Dou de ombros.
— Ainda não vi você se apresentando em um palco.
Ele enrola a mangueira e começa a guardá-la.
— Sério — digo —, as garotas podem receber mais atenção, mas
pelo menos vocês ganham mais comida. Nós todas estamos
seguindo uma dieta ainda mais louca agora. É basicamente só
batata-doce.
— Sério? — YoungBae balança a cabeça. — É isso. Da próxima
vez, vou te trazer um pouco de frango.
Sinto arrepios no corpo e minha boca saliva. Em parte porque
frango parece delicioso, mas também porque YoungBae trazer
frango para mim é literalmente a coisa mais romântica de todas.
— Obrigada, oppa — digo, sem pensar.
YoungBae arregala os olhos. Eu cubro a boca com as mãos.
— Você acabou de me chamar de oppa?
— Não sei! — digo, meu estômago se revirando como lesmas
cobertas de sal. — Simplesmente saiu. Que palavra mais brega.
YoungBae esfrega o queixo, pensativo.
— Sabe, ninguém nunca me chamou de oppa antes. Achei que ia
odiar, mas… eu poderia me acostumar com isso. Oppa.
— Aff — digo. — Ver como você gosta dessa palavra me faz
odiá-la ainda mais.
— Eu sou cinco meses mais velho que você. Então eu
literalmente sou seu oppa.
Finjo que vou vomitar.
— Que nojo! Tenho que ir.
Ele abre seus longos braços.
— Dê um abraço em seu oppa antes de ir.
— Você é um Neanderthal — digo, mas dou um abraço nele
mesmo assim.
Ele é tão quente. Eu nunca toquei One.J, mas de alguma forma
duvido que ele seria tão quente assim. Ele é muito… de outro
mundo.
Depois que ajudo YoungBae a guardar a mangueira, ele volta
para o lado dos garotos pelo Muro do Gênero. Quando a porta de
metal se fecha, dou voltas ao redor do jardim, suspirando baixinho.
Uma música de K-pop toca em minha mente – uma bem menininha
e apaixonada, tipo “Ah-Choo”, do Lovelyz. Tento queimar um pouco
da minha energia romântica fazendo uma estrelinha aleatória – não
faço uma estrela há anos – e acabo torcendo um tornozelo. Ugh,
agora meu joelho e meu tornozelo estão machucados, mas eu mal
consigo senti-los.
No andar de baixo, atravesso o corredor das salas de treino o
mais silenciosamente possível, correndo o mais rente às paredes
possível. Se tanto YoungBae quanto eu debutarmos, podemos
namorar em segredo – não seremos pegos como Iseul e HyunTaek
–, vamos nos encontrar nos bastidores de Music Shows. Vamos
assistir aos shows um do outro quando estivermos em turnês
mundiais. Ou, se não debutarmos, podemos tentar ser artistas nos
Estados Unidos (cada um com sua carreira solo, é claro!).
Não há qualquer chance de eu dormir agora. Com a adrenalina a
mil, é a hora perfeita para praticar a coreografia de “Red Flavor”
enquanto todas estão dormindo. Entro na sala de treino mais
próxima à esquerda.
Meu coração acelerado freia de repente.
— Ah, desculpa! — digo.
Eu vejo as costas de um cara grande vestindo uma camiseta
laranja. Há duas mãos femininas com unhas cheias de detalhes
elaborados subindo e descendo as costas dele. O cara se vira. É
JiHoon.
Ele dá um pulo, assustado ao me ver. A garota aparece atrás dos
ombros dele. É Helena, e seu rosto fica branco como uma máscara
facial.
— Candace! — ela grita.
Helena e JiHoon? Se beijando? Estou tão chocada que fico um
segundo sem conseguir me mexer. JiHoon passa por mim,
apressado, e sai correndo da sala. Ouço o barulho de seus tênis
pelo corredor. Helena cobre o rosto.
Minha cabeça está girando – eu ficaria encrencada se fosse pega
me encontrando com YoungBae, mas Helena e um aprendiz de
manager? Ela seria expulsa mais rápido do que eu consigo
descrever em palavras. Helena, que quer debutar mais do que
qualquer pessoa.
— Desculpa — digo, rapidamente. — Eu não vi nada.
Eu me viro para sair, querendo me esconder debaixo do cobertor
e nunca mais sair de lá, mas Helena me puxa de volta para a sala.
— O que você está fazendo, me espionando? — ela sibila,
enfiando suas unhas em meu braço.
— Não, Helena, eu juro, eu não estava conseguindo dormir,
então queria treinar…
— Aposto que você está superfeliz por ter me pegado no flagra,
né?
— Não, Helena, eu juro. Tenho zero interesse em contar isso pra
qualquer pessoa.
Levo um segundo para perceber que estamos falando nossa
língua nativa pela primeira vez desde que nos conhecemos.
Diferentemente de YoungBae, falar em inglês com Helena não é
como um doce alívio; parece artificial e completamente assustador.
— Para de bancar a santinha pelo menos uma vez, Candace —
ela diz, com raiva, apontando uma de suas unhas brilhantes a um
centímetro do meu nariz. — Vou acabar com você pelo que disse
sobre mim ao CEO.
Eu tiro a mão dela do meu rosto.
— Me deixa em paz, Helena. Do que você tem tanto medo,
afinal?
Ela ri, incrédula.
— Medo? De você? Acorda. Você nunca, nunca, vai debutar com
a gente. Você fala coreano como uma criança de dois anos, é mal-
educada e muito baixa. Nenhum tipo de treino vai consertar isso.
É minha vez de rir.
— O.k., agora você está forçando a barra. Isso não é o parque do
Harry Potter em Orlando. Não tem limite de altura no K-pop.
— Todo mundo sabe que CEO Sang quer debutar garotas que
tenham mais ou menos a mesma altura. Pra ter simetria, sabe?
Imagina como a gente ia parecer ridícula no palco com uma
baixinha no final? — ela sorri. — A gente deveria começar a te
chamar de ggeutae.
Eu recuo. Ggeutae, eu sei, significa “o fim”, a parte final suja de
um vegetal que você corta e joga no lixo.
Dou um passo na direção dela.
— Ou eles poderiam me tornar a Center fixa — digo. — Sabe, pra
ter simetria? Como One.J no SLK. O mais baixo no meio.
Consigo perceber que Helena nunca considerou essa
possibilidade pela onda de terror que toma conta do rosto dela. Ela
recupera a compostura e sorri novamente.
— Vai por mim, Candace, você não serve pra ser Center. Você
não entende tudo que já passamos e como vai ser ainda mais difícil
depois do debut. Não que você precise se preocupar com isso. —
Ela se vira dramaticamente, me acertando na cara com seu cabelo
que cheira a flores. Ela para na porta. — Aliás, se eu vir você
escapando pra ir ao terraço de novo, vou contar.
Sinto um arrepio na espinha.
— Como você sabe disso?
— Eu presto atenção em tudo que acontece aqui.
Engulo em seco.
— Tem certeza de que quer me ameaçar, Helena? Depois do que
eu acabei de ver?
— Você não tem ideia do que viu, ggeutae — ela diz.
Helena bate a porta atrás de si, me deixando sozinha na sala.
CAPÍTULO 22
Regras para a saída

No almoço, depois da aula de coreano, InHee, a aprendiz de


manager, aparece na minha mesa.
— É sua primeira vez saindo no sábado, certo? — ela pergunta.
Concordo com a cabeça e sinto um aperto no coração.
Especialmente depois dos acontecimentos da última noite e da
sessão assustadora com madame Jung, só consigo pensar em sair
desse prédio e ver umma. Não sei se consigo dormir alguns metros
acima de Helena por mais uma noite. Vai saber o que aquela garota
está planejando?
As coisas estão ficando muito intensas. Parece surreal,
totalmente impossível, que vou poder ver e abraçar umma hoje à
noite. A única coisa no caminho é mais uma sessão de seis horas
com a General.
InHee me dá um cartão verde laminado.

REGRAS PARA A SAÍDA DE SÁBADO/DOMINGO — TRAINEES DA S.A.Y.,


GAROTAS.
1) Não saia de sua dieta. Comidas estritamente proibidas:
a) Jokbal
b) Jajangmyeon
c) Tteokbokki
d) X-burgueres
e) Frango
f) Pão
2) Proibido ir a boates, consumir álcool, fumar ou usar drogas.
3) Proibido usar SNS.
4) Proibido namorar. Proibido ficar sozinha com garotos que não
são da família.
5) Continue a praticar.
6) Não atraia atenção para si mesma de forma alguma.
7) Não tire selcas.
8) Não faça mudanças não autorizadas na sua aparência – não
corte ou tinja o cabelo, não faça tatuagens ou coloque piercings.
9) NÃO CONTE A NINGUÉM OS SEGREDOS DA AGÊNCIA S.A.Y., NEM MESMO
PARA SEUS PARENTES MAIS PRÓXIMOS. NÃO DÊ DETALHES DO TREINAMENTO.
NÃO CANTE OU ASSOBIE MÚSICAS ORIGINAIS DA S.A.Y. QUE ESTÃO SENDO
PRODUZIDAS PARA DEBUTS OU COMEBACKS FUTUROS. TRAINEES QUE QUEBRAM
ESSAS REGRAS ESTÃO VIOLANDO TERMOS DE CONFIDENCIALIDADE E SERÃO
PROCESSADOS.

Sou obrigada a morrer de rir da primeira regra. Essas são


exatamente as seis coisas que planejo devorar no segundo em que
sair desse prédio.
Na sala de treino grande do andar corporativo, fazemos a
pesagem semanal. Perdi três quilos desde o começo do
treinamento, o que não significa nada para mim, mas a General
balança a cabeça, satisfeita.
— Gosaeng mani haesseo — ela diz. Tenho certeza de que isso
literalmente significa algo como “Você sofreu bastante”, mas os
professores por aqui parecem dizer isso com o sentido de “Bom
trabalho”.
JinJoo junta as mãos em uma oração antes de pisar na balança.
— Lembram do nosso acordo? — a General diz. — Se a JinJoo
não atingir o peso certo, vocês cinco vão ficar deitadas de cara para
o chão por dez minutos.
Prendemos a respiração quando JinJoo pisa na balança. A tela
digital mistura números como um caça-níquel antes de mostrar seu
peso. Ela está dois gramas abaixo do peso estipulado pela General.
Todas nós gritamos e pulamos. JinJoo desaba no chão, chorando
de alívio.
— Gosaeng JINCHA mani haesseo, JinJoo! — a General diz,
levantando o punho. (“Você sofreu bastante”, ou “muito bom
trabalho!”)
A General nos reúne e diz o mesmo de sempre:
— Nós realmente não estamos mais brincando.
Só que dessa vez ela está falando sério. É o treino mais difícil
que já tive. A General decidiu que vamos apresentar “Red Flavor” de
salto, para mostrar as “belas linhas” e a “feminilidade” do nosso
time.
Aposto que umma já está lá embaixo na recepção. Ela
provavelmente chegou uma hora antes. E provavelmente comprou
um matcha latte para mim no Café Tomorrow e nada para ela.
A sessão com a General é brutal, mas as seis horas passam
voando.
No dormitório, todas as garotas que vão sair hoje já arrumaram
suas coisas e agora seguram as malas e formam uma fila no
corredor esperando um manager abrir a porta de alta segurança
estilo submarino. Pela primeira vez me junto a elas. Apesar da dor
nos pés por causa dos saltos, no tornozelo por causa da estrelinha e
no joelho por causa do death drop – estou um caco –, sorrio como
uma boba.
Quando voltamos para o quarto, porém, tudo está errado. As
gavetas da cômoda estão todas abertas; há roupas espalhadas pelo
chão. E JiHoon está sentado na minha cama, vasculhando minha
mala que já estava arrumada para o fim de semana.
— O que você está fazendo? — pergunto, exigindo uma
resposta.
— Vistoria de quarto aleatória — ele diz.
Binna tenta me arrastar para fora do quarto pelos ombros.
— Eles fazem isso de vez em quando — ela diz. — Pra ter
certeza de que não estamos contrabandeando nada.
— O QUE VOCÊ FEZ COM O MEU VIOLÃO? — grito.
O estojo onde guardo o violão está aberto e o instrumento está
no chão, pelado. Eu me solto de Binna e corro até meu bebê rosa-
choque. Eu viro o violão e meu sangue congela. Todas as cordas
estão cortadas e há duas rachaduras na parte da frente. Meu bem
mais precioso, arruinado! Aquele babaca do JiHoon deve ter
colocado seu punho musculoso bem no buraco para tirar…
— Procurando por isso? — JiHoon balança meu pacote com os
yakgwas de umma, embrulhados em plástico azul.
— Você quebrou meu violão! — grito, lágrimas escorrendo pelo
rosto.
Manager Kong entra no quarto.
— O que está acontecendo aqui?
— Olha o que ele fez! — desabo em lágrimas, embalando os
restos do meu violão, o melhor presente que já ganhei.
JiHoon pula da minha cama e faz uma reverência.
— Não discutimos nada sobre vistorias hoje, JiHoon — Manager
Kong diz.
— Bom, me parece que foi bom eu tomar a iniciativa, porque
encontrei isso — ele entrega os yakgwas para Manager Kong com
as duas mãos. — Nem imagino quantas calorias tem nisso.
— Eu nem tenho comido os yakgwas! — eu choro. — Eu os
guardei como uma lembrança da minha mãe.
Manager Kong abre a embalagem. Binna, JinJoo e Aram soltam
um suspiro de espanto. Helena cruza os braços, com um olhar
malicioso no rosto.
— Você sabe o quanto isso é proibido? — pergunta Manager
Kong. — Como você os trouxe?
— Ela os escondeu dentro do violão — diz JiHoon, suspirando
profundamente. — Muito esperta. Não dá pra confiar em um rosto
inocente.
Yeowoo.
Eu aponto para Helena.
— Ela disse pra ele procurar ali!
— Eu? — diz Helena, de olhos arregalados, fingindo inocência.
— O que você está dizendo?
— Pare de mentir, sua pentelha — JiHoon grita para mim. —
Manager Kong, me parece que uma punição severa deve ser
aplicada. Talvez Candace-shi deva ser proibida de sair do prédio
hoje.
— NÃO! — Eu me levanto num pulo. Meu violão cai no chão
novamente, mas já está quebrado, mesmo. — Você não pode fazer
isso!
Manager Kong embrulha os yakgwas novamente e os coloca em
seu bolso.
— Você precisa ser punida por isso, Candace.
— Eu limpo o banheiro de todas as trainees por um mês. Eu… eu
rego as plantas do terraço, eu odiaria fazer isso! Mas, por favor,
vamos decidir depois, minha mãe já está me esperando lá embaixo!
Enfio as roupas que JiHoon deixou espalhadas pelo chão de volta
na minha mala. Manager Kong está bloqueando a porta, mas eu a
empurro.
— Ai! Candace, aonde você pensa que vai?
Preciso sair daqui. Preciso sair daqui. Não aguento ficar no
mesmo prédio que Helena, JiHoon ou madame Jung por mais um
segundo. Não consigo respirar. Estou com fome, estou cansada,
estou com dor – não só no meu corpo machucado, mas sinto que
minha alma foi ferida também.
Enquanto empurro as garotas que estão em fila no corredor,
penso em como seria outra noite de sábado e um domingo inteiro
sozinha e deprimida de novo, sem ninguém por perto exceto
Helena. Sem chance. Vou sair daqui. Nada, nem mesmo uma porta
de aço de submarino, vai me parar.
Bato meus punhos contra a porta de aço e grito:
— Alguém, por favor, abra essa porta!
Dezenas de trainees estão me olhando, perplexas, cobrindo a
boca com as mãos, algumas preocupadas, outras rindo. Mas não
ligo. Preciso sair daqui.
Então penso no cartão que guardei no teto – JiHoon não o
encontrou. Vou voltar e pegá-lo, correr de volta para cá e abrir a
porta. Todos vão ver, e vão tirar o cartão de mim. Eu provavelmente
vou ser expulsa para valer, mas é o que precisa ser feito. Mas,
quando eu me viro, vejo JiHoon, seu rosto vermelho e feio e raivoso,
vindo em minha direção. Não consigo voltar para o quarto sem
passar por ele. Estou presa. O pânico fecha minha garganta e um
suor frio escorre pela minha testa.
— POR FAVOR! ABRAM! ESSA! PORTA!
Bato meus punhos contra a porta de aço o mais forte que
consigo. Não consigo respirar. Estou engasgando. Meu coração
bate contra meu peito, implorando para sair também. Estou tendo
um ataque do coração?
Quando estou prestes a desabar no chão, ouço um clique e um
som digital alegre.
Manager Kong apareceu do nada e abriu a porta. Ela me arrasta
até a escadaria escura que leva ao andar corporativo e fecha a
porta atrás de nós. Ela me olha nos olhos e diz:
— Respire, Candace. Respire. Sim, isso. Não se preocupe, você
vai ver sua umma em um minuto.
Ao ouvir isso, os espasmos em meu peito param e, aos poucos,
começo a respirar normalmente.
— Eu nunca pensei em te impedir de ver sua umma hoje — ela
diz, soando quase carinhosa —, mas precisamos que você se
acalme antes de eu te levar até ela. Entendeu?
Concordo com a cabeça.
— Vou ser expulsa do programa?
Manager Kong morde os lábios.
— Não. Posso explicar para os outros managers que você
realmente precisava desse fim de semana fora e que teve um
pequeno ataque de pânico. Mas isso não foi bom, Candace. Sabe
EunJeong? A garota que você substituiu?
Faço que sim com a cabeça.
— Um pouco antes de pedirmos pra ela sair, ela passou por uma
situação parecida, mas pior. Ela era muito talentosa, mas estava
passando por um momento difícil aqui, e, um dia, começou a se
jogar contra essa porta, gritando pra sair… foi quando ela bateu a
cabeça na porta de metal. Ela desmaiou e havia sangue por toda a
parte. Nós tivemos que ligar para a emergência.
Solto um suspiro de espanto. Então é por isso que todo mundo
fica sem graça sempre que alguém fala sobre ela.
— Nunca gostei da política de impedir os trainees de sair no
primeiro mês. Sair todo fim de semana vai ajudar bastante sua
saúde mental. Hoje foi ruim, mas, Candace… a vida de trainee é
difícil porque a vida de idol é pior. Você tem certeza de que
consegue continuar?
— Sim, Manager Kong — eu digo, com toda a determinação que
há em mim.
Manager Kong me leva a um banheiro no andar corporativo para
que eu possa lavar o rosto com água fria.
E, como eu esperava, na recepção, umma está me aguardando
logo no portão da segurança, segurando um matcha com um pouco
de papel ainda cobrindo a ponta do canudo – um toque de umma.
Ela é como brilho, como calor, como amor. Grito o nome dela e nós
duas desabamos em lágrimas quando eu corro para seus braços
como uma garotinha depois do primeiro dia de pré-escola.
CAPÍTULO 23
Jokbal

— Eles não estão te fazendo passar fome, estão? — umma


pergunta, com uma expressão de preocupação no rosto. — Seu
rosto está tão pequeno.
— Nós seguimos uma dieta saudável, mas comemos o suficiente
— minto, com a voz mais animada que consigo. Sei que rostos
“pequenos” são considerados ideais segundo o padrão tradicional
de beleza coreano, mas umma parece preocupada. — Além disso,
fazemos muito exercício. Eu não ganharia peso lá nem se tivesse
um banquete de jajangmyeon toda noite!
Umma não me faz mais pergunta alguma – ela está muito
chocada e feliz de ouvir o quanto meu coreano melhorou. O simples
fato de eu estar falando com ela em coreano a deixa maravilhada.
Caminhamos de braços dados do metrô até o apartamento.
Agora eu sei que umma está hospedada em um bairro chamado
Yeongdeungpo, para o caso de eu ser expulsa de verdade do
programa no meio da noite. É uma área residencial tranquila com
muitas mulheres jovens, provavelmente estudantes universitárias,
caminhando em grupos. Umma está carregando minha mala e eu
estou segurando uma caixa de frango frito apimentado com alho que
compramos no Chicken Kyochon. Esse é só um acompanhamento
para o banquete que umma preparou no apartamento.
— E ninguém lá está te tratando mal? — ela pergunta, segurando
meu braço com mais força.
— Não! — digo, alegremente. Falo muito sobre como amo
minhas novas unnies Binna e JinJoo, e como Aram é “a garota mais
bonita que eu já vi!”, o que é tudo verdade. Depois falo sobre como
estou feliz de ter uma colega de time americana, Helena. — Não
podemos falar em inglês, mas às vezes falamos mesmo assim em
particular, só pra sentir que estamos em casa de novo.
Estou mentindo descaradamente, descrevendo como as coisas
com Helena deveriam ser em vez de como elas realmente são – que
ela e JiHoon me odeiam tanto que conspiraram para quebrar meu
violão –, porque sei que umma me tiraria de lá sem hesitar se
soubesse como as coisas estão ficando intensas. Não quero que
minha família tenha que pagar a multa enorme por minha
desistência e, ainda mais importante que isso: quero debutar. Mais
do que já quis qualquer coisa. Eu achava que queria antes de vir
para cá, mas, agora, depois que aprendi o quão difíceis as coisas
podem ser e o quão incríveis as partes boas são, tenho certeza. Há
partes horríveis, coisas com as quais discordo moralmente – talvez
eu escreva artigos sobre os padrões de beleza inalcançáveis para o
jornal da minha faculdade algum dia –, mas, enquanto isso, estou
disposta a me submeter a muitas outras coisas para passar mais
tempo no palco. Mais tempo no estúdio de música. Mais tempo
cantando para One.J.
Tenho tudo sob controle.
Assim que chegamos ao apartamento, umma liga o fogão na
cozinha para garantir que toda a comida esteja tão quente quanto
possível logo antes de eu começar a comer. Eu me certifico de que
ela não está olhando quando tiro meus tênis rapidamente e ponho
meus pés doloridos e calejados dentro das pantufas felpudas de
hipopótamo que ela comprou para eu usar dentro de casa. Umma
fez um ótimo trabalho trazendo um pouco de alegria para esse
apartamento frio e sem graça; ela tem um toque mágico para esse
tipo de coisa. Há vasos por todo canto, toalhas de mesa coloridas,
tapetes e fotos de família em molduras simples na parede.
Com os joelhos doendo, me sento no chão à mesa de jantar
dobrável na sala de estar e umma traz comida o suficiente para
fazer a mesa quebrar de tanto peso. Sopa de missô com espinafre,
ovas de peixe apimentadas, japchae, salada de batata, panquecas
de kimchi, bacalhau empanado, espinafre ao óleo de gergelim, broto
de soja apimentado, galbi jjim e um prato inteiro de jokbal marinado.
Não acredito que umma fez jokbal por conta própria; ela acha
nojento, não gosta nem de olhar – em casa, sair para comer jokbal
no nosso restaurante coreano favorito é o meu programa especial
de sábado com abba.
— Umma, como vamos comer tudo isso?
— Coma só o que conseguir — umma responde, animada. —
Como o que sobrar no resto da semana.
Só com as primeiras mordidas já me sinto mais feliz e forte.
Umma não faz muitas perguntas – ela me deixa mastigar
alegremente o vigoroso jokbal e eu a deixo falar. Umma está
aproveitando bastante. Ela parece estar mais jovem e mais feliz
como não a vejo há muito tempo, talvez mais do que nunca. Ela
está frequentando uma igreja e se encontrando com amigas de
escola que não vê desde que era mais nova do que eu. Ela está
com um corte bonito de cabelo e comprou blusas novas e alegres
em tons pastéis. Está tudo bem com abba e Tommy lá em Nova
Jersey e ela visita harabuji todos os dias; ele não está nem melhor
nem pior do que a última vez em que o vi, mas está ouvindo vários
girl groups – Blackpink e QueenGirl, principalmente – para aprender
mais sobre o que estou fazendo. Eu me dou conta de que é
provavelmente o primeiro mês que minha umma tira folga do
trabalho na loja desde que Tommy e eu nascemos.
Lembro o que madame Jung disse: Para decair tanto, eles devem
ter cometido erros muito graves, não?”.
Balanço a cabeça para deixar isso para lá.
Depois do jantar, umma usa o KakaoTalk Video para que eu
possa falar com abba e Tommy, que estão sentados à mesa do
jantar em casa. Abba acena animado e grita “OI, CANDACE!”. Tommy,
com o cabelo todo bagunçado – são oito da manhã em Nova Jersey
– recua e diz “Abba, ela consegue te ouvir”.
— WAHH, CANDACE! — abba grita. — VOCÊ ESTÁ TÃO BONITA! SEU
ROSTO ESTÁ TÃO PEQUENO!
Eu me inclino para trás e Tommy olha para ele como se fosse
louco. Abba já me chamou de fofa, mas nunca de bonita.
Como umma, abba parece não saber o que perguntar sobre o
que faço como trainee; ele só pergunta se estou comendo o
suficiente, se estou fazendo amizades e se estou aprendendo
bastante coreano, e digo sim para tudo. Tommy pergunta:
— Por que seu cabelo não está rosa? Por que você não está
fazendo sinais da paz e rindo? Tee-hee!
— Ha, ha, ha — digo. — Muito engraçado. Meu treino é cem
vezes mais puxado do que qualquer coisa que você esteja fazendo
no seu acampamento de futebol.
— Duvido, Candace. Duvido muito.
Depois de nos despedirmos – abba parece estar segurando
lágrimas e Tommy desliga com um “Boa sorte aí” –, eu tomo um
longo banho, em que vejo que toda a parte inferior do meu corpo
parece ter sido atropelada por um caminhão por causa de todas as
vezes que caí durante os ensaios de “Red Flavor”. Depois, pego no
sono bem cedo com umma passando a mão pelo meu cabelo.
Onze horas depois, umma me acorda gentilmente para um café
da manhã com arroz, ovos, kimchi e sopa de broto de soja. Depois,
saímos para explorar a Vila Bukchon Hanok, cheia de construções
antigas em que é preciso usar um hanbok tradicional para entrar.
Depois, umma e eu dividimos um delicioso patbingsu – doce de
feijão-vermelho, frutas e leite no topo de um montinho de sorvete
fofo – em um “café de flores”, o lugar mais instagramável que já vi.
Umma me passa seu celular. O KakaoTalk está aberto novamente,
mas, dessa vez, vejo uma tela dividida entre Imani e Ethan. Grito de
alegria – os outros clientes olham para mim, assustados, mas umma
apenas ri. “Surpresa!”, ela diz.
Imani está ligando da pequena escola no Paraguai onde está
cavando latrinas e Ethan de uma cabana em seu acampamento de
teatro em Lexington, Massachusetts.
Meu coração explode de alegria ao ver o rosto dos dois. Já que
não posso falar sobre o que está acontecendo na S.A.Y., tento mudar
a conversa para como eles estão passando o verão, mas Imani diz:
— Esquece a gente, eu quero saber de você! Você já encontrou o
One.J e o SLK?
Com um dedo no queixo, respondo, cantarolando:
— Hmm, não posso dizer!
O que mais quero é contar para eles tudo o que está
acontecendo. Mas, enquanto umma está bem do meu lado, não
quero falar dos detalhes, bons ou ruins. Umma provavelmente
ficaria quase tão apavorada de saber que estou indo bem demais na
S.A.Y. quanto de saber que estou sendo maltratada – é melhor
manter a ilusão de que tudo isso é só uma atividade de férias.
Mas dou um gostinho a Imani e Ethan.
— Candace Park fez um death drop? — Ethan exclama antes de
apertar seu peito e desabar para fora da tela.
— Deixei todo mundo de queixo caído com esse passo — digo,
orgulhosa.
Imani balança os dedos e grita:
— Yassssssss, queen!
Antes de desligarmos, Imani abaixa a voz para que umma não
ouça:
— Ah, veja seu canal no YouTube, amiga. Eu posso ou não ter
postado seu vídeo em um Fancafé. Tchaaaaaaau!
— Imani! — digo, mas ela já desligou. Assim que voltamos para o
apartamento, corro para abrir o laptop da Samsung de umma no
quarto, lembrando que a S.A.Y. me mandou desativar todas as
minhas redes sociais antes de eu entrar no programa de trainees.
Deixei meu Facebook e Instagram privados, mas a S.A.Y. nunca me
disse nada sobre o YouTube – mesmo que eles definitivamente
saibam que o meu canal existe.
Acho que estou alucinando. Deve haver um vírus global no
YouTube, porque ele diz que meu vídeo cantando “Expectations vs.
Reality” tem 84.532 visualizações. Meus olhos disparam até os
2.797 comentários, metade em inglês e metade em coreano.

[+734, -12] Ouvi dizer que essa garota está treinando para a
versão feminina do SLK que está prestes a debutar! Voz incrível e
visual fofo. Espero que consiga!
[+158, -413] canta bem. visual apenas ok. só minha opinião mas
não acho que ela está à altura da S.A.Y. ou do SLK. sinto muito
[+1.206, -29] ACHO QUE ESTOU APAIXONADA! ESPERO QUE ELA DEBUTE!
[+47, -944] K-POP GROUPS DEVEM SER COREANOS NÃO COREANO-
AMERICANOS

Com falta de ar, deixo o vídeo privado e fecho o computador com


força. Eu me sinto entusiasmada e violada ao mesmo tempo. É
estranho imaginar que tantas pessoas viram o interior do meu
quarto lá de casa. Elas viram MulKogi na minha cama ao fundo.
Viram meu violão rosa (que descanse em paz)!
Naquele momento, umma aparece na porta e pergunta o que
mais quero fazer hoje. Ela sugere caminhar nas feiras de rua em
Namdaemun ou comprar máscaras faciais em Myeongdong.
De repente, tudo que quero fazer é me isolar no prédio da ShinBi
e treinar para valer – fazer aquele usuário engolir o que ele disse
sobre eu não estar “à altura da S.A.Y. ou do SLK”. E, por mais que eu
precisasse desse tempo com umma, sinto uma distância estranha
entre nós agora. Há tanta coisa que não posso dizer a ela.
CAPÍTULO 24
Dobrinhas

Faltando apenas dois meses para que as integrantes do grupo


sejam escolhidas, todas as garotas estão mais dedicadas do que
nunca. As salas de treino individuais ficam cheias até duas da
manhã. Durante as duas semanas que se seguem, não consigo
decidir o que é pior – a fome ou a falta de sono. Com a nova dieta
ultrarrestrita, a fome nem sempre se manifesta como dor física; é
como se fosse uma falta de vontade. Como eu estou me forçando a
intensificar meu treino, a dar 100% de mim apesar da fome, não
tenho mais energia para resistir.
Odeio admitir, mas a fome faz de mim uma trainee melhor.
Em uma sessão com a General, amarro pesos ao redor dos
tornozelos e calço salto alto em meus pés calejados, sem unhas e
cheios de esparadrapos. Quando tropeço na coreografia de “Red
Flavor” e a General grita para que eu dê vinte voltas ao redor da
sala de ensaio, eu desligo meu cérebro e simplesmente começo a
correr.
Mas não sou só eu; todas as garotas estão sem energia. Durante
nossos treinos em grupo, todas se esforçam tanto que o espelho
fica embaçado com o suor e o calor de nossos corpos. Mas nada
ficou para trás. O lado bom disso é que Helena e eu não tivemos
mais desentendimentos. É mais fácil só abaixar a cabeça e treinar.
Só falamos uma com a outra quando é realmente necessário,
quando estamos fazendo ajustes na coreografia ou trocando nossas
partes na música.
A falta de sono é coisa outro mundo – às vezes acho que estou
enlouquecendo. Em uma semana, pego no sono durante a aula de
coreano todo santo dia. A professora Lee precisa me acordar
delicadamente. Meu humor melhora e piora sem aviso e nem estou
naqueles dias do mês. Durante um treino, a General pede para
Aram e eu trocarmos de posição, fazendo com que eu tenha que me
reorientar e ajustar toda a coreografia, e um buraco se abre em
minha alma e me engole, me deixando desolada e desesperançosa,
como se eu estivesse sozinha em um campo de cinzas. Mas só por
um segundo. Sinto emoções boas de forma mais extrema também.
No terraço, durante nossa momento ao ar livre, eu me sinto
totalmente zonza e, quando JinJoo compartilha uma de suas teorias
aleatórias, alguma coisa sobre feijões-de-lima serem na verdade
sementes de couve-flor, eu rio tão incontrolavelmente e por tanto
tempo que puxo um músculo do abdômen que eu nem sabia que
existia.
Nos fins de semana, umma nota que eu estou mudando, que
estou mais quieta.
— Não é só o seu peso — ela diz —, o brilho nos seus olhos
mudou.
Um dia, enquanto estamos carregando potes de mingau de
batata que umma cozinhou para harabuji, ela está me incomodando
tanto, dizendo que eu posso desistir e que podemos voltar para
casa quando eu quiser, que eu paro no meio do caminho e explodo:
— Umma, eu não sou tão fraca quanto você pensa, o.k.? Eu
estou bem!
Imediatamente me sinto péssima e peço desculpas, mas a
preocupação dela está virando um incômodo.
Meu único refúgio é YoungBae. Como punição pelos yakgwas e
pela confusão que causei, Manager Kong me faz regar as plantas
do terraço às duas da manhã todas as noites durante o mês
seguinte. Então agora o jogo virou: sou eu quem manda mensagens
para YoungBae quando estou pronta, pegando emprestado o cartão
do sr. Jeon, o zelador, e abrindo a grande porta enferrujada do Muro
do Gênero para YoungBae; e, enquanto a professora Lee vira as
costas na aula de coreano, eu lhe devolvo o ID para que ele possa ir
ao terraço.
Todas as noites, eu rego as plantas. YoungBae se oferece para
fazer o trabalho por mim, mas eu insisto em fazer eu mesma, já que
é minha punição. Ele acha hilário que eu já tenha me metido em
problemas maiores do que os dele e faz piadas sobre eu ser a nova
bad girl do K-pop, o que, tenho que admitir, não é tão ruim assim.
Ele também me traz pedaços de comida toda noite nos bolsos.
Algumas tirinhas de frango embrulhadas em um guardanapo, uma
única linguiça do café da manhã, um ovo cozido. Eu tiro os fiapos da
comida e devoro tudo ferozmente, grata pela proteína de verdade
que meu corpo tanto deseja. Sei que estou literalmente tirando a
comida dele, comida da qual ele mesmo precisa – ele é quase trinta
centímetros mais alto que eu e o dançarino principal do seu time –,
mas ele insiste.
— Estou fazendo a minha parte para acabar com a desigualdade
de gênero no K-pop — ele diz.
Acho que estou me apaixonando.
Mas ainda não nos beijamos. Algumas vezes, quando nos
despedimos, sei que estamos muito perto, mas eu recuo. Nunca
beijei ninguém na vida e tenho medo de ser horrível nisso, ou de ter
mau hálito – comer tão pouco está me dando refluxo e eu
constantemente sinto um gosto amargo na garganta.
Em vez disso, estamos nos tocando bastante. Tipo, muito
mesmo. Já deixamos as Mãos Educadas para trás há muito tempo.
Agora é normal eu apoiar meu rosto em seu peito ou deixar ele pôr
os braços ao redor da minha cintura enquanto rego os lilases. E sim,
além de lindo, o corpo de YoungBae é quentinho. Já que não tenho
calorias para queimar, estou sempre com frio, mesmo no meio do
verão abafado de Seul. Ando tão cansada que uma vez dormi de pé
de verdade, encostada no peito dele – acho até que cheguei a
roncar e tudo. Quando acordei, lá estava ele, olhando para mim,
firme como uma pedra.

