TCCII Denisy Dezembro

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ (UFPI)

CAMPUS UNIVERSITÁRIO MINISTRO PETRÔNIO PORTELLA


CENTRO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA
DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA

DENISY TRIGUEIRO DOS SANTOS

ATIVIDADE ORIENTADORA DE ENSINO COMO ALTERNATIVA METODOLÓGICA


PARA O ENSINO DO CONCEITO SEXUALIDADE NA DISCIPLINA DE CIÊNCIAS

TERESINA (PI)
2020
DENISY TRIGUEIRO DOS SANTOS

ATIVIDADE ORIENTADORA DE ENSINO COMO ALTERNATIVA METODOLÓGICA


PARA O ENSINO DO CONCEITO SEXUALIDADE NA DISCIPLINA DE CIÊNCIAS

Trabalho de Conclusão de curso apresentado


ao Curso de Licenciatura em Ciências
Biológicas, da Universidade Federal do Piauí
(UFPI), Campus Universitário Ministro
Petrônio Portella como requisito para obtenção
do título de Licenciada em Ciências
Biológicas.

Orientadora: Profª. Drª. Cristiane de Sousa


Moura Teixeira

TERESINA (PI)
2020
DENISY TRIGUEIRO DOS SANTOS

ATIVIDADE ORIENTADORA DE ENSINO COMO ALTERNATIVA METODOLÓGICA


PARA O ENSINO DO CONCEITO SEXUALIDADE NA DISCIPLINA DE CIÊNCIAS

Trabalho de Conclusão de curso apresentado


ao Curso de Licenciatura em Ciências
Biológicas, da Universidade Federal do Piauí
(UFPI), Campus Universitário Ministro
Petrônio Portella como requisito para obtenção
do título de Licenciada em Ciências
Biológicas.

Aprovado em:

________________________________________
Prof. (Nome do orientador)
Universidade do orientador

________________________________________
Prof. (Nome do professor avaliador)
Universidade do avaliador 1

________________________________________
Prof. (Nome do professor avaliador)
Universidade do avaliador 2
AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, pelo incentivo e todo o esforço despendido para que eu pudesse
concluir minha graduação;
Ao Samuel, namorado e amigo por todo apoio emocional e financeiro que foram
essenciais durante minha graduação e, especialmente, durante o desenvolvimento do presente
trabalho;
Agradecimentos especiais à Profª. Drª. Cristiane de Sousa Moura Teixeira, minha
orientadora, por sua valiosa orientação, compreensão e paciência durante a elaboração deste
trabalho;
Ao Profº. Drº. Neuton Alves de Araújo, por seus direcionamentos, os quais foram
essenciais para o desenvolvimento e concretização deste trabalho de conclusão de curso;
Aos colegas de curso, Mariana Lustosa, Débora Rodrigues e Lucas Galiza pelas boas
lembranças, amizade e auxílio no desenvolvimento das atividades acadêmicas.
À Universidade Federal do Piauí (UFPI) e o seu corpo docente que demonstraram
estar comprometido com a qualidade e excelência do ensino.
Não há educação neutra. Toda neutralidade
afirmada é uma opção escondida.

(PAULO FREIRE)
RESUMO

Em meio a um contexto social e político de repressão da prática em educação sexual e frente a


uma formação profissional incipiente, os professores e professoras de Ciências vêm
enfrentando desafios relacionados àa dificuldade de como abordar e desenvolver o conceito
sexualidade na escola. Como possibilidade para solucionar esse problema, o presente trabalho
tem como objetivo geral apresentar uma proposta didática desenvolvida com referencial na
Atividade Orientadora de Ensino (AOE) para o ensino deste conceito. Para isso, foi necessário
realizar um levantamento de pesquisas científicas que evidenciam a prática dos/as
professores/as de Ciências com o conceito sexualidade a fim de compreendermos como este
conceito vem sendo desenvolvido na escola por esses educadores e apresentar o movimento
lógico-histórico de produção de significados sobre sexualidade a fim de entendermos o
processo de desenvolvimento e mudança deste conceito ao longo da história. Este trabalho
fundamenta-se na Psicologia Sócio-Histórica proposta por L. S. Vygotsky e na Teoria da
Atividade sistematizada por A. N Leontiev. Para concretização dos nossos objetivos
recorremos, principalmente, aos autores Leontiev (1978, 2004, 2010), Davidov (1987),
Rubstov (1996), Nunes (1987) e Moura et al., (2016). Para a elaboração da nossa proposta
didática seguimos as etapas de: a) fundamentação teórica sobre AOE; b) delimitação dos
nossos objetivos educacionais; c) síntese histórica do conceito sexualidade; d) pesquisas sobre
atividades com o conceito sexualidade em busca de inspiração; e, por fim, e) elaboração de
uma situação desencadeadora de aprendizagem e delimitação do percurso metodológico para
sua execução. Com a conclusão deste trabalho espera-se subsidiar a prática dos/as
professores/as de Ciências com o conceito sexualidade e contribuir para mitigar as
dificuldades encontradaos no desenvolvimento deste conceito no espaço escolar.

Palavras-chave: Atividade Orientadora de Ensino. Ensino de Ciências. Proposta didática.


Sexualidade.
ABSTRACT
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 – COMPONENTES ESTRUTURAIS DA ATIVIDADE .................................. XX

FIGURA 2 – AOE: RELAÇÃO ENTRE A ATIVIDADE DE ENSINO E A ATIVIDADE DE


APRENDIZAGEM ................................................................................................................
XX
LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – CARACTERIZAÇÃO DAS PRODUÇÕES ACADÊMICAS PUBLICADAS


NO PERÍODO DE 2015 A 2019 COM ENFÂSE AO CONCEITO SEXUALIDADE E SEUS
NEXOS CONCEITUAIS NO ENSINO DE CIÊNCIAS........................................................XX
LISTA DE SIGLAS
AOE Atividade Orientadora de Ensino
BNCC Base Nacional Comum Curricular
DSTs Doenças Sexualmente Transmissíveis
HIV Vírus da Imunodeficiência Humana
ISTs Infecções Sexualmente Transmissíveis
LGBTQI+ Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros, Queers, Intersexos e
demais sujeitos que se enquadrem neste seguimento
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
UFG Universidade Federal de Goiás
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFPI Universidade Federal do Piauí
UFRPE Universidade Federal de Pernambuco
UFS Universidade Federal de Sergipe
UFSCar Universidade Federal de São Carlos
UNESP Universidade Estadual Paulista
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11

2 ARQUEOLOGIA DOS SIGNIFICADOS PRODUZIDOS SOBRE


SEXUALIDADE: uma leitura sócio-histórica......................................................

