TCCII Denisy Dezembro
TCCII Denisy Dezembro
TCCII Denisy Dezembro
TERESINA (PI)
2020
DENISY TRIGUEIRO DOS SANTOS
TERESINA (PI)
2020
DENISY TRIGUEIRO DOS SANTOS
Aprovado em:
________________________________________
Prof. (Nome do orientador)
Universidade do orientador
________________________________________
Prof. (Nome do professor avaliador)
Universidade do avaliador 1
________________________________________
Prof. (Nome do professor avaliador)
Universidade do avaliador 2
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, pelo incentivo e todo o esforço despendido para que eu pudesse
concluir minha graduação;
Ao Samuel, namorado e amigo por todo apoio emocional e financeiro que foram
essenciais durante minha graduação e, especialmente, durante o desenvolvimento do presente
trabalho;
Agradecimentos especiais à Profª. Drª. Cristiane de Sousa Moura Teixeira, minha
orientadora, por sua valiosa orientação, compreensão e paciência durante a elaboração deste
trabalho;
Ao Profº. Drº. Neuton Alves de Araújo, por seus direcionamentos, os quais foram
essenciais para o desenvolvimento e concretização deste trabalho de conclusão de curso;
Aos colegas de curso, Mariana Lustosa, Débora Rodrigues e Lucas Galiza pelas boas
lembranças, amizade e auxílio no desenvolvimento das atividades acadêmicas.
À Universidade Federal do Piauí (UFPI) e o seu corpo docente que demonstraram
estar comprometido com a qualidade e excelência do ensino.
Não há educação neutra. Toda neutralidade
afirmada é uma opção escondida.
(PAULO FREIRE)
RESUMO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11
REFEÊNCIAS .................................................................................................................... X
11
1 INTRODUÇÃO
Falar sobre sexualidade sempre causa o maior burburinho, principalmente devido aos
tabus e estereótipos que permeiam o exercício da sexualidade humana, compreendida como
algo íntimo e privado e com frequência associada ao pecado e ao proibido. Esse estigma
social em torno da sexualidade relaciona-se à própria forma de percebê-la, normalmente
assumindo-a como sinônimo de sexo e/ou práticas associadas a ele. Dessa forma, cabe-nos
fazer a distinção entre sexo e sexualidade. O sexo, a depender do contexto, pode estar
relacionado ao ato e à satisfação sexual ou pode estar relacionado diretamente ao sexo
biológico do indivíduo.
A sexualidade, no entanto, é mais complexa. Podemos compreendê-la como um
componente intrínseco1 do ser e fazer-se humano que se manifesta desde o nosso nascimento
e permanece durante toda a nossa vida. Envolvendo, além de fenômenos anatômicos e
fisiológicos do corpo, crenças, valores, rituais, representações, linguagens, fantasias,
afetividade, prazer, comunicação, comportamentos, identidades e normas morais que são
construídas e elaboradas historicamente. (LOURO, 2010; WEEKS, 2010; FIGUEIRÓ, 2009).
Portanto, ao contrário do que está impregnado no senso comum, a sexualidade não é apenas a
expressão de fenômenos biológicos, mas é também a “expressão de condições sociais,
culturais e históricas nas quais os indivíduos estão inseridos”. (MEIRA, et al., 2006, p. 4).
Por isso mesmo, não devemos compreendê-la como um componente fixo e estático
que se manifesta durante toda a vida e para todos os indivíduos da mesma forma. Mas como
um componente que faz parte da individualidade dos sujeitos, a qual carrega em si aspectos
subjetivos que fazem parte das experiências particulares que cada um vivencia, mas que ao
mesmo tempo conserva traços da coletividade. Já que, por seu caráter social e histórico,
possui determinações que são sociais.
Nessa perspectiva, é no social que os corpos ganham significados, que desejos e
prazeres são codificados e as identidades sexuais e de gênero são definidas e moldadas
(LOURO, 2010). Na mesma linha, é em sociedade que se constroem os padrões sexuais, os
ideais de corpos e se normaliza/padroniza comportamentos e identidades, de tal forma que
qualquer manifestação e/ou expressão da sexualidade que fuja a norma é reprimida. Não
obstante, são padrões criados e legitimados socialmente que possuem sua concretização na
1
Com o termo “intrínseco” não queremos passar a ideia determinista de que a sexualidade faz parte da
“natureza humana” e que por isso teria apenas terminações biológicas, naturais. Mas compartilhamos a ideia de
que a sexualidade faz parte da personalidade de cada um de nós, a qual guia a forma como nos relacionamos
com os outros, como nos comportamos, nos vemos, nos vestimos e nos reconhecemos. É, portanto, um
componente que guia nossa experiência no mundo, e por isso não pode ser dissociada do ser.
12
história e cultura de determinados grupos e civilizações, mudando para cada um, aqueles que
representam a norma. Para Louro,
2
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros, Queers, Intersexos e demais sujeitos que se enquadrem
neste segmento.
13
corpos dos sujeitos, está, como afirma Louro (2010, p. 30), exercendo “uma pedagogia da
sexualidade, legitimando determinadas identidades e práticas sexuais, reprimindo e
marginalizando outras”. (LOURO, 2010, p. 30). Não apenas a escola, mas todas as instâncias
sociais realizam tal pedagogia, procurando, através de imposições e recomendações,
disciplinar os corpos, ou seja, há em nossa sociedade um esforço articulado para reiterar
identidades e comportamentos hegemônicos. (LOURO, 2010).
Nesse contexto, cabe perguntar: O que a escola, enquanto espaço de socialização, de
experimentação, que abriga crianças e adolescentes de comportamentos e identidades
diferentes e que, inevitavelmente, deve reconhecer o seu papel na formação de pessoas
reflexivas e conscientes que exercitem o respeito a si e ao outro, têm ensinado sobre
sexualidade? A escola tem questionado os padrões hegemônicos de identidade e sexualidade e
as normas morais que estão impregnadas em nossa sociedade ou os têem legitimado?
Para responder a estes questionamentos precisamos antes compreender como
encontra-se a prática pedagógica dos/as professores/as acerca com do conceito sexualidade,
visto que estes profissionais exercem papel fundamental no processo educativo e são, na
prática, os responsáveis por selecionar os conteúdos a serem ministrados na escola.
Destacamos que, embora os/as professores/as de todas as disciplinas escolares devam
encarregar-se de discutir sobre sexualidade em suas aulas, são os professores de Ciências
aqueles que efetivamente o fazem. Isso, pois a sexualidade humana, como consta na Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Fundamental (2017), é de ensino obrigatório
na referida disciplina.
Portanto, indaga-se: Como os/as professores/as de Ciências têm trabalhado o
conceito sexualidade em suas aulas? Estes profissionais têm ensinado o conceito sexualidade
respeitando suas múltiplas dimensões e variedades de expressão? Antes de ensaiar uma
resposta para estes questionamentos, permita-me falar um pouco das minhas experiências
como graduanda do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal do
Piauí (UFPI).
Como graduanda do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da UFPI pude
sentir falta de algumas demandas. Não há na grade curricular do curso nenhuma disciplina
especíifica para a abordagem do conceito sexualidade. Discussões que se relacionam ao
referido conceito se encontram dispersas em várias disciplinas, sendo abordadas de maneira
fragmentada, sem que se faça relação direta entre os conteúdos, e ainda sob um viés
estritamente biológico. Por exemplo, na disciplina de embriologia, estudamos o
desenvolvimento embrionário humano, mas, embora o campo nos parecesse propício, não foi
14
feita nenhuma relação com o aborto, seja espontâneo ou induzido. Nas disciplinas de
fisiologia e anatomia humana, estudamos os sistemas reprodutores feminino e masculino,
porém, a ênfase estava em aprender todos as estruturas e fenômenos hormonais que ocorrem
nestes. Não se discutiu sobre polução noturna, masturbação feminina e masculina, sexo e
prazer, ou seja, nos apresentaram apenas um corpo assexuado. Dentre outras questões que não
foram contempladas durante a graduação, destaco: identidade sexual e identidade de gênero,
desigualdade de gênero, gravidez não planejada na adolescência, violência e abuso sexual,
violência a pessoas LGBTQI+ e métodos contraceptivos. Observa-se, assim, um
distanciamento entre o que é ministrado na universidade e as demandas que encontramos nas
escolas.