***

Depois de apenas duas horas de sono e uma série pesada de


exercícios em que JinJoo e eu corremos na esteira, tomo um banho
rápido de trinta segundos antes do café da manhã. Tiro trinta
centímetros de cabelos multicoloridos do ralo e os jogo na privada.
Pego meu caderno e estojo – vamos ter uma prova épica de
vocabulário em que precisamos saber três mil palavras dentre seis
mil possibilidades. Vou precisar enfiar uma batata-doce goela abaixo
e forçar um gole de café horrível para sobreviver a isso.
Quando estou saindo do dormitório, Manager Kong me barra na
porta. Ela está carregando o enorme estojo cor-de-rosa brilhante do
meu violão e o deixa dentro do quarto. Sinto o ar escapar dos meus
pulmões.
— Manager Kong, o que é isso?
— Você já viu algum outro estojo de violão dessa cor? Eu deixei
seu violão em uma loja especializada em instrumentos musicais em
Hongdae. Você jamais diria que aconteceu alguma coisa com ele.
A dor nos meus braços e pernas desaparece e dou um grito de
alegria:
— Manager Kong! Ele foi mesmo consertado?
— Está melhor que novo. Tão rosa que dói.
— Muito obrigada, muito obrigada, muito obrigada!
— Não me agradeça — Manager Kong suspira, olhando para seu
celular. — Agradeça Helena. Ela fez questão de pagar; eu só levei
até a loja e vim te entregar.
Fico sem palavras.
— Helena-unnie?
— Ela mesma.
Quero abrir o estojo e afinar as cordas, inspecionar o braço, o
corpo e a boca, mas Manager Kong diz, séria:
— Ei! Você não tem uma prova importante hoje? ANDANDO, AGORA!

***

Uma semana antes da nossa próxima avaliação, temos a primeira


Aula de Beleza. A primeira aula vai levar o dia todo porque cada
uma de nós vai ganhar uma consulta particular e um makeover com
o sr. Oh e suas equipes de cabelo e maquiagem, além de uma
consultoria com um estilista. Enquanto Manager Kong nos leva até o
andar corporativo, ela explica que o sr. Oh é o maior maquiador da
Coreia e já trabalhou na Fashion Week de Nova York, Paris e Seul
com algumas das modelos mais famosas do mundo, incluindo Gigi
Hadid e Chanel Iman. Agora ele é a mente brilhante por trás da
principal marca de cosméticos da ShinBi Unlimited, a GlowSong.
Pela primeira vez, Manager Kong nos guia para além da porta
sem sinalização que ela me disse ser a Fábrica da Fantasia no meu
primeiro dia, o laboratório onde todos os conceitos incríveis da S.A.Y.
são criados. Lá dentro, nós suspiramos, espantadas – é como se
tivéssemos entrado em um hangar. A sala inteira é um labirinto de
paredes móveis baixas e cortinas pretas, formando “salas”
temporárias. Em uma delas, vemos cinco manequins vestindo
figurinos de performance deslumbrantes que parecem ser feitos
inteiramente de diferentes tons de pedras preciosas brilhantes –
rubis, esmeraldas, topázios, ametistas e cristais brancos.
Ela nos leva até um quarto arrumado como um espaçoso salão
de beleza, completo com luzes de camarim e cinco cadeiras
giratórias.
— Bem-vindas, garotas, bem-vindas — cantarola uma pessoa
esbelta e graciosa com cabelos longos de um preto profundo tão
lindos quanto as mechas lustrosas de Aram. Este deve ser o sr. Oh,
que literalmente me deixa sem fôlego. Em um lugar tão dividido por
linhas rígidas de gênero, é chocante – mas um alívio – ver alguém
que obviamente não liga para isso. Ele está usando botas de caubói
(ou seria cowgirl?) de salto alto, uma roupa de faroeste com
estampa de vaca cor-de-rosa, uma bandana e um colete. Ele parece
ser uma versão asiática e rosa pastel do Woody, de Toy Story.
— Aram, Helena, Binna, JinJoo, Garota Nova. Sentem-se,
sentem-se.
Todas nos curvamos repetidamente e nos sentamos. Há uma
equipe inteira de maquiadores e cabelereiros que marcham para
dentro do salão e imediatamente começam a passar as mãos pelos
nossos cabelos e inspecionar nossos rostos.
— Que time lindo — o sr. Oh exclama, caminhando ao redor da
sala e nos observando com atenção. — Passei a manhã inteira
trabalhando com os garotos. Eles são muito bonitos, mas é bem
mais divertido trabalhar com garotas. Hora do show!
Aram, Helena e JinJoo dão gritinhos de entusiasmo. Binna e eu
trocamos olhares preocupados. O sr. Oh é tão fabuloso que tenho
medo de ele fazer eu me sentir simples e sem graça comparada a
todas as idols e estrelas de Hollywood maravilhosas com as quais já
trabalhou.
Depois de avaliar Aram – “essa já é tão linda, tudo o que
precisamos fazer é realçar o que já está aqui” –, ele se posiciona
atrás da minha cadeira e coloca meu cabelo atrás das minhas
orelhas:
— Olá, pequena. Você é tão adorável!
Agradeço com uma reverência.
— Essa aqui tem uma vibe jovial, inocente. Consigo imaginá-la
sendo chamada de “A Irmãzinha da Coreia” — diz o sr. Oh, rindo. —
Pode abusar mais de uma base leve e um blush cremoso e alegre
pra destacar essas bochechas cheias — ele diz a uma jovem
maquiadora. — Você já fez as sobrancelhas alguma vez, pequena?
— Não, senhor — respondo.
— Dá pra perceber — ele diz, com uma risada bondosa. Ele pede
para a maquiadora “aparar e afinar as sobrancelhas” e então se
distrai com algo no meu rosto. Uma ruga aparece em sua testa
perfeitamente lisa. — Oh, pequena. Você não tem a dobrinha das
pálpebras.
Vejo minhas orelhas ficarem vermelhas-vivas no espelho. Não,
não tenho dobrinhas: meus olhos são como dois buracos no formato
de bolas de futebol americano feitos com estilete numa fatia de
queijo, não há nenhum sinal de dobrinha em cima ou embaixo.
Muito embora a maioria dos coreanos não tenha dobrinhas, esse
não é considerado um ideal de beleza. Já vi vários trainees fazerem
cirurgia para ter dobrinhas, tanto garotas como garotos. BowHee fez
a cirurgia em um olho de cada vez e usou um tampão de olho
enquanto eles cicatrizavam para que ela não tivesse que parar de
treinar. Não julgo ninguém por fazer a cirurgia, mas, para mim, é a
mesma coisa que o meu nariz: quero que meus olhos se pareçam
com os de umma, abba e Tommy.
Prendo a respiração, esperando que o sr. Oh me pressione a
fazer a cirurgia. Mas, em vez disso, ele diz:
— Pessoalmente, acho que olhos sem dobrinha são lindos. As
agências de K-pop são tão ávidas pra sugerir cirurgia. Uma boa
maquiagem consegue fazer tudo o que as cirurgias fazem, exceto
pela melhor parte: são cem por cento removíveis. Não é, pequena?
— Ele dá um tapinha na ponta do meu nariz.
Para minha surpresa e satisfação, ele diz à cabelereira para tingir
meu cabelo de loiro platinado, “para levá-la a outro patamar”, para
transformar meu visual em algo “só um pouquinho inalcançável”.
Sempre sonhei em ter um cabelo como o dos Targaryen, mas nunca
pensei seriamente na possibilidade de tingi-lo. Umma jamais
permitiria e parecia drástico demais. Mas estou nas melhores mãos
possíveis agora. Balanço a cabeça, animada, e digo:
— Vamos lá!
A cabelereira começa a descolorir meu cabelo e minhas
sobrancelhas. O processo leva seis horas, cheira muito mal e
queima meu couro cabeludo, mas o tempo passa voando porque o
sr. Oh é muito divertido – ele faz todos na sala se acabarem de rir.
Ele adora citar nomes e é um mestre da modéstia, dizendo coisas
como “Ai, meu Deus, é tão difícil, sabe? Uma vez fiz a maquiagem
de Jeon DanHee como um favor quando o maquiador pessoal dela
estava doente e, depois, ela disse: ‘Sr. Oh, eu te odeio. Sou leal ao
meu maquiador, mas agora que eu trabalhei com você, sempre vou
saber o que estou perdendo!’”.
Ao final da sessão, estou transformada. Eu me levanto da cadeira
e me olho bem de perto. Poderia encarar o espelho pelo resto da
vida.
Estou parecendo uma idol.
A maquiagem do meu olho, combinada à sobrancelha desenhada
e clareada, mudou todo o meu rosto – fez tudo parecer simétrico,
satisfatório e em ordem, como um quebra-cabeça finalizado. A
maquiagem é mais pálida do que estou acostumada, mas está
perfeitamente uniforme e natural – estou brilhando, sem manchas,
esbanjando saúde e luz, mesmo que por dentro esteja exausta e
esfomeada.
E o cabelo platinado como o de Daenerys faz com que eu pareça
a Mãe dos Dragões coreana. Pareço “inalcançável” até para mim
mesma. Não consigo parar de fazer biquinho com meus lábios rosa-
Barbie; estou vivendo minha fantasia de verdade.
Helena e Aram não passaram por uma transformação tão
drástica quanto a minha, mas a beleza natural das duas foi realçada
– a pele delas está mais fresca e seus cabelos ainda mais
impecáveis. Com JinJoo, os artistas seguiram um conceito mais
experimental, usando sua vibe anime como base – uma de suas
tranças cheias foi tingida de um azul elétrico, a outra está
completamente laranja, e há estrelas e arco-íris de glitter em seu
rosto. Ela está incrível, como um unicórnio de mangá saído de um
sonho.
Mas é quando Binna se vira para nós que todas morremos.
Levamos um tiro.
— Essa é a minha transformação favorita de todas — o sr. Oh diz
em uma voz dramática e abafada.
Com Binna, ele seguiu uma direção completamente diferente do
resto de nós; de um modo geral, o estilo de maquiagem coreana é
suave e “natural”, mas o sr. Oh usou técnicas ocidentais vistas nas
produções das Kardashian e drag queens: contorno nas bochechas
e no maxilar, bastante iluminador no nariz, pontos altos e, claro,
destaque no arco do cupido. Binna sempre gostou de batons
escuros, pretos e até azuis, mas agora está usando um tom
profundo cor de ameixa, que combina perfeitamente com ela. Ele
ondulou levemente seus longos cabelos pretos, que agora caem
como cascatas sobre suas costas. É incrível como esse estilo ficou
bem nela – em vez de tentar suavizar seus traços fortes e únicos
que não se encaixam nos padrões coreanos, o sr. Oh os realçou.
Binna olha para nós timidamente, esperando nossa reação.
— Sinto muito, Aram — digo depois de um minuto de silêncio
contemplativo —, mas acho que temos uma nova Visual no Time 2.
Aram sorri e diz:
— Às vezes precisamos saber quando passar a coroa.
— Vocês acham mesmo que estou bonita? — pergunta Binna. —
Não é um pouco demais?
JinJoo balança a cabeça, seus olhos marejados. Até Helena
elogia:
— Você está linda.
Manager Kong retorna e nos enche de elogios sobre a nossa
aparência.
— Esse é mesmo o meu time? — ela pergunta, maravilhada. —
Parece que vocês já debutaram!
Manager Kong nos apressa até a próxima sala, que está cheia de
araras de roupas nas paredes. Uma equipe de estilistas entra como
um tornado da moda. Sou coberta de peças e me mandam
experimentar várias coisas. Em minutos – os estilistas já têm todas
as nossas medidas – estou usando a saia de couro preto mais curta
que já vesti na vida, uma regata de seda preta (sem decote) que
expõe apenas alguns centímetros da barriga e um longo casaco
verde-escuro de pelos de camelo que vai até o chão.
É bem mais descolado e ousado do que qualquer coisa que eu
escolheria, e definitivamente nunca mostrei minha barriga antes,
mas, pela primeira vez na vida, consigo ver a linha fina e discreta de
um músculo abdominal. Juntas, nós cinco parecemos uma gangue
de garotas prontas para matar.
Os estilistas, cabelereiros e maquiadores nos levam até um canto
do andar que foi transformado em um estúdio improvisado cheio de
luzes e um bando de pessoas andando para lá e para cá ao nosso
redor tentando parecer superocupadas. Fazemos uma reverência
para um fotógrafo de cavanhaque e pele oleosa chamado sr. Choi,
que, segundo Manager Kong, é muito importante: ele fotografou as
capas dos quatro últimos miniálbuns do SLK, além de várias idols
para a Vogue Korea. Ele nos posiciona na frente de um fundo
branco. Sem perguntar nossos nomes, grita com seus assistentes
para que nos reposicionem: Aram no meio (é claro), com JinJoo e
eu nas extremidades.
— Você e você! — ele diz, apontando para Helena e Binna. —
Troquem de lugar. Você, a segunda mais bonita. —— Ninguém
precisa perguntar para saber que ele está falando de Helena. —
Fique ao lado da baixinha. — Que sou eu, no caso. — Vocês duas
são o oposto uma da outra. Quero que se complementem.
Sem hesitar, Helena começa a me usar como acessório,
apoiando a mão no meu ombro, colocando seu rosto
desajeitadamente perto do meu, me abraçando por trás – eu tento
afastá-la, mas Helena nasceu para posar, e fica mudando de
posição a cada clique da câmera do sr. Choi.
— MEXAM O ESQUELETO! — o sr. Choi grita. — Mudem suas
expressões, colaborem comigo. Ei, você, a assustadora. — Ele está
falando de Binna num tom não muito querido. Só para deixar claro,
a Scary sempre foi minha Spice Girl favorita. — Sua expressão é
muito séria! Nenhum homem vai te querer com uma cara dessas!
Estou tão desconfortável que começo a suar e uma maquiadora
precisa vir a cada minuto para aplicar pó no meu rosto. Queria que o
sr. Oh tivesse ficado para a sessão de fotos. O sr. Choi está nos
tratando como se fôssemos suas bonecas.
— Ei, cara de lua! — o sr. Choi grita.
Sinto minhas quatro colegas ficarem paralisadas. Sei que isso é
um insulto bem ruim, e ele está falando de JinJoo.
— Coloque uma perna na frente da outra, faça alguma coisa pra
parecer um pouco mais magra! — ele grita.
JinJoo se curva e pede desculpas, com olhos marejados.
— Ei, baixinha! Vá para o canto ao lado da cara de lua. Talvez
você possa esconder um pouco do corpo dela com o seu.
Sei que vou me arrepender disso algum dia, mas obedeço sem
dizer uma palavra.
Não parece possível questionar qualquer coisa – há tantas
pessoas que nunca vi antes nesse estúdio, todas de preto, todas
incrivelmente intimidadoras e muito mais velhas que eu. Eu me sinto
tão julgada com todas essas luzes fortes e quentes voltadas para
mim e um fotógrafo de moda famoso apontando meus defeitos e
escrutinizando cada movimento e expressão que faço. Nenhuma
das outras garotas se manifesta, nem Manager Kong; ela está
digitando em seu celular.
Há uma razão específica que me impede de falar alguma coisa:
estou faminta e exausta para caramba. Toda essa Aula de Beleza já
durou tanto tempo que pulamos o almoço e o jantar e estou preste a
desmaiar. Quando o sr. Choi grita para que eu “PRESTE ATENÇÃO!” e
colabore com ele, faço algumas poses que aprendi assistindo
America’s Next Top Model. Eu sorrio com os olhos, faço a pose da
Boneca Quebrada, faço um arco com meus braços atrás da cabeça
como em um editorial de alta costura. Sinto que estou sendo
aleatória, mas o sr. Choi gosta.
— Isso, baixinha, mais disso aí, finalmente!
Qualquer coisa para fazer essa sessão de fotos terminar mais
rápido.

***

Depois, de volta ao dormitório, nós cinco acabamos com uma caixa


inteira de lenços demaquilantes. Sem uma palavra, Helena leva o
saco de lixo cheio de lenços sujos até a lata de lixo pela primeira
vez.
Consolamos JinJoo, chamando o sr. Choi de babaca e machista,
mas ela insiste em dizer que está bem, mesmo que leve muito mais
tempo para tirar o delineador dos olhos.
Desabo na cama, morta de cansaço. Assim que todas as luzes se
desligam, exceto minha luminária de leitura, ouço soluços e choro.
Não é só JinJoo. Helena, que só recebeu elogios, também está
soluçando. Eu entendo – tenho vontade de chorar também. Até as
partes divertidas da Aula de Beleza com o sr. Oh foram
emocionalmente exaustivas. Não é fácil ter que se olhar de todos os
ângulos, lidar com estranhos cutucando e picando seu corpo e te
julgando, silenciosamente ou em voz alta.
Mas ainda preciso escrever minha música. É um hábito que
mantenho toda noite, mesmo quando a única coisa em que consigo
pensar é em como odeio batata-doce. Hoje, porém, as palavras vêm
a mim logo de cara.

Garota sem dobrinhas


Meus olhos estão bem abertos, eles enxergam sem problemas
Talvez seus olhos com dobrinhas façam você ver em dobro
Você não consegue distinguir o que é real e o que é só ilusão
CAPÍTULO 25
Rainha da fofura

Meu time e eu aguardamos em uma sala de espera fria e nada


aconchegante no quinquagésimo andar por uma hora inteira antes
da nossa segunda avaliação. Estou ouvindo “Red Flavor”, do Red
Velvet, pela milésima vez. Faço a coreografia na minha cabeça. Tive
dificuldade com a pronúncia do coreano no começo, mas Clown
Killah explicou a diferença entre cantar em inglês e em coreano de
um jeito que me ajudou bastante: o coreano tem sílabas curtas e
fortes; é preciso respirar de um jeito diferente e suavizar as
consoantes.
Cada uma das minhas colegas está em seu mundinho particular,
murmurando a letra da música. Estamos superacordadas porque
Manager Kong nos deu um shake com proteína extra de manhã e
uma enfermeira nos deu injeções de vitamina B-12 há alguns
minutos.
A porta da sala de conferências finalmente se abre, dando
passagem para Manager Shin e o Time 3, do qual ShiHong, da aula
de coreano, faz parte. Elas acabaram de apresentar “I’m So Sick”,
do Apink, para os executivos, e vestem smokings descontruídos.
Nossos times se curvam um para o outro e tento ler as expressões
do Time 3 para ver como foi a avaliação delas, mas todas estão com
os rostos indecifráveis. O rosto de ShiHong é sempre indecifrável.
Fomos informadas de que vamos receber pouco feedback nessa
apresentação, já que o CEO Im é um homem muito ocupado e
precisa ver todos os dez times femininos hoje. Mais uma vez,
estamos seguindo a ordem inversa, começando com o Time 10.
Enquanto nossa última avaliação durou mais de doze horas, essa
durou apenas duas até agora.
De manhã mais cedo, tivemos outra sessão de figurino. Os
estilistas tiveram a ideia de seguir um tema de frutas e sorvetes, já
que “Red Flavor” é uma música alegre e animada de verão que fala
sobre tudo que é melosamente doce: “morangos derretidos”, “suco
de pêssego”, “sorvete derramado”. Estou vestindo uma saia de
paetês (super, supercurta, claro) que parece um pedaço de
melancia, uma sandália de salto vermelho brilhante e outra verde. O
figurino de Aram tem o tema de morango, o de Helena é sorvete,
Binna é mirtilo e JinJoo é pêssego. Estamos todas usando laços
enormes no cabelo. O meu me faz parecer uma participante de um
concurso de beleza infantil, mas por mim tudo bem – já que meu
cabelo subitamente decidiu se autodestruir alguns dias depois de
ser descolorido e esse laço ridículo está cobrindo toda a minha
cabeça.
Uma assistente executiva com o cabelo meticulosamente
repartido acena para entrarmos na sala de conferência. Manager
Kong entrega nossos microfones sem fio; como a sala não tem um
sistema de som completo, não estamos usando in-ears. Sem
demora juntamos nossas mãos e gritamos “HWAITING!”.
Então fazemos uma fila – Binna na frente, Aram no centro e eu
no final –, exibindo sorrisos enormes, e entramos na sala como
praticamos por cinco horas com Manager Kong: nossos saltos mal
fazem som contra o chão de madeira, nossos dedos estão
estendidos com delicadeza ao lado dos nossos corpos, nos
certificando de que estamos mantendo uma distância precisa da
garota na nossa frente. Minhas pernas estão cobertas de base e
estou usando uma meia-calça no meu tom de pele para esconder
minhas feridas. Nosso conceito para essa performance é
ultrafeminino; precisamos manter essa aura do momento em que
entramos até o instante em que sairmos.
Assim que ocupamos nossas posições na frente da sala, nos
apoiamos em um pé só, cruzamos nossas pernas elegantemente e
fazemos uma reverência profunda. Binna conta até três e dizemos
em uníssono, com vozes finas e delicadas:
—— Annyeong hashimnikka. — A palavra ultra, ultraformal para
“olá”. — Somos o amável e talentoso Time 2!
Parada ali, meu coração começa a martelar como uma batida de
música eletrônica. Nunca estivemos nessa sala antes, mas Manager
Kong a descreveu detalhadamente e até desenhou diagramas para
que soubéssemos exatamente onde cada executivo e investidor
estaria sentado.
É um ambiente espaçoso com duas paredes que são janelas do
chão ao teto – estamos mergulhadas na luz dourada do fim de
tarde. Uma mesa ocupa a maior parte da sala, então temos pouco
espaço para dançar. CEO Im está sentado à ponta da mesa; ele tem
o corpo de um halterofilista e a cabeça mais retangular e enorme
que eu já vi, do tamanho e formato de uma piñata do Bob Esponja.
CEO Sang está sentado à esquerda dele e Madame Jung à direita.
Dois investidores estão sentados ao lado dos dois: CEO Rho, da
Elektro Hydrate, uma empresa de bebidas energéticas; e o outro,
CEO Noh, comanda uma empresa que constrói túneis que
atravessam montanhas.
— Ah, o famoso Time 2 — o CEO Im diz com uma voz áspera. —
Ouvi muitas coisas boas sobre vocês.
Nos curvamos muitas outras vezes e rimos delicadamente. Até o
CEO Sang parece ansioso e agitado na presença do CEO Im. Ele diz:
— Sim, essas cinco são nossas melhores. — Ele nos dirige um
olhar de quem diz “não façam besteira”. — Quando estiverem
prontas, meninas.
As câmeras estão ligadas, filmando tudo para enviar ao SLK
enquanto eles estão na Europa em turnê. Com muito mais em jogo,
estou dez vezes mais nervosa do que na última avaliação.
A faixa que gravamos com Clown Killah explode mais alta do que
esperávamos pela sala.
Mas estamos preparadas para qualquer coisa. Entramos no
modo performance. Diferentemente da outra vez, minha mente não
se separa do meu corpo. Passamos tantas horas praticando juntas
que sei exatamente aonde meus pés devem ir e onde minhas
unnies estão na formação sem ter que virar a cabeça. Quando
fazemos uma série de chutes sincronizados na velocidade de um
raio, minhas pernas sobem quase tão alto quanto as das outras. Sei
exatamente quando devo sorrir, jogar o cabelo, fazer um biquinho e
piscar. É difícil me ouvir cantando, mas sei precisamente como soo
e quando são as minhas deixas. Helena e eu harmonizamos
perfeitamente no pré-refrão. JinJoo solta uma nota G alta e nítida na
ponte. Binna arrasa no rap. E Aram, tenho certeza, está linda de
morrer.
No final, terminamos a coreografia em poses delicadas – estou
com as mãos sob meu queixo e piscando para mostrar meus longos
(e falsos) cílios.
Não há aplauso, assim como Manager Kong nos avisou.
Mantemos sorrisos luminosos e tentamos não respirar com muita
força, mesmo que essa coreografia “simples” e “hiperfeminina” seja
duas vezes mais exaustiva do que os movimentos fortes que
fizemos em “Problem”. Voltamos para nossa formação em uma linha
perfeitamente reta e ficamos paradas com nossas poses delicadas –
pernas grudadas, joelhos levemente cruzados, um pé um pouco fora
do chão. Como a General descreveu, “fiquem paradas de um jeito
que pareça que qualquer ventinho pode derrubar vocês, mesmo que
estejam perfeitamente equilibradas”.
Os executivos à mesa se viram para que o CEO Im fale primeiro.
Finalmente, ele diz:
— Que performance brilhante e alegre. E que garotas atraentes.
CEO Sang solta um suspiro de alívio.
— Obrigado. Sim, também acho que elas fizeram um excelente
trabalho. Aram é a nossa melhor Visual e ela personificou a música
perfeitamente como Center.
— Sim, ela é muito bonita — CEO Im diz. — Ela poderia se tornar
a próxima Rainha dos CFS da nação.
— Ela seria perfeita para uma das nossas campanhas — CEO
Rho concorda.
Aram se curva profusamente, agradecendo. Madame Jung
apenas dá um sorriso frio.
— Cho Helena e Park Candace são dos Estados Unidos — CEO
Sang explica. — Elas se mostraram duas de nossas trainees mais
esforçadas. Candace está conosco há apenas dois meses, mas
suas habilidades de dança melhoraram demais. Ela também teve a
melhor nota da sua turma na prova de vocabulário coreano: 98%.
CEO Im levanta as sobrancelhas e exclama:
— Uau! Garota esperta.
Não acredito que estejam todos tão impressionados com isso.
Dois dias depois da prova, a professora Lee postou as notas da
turma, da maior para a menor. Fiquei em primeiro lugar, com 98%,
Helena ficou em segundo, com 74%, e YoungBae estava bem no fim
da lista, com 36%. A notícia chegou até Manager Kong, que me
presenteou com um pedaço minúsculo de bolo de morango como
recompensa.
A foto do nosso time, tirada pelo sr. Choi, aparece em um projetor
atrás de nós. Minhas memórias de como estávamos miseráveis
durante a sessão de fotos são quase completamente apagadas
quando vejo como ficamos poderosas. Viramos nossos pescoços
sem sair de nossas poses “delicadas” e soltamos suspiros de
espanto. Parece um pôster real de um grupo de K-pop Girl Crush.
CEO Im balança sua cabeça gigantesca:
— Wahhh, cham meoshitda.
O que traduzo livremente como: “vocês estão destruidoras”.
CEO Sang diz:
— Perceba que o conceito da foto é exatamente o oposto da
performance que o senhor acabou de ver. Essas garotas
conseguem personificar todas as facetas de ser uma mulher.
Quero lembrá-lo de que há mais formas de ser uma mulher além
dos Conceitos Cute e Girl Crush, mas vou aceitar qualquer elogio
que conseguir hoje.
Depois da avaliação de grupo, cada uma de nós vai apresentar
nossas performances solo, pré-aprovadas por Manager Kong, para
avaliação individual. Binna vai primeiro, temporariamente saindo de
sua persona elegante para um solo de dança estilo livre ao som de
“Beez in the Trap”, da Nicki Minaj. Quero gritar um “yas, queen!”,
mas me contenho. Os CEOs elogiam a dança de Binna, mas
Madame Jung diz que ela é muito musculosa e deveria cobrir mais
seu abdômen e braços. Preciso de todas as minhas forças para não
revirar os olhos.
JinJoo quase quebra os vidros das janelas com sua versão de
“Reflection”, da Christina Aguilera. CEO Sang a elogia por perder
peso, mas diz que ela deve perder mais. Aram faz um monólogo
divertido do K-drama Cheese in the Trap; a atuação dela é
exagerada, mas ela é superengraçada, o que me surpreende. Ela
consegue os primeiros aplausos da avaliação de todos os homens
da sala. Helena canta “Part of Your World”, de A pequena sereia, à
capela, como uma princesa da Disney, e tudo o que se ouve são
comentários sobre seus belos cabelos e sorriso.
Sou a última e, para minha apresentação solo, Manager Kong
entrega meu violão, pré-afinado. Manager Kong pré-aprovou minha
apresentação de “Expectations vs. Reality”, mas, naquele momento,
decido cantar algo diferente. Estou cansada de fingir que sou uma
garota perfeita que parece poder ser derrubada pela mais suave
brisa. Além disso, a injeção de vitamina B-12 e toda aquela proteína
estão me fazendo querer virar a própria Mulher Hulk. Começo a
tocar:
Sou doce quando preciso, forte quando preciso
Não me subestime, vou te derrotar no seu próprio jogo
Porque eu sou uma yeowoo, yeowoo, é isso mesmo, negga
yeowoo dah.

Então, durante todo o refrão, uivo em um tom agudo e


cadenciado. Sou levada pelo momento. Uivo como se fosse uma
raposa na tundra do Ártico chamando pela lua – ou são só os lobos
que fazem isso?

Baby, negga yeowoo dah. Baby, sou uma raposa.

Fecho os olhos e vejo até onde meus uivos podem ir. Ao final do
refrão, quase alcanço um falsete, algo que nunca me ouvi fazer
antes.

Ahwooooooooooooo!

Quando abro os olhos, Manager Kong está boquiaberta. Os CEOs


piscam na minha direção como pintinhos que acabaram de sair dos
ovos, abrindo os olhos pela primeira vez. Madame Jung me encara
com olhos semicerrados.
Não sei o que mais posso fazer, então me curvo.
— Obrigada por ouvirem — digo.
Mais silêncio.
Subitamente, CEO Im joga a cabeça para trás e solta fortes
risadas na direção do teto. CEO Sang interpreta isso como sua deixa
para rir também. Os CEOs Rho e Noh se juntam aos dois.
Os absorventes nas minhas axilas estão molhados de suor. Qual
é a graça?
Quando CEO Im finalmente recupera o fôlego, ele diz:
— Uma garota de aparência tão inocente cantando palavras tão
ousadas!
Madame Jung sorri friamente, dizendo:
— Isso é apropriado para uma garota tão jovem?
— E com um violão cor-de-rosa — CEO Noh diz, ofegante.
— Essa garota é a rainha da fofura — CEO Im diz. — Ousadia não
é sempre uma coisa ruim para uma jovem garota. É como diz
aquele velho ditado: “um homem pode viver com uma esposa
yeowoo, mas nunca com uma vaca”.
Os homens à mesa riem ainda mais alto. Minhas orelhas estão
queimando. O que diabos esse ditado quer dizer? E quem é que
falou qualquer coisa sobre ser a esposa deles? Alguns deles são
quase tão velhos quanto meu harabuji.
— Ela tem uma boa voz, também — CEO Rho diz. Ele se vira para
mim. — Você escreveu essa música?
— Sim, senhor — digo, e me curvo para agradecer o primeiro
elogio de verdade que recebi.
— Bom, CEO Sang, seu trabalho já está feito — CEO Im diz. —
Esse é o melhor time até agora, e vejo que cada uma tem um
elemento que você gostaria de ter no grupo. Se ao menos você
tivesse cinco garotas que cantassem tão bem quanto Candace,
tivessem a aparência de Aram, os charmes de Helena e dançassem
tão bem quanto Binna.
Olho para JinJoo, a única garota não mencionada, mas ela não
demonstra nenhuma outra emoção além de satisfação.
— Mas, veja só, CEO Im — CEO Sang diz. — Se há uma coisa que
aprendi sobre formar grupos de idols, é que um grupo perfeito está
destinado ao fracasso. Não queremos cinco One.Js. Precisamos de
um Wookie também. É tudo uma questão de equilibrar direito os
pontos fortes e os fracos.
CEO Im bate na mesa.
— Bom, nesse caso, acho que você pode estar diante do seu
grupo.