2.1 Sexualidade mítica ..................................................................................................

2.2 Sexualidade, erotismo e patriarcado ....................................................................

2.3 Puritanização e patologização da sexualidade .....................................................

2.4 Mercantilização da sexualidade ............................................................................

3 O ESTADO DA ARTE DO CONCEITO SEXUALIDADE NO ENSINO DE


CIÊNCIAS: o que mostram as pesquisas ............................................................. X

3.1 Descrição geral das pesquisas ................................................................................ X

3.2 Significados dos/as professores/as de Ciências .................................................... X

3.3 Prática pedagógica dos/as professores/as de Ciências .........................................


X
3.4 Formação inicial e continuada dos/as professores/as de Ciências .....................

4 ATIVIDADE ORIENTADORA DE ENSINO (AOE): princípio metodológico


na aprendizagem do conceito sexualidade ...........................................................

4.1 Teoria da Atividade ................................................................................................

4.2 Atividade de aprendizagem ...................................................................................

4.3 Atividade Orientadora de Ensino (AOE) .............................................................

4.4 Uma proposta didática para o ensino do conceito sexualidade ..........................

4.4.1 Percurso metodológico de elaboração da AOE ...................................................

4.4.2 Objetivos ..................................................................................................................

4.4.3 Procedimento metodológico de aplicação e desenvolvimento da AOE .............

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................

REFEÊNCIAS .................................................................................................................... X
11

1 INTRODUÇÃO

Falar sobre sexualidade sempre causa o maior burburinho, principalmente devido aos
tabus e estereótipos que permeiam o exercício da sexualidade humana, compreendida como
algo íntimo e privado e com frequência associada ao pecado e ao proibido. Esse estigma
social em torno da sexualidade relaciona-se à própria forma de percebê-la, normalmente
assumindo-a como sinônimo de sexo e/ou práticas associadas a ele. Dessa forma, cabe-nos
fazer a distinção entre sexo e sexualidade. O sexo, a depender do contexto, pode estar
relacionado ao ato e à satisfação sexual ou pode estar relacionado diretamente ao sexo
biológico do indivíduo.
A sexualidade, no entanto, é mais complexa. Podemos compreendê-la como um
componente intrínseco1 do ser e fazer-se humano que se manifesta desde o nosso nascimento
e permanece durante toda a nossa vida. Envolvendo, além de fenômenos anatômicos e
fisiológicos do corpo, crenças, valores, rituais, representações, linguagens, fantasias,
afetividade, prazer, comunicação, comportamentos, identidades e normas morais que são
construídas e elaboradas historicamente. (LOURO, 2010; WEEKS, 2010; FIGUEIRÓ, 2009).
Portanto, ao contrário do que está impregnado no senso comum, a sexualidade não é apenas a
expressão de fenômenos biológicos, mas é também a “expressão de condições sociais,
culturais e históricas nas quais os indivíduos estão inseridos”. (MEIRA, et al., 2006, p. 4).
Por isso mesmo, não devemos compreendê-la como um componente fixo e estático
que se manifesta durante toda a vida e para todos os indivíduos da mesma forma. Mas como
um componente que faz parte da individualidade dos sujeitos, a qual carrega em si aspectos
subjetivos que fazem parte das experiências particulares que cada um vivencia, mas que ao
mesmo tempo conserva traços da coletividade. Já que, por seu caráter social e histórico,
possui determinações que são sociais.
Nessa perspectiva, é no social que os corpos ganham significados, que desejos e
prazeres são codificados e as identidades sexuais e de gênero são definidas e moldadas
(LOURO, 2010). Na mesma linha, é em sociedade que se constroem os padrões sexuais, os
ideais de corpos e se normaliza/padroniza comportamentos e identidades, de tal forma que
qualquer manifestação e/ou expressão da sexualidade que fuja a norma é reprimida. Não
obstante, são padrões criados e legitimados socialmente que possuem sua concretização na
1
Com o termo “intrínseco” não queremos passar a ideia determinista de que a sexualidade faz parte da
“natureza humana” e que por isso teria apenas terminações biológicas, naturais. Mas compartilhamos a ideia de
que a sexualidade faz parte da personalidade de cada um de nós, a qual guia a forma como nos relacionamos
com os outros, como nos comportamos, nos vemos, nos vestimos e nos reconhecemos. É, portanto, um
componente que guia nossa experiência no mundo, e por isso não pode ser dissociada do ser.
12

história e cultura de determinados grupos e civilizações, mudando para cada um, aqueles que
representam a norma. Para Louro,

Em nossa sociedade, a norma que se estabelece, historicamente, remete ao homem


branco, heterossexual, de classe média urbana e cristão e essa passa a ser a
referência que não precisa mais ser nomeada. Serão os "outros" sujeitos sociais que
se tornarão "marcados", que se definirão e serão denominados a partir dessa
referência. (2010, p. 15).

