Fenomenologia de Husserl A Heidegger - FINAL

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 94

Fenomenologia de

Husserl a Heidegger

Brasília-DF.
Elaboração

Chennyfer Dobbins Abi Rached

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA..................................................................... 5

INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7

UNIDADE I
ONTOLOGIA E A ESTÉTICA...................................................................................................................... 9

CAPÍTULO 1
CONCEITOS BÁSICOS............................................................................................................... 9

CAPÍTULO 2
ONTOLOGIA FILOSÓFICA E A ARTE CONTEMPORÂNEA............................................................ 15

UNIDADE II
FENOMENOLOGIA DE HUSSERL............................................................................................................ 22

CAPÍTULO 1
CONCEITOS GERAIS................................................................................................................ 22

CAPÍTULO 4
INTENCIONALIDADE DA CONSCIÊNCIA E O IDEALISMO........................................................... 28

UNIDADE III
FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY, KIERKGAARD E HEIDEGGER..................................................... 55

CAPÍTULO 1
CONCEITOS GERAIS................................................................................................................ 55

CAPÍTULO 2
FENOMENOLOGIA E A CONCEPÇÃO ESTÉTICA DE MERLEAU-PONTY E HEIDEGGER.................. 65

CAPÍTULO 3
A ONTOLOGIA NAS “CARTAS SOBRE O HUMANISMO” DE HEIDEGGER E A QUEBRA
DO PARADIGMA METAFÍSICO.................................................................................................. 77

PARA (NÃO) FINALIZAR...................................................................................................................... 81

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 91
Apresentação

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela
interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da
Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade


dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos
específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém
ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a
evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

4
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos
básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar
sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para
aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

5
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

6
Introdução

Para compreender o mundo que nos cerca, é necessário entender como tudo começou,
como foram organizadas as estruturas e quais são os itens diferenciados que o fazem
parecer muito subjetivo e desafiador.

Existem muitos filósofos que buscaram entender a metafísica e como ela influencia o
ser humano, o conceito de substância e do ser, buscando a análise da substância como
propriedade abstrata ou universal.

A ontologia trouxe esses conceitos, que a metafísica é analisada como uma nova
linguagem de substâncias e propriedades, o concreto e o abstrato são itens importantes
para a analise do eu.

Tratamentos explícitos e extensivos escritos antes do século XIX ainda não foram
encontrados. Nos primeiros escritos sobre beleza, artes e assuntos relacionados. Foram
trazidos por alegações de Aristóteles sobre as funções e os elementos da tragédia da
natureza.

A história da filosofia, questões de conhecimento, realidade, verdade e ética estão


tão intimamente entrelaçadas a questões de estética. Embora a estética seja
frequentemente retratada como um ramo marginal da filosofia sendo a ética, a
epistemologia e a metafísica os “três grandes”, a teoria estética de um filósofo contém
o núcleo interno e a verdade de qualquer filósofo.

A ontologista é orientada a objetos, a estética se perde sem ontologia, a estética é


profundamente ontológica no sentido realista, não correlacionista.

A filosofia estética permite que se tematizasse mundos e se crie o único universo que
vale a pena viver e afirmar é um universo criativo.

A filosofia precisa de todos esses criadores com os dados que os atravessam, dando-lhes
o material para o que deve ser pensado, para o que provoca o pensamento.

A filosofia acrescenta conceitos que auxiliem na sua elaboração e possam ajudar a


resituar perguntas e problemas, auxiliando no nascimento de novas possibilidades de
prática e engajamento.

A fenomelogia na psicologia é o estudo da experiência subjetiva de consciência, com


início na obra filosófica de Edmund Husserl. Fenomenólogos pioneiros, como Husserl,

7
Jean-Paul Sartre e Maurice Merleau-Ponty investigaram suas indagações no campo da
psicologia no início do século XX.

Portanto, dentre os objetivos desta disciplina pode-se destacar:

Objetivos
»» Conhecer os conceitos epistemológicos das teorias de orientação
fenomenológica e aplicação nos diversos campos da psicologia.

»» Entender a fenomenologia pura de Husserl, na ontologia heideggeriana e


a quebra do paradigma metafísico.

»» Compreender a ontologia fenomenológica de Sartre e na fenomenologia


da percepção de Merleau-Ponty.

8
ONTOLOGIA E A UNIDADE I
ESTÉTICA

CAPÍTULO 1
Conceitos Básicos

O conceito de ontologia é a metafísica que estuda sobre a realidade e existência dos


seres da natureza. Busca entender o ser enquanto elemento comum da natureza.

Ontologia é o estudo dos tipos de coisas que existem no mundo.

Os estudos de ontologia surgiram em XVII, no qual Christian Wolff (1754) dividiu


os estudos em Ontologia que é a metafísica e a Cosmologia que foi subdividida em:
psicologia, teologia racional e cosmologia racional.

A Filosofia Contemporânea compreende que a metafísica e ontologia são em sua maioria


sinônimos, o que as diferencia é que a metafísica tem um escopo um pouco mais amplo.

Existem três linhas ontológicas:

»» Uno: a ideia é a realidade é derivada do Uno, ou seja, existem os


representantes do Uno (Parmênides, Platão, Spinoza, Plotino) que trazem
a metafísica.

»» Do Ser: que não se inicia no Uno, mas com um conhecimento empírico


relacionado a experiência do indivíduo. Considera-se o ser como uma
substância, Deus está acima de tudo. Nesta linha está Aristóteles e Tomás
Aquino.

»» Do Devir chamada também Ontologia do Tempo: esses estudos deram


início na Era Moderna, Hegel, Heidegger e Nietzsche foram os filósofos
que trouxeram a questão do ser contraditório ao não ser, trazendo para o
indivíduo a busca do seu eu interior juntamente com a vida.

9
UNIDADE I │ ONTOLOGIA E A ESTÉTICA

As escolas platônicas especificam a questão dos substantivos como seres que existem
no eu.

Os substantivos revelam o caminho para o conhecimento, situações vivenciadas pelo


indivíduo são o ponto de partida para se definir o conceito de algo, para exemplificar,
pode-se referir o substantivo sociedade a uma pessoa, automaticamente esse indivíduo
irá associar a um conjunto de indivíduos com características semelhantes.

A ontologia da arte considera a matéria, forma e modo em que a arte existe.

Obras de arte são construções sociais no sentido de que não são tipos naturais, mas
criações humanas.

A maneira como os categorizamos depende de nossos interesses e, nessa medida, a


ontologia não é facilmente separada da sociologia e da ideologia.

No entanto, algumas classificações e interesses tendem a ser mais reveladores dos


motivos e como a arte é criada e apreciada.

Há uma série de classificações tradicionais das artes, por exemplo, em termos de


mídia (palavras, sons, pintura etc.), suas espécies (escultura, literatura, música,
teatro, balé, etc.), ou seus estilos ou conteúdos (tragédia, comédia, surrealismo,
impressionismo, etc.).

A ontologia das obras de arte não se enquadra perfeitamente nessas classificações, no


entanto ao atribuir modos de existência artísticos e estéticos às obras pode-se considerar
a relação de um objeto físico com as experiências e ações dos sujeitos.

Da mesma forma, uma longa série de filósofos considerou as relações e experiências


subjetivas como cruciais para responder à questão da existência de obras de arte.

Muitas vezes tem sido proposto, por exemplo, que as obras são, pelo menos em parte,
um produto da imaginação, e isso não apenas no sentido de que algum artista deve
imaginar que tipo de coisa ele quer fazer ou fazer se um trabalho de a arte deve ser
trazido à existência.

Em vez disso, o pensamento é que mesmo a existência ou a realidade de uma obra de


arte completa continua a depender da atividade imaginária ou imaginativa do artista ou
de algum outro sujeito, como o observador ou leitor que aprecia o trabalho como uma
obra de arte.

Que a imaginação desempenha um papel crucial nas respostas estéticas à arte e à


natureza foi um tema importante na estética do século 18. A descrição de Joseph Addison

10
ONTOLOGIA E A ESTÉTICA │ UNIDADE I

(1712) dos “prazeres da imaginação” foi influente, mas não tão influente quanto a ideia
de Immanuel Kant (1993) de que a ativação do poder ou faculdade da imaginação era
essencial para os juízos estéticos.

Nos séculos 19 e 20, vários pensadores sustentaram que a imaginação desempenha


um papel crucial tanto na criação quanto na recepção de obras de arte. Exemplos
proeminentes de filósofos que enfatizaram a importância de Einbildungskraft ou
Phantasie a este respeito incluem Friedrich Theodor Vischer (1857, 1898), Robert
Zimmermann (1865), Hermann Lotze (1884), Eduard von Hartmann (1888), Karl
Köstlin (1869, 1889). , Konrad von Lange (1895, 1901, 1912, 1935), Christian von
Ehrenfels (1896–1899, 318) e Johannes Volkelt (1905–1915).

Von Hartmann (2006) rejeita o que ele chamou de suposições “ingênuas e realistas”
sobre os objetos dos juízos estéticos ou artísticos.

Argumentando por um “realismo transcendental”, a beleza não é um objeto material,


mas uma aparência subjetiva, como a doçura do açúcar.

Von Hartmann observa que as pessoas confiantemente dizem coisas como “este livro é
a Ilíada de Homero”, “esta partitura é a Nona Sinfonia de Beethoven” e “esta pintura
é a Madona Sistina de Rafael”. Embora seja frequentemente reconhecido que os dois
primeiros exemplos são filosoficamente insustentáveis, deve-se admitir que o terceiro
tipo de afirmação também é impreciso.

A superfície pintada em si não é bonita, embora em algumas circunstâncias ela tenha a


capacidade de contribuir para uma aparência subjetiva de beleza. Se a obra de arte é o
portador ou locus de beleza e outras propriedades estéticas, ela não pode ser o objeto
material em si.

No entanto, Hartmann também contesta o que ele chama de “idealismo subjetivo”,


e em sua discussão sobre criação artística enfatiza o envolvimento do artista com as
restrições materiais da mídia artística.

O “trabalho de fantasia” que um artista elabora antes da criação de uma “obra de arte
externa” nunca é neutro em relação à mídia ou à instrumentação (Von Hartmann,
2006).

Já Konrad Von Lange Ele não extraiu explicitamente a conclusão de que as obras de
arte são, portanto, ficções, mas descreveu nosso comércio com elas como uma espécie
de ilusão lúcida em que divertidamente entretemos pensamentos de estados de coisas
que sabemos não existir (VON HARTMANN, 2006).

11
UNIDADE I │ ONTOLOGIA E A ESTÉTICA

O artefato artístico, propôs ele, é como o brinquedo ou outro objeto que é recrutado para
os fins da brincadeira imaginativa de uma criança. Um sofisticado e altamente influente
expoente contemporâneo desse tipo de abordagem da arte e, mais especificamente, à
análise filosófica da representação e do conteúdo ficcional, é Kendall L. Walton.

Jean-Paul Sartre (2005) foi frequentemente creditado com a ideia de que as obras de
arte são ilusórias (no sentido de serem sistematicamente objeto de algum tipo de erro
sobre o seu modo de existência), mas não é óbvio que isto é a melhor interpretação de
suas observações sobre o tema. Sartre declara que a Sétima Sinfonia de Beethoven “está
fora do real, fora da existência.

Ele também diz que nós realmente não ouvimos a sinfonia, mas apenas ouvimos a
composição em nossas imaginações. Tais afirmações podem ser lidas como destinadas
a desmascarar uma crença ilusória generalizada na existência de obras musicais; eles
também abrem a possibilidade de imaginar obras sem acreditar em sua existência, caso
em que a suposta ilusão não é necessária.

Sobre esse assunto, Sartre foi precedido e possivelmente influenciado por Ingarden
e Nicolai Hartmann, que era professor de filosofia teórica em Berlim na época da
passagem de Sartre no Institut français, em Berlim, de 1933 a 1934.

Em um artigo apresentado no Congresso Internacional de Filosofia, realizado em


Harvard em 1926, e publicado em 1927, Hartmann contrastou abordagens psicológicas
e ontológicas na estética e defendeu a prioridade da última.

Neste trabalho ele esboçou posições que ele deveria desenvolver em uma série de
trabalhos, incluindo o seu (1933) e um tratado inacabado sobre estética, escrito em
1945 e publicado postumamente em 1953.

A tese central de Hartmann sobre a ontologia da arte é que as obras são ficções que
dependem das atividades perceptivas e imaginativas dos artistas e de seus públicos.

Na visão de Hartmann, a obra de arte tem pelo menos duas partes ou estratos: a primeira
camada, à qual ele às vezes se refere como “primeiro plano”, é perceptível - os exemplos
de Hartmann incluem um pedaço de pedra, cores sobre uma superfície e sons audíveis.

A percepção de tais itens é a base da experiência estética do estrato “de fundo” mais
elevado, que também requer imaginações ocasionadas por essa experiência perceptiva.

As qualidades artísticas e estéticas do trabalho surgem da relação entre esses níveis


“heterogêneos”. Como resultado dessa dependência da imaginação, o trabalho carece
de ser independente ou autônomo, ou o que Hartmann chama de “Ansichsein”.

12
ONTOLOGIA E A ESTÉTICA │ UNIDADE I

Um trabalho é uma aparência relativa do observador ou Erscheinung, experimentada


como tal. Uma aparência experimentada como aparência não deve ser confundida, no
entanto, com ilusão ou com Schein, pois envolve a percepção autorreflexiva de que algo
está sendo imaginado em oposição à crença.

A esse respeito, Hartmann evoca a familiar analogia com o jogo imaginativo das
crianças, enquanto comenta que, para o adulto, tal peça “continua sendo ficção.

O conceito de aparência artística de Hartmann não abrange apenas os conteúdos


representativos ou simbólicos das obras de arte representacionais, já que Hartmann
também aplica sua análise de níveis às propriedades estéticas de obras não figurativas,
inclusive arquitetônicas.

Um edifício como objeto material figura obviamente entre as entidades reais do mundo,
mas experimentar a construção material como uma obra de arte é envolver-se na
apreensão imaginativa das qualidades fictícias.

Hartmann parece afirmar, a esse respeito, que termos como grandioso, pomposo ou
majestoso são, quando usados ​​como rótulos para nomear as qualidades estéticas de um
edifício, em algum sentido imaginativo e, portanto, ficcional.

Pepper, que era professor de filosofia na Universidade da Califórnia em Berkeley,


estava no mesmo painel que Hartmann no congresso de 1926. Não está claro,
no entanto, se Pepper aceitou a conclusão de Hartmann de que as obras de arte
são, em algum sentido, ficções.

Pepper defendeu uma concepção relativista, segundo a qual as questões


ontológicas dependem, em última análise, de estruturas rivais como organicismo,
mecanismo e pragmatismo ou “contextualismo”. Pepper negou explicitamente
que qualquer uma dessas estruturas fosse a única teoria verdadeira.

Para observar algo como uma obra de arte, é necessário combinar uma percepção
sensorial do item físico com uma experiência imaginativa do design estético.

O design “sobrevém” no sistema físico. Margolis sugere que, embora as afirmações


contraditórias sobre um objeto físico não possam ser ambas verdadeiras, o princípio da
não contradição não se aplica à descrição de obras de arte.

Na ausência do tipo certo de atenção, o trabalho deixa de existir, mesmo que o sistema
físico permaneça intacto.

13
UNIDADE I │ ONTOLOGIA E A ESTÉTICA

No entanto, o mesmo trabalho pode retornar à existência quando o mesmo tipo de


atenção imaginativa é dirigido ao sistema físico que constitui a base de superveniência
da obra de arte, “revivendo”, assim, o design estético correlativo.

Vários filósofos (por exemplo, Eleanor Rowland 1913, p.117, Hilde Hein 1959,
Andrew Harrison 1967-1968, Currie 1989, p.57) levantaram questões sobre a
sabedoria de permitir que a existência de uma obra seja intermitente.

Um dos primeiros exemplos é Johannes Volkelt (1905, p.11), que afirma que a
estátua de Zeus, em Otricoli foi uma obra de arte ao longo dos muitos séculos
em que esteve enterrada e não foi observada.

Como Wolterstorff mais tarde disse, “os quartetos de Beethoven, as gravuras


de Rembrandt e os poemas de Yeats não existiam desde a composição deles?”

Acesse e aprofunde seu conhecimento sobre Wolterstorff, disponível em:


<https://www.youtube.com/watch?v=krZG86IqUpk>

Como ficará evidente a seguir, o desejo de encontrar alguma alternativa à hipótese


de existência intermitente influenciou algumas das propostas sobre a categoria de
entidades duradouras ou perduráveis às quais se deveria dizer que as obras de arte
pertencem.

14
CAPÍTULO 2
Ontologia filosófica e a arte
contemporânea

Seria bastante enganador dar a impressão de que todos aqueles filósofos que pensavam
que as mentes e suas atividades tinham algo a ver com a existência de obras de arte
também pensavam que isso significa que as obras eram de algum modo menos reais
do que, digamos, entidades físicas naturais e eventos. Os idealistas invertem essa
hierarquia.

Isso é explícito em Benedetto Croce (1913, 1965, pp.9-10) quando afirma que as obras
de arte não podem ser entidades físicas porque as obras de arte são “extremamente
reais”, enquanto o mundo físico é “irreal”.

Conrad afirma que: ” somente a última atitude pode revelar o “Objeto ideal” que é a
obra de arte genuína ou pretendida.” Em seu exemplo, que poderia ter servido como
contraponto para a discussão de Sartre sobre a Sétima Sinfonia de Beethoven, o trabalho
genuíno é a própria sinfonia em oposição aos vários eventos espaço-temporais, como
apresentações orquestrais mais ou menos competentes, ou alguém assobiando a melodia
ou ler a partitura pode ajudar a direcionar a atenção para algumas das características
essenciais do trabalho.

Konrad não apresenta uma defesa detalhada de suas suposições sobre a ontologia de
objetos ideais, mas claramente compartilhou a aversão de Husserl ao “psicologismo”.

A filosofia da arte de Collingwood é descrita como a teoria da arte “Croce-Collingwood”,


para Collingwood, a obra de arte não é um objeto físico ou um artefato acabado, mas
a atividade imaginativa consciente por meio da qual a expressão criativa ocorre. Isso
funciona porque a atividade da imaginação não os torna menos reais na opinião de
Collingwood.

Uma forte objeção a todas as teorias que nos convidam a pensar em obras de arte
como experiências – as do artista e/ou do público – é que isso é uma conflação de uma
experiência e o objeto da experiência.

Uma coisa é reconhecer que uma obra é o produto ou mesmo a expressão de uma
experiência humana e que é projetada para ocasionar certos tipos de experiências; é
algo totalmente diferente afirmar que o trabalho é em si mesmo uma experiência e nada
mais.

15
UNIDADE I │ ONTOLOGIA E A ESTÉTICA

Tal relato negligencia as dimensões físicas da arte, começando com o encontro do


artista.

Dada uma ontologia suficientemente austera, títulos como Das Lied von der Erde e
Hamlet não têm nenhum referente real.

Aqueles que defendem tal ontologia raramente estão ansiosos para divulgar as
implicações para as artes, talvez porque isso seja uma má recomendação para a
austeridade.

A “textualidade” referia-se em sua mente a uma esfera altamente indeterminada


e excitante de possibilidades semânticas e eróticas; O “trabalho” era, ao contrário,
um empecilho ideológico que envolvia pensamentos errôneos sobre significados,
propriedade e repressão fixos.

Em um espírito um pouco semelhante, mas sem o idioma pós-estruturalista de


Barthes, Stephen David Ross (1977) sustenta que não há obra de arte simpliciter ,
mas qualquer número de realizações discrimináveis ​​ou loci de valor artístico.

Ele reconhece que o conceito de obra literária faz parte da linguagem comum e é útil em
contextos teoricamente pouco exigentes, mas também argumenta que é um construto
autocontraditório que cria muitos pseudo-problemas para a teoria literária.

Podemos dizer o que precisamos dizer sobre literatura de um modo teoricamente


adequado sem fazer nenhum compromisso ontológico com textos ou obras e sem
introduzir quaisquer novas entidades, referindo-se a fenômenos como cópias físicas
de textos, textos no sentido de sequências de signos, ou significado em suas diferentes
variedades.

Um proponente mais recente de uma estratégia eliminativista é Ross P. Cameron


(2008), que afirma que não precisamos tornar as obras de arte parte de nossa metafísica
fundamental.

Mesmo assim, ainda podemos manter nossas declarações do senso comum sobre elas
como verdadeiras.

Para críticas à ideia de que essa posição eliminativista é compatível com o senso
comum ou práticas bem arraigadas.

Nesse contexto, o “monismo” é simplesmente um rótulo para a ideia de que todas as


obras de arte se enquadram em uma categoria ontológica, como universais.

16
ONTOLOGIA E A ESTÉTICA │ UNIDADE I

Um argumento predominante contra esse tipo de tese repousa na distinção entre obras
de performance e de não performance: uma obra musical pode ser realizada por várias
pessoas e em várias ocasiões; uma pintura não pode.

Muitos debates sobre o monismo e os rivais a essa posição dependem da questão


da reprodução e de múltiplas instâncias, sendo que, no caso de pelo menos alguns
trabalhos, tecnologias adequadas de reprodução produzem mais de uma instância de
um artefato artístico e, portanto, de o trabalho.

Por exemplo, seria altamente implausível afirmar que o famoso trabalho fotográfico
de Henri Cartier-Bresson (1999), “Atrás da Gare Saint-Lazare, Paris” (1932), consiste
no negativo usado para fazer impressões, ou no primeiro ou em qualquer outro single
impressão desta foto. Multiplique os trabalhos instanciados de uma categoria principal,
enquanto os singulares ou não reprodutíveis formam outra.

Reclamamos, no entanto, que essa distinção não deva ser tomada como decisiva para
uma ontologia da arte, uma vez que repousa sobre uma tese contingente sobre o que é
tecnologicamente possível.

Benjamin é geralmente interpretado como afirmando que o advento das técnicas de


reprodução mecânica minou a “aura” quase religiosa que antes envolvia a obra de arte
individual.Benjamin parece ter visto essa mudança tecnológica como parte de um
processo histórico libertador ou progressivo.

Se Benjamin sustentava que nenhuma obra de arte realmente era ou poderia ser um
“concreto” concreto, é difícil determinar, no entanto, como a história das funções
políticas da arte é o foco principal de seu ensaio um tanto obscuro.

Benjamin declara cedo que em princípio, a obra de arte sempre foi reprodutível. Objetos
feitos por humanos sempre poderiam ser copiados por humanos.

Outros filósofos argumentam que a possibilidade tecnológica não deve ser


considerada decisiva em relação à solidez de uma ontologia monista da arte: a
importante questão filosófica é o que é nomológica ou metafisicamente possível.

Um exemplo relativamente recente é a discussão frequentemente negligenciada


por CI Lewis (1946) sobre a ontologia da obra de arte.

Com base no trabalho de Pepper, DW Prall (1929, 1936) e George Santayana


(1923), Lewis sustentou que uma apreciação estética da arte é baseada na
contemplação de um “objeto estético” apresentado pela obra.

17
UNIDADE I │ ONTOLOGIA E A ESTÉTICA

Lewis recrutou o conceito de essências de Santayana (1923) para caracterizar


esses objetos estéticos.

Uma essência estética é descrita como uma certa composição de sentido como um
conteúdo qualitativamente idêntico.

Quando apreciamos uma pintura, Lewis sustenta, o que nós contemplamos é o que
essa tela poderia ter em comum com alguma reprodução dela, a saber, aquela essência
qualitativa e abstrata que é aqui incorporada, e é teoricamente repetível em algum
outro objeto físico.

Lewis afirma que um objeto estético sempre depende de algum objeto físico, mas ele
sustenta que essas relações de dependência diferem em grau, uma vez que um poema
depende de uma inscrição particular, menos que um trabalho de arte visual depende de
um objeto visível em particular.

No entanto, o trabalho não é apenas um tipo de aparência visual abstraída de um


objeto físico, ou, em termos de Lewis, um veículo artístico.

Em vez disso, para Lewis, a essência estética constitutiva da identidade da obra de arte,
em oposição ao objeto físico, reside no contexto associado a essa entidade física que a
apresenta.

