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muito comum até os dias de hoje.
A disputa entre grupos político-partidários ou
grupos econômicos não visa formar uma unidade com vistas à construção de um projeto de nação comum a toda a sociedade, mas, sim, projetos particulares ou de classe. O boicote ou a sabotagem de uns contra os outros afeta a todos, e o país e o povo vão soçobrando numa espécie de limbo, ardendo na fogueira das vaidades do poder. O SEGUNDO REINADO NO BRASIL: D. PEDRO II EM 1840, COM O GOLPE DA MAIORIDADE, D. PEDRO II ASSUME O TRONO DO BRASIL AOS 15 ANOS DE IDADE. JÁ NOS ANOS INICIAIS, ENFRENTA SEU BATISMO DE FOGO, OU SEJA, TEVE DE CONTEMPORIZAR INTERESSES DIAMETRALMENTE OPOSTOS DE BRASILEIROS E INGLESES. A PRESSÃO DA INGLATERRA PARA A SUPRESSÃO DO TRÁFICO DE ESCRAVOS E PARA O FIM DA ESCRAVIDÃO NO PAÍS SE JUSTIFICA PELO FATO DE QUE A SUBSTITUIÇÃO DO TRABALHO ESCRAVO PELO ASSALARIADO ABRIRIA UM AMPLO MERCADO CONSUMIDOR. ERA NESSA FATIA QUE OS INGLESES ESTAVAM DE OLHO. ENTRETANTO, HAVIA UM PROBLEMA: JUSTAMENTE OS INGLESES ERAM OS MAIORES IMPORTADORES DO CAFÉ BRASILEIRO, E QUANTO MAIS IMPORTAVAM, MAIS LENHA LANÇAVAM NA FOGUEIRA DO TRÁFICO NEGREIRO. DE OUTRO LADO, AS MAIORES FORTUNAS DO PAÍS, E CONSEQUENTEMENTE O PODER, ESTAVAM NAS MÃOS DESTAS DUAS CLASSES SOCIAIS — A DE TRAFICANTES DE ESCRAVOS E A DA OLIGARQUIA DO CAFÉ. O IMPERADOR NÃO PODIA NEM PENSAR EM MEXER NESSES DOIS SETORES. QUALQUER MEDIDA QUE IMPLICASSE PERDAS AFIARIA A GUILHOTINA. EM 1845, A INGLATERRA APROVA A BILL ABERDEEN, LEI QUE PROIBIA O TRÁFICO DE ESCRAVOS N O ATLÂNTICO SUL. A VISTA GROSSA DO GOVERNO BRASILEIRO TORNOU-A INÓCUA. NO ANO DE 1846, A ENTRADA DE ESCRAVOS NO BRASIL SALTOU DE 20 PARA 50 MIL; EM 1847, PARA 56 MIL; E, EM 1848, PARA 60 MIL. O BARÃO DE MAUÁ IRINEU EVANGELISTA DE SOUZA É UM DOS PERSONAGENS MAIS IMPORTANTES DO SEGUNDO REINADO NO BRASIL, JUNTAMENTE COM O DUQUE DE CAXIAS. MAUÁ HAVIA RETORNADO DA INGLATERRA EM 1840, COM A CABEÇA FERVILHANDO DE IDEIAS. A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL HAVIA ACABADO DE EXPLODIR POR LÁ, E O VELHO MERCANTILISMO DE OUTRORA ESTAVA SENDO SUBSTITUÍDO PELA INDÚSTRIA E PELA PRODUÇÃO DE BENS DE CONSUMO. POR TODO LADO, BROTAVAM FÁBRICAS, FUNDIÇÕES, ESTRADAS DE FERRO, BANCOS… QUANDO CHEGOU AO BRASIL, O BARÃO DE MAUÁ ENCONTROU UM PAÍS EXTREMAMENTE DEPENDENTE DA EXPORTAÇÃO DE COMMODITIES. NO DECÊNIO 1821-1830, O AÇÚCAR RESPONDIA POR 30,1% DAS NOSSAS EXPORTAÇÕES, ENQUANTO O CAFÉ, POR 18,4%. À MEDIDA QUE A ECONOMIA BRASILEIRA VAI SE CONCENTRANDO NA MONOCULTURA CAFEEIRA, O QUADRO SE ALTERA. NO DECÊNIO 1831-1840, O CAFÉ PASSA A RESPONDER POR 