Amor Conjugal
Amor Conjugal
Amor Conjugal
A RELEVANCIA JURIDICA
DO AMOR CONJUGAL
Vemos assim como o terna do amor conjugal entra com plena for~a na
corrente conciliar -que presidiu toda a revisao do código -tendente a
tutelar todos os aspectos da personalidade humana. Há urna preocupa~ao
mareante em salvaguardar ao máximo a dignidade do relacionamento
conjugal valorizando em profundidade o amor conjugal. A legisla~ao e a
jurisprudencia canónica, cada vez mais, buscam religar a mais c1ássica
doutrina canonista -eminentemente personalizante- com a mesma dimen-
sao humanista e espiritualista as sumida pelo Concílio, encerrado dentro
de um parentese histórico atendencia marcadamente legalista que presidiu
alguns tra~os do código de 1917. De urna forma frisante quer-se assinalar
a importancia que tem a «una caro» (dois numa só carne)7 nao apenas
num nível de relacionamento f(sico destinado a satisfa~ao sexual e a
procria9áo, más também, num ni vel de relacionamento espiritual e de
integra9ao recfproca. Nao menoS indispensável de que o «remédio da
concupiscencia» (c. 1013 § 1 CIC 1917) apresenta-se neste mundo
despersonalizado -escreve Furnagalli- o «remédio da solidaO»8.
E daí brota com pleno direito o tema da relevancia jurídica do amor
conjugal.
7. «Et erunJ in una caro» (Gen. 2, 24) SANTO TOMAS sustenta que a una caro consti-
tui a essencia do matrimonio. EDUARDO MOLANO, escreve nessa linha que «o matrimonio
é em essencia una caro, como expressao certa da única e indissolúvel unidade de ambos
conjuges. La Naturaleza del matrimonio en la doctrina de Santo Tomás, em «Persona y
Derecho». 1 (1974), p. 69.
8. FUMAGALU CARULLI, O., lnnovazioni Conciliari e Matrimonio Canonico, em «11
Diritto Ecclesiastico» n. 1-2 janeiro-junho (1978), p. 382; GARCIA BARBERENA, T., Sobre
el matrimonio «in fleri» . «Salmanticensis» 1 (1954), p. 439 e HERVADA, J., La simula-
ción total, en «Ius Canonicum», vol. 11, 2 (1962), p. 738, pensam que nao está de
acordo com a realidade psicológica dos contraentes julgar que eles desejam o «ius in cor-
pus» em si mesmo considerado. Aliás -como aponta Hervada- o Decreto de Graciano, as
Decretais e demais fontes antigas se referem sempre ao «animus maritalis» (que implica,
além da unilio camal, o desejo de coabitar, etc.), enfim a vontade de estabelecer urna co-
munidade de amor marital e nunca ao 8nimo de dar e receber apenas o «ius in corpus»,
fórmula técnica que só aparece em épocas tardias.
248 MONS. RAFAEL LLANo ClFuENI'ES
14. MARAiIl'ON, O., Ensayo sobre la vida sexual, Madrid 1969, p. 186, cit. por
OUITARTE IZQUIERDO, V., Amor y matrimonio en la Exhortación «Familiaris consortio»,
em «Revista Española de Derecho Canónico», n. 109 (1982), p. 112.
250 MONS. RAFAEL LLANO CIFUENI'ES
15. Cfr. DEL AMO, L., El amor conjuga/, y la nulidad del matrimonio en la jurispru-
dencia, en «Ius Canonicum» XVII, n. 34 (1977), p. 90.
16. PAULO VI, Encíclica Humanae Vitae, n. 9.
A RELEVANCIA JURIDfCA DO AMOR CONruGAL 251
3. Em reLar;áo ao bem em si
a unido persiste quando urna longa rela~áo faz com que o caráter do outro se
torne algo querido» 19.