Se alguém deixa de trazer esse contexto associado, ou traz algum outro contexto, para a
interpretação do veículo, o objeto estético apresentado deixa de ser apreendido em seu
caráter estético real ou é mal compreendido ou não é apreendido de maneira alguma.

Em um artigo publicado postumamente em 2001, Frank Sibley (1990) evoca a longa


controvérsia em torno da reprodutibilidade das obras de arte e sustenta que, nesse

18
ONTOLOGIA E A ESTÉTICA │ UNIDADE I

sentido, uma “abordagem bidirecional” é uma característica difundida das práticas e


discursos da arte.

Sibley conclui que apenas uma estipulação poderia retificar a tensão entre a
reprodutibilidade e a singularidade em nossa concepção da obra de arte.

À luz do conjunto de posições pesquisadas acima, podemos rever a afirmação de Sibley


sobre uma “atração bidirecional” no cerne de nossas práticas e concepções relacionadas
a obras de arte.

Fazendo isso, lançaremos alguma luz sobre pelo menos um aspecto central do debate
entre monistas e seus rivais na ontologia da arte.

Começamos com uma ampla distinção entre o trabalho e seu veículo, o termo “veículo”
designa diferentes tipos de itens que podem ser considerados constituintes ou partes de
uma obra de arte, como o conselho de álamo em particular, no qual Da Vinci trabalhou
para alguns dez anos fazendo a Mona Lisa, os gestos específicos feitos por um artista
performático ou uma inscrição prontamente reproduzível produzida por um poeta.

Se tal distinção trabalho/veículo é aceita (e como foi observado acima, este é o caso de
alguns, mas não de todos os filósofos), a questão de se todos ou apenas alguns trabalhos
admitem múltiplas instâncias pode ser distinguida da questão de se todos os veículos
artísticos podem ser reproduzidos de uma maneira que satisfaça algum padrão de
identidade artística ou estética qualitativa.

Tal padrão seria atendido apenas no caso de o item artístico em questão poder ser
reproduzido, tal forma que as propriedades artísticas ou estéticas relevantes sejam
manifestadas. Nossas duas perguntas, então, são:

Todos os veículos artísticos são múltiplos?

Todas as obras de arte são múltiplas?

Respostas salientes a estas perguntas são:

»» Alguns veículos são singulares, alguns são múltiplos (por exemplo,


são abstracta e podem ter múltiplas ocorrências), e os trabalhos dos
quais são partes ou constituintes são, respectivamente, singulares e
múltiplos;

»» Todos os veículos são múltiplos, assim como os trabalhos dos quais


eles são partes ou constituintes.

19
UNIDADE I │ ONTOLOGIA E A ESTÉTICA

Essas questões são defendidas por proeminentes defensores do monismo ontológico.


Poder-se-ia pensar que os críticos do monismo ontológico advogam, mas isso não é
correto, uma vez que alguns desses filósofos não aceitam uma distinção veículo, trabalho
para começar, e há outras razões para rejeitar o monismo.

Pelo menos algumas das disputas entre os proponentes do monismo e seus rivais na
ontologia da arte se voltaram para o equívoco em relação ao tipo de possibilidade
previsto nas discussões sobre multiplicidade e singularidade.

Uma coisa é argumentar que é impossível fazer uma réplica perfeita de um


edifício antigo, seja porque nossa tecnologia atual não permite isso, ou, mais
ousadamente, porque é fisicamente impossível, dadas as leis da natureza (e, portanto,
“nomologicamente”). impossível).

Quando Ushenko, Strawson, Currie e outros escritores evocaram a “possibilidade” de


uma máquina que nos dá réplicas perfeitas de coisas como o veículo da Guernica , eles
estão obviamente se abstraindo das limitações de nossa tecnologia atual.

Currie diz explicitamente que sua conjectura de gêmeo Guernica varia sobre mundos
fisicamente impossíveis. A evocação de Lewis de essências estéticas iteráveis ​​é
similarmente uma questão de uma possibilidade metafísica ou lógica, não uma
tecnologia.

Uma suposição semelhante se torna explícita na discussão de Gérard Genette sobre esse
tópico quando ele afirma que a iterabilidade de itens artísticos depende de contingências
institucionais.

Indicar o que se entende por “possível” e “impossível” neste contexto é crucial para uma
identificação mais precisa das teses disponíveis.

É tecnologicamente possível fazer múltiplas instâncias de alguns, mas não de todos os


veículos artísticos, ainda que seja logicamente ou metafisicamente impossível haver
múltiplas instâncias de qualquer trabalho, porque um trabalho é um objeto, ação ou
evento particular.

É tecnologicamente possível fazer múltiplas instâncias de alguns, mas não de todos


os veículos artísticos, e é logicamente ou metafisicamente possível haver múltiplas
instâncias de alguns, mas não de todos, pois alguns trabalhos são abstrações ou tipos.

É nomologicamente possível fazer múltiplas instâncias de qualquer veículo artístico,


mas é logicamente ou metafisicamente impossível haver múltiplas instâncias de
qualquer trabalho, porque um trabalho é um objeto, ação ou evento em particular.

20
ONTOLOGIA E A ESTÉTICA │ UNIDADE I

É metafisicamente possível fazer múltiplas instâncias de qualquer veículo artístico, e


é (em certo sentido) possível haver múltiplas instâncias de algumas obras, mas não
todas, porque algumas obras são tipos abstratos.

É metafisicamente possível fazer múltiplas instâncias de qualquer veículo artístico, e é


metafisicamente possível haver múltiplas instâncias de todas as obras, porque todas as
obras são tipos abstratos.

Acontece, então, que pelo menos algumas das aparentes divergências na literatura
dependem de suposições díspares sobre que tipos de possibilidades são relevantes ou
decisivas nas discussões sobre a natureza das obras de arte.

Se continuarmos a perguntar que fundamentos os filósofos tiveram para considerar


um determinado tipo de possibilidade relevante ou mesmo decisivo, uma resposta
prevalente é que tais decisões devem ser limitadas por nosso interesse em apreciação
estética ou artística.

Currie, por exemplo, em sua defesa contrasta um interesse “histórico” em ver algo como
as botas de Napoleão ou a tela real de Guernica ao “interesse estético” que poderia, no
caso da obra de arte, ser igualmente bem servido pela réplica perfeita da imagem.

Descreve-se que uma resposta estética em sua articulação da ideia de que o trabalho
é um indivíduo, mesmo que seja possível criar múltiplas reproduções do edifício
constitutivo da catedral de Notre Dame de Paris por exemplo.

Um diagnóstico plausível é que pelo menos parte da diversidade de opiniões na ontologia


reaparece quando nos voltamos para concepções de valor e valor artístico e estético.

À luz dessa variedade de teses e fontes de suposições e conclusões divergentes, parece


que a conversa de Sibley sobre uma atração bidirecional era uma espécie de simplificação
excessiva.

21
FENOMENOLOGIA UNIDADE II
DE HUSSERL

CAPÍTULO 1
Conceitos Gerais

A Fenomenologia é o estudo das estruturas da consciência experimentadas do ponto de


vista da primeira pessoa.

A estrutura central de uma experiência é sua intencionalidade, sendo direcionada para


algo, pois é uma experiência de ou sobre algum objeto. Uma experiência é direcionada
para um objeto em virtude de seu conteúdo ou significado (que representa o objeto)
juntamente com as condições de habilitação apropriadas.

A Fenomenologia como disciplina é distinta, mas está relacionada a outras disciplinas


fundamentais da filosofia, como ontologia, epistemologia, lógica e ética.

Questões fenomenológicas de intencionalidade, consciência e perspectiva de primeira


pessoa têm sido proeminentes na recente filosofia da mente.

A fenomenologia deve ser compreendida como uma disciplina da área de filosofia e


também como um movimento histórico, ciência filosófica.

A disciplina da fenomenologia pode ser definida inicialmente como o estudo das


estruturas da experiência ou consciência. Literalmente, a fenomenologia é o estudo de
“fenômenos”: aparências de coisas, ou coisas como elas aparecem em nossa experiência,
ou as maneiras pelas quais experimentamos as coisas, assim, os significados que as
coisas têm em nossa experiência.

A fenomenologia estuda a experiência consciente como vivenciada do ponto de vista


subjetivo ou da primeira pessoa. Este campo da filosofia deve então ser distinguido de,
e relacionado a, os outros campos principais da filosofia: ontologia (o estudo do ser
ou o que é), epistemologia (o estudo do conhecimento), lógica (o estudo do raciocínio
válido), ética (o estudo da ação certa e errada) etc.

22
FENOMENOLOGIA DE HUSSERL │ UNIDADE II

O movimento histórico da fenomenologia é a tradição filosófica lançada na primeira


metade do século XX por Edmund Husserl, Martin Heidegger, Maurice Merleau-Ponty,
Jean-Paul Sartre e outros .

Nesse movimento, a disciplina da fenomenologia era valorizada como o fundamento


apropriado de toda filosofia – em oposição, por exemplo, à ética, à metafísica ou à
epistemologia.

Processos e metodos da filosofia são destacados por Husserl e seus demais filósofos da
mesma linhagem o que compreende o uso dessas ideias até os dias atuais.

O termo “fenomenologia” dentro da filosofia é muito comum, entretanto, se restringe


as questões ligadas aos fatores sensoriais como tato, olfato, visão, é caracterizada como
órgão dos sentidos.

A fenomenologia recebe algo amplo e traz um significado que as coisas têm em nossa
experiência, o que significa os objetos, eventos, ferramentas, o fluxo do tempo, o eu e
outros, à medida que essas coisas surgem e são experientes em nosso “mundo da vida”.

Ao longo do século XX, a disciplina de fenomenologia é uma tradição filosófica


na Europa continental e na tradição austro anglo americana a filosofia está mais
direcionada a mente e aos fatores de análise crítica.

No entanto, o caráter fundamental de nossa atividade mental é perseguido de maneiras


sobrepostas dentro dessas duas tradições.

Assim, a perspectiva sobre a fenomenologia desenhada neste artigo acomodará


ambas as tradições. A principal preocupação aqui será caracterizar a disciplina da
fenomenologia, em uma perspectiva contemporânea, ao mesmo tempo, destacando a
tradição histórica que trouxe a disciplina para o seu próprio.

Basicamente, a fenomenologia estuda a estrutura de vários tipos de experiências que


vão desde percepção, pensamento, memória, imaginação, emoção, desejo em busca da
consciência corporal, neurolinguistíca e social.

A estrutura dessas formas de experiência tipicamente envolve o que Husserl chamou de


“intencionalidade”, isto é, o direcionamento da experiência para as coisas no mundo, a
propriedade da consciência de que é uma consciência de ou sobre alguma coisa.

Edmund Husserl era um matemático e filósofo tcheco do final do século 19 e


início do século XX, que construiu sobre a tradição filosófica do século 19 para
formar a escola filosófica do século XX conhecida como Fenomenologia.

23
UNIDADE II │ FENOMENOLOGIA DE HUSSERL

Husserl é considerado o começo da moderna tradição “continental” dentro da


filosofia, um movimento de filósofos principalmente alemães e franceses que
enfatizam uma abordagem histórica, psicológica e sociológica da filosofia, ao
invés da ênfase científica da escola “analítica” que dominaria dentro da filosofia
do século XX .

Husserl seria uma grande influência sobre Martin Heidegger e Jean-Paul Sartre,
bem como sobre a maioria dos grandes pensadores filosóficos do século XX.

Husserl começou seu interesse pela filosofia tentando encontrar uma base filosófica
para a matemática. Em seus primeiros pontos de vista, Husserl era um empirista muito
forte e foi influenciado fortemente pelos escritos de John Stuart Mill. Seu ponto de
vista inicial em relação à matemática era empírico, no qual a base do conhecimento
matemático era justificada por concepções extraídas da experiência.Husserl tinha essa
concepção de matemática devastadoramente criticada pelo logístico Gottlob Frege e
acabou mudando de ideia depois de ler as obras de Leibniz e Hume.

Tornou-se mais determinado do que nunca ao encontrar a justificativa filosófica para o


conhecimento da matemática e começou a desenvolver um sistema filosófico. Ele rejeitou
o ponto de vista histórico do conhecimento que se tornou popular, encontrando a ideia
de que o conhecimento era de alguma forma baseado no tempo e na pessoa cujo ponto
de vista era perceber o conhecimento a ser obviamente refutado pelo conhecimento
objetivo da matemática. Ele não estava convencido pela abordagem psicológica que foi
tomada por filósofos como Nietzsche (1900) e a abordagem histórica de Hegel e, em
vez disso, criou sua própria ideia de epistemologia baseada em um ponto de vista algo
kantiano em relação à interação humana com o fenômeno.

Husserl voltou a muitas das questões que interessavam a Descartes (1650) enquanto ele
se referia ao seu ceticismo radical. Nietzsche havia afirmado que todas as percepções
do fenômeno eram baseadas em uma perspectiva e, embora Husserl aceitasse isso, ele
não estava convencido de que isso era tudo o que elas transmitiam. Quando se olha
para o lado de uma casa, eles não percebem simplesmente a única parede que veem,
mas inferem que há um alicerce sobre o qual a casa foi construída, três outras paredes e
que objetos estão contidos dentro da casa, apesar de não terem percepção direta desses
fatos.

Husserl concluiu que havia uma série complexa de conceitos envolvidos com a
percepção do fenômeno. Essa era a base de sua crença de que havia maneiras
objetivas de avaliar a consciência. Husserl sustentou que a consciência sempre tem
“intencionalidade” ou, como às vezes se diz, “a consciência está sempre consciente de
alguma coisa”. Isto é para dizer que para haver consciência deve haver um objeto para

24
FENOMENOLOGIA DE HUSSERL │ UNIDADE II

um ser consciente ser consciente do Husserl rejeitou as ideias dos pensadores com
as teorias representacionais da realidade, que tentaram encontrar um conhecimento
objetivo que transcendesse a consciência humana, embora reconhecessem que os
seres humanos não podiam escapar das limitações de nosso ponto de vista subjetivo.

Em vez disso, Husserl insistiu que a própria consciência era a maneira de avaliar o
conhecimento humano.

Dessa maneira, Husserl estava dizendo que não importava se o objeto considerado pela
consciência era real ou imaginado. Se um objeto era percebido de um jeito e era de fato
outro, então a forma transcendente do objeto não importava, já que a mente consciente
nunca poderia perceber a forma que era transcendente à consciência.

Até mesmo as coisas completamente imaginadas têm conteúdo, mas faltam apenas um
objeto correspondente. A consciência tem um imediatismo que reflete a experiência
humana e a abordagem do conhecimento, e a tentativa de transcender essa consciência
para obter conhecimento parece contraproducente na visão de Husserl.

Husserl acreditava que o erro dos primeiros empiristas (Locke, Berkley, Hume)
era colocar muitas pressuposições sobre a concepção da experiência. Os primeiros
empiristas tentaram dividir a experiência em conceitos como “ideias” e “impressões”,
e Husserl acreditava que isso estava colocando uma estrutura artificial na consciência
que era contraproducente para derivar conhecimento útil. Husserl nos pede para
começarmos a suspender quaisquer idéias sobre o mundo físico fora de nós mesmos
e, em vez disso, ver todos os fenômenos conscientes como tendo relações causais com
processos naturais dentro do corpo humano.

Husserl pede a um fenomenólogo que procure a essência de qualquer ato intencional


e objeto intencional, retirando as características subjetivas trazidas pela pessoa para
encontrar suas características objetivas. Um exemplo é que no espaço tridimensional
nunca podemos perceber o todo de um objeto, mas apenas suas partes e estamos sempre
perdendo as costas que não podemos ver.

Husserl não quer que examinemos a realidade por sua relação com as ciências naturais,
como um empirista, mas em vez disso, olhemos para a consciência como um matemático
faria, e derivemos as conexões das aparentes abstrações que nossa consciência percebe.

Husserl pensou que ele havia revelado a base fundamental de todo o conhecimento
por meio de seu sistema, mesmo nas ciências, o conhecimento é adquirido por
experimentação, ele argumentou que era o exame do fenômeno dentro de um ambiente

25
UNIDADE II │ FENOMENOLOGIA DE HUSSERL

controlado que levou à determinação do significado e, portanto, foi a fenomenologia


que formou a base até para as ciências.

O conceito de fenomenologia seria desenvolvido pelo estudante de Husserl, Martin


Heidegger, e também seria adotado pelos existencialistas como uma parte importante
de sua escola filosófica de pensamento.

Husserl descreve que a psicologia, de certa forma deve ser empírica, não deve ser
considerado a psique, deve fazer parte de algo natural do ser humano.

Ele trata o campo da psicologia como algo que precisa ser investigado, levando em
consideração o psiquismo de maneira mais voltada para a realidade.

Husserl ainda trata a fenomenologia como algo que transcente a consciência que vai
além de si mesma, que deve ser projetada por suas próprias ações para os setores de
objetos correlacionados.

Conforne a consciência se faz por meio de suas próprias ações, ela será transcendida
para a execução dos seus atos.

Pensando nessa questão, Husserl traz os conceitos de investigação da consciência de


maneira que há intenção de se fazer. Vale ressaltar que Husserl trouxe os ideais sobre a
intenção de se fazer algo, o que veio a ser estudado e aprofundado por diversos filósofos
da época, dentre eles Franz Brentano (1917).

Franz Brentano (1838-1917) é geralmente creditado por ter inspirado um


interesse renovado na ideia de intencionalidade, especialmente em suas
palestras e em seu livro de 1874 Psicologia de um ponto de vista empírico.

Neste trabalho, Brentano está, entre outras coisas, preocupado em identificar a


esfera ou assunto apropriado da psicologia. Influenciado de várias maneiras pela
psicologia de Aristóteles, pela noção medieval da intenção de um pensamento,
e por visões filosóficas modernas como as de Descartes e os empiristas, ele
identifica a intencionalidade como a marca ou característica distintiva do mental.

Para Brentano, isso significa que todo fenômeno mental envolve a “inexistência
intencional” de um objeto para o qual o fenômeno mental é direcionado.

Embora todo fenômeno mental tenha um objeto, diferentes fenômenos mentais


relacionam-se com seus objetos de diferentes maneiras, dependendo se são atos
mentais de apresentar algo, de julgar algo ou de avaliar algo como bom ou ruim.

26
FENOMENOLOGIA DE HUSSERL │ UNIDADE II

Identificar a intencionalidade como a marca do mental, dessa maneira, abre a


possibilidade de estudar a mente em termos de sua relação com objetos, os diferentes
modos ou formas que essa relação toma (percepção, imaginação, alucinação e assim
por diante), e termos das relações que esses diferentes modos de intencionalidade
suportam uns aos outros (as relações entre apresentações, julgamentos e avaliações;
por exemplo, que todo julgamento depende fundamentalmente de uma apresentação
cujo objeto é um julgamento).

Husserl estudou com Brentano de 1884 a 1886 e, junto com outros como Alexius
Meinong (1920), Kasimir Twardowski (1938) e Carl Stumpf (1936), tirou dessa
experiência um interesse permanente na análise da intencionalidade da mente como
uma chave para o esclarecimento de outras questões em filosofia.

A identificação da consciência intencional não deve ser tratada nem ser visualizada
como exclusiva e única dentro das questões psicológicas, é preciso que seja construída
pelos atos intencionais e a multivariedade, de maneira que a consciência tenha
fenômenos e os objetos que são os fenômenos tenham a consciência.

Husserl traz diversos sentidos a questão da consciência buscando um significado maior


que a psicologia empírica.

Ele revela a consciência como fluxo de vivências bem como as percepções do indivíduo
a cerca dessas vivências, o que caracteriza o ser consciente.

Por tanto, a consciência é a vivência intencional!

Cabe ressaltar aqui, que a intencionalidade da consciência também tem uma parte
de idealismo, de existência real da consciência empírica, entretanto, essa consciência
psicológica deve ser retratada como uma construção do ser de cada indivíduo, pela
própria condição transcendental.

27
CAPÍTULO 4
Intencionalidade da consciência e o
idealismo

Quando se trata de intencionalidada da consciência e o idealismo, vale ressaltar que


para Husserl a consciência não deve ser tratada e nem acessada de forma empírica.

A discussão acerca da lógica transcendental vislumbra que a ciência psicológica


moderna deve ser alicerciada pela visão naturalista.

Deve-se ter um cuidado para o uso método fenomenológico, não deixando a questão da
intencionalidade de lado, logo, como pode-se unir fenomenologia ao ciência psicológica?

Como não contradizer a postura empírica com o processo de consciência intencional?

Husserl nos seus estudos “Ideias I” trouxe as análises de ciências de fatos no qual
discute o mal entendido natural e reforça o cuidado sobre o fato das questões empíricas
advertirem ideias e questões que podem envolver a própria essência.

Segundo Husserl para chegar ao objetivo final que é a psicologia descritiva é preciso
compreender o intencional, o real, diminuindo um pouco os ideais fenomenológicos
empíricos.

Diminuir essas questões empíricas faz com que, de acordo com Husserl as
investigações em ciências humanas se tornem para o campo da psicologia, algo
mais metodológico no sentido de diminuição transcendental.

A redução transcendental enfoca que as ações precisam ser compreeendidas pela


vivência das pessoas.

Entretanto, não cabe ao investigador trazer a questão do real vivida pelo indivíduo o
que deve ser colocado em questão é maneira como o sujeito sente o que foi vivido.

O que Husserl trata como diminuição fenomenológica psicológica é o entendimento


do que pode ser possível inserir no contexto do empirismo nas investigações dos
fenômenos psíquicos. Husserl quando trouxe a tona as Investigações Lógicas ele trouxe
a questão de maneira descritiva.

Husserl explica claramente que a fenomenologia é derivada da psicologia, ele traz


questões vividas pelo ser humano de maneira que a forma que se sente, como se

28
FENOMENOLOGIA DE HUSSERL │ UNIDADE II

vivencia determinada situação é referenciada pelo indivíduo e depende da forma como


ele desenvolveu sua vida psíquica.

Husserls nos seus estudos das Investigações lógicas e Ideias I, traz a questão conceitual
corrigindo que a fenomenologia não deve ser tratada como natureza psicólogica, mas
ela deve ser interpretada como uma ciência de essência e não de fatos.

As investigações lógicas que surgiram em dois volumes nos anos de 1900 e 1901,
representam o primeiro tratamento definitivo de intencionalidade de Husserl e é a
fonte das principais ideias que conduziriam grande parte de seu pensamento filosófico
posterior.

O principal projeto das Investigações é criticar uma visão da filosofia da lógica chamada
“psicologismo” segundo a qual as leis da lógica são, em algum sentido, leis naturais ou
regras que governam a mente humana e podem, portanto, ser estudadas empiricamente
pela psicologia.

Husserl, notadamente de acordo com Frege (1925), acreditava que essa visão tinha
as consequências indesejáveis de tratar as leis da lógica como contingentes e não
necessariamente verdadeiras e como sendo empiricamente detectáveis ​​e não como
conhecidas e validadas a priori.

Na primeira parte das Investigações , os “Prolegômenos à Lógica Pura”, Husserl crítica


sistematicamente a visão psicologista e propõe substituí-la por sua própria concepção
de “lógica pura” como a estrutura a priori para organizar, compreender e validar
os resultados de uma lógica pura. as ciências formais, naturais e sociais (Husserl
chamou a “teoria da teoria científica em geral” de que a lógica pura seria a base de
“Wissenschaftslehre”).

Para Husserl, a lógica pura é um sistema a priori de verdades necessárias que governam
o vínculo e as relações explicativas entre proposições que não dependem de modo algum
da existência das mentes humanas para sua verdade ou validade.

Entretanto, Husserl sustenta que a tarefa de desenvolver uma compreensão humana


da lógica pura requer investigações sobre a natureza do significado e da linguagem, e
sobre a maneira pela qual o pensamento intencional consciente é capaz de compreender
significados e conhecer verdades lógicas (e outras).