Neste contexto, concordamos com Figueiró (2009, p.141) ao afirmar que “todo o
processo formativo dos professores, tanto no Magistério, quanto nas licenciaturas, não os tem
preparado para abordar a questão da sexualidade no espaço da escola”, o que faz com que
esses profissionais se sintam despreparados para desenvolver o referido conceito em sua
prática pedagógica em uma perspectiva que supere o caráter classificador e biologizante.
Portanto, o conceito sexualidade vem sendo desenvolvimento no espaço escolar de maneira
incipiente, em que se privilegia a sua dimensão biológica em detrimento das dimensões
sociocultural e psíquica, ou seja, a abordagem do conceito sexualidade está restrita ao
funcionamento do corpo e aspectos da saúde, não havendo a problematização do “vir a ser”
ou, ainda, a problematização das diversas categoriais sexuais em sua dimensão sócio-
histórica.
É desse cenário que surge o interesse para este trabalho de pesquisa. Desta forma,
considerando que a formação dos/as professores/as não tem correspondido a demanda social
presente na escola, resultando no despreparo e insegurança destes profissionais em tratar de
temas relacionados a sexualidade humana, indaga-se: Como auxiliar os/as professores/as de
Ciências a ensinarem o conceito sexualidade no espaço escolar respeitando o seu caráter
sócio-histórico e as múltiplas dimensões que este conceito engloba, especificamente no que
diz respeito a abordagem da diversidade sexual existente em nossa sociedade?
Em resposta a essa questão, apontamos a Atividade Orientadora de Ensino (AOE)
como possibilidade para o ensino do conceito sexualidade e seus nexos conceituais. Uma vez
que esta, compreendida como um recurso teórico-metodológico para a organização do ensino,
possibilita que os/as professores/as contemplem em sua prática pedagógica o processo sócio-
histórico de produção do conceito, sendo possível assim, tratando-se do conceito sexualidade,
abordá-lo em sua dimensão sociocultural e psíquica. Além disso, para utilizar a AOE como
15
3
Na concepção materialista “são as relações materiais, concretas, que os homens estabelecem entre si que
explicam as ideias e as instituições que eles criam” (TONET, 2009).
16
sobretudo, como a expressão das condições histórico-sociais nas quais os sujeitos estão
inseridos (MEIRA, et al., 2006).
Dito isto, iniciaremos apresentando o processo histórico de desenvolvimento do
gênero humano, para que possamos compreender o movimento lógico-histórico de produção
de significados sobre sexualidade, e com isso contribuir para desmistificar a ideia da
sexualidade como condição inata, natural, com determinação essencialmente biológica.
A espécie Homo sapiens, enquanto pertencente ao reino dos animais, é produto de
milhões de anos de evolução biológica, porém, diferindo dos seus antepassados e outros
primatas, esta espécie não responde apenas às leis naturais, mas, sobretudo, às leis sócio-
históricas. Tudo o que há de humano no homem é resultado da vida social e da apropriação da
cultura produzida pela humanidade ao longo da história (LEONTIEV, 1978). Para Leontiev
(1978, p. 261), a evolução dos hominídeos primitivos ao homem moderno é fruto “[...] da
passagem à vida numa sociedade organizada na base do trabalho 4”, ou seja, uma sociedade
organizada para execução de atividades pertinentes à garantia da subsistência do grupo, como
obtenção de alimentos e busca por abrigo e proteção.
Segundo este mesmo autor, que se baseia em dados da paleoantropologia, a evolução
da espécie humana compreende três estádios, sendo, o primeiro, o estádio de preparação
biológica da espécie que se inicia no fim do terciário e prossegue ao início do quaternário.
Sendo representado no pleistoceno inferior pelo gênero Australopithecus, os quais levavam
uma vida em grupo, viviam em posição ereta e eram capazes de fabricar utensílios
rudimentares e atirar armas (LEONTIEV, 1978; MCALESTER, 2002). Admite-se, ainda, que
os Australopithecus possuíssem meios primitivos de comunicação (LEONTIEV, 1978). O
segundo estádio da evolução do homem moderno é marcado pelo aparecimento do Homo
erectus5 no pleistoceno médio, havendo neste estádio o avanço progressivo e aprimoramento
na fabricação de instrumentos de pedra, bem como o surgimento das primeiras formas de
trabalho e sociedade, ainda que pouco desenvolvidas (LEONTIEV, 1978; MCALESTER,
2002).
Até o segundo estádio, a evolução do homem ainda respondia às leis biológicas e
todas as modificações anatômicas surgidas tinham suas bases na alteração do material
genético e eram transmitidas ao longo das gerações por hereditariedade (LEONTIEV, 1978).
No entanto, a medida que se engendrava as primeiras formas de trabalho e sociedade
produzia-se influências sobre o desenvolvimento humano. O aprimoramento na produção de
4
O termo “trabalho” empregado no texto não se refere a ideia de emprego ou profissão, mas sim, a atividade
especificamente humana de agir sobre a natureza e modificá-la para fins próprios.
5
Espécie de hominídeo que corresponde a designação de pitecantropos (MAZOYER; ROUDART, 2010).
19
conceitos. O fato é este, de forma totalmente inconsciente e mediada por outros homens,
aprendemos a ser humanos. Mas nesse processo, não somos apenas reprodutores, também
produzimos e transformamos nossa realidade.
Sob essa ótica, podemos vislumbrar o caráter histórico e social dos homens e de
todos os aspectos de sua vida em sociedade, e com isso falsear a suposta existência de uma
natureza humana ou predisposição natural que apresenta como universais padrões de
comportamentos e características humanas constituídas ao longo da história que não podem
ser outra coisa, senão, resultado da atividade humana.
Destacamos que vários produtos da atividade humana são constantemente
naturalizados, como é o caso da sexualidade que com frequência é encarada como condição
inata ao ser humano. De fato, há aspectos da sexualidade que são naturais. Por exemplo, ao
falarmos sobre determinação do sexo biológico, do desenvolvimento dos caracteres sexuais
secundários, de menstruação e gravidez, estamos falando de fenômenos essencialmente
biológicos que apresentam um certo grau de padronização. Mas até mesmo esses fenômenos
são vivenciados de modos diferentes entre os indivíduos, pois são sempre influenciados pelos
significados sociais produzidos no contexto de cada cultura.
Todavia, ao falarmos das diferentes formas de viver e expressar a sexualidade,
estamos nos referindo a fenômenos socioculturais e psicossociais, isto é, a fenômenos da
sexualidade que se constituem diferentemente para cada indivíduo a partir das experiências
particulares que cada um vivencia e da cultura da qual fazem parte. Porém, muitos
significados produzidos socialmente sobre sexualidade remetem a ideia de uma possível
determinação biológica desses fenômenos, resultando no estabelecimento de padrões
comportamentais que são encarados como naturais enquanto aqueles que fogem a norma são
vistos como desviantes, subversivos e pecaminosos.
É importante entender que os significados são produções históricas e sociais que
embora apresentem certa estabilidade também se modificam ao longo da história (AGUIAR;
OZELLA, 2013). Para Aguiar e Ozella (2013, p. 304), os significados são entendidos como os
“conteúdos instituídos, mais fixos, compartilhados, que são apropriados pelos sujeitos,
configurados a partir de suas próprias subjetividades”.
Leontiev (2004), afirma que os significados são os reflexos generalizados da
realidade elaborada historicamente pela humanidade sob a forma de conceitos, saberes ou
saber-fazer que serão apropriados pelos indivíduos. Logo, cada geração, cada homem,
encontra um sistema de significações elaborado historicamente do qual deverá se apropriar,
tal como seria com um instrumento, mas se o indivíduo irá se apropriar ou não, a forma como
22
posição de destaque e possuía alto grau de liberdade, podendo ter relações sexuais antes do
casamento sem que isso afetasse sua honra e, no Egito antigo, podiam ocupar posições
importantes, como médicas e até faraós (RIBEIRO, 2005).