***
Mesmo que nem todas as partes da nossa segunda avaliação
tenham sido incríveis, o Time 2 está nas alturas naquela noite por
ter sido considerado o time favorito do CEO Im e pela possibilidade,
por menor que seja, de que talvez nós cinco sejamos escolhidas
para debutar. Desde que Helena consertou meu violão, estou
começando a ter um pouco de esperança de que possamos ser pelo
menos colegas de time.
Nem tomei bronca por ter cantando uma música diferente.
Manager Kong disse:
— Só queria que você tivesse me avisado. Gostei da sua música.
De volta ao dormitório, JinJoo diz, modestamente:
— Se todo grupo precisa de defeitos, como o CEO Sang disse,
acho que posso ser o defeito do nosso grupo.
Todas nós dizemos “Nãoooooo!” e fazemos questão que ela
dance ao redor do quarto conosco ao som de “Unicorn”, do SLK;
“Ddu-Du Ddu-Du”, do BlackPink; “Dumb Dumb”, do Red Velvet; e
“Fancy”, do Twice. Depois de um tempo, uma garota do Time 3 bate
na parede fina como papel que separa os quartos e grita “CALEM A
BOCA, ESTAMOS TENTANDO DORMIR!”. Binna desliga a música logo de
cara e grita de volta “Mil desculpas!”, mas o resto de nós ri, fazendo
tanto barulho quanto antes.
Bem depois da uma da manhã, nós cinco estamos finalmente
deitadas e fazemos algo que nunca fizemos durante todo o meu
tempo como integrante do time: conversamos a noite inteira, como
se estivéssemos em um acampamento de verão. Fofocamos sobre
nossos crushes trainees. JinJoo admite gostar de um garoto do
Time 4 chamado YoonChul e que tem um piercing na sobrancelha;
Binna gosta de Noah, um garoto metade canadense que está na
minha aula de coreano; Aram não gosta de nenhum dos trainees, só
de ChangWoo, do SLK. Helena afirma que está tão focada nos
treinos que “não presta atenção em nenhum dos garotos”.
— Ugh, Helena, você é tão no-jam — Binna diz.
— E você, Candace? — JinJoo pergunta.
— Ah, eu sei — Aram diz, batendo as mãos. — Ela gosta daquele
menino fofo. Aquele engraçadinho que dança hip-hop, YoungBae.
— É verdade, é verdade! — Binna diz, batendo as mãos. — Eu
notei o jeito como você olha pra ele no refeitório.
— Eu não gosto dele! — insisto. — A gente só conversa um
pouco na aula de coreano, só isso.
— Isso é mais do que a maioria de nós consegue — JinJoo diz.
Espero Helena me denunciar, mas, felizmente, ela fica em
silêncio.
— Bom — brinco —, meu coração pertence ao One.J, de
qualquer forma.
— Isso é óbvio — JinJoo diz. — Todas gostamos dele. O mundo
inteiro também.
— Duh — Aram diz. — Eu nem gosto de caras mais novos, mas
One.J? Eu seria a noona dele.
Todas nós morremos de rir.
— Obviamente, One.J vai escolher Aram para o MV solo dele —
JinJoo diz com um suspiro. — Ah, imagina ser Kim Aram por um dia.
— Ah, nem vem com essa! — Aram responde, embora eu
consiga ouvir a satisfação na voz dela.
Enquanto encaro o teto escuro, me pergunto se existe alguma
chance de One.J me escolher. Ou, mesmo que One.J quisesse me
escolher, será que a empresa o faria escolher uma das garotas mais
bonitas que eu, sem um nariz largo e com dobrinhas nas pálpebras?

***

Na manhã seguinte, no refeitório, as batatas-doces estão


particularmente frias e sem gosto. Estou cansada e emburrada. Meu
antes glorioso cabelo de Targaryen praticamente derreteu nas
minhas mãos durante o banho hoje de manhã. Achei um único fio
com onze pontas – parecia a perna de um grilo (hmm, até grilo frito
soa apetitoso a essa altura). A cor ainda é a mesma, mas meu
cabelo está tão seco que precisa de incontáveis hidratações. Binna
me emprestou o boné “POWDER PUP” dela para eu esconder essa
monstruosidade cor de palha.
Enquanto sofro para engolir uma batata-doce pastosa, digo para
Binna:
— Faz tempo que quero te perguntar: o que significa “Powder
Pup”, afinal de contas?
— Ah, você sabe. É aquele desenho americano que eu amo.
Powder Pup Girls. Eu mesma fiz o boné.
— Powder Pup? — pergunto. Depois entendo o que ela quis
dizer. De repente, me animo um pouco. — Você quer dizer
Powerpuff Girls – As meninas superpoderosas?
— Sim, Powder Pup Girls. Foi o que eu disse.
Caio na gargalhada por um minuto inteiro enquanto Binna me
encara, confusa, perguntando:
— Qual é a graça?
Manager Kong e Manager Shin interrompem meu ataque de riso.
Do meio do refeitório, Manager Kong grita:
— Meninas! Escutem! Temos três notícias importantes pra vocês.
A metade das garotas do refeitório fica em silêncio
imediatamente.
— De modo geral, CEO Sang e CEO Im ficaram muito satisfeitos
com o que viram na avaliação de ontem — Manager Shin, que cuida
dos cinco times de garotas que Manager Kong não administra, diz.
— CEO Sang pôde ver que todas vocês sofreram e melhoraram
bastante no último mês. Por isso, a dieta restrita acabou. Vamos
voltar às refeições de sempre pelo próximo mês.
Todas as garotas comemoram. Eu aperto as mãos de RaLa e
BowHee, estamos tão animadas. De volta às porções decentes!
— Entretanto — Manager Kong diz em meio à comoção — vocês
vão precisar dessa energia, porque sua próxima avaliação vai ser a
última antes do CEO Sang decidir quem vai debutar. Para essa
avaliação, cada time terá que fazer dois stages com conceitos
opostos. As apresentações acontecerão no Estádio Olímpico de
Seul e serão transmitidas ao vivo… para toda a Coreia, para o
mundo inteiro, pelo canal YNN.
Há um pandemônio na sala. Estamos surtando, segurando umas
nas outras. Algumas garotas estão soluçando de verdade — várias
delas treinaram para esse momento por anos e anos, por toda a sua
infância.
— Vai ser um programa especial em três partes — Manager Shin
diz dramaticamente —, chamado S.A.Y. 50, por causa das cinquenta
trainees que esperam debutar. — Espio pelo Vidro do Gênero; os
garotos estão recebendo a mesma notícia de seus managers e
estão todos comemorando, socando o ar e pulando uns em cima
dos outros. Vejo YoungBae tão tomado de emoção que cobre o
rosto com as mãos.
Estou tão feliz por ele. Estou animada por nós dois.
— As primeiras duas noites da apresentação especial serão os
stages. CEO Sang e o SLK serão jurados, pra garantir que toda a
Coreia esteja assistindo, e os fãs coreanos vão poder votar nos
seus trainees favoritos.
Mais gritaria, mais choro, mais pandemônio.
— A terceira parte do especial — Manager Shin continua,
sorrindo — será na semana seguinte. Vai ser a coroação ao vivo do
girl group final. CEO Sang vai levar em consideração a opinião dos
jurados e os votos do país, mas a decisão final será só dele. Será
um momento mágico que os fãs de K-pop ao redor do mundo jamais
esquecerão.
As managers nos deixam surtar por um minuto. Estou
praticamente tendo um infarto. Binna e JinJoo estão soluçando de
tanto chorar, apoiando-se uma na outra.
Agora é para valer.
Não importa o que aconteça, daqui a apenas um mês vamos
conhecer nossos destinos, de um jeito ou de outro. Ou eu serei
parte do girl group mais esperado de todo os tempos, da agência de
K-pop mais poderosa, ao lado da boy band mais bem-sucedida na
história do K-pop, ou voltarei para Fort Lee Magnet para começar
meu terceiro ano, cheio de aulas avançadas, de volta à seção das
violas e air-bowing ao lado de Chris DeBenedetti. As duas opções
parecem igualmente impossíveis. Surreais demais.
Depois que finalmente nos acalmamos, Manager Kong diz:
— Temos também uma má notícia. Não pra vocês, mas pra seus
amigos no outro lado do prédio. O boy group em treinamento, SLK
2.0, não vai debutar como planejado. CEO Sang acredita que os
garotos precisam de um pouco mais de tempo e que o girl group
deve ter a atenção total do público durante um momento tão
decisivo. Infelizmente, isso também significa que metade dos
garotos vai ser cortada do programa hoje.
As garotas soltam um suspiro de espanto e todas nós olhamos
através do Vidro do Gênero. Agora percebo que os garotos não
estavam comemorando antes; estavam gritando de raiva e
decepção. Muitos estão chorando. Procuro por YoungBae de novo –
ele está sentado no chão com o queixo apoiado nos joelhos,
soluçando. Por favor, alguém me diz que ele não foi cortado.
— Ah, e um último anúncio — Manager Kong diz. — One.J foi
generoso ao assistir suas performances coletivas e individuais
durante a noite em uma de suas pausas da turnê, em Copenhagen.
Ele escolheu uma garota para aparecer em seu MV solo, que vai
estrear um pouco antes da apresentação. Ele vai voar de volta a
Seul para filmar com essa trainee dentro de três dias. E essa trainee
é… Park Candace.
Naquele momento, quarenta e nove pares de olhos cansados e
avermelhados se voltam para mim, arregalados de horror, fascínio e
surpresa. Meus braços formigam e começo a enxergar tudo em
dobro. De repente, o piso brilhante de linóleo do refeitório está vindo
na minha direção.
CAPÍTULO 26
Quem sou eu?

— Harabuji não falou nada esta semana — umma diz —, mas ele
entende tudo o que dizemos.
No hospital, harabuji parece péssimo, pior do que antes. As
escleras dos olhos dele têm um tom perigoso de amarelo, da cor de
sapos venenosos. Seus olhos me seguem enquanto eu ponho um
pano molhado sobre sua testa. Umma leva uma colher de purê de
batata a seus lábios, mas ele os mantém fechados.
Eu me dou conta de que, enquanto eu estava desmaiando com a
notícia de que One.J escolheu a mim dentre outras quarenta e nove
garotas, meu harabuji estava aqui, se recusando a comer.
— Seu harabuji sempre teve um bom apetite — umma diz. — O
fato de ele não querer comer…
Massageio as orelhas oleosas dele entre meus dedos. Umma me
instruiu a ter bastante contato com ele, já que pessoas idosas
acamadas não são muito tocadas.
— O apetite dele vai voltar, umma. Olha para os olhos dele. Ainda
estão aguçados.
Umma sorri para mim com todo o seu rosto.
— Olha só a minha Candace, tão madura, cuidando tão bem do
seu harabuji.
Sorrio de volta, mas me sinto tão culpada. Mesmo sentada aqui,
não paro de pensar que vou participar do MV de One.J e de me
lembrar de todos os olhares de inveja no refeitório. Há um tempinho
já, tenho vivido como se a vida dentro da S.A.Y. fosse a única real –
tudo é tão intenso, novo, perigoso e entusiasmante lá – e tudo do
lado de fora: esse país vasto e pulsante, onde minha mãe e meu
avô nasceram, onde meus ancestrais nasceram, fosse só uma
distração. No último fim de semana, viemos para o hospital e
harabuji estava falando sem problemas, me perguntando “Nah-neun
nu-gu-jee?” – Quem sou eu? – como sempre. Minha mente estava
tão consumida pela notícia na TV de que o QueenGirl estava
oficialmente acabado por causa do escândalo envolvendo Iseul e
HyunTaek – todas as integrantes choravam copiosamente em uma
coletiva de imprensa, especialmente WooWee – que só murmurei
uma resposta vaga.
Agora percebo que talvez aquelas tenham sido as últimas
palavras que harabuji me disse.
— Harabuji — digo, focando em seus olhos. Aponto para mim
mesma. — Nah-neun nu-gu-jee??
Ele olha para mim. O canto esquerdo de seus lábios se move
levemente para cima e ele levanta o dedo em minha direção.
— Isso mesmo — digo, batendo palmas. — Sou eu, Candace.

***

Não vamos direto para o apartamento quando saímos do hospital.


Em vez disso, umma e eu caminhamos de braços dados pela feira
de Namdaemun, olhando para as panquecas de mel fumegantes,
tteokboki, corn dogs coreanos e doces fritos com gemas salgadas
no meio.
Cada prato é delicioso e barato e vendido por uma ajumma ou
um ajusshi que trabalham bastante, exibindo seus produtos e se
certificando de que cada mordida dos clientes tenha o tempero
apropriado e esteja o mais delicioso possível. O rosto da maioria
dos vendedores é bronzeado e cansado – tão distante do ideal
pálido e jovial que é o padrão da S.A.Y. Depois de tanto tempo
trancada em um prédio como trainee, rostos normais agora são
exóticos para mim. Incomuns, mas belos. Interessantes. Amigáveis.
“Você tem uma filha tão amável”, muitos deles dizem para umma, e
nos curvamos para agradecer.
Umma tenta passar as mãos pelo meu cabelo danificado, mas
seus dedos ficam presos nos nós. Na décima vez em que ela me
buscou no prédio da ShinBi, ela estalou a língua, dizendo: “O que
fizeram com você?”. Os olhos dela se fixaram em uma ferida na
minha testa, de quando desmaiei no refeitório. Eu disse a ela que
tropecei enquanto dançava.
— Como eu disse antes — digo, suspirando —, eles só queriam
ver como eu ficava com cabelo claro.
Pegamos o metrô de volta para Yeongdeungpo-gu. Enquanto
caminhamos pelas ruas familiares próximas do apartamento, umma
pergunta:
— Você não achava estranho que harabuji sempre perguntava a
mesma coisa toda vez que ele te via? Quem sou eu?
— Sim — respondo. — Ele nunca cansou dessa brincadeira.
Umma ri suavemente.
— É engraçado, porque ele costumava perguntar a mesma coisa
para mim e sua tia SoonMi. Mas, quando fiquei um pouco mais
velha, comecei a achar estranho ele me tratar como se eu fosse
mais nova do que realmente era. Lembro de gritar para ele: “Para de
me fazer as mesmas perguntas infantis todo dia! Você parece um
burro!”. Depois disso, ele nunca mais me fez essa pergunta. Me
sinto péssima quando recordo esse momento. Só depois de mais
velha entendi por que ele sempre perguntava “Quem sou eu? Quem
é você?”. Não é porque ele esqueceu, é claro. É porque ele cresceu
sem família.
Umma olha para mim para ter certeza de que estou ouvindo.
Enterro minha boca no wang-jjinbbang que ela comprou para mim.
— Como tantos coreanos — ela continua —, quando ele era bem
mais novo que você, foi separado de todas as pessoas que amava,
quando a Coreia foi de repente dividida entre norte e sul e não havia
jeito de cruzar a fronteira. Então acho que quando ele formou sua
própria família, poder olhar nos nossos olhos todos os dias, nos
seus olhos, e reconhecer a existência um do outro, perguntar “Quem
sou eu?” pra você e poder ouvir uma resposta que ele já sabia,
sempre pareceu um milagre. Ele nunca cansou.
Eu desvio o olhar rapidamente, piscando para não chorar.
— Candace, você já é tão boa. Do jeitinho que é. Você não
precisa ser melhor ou mais impressionante. Sinto muito se já te fiz
pensar que precisava.
Não respondo. Vejo um vendedor ambulante colocar sorvete em
cones no formato de peixe para um casal de turistas europeus. Sei
que as palavras de umma são sinceras, gentis e verdadeiras, mas
há uma parte de mim que ainda não acredita nela – que não quer
acreditar nela. Se já sou o suficiente como ela diz, agora quero
provar. Descobrir por conta própria.
De volta ao apartamento, umma faz sua própria mistura para
tratar meu cabelo: maionese, mel, óleo de gergelim e ovos. Tem o
cheiro do pum de Aram e imploro a ela para me levar para a Olive
Young para que eu possa comprar uma máscara capilar de marca,
mas ela diz:
— Foi a química que te deixou assim, pra começo de conversa.
Você era perfeita do jeito que estava.
CAPÍTULO 27
Narrativas

Os preparativos para a apresentação são um redemoinho desde o


começo. Não só precisamos preparar duas coreografias em vez de
uma, mas só temos três semanas para isso, já que os resultados
vão ser anunciados dentro de um mês e as apresentações
acontecem uma semana antes. Todas as cinquenta trainees vão até
o quinto andar para um salão de banquete gigante sem mesa.
Managers Kong e Shin e todos os aprendizes de manager estão à
frente de um quadro na parede com as vinte músicas que foram
aprovadas para a exibição – dez músicas no conceito Girl Crush,
dez músicas no Conceito Cute ou canções românticas. O clima no
salão cavernoso é tenso; nunca houve tanta coisa em jogo, e a
escolha das músicas é mais importante do que nunca.
Como fui escolhida por One.J para aparecer em seu vídeo, as
managers decidiram que também posso ser a primeira a escolher a
música do Time 2 para a última avaliação, o que é uma grande
vantagem – é também mais um motivo para as outras trainees me
odiarem. Pelo menos minhas colegas e eu, por mais incrível que
pareça, concordamos totalmente. Da coluna Girl Crush, escolho
“Boombayah”, do Blackpink, e da coluna Conceito Cute/canções
românticas, escolho “Into The New World (Ballad Version)”, do Girls
Generation.
As trainees soltam gritos de agonia. Fico vermelha e me curvo,
pedindo desculpas, enquanto corro de volta para o meu lugar,
cobrindo meu colo com minha manta da modéstia. Todo fã de K-pop
conhece essas músicas. “Boombayah” é o melhor exemplo do
conceito Girl Crush; não há nenhuma música mais impactante. E
“Into The New World (Ballad Version)” é praticamente o hino
nacional da juventude coreana.
Na reunião do Time 2, mais uma vez precisamos decidir nossas
posições. Binna foi escolhida como líder para os dois stages, como
sempre. Quando Manager Kong pergunta quem quer ser Center em
“Into The New World”, levanto o braço, junto com Helena, Aram e
JinJoo. É óbvio que eu deveria ser Center nessa música. É uma
balada que depende dos vocais e JinJoo já foi Center em “Problem”.
Então Manager Kong pergunta quem quer ser Center em
“Boombayah” e abaixo o braço enquanto todas se levantam. É uma
música em que o rap e a dança se destacam – o que significa que é
uma performance na qual tenho apenas que sobreviver, não me
destacar.
— Então — Manager Kong diz —, a escolha mais óbvia seria
Binna para “Boombayah” e Candace para “Into The New World”.
Mas, pra uma avaliação tão importante como essa, vamos mesmo
fazer a coisa mais previsível e chata?
Nós olhamos umas para as outras como se disséssemos “Hmm,
claro, né”.
— Acho melhor Candace ser a Center em “Boombayah” e Binna
ser a Center em “Into The New World” — Manager Kong diz com um
sorriso. — Afinal de contas, estaremos na TV. Precisamos criar
algumas narrativas. O que é melhor do que ver duas garotas
encararem suas maiores fraquezas e as superarem?
Binna e eu olhamos uma para a outra, em choque.
Sim, a ideia é ótima na teoria, mas e se essas narrativas não
tiverem um final feliz?

***
Já é a noite anterior à minha gravação com One.J e não sei nada
sobre o que vai acontecer. Sobre o que é a música? Onde vamos
filmar? O que vou fazer? Tudo o que sei é que devo estar pronta
para começar às 3h30 da manhã de amanhã.
Todos estão tão agitados com o showcase que ninguém
consegue responder minhas perguntas. Tudo o que sei é que a
gravação vai levar o dia todo – vou perder um tempo precioso de
treino bem enquanto minhas colegas aprendem uma coreografia
nova.
Sei que vale a pena. Vou estar em um MV do One.J. Qualquer
coisa envolvendo One.J ou SLK recebe um bilhão de visualizações
no YouTube em uma semana. Vou ter a oportunidade de ficar perto
dele por um dia. Milhões de garotas matariam por essa chance. O
único prolema é que tudo isso está acontecendo na época mais
estressante da minha vida, e não consigo deixar de ter essa
preocupação idiota de que estou, de alguma forma, traindo
YoungBae por estar no MV.
Vou fazer cabelo e maquiagem de manhã, mas estou preocupada
que os cabelereiros vão olhar para a vassoura empoeirada de bruxa
na minha cabeça, jogar as mãos para o alto e dizer: “Essa garota é
um desastre! Alguém chame Aram para ficar no lugar dela!”.
Então eu faço o inimaginável. Vou até a mesa das Visuais
durante o jantar e peço ajuda para Helena. Suas mechas ruivas
sempre perfeitas são prova de que ela é uma expert em cuidar de
cabelo coreano descolorido e tingido.
Helena me encara como se eu fosse uma barata do tamanho de
uma pessoa e consigo sentir os lindos olhos com lentes verdes de
Luciana se enterrando em mim. Mas, para meu alívio, ela acaba
concordando.
— Tá bom — Helena diz, se levantando. — Eu já ia te oferecer
ajuda de qualquer jeito. Ninguém deveria aparecer em um MV do
One.J com esse cabelo.
Eu me curvo e a agradeço um milhão de vezes.
— Vou te ajudar por pena — ela diz.
De volta ao dormitório, ela coloca um biquíni e entra no banheiro
comigo. Eu não trouxe roupa de banho, então só visto uma camiseta
preta e shorts esportivos e me sento na privada enquanto ela liga o
chuveiro para lavar meu cabelo, molhando nós duas. Ela coloca
luvas sobre as mãos e unhas e esfrega um líquido transparente de
cheiro horrível por todo o meu couro cabeludo, de um jeito nem um
pouco gentil.
— Isso é pra limpar seu couro cabeludo — ela diz. — Você tem
muita caspa.
— Não tenho, não — digo.
Não tenho mesmo.
— Sabe, loiro platinado não fica bom em você, de qualquer jeito
— diz Helena. — O formato do seu rosto não combina com essa cor.
“Ela está te fazendo um favor”, digo para mim mesma.
Helena esvazia uma garrafa inteira de gosma em suas mãos e a
esfrega nas minhas mechas quebradiças.
Ela desliga o chuveiro, torce meu cabelo em uma toalha e a
enrola no topo da minha cabeça de um jeito que não vai se desfazer
– coisa que eu nunca soube como fazer.
— O.k. É só deixar assim durante a noite e vai estar melhor de
manhã.
— Muito obrigada, Helena. Te devo uma.
— Hmm. Deve mesmo, né.

***

Talvez seja o tratamento se infiltrando no meu couro cabeludo –


mas, mais tarde, durante nosso momento noturno ao ar livre no
terraço, decido que quero convidar Helena para passar o próximo
fim de semana comigo e umma. Eu me sinto genuinamente mal por
ela nunca sair do prédio e tenho 100% de certeza de que umma
ficaria feliz de hospedar uma “amiga” minha que não tem para onde
ir. Não importa se vamos debutar juntas ou não, acho importante
que, de alguma forma, possamos chegar ao fim da nossa
experiência de trainees com um bom relacionamento.
Grupos de garotas estão praticando suas coreografias,
meditando ou apenas andando em círculos – ninguém está
realmente descansando. Binna, JinJoo e Aram estão dançando
“Boombayah” perto das hortênsias azuis.
— Ei, Center, vem dançar com a gente! — Binna chama.
— Um segundo! — digo. Vejo Helena e Luciana no canto do
terraço perto dos lilases, encostadas no parapeito, observando a
cidade. Eu me aproximo cuidadosamente para não assustar as
duas. Quando chego mais perto, ouço Luciana dizer em inglês, com
seu sotaque brasileiro profundo e sexy:
— Ainda não consigo acreditar que ela foi escolhida pra participar
do MV do One.J.
— A gente deveria ficar feliz de não ter sido escolhida — Helena
diz, em inglês. — Eles provavelmente queriam alguém de quem as
fãs de One.J não teriam tanta inveja.
Eu congelo. Meu sangue gela. Tem algo de hipnótico em ouvir
pessoas falando mal de você pelas costas. É muito doloroso, mas,
ao mesmo tempo, você precisa ouvir. Eu me sento devagar em um
branco próximo rodeado pelos lilases.
— Sinceramente, é bom que ela aproveite essa chance mesmo
— Helena diz. — Não é como se ela fosse debutar de verdade.
— Você disse que ela foi bem na última avaliação.
Helena zomba.
— As exigências são menores pra ela. Ela foi a que “melhorou
mais”. CEO Sang só se diverte com ela porque ela não tem noção de
nada, mas, no fim das contas, ela não se encaixa no conceito. Esse
grupo precisa ser poderoso. Não podemos ter a Dora, a Aventureira,
atrás da gente nos atrapalhando.
Luciana ri.
— “Dora, a Aventureira”. Menina, você é do mal.
— Sério, pensa nisso — Helena diz. — O grupo deveria ser você,
eu, nossa amiga Aram e Binna. Ela pode não ser muito bonita, mas
é uma boa líder e a melhor dançarina. Imagina Candace Park nesse
time. Não faz sentido. Sem falar que ela é superfalsa. JiHoon disse
que a mãe dele também a enxerga através dessa pose de menina
fofa e inocente.
A mãe de JiHoon?
Helena continua:
— A mãe de JiHoon disse que percebeu logo de cara. Candace
usou banmal com o CEO. Ela é egoísta e faz tudo o que pode pra se
destacar. Até na última avaliação, ela não cantou a música que
deveria. Cantou uma música ridícula no lugar…
Já ouvi o suficiente. Sinto minhas veias palpitarem nas têmporas.
Tudo faz sentido agora. Lembro de madame Jung falando sobre seu
filho mais novo, um “fracassado” que trabalha na agência – é
JiHoon. Helena está “namorando” JiHoon para conseguir benefícios
e vantagens, uma chance maior de debutar. Helena é pior do que eu
imaginava. E pensar que eu estava prestes a convidá-la para
conhecer umma.
Helena já me mostrou quem é. Agora eu acredito.
Atravesso o terraço, furiosa, até onde Binna, JinJoo e Aram estão
praticando. Eu me junto a elas. A coreografia de “Boombayah” é
mais difícil do que qualquer coisa que já fizemos antes, mas eu
canalizo minha fúria em cada movimento, segurando a toalha na
minha cabeça o tempo todo. “Isso aí, Candace!”, Binna grita. As
palavras de Manager Kong ecoam na minha mente: “Treinar
impiedosamente é a maior vingança”.
Na verdade, acho que ela nunca disse isso. É coisa minha.
CAPÍTULO 28
Alien

Alguém me acorda. A luz do corredor ilumina o dormitório.