Assim, a maior parte de um trabalho que visa estabelecer as bases para uma teoria
da lógica como a priori, necessária e completamente independente da composição ou
atividades da mente é devotada precisamente a investigações sistemáticas sobre o modo

29
UNIDADE II │ FENOMENOLOGIA DE HUSSERL

como a linguagem, significado, pensamento e conhecimento são intencionalmente


estruturados pela mente.

Embora essa tensão seja mais aparente do que real, foi uma importante fonte de crítica
dirigida contra a primeira edição de Investigações Lógicas , com a qual Husserl se
preocupou em esclarecer e defender-se em seus escritos subsequentes e na segunda
edição das Investigações, em 1913. Pertinente aqui é o que Husserl tinha a dizer sobre
linguagem e expressão (LI, I) e sobre a própria intencionalidade (LI, V e VI).

Uma noção adicional nas Investigações , que cresce em importância no trabalho


posterior de Husserl e será discutida aqui, é o personagem do ato.

Husserl vê a qualidade do ato, a matéria-ato e o caráter-ato como constituintes


mutuamente dependentes de um pensamento particular concreto. Assim como não
pode haver cor sem saturação, brilho e matiz, assim, para Husserl, não pode haver um
ato intencional sem qualidade, matéria e caráter.

A qualidade de um ato (chamado “ato intencional” acima) é o tipo de ato que ele é, seja
percebendo, imaginando, julgando, desejando, e assim por diante.

A questão de um ato é o que foi chamado acima de seu conteúdo intencional, é o modo
ou modo em que um objeto é pensado, por exemplo, uma casa pretendida de uma
perspectiva em vez de outra, ou Napoleão pensou primeiro como “o vencedor”. em Jena
”, depois como“ os vencidos em Waterloo”.

O caráter de um ato pode ser pensado como uma contribuição da qualidade do ato que
é refletida no ato.

Ato-personagem tem a ver com se o conteúdo do ato, o ato-questão, é colocado como


existente ou como meramente pensado e se o ato é tomado como dado com evidência
(preenchimento) ou sem evidência (intencionalmente pretendido).

As próximas duas subseções tratam de caráter e ato, respectivamente.

Entender essa diminuição da fenomenologia no que tange à saída do empírico para o


-transcendenta é algo importante para a interpretação do “eu” como ser que sente, que
desenvolveu uma vida psíquica.

E é dessa redução que trata a fenomenologia como método de investigação e pesquisa.

Na obra das Ideias I, Husserl trata muito arraigado essa questão da diminuição e da
intencionalidade do idealismo.

30
FENOMENOLOGIA DE HUSSERL │ UNIDADE II

A filosofia de Husserl também está sendo discutida em conexão com a pesquisa


contemporânea nas ciências cognitivas, na lógica, na filosofia da linguagem e na filosofia
da mente, bem como nas questões sobre intencionalidade coletiva.

No centro das investigações filosóficas de Husserl está a noção da intencionalidade


da consciência e a noção relacionada de conteúdo intencional (o que Husserl chamou
primeiro de “matéria-ato” e depois o “noema” intencional).

Dizer que o pensamento é “intencional” é dizer que é da natureza do pensamento ser


direcionado para ou sobre objetos.

Falar do “conteúdo intencional” de um pensamento é falar do modo ou modo como


um pensamento é sobre um objeto. Pensamentos diferentes apresentam objetos de
diferentes maneiras (de diferentes perspectivas ou sob diferentes descrições) e uma
forma de fazer justiça a esse fato é falar desses pensamentos como tendo conteúdos
intencionais diferentes.

Para Husserl, a intencionalidade inclui uma ampla gama de fenômenos, desde


percepções, julgamentos e memórias até a experiência de outros sujeitos conscientes
como sujeitos (experiência intersubjetiva) e experiência estética, apenas para citar
alguns.

Dado o papel difundido que ele assume como intencionalidade em todo pensamento e
experiência, Husserl acredita que uma teoria sistemática da intencionalidade tem um
papel a desempenhar no esclarecimento e na fundação da maioria das outras áreas de
interesse filosófico, como a teoria da consciência e a filosofia da linguagem, a filosofia
da lógica, epistemologia e as filosofias de ação e valor.

É importante notar a distinção entre intencionalidade no sentido em discussão aqui,


por um lado, e a ideia de uma intenção, no sentido de um objetivo ou propósito de um
agente inteligente, de tomar uma ação específica, por outro.

A intencionalidade sob consideração aqui inclui a ideia das intenções do agente de fazer
as coisas, mas também é muito mais ampla, aplicando-se a qualquer tipo de pensamento
ou experiência dirigida a objetos.

Assim, enquanto seria normal dizer que “Jack pretendia marcar um ponto quando
ele chutou a bola em direção ao gol”, no sentido de “intenção” pertinente a Husserl, é
igualmente correto dizer que “Jack pretendia que o pássaro fosse um gaio azul”.

Este último sendo uma maneira de dizer que Jack dirigiu sua mente para o pássaro,
pensando nele ou percebendo-o como um gralha azul.

31
UNIDADE II │ FENOMENOLOGIA DE HUSSERL

O próprio Husserl analisa a intencionalidade em termos de três ideias centrais: ato


intencional, objeto intencional e conteúdo intencional.

É indiscutivelmente nas investigações lógicas de Husserl que essas ideias recebem


seu primeiro tratamento sistemático como elementos distintos, mas correlativos,
na estrutura do pensamento e da experiência. Esta seção esclarece essas três noções
baseadas nos principais compromissos de Husserl, embora nem sempre use sua
terminologia exata.

O ato intencional ou o modo psicológico de um pensamento é o tipo particular de


evento mental que é, seja percebendo, acreditando, avaliando, lembrando ou algo
mais.

O ato intencional pode ser distinguido de seu objeto, que é o tópico, coisa ou estado de
coisas de que trata o ato.

Assim, o estado intencional de ver um cão branco pode ser analisado em termos de seu
ato intencional, percebendo visualmente e, em termos de seu objeto intencional, um
cão branco.

O ato intencional e o objeto intencional são distintos, pois é possível que o mesmo tipo de
ato intencional seja direcionado a objetos diferentes e que diferentes atos intencionais
sejam direcionados ao mesmo Objeto.

Ao mesmo tempo, as duas noções são correlativas.

Para qualquer evento mental intencional, não faria sentido falar dele como envolvendo
um ato sem um objeto intencional mais do que diria que o evento envolvia um objeto
intencional, mas nenhum ato ou modo de atender a esse objeto (nenhum ato intencional).

A noção de intencionalidade como uma correlação entre sujeito e objeto é um tema


proeminente na Fenomenologia de Husserl.

O terceiro elemento da estrutura de intencionalidade identificado por Husserl é o


conteúdo intencional.

É uma questão de alguma controvérsia até que ponto e de que maneira o conteúdo
intencional é verdadeiramente distinto do objeto intencional nos escritos de Husserl.

A ideia básica, no entanto, pode ser expressa sem muita dificuldade.

O conteúdo intencional de um evento intencional é a maneira pela qual o sujeito pensa


ou apresenta para si o objeto intencional.

32
FENOMENOLOGIA DE HUSSERL │ UNIDADE II

A ideia aqui é que um sujeito não pensa apenas em um objeto simplificador


intencional; antes, o sujeito sempre pensa no objeto ou o experimenta de uma certa
perspectiva e como sendo de certo modo ou como sendo um certo tipo de coisa.

O conteúdo intencional pode ser pensado ao longo das linhas de uma descrição ou
conjunto de informações que o assunto leva para caracterizar ou ser aplicável aos
objetos intencionais de seu pensamento.

Assim, ao pensar que há uma maçã vermelha na cozinha, o sujeito entretém uma certa
apresentação de sua cozinha e da maçã que ela toma para estar nela e é em virtude disso
que ela consegue direcionar seu pensamento para essas coisas. em vez de outra coisa
ou nada.

É importante notar, no entanto, que para Husserl o conteúdo intencional não é


essencialmente linguístico.

Embora o conteúdo intencional sempre envolva apresentar um objeto de uma maneira


e não de outra, Husserl afirma que os tipos mais básicos de intencionalidade, incluindo
a intencionalidade perceptiva, não são essencialmente linguísticos.

De fato, para Husserl, o uso significativo da linguagem deve ser analisado em termos de
estados intencionais subjacentes mais fundamentais. Por essa razão, as caracterizações
de conteúdo intencional em termos de “conteúdo descritivo” têm seus limites no
contexto do pensamento de Husserl.

A distinção entre objeto intencional e conteúdo intencional pode ser esclarecida com
base na consideração de quebra-cabeças da filosofia da linguagem, como o enigma das
declarações de identidade informativa.

A noção de conteúdo intencional pode ser usada para explicar isso. Quando um sujeito
pensa sobre a declaração de identidade afirmando que Mark Twain é Mark Twain, o
sujeito pensa sobre Mark Twain da mesma forma (usando o mesmo conteúdo intencional;
talvez “o autor de Huckleberry Finn”) em associação com o nome em ambos os lados
esquerdo e direito da identidade, enquanto quando um sujeito pensa sobre a declaração
de identidade afirmando que Mark Twain é Samuel Clemens o que ele aprende é que
diferentes conteúdos intencionais (aqueles associados com os nomes ‘Mark Twain’ e
‘Samuel Clemens’ respectivamente) são verdade do mesmo objeto intencional.

Casos como esse motivam a distinção entre conteúdo intencional e objeto intencional e
podem ser explicados em termos dele.

33
UNIDADE II │ FENOMENOLOGIA DE HUSSERL

A noção de conteúdo intencional como distinto do objeto intencional também é


importante em relação à questão do pensamento e referência a objetos inexistentes.

Exemplos disso incluem ilusões perceptivas, pensamentos sobre objetos ficcionais como
Hamlet ou Lilliput, pensamentos sobre objetos impossíveis como quadrados redondos
e pensamentos sobre tipos científicos que acabam por não existir como o flogisto.

O que é comum a cada um desses casos é que parece possível ter experiências
significativas, pensamentos e crenças sobre essas coisas, mesmo que os objetos
correspondentes não existam, pelo menos não em qualquer sentido comum de “existir”.

Identificar o conteúdo intencional como um elemento distinto e significativo da


estrutura da intencionalidade possibilita que Husserl explique tais casos de pensamento
significativo sobre o inexistente de forma semelhante à de Gottlob Frege e diferente da
estratégia de seu colega de Brentano, Alexius Meinong.

Abordando questões de intencionalidade a partir da perspectiva da lógica e da filosofia


da linguagem, Frege lidou com tais casos desenhando uma distinção entre o sentido ou
significado e o referente (objeto denotado) de um termo, e então dizendo que termos
não referenciados como Ulisses tem sentidos, mas não referentes.

Para Husserl, tais casos envolvem um ato intencional e um conteúdo intencional em


que o conteúdo intencional apresenta um objeto intencional, mas não há objeto real
que corresponda à aparência intencional.

Diante disso, uma maneira de ler a distinção entre conteúdo intencional e objeto
intencional é como uma generalização para todos os atos mentais da distinção
primariamente linguística de Frege entre os sentidos e os referentes de termos e
sentenças.

A compreensão exata de Husserl da situação ontológica em relação aos objetos


intencionais é bastante envolvida e passa por algumas mudanças entre as Investigações
Lógicas e sua posterior fenomenologia, começando com Ideias Relativas a uma
Fenomenologia Pura e a uma Filosofia Fenomenológica .

No entanto, ao longo de sua obra, Husserl é capaz de fazer uso da distinção entre
conteúdo intencional e intencional para lidar com casos de pensamento significativo
sobre o não existente sem ter que postular, à maneira meinongiana, categorias especiais
de objetos inexistentes.

A estrutura básica do relato de intencionalidade de Husserl envolve, portanto, três


elementos: ato intencional, conteúdo intencional e objeto intencional. Para Husserl,

34
FENOMENOLOGIA DE HUSSERL │ UNIDADE II

a análise sistemática desses elementos de intencionalidade está no cerne da teoria da


consciência, bem como, de maneiras variadas, da lógica, da linguagem e da epistemologia.

Nas Investigações e em seus trabalhos posteriores, Husserl às vezes escreve sobre uma
dimensão adicional na análise da intencionalidade, que ele primeiro chama de “caráter
de ato”.

Nas Investigações, o personagem-ato inclui coisas como se o ato intencional é


meramente um de refletir sobre uma possibilidade (um “ato não postulante”) ou um
de julgar ou afirmar que algo é o caso (um “ato postulante”) , bem como o grau de
evidência que está disponível para apoiar a intenção do ato como cumprido ou não
cumprido (como genuinamente apresentando algum objeto exatamente da maneira
que o ato sugere, ou não).

Parece claro que o caráter de um ato é, em última instância, rastreável à qualidade


do ato, já que tem a ver com a maneira pela qual uma ato-questão é pensada, e não
com o que essa própria ato-ato apresenta. No entanto, é uma contribuição do ato de
qualidade que lança uma sombra ou um halo em torno do assunto, dando ao conteúdo
do ato um caráter distintivo. Isso se torna mais claro por meio da consideração de casos
particulares.

Considere os primeiros atos posicionais e não positivos.

Quando um sujeito se pergunta se o trem estará ou não no horário, o conteúdo ou a


intenção de sua intenção é que o trem esteja na hora certa. No entanto, neste caso, o
sujeito não está afirmando que o trem estará no horário, mas apenas refletindo sobre
isso de uma maneira não comprometedora (“não postulada”) como uma possibilidade.
A mesma diferença está presente no caso de simplesmente se perguntar se Bob é o
assassino, por um lado (ato não positivo), e formar o firme julgamento de que ele está
do outro (ato postulante).

O caráter de um ato intencional também tem a ver com se é uma intenção meramente
significativa “vazia” ou se é uma intenção “não vazia” ou cumprida.

Aqui, o que está em questão é até que ponto um sujeito tem algum tipo de evidência
para aceitar o conteúdo de sua intenção.

Por exemplo, um sujeito poderia contemplar, imaginar ou até acreditar que “o sol se
pôs hoje será lindo com poucas nuvens e muitas cores laranja e vermelha” já às onze da
manhã. Nesse ponto, a intenção é vazia, porque apenas contempla um possível estado
de coisas para o qual não há evidência intuitiva (experiencial).

35
UNIDADE II │ FENOMENOLOGIA DE HUSSERL

Quando o mesmo sujeito testemunha o pôr do sol no final do dia, sua intenção será
cumprida (se o pôr do sol coincidir com o que ela pensava que seria) ou insatisfeito (se
o pôr do sol não corresponder à sua intenção anterior).

Para Husserl, a diferença aqui também não tem a ver com o conteúdo ou a matéria em
si, mas sim com o caráter evidencial da intenção.

É importante ressaltar que as distinções entre os atos de postulação e não postulação,


por um lado, e entre as intenções vazias e cumpridas, por outro, são separadas. Seria
possível para um sujeito postular a existência de algo para o qual ela não tinha evidência
ou realização (talvez a crença de que seu candidato favorito venceria a eleição do
próximo ano), assim como seria possível para um sujeito não postular ou afirmar algo
para o qual ela teve realização ou evidência (como abster-se de acreditar que a água faz
com que as varas imersas nela dobrem, apesar da informação perceptiva imediata que
sustenta isso).

Em grande parte motivado por sua preocupação em desenvolver uma lógica pura,
Husserl dedica toda a primeira Investigação Lógica, “Significado e Expressão”, a uma
análise de questões de linguagem, significado linguístico e referência linguística.

A discussão de Husserl aqui é sistemática e ampla, cobrindo muitas questões que


também são motivo de preocupação para Frege em sua análise da linguagem e que
continuaram a estimular a discussão na filosofia da linguagem até o presente.

Estes incluem a distinção entre tipos e tokens linguísticos, a distinção entre palavras
e sentenças e os significados que eles expressam, a distinção entre significado de frase
e significado de falante, o significado e referência de nomes próprios e a função de
indexicais e demonstrativos.

Como observado acima, Husserl considera que a intencionalidade do pensamento é


fundamental e que as capacidades de expressão e fixação de referências da linguagem
são parasitas em características mais básicas da intencionalidade. Aqui, as principais
características da visão de linguagem baseada na intencionalidade de Husserl são
discutidas.

Husserl está interessado em analisar o significado e a referência da linguagem como


parte de seu projeto de desenvolvimento de uma lógica pura. Isso o leva a se concentrar
principalmente em frases declarativas da linguagem comum, e não em outros tipos de
sinais potencialmente significativos (como a fumaça normalmente indica ou é um sinal
de fogo) e gestos (como a maneira em que uma careta pode indicar ou transmitir que
alguém sente dor ou é desconfortável).

36
FENOMENOLOGIA DE HUSSERL │ UNIDADE II

Husserl, portanto, usa “expressão” para se referir a sentenças declarativas em linguagem


natural e partes dela, como nomes, substantivos gerais, indexicais e assim por diante.

Husserl sustenta que o significado de uma expressão não pode ser idêntico à expressão
por duas razões.

Em primeiro lugar, expressões em diferentes idiomas, como “o gato é amistoso” e “il


gatto” são linguisticamente diferentes, mas têm o mesmo significado.

Além disso, a mesma expressão linguística, como “estou indo ao banco”, pode ter
diferentes significados em diferentes ocasiões (devido, nesse caso, à ambiguidade da
palavra “banco”).

Assim, a mesmice da palavra ou expressão linguística não é necessária nem suficiente


para a igualdade de significado.

Husserl também sustenta que o significado de uma expressão linguística não pode ser
idêntico ao seu referente ou referentes.

Husserl identifica esses significados linguísticos distintos como tipos de ato intencional.

Nas Investigações, Husserl descreve o uso normal de uma expressão, como “o tempo
está fresco hoje”, da seguinte maneira.

Um sujeito que pronuncia essa expressão para um companheiro está em um estado


intencional, que inclui um conteúdo intencional ou conteúdo intencional que apresenta
o clima como sendo legal hoje.

Este ato instancia uma espécie ideal ou um tipo de matéria-actuação “o tempo está
fresco hoje” e, em virtude de isso, direciona a atenção do interlocutor para o estado
atual das coisas em relação ao tempo.

É em virtude desses fatos sobre os estados intencionais do autor que as palavras


expressam, para ele, o significado que eles fazem (o que não é, obviamente, excluir a
possibilidade de falha de comunicação; para Husserl a descrição aqui é apenas o padrão
caso).

O sujeito que executa o enunciado faz, em princípio, três coisas para seu interlocutor.

Primeiro, o enunciado do sujeito “expressa” o significado ideal “o tempo está frio hoje”.

Segundo, supondo que o interlocutor compreenda que isso é o que está sendo expresso,
sua atenção será direcionada para o referente desse sentido ideal, ou seja, o estado de
coisas envolvendo o tempo hoje (seu ato também instanciará o ato ideal relevante) –

37
UNIDADE II │ FENOMENOLOGIA DE HUSSERL

espécie Terceiro, o sujeito irá, ao fazer sua enunciação, “íntimo” ao seu interlocutor de
que ele tem certas crenças ou está passando por certos estados mentais ou experiências.
Este último ponto é muito importante para Husserl.

Ele sustenta que em casos normais o que um sujeito insinua em expressar uma expressão
(que ele acredita que o tempo é legal hoje ou que ele teme que seu país intervenha) não
faz parte do significado dessa expressão, mesmo sendo algo que o interlocutor será
capaz de entender com base no enunciado do sujeito.

É somente nos casos em que um sujeito está fazendo uma afirmação sobre suas
experiências, atitudes ou estados mentais (tais como “eu duvido que as coisas melhorarão
este ano”) que o significado expresso e o significado intacto coincidem.

Husserl reconheceu claramente a necessidade de uma distinção entre o que ele chamou
de expressões “objetivas”, por um lado, e aquelas que são “essencialmente ocasionais”,
por outro.

Um exemplo de uma expressão objetiva seria uma afirmação relativa à lógica, à


matemática ou às ciências cujo significado é fixo, independentemente do contexto
em que é usado. Um exemplo de uma expressão essencialmente ocasional seria uma
sentença como “estou com fome”, que parece, de alguma forma, mudar seu significado
em diferentes ocasiões de expressão, dependendo de quem está falando.

De acordo com Husserl, expressões essencialmente ocasionais incluem tanto indexicais


(“eu”, “você”, “aqui”, “agora” e assim por diante) e demonstrativos (“isso”, “aquilo” e
assim por diante).Tais expressões têm duas facetas de significado.

O primeiro é o que Husserl chama de “função semântica” constante associada a


expressões indexicais particulares. Por exemplo, é a função semântica universal da
palavra ‘eu’ designar quem está falando.

Husserl reconhece, no entanto, que as sentenças que expressam essas funções


semânticas não podem simplesmente ser substituídas por indexicais sem afetar o
significado das sentenças que as contêm.

Um sujeito que acredita que “quem está falando agora está com fome” efetivamente
tem uma crença existencialmente quantificada no sentido de que a pessoa, quem quer
que seja, que está falando agora, está com fome.

A fim de captar o que tal assunto significaria quando ele diz “estou com fome”, é
necessário esclarecer de alguma forma que o indivíduo quantificado de fato é a pessoa
que está falando agora, mas parece não haver outra maneira de fazer isso para reinserir

38
FENOMENOLOGIA DE HUSSERL │ UNIDADE II

o indexical “eu” em si na sentença. Isso torna necessário identificar uma segunda faceta
ou componente do conteúdo indexical.

Para lidar com isso, Husserl propõe uma distinção entre a função semântica ou
“indicando o significado” dos indexicais, que permanece constante do uso ao uso, e o
significado “indicado” dos indexicais, que é fundamentalmente direcionado a certas
características do falante e do contexto de enunciação.

Assim, o “significado indicativo” de “eu” é sempre “quem quer que esteja falando
agora”, mas o significado indicado de seu uso em uma determinada ocasião é ligado à
«autoconsciência» ou «autoapresentação» do falante naquele momento. ocasião.

Em geral, o significado indicativo de uma indexical irá especificar alguma relação geral
entre o enunciado de uma sentença e alguma característica da consciência consciente
do falante ou ambiente perceptivamente dado, enquanto o significado indicado será
determinado pelo que o falante está realmente ciente no contexto em que a frase é
proferida.

No caso de muitos indexicais, como “você” e “aqui”, seu significado indicativo pode ser
fornecido, em parte, pela demonstração demonstrativa de características do ambiente
perceptivo imediato.

Assim, Husserl escreve: “O significado de ‘aqui’ é em parte universal e conceitual [função


semântica / indicando significado], na medida em que sempre nomeia um lugar como
tal, mas para este elemento universal a apresentação direta do lugar [indica significado]
atribui, variando de caso para caso.

Husserl tem, assim, uma compreensão relativamente clara de algumas das questões-
chave que cercam o pensamento e a referência indexicais que foram recentemente
discutidos no trabalho de filósofos da linguagem como John Perry (1977, 1979), bem
como uma descrição de como o pensamento indexado.

Sartre: a intencionalidade
Em janeiro de 1939, um ano após a morte de Edmund Husserl, Sartre publicou um
pequeno ensaio intitulado “A ideia central de Husserl”. No espaço de alguns parágrafos,
Sartre rejeita a epistemologia de Descartes e os neo-kantianos e sua visão da relação da
consciência com o mundo.

39
UNIDADE II │ FENOMENOLOGIA DE HUSSERL

A consciência não está relacionada com o mundo em virtude de um conjunto de


representações mentais e atos de síntese mental que combinam tais representações
para nos fornecer nosso conhecimento do mundo externo.

A teoria intencional da consciência de Husserl fornece a única alternativa aceitável: “A


consciência e o mundo são imediatamente dados em conjunto: o mundo, essencialmente
externo à consciência, está essencialmente relacionado a ele”.

A única imagem apropriada para intencionalidade e nossa relação de conhecimento


com o mundo é a de uma “explosão”: “saber é ‘explodir’ em direção a” um objeto no
mundo, um objeto “além de si mesmo, ali ... em direção a aquilo que não é você mesmo
... fora de si mesmo”.

O relato de Sartre captura um aspecto importante da teoria da intencionalidade de


Husserl ao insistir na natureza essencial da intencionalidade: a consciência é sempre
uma consciência de um objeto, seja um objeto transcendente real, uma memória ou
uma emoção.