É importante destacar que com a passagem à Idade Antiga o sexo gradualmente
perde o caráter mítico das sociedades primitivas, havendo a separação entre sexo e reprodução
e a inserção da noção de prazer (NUNES, 1987). Assim, as divindades do prazer, as técnicas e
os estímulos sexuais surgem ainda nesse período da história, não havendo os valores de
virgindade feminina, celibato ou heterossexualidade compulsiva (NUNES, 1987). Nas
civilizações desse período, muitas práticas sexuais eram aceitas e incentivadas, como é o caso
do bissexualismo grego e romano (NUNES, 1987; RIBEIRO, 2005).
Segundo Foucault (1984), não existia para os gregos a distinção entre
relacionamentos homossexuais e heterossexuais e não se reconhecia o amor ao próprio sexo e
o amor ao sexo oposto como comportamentos diferentes e excludentes. Para eles, envolver-se
sexualmente com homens e com mulheres consistia apenas em duas maneiras de obter prazer,
não havendo categoria para classificar os indivíduos de acordo com a inclinação do seu
desejo, o homem que se relacionava com homens não se experimentava como “outro” face
aos que se relacionavam com mulheres (FOUCAULT, 1984). Além disso, Nunes (1987)
afirma que a prostituição feminina teria surgido ainda nesse período e Senem e Caramaschi
(2017) que, em algumas sociedades da Antiguidade, a prática do incesto foi amplamente
aceita e praticada.
No entanto, paralelamente a liberdade sexual na busca pelo prazer, inicia-se nesse
período o processo de hostilização do corpo e das práticas sexuais. Para Ranke-Heinemann
(1996), esse processo deriva, sobretudo, das considerações médicas da época. Para os
pensadores Xenofonte, Platão, Aristóteles e o médico Hipócrates (século IV a.C.) o ato sexual
era perigoso, difícil de controlar e prejudicial à saúde (RANKE-HEINEMANN, 1996).
Hipócrates defendia que a perda excessiva de sêmen podia levar à morte e Sorano de Éfeso
(século II d.C.), médico pessoal do Imperador Adriano, acreditava que o ato sexual só era
justificável com a finalidade reprodutiva (RANKE-HEINEMANN, 1996).
Aristóteles, filósofo que se dedicou ao estudo das relações entre os sexos e exerceu
grande influência sobre pensamento medieval, estabeleceu em sua obra “Ética a Nicômaco” a
concepção sobre a complementariedade sexual “natural”, a qual dispõe que, para viverem
melhor, a natureza fez o homem e a mulher, um e o outro sexo, sendo o primeiro forte e o
segundo contido pelo temor (FOUCAULT, 1984; NUNES, 1987). Em sua obra “Política”, o
26
filósofo afirma que o macho é, por natureza, superior a fêmea e que isso se aplica
necessariamente ao gênero humano (SENEM; CARAMASCHI, 2017).
Tais concepções contribuíram para a construção de uma visão redutora da
sexualidade, a qual foi intensificada pelo estoicismo, uma das maiores escolas da filosofia
antiga que perdurou de 300 anos a.C. a 250 anos d.C. (RANKE-HEINEMANN, 1996). Os
estoicos rejeitaram a busca pelo prazer e pregaram a concentração da atividade sexual no
casamento, mas à medida em que o prazer carnal passou a ser hostilizado, o casamento passou
a ser questionado e o celibato e a abstinência sexual foram valorizados como ideais de
comportamento (RANKE-HEINEMANN, 1996). Assim, o casamento passou a ser tratado
como uma concessão aos que não conseguiam se abster, uma permissão para a satisfação
sexual (RANKE-HEINEMANN, 1996).
Todavia, as exigências de austeridade presentes no pensamento antigo não estavam
organizadas em uma moral unificada, impostas a toda sociedade de maneira autoritária
(FOUCAULT, 1984). Segundo Foucault (1984, p. 23) “[...] elas eram, antes de mais
nadainicialmente, um suplemento, como que um ‘luxo’ em relação à moral aceita
correntemente [...]”, além de terem origem em diferentes movimentos filosóficos ou religiosos
e serem desenvolvidas dentro de grupos específicos, o que, por consequência, limitava o seu
alcance.
Nesse contexto, a produção de significados na Antiguidade conserva um dualismo.
Por um lado, significações positivas são produzidas, fala-se em “Eros” e busca-se o prazer.
Por outro, inicia-se um pessimismo em relação ao sexo e produz-se uma visão redutora da
sexualidade, além de haver a contínua legitimação do patriarcado, com a valorização do sexo
masculino e subalternização do sexo feminino.
por meio do sistema de controle e culpa (NUNES, 1987). É nesse contexto que o corpo
começa a ser tratado como o lugar da maldade demoníaca, o sexo passa a ser associado a ideia
de pecado e só é permitido com o propósito reprodutivo, a dimensão do prazer é perdida e a
castidade passa a ser considerada a maior virtude (NUNES, 1987).
Com a sexualidade sob o controle da religião, os comportamentos sexuais passam a
ser controlados segundo os ditames da Bíblia. Portanto, cabe fazer algumas considerações
sobre suas escrituras. Na primeira parte da Bíblia Cristã, o Antigo Testamento, a poligamia é
admitida como norma básica e o divórcio é aceito como um privilégio masculino como consta
em Deuteronômio 24, 1ss (SENEM; CARAMASCHI, 2017). As mulheres não podiam pedir
divórcio e em caso de adultério eram apedrejadas (NUNES, 1987). Relações entre indivíduos
do mesmo sexo (livro do Levítico 18,22) e a prostituição (Deuteronômio 22,20) são
reprimidas, a menstruação é considera impureza da mulher e se punia com morte o casal que
mantivesse relações sexuais durante esse período (NUNES, 1987; SENEM; CARAMASCHI,
2017). Segundo Nunes (1987), a polução noturna é considera impura (livro do Levítico 15,
18) e o incesto é proibido (livro do Levítico 18).
Na segunda parte da Bíblia, o Novo Testamento, a doutrina Cristã tem grande
influência de São Paulo, judeu grego convertido ao cristianismo, o qual condenou a
homossexualidade, o adultério, a fornicação, prostituição e o divórcio, e defendeu a
submissão da mulher, alegando que esta deveria ser obediente ao marido (NUNES, 1987).
Com a Patrística, filosofia Cristã dos três primeiros séculos e fonte da moral sexual primitiva,
o corpo e o sexo assumem conotação profundamente negativa, aparece o ideal de virgindade e
de pureza e reitera-se a submissão da mulher, havendo a renovação da condenação do
adultério e proibição do divórcio, práticas comuns nas sociedades pagãs (NUNES, 1987).
É importante destacar que o rigorismo da moral Cristã sobre a sexualidade é
reforçado a partir da influência e incorporação da moral e filosofia pagã ao Cristianismo
(NUNES, 1987). É sob influência do estoicismo e do neoplatonismo que os três padres da
igreja, Santo Agostinho (354 d.C. a 430 d.C.), São Jerônimo (347 d.C. a 420 d.C.) e São
Tomás de Aquino (1225 a 1274), fundamentaram a doutrina Cristã e contribuíram para a
manutenção do pessimismo em relação aos prazeres sexuais (RIBEIRO, 2005; SALLES;
CECCARELLI, 2010). Dentre as muitas imposições, determinavam que o sexo só se
justificava para fins reprodutivos e que sua prática deveria ocorrer exclusivamente dentro do
casamento, que não poderia haver demonstração de paixão entre o casal e que a prostituição, o
adultério, a homossexualidade e a masturbação eram pecados contra o corpo (RIBEIRO,
2005).
28
Santo Agostinho, com sua compreensão negativista do sexo, considerou o ato sexual
fruto do pecado e condenou práticas que se desviavam do propósito reprodutivo, do fim
natural do sexo, tais como o sexo anal e sexo oral, uso de métodos contraceptivos (à época o
coito interrompido era comum para evitar a concepção) e abstinência sexual no período fértil
da mulher (NUNES, 1987). São Jerônimo, tradutor da Bíblia do hebraico e grego para o latim,
foi grande defensor do celibato e da virgindade, e considerou a mulher como um instrumento
do demônio que poderia corromper homens puros (SENEM; CARAMASCHI, 2017).