É nessa conjuntura que se estabelecem as desigualdades sociais e subjuga-se um


determinado grupo ao outro, assim, ao utilizar o homem branco, heterossexual e cristão como
referência, subjuga-se a mulher como inferior ao homem, o negro como inferior ao branco e
aqueles que se identificam como pertencentes ao grupo LGBTQI+ 2 são vistos como anormais
e desviantes, pois fogem a norma heterossexual estabelecida. Da mesma forma, reitera-se
continuamente determinados significados sociais, valores e crenças sobre sexualidade com
vistas a produzir a sexualidade tida como “normal” e “adequada”, de maneira que estas fixam-
se no imaginário social e passam a ser interpretadas como verdades absolutas e como
realidade incontestável (LOURO, 2010). Nesse processo, instaura-se em nossa sociedade o
patriarcado, a desigualdade de gênero, a homofobia, dentre outras estruturas de opressão, em
nome da pretensa superioridade natural do homem heterossexual, relegando a posição de
subalternidade os outros indivíduos, negando a eles os seus direitos e expondo-os a situações
de violência e discriminação.
Nesse contexto, apontamos para a necessidade de se questionar e problematizar os
padrões hegemônicos de sexualidade e as normas morais impregnadas em nossa sociedade
que excluem, culpabilizam e expõem a situações de vulnerabilidade social mulheres e
indivíduos LGBTQI+. Como apontamos também para a importância de se reconhecer a
fidedignidade das diversas identidades e formas de viver e expressar a sexualidade, a fim de
coibir medidas coercivas e corretivas que visam a manutenção da heteronormatividade, ou
seja, “à produção e à reiteração compulsória da norma heterossexual” (LOURO, 2009, p. 90).
Diante disto, consideramos a escola campo privilegiado para esse papel, sendo possível para
esta desenvolver como parte do seu Projeto Político Pedagógico estratégias de combate à
violência e de reconhecimento das minorias sexuais.
Todavia, a escola, enquanto instância social e política, que representa os interesses da
classe dominante e do Estado, está continuamente inscrevendo e reinscrevendo a norma nos

2
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros, Queers, Intersexos e demais sujeitos que se enquadrem
neste segmento.
13

corpos dos sujeitos, está, como afirma Louro (2010, p. 30), exercendo “uma pedagogia da
sexualidade, legitimando determinadas identidades e práticas sexuais, reprimindo e
marginalizando outras”. (LOURO, 2010, p. 30). Não apenas a escola, mas todas as instâncias
sociais realizam tal pedagogia, procurando, através de imposições e recomendações,
disciplinar os corpos, ou seja, há em nossa sociedade um esforço articulado para reiterar
identidades e comportamentos hegemônicos. (LOURO, 2010).
Nesse contexto, cabe perguntar: O que a escola, enquanto espaço de socialização, de
experimentação, que abriga crianças e adolescentes de comportamentos e identidades
diferentes e que, inevitavelmente, deve reconhecer o seu papel na formação de pessoas
reflexivas e conscientes que exercitem o respeito a si e ao outro, têm ensinado sobre
sexualidade? A escola tem questionado os padrões hegemônicos de identidade e sexualidade e
as normas morais que estão impregnadas em nossa sociedade ou os têem legitimado?
Para responder a estes questionamentos precisamos antes compreender como
encontra-se a prática pedagógica dos/as professores/as acerca com do conceito sexualidade,
visto que estes profissionais exercem papel fundamental no processo educativo e são, na
prática, os responsáveis por selecionar os conteúdos a serem ministrados na escola.
Destacamos que, embora os/as professores/as de todas as disciplinas escolares devam
encarregar-se de discutir sobre sexualidade em suas aulas, são os professores de Ciências
aqueles que efetivamente o fazem. Isso, pois a sexualidade humana, como consta na Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Fundamental (2017), é de ensino obrigatório
na referida disciplina.
Portanto, indaga-se: Como os/as professores/as de Ciências têm trabalhado o
conceito sexualidade em suas aulas? Estes profissionais têm ensinado o conceito sexualidade
respeitando suas múltiplas dimensões e variedades de expressão? Antes de ensaiar uma
resposta para estes questionamentos, permita-me falar um pouco das minhas experiências
como graduanda do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal do
Piauí (UFPI).
Como graduanda do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da UFPI pude
sentir falta de algumas demandas. Não há na grade curricular do curso nenhuma disciplina
especíifica para a abordagem do conceito sexualidade. Discussões que se relacionam ao
referido conceito se encontram dispersas em várias disciplinas, sendo abordadas de maneira
fragmentada, sem que se faça relação direta entre os conteúdos, e ainda sob um viés
estritamente biológico. Por exemplo, na disciplina de embriologia, estudamos o
desenvolvimento embrionário humano, mas, embora o campo nos parecesse propício, não foi
14

feita nenhuma relação com o aborto, seja espontâneo ou induzido. Nas disciplinas de
fisiologia e anatomia humana, estudamos os sistemas reprodutores feminino e masculino,
porém, a ênfase estava em aprender todos as estruturas e fenômenos hormonais que ocorrem
nestes. Não se discutiu sobre polução noturna, masturbação feminina e masculina, sexo e
prazer, ou seja, nos apresentaram apenas um corpo assexuado. Dentre outras questões que não
foram contempladas durante a graduação, destaco: identidade sexual e identidade de gênero,
desigualdade de gênero, gravidez não planejada na adolescência, violência e abuso sexual,
violência a pessoas LGBTQI+ e métodos contraceptivos. Observa-se, assim, um
distanciamento entre o que é ministrado na universidade e as demandas que encontramos nas
escolas.
Neste contexto, concordamos com Figueiró (2009, p.141) ao afirmar que “todo o
processo formativo dos professores, tanto no Magistério, quanto nas licenciaturas, não os tem
preparado para abordar a questão da sexualidade no espaço da escola”, o que faz com que
esses profissionais se sintam despreparados para desenvolver o referido conceito em sua
prática pedagógica em uma perspectiva que supere o caráter classificador e biologizante.
Portanto, o conceito sexualidade vem sendo desenvolvimento no espaço escolar de maneira
incipiente, em que se privilegia a sua dimensão biológica em detrimento das dimensões
sociocultural e psíquica, ou seja, a abordagem do conceito sexualidade está restrita ao
funcionamento do corpo e aspectos da saúde, não havendo a problematização do “vir a ser”
ou, ainda, a problematização das diversas categoriais sexuais em sua dimensão sócio-
histórica.
É desse cenário que surge o interesse para este trabalho de pesquisa. Desta forma,
considerando que a formação dos/as professores/as não tem correspondido a demanda social
presente na escola, resultando no despreparo e insegurança destes profissionais em tratar de
temas relacionados a sexualidade humana, indaga-se: Como auxiliar os/as professores/as de
Ciências a ensinarem o conceito sexualidade no espaço escolar respeitando o seu caráter
sócio-histórico e as múltiplas dimensões que este conceito engloba, especificamente no que
diz respeito a abordagem da diversidade sexual existente em nossa sociedade?
Em resposta a essa questão, apontamos a Atividade Orientadora de Ensino (AOE)
como possibilidade para o ensino do conceito sexualidade e seus nexos conceituais. Uma vez
que esta, compreendida como um recurso teórico-metodológico para a organização do ensino,
possibilita que os/as professores/as contemplem em sua prática pedagógica o processo sócio-
histórico de produção do conceito, sendo possível assim, tratando-se do conceito sexualidade,
abordá-lo em sua dimensão sociocultural e psíquica. Além disso, para utilizar a AOE como
15

