Ana Maria Da Silva - Resumo - Texto 21 e 22 - Versão 4

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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ

UNIVERSIDADE DE FORTALEZA
Vice-Reitoria de Ensino de Graduação e Pós-Graduação – VRE
Centro de Ciências da Saúde
Programa de Pós-graduação em Psicologia – PPGP
Mestranda: Ana Maria da Silva
Professora: Prof.ª Dra. Leônia Teixeira

ATIVIDADE DE AVALIAÇÃO DA DISCIPLINA: GÊNESE E EPISTEMOLOGIA

FORTALEZA – CEARÁ
2023
NECROPOLÍTICA E A CONSTRUÇÃO DE SUBJETIVIDADES
TEXTO 21: A (IN)ESPERADA PANDEMIA E SUAS
IMPLICAÇÕES PARA O MUNDO DO TRABALHO

Neste artigo, vamos analisar o texto escrito por Kelen Cristina Leite, que discute a
influência da pandemia da COVID-19 nas dinâmicas do trabalho, enfocando a precarização
resultante de políticas neoliberais.
Inicialmente, a autora fala sobre a pandemia da COVID-19 e como sua vinda abrupta
forçou tanto a população quanto o Estado a adotar medidas para conter a proliferação do vírus
e a reelaborar as lógicas de trabalho, de forma a tanto conservar a saúde das pessoas quanto
suprir as demandas sociais e econômicas que permeiam o trabalho.
Focando no contexto brasileiro e mencionando também o americano, devido ao
predomínio da lógica neoliberal em ambos os Estados, seja de forma discreta ou deliberada,
este artigo explora como essa abordagem tem afetado a forma como os governantes utilizam
seus discursos e ações baseados nesse modelo de gestão (Harvey, 2020). Portanto, a autora não
se propõe a analisar a origem do fenômeno do neoliberalismo nem seu contexto histórico, mas
sim como essa postura política tem influenciado a compreensão da sociedade, tanto
individualmente quanto coletivamente, por parte dos indivíduos envolvidos.
Autores como Arantes (2020), afirma que durante os estágios iniciais da pandemia,
muitos países europeus e asiáticos adotaram a intervenção do Estado como uma medida
emergencial para lidar com a crise, enquanto a abordagem nos Estados Unidos e no Brasil foi
diferente. Nos Estados Unidos, a falta de serviços públicos de saúde afetou a população,
incapaz de receber atendimento adequado. O Brasil, que possui um sistema de saúde pública
distinto, enfrentou desafios inesperados na proteção da população durante a pandemia.
O governo federal também não se esforçou para ajudar as empresas de menor porte a
atravessar essa situação difícil, deixando a economia e a população em risco durante a
pandemia. Isso resultou no agravamento das desigualdades sociais e evidenciou as
vulnerabilidades da nossa sociedade atual.
Dessa forma, as discussões teóricas sobre o neoliberalismo voltaram a ser destacadas,
uma vez que suas ideias e práticas começaram a ser confrontadas com suas próprias
contradições. As crenças em uma liberdade absoluta foram questionadas à medida que
discursos de ódio e posicionamentos radicais se tornaram cada vez mais frequentes,
culminando na eleição de Donald Trump em 2016. A noção de tolerância irrestrita também foi
questionada, uma vez que aqueles que se opõem aos detentores do poder e do governo
começaram a ser tratados não como indivíduos merecedores de voz e existência, mas como
inimigos que devem ser eliminados.
Sobre isso, a autora afirma:
Assim, o neoliberalismo, seja pelas suas capacidades seja pela
ineficiência da sua oposição, se reforça da hostilidade que ele mesmo
gerou. O neoliberalismo é capaz – e está demonstrando – de desfrutar
da raiva, das frustrações, dos ressentimentos provocados pelo próprio
neoliberalismo, isto é, provocados pelas suas consequências
socioeconômicas reforçando, com isso, o seu poder e a sua liberdade
de ação (Leite, 2020, p. 8).

Como uma forma mais refinada e atualizada do sistema capitalista, o neoliberalismo


busca se adaptar às transformações globais, resultando em uma deterioração ainda maior das
condições de trabalho para os verdadeiros geradores de renda e riqueza, ou seja, os
trabalhadores. Essa situação contribui para o aumento da precarização do emprego, sendo
exacerbada pelas reformas trabalhistas e previdenciárias implementadas. Conforme apontado
pela autora, essas medidas não solucionaram o problema do desemprego, mas, ao contrário, o
agravaram ainda mais:
No curto prazo, o relatório aponta que os países que relaxaram suas
regras, bem como níveis então existentes de proteção dos (as)
trabalhadores (as), experimentaram um aumento na taxa de
desemprego e não o contrário, ou seja, menos direitos não significa
mais empregos (Leite, 2020, p. 9).