43,8% DAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS. NO CURTO E NO LONGO PRAZOS, SE O PAÍS QUISESSE TORNAR-SE GRANDE EM MATÉRIA DE NEGÓCIOS, PRECISAVA DIVERSIFICAR SUA ECONOMIA. Na contramão de tudo, Mauá abre 17 empresas em parceria com investidores ingleses. Tinha bancos, estradas de ferro, a maior fábrica do país, uma fundição, uma companhia de navegação, empresas de comércio exterior, mineradoras, usinas de gás etc. Em 1867, Mauá era dono da maior fortuna particular do Brasil: cerca de 60 milhões de dólares. O imperador sabia que a economia brasileira deveria iniciar urgentemente um processo de diversificação; os empreendimentos de Mauá abriram os olhos do imperador para novas possibilidades, novos caminhos para a economia brasileira. O Brasil que surge na segunda metade do século XIX será, em grande parte, fruto do trabalho e da imaginação de Mauá. A L E I EUSÉBIO DE QUEIRÓS A L E I EUSÉBIO DE QUEIRÓS (1850), QUE EXTINGUIA O TRÁFICO DE ESCRAVOS NO BRASIL, FOI FRUTO DE UMA ASTUCIOSA NEGOCIAÇÃO ENTRE O IMPERADOR, POLÍTICOS LIGADOS A ELE, O BARÃO DE MAUÁ E OS TRAFICANTES. PARA EVITAR UMA CRISE POLÍTICA QUE PODERIA ATÉ RESULTAR NO FIM DA MONARQUIA, O BARÃO DE MAUÁ OPERACIONALIZA A TRANSIÇÃO DE FORMA MAGISTRAL. COMEÇA POR FUNDAR UM BANCO, CHAMADO BANCO DO BRASIL, EM 1851. O BB VAI TRANSFORMAR A RUÍNA IMINENTE DE UMA CLASSE SOCIAL EM UMA OPORTUNIDADE DE NEGÓCIO INFINITAMENTE MELHOR. DE TRAFICANTES, ESSES SENHORES TORNARAM-SE RENTISTAS, AGIOTAS. LIVRARAM-SE DE UM DUPLO PROBLEMA QUE OS AFLIGIA: O PRIMEIRO, ECONÔMICO, JÁ QUE, COM A INTROMISSÃO DOS INGLESES, O TRÁFICO NEGREIRO TORNAVA-SE CADA VEZ MAIS UM NEGÓCIO ARRISCADO E SUJEITO A PREJUÍZOS ENORMES; O SEGUNDO, MORAL, POIS JÁ HAVIA UM SETOR DA SOCIEDADE QUE NÃO VIA COM BONS OLHOS A QUESTÃO DA ESCRAVIDÃO, QUE JÁ TINHA SIDO CONDENADA MUNDO AFORA. EM TEMPOS NEBULOSOS, A INTERVENÇÃO DE MAUÁ FOI MAIS QUE CIRÚRGICA; FOI PROVIDENCIAL. COM ESSE CAPITAL CONVERGINDO PARA AS FORÇAS PRODUTIVAS DO PAÍS, AS IMPORTAÇÕES DA INGLATERRA AUMENTARAM EM 57% DE 1851 PARA 1852. AS RECEITAS DO TESOURO COM OS IMPOSTOS DE IMPORTAÇÃO SALTARAM 30% NO MESMO PERÍODO. AS DUAS FRENTES QUE PARECIAM ESTAR A CAMINHO DE UMA COLISÃO FRONTAL — O IMPERADOR E OS TRAFICANTES DE ESCRAVOS — SAÍRAM RINDO À TOA. E NO BRASIL, QUANDO O GOVERNO E AS ELITES ECONÔMICAS ESTÃO SATISFEITOS, VIVE-SE NO MELHOR DOS MUNDOS POSSÍVEIS. SÃO MAUÁ. INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO (IHGB) COM O TEMPO, POLÍTICOS LIBERAIS E CONSERVADORES DESCOBRIRAM QUE A ESTABILIDADE POLÍTICA DO PAÍS ERA BENÉFICA PARA AMBAS AS PARTES. O AUMENTO GRADATIVO DAS EXPORTAÇÕES DE CAFÉ NA DÉCADA DE 1840 IA RECUPERANDO A COMBALIDA ECONOMIA NACIONAL. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro foi o centro irradiador a partir do qual se buscou formatar uma identidade para o Brasil. Essa identidade, no entanto, não passava pela diversidade do país, formada por índios, negros e europeus. Ao contrário, procurou negá-los. No instituto, forjou-se a primeira história do Brasil. Nessa história, a civilização europeia e cristã era o modelo absoluto, em detrimento de toda a diversidade religiosa e cultural que dominava o país, oriunda da miscigenação. Historiadores do IHGB propunham como saída para o Brasil, no longo prazo, o branqueamento da população. O fim da escravidão e o incremento de políticas de imigração levariam a um processo de branqueamento benéfico para o futuro do país. A principal obra publicada por esse instituto foi História geral do Brasil, de Francisco Adolfo Varnhagen. Sua visão vai desembocar em outro exemplar dessa fauna eugenista: Raimundo Nina Rodrigues, que, no final do século XIX, escreveu Mestiçagem, degenerescência e crime, em que atribuía aos mestiços uma propensão maior à indolência, ao ócio, à promiscuidade e ao crime. Num país constituído de mestiços, essa era uma condenação geral do povo brasileiro. O desserviço desses senhores será responsável por tornar o Brasil — ainda nos dia de hoje — uma das sociedades mais preconceituosas, excludentes e autoritárias do mundo. Para o imperador e para a Monarquia, o que interessava, de fato, era a justificação da permanência do regime monárquico que, como europeia, era o grande agente civilizatório. Vencido o período conturbado (Primeiro Reinado e Regência), de fortes contestações à Monarquia, essas teses caíam como luvas nas mãos dos monarcas, e o IHGB acabou por se tornar uma espécie de agência de marketing do imperador. O NOVO MUNDO A PARTIR DAS GRANDES MUDANÇAS SOCIAIS E ECONÔMICAS EM CONSEQUÊNCIA DA L EI EUSÉBIO DE QUEIRÓS, O BRASIL VIVERÁ UM SURTO DESENVOLVIMENTISTA. UMA VERDADEIRA REVOLUÇÃO NA DIVERSIFICAÇÃO DE SUAS ATIVIDADES PRODUTIVAS. TALVEZ O MAIOR JÁ EXPERIMENTADO DESDE 1808 (COM A CHEGADA DA FAMÍLIA REAL PORTUGUESA). EM 1851, O INÍCIO DO MOVIMENTO REGULAR DA CONSTITUIÇÃO DE EMPRESAS E SOCIEDADES ANÔNIMAS; EM 1852, A INAUGURAÇÃO DA PRIMEIRA LINHA TELEGRÁFICA, NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO; EM 1854, A ABERTURA AO TRÁFEGO DA PRIMEIRA LINHA DE ESTRADAS DE FERRO DO PAÍS, TAMBÉM NO RIO DE JANEIRO. SEGUNDO SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA, “O CAMINHO ABERTO POR SEMELHANTES TRANSFORMAÇÕES SÓ PODERIA LEVAR, LOGICAMENTE, A UMA LIQUIDAÇÃO MAIS OU MENOS RÁPIDA DE NOSSA VELHA HERANÇA RURAL E COLONIAL, OU SEJA, DA RIQUEZA QUE SE FUNDA NO EMPREGO DO BRAÇO ESCRAVO E NA EXPLORAÇÃO PERDULÁRIA DAS TERRAS DE LAVOURA”. 