Enquanto o realismo ontológico do relato de Sartre da natureza da relação intencional


da consciência com o mundo (o ser em si dos objetos transcendentes não é constituído
pela consciência) se desvia da forma de idealismo transcendental que Husserl adota
em seus principais trabalhos publicados, Ideias I e Meditações Cartesianas, a leitura
que Sartre faz da intencionalidade não é de modo algum estranha em espírito ao grupo
inicial de fenomenólogos em Munique, influenciado por Husserl.

Rejeitando o idealismo das Ideias de Husserl, por exemplo, filósofos como Adolph
Reinach defenderam uma forma de fenomenologia que buscava uma abordagem
radicalmente descritiva do estudo da consciência mais próxima, em espírito, dos
escritos pré-transcendentais de Husserl.

É de um espírito semelhante que Sartre escreve o ensaio de 1936, La Transcendence de


L’Ego: Equis d’une description phénoménologique .

Ao traduzir incorretamente o título do ensaio (esboço de uma fenomenologia


descritiva), a primeira tradução inglesa da obra de Sartre o texto prefere a glória da
frase “existencialismo” ao claro endividamento que Sartre desejava manter no título
original em relação às suas raízes husserlianas: segundo Sartre, o erro de Husserl e
o erro que levou à sua forma de fenomenologia como idealismo transcendental, é a
falha em entender que o ato de reflexão transcendental de Husserl reifica a natureza
intencional da experiência em vez de revelá-la.

40
FENOMENOLOGIA DE HUSSERL │ UNIDADE II

Na visão de Sartre, o idealismo husserliano depende de uma relação entre duas


consciências: a consciência refletora e a consciência refletida. Refletindo a consciência
é incapaz de captar adequadamente a consciência refletida, pois tem a última como eu
X objeto. A consciência refletida sobre não deve ser postulada como um objeto de uma
reflexão. Pelo contrário, devo dirigir minha atenção para os objetos revividos, mas sem
perder de vista a consciência irrefletida, unindo-me em uma espécie de conspiração
com e elaborando um inventário do seu conteúdo de uma forma não posicional.

É claro que existe uma diferença fundamental entre Husserl e Sartre sobre a questão da
identidade das consciências refletida e refletida.

Para Husserl, os objetos transcendentes são constituídos pelo ego transcendental


por meio de atos complexos de síntese, começando com as dimensões cinestésicas de
minha experiência perceptiva como uma consciência incorporada e avançando para as
estruturas eidéticas que tornam minha experiência uma experiência de uma árvore e
não de uma mesa.

A análise husserliana revela, assim, a atividade anônima de uma consciência


espontaneamente constituinte e permanece responsiva ao mundo tal como é
experimentado.

Para Sartre, no entanto, a consciência é uma espontaneidade pura que não “age”
anonimamente no sentido de Husserl. Eu sou uma consciência irrefletida de “Peter ter-
ser-ajudado”.

A correta descrição fenomenológica deste evento não pode ser alcançada pela atenção
reflexiva a uma “consciência piedosa não refletida” como o conteúdo anônimo não
refletido de minha consciência de Pedro.

Apenas a descrição detalhada de Peter como o objeto de minha experiência intencional


que é mais um re-habitar da minha experiência original de Peter, assim como “ter-
ser-ajudado” do que uma objetivação reflexiva dessa experiência, oferece uma visão
fenomenológica genuína a natureza da consciência intencional.

Essa perspectiva parece já ter informado as antigas passagens célebres de Sartre em


Náusea sobre a natureza radicalmente supérflua do mundo do em-si.

Em tais ocasiões, somos dominados pelo em-si e pela sua obscena expressão.

A experiência da náusea assina-la a indescritibilidade do em si em sua pureza. Tais


experiências podem ser abordadas por um tipo de experimento mental. Imagine que as
coisas se recusam a desempenhar os papéis conceituais que lhes atribuímos. Imagine

41
UNIDADE II │ FENOMENOLOGIA DE HUSSERL

não o fluxo harmonioso de nossa experiência em que nossa atenção é direcionada


primeiro para esse objeto e depois para outro, o fluxo harmonioso de experiência que
é central para a explicação de Husserl de nossa experiência do mundo, mas a própria
incapacidade de nosso tração em face do em-si.

De fato, Sartre não poderia ter sabido que o próprio Husserl, em uma série de reflexões
recorrentes ao longo de muitos anos, entretinha exatamente o tipo de possibilidade
que detectamos em Náusea. Sartre não os teria entendido pela simples razão de que
eles não aparecem nos escritos publicados de Husserl e só estão disponíveis para nós
quando a edição dos manuscritos de Husserl se aproxima da conclusão.

Fenomenologia Dialética
A doação radical do em si persiste como um tema das reflexões de Sartre ao longo de
seus escritos.

Contudo, enquanto para a consciência primitiva de Sartre literalmente se exauriu em


sua relação intencional com a doação das coisas, no Ser e o Nada a relação entre o em-si
e o para-se torna mais complexa.

Podemos até concluir que, em seus detalhes, a complexa ontologia do Ser e do Nada se
torna significativamente contorcida.

Somos informados, no Ser e no Nada, que o para-si é a negação dos objetos de


consciência.

No entanto, o Ser e o Nada trata de várias dimensões da experiência em que o objeto


intencional da consciência tem a capacidade de modificar a própria substância do
para-si. Este resultado dificilmente parece ser compatível com a natureza do para-si
como “sendo o que não é”, uma fórmula que parece ser impermeável às naturezas mais
particulares do em-si que formam o objeto e o conteúdo da consciência – experiência.

A sombra de Hegel paira sobre o ombro filosófico de Sartre, seja qual for o nível em
que nos envolvemos com o sistema hegeliano, encontramos uma cumplicidade entre
o em si e o para si que responde ao fato de que nenhum dos dois pode ser entendido à
parte do outro. Além disso, sua aparente independência dialética deve ser superada por
sua resolução dialética. Para Sartre, a irredutibilidade dialética do em si para o para si
requer uma relação dialética que é interminável e não sinteticamente resolvível.

42
FENOMENOLOGIA DE HUSSERL │ UNIDADE II

O para si não pode existir sem o em si, mas também não pode ser sinteticamente
conjugado com ele. Isto, naturalmente, produz uma interminável alteração de cenários
dialéticos.

Consideremos, por exemplo, a dialética do em-si e do outro.

No relato de Sartre sobre “o olhar”, o Outro me objetiva. Inicialmente, o meu mundo


é dado como centrado sobre mim: é o meu campo de consciência e eu constituo o seu
centro.

A chegada do Outro desintegra a unidade desse campo perceptivo. Eu agora entrego


meu centro de gravidade perceptivo ao outro. Eu me torno um objeto percebido dentro
do campo perceptivo do Outro.

Como resultado, meu próprio ser me escapa. Presos dentro do olhar do Outro, meus
projetos de existência são presos, minha liberdade é perdida e a orientação original de
meu ser como um em si torna-se des-orientada e deslocada. Eu experimento minha
própria disparidade.

Há razão para perguntar por que isso acontece. Certamente, meu ser como algo para si
mesmo me direciona intencionalmente para os objetos da minha experiência. De fato,
como Nausea sugere, eu posso me entregar ao «outro» em uma espécie de abandono
total e ainda não me perder no outro .

Pois o que eu sou é apenas isso transcendendo em direção ao outro. No entanto, o


Ser e o Nada acrescenta um elemento criticamente novo a essa estrutura dialética. A
alteridade do outro deve revelar-me uma nova dimensão da essência de si mesmo (por
exemplo, sua natureza “intersubjetiva”).

E assim acontece o “olhar” revela-me a doação de outra consciência dentro do mundo.

No entanto, a dialética de Sartre sobre o eu e o outro não pode repousar com essa
doação. Assim como a liberdade do outro constitui não apenas uma ameaça, mas uma
eliminação bem-sucedida da minha, assim, por sua vez, devo ser capaz de aprisionar o
outro em meu “olhar”.

Modificações do ser de duas consciências emergem que ecoa a luta de vida e morte na
Fenomenologia de Hegel.

No entanto, mais significativamente, eles excedem drasticamente a relação entre


o eu e o outro delineada na descrição inicial de Sartre da idéia de intencionalidade
de Husserl. Se, originalmente, meu ser intencional consistia unicamente em minha
relação (negativa) com o objeto de minha consciência, agora essa relação é ela mesma

43
UNIDADE II │ FENOMENOLOGIA DE HUSSERL

entendida como estando dentro do poder do objeto do qual estou ciente, porque está
sujeita a uma modificação essencial por o outro.

Uma inferência razoável dessa experiência do olhar do outro é que a ontologia da


intencionalidade oculta aspectos além do meu relacionamento intencional com algum
objeto transcendente. Apesar da linguagem da fenomenologia ontológica do Ser e
do Nada , o nada que é o para-si tem “ser” apenas no sentido de que está sujeito a
modificações essenciais. A “pureza” do para-si (a pureza do seu não-ser o que é) é uma
abstração enganosa.

A própria linguagem de Sartre trai esse dilema. Na experiência do olhar do outro “de
repente sou afetado em meu ser (o que significa que) modificações essenciais aparecem
em minha estrutura – reflexões que eu posso apreender e fixar conceitualmente por
meio do cogito reflexivo”.

Uma dessas modificações “essenciais” é revelada na experiência da “vergonha”. Se o


outro olha para mim, me congelando em uma situação vergonhosa, então também sinto
minha identidade com minha situação vergonhosa. “Eu sou esse (envergonhado). Não
penso nem por um instante em negar; minha vergonha é uma confissão”.

O texto de Sartre é bastante claro sobre esse ponto. Existe algo em si mesmo no meu
próprio ser (“Eis que agora sou alguém” ).

A centralidade de um “cogito reflexivo” em minha experiência do olhar do Outro


também sinaliza um importante afastamento do trabalho mais antigo de Sartre.

O que eu “sou” em face de outro para-se envolve pelo menos duas dimensões
importantes. Primeiro, desde que o que eu sou é o meu ser visto pelo outro, eu só posso
ser “visto” porque eu sou uma consciência encarnada (assim como o outro só é capaz
de olhar para mim em virtude da personificação do outro). Por isso, parte do que sou
na aparência do outro é “meu corpo”. Segundo, o outro não apenas vê meu corpo, mas
vê meu corpo como situado.

Na liberdade, na situação é uma gestalt dentro da qual eu me projeto livremente em


direção às minhas possibilidades. Sob o olhar do outro, no entanto, essa gestalt de
liberdade se torna a alienação de minhas possibilidades.

Uma determinada síntese é da qual eu sou a estrutura essencial, e essa estrutura ao


mesmo tempo possui tanto a coesão extática quanto o caráter do em-si.

A “coesão extática” é o resultado do outro ver meu propósito dentro do contexto da


situação.

44
FENOMENOLOGIA DE HUSSERL │ UNIDADE II

E o caráter do em si refere-se à morte inerte de meus projetos quando eles são


simplesmente definido pela minha situação como percebida pelo outro.

A Crítica da Razão Dialética de Sartre testemunha o esforço de Sartre para remover a


abstração desse relato do eu e do Outro. Algo terá que ser acrescentado à espontaneidade
pré-reflexiva do ser-para-si, a fim de possibilitar que o para-si se torne mutuamente
engajado por e com o outro, em vez de simplesmente opositivamente justaposto.

Finalmente, uma comparação adicional com Husserl lança luz útil sobre essa parte
do Ser e do Nada. Além dos pensamentos de Hegel e Heidegger sobre a natureza do
Outro, Sartre crítica o relato de Husserl do outro como apresentado nas Meditações
Cartesianas de Husserl.

A adoção de Husserl de uma forma de subjetividade transcendental compromete-o,


na visão de Sartre, com um “solipsismo transcendental” que impede relações como o
Outro-como-um-olhar entre diferentes egos transcendentais.

Para Sartre, o Husserl das Quintas Meditações Cartesianas e sua “dedução” da


existência do Outro, baseado como é na confiança de Husserl na infame redução
fenomenológica, relaciona-se apenas com o “conhecimento” do sujeito do Outro.

Sartre reconhece que, para Husserl, o outro está sempre “comigo” e é imediatamente
dado dentro da própria estrutura da minha percepção do mundo.

Mas esta base é inadequada para explicar o Outro-como-um-olhar, pois este fenômeno
não pode ser “derivado” de mim “... pois não é nem um conhecimento nem uma projeção
do meu ser nem uma forma de unificação nem uma categoria”.

No entanto, o relato de Husserl sobre a intersubjetividade, a “alteridade” e a “alienação”


do Outro é mais complexo do que o relato de Sartre.Merleau-Ponty, familiarizado
com Sartre, com as amplas reflexões de Husserl sobre o relato fenomenológico do
outro (como Ideias II ), mais tarde elaborará em detalhe um relato mais positivo da
intersubjetividade e da natureza alienígena do Outro no espírito de Husserl.

Basta aqui observar que, para Husserl, o horizonte da alienação do Outro só pode ser
desdobrado como uma possibilidade dentro do horizonte da “co-subjetividade”. Esta
é a possibilidade de “empatia”, na qual o “... Outro e seu ser primordial ...” me é dado.

Parece claro que, além de uma explicação mais rica das várias dimensões da
intersubjetividade em si, a tentativa de Sartre de apelar para uma ligação radical
radicalmente simples entre o para-si e o Outro-como-olha tensiona sua própria
fenomenologia ontológica.

45
UNIDADE II │ FENOMENOLOGIA DE HUSSERL

Como veremos, os trabalhos posteriores de Sartre abandonam a ontologia abstrata


anterior do Ser e do Nada em prol de uma compreensão tão enriquecida da
intersubjetividade.

Embora Sartre tenha pouco a dizer sobre a historicidade do ser-para-si no Ser e o Nada,
um tema que se tornará central para a posterior Crítica da Razão Dialética , ele tem
muito a dizer sobre o tempo. Seguindo Heidegger, Sartre define o tempo “em êxtase”
como a relação do para-si com o passado, presente e futuro. O passado é o modo de ser-
para-si como “não mais ter que ser o passado que eu era”.

O futuro é o modo de ser-para-si como “... o que tenho de ser na medida em que não
posso ser”.

Assim, tanto o passado quanto o futuro são vistos como pertencentes à província do ser
em si.

Como instâncias do em-si estão sujeitos à relação negativa que define o for-se
em relação ao em-si. O que, então, é o presente?

O presente é a presença do para-si mesmo em algo no modo de ser seu próprio


“testemunho” da coexistência de si mesmo e de ser em si mesmo.

É também o presente que transforma meu passado no passado. Mas mesmo que
eu não seja agora meu passado, ainda é meu passado que foi transformado dessa
maneira, assim como foi revelado que foi minha situação que foi transcendida e
negada pelo outro.

O tempo permite que eu me torne o outro para mim mesmo.

Como no caso da análise de Sartre da intersubjetividade, devemos perguntar se a


temporalidade também aponta para uma dimensão da experiência humana que revela
algo essencial sobre a própria natureza do ser-para-si além do “nada puro”.

A análise da temporalidade como um modo em que o para-si simplesmente transforma


as dimensões do passado e do futuro em substitutos do ser-em-si parece diminuir o
fluxo subjacente da consciência e sua temporalidade radical.

Pode ser que, ao recusar-se a seguir Heidegger ao privilegiar o futuro sobre o passado
e o presente, o privilégio de Sartre no presente sugere algo como um nivelamento do
fluxo temporal de nossa experiência do mundo.

46
FENOMENOLOGIA DE HUSSERL │ UNIDADE II

Essa consciência é essencialmente temporal, como alegam Husserl e Heidegger, aponta


para uma estrutura dinâmica que um nada puro como a negação do ser em si é incapaz
de compreender plenamente.

Praxis e História
As primeiras interpretações do Ser e Tempo de Heidegger associavam estreitamente o
trabalho aos escritos “existencialistas” de Sartre.

O Dasein “autêntico” foi entendido como outra versão do relato de Sartre sobre a
projeção livre do para-si no futuro.

A fórmula de Heidegger, a “essência” do Dasein é sua “existência”, fez com que


parecesse como se Sartre e Heidegger estivessem seguindo um programa
compartilhado, uma impressão fortalecida pelo próprio Sartre.

Heidegger, cuja análise das estruturas sociais, institucionais e pragmáticas, agora nos
possibilita começar a lidar com as importantes implicações do pensamento posterior
de Sartre.

Em Search for a Method , Sartre identifica uma nova leitura da relação entre ser-em-si
e ser-para-si.

A visão da agência humana como a externalização de um “sujeito objetivado” é


claramente adotada a partir do Marx dos Manuscritos Econômicos e Filosóficos .

É também uma fórmula radicalmente diferente daquela que expressa o sujeito humano
como uma transcendência nula do ser em si mesmo.

Devemos agora apreender o sujeito humano em sua situação historicamente


determinada como uma espontaneidade radicalmente embutida que se funde com
seu mundo em sua autoprojeção, uma espontaneidade embutida cuja objetivação é
entendida como o subjetivo objetivado deve ser considerado como a única verdade
do subjetivo.

Está claramente fora do escopo deste artigo tratar as várias nuances nos escritos de
Sartre sobre o “subjetivo objetificado”, abrangendo, como eles, materiais publicados
recentemente, bem como grandes obras tardias, como Search for a Method (1960),
The Crítica da Razão Dialética (1960) e o trabalho em vários volumes de Flaubert, The
Family Idiot . No entanto, um caminho perspicaz e convincente para o pensamento
posterior de Sartre é fornecido por um exemplo que o próprio Sartre ofereceu em 1966,
um exemplo que complementa a preocupação quase obsessiva de nossa época com a
linguagem.

47
UNIDADE II │ FENOMENOLOGIA DE HUSSERL

Houve um tempo em que o pensamento era definido independentemente da


linguagem, como algo intangível e inefável que pré-existe expressão. Hoje as pessoas
caem no erro oposto.

Elas nos fazem acreditar que o pensamento é apenas linguagem, como se a própria
linguagem não fosse falada.

Na realidade, existem dois níveis: no primeiro nível, a linguagem se apresenta, com


efeito, como um sistema autônomo, que reflete a unificação social.

A linguagem é um elemento do “prático-inerte”, uma substância sonora unificada por


um conjunto.

O linguista considera essa totalidade de relações como objeto de estudo, e tem o direito
de fazê-lo porque já está constituído: esta é a etapa da estrutura, na qual a totalidade
aparece como uma coisa sem o homem.

Mas essa coisa sem o homem é ao mesmo tempo matéria trabalhada pelo homem,
portadora do traço do homem se você admitir a existência de tal sistema, também deve
admitir que a linguagem existe apenas como falada, ou seja, em ato.

Cada elemento do sistema para um todo, mas este todo está morto, se ninguém o toma
para seus próprios propósitos, faz com que funcione.

A hegemonia da forma linguística de Chomsky e sua ênfase nos aspectos formais das
gramáticas das linguagens naturais são insuficientes, nas palavras do próprio Chomsky,
diante do mistério do uso criativo da linguagem. Mesmo antes de Chomsky, os escritos
filosóficos de Frege, Russell, os primeiros Wittgenstein e Davidson focalizavam a
linguagem como um sistema formal e lógico.

No entanto, estamos começando a ver o colapso da hegemonia da formalização da


linguagem escrita versus à centralidade da fala. Embora escrevendo com referência
específica a Saussure e Chomsky, Pierre Bourdieu, dificilmente um dos ardentes
defensores de Sartre, reafirma convenientemente a percepção de Sartre sobre a
importância da linguagem falada:

Sartre certamente concordaria, não apenas que a linguagem é um objeto material, mas
que também tem uma história e que a fala tem sua inserção histórica.

Como dimensões do prático-inerte, a linguagem e a cultura claramente preexistem o


indivíduo falante.

48
FENOMENOLOGIA DE HUSSERL │ UNIDADE II

Ao infundir esse universo preexistente com a própria ação e criatividade intencional


do indivíduo, o sujeito sartriano alcança uma objetivação que, tão logo seja
alcançada, reintroduz o sujeito no fluxo material do propósito humano, da ação e da
intersubjetividade.

O sujeito habita a linguagem sem ser exaurido por ela. Se existe uma transcendência da
linguagem, não é a adoção da visão de “espectador imparcial” da linguagem rejeitada
por Bourdieu, mas o sujeito está existindo no “futuro” e futuro do mundo dos outros e
tarefas práticas (o horizonte da linguagem).

A tarefa discursiva de Sartre é manter um equilíbrio perigoso entre a dinâmica de


transcendência do sujeito e o mundo do ready-made que constitui a incorporação
histórica do indivíduo.A noção do inerto-prático significa uma unidade do sujeito e do
mundo do sujeito que nunca pode ser colapsado em uma totalidade inerte ou identidade.

As palavras são matéria. Elas carregam os projetos do Outro para mim e levam meus
projetos para o Outro.

A linguagem pode ser estudada na mesma linha do dinheiro: como uma materialidade
inerte circulante, que unifica a dispersão.

Não pode haver dúvida de que em certo sentido a linguagem é uma materialidade
inerte, mas essa materialidade é também uma totalização orgânica em constante
desenvolvimento é óbvio que cada palavra de uma pessoa deve depender, em seu
significado atual, de suas referências ao total. sistema de interioridade e que deve ser
objeto de uma compreensão incomunicável, mas esta incomunicabilidade – na medida
em que existe – só pode ter sentido em termos de uma comunicação mais fundamental,
isto é, quando baseada no reconhecimento mútuo e um projeto permanente para se
comunicar

Toda palavra é de fato única , externa a todos, vive fora, como uma instituição pública,
e a fala não consiste em inserir um vocabulário em um cérebro por um ouvido, mas em
usá-lo para dirigir a atenção dos interlocutores para este vocabulário como propriedade
exterior pública.

Falar é modificar cada vocábulo de todos os outros contra o fundo comum da palavra;
a linguagem contém toda palavra e toda palavra deve ser entendida em termos da
linguagem como um todo; contém toda a linguagem e a reafirma a linguagem como a
relação prática de um homem para outro é praxis, e a práxis é sempre linguagem

As línguas são o produto da História; como tal, eles têm toda a exterioridade e unidade
da separação.

49
UNIDADE II │ FENOMENOLOGIA DE HUSSERL

Quão distante é esta do Sartre da Transcendência do Ego e sua radicalização da


intencionalidade husserliana?

O que persiste é a relação dialética dos momentos inseparáveis de


​​ uma relação
indissolúvel.

O que mudou foi a introdução de um terceiro meio que agora incorpora a


oposição para-em-si-em-si.

Esse meio me coloca à disposição do outro no sentido da onipresença e prioridade


de uma comunidade intersubjetiva. É em virtude de nossa praxis intersubjetiva
que atualmente vivemos juntos nosso futuro e redimimos nosso passado.

Sartre alude a dois aspectos da linguagem que são de crescente interesse nas discussões
atuais da linguagem.

A linguagem falada, envolvendo a co-presença e interação dos falantes, define uma


propriedade que pode ser chamada de situacionismo a linguagem da proximidade tem
com a situação física e social imediata em que é produzida e recebida.

A natureza da linguagem conversacional e da consciência conversacional depende de


sua localização.

Além dessa dimensão de localização ou facticidade histórica, o discurso situtuado é


enquadrado por estruturas de intersubjetividade.

Nesse ponto, o pensamento de Sartre na Crítica se aproxima das reflexões de Husserl


e Merleau-Ponty sobre as estruturas abrangentes da intersubjetividade na experiência
do mundo.

Embora Husserl faça referência a formas de vida, trabalho e configurações culturais”


e suas “normas” correspondentes, suas análises são compostas de projetos em grande
parte inacabados.

Referi-me, em outro lugar, a esses e outros aspectos das concepções de Husserl sobre
a intersubjetividade e a relevância da experiência perceptual incorporada para a
compreensão da linguagem como subjetividade envoviada

O conceito do sujeito envoiced envolve duas dimensões.

A primeira é a estrutura geral do sujeito experienciado encarnado, designado por


Husserl como estruturas do mundo da vida.

50
FENOMENOLOGIA DE HUSSERL │ UNIDADE II

Em parte, essas estruturas envolvem aspectos dos processos cinéticos, a consciência do


horizonte e a comunalização da experiência.