— Candace, acorde — Manager Kong murmura.
São três e meia da manhã do dia da gravação do MV. Eu desço
do beliche, mas estou totalmente desorientada e não sei o que fazer
– o que devo vestir? Do que eu preciso?
Lendo minha mente, Manager Kong sussurra:
— Você não precisa de nada.
— Preciso trocar de roupa — digo. — Preciso escovar os dentes.
— Eles vão ter tudo lá. Apenas venha!
Sigo Manager Kong para fora do quarto ainda de pijamas,
calçando meus tênis sem nem mesmo usar meias. Ouço Binna
sussurrar na escuridão:
— Boa sorte, Candace!
— Obrigada, unnie! — sussurro de volta.
Corro atrás de Manager Kong pelo corredor até o andar
corporativo. É no elevador que olho para o meu reflexo nas paredes
espelhadas e vejo que estou um desastre total – há olheiras escuras
sob meus olhos, estou com os lábios ressecados e com uma
espinha na testa. Treinei tanto na noite passada que caí na cama
sem lavar o rosto. Ainda estou com a toalha na cabeça. Então eu a
arranco.
Manager Kong vê o resultado na mesma hora que eu. Eu grito e
ela dá um suspiro de espanto e coloca a mão sobre a boca.
— O que você fez, Candace?
Meu cabelo parece lámen cru. Parece que estava assando sob o
sol do deserto, ao lado das ervas daninhas. Ele é as ervas
daninhas. Está muito pior do que antes.
— Helena! — eu grito. — Ela fez isso!
— O que você fez? — Manager Kong geme de novo. — A
gravação está arruinada! O que vou fazer com você agora?
Ela me puxa pelo braço enquanto atravessa o lobby escuro e
quase deserto onde uma mulher de óculos de vinte e poucos anos
está nos esperando, estressada. Amaldiçoo Helena na minha
cabeça. Sabotadora!
A mulher pula para trás quando me vê:
— O que é isso?
— Essa é Park Candace, a trainee escolhida pra aparecer no MV
— Manager Kong explica.
— Não é, não — a mulher diz.
— É ela sim, produtora Kim — Manager Kong diz. — Ela só teve
um… sago no cabelo.
Acidente. Desastre.
— Bom — a produtora Kim diz —, você não pode ir lá em cima e
trazer outra garota?
Olho para Manager Kong, horrorizada. Lágrimas de humilhação e
raiva se formam nos meus olhos. Isso é exatamente o que Helena
queria. Ela está tentando me destruir.
Manager Kong morde os lábios; consigo ver o turbilhão em sua
mente.
— Não — ela diz, finalmente. — One.J escolheu esta. Vamos ter
que dar um jeito nela. Deixe-me chamar o sr. Oh pra nos ajudar.
A produtora Kim olha para mim com uma careta.
— Certo, vamos lá. Rápido, haksaeng. Ppali-ppali!
Fungando e esfregando os olhos, corro atrás das duas mulheres
até um estacionamento, onde subo no banco de trás de uma van
com janelas escuras. Manager Kong digita um número em seu
celular freneticamente com uma mão enquanto liga o motor com a
outra.
— Sim, é o sr. Oh? Peço desculpas por acordá-lo…
Os pneus cantam enquanto saímos do estacionamento. Manager
Kong dirige enlouquecidamente pelas ruas de Seul enquanto a
produtora Kim me informa sobre a programação do dia. Ela se
refere a mim como haksaeng – estudante. Eu escuto meio
desatenta enquanto um suor frio escorre por todo o meu corpo.
Aparentemente, o nome da música solo de One.J é “Alien” – uma
canção romântica no estilo que era popular na Coreia durante os
anos noventa. Umma e abba adoravam esse tipo de música quando
eu era pequena. Eu não entendia as letras, mas elas geralmente
eram interpretadas por homens com vozes surreais que conseguiam
cantar uma nota superalta por vinte segundos inteiros enquanto
literalmente choravam. Naquela época, eu achava que essas
músicas eram deprimentes e só para gente velha – mas agora
consigo imaginar One.J cantando no estilo retrô e sendo totalmente
daebak.
— De jeito nenhum podemos mostrar One.J e um par romântico
feminino interagindo diretamente em um MV — explica a produtora
Kim. — As fãs de One.J são muito intensas. É para a segurança da
garota.
Como é?
— Felizmente, vocês dois estarem separados combina com o
conceito da música — continua a produtora Kim. — Todo o conceito
é sobre One.J relembrando uma garota do passado com quem
estudou no ensino fundamental. Agora One.J é uma superestrela
internacional e essa garota, que é você, haksaeng, é uma estudante
comum do ensino médio, fazendo coisas normais do ensino médio.
As vidas dos dois são tão diferentes agora que é como se eles
vivessem em dois planetas diferentes. One.J agora se sente como
um “alien” na vida dela. Às vezes, ele volta em segredo para sua
cidade natal para vê-la de longe, mas saber que os dois jamais
poderão ficar juntos de verdade o mata por dentro.
Solto um suspiro apaixonado. É superdeprimente e um tiquinho
assustador, mas só de pensar que vou ser o objeto da obsessão de
One.J… é romântico o suficiente para me deixar meio zonza. Bom,
o enjoo da viagem de carro também não está ajudando.
Felizmente, chegamos ao nosso destino: o Colégio Dongtan. O
lugar parece qualquer escola suburbana de ensino médio nos
Estados Unidos, exceto pelo fato de que o estacionamento está
cheio de caminhões com equipamentos e trailers e o campus inteiro
está lotado de estudantes vestindo uniformes amarelos e o dia ainda
nem amanheceu. Estou morrendo de vergonha de ser vista por
adolescentes da minha idade enquanto estou de pijamas, tênis
sujos e com o cabelo crocante.
Assim que entramos em uma sala de aula vazia que foi
transformada em um camarim improvisado, a produtora Kim anuncia
para todos:
— Esta é Park Candace, a trainee da S.A.Y. Ela está com uma
espinha no lado direito da testa e o cabelo não tem salvação.
Quero dizer “Que deselegante!”, mas, imediatamente, uma
multidão de adultos me cerca e sou empurrada para uma cadeira.
Eles soltam um suspiro de espanto.
— Eu liguei para o sr. Oh. Ele enviou uma equipe de emergência
que está a caminho com uma gabal — Manager Kong diz.
Graças à minha prova de vocabulário sobre três mil palavras, sei
que gabal significa “peruca”. Eu relaxo agora que sei que o sr. Oh
tem um plano para mim. Na verdade, estou ansiosa para usar uma
peruca pela primeira vez. Helena não conseguiu o que queria; o fato
é que One.J me escolheu. Apesar dos esforços dela, ainda estou
aqui.
Uma maquiadora começa a me arrumar com uma massagem
facial tão boa que deixo escapar um gemido meio esquisito. A
textura dos vários pincéis sobre a minha pele é tão boa que cochilo
enquanto a produtora Kim me informa sobre as cenas que vou
gravar durante o dia. De manhã, vou ser filmada fazendo coisas
normais do dia a dia de uma estudante – levantando a mão durante
a aula, tomando água em um bebedouro, guardando livros no meu
armário. Também vou gravar uma cena de almoço em que vou
tropeçar em umas garotas malvadas e derrubar minha bandeja.
Durante todo esse tempo, One.J estará me olhando de longe (sério,
se fosse qualquer pessoa além do One.J, isso seria esquisito
demais).
De repente, estou completamente acordada.
— Então One.J vai filmar comigo o dia todo?
A produtora Kim solta um suspiro exasperado.
— Não, ele já filmou a parte dele em um estúdio em Budapeste.
Ele só vai chegar à tarde, pra uma cena externa no campo de
futebol. Você estará chorando na arquibancada depois de sofrer
bullying das garotas e ele vai estar prestes a se revelar pra você e te
consolar. Mas, antes que ele te alcance, outro garoto aparece e te
consola primeiro. One.J fica com sentimentos contraditórios: feliz
por você ter encontrado o amor, mas também está devastado por
não ser ele.
— Wahhhhhhh, que romântico! — grito, assustando tanto a
maquiadora que ela me cutuca no canto do olho.
Eu, Candace Park, que nunca tive um namorado de verdade
(bom, tirando Ethan durante aquela semana), vou ter não só um
como dois garotos lutando por mim, sendo que um deles é a maior
estrela do K-pop de todos os tempos. Isso é real mesmo?
Bom, não. Mas, mesmo assim! Dou outro gritinho até que a
maquiadora grita comigo para eu parar de me mexer.
Duas horas depois, a luz do sol está entrando pelas janelas e eu
queria estar com meu celular para poder tirar um milhão de selcas;
nunca me senti tão linda em toda a minha vida. Esse look
definitivamente ganha do makeover da Aula de Beleza, porque
agora estou pronta para estrelar um MV. Meu rosto está fresco,
macio, sem poros e espinhas graças ao BB Cream da GlowSong (é
um pouco branco demais para o meu gosto, mas é o estilo coreano).
Minhas sobrancelhas estão perfeitas e em um tom de castanho-
claro, e minha cabeça está cheia de um cabelo lustroso e realista
cor de lavanda graças à equipe de emergência do sr. Oh e à peruca
que eles trouxeram.
Odeio admitir, mas Helena meio que estava certa – loiro platinado
não fica muito bem em mim. Roxo-unicórnio meio prateado é mais a
minha cara. Meu couro cabeludo está coçando bastante debaixo da
peruca, mas… #valeapena.
Estou usando um uniforme escolar – blazer amarelo mostarda
com laços azuis-marinhos, uma saia azul-marinho tão curta que
preciso usar shorts de segurança e tênis branquinhos. O blazer é
tão amarelo que chega a ser exagerado, mas, contrastando com
meu cabelo roxo, fica super descolado.
Além disso, minhas pernas ficaram mais longas ou é impressão
minha?
Quando começamos as gravações, fico chocada com a
quantidade de pessoas necessárias para filmar um MV com uma
história tão simples. A cena em que levanto minha mão durante a
aula leva duas horas inteiras. Há quatro câmeras, pelo menos vinte
assistentes de produção, luzes e um batalhão de estilistas
retocando minha maquiagem e ajustando minha peruca a cada dois
segundos. O sr. Choi – o fotógrafo do mal – é o PD do MV, mas agora
ele não poderia estar sendo mais legal. Na verdade, todo mundo é
legal comigo no set. As dezenas de figurantes que interpretam meus
colegas de turma – alguns dos quais têm a minha idade, enquanto
outros têm trinta anos – se curvam para mim quando cruzam
olhares comigo… porque eu sou a estrela. É tão surreal ser a
pessoa com o maior status na sala e não só a maknae do Time 2.
Acho que é assim que todos vão me tratar depois que eu debutar e
me tornar bem-sucedida. Como uma idol.
Finalmente, chegamos até a cena do campo de futebol. Passei o
dia todo olhando para os garotos figurantes, me perguntando qual
deles vai interpretar meu namorado que não é One.J, mas tenho
que começar a cena sozinha. Preciso ficar sentada solitária na
arquibancada, chorando.
Uma multidão de produtores e Manager Kong estão me
encarando. PD Choi está de pé em uma escada gritando ordens em
um megafone.
— Certo, Candace! Olhe para o chão e pense em algo muito,
muito triste. Então, quando você sentir uma mão no seu ombro, olhe
pra cima, cheia de esperança de que é One.J, mas não vai ser. É
um colega diferente! E, quando olha pra ele, você fica decepcionada
por um breve segundo, mas depois fica feliz, porque percebe que
vai conseguir seguir em frente! Precisamos de todas essas emoções
em um olhar, entendeu?
— Sim, PD-nim! — digo, embora tenha certeza de que nem
mesmo Meryl Streep conseguiria expressar todas essas emoções
em um só olhar.
— CERTO, VAMOS COMEÇAR! — PD Choi grita. — O.K., CANDACE, VOCÊ
ESTÁ OLHANDO PARA O CHÃO. PENSE NO MOMENTO MAIS TRISTE DA SUA VIDA!
GRAVANDO EM UM, DOIS, TRÊS…
Eu encaro o chão. Nunca me senti tão sem jeito, sentada ali
sozinha na arquibancada, sendo observada por uma multidão. As
outras cenas até que foram fáceis porque eu podia fingir que era só
uma entre vários alunos, mas isso é diferente. Há muitos olhares
sobre mim. Qual foi o momento mais triste da minha vida? Não
poder cantar por todos esses anos? Ter que tocar viola? Se esses
foram os momentos mais tristes da minha vida até agora, até que
tive uma vida boa.
Penso em harabuji na cama do hospital, sem conseguir falar. Em
como eu não existiria se ele não tivesse sido corajoso o suficiente
para fugir do norte durante a Guerra da Coreia quando era criança,
perdendo toda a família. No quanto umma e abba sacrificaram para
dar uma vida boa para Tommy e eu em Nova Jersey. No quanto eles
sacrificaram para que eu pudesse estar aqui, no país dos meus
ancestrais, tentando realizar esse sonho ridículo.
As lágrimas vêm.
— BOM, CANDACE! BOM! UAU! — grita PD Choi.
Meus ombros começam a tremer e meu peito a convulsionar. Eu
me pergunto se não estou exagerando – já estou soluçando –, mas
PD Choi continua me encorajando.
— O.K., AGORA SEU COLEGA ESTÁ ATRAVESSANDO O CAMPO DE FUTEBOL…
NÃO LEVANTE A CABEÇA AINDA. ELE ESTÁ SUBINDO A ARQUIBANCADA ATÉ
VOCÊ. O.K., ELE ESTÁ TOCANDO NO SEU OMBRO.
Sinto uma mão no meu ombro.
— O.K., AGORA OLHE PRA CIMA!
Levanto a cabeça. O sol ou a luz de uma das câmeras está
brilhando nos meus olhos.
É YoungBae. Lindo como em um sonho. Ele está usando um
blazer amarelo e uma gravata azul-marinho. Seu cabelo está
arrumado, com aquela mechinha ondulada sobre a testa. Sua pele
está perfeita e radiante, seus lábios rosados e brilhantes. Todo tipo
de sentimento bom corre pelas minhas veias.
— CERTO, YOUNGBAE, DIZ ALGUMA COISA PRA CONFORTÁ-LA — PD Choi
diz. — DIGA QUALQUER COISA, NINGUÉM VAI TE OUVIR.
YoungBae sorri.
— Nos encontramos de novo, Candace.
— YoungBae? — pergunto, totalmente chocada.
— ISSO, BOM IMPROVISO, CANDACE. MUITO ESPONTÂNEO.
— Pois é, sou eu — YoungBae diz. — Há quanto tempo.
Mandei milhares de mensagens para YoungBae desde que soube
que metade dos garotos foi cortada – a bateria do celular está em
10%. YoungBae ainda está a salvo – graças a Deus –, mas eu não
pude ir ao terraço esta semana, nem mesmo tarde da noite, para
encontrá-lo.
— Desculpa, eu estive ocupada…
— Eu entendo — ele diz. — Seu tempo é importante, sunbaenim.
Agora você está atuando? Oppa está muito orgulhoso de você.
Eu rio e dou um tapinha no ombro dele. Esfrego minhas lágrimas.
— EXCELENTE! EXCELENTE, VOCÊS DOIS! UAU, QUE QUÍMICA! É COMO SE
VOCÊS SE CONHECESSEM HÁ MUITO TEMPO!
— Não nos conhecemos, senhor! — YoungBae e eu gritamos ao
mesmo tempo.
PD Choi grita “CORTA!” e, imediatamente, somos separados. O
manager de YoungBae, Byun, o apressa para o lado oposto da
arquibancada, e Manager Kong corre até mim com um time de
maquiadores e cabelereiros que imediatamente começam a retocar
minha base. Manager Kong parece estar superfeliz.
— Candace, isso foi incrível, bem melhor do que eu esperava! —
ela exclama, massageando minhas costas. — Você nem teve aulas
de atuação. Você está bem?
Faço que sim com a cabeça:
— Só fiquei surpresa de ver aquele garoto da minha aula de
coreano — digo.
— Ah, o CEO Sang decidiu de última hora que essa seria uma boa
oportunidade pra apresentar um dos nossos trainees mais bonitos
em vez de um figurante aleatório. Você quer fazer um intervalo?
Concordo com a cabeça.
— CANDACE PRECISA DE UM INTERVALO! — Manager Kong grita.
Tenho certeza de que essa é a primeira vez que ela me deixou fazer
um intervalo.
— O.K., PESSOAL, VAMOS FILMAR ONE.J! — PD Choi grita em seu
megafone.
One.J está aqui?
Então, do outro lado do campo de futebol, vejo um garoto
vestindo um conjunto preto descolado – definitivamente não é um
aluno dessa escola fictícia –, cercado por uma multidão de
managers e assistentes. Toda a equipe de produção se vira na
direção dele e se prepara para a próxima cena.
Ouço PD Choi gritar: “FILMANDO EM UM, DOIS, TRÊS…”
A música “Alien” começa a tocar nos alto-falantes enquanto
One.J dubla no meio do campo de futebol.

Já fomos inseparáveis
Mas agora vivemos em planetas diferentes
Já esqueci como é o nosso antigo mundo
Nunca vou poder voltar de verdade

Minha nova casa é um planeta de estranhos que gritam


Não posso te trazer até aqui
Não há oxigênio
Você me odiaria pelas coisas
Que preciso fazer pra sobreviver
É por isso que te poupo, deixando-lhe sozinha

Mas, por favor, saiba que ainda venho ver como você está
Só pra saber que você está feliz
Na língua que é só nossa, vou te enviar sinais
Da minha estrela distante

Estou me abanando. Seguindo a tradição de baladas coreanas


dos anos noventa, essa música é carregada de emoção.

***

One.J canta em um tom que nunca ouvi vindo dele. Em algumas


partes, ele está praticamente chorando. As letras estão tão além de
seus dezessete anos – sinto seu amor e sua solidão, apesar de toda
a fama e fortuna.
Até mesmo Manager Kong está com as mãos sobre o peito no
final da música.
— Esse garoto é mesmo de outro mundo — ela diz.
Depois de uma hora de filmagens com One.J, é hora de
YoungBae e eu filmarmos minha cena chorando mais algumas
vezes. One.J coloca óculos de sol e nos assiste de longe, com os
braços cruzados. Estou tão nervosa e cansada que não me saio tão
bem quanto na primeira tomada, mas ainda consigo derrubar
lágrimas reais todas as vezes – só que, agora, estou pensando na
angústia da voz de One.J, mesmo enquanto olho nos olhos de
YoungBae.
Quando terminamos aquela cena, fazemos outro intervalo antes
da última gravação do dia. A equipe traz uma longa mesa dobrável
até o campo de futebol, cheia de travessas de sanduíches ao redor
das quais todas as pessoas da produção, One.J e sua equipe se
aglomeram. Estou exausta e morrendo de fome a essa altura.
Manager Kong traz uma sacola de plástico com pedaços de batata-
doce e um ovo cozido para que eu coma, como se eu fosse uma
criança de dieta. Olho para YoungBae – sei que vou ter problemas
se eu o encarar por muito tempo – e vejo que ele está comendo
uma refeição igualmente triste com Manager Byun.
Manager Kong pergunta:
— Cansada? Pode se apoiar no meu ombro um pouquinho.
A oferta me pega de surpresa, mas aceito. Descanso meus olhos
doloridos.
Mas depois do que parecem alguns segundos, Manager Kong
chacoalha os ombros para me acordar.
— Candace, acorde — ela diz.
Quando abro meus olhos, One.J está sorrindo para mim com
seus olhos penetrantes.
Eu me levanto em um pulo e faço uma reverência, ajustando
minha peruca:
— Annyeonghaseyo — digo.
— Obrigada por hoje, Candace-shi — One.J diz, sem tirar os
olhos dos meus.
Eu me curvo mais três vezes.
— Muito obrigada por me escolher, One.J, sunbaenim.
— O prazer foi meu — ele diz. — Oneul gosaeng mani
hasseunungataeyo.
O que significa “Parece que você sofreu bastante hoje”, ou “Você
fez um ótimo trabalho hoje”, ou as duas coisas.
— É uma honra — digo. — Que música linda você escreveu.
— Essas palavras gentis significam muito pra mim vindo de você.
— Ele me estende um prato com um sanduíche. — Você deve estar
faminta, e esses sanduíches estão muito bons.
Olho para Manager Kong, pedindo permissão. Ela faz uma
careta.
— Ah, muito obrigada — digo. — Mas eu não posso aceitar. Na
verdade, não estou com fome.
One.J ri.
— Até parece. Você é uma trainee. Está sempre com fome.
Olho de novo para Manager Kong. Ela diz:
— Candace, seu sunbae está te oferecendo comida. Não seja
mal-educada.
Faço uma reverência e pego o prato com as duas mãos. One.J e
Manager Kong estão me olhando. Os managers de One.J e os
produtores estão me olhando. Sei que, de acordo com a etiqueta
coreana, devo deixar One.J me ver dar uma mordida no sanduíche
e mostrar a ele o quanto gostei da comida que ganhei – nada deixa
coreanos (coreanos normais, não managers de K-pop) mais felizes
do que compartilhar comida.
— Vou comer com prazer, sunbaenim — digo.
Dou uma mordida enorme e enfio quase metade do sanduíche na
boca para o caso de Manager Kong planejar tirar o sanduíche de
mim depois da minha mordida de cortesia – minha Mordida
Educada. Talvez esse presunto seja a única carne de verdade que
vou comer até o fim de semana a não ser que YoungBae consiga
trazer um pouco para mim até lá.
— Umona, olha só isso — Manager Kong diz, estalando a língua
em desaprovação.
One.J ri.
— Você deve estar com muita fome.
Fecho os olhos enquanto sinto o salgado da carne, a
cremosidade da maionese, a fofura do pão e a crocância da alface
se misturarem em uma sinfonia perfeita de sabor altamente calórico.
Dei uma mordida tão grande que arranquei um pedaço do
guardanapo, mas não ligo. Engulo tudo que é comestível e, como
uma moça coreana educada, viro para o lado e cubro a boca com
uma mão enquanto tiro o pedaço de guardanapo com a outra.
— Ugh, Candace, cadê sua educação? — Manager Kong diz. —
Tem maionese no seu rosto.
Escondo o pedaço úmido de guardanapo no meu punho. Sou tão
nojenta.
— Isso foi bem rude da minha parte — digo, horrorizada de
verdade.
— Obrigada, One.J, mas ela já comeu o suficiente — Manager
Kong diz. — Candace, deixe-me buscar um guardanapo pra você. E
depois vamos retocar sua maquiagem.
Manager Kong arranca o prato de mim e o joga no lixo.
Os managers de One.J estão nos olhando, então não podemos
fazer ou dizer muita coisa. Seus olhos se fixam intensamente no
meu punho, onde está o pedaço sujo de guardanapo. Eu o escondo
atrás das costas – sou tão desleixada! –, mas One.J me olha
intensamente de novo e levanta seu queixo levemente.
Abro meu punho e dou uma olhada. Não é um pedaço de
guardanapo. É um bilhete:

Esse é meu KakaoTalk.

Olho de volta para One.J, surpresa. Seus lábios se curvam


levemente enquanto ele se vira na outra direção. Manager Kong e
uma equipe de maquiadores e cabelereiros correm até mim para me
arrumar. Eu ponho as mãos atrás das costas e enfio o número de
One.J debaixo da saia, dentro dos meus shorts. Não é romântico,
mas não tenho outra escolha – meu uniforme/figurino não tem
bolsos.
Eu tenho o KakaoTalk do One.J!
Daebak! Quantas pessoas no mundo podem dizer isso?
Não consigo parar de sorrir enquanto Manager Kong limpa minha
boca e os maquiadores retocam minha base.
Mas então olho de volta para YoungBae. A culpa toma conta de
mim. Como um cavalheiro, One.J está lhe oferecendo um sanduíche
também, que YoungBae aceita alegremente com um aperto de
mãos.
— Valeu, cara — ouço YoungBae dizer em inglês.
Ver os dois um ao lado do outro é como ver dois mundos
colidirem. Fantasia e realidade. O que YoungBae faria se soubesse
que One.J me deu o número dele no KakaoTalk? É traição se nunca
nos beijamos?
Sei que não há a menor chance de eu não usar o número de
One.J; preciso saber como é trocar mensagens com uma das
maiores celebridades do mundo.
Depois do intervalo para o lanche, filmamos a última cena do MV.
Estou abraçando YoungBae na arquibancada, mas dessa vez é
diferente. Sinto que estou me contendo, tentando não deixar One.J
perceber que YoungBae e eu temos uma conexão real. Mas
funciona para a cena – estou abraçando um garoto, mas minha
mente está em outro. One.J está parado a três metros de distância,
estendendo o braço em minha direção, com o rosto contorcido de
angústia. Ele dubla os versos:

Estou te enviando um sinal


Por favor, diga que pode me ouvir
— CERTO, CANDACE, OLHE LOGO PARA ALÉM DE ONE.J! — PD Choi grita
no megafone. — VOCÊ CONSEGUE SENTIR A PRESENÇA DELE, MAS NÃO
CONSEGUE VÊ-LO! VOCÊS ESTÃO TÃO PERTO, MAS AO MESMO TEMPO ESTÃO
EM PLANETAS DIFERENTES!
CAPÍTULO 29
Vida privada

— Precisamos conversar — umma diz no momento que me busca


na recepção.
— Por quê? Aconteceu alguma coisa com harabuji? — pergunto,
em pânico.
Umma está brava comigo por algum motivo. Acabamos não
falando nada durante toda a viagem de metrô até o apartamento,
mas fica claro para mim porque ela está assim.
Espalhado por todo o trem está o mesmo anúncio: o planeta
inteiro sendo apertado pela mão de Helena com suas unhas
pintadas e cheias de glitter e as cinco silhuetas de idols sobre elas;
SHOWCASE S.A.Y. 50 AO VIVO em letras cor-de-rosa brilhantes; e as
datas:

21 de agosto: PERFORMANCES DAS 50 MELHORES TRAINEES COM


PARTICIPAÇÕES ESPECIAIS DO SLK NOITE 1
22 de agosto: PERFORMANCES DAS TRAINEES COM PARTICIPAÇÕES
ESPECIAIS DO SLK NOITE 2
28 de agosto: O PRIMEIRO GIRL GROUP DA S.A.Y. SERÁ ESCOLHIDO!
NÃO PERCA ESTE DIA HISTÓRICO PARA O K-POP NO CANAL YNN!

No momento em que umma fecha com tudo a porta do


apartamento, ela grita:
— Por que você não me disse que as coisas estavam ficando
assim tão sérias?
— Como assim? — pergunto. — Eles vão decidir quem vai ser
escolhida no dia 28 de agosto. É um dia antes do prazo que você
determinou.
— Mas vai passar na TV, ao vivo? Não conversamos sobre isso!
Milhões de pessoas vão ver você.
Tiro um iogurte da geladeira.
— Mas não era esse o objetivo?
— Não. O objetivo era você vir pra cá, aprender um pouco de
cultura coreana, cantar e dançar como você queria e ponto!
Bebo o iogurte em um gole só e me jogo no sofá. Ligo a TV.
Péssimo timing. Naquele exato momento está passando um
comercial sobre a apresentação ao vivo. Mas não estou
preocupada. Não fiz nada de errado.
— Uau, umma — digo, sarcasticamente. — Então você só me
deixou vir para a Coreia porque achou que eu não tinha qualquer
chance de debutar? É bom saber que você acredita em mim.
Umma caminha furiosamente até mim e me mostra seu celular.
— Olha o que sua tia SoonMi me mandou.
Lá de Franklin Lakes, Nova Jersey, tia SoonMi mandou para
umma um link no KakaoTalk para um vídeo no YouTube… com meu
rosto na thumbnail. Meu coração dispara. É o teaser de quinze
segundos para o MV de “Alien”, de One.J. Não acredito que o
editaram tão rápido!
É uma cena em câmera lenta em que estou no corredor da
escola, apertando meus livros contra o peito e com uma aparência
tragicamente triste. A luz do sol reflete no meu cabelo roxo
esvoaçante. Eu pareço mesmo uma legítima estrela de um K-drama
adolescente. One.J está escondido logo atrás, encostado contra
uma parede de armários, tragicamente apaixonado. Nunca filmamos
juntos no corredor – eles devem ter juntado as minhas cenas com
as que ele gravou no estúdio em Budapeste. Isso é que é mágica
Hallyu!
— Daebak! — exclamo.
Leio a seção de comentários por um segundo. Sinto um nó no
estômago quando vejo “QUEM É ESSA GAROTA FEIA COM ONE.J?” e “ESSA
GAROTA PARTIU O CORAÇÃO DO MEU ONE.J. EU VOU MATÁ-LA!”.
Que seja. É o preço da fama.
— Por que você não disse que estaria em um MV do One.J? —
umma pergunta.
Não acredito que ela não esteja nem um pouco orgulhosa de
mim.
— Mas foi gravado esta semana. E eles me disseram pra não
contar pra ninguém.
— E você não me contou? Eu sou sua mãe.
— Talvez porque eu soubesse que você ia reagir exatamente
assim — digo, indo para o quarto. — Você tem ideia do que significa
estar em um MV do One.J?
— Por que eu deveria ficar impressionada com ele? Por que
One.J é mais importante do que Candace Park?
— Hmm, talvez por que ele é uma das maiores estrelas no
planeta? E a música dele dá esperança pra milhões de jovens ao
redor do mundo?
Desabo de cara na cama, fingindo que vou tirar um cochilo. Ainda
estou com o celular de umma. Com o coração acelerado, tento soar
casual quando mando uma mensagem para One.J no KakaoTalk –
sei o número dele de cor.

Oi! Aqui é a Candace. Estou usando o


celular da minha mãe.

Umma me segue até o quarto. Deleto a mensagem logo em


seguida.
— Candace — umma diz. — Agora que você apareceu nesse MV,
e depois que você aparecer na TV… vai ser mais difícil pra você
voltar para os Estados Unidos e ser uma garota normal.
Surpreendentemente, One.J responde na mesma hora.
Oi! ^--^ Eu imaginei. Vou ser breve.

Me encontre às 6 da tarde na estação


Hongik, entrada 6?

Por favor delete esta mensagem.

Okay!

Deleto as mensagens. Falta apenas uma hora.


— Candace — umma diz, firmemente. — Pare de mandar
mensagens para Imani e me escute. Você ouviu o que eu disse?
Enfio a cabeça debaixo de um travesseiro.
— Sim, te ouvi. Você já parou pra pensar que talvez eu não
queira voltar a ser uma garota americana comum? Eu gosto daqui.
— Acho que não te ouvi direito. Nós vamos embarcar em um
avião para Newark em 29 de agosto e você vai para a escola no dia
seguinte.
— Talvez sim, talvez não — digo.
Umma arranca o travesseiro do meu rosto.
— Como é?
— Eu gosto daqui! E sei que pode ser chocante pra você, mas
pode ser que eu seja escolhida pra fazer parte desse grupo. E,
mesmo se eu não debutar, vou ficar muito triste de voltar pra casa e
ser a mesma pessoa que eu era antes.
Surpresa, umma dá um passo para trás.
— Eu já entendi. Você não precisa participar da orquestra no ano
que vem. Você pode participar do coral. Pode ter aulas de canto…
— Umma, você nem sequer viu uma apresentação minha! Há
pessoas na S.A.Y. que acham que eu tenho algo de especial, e isso
me deixa feliz. Mas você só quer que eu faça alguma coisa que se
encaixe no seu padrão do que é “respeitável”. Não vou desistir como
você fez!
Não acredito que acabei de dizer isso, mas também não acredito
que estamos tendo essa discussão de novo. Eu mudei tanto desde
a última vez que brigamos em Nova Jersey. Umma, por outro lado, é
exatamente a mesma. Saio do quarto, furiosa.
Umma responde:
— Você não faz ideia do que eu passei! E eu vi os seus pés! E o
seu cabelo, seus olhos e como você emagreceu. Eles vão te usar,
vão tirar tudo o que você tem!
— Talvez eu tenha mais em mim do que eles possam tirar.
Pego o cartão Tmoney reserva de umma para o metrô.
— Aonde você vai?
— Encontrar Binna e JinJoo — minto. — Nós precisamos treinar
o máximo possível para o showcase. Estou levando isso muito a
sério, umma.
— Você nem está com um celular.
— Eu sei coreano o suficiente pra me virar agora. De qualquer
forma, não vou demorar.
Saio pela porta, meio surpresa por umma não vir correndo atrás
de mim. Eu me sinto mal por ter mentido tanto em uma conversa só,
mas aprendi uma dura verdade nesse verão: só porque seus pais te
amam e querem o melhor para você não quer dizer que o plano
deles para você seja o certo. Se eu fizesse exatamente o que umma
quer, provavelmente estudaria Economia na faculdade, ou alguma
coisa que não me interessa nem um pouco, e depois me arrastaria
pelo curso de Direito, miserável a cada segundo. Por outro lado, a
S.A.Y. não se importa de verdade comigo – não como um ser humano
vivo, de carne e osso –, mas, se eu fizer exatamente o que eles
quiserem só por mais um tempo, há uma chance de eu ter uma vida
muito melhor do que os meus sonhos mais loucos.
É tudo tão cruel e injusto, mas é a vida, eu acho.
***

Acabo andando até a estação Hongik, pedindo informações o


caminho inteiro. Há várias garotas bem-vestidas da minha idade ou
um pouco mais velhas aproveitando uma noite divertida de sábado,
de braços dados com um namorado ou amiga, que ficam felizes de
me mostrar a direção certa.
Na estação Hongik, entrada seis, há outros jovens como eu,
checando seus celulares e esperando para encontrar seus amigos,
crushes ou quem quer que seja.
Estou tremendo de nervoso. Da última vez que One.J me viu, eu
era a garota dos sonhos de cabelos roxos; agora, estou vestindo
uma blusa branca simples, jeans e meus tênis velhos de sempre.
Pelo menos meu cabelo não está mais um desastre, graças às
máscaras capilares da GlowSong que o sr. Oh me mandou depois
da gravação do MV. Imagino que One.J saiba que a maioria dos
trainees não tem roupas apropriadas para encontros, mas e se ele
chegar em uma limusine e me levar para um restaurante chique
secreto que requer uma senha para entrar?
O relógio acima da estação diz que são 6h23 da tarde. Levei um
bolo de uma superestrela global do K-pop. Era bom demais para ser
verdade. Talvez eu deva comprar jajangmyeon para viagem e levar
para umma como um pedido de desculpas por ter sido tão mal-
educada.
Mas, bem quando estou prestes a pisar na escada rolante para
descer até a plataforma de embarque e voltar para casa, ouço uma
buzina aguda e frenética. Eu me viro para trás. É um garoto vestido
todo de preto – jaqueta preta, jeans pretos, capacete preto –,
dirigindo um tipo de moto, apoiando os pés no chão enquanto
estaciona ao lado da calçada. Não consigo ver o rosto dele, mas de
repente tenho certeza de que é One.J. Não consigo imaginá-lo em
uma moto e nunca vi alguém tão desajeitado dirigindo uma.
O sangue nas minhas veias borbulha como refrigerante – é uma
sensação que nunca tive antes. Eu corro até o rapaz de capacete.
— One.J? — pergunto em voz baixa.
O rapaz de capacete uiva:
— Ahwoooooo!
Fico confusa por um segundo, mas então me dou conta de que
ele está cantando o refrão de “Yeowoo”, a música que me fez ser
escolhida para o MV. É definitivamente One.J!
Todo desajeitado, ele apoia a moto em seu suporte, abre o
compartimento do assento e tira um capacete e uma máscara para
mim – idêntica a que eu o vi usando antes, exceto pelo fato de que a
caveira e os ossos são de um rosa vivo. É um pouco assustador ele
não estar falando, mas coloco o capacete e, na mesma hora, sinto
que estou no fundo do mar, isolada da cidade.
Ignoro tudo o que meus pais já disseram sobre estranhos e subo
em uma moto com um garoto que não conheço de verdade. Não sei
onde apoiar as mãos por causa das Mãos Educadas, mas One.J
coloca minhas mãos ao redor de sua cintura fina. Ele balança a
cabeça com o capacete para mim. Aperto seu abdômen de leve –
sinto ele os flexionar uma vez – e balanço a cabeça de volta.
A moto liga com um ronco e quase colidimos diretamente com um
táxi estacionado, mas One.J desvia bem a tempo. Grito dentro de
meu capacete enquanto costuramos dois ônibus e aceleremos no
sinal amarelo.
Depois do começo oscilante, aceleramos pela rua e solto outro
grito. As luzes de sábado em Seul passam por nós como lasers e eu
me seguro o mais firme que consigo enquanto atravessamos uma
ponte sobre o rio Han, onde o mundo abre as portas para nós. O sol
está começando a se pôr e o céu está nebuloso e avermelhado. Do
outro lado do rio, vamos até um bairro tranquilo, onde as ruas são
feitas de paralelepípedos desalinhados e há roupas penduradas em
varais esticados pelas vielas.
Paramos em uma das vielas discretas em um restaurante sem
placa alguma que parece literalmente um buraco na parede – não
há porta. One.J tira o capacete. Ele está usando sua máscara e uma
bandana vermelha ao redor da testa, mas os olhos e a ponta do
queixo são inquestionavelmente dele.
— Você está com fome? — ele pergunta. Consigo ver seu sorriso
por trás da máscara.
— Sempre — respondo.
É um restaurante tradicional; precisamos tirar nossos sapatos na
entrada (felizmente, estou usando meias decentes), e os clientes,
em sua maioria ajushis, homens de meia-idade que brindam com
empolgação, se sentam no chão diante de mesas baixas. One.J se
curva para a garçonete, uma ajumma com avental manchado, e ela
nos leva a uma sala particular com uma porta tradicional coreana de
correr.
Quando finalmente estamos sozinhos, nos sentamos no chão,
tiramos nossas máscaras e One.J solta um suspiro de alívio.
— Ahhhh, bem melhor.
Estou cara a cara e sozinha com One.J. Debaixo das luzes
fluorescentes, consigo ver que o rosto dele está cheio de
maquiagem, mesmo no seu dia de folga. Ainda assim ele é
ridiculamente lindo, até mais com aquela bandana vermelha.
Lembro minha aula com madame Jung sobre etiqueta à mesa.
Rapidamente sirvo o copo de One.J com água da jarra na mesa
usando as duas mãos, depois o meu. One.J arruma os talheres de
prata.
— Oh, sunbaenim, sou eu quem deve fazer isso — digo.
One.J ri.
— A S.A.Y. ensina a versão mais rígida da etiqueta coreana para
os estrangeiros. Hoje vamos ser informais e nos divertir. Nada dessa
coisa de sundae-hoobae, ok?
— O.k.
— Sei que esse lugar não é exatamente a melhor escolha pra um
sábado à noite — ele diz, olhando ao redor da salinha modesta. Há
um ventilador no canto e uma mosca zunindo. Ouvimos a algazarra
dos ajusshis se divertindo com um barulhento jogo envolvendo
bebidas através das portas de papel. — Mas sou bem próximo dos
donos, então podemos pedir qualquer coisa que quisermos…
mesmo que não esteja no cardápio. O que você acha de chimaek?
Sabe, sem o maek?
— Eu amo frango frito — digo.
Chimaek é frango + maekju, ou frango frito + cerveja, um combo
insanamente popular na Coreia. A garçonete aparece na porta e
One.J mal precisa dizer algumas palavras até que ela balance a
cabeça e nos deixe sozinhos de novo.
— Enfim, desculpe ter me atrasado na estação — One.J diz. —
Tive que pegar um caminho mais longo. Achei que estava sendo
seguido por sasaengs.
Nunca ouvi essa palavra antes.
One.J deve ter percebido a expressão confusa no meu rosto,
porque explica o fenômeno sasaeng para mim. São fãs obsessivas
dispostas a tudo para fazer parte da vida privada dos idols (a
palavra literalmente significa vida privada).
— Elas são uma minúscula porcentagem dos fãs — enfatiza
One.J. O SLK tem cerca de mil sasaengs na Coreia e mais alguns
milhares ao redor do mundo que causam um impacto enorme na
vida dele. Há sasaengs que largaram seus empregos, abandonaram
a escola e fizeram dívidas para contratar “táxis de sasaeng” (táxis
especiais que cobram seiscentos dólares para segui-lo o dia inteiro).
Elas compram passagens de primeira classe para que possam estar
no mesmo voo que ele, onde tiram fotos dele e dos outros
integrantes dormindo. Algumas não querem necessariamente que
ele goste delas. Elas querem que ele se lembre delas, mesmo que
por motivos ruins. Ele já levou tapas e cuspes de sasaengs em
sessões de autógrafo. Uma até escreveu uma carta para ele com
sangue.
One.J vê o horror em meu rosto e diz:
— Não se preocupe. Idols homens têm bem mais sasaengs do
que idols mulheres.
— Ei, você está querendo dizer que não vou atrair sasaengs?
— Desculpe, não foi isso que quis dizer… Você terá muitos,
muitos sasaengs, um exército inteiro de sasaengs. Vai receber
montes de cartas escritas com sangue. Olha o que eu fiz, não
consegui deixar de colocar meu número do KakaoTalk no seu
sanduíche. Isso é típico comportamento de sasaeng.
Rimos. Um banquete inteiro de frango frito com diferentes molhos
chega até a sala. Em vez de cerveja, dividimos uma garrafa de
saida. One.J grita “Geonbae!” (“Saúde!”, em coreano), segurando
um pedaço de frango apimentado fumegante e melado em minha
direção. Eu encosto o meu pedaço de frango no dele.
— Geonbae!
— Tenho que perguntar — digo, engolindo o frango delicioso. —
Por que você me escolheu para o MV? Por que você me deu seu
KakaoTalk?
É como se eu estivesse implorando: “Diz que gosta de mim!”.
Ele pensa em uma resposta, sério – tudo nele é tão sério –
enquanto suga um osso de frango.
— Eu me vejo em você — ele diz.
Não é tão romântico quanto eu esperava, mas o.k., já é o
bastante.
Ele explica:
— Bom, eu não me vejo como eu realmente sou em você. É mais
como eu gostaria de ser. Desde que eu te vi naquela primeira
avaliação, pensei: “Essa é uma garota que nunca vai se esquecer
de quem é”. Quando se é um idol, seu nome deixa de pertencer a
você, seu corpo deixa de pertencer a você. Eles pertencem à
empresa e aos fãs. Tudo vira escândalo, você é criticado por
qualquer coisa. Mesmo assim, como não pertenço a mim mesmo,
preciso pedir desculpas por tudo, sem nem saber o porquê.
Penso nas palavras de umma: “eles vão tirar de você tudo o que
você tem”.
— Sei que essa pode ser uma pergunta muito pessoal — digo —,
mas você se arrepende às vezes? De ter se tornado um idol?
— Eu me arrependo o tempo todo — One.J diz, um pouco rápido
demais. — O preço é muito alto. Meu conselho pra você é: não
debute. Faça outra coisa. Faça o que seus pais querem que você
faça.
Ugh. One.J também está do lado de umma?
— Mas — ele diz, com um brilho nos olhos com circle lenses cor
de mel —, se você for como eu, ninguém no mundo vai te convencer
disso enquanto você for trainee. E, quer saber? Mesmo que eu me
arrependa, eu não voltaria atrás. Faz sentido?
Balanço a cabeça, concordando. Penso em tudo o que aconteceu
para que eu chegasse a esse momento, bem aqui.
— Acho que sim — digo. — É tipo… o caminho que você está
percorrendo é difícil e cheio de obstáculos, mas, quando você olha
pra trás e vê tudo o que passou, percebe que a trajetória foi bonita
de um jeito único desde o começo.
One.J faz um O com a boca.
— Wahhh, Candace. Isso foi tão profundo.
— É que eu tenho pensado muito poeticamente nas últimas
semanas. Estou escrevendo músicas todas as noites, como você
me aconselhou.
One.J faz o uivo agudo de “Yeowoo” e cai na gargalhada.
— Sabe, foi por isso que te escolhi para o meu MV. A música que
você escreveu para a sua segunda avaliação vai ser um Perfect All-
Kill um dia. Escreva o que eu estou dizendo.
— Você acha mesmo? Tenho que confessar, a grande maioria
das músicas que escrevo é péssima. Eu escrevi uma chamada
“Jebal, me deixa dormir” e uma eu chamei de “Eu te odeio, batata-
doce”.
— Ah, essas soam como obras de arte comparadas a algumas
das minhas. Quando eu era trainee, escrevi uma chamada “Por que
não consigo fazer cocô?”.
Eu me inclino para a frente, apoio o queixo sobre a mão e digo:
— Você pode cantar um pedacinho dessa pra mim? Parece linda.