Estas duas espécies integram o conceito do chamado amor de conscu-
pisciencia (que nao significa aqui amor pecaminoso mas, na expressao de
Santo Tomás, querer ao amado como bem para si pr6prio). Este amor, ao
nosso modo de ver, coincide, por sua vez, com o chamado em Direito romano
«affectus maritalis». Para os romanos, o matrimónio durava o que durava o
«affectus maritalis»; faltava, pois, o compromisso de permanencia, elemento
essencial exigido pela conce~ao crista do matrimónio natural2o.
Pensarnos também que dentro desse amor de concupiscencia (apetencia mais
complacencia) está incluído implicitamente o desejo de procria~ao porque,
como dizem Hervada e Lombardia, «amar urna mulher como esposa é amá-la
em toda a sua dimensao de mulher ... e portanto na sua potencia generativa.
Amar urna mulher e nao amar ao mesmo tempo sua potencial matemidade nao
é um amor conjugal. Ou é urna simples amizade, ou um amor platónico, ou
um amor fomicário»21.
amor voluntariamente estéril. Com cazao dizia Saint-Exupéry que amar n~o
consiste tanto em olbar um para o outro quanto em olbar os dois juntos para a
mesma dir~ao E -perguntamos- que dir~~o pode existir mais naturalmente
unitiva do que os filhos, fruto comum da relalr~o conjugal? Na mitologia
grega o amor de concorrencia era encomendado aos cuidados de Apolo que com
a sua lira conseguia desfazer as desavenlras quotidianas unindo a familia toda a
noite num canto comum.
As quatro espécies, assinaladas dentro do capítulo do bem útil, induem o
que juridicamente se denomina «vida em comum», «coabitalr~» e «ajuda
mútua».
3. Em relafán ao bem em si
a) O amor de benevolencia. No seu sentido etimológico -bene volere- a
benevoléncia significa querer bem a alguém. Assim como fazer o bem se
dirige a assisrencia de urna necessidade, o querer o bem supera a inten~o de
remediar simplesmente urna carencia para irromper em cheio ná :nterioridade
pessoal do outro ser. No pensamento grego este amor era custodiado pela
deusa Filia. O nome preciso de filia deriva da conce~ao clássica que
considerava o amor da mae para com os seus filhos o paradigma da entrega
absoluta, que consiste em querer apenas o bem do outro: representa o esque-
cimento de si próprio, o sacrifício em benefício de outrem. Aqui chegamos a
fronteira limite do amor humano na conce~~o grega. A distancia entre
Afrodite e Filia é imensa. Coube aos gregos o mérito de distinguir com
precis~ os perfis de cada patamar. Mas o quadro estava incompleto. Era ne-
cessária a chegada do Cristianismo para romper os moldes clássicos do amor
humano e entrar no ambito transcendente do amor divino.
b) O amor de transcendencia. O amor de transcendéncia tributa-se ao outro
n~ s6 por ele, mas por Deus. Aqui n~o encontramos deidades pag~ prote-
toras. Aqui encontramos a Cristo: é a Caritas crista. Ela faz possível que o
amor persista apesar das limitalr1ks e dos defeitos; ela supera os aspectos par-
ciais do amor humano que se prendem ao físico, ao estético, ao psicológico e
ao utilitário; ela ultrapassa inclusive o tralr0 mais elevado do amor puramente
humano: querer bem ao outro por ele mesmo no seu caráter pessoal, único e
intransferível. A Caritas alcanlra o homem, ~o somente enquanto pessoa no
sentido mais nobre da palavra, mas enquanto filho de Deus, característica
fundamental do cristao. A característica mais radical deste amor de transcen-
déncia é a de amar aos inimigos23 • I •
b
Nao se pense que cada um destes planos dispensa inferior ou anula
o anterior. Nao os dispensa nem os anula, mas pelo c~ntrário os assume
e incorpora. As rela~Oes conjugais entrela~am-se de utA modo semelhante
ao que fazem os fios que constituem una corda. Todos contribuem para a
26. HERVADA, J.-LoMBARDIA, P., El Derecho del Pueblo de Dios, O.C., p. 102.
A RELEVANCIA JURIDfCA DO AMOR CONJUGAL 261
27. FEDELE, L.,L·ordinatio ad prolem e i fin.i del matrimonio com particolare refe-
rimento al/a constiluzione «Gaudium el Spes», cit por FuMAGALLl CARULLI, O., O
«/nlelello e Volontá» ...• O.C. , p. 202.