A primeira refere-se ao fato de que até mesmo a consciência perceptiva é uma questão
de um “eu faço” corporificado e “eu me mexo” pertencente ao que Husserl chama de
corpo vivo.

A segunda refere-se ao fato de que toda percepção envolve a experiência de dois campos
perceptuais: um horizonte interno de percepções possíveis de um e do mesmo objeto e
um horizonte externo como uma coisa pertencente a um campo de coisas.

Finalmente, a comunalização da experiência refere-se ao fato de que mesmo a


experiência perceptiva direta” é uma questão de tomar parte na vida dos outros.

No âmbito do mundo da vida, a subjetividade envenenada é entendida como refletindo


essas estruturas e relacionadas.

Por exemplo, na Fenomenologia da Percepção, Merleau-Ponty concentrou-se na


dimensão expressiva do corpo e da fala.Sua noção de “expressividade emocional”
engloba ambos os aspectos e leva Merleau-Ponty a falar da função das palavras como
formas de não simplesmente representar o mundo, mas de “cantar” o mundo extraindo
a essência emocional das coisas. A linguagem falada aqui tem uma prioridade distinta.
Relacionada com tais afirmações está a possibilidade de que a fala contenha significados
que são diretamente percebidos, e não cognitivamente “inferidos”.

A Fenomenologia da Percepção também enfatiza a materialidade fonológica da


linguagem falada, uma dimensão da linguagem não discutida por Husserl. Merleau-
Ponty argumenta que há um nível de significado dado diretamente nos sons das palavras
e na interação entre as palavras de uma dada língua.

As palavras podem ter conteúdo representacional, mas também têm um significado


“imanente”, “gestual” e “afetivo” em virtude das maneiras irredutíveis pelas quais uma
única palavra está relacionada a todas as outras palavras da linguagem. Além do mais,
a experiência perceptiva e suas estruturas correspondentes (encarnação, contingência
e sua natureza aberta) também servem como base para fenômenos morais, culturais e
políticos.

Essas características, que também são aspectos da linguagem falada, fornecem a base
para uma generalização da percepção e do significado perceptivo para toda a gama de
práticas humanas.

51
UNIDADE II │ FENOMENOLOGIA DE HUSSERL

O conceito do sujeito afetado também pode incluir características não mencionadas por
Husserl ou Merleau-Ponty.

Tais características incidem sobre a relação da estrutura sintática das línguas naturais
com as estruturas mais profundas da linguagem e da cognição que refletem mais as
características do mundo da vida do que é possível no contexto, por exemplo, de uma
visão chomskiana da sintaxe.

Finalmente, o conceito do sujeito envovado também pode fornecer um estímulo para


examinar mais de perto como as dimensões do tempo vivido e do espaço vivido e os
horizontes de abertura do mundo da vida se incorporam na sintaxe gramatical e nas
expressões linguísticas mais amplamente interpretadas.

Totalmente à parte da questão de quais contribuições a obra posterior de Sartre pode


trazer para a compreensão posterior de tal “subjetividade envolvida”, as referências de
Sartre à linguagem fornecem uma visão útil de sua noção do “prático-inerte”.

O comentário de Peter Caws sobre a importância do trabalho posterior de Sartre para


a filosofia social apresenta a possibilidade de que a importância de Sartre aumentará
com as discussões atuais sobre “mentes institucionais”, cognição social, antropologia
cognitiva e a relação entre pensamento, linguagem e cultura.

Grande parte da discussão atual sobre essas questões decorre de um interesse renovado
em relatos hegelianos ou neo-hegelianos de mente e verdade como “comunais”, como
no recente trabalho de Michael Forster e Terry Pinkard.

Eles também estão refletidos no trabalho de Robert Brandom e sua preocupação com
estruturas discursivas institucionais e na sua interpretação neopragmática de John
Haugeland da obra de Heidegger, cujo Ser e Tempo é tratado não como um tratado
existencialista, mas como uma afirmação importante. de uma teoria institucional e
social da mente e da linguagem.

A preocupação com o trabalho do último Wittgenstein, especialmente nas


interpretações de Meredith Williams também contribui para esse interesse renovado
em entender a mente e a linguagem como social, pública e “material”.

52
FENOMENOLOGIA DE HUSSERL │ UNIDADE II

A recente Ontologia Histórica de Ian Hacking e seu endividamento com Foucault


é mais um exemplo de visão da mente como “pública” e “histórica”.

Finalmente, devemos notar o intenso interesse nessa questão demonstrado por


muitos nas ciências cognitivas que estão seguindo as teorias da mente como
“incorporadas” e culturalmente embutidas.

Foi Noam Chomsky quem escreveu que um objetivo central do estudo da


linguagem “é determinar o significado de uma palavra em uma linguagem
pública compartilhada’, uma noção que ainda precisa ser formulada em alguns
termos coerentes.

Talvez estejamos apenas começando a entender a importância do pensamento


de Sartre ao abordar essa questão.

Talvez o legado mais importante de Sartre a esse respeito seja o entendimento


de que a linguagem como pública só pode ser entendida dentro do contexto de
uma visão mais abrangente da ação humana, da história e da espontaneidade
do “para-si”.

Embora Sartre possa ter reinterpretado em termos marxistas a afirmação de Hegel de


que a verdadeira história é a história da liberdade, a concepção de práxis livre de Sartre
representa seu contínuo legado de filósofo da liberdade, dimensão frequentemente
negligenciada nas discussões de hoje como públicas e sociais acima.

Como afirma Sartre em linguagem emprestada de seu primeiro encontro com Heidegger:
“Possibilidade ... está no coração da ação particular, (é) a presença do futuro como
aquilo que está faltando e aquilo que, por sua própria ausência, revela a realidade

Embora seja considerado um filósofo do mundo social e material, Sartre permanece até
o final um metafísico do indivíduo também.

No final, Sartre afirma a prioridade do futuro e, ao fazê-lo, volta ao Heidegger of Being


e o tempo e para o Husserl, que identifica o horizonte da experiência do mundo como o
advento harmonioso (mas nunca total) do futuro.

Contra o pano de fundo de sua primeira invocação da “ideia básica” de Husserl e sua
extensa crítica de Husserl em Being and Nothingness , o pensamento de Sartre evolui
mais para um endosso involuntário de uma perspectiva husserliana do que Sartre
poderia ter imaginado.

53
UNIDADE II │ FENOMENOLOGIA DE HUSSERL

Entretanto, a concepção de práxis e prática inerte de Sartre também desafia a


perspectiva essencialmente orientada para a percepção de Husserl, com a possibilidade
de nos proporcionar uma compreensão mais detalhada da estrutura intencional dos
artefatos culturais do que os predecessores fenomenológicos de Sartre foram capazes
de alcançar.

A filosofia da liberdade implícita de Sartre projeta uma análise detalhada das estruturas
de liberdade embutida que apenas começamos a avaliar adequadamente.

54
FENOMENOLOGIA
DE MERLEAU-PONTY, UNIDADE III
KIERKGAARD E
HEIDEGGER

CAPÍTULO 1
Conceitos Gerais

Merleau-Ponty
Merleau-Ponty passou os anos imediatamente antes de sua morte em 1961, ampliando,
repensando e, em alguns casos, revisando ideias que estiveram no centro de seu trabalho
filosófico desde os anos 1930. Cedo e tarde, ele sempre tentou quebrar os dualismos
tradicionais, acima de tudo aqueles de sensibilidade e compreensão, atividade e
passividade, interior e exterior, mente e corpo.

A obra final inacabada de Merleau-Ponty, The Visible and the Invisible (publicada
em 1964), leva esse projeto de reconciliação a novas profundidades e, de fato, a novos
extremos, incluindo o passado e o presente, e o corpo e seu ambiente circundante. Em
uma famosa nota autocrítica de 1959, ele confessa: “Os problemas colocados no Ph.P.
[ Fenomenologia da Percepção ] são insolúveis porque eu começo por aí a partir da
distinção ‘consciência’ – ‘objeto’”.

Na última fase de seu pensamento, ele se esforça cada vez mais resolutamente para
libertar-se da visão recebida de intencionalidade como subjetividade em oposição e
externa a objetos radicalmente heterogêneos com ela, e como ocupando um presente
especioso de maneira distinta do passado e momentos futuros em uma temporalidade
linear. Corpo e mundo, como passado e presente, ele agora insiste, estão “entrelaçados”
de tal forma que distinções conceituais aparentemente claras entre eles estão fadadas
a distorcer e deturpar os fenômenos à medida que os vivemos e os entendemos de
maneira pré-conceitual, pré-reflexiva e pré-específica.

Apreender a ambiguidade essencial dos fenômenos, além disso, exige que


abandonemos as aspirações rigorosas da metafísica e da epistemologia tradicionais em
55
UNIDADE III │ FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY, KIERKGAARD E HEIDEGGER

favor do que Merleau-Ponty chama de “não filosofia” dos pensadores pós-hegelianos


como Marx, Kierkegaard e Nietzsche. As grandes aspirações dos filósofos sistemáticos
como Kant e Hegel, isto é, devem dar lugar a um novo tipo de investigação concreta,
descritiva, talvez meramente evocativa, situada essencialmente entre o empírico e o
transcendental, ou em termos heideggerianos, o ôntico o ontológico.

Tal concepção de filosofia e seu objeto corre um considerável risco de obscuridade,


para não dizer obscurantismo, e de fato as notas finais de Merleau-Ponty parecem
frequentemente trilhar uma linha tênue entre profundidade e vazio. Imagens
recorrentes do “quiasma” e do “entrelaçamento” do corpo e do mundo, e do passado
e presente, funcionam poderosamente como metáforas, mas também clamam por
alguma interpretação filosófica lúcida e desmistificadora.

Infelizmente, os quatro ensaios da coleção de Mauro Carbone, O Pensamento do


Sensível: A-Philosophy, de Merleau-Ponty, pouco fazem para dissipar o nevoeiro e
separar a luz da escuridão nos últimos trabalhos de Merleau-Ponty.

A primeira, “O tempo do semi-sono”, descreve o eventual abandono de Merleau-


Ponty da teoria da consciência do tempo de Husserl, uma versão que ele próprio havia
avançado em Fenomenologia da Percepção mais de uma década antes, em favor da ideia
de Proust, pode nos colocar em contato com um passado “atemporal” e “indestrutível”
que habita e se apega ao presente de maneira não linear.

O segundo ensaio, “Ad Limina Philosophiae” , pretende encontrar uma concepção


de “conhecimento absoluto” no relato de Merleau-Ponty do ponto na Introdução
à Fenomenologia do Espírito , pensa ele, Hegel expõe a virtuosa circularidade da
“filosofia” em dogmatismo e desprezo pelo entendimento comum.

A terceira, “Natureza”, combina a descrição de Jacob von Uexküll dos organismos que
constituem seus próprios ambientes, como uma melodia “cantando em si” (30), com a
noção de “voyance” de Merleau-Ponty , ou seja, visão ou insight de formas inteligíveis.
inspirado em parte pela “Lettre du voyant” de Rimbaud.

O quarto ensaio, “O Pensamento do Sensível”, é o mais curto e, em minha opinião, o


mais interessante. Aqui Carbone descreve a tentativa de Merleau-Ponty de reinterpretar
conceitos e conceituações de modo a superar a suposta distinção entre a passividade
dos sentidos e a espontaneidade do intelecto e, de fato, entre o próprio sujeito e as
formas inteligíveis apreendidas como supostamente distintas. e entidades discretas.
Carbone cita Mario Perniola, que observou que o latim conceptus e concipio tem a
«orientação semântica oposta» ao alemão Begriff e begreifen. Enquanto os últimos
conotam apreensão e manipulação, os primeiros sugerem concavidade e receptividade;

56
FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY, KIERKGAARD E HEIDEGGER │ UNIDADE III

pense em conceber uma criança, em vez de conceber um plano. Carbone sugere que a
explicação de Merleau-Ponty do lugar intermediário do pensamento entre atividade e
passividade é superior à noção de Gelassenheit de Heidegger, que a inspirou.

Essa sugestão, no entanto, baseia-se em dois argumentos extremamente rápidos e


insatisfatórios: primeiro, porque Heidegger fala sobre tentar alcançar Gelassenheit, ele
não consegue distinguir a atitude que tem em mente do voluntarismo, na verdade a
intencionalidade, ele crítica em figuras como Schopenhauer e Nietzsche; e segundo,
que a referência passageira de Heidegger a um “irrefreável de um lado para outro entre
sim e não indica que ele não conseguiu avaliar o que Merleau-Ponty chama “o sim
inicial, a indivisibilidade do sentimento” (44). Mas o que é isso exatamente?

E Heidegger realmente não apreciava ou estava apenas observando a extraordinária


dificuldade de apreciar tal coisa?

O livro começa e termina com referências a uma passagem em que Merleau-Ponty


expressa “seu sentido de uma profunda dissonância, uma transformação na relação
entre humanidade e Ser, quando ele sustenta um universo de pensamento clássico,
contrastando-o em bloco com o universo “explorações da pintura moderna”.

Carbone vê esse sentido de transformação em ação nos escritos posteriores de Merleau-


Ponty em geral, mas ele não diz nada muito definido sobre seu significado ou implicações
filosóficas. O que os ensaios de Carbone oferecem, em vez disso, é geralmente uma
paráfrase bastante obscura de algum material primário já bastante obscuro, que
Carbone cita liberalmente (e repetidamente).

Para escolher um exemplo aleatório, em seu relato da autoconstituição ou “instituição”


de significado na experiência e da maneira peculiar pela qual o passado penetra ou
infunde o presente na memória em uma espécie de “simultaneidade”, pergunta Carbone,

O que de fato indica a simultaneidade, se não o quiasma de presença e ausência esboçado


pela relação entre visível e invisível?

E como, então, surge a relação – sobre a qual a instituição se alimenta – entre a


presença sedimentada do elemento instituído e a latência de possibilidades do elemento
instituinte, exceto como a relação quiasmática entre visível e invisível?

Como de fato? Essas frases parecem estar girando, repetindo e reformulando o jargão
de Merleau-Ponty, em vez de avançar nossa compreensão dos textos ou das próprias
coisas.

57
UNIDADE III │ FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY, KIERKGAARD E HEIDEGGER

Há, além disso, vários pontos em O Pensamento do Sensível, acredito que Carbone
esteja sutilmente enganado sobre o que Merleau-Ponty quer dizer sobre a relação
complexa, ou inter-relação, entre reflexão e experiência pré-reflexiva, entre
pensamento e sensível. Simplificando, Carbone parece negar que, para Merleau-
Ponty, um é mais básico que o outro. Em vez disso, ele se refere ao “reflexo e reflexão
em sua co-originalidade e circularidade” e à “co-originalidade e reversibilidade da
consciência selvagem e consciência refletida” (pp.23-4, ênfase adicionada). Da mesma
forma, ele escreve, “a linguagem é co-originária do ser bruto”.

Os textos que Carbone cita em apoio a essas afirmações, parece-me, não chegam a
apoiá-los.Especificamente, embora Merleau-Ponty escreva extensamente sobre a
interconexão e a reciprocidade de pensamento e percepção, o refletido e o não refletido,
eu não acho que ele considera os dois como estritamente falando “co-original”.

Concedido, ele chega muito perto de dizer isso na passagem de O Visível e o Invisível
ao qual Carbone se refere após a primeira das três passagens citadas acima. Se, nas
“grandes filosofias da reflexão ... o círculo do irrefletido e da reflexão é deliberado”,
argumenta Merleau-Ponty, então não há mais filosofia de reflexão, pois não há mais o
originário e o derivado; há um pensamento viajando em um círculo na qual a condição
e o condicionado, a reflexão e o não refletido estão em uma relação recíproca, se não
simétrica, e o fim está no começo tanto quanto o começo está no fim.

Até aí tudo bem, para a leitura de Carbone, apesar de ser um equívoco, parece-me que
a frase “se não (simétrico) simétrico” é ambígua.

A relação é simétrica ou não?

Eu diria que não, pelo menos a redação admite que a reciprocidade não implica simetria;
pense na ação e reação “igual e oposta” da bola branca e da bola oito.

Mais significativo é o fato de que esta passagem é parte de um debate imaginado com
um defensor das “grandes filosofias da reflexão”, ou seja, os racionalistas continentais
e os idealistas alemães, e que Merleau-Ponty está tentando, em seu costumeiro
conciliatório, maneira de preservar o que ele acha que ainda é válido em sua noção da
abertura essencial, embora parcial, do mundo para o pensamento.

O que Merleau-Ponty não pretende admitir em tudo isso é a insistência do interlocutor


aquele começa com o irrefletido, porque é preciso começar, mas o universo do
pensamento aberto pela reflexão contém tudo o que é necessário para explicar o
pensamento mutilado do começo, que é apenas a escada que se levanta depois de você
mesmo tendo escalado isto.

58
FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY, KIERKGAARD E HEIDEGGER │ UNIDADE III

Esta não é a opinião de Merleau-Ponty.

A experiência perceptiva irrefletida não é, para ele, simplesmente “pensamento


mutilado” e, portanto, não apenas um ponto de partida arbitrário para a filosofia
ou o senso comum, uma base meramente heurística para se elevar ao círculo de um
senso auto-constituinte de alguma forma, deve-se tanto às realizações mais explícitas
e transparentes da reflexão quanto às nossas capacidades sensoriais e corporais mais
primitivas.

O pensamento transforma o sensível de várias maneiras, mas isso não torna o primeiro
equiprimordial com o segundo.

De fato, Merleau-Ponty conclui essa passagem insistindo que até mesmo a forma mais
básica de consciência reflexiva permanece parasitária no mundo que encontra de forma
pré-reflexiva, a qual sempre consegue superar e resistir: “O que é dado não é um mundo
massivo e opaco”. Ou um universo de pensamento adequado, é uma reflexão que recua
sobre a densidade do mundo para esclarecê-lo, mas que, em segundo lugar (depois do
golpe ), reflete de volta apenas a sua própria luz”.

Mais tarde, em uma veia semelhante, ele escreve, “se fizermos o pensamento aparecer
em uma infraestrutura de visão, isso é apenas em virtude da evidência incontestável
de que é preciso ver ou sentir de alguma forma para pensar, que todo pensamento
conhecido nós ocorre a uma carne”.

O pensamento, para Merleau-Ponty, está enraizado na “carne” ( cadeira ) comum aos


nossos corpos e ao mundo perceptível. Tanto quanto a percepção pode ser moldada e
colorida pelo pensamento, e tanto quanto os dois podem ser entrelaçados de formas
complexas, não é o caso que a “densidade” da carne está, por sua vez, enraizada na
transparência da reflexão.

A relação entre eles é certamente recíproca,


não simétrica
Similarmente, Carbone apoia sua afirmação de que “a linguagem é co-originária do
ser bruto”, citando a observação de Merleau-Ponty sobre o corpo humano de que “a
estrutura de seu mundo mudo é tal que todas as possibilidades de linguagem já são
dadas nele”.

Mas, novamente, dizer que a intencionalidade corporal torna o significado linguístico


possível não significa dizer que a própria linguagem já desempenha um papel
constitutivo na intencionalidade das atitudes e habilidades corporais.

59
UNIDADE III │ FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY, KIERKGAARD E HEIDEGGER

Kierkgaard

Soren Kierkegaard (1855) foi um filósofo dinamarquês do século 19 que muitos


consideram tanto o pai da escola de pensamento filosófico chamado existencialismo e
um dos grandes pensadores teológicos cristãos dos últimos duzentos anos.

A filosofia de Kierkegaard libertou-se das ideias de São Tomás de Aquino, que tentou
equilibrar a fé e a razão, insistindo em vez de que a fé e a razão eram completamente
independentes uma da outra.

A filosofia de Kierkegaard também foi uma reação direta a GWF Hegel, cujo idealismo
alemão dominou a maioria do pensamento filosófico europeu na época. Ao contrário da
vasta maioria dos filósofos, Kierkegaard não colocou a ênfase de sua filosofia na ideia
de obter verdades objetivas sobre a realidade, em vez disso, estava fazendo perguntas
subjetivas sobre o que os seres humanos valorizam e como devem viver suas vidas.

Kierkegaard juntamente com o filósofo ateu Friedrich Nietzsche, seria a principal


inspiração para muitos filósofos do século XX, como Edmund Husserl, Martin
Heidegger, Karl Jaspers, Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir.

A fim de explorar pontos de vista que não eram seus, Kierkegaard escreveu muitos de
seus trabalhos usando pseudônimos. Essa abordagem, semelhante ao método socrático
e ao que foi empregado por Platão em seus diálogos, permitiu que Kierkegaard se
comunicasse indiretamente com o leitor. Frequentemente não era o objetivo de
Kierkegaard convencer ou montar um argumento em particular, mas apresentar ideias
e pedir ao leitor que avaliasse o valor de tais ideias e que tipo de pessoa poderia se
beneficiar de tais ideias.

Enquanto Kierkegaard tinha valores definidos nos quais acreditava, ele não achava
que as verdades sobre o mundo fossem um meio muito eficaz para os valores divinos.
Embora Kierkegaard fosse cristão, ele não acreditava que o cristianismo era para todos
seguirem e criticava duramente muitos cristãos que ele não considerava seguidores
ideais da fé. Kierkegaard achava que certas escolhas de vida e modos de vida eram
inquestionavelmente superiores aos outros, mas ele também achava que isso equivalia
a uma escolha subjetiva ou a um “um ou outro” da parte do indivíduo baseado nos
próprios valores dos indivíduos. Enquanto Nietzsche nunca leu Kierkegaard, os dois
chegaram a conclusões surpreendentemente semelhantes, embora tivessem ideias
totalmente diferentes sobre o cristianismo e a ética.

60
FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY, KIERKGAARD E HEIDEGGER │ UNIDADE III

Assim como ideias de fé e valor, Kierkegaard também explorou as ideias de alienação


e ansiedade. Isso formaria a base para muito do que Heidegger e Sartre chamariam de
Angst e usariam como um conceito para explorar a ideia da liberdade humana.

Três esferas da existência

Muitos estudiosos quebraram os conceitos de Kierkegaard em três ideias sobre como


uma pessoa poderia levar sua vida. Em grande parte dos escritos de Kierkegaard, vemos
pseudônimos que defendem um desses três pontos de vista e segue um debate sobre os
méritos de cada um deles.

A primeira esfera é a esfera estética. Esta é uma maneira de viver a vida principalmente
preocupada com a aparência das coisas. Alguém que vive dentro da esfera estética está
principalmente preocupado com o prazer e é essencialmente hedonista. Kierkegaard
parece ver isso como uma reação moderna ao que os existencialistas chamam de “o
problema do niilismo”. Alguém na Esfera Estética simplesmente realiza as tarefas do
seu dia a dia sem nenhuma preocupação com os valores mais elevados de existência ou
interesse. em um poder ou propósito maior.

A segunda esfera é a Esfera Ética. Para Kierkegaard, é aí que um indivíduo começa


a assumir responsabilidade por si mesmo e ganha um ponto de vista consistente. A
esfera ética é o lugar que o conceito de “bem e mal” começa a se consolidar e a ideia de
responsabilidade pelo próximo.

A esfera final é a Esfera Religiosa, e esta é a que Kierkegaard detém na mais alta estima.
Kierkegaard considera que a esfera ética é uma parte importante do desenvolvimento
humano, mas ele sente que é por meio de um relacionamento pessoal com Deus que
os seres humanos alcançam seu propósito mais elevado. A esfera ética dá aos seres
humanos a ideia do “absoluto moral”, mas a razão humana por si só não parece ser
suficiente na visão de Kierkegaard.

Ele acredita que uma consciência da pecaminosidade humana e transcendência para


um poder superior.

Cavaleiro da fé

“O Cavaleiro da Fé” é talvez o conceito mais discutido na filosofia de Kierkegaard. É


melhor expressado em seu livro Fear and Trembling . Neste trabalho, escrito sob o
pseudônimo Johannes de Silentio, a história bíblica de Abraão e Isaac é examinada. O
ponto do autor, que é um não crente no cristianismo, é que sob qualquer número de

61
UNIDADE III │ FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY, KIERKGAARD E HEIDEGGER

padrões éticos normais, o assassinato de Abraão por Isaque para apaziguar a Deus seria
um ato monstruoso. Ele continua dizendo que, embora isso seja verdade, há também
algo admirável sobre as ações de Abraão e ele fica confuso com o porquê exatamente
isso.