recurso metodológico para organizar o ensino, os/as professores/as precisam pesquisar,


estudar e planejar suas ações, o que implica comprometer-se com o seu próprio processo de
aprendizagem, isto é, comprometer-se com o seu processo formativo.
Nesse sentido, o objetivo geral deste trabalho consiste em elaborar uma proposta
didática com referencial na Atividade Orientadora de Ensino (AOE) para subsidiar a prática
dos/as professores/as de Ciências com o conceito sexualidade. Para tanto, foram delineados os
seguintes objetivos específicos: fazer um levantamento de pesquisas científicas que
evidenciem a prática dos/as professores/as de Ciências com o conceito sexualidade a fim de
compreendermos como este conceito vem sendo desenvolvido na escola por esses educadores;
apresentar o movimento lógico-histórico de produção de significados sobre sexualidade a fim
de entendermos o processo de desenvolvimento e mudança deste conceito ao longo da
história; e elaborar uma Atividade Orientadora de Ensino (AOE) para formação do conceito
sexualidade, com ênfase a diversidade sexual, no ensino de Ciências.
Este trabalho de pesquisa fundamenta-se na Psicologia Sócio-Histórica proposta por
L. S. Vygotsky (LUCCI, 2006), que é uma perspectiva crítica baseada no método materialista
histórico-dialético, o qual foi sistematizado por Karl Marx e Friedrich Engels e se caracteriza
por uma concepção materialista3, na qual a realidade material, concreta, tem existência
independente das ideias e pensamentos, e por uma concepção dialética, a qual defende a
contradição como característica fundamental de tudo o que existe, sendo sua superação a base
do movimento de transformação da realidade (BOCK, 2001; COELHO; CAMPOS, 2015).
Nesta vertente psicológica, o homem é compreendido como um ser ativo, social e histórico, e
a sociedade como produto da atividade destes mesmos homens, isto é, concebe a realidade
material, as representações, os significados sociais e as ideias como produções humana
(BOCK, 2001). Fundamentamo-nos também na Teoria da Atividade sistematizada por A. N
Leontiev, a qual nos dá subsídios para compreender a sexualidade como uma construção
social e os significados sociais, representações e normas morais como produto da atividade
dos homens.
Para alcançarmos os objetivos propostos, o presente trabalho foi estruturado em
cinco seções. A primeira é esta parte introdutória, na qual buscamos apresentar o tema, o
problema da pesquisa e o fundamento teórico utilizado, além de esclarecer o que nos motivou
a construção deste trabalho. A segunda, é a seção intitulada “Arqueologia dos significados
produzidos sobre sexualidade: uma leitura sócio-histórica”, na qual apresentamos o

3
Na concepção materialista “são as relações materiais, concretas, que os homens estabelecem entre si que
explicam as ideias e as instituições que eles criam” (TONET, 2009).
16

movimento lógico-histórico do conceito sexualidade. Nesta seção, buscamos discutir o


processo de produção e desenvolvimento dos significados sociais que constituem os saberes
sobre sexualidade, explicitando como esta vem assumindo diferentes configurações pela ação
de processos históricos, políticos e culturais.
A terceira, é a seção intitulada “O estado da arte do conceito sexualidade no ensino
de Ciências: o que mostram as pesquisas”, na qual apresentamos os resultados de um
levantamento de dados realizado em agosto de 2020, do tipo estado da arte, de pesquisas
científicas publicadas no período de 2015 a 2019 que evidenciam o trabalho de professores e
professoras de Ciências com o conceito sexualidade. A quarta, é a seção intitulada “Atividade
Orientadora de Ensino (AOE): princípio metodológico na aprendizagem do conceito
sexualidade”, na qual apresentamos os pressupostos teóricos que fundamentam a AOE e a
proposta didática desenvolvida para a prática pedagógica com o conceito sexualidade no
ensino de Ciências. Nesta seção explicitamos os procedimentos metodológicos de elaboração
da AOE e como esta deve ser desenvolvida no espaço escolar.
Por fim, a última seção são as considerações finais, na qual apresentamos algumas
considerações sobre o ensino do conceito sexualidade no ensino de Ciências num contexto
social e político brasileiro de repressão da prática em educação sexual no espaço escolar.
17