Sob a orientação de a suposta e falaciosa afirmação de que “há um excesso de direitos”


e a recorrente argumentação segundo a qual de que deveríamos escolher por “direitos ou
trabalho”, o trabalhador acabou cada vez mais fragilizado e menos amparado diante da
pandemia.
No cenário brasileiro, a autora define que:
O Brasil é caracterizado, historicamente, por profundas desigualdades
sociais e econômicas e por uma estruturação precária do mercado de
trabalho que aprofunda desigualdades e concentra renda, situação
ainda mais agravada com a (contra) reforma trabalhista de 2017 e
(contra) reforma da Previdência em 2019 (Leite, 2020, p.11).

Com a necessidade urgente de distanciamento social, alguns trabalhadores tiveram que


se ajustar a essa nova realidade. O home office se tornou cada vez mais comum, embora não
fosse uma opção viável para a grande maioria dos trabalhadores. É válido ressaltar que o
desemprego e a informalidade já eram problemas antes mesmo da pandemia acontecer.
Conforme Reis (2020), uma grande parte dos trabalhadores em situação de
informalidade não teve a oportunidade de adotar o isolamento social, colocando-se em risco de
infecção pelo coronavírus e mostrando que a pandemia não afetou todos da mesma forma,
como frequentemente se afirmou. A possibilidade de trabalhar em casa ou se afastar
completamente dos empregos não é uma opção viável para a maioria dos trabalhadores.
É perceptível, portanto, que a pandemia apenas ressaltou os desafios da ideologia
neoliberal, de acordo com o que é discutido pela autora:
[…] o mercado de trabalho brasileiro se caracterizava por possuir uma
taxa de desemprego aberto na ordem de 11%, mais 5% de desemprego
oculto, totalizando uma população desempregada na ordem de 16%.
Além disso, o mercado de trabalho brasileiro se caracteriza por baixos
salários, ou seja, 30% da população empregada recebia até um salário
mínimo. A elevada taxa de informalidade no mercado de trabalho,
cerca de 50%, faz com que esses(as) trabalhadores(as) não tenham
acesso aos já escassos direitos trabalhistas (Leite, 2020, p. 12).

Essa perspectiva política também está profundamente enraizada no nível social, tanto
dentro como fora dos lares das pessoas. Como a autora aponta, isso é evidenciado pelos
alarmantes índices de violência doméstica, divórcios e agressões que têm surgido durante o
isolamento social obrigatório. Em uma sociedade que idolatra o individualismo nas esferas
social, econômica e subjetiva, as interações humanas estão se tornando cada vez mais
agressivas e isso está tendo um impacto nos processos de formação de identidade.
Conforme discute a autora, os discursos estão se tornando cada vez mais
desdemocratizados, o que resulta em uma violência evidente. Essa tendência ocorre devido à
fragilidade da ideologia que, embora alegue defender falsamente os ideais de liberdade, tem
como fundamento o radicalismo e a perseguição dos direitos almejados e conquistados. Como
consequência desse cenário, a própria democracia está sofrendo uma erosão.
É fundamental destacar a chance de confrontar o neoliberalismo, especialmente neste
momento em que suas principais vulnerabilidades foram expostas. Em suas conclusões, a
escritora sustenta:
Eventos de proporções e consequências mundiais, como o alastrar-se
da Covid-19, podem impulsionar discussões em torno da radicalização
da democracia e dos bens públicos, como a importância e valorização
de sistemas públicos de saúde; redes de proteção; a educação
compreendida como um direito e um bem público; segurança, lazer,
cultura, água, saneamento básico, o bem viver, enfim, políticas que se
pautem pelo comum. No entanto, a fragilidade em torno de fortes
movimentos sociais capazes de impulsionar tal perspectiva ainda
persiste e pode limitar esse processo (Leite, 2020, p. 15).
Por isso, é importante refletirmos sobre quem realmente tem se beneficiado dos
discursos e lógicas neoliberais. Constatamos que os trabalhadores têm sido prejudicados pelas
políticas implementadas por governantes que adotam essa abordagem. Nesse contexto,
precisamos analisar nosso papel e buscar soluções para mudar essa realidade, considerando
que o trabalho desempenha um papel fundamental na estrutura da vida social e pode ser um
catalisador de mudanças.
TEXTO 22: ARTE E RESISTÊNCIA EM TEMPOS DE PANDEMIA: A SÉRIE DE
QUADRINHOS CONFINADA, DE LEANDRO ASSIS E TRISCILA OLIVEIRA

No ano de 2020, houve uma interrupção global devido à pandemia da Covid-19.