O argumento de Kierkegaard é que, se quisermos ser verdadeiros crentes, devemos ver


a palavra de Deus como estando além do nosso conceito racional de ética. Recusar um
pedido de Deus, que supostamente representa o poder mais alto do universo, por razões
éticas é paradoxal. Vemos a ética como universal, mas neste caso, Abraão abandonou a
ideia da ética universal em favor de seu dever para com Deus e tornou-se um Cavaleiro
da Fé.

Este trabalho também coloca uma cunha entre os conceitos de fé e razão. Kierkegaard
parece pensar que se alguém precisa de prova ou razão para acreditar em Deus, então
isso é um paradoxo. Ser um verdadeiro cristão é proceder somente por meio da fé e isto
significa que enquanto alguém faz a escolha com fé, eles nunca estão livres da dúvida.
Ser cristão verdadeiro, na visão de Kierkegaard, é pesar constantemente as ideias
sobre a razão contra um relacionamento pessoal com Deus. Enquanto a ética pode ser
determinada pelo universal, Deus transcende as escolhas éticas e pessoais do indivíduo
não pode ser ditado por conceitos universais quando eles são aplicados em relação a um
poder superior.

Esta ideia de Kierkegaard parece ser uma ideia fundamentalmente radical e uma ideia
fundamentalmente prática, tudo ao mesmo tempo. Ele está instigando aos leitores a
se afastarem do “agnosticismo duro” que provavelmente levaria a uma vida na esfera
estética e encorajando-os a escolher entre dedicação a Deus ou a vida de um não crente
racional na esfera ética. Enquanto Kierkegaard acredita que a escolha de seguir a Deus
é a melhor, ele sabe que não tem uma prova real dessa afirmação.

O indivíduo mais faz a escolha sem nunca saber que ele escolheu o caminho certo.

Heidegger

Para Heidegger, existir é ser histórico. Isso não significa que alguém simplesmente se
encontre em um momento particular da história, concebido como uma série linear de
eventos. Pelo contrário, significa que a individualidade tem uma estrutura temporal
peculiar que é a origem dessa «história» que subsequentemente passa a ser narrada em
termos de uma série de eventos.

A temporalidade existencial não é uma sequência de instantes, mas sim uma estrutura
unificada na qual o “futuro” (isto é, a possibilidade apontada em meu projeto) relembra

62
FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY, KIERKGAARD E HEIDEGGER │ UNIDADE III

o “passado” (isto é, o que não precisa mais ser feito, o preenchimento ) para dar sentido
ao “presente” (isto é, as coisas que assumem significado à luz do que atualmente precisa
ser feito).

Agir, portanto, é, nos termos de Heidegger, “historizar” (geschehen), constituir algo


como uma unidade narrativa, com começo, meio e fim, que não ocorre tanto no tempo
quanto fornece a condição para a linearidade.

Existir “entre o nascimento e a morte”, então, não é meramente estar presente em cada
uma de uma série discreta de instantes temporais, mas para se constituir na unidade de
uma história, e a existência autêntica é aquela em que os projetos dão forma à existência
são aqueles com os quais me comprometo à luz dessa história.

Embora pertença e defina um “momento”, a escolha não pode ser simplesmente “do
momento”; para ser autêntico, preciso entender minha escolha à luz da potencial
integridade de minha existência

Que essa escolha tenha uma dimensão política decorre do fato de que a existência é
sempre estar-com-os-outros.

Embora a autenticidade surja com base no fato de eu estar alienado, em ansiedade,


das alegações feitas por normas pertencentes à vida cotidiana de Das Man , qualquer
compromisso concreto que eu faça no movimento para me recuperar, vai alistar essas
normas de duas maneiras.

A ideia aqui parece mais ou menos assim: optar por uma maneira de continuar é
afirmar as normas que pertencem a ela; e por causa da natureza da normatividade, não
é possível afirmar normas que seriam válidas apenas para mim.

Há um tipo de publicidade e escopo no normativo tal que, quando eu escolho, exemplifico


um padrão para os outros também.

Da mesma forma, Heidegger sustenta que a sociabilidade da minha historização


restringe o que pode ser um “destino” ou uma escolha genuína para mim. Atuar é
sempre com os outros – mais especificamente, com uma “comunidade” ou um “povo”
(Volk ) - e juntos essa “co-historização” responde a um destino que guiou nossos
destinos antecipadamente.

Nem tudo é realmente possível para nós, e uma escolha autêntica deve se esforçar para
responder à afirmação que a história faz sobre as pessoas a quem pertence, para agarrar
seu “destino”.

63
UNIDADE III │ FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY, KIERKGAARD E HEIDEGGER

Ao longo desse eixo comunitário, então, a historicidade existencial pode se abrir para a
questão da política: quem somos “nós” para ser?

Heidegger sugere que foi esse conceito de historicidade que subscreveu seu próprio
engajamento político concreto durante o período do nacional-socialismo na Alemanha.
Desgostoso com a situação política na Alemanha de Weimar e caracterizando-a como
especialmente irresoluta ou inautêntica, Heidegger considerou o movimento de Hitler
como uma maneira de lembrar o povo alemão de volta à sua possibilidade “mais própria”
– isto é, um modo de a Alemanha se constituir autenticamente como uma alternativa
aos modelos políticos da Rússia e dos Estados Unidos.

A escolha de Heidegger de intervir na política universitária nessa época era, portanto,


tanto uma escolha de si mesmo – na qual ele escolheu seu herói: “rei-filósofo” de Platão
como uma escolha para sua “geração”.

O engajamento de Heidegger pelo Nacional-Socialismo (não menos importante, se ele


tirou as consequências apropriadas de seu próprio conceito de autenticidade), mas
fornece um exemplo claro de um tipo de política existencial que depende da capacidade
de “contar o tempo” – os imperativos da situação histórica fática. Heidegger mais tarde
ficou muito desconfiado desse tipo de política existencial.

De fato, para a ideia de autenticidade como compromisso resoluto, ele substituiu a


ideia de um “ alívio ” (Gelassenheit) e para engajar a postura de “espera”. Ele passou
a acreditar que os problemas que enfrentamos (notavelmente, o domínio das formas
tecnológicas de pensamento) têm raízes que estão mais profundas do que podem ser
abordadas diretamente por meio da política. Assim, ele notoriamente negou que a
democracia fosse suficiente para lidar com a crise política representada pela tecnologia,
afirmando que “somente um deus pode nos salvar.

Mas mesmo aqui, de acordo com a noção existencial de historicidade, as recomendações


de Heidegger se voltam para uma leitura da história, do significado de nosso tempo.

64
CAPÍTULO 2
Fenomenologia e a concepção
estética de Merleau-Ponty e Heidegger

Merleau-Ponty e o primado da percepção


O Primazia da Percepção reúne vários estudos importantes de Maurice Merleau-Ponty
que apareceram em várias publicações de 1947 a 1961.

O ensaio do título, que é em essência uma apresentação da tese subjacente à sua


Fenomenologia da Percepção, é seguido por dois cursos ministrados por Merleau-
Ponty na Sorbonne sobre psicologia fenomenológica. “Olho e Mente” e os capítulos
finais apresentam aplicações das ideias de Merleau-Ponty aos domínios da arte, filosofia
da história e política. Juntos, os estudos deste volume fornecem uma introdução
sistemática aos principais temas da filosofia de Merleau-Ponty.

Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) foi um filósofo fenomenológico francês,


fortemente influenciado por Karl Marx, Edmund Husserl e Martin Heidegger, além
de estar intimamente associado a Jean-Paul Sartre (que mais tarde declarou ter sido
“convertido” ao marxismo Merleau-Ponty) e Simone de Beauvoir.

No centro da filosofia de Merleau-Ponty está um argumento sustentado para o papel


fundamental que a percepção desempenha na compreensão do mundo, bem como no
envolvimento com o mundo. Como os outros grandes fenomenólogos, Merleau-Ponty
expressou suas ideias filosóficas em escritos sobre arte, literatura, linguística e política.

Mais conhecido por seu trabalho original e influente sobre incorporação, percepção e
ontologia, ele também fez contribuições importantes para a filosofia da arte, história,
linguagem, natureza e política. Associado em seus primeiros anos com o movimento
existencialista por meio de sua amizade com Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir,
Merleau-Ponty desempenhou um papel central na disseminação da fenomenologia,
que procurou integrar com a psicologia da Gestalt, psicanálise, marxismo e Saussurian.
linguística. As principais influências em seu pensamento incluem Henri Bergson,
Edmund Husserl, Martin Heidegger, Max Scheler e Jean-Paul Sartre, assim como o
neurologista Kurt Goldstein, teóricos da Gestalt como Wolfgang Köhler e Kurt Koffka
e figuras literárias como Marcel Proust e Paul Claudel. e Paul Valéry. Por sua vez, ele
influenciou a geração pós-estruturalista dos pensadores franceses que o sucederam,
incluindo Michel Foucault, Gilles Deleuze e Jacques Derrida, cujas semelhanças e dívidas

65
UNIDADE III │ FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY, KIERKGAARD E HEIDEGGER

com o posterior Merleau-Ponty foram muitas vezes subestimadas.Merleau-Ponty


publicou dois grandes textos teóricos durante sua vida: A Estrutura do Comportamento
(1942) e Fenomenologia da Percepção (1945). Outras publicações importantes incluem
dois volumes de filosofia política, Humanismo e Terror (1947 HT) e Adventures of the
Dialectic (1955 AdD), bem como dois livros de ensaios coletados sobre arte, filosofia
e política: Sense and Non-Sense ([1948] 1996b/1964) e Signs (1960/1964). Dois
manuscritos inacabados apareceram postumamente: A Prosa do Mundo (1969/1973),
redigida em 1950-1951; e The Visible and the Invisible (1964 V & I), no qual ele estava
trabalhando no momento de sua morte. Notas de aula e transcrições de estudantes de
muitos de seus cursos na Sorbonne e no Collège de France também foram publicadas.

Durante a maior parte de sua carreira, Merleau-Ponty enfocou os problemas de


percepção e incorporação como ponto de partida para esclarecer a relação entre a
mente e o corpo, o mundo objetivo e o mundo experimentado, expressão em linguagem
e arte, história, política, e natureza. Embora a fenomenologia fornecesse o arcabouço
abrangente para essas investigações, Merleau-Ponty também se baseou na pesquisa
empírica em psicologia e etologia, antropologia, psicanálise, linguística e artes. Seus
constantes pontos de referência histórica são Descartes, Kant, Hegel e Marx.

A abordagem característica da obra teórica de Merleau-Ponty é seu esforço para


identificar uma alternativa ao intelectualismo ou idealismo, por um lado, e empirismo
ou realismo, por outro, criticando sua pressuposição comum de um mundo pronto e a
falta de consideração para o caráter histórico e corporificado da experiência.

Em seus últimos escritos, Merleau-Ponty também se torna cada vez mais crítico das
tendências intelectualistas do método fenomenológico, embora com a intenção de
reformá-lo em vez de abandoná-lo.

Os escritos póstumos coletados em The Visible e Invisible visam esclarecer as


implicações ontológicas de uma fenomenologia que se auto-criticamente explicaria
suas próprias limitações. Isso o leva a propor conceitos como “carne” e “quiasma”, que
muitos consideram suas contribuições filosóficas mais frutíferas.

O pensamento de Merleau-Ponty continuou a inspirar a pesquisa contemporânea


para além da história intelectual e dos estudos interpretativos, especialmente nas
áreas de filosofia feminista, filosofia da mente e ciência cognitiva, filosofia ambiental
e filosofia da natureza, filosofia política, filosofia da arte, filosofia da linguagem e
ontologia fenomenológica. Seu trabalho também tem sido amplamente influente em
pesquisadores fora da disciplina de filosofia propriamente dita, especialmente em
antropologia, arquitetura, artes, ciência cognitiva, teoria ambiental, estudos de cinema,
linguística, literatura e teoria política.

66
FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY, KIERKGAARD E HEIDEGGER │ UNIDADE III

Rever O Primazia da Percepção ... varia desde questões de epistemologia, metodologia


e psicologia fenomenológica até questões de arte, história e política.

Assim, a principal obra de Merleau-Ponty, na qual ele expõe sua concepção central da
natureza humana, intitula-se The Phenomenology of Perception, e é em grande parte
uma tentativa de delinear a maneira como nosso corpo e nosso meio estão presentes
para nós continuaremos nosso comércio com o mundo, antes de desenvolvermos
alguma teoria secundária (por exemplo, empirismo, neokantismo) sobre a maneira
como eles devem aparecer.

O interesse ao longo da vida de Merleau-Ponty pelo status filosófico da percepção já


está refletido em sua bem sucedida aplicação em 1933 de uma subvenção para estudar
a natureza da percepção, ele propõe sintetizar descobertas recentes em psicologia
experimental (especialmente psicologia Gestalt) e neurologia para desenvolver uma
alternativa para os intelectuais dominantes da percepção inspirada pela filosofia crítica
(kantiana).

Curiosamente, esta proposta inicial enfatiza o significado da percepção do próprio


corpo para distinguir entre o “universo da percepção” e suas reconstruções intelectuais,
e aponta para os “filósofos realistas da Inglaterra e da América” ​​(presumivelmente
William James e AN Whitehead, como apresentado no Vers le concret de 1932, de Jean
Wahl, por seus insights sobre a irredutibilidade das relações sensoriais e concretas com
as intelectuais.

Embora essa proposta inicial não faça menção à fenomenologia, o subsequente


relatório de 1934 de Merleau-Ponty sobre a pesquisa do ano, ressaltando as limitações
de abordar o estudo filosófico da percepção apenas por meio da pesquisa empírica,
enfatiza a promessa da fenomenologia husserliana de fornecer uma estrutura filosófica
distintiva para a investigação de psicologia.

Em particular, Merleau-Ponty menciona a distinção entre as atitudes natural e


transcendental e a intencionalidade da consciência como valiosas para “revisar as
próprias noções de consciência e sensação.

Ele também cita, com aprovação, a afirmação de Aron Gurwitsch de que as análises
de Husserl “conduzem ao limiar da Gestaltpsychologie”, a segunda área de foco neste
estudo inicial.

A Gestalt é “uma organização espontânea do campo sensorial”, na qual existem “apenas


organizações, mais ou menos estáveis, mais ou menos articuladas”

67
UNIDADE III │ FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY, KIERKGAARD E HEIDEGGER

O breve resumo da psicologia da Gestalt, de Merleau-Ponty, antecipando a pesquisa


apresentada em seus dois primeiros livros, enfatiza a estrutura de percepção da figura-
fundo, os fenômenos de profundidade e movimento e a percepção sincrética das
crianças.

No entanto, Merleau-Ponty conclui – novamente citando Gurwitsch – que a estrutura


epistemológica da psicologia da Gestalt permanece kantiana, exigindo que se olhe “em
uma direção muito diferente, para uma solução muito diferente” para o problema da
relação entre o mundo descrito naturalisticamente e o mundo como percebido.

O primeiro livro de Merleau-Ponty, The Structure of Behavior (SC), retoma o projeto


de sintetizar e retrabalhar os insights da teoria da Gestalt e da fenomenologia para
propor uma compreensão original da relação entre “consciência” e “natureza”.
Enquanto o idealismo neokantiano então dominante na França (por exemplo,
Léon Brunschvicg, Jules Lachelier) tratava a natureza como uma unidade objetiva
dependente da atividade sintética da consciência, o realismo das ciências naturais
e da psicologia empírica assumia que a natureza era composta de coisas externas e
eventos interagindo causalmente.

Merleau-Ponty argumenta que nenhuma abordagem é sustentável: a vida orgânica e


a consciência humana são emergentes de um mundo natural que não é redutível ao
seu significado para uma mente; contudo, esse mundo natural não é o nexo causal
de realidades objetivas preexistentes, uma vez que é fundamentalmente composto
de Gestalts aninhados, estruturas espontaneamente emergentes de organização em
múltiplos níveis e graus de integração.

Por um lado, a crítica idealista do naturalismo deveria ser estendida às suposições


naturalistas que enquadram a teoria da Gestalt.

Por outro lado, há uma verdade justificada no naturalismo que limita a universalização
idealista da consciência, e isso é descoberto quando as estruturas da Gestalt são
reconhecidas como ontologicamente básicas e as limitações da consciência são assim
expostas.

A noção de “comportamento”, tomada por Merleau-Ponty como paralela ao conceito


fenomenológico de “experiência” (em contraste explícito com a escola americana
de behaviorismo), é um ponto de partida privilegiado para a análise graças à sua
neutralidade em relação ao clássico distinções entre o “mental” e o “fisiológico”.

A Estrutura do Comportamento crítica primeiro os relatos reflexivos tradicionais


da relação entre estímulo e reação à luz das descobertas de Kurt Goldstein e outros

68
FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY, KIERKGAARD E HEIDEGGER │ UNIDADE III

fisiologistas contemporâneos, argumentando que o organismo não é passivo, mas


impõe suas próprias condições entre o estímulo dado e a resposta esperada de modo
que o comportamento permaneça inexplicável em termos puramente anatômicos ou
atomísticos.

Merleau-Ponty, em vez disso, descreve o sistema nervoso como um “campo de forças”


dividido de acordo com os “modos de distribuição preferencial”, um modelo inspirado
na física Gestalt de Wolfgang Köhler.

Tanto a fisiologia como o comportamento são “formas”, isto é, processos totais cujas
propriedades não são a soma daquelas que as partes isoladas possuiriam até aqui é
a forma na qual as propriedades de um sistema são modificadas por cada mudança
provocada em uma única de suas partes e, ao contrário, são conservadas quando todas
elas mudam, mantendo a mesma relação entre si.

Forma ou estrutura, portanto, descreve relações dialéticas, não lineares e dinâmicas


que podem funcionar de forma relativamente autônoma e são irredutíveis à causalidade
mecânica linear.

A crítica do atomismo fisiológico também se estende às teorias de comportamento


superior, como a teoria dos reflexos condicionados de Pavlov. Merleau-Ponty argumenta
que tais relatos se baseiam em hipóteses gratuitas sem justificativa experimental e não
podem efetivamente explicar a função cerebral ou o aprendizado.

No caso da função cerebral, o trabalho experimental em danos cerebrais demonstra


que as hipóteses de localização devem ser rejeitadas em favor de um processo global de
organização neural comparável às estruturas figura-fundo da organização perceptiva.

Da mesma forma, a aprendizagem não pode ser explicada em termos de tentativa e erro
de fixação de reações habituais, mas envolve uma aptidão geral em relação a estruturas
típicas de situações. Merleau-Ponty propõe uma classificação tripartite alternativa do
comportamento de acordo com o grau em que as estruturas para as quais ele é orientado
emergem tematicamente de seu conteúdo.

Comportamentos sincréticos, típicos de organismos mais simples como formigas ou


sapos, respondem a todos os estímulos como análogos de situações vitais para as quais
as respostas do organismo são instintivamente prescritas por suas “espécies a priori”,
sem possibilidade de aprendizado adaptativo ou improvisação.

Comportamentos amovíveis são orientados para sinais de complexidade variada


que não são uma função do equipamento instintivo do organismo e podem levar a
aprendizado genuíno. Aqui, o organismo, guiado por suas normas vitais, responde

69
UNIDADE III │ FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY, KIERKGAARD E HEIDEGGER

aos sinais como estruturas relacionais e não como propriedades objetivas das coisas.
Baseando-se no trabalho experimental de Köhler com chimpanzés, Merleau-Ponty
argumenta que mesmo os animais não humanos inteligentes carecem de uma
orientação para as coisas objetivas, que emergem apenas no nível do comportamento
simbólico.

Enquanto o comportamento amovável permanece ligado às estruturas funcionais


imediatas, o comportamento simbólico (aqui limitado aos humanos) está aberto a
relações virtuais, expressivas e recursivas através das estruturas, possibilitando a
orientação humana em direção à objetividade, verdade, criatividade e liberdade das
normas biologicamente determinadas.

De maneira mais geral, Merleau-Ponty propõe que matéria, vida e mente são níveis
cada vez mais integrativos da estrutura da Gestalt, ontologicamente contínuos, mas
estruturalmente descontínuos, e distinguidos pelas propriedades características
emergentes em cada nível integrativo de complexidade. Um formulário é definido
aqui como um campo de forças caracterizado por uma lei que não tem significado
fora dos limites da estrutura dinâmica considerada e que, por outro lado, atribui suas
propriedades a cada ponto interno de tal forma que nunca serão propriedades absolutas,
propriedades desse ponto.

Merleau-Ponty argumenta que esse entendimento se estende a todas as leis físicas, que
“expressam uma estrutura e têm significado apenas dentro dessa estrutura”; as leis da
física sempre se referem a “um dado sensível ou histórico” e, finalmente, à história do
universo.

No nível da vida, a forma é caracterizada por uma relação dialética entre o organismo e
seu ambiente que é uma função das normas vitais do organismo, suas condições ótimas
de atividade e sua maneira apropriada de realizar o equilíbrio, que expressam seu estilo
ou atitude geral em relação ao mundo.

As coisas vivas não são orientadas para um mundo objetivo, mas para um ambiente
que é organizado de forma significativa em termos de seu estilo individual e específico
e objetivos vitais.

A mente, o nível simbólico de forma que Merleau-Ponty identifica com o humano, é


organizada não em direção a objetivos vitais, mas pelas estruturas características do
mundo humano: ferramentas, linguagem, cultura e assim por diante. Estes não são
originalmente encontrados como coisas ou ideias, mas como “intenções significativas”
incorporadas no mundo.

70
FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY, KIERKGAARD E HEIDEGGER │ UNIDADE III

A mente ou a consciência não pode ser definida formalmente em termos de


autoconhecimento ou representação, mas está essencialmente engajada nas estruturas
e ações do mundo humano e abrange todas as diversas orientações intencionais da vida
humana.

Enquanto a mente integra dentro de si as estruturas subordinadas da matéria e da


vida, vai além destas na sua orientação temática para as estruturas como tais, que
é a condição para atividades simbolicamente caracteristicamente humanas como
linguagem e expressão, a criação de novas estruturas além daquelas estabelecidas por
necessidades vitais, e o poder de escolher e variar pontos de vista (que tornam a verdade
e a objetividade possíveis).

Em suma, a mente como uma estrutura de segunda ordem ou recursiva é orientada para
o virtual em vez de simplesmente para o real. Idealmente, a estrutura subordinada da
vida seria totalmente absorvida pela ordem mais elevada da mente em um ser humano
totalmente integrado; o biológico seria transcendido pelo “espiritual”. Mas a integração
nunca é perfeita ou completa, e a mente nunca pode ser destacada de suas amarras em
uma situação concreta e incorporada.

Merleau-Ponty enfatiza em toda a Estrutura do Comportamento que a forma,


embora ontologicamente fundamental, não pode ser explicada nos termos do realismo
tradicional; como a forma é fundamentalmente perceptiva, uma “significação imanente”,
ela mantém uma relação essencial com a consciência.

Mas a “consciência perceptiva” em jogo aqui não é a consciência transcendental da


filosofia crítica.

O último capítulo de The Structure of Behavior esclarece essa compreensão revisada


da consciência em diálogo com o problema clássico da relação entre a alma e o corpo,
a fim de explicar as verdades relativas da filosofia transcendental e do naturalismo.
A questão diz respeito a como reconciliar a perspectiva da consciência como “meio
universal” (isto é, consciência transcendental) com a consciência como “enraizada
na dialética subordinada”, isto é, como uma Gestalt emergindo de Gestalts de ordem
inferior (isto é, consciência perceptiva).

Na atitude natural de nossas vidas pré-reflexivas, estamos comprometidos com a visão


de que nossa experiência perceptiva das coisas é sempre situada e perspectivista (isto
é, que os objetos físicos são apresentados por meio de “perfis”, Abschattungen de
Husserl), mas também que experimentar as coisas “em si”, como elas realmente estão
no mundo independente da mente.