Apesar desse rigorismo moral que aos poucos se implantava, da consolidação do
Cristianismo e da estruturação dos mecanismos de controle da sexualidade na Idade Média, a
Igreja Católica não conseguia enquadrar todos os segmentos sociais aos seus preceitos, em
especial os camponeses que viviam distantes das cidades e dos nobres e permaneciam
apegados aos valores pagãos dos seus antepassados (NUNES, 1987; RIBEIRO, 2005). Assim,
entre as camadas populares proliferavam-se as relações primárias e comunitárias, havia
considerável liberdade sexual e a linguagem da sexualidade era rica e picante (NUNES,
1987).
Foi apenas a partir do Concílio de Trento (1545 a 1563) que a sexualidade popular
passou a ser fortemente controlada pela religião, sobretudo, sob o sistema de medo, culpa e
condenação do inferno, o qual passou a ser o lugar de pecadores, fornicadores, prostitutas e
homossexuais (NUNES, 1987; SENEM; CARAMASCHI, 2017). Além desses mecanismos
de controle, utilizava-se também a violência, assim, os padres e freiras pegas em pecado eram
queimados e enforcados enquanto homens e mulheres tinham suas partes sexuais queimadas
(NUNES, 1987).
No entanto, apesar dos esforços despendidos pela Igreja Católica para controle e
repressão sexual dos seus fiéis nesse período, é apenas a partir do século XVI com a
desestruturação do mundo medieval e com o advento do puritanismo, surgido na Inglaterra no
século XVII, que há uma mudança real no caráter, moral e valores do homem ocidental, que
gradualmente transformou-se em um homem contido, regrado e controlado (NUNES, 1987;
RIBEIRO, 2005). Segundo afirma Leites (1987 apud RIBEIRO, 2005), o puritanismo não
pretendia atingir a sexualidade com suas ideias de autocontrole, buscava, na verdade,
modificar o comportamento desregrado e de temperamento oscilante do homem medieval. No
entanto, sob forte influência do ascetismo, o movimento desvalorizou todas as experiências
ligadas ao corpo e ao prazer (SENEM; CARAMASCHI, 2017).
É importante ressaltar que, durante o século XVI até o século XVIII, a Europa
passou por uma convulsão social resultante da Reforma Protestante, da Contrarreforma e da
29
passagem do modo de produção feudal para o modo de produção capitalista, o que mudou
completamente as relações sociais da época (RIBEIRO, 2005). Weber, em sua obra “A Ética
Protestante e o Espírito do Capitalismo”, sustenta que os princípios da Reforma Protestante,
tais como o individualismo, o trabalho como expiação, a honra, a submissão às escrituras
Bíblicas e a consciência do pecado, bem como a ética do acúmulo sem gastos e exagero são
princípios do capitalismo (NUNES, 1987). Para Ribeiro (2005), o capitalismo transformou a
vida e a sociedade ao submeter o ser ao ter, ao introduzir um modo de vida baseada na
produção e exploração do homem, venda de força de trabalho e acúmulo de bens. Assim,
como constata Nunes (1987), para que os homens pudessem destinar sua máxima energia para
o trabalho, era necessário reprimir sua energia sexual. Logo, “o ‘princípio do prazer’ é
domado e regulado em nome do ‘princípio da realidade’ que, no mundo burguês, é o trabalho
escravizante e alienado” (NUNES, 1987, p. 92).
Portanto, nesse período, as diferentes formas de vivenciar a sexualidade foram
reprimidas (SENEM; CARAMASCHI, 2017). A nudez, considerada natural na Idade Média,
foi coberta por panos e conceitos, a linguagem sobre o sexo, controlada, o corpo representado
de forma negativa e o sexo considerado inimigo do trabalho (NUNES, 1987; SENEM;
CARAMASCHI, 2017), a não ser, para fins reprodutivos, visto a necessidade de mão de obra.
Nesse contexto, tanto a moral oriunda da Reforma Protestante como a da Contrarreforma
promovida pela Igreja Católica, serviram aos mesmos princípios (SENEM; CARAMASCHI,
2017).
Segundo Senem e Caramaschi (2017), outro movimento que contribuiu para a
repressão sexual foi o vitorianismo surgido na Inglaterra no período do reinado da rainha
Vitória (1837-1901), o qual fundamentava-se no pensamento de São Paulo, Santo Agostinho e
São Tomás de Aquino. Esse movimento tornou-se uma forte ideologia repressora que norteou
o comportamento sexual dos indivíduos a partir do século XIX, inclusive, com reflexos que
podem ser sentidos até hoje (RIBEIRO, 2005).
Observa-se durante esse período com mais força um movimento que se iniciara ainda
no final do século XVIII, o surgimento de uma nova tecnologia da sexualidade. Segundo
Foucault (1988), é por meio dessa tecnologia que a sexualidade, através da pedagogia, da
medicina e da economia, deixou de ser apenas uma questão leiga e passou a ser negócio do
Estado. Assim, se antes a sexualidade era regulada pela religião, passa agora para o controle
da medicina, para exigência da normalidade ao invés do medo da morte e do castigo eterno
(FOUCAULT, 1988; SENEM; CARAMASCHI, 2017).
30
6
Intersexuais são aqueles indivíduos que, por consequência de alterações cromossômicas, podem apresentar
características de ambos os sexos, masculino e feminino (SÃO PAULO, 2014).
33
Como indica o Quadro 1, os títulos dos trabalhos selecionados fazem relação direta
entre sexualidade e o ensino de ciências, com alguns enfatizando a temática diversidade
sexual e gênero. O que, por sua vez, facilita o processo de busca e pré-seleção durante o
mapeamento das pesquisas. No entanto, é válido destacar que os títulos dos trabalhos nem
sempre revelam a abordagem dos mesmosdeles, assim, ao considerar apenas a leitura dos
títulos no processo de pré-seleção o autor incorre no erro de ignorar alguns trabalhos
potencialmente relevantes. Tal feito pode, inclusive, justificar o número inexpressivos de
trabalhos aqui apresentados.
TIPO DE
Nº TÍTULO TRABALHO AUTORES ANO
Fonte: A autora
38
Neste foco temático foi inserida uma pesquisa que investigou os sentidos que os/as
professores/as de Ciências atribuem a sexualidade, sendo este o trabalho T1. Esta pesquisa
caracteriza-se por utilizar entrevistas semiestruturadas, questionário, análise documental,
produção de texto e técnica de grupo focal como técnica para coletaprodução de dados, sendo
estas estratégias úteis para desvelar os sentidos sobre sexualidade que prevalecem entre os/as
professores/as entrevistados/as.
O citado trabalho analisa os sentidos atribuídos por professores/as de Ciências e por
alunos à diversidade sexual, sendo a pesquisa desenvolvida com um professor, uma
professora e com alguns alunos. Como resultado de suas investigações, os autores Coelho e
Campos (2015) constataram que os/as professores/as entrevistados/as apresentam sentidos
positivos quanto às identidades não heterossexuais, os quais mostram indignação diante de
situações de preconceito motivadas por homofobia em suas aulas. Todavia, um professor
exprime sentidos que buscam explicar a diversidade sexual através de argumentos biológicos,
recorrendo a genética como meio explicativo da homossexualidade (COELHO; CAMPOS,
2015). Logo, o professor em questão compreende a sexualidade como resultado de fenômenos
40
homofobia que são recorrentes em nossa sociedade, o que, por sua vez, são reproduzidos no
espaço escolar. Havendo, assim, a necessidade de conhecer como os/as professores/as
enfrentam essa realidade, se incluem discussões sobre diversidade sexual e de gênero em suas
aulas e como, efetivamente, o fazem.
Nesse sentido, no que diz respeito à prática pedagógica dos/as professores/as com o
conceito sexualidade em que discussões sobre diversidade sexual e de gênero são incluídas, os
autores Bastos (2015) e Bastos e Andrade (2016) apresentam o resultado de uma pesquisa
com professores/as de Ciências e Biologia que afirmam desenvolver uma prática pedagógica
que discute a diversidade sexual e de gênero para além dos padrões hegemônicos de
sexualidade. Porém, de modo geral, não foi especificado como os/as professores/as
efetivamente discutem o tema em sala de aula, se há um planejamento específico ou se as
discussões são feitas de maneira informal. Segundo aponta Bastos e Andrade (2016), dos/das
dez professores/as entrevistados/as que afirmam discutir sexualidade em um cenário
questionador dos discursos hegemônicos de heteronormatividade, apenas três professoras
apresentaram em suas falas problematizações de gênero.
