A Expansão Pentecostal No Brasil Sob A Luz Das Teorias de Émille Durkheim e Max Weber

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA


DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

ADRIANA GUEDES
GIULIA LYRA OLIVEIRA

A EXPANSÃO DA IGREJA EVANGÉLICA PENTECOSTAL NO BRASIL SOB A LUZ DAS


TEORIAS DE ÉMILLE DURKHEIM E MAX WEBER

NITERÓI
2022
INTRODUÇÃO

O crescimento das religiões evangélicas no Brasil vem sendo registrado pelo censo do IBGE
desde a década de 40. É possível perceber, através das estatísticas, uma expansão do número
de fiéis evangélicos, ao mesmo tempo em que se nota uma redução no número dos que se
declaram católicos: em 2000, 15,4% da população se declarava evangélia. Dez anos depois,
em 2010, houve um aumento de 6,8 pontos percentuais: os evangélicos perfaziam 22,2% da
população. Destes, 60% dos entrevistados se identificava enquanto evagélicos pentecostais
(IBGE, 2012).

Tal crescimento produz desdobramentos evidentes na sociedade, sendo perceptível


principalmente o aumento no número de igrejas evangélicas, e a atuação cada vez mais
expressiva desse segmento na política. Do surgimento do Complexo de Israel, área composta
por 5 favelas na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, em 2020, à eleição do candidato
evangélico Nikolas Ferreira (PL-MG) à Câmara dos Deputados com 1,47 milhão de votos em
2022, é possível perceber os impactos da expansão da religiosidade evangélica na sociedade
brasileira.

O presente trabalho tem como objetivo analisar a expansão das igrejas evangélicas
pentecostais no território brasileiro ao longo das últimas décadas sob a luz da sociologia de
Émille Durkheim e Max Weber, tendo como referências principais as obras “Da Divisão do
Trabalho Social” (DURKHEIM, 1999), “As Formas Elementares da Vida Religiosa”
(DURKHEIM, 1989) e “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” (WEBER, 2004).

INTERPRETAÇÃO DO TEMA À LUZ DA TEORIA DURKHEIMINIANA

A abordagem metodológica de Émille Durkheim pressupõe um objeto de estudo sociológico


denominado “fato social”. Assim, o uso de estatísticas no presente trabalho procura consolidar
a problemática da expansão evangélica pentecostal no território brasileiro enquanto um fato
social, ou seja, um fenômeno social, geral, externo aos indivíduos e coercitivo, que apresenta
existência própria.

Para Durkheim, os sistemas de representação religiosos, longe de serem meras abstrações


fantasiosas fruto da mente humana, são produto do social: “As representações religiosas são
representações coletivas que exprimem realidades coletivas.” (DURKHEIM, 1989, p.38).
Dessa forma, é possível entender a importância da religião enquanto expressão de
representações coletivas socialmente construídas.
Assim, o “fenômeno evangélico”, para Durkheim, tem sua origem na própria sociedade,
promovendo maior integração social entre os membros de determinada localidade onde nota-
se a expansão dessa modalidade específica de fé. Em conformidade com essa ideia, a
professora Christina Vital da Cunha, em estudo nas favelas cariocas, aponta fatores chave
para a análise desse fenômeno:

[...] a proximidade socioeconômica entre lideranças religiosas locais e os


moradores. Essa proximidade seria dada pelo fato de experimentarem uma vida
similar, isto é, os pastores evangélicos casam, têm filhos, muitos deles moram na
mesma favela ou moram em outras favelas e bairros periféricos da cidade, o que
gera empatia entre liderança religiosa e fiéis [...]. (CUNHA, 2008, p. 27)

Apesar da expansão evangélica se dar de forma generalizada, abarcando uma variedade de


perfis socioeconômicos, como aponta Ricardo Mariano em seu artigo “Expansão pentecostal
no Brasil: o caso da Igreja Universal” (2004), há particularidades entre os grupos evangélicos.
A maioria dos evangélicos pentecostais, de acordo com o censo de 1991, apresentava
números relativos à renda e escolaridade inferiores à média da população brasileira
(MARIANO, 2004), ao passo em que os evangélicos protestantes históricos localizavam-se
em níveis superiores de renda e educação.

Cerca de uma década depois, de acordo com o censo de 2010 do IBGE, 63,7% dos
evangélicos pentecostais recebiam até um salário mínimo. Ou seja, no decorrer de 10 anos, o
perfil socioeconômico do evangélico pentecostal permanecia o mesmo. Dessa forma, é
possível aferir que os evangélicos pentecostais se encontram em camadas de maior
vulnerabilidade socioeconômica em comparação com os protestantes históricos e membros de
outras religiões.

Em sua análise demográfica, a partir de um estudo sobre a expansão evangélica nas favelas
cariocas, Cunha (2008) observa que a integração social proporcionada pela atuação religiosa
tem desdobramentos no tecido social daquele lugar, constatação em consonância com a teoria
Durkheiminiana, segundo a qual a religião promove coesão social (DURKHEIM, 1989).