2 ARQUEOLOGIA DOS SIGNIFICADOS PRODUZIDOS SOBRE SEXUALIDADE:


uma leitura sócio-histórica

O objetivo desta seção consiste em apresentar o movimento lógico-histórico de


produção de significados sobre sexualidade a fim de compreendermos o processo de
desenvolvimento e mudança deste conceito ao longo da história, bem como discutir a
necessidade que levou à sua elaboração. Para tanto, dividimos esta seção em quatro momentos
distintos de acordo com os significados sociais sobre sexualidade que prevaleceram na
história de sua constituição como tal. Assim, na primeira subseção apresentamos a
compreensão mítica, semidivinizada, da sexualidade que teve seu apogeu nas sociedades
primitivas. Na segunda, apresentamos as significações próprias as sociedades antigas em que
prevaleceram significados mediados pelo modelo de organização patriarcal e pelo erotismo.
Na terceira, apresentamos o movimento de puritanização e patologização da sexualidade que
se iniciara ainda na Idade Média, mas que tiveram seu clímax apenas entre os séculos XVIII e
XIX, os quais mediaram a produção de significados pessimistas e conservadores sobre
sexualidade. E na quarta, apresentamos o movimento de mercantilização da sexualidade
mediado pelo advento do capitalismo, bem como o processo de libertação sexual.
Para a construção desta seção, fundamentamo-nos principalmente em Leontiev
(1978), Marx e Engels (2009) e Rigon, Asbahr e Moretti (2016), autores cujas produções nos
auxiliaram a compreender o processo sócio-histórico de constituição humana, e em Nunes
(1984), Senem e Caramaschi (2017) e Foucault (1988), autores cujas produções foram
essenciais para a construção de uma arqueologia dos significados produzidos sobre
sexualidade.
No presente trabalho, partimos da compreensão de homem como ser que se constitui
mediado pelas relações que estabelece com o meio e com os outros indivíduos, pelas
condições histórico-sociais a que está submetido e por sua própria atividade, isto é,
compreendemos que o homem, ao agir sobre o mundo, produz sua própria existência. Mas
não o faz sozinho, isolado da coletividade, o faz mediado pelas relações sociais e apenas
dentro das condições histórico-sociais a que tem acesso. Tal compreensão nos dá subsídios
para compreender a sexualidade, não apenas como resultado de processos biológicos, mas,
18

sobretudo, como a expressão das condições histórico-sociais nas quais os sujeitos estão
inseridos (MEIRA, et al., 2006).
Dito isto, iniciaremos apresentando o processo histórico de desenvolvimento do
gênero humano, para que possamos compreender o movimento lógico-histórico de produção
de significados sobre sexualidade, e com isso contribuir para desmistificar a ideia da
sexualidade como condição inata, natural, com determinação essencialmente biológica.
A espécie Homo sapiens, enquanto pertencente ao reino dos animais, é produto de
milhões de anos de evolução biológica, porém, diferindo dos seus antepassados e outros
primatas, esta espécie não responde apenas às leis naturais, mas, sobretudo, às leis sócio-
históricas. Tudo o que há de humano no homem é resultado da vida social e da apropriação da
cultura produzida pela humanidade ao longo da história (LEONTIEV, 1978). Para Leontiev
(1978, p. 261), a evolução dos hominídeos primitivos ao homem moderno é fruto “[...] da
passagem à vida numa sociedade organizada na base do trabalho 4”, ou seja, uma sociedade
organizada para execução de atividades pertinentes à garantia da subsistência do grupo, como
obtenção de alimentos e busca por abrigo e proteção.
Segundo este mesmo autor, que se baseia em dados da paleoantropologia, a evolução
da espécie humana compreende três estádios, sendo, o primeiro, o estádio de preparação
biológica da espécie que se inicia no fim do terciário e prossegue ao início do quaternário.
Sendo representado no pleistoceno inferior pelo gênero Australopithecus, os quais levavam
uma vida em grupo, viviam em posição ereta e eram capazes de fabricar utensílios
rudimentares e atirar armas (LEONTIEV, 1978; MCALESTER, 2002). Admite-se, ainda, que
os Australopithecus possuíssem meios primitivos de comunicação (LEONTIEV, 1978). O
segundo estádio da evolução do homem moderno é marcado pelo aparecimento do Homo
erectus5 no pleistoceno médio, havendo neste estádio o avanço progressivo e aprimoramento
na fabricação de instrumentos de pedra, bem como o surgimento das primeiras formas de
trabalho e sociedade, ainda que pouco desenvolvidas (LEONTIEV, 1978; MCALESTER,
2002).
Até o segundo estádio, a evolução do homem ainda respondia às leis biológicas e
todas as modificações anatômicas surgidas tinham suas bases na alteração do material
genético e eram transmitidas ao longo das gerações por hereditariedade (LEONTIEV, 1978).
No entanto, a medida que se engendrava as primeiras formas de trabalho e sociedade
produzia-se influências sobre o desenvolvimento humano. O aprimoramento na produção de
4
O termo “trabalho” empregado no texto não se refere a ideia de emprego ou profissão, mas sim, a atividade
especificamente humana de agir sobre a natureza e modificá-la para fins próprios.
5
Espécie de hominídeo que corresponde a designação de pitecantropos (MAZOYER; ROUDART, 2010).
19

instrumentos, o desenvolvimento do trabalho e da comunicação forçaram, por seleção natural,


o aumento do cérebro e modificações na anatomia do homem (LEONTIEV, 1978;
MCALESTER, 2002). Assim,

[...] o seu desenvolvimento biológico tornava-se dependente do desenvolvimento da


produção. Mas a produção é desde o início um processo social que se desenvolve
segundo as suas leis objetivas próprias, leis sócio-históricas. A biologia pôs-se,
portanto, a “inscrever” na estrutura anatômica do homem a “história” nascente da
sociedade humana (LEONTIEV, 1978, p. 261).