Os autores Castro e Reis (2019) e Lourenço (2019), verificaram em suas pesquisas
que, no geral, os/as professores/as não abordam a diversidade sexual e de gênero de maneira
sistemática, mas há, entre estes, alguns sujeitos que buscam inserir tais temas em sua prática
pedagógica através de alguns conteúdos que permitem puxar “ganchos” para discutir sobre a
diversidade sexual e de gênero e/ou através de questionamentos feitos pelos alunos. Já as
autoras Barreto e Araujo (2016) apontam que a maioria dos/as professores/as entrevistados
não desenvolvem o tema de forma efetiva, mesmo em situações de violência motivada por
homofobia, limitando-se a pedir respeito e perdendo a oportunidade de desenvolver uma
prática pedagógica crítica e de valorização das diversidades sexuais em um momento em que
seria necessário.
Nas pesquisas realizadas pelas autoras Costa (2016), Lourenço (2019) e Rodrigues
(2015), verificou-se que prevalece entre os/as professores/as de Ciências a abordagem
médico-higienista e/ou moral-tradicionalista da sexualidade. Isto é, os/as professores/as
entrevistados/as restringem-se a ministrar os conteúdos sobre corpo e saúde que se encontram
legitimados no currículo escolar e que, portanto, são de cunho obrigatório. Constatou-se,
ainda, que os/as professores/as não possuem domínio sobre o conceito e prática em educação
sexual e acreditam que ao trabalharem a sexualidade sob um viés médico e classificador estão
educando sexualmente seus alunos (COSTA, 2016; LOURENÇO, 2019; RODRIGUES,
2015). Porém, a educação sexual não se limita a explicar os fenômenos biológicos que
42
ocorrem no corpo, tais como gravidez e menstruação, e nem somente a auxiliar na redução de
problemas econômicos e de saúde, como gravidez não planejada na adolescência e infecções
sexualmente transmissíveis (ISTs). Trata-se, de uma educação voltada para discussão,
reflexão e problematização de posturas, tabus e preconceitos sobre sexualidade que visa, antes
de qualquer coisa, “[...] contribuir para o desenvolvimento integral da personalidade do
educando e, consequentemente, para sua qualidade de vida” (FIGUEIRÓ, 2001, p. 19).
Embora alguns trabalhos apontem para a prevalência de professores/as que
desenvolvem o conceito sexualidade sob um viés médico-higienista, os autores Freitas (2017)
e Lourenço (2019), identificaram que há professores/as que buscam de diversas maneiras
ampliar sua prática para o atendimento da realidade social dos seus alunos, seus interesses e
necessidades. Para tanto, incluem em suas aulas discussões sobre virgindade, prazer,
masturbação, diversidade sexual, aborto, machismo, feminicídio, violência sexual e violência
doméstica (FREITAS, 2017; LOURENÇO, 2019). Todavia, ressaltamos que a inserção destes
temas no ensino de Ciências depende do interesse e disposição de cada professor/a, já que
estas questões não são contempladas pelo currículo da referida disciplina (RODRIGUES,
2015).
Segundo consta na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), Área de Ciências da
Natureza (2017), o ensino sobre sexualidade aparece como conteúdo programático apenas
para 8º ano do Ensino Fundamental II, não contemplando o desenvolvimento do referido
conceito em outros anos escolares. Além disso, há neste documento a supressão do tópico
orientação sexual7 (NASCIMENTO; CHIARADIA, 2017). No Plano Nacional de Educação
(PNE) 2011– 2020, que serviu de base ao desenvolvimento da BNCC, questões sobre gênero
e sexualidade foram suprimidas (NASCIMENTO; CHIARADIA, 2017). Na mesma
tendência, os planos estaduais e municipais excluíram de seus textos a orientação sexual
(NASCIMENTO; CHIARADIA, 2017).
Outro documento que pode nortear a prática pedagógica dos/as professores/as é os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), 5º a 8º série 8, de 1998, o qual apresenta em seu
interior o tema transversal da orientação sexual. Todavia, o documento “privilegia a
percepção da sexualidade enquanto resultado da natureza e da biologia dos seres humanos”
(BASTOS; ANDRADE, 2016, P. 57). Além disso, as orientações contidas neste documento
são de uso facultativo e, com base nas pesquisas analisadas, a maioria dos/as professores/as
não recorrem aos PCN para embasar sua prática pedagógica.
7
Neste trabalho, utilizamos a terminologia “educação sexual” em substituição a “orientação sexual”.
8
Atualmente 6º ao 9º ano.
43
Neste foco temático foram inseridas as pesquisas que investigaram a formação inicial
e/ou continuada dos/das professores/as de Ciências. Assim, os trabalhos T2, T3, T5, T6 e T8
foram incluídos neste eixo. Estas pesquisas investigaram, especificamente, a formação
destes/destas professores/as para a abordagem da diversidade sexual na escola (T2 e T5), a
44
2016; COSTA, 2016; SOARES; MONTEIRO, 2019; RODRIGUES, 2015), numa perspectiva
que supere sua dimensão biológica, a fim de possibilitar a estes/estas profissionais formar
sentidos necessários ao combate da opressão, preconceito e violência, de lavá-los a refletir
sobre suas práticas e condutas, e capacitá-los para desenvolver o referido conceito
considerando os aspectos sociais, culturais e históricos que permeiam o exercício da
sexualidade humana. Além de fornecer subsídios para a prática destes/destas professores/as,
pois ter onde buscar apoio teórico e pedagógico para discussão sobre sexualidade na escola é
importante para esses/essas profissionais (BARRETO; ARAUJO, 2016; SOARES;
MONTEIRO, 2019).
46
Foi, então, com base nos pressupostos teóricos enunciados por Marx, que os
psicólogos soviéticos elegeram “[...] o conceito de atividade como um dos princípios centrais
ao estudo do desenvolvimento do psiquismo” (ASBAHR, 2005, p. 109). Dentre os psicólogos
que desenvolveram esse conceito em suas obras, foi com os trabalhos de L. S Vigotski, A. N
Leontiev e A. R Luria que o conceito de atividade foi inserido na psicologia soviética, o que
contribuiu para o surgimento da chamada Teoria da Atividade. Segundo Kosulin (2002), L. S
Vigotsky, já em suas primeiras obras, utiliza o conceito de atividade e sugere ser a atividade
socialmente significativa o princípio explicativo da consciência humana, sendo também
considerada pelo autor geradora dessa consciência. Nesse sentido, Vigotsky conclui que é em
atividade que ocorre a formação das funções psíquicas superiores e que esse processo se dá
sempre de fora para dentro a partir da relação que os sujeitos estabelecem entre si (MOURA,
2013; KOSULIN, 2002).
Porém, embora Vigotsky e Luria tenham tecido importantes contribuições para o
desenvolvimento do conceito de atividade na psicologia, foi Leontiev quem sistematizou e
fundou a Teoria psicológica da Atividade (ASBAHR, 2005; KOSULIN, 2002). Para o autor,
Atividade é uma unidade molecular, não uma unidade aditiva da vida do sujeito
corporal, material. É um sentido mais restrito, ou seja, a nível psicológico, é a
unidade da vida mediada pelo reflexo psíquico, cuja função real consiste em orientar
o sujeito em um mundo objetivo. Em outras palavras, a atividade não é uma reação
ou um conjunto de reações, mas um sistema que possui estrutura, suas transições e
transformações internas, seu desenvolvimento (LEONTIEV, 1978b, p. 66-67,
tradução nossa).