***

Depois do jantar, One.J me leva até uma cafeteria com temática de


guaxinins em Hongdae. Ele diz:
— Estou seguro aqui. Ninguém espera que um idol vá a um lugar
tão cheio de turistas.
Enquanto tomamos matcha gelado, One.J me dá conselhos
sobre a vida de idol para o caso de eu acabar debutando.
— Compre seus próprios in-ears — ele diz, levantando a máscara
só o suficiente para colocar o canudo na boca. — Os que eles te
dão em Music Shows não são nem um pouco confiáveis, e se você
não conseguir se ouvir, a performance vai ser um desastre.
Ele me diz para acompanhar as tendências, como fazer finger
hearts diante das câmeras. Recebo conselhos sobre como lidar
com o CEO Sang, que ele chama de kkondae – um velho mandão
que acha que está sempre certo.
Quando terminamos nossas bebidas, vamos até a sala dos
guaxinins, onde há dois guaxinins comuns e um albino escalando
um trepa-trepa. Nós os alimentamos com pequenos pedaços de lula
seca. One.J coloca um na minha cabeça e, logo depois, sinto
patinhas tamborilando sobre ela. Tenho que admitir, mesmo que
eles tenham cheiro de xixi, guaxinins são adoráveis. O guaxinim
estica uma de suas mãos estranhamente humanas com cinco dedos
e levanta a máscara de One.J por um segundo. Eu solto um suspiro
de espanto e a puxo de volta para baixo, olhando ao redor.
— Ninguém viu — digo.
— Que bom — One.J diz. — Esse é meu último conselho.
Mantenha um nível seguro de paranoia.

***

One.J estaciona a moto a duas quadras do apartamento de umma e


caminha comigo. A cada passo sinto que estou levando pequenos
choques elétricos no meu cérebro. One.J do SLK está me levando
para casa.
A uma quadra do prédio, eu paro.
— A gente não deveria ir até o portão — digo. — Paranoia, certo?
— Muito esperta — ele diz, sorrindo. — Acho que é aqui que nos
despedimos.
Ficamos parados por um segundo, sem jeito. Eu me abraço e
esfrego os braços, como se estivesse com frio, mesmo que esteja
fazendo um calor sufocante. Nós dois olhamos ao redor. O
quarteirão inteiro está escuro e silencioso, exceto por um executivo
bêbado cambaleando para casa no outro lado da rua.
De repente, One.J me encara intensamente.
— Hokshi… posso te beijar, Candace?
Sinto uma corrente elétrica percorrer meu corpo. Faço que sim
com a cabeça. One.J se aproxima e tira a máscara do rosto. Faço o
mesmo. Um momento antes de os lábios de One.J tocarem os
meus, o rosto de YoungBae cruza minha mente, mas, no momento
seguinte, tudo que faço é fechar os olhos. Os lábios de One.J tocam
os meus. É um beijo doce, com um leve gosto de chimaek, e, por
alguma razão, a sensação é de… temperatura ambiente. Quando
abro os olhos novamente, tudo o que vejo é o rosto perfeitamente
maquiado e conhecido de One.J, expressando seu sorriso famoso
só para mim. Tudo que consigo fazer é rir um pouquinho, e ele faz o
mesmo.
Ponho minha máscara de volta – decido guardá-la como uma
lembrança desta noite – e ele põe a dele. Nos curvamos um para o
outro, sem jeito, e nos viramos, caminhando em direções opostas.
Só consigo pensar na sensação de que foi um Beijo Educado.
Talvez eu tenha estragado tudo. Eu estava supernervosa. Mesmo
assim, saio saltitando pela rua. Meu primeiro beijo foi com o idol
mais popular de todos os tempos.

***

No dia seguinte, umma e eu visitamos harabuji no hospital. Agora,


ele já consegue se sentar, falar e comer mingau de batata.
— Graças a Deus! — umma diz. Na mesma hora, sinto o gelo
entre nos duas se quebrar um pouquinho.
— Candace — harabuji diz entre colheradas de mingau. — Vi
alguns CFS. Minha neta vai aparecer na TV?
Olho para umma antes de dizer:
— Sim, harabuji. Vou dedicar minha apresentação a você.
— Wahhh! — ele diz, sorrindo. — Que bênção. Meu coração
vibra de saber que você está correndo atrás do seu sonho. — Ele
olha para umma. — Sabe, a maioria dos pais da minha geração não
queria que seus filhos seguissem carreiras artísticas. Mas eu
sempre achei que, quando pais coreanos impõem sua vontade
sobre os filhos, isso enfraquece seu gi, a energia vital. Você não
acha, filha?
Umma parece ter sido pega de surpresa.
— Acho que sim — ela diz, querendo mudar de assunto.
Mas não vou deixar.
— Umma, por que você e abba desistiram da música?
Ela me lança um olhar de alerta.
— Candace, não vamos falar sobre isso agora.
— Eu sempre quis saber — insisto.
Presumo que umma está prestes a inventar uma desculpa e sair
do quarto, mas harabuji se senta com as costas levemente eretas e
olha para ela, ansioso, como um garotinho esperando uma história
de ninar. Ela suspira e se senta na cadeira ao lado da cama.
— Seu abba e eu nos conhecemos quando estudávamos em um
conservatório de prestígio aqui em Seul. Você sabe dessa parte.
Mas eu fui a única aluna da província de Gangwon-do que eles já
aceitaram. Todos os alunos de lá eram de famílias tradicionais que
tiveram aulas de música a vida toda, exceto eu. Entrei por causa de
uma audição de canto, sabia?
Faço que não com a cabeça.
— Sua mãe? — harabuji diz, em inglês. — Cantora número 1!
— Todo mundo na escola sabia que eu era do interior — ela
continua, fazendo uma careta. — Do meu rosto às minhas roupas,
meu gosto para comida, o jeito como eu falava. Eles também
descobriram que eu vinha de uma família diferente. Minha mãe nos
abandonou quando eu era muito nova, deixando seu harabuji
sozinho pra criar sua tia SoonMi e eu. Isso era muito escandaloso
na Coreia naquela época, porque, segundo um jeito antigo de
pensar, a filha carrega a vergonha de sua mãe. Por causa disso,
fiquei isolada no conservatório. Eu era tratada como uma forasteira,
como se fosse nada. Só seu pai era diferente. Ele sempre enxergou
todas as pessoas igualmente. É o jeito dele. Foi por isso que nos
apaixonamos. No começo, namoramos em segredo. Mas, quando
finalmente decidimos contar pra todos, os pais do seu abba ficaram
furiosos. Eles se recusaram a continuar pagando pelo conservatório.
Ele era de uma família tradicional e um dos alunos mais talentosos,
no caminho pra se tornar um maestro renomado.
— Eu não fazia ideia — digo.
— Uma época muito triste — harabuji comenta, balançando a
cabeça.
— Foi um grande escândalo — ela diz — e, de repente, as
perspectivas profissionais do seu pai na Coreia evaporaram.
Quando nos casamos, a família dele cortou todos os laços com ele.
É por isso que você nunca conheceu esse lado da família. O último
favor que eles se dispuseram a fazer pelo filho foi nos arrumar um
visto americano. Nos Estados Unidos, juramos fazer algo mais
prático do que música. Trabalhamos em restaurantes, limpamos
escritórios. Quando Tommy nasceu e abrimos a loja, estávamos
trabalhando tanto pra sobreviver que música era a última coisa em
que pensávamos. Mas então você nasceu. Ficou claro desde o
começo que você tinha herdado nosso talento e paixão pela música,
especialmente por cantar. Aquilo me preocupava. Eu não queria que
você passasse pelo que eu passei. Quando as pessoas te veem
cantando, elas não olham só para as suas habilidades. Olham seu
rosto, suas roupas, sua postura. Não estão apenas ouvindo sons,
estão ouvindo o significado que você dá às palavras. Sua origem,
sua dor, sua esperança. E, quando eu me abri desse jeito, ninguém
prestou atenção à minha música. Só notaram o que faltava no meu
instrumento, e o único instrumento que eu conseguia tocar era eu
mesma. Então, quando vi a beleza e a expressividade no seu canto,
pensei: “será que ela não poderia facilmente direcionar esse talento
pra um instrumento clássico? Isso não é mais respeitável, não é
mais seguro?”. E, durante tantos anos, como você era tão calma e
obediente, achei que você estava satisfeita. Mas agora que te vi
como alguém de verdade, e não só como a minha garotinha,
entendo que você é diferente de mim. Não é só o seu talento que é
maior; sua coragem também.
Harabuji está enxugando as lágrimas. Umma se levanta para
ajustar seu travesseiro e começar a arrumar a bandeja.
— Candace, me prometa uma coisa. Se você debutar e ficar aqui
na Coreia, visite seu harabuji. Sem desculpas, o.k?
— Eu prometo — digo, sentindo um nó na garganta.
— Eu confio em você agora, Candace. Você amadureceu tanto.

***
Depois que descemos na estação em Sangam-dong, digo para
umma:
— Umma, temos bastante tempo. Quero fazer alguma coisa
divertida com você antes de voltar.
Umma parece surpresa.
— Você não tem que voltar cedo para ensaiar para o showcase?
— Eu prefiro ir a um norabaeng. Uma sala de karaokê.
— Um norabaeng? Mas você não fez nada além de cantar nesse
verão!
— Mas nunca com você.
Depois de um pouco mais de insistência – tive que pedir mais
três vezes –, ela finalmente concorda e eu a incentivo a escolher
músicas que tenham algum significado para ela. Vou tentar cantar
junto se conseguir, mas quero só ouvir, para falar a verdade. Ela
escolhe músicas que me soam familiares, de quando ela e abba as
escutavam no carro ou na loja, mas que eu nunca parei para ouvir
com atenção até agora. Músicas como “Dear J”, de Lee Sun Hee;
“Sad Fate”, de Nami; e “Where Are You?”, de Yim Jae Beom. É
claro, ela canta lindamente, com uma voz forte e vulnerável – ela
tem muito a me ensinar sobre transmitir emoção através da música.
Entendo quase todas as palavras agora, mas mesmo as que eu
entendo mexem com uma parte de mim que sempre esteve lá. A
parte de mim que é coreana. A parte de mim que é filha da minha
mãe.
CAPÍTULO 30
Sou eu! Sou eu! Sou eu!

Uma semana e meia antes da apresentação, câmeras invadem a


S.A.Y. Elas estão aqui para filmar nossos treinos, nossas sessões de
maquiagem e cabelo, os momentos antes de dormirmos. Madame
Jung, como a chefe de comunicação global da ShinBi Unlimited, tem
feito aparições frequentes na área de treino das garotas. Sob sua
supervisão cuidadosa, as instalações foram limpas ao ponto de
brilharem para as câmeras.
Ela grita com garotas que estão passando: “Arrume esse rosto!
Sente direito!”. E, para mim: “Cuidado com as suas maneiras, srta.
Park. Estou de olho em você. E cubra seu cabelo. Está um
desastre!”.
As câmeras invadem as sessões do Time 2 com a General bem
na hora que cometo um erro magistral na coreografia de
“Boombayah”. A postura da General está ainda mais reta do que o
normal e ela bate as palmas e grita:
— Vamos lá, meninas! Vamos parar de brincadeira!
Em uma parte da coreografia, temos que nos agachar, segurar
nossos joelhos e balançar o cabelo extremamente rápido. O
Blackpink de verdade só balança os cabelos quatro vezes, mas,
para mostrar que podemos superar os melhores grupos, devemos
balançar os cabelos duas vezes mais rápido, oito vezes no mesmo
espaço de tempo, como se fôssemos a Beyoncé dançando o dutty
wine no Super Bowl. Logo depois disso, precisamos mexer o corpo
sensualmente três vezes enquanto nos agachamos e ficamos de
joelhos com uma só perna – quase fazendo um espacate – e então,
junto com a batida de um tambor, temos que nos levantar e pisar no
chão o mais forte que conseguirmos. Temos de ser precisas e lindas
ao mesmo tempo em que entramos no modo Mulher Hulk. É a coisa
mais difícil que fiz até agora.
Helena é especialmente incrível na hora de balançar os cabelos
na velocidade de da luz – não sei como o pescoço dela aguenta.
Seu rabo de cabelo ruivo gira tão rápido que consigo ouvi-lo
cortando o ar. Balançando a cabeça o mais rápido que posso, só
consigo girar meu cabelo cinco vezes com o pescoço – o boné de
Power Pup que Binna me emprestou está sempre correndo o risco
de cair – e, depois, estou tão tonta que saio cambaleando,
desorientada demais para seguir com o próximo passo.
Depois de errar o movimento pela décima quinta vez, a General
grita:
— CANDACE! Isso é inaceitável. Essa é a Killing Part, precisa ser
perfeita. Você está atrapalhando o grupo inteiro.
— Posso ajudar a Candace até o dia do showcase! — diz Helena,
sorrindo para as câmeras.
A audácia. Juro que quero dar um soco na cara dela agora.
Quando foi que Helena já me ajudou?
— Na verdade — digo —, Binna nunca deixou de me ajudar com
um passo esse tempo todo apesar da minha falta de habilidade na
dança. Tenho certeza de que, como excelente líder, ela vai me
ajudar a aprender esse passo a tempo.
Binna me dá um high five.
— Vamos conseguir, não se preocupe — ela diz.
O problema é que não acho que eu vá aprender a tempo. Tanta
coisa pode dar errado: problemas com o figurino, problemas com o
in-ear, problemas em geral. E o pior de tudo é ter que saber para
qual câmera olhar. Papéis com os textos “Câmera 1”, “Câmera 2”,
até “Câmera 11” foram colados por toda a sala de treino espelhada.
Quando chegarmos ao Estádio Olímpico de Seul, haverá várias
câmeras em cada lado do palco, no centro, atrás da área central do
auditório, duas acima das nossas cabeças, presas com fios no teto,
e uma que se movimenta de trás para a frente em um trilho logo na
parte dianteira do palco.
Um produtor da YNN aponta uma caneta laser para as folhas de
papel, indicando qual câmera focará em nós durante a apresentação
de verdade. Durante a Killing Part da coreografia, as câmeras
mudam a quase todo segundo para que consigam pegar todos os
melhores ângulos.
— SE VOCÊ FOR PEGA OLHANDO PARA A CÂMERA ERRADA, VOCÊ JÁ ERA!
— a General grita, sempre muito gentil. — VOCÊ VAI PARECER UMA
IDIOTA NA FRENTE DO MUNDO INTEIRO!

***

Quando entramos no estúdio de Clown Killah, minha visão é


ofuscada pelas luzes da equipe de filmagem e pelo sorriso radiante
de One.J.
Aram, Helena e JinJoo gritam, choram e apontam para One.J
como se ele fosse o Pennywise ou algo do tipo. Binna conhece
One.J de seus primeiros anos como trainee, então eles se abraçam
sem se tocarem – Mãos Educadas. Fico chocada também, mas
preciso forçar uma reação forçada de fangirl para as câmeras,
fingindo que nunca beijei aqueles lábios icônicos. O vermelho no
meu rosto vira lava derretida quando ele sorri e me cumprimenta
pelo nome, me agradecendo por aparecer em seu MV.
Usando todo o seu charme de celebridade, One.J explica que
está visitando as sessões de gravação de todos os times como um
técnico para ajudar na performance. Soltamos um suspiro,
agradecidas pela sorte que temos.
Quando começamos, eu não poderia estar mais feliz de cantar
uma música em grupo sem ter que dançar para variar. Estamos
ensaiando e preparando a faixa para a performance de “Into The
New World (Ballad Version)”. Como Center, Binna precisa ficar com
as partes de vocalista líder. Para deixar as coisas mais difíceis,
Clown Killah decidiu que vamos cantar à capela.
One.J diz:
— Olhem para a colega com quem vocês estão harmonizando e
sintam as letras juntas. Essa é a coreografia dessa música.
Aram e eu fazemos contato visual quando harmonizamos o
primeiro refrão; seu sorriso tímido e deslumbrante me deixa meio
tonta (“Bem melhor!”, grita Clown Killah). JinJoo e eu piscamos uma
para a outra quando sincronizamos perfeitamente no segundo pré-
refrão.
Eu me forço a olhar firmemente para Helena e sorrir serenamente
quando temos uma estrofe juntas. Não falei ou olhei para ela desde
que voltei da gravação do MV de One.J sem peruca. Na verdade,
ninguém no nosso time está falando com ela depois que viram como
ela tentou me sabotar.
Dou um aceno de cabeça para Binna, incentivando-a enquanto
gentilmente passo para ela minha nota crescente da ponte, dando
abertura para sua vez de cantar a icônica nota alta de Taeyeon – a
Killing Part da música. O timbre de Binna é doce e limpo até a nota,
mas, bem quando ela está prestes a soltar a voz, nenhum som sai
de sua garganta – só um suspiro.
Clown Killah arranca os fones, frustrado. Binna afunda o rosto
nas mãos; é no mínimo a vigésima vez seguida que ela amarela na
hora da nota.
— Binna-shi, do que você tem tanto medo? — One.J pergunta
gentilmente. — Me parece que você consegue fazer isso, mas está
hesitando.
— Me parece que não vou conseguir — Binna murmura,
escondendo o rosto com o cabelo para não ser filmada.
— Infelizmente, essa não é uma opção — Clown Killah suspira.
— Vamos parar por hoje e gravar essa parte na semana que vem.
Binna, até lá, pratique como se sua vida dependesse disso. Suas
colegas dependem de você.
Sussurro para Binna que vou ajudá-la a atingir aquela nota nem
que seja a última coisa que eu faça e ela me dá um sorriso exausto.
Depois de todas aquelas centenas de horas que ela dedicou para
me ajudar com as coreografias, é o mínimo que posso fazer.
Juntamos nossas folhas com as letras e saímos. Mas Clown Killah
me para.
— Candace, fique, por favor.
Minhas colegas olham para mim, alarmadas; agora que estamos
tão perto do fim, qualquer sinal de tratamento diferenciado deixa
todas paranoicas. Então quer dizer que vou ficar praticamente
sozinha com One.J de novo?
— Só preciso corrigir algumas coisas na sua pronúncia do
coreano — ele explica. Ele se volta para a equipe de filmagem. —
Vocês poderiam nos dar um pouco de privacidade, por favor? Isso
vai ser chato.
As outras garotas, satisfeitas, se curvam e saem com a equipe de
filmagem. Estou um pouco decepcionada – eu achei que tivesse
progredido bastante na pronúncia quando apresentamos “Red
Flavor”.
Quando estamos sozinhos, Clown Killah diz:
— Eu estava blefando, Candace. Sua pronúncia é ótima. Nós
queríamos que você nos fizesse um favor.
One.J pisca para mim e meu coração derrete.
Clown Killah sai da cabine de mixagem e me entrega um pacote
de letras. O título no topo é “I’m Every Girl”.
Fico maravilhada.
— Essa é a música para o debut do grupo?
— Não — Clown Killah diz. — É um single promocional que
One.J e eu escrevemos. Todas as trainees vão apresentar isso
juntas no começo do showcase da S.A.Y.
— Oooh — digo, balançando a cabeça. Imagino uma
apresentação em grupo de um concurso de beleza, como em Miss
Simpatia. — Vai ser uma honra pra nós cantar uma música como
essa. Obrigada, sr. Clown Killah.
— Não temos tempo de gravar cada trainee, então vou gravar
você e editar sua voz para que soe como uma multidão de garotas.
Achamos que a sua voz é a mais versátil pra essa música.
Daebak. É como cantar um solo cinquenta vezes!
Com o coração acelerado e hiperconsciente de que estou sendo
observada por One.J, murmuro a letra em coreano por alguns
segundos. O conceito da performance é que todas as trainees da
S.A.Y. estão divididas em três categorias: Cute, Sexy e Girl Crush. Há
três estrofes, uma para cada tipo, e os três grupos vão subir ao
palco em momentos diferentes para cantar suas partes. Eu vou
estar no grupo do Conceito Cute (claro). Mas vou gravar as três.
Clown Killah dá play na batida. Olha, a música é muito boa. É
uma mistura de dubstep e EDM. Quando ele aponta para mim,
começo a cantar a “estrofe fofa”.

A última pedra preciosa na mina sou eu


O cogumelo raro na floresta sou eu
A página perdida do livro
A baleia-branca no anzol
SOU EU! SOU EU! SOU EU!

Estou praticamente fazendo uma imitação da Minnie Mouse, com


todos os gritinhos e a cadência (as letras são mais inteligentes do
que parecem – as palavras coreanas para “pedra preciosa” e
“cogumelo” rimam). Para a estrofe sexy, só canto em um tom mais
baixo e arranho um pouco a garganta – algo como Britney Spears
com um resfriado.

Dizem que o branco


É todas as cores e nenhuma cor ao mesmo tempo
Não é esse o meu caso?
Sou todas as garotas, mas não existe nenhuma como eu
SOU EU! SOU EU! SOU EU!

Depois, a estrofe Girl Crush é um rap simples do tipo “fala-e-


canta” carregado de ousadia e atitude:

De cara limpa ou toda maquiada


Dez passos, três passos, nenhum passo
Não faz diferença quando eu chego
Sou uma gueixa, uma guerreira, uma princesa, a presidenta
Sou G.I. Jane, sou a Barbie, sou o Ken
SOU EU! SOU EU! SOU EU!

Os refrãos são basicamente uma batida eletrônica de dubstep em


que eu canto como um mantra em inglês:

NÃO SOU COMO AS OUTRAS GAROTAS


MAS SOU TODAS AS GAROTAS EM UMA SÓ
SOU TODAS AS GAROTAS
TODAS AS GAROTAS
TODAS TODAS AS GAROTAS
SOU TODAS AS GAROTAS DO MUNDO

— Wahhhhhh — Clown Killah diz, estalando os dedos. — Você


faz parecer tão fácil.
Gravamos mais cinco vezes completas, depois ajustamos minha
pronúncia um pouquinho em cada estrofe e terminamos mais rápido
do que eu esperava. No final, Clown Killah e One.J dão um high five.
— Ei, hyung — One.J diz para Clown Killah quando terminamos
de gravar. — Posso dar uma palavrinha com a Candace? Em
particular.
Clown Killah ri, desconfortável.
— Isso é meio estranho. Por quê?
— Preciso dar uns conselhos importantes sobre a apresentação,
hyung.
Clown Killah balança a cabeça.
— Eu não deveria deixar vocês dois sozinhos.
— HYUNG!
Coloco as mãos sobre a boca. A voz de One.J saiu
surpreendentemente profunda e o rosto dele tem uma expressão
assustadora. Celebridade ou não, gritar com um adulto desse jeito
não me parece nem um pouco coreano.
Clown Killah resmunga baixinho e sai da sala. Quando estamos
sozinhos, uma expressão gentil volta para o rosto de One.J. Quase
timidamente, ele diz:
— Espero não ter sido muito ousado naquela noite.
Faço que não com a cabeça.
— Tenho algo chato pra te mostrar — ele suspira, franzindo a
testa.
Ah, não. Não era o que eu estava esperando.
One.J tira o celular do bolso e me mostra uma foto cheia de
ruído. É um garoto em uma rua de Seul beijando uma garota loira.
Só dá para ver as costas da garota, mas o garoto é inegavelmente
One.J com a máscara abaixada.
Tenho a sensação de que alguém está me virando do avesso.
— Somos nós?
— Sim.
— Mas não tinha ninguém na rua — digo, com a voz aguda. —
Nós checamos.
— Não dá pra subestimar essas sasaengs — One.J diz, fazendo
um punho com as mãos. — A que me mandou essa foto é uma das
piores. Ela deve ter algum contato com uma empresa de telefonia,
porque eu mudo meu KakaoTalk a cada duas semanas, mas ela
sempre me encontra. Ela está fazendo todo tipo de pedido pra me
chantagear, dizendo que vai enviar essa foto para a imprensa se eu
não a levar pra uma ilha particular, o que obviamente não vou fazer.
Meu manager e eu estamos fazendo tudo o que podemos para
chegar a um acordo com ela sem notificar a S.A.Y. Mas, se isso
acabar sendo divulgado, não entre em pânico.
Tarde demais.
— Você não está preocupado? — pergunto. — Você não viu o
que aconteceu com o QueenGirl?
— Bom, meus fãs são tão fiéis que não vão me culpar. Mas eu
me preocupo com você. Se as pessoas descobrirem que é você,
isso vai arruinar qualquer chance de você ter uma carreira antes
mesmo de ela começar. Não podemos deixar isso acontecer. Seu
talento é muito importante.
Olho para o cabelo loiro platinado da garota novamente. Aquela
sou eu, por mais impossível que pareça.
— Já era — solto um gemido.
— Não — One.J diz firmemente, me encarando com seus olhos
com lentes cor de âmbar. — A maior parte do público te conhece até
agora como a garota de cabelo roxo no MV e você fez bem em usar
um boné enquanto a YNN te filmava. Se eu souber que isso vai
vazar, vou convencer a sasaeng de que é uma outra garota. O que
quer que você faça, não confesse. Seu oppa vai dar um jeito nisso.
Eu vacilo um pouco quando ouço “oppa” e, antes que eu me dê
conta, One.J se inclina e me dá um selinho super-rápido. Minha
mente está tão acelerada que nem sinto o gesto. Então, One.J
coloca sua máscara e sai do estúdio.
Não consigo decidir se esse momento foi romântico – ele está
cuidando de mim – ou um desastre total. De repente, tudo que
quero é estar no terraço com YoungBae, onde nada é tão
complicado.
CAPÍTULO 31
The Queen Girl

Nos reunimos no grande salão de baile vazio do quinto andar para


ensaiar a apresentação de grupo com todas as cinquenta garotas ao
som de “I’m Every Girl”. Ninguém percebe que sou eu cantando –
minha voz foi editada para soar como cinquenta robôs femininos do
K-pop e tenho que dizer: não ficou ruim. Vou adicionar essa música
em uma das minhas playlists no Spotify.
As cinquenta garotas foram divididas em três grupos para a
apresentação. Fui nomeada Center do Time Cute, o que me deixa
animada; Helena é Center do Time Sexy; e Binna é Center do Time
Girl Crush. Time 2 arrasando como sempre.
PD Choi está de volta como diretor do programa. Ele grita em seu
megafone do alto de uma escada:
— Time Cute, saia do palco rapidamente para a entrada do Time
Sexy! Time Girl Crush, quero ver movimentos mais precisos! Todas
as garotas, Time Cute, Sexy e Girl Crush! Todas precisam estar
perfeitamente sincronizadas na coreografia, mas, com seus rostos,
digam para a câmera “sou a única garota nesse palco, então vote
em mim!”.
Durante nosso intervalo de cinco minutos, todas nos sentamos no
chão e os aprendizes de manager e assistentes de produção nos
entregam uma garrafa de Elektro Hydrate, o energético da empresa
do CEO Rho.
— Deem longos goles! — PD Choi grita. — Digam: “Wahhh!
Nunca bebi algo tão refrescante!”.
Um cinegrafista dá um close em BowHee e eu. Dou um longo
gole, mas um pouco da bebida desce pelo buraco errado – e o gosto
é horrível. Mas sorrio para a câmera mais próxima e arregalo os
olhos com gosto.
— Wahh, que delícia! — dou um gritinho para BowHee. — Elektro
Hydrate vai me dar a energia que preciso pra me levar até o debut!
Um produtor faz sinal de positivo para mim.