Em outras palavras, o homem, ao produzir os meios para garantia de sua


subsistência, criou as condições necessárias ao seu próprio desenvolvimento, conservando
com a natureza uma relação de transformação recíproca determinada pela produção. Portanto,
além das leis biológicas, a evolução humana passa a ser regida também por leis sócio-
históricas.
O último estádio da evolução humana é marcado pelo aparecimento do Homo
sapiens no pleistoceno superior (LEONTIEV, 1978; MCALESTER, 2002). Para Leontiev
(1978), esta é a etapa da viragem, é o momento em que a evolução deixa de ser regida por leis
biológicas, as modificações não mais resultam da alteração do material genético e não são
transmitidas por hereditariedade, uma vez que todo o arcabouço biológico do Homo sapiens
está efetivamente formado tal como homem moderno. Agora, este passa a ser regido apenas
por leis sócio-históricas. O que não quer dizer que as leis biológicas se anulam ou que a
evolução cessou, apenas que o homem alcançou o mais alto grau de desenvolvimento
biológico e possui as faculdades necessárias para dar conta de sua relação com a natureza.
Neste ponto, conclui-se a hominização, ou seja, encerra-se as modificações
anatômicas para a formação do homem e mudanças de caráter genético tornam-se irrisórias.
Inicia-se a constituição do humano no homem, a humanização. Para Rigon, Asbahr e Moretti
(2016), a humanização ocorre pelo processo de apropriação da cultura. Mas a cultura é antes
de qualquer coisa um fenômeno social, fruto da atividade humana, que se reitera e se modifica
ao longo da história. Logo, precisamos entender o papel central da atividade dos homens
enquanto agentes criadores de sua própria existência, ou seja, precisamos entender o papel do
trabalho.
Em síntese, a partir do trabalho, o homem passa a agir sobre a natureza a fim de
satisfazer suas necessidades. Criam instrumentos, máquinas e objetos que permite-os
manipular o meio, e ao mesmo tempo em que produzem, vão desenvolvendo sua cultura, sua
língua e aptidões (LEONTIEV, 1978). É neste momento que os homens, essencialmente,
20

distinguem-se dos animais, quando passam a produzir os meios de satisfação de suas


necessidades e indiretamente produzem sua vida material (MARX; ENGELS, 2009).
Durante essa atividade de produção dos meios de satisfação e a própria necessidade
satisfeita, o homem cria outrasnovas necessidades, não necessidades elementares, mas
necessidades ligadas à produção que são essenciais à sua existência cultural (DUARTE, 2004;
MARX; ENGELS, 2009; MORETTI; ASBAHR; RIGON, 2011). Dessa forma, em um dado
momento, na busca por alimentos, surge a necessidade de fabricar instrumentos. Depois, a
necessidade de instrumentos mais sofisticados e, então, a necessidade de desenvolver mais
habilidades essenciais a transformação da natureza (DUARTE, 2004). Nesse processo, os
homens vão desenvolvendo as faculdades tipicamente humanas e estabelecendo novas formas
de se organizar e se relacionar, e aos poucos vão transformando sua realidade material ao
mesmo tempo em que vão constituindo sua cultura.
Nessa perspectiva, todos os avanços adquiridos no decurso do desenvolvimento
humano ganham existência objetiva ao fixarem-se sob a forma dos fenômenos externos da
cultura intelectual e material (LEONTIEV, 1978; DUARTE, 2004). Portanto, o que cabe a
cada geração é se apropriar de toda a experiência humana acumulada pelas gerações
precedentes. Para Leontiev (1978, p. 265), esse processo sempre ocorre de maneira ativa, ou
seja, para que um indivíduo se aproprie dos produtos do desenvolvimento histórico humano,
“[...] é necessário desenvolver em relação a eles uma atividade que reproduza, pela sua forma,
os traços essenciais da atividade encarnada, acumulada no objeto”. Para exemplificar essa
premissa, o autor se vale do uso de instrumentos. Para o mesmo, ao adquirir um instrumento e
executar as atividades neste incorporadas, o homem desenvolve as faculdades e aptidões
humanas superiores historicamente formadas.
Nesse sentido, cada indivíduo que nasce, nasce totalmente desprovido das aptidões
humanas socialmente constituídas. A sua única aptidão é, segundo Leontiev (1978, 267), “[...]
a aptidão para formar aptidões especificamente humanas”. Isso quer dizer, então, que ao
nascer possuímos apenas as características biológicas requeridas ao nosso desenvolvimento
social. Logo, todas as características sociais, como comportamentos, o saber-fazer, as
significações e ideias serão apreendidas no decurso da nossa experiência de vida a partir das
relações que estabelecemos com o mundo. Primeiro, aprendemos com a família (nossa
primeira esfera social) regras disciplinares básicas, a língua materna, algumas condutas,
valores e conceitos. Depois com a escola e com as várias instituições presentes em nossa vida,
aprendemos sobre a história dos nossos antepassados, sobre a cultura local e sistema
numéricos, dentre outras coisas, bem como se é reafirmado algumas condutas, valores e
21

conceitos. O fato é este, de forma totalmente inconsciente e mediada por outros homens,
aprendemos a ser humanos. Mas nesse processo, não somos apenas reprodutores, também
produzimos e transformamos nossa realidade.
Sob essa ótica, podemos vislumbrar o caráter histórico e social dos homens e de
todos os aspectos de sua vida em sociedade, e com isso falsear a suposta existência de uma
natureza humana ou predisposição natural que apresenta como universais padrões de
comportamentos e características humanas constituídas ao longo da história que não podem
ser outra coisa, senão, resultado da atividade humana.
Destacamos que vários produtos da atividade humana são constantemente
naturalizados, como é o caso da sexualidade que com frequência é encarada como condição
inata ao ser humano. De fato, há aspectos da sexualidade que são naturais. Por exemplo, ao
falarmos sobre determinação do sexo biológico, do desenvolvimento dos caracteres sexuais
secundários, de menstruação e gravidez, estamos falando de fenômenos essencialmente
biológicos que apresentam um certo grau de padronização. Mas até mesmo esses fenômenos
são vivenciados de modos diferentes entre os indivíduos, pois são sempre influenciados pelos
significados sociais produzidos no contexto de cada cultura.
Todavia, ao falarmos das diferentes formas de viver e expressar a sexualidade,
estamos nos referindo a fenômenos socioculturais e psicossociais, isto é, a fenômenos da
sexualidade que se constituem diferentemente para cada indivíduo a partir das experiências
particulares que cada um vivencia e da cultura da qual fazem parte. Porém, muitos
significados produzidos socialmente sobre sexualidade remetem a ideia de uma possível
determinação biológica desses fenômenos, resultando no estabelecimento de padrões
comportamentais que são encarados como naturais enquanto aqueles que fogem a norma são
vistos como desviantes, subversivos e pecaminosos.
É importante entender que os significados são produções históricas e sociais que
embora apresentem certa estabilidade também se modificam ao longo da história (AGUIAR;
OZELLA, 2013). Para Aguiar e Ozella (2013, p. 304), os significados são entendidos como os
“conteúdos instituídos, mais fixos, compartilhados, que são apropriados pelos sujeitos,
configurados a partir de suas próprias subjetividades”.
Leontiev (2004), afirma que os significados são os reflexos generalizados da
realidade elaborada historicamente pela humanidade sob a forma de conceitos, saberes ou
saber-fazer que serão apropriados pelos indivíduos. Logo, cada geração, cada homem,
encontra um sistema de significações elaborado historicamente do qual deverá se apropriar,
tal como seria com um instrumento, mas se o indivíduo irá se apropriar ou não, a forma como
22