MOTIVO
OBJETIVOS CONDIÇÕES
Subordinadas
NECESSIDADE OBJETO Correspondem
Impulsiona
mundo de objetos humanos e reproduz as ações humanas ao brincar com esses objetos. Com a
transição do período pré-escolar para o período escolar, ou seja, com a inserção da criança na
escola, o sistema de relações que esta está inserida é reorganizado e a criança passa a ter
obrigações não apenas para com os pais e professores, mas também para com a sociedade
(LEONTIEV, 2010). Tais obrigações são materializadas na escola sob a forma de exigências
do professor e diretor, cujo cumprimento ou não dessas obrigações dependerá todo o conteúdo
de sua vida (LEONTIEV, 2010). Portanto, a atividade principal da criança em idade escolar é
a atividade de aprendizagem (MORAES, 2008; RUBSTOV, 1996).
Um terceiro estágio apontado por Leontiev (2010) marca a entrada da criança na
adolescência, cuja transição está associada a inserção do adolescente em novas formas de vida
social acessíveis a ele que diferem daquelas de caráter infantil. Segundo o autor, o lugar que o
adolescente ocupa no cotidiano daqueles que o cercam é modificado e este passa a ter deveres
e obrigações que se aproximam aquelas da vida adulta. Para Leontiev (2010), a transição da
criança em idade escolar para o estudante adolescente marca o surgimento da necessidade de
apropriar-se, não apenas da realidade objetiva, mas também dos conhecimentos teóricos
produzidos sobre essa realidade. Portanto, a atividade principal do aluno adolescente consiste
em atividades de aprendizagem e, ocasionado por sua aproximação a vida adulta, também em
atividade de trabalho (MORAES, 2008; RUBSTOV, 1996).
Nesse sentido, os pressupostos teóricos da Teoria da Atividade colocam em
evidência a importância do trabalho educativo na escola. Como vimos, durante grande parte
do desenvolvimento do psiquismo infantil prevalece como atividade principal a atividade de
aprendizagem, e é precisamente a partir dessa atividade que crianças e adolescentes em idade
escolar se apropriarão dos fenômenos da realidade e terão a formação de suas personalidades
e consciência. Cientes disso, é dever daquele que ensina, ou seja, do professor, organizar o
ensino com vista a garantir e potencializar o pleno desenvolvimento dos sujeitos envolvidos
no processo educativo escolar.
por meio da dedução e explicação, e é expresso por diferentes formas de atividade intelectual
e sistemas semióticos (RUBSTOV, 1996).
A compreensão das diferenças existentes entre o conhecimento empírico e teórico
permite identificar as abordagens e atividades adequadas a serem mobilizadas para a
apropriação desses conhecimentos com vistas ao pensamento que se deseja formar. Dessa
forma, um dos princípios didáticos que possibilita a formação do pensamento teórico é,
segundo Davidov, o método de ascensão do abstrato ao concreto, o qual permite que se
reproduza mentalmente as formas de representação sensorial (MOURA, et al., 2016). Para o
autor, nesse modelo “é necessário partir das teses gerais da área do saber e não dos casos
particulares, buscando a célula dos conceitos, sua gênese e essência, o que se consegue por
meio da operação de construir e transformar um objeto mentalmente” (1982 apud MOURA,
et al., 2016, p. 210).
Todavia, o modelo de ensino tradicional, adotado pela maioria das escolas, tem
privilegiado métodos de ensino que possibilitam apenas a formação do pensamento empírico
(DAVIDOV, 1987). Nesse modelo, “[...] os estudantes são levados a analisar, comparar e
classificar diferentes objetos, buscando neles o que há de comum, as propriedades repetidas,
estáveis, que parecem constituir-se como o essencial na definição dos objetos em análise”
(ASBAHR, 2016, p. 107), sem considerar as condições de sua construção e suas ligações
internas.
Dessa forma, segundo Rosa, Moraes e Cedro (2016), é necessário que o professor
proponha uma organização de ensino que supere o desenvolvimento do pensamento empírico,
uma vez que este se desenvolve na prática cotidiana do sujeito independente de sua
escolarização. Portanto, considerando que é característica da atividade de aprendizagem
produzir o desenvolvimento do pensamento teórico, torna-se necessário ao professor conhecer
sua estrutura para utilizá-la como referência para a organização do ensino.
Assim, considerando a especificidade da atividade de aprendizagem, o conteúdo
principal desta é o conhecimento teórico (DAVIDOV; MARKOVA, 1987). Nas palavras de
Davidov e Maskova (1987, p. 324, tradução nossa), “[...] o conteúdo principal da atividade de
estudo é a assimilação dos procedimentos generalizados de ação na esfera dos conceitos
científicos e mudanças qualitativas no desenvolvimento psíquico da criança, que ocorrem
sobre esta base”. Logo, tanto a atividade do professor como a atividade do estudante devem
resultar na apropriação do conhecimento teórico-científico que, por sua vez, levará a
formação do pensamento teórico e, assim, possibilitará aos estudantes operar com conceitos e
56
não com representações gerais, imediatas e externas dos objetos (ASBAHR, 2016; ROSA;
MORAES; CEDRO, 2016).
Porém, seguindo a estrutura geral da atividade, para que o aluno se ponha em
atividade de aprendizagem e efetivamente se aproprie do conhecimento científico, é
necessário que haja a manifestação de uma necessidade. Segundo Davidov (1988, p. 178 apud
CEDRO; MORAES; ROSA, 2010) “[...] a necessidade da atividade de estudo estimula os
escolares a assimilarem os conhecimentos teóricos, ou seja, os motivos, que lhes permitem
assimilar os procedimentos de reprodução destes conhecimentos [...]”. Logo, os
conhecimentos teóricos-científicos são necessidade e objeto na atividade de aprendizagem
que, por conseguinte, são também o seu motivo (MOURA et al., 2016; RIPARDO, 2012).
Também compõem a estrutura da atividade de aprendizagem as tarefas de estudo, as
quais constituem-se como a unidade do objetivo da ação e as condições para alcançá-lo e são
organizadas a partir de um problema de aprendizagem (ASBAHR, 2016; DAVIDOV, 1988
apud MORAES, 2008). Sobre o último, não devemos entendê-lo como problemas oriundos da
prática cotidiana, mas sim, como um problema concreto colocado pela história da humanidade
que, no seu processo de resolução, permite que os estudantes se apropriem do movimento
lógico e histórico que produziu a necessidade e a elaboração do dado conceito, e objetiva não
apenas a solução do problema em questão, mas também a aquisição das formas de ação geral,
próprias dos conhecimentos teóricos (ASBAHR, 2016; RUBSTOV, 1996). Segundo Rubstov
(1996, p. 131), por formas de ação geral entende-se “[...] aquilo que é obtido como resultado
ou modo de funcionamento essencial para trazer soluções para os problemas de
aprendizagem”.
Portanto, o professor deverá organizar e elaborar tarefas de estudo que possibilitem
aos estudantes não apenas decorar ou verbalizar um determinado conceito, mas se apropriar
do movimento de produção deste e das formas de ação por meio das quais se chega a solução
do problema dado. Nesse sentido, o conceito de atividade de aprendizagem está estritamente
associado ao conceito de ação, e é precisamente por meio desta que as tarefas de estudo
podem ser resolvidas (RUBSTOV, 1996; DAVIDOV, 1988 apud MORAES, 2008).
Outro componente estrutural da atividade de aprendizagem são as ações de controle e
avaliação, por meio das quais os estudantes avaliam suas condições no início e no percurso do
trabalho, seu desempenho e os resultados alcançados durante e ao fim da realização da
atividade ((DAVIDOV; MARKOVA, 1987; MOURA, et al., 2016). Ressalta-se que cada
ação é composta por operações adequadas àas condições de sua execução. Logo, as ações de
57
ATIVIDADE ORIENTADORA DE
ENSINO
CONTEÚDO ATIVIDADE DE
ATIVIDADE DE ENSINO
Conhecimentos teóricos APRENDIZAGEM
c
Apropriação dos conhecimentos
Organização do ensino MOTIVOS
teóricos
60
c
Utilização dos recursos
Utilização dos recursos que
metodológicos que auxiliarão o OPERAÇÕES
auxiliarão a aprendizagem
ensino
Dessa forma, de acordo com Araújo (2015), para elaborar e desenvolver uma
Atividade Orientadora de Ensino (AOE) é necessário considerar três etapas distintas. A
primeira consiste em realizar o lógico-histórico do conceito que será desenvolvido em sala de
aula. Esse é o momento em que o/a professor/a e os alunos irão pesquisar e estudar sobre o
conceito, buscando desvendar sua gênese e a necessidade de sua produção. A segunda
consiste em elaborar uma situação desencadeadora de aprendizagem que posteriormente será
apresentada para os alunos. E a terceira consiste na síntese coletiva, este é o momento em que
os alunos, mediados pelo/pela professor/a devem chegar a uma solução comum, a qual deve
estar em consonância com o que é esperado para o conceito em estudo.