***

Depois de mais seis horas ensaiando a apresentação em grupo, o


CEO Sang pega o microfone e levanta o braço.
— Que momento entusiasmante para as trainees mais talentosas
e bonitas de toda a Coreia!
As câmeras no salão de baile estão voltadas para nós para
capturar nossas reações de todos os ângulos.
Nós todas vibramos animadamente.
— Em três breves dias, todos os olhos estarão em vocês. Estou
recebendo ligações de executivos e marcas do mundo inteiro
querendo se associar a esse novo girl group. Há muita expectativa
para essas garotas porque todos esperam que elas personifiquem
os padrões não só da S.A.Y., mas também o talento, os visuais e a
popularidade global do SLK. É por isso que, para apresentar esse
showcase, convidei uma jovem mulher que já possui todas essas
qualidades. Por favor, deem boas-vindas para… WooWee, ex-
QueenGirl!
Minha ultimate bias das idols! Achei que a carreira dela estava
acabada! Surto com o resto das garotas quando uma mulher
maravilhosa com a pele extremamente clara, olhos vivos cor de
esmeralda e pernas esbeltas de girafa entra na sala, caminhando
com elegância.
WooWee se junta a CEO Sang e faz uma reverência para as
trainees. Levamos alguns minutos para nos acalmar e nos
sentarmos novamente; a presença dela trouxe uma nova carga
elétrica para o ambiente. Mas não consigo entender por que ela está
aqui – até pouco tempo, ela era contratada de uma das empresas
rivais da S.A.Y.
Quando nos acalmamos, ela diz no microfone:
— Não faz muito tempo que estive na mesma posição em que
vocês estão agora. Essa indústria pode te levar a muitos lugares
inesperados. — As trainees suspiram, compreensivas. — E, se você
for forte, vai chegar até o topo. É uma grande honra pra mim ajudar
a apresentar uma nova geração do K-pop. Dito isso, tenho duas
notícias pra vocês como sua apresentadora. — As câmeras dão um
close nela enquanto ela respira fundo, séria. — Embora todas vocês
estejam se esforçando bastante pra preparar duas músicas para o
showcase, temo que nem todas vão conseguir apresentar ambas.
Depois da primeira rodada de apresentações, apenas os cinco times
que receberem mais votos vão continuar na segunda noite.
Há gritos de espanto. Seguro as mãos de BowHee e JinJoo.
Precisamos passar na primeira noite. É obvio que todas nós
queremos debutar, mas nosso time precisa pelo menos compartilhar
as duas apresentações com o mundo.
WooWee sorri com compaixão e abaixa os olhos para transmitir
um ar trágico, mas digno.
— Sei que isso parece cruel. Pode até parecer injusto. No
entanto, como aprendi por experiência própria, essa indústria pode
ser muito injusta. Seus sonhos podem ser destruídos diante dos
seus olhos mesmo que você não tenha culpa alguma. — Sua voz
vacila. As trainees gritam “Não foi sua culpa!” e “Hwaiting!”.
WooWee sorri e faz uma reverência para demonstrar gratidão. —
Não importa se vocês forem eliminadas na primeira noite ou se não
forem escolhidas para o grupo final por pouco. Só quero pedir pra
que não desanimem. O negócio é encontrar um jeito de voltar para o
jogo. Esse é o sonho de vocês, certo?
— CERTO! — todas gritamos.
WooWee sorri.
— Vocês são tão lindas e cheias de energia! Vocês me inspiram.
E, como recompensa pelo seu esforço, a S.A.Y. tem um presente
incrível: vocês serão as primeiras pessoas no planeta a ver o novo
MV solo de One.J, “Alien”.
Todas nos levantamos em um pulo e gritamos de novo.
— A estreia mundial desse MV será na primeira noite do
showcase, o que com certeza vai trazer ainda mais atenção para o
debut das garotas sortudas. E para a trainee sortuda que apareceu
nele.
Recebo vários tapinhas nas costas. As outras garotas estão
deixando claro para as câmeras que não me odeiam.
As luzes se apagam e, nos próximos três minutos, não consigo
me mexer nem respirar. Só apareço no MV por um total de trinta
segundos, mas estou completamente encantada – há toda uma
outra narrativa sobre a qual eu não tinha ideia. One.J se apresenta
em um show totalmente lotado e procura por mim na plateia, seu
amor perdido. Há flashbacks para um One.J bebê e uma versão
bebê de mim – reconheço a garotinha que faz minha versão mais
nova como aquela adorável pequena trainee para quem acenei no
meu primeiro dia. Tenho que dizer, cabelo roxo cai bem em mim e
minha atuação é muito boa. A letra, a voz de One.J e a estética do
MV combinaram perfeitamente. Eu não poderia estar mais orgulhosa
de fazer parte do vídeo, mesmo que seja por tão pouquinho tempo.
Quero criar alguma coisa assim. Se você se dedicar de corpo e
alma, o K-pop – toda essa coisa de idol – pode fazer as pessoas se
sentirem menos sozinhas. Pode mudar a vida delas. Já mudou a
minha.
Quando YoungBae aparece no fim do MV, só por um breve
segundo, todas as garotas fazem “Woooo!”, mas meu coração
desaba.
Eu beijei One.J e, se eu debutar, vou ser arrastada para o mundo
dele – e quero mesmo. Mas YoungBae vai ficar para trás, aqui,
como um trainee.
E se ele nunca debutar? Será que nossas vidas vão ser tão
diferentes que vou virar um alien para ele?
Sei que milhões de garotas matariam para estar no meu lugar,
mas, se algum dia eu tiver que escolher entre os dois, não sei o que
vou fazer.
Uma coisa é certa: eu não vou deixar uma foto de celular idiota
acabar com a minha chance de realizar meu sonho. Minha boca é
um túmulo.
CAPÍTULO 32
Isso tudo é real mesmo?

Os estilistas dão um último retoque nas garotas do Time Cute


enquanto aguardamos na coxia do Estádio Olímpico de Seul. Os
assistentes de figurino afofam nossos tutus em nossas fantasias de
bailarinas-estudantes. Os cabelereiros ajeitam meus fios rebeldes,
que agora têm um tom lilás acinzentado depois que o sr. Oh
descoloriu e tingiu meu cabelo pessoalmente na noite passada. Não
vou precisar de peruca.
Seguro a mão de BowHee e a coloco contra meu peito para ela
sentir como meu coração está acelerado. BowHee pega a minha
mão e faz o mesmo; seu coração está batendo tão forte quando o
meu.
WooWee já fez a apresentação do showcase e um discurso de
abertura. O público presente no estádio e o que está assistindo na
TV e por serviços de streaming acabaram de ver um clipe
apresentando as cinquenta trainees, explicando por que somos o
próximo SLK e o quanto a maioria de nós treinou por anos e anos.
Agora, só estamos esperando o primeiro intervalo comercial
terminar antes de fazer nossa primeira apresentação.
A voz sem corpo de PD Choi soa pelo auditório. Ele pede para o
público ficar bem quieto até que as primeiras garotas apareçam:
“Nessa hora, enlouqueçam!”.
Ele está falando de mim. Eu sou a primeira garota a aparecer.
O público fica em silêncio total. Depois de alguns segundos
apressados, ouvimos a voz do PD fazendo uma suave contagem de
dez a um. Fecho os olhos e tento acalmar meu coração.
— Três… dois…
Luzes ofuscantes brilham e as primeiras batidas eletrônicas
fazem o chão tremer. Sinto a batida dentro de mim. O público solta
um “Wahhhh!”. Minha voz gravada, acelerada a ponto de soar quase
como um esquilo, repete “TODAS AS GAROTAS! TODAS AS GAROTAS! TODAS
AS GAROTAS!”. Há uma outra batida intensa, os pratos eletrônicos
começam a vibrar e, antes que eu me dê conta, os assistentes de
palco com fones de ouvido sussurram “Vai, vai, vai!” e eu sinto
BowHee me empurrar por trás.
Piso no palco, com a vista ofuscada pelas luzes, e um tsunami de
sons me atinge direto na cara enquanto milhares de fãs subitamente
vão à loucura. Dublo as palavras e caminho rápido, sem conseguir
enxergar qualquer coisa e desesperada para achar o X cor-de-rosa
no chão. Ensaiamos no palco de verdade, que é tão grande quanto
uma quadra de basquete, apenas uma vez, hoje mais cedo. Estou
tão desorientada que acho que existe a possibilidade de eu ter
subido no palco sozinha e que nenhuma das minhas colegas do
Time Cute está de fato atrás de mim. Uso toda a minha força de
vontade para não virar para trás e ver se elas estão lá. Forço os
músculos do rosto para manter um enorme sorriso Cute congelado
no meu rosto.
Finalmente, minha visão se ajusta às fortes luzes e encontro o X
cor-de-rosa. Quando chego até ele, pauso. Um oceano de fãs está
vibrando e balançando bastões fluorescentes rosa-neon. Encontro
as câmeras, incluindo a que está pendurada nos fios esticados ao
longo da plateia, que desliza para baixo em minha direção como um
robô coruja. Completamente diferente das folhas de papel coladas
nos espelhos da sala de ensaio.
Meu corpo começa a fazer a coreografia em piloto automático.
Ele sabe que eu tenho que dar um giro agora – Ai, Deus, as outras
garotas do Time Cute estão mesmo atrás de mim, em formação
perfeita – e meus olhos sabem para qual câmera olhar. A Killing Part
da nossa coreografia sou eu, parada de pé dublando “SOU EU! SOU
EU! SOU EU!” enquanto as oito garotas dos meus dois lados andam ao
meu redor para formar uma hélice humana vista de cima. Meu olho
direito sabe quando é hora de dar uma última piscadela antes de
sair pela longa passarela para que o Time Sexy possa subir no
palco principal para sua estrofe.
Com a parte difícil fora do caminho, o Time Cute está fora das
câmeras por um minuto, então posso recuperar o fôlego. Há uma
mão de plástico gigante no centro do palco principal apertando um
enorme planeta Terra, e cada uma das suas unhas está pintada de
uma cor e contém o desenho de uma silhueta feminina diferente – é
o símbolo oficial do grupo. Há telas gigantes por todo o estádio,
onde vejo Helena, Aram e Luciana – as três principais garotas do
Time Sexy – simplesmente arrasando na estrofe delas (que eu
gravei). Dizem que branco é todas as cores e nenhuma cor ao
mesmo tempo…
Há um número surreal de pessoas no estádio, mas não consigo
enxergar o rosto de ninguém, apenas os bastões fluorescentes
balançando freneticamente. Agora estou menos nervosa do que
quando dancei na sala de conferência de CEO Sang – vinte mil fãs
enlouquecidos são bem menos assustadores do que cinco velhos te
avaliando de perto.
O público está amando nossa performance, e, de alguma forma,
já sabem a música. Eles prepararam FanChants precisamente
sincronizados, que se alinham direitinho com o refrão da música.
Vejo de canto de olho que Binna arrasa no seu solo de dança à
frente do Time Girl Crush, fazendo os fãs vibrarem.
Devo estar imaginando coisas, mas ouço uma voz familiar
gritando meu nome. Passo os olhos pela plateia e vejo umma. Grito
“UMMA!” e aceno para ela como uma idiota – eu sabia que ela vinha,
mas esperava que ela fosse ficar em algum lugar no fundo, não bem
do lado da passarela no equivalente K-pop de uma roda punk! Ela
acena de volta para mim, com lágrimas escorrendo pelo rosto. Mas
a voz dela não foi a única que eu ouvi. Bem ao lado dela está Imani,
derramando rios de lágrimas.
— AHHHHH, IMANI! — grito, acenando como uma maníaca. Logo
atrás de Imani está Ethan, gritando “yasssss, queen!” e estalando os
dedos para mim. Seu cabelo está tingido com um tom vivo de azul,
bem típico de um idol.
Como eles vieram para cá? Tão perto do começo das aulas?
Ainda estou gritando “O QUE ESTÁ ACONTECENDO?” para eles quando
JinJoo me dá um cutucão forte nas costelas.
Ah, sim. O último refrão. Todas as cinquenta garotas estão agora
na passarela, muito perto dos fãs. Com as vibrações positivas de
umma, meus amigos e o estádio inteiro me dando forças, faço a
coreografia com mais intensidade do que nunca. SOU TODAS AS
GAROTAS, TODAS AS GAROTAS DO MUNDO.
Fogos explodem por toda a borda da passarela. BOOM, BOOM,
BOOM, BOOM, BOOM, BOOM! As garotas paradas mais perto das
explosões gritam e se agacham para se proteger; PD Choi nos
avisou que haveria fogos, mas nenhuma de nós esperava que eles
fossem tão grandiosos ou barulhentos.
A música termina com todas as cinquenta garotas levantando as
mãos para cima enquanto há fumaça cobrindo o estádio. Mergulho
no som dos gritos e FanChants ensurdecedores dizendo “S.A.Y!”.
Fecho os olhos e me pergunto, várias e várias vezes: “Isso tudo é
real mesmo?”.

***

Meu time e eu nos trocamos para nossa performance de


“Boombayah” no camarim espaçoso dos bastidores. Nosso figurino
envolve espartilhos, botas de cano alto e luvas que vão até os
cotovelos, tudo em couro preto envernizado.
Meu cabelo roxo está preso em um rabo de cavalo alto e
apertado — outras garotas do meu time também tingiram os
cabelos. Helena, em vez do tom claro de ruivo, agora está com o
cabelo platinado; odeio admitir, mas o loiro Targaryen combina muito
mais com ela do que comigo. O cabelo de Binna está com um tom
cinza-prateado, que ficou incrível nela, especialmente junto com o
batom preto. As tranças de JinJoo agora estão tingidas em um tom
vermelho Netflix, o que combina com seu tema anime. O cabelo de
Aram continua no mesmo tom de preto de sempre, porque não faz
sentido mudar o que já é perfeito.
Nós cinco ficamos juntas de frente para o espelho para ver como
estamos. Três meses atrás, se eu nos visse em um beco escuro,
teria dado meia-volta e corrido na direção contrária e passaria o
resto da vida pensando em quem eram aquelas cinco garotas lindas
e descoladas.
Damos gritinhos enquanto caminhamos para a coxia do palco
para assistir ao Time 1 apresentar “Dalla Dalla”, do Itzy. Aperto as
mãos geladas de Aram e Binna – consigo sentir o nervosismo delas
e o meu. Não sei se é por causa do espartilho apertado, mas estou
começando a me sentir mal. Nunca vi o Time 1 se apresentar, para
falar a verdade – eu estava muito ocupada sendo “expulsa” da S.A.Y.
durante a primeira avaliação –, mas logo percebo que BowHee foi
minha maior rival esse tempo todo. Assim como eu, ela está em um
time com quatro garotas muito mais altas que ela e não é uma
grande dançarina, mas compensa isso com muita energia,
expressões alegres e divertidas e uma voz poderosa. Ela adiciona
todo tipo de floreios e notas altas no final da música.
O público vai à loucura. One.J, ChangWoo, Wookie e CEO Sang
estão sentados em uma bancada elevada para jurados de frente
para o palco e todos fazem comentários positivos. One.J, que está
espetacular com delineador, lentes cor de mel e brincos pendentes
de cruz, destaca o “carisma” incrível e a “voz digna de uma estrela”
de BowHee. Sinto uma onda de ciúmes atravessando meu corpo.
E pensar que essa garota se sentou de frente para mim durante
todas as refeições pelos últimos três meses.
Durante o intervalo comercial, meu time e eu subimos no palco e
nos posicionamos, comigo no centro. Tento chamar a atenção de
One.J, mas ele age como se não me conhecesse. Ele está ocupado
demais fazendo graça com Wookie. Sei que provavelmente há
algumas sasaengs no estádio, mas gostaria que ele olhasse para
mim nem que fosse por um milissegundo.
A multidão vibra quando as luzes se apagam e a tela grande
atrás de nós mostra o clipe do nosso time: momentos dos nossos
ensaios, entrevistas, interações que as câmeras filmaram durante a
última semana. Nossas narrativas. Mesmo que eu queira muito, não
podemos nos virar para assistir – estamos no modo Girl Crush
“Boombayah” agora.
No instante em que o clipe acaba, as notas iniciais de
“Boombayah” começam a tocar, o que faz o público ir à loucura.
Começamos com uma série de poses sincronizadas e logo faço
meu rap.
Tommy vai me zoar tanto por isso – ele só ouve hip hop –, mas
Clown Killah e Manager Kong insistiram que meu rap ficou bom.
Não sou nenhuma Missy Elliott nos VMAs; estou mais para a Taylor
Swift fazendo o rap da Missy Elliott na plateia do VMA, mas fico mais
confiante quando ouço o público soltar exclamações de surpresa.
No pré-refrão, tenho que me deitar de costas e deslizar por baixo
das pernas das minhas colegas, assim como a Rosé do Blackpink
verdadeiro faz no MV. Couro envernizado não é muito bom para isso,
mas consigo. No primeiro refrão, uma explosão de luzes cor-de-rosa
se acende ao redor do estádio. Lasers cor-de-rosa percorrem a
plateia, o chão do palco se acende e nós cinco fazemos o dance
break. Paro de pensar temporariamente enquanto uso meu corpo
inteiro para balançar os braços e chutar o ar como um ninja.
Estamos nos aproximando da parte em que precisamos balançar
o cabelo oito vezes, e sei que não vou conseguir fazer o movimento.
O tempo desacelera e uma ideia surge em minha mente. Todas as
vezes em que me destaquei como trainee, foi porque segui meus
instintos: fazendo um sax no ar, cantando “Yeowoo” em vez da
música aprovada por Manager Kong ou dançando vogue na minha
audição em Nova Jersey. Helena vai me odiar por isso, mas que se
dane. Tenho de pensar em mim.
Quando as outras garotas seguram os joelhos e giram o cabelo
como se seus pescoços fossem hélices de um ventilador, dou de
ombros e faço uma careta para o público, como se dissesse “Aí já é
demais para mim!”. Em vez disso, enrolo meu rabo de cavalo
algumas vezes com a mão.
A multidão cai na gargalhada. Eu pisco para a câmera certa e
depois continuo com as partes da coreografia que consigo fazer.
Para a última batida da música, minhas colegas fazem espacates
e eu desabo no chão em um death drop – dessa vez, planejado. O
estádio inteiro vibra sob nossos pés e grita “De novo!”.
Nós nos levantamos e nos curvamos para o público. Os garotos
do SLK e o CEO Sang estão de pé. Vejo umma, Imani e Ethan de
novo e mando vários beijos na direção deles. Imani está vibrando
demais.
WooWee, maravilhosa em um vestido preto de paetês, vem até
nós com um microfone para perguntar como nos sentimos depois da
performance.
Aram diz:
— Me parece que demos nosso melhor. Por favor votem em mim
e nas minhas colegas, estou contando com vocês! — Ela faz um
coração sobre a cabeça com os braços.
Há um coro de vozes masculinas gritando “Yeppeo, yeppeo!”.
Quando umma e abba dizem “yeppeo” para mim, significa “Você
é amada” ou “Você é amável”. Nesse contexto, tenho certeza de que
só quer dizer “você é linda!”.
WooWee dá a vez para os juízes. CEO Sang diz, dramaticamente:
— Sempre espero o melhor do Time 2, e hoje… vocês superaram
minhas expectativas. Bom trabalho, meninas.
ChangWoo diz:
— Candace, toda vez que vimos você se apresentar como
trainee, você fez alguma coisa inesperada. Hoje, você mostrou para
o mundo todo sua personalidade única. Isso vai te ajudar bastante.
Minhas colegas olham para mim, confusas. Um clipe que mostra
a parte em que enrolo meu rabo de cavalo com os dedos enquanto
as outras quatro arrasam na coreografia é exibido em câmera lenta
na tela atrás de nós. Dessa vez, nos viramos para assistir e Helena
me lança um olhar mortal, bem no palco.
Faço uma reverência para ChangWoo.
— Obrigada, sunbaenim.
Ainda sem olhar para mim, One.J diz:
— Por mim, vocês cinco poderiam debutar hoje mesmo.
Wookie acrescenta:
— Vocês são todas lindas e talentosas, mas, JinJoo, o jeito como
você se move e canta… você é minha bias desse time.
JinJoo fica boquiaberta e põe a mão sobre o peito; ela
literalmente ganhou na vida. Ela gagueja:
— Wookie-oppa, você é meu ultimate bias. Posso te fazer kimchi
bokkum bap algum dia?
É um momento tão adorável que o estádio inteiro solta um
“owwwwwn”.
Manager Kong está nos esperando no camarim com garrafas de
Elektro Hydrate (horrível) e uma expressão alegre.
— Vocês foram tão bem!
Enquanto tiramos o figurino de couro envernizado e vestimos
nossos uniformes de estudante da S.A.Y., Helena pergunta:
— Candace, por que você teve que sair do script de novo? Você
tirou o foco de quem estava realmente seguindo a coreografia.
Solto um suspiro alto enquanto tiro o espartilho. Faz três
semanas que ignoro Helena e tem dado certo.
Helena vem até mim e ficamos cara a cara; por um momento, fico
impactada pela beleza dela. Com seu novo cabelo loiro platinado e
circle lenses azuis, ela está com uma vibe seriamente Elsa, de
Frozen.
Mas então ela abre a boca.
— Você está me ignorando? Se liga, garota! Você não está com
nada.
— Ei, ei, ei, parem com isso — Manager Kong avisa.
— Deixa ela em paz, Helena — Binna diz, puxando-a para trás.
— Todo mundo viu a gente fazer a coreografia. Candace só fez o
que era melhor pra ela. Vamos focar no sucesso da performance,
o.k.?
— Nada mais importa, o Wookie falou comigo — JinJoo diz,
encantada. — Agora já posso morrer feliz.
— É isso mesmo, meninas — Manager Kong diz. — Vocês
mostraram o que sabem fazer e isso é ótimo. Agora, vão para a sala
de exibição.
Fora das nossas roupas superjustas e de volta aos nossos
uniformes de estudante da S.A.Y., pegamos nossas Mantas da
Modéstia e nos sentamos na sala de exibição, onde todas as
trainees que não estão se apresentando devem ficar para assistir ao
programa e fazer reações exageradas para as câmeras que estão
transmitindo para a televisão. A primeira fila de assentos está
reservada para o nosso time e, pelo resto da noite, assistimos a
todas as apresentações. Fico chocada – como é que cinco times
vão ser eliminados depois de hoje? Todas as garotas se apresentam
com tanta paixão, preparo e intensidade. Meu time é supostamente
um dos favoritos, mas não consigo dizer que somos assim tão
melhores do que os outros. Vejo ShiHong arrasar na dança de
“Fantastic Baby”, do Big Bang. Luciana parece uma J-Lo do K-pop
na performance de “Gashina”. RaLa é uma máquina de rap na
versão de “Latata”, do (G)I-DLE, que seu time apresenta.
Temos que reagir da forma mais empolgada possível diante das
câmeras, mas não preciso fingir. Sou fangirl de todas essas garotas.
Grito e pulo durante cada performance. As câmeras me filmam,
mostrando para Binna como estou literalmente arrepiada.
Sempre que a luz da câmera da sala de exibição fica vermelha,
Helena descruza os braços e altera sua expressão mal-humorada
para dar batidinhas nas mantas no nosso colo, sempre pensando
em manter a imagem de garota gentil e prestativa. Falsa, falsa,
falsa.
Se debutarmos no mesmo grupo, talvez eu simplesmente desista.
CAPÍTULO 33
“Into The New World” (Reprise)

Menos de vinte quatro horas depois, a segunda noite de


apresentações começa com WooWee reunindo todas as cinquenta
garotas no palco enquanto os números da votação on-line são
revelados. WooWee diz, com muitas pausas dramáticas, que mais
de trinta milhões de votos foram computados só na Coreia do Sul, o
que causa espanto na plateia.
— Lembrem-se, todas vocês — WooWee diz, com uma voz
abafada —, o que importa hoje são as pontuações totais dos times.
Todos no estádio estão prendendo a respiração enquanto os
resultados são exibidos nos monitores.

PRIMEIRO LUGAR
Time 2: Kim Aram (1.209.345), Candace Park (845.844), Kwon
Binna (828.988), Helena Cho (623.112), Chae JinJoo (242.559)

Aram, Binna e eu gritamos, pulamos e nos abraçamos. Nosso


time teve a maior quantidade de votos no geral, o que nos deixa em
vantagem em relação aos outros cinco times.
O Time 1 está logo depois de nós, com BowHee conseguindo
972.474 votos.
Depois de Aram, RaLa e BowHee, sou a quarta colocada geral
em votos e Binna é a quinta. Se nós cinco formos escolhidas para o
grupo final, vou explodir de felicidade – nossa mesa das excluídas
na cafeteria seria bem-representada! Talvez esse seja um sinal de
que os fãs coreanos estão prontos para um grupo sem os típicos
idols perfeitos (com exceção de Aram, é claro).
— Você vai conseguir, unnie — sussurro para Binna. — Dez
anos.
Ela está chorando tanto que só consegue apertar minha mão de
volta.
Eu me sinto péssima por JinJoo, que conseguiu poucos votos –
ela está em trigésimo terceiro lugar – mas já faz um tempo que ela
não tem grandes perspectivas. E Helena em nono lugar… bom,
acho que o público coreano conseguiu perceber a falsidade dela.
Hoje, umma, Imani e Ethan estão de pé na primeira fileira,
enlouquecidos, chorando e vibrando. Meu coração está explodindo
de alegria.
WooWee chama a atenção do público para alguns resultados
surpreendentes. Mesmo que RaLa tenha sido a segunda
individualmente – 989.223 votos –, suas colegas de time foram
muito mal, então elas ficam em sexto lugar na classificação geral.
Olho na direção delas e RaLa está se esvaindo em lágrimas
enquanto suas colegas a consolam.
Eles não podem simplesmente eliminar a segunda colocada nos
votos individuais por causa de um detalhe técnico, podem?
WooWee diz:
— Time 2, Time 1, Time 6, Time 3 e Time 9… Meus parabéns,
vocês vão poder apresentar a segunda música que prepararam pra
hoje, e ainda têm chance de debutar.
E simples assim, vinte e cinco sonhos, que somados devem dar
um total de cem anos de treinamento intenso, são destruídos.
Estou chocada. Não consigo deixar de pensar que, se RaLa se
encaixasse um pouquinho mais nos padrões do K-pop, a S.A.Y. e o
CEO Sang tentariam achar uma brecha nas regras para mantê-la na
disputa. As garotas eliminadas, as que continuam e boa parte do
público não param de chorar.
One.J diz, com os olhos brilhando de compaixão:
— Lembrem-se: os resultados dessa noite não têm nada a ver
com o valor de vocês como pessoas. Se vocês ainda querem ser
idols, não desistam. Mas lembrem também que realizar um sonho
não vai fazer com que sua vida seja automaticamente melhor. Não
importa o que você faz, se trabalha em uma padaria ou é o número
1 no Gaon Music Chart, nossas vidas têm o mesmo valor.
A plateia murmura admirada diante das sábias palavras de
One.J.
— Falou bem, One.J — CEO Sang diz rapidamente. — Para todas
as garotas que não vão continuar, vocês se esforçaram bastante, e
a S.A.Y. agradece por isso.
Tentamos abraçar as garotas eliminadas, mas elas já estão
sendo levadas para os bastidores pela produção. Já dá para sentir:
agora há uma linha entre as perdedoras e as vencedoras.
— E agora, o primeiro colocado: Time 2! — WooWee diz.
O estádio vibra. Ugh, nós vamos mesmo ser entrevistadas
agora?
— Como você se sente, estando tão próxima do debut? —
WooWee pergunta, colocando o microfone na cara de Binna. Mas
ela está muito emocionada para responder. O público faz um coro
carinhoso: “Ul-ji-ma! Ul-ji-ma!” Não chore! Não chore!
Helena dá um passo à frente e pega o microfone, impaciente:
— Bom, me parece que é uma grande honra estar um passo
mais perto, mesmo que me pareça que estamos muito tristes pelas
garotas que não vão poder apresentar a segunda música.
WooWee parece estar feliz que pelo menos uma garota consegue
falar.
— O SLK e o CEO Sang disseram que o Time 2 se destacou
durante todo o processo de treinamento — ela diz. — O que acha
que faz vocês se destacarem como um grupo?
— Hmm — Helena diz, com a mão no ombro. — Bom, cada
integrante traz qualidades diferentes. Aram traz o Visual, é claro. Eu
diria que sou a mãe do grupo, porque estou sempre cuidando de
todas.
Quero tossir e gritar “Mentira!”.
— Binna é quase como o pai do grupo — Helena continua. — Ela
é muito rígida e nos mantém na linha. E JinJoo, é claro, é o nosso
unicórnio, nossa 4D Personality. Então, sim, acho que todas nós
acrescentamos algo único para o grupo.
— Oh! Mas parece que você esqueceu sua maknae — WooWee
diz.
Helena solta uma risadinha por trás de sua mão.
— Ai, meu Deus, como pude esquecer Candace? Sim, nossa
maknae traz uma certa… imprevisibilidade para o nosso grupo. Sem
ela, nosso time teria paz e harmonia demais. Qual seria a graça
disso?
WooWee ri um pouco, desconfortável, antes de dizer:
— Candace, vamos ouvir você. Como maknae do grupo, o que
você aprendeu com cada uma de suas unnies?
Estou tão cansada de Helena. Quero sair por cima, mas, entre o
massacre de trainees que acabamos de testemunhar e o shade
descarado de Helena, meus nervos estão à flor da pele.
— Bom, WooWee-sunbaenim — digo, sorrindo para as câmeras
—, com Binna-unnie, eu aprendi não só a dançar, mas também a
tratar as pessoas com respeito e integridade. Ela foi a primeira
pessoa a me ajudar quando eu estava passando por dificuldades
como uma nova trainee e, por isso, vou ser eternamente grata a ela.
Com JinJoo, eu aprendi a ter a coragem para ser diferente e receber
críticas e encarar obstáculos com persistência. Aram-unnie…
olhando de fora, qualquer um diria que ela sempre conseguiu tudo
de mão beijada por ser bonita, mas, por trás da beleza, ela também
tem caráter e força — Aram sorri para mim e faz um coração com os
braços.
— Que belas palavras — WooWee diz. — E Helena?
Penso por um segundo. Helena me lança um olhar de aviso.
— Helena-unnie… uau, por onde eu começo? Observando
Helena-unnie, aprendi como mostrar uma boa aparência para as
pessoas certas. Me parece que essa vai ser uma habilidade
importante nessa indústria, e ela é excelente nisso.
WooWee balança a cabeça:
— Wahhhh, que ótimas observações de uma garota tão nova.
Eu me olho no monitor enquanto faço finger hearts para o
público. O estádio vibra, aprovando meu gesto.
Finalmente, somos levadas dos bastidores até o camarim para
nos prepararmos para a apresentação de “Into The New World”.
Não vejo os grupos eliminados em lugar algum; até onde sei, elas já
foram embora de ônibus. Há uma atmosfera sombria – Binna, Aram
e eu estamos consolando JinJoo, que está devastada por suas
notas individuais.
— JinJoo, não perca a esperança — Aram diz. — O grupo final
não vai ser baseado nos votos, de qualquer forma. Você pode
compensar com a apresentação de agora.
Os maquiadores e cabelereiros nos empurram para as cadeiras
vazias perto do espelho para retocar nossa maquiagem – várias de
nós estamos precisando depois de chorar. Helena, com o rosto
completamente seco, está vestindo seu figurino para a
apresentação e me encarando durante todo o tempo.
Não aguento mais esse joguinho.
— Você quer me dizer alguma coisa, Helena?
Ela me responde, rispidamente, em inglês:
— Candace, de todas as sacanagens que você já fez, essa foi a
pior.
Olho para ela pelo espelho enquanto uma maquiadora passa pó
em meu rosto.
— Não sei do que você está falando.
Helena corre até mim e empurra a parte de trás da minha
cadeira, batendo na maquiadora.
— Ei, sai daqui! — grito de volta, em inglês. — Me deixa em paz.
— Ah, e ignorar o fato de que você falou mal de mim na frente de
todo mundo?
Todas as outras garotas no camarim lotado viram a cabeça em
nossa direção. Estou horrorizada. Não digo nada.
— Você me fez parecer uma pessoa horrível para o país inteiro!
— ela grita.
— Foi você mesma que fez isso — respondo. — E, como
sempre, Helena, se eu fiz qualquer coisa pra você, é porque
mereceu.
Minha maquiadora escolhe esse momento para guardar o pincel
e sair de cena. Eu não a culpo – não consigo imaginar nada mais
inapropriado nesse momento do que duas trainees americanas
gritando uma com a outra em inglês. Eu me levanto e atravesso o
camarim até outra cadeira, onde uma outra maquiadora começa a
retocar minha maquiagem logo em seguida. Mas Helena me segue
como uma sombra maligna.
— Meu Deus do céu — eu explodo, voltando a falar em coreano.
— Qual é o seu problema? Por que você é tão obcecada por mim?
— Obcecada por você?! — Helena dá um sorriso cínico. — Vai
por mim, não sou obcecada por você. Você não é importante o
suficiente pra isso.
Aram grita do outro lado da sala:
— Por favor, meninas, agora não é hora para isso.
— Sim — diz Binna. — Já chegamos tão longe.
Helena ignora as duas.
— Só quero saber por que você implica tanto comigo desde
quando chegou aqui.
— Eu? — Não consigo deixar de soltar uma risadinha. — Nunca
fiz nada contra você.
— Antes de você chegar e começar a fazer seus truquezinhos,
tudo estava ótimo. O que você fez ontem à noite e aquela
entrevista… essa é a última vez que me desrespeita, ouviu bem?
Não vou deixar você estragar minha vida.
— Eu não fiz nada pra você — digo, com os dentes cerrados. —
Não é culpa minha você ter ficado em nono lugar.
A sala inteira solta um suspiro de espanto. Sei que foi golpe
baixo, mas não aguento mais. Não contei para todo mundo que ela
destruiu meu cabelo, ou que ela mandou o namorado destruir meu
precioso violão. Eu me levanto e tiro meu figurino da arara. Vamos
usar roupas em um tom delicado e suave de rose-gold para nossa
segunda apresentação.
— O que você disse?! — Helena pergunta.
Coloco meu vestido. “Apenas sobreviva a essa noite e, com
sorte, você nunca terá que vê-la de novo”, digo a mim mesma.
— Só quis dizer — falo, fechando o zíper do vestido —, que, se
você não está feliz com o seu desempenho, a culpa não é minha.
Não sou uma “ameaça”, lembra?
— Não me sinto ameaçada por você, Candace. Só estou
cansada de como é desesperada pra chamar atenção.
— Eu sou desesperada? Preciso te lembrar quem é o seu
namorado?
De repente, estou olhando para o teto. Meu couro cabeludo
parece estar prestes a ser arrancado da minha cabeça. Helena está
segurando meu rabo de cavalo.
— ME SOLTA! — grito.
Uma confusão se forma na sala. Tento afrouxar a mão dela no
meu cabelo enquanto um par de mãos me puxa na direção
contrária. Quando finalmente liberto meu rabo de cavalo, balanço os
braços freneticamente, sem tocar em nada. Sinto as unhas de
Helena arranharem minhas bochechas antes de Binna puxá-la para
trás.
— PAREM! PAREM COM ISSO, VOCÊS DUAS! — Manager Kong grita, me
segurando. Ela me arrasta pela sala e me coloca sentada em uma
cadeira.
Os outros times aproveitam o momento para fugir até a sala de
exibição. Helena está em uma cadeira no canto oposto, chorando
com as mãos no rosto.
— Eu deveria expulsar vocês duas agora! Vocês têm noção do
quanto isso é inapropriado? E se um executivo da S.A.Y. visse? Ou
um cinegrafista? Vocês estariam fora!
Uma cabelereira aparece do nada para arrumar meu rabo de
cavalo e uma maquiadora diferente imediatamente começa a passar
corretivo sobre as marcas de unha no meu rosto, o que arde
demais. Me sinto humilhada e estou furiosa. Aquele animal
selvagem me atacou de verdade. JinJoo, Binna e Aram estão
prontas, vestidas em seus lindos figurinos rose-gold, horrorizadas.
— Vocês ainda precisam se apresentar — Manager Kong diz. —
Mas, depois, é melhor me darem uma boa razão pra não contar isso
para o CEO. Porque, se eu contar, ele não vai nem querer saber das
suas habilidades de canto ou dança. A principal causa do fim de um
grupo não são os escândalos. São desavenças entre integrantes.
Ao ouvir a ameaça de Manager Kong, o rosto de Helena fica
subitamente seco e ela ajuda sua maquiadora a reaplicar sua base
mais rápido. É quase de se admirar.