se apropria e o impacto que terá na formação de sua personalidade, depende do sentido


pessoal que o sujeito atribui ao significado (LEONTIEV, 2004).
Não pretendemos aqui nos aprofundar nessa discussão, pois, foge ao nosso objetivo.
Há apenas a necessidade de se fazer entender que existe um sistema de significações
produzido historicamente que será apropriado por cada indivíduo e, assim, reproduzido por
cada geração. Porém, o sentido atribuído a cada significado social é subjetivo e difere para
cada indivíduo. Bem como influencia sua ação, motivação e posicionamento na sociedade de
forma diferenciada (COELHO; CAMPOS, 2015). Portanto, os significados socialmente
constituídos não podem ser fixos e imutáveis, pois encontram na subjetividade e atividade dos
sujeitos a chave do seu desenvolvimento e mudança.
No entanto, o processo de desenvolvimento e mudança dos significados sociais não é
simples. Muitas significações encontram-se tão fortemente enraizadas e difundidas que
passam a ser encaradas como verdades absolutas (COELHO; CAMPOS, 2015),
inquestionáveis, que mistificam a realidade humana e encobrem a sua constituição sócio-
histórica. Mas, cabe perguntar, quem ou o que determina o processo de produção dessaes
significaçõesdos?
Para Marx e Engels (2009), a produção das ideias e representações está diretamente
relacionada a atividade material dos homens e as relações sociais que estabelecem, sendo a
última determinada pela produção. Assim, à medida que os modos de produção são
modificados pela atividade humana, as relações sociais também se modificam, o que
influencia a produção intelectual da época. Para os autores, todo o conteúdo de uma época
histórica e, portanto, a produção das ideias é determinada pela classe hegemônica. Daí que se
observe o movimento histórico de produção de significados sobre sexualidade ao tempo que
se modifica o momento histórico, as relações sociais e as condições materiais que o homem
está inserido.
Portanto, buscaremos a partir de agora discutir como estes significados acerca da
sexualidade humana foram desenvolvidos, colocando em evidência os discursos e formas de
expressões que perduraram em cada época até chegar ao cenário atual.

2.1 Sexualidade mítica

O conceito de sexualidade surgiu apenas no século XIX e estava voltado para um


saber sexual resultante da incitação à manifestação sexual verbal e escrita que se acentuou na
época (RIBEIRO, 2005). Porém, as práticas sexuais e os significados produzidos sobre
23

sexualidade denotam as sociedades primitivas e acompanham toda a história da humanidade,


obviamente, como condição inerente a manutenção da espécie, era preciso reproduzir-se. Eis
o primeiro momento da história da sexualidade, a sexualidade primitiva mítica do período
Paleolítico, de 500 mil a 10 mil anos a.C., sendo marcada pelo modelo de organização
matriarcal (NUNES, 1987; SENEM; CARAMASCHI, 2017). Nesse modelo de organização
social, os atributos femininos, maternos e procriadores eram motivos de exaltação, havia uma
divinização da fertilidade e do sexo feminino, consequentemente, a sexualidade também
estava envolvida em uma significação mítica e era concebida como sagrada (NUNES, 1987;
SENEM; CARAMASCHI, 2017).
Durante todo o Paleolítico, a organização tribal esteve sob o poder das mulheres,
eram elas as detentoras das possibilidades de observação, experimentação e de
desenvolvimento de novas práticas de subsistência na produção material da vida, motivo este
que as tornaram o grupo civilizatório mais progressista e o elo mantenedor do clã primitivo
(NUNES, 1987). Nesse período, a produção baseava-se no sistema de colaboração para a
caça, pesca e coleta, o que produzia uma sociedade coletiva, organizada sob a divisão sexual
do trabalho e sem uma estrutura de poder que não estivesse associado a subsistência do grupo
(NUNES, 1987).
No Neolítico, período que sucedeu o Paleolítico, tem-se o início do processo de
sedentarização, com a domesticação de animais e o desenvolvimento da agricultura motivados
por alterações climáticas e o aumento da população (NUNES, 1987; SENEM;
CARAMASCHI, 2017). Nesse período, as mulheres continuavam sendo representadas como
uma figura cúltica, sua fertilidade estava associada a fertilidade do solo e da safra cultivada,
assim, a mulher era vista como detentora do poder de influenciar a vegetação e o sucesso da
colheita, da mesma forma, rituais sexuais e orgias coletivas também estavam associadas a
fecundidade vegetal (NUNES, 1987).
No entanto, as transformações sociais oriundas do processo de sedentarização
ocasionaram o aparecimento das propriedades de terra, de formas rudimentares de
organização política, e de uma nova forma de organização grupal semelhante a composição de
uma família, o que resultou na passagem do modelo de organização matriarcal para a
organização patriarcal (NUNES, 1987; SENEM; CARAMASCHI, 2017). Os homens
passaram a ser os detentores do poder, assumindo o controle das formas de defesa e do poder
ideológico, enquanto à mulher coube a submissão (NUNES, 1987). As atividades antes
realizadas por mulheres passaram ao domínio dos homens e, assim, surgiram as
24

representações simbólicas do poder masculino, os deuses tornaram-se machos, e as funções e


organizações militares e religiosas tornaram-se privilégios masculinos (NUNES, 1987).
Na mesma medida, a significação mítica da sexualidade, calcada na organização
matriarcal, gradualmente perdeu lugar no imaginário social das civilizações primitivas. Sob o
modelo de organização patriarcal, as significações sobre sexualidade centraram-se na
valorização do sexo masculino e no domínio dos homens sobre as mulheres.