Na elaboração da AOE, deve-se considerar, ainda, a realidade escolar e as condições
objetivas para realização dessa atividade, isto é, é preciso atentar-se aos recursos disponíveis e
acessíveis aos estudantes, a complexidade do conteúdo, o contexto cultural que os sujeitos
estão inseridos e as potencialidades cognitivas e socioafetivas dos estudantes, e ao mesmo
tempo, deve-se oferecer condições para que estes tenham compreensão da situação
desencadeadora de aprendizagem e possam realizar ações e operações de aprendizagem a fim
de se chegar a solução da situação-problema colocada (MOURA, et al., 2016).
Nesse sentido, concordamos com Cedro, Moraes e Rosa (2010) ao afirmarem que a
ação de avaliação é componente inerente do planejamento e execução da atividade de ensino,
uma vez que permite ao professor refletir sobre suas ações de ensino e as ações de
aprendizagem dos estudantes a fim de verificar, durante o desenvolvimento da atividade, se
estas estão conduzindo ao resultado esperado, e ao fim desta, se o resultado esperado foi
alcançado. Isto é, é através da ação de avaliação que o professor pode verificar se a atividade
de ensino mobilizou os estudantes para a atividade de aprendizagem (MORAES, 2008), se
estes compreenderam a situação desencadeadora apresentada, se estão realizando
adequadamente as ações de aprendizagem e se apropriaram-se do conhecimento teórico.
Dessa forma, caso constate que a atividade de ensino apresentada não conduziu ou não está
conduzido ao resultado esperado, o professor poderá adequar e modificar o seu plano de ação
a fim de alcançar o que foi inicialmente idealizado.
Por fim, reiteramos que a Atividade Orientadora de Ensino (AOE), enquanto
elemento de mediação entre a atividade do professor e a atividade do estudante, só pode
caracterizar-se como um ato intencional, pois está orientada à realização de um objetivo: a
apropriação pelos estudantes do conhecimento teórico. Esta, fundamentada na Teoria
Histórico Cultural e Teoria da Atividade, constitui-se como unidade formativa do professor e
do aluno ao conduzir esses sujeitos ao desenvolvimento. Isto é, o professor, ao comprometer-
64
se com sua atividade de ensino e com sua atividade de aprendizagem para ensino, e ao refletir
sobre sua atividade pedagógica, desenvolve-se pessoal e profissionalmente (MOURA, et al.,
2016). E os alunos, como sujeitos de suas ações no movimento de apropriação do
conhecimento teórico, desenvolvem sua consciência e personalidade, humanizando-se
(MORAES, 2008; MOURA, et al., 2016). Portanto, a AOE, como instrumento teórico-
metodológico para a organização do ensino e como modo de realização da atividade de ensino
e atividade de aprendizagem, constitui-se como uma possibilidade para que a escola cumpra
sua função social, a de formação humana (MOURA, et al., 2016).
Nesse sentido, sugerimos aos professores/as que desenvolvam essa AOE como ponto
de partida da unidade temática “Vida e Evolução” objeto de conhecimento “Mecanismos
reprodutivos e sexualidade”. Assim, durante o processo de desenvolvimento da citada
unidade, os alunos poderão evidenciar as múltiplas dimensões da sexualidade envolvidas em
cada conteúdo ministrado.
Dito isto, apresentaremos a partir de agora a Atividade Orientadora de Ensino (AOE)
do conceito sexualidade. Para tanto, esta subseção encontra-se subdividida em seções
terciárias, sendo que na primeira apresentaremos o procedimento metodológico percorrido na
elaboração dessa AOE. Na segunda, apresentaremos os objetivos da nossa proposta e na
terceira, será apresentado a AOE e o procedimento metodológico de desenvolvido desta no
espaço escolar.
Ressaltamos que para utilizar a nossa proposta didática o/a professor/a deverá ter o
pleno domínio teórico sobre AOE, sobre o conceito sexualidade em seu movimento histórico
e sobre os seus nexos conceituais identidade sexual e identidade de gênero, ou seja, o/a
professor, ao se pôr em atividade de ensino, deverá iniciar o seu trabalho com ações de
estudo. Posteriormente, deverá executar ações de planejamento, para que este possa encaixar a
AOE proposta aos conteúdos programáticos, e de modo a adequá-la a realidade escolar e as
particularidades de seus alunos.
4.4.2 Objetivos
No país de Amarílis
Amarílis é um país onde se proíbe o relacionamento afetivo e sexual entre pessoas do mesmo
sexo. Um homem não pode sentir desejo ou atração sexual por outro homem e nem o amar. Da mesma
forma, uma mulher não pode sentir desejos afetivos-sexuais por outra mulher. Neste país, as pessoas
que tentam quebrar suas regras e se relacionam com pessoas do mesmo sexo são excluídas e sofrem
com a violência.
Júlia Antúrio mora em Amarílis e frequenta uma conceituada escola local. A garota sempre
fora bastante estudiosa e adorava ler sobre a história do seu país. Não tinha muitos amigos, por isso
passava bastante tempo na biblioteca da escola.
Um belo dia enquanto folheava um livro na biblioteca, Júlia conheceu Ágatha, uma bela
garota de cabelos pretos e longos. As garotas conversaram bastante e passaram a se encontrar todo dia
naquele mesmo lugar. Júlia logo percebeu que sentia algo diferente por Ágatha, sempre que a via
sentia um frio na barriga e o seu coração palpitava. A garota percebeu que estava apaixonada. Mas
sabia que não devia, afinal, em Amarílis era proibido amar outra mulher. Então decidiu esconder o que
sentia e se afastar de Ágatha.
Um dia enquanto procurava algo para ler na biblioteca, Júlia encontrou um livro chamado
“Desvendando a história de Amarílis”. O livro contava a história das primeiras civilizações de
Amarílis, falava sobre sua cultura e costumes. Nessas civilizações, o amor entre pessoas do mesmo
sexo não era proibido. As pessoas podiam relacionar-se livremente por quem sentissem desejo ou
amor. Porém, à medida que o país foi se desenvolvendo e novas cidades foram surgindo, a cultura ia
sendo modificada e as relações amorosas entre pessoas do mesmo sexo foram gradualmente proibidas.
Naquele momento Júlia abriu um longo sorriso e entendeu que era completamente normal
amar uma mulher, assim como um dia foi para seus antepassados. A garota então decidiu, iria se
declarar para Ágatha e mostrar para todos da escola o livro que havia encontrado. Ao se declarar
publicamente e mostrar o livro para todos da escola, Júlia recebeu vários insultos e foi atingida por
alguns pontapés.
68
Ágatha ficou feliz com a declaração que recebeu, pois também estava apaixonada por Júlia.
Mas entristeceu ao perceber que jamais permitiriam que ficassem juntas.
A direção da escola ficou sabendo do ocorrido e imediatamente advertiu Júlia e deixou claro
que caso aquela cena se repetisse, a garota seria expulsa da instituição. Ao chegar em casa, a garota foi
severamente repreendida por seus pais.
Júlia, mesmo sabendo que era normal e igual às outras pessoas, sentiu-se indignada por ter
sido rejeitada só porque amava diferente, enquanto os colegas que a haviam agredido não tinham
sofrido qualquer repressão. A garota então decidiu que não iria para a escola novamente, desistiria de
estudar, pois não suportaria ser insultada e agredida por seus colegas de turma.
Considerando que a sala de aula é um ambiente plural, é possível que alguns alunos
deem respostas de cunho homofóbico para o problema apresentado ou apresentem
comportamentos discriminatórios, por isso, é importante que o/a professor/a esteja preparado
para fazer problematizações em cima dessas respostas e para apaziguar possíveis conflitos
gerados por falas preconceituosas.