71
UNIDADE III │ FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY, KIERKGAARD E HEIDEGGER

O caráter perspectivo de nossa abertura ao mundo não é uma limitação de nosso acesso,
mas sim a própria condição de revelação do mundo em sua inesgotabilidade.

No nível dessa fé pré-reflexiva no mundo, não há dilema da separação da alma do corpo;


a alma permanece coextensiva com a natureza.

Essa unidade pré-reflexiva acaba por se fragmentar sob nossa consciência de doença,
ilusão e anatomia, que nos ensinam a separar a natureza, o corpo e o pensamento em
ordens distintas de eventos partes extra partes . Isso culmina em um naturalismo
que não pode explicar a situação originária da percepção que ela desloca, mas na qual
ela tacitamente confia; a percepção requer uma análise “interna”, abrindo o caminho
para o tratamento do idealismo transcendental de sujeito e objeto como “correlativos
inseparáveis”

Mas o idealismo transcendental na tradição crítica subsequentemente vai longe demais:


ao tomar a consciência como “meio do universo, pressuposto por toda afirmação do
mundo”, ela obscurece o caráter original da relação perceptiva e culmina na “dialética
do sujeito epistemológico” e o objeto científico.

Merleau-Ponty visa integrar a verdade do naturalismo e do pensamento


transcendental, reinterpretando ambos por meio do conceito de estrutura, que
explica a unidade da alma e do corpo, bem como a sua relativa distinção.

Contra a concepção da consciência transcendental como um espectador puro


correlacionado com o mundo, Merleau-Ponty insiste que a mente é uma realização
de integração estrutural que permanece essencialmente condicionada pela matéria e
pela vida em que está incorporada; a verdade do naturalismo reside no fato de que tal
integração é essencialmente frágil e incompleta.

Como “a integração nunca é absoluta e sempre falha”, o dualismo, mente e corpo não é um
fato simples; ela é fundada em princípio – toda integração pressupõe o funcionamento
normal das formações subordinadas, que sempre exigem o devido.

A Estrutura do Comportamento conclui com um apelo para uma investigação mais


aprofundada da “consciência perceptiva”, uma tarefa assumida por sua sequência,
Fenomenologia da Percepção .

Nas páginas finais da Estrutura, Merleau-Ponty oferece um esboço preliminar de


abordagens fenomenologicamente inspiradas para o “problema da percepção” que
preparou o terreno para seu trabalho subsequente, enfatizando a diferença entre o que
é dado diretamente como um aspecto do indivíduo, experiência vivida e significados

72
FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY, KIERKGAARD E HEIDEGGER │ UNIDADE III

intersubjetivos que são encontrados apenas virtualmente; e a distinção do próprio


corpo, que nunca é experimentado diretamente como uma coisa objetiva entre muitos.

Heidegger e a psicoterapia
Martin Heidegger (1889-1976) foi um filósofo alemão conhecido por suas explorações
existenciais e fenomenológicas da “ questão do Ser ” ou ontologia. Heidegger encontrou
resolução em face da ansiedade, culpa e morte.

No entanto, Heidegger é uma figura controversa, essencialmente por suas ligações com
o nazismo. Heidegger é conhecido por sua filosofia pós-kantiana. Heidegger criticou a
tradição da filosofia ocidental, que ele considerava como niilista.

A “antropologia filosófica” e um poderoso movimento continental em filosofia e


psicologia influenciaram muito a prática da psiquiatria na Europa.

Martin Heidegger trouxe essa abordagem para uma posição de destaque e ampla
atenção e eu descrevo seus pontos de vista pertinentes à psicoterapia moderna sobre a
vida humana e o fundamento epistemológico da psiquiatria e psicoterapia.

Os dados da vida na psicoterapia existencial são:

1. Inevitabilidade da morte esta é uma das certezas da vida. O ego não


aceita o conceito de morte, só quer prazer no momento. O ego pode fazer
truques e tentar alterar a realidade. Os clientes precisam distinguir entre
ansiedade normal (que é boa para nós) e ansiedade neurótica (que é
desproporcional).

Woody Allan disse uma vez que não se importava com a ideia da morte,
ele simplesmente não queria estar por perto quando isso acontecesse.

2. Isolamento / Estamos todos sozinhos a crença é “Que você nasceu


sozinho e morreu sozinho”. Essas questões podem ser disfarçadas em
problemas de dependência. Indivíduos viciados em drogas e álcool
podem ser vistos tentando estabelecer uma conexão. Ao fazer com que
os clientes ampliem seu nível de autoconsciência, isso automaticamente
leva ao crescimento pessoal. Os terapeutas ajudam os clientes oferecendo
um espaço de escuta.

Certas pessoas podem sofrer de isolamento mais do que outras. Pessoas


bonitas podem levar vidas que nada parece dar certo. Nós vemos isso

73
UNIDADE III │ FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY, KIERKGAARD E HEIDEGGER

todos os dias em belas estrelas de palco e tela. Pessoas extremamente


dotadas também podem ser mais suscetíveis ao isolamento, pois têm um
canal do inconsciente para o consciente e podem sofrer de isolamento.

3. Liberdade / responsabilidade quanto mais liberdade você tem,


mais responsabilidade você tem. Por que as estrelas do rock lotam os
quartos de hotel? Muita liberdade pode levar à ansiedade. Todos nós
precisamos de estrutura? Elvis Presley teve muita liberdade, mas lutou
com uma vida de excesso.

Os clientes têm a liberdade de criar seu próprio destino e são responsáveis ​​


por esse destino que eles criam. Quando os clientes percebem esse
princípio, eles têm o poder de mudar a condição que atualmente os aflige
e deixam de ser vítimas.

4. Busca por significado o trabalho do terapeuta é ajudar os clientes


a perceberem que precisam encontrar significado e propósito na vida,
vivendo e enfrentando desafios em suas vidas. (A diferença com a
psicoterapia transpessoal é que na terapia existencial o significado é
dado. No transpessoal, o significado já está presente). Às vezes, algo
aparentemente adverso acontece em um estágio da vida, mas com
uma percepção tardia de que a adversidade pode ser vista sob uma luz
diferente.

Como é a psicoterapia existencial?


A arte da psicoterapia existencial é entender o conceito de não saber. A linguagem é
conversacional. Os psicoterapeutas existenciais são bem educados em filosofia. A
terapia existencial começa com a premissa de que, embora os seres humanos estejam
essencialmente sozinhos no mundo, eles desejam estar conectados a outros. Ansiedade
vem da percepção de que nossa validação deve vir de dentro e não de outros. Há
uma enorme ênfase na relação entre cliente e terapeuta. Enquanto o aqui e agora é
importante para o analista em termos do passado, para os existencialistas o aqui e
agora é mais sobre o futuro.

As técnicas da psicoterapia existencial podem incluir métodos freudianos, junguianos,


gestaltistas, cognitivos, comportamentais ou outros. No entanto, a técnica fundamental
compartilhada por todos os terapeutas existenciais é a fenomenologia . A fenomenologia
é definida como sendo a doutrina filosófica que defende que a base da psicologia ou
psicoterapia é o estudo científico da experiência imediata.

74
FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY, KIERKGAARD E HEIDEGGER │ UNIDADE III

Os psicoterapeutas existenciais falarão sobre a grande cura que ocorre se o cliente


trouxer verrugas e todas as questões para as sessões. Mas, ao contrário da Análise
Transacional, não há conceito de cura.

Primeiros pensadores

Clínicos europeus como Otto Rank , Karl Jaspers , Medard Boss e Ludwig Binswanger
foram os primeiros a aplicar princípios existenciais à prática da psicoterapia na segunda
metade do século XX. Estes foram seguidos com destaque por Frankl (Viena), RD Laing,
May e Yalom .

É uma falácia ver terapeutas existenciais como sem Deus.

Os principais pensadores da filosofia existencial (além, é claro, de pensadores antigos


como Platão e Aristóteles) são:

Søren Kierkegaard era um teólogo dinamarquês e nasceu em Copenhague em 1813.


Ele tinha uma profunda preocupação com a conformidade. A problemática central de
Kierkegaard era como se tornar um cristão na cristandade . Para Kierkegaard não há
verdade, apenas verdade relativa.

Friedrich Nietzsche (1844-1900) foi um filósofo alemão, poeta, compositor, crítico


cultural e filólogo clássico. O questionamento radical de Nietzsche sobre o valor e a
objetividade da verdade tem sido o foco de muito debate, especialmente na tradição
continental. Era importante dizer a verdade absoluta independentemente disso. Não
havia problema moral em dormir com muitas pessoas ao mesmo tempo. Foi crucial
viver apaixonadamente. Nietzsche condenou o cristianismo institucionalizado por
enfatizar uma moralidade de piedade, que assume uma doença inerente à sociedade.

Martin Burber (1878-1965) foi um filósofo judeu nascido na Áustria e era mais
conhecido por sua filosofia de diálogo. Filosofia do diálogo é uma forma de
existencialismo centrado na distinção entre a relação Eu-Tu e a relação Eu-É. Entre
as primeiras influências filosóficas de Buber estavam o Prolegômena de Kant, que ele
leu aos 14 anos, e o Zaratustra de Nietzsche .

Paul Tillich (1886-1965) foi um filósofo e teólogo existencialista cristão germano-


americano e é amplamente considerado como um dos teólogos mais influentes do século
XX. Uma citação da Tillich Language… criou a palavra “solidão” para expressar a dor
de estar sozinho. E criou a palavra “solidão” para expressar a glória de estar sozinho.
Como sobre outro? A coragem de ser é a coragem de aceitar a si mesmo, apesar de ser
inaceitável.

75
UNIDADE III │ FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY, KIERKGAARD E HEIDEGGER

Gabriel Marcel (1889-1973) foi um filósofo francês, além de ser um importante


existencialista cristão. Ele também foi autor de várias peças. Seu principal interesse
filosófico consistia em enfocar a luta do indivíduo moderno em uma sociedade
tecnologicamente desumana. Ele também falou sobre a importância da esperança e
da fidelidade e abertura com os outros. Para Marcel, a esperança é a garantia final da
fidelidade; é aquilo que permite não nos desesperarmos, aquilo que nos dá a força para
continuar a criar-se em disponibilidade para o outro.

Jean-Paul Sartre (1905-1980) foi uma das figuras-chave na filosofia do existencialismo


e foi um filósofo existencialista francês, além de ser um dramaturgo e biógrafo. Sartre
não estava em Deus, mas defendia a prática da confissão. A ideia principal de Sartre é
que as pessoas, como seres humanos, estão “condenadas a serem livres”.

Maurice Merleau-Ponty (1908 - 1961) foi um filósofo fenomenológico francês,


fortemente influenciado por Karl Marx, Edmund Husserl e Martin Heidegger. Ele
também foi influenciado por Sartre (que mais tarde afirmou ter sido “convertido”
ao marxismo por Merleau-Ponty). No centro de sua filosofia está um argumento
sustentado para o papel fundamental que a percepção desempenha na compreensão
do mundo, bem como no envolvimento com o mundo.

Albert Camus (1913-1960) foi um escritor, jornalista e filósofo francês Pied-Noir.


Camus não estava satisfeito com a referência contínua a si mesmo como um “filósofo
do absurdo”. Camus teve menos entusiasmo no Absurdo pouco depois de publicar Le
Mythe de Sisyphe (O Mito de Sísifo). Para distinguir suas ideias, os estudiosos às vezes
se referiram ao Paradoxo do Absurdo.

76
CAPÍTULO 3
A ontologia nas “Cartas sobre o
Humanismo” de Heidegger e a quebra
do paradigma metafísico

Realizar significa desdobrar algo na plenitude de sua essência, para conduzi-lo a esta
plenitude – producere. Portanto, só o que já é realmente pode ser realizado. Mas o que
‹é› acima de tudo é o Ser.

Pensar realiza a relação do Ser com o essência do homem. Não faz nem causa a relação.
Pensar traz essa relação para Ser unicamente como algo entregue a ele do Ser. Tal oferta
consiste no fato de que, ao pensar Ser vem à linguagem: a linguagem é a casa do ser.

Em seu lar habita o homem. Aqueles que pensam e aqueles que criam com palavras
são os guardiões deste lar. Sua tutela realiza o manifestação do Ser na medida em que
trazem a manifestação à linguagem e a mantêm na linguagem por meio do seu discurso.

O pensamento não se torna ação apenas porque alguns efeitos surgem dele ou porque
é aplicado.

O pensamento age na medida em que pensa. Tal ação é presumivelmente a mais simples
e ao mesmo tempo, o mais alto, porque diz respeito à relação do Ser com o homem. Mas
todos trabalhando o Ser e é dirigido para os seres.

Para aprender a experimentar a essência do pensamento acima mencionada puramente,


e que significa, ao mesmo tempo, realizá-lo, devemos nos libertar da interpretação
técnica de pensar.

O início dessa interpretação remonta a Platão e Aristóteles. Eles pegam pensando-se


ser um processo de reflexão a serviço de fazer e fazer.

A caracterização do pensamento como theoria e a determinação de saber como


comportamento “teórico” já ocorre dentro da interpretação “técnica” do pensamento.

Tal caracterização é uma tentativa reativa de resgatar o pensamento e preservar sua


autonomia em relação ao agindo e fazendo.

Desde então, a “filosofia” tem estado na constante situação de ter que justificar sua
existência antes das ‘ciências’. Acredita que pode fazer isso de forma mais eficaz,

77
UNIDADE III │ FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY, KIERKGAARD E HEIDEGGER

elevando-se ao classificação de uma ciência. Mas tal esforço é o abandono da essência


do pensamento.

Filosofia é perseguido pelo medo de perder prestígio e validade se não for uma ciência.
Não ser uma ciência é tomada como uma falha que é equivalente a ser não científica.
Sendo, como elemento de pensamento, é abandonado pela interpretação técnica do
pensamento. “Logic”, começando com os sofistas e Platão, sanciona essa explicação.
Pensar é julgado por um padrão que não se adapta a ele.

Tal julgamento pode ser comparado ao procedimento de tentar avaliar a natureza e os


poderes de um pensar vendo quanto tempo pode viver em terra seca. Por muito tempo
agora, por muito tempo, o pensamento tem sido encalhado em terra seca.

Pode então o esforço de devolver o pensamento ao seu elemento ser chamado de


“irracionalismo”?

Certamente, as questões levantadas em sua carta teriam sido melhor respondidas em


conversas diretas.

Na forma escrita, o pensamento perde facilmente sua flexibilidade. Mas, por escrito, é
difícil acima de tudo manter o multidimensionalidade do reino peculiar ao pensamento.

O rigor do pensamento, em contraste com o de as ciências não consistem meramente


em uma exatidão artificial, teórica e teórica dos conceitos.

Encontra-se no fato de que falar permanece puramente no elemento do Ser e deixa a


simplicidade de seu regra de dimensões múltiplas. Por outro lado, a composição escrita
exerce uma pressão sadia em direção a formulação linguística deliberada. Hoje, gostaria
de lidar com apenas um dos seus questões. Talvez, sua discussão também lance alguma
luz sobre os outros.

Quando o pensamento chega ao fim, escapando do seu elemento, ele substitui essa
perda, adquirindo uma validade para si como techne , 10 como um instrumento de
educação e, portanto, como um assunto de sala de aula e depois uma preocupação
cultural. Por e pela filosofia torna-se uma técnica para explicar do mais alto causas. Já
não se pensa: ocupa-se com a «filosofia».

Em competição com um outras, tais ocupações se oferecem publicamente como “-ismo”


e tentam oferecer mais do que as outras.

O domínio de tais termos não é acidental. Repousa acima de tudo na idade moderna
sobre o ditadura peculiar do domínio público. No entanto, a chamada “existência

78
FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY, KIERKGAARD E HEIDEGGER │ UNIDADE III

privada” não é realmente essencial, isto é, o ser humano livre. Ele simplesmente insiste
em negar o domínio público.

Continua sendo um atirar que depende do público e se nutre de uma mera retirada dele.

Por isso, testemunha, contra a sua própria vontade, a sua subserviência ao domínio
público. Mas porque decorre do domínio da subjetividade o reino público em si é o
estabelecimento metafisicamente condicionado e autorização da abertura dos seres
individuais em sua objetificação incondicional.

Língua assim, cai no serviço de gastar a comunicação ao longo das rotas que a
objetificação acessibilidade uniforme de tudo para todos – ramifica e desconsidera
todos os limites.

Nesse caminho linguagem vem sob a ditadura do domínio público, que decide de
antemão o que é inteligível e o que deve ser rejeitado como ininteligível.

O que é dito em Ser e Tempo seções sobre o “eles” de modo algum fornecer uma
contribuição incidental para a sociologia. Tão pouco o ‹eles› significa apenas o oposto,
entendido de um modo ético-existencial, da individualidade de pessoas. Antes, o que
é dito contém uma referência, pensada em termos da questão do verdade do Ser, à
pertença primordial da palavra ao Ser.

Esta relação permanece cancelada sob o domínio da subjetividade que se apresenta


como o domínio público. Mas se a verdade de Ser tornou-se instigante para pensar,
então a reflexão sobre a essência da linguagem deve também alcança um rank diferente.
Não pode mais ser uma mera filosofia da linguagem. Essa é a única razão contém uma
referência à dimensão essencial da linguagem e toca na simples pergunta sobre o
modo de ser linguagem como língua em qualquer caso dado. O amplamente e A rápida
disseminação da devastação da linguagem não só enfraquece a responsabilidade estética
e moral todo uso de linguagem; surge de uma ameaça à essência da humanidade.

Um uso meramente cultivado de a linguagem ainda não é uma prova de que ainda
escapamos do perigo para a nossa essência.

Nos dias de hoje, de fato, tal uso pode mais cedo testemunhar que nós ainda não vimos
e não podemos ver o perigo porque nunca nos colocamos em vista disso.

Muito lamentavelmente a queda da linguagem não é, no entanto, o motivo, mas já é


uma consequência de, o estado de coisas em que a linguagem sob o domínio da moderna
metafísica da subjetividade quase irremediavelmente cai fora de seu elemento.

79
UNIDADE III │ FENOMENOLOGIA DE MERLEAU-PONTY, KIERKGAARD E HEIDEGGER

Mas na reivindicação sobre o homem, na tentativa de tornar o homem pronto para esta
afirmação, não há implica uma preocupação com o homem?

Onde mais “cuidado” tendem, mas na direção de trazer o homem de volta à sua essência?
O que mais isso, por sua vez, significa, mas aquele homem (homo) humano (humanus)?

Assim, humanitas realmente permanece a preocupação de tal pensamento.

Para isso é humanismo: meditando e cuidar desse homem ser humano e não desumano,
“desumano”, isto é, fora de sua essência.

Mas em o que a humanidade do homem consiste?

Está em sua essência.

Nós ainda não pensamos de maneira decisiva sobre a essência da ação. Conhece ação
apenas como a realização de um efeito, cuja eficácia é avaliada de acordo com a sua
utilidade.

No entanto, a essência da ação é aperfeiçoar algo.

Aperfeiçoamento significa a plenitude de sua essência, e ao fazê-lo, produza-o . Portanto,


na verdade apenas aquilo que já é.

No entanto, aquilo que acima de tudo “é”. Pensar aperfeiçoa a relação de estar com a
essência do homem.

Supervisionar para eles é aperfeiçoar a evidência do ser na medida em que eles trazem
isto em suas declarações e o salvam em linguagem.

Pensar não nessa maneira apenas se transformar em ação no sentido de que um efeito
emite a partir dele ou que é aplicado algo.

Pensar age no que pensa.

Esta ação é presumivelmente a mais simples e ao mesmo tempo, o mais alto, porque diz
respeito à relação de ser para o homem.

80
Para (Não) Finalizar

Ideias relativas a uma Fenomenologia Pura e


a uma Filosofia Fenomenológica : O Noema
Perceptivo
No ano de 1913, Husserl publicou uma edição revisada de Investigações Lógicas e as
Ideias Relacionadas a uma Fenomenologia Pura e a uma Filosofia Fenomenológica
(doravante, Ideias ).

Entre a primeira publicação das Investigações e as obras de 1913, a principal transição


no pensamento de Husserl é uma mudança de ênfase do projeto primário de lançar
as bases de uma lógica a priori pura para o projeto primário de desenvolvimento de
uma fenomenologia sistemática de consciência com o teoria da intencionalidade em
seu núcleo.

Nas Ideias, Husserl propõe a descrição sistemática e a análise da consciência de primeira


pessoa, concentrando-se na intencionalidade dessa consciência, como o primeiro passo
fundamental tanto na teoria da própria consciência quanto, por extensão, também em
todas as outras áreas da filosofia.

Com as sugestões da ideia já presente na primeira edição das Investigações Lógicas ,


em 1913, Husserl passou a ver a consciência de primeira pessoa como epistemológica e
logicamente anterior a outras formas de conhecimento e investigação.

Enquanto Descartes tomou sua própria consciência para ser epistemicamente básica e
então imediatamente tentou inferir, baseado em seu conhecimento dessa consciência,
a existência de um Deus, um mundo externo e outros conhecimentos, Husserl toma
consciência consciente em primeira pessoa como epistemicamente básica, e então
propõe o estudo sistemático dessa consciência como uma tarefa filosófica fundamental.
Para estabelecer as bases para este projeto, Husserl propõe uma metodologia conhecida
como redução fenomelogica.

A redução fenomenológica envolve a realização do que Husserl chama de epoché,


que é realizado por “bracketing”, colocando em suspenso, ou “neutralizando” a tese
existencial da “atitude natural”.

81
PARA (NÃO) FINALIZAR

A ideia por trás disso é que a maioria das pessoas na maioria das vezes não focaliza
sua atenção na estrutura de sua própria experiência, mas sim olha para além dessa
experiência e concentra sua atenção e interesses em objetos e eventos no mundo, o que
eles consideram ser sem problemas reais ou existentes.

Essa suposição sobre a existência não problemática dos objetos da experiência é a “tese
existencial” da atitude natural.

O propósito da epoché não é duvidar ou rejeitar esta tese, mas simplesmente colocá-la de
lado ou colocá-la fora de jogo para que o sujeito envolvido na investigação fenomenológica
possa reorientar o foco de sua atenção para suas experiências enquanto experiências e
da mesma forma que elas são experientes. Isso equivale a uma reorientação do foco
intencional do sujeito da natural para a atitude fenomenológica.

Um sujeito que realizou a epoché e adotou a atitude fenomenológica está em posição


de descrever objetivamente as características de sua experiência à medida que ela as
vivencia, os fenômenos.

Questões da real existência de objetos particulares da experiência e até mesmo do


próprio mundo ou universo são assim postas de lado a fim de abrir caminho para o
estudo sistemático da experiência consciente em primeira pessoa.

Distinta da redução fenomenológica, mas importante para o projeto da Fenomenologia


de Husserl como um todo, é o que às vezes é chamado de “redução eidética” .

A redução eidética envolve não apenas descrever as características idiossincráticas de


como as coisas aparecem para uma, como pode ocorrer na psicologia introspectiva,
mas enfocando as características essenciais das aparências e suas relações estruturais e
correlações entre si. Husserl chama insights sobre características essenciais de tipos de
coisas “intuições eidéticas”.

Tais intuições eidéticas, ou intuições na essência, são o resultado de um processo que


Husserl chama de variação “eidética” ou “livre” na imaginação.

Envolve enfocando um tipo de objeto, como um triângulo, e variando sistematicamente


as características desse objeto, refletindo a cada passo se o objeto sendo refletido
permanece, apesar de seu (s) recurso (s) alterado (s), uma instância do tipo sob
consideração.

Cada vez que o objeto sobrevive à alteração de característica imaginativa, esse recurso
é revelado como não essencial, enquanto cada recurso cuja remoção faz com que o

82
PARA (NÃO) FINALIZAR

objeto pare de instanciar intuitivamente o tipo (como a adição de um quarto lado a um


triângulo) é revelado como necessário, característica desse tipo.

Husserl sustentou que esse procedimento pode revelar, de forma incremental, elementos
da essência de um tipo de coisa, sendo o caso ideal aquele em que ocorre a intuição de
toda a essência de um tipo.