18 A PARTIR DESSE MOMENTO, O INCENTIVO AO COMÉRCIO, AO DESENVOLVIMENTO URBANO E AOS PROFISSIONAIS LIBERAIS VAI CRIAR UM NOVO TIPO DE ELITE NO PAÍS. COM O TEMPO, ESSA NOVA ELITE PASSA A RIVALIZAR COM A ANTIGA, RURALISTA, ESCRAVOCRATA, LATIFUNDIÁRIA, QUE TOMAVA CONTA DO PODER. A HISTÓRIA DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX NO BRASIL SERÁ, EM GRANDE PARTE, DE UM LADO, A HISTÓRIA DA ASCENSÃO DESSA NOVA ELITE, DE OUTRO, A CRISE DA VELHA ELITE BRASILEIRA, E A MONARQUIA NO MEIO, COMO O FIEL DA BALANÇA. A GUERRA DO PARAGUAI EM 1864, TEM INÍCIO A GUERRA DO PARAGUAI. A DISPUTA GIRAVA EM TORNO DA QUESTÃO DE O PAÍS NÃO TER SAÍDA PARA O MAR. ERA, INICIALMENTE, UM CONFLITO BÉLICO ENTRE A TRÍPLICE ALIANÇA — BRASIL, ARGENTINA E URUGUAI — E O PARAGUAI COM SUAS AMBIÇÕES EXPANSIONISTAS. MAS, PARA O BRASIL E PARA O IMPERADOR D. PEDRO II PARTICULARMENTE, HAVIA UM ELEMENTO IMPORTANTE DA POLÍTICA INTERNA NO CONTEXTO DA GUERRA: O MOMENTO EM QUE O IMPERADOR VAI PROCURAR FIRMAR SEU GENRO, O CONDE D’EU, NA POLÍTICA BRASILEIRA. MUITO INSEGURO COM A HERDEIRA DO TRONO, A JOVEM PRINCESA ISABEL, O IMPERADOR QUERIA TORNAR A FIGURA DO CONDE D’EU PALATÁVEL PARA A ELITE POLÍTICA BRASILEIRA QUE NÃO DIGERIA O FATO DE ELE SER FRANCÊS E TER UM PENSAMENTO LIBERAL. EM 1869, CAXIAS TOMA ASSUNÇÃO. O PRESIDENTE DO PARAGUAI (PARA OS BRASILEIROS, UM TIRANO SANGUINÁRIO), SOLANO LÓPEZ, HAVIA FUGIDO, MAS, MESMO ASSIM, EXISTIA UMA PRESSÃO ENORME PARA QUE A GUERRA FOSSE ENCERRADA. O PRÓPRIO CAXIAS SE DESLIGOU DO COMANDO DAS TROPAS. A GUERRA SE ENCERRARIA UM ANO DEPOIS, EM MARÇO DE 1870, COM A MORTE DE LÓPEZ E O EXÉRCITO BRASILEIRO SOB O COMANDO DE GASTÃO DE ORLÉANS E BRAGANÇA, O CONDE D’EU. A PRINCESA ISABEL: HERDEIRA PRESUNTIVA DO TRONO DESDE 1863, QUANDO OS ESTADOS UNIDOS HAVIAM DECLARADO O FIM DA ESCRAVIDÃO, O BRASIL TINHA SE TORNADO UM DOS ÚNICOS PAÍSES DO OCIDENTE A TOLERÁ-LA, FATO QUE COLOCAVA O PAÍS E O IMPERADOR EM SITUAÇÃO CONSTRANGEDORA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS. EM 1867, A JUNTA FRANCESA PARA A EMANCIPAÇÃO ENVIOU UMA CARTA APELANDO AO IMPERADOR PARA QUE RESOLVESSE A QUESTÃO D A ESCRAVIDÃO. NA FALA DO TRONO, O IMPERADOR DETONA UMA BOMBA, “A ESCRAVIDÃO NO IMPÉRIO NÃO PODE DEIXAR DE MERECER VOSSA CONSIDERAÇÃO
SCHWARCZ, Lilia Moritz (Org.) - História Do Brasil Nação 1808-2010. Volume 1 - Crise Colonial e Independência 1808-1830. Rio de Janeiro Objetiva, 2011.
A criação do Brasil - 2ª edição: Como uma geração de desbravadores desafiou coroas, religiões e fronteiras, dando ao país ilimitadas ambições de grandeza