Aqueles que sobreviveram tiveram que se adaptar a uma realidade completamente diferente,
um estilo de vida que visava, na medida do possível, limitar a circulação de pessoas. Esse novo
modo de vida, onde permanecer em casa era essencial, trouxe consigo uma reflexão mais
profunda sobre a existência subjetiva e a natureza humana.
Nesse cenário de medo em relação ao vírus, à morte e à doença, muitas pessoas
enfrentaram angústia enquanto esperavam pela cura, pela salvação e pelo fim da pandemia, que
mudou a forma como vivemos. Apesar da aparência de estagnação mundial, muitas coisas
aconteceram nesse período. As redes sociais se mostraram eficientes graças ao avanço das
tecnologias de informação, não apenas para entretenimento, mas também para informar,
educar, conectar pessoas, transmitir afeto e até mesmo dar espaço para o surgimento de
influenciadores digitais. É importante ressaltar que o acesso à tecnologia é desigual, já que nem
todos os países têm fácil acesso à internet e aos meios de comunicação.
Confinada é um reflexo dos estereótipos da realidade observados pelos autores durante
os anos de pandemia no Brasil. A análise meticulosa das diferentes classes sociais não apenas
ressalta as divisões entre ricos e pobres, homens e mulheres, brancos e não brancos, mas
também evidencia o papel submisso das minorias em relação aos brancos e ricos. A pandemia
apenas exacerbou essa desigualdade social.
A obra retrata a história de Fran, uma influenciadora superficial que encara as redes
sociais como uma mera oportunidade de enriquecer e ganhar mais fama. No entanto, com o
surgimento da pandemia da Covid-19, Fran se vê isolada em seu luxuoso apartamento no Rio
de Janeiro. De suas três empregadas, apenas Ju decide permanecer na casa da patroa durante a
quarentena, enquanto as outras voltam para seus lares para cuidar de suas famílias, que
pertencem ao grupo de risco.
Ju, uma mulher negra, aceita o convite de Fran para passar pela quarentena com ela,
principalmente porque precisa muito do emprego para sustentar sua família. Aos poucos, Ju se
depara com a crueldade presente na relação entre empregada e patroa.
Enquanto Fran dedica horas do seu dia às suas redes sociais, compartilhando a falsa
ideia de uma vida normal, saudável e "good vibes", a maneira como ela trata Ju é cada vez mais
problemática. Essa relação é baseada em preconceito, racismo e ódio de classes. De acordo
com Maria Homem em seu livro "Lupa da alma: quarentena-revelação" (2020), a vida durante
essa pandemia tem gerado uma série de sintomas de mal-estar na civilização, e a violência no
relacionamento de Fran e Ju é um exemplo disso.
Às vezes, um tipo peculiar de sofrimento vem à tona: o exercício da
violência. Normalmente sobre o outro mais frágil que vive com você
[...]. Há também, e isso vem de longe, mas agora é gritante, a violência
agressiva e ofensiva em que nos permitimos chafurdar nas redes sociais
(Homem, 2020, p. 19).