A redução eidética complementa a redução fenomenológica na medida em que se dirige


especificamente à tarefa de analisar características essenciais da experiência consciente
e da intencionalidade. As considerações que levaram ao pressuposto inicial da distinção
entre ato intencional, objeto intencional e conteúdo intencional seriam, segundo
Husserl, exemplos desse método em ação e de alguns de seus resultados no domínio
do mental.

Enquanto o objetivo da redução fenomenológica é revelar e tematizar a consciência de


primeira pessoa de modo que ela possa ser descrita e analisada, o objetivo da redução
eidética é focar as investigações fenomenológicas mais precisamente nas características
essenciais ou invariantes da experiência intencional consciente.

Há muito debate sobre o significado exato, especialmente metafísico e epistemológico,


da mudança de foco de Husserl e introdução da metodologia da redução fenomenológica
nas Ideias . Importante aqui é que as noções de intencionalidade e conteúdo intencional
permanecem centrais para o projeto de Husserl e muitas das descrições e resultados
das Investigações permanecem relevantes para as Ideias.

No entanto, Husserl modifica e expande seus pontos de vista sobre a intencionalidade,


bem como os tipos de análise que realiza.

Enquanto nas Investigações Husserl estava interessado em intencionalidade


especificamente em relação ao projeto de lançar as bases para a lógica pura, nas Ideias
ele está interessado em dar uma explicação sistemática das maneiras pelas quais a
intencionalidade estrutura, “constitui” e assim torna possível todos os tipos de cognição,
incluindo a consciência de si mesmo, tempo, objetos físicos, objetos matemáticos, um
mundo social intersubjetivo e muitas outras coisas além disso. As seções que se seguem
concentram-se nas ideias centrais sobre intencionalidade e conteúdo intencional das
Ideias, deixando muitas dessas outras áreas fora de consideração.

Terminologia e Ontologia

Uma mudança entre Investigações e Ideias é que Husserl começou a usar o termo
‹noesis’ para se referir a atos intencionais ou “qualidade de ato” e “noema” (plural

83
PARA (NÃO) FINALIZAR

“noemata”) para se referir ao que, nas Investigações, foi referido. como “ato de
matéria”.

Husserl não muda simplesmente sua terminologia. Essa mudança na terminologia


coincide com uma aparente mudança na compreensão metafísica da relação entre o
noema como um significado ideal e as atividades mentais particulares de sujeitos reais,
e também com um interesse muito mais intenso em analisar os diferentes elementos do
noema, bem como como entender suas relações, tanto temporais quanto semânticas,
com outros noematas.

Metafisicamente, a principal mudança é que Husserl parece abandonar o modelo de


significados como espécies ideais que são instanciadas nos assuntos de determinados
assuntos em favor de uma relação correlativa mais direta entre a noesis (atos
intencionais) e os noemata (seus objetos).

Em Ideas , são os próprios noemata que são objetos do pensamento intencional, que
são apreensíveis e repetíveis e que, de acordo com Husserl, não são partes dos atos
intencionais de sujeitos conscientes.

É um ponto de contestação interpretativa e filosófica se o noema, como Husserl o


entendeu, é melhor visto como uma espécie de sentido abstrato fregeano que medeia
entre os atos noéticos subjetivos de pensadores individuais e os referentes objetivos
de seus pensamentos ou se o noema é melhor visto como o objeto do pensamento
intencional em si mesmo como visto de uma perspectiva particular.

Embora a diferença entre essas duas interpretações possa parecer bastante pequena,
elas são realmente muito diferentes em termos de seus compromissos metafísicos e em
termos das questões particulares de significado, referência e epistemologia que elas são
capazes de resolver ou de serem desafiadas.

Para uma introdução geral e visão geral, veja a introdução de (SMITH; SMITH, 1995) e
para uma discussão mais detalhada de algumas das principais diferenças.

Nenhuma tentativa será feita para resolver essa disputa interpretativa aqui, embora
seja interessante notar que a questão do status metafísico da noesis, do noema e do
objeto intencional (se é que isso deve ser visto como uma entidade distinta na ontologia
de Husserl). É em parte complicado pelo procedimento metodológico de Husserl de
colocar em questão questões de existência.

84
PARA (NÃO) FINALIZAR

Características estruturais do Noema


Nas Ideias, Husserl identifica três características centrais do noema, concentrando-se
especialmente no caso da percepção. Husserl primeiro distingue entre um componente
de sentido ou conteúdo descritivo, por um lado (representando o modo de apresentação
ou descrição sob o qual o objeto é intencionado), e um componente principal que
representa ou apresenta a própria identidade do objeto pretendido, uma espécie de
puro “X”, como Husserl chama, subjacente aos vários conteúdos ou noemata que estão
correlacionados com um único objeto de pensamento.

O que Husserl está focando aqui é a ideia de que estar consciente de um objeto não
é apenas estar consciente de algo sob uma descrição ou maneira de visualizá-lo, mas
também ser consciente do objeto como uma identidade própria, aquele que é dado
simultaneamente por meio de perspectivas ou experiências discretas e nemáticas, mas
também é mais do que qualquer uma dessas experiências apresenta como sendo.

Quando Husserl diz que há um “núcleo” noematico ou “X” subjacente no noema, o que
ele quer dizer é que quando pensamos em um objeto, sempre pensamos nele como
uma entidade com sua própria identidade, bem como um objeto, aparece para nós ou
é pensado por nós. Relacionado a este ponto, Husserl sustenta que a intenção de um
objeto por meio de um certo noema em um momento envolve não apenas intencionar o
objeto como é experimentado atualmente, mas também contém um terceiro elemento
que consiste em apontar referências a um “horizonte” de possíveis determinações do
objeto, para além de noemata ou modos de ser dirigido para um e o mesmo objeto que
são motivados ou consistentes com a maneira pela qual a intenção atual apresenta esse
objeto.

A estrutura do noema é, portanto, bastante complexa, consistindo de um núcleo


noático, algum conteúdo descritivo ou de apresentação, e um horizonte contendo
referências apontando para outras formas possíveis (noemata) de experimentar um
mesmo objeto idêntico.

Considere a experiência perceptiva de um celeiro vermelho em um campo no sudeste


do Wisconsin.

O conteúdo intencional ou noema dessa experiência fornecerá uma percepção


imediata de um lado ou perfil do celeiro, talvez destinado a ser um celeiro, ou talvez
apenas destinado a ser uma estrutura de algum tipo. Este será o sentido descritivo
ou o conteúdo da intenção.

85
PARA (NÃO) FINALIZAR

Entretanto, nessa mesma percepção, o celeiro não é experimentado como meramente


uma faceta ou um trecho bidimensional de cor no espaço. Pelo contrário, é experimentado
como um objeto tridimensional que possui outros lados, partes e propriedades, e capaz
de ser explorado, investigado e determinado, em suma, destinado a cada uma dessas
outras características.

O celeiro, como objeto de percepção, transcende a informação que pode ser dada em
relação a ele, a intenção dele que pode ser feita por qualquer noema dado, e esse fato
é uma característica que já é pretendida no primeiro pensamento de um sujeito sobre
o celeiro.

É isso que significa o termo “horizonte” ou “horizonte semântico”.

A partir da primeira experiência, o sujeito já tem uma noção de como proceder para
determinar, para além de pretender e experimentar o objeto do pensamento, neste
caso, o celeiro.

Talvez a experiência atual seja da parte da frente do celeiro como sendo vermelha;então,
essa mesma experiência inclui como parte de seu “horizonte nemático” a intenção
de que o celeiro também deva ter um lado posterior de algum tipo, e que esse lado
do celeiro, junto com sua cor (talvez também seja vermelho, ou talvez cinza, mas de
qualquer forma deve ter alguma cor) pode ser experimentado se o assunto anda por aí
e olha.

Em cada nova experiência do celeiro, em cada determinação adicional dele em


pensamento, é um e o mesmo celeiro que é ele mesmo dado, uma e a mesma identidade
definida ou objeto “X” que subjaz a todas as apresentações particulares do mesmo
objeto, e que os une em uma “síntese de identidade” para fornecer uma série contínua
e, idealmente, ininterrupta de outras determinações do mesmo objeto, de outras
experiências intencionais nas quais mais é “preenchido” ou determinado sobre a
maneira como o objeto na verdade é.

Aqui, o “ponto de unidade” é o núcleo subjacente da identidade do objeto pretendido


“X”, o “objeto no como de suas determinações é o conteúdo ou sentido descritivo,
e os “indeterminados” constituem o horizonte do conteúdo atual. Assim, é possível
distinguir, fenomenologicamente falando, entre a maneira pela qual o objeto é
pretendido por meio de um noema ou sentido particular, e o objeto aparentemente
idêntico e transcendente que é pretendido, e que é o determinante final da exatidão
ou imprecisão, verdade ou falsidade das intenções que são dirigidas para ele.
Embora essa distinção entre o conteúdo descritivo e o idêntico X em um noema seja
fenomenologicamente real, isso não significa que essas sejam partes “realmente

86
PARA (NÃO) FINALIZAR

separáveis” do conteúdo de tal forma que seria possível experimentá-lo na ausência


de o outro.

De fato, Husserl nega explicitamente essa possibilidade.

Sistemas de Noemata e Explicação


Essa concepção do noema, dividida em um sentido descritivo e o X puro ou identidade
do objeto pretendido pelo sentido, leva Husserl à visão de que, fenomenologicamente
falando, é possível visualizar um objeto (o X subjacente) como determinante um
sistema de possíveis sentidos (noemata) ou intenções dele, cada um dos quais é tanto
(a) sobre aquele mesmo objeto e (b) capaz de ser conscientemente reconhecido como
sobre o mesmo X determinável como os outros quando eles são experimentados em um
sequência.

Assim, no exemplo do celeiro já discutido, um sujeito pode começar examinando-o pela


frente e focalizando sua cor.

Este seria o primeiro noema que pretendia o próprio objeto X, o celeiro perceptivamente
antes de um, como vermelho.

O sujeito poderia então continuar a ter mais intenções perceptivas do celeiro andando
em volta dele.

Cada vez que o sujeito muda sua perspectiva ou reconceitualiza o objeto de seu
pensamento, ela nutre um novo conteúdo ou noema, uma nova maneira possível em que
o celeiro pode ser experimentado como sendo. Se o celeiro é, na verdade, o modo como
ela conceitua e experimenta, então esse pensamento, essa possibilidade é preenchida
por sua experiência contínua.

A cada passo o sujeito integra sua experiência atual com a anterior, identificando o X
no centro da experiência atual com o X no centro das anteriores, e é ao mesmo tempo
direcionado para novas formas possíveis de preenchê-lo. Experiência do celeiro no
horizonte do noema (por exemplo, andando um pouco mais ou entrando); Husserl
refere-se a este processo como uma “síntese de identidade”.

Durante o curso desta “explicação” do horizonte do noema, é sempre possível que


alguma experiência futura revele aqueles que vieram antes de ter sido de algum modo
fundamental incorretos.

87
PARA (NÃO) FINALIZAR

Por exemplo, se o sujeito ao caminhar para o lado de trás do celeiro descobre que
realmente não é um celeiro, mas apenas uma fachada inteligentemente posicionada, o
sistema original de experiências intencionais que ela teve em relação a ele será frustrado
e um novo sistema de intenções começará.

No entanto, a ideia de que um único objeto numericamente idêntico possa ser


concebido, fenomenologicamente falando, como o correlato de sistemas de conteúdo
ou noemata todos experienciáveis ​​como dirigidos para um mesmo objeto X origina,
para Husserl, a ideia de um objeto como, fenomenologicamente falando, o correlato
de um conjunto completo de tais experiências.

Como Husserl coloca, usando “doação perfeita” para sugerir a experiência idealmente
possível de ter passado por todas as possíveis intenções corretas em relação a um dado
objeto:

Este contínuo é determinado mais precisamente como infinito em todos os lados,


consistindo de aparições em todas as suas fases do mesmo X determinável ordenado em
suas concatenações e assim determinadas com respeito aos conteúdos essenciais que
qualquer de suas linhas produz, em seu curso contínuo, uma concatenação harmoniosa
(a qual deve ser designada como uma unidade de aparências móveis) na qual o X, dado
sempre como um e o mesmo, é mais precisamente e nunca “de outra forma” determinado
de forma contínua e harmoniosa.

Aqui, então, temos o que equivale a uma análise do objeto de uma intenção considerada
de uma perspectiva fenomenológica. Ser um objeto, fenomenologicamente falando,
é ser o correlato de um sistema completo e maximamente consistente de sentidos
não matemáticos, todos sintetizáveis como direcionados para um mesmo substrato
subjacente ou objeto X.

Essa ideia é originada pelas três características cruciais. da estrutura do conteúdo


intencional definido que foi discutido aqui: o sentido descritivo, o conteúdo central “X”
e o horizonte de possíveis experiências futuras de um mesmo objeto

David W. Smith e Ronald McIntyre desenvolveram mais detalhadamente a explicação


de Husserl do horizonte de um noema e propõem uma distinção entre os tipos possíveis
de outras determinações do objeto de um dado pensamento que são pré-delineados no
horizonte de um dado noema.

É possível distinguir entre possíveis determinações que são motivadas pelo noema
atual ou conteúdo intencional, possíveis determinações que são consistentes, mas não

88
PARA (NÃO) FINALIZAR

motivadas pelo noema atual, e possíveis determinações que não são motivadas por
nenhum nem consistente com o noema atual.

Se um sujeito está pretendendo que um determinado objeto seja percebido de um


lado específico como um celeiro, então outras determinações motivadas no horizonte
incluirão outras experiências desse mesmo objeto como um celeiro: caminhar ao redor
dele revelará mais lados semelhantes a celeiros, indo para dentro revelará que é ou foi
usado para certos propósitos, examinando mais de perto o material do qual as paredes
são feitas revelará que elas não são papier-maché, e assim por diante. Agora, ainda
haverá possibilidades motivadas divergentes.

Por exemplo, os celeiros podem ser feitos de madeira, ou alumínio, ou alguma


combinação destes com pedra ou de alguns outros materiais completamente, e eles
também podem ter muitas cores diferentes, desenhos e layouts interiores particulares.
No entanto, o que faz com que cada uma dessas possibilidades seja motivada é o fato
de que é consistente com o objetivo pretendido ser exatamente o tipo de coisa que é
atualmente pretendido.

Em contraste, uma possível determinação que é consistente com a percepção atual de


um celeiro como um celeiro é que o sujeito anda por trás e descobre que o celeiro é
realmente apenas uma fachada de celeiro de madeira erguida para estimular o turismo
na área.

Esta possível experiência adicional não é totalmente inconsistente com uma experiência
atual de algo como um celeiro, embora também não seja uma possibilidade motivada
relativa a tal experiência. Finalmente, uma experiência que não é motivada nem
consistente com a intenção de um objeto como um celeiro seria a descoberta de que o
objeto atual é apenas uma imagem de vídeo complicada, ou que é algum tipo de nova
e até então desconhecida forma de vida que apenas acontece exatamente como um
celeiro quando está descansando.

Uma descoberta como esta, indiscutivelmente, nem sequer está presente no horizonte
do noema original para começar. Husserl referiu-se a experiências em que a identidade
previamente pretendida de um objeto experimentado é inteiramente cancelada por
alguma experiência atual como casos em que o objeto pretendia “explodir”, e que não
está claro se o sujeito estava realmente pensando sobre o objeto antes mesmo dela se
ela estivesse conseguindo se referir a ele em algum sentido mínimo do termo.

O entendimento de Husserl sobre o noema nas Ideias mantém as características


explicativas (em termos de teoria da linguagem e sua capacidade de resolver quebra-
cabeças sobre referência significativa às declarações de identidade informativas

89
PARA (NÃO) FINALIZAR

inexistentes, e assim por diante) da conta Investigações Lógicas, incorporando ao


mesmo tempo uma análise mais sutil da estrutura do próprio conteúdo intencional
e uma compreensão mais holística de como o conteúdo intencional (noema) que um
sujeito está pensando em um determinado momento está interligado com outras
características da experiência real e possível do sujeito (os sistemas de noemata).

90
Referências

ADDISON, Joseph. Grande Enciclopédia Universal. Edição de 1980 - ed. Amazonas,


1712, pg 47

ANDRADE, C.; HOLANDA, A. (2010). Apontamentos sobre pesquisa qualitativa e


pesquisa empírico-fenomenológica. Estudos de Psicologia (Campinas), 27(2), pp.259-
268.

BRANCO, P. C. C. Diálogo entre análise de conteúdo e método fenomenológico empírico:


Percursos históricos e metodológicos. Revista da Abordagem Gestáltica, 20(2), pp.189-
197.

BRANDOM, R. B. Making It Explicit. Reasoning, Representing, and Discursive


Commitment. Cambridge, Ma., nd London: Harvard University Press.

CAMPBELL, K. Abstract Particulars. Oxford: Blackwell.

Castro, T. G. Percepção e autoconsciência: Modelos experimentais de naturalização


da fenomenologia (Tese de doutorado). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.

Castro, T. G.; Gomes W. B. (2011). Movimento fenomenológico: Controvérsias e


perspectivas na pesquisa psicológica. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 27(2), pp. 233-240.
Feijoo, A. M. (2011). A existência para além do sujeito. Rio de Janeiro: Viaveritá. Feijoo,
A. M., Mattar, C. (2014). A fenomenologia como método de investigação nas filosofias
da existência e na psicologia. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 30(4), pp.441-447.

CAMERON, ROSS P. Não há coisas que são obras musicais. The British Journal of
Aesthetics, 48 (3): pp. 295–314.

COLLINGWOOD, Robin George. Esboços de uma filosofia da arte, Londres: Oxford


University Press, H. Milford.

COX, Renée. “As obras musicais foram descobertas?”, Journal of Aesthetics and Art
Criticism, 43 (4): pp.367-74.

CROCE, BENEDETTO. L’Estetica vem scienza dell’espressione e linguistica generale:


Teoria e storia , Bari: G. Laterza e figli; Colin Lyas (trad.), A Estética como a Ciência da
Expressão e da Linguística em Geral , Cambridge: Cambridge University Press, 1992.

91
REFERÊNCIAS

DALY, CH., 1994, “Tropes”. Proceedings of the Aristotelian Society. New Series,
94, pp. 253-261

DENKEL, A., 2000, “The Refutation of Substrata”. Philosophy and Phenomenological


Research. LXI, pp. 431-439.

FREGE, G., 1884/1953, The Foundations of Arithmetic [Die Grundalgen der Arithmetik,
1884]. Transl. J. L. Austin, 2nd edition. Oxford: Blackwell.

FREGE, G., 1967, “The Thought”, in P. Strawson (editor), Philosophical Logic. Oxford:
Oxford University Press, pp. 17-38.

GIORGI, A. (2006). Difficulties encountered in the application of the phenomenological


method in the social sciences. Análise Psicológica, 3(24), pp.353-361

Harrison, Nigel, 1975, “Tipos, símbolos e a identidade da obra musical”, British Journal
of Aesthetics , 15 (4): pp.336-346.

HARTMANN, Eduard Von 1 Ästhetik. Philosophie des Schönen , 2ªed., 2 vols., Leipzig:
Wilhelm Friedrich.

HARTMANN, NICOLAI. Proclamações do Sexto Congresso Internacional de


Filosofia, Edgar Sheffield Brightman (ed.), Nova York: Longmans, Green, and
Co, 428 -,” Über die Stellung der ästhetischen Werte im Reich der Werte überhaupt “.
pp.436

HEIDEGGER. Discurso sobre o Pensamento, JM Anderson e EH Freund, trans. (New


York: Harper e Row, 1966), pp.75.

HOFFMAN, J.;ROSENKRANTZ, G.S. Substance Among Other Categories. Cambridge:


Cambridge University Press.

HUSSERL, E. El artículo de la Encyclopaedia Britanica (Luis Gonzales, Trad.). Mexico:


UNAM. (Original publicado em 1907) .

HUSSERL, E. Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica
(Vol. III - La fenomenologia y los fundamentos de las ciências; L. Gonzales, Trad.).
Mexico : UNAM. (Original publicado em 1952)

HUSSERL, E. (2001). Psychologie phénoménologique (P. Cabestan, N. Depraz e A.


Mazzu, Trad.). Paris: Vrin. ( Original publicado em 1925).

92
REFERÊNCIAS

HUSSERL, E. (2006). Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia
fenomenológica (Vols. 1 e 2; M. Suzuki, Trad.). São Paulo: Ideias e Letras. (Original
publicado em 1913).

HUSSERL, E. (2007a). Investigações lógicas (Vols. 1-2; P. Alves e C. Marujão, Trad.).


Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa. (Trabalho original publicado em
1901)

HUSSERL, E. (2007b). La filosofía como ciencia estricta (E. Taberning, Trad.). La Plata:
Terramar Ediciones. (Trabalho original publicado em 1910).

HUSSERL, E. (2012). A Crise das ciências europeias e a fenomenologia transcendental.


Uma introdução à filosofia fenomenológica (Diogo Falcão, Trad.). Rio de Janeiro:
Editora Forense Universitária. (Original publicado em 1954).

INGARDEN, Roman. Obras de arte literárias: Eine Untersuchung aus dem


Grenzgebiet der Ontologie, Logik und Literaturwissenschaft , Halle: Max Niemeyer;
George G. Grobowicz (trad.), A Obra Literária de Arte , Evanston, IL: Northwestern
University Press, 1973.

KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo. Tradução de Valério Rohden e António


Marques. Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária, 1993.

Loux, M. J. Metaphysics. A Contemporary Introduction. London and New York:


Routledge.

LOWE, E. J., 1998, The Possibility of Metaphysics. Substance, Identity, and Time.
Oxford: Clarendon Press

MORMANN, Th.”Trope Sheaves. A Topological Ontology of Tropes”. Logic and Logical


Philosophy 3, pp. 129-150.

O’Leary-Hawthorne, J., and Cover, J. A., 1998, “A World of Universals”. Philosophical


Studies 91, pp. 205-219

PUNTEL, L. B. The ‘Identity Theory of Truth’: Semanctic and Ontological Aspects.


In: Rationality, Realism, Revision. Editado por J. Nida-Rümelin. Berlin New York: de
Gruyter, pp. 351-358.

PUNTEL, L. B. “Truth, Sentential Non-Compositionality, and Ontology”, Synthese 126,


pp. 221-259.

QUINE, W. V. O. Word and Object. Crambridge, Mass.: The M.I.T. Press

93
REFERÊNCIAS

QUINE, W. V. O.Theories and Things. Cambridge, Mass.: Harvard University Press

QUINE, W. V. O. Events and Reification. In E. LePore e B. P. McLaughlin (eds.), Actions


and Events. Perspectives on the Philosophy of Donald Davidson. Oxford: Blackwell,
pp. 162-171.

SARTRE. Jean Paul. O existencialismo é um humanismo. A imaginação: Questão


de método. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. Tradução de Rita
Correira Guedes, Luiz Roberto Salinas Forte, Bento Prado Júnior. 3. Ed. São Paulo:
Nova Cultural, 1987.

SARTRE, Jean-Paul. As Palavras. Tradução de J. Guinsburg. 2.ed. Rio de Janeiro:


Nova Fronteira, 2005. ISBN 85-209-1072-6

SIBLEY, C.G. & B.L. MONROE. Distribution and taxonomy of birds of the
world. New Halen, Yale University Press, 1990, 976p

Simons, P. Particulars in Particular Clothing: Three Trope Theories of Substance”.


Philosophy and Phenomenological Research LIV, pp. 553-575

STRAWSON, P. F.Subject and Predicate in Logic and Grammar. London:


Methuen

VON HARTMANN, E. Philosophie de L’inconscient. (Vol. 1). Paris: Elibron


Classics. (Trabalho original publicado em 1869), 2006

WILLIAMS, D. C. On The Elements of Being. Review of Metaphysics 7, pp. 13-18,


171-92.

WOLFF, C. Artigos de apoio Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2019.
[consult. 2019-04-15 20:59:36], 1754. Disponível na Internet: https://www.infopedia.
pt/apoio/artigos/$christian-wolff Acessado em: 15.4.2019

94

Você também pode gostar