***

O estádio está quase todo no escuro exceto por uma única luz
focando em Binna. Ouvimos um som agudo em nossos in-ears, o
sinal para Binna começar a cantar. Sua voz na primeira estrofe está
um pouco trêmula, insegura.
Sinto uma onda de culpa tomar conta de mim; não acredito que
fiz meu time assistir àquele espetáculo logo antes da apresentação
mais importante das nossas vidas. A segunda estrofe é minha:
fecho os olhos e coloco todas as emoções que estou sentindo –
desespero, arrependimento, remorso, amor – nas palavras. Elas
ecoam através do estádio que está em completo silêncio. Não há
um pio.
No refrão, quando todas as nossas vozes se juntam para
harmonizar, a vibração do público cresce e se espalha como uma
onda. Um oceano de bastões fluorescentes cor-de-rosa ondula
pacificamente. Cantando sem instrumentos, só com as vozes das
minhas colegas, eu me esqueço de onde estou e sinto que estou
conectada a elas telepaticamente. Quando é hora de Helena e eu
fazermos contato visual, posso jurar que ela me pede desculpas
com os olhos. E eu peço desculpas a ela também.
Antes mesmo de ela chegar ao ápice da música, tenho certeza
de que Binna vai soltar aquela nota alta como nunca. Sinto uma
força intensa elevando nossa performance – e sei que as outras
conseguem sentir isso também, é como se os fãs estivessem nos
aninhando nas palmas das mãos. E, desse jeito, Binna fecha os
olhos e solta a nota alta com perfeição. Os gritos são tão altos que
precisamos esperar um minuto inteiro para recomeçar.
A música termina, e nós cinco estamos de mãos dadas, certas de
que, juntas, entramos para a história do K-pop.
CAPÍTULO 34
Cho Helena

Na minha última noite de sexta-feira como trainee, encontro


YoungBae no terraço pelo que parece ser a primeira vez em anos.
— Estava começando a achar que você tinha me esquecido —
ele faz um biquinho.
— Eu sei, desculpa. Esse showcase acabou com a gente.
— Bom, achei que você foi ótima. Quer dizer, na minha opinião,
você foi a estrela do negócio todo. Como sempre.
— Você assistiu?
— Aham. Colocaram uma TV no refeitório para os garotos. Na
verdade, vamos estar no estádio na coroação final semana que
vem, pra torcer por vocês. E pra ver como as coisas poderiam ter
sido com a gente.
— Ugh, sinto muito, YoungBae — digo. — Você vai debutar, eu
sei que vai. O que vocês vão fazer até lá?
Nós nos sentamos em um banco.
— Acho que vou ficar aqui, continuar treinando e me matricular
em uma escola internacional. Não é como se eu tivesse muitas
oportunidades universitárias lá em Atlanta. — Ele boceja, esticando
os braços para o céu. — Além disso, preciso ter certeza de que
você vai ficar bem.
— Como assim? Posso muito bem me cuidar sozinha.
— Eu sei. Estou falando por mim. — Pela primeira vez, YoungBae
parece um pouco tímido. Ele murmura: — Acho que comecei a
sentir um pouco de jeong por você.
De repente, sinto como se meu peito estivesse explodindo em
milhares de emojis de coração.
Jeong.
É uma palavra forte. Nós a estudamos por uma hora inteira na
aula de coreano. A professora Lee disse que é um dos conceitos
mais importantes na língua coreana, mas é muito difícil de traduzir
porque está intimamente ligado ao espírito coreano. É o que faz as
baladas coreanas serem tão românticas e, ao mesmo tempo, tão
tristes. É a razão pela qual K-dramas fazem você suspirar e chorar
ao mesmo tempo.
Tecnicamente, jeong significa “amor” ou “compaixão”, mas
também pode significar “apego” – a pessoas, a memórias e até
mesmo a objetos importantes. Quer dizer que algo ou alguém
mexeu tanto com você, que se encaixa com tanta perfeição no
formato do seu coração, que agora você não tem outra escolha:
precisa proteger essa pessoa, não importa o quão irracional isso
pareça para os outros, não importa quanta dor de cabeça essa
lealdade possa te causar. Você basicamente se entrega a essa
pessoa, de um jeito unicamente coreano.
Fico sem palavras. Ficamos sentados por um segundo, sentindo
o peso da palavra aumentar.
Então YoungBae quebra o silêncio:
— Tenho uma surpresa pra você! — Sua expressão alegre de
sempre retorna. Ele corre e pega o que parece uma fronha
escondida perto da porta enferrujada.
— O que você tem aí, YoungBae? — pergunto, preocupada.
Ele finge estar fazendo o parto do que está dentro da fronha: uma
melancia!
— Ta-da! Feliz aniversário!
Eu grito de verdade.
— Você se lembrou do meu aniversário!?
— Sim, daquela vez que falamos sobre signos… 24 de agosto.
Virgem. Sei que na verdade seu aniversário é amanhã, mas, já que
eu provavelmente não vou te ver…
— Onde você arranjou uma melancia?!
YoungBae infla o peito.
— Foi a coisa mais errada que já fiz. Você não acreditaria em
quantas regras tive que quebrar. Enfim, não consegui roubar uma
faca ou uma vela de aniversário, mas… Saengil cheukka hamnida…
Ele começa a cantar “Parabéns para você” em coreano. É a coisa
mais fofa que alguém já fez por mim, mas a pronúncia de YoungBae
não melhorou nem um pouco, e ele também não canta lá muito
bem.
— Ei, YoungBae — interrompo. — Você poderia fazer um rap de
“Parabéns” pra mim?
Ele levanta a cabeça.
— Achei que você nunca fosse pedir.
Começando com um pouco de beatbox, ele faz um rap de
“Parabéns” em coreano e depois começa a dançar um break,
usando a melancia como acessório. Morro de rir. Ele é tão
engraçadinho. Em um certo momento, ele decide fazer um
movimento em que tenta rolar a melancia por um braço, passando
por trás do pescoço e seguindo até o outro braço. Não funciona e a
melancia cai no chão, se quebrando em vários pedaços.
— Ah, droga — ele diz, passando a mão pela cabeça. —
Desculpa. Eu ainda topo comer se você topar.
— Dã! — digo.
Nós nos agachamos sobre a carcaça de melancia e devoramos
os pedaços descaradamente com as mãos, cuspindo as sementes
nos arbustos de lilases.
Quando ele sorri para mim com os lábios úmidos e vermelhos,
percebo que estou sentindo jeong por YoungBae também. Mesmo
que One.J seja um gênio da música e tenha me dado conselhos
sábios, o encontro mais incrível e o meu primeiro beijo, percebo que
ele é realmente como um alien para mim. Acho que tem a ver com o
jeito como ele gritou com Clown Killah, com seu jeito descuidado…
será que ele não deveria ter sido mais cuidadoso no nosso
encontro, já que sabia de todas aquelas sasaengs?
Mas YoungBae está bem aqui. Ele gostou de mim, do jeito que
sou, desde aquele primeiro dia em que falou comigo através da
Linha do Gênero na sala de aula da professora Lee.
— Posso te beijar, Albert? — pergunto.
Ele parece surpreso.
— Sim — ele deixa escapar.
Eu me inclino e o beijo. É quando, enfim, entendo qual é o gosto
de “Red Flavor” – a letra nunca fez sentido para mim antes.
— Uau — ele diz, de olhos arregalados. — Eu até deixo você
continuar me chamando de Albert se fizer isso de novo.
Nós rimos e nos beijamos de novo, dessa vez por mais tempo.
Com certeza não é um Beijo Educado.
— Pensa comigo — ele diz quando nos afastamos. — Se você
debutar na semana que vem, vou continuar aqui como um trainee e
tentar debutar também. Enquanto isso, você pode tentar me incluir
como dançarino no MV de estreia de vocês. Se você não debutar, eu
vazo também. O CEO Sang não dá a mínima para os garotos, então
aposto que ele me deixa sair. A gente pode voltar para os Estados
Unidos e tentar seguir uma carreira lá. Podemos fazer collabs no
YouTube e coisas do tipo. Que tal?
Eu mordo os lábios, a culpa me pegou de surpresa. Penso no
verso de “Alien”: “Você me odiaria pelas coisas que preciso fazer
para sobreviver”. Eu deveria falar para ele sobre a foto. Sobre ter
beijado One.J.
Mas One.J disse que ia dar um jeito. YoungBae nunca vai
precisar saber. Ninguém vai.
Se eu me tornar uma estrela como One.J, será que algum dia
YoungBae vai me odiar pelas coisas que eu talvez precise fazer
para sobreviver em um mundo tão duro como o do K-pop? Pelas
coisas que já fiz?
Tento afastar a culpa. Cuspo uma semente de melancia em
YoungBae. Ela bate no peito dele.
— Combinado — digo, apagando One.J da minha mente. — Eu
escolho você.
YoungBae olha para mim, confuso.
— Você me escolhe? Como assim?
— Nada — digo, balançando a cabeça. — É só meu cérebro
viciado em competições musicais.
Ele sorri.
— Pelo menos você vai ter mais um dia fora no seu aniversário.
Está animada pra comemorar com a sua mãe amanhã?
— Sim e não. Fiz uma coisa da qual eu talvez me arrependa.
YoungBae arqueia uma sobrancelha, confuso.
— Convidei a Helena pra vir comigo.

***

Imani e eu nos abraçamos por um minuto inteiro, dando pulinhos.


— Você é oficialmente a pessoa mais legal do mundo! — ela grita
no meu ouvido, assustando todos os coreanos de terno preto na
recepção. — MINHA MELHOR AMIGA É UMA SUPERESTRELA DO K-POP!
— Fiquei tão feliz de te ver! — grito, apertando os ombros de
Imani, sem acreditar que é ela de verdade. — Como vocês
chegaram aqui?
— Bom — diz Imani, orgulhosa. — Consegui arrecadar dinheiro
suficiente para o Clube de Apreciação da Cultura Coreana pra
comprar passagens de ida e volta para o Ethan e eu. — Então ela
sussurra para mim, apontando para ele. — Os pais dele pagaram.
Balanço a cabeça.
— Ah, entendi.
Abraço Ethan e bagunço seu cabelo.
— Estou passado, mulher, passado — ele diz. — Nunca achei
que Candace Park faria um death drop antes de mim.
— Como foi? — pergunto.
— Bom. Não ótimo — ele diz.
Brutal.
Por um momento, esqueço que Helena está aqui. Eu a apresento
e ela se curva profundamente para umma e acena para Imani e
Ethan.
Imani solta um suspiro.
— Você é tão linda.
— Obrigada — Helena diz, sorrindo com timidez.
— Você estava tão diva no showcase — Ethan diz.
No caminho para casa, umma faz um alvoroço sobre como
Helena está magra demais e como ela deve estar morrendo de
vontade de comer uma refeição caseira.
Quando sugeri convidar Helena para passar um tempo com
umma e eu no nosso último fim de semana como trainees, para
provar que podemos superar nossas desavenças, Manager Kong
aprovou a ideia na mesma hora.
Como eu previa, umma ficou muito feliz em receber uma garota
coreano-americana sem família em Seul.
— Você deveria ter convidado Helena antes! — umma me
repreende. E então, para Helena, ela explica. — Às vezes a
Candace é muito mal-educada.
Ugh.
Imani planejou um itinerário turístico cheio para nós. Exploramos
a Vila de Murais Ihwa no bairro do teatro independente; provamos
polvos vivos (exceto Ethan); mergulhamos os pés nas piscinas de
Seoullo 7017; visitamos o Poopoo Land, um museu real sobre fezes
e gases (coreanos são obcecados por esse assunto); e bebemos
lattes em um café de suricatos, que é ainda mais fofo que o café de
guaxinins. Os suricatos mordem quase todos nós, mas, por alguma
razão, parecem amar Helena e ficam comendo direto da mão dela.
Depois, voltamos para o apartamento para um jantar de
aniversário, que, na tradição coreana, sempre inclui miyuk guk –
sopa de algas marinhas. Imediatamente, Helena insiste em ajudar
umma a preparar o jantar, o que umma recusa, mas Helena insiste
três vezes; estamos falando da mesma garota que era incapaz de
jogar seu próprio lixo na lata. Helena já está prejudicando minha
reputação diante de umma. Eu nunca ajudei meus pais na cozinha,
mas eles nunca me pediram. Se tivessem pedido, eu com certeza
teria ajudado.
Enquanto elas preparam o jantar, Imani, Ethan e eu nos
esprememos ao redor do laptop de umma para assistir a todos os
vídeos das performances do showcase. O mais popular deles é a
nossa apresentação à capela de “Into The New World”, que já tem
dezoito milhões de visualizações!
— Mano, essa performance foi lendária — diz Imani. — Meus
filhos e os filhos dos filhos deles vão assistir a isso.
Leio os comentários. A maioria é positivo (“RAINHAS!”; “Casa
comigo, Aram!”; “Essa performance parou a internet”), mas há
alguns horríveis (“AQUELA É A VADIA QUE PARTIU O CORAÇÃO DO ONE.J!” ou
“Kwon Binna é muito feia para ser uma idol. Pronto falei”).
— O.k., já deu, chega de ler comentários de haters — Ethan
declara.
Imani abre o site da S.A.Y. para começar a votar em mim várias e
várias vezes.
— Helena, vou te dar vários votos também, não se preocupe! —
Imani grita.
— Obrigada, Imani! — Helena grita da cozinha.
Reviro os olhos.
— Que foi? — Imani pergunta.
Eu nunca disse a ela que Helena e eu não somos amigas.
— Nada.
Depois que está tudo limpo e guardado e Ethan e Imani voltam
para o hostel onde estão hospedados, Helena e umma insistem em
dormir no sofá da sala e, depois de uma batalha épica de etiqueta
coreana, elas finalmente decidem que umma vai ficar no sofá e
Helena e eu vamos dividir a cama.
— Vocês precisam descansar, garotas! — umma insiste.
Não discuto, já que o objetivo desse fim de semana é me
entender com Helena. No quarto escuro, nos deitamos uma ao lado
da outra em lados opostos da cama e passamos tanto tempo em
silêncio que desconfio que ela já adormeceu. Mas, enfim, ela diz:
— Eu sei que JiHoon é um babaca.
Solto um suspiro de alívio.
— Então por que você estava com ele?
— Acho que… era bom sentir que tinha alguém do meu lado. Eu
estava completamente sozinha lá, e ele cuidava de mim, sabe?
— Sei — digo, pensando nas tiras de frango que YoungBae
levava para mim nos bolsos.
— Quer dizer, JiHoon não me dava um tratamento tão especial e
Madame Jung nunca soube. Nunca consegui nada demais, mas às
vezes ele me trazia uma fruta a mais do refeitório, ou algumas
amostras de produtos da GlowSong para o cabelo.
— Falando nisso… — digo.
— Eu juro que não estraguei seu cabelo de propósito — Helena
diz, rapidamente. — Juro pela minha vida. Juro pela minha chance
de debutar. Foi Madame Jung que me deu aquele frasco extra pra
usar em você, depois que ela viu seu cabelo na segunda
avaliação…
— Sério? Bom, eu sempre soube que aquela mulher me odiava.
— Ela sempre ficava dizendo que eu era a estrangeira ideal, que
você era a mal-educada e que ia prejudicar a empresa se
debutasse. Foi ela que me disse que só havia espaço pra uma
americana no grupo e que era melhor eu conseguir que fosse eu.
Depois da primeira avaliação, algumas das coisas que ela disse
sobre você começaram a parecer ser verdade… então falei sobre os
yakgwas para JiHoon. Juro que não queria que ele quebrasse seu
violão. E, algumas semanas atrás, quando você parou de falar
comigo de vez, fiquei meio magoada.
Todo o meu relacionamento com Helena passa pela minha
cabeça. Será que eu entendi tudo errado esse tempo todo?
— Mas, Helena — digo —, você foi super rude desde o começo.
Nunca quis falar comigo, nem nada.
Na penumbra, vejo Helena fazendo uma careta para o teto. Seu
cabelo loiro platinado está brilhando sob a luz do luar.
— Acho que eu estou numa vibe de evitar novas amizades há
muito tempo — ela diz. — A questão é que eu disse a mim mesma
que ia debutar a qualquer custo. Qualquer coisa que me distraísse
desse objetivo, incluindo amizades, tinha que acabar. O debut é
tudo o que eu tenho.
— Não é verdade. Você é inteligente e muito talentosa. Você
poderia voltar para a Califórnia e arrasar de outros jeitos.
— Não tem nada pra mim na Califórnia. Minha mãe morreu
quando eu tinha dez anos. Eu saí dos Estados Unidos pra treinar
quando passei em uma audição pra uma das outras quatro
principais agências aos quatorze anos. Quando não fui escolhida
pra debutar naquele grupo, meu pai disse pra eu voltar pra casa,
mas eu estava tão determinada a debutar que consegui ser
transferida da minha outra empresa para a S.A.Y. Um ano depois,
meu pai morreu em um acidente de carro.
— Meu Deus… Helena…
— Me deram permissão pra ir para a Califórnia para o enterro,
mas tive que voltar logo em seguida pra continuar treinando. Nunca
nem contei pra nenhuma das trainees porque não queria parecer
fraca. Pensei que, já que nem pude ver meu pai nos últimos três
anos de vida dele, era melhor eu fazer tudo valer a pena e debutar a
qualquer custo. — Helena funga. — Então, acho que, quando você
chegou… é que tudo parecia tão fácil para você. Quer dizer, não
fácil, mas você nem aprendeu a coreografia e conseguiu encantar o
CEO mesmo assim. E parecia que nossas colegas gostaram mais de
você do que de mim logo de cara. Sei lá, parecia que você não
precisava debutar como algumas de nós precisávamos, e isso meio
que me deixava louca…
Eu me viro para ela e enxugo suas lágrimas.
— Agora entendi.
— Enfim, posso ter agido como um monstro total, mas queria que
você soubesse que estou fora de mim na maior parte do tempo… a
vida de trainee faz isso com a gente, sabe?
— Claro. Preciso pedir desculpas também. Sei que sou meio fora
da casinha às vezes…
— Às vezes? — Helena se vira para me encarar.
Eu rio.
— Tá bom, não começa.

***

Na manhã do dia seguinte, umma nos deixa na recepção da ShinBi.


Helena dá um abraço mais longo nela do que eu. Da próxima vez
que eu vir umma, vou estar ou entrando em um avião com ela de
volta para os Estados Unidos ou me despedindo dela enquanto ela
volta sozinha.
— Candace — umma me chama enquanto Helena e eu
passamos pela verificação de segurança. — Na verdade, vocês
duas.
Helena e eu olhamos de volta para ela.
— Se vocês realmente querem ser idols — ela diz —, por favor
me prometam que não vão se preocupar só com beleza e fama.
Usem esse talento que Deus deu pra vocês pra dar voz a outras
pessoas.
— O.k., umma — digo.
— Sim, senhora Park — Helena diz.
Passamos pelas catracas.
— E mais uma coisa — umma completa. — Seoru akyeo-joh.
Cuidem uma da outra.
— Sim, umma.
— Sim, senhora Park.
CAPÍTULO 35
Caminho do arco-íris

As vinte e cinco garotas restantes estão aguardando no grande


salão de ensaio nos bastidores do Estádio Olímpico de Seul,
vestidas de um branco puro, virginal. Eu pareço a Kate Middleton no
dia do seu casamento, exceto pelo fato de que estou usando um
vestido tão curto que meus shorts de segurança estão quase
aparecendo.
Nos disseram que, na sala ao lado, CEO Sang e outros executivos
da S.A.Y. e da ShinBi estão revisando os votos e outros fatores antes
de tomarem a decisão final. O SLK está lá fora no palco nesse exato
momento, levando o público à loucura com performances de
“Unicorn” e “Sorry ‘Bout It”.
Olho ao redor. JinJoo está sentada no chão, balançando para a
frente e para trás. Binna, Helena e Aram estão em um canto de
mãos dadas, rezando. Outras garotas estão andando de um lado
para o outro, chorando e rezando também.
Embora eu esteja cansada, toda dolorida e emocionalmente
desgastada, estou mais calma do que deveria. Sei que consigo
passar por isso mais dez vezes e sobreviver. Fui até o que eu
achava ser o meu limite e descobri que ainda tinha muita força
sobrando.
Um produtor aparece na porta da sala e nos dá um aviso de um
minuto.
— CEO Sang e os executivos já tomaram uma decisão — ele diz.
Então, Manager Kong o empurra para o lado e entra furiosa na
sala, olhando para seu celular, com o rosto brilhando de suor.
— Quem é essa? — ela pergunta em uma voz suave, mas tensa.
— Quem fez isso?
Todas as garotas, já nervosas, ficam com uma expressão de
pânico absoluto no rosto. Manager Kong manda os cinegrafistas
pararem de filmar e vai até cada canto da sala, enfiando o celular na
cara de todas as trainees. Cada garota pula para trás como se fosse
a foto de um braço decepado. JinJoo literalmente grita quando vê.
Ah, não. Já sei do que se trata antes mesmo de Manager Kong
chegar até mim.
É um artigo do Korea Radar. Cubro a boca com as mãos. O título
diz: “ONE.J É FLAGRADO BEIJANDO TRAINEE DA S.A.Y. LOGO ANTES DO DEBUT
DO GIRL GROUP”.
Aquela foto granulada.
— E então? —Manager Kong grita, enfiando o celular mais perto
do meu nariz. — Isso já está em todos os sites de celebridade da
Ásia!
Só faço que não com a cabeça como todas as outras garotas,
lembrando do conselho de One.J.: “Não confesse”. Meu sangue
congela enquanto Manager Kong continua a andar pela sala.
É claro que uma sasaeng vazaria uma foto dessas justamente
hoje. Lembro do que One.J disse: “Elas nem sempre querem ser
lembradas por coisas boas. Elas só querem ser notadas”. O que
chamaria mais a atenção de One.J do que isso?
Sem respostas, Manager Kong diz para nos aprontarmos.
— Não temos escolha — ela diz. — Mas fiquem cientes: quem
quer que seja essa pessoa, não se esqueça. One.J é o produto mais
valioso da S.A.Y., e qualquer pessoa que prejudique sua imagem
perfeita vai ter que lidar com as consequências. Madame Jung está
a caminho do estúdio neste momento.
Sinto vontade de vomitar, mas tento controlar minha respiração.
Agitadas, formamos uma fila na porta, na ordem que ensaiamos.
BowHee está bem na minha frente, Binna logo atrás. Seguramos
microfones que foram decorados para parecerem buquês de lilases
roxas e cor-de-rosa. Somos guiadas pelos corredores de concreto,
passando pela sala onde YoungBae e os outros trainees estão
assistindo à transmissão, passando pelo camarim onde, há menos
de uma semana, Helena e eu lutamos até a morte.
Digo a mim mesma que ninguém vai perceber que a garota na
foto sou eu. Para o público, eu tenho cabelo roxo. As oitenta mil
pessoas que assistiram ao meu vídeo de “Expectations vs. Reality”
no YouTube viram uma garota comum de Nova Jersey com cabelo
preto oleoso. YoungBae não viu as fotos e, se ele descobrir, posso
explicar que meu beijo com One.J foi antes de eu beijá-lo – e que eu
o escolhi.
Um membro da equipe usando um fone dá à garota da frente,
ShiHong, sinal verde para subir ao palco, e todas nós a seguimos,
recebidas por aplausos e gritos. Acenamos enquanto cantamos
nossa segunda música de grupo, chamada “Rainbow Road”, escrita
por One.J e Clown Killah. Passamos pela mão gigante apertando a
Terra, que foi movida para a frente do palco, e caminhamos pela
passarela, que está rodeada por cerejeiras brancas, rosa e roxas –
não consigo ver se elas são reais ou artificiais, mas são muito
delicadas e bonitas.

Quando eu era pequena


Minha cabeça vivia nas nuvens
Eu sempre sonhei com o castelo
No final do caminho do arco-íris

Agora que cresci


Meus pés estão firmes no chão
Mas com você ao meu lado
Podemos colorir este caminho enquanto andamos
Não é o caminho que imaginamos
Encontramos obstáculos no caminho
Mas nossos passos deixam lindas pegadas
Quando você olhar para trás, você vai ver
Este sempre foi o caminho do arco-íris