2.2 Sexualidade, erotismo e patriarcado

Embora sua origem remeta Àqa qas civilizações primitivas, é apenas na


Antiguidade que o modelo de organização patriarcal se consolida, especialmente no Oriente
Médio (NUNES, 1987; SENEM; CARAMASCHI, 2017). Esse modelo é bem descrito na
Bíblia ao narrar a cultura hebraica e expor a sua organização patriarcal (NUNES, 1987). Para
esse povo, a mulher era considerada como ser inferior ao homem, suja e impura, sendo
proibida de participar ativamente da religião, cabendo-lhe apenas a dominação, era
considerada propriedade do homem (NUNES, 1987). O casamento era tido como uma espécie
de negócio, um contrato familiar entre senhores, sendo a mulher vendida ao seu marido que se
tornaria seu dono (NUNES, 1987). Nessa cultura, a poligamia era amplamente aceita e o
incesto era proibido, havendo, ainda, leis para normatização sexual (NUNES, 1987).
Os gregos, à semelhança do povo hebreu, também eram uma sociedade
extremamente patriarcal, o casamento era para eles uma espécie de contrato, um fim
econômico para legitimar o status e a propriedade, que envolvia o nome da família que
deveria ser transmitido pela procriação (NUNES, 1987). A mulher era propriedade do seu
marido e estava proibida de ter relações sexuais fora do casamento, enquanto para o homem
não havia normas que regulassem o seu comportamento, era livre e senhor de sua conduta,
podendo envolver-se sexualmente fora do casamento com homens e mulheres (NUNES,
1987).
Embora houvesse nesse período a prevalência do modelo patriarcal, tinha-se também
culturas em que as mulheres estavam em relação de igualdade com os homens, como é o caso
dos gregos de Creta (SENEM; CARAMASCHI, 2017). Segundo Nunes (1987), nessa
civilização havia o culto da Deusa mãe, uma forma de politeísmo matriarcal em que se
praticava rituais de agradecimento a fecundidade da agricultura. No Egito, a mulher assumia
25

posição de destaque e possuía alto grau de liberdade, podendo ter relações sexuais antes do
casamento sem que isso afetasse sua honra e, no Egito antigo, podiam ocupar posições
importantes, como médicas e até faraós (RIBEIRO, 2005).
É importante destacar que com a passagem à Idade Antiga o sexo gradualmente
perde o caráter mítico das sociedades primitivas, havendo a separação entre sexo e reprodução
e a inserção da noção de prazer (NUNES, 1987). Assim, as divindades do prazer, as técnicas e
os estímulos sexuais surgem ainda nesse período da história, não havendo os valores de
virgindade feminina, celibato ou heterossexualidade compulsiva (NUNES, 1987). Nas
civilizações desse período, muitas práticas sexuais eram aceitas e incentivadas, como é o caso
do bissexualismo grego e romano (NUNES, 1987; RIBEIRO, 2005).
Segundo Foucault (1984), não existia para os gregos a distinção entre
relacionamentos homossexuais e heterossexuais e não se reconhecia o amor ao próprio sexo e
o amor ao sexo oposto como comportamentos diferentes e excludentes. Para eles, envolver-se
sexualmente com homens e com mulheres consistia apenas em duas maneiras de obter prazer,
não havendo categoria para classificar os indivíduos de acordo com a inclinação do seu
desejo, o homem que se relacionava com homens não se experimentava como “outro” face
aos que se relacionavam com mulheres (FOUCAULT, 1984). Além disso, Nunes (1987)
afirma que a prostituição feminina teria surgido ainda nesse período e Senem e Caramaschi
(2017) que, em algumas sociedades da Antiguidade, a prática do incesto foi amplamente
aceita e praticada.
No entanto, paralelamente a liberdade sexual na busca pelo prazer, inicia-se nesse
período o processo de hostilização do corpo e das práticas sexuais. Para Ranke-Heinemann
(1996), esse processo deriva, sobretudo, das considerações médicas da época. Para os
pensadores Xenofonte, Platão, Aristóteles e o médico Hipócrates (século IV a.C.) o ato sexual
era perigoso, difícil de controlar e prejudicial à saúde (RANKE-HEINEMANN, 1996).
Hipócrates defendia que a perda excessiva de sêmen podia levar à morte e Sorano de Éfeso
(século II d.C.), médico pessoal do Imperador Adriano, acreditava que o ato sexual só era
justificável com a finalidade reprodutiva (RANKE-HEINEMANN, 1996).
Aristóteles, filósofo que se dedicou ao estudo das relações entre os sexos e exerceu
grande influência sobre pensamento medieval, estabeleceu em sua obra “Ética a Nicômaco” a
concepção sobre a complementariedade sexual “natural”, a qual dispõe que, para viverem
melhor, a natureza fez o homem e a mulher, um e o outro sexo, sendo o primeiro forte e o
segundo contido pelo temor (FOUCAULT, 1984; NUNES, 1987). Em sua obra “Política”, o
26

filósofo afirma que o macho é, por natureza, superior a fêmea e que isso se aplica
necessariamente ao gênero humano (SENEM; CARAMASCHI, 2017).
Tais concepções contribuíram para a construção de uma visão redutora da
sexualidade, a qual foi intensificada pelo estoicismo, uma das maiores escolas da filosofia
antiga que perdurou de 300 anos a.C. a 250 anos d.C. (RANKE-HEINEMANN, 1