É mister salientar que a realidade das favelas brasileiras poderia configurar um estado de
anomia social de acordo com a teoria Durkheiminiana, visto que podemos defini-la como um
lugar onde há a ausência de atuação do Estado enquanto mantenedor da ordem social e
garantidor de direitos, fato agravado pelas constantes incursões policiais e pela falta de
investimentos públicos. Tal estado de anomia, no entanto, não se estabelece graças à coesão
social proporcionada pela atividade religiosa, que exerce a importante função de proporcionar
integração entre os indivíduos e, inclusive, trazer a noção de regras de conduta e uma única
moralidade àquela comunidade.

É importante destacar como o fenômeno de representação religiosa acaba por criar, nessas
áreas onde a anomia social está à espreita, corpos secundários de representação política, visto
que é possível, ao logo das décadas, perceber os desdobramentos dessa expansão evangélica
na política através do número de candidaturas de religiosos ao longo dos anos e da expansão
da Bancada Evangélica na Câmara dos Deputados.

INTERPRETAÇÃO DO TEMA À LUZ DA TEORIA WEBERIANA

As pesquisas de Cunha (2008) e Alves, Cavenaghi, Barros e Carvalho (2017) debruçam-se


sobre a expansão evangélica na extensão territorial brasileira. O enquadramento
socioeconômico supracitado, em conjunto com a análise demográfica dos trabalhos de Cunha
e Alves, Cavenaghi, Barros e Carvalho, nos permite traçar um perfil do evangélico
pentecostal médio, ou, para tomar de empréstimo a metodologia Weberiana, o “tipo ideal do
evangélico pentecostal brasileiro” enquanto um cidadão brasileiro, homem ou mulher, que
aufere renda mensal de até um salário mínimo, possui baixa escolaridade e habita áreas de
maior vulnerabilidade social.

Para Weber, tendo em vista a expansão pentecostal triunfar em épocas de grave instabilidade
econoômica no Brasil, seria necessário compreender a natureza da afinidade eletiva entre a
ética pentecostal e o espírito da desigualdade brasileira, de forma a correlacionar os dois
fenômenos que desembocam na expansão da fé pentecostal numa época de acentuada crise
socioeconômica e asseveramento dos efeitos do neoliberalismo na economia brasileira.

Para tanto, torna-se necessário evocar a pesquisa de Mariano, “Expansão pentecostal no


Brasil: o caso da Igreja Universal” (2004) de forma a esboçar o que se caracterizaria como a
“ética” pentecostal:

suprimiu características sectárias tradicionais do pentecos-talismo e rompeu com


boa parte do ascetismo contracultural tipificado no este-reótipo pelo qual os crentes
eram reconhecidos e, volta e meia, estigmatizados.De modo que seus fiéis foram
liberados para vestir roupas da moda, usar cosméticos e demais produtos de
embelezamento, freqüentar praias, piscinas, cinemas,teatros, torcer para times de
futebol, praticar esportes variados, assistir a televisão e vídeos, tocar e ouvir
diferentes ritmos musicais. [...] Em todas as vertentes permanece, porém, a
interdição ao consumo de álcool, tabaco e drogas e ao sexo extraconjugal e
homossexual. (MARIANO, 2004, p. 4)

A religiosidade é, como corrobora Weber (2004), uma conduta social que possui
características tradicionais, pois trata-se da manuntenção de um costume arraigado, por vezes
hereditário, e também afetivas, devido a seu alto nível de subjetividade. No entanto, a partir
da análise da ética pentecostal, é possível traçar uma afinidade entre a moralidade e os valores
perpetuados pelos indivíduos de determinada região com as regras de conduta e moralidade
defendidas pela Igreja Pentecostal, como por exemplo o rompimento com o ascetismo
religioso e a proibição de práticas homossexuais, o que poderia caracterizar a ação religiosa
como racional referente a valores.

Mariano observa, também, uma certa “remagificação do mundo”, em contraposição à


desmistificação do mundo atribuída por Weber à Igreja Protestante, tendo o pentecostalismo
como característica os “serviços mágico-religiosos, de cunho terapêutico e taumatúrgico,
centrados em promessas de concessão divina de prosperidade material, cura física e
emocional e de resolução de problemas familiares, afetivos,amorosos e de sociabilidade.”
(ibidem) Dessa forma, o pentecostalismo se coloca enquanto uma luz no fim do túnel para
indivíduos pertencentes a extratos sociais mais vulneráveis socioeconomicamente, pois
propõe a salvação divina para os problemas intramundanos, como a crise econômica, que gera
desemprego, pauperização e insegurança social.

Dessa forma, a afinidade eletiva entre o pentecostalismo e o contexto socioeconômico


brasileiro nas últimas décadas se daria justamente no fato de tal contexto produzir uma
situação de extrema vulnerabilidade social, que se configura enquanto um terreno fértil para a
busca por religiões que preguem uma remagificação do mundo.

CONCLUSÃO

A problemática da expansão pentecostal no contexto brasileiro possui muitas nuances, e pode


ser analisada através de diversas abordagens metodológicas. É possível perceber, no entando,
que ambas as teorias Durkheiminiana e a Weberiana oferecem instrumentos o suficiente para
que seja possível traçar sólidas bases de análise do problema.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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https://www.camara.leg.br/noticias/911272-nikolas-ferreira-e-o-deputado-mais-votado-do-
pais-com-147-milhao-de-votos/. Acesso em: 10 dez. 2022.

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