Ao final da música, a vibração do público é tão alta que mal


consigo me ouvir cantando. Eu olho para um dos monitores e vejo
minhas colegas trainees, todas brilhando de branco. Somos como
um sonho que virou realidade.
WooWee sobe no palco principal e interrompe a fantasia, dizendo
que chegou a hora de anunciar as cinco garotas que vão debutar. O
público solta um grito de ansiedade e agonia enquanto formamos
filas ao lado da mão gigante. Ouço pessoas gritando nomes de
garotas. Ouço Aram. Ouço BowHee. Ouço Binna. Ouço Candace. É
surreal que tantas pessoas que eu não conheço se importem tanto
comigo.
É nesse momento que ouço uma fã na plateia gritar:
— Tire as mãos do meu One.J, Helena Cho!
E outra:
— Helena Cho, como ousa corromper meu One.J?
Olho para Helena, que está completamente horrorizada em seu
vestido de renda branco e seu cabelo loiro platinado. Então eu
penso: ao tentar me proteger, será que One.J jogou a suspeita em
Helena? Ele sabia que nós duas não nos dávamos bem por causa
daquela noite na recepção. E não deixo de notar a coincidência que
é o sr. Oh, que recebe ordens da S.A.Y., ter mudado o cabelo de
Helena para a mesma cor que eu tinha quando beijei One.J logo
antes do showcase.
O que posso fazer? Se eu não for escolhida, vou admitir que fui
eu para salvar Helena. E, se eu for escolhida… as pessoas vão
acabar esquecendo, assim como qualquer história de tabloide,
certo?
As luzes no estádio se apagam. Os alto-falantes tocam uma
música apocalíptica e explosiva para intensificar o drama.
Antes que eu me dê conta, WooWee está falando:
— A primeira integrante do primeiro girl group da S.A.Y. é… Kim
Aram.
Aram cai de joelhos, chorando, na fileira à minha frente. Eu deixo
de lado o drama da foto e grito e vibro por ela, nem um pouco
surpresa; o rosto dela foi feito para aparecer em outdoors e CFS ao
redor do mundo. Depois que as garotas ajudam Aram a se levantar,
ela caminha até o centro do palco, se esvaindo em lágrimas, onde
WooWee põe uma tiara de cristal na cabeça dela antes de
direcioná-la até o espaço na extrema esquerda do pódio. Assim que
Aram pisa no local, a unha do polegar da mão gigante se acende,
brilhando em vermelho logo atrás dela.
WooWee lê:
— Kim Aram, de Ansan, Coreia do Sul, será a Visual do grupo.
Além de sua beleza incomparável, Aram é uma excelente atriz e
forte sub-vocal.
O estádio canta “Kim Aram!”. Há gritos de “Yeppeoh!”.
Todos ficam em silêncio para o próximo anúncio. WooWee diz:
— A segunda integrante é… Shin BowHee.
Meu tímpano direito praticamente explode quando BowHee dá
um grito bem ao meu lado. Eu a abraço e ela recebe uma avalanche
de mãos das outras garotas lhe dando parabéns. Ela vibra de
alegria e surpresa. Quando finalmente se acalma, recebe sua tiara
de WooWee e sobe na segunda posição do pódio; a unha do
indicador da mão gigante se acende na cor azul.
— Shin BowHee vem de Daegu, Coreia do Sul. Ela será a
Vocalista Líder do grupo, com sua voz poderosa e charme aegyo.
Meu coração se afunda um pouco. Lá se vai qualquer esperança,
por menor que fosse, do Time 2 permanecer intacto. Além disso,
BowHee e eu, ambas garotas baixinhas e fofas com vozes fortes,
ocuparíamos posições similares no grupo. Não consigo decidir se
estou devastada ou aliviada.
— Agora, a próxima integrante — WooWee diz. — Ela já foi
chamada pelo CEO Sang de “a versão feminina de One.J”.
Ouço um “Oooooooh!” da plateia.
— A terceira integrante do primeiro girl group da S.A.Y. é…
Candace Park, de Fort Lee, Nova Jersey!
Eu vejo minha imagem na tela no fundo do estádio. Estou
boquiaberta, com uma expressão de puro choque. Binna grita e
pula, me apertando.
— Você conseguiu! Você conseguiu! — ela grita, há lágrimas
escorrendo de sua face. Meu rosto na tela desaba. Eu o enterro no
ombro de Binna. Tudo o que consigo dizer é “Obrigada, obrigada,
obrigada, unnie”. Olho para a tela de novo e ela mostra a sala onde
os garotos estão nos assistindo. YoungBae está bem na frente,
pulando de alegria por mim, dando socos no ar.
Depois de passar por uma floresta de mãos suadas e abraços,
caminho até o centro do palco e paro ao lado de WooWee.
— Parabéns — ela sussurra fora do microfone enquanto coloca a
tiara em minha cabeça. Procuro pelo rosto de umma na plateia e
finalmente a encontro, quase no fundo. Ela está chorando e
balançando a cabeça em minha direção, como se me desse a sua
aprovação. Faço um coração com as mãos.
Subo no meu lugar no pódio. É um pouco mais alto do que os
outros. A unha do dedo do meio atrás de mim se acende na cor
roxa, como meu cabelo.
É claro que sou o dedo do meio.
WooWee lê em seu cartão:
— Candace Park, com sua voz única, será a Vocalista Principal e
Center do grupo, trazendo com ela o espírito americano e seu
incrível talento de compositora.
Então cai a ficha. Eu sou a Center? Eu sou a versão feminina de
One.J? Depois de todas as minhas trapalhadas e falhas? Depois de
todas as vezes que Manager Kong disse que eu era um “grande
problema”? Depois de todas aquelas vezes que a General gritou na
minha cara?
Antes que eu possa ter mais tempo de absorver essas
informações, a próxima garota é chamada: ShiHong, do Time 3. Eu
não a conheço muito bem, mas ela sempre se destacou — é linda e
tem um ar andrógino com seu cabelo Peter Pan. WooWee diz:
— ShiHong vem de Xangai, China, e vai trazer uma vibe Girl
Crush poderosa para o grupo, além de excelentes habilidades de
rap e dança.
Quando ShiHong sobe no pódio ao meu lado, a unha do dedo
anelar se acende na cor verde. Eu sussurro “parabéns”. Ela balança
a cabeça em concordância, a única garota no palco que não está
vaiando.
— Senhoras e senhores, sinto dizer que só temos mais uma vaga
— WooWee diz, dramaticamente, com uma voz abafada. O público
solta um grunhido entusiasmado.
Faço uma oração silenciosa. Binna ainda pode ocupar a última
vaga; ela e ShiHong têm habilidades parecidas, mas representam
dois tipos completamente diferentes de Girl Crush – ShiHong faz
mais o tipo modelo, Binna é mais o estilo hip hop – e poderiam
compensar BowHee e eu, já que são excelentes dançarinas.
— A última integrante treina há muito tempo e impressionou o
CEO Sang com seu espírito de equipe e trabalho duro. Ela será a
líder do grupo.
Tem que ser Binna. Líder? Treinando há muito tempo? Trabalho
em equipe? Não pode ser outra pessoa.
WooWee diz:
— Por favor, olhem para as telas para conhecer as duas garotas
que estão disputando a última vaga.
Meus olhos se voltam para o monitor no fundo do estádio. Os
rostos de Binna e Helena aparecem, dividindo
a tela. Elas veem a si mesmas e imediatamente começam a
chorar.
Meus joelhos tremem e desabo no pódio. Por favor, seja Binna.
Tem que ser. Eu jamais teria chegado até aqui se ela não tivesse me
ajudado quando Manager Kong estava pronta para desistir de mim.
Eu nunca teria sobrevivido a uma única avaliação se ela não tivesse
dedicado centenas de horas do seu próprio tempo de treino para me
ajudar. Não vou conseguir fazer isso sem ela.
— E a quinta e última integrante do primeiro girl group da S.A.Y.
é…
Por favor, por favor, por favor.
— … Helena Cho.
Choro no pódio. Nunca senti nada assim. É como se meu
estômago tivesse sido aberto e minhas vísceras escorressem para
fora. Bae-jjae-ra.
A sensação é infinitamente pior do que se eu tivesse sido
eliminada. De todas nós, Binna é a que mais merece fazer parte
desse grupo. Todo mundo que a conhece enxerga seu valor. A única
explicação para isso é que ela não se encaixa em um padrão idiota
de beleza.
BowHee e ShiHong me levantam. Escondo meu rosto com meu
microfone-buquê de lilases – o cheiro das flores lembra minhas
noites no terraço com YoungBae.
Binna e as outras trainees eliminadas já estão sendo retiradas do
palco. Ela olha para mim com o rosto coberto de lágrimas e levanta
o punho. Ela murmura: “Hwaiting”.
Quando Helena, chorando, pisa na última vaga do pódio,
segurando sua tiara no lugar, a unha do dedo mindinho acende na
cor amarela. A Terra na palma da mão gigante de repente brilha,
lançando raios de luz sobre todo o estádio como uma enorme bola
de discoteca.
Ouvimos aplausos estrondosos vindo de todos os lados. Ouço
também um outro som vindo do público, como os acordes de um
baixo.
Vaias.
WooWee diz:
— Para a nação, para o mundo… seu novo girl group, o ideal
absoluto dos idols, cumprimenta a todos.
Segurando nossas tiaras, nós cinco nos curvamos
profundamente e gritamos em nossos microfones-buquês: “Por favor
esperem grandes coisas de nós!”. É o que nos mandaram dizer se
fossemos escolhidas.
Há uma explosão no teto do estádio e uma chuva de glitter,
pétalas de flores e luzes cai sobre os dez mil fãs. Há faíscas no
palco atrás de nós.
Mas as vaias persistem. Elas dão lugar a um coro que se
espalhou por todo o estádio: “TIRE AS MÃOS DE ONE.J! TIRE AS MÃOS DE
ONE.J! TIRE AS MÃOS DE ONE.J!”.
Esses gritos se misturam com berros de: “ODIAMOS CHO HELENA!
ODIAMOS CHO HELENA!”. As fãs estão fazendo um X com os antebraços
na direção de Helena.
Helena parou de chorar lágrimas de alegria. Sua expressão é a
imagem de puro horror.
— O que está acontecendo? — ela pergunta para ShiHong,
freneticamente. — Por que eles estão fazendo isso?
Olho para One.J. Ele está boquiaberto. Ele tem que dizer alguma
coisa. Por que ele não ajuda Helena? É preciso duas pessoas para
um beijo.
CEO Sang está de pé. Ele grita para o PD: “FAZ UM INTERVALO! FAZ UM
INTERVALO!”.
PD Choi corre pelo palco balançando os braços.
Todas as telas do estádio agora mostram um CF de Elektro
Hydrate.
CEO Sang e One.J saem às pressas do palco, cercados por
seguranças musculosos que afastam as fãs tentando encostar em
One.J. CEO Sang tira Helena do pódio pelo braço. Ela grita,
derrubando seu buquê enquanto sua tiara cai.
— Você! — CEO Sang grita. — Saia do palco!
— CEO Sang — Helena diz, desesperada. — Não sou eu nas
fotos, eu juro! Nunca fiquei sozinha com One.J-sunbae na vida!
— Não importa — ele diz. — É nisso que o país acredita. Sua
imagem está arruinada. Saia do palco!
Helena abre a boca para protestar, mas os membros da equipe já
estão arrastando-a para fora do palco. Há suspiros de espanto e
comoção do público. Helena olha desesperadamente para mim
antes de desaparecer na escuridão dos bastidores.
As outras garotas no pódio estão tão congeladas quanto eu. Todo
o nosso esforço está sendo destruído no último segundo. CEO Sang
e PD Choi estão gritando. É tudo minha culpa. E eu não tenho a
menor ideia do que fazer para consertar isso.
— Vamos simplesmente fazer o debut com as quatro quando
voltarmos do intervalo — diz PD Choi.
— Elas são a versão feminina do SLK — diz o CEO Sang. —
Precisamos de cinco pra ter simetria.
De repente, WooWee se coloca no meio dos dois.
— CEO Sang — ela diz, com seus olhos intensos brilhando — me
deixe debutar. Eu posso ser a quinta integrante.
Todas nós no pódio soltamos um suspiro de espanto. Olho para
Aram, que está tão chocada quanto eu.
Uma das maiores idols do K-pop, debutando pela segunda vez…
no nosso grupo?
— Mas, WooWee — diz CEO Sang —, pretendíamos esperar até
um pouco antes do primeiro single oficial do girl group, pra chamar
mais atenção na imprensa.
— Sei que o plano era trocar uma dessas garotas por mim daqui
a um mês — ela diz, com a voz ríspida e impaciente —, mas isso vai
resolver o problema. Você me deve isso, CEO Sang. Eu não movi o
céu e a terra pra abandonar meu último contrato só pra debutar em
outro grupo que vai implodir por causa de um escândalo.
Não acredito no que estou ouvindo. Então o plano da S.A.Y. era
substituir uma de nós esse tempo todo? E colocar WooWee logo
antes do nosso primeiro single ser lançado, só por publicidade?
— CEO Sang, isso é cruel demais — One.J. diz. — Você não pode
enganar as pessoas desse jeito.
CEO Sang ignora One.J. Ele balança a cabeça firmemente para
WooWee.
— Essa é a melhor solução. Vamos fazer o anúncio depois do
intervalo. Anunciar Helena Cho foi um erro.
PD Choi também balança a cabeça.
— É uma narrativa inesperada, mas pode funcionar.
— Vou fingir surpresa — WooWee diz, fazendo uma reverência.
— É sério que vamos fazer isso? — One.J pergunta, incrédulo.
CEO Sang diz:
— One.J, quando WooWee for anunciada, você vai ser o
apresentador. E vocês, garotas… — Ele olha para nós no pódio. —
Vocês vão ficar superfelizes porque uma de suas idols favoritas
agora será parte do grupo, o.k.?
One.J abre a boca para dizer alguma coisa, olhando para mim,
mas eu balanço a cabeça para ele, garantindo que vai ficar tudo
bem.
— Sim, CEO Sang — eu digo.
As outras garotas ficam chocadas. Dou um sorriso para elas.
Ficou claro para mim o que preciso fazer. Eu olho para o público.
Umma, preocupada, veio para a frente. Ela está acenando para mim
freneticamente para chamar minha atenção. Eu sorrio e balanço a
cabeça para ela também. Lembro o que ela disse quando deixou
Helena e eu na recepção da S.A.Y.: “Seoru akyeo-joh. Cuidem uma
da outra”.
Mas a palavra para “cuidar” – akyeo – também significa “poupar”
ou “racionar”. Significa resguardar alguma coisa que é preciosa para
você, como comida ou água ou a bateria do iPhone. Quando essa
palavra é usada em referência a uma pessoa, você está literalmente
dizendo que quer gastá-la com cuidado para ter certeza de que ela
não está sendo usada de forma descuidada ou que será
desperdiçada. É o que qualquer um desejaria para alguém que ama:
para que essa pessoa não sangre, passe fome, fique solitária ou
trabalhe demais. É o que umma e abba sempre fizeram por mim. É
por isso que sou forte o suficiente para estar aqui hoje.
Olho para as três garotas em pé ao meu lado – Aram, BowHee e
ShiHong – e sei que elas se sentem impotentes agora, por terem
esse momento arruinado depois de anos de trabalho duro. Penso
em Helena nos bastidores, como deve estar se sentindo devastada;
ela sequer tem pais para confortá-la. E JinJoo. Estou morrendo de
vergonha porque, esse tempo todo, eu estava com medo ou
distraída demais para falar por ela; se JinJoo pudesse ter focado em
seu talento em vez de ouvir a cada momento que precisava perder
peso, talvez tivesse sido a melhor de todas.
Quem é que cuidou de alguma de nós, de verdade?
Ninguém na S.A.Y. Eles vão nos usar e nos gastar de qualquer
jeito – agora, isso está mais claro do que nunca para mim. Nossos
espíritos, nossa juventude e nossos sonhos são recursos
abundantes para eles. Quando tiverem tirado tudo de nós, poderão
usar outras pessoas.
Então é minha responsabilidade. Eu vou cuidar dessas garotas. E
com certeza isso vai custar minha vaga no grupo. E se isso fizer os
fãs de K-pop me odiarem, se fizer YoungBae me odiar, vou ter que
viver com as consequências.
Quando voltamos do intervalo comercial, CEO Sang fala
diretamente com o público.
— Nós ouvimos vocês — ele diz em seu microfone, com o braço
estendido para a plateia. — Vocês não querem Helena Cho como
uma de suas idols. Só ficamos sabendo de seu mal comportamento
agora. Pedimos desculpas, e One.J pede desculpas por seu erro.
Mas é com prazer que anunciamos uma mudança de planos que
com certeza vai agradar a todos vocês. Pedimos à sua
apresentadora, ex-integrante do QueenGirl, pra fazer parte deste
novo grupo.
Há uma grande comoção no estádio. Todas as câmeras dão um
zoom no rosto de WooWee, que está sem palavras, chocada. A
confusão do público se transforma em aplausos.
— Obrigada, CEO Sang! — ela suspira no microfone. ShiHong e
eu ajudamos WooWee a subir no pódio enquanto ela cobre a boca,
soluçando de alegria.
— Depois de seu antigo grupo ter sido atingido por um escândalo
por causa de uma integrante rebelde — CEO Sang diz. — Que esse
momento seja o mais próximo de um escândalo que o seu novo
grupo vai chegar.
One.J ri, desconfortável.
— Bom — ele diz. — Que virada, senhoras e senhores.
O público vibra e ri. Todos estão animados porque One.J está
com o microfone. É impressionante como os fãs o perdoaram tão
rapidamente – não que eu ache que haja algo de errado em um
beijo, mas por que é a garota que tem que se sacrificar? Por que
One.J é mais importante que Helena Cho?
É então que percebo que o mundo do K-pop não é diferente de
Hollywood; a mulher sempre leva a culpa por um escândalo. Assim
como One.J não tem haters gritando contra ele, o QueenGirl foi o
único grupo que acabou. HyunTaek e o RubiKon estão bem,
enquanto Iseul está arruinada e WooWee precisa tomar decisões
desesperadas para sobreviver. Toda essa injustiça me dá forças
para o que estou prestes a fazer.
One.J, despreparado para ser o apresentador, coloca o microfone
na cara de Aram.
— Aram, você tem algo a dizer sobre esse novo acontecimento?
Chocada, Aram balança a cabeça e olha para o chão.
Dou um passo à frente e arranco o microfone de One.J.
— Eu tenho algo a dizer — minha voz ecoa por todo o estádio.
— Sim, Candace, vamos ouvir o que nossa Center tem a dizer —
One.J diz, rindo de nervosismo.
— Pra ser sincera, essa notícia é um pouco triste — digo. —
Como muitos dos nossos fãs sabem, vazaram fotos de você, One.J,
e uma trainee loira da S.A.Y. se beijando. Todos presumiram que era
Helena. Mas não era. Aquela garota sou eu.
Há uma comoção entre o público. Preciso falar rápido antes de
ser tirada do palco – vejo o CEO Sang pular da mesa dos jurados.
Vejo celulares se levantando na plateia para me filmar. Ótimo.
— No nosso mundo, aquela foto é o suficiente pra arruinar uma
carreira. Mas, se for pra arruinar a carreira de alguém, que seja a
minha, não a de Cho Helena. A Helena é uma das pessoas mais
esforçadas que eu já conheci, mas, sem nem se preocupar em
descobrir a verdade, nossa agência, a S.A.Y. Entertainment, expulsou
essa garota sem nem hesitar, como se ela não fosse nada. Como
uma trainee, estou cansada de ser tratada dessa forma. Por que é
que a geração anterior à nossa pode definir qual é o nosso valor? Já
não somos o suficiente?
Ouço um murmúrio vindo das vinte mil pessoas. Meu microfone é
cortado, mas Aram rapidamente me entrega o dela.
— Todos os dias, ouvimos de adultos que somos muito gordas,
muito feias, que não nos esforçamos o suficiente, que precisamos
de cirurgia plástica. Fomos insultadas, jogadas umas contra as
outras e levadas até o limite da nossa sanidade. Uma trainee
chamada EunJeong não aguentou a pressão. Mas só quero que
todos que estão nos assistindo saibam que vocês não precisam ser
como nós ou se parecer conosco. Não somos melhores do que
nenhum de vocês. Nós “idols” sentimos fome, cansaço, solidão…
Nós brigamos, falamos palavrão, peidamos, engordamos e
queremos amor. Somos humanos e estou cansada de fingir que sou
perfeita. Se vocês querem perfeição, essas garotas incríveis no
palco estão bem perto dela. Eu com certeza vou ser demitida depois
disso, mas sei que ainda sou valiosa. E One.J? One.J é ótimo, mas
ele ainda pertence às suas fãs, não a mim. Eu gosto de outra
pessoa, um trainee chamado YoungBae, e eu realmente não acho
que a maioria dos fãs fica tão assim incomodada quando seus idols
namoram.
Então eu literalmente derrubo o microfone. Não porque acho que
sou legal, mas porque estou com pressa para fugir. Para longe das
câmeras, para longe do público em choque.
A encrenca me espera na coxia do palco. Madame Jung chegou
ao estúdio, e nunca vi alguém tão furiosa. Tento passar por ela, mas
sua mão voa na minha direção. Perco o equilíbrio, mas caio contra
um corpo quente e forte.
— YoungBae? — digo, atordoada.
— Madame Jung, o que você está fazendo? — Manager Kong
grita.
Ponho a mão sobre minha bochecha, que está latejando.
Madame Jung zomba de mim.
— Eu não disse a todos que essa aqui ia causar problemas? Ela
não só envergonhou essa empresa, mas a Coreia diante do mundo
todo.
— A Coreia não é só K-pop, madame — YoungBae diz.
— Cale a boca, seu idiota! — ela grita. — Vocês dois estão fora
desta empresa. E vou me certificar de que você vai pagar pelo resto
da sua vida pelo que acabou de fazer, Candace. Você quebrou o
contrato. Divulgou informações confidenciais e difamou a empresa.
A ShinBi Unlimited vai te processar por tudo o que existe no mundo.
YoungBae e Manager Kong estão segurando meus braços
enquanto caminhamos de volta para o camarim. Os corredores
estão em pandemônio. Os garotos na sala de exibição parecem
estar se revoltando – tirando as gravatas dos seus uniformes de
estudante da S.A.Y., jogando cadeiras e gritando “também estamos
cansados disso aqui!”. Os managers, a equipe de produção e os
executivos estão correndo pelos bastidores em pânico.
— Você já era — YoungBae sussurra.
— Você me odeia? — pergunto.
— Não, estou orgulhoso. A verdadeira bad girl do K-pop. Mas
isso aqui vai pegar fogo.
O terror me atinge de uma só vez. O que foi que eu fiz? Será que
a minha família e eu vamos pagar por esse erro pelo resto da minha
vida? Por que fui abrir a matraca? Por que foi que vim para cá para
início de conversa?
Isso tudo pode custar a loja de conveniência da minha família.
Nossa casa. A faculdade de Tommy. Meu futuro.
Manager Kong arranja uma toalha de papel fria e molhada do
banheiro feminino para minha bochecha.
— Vamos — ela diz. — Vamos achar sua mãe e levar vocês duas
de volta para o apartamento e pensar no que vamos fazer depois. A
S.A.Y. não vai deixar vocês saírem do país enquanto estiverem te
processando.
— Você não está brava comigo? — pergunto para Manager
Kong.
— Não, estou com medo por você. Você disse algumas coisas
com as quais eu concordo. Pra ser sincera, também nunca entendi
por que tínhamos que ser tão rígidos. Eu só estava fazendo meu
trabalho.
CEO Sang e umma invadem o camarim ao mesmo tempo. CEO
Sang caminha furioso na minha direção e grita bem na minha cara.
Sinto gotas de saliva no meu rosto.
— Você tem ideia do que acabou de fazer, sua fedelha? Você
sabe quantos milhões você me custou?
Umma se coloca entre nós e ruge:
— Como ousa sequer falar com a minha filha?
Nunca ouvi a voz de umma desse jeito – vem lá de dentro,
gutural e animalesca. Ela está vestindo um suéter cor-de-rosa e
Crocs, mas coloca o CEO Sang de volta em seu lugar. Graças a
Deus minha bochecha não está vermelha – se umma soubesse que
Madame Jung me deu um tapa, ela ia destruir esse estádio inteiro.
— Agora vejo de quem ela herdou essa atitude — CEO Sang diz.
— Vou tirar tudo de vocês e um pouco mais.
— Quero ver você tentar! — umma grita.
Estou tão abismada que não consigo nem chorar. YoungBae está
boquiaberto enquanto umma, como um cão de caça, expulsa um
batalhão de pessoas que vieram gritar comigo: um advogado da
ShinBi, WooWee com o rímel borrado, JiHoon e Madame Jung
novamente, para quem umma grita:
— Pessoas como você mancham a reputação dos coreanos!
Manager Kong estava no celular esse tempo todo.
— InHee está a caminho com uma van — ela anuncia. — Venha
comigo. Meu apartamento mal abriga uma pessoa, mas precisamos
te tirar daqui.
Voamos pelos corredores, com umma apertando uma das minhas
mãos e YoungBae a outra. Aram e Helena saem de um banheiro
para nos seguir.
— Candace! — Helena me chama.
Eu paro.
— Helena. Me desculpa.
Eu não ficaria surpresa se ela arranhasse meu rosto de novo,
mas, para minha surpresa, ela me abraça.
— Obrigada — ela diz.
No momento em que cruzamos uma saída nos fundos, os flashes
das câmeras ofuscam minha visão e fico surda com os gritos.
— SARANGHAE, CANDACE! — NÓS TE AMAMOS.
— HWAITING, CANDACE!
— Yeopeoh, yeopeoh!
Fãs jovens estão com os celulares levantados, reproduzindo um
vídeo do meu discurso. Ouço minha própria voz dizer: “Por que é
que a geração anterior à nossa pode definir qual é o nosso valor? Já
não somos o suficiente?”. Ouço gritos de “CANDACE PARK, GUERREIRA
DO K-POP! CANDACE PARK, GUERREIRA DO K-POP!”. Alguns jovens estão
segurando fotos de uma idol que morreu ano passado depois de ser
abandonada por sua agência e assediada por trolls por causa de
“escândalos” sem sentido.
— HWAITING, GUERREIRA DO K-POP!
Aram dá seu sorriso deslumbrante e acena enquanto
atravessamos a multidão em direção à van. O que quer que
aconteça, essa garota tem que se tornar uma celebridade.
Quando finalmente estamos dentro da van, umma aperta minha
mão.
— Não tenha medo, Candace. Você disse a verdade.
YoungBae sussurra em meu ouvido:
— Você é minha ultimate bias.
Estou atordoada. Helena está com o celular de umma, suas
famosas unhas batendo contra a tela enquanto ela navega.
— Meu Deus — ela lê em voz alta. — #GUERREIRADOKPOP e
#CandacePark já estão nos trending topics de todas as redes
sociais. Até nos Estados Unidos.
Ela lê manchetes de blogs em coreano e inglês.

“EXECUTIVOS DO K-POP, PRESTEM ATENÇÃO. É ISSO QUE OS FÃS QUEREM


OUVIR.”

“O QUE TODOS PENSAM; ELA FALOU: ESTRELA DO K-POP ARRUINA SUA


CARREIRA PARA FALAR A VERDADE NA TV AO VIVO.”

“FÃS, SE VOCÊS CONCORDAM COM CANDACE PARK, ASSISTAM A ESSE VÍDEO.


COMPREM A MÚSICA DELA.”

— Arruinei mesmo a minha carreira? — pergunto.


— Hmm, basicamente — YoungBae diz.
Eu rio e lágrimas vêm aos meus olhos enquanto sou tomada, de
uma vez só, por um turbilhão de alívio, terror e entusiasmo. Mesmo
que eu tenha literalmente jogado uma granada na minha vida inteira
e tenha que me preparar para enfrentar uma corporação bilionária,
disponho de pessoas ao meu lado: todos nesta van, Binna, JinJoo e,
pelo visto, milhares, talvez milhões de pessoas que eu nem
conheço.
Naquele momento, “Into The New World”, do Girls Generation,
toca no rádio. Manager Kong aumenta o volume. Umma começa a
cantar junto. YoungBae faz um beatbox e o resto de nós se junta a
eles.
Apoio a cabeça contra o ombro de umma enquanto aceleramos
pelas ruas de Seul, lembrando daquele dia na loja em que ela me
explicou sobre o que era essa música: começar uma jornada que
com certeza será longa e incerta, mas seguir com coragem,
sabendo que seu coração está cheio de esperança.
— Umma, acabei de pensar em uma coisa — digo.
— O quê?
Sorrio para ela.
— Não importa o que aconteça, isso vai dar uma redação incrível
para a faculdade.
Dicionário avançado de K-pop da Imani

Oi, amiga! Já que minha missão de vida é espalhar conhecimento e


luz, aqui estão algumas palavras que você vai encontrar quando
estiver se tornando uma superestrela do K-pop. Sempre que ficar
confusa – e você vai, porque K-pop é incrível, mas muito doido –,
abra esse dicionário e pense em MIM! Te amo, bb. Finger hearts ×
10.000! <3

4D Personality: Alguém superesquisito que parece ter vindo de


outro planeta, mas que é adorável. Exemplos: Jisoo, do Blackpink;
Park Bom, do 2NE1; e nosso querido Ethan.
Aegyo: Ai, Deus, por onde eu começo? É um jeito de se comportar
de forma considerada fofa (gestos infantis, voz de bebê) pra
conseguir o que quer. A maioria das pessoas, incluindo coreanos,
acha tosco, mas as idols precisam saber como fazer isso em
programas de variedades. Pratique, Candace!
Bias: Seu integrante favorito de um grupo. Um ultimate bias é o seu
favorito dentre todos os grupos.
Center: O integrante que mais aparece nas performances e nos
MVs. Dependendo do grupo, pode mudar a cada comeback, mas
alguns tem um Center pré-determinado. Exemplos: Nayeon, do
Twice; Taeyong, do NCT; e, é claro, One.J. <3 <3
CF: Sigla do inglês para “commercial film”, que quer dizer
“propaganda de TV”.
Chaebol: Uma grande corporação dirigida por uma poderosa
dinastia coreana; elas aparecem bastante em K-dramas. A ShinBi
Unlimited, pra onde você vai, é uma das maiores chaebols. A coisa
vai pegar fogo!
Circle lenses: Lentes de contato coloridas que os idols do K-pop
usam. Elas cobrem uma área maior dos olhos do que as lentes
tradicionais, dando um efeito diferente.
Comeback: O lançamento de um novo single/miniálbum/álbum
completo com seu próprio conceito. Muitos grupos têm vários
comebacks no ano, mas alguns têm só um ou dois, isso se tivermos
sorte (hm-hm, Blackpink).
Conceito: É a estética e vibe de um grupo, música, comeback, MV
etc. Para girl groups, existem duas categorias amplas de conceitos –
Cute e Girl Crush –, mas, na verdade, a distinção entre elas é uma
linha tênue e as possibilidades são infinitas! É isso que faz o K-pop
ser tão especial.
Conceito Cute: Inocente, jovial, cores pastéis, vozes agudas,
coreografia fofa. Alguns fãs, especialmente no ocidente,
menosprezam Conceitos Cute, mas eles são poderosos à sua
própria maneira!
Conceito Girl Crush: Um conceito de girl group que é mais
poderoso que fofo; a epítome do Girl Crush é “I Am The Best”, do
2NE1, ou a vibe do Blackpink num geral.
Contratos abusivos: Chamados de “slave contracts” no mundo do
K-pop, são contratos horríveis que mantêm idols e trainees sob o
controle de uma agência, às vezes por treze anos. Há muitas
histórias de idols que processam as empresas para se livrarem
desses contratos. Fique longe deles, Candace!
Dating Bans: Amiga… o K-pop precisa parar com isso.
Basicamente toda agência de K-pop tem regras rígidas que proíbem
trainees e idols novatos de namorar, pra que eles fiquem
“disponíveis” para os fãs. Sim, uma minoria barulhenta do fandom
surta completamente quando idols namoram, mas é zoado como as
empresas expulsam trainees e cancelam contratos por causa disso.
Poxa, K-pop… deixa os idols namorarem!
Dobrinha das pálpebras (monolids): Olhos sem a dobrinha acima
deles. São adoráveis, como os seus! Não muito comum em idols, no
entanto – notáveis idols com monolids são Seulgi, do Red Velvet, e
Dahyun, do Twice’s.
Face do grupo: O rosto que vem à sua mente quando você ouve o
nome do grupo. Geralmente é o mesmo que o Center, mas nem
sempre. Exemplos: Kai, do Exo; Jennie, do Blackpink; e, o mais
icônico de todos, ~*One.J*~.
Fancafé: Um fórum oficial em que você pode interagir com outros
fãs e, às vezes, com os próprios idols.
Fancams: Vídeos feitos pelos fãs.
FanChant: Tipo um grito de torcida oficialmente criado por agências
de K-pop para que os fãs gritem durante apresentações ao vivo.
Geralmente é uma mistura dos nomes dos integrantes e das letras
da música.
Fansign: É o sonho de qualquer stan ser escolhido para participar
de um Fansign, onde você pode conhecer os idols e pegar
autógrafos. Secretamente, o motivo real de eu ter te convencido a
participar da audição da S.A.Y. foi para você me incluir em Fansigns
do SLK. :-P
Finger hearts: Corações feitos com os dedos; um gesto de amor
feito ao cruzar as pontas do seu dedo indicador com o polegar. Idols
fazem esse gesto aproximadamente dez milhões de vezes por dia.
Gyopo: Um coreano nascido em outro país. Exemplos: Tiffany
Young, do Girls Generation, e Candace Park, do muito aguardado
girl group da S.A.Y. :-P
Hallyu: “A Onda Coreana”, ou Hollywood Coreana. Tem a ver com o
fato de que a cultura coreana está se espalhando ao redor do
mundo porque é incrível. Orgulhe-se disso!
In-ears: Monitores que os idols usam durante apresentações ao
vivo. Os idols costumam personalizar seus in-ears com cores e
símbolos.
Killing Part: Aquela parte da música ou da coreografia que você
não consegue tirar da cabeça, como o gesto de “TT”, do Twice, ou o
movimento de bater as coxas em “You Calling My Name”, do NCT.
Maknae: O mais novo do grupo. Idade e títulos são importantes na
Coreia, então meio que há uma expectativa de que o maknae seja
especialmente fofo, carismático ou amável, e às vezes que “crie a
atmosfera” do grupo. Exemplos: Lisa, do Blackpink; Sehun, do EXO.
Máscara cirúrgica: Idols (e coreanos de forma geral) usam
máscaras para se protegerem de germes, poluição e poeira.
Music Shows: Programas semanais em que idols apresentam
músicas novas para uma plateia ao vivo. Exemplos: M Countdown,
Inkigayo, It’s Popular 10! e outros. Cada programa tem uma fórmula
complexa pra decidir que grupo ou artista “vence” na semana.
Netizens: Cidadãos da internet. No K-pop, são um esquadrão
organizado e dedicado de detetives, capazes de farejar qualquer
escândalo.
No-jam: “Sem graça!”. Um jeito meio carinhoso de chamar alguém
de estraga-prazeres.
PD: O diretor de um programa de TV.
Perfect All-Kill: Quando uma música fica no topo de todas as
principais plataformas de música coreanas ao mesmo tempo. Uma
música tem que ser muito boa pra conseguir isso.
Selca: Selfie!
Shorts de segurança: Shorts que as idols usam debaixo de suas
saias supercurtas para evitar problemas com o figurino.
Skinship: Demonstrações públicas de afeto físico entre integrantes
de um grupo. Os fãs adoram!
SNS: Sigla do inglês “social networking services”, ou redes sociais.
Stage: É como o K-pop chama a apresentação ao vivo.
Sunbaenim: Um “veterano”; no K-pop, isso quer dizer alguém que
debutou antes de você. É bom se curvar e falar formalmente com
eles em público, a não ser que queira que os netizens coreanos te
critiquem pela sua falta de educação. O oposto é hoobae, um
“calouro”.
Visual: Cada um tem suas preferências, mas o membro Visual de
um grupo é aquele que a agência/o público decide ser o que mais
se aproxima do ideal coreano de beleza.
Agradecimentos

Transformar K-pop Confidential em realidade foi um incrível esforço


coletivo. Aos meus olhos, todos merecem ser o Center, Visual e
Face do grupo!
Para começar, agradeço infinitamente a David Levithan pela
oportunidade de debutar na Scholastic, a editora que fez de mim um
leitor. Muito obrigado à minha brilhante e paciente editora Sam
Palazzi por respeitar tanto o tema e por atender minhas ligações até
bem perto do seu casamento! Um grande gamsamnida a Barry
Cunningham e Jazz Love, da Chicken House, por acreditarem nesse
livro desde o começo; à minha superagente Brenda Bowen por lutar
em meu nome enquanto tornava todo esse processo divertido; e à
Dana Spector, da CAA, por levar esse projeto bem além do que eu
poderia ter sonhado.
Justin Sherwood e Devin Alavian são os melhores amigos que
alguém poderia querer. Nunca vou conseguir expressar como sou
grato pelo tanto que vocês confiam e apostam em mim. Mell
Ravenel, tem sido um prazer ser uma fã com você por quase vinte
anos – gosto de pensar que teríamos lido esse livro durante nosso
primeiro ano de geometria. Luis Jaramillo e todos na The New
School: eu não poderia ter escrito esse livro em três meses sem
tudo o que vocês me ensinaram; vocês mudaram a minha vida.
Muito obrigado à Aria Bendix, Arielle Dachille, Jessica Gross e Brian
Saladino por serem leitores perfeitos. Eu devo tanto à Tina Jordan e
Jeff Giles, não só por me darem meu primeiro emprego dos sonhos,
mas por me mostrarem que sou uma pessoa capaz de fazer as
coisas acontecerem. Obrigado a Jackie Bernstein e todos na BDG
por fazerem com que o trabalho seja prazeroso todos os dias.
Para todos os talentosos e resilientes jovens artistas que fizeram
do K-pop o fenômeno que é: muito obrigado por usarem suas vozes
para inspirar milhões de pessoas ao redor de todo o mundo. Nós
amamos vocês ainda mais quando não são perfeitos. Hwaiting!
E, acima de tudo, obrigado à umma, abba e Tim por todas as
coisas boas na minha vida.
Nota

1 Confira os significados dos termos em negrito no Dicionário


avançado de K-pop da Imani. (N. E.)
[ «« ]
Sobre o autor

Lauren Perlstein

STEPHAN LEE é editor-chefe da revista Bustle. Ele passou cinco


anos cobrindo livros e filmes para a Entertainment Weekly, período
em que teve a oportunidade de viajar para Seul para pesquisar e
escrever sobre K-pop. Siga-o no Instagram (@stepephan) e no
Twitter (@stephanmlee) para saber mais.
Copyright © 2020 by Stephan Lee
Copyright da tradução © 2021 by Editora Globo S.A.

Publicado mediante acordo com a Scholastic Inc., 557 Broadway, Nova York, NY 10012,
Estados Unidos. Direitos de tradução negociados por Ute Körner Literary Agent SLU –
www.uklitag.com.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou
reproduzida — em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia,
gravação etc. — nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dados sem a
expressa autorização da editora.

Título original: K-POP Confidential

Editora responsável Veronica Gonzalez


Assistente editorial Lara Berruezo
Diagramação e adaptação da capa Douglas Kenji Watanabe
Projeto gráfico original Laboratório Secreto
Preparação de texto João Pedroso
Revisão Vanessa Sawada
Arte da capa © 2020 by Erick Davila
Design da capa Yaffa Jaskoll
Conversão para e-book Maria de Fátima Fernandes
Revisão do e-book xxx
Editora de livros digitais Cindy Leopoldo

Texto fixado conforme as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa


(Decreto Legislativo nº 54, de 1995)

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
L519k

Lee, Stephan
K-pop confidencial / Stephan Lee ; tradução Ana Beatriz Omuro. – 1. ed. – Rio
de Janeiro : Globo Alt, 2021.

Tradução de : K-pop confidential


ISBN 978-65-xxxxx-xx-x

1. Ficção coreana. I. Omuro, Ana Beatriz. II. Título.


20-68056 CDD: 895.73
CDU: 82-3(519.5)

Camila Donis Hartmann - Bibliotecária - CRB-7/6472

1a edição impressa, 2021


1a edição digital, março de 2021
ISBN 978-65-xxxxx-xx-x (digital)
ISBN 978-65-88131-13-8 (impresso)

Direitos de edição em língua portuguesa para o Brasil adquiridos por Editora Globo S.A.
R. Marquês de Pombal, 25 – 20.230-240 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
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