Após a discussão para se chegar a uma resposta comum a todos, o/a professor/a
deverá solicitar que os alunos recriem o cenário da solução encontrada para o problema
colocado. Por exemplo, sob mediação do/da professor/a, os alunos chegaram à conclusão de
que a maneira adequada para convencer os colegas de Júlia a aceitá-la seria realizando uma
palestra na escola com o objetivo de conscientizá-los e ensiná-los sobre sexualidade, para que
dessa maneira eles pudessem aceitar a diversidade. Neste contexto, cada grupo de estudantes
se encarregaria de apresentar uma palestra sobre sexualidade enquanto os demais alunos
interpretariam os colegas de Júlia. Essa é uma maneira de possibilitar que os estudantes
reproduzam o conceito e visualizem a necessidade deste. Aqui, o papel do/da professor/a será
de fazer questionamentos para explorar cada vez mais o dado conceito. Ressaltamos que para
a encenação protagonizada pelos estudantes, deverá ser separada uma aula a fim de que todos
possam se preparar adequadamente.
Após todos os grupos de estudantes terem apresentado a recriação da solução
encontrada, o/a professor/a deverá finalizar generalizando as possibilidades de solução para
qualquer situação que exija a compreensão da sexualidade em sua dimensão social, cultural e
histórica. Evidenciando como tabus, valores, crenças e até mesmo o conhecimento são
produções sociais. Dessa forma, será possível aos estudantes operar com o conceito
apresentado e desenvolver um modo de ação geral frente aos problemas que envolva a
sexualidade humana.
71
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
de uma visão crítica, ao permitir que eles operem com conceitos, e de um modo de ação geral
para resolução dessas situações problemáticas.
Dessa forma, propomos nossa AOE do conceito sexualidade com a esperança de
contribuirmos para a inserção da educação sexual na escola como parte integrante dos temas
trabalhados na disciplina de Ciências do 8º ano do Ensino Fundamental e para mitigar as
dificuldades relacionadas aoà o que abordar e como desenvolver atividades com o conceito
sexualidade nessa disciplina.
Ressaltamos que, com a nossa AOE, não pretendemos disponibilizar uma receita
pronta e acabada que deve ser aplicada, à risca, ao ensino sobre sexualidade. Cada sala de aula
e cada grupo de estudantes são únicos e singulares, por isso, nossa AOE é apresentada apenas
como uma sugestão, uma ideia para o desenvolvimento do conceito sexualidade no espaço
escolar, a qual deve ser refletida e adequada a realidade da sala de aula. Além disso,
consideramos como possibilidade para pesquisas futuras a análise e avaliação da viabilidade
da nossa proposta e do movimento de apropriação do conhecimento durante o
desenvolvimento desta.
Destacamos, ainda, que para utilizar a AOE como ferramenta metodológica para a
organização do ensino do conceito sexualidade, é necessário que os/as professores/as
reconheçam que é função da escola educar sexualmente os alunos, não apenas porque os pais,
no geral, se ausentam desse papel ou devida a existência de diversos problemas sociais
ligados à vivência e expressão da sexualidade, mas porque é função da escola como parte do
processo de formação humana (FIGUEIRÓ, 2009). Se os/as professores/as não sentirem a
necessidade de educar os estudantes e não tomarem como sendo de sua responsabilidade esta
atividade, não adianta estes conheceram estratégias para o ensino e nem tão pouco tentarem
aplicá-las (FIGUEIRÓ, 2009).
Portanto, é essencial criar nos professores e professoras a necessidade de ensinar
sobre sexualidade. Para isso, é preciso investir na formação inicial e continuada destes
profissionais a fim de possibilitar que estes reflitam sobre suas práticas e condutas, e formem
sentidos que os incentivem a desenvolver uma prática pedagógica emancipatória e
humanizadora de combate a opressão, preconceito e violência.
Pudemos constatar que mesmo diante do atual cenário social e político brasileiro de
repressão da educação sexual nas escolas, diversos professores/as de Ciências inserem em
suas práticas pedagógicas discussões sobre virgindade, prazer, masturbação, diversidade
sexual, aborto, machismo, feminicídio, violência sexual e violência doméstica, apesar dessas
questões não serem contempladas pelo currículo oficial da referida disciplina e estes
74
profissionais não terem recebido formação adequada para tal feito. Dessa forma, esses/essas
professores/as rompem as barreiras de uma educação engessada e mostram que são eles/elas
os verdadeiros responsáveis pela seleção e categorização dos conteúdos que serão
desenvolvidos em sala de aula.
É acreditando na autonomia destes profissionais que apontamos como perspectiva
futura para o ensino de Ciências, o estabelecimento de uma prática pedagógica inclusiva e de
atendimento a realidade social dos estudantes, que não se limite ao desenvolvimento de
conteúdos já consagrados nos currículos e livros didáticos, como saúde reprodutiva e as
dimensões anatômicas e fisiológicas do corpo, mas que também problematizem a dimensão
psicológica e a constituição sócio-histórica da sexualidade humana, e envolva em seus
objetivos educacionais a promoção da construção de condutas e posturas de respeito as
diversidades e à dignidade humana, para que assim os alunos reconheçam as diversas
identidades sexuais e de gênero como formas fidedignas de viver e expressar a sexualidade.
Encerramos este trabalho destacando a fala de uma professora entrevista pelo autor
Freitas (2017, p. 153) e deixamos uma reflexão:
[...] temos alunas que foram estupradas por parentes... meninos que são abusados por
adultos... meninas que aos dezesseis anos já estão grávidas do segundo filho... gays
que sofrem preconceitos e são excluídos... enquanto coordenadora do grupo e
professora de ciências da escola tenho que escutar esses alunos e abraçá-los [...].
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, L. H. Para ser mulher: feminismo, revolução sexual e a construção de uma nova
mulher em revistas no Brasil (1960-1975). In: ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE
HISTÓRIA, 2005, Londrina, Anais [...]. Londrina: ANPUH, 2005. Disponível em:
https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2019-
01/1548206369_0a56305b3a55d28e3a0a3e3f019676d4.pdf. Acesso em: 26 jul. 2020.
BASTOS, F.; ANDRADE, M. “Ser mulher não tem a ver com dois cromossomos X”:
impactos da perspectiva feminista de gênero no ensino de ciências. Revista Diversidade e
Educação, [s. l.], v. 4, n. 8, p. 56-64, jul./dez. 2016. Disponível em:
https://periodicos.furg.br/divedu/article/view/6740. Acesso em: 02 ago. 2020.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93132015000200323. Acesso
em: 20 set. 2020.
CASTRO, R. P.; REIS, N. “Eu comecei a dar uma aula mais biológica mesmo, porque é bem
polêmico”: currículo de Ciências e Biologia e os atravessamentos de diversidade sexual e de
gênero. Ensino Em Re-Vista, Uberlândia, v. 26, n.1, p.16-39, jan./abr. 2019. Disponível em:
http://www.seer.ufu.br/index.php/emrevista/article/view/48426. Acesso em: 21 set. 2020.
em: https://www.passeidireto.com/arquivo/39221440/352126847-la-psicologia-evolutiva-y-
pedagogica-en-la-urss-part-1-pdf. Acesso em 17 jun. 2020.
FOUCAULT, M. História da sexualidade II: o uso dos prazeres. Tradução: Maria Thereza
da Costa Albuquerque. 8. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984. 232 p. Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2940574/mod_resource/content/1/Hist%C3%B3ria-
da-Sexualidade-2-O-Uso-dos-Prazeres.pdf. Acesso em: 15 out. 2019.
TONET, I. Introdução. In: MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. Tradução: Álvaro
Pina. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2009. p. 9-15.
79
MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. Tradução: Álvaro Pina. 1. ed. São Paulo:
Expressão Popular, 2009. 125 p.
PICAZIO, C. et al. Homossexualidade. In: PICAZIO, C. et al. Sexo secreto: temas polêmicos
da sexualidade. 2. ed. São Paulo: Edições GLS, 1999. p. 30-37.