A história de Confinada não é uma surpresa para aqueles que vivenciaram a pandemia
no Brasil. Testemunhamos influenciadores explorando seus seguidores para promover marcas
que não tinham interesse em salvar vidas, mas apenas em lucrar com a situação caótica. Na
obra, em um determinado momento, Fran faz a divulgação de uma marca de roupas que estava
realizando uma campanha:
Gente, uma super dica para vocês! Todo mundo sabe que eu amo as
roupas da Ahnus, né? Hoje eles mandaram um presentinho... vocês não
vão acreditar! Achei super bacana da parte deles de pensarem na gente
nesse momento. Essa pandemia. Esse vírus. E a gente tendo que se
cuidar. Então a Ahnus lançou essa linha de máscaras. Breathe &
Survive. Olha que linda. 147 reais o pack com duas máscaras. Na
compra do pack, você garante uma cesta básica para uma família
favelada (Assis; Oliveira, 2021, p. 22).
O desprezo, a falta de consciência de classe e o preconceito é maior do que a noção e o
cuidado com as palavras. A família de Fran também merece destaque dentro da história. De
novo, não que seja novidade para quem viveu no Brasil durante a pandemia, mas
acompanhamos em vários momentos familiares que brigam em supermercados por não usarem
máscaras; o marido que é impedido de retornar ao Brasil pois se recusa em usar a máscara;
parentes que espalham fake news que os partidos comunistas querem dar um kit gay às crianças
nas escolas; os amigos que fazem festas clandestinas, destinam ódio aos nordestinos e pessoas
não brancas; entre outros tristes retratos da face preconceituosa e dos extremos conservadores
que em poucos anos foram perdendo a vergonha de se exporem. “O Brasil virou isso! Um país
de comunista, viado, negro, maconheiro, bandido! Ninguém respeita mais nada! Nem a família!
(Assis; Oliveira, 2021, p. 58).
Fran, assim como outras influenciadoras reais de nosso país, faz festa clandestina em
casa e “foda-se o corona!” (Assis; Oliveira, 2021, p. 61); diz para todos ficarem em casa, mas
insiste e coage sua empregada a ficar com ela; espalha amor virtual para seus seguidores, mas
trata quem não tem a mesma condição socioeconômica que a sua de forma cruel e desprezível.
Fran também é cancelada e, após longa conversa com sua assessora, aparece com a cara limpa,
sem filtro e maquiagem, com camiseta branca para pedir desculpas, dizer que se arrependeu e
que os erros foram necessários para ela evoluir como ser humano.
Confinada é um retrato do que se passou no Brasil em pandemia, sobretudo nos anos de
2020 e 2021, contexto no qual muitas pessoas ainda se preservavam em suas casas e a vida
social se manifestava apenas de forma online. Ju, no final da história, após denunciar as
opressões e crueldades a que era submetida através do Instagram de sua patroa, consegue
ganhar notoriedade e recebe uma oportunidade de uma agência de influenciadores digitais que
tinham como pauta a vida de mulheres pretas cujas histórias de vida, a presença e resistência
mostravam o poder dessas mulheres na contemporaneidade. A voz de Ju se fez necessária para
mostrar às pessoas que “a senzala moderna é o quartinho de empregada”.
A relação entre racismo e sua articulação com classe é apontada por Almeida (2018), que
compreende o racismo como um processo político e histórico que se manifesta nos campos da
política, da ideologia, do direito e da economia. Esses campos atuam de forma articulada e
compõem a complexidade da produção e da constituição das subjetividades humanas,
considerando que a consciência e os afetos humanos estão vinculados com práticas sociais.
Para o autor, o racismo só consegue se perpetuar se: a) produzir um sistema de ideias que
expliquem e justifiquem a desigualdade racial; b) constituir sujeitos que não se abalem e
considerem normais a discriminação e a violência racial e que achem natural a divisão entre
brancos e não brancos.
A pandemia acentuou as desigualdades, ceifou vidas, permitiu ainda mais a concentração
de renda, escancarou as injustiças sociais e instaurou o medo na sociedade. A leitura deste
fantástico livro em quadrinhos também promove a consciência e a crítica de como estávamos
reféns de políticas públicas genocidas, perigosas e violentas, e como a sociedade se comportou
com o vírus impondo temor, trancando pessoas e impossibilitando relações sociais além das
telas.
REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte/MG: Letramento,
2018.
ASSIS, Leandro & OLIVEIRA, Triscila. Confinada. São Paulo: Todavia, 2021.
Arantes JT. Estudo avalia a vulnerabilidade de trabalhadores na crise causada pela
pandemia de COVID-19. Agência FAPESP 2020; Disponível.
https://agencia.fapesp.br/estudo-avalia-a-vulnerabilidade-de-trabalhadores-na-crise-
causada-pela-pandemia-de-covid-19/33065. Acesso em: 21 de outubro de 2023

HARVEY, David. Política anticapitalista em tempos de COVID-19. In: DAVIS, Mike et al.
Coronavírus e a luta de classes. Brasil: Terra sem Amos, 2020.

HOMEM, Maria. Lupa da alma: Quarentena-revelação. São Paulo, Todavia, 2020.


LEITE, Kelen Christina. A (in)esperada pandemia e suas implicações para o mundo do
trabalho: Psicologia & Sociedade, 1-18, 2020. Disponível
em:<https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
71822020000100408&script=sci_arttext>. Acesso em: 21 de outubro de 2023.

PIVA, C; B; MARTINS, A.F. Arte e resistência em tempos de pandemia: Uma série de


quadrinhos confinada de Leandro Assis e Triscila Oliveira. R.Inter. Interdisco. Art
& Sensorium, Curitiba, v.7, n.2, p.250 – 276. Jul dez. 2020. Disponível em:
<https://doi.org/10.33871/23580437.2020.7.2.250-276>. Acesso em: 21 de outubro de
2023.

REIS, Suzéte da Silva. As repercussões da pandemia do coronavírus no mundo do


trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, Florianópolis, v.
23, n. 32, p. 397-414, 2020.

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