262 MONS. RAFAEL LLANo CIFUENTES
28. NAVARRETE, U., Strutura iuridica matrimonii secundum concilium Vaticanum l/.
Momentum Iuridicum Amoris Coniugalis, Roma 1968, pp. 107 ss.
29. D'AvACK, P., Il matrimonio canonico oggi, en «11 Diritto Ecclesiastico», 1979.
Parte 1, p. 15 .
30 . ROBLEDA , D., Amore coiugale e atto giuridico , em «Annali di dottrina e
giurisprudenza canonica 1. L'amore coniugale», Vaticano 1971, pp. 215 ss.; citado por
LOPEZ ALARCON, M., NAVARRO VALLS, R., Curso de Derecho Matrimonial Canónico y
Concordatario, Madrid 1984, p. 70.
31. M OLA NO, E., Contribución al estudio sobre la essencia del matrimonio,
Pamplona 1977, pp. 72 ss.
32. DE LA HERA, A., La signification de l'amour dans le mariage, «Apollinaris»
1967, pp. 269 ss.
33. GUTIERREZ, A., Il matrimonio. Essenza, fine, amore coniugale, Napoli 1974, p.
63. Citado por LoPEZALARCON, M.-NAVARRO VALLS, R., ob. cit.
34. FAGIOLO, V., Amore coniugale ed essenza del matrimonio, em «Annali di dottri-
na e giurisprudenza canonica. 1. L'amore nel matrimonio». Vaticano 1971, p. 182 ss.
35. LENER, S., L'oggetto del consenso e l'amore nel matrimonio, en «Annali di dot-
trina e giurisprudenza canonica», 1, L'amore coniugale, pp. 165-172. Citado por LoPEZ
ALARCON, M-Navarro Valls, R., O.c ., p. 69.
36. VILADRICH, J., Amor conyugal y essencia del matrimonio, en «Ius Canonicum»
(1972), p. 313 .
37. DESALAZAR, J., O.c ., p. 119.
A RELEVÁNCIA JURIDfCA DO AMOR CONWOAL 263
48. SERRANO, J.M., El derecho a la comunidad de vida y amor conyugal como objeto
del consentimiento matrimonial: aspectos jurídicos y evoluci6n de la jurisprudencia de la
S. Rota Romana, em «Ephemerides Iuris Canonici», 1-4, p. 63. Cfr. tambén NAVARRETE,
U., Structura iuridica matrimonii secundum Concilium Vaticanum l/. Momentum iuridicum
amoris coniugalis» , Romae 1977, pp. 107 ss.
49. SRRD, seu Sent. vol. 61, p. 902, n. 3 «coram» PINTO; vid. GUITARTE
IZQUIERDO, Y., Amor y matrimonio en la Exhortaci6n «Familiaris consortio» de JUAN
PABLO l/, em «Revista Española de Derecho Canónico» 109 (1982), pp. 109 ss.; LOPEZ
ILLANA, F., recolhe numerosos casos de jurisprudencia rotal sobre a irrelevancia jurídica
do amor conjugal (Sobre el amor conyugal y la estructura jurídica del matrimonio, em «El
consentimiento matrimonial hoy», Salamanca 1976, pp. 303 ss.).
268 MONS. RAFAEL lLANo CIFUENIES
50. SRRD, seu Sent. vol. 9, dec. 14, n. 17, p. 134 «coram» PRIOR, «A carencia do
amor nao prejudica a validez, sendo assim que o matrimonio o faz o consentimento e nao
o amor» (SRRD seu Sent. vol. 9, dec. 22, n. 7, p. 214 «coram» PRIOR) «O amor ... é
conveniente como elemento moral, mas nao se requer como elemento jurídico contrac-·
tual, o qual está só no consentimento livre» (SRRD, vol. 60, n. 8, p. 935, «coram»
PARISELLA); etc. etc.
51. S. TOMAS I-II, q.25, a.2, n.2.
52. Cfr. MOLANO, E., La naturaleza del Matrimonio en la doctrina de Santo Tomás,
en «Persona y Derecho», 1 (1974), p. 162.
A RELEVANCIA JURIDfCA DO AMOR CONJUGAL 269
65. NAVARRETE, U., Problemi sulla autonomía dei capi di nullita del Matrimonio per
difetto di consenso causato da perturbazioni della persona/ita. in AA.VV., Perturbazioni
Psichiche e consenso matrimonial nel Diritto Canonico. Roma 1976, pp. 134 ss.
66. JEMOLO, A.C., II matrimonio in diritto canonico. Milano 1941, p. 76: «É inte-
ressante que um exemplo extremo como o indicado no texto nao foi considerado por
JEMOLO um caso de nulidade em face da antiga legisla~ao. Pensamos que hoje as coisas
tem evoluido nesse sentido consideravelmente.
67. SRRD Seu Sent., vol. 61. p. 703, n. 3 «coram» ABBO.
274 MONS. RAFAEL LLANo CIFUENTES
vivencia», etc. mas que toda exclusao do amor no sentido indicado impli-
carla na nulidade do mesmo»70.
Ao nosso modo de ver, nao é exigível para invalidar o consenti-
mento, como anterionnente apontamos, que se exclua o amor de benevo-
lencia «in genere», como indica Mostaza, ou o amor de benevolencia
integralmente considerado -parece-nos um nível excessivamente alto- mas
basta a «mínima identidade do amor conjugal no sentido estrito de pala-
vra. Este reclama apenas um grau de amor de benevolencia suficiente para
garantir o compromisso de pennanencia e exclusividade do amor con-
jugal».
Nao foge a nossa considera~ao, por outro lado, que a exclusao do
«elementum amoris» parecerá com freqüencia redutível a exclusao do
mesmo matrimonio ou de alguma das suas propriedades essenciais. Com
efeito, excluindo a pennanencia do amor poderíamos cair na exclusao da
indissolubilidade; excluindo a identidade m(nima do amor conjugal glo-
balmente considerada, tal como nós a apresentamos, pareceria que se está
excluindo o próprio matrimonio, etc. Mas, se se presta urna maior aten-
~ao, se verá que existem algumas diferen~as.
Há um núcleo central do «elementum amoris» que é autónomo e
irredut(vel. Esse núcleo está fonnado -como já apontamos- por quatro
unidades fundidas e compenetradas: 11) a disponibilidade para o relacio-
namento sexual: 21) um mínimo de «affectus marltalis» (onde está in-
cluída a abertura para a procria~ao); 31) um mínimo necessário de coabi-
ta~ao e de ajuda mútua para conseguir o relacionamento sexual e o «affec-
tus maritalis» a que se referem as duas unidades anteriores; 4 1 ) urna
pennanencia no amor exclusivo.
Estimamos que este núcleo guarda autonomía a respeito da exclusao
do próprio matrimonio, ou da exclusao da indissolubilidade e da unidade,
assim como da exclusao do «direito ao ato conjugal» (c. 1086 § 2 CIC
1917). Porque nao é o mesmo excluir essa identidade m(nima do amor do
que excluir o direito ao ato conjugal; este, com afeito, nao exige tecnica-
mente o «affectus maritalis» e os outros componentes acima indicados.
Também nao é o mesmo excluir a estabilidade do amor do que excluir a
indissolubilidade do matrimonio porque esta propriedade tem um conteú-
do juridicamente mais definido. Assim, por exemplo, o c. 1096, para
70. MOSTAZA, A., Nuevo Derecho Canónico, B.A.e. n Q 445. Madrid 1983, p. 276.
276 MONS. RAFÁEL LLANO CIFUENfES
72. C.LC. Fontes W, «Typis Polyglottis Vaticanus» (1951), 945, pp. 219 ss.
73. C.LC. Fontes /l. «Typis Polyglottis Vaticanis» (1935), 4607, pp. 161 ss.
278 MONS. RAFAEL LLANO CIFUENfES
74. BERNARDEZ CANTON, A., Curso de Derecho Matrimonial, Madrid, 1981, p. 230.
75. HERVADA, J., La simulaci6n total, en «Ius Canonicum», n, 2 (1962), p. 754.
76. HERVADA, J., idem. p. 738. Na nota 8 fazíamos urna referencia ao trabalho de
GARCIA BARBERENA, T. e a este de HERVADA, onde claramente se mostra que nao está de
acordo com o desejo dos conjuges PeI1$4f que eles pretendem o ius in corpus. em si
mesmo considerado. Aliás, o Decreto de Graciano, as Decretais e demais fontes antigas
se referem ao ,<animus maritalis» que implica além da uniao camal, o desejo de coabitar,
etc., enfim il~vontade de estabelecer urna comomdade de amor marital e nunca o animo de
dar e receber apenas o ius in corpus. fórmula técnica que só apareceu em épocas tardias.
A RELEVÁNCIA JURIDfCA DO AMOR CONJUGAL 279
onde ~ há vontade marital, nno há matrimonio ainda que se pretenda produzir
o signo externo, já que entilo fica afetada a essencia do matrimonio»77.
Esta importante considera~o nos diz que MO é estranho a sistemática tradi-
cional da legisla~no canonica de nulidade de um matrimonio por exclusáo da
vontademarital que para nós nlio representa outra coisa que a exclusáo do amor
conjugal-«elemento essencial do matrimonio» (c. 1101 § 2)- tal como nós o
entendemos.
Reflitamos, aliás, na significa~ao que tem a mudan~a operada pelo
novo código, e chegaremos a conc1usao da relevancia da exc1usao do
amor conjugal como «elementum essenciale matrimonii» (c. 1101 § 2):
12) Suprimiu-se, no tema da simu1a~ao, a referencia que na antíga leí
se fazia a «exc1usao do direito ao ato conjugal», porque esta fórmula nao
correspondia ao sentido integral -físico, afetivo e espiritual- que o
Concílio Vaticano II concedeu arela~ao conjuga!.
22) Este direito foi substituído: numaprimeira tentativa, por outro tí-
tulo: «o direito acomunhao de vida» (que para muitos autores significava
uma ressonancia daquela «íntima comunhao de vida e amor conjugal» de
que falava o Concílio Vaticano II), porque se pensava que a realíza~ao
daquela «una caro», que entranhava o ato conjugal, nao se completaria se
nao existisse uma comunhao de vida.
32 ) Optou-se, enfim, definitivamente pela expressao «um elemento
essencial do matrimonio», talvez porque a frase anterior poderia dar lugar
a equívocos. Mas em todas estas modifica~6es parece subtender-se que
dentro desses «elementos essenciais» cabe «o direito ao ato eonjugal
considerado no sentido de intereomuniea9ao pessoal e nao apenasftsieo»;
isto é, o direito ao ato eonjugal unido a um m(nimo de amor humano: e é
isto precisamente o que n6s ehamamos de «elementum amoris» ou a
«identidade m(nima do amor eonjugal» que quando exclu(da por «ato
positivo da vontade» (c. 1101 § 2) abriria a hipótese da invalidade con-
sensual.
De urna forma muito significativa Serrano, Auditor da Rota Romana,
se refere a estas mudan~as: «Certo que a comunhao é rela~ao e também
direito-dever. Mas se reduziria a nada o sentido dé renova~ao conciliar do
matrimonio e nao sairia dos moldes atuais da norma positiva (estava ainda
em vigencia o CIC de 1917), quem nao estimas se tal rela~ao impregnada
guém casa por ódio, ou com manifesta frieza e aversao, desejando talvez
a estrutura jurídica do matrimonio, mas afastando-se do que representa
urna comunidade de vida e amor, ou quando igualmente um dos nubentes
sofre urna anomalia, como o homossexualismo ou o sadismo82 que o
impede de amar verdadeiramente o outro conjuge; ou quando estejam pre-
sentes outras causas semelhantes, a estabilidade do «consortium totius
vitae» fica abalada, a dignidade e felicidade do consorte inocente com-
proinetidos, e igualmente degradada a sacramentalidade do matrimonio,
símbolo do amor humano e divino de Cristo pela Igreja. Se a isto se une a
exclusao por «um ato positivo da vontade» (c. 1101 § 2) -requisito
jurídico indispensável- parece-nos que existem os pressupostos
necessários para invalidar o matrimonio por exclusao de «um elemento
essencial do matrimonio».
1º) na troca da locu~ao «ius in corpus» (c. 1081 § 2), ClC (1917),
pela fónnula «entrega e aceita~ao mútua dentro do consortium totius vitae
(c. 1057 § 2 e c. 1055 § 1 ClC 1983);
2º) na mudan~a operada pelo c. 1101 § 2 (ClC 1983), que substitui a
expressao «ato conjugal» (c. 1086 § 2 ClC 1917) por «um elemento
essencial do matrimonio»;
3º) na introdu~ao da cláusula humano modo (c. 1061 § 1, ClC 1983)
-que nao existia no Código anterior (Vid. c. 1051 § 1, ClC 1917)-
quando se refere ao matrimonio consumado: a consuma~ao nao se dá se o
ato conjugal nao se realiza de modo humano. Observa-se como o
Legislador quis impedir que a men~ao do «ato conjugal» aparecesse no
corpo nonnativo, pennitindo apenas que tal acontecesse quando acom-
panhado do adjetivo humano; igualmente salta aos olhos que assumiu a
mesma posi~ao a respeito do ius in corpus: a expressao foi suprimida de
vez e substituída por outras que apontem claramente para o amor conjugal
considerado integralmente nos seus aspectos sexuais, volitivos e afetivos.
Tudo isso leva a pensar claramente que o o ato conjuga! deve ser inserido
dentro do amor conjuga! e através debe ser interpretado. Como escreve
Serrano: «Se antes pode ter havido alguma razao para estimar o
matrimonio urna alian~a limitada a faculdade sobre os atos próprios da
gera~ao, hoje nao há dúvida quanto aimplica~ao de toda a pessoa (no seu
ser mais essencial no que se define como tal) nele; de onde se enriquecem
ao mesmo tempo o própri0 matrimonio e a característica rela~ao con-
jugal»94.
4. O amor, por sua vez -de acordo com Fumagalli- deve ser incluído,
como urna espécie dentro do genero consortium totius vitae95 • Nesta
perspectiva pode chegar a fonnar um elemento de relevo jurídico maior
do que até agora se lhe tem concedido.
5. Sustentamos que a identidade mínima do amor conjuga!, que ao
ser excluída anularla o matrimonio, poderia definir-se por quatro elemen-
tos indispensáveis e inseparáveis:
1º) A disponibilidade para o relacionamento sexual (que incluíria a
nao-exclusao do ius in corpus);
96. PAULO VI, Alocu~lio «Alla Inaugurazione dell'ano Giudiziario» 1976, O.C.,
p.299.
97. S. TOMAS I-TI, 9, 25 a. 2, n. 2.
286 MONS. RAFAEL LLANo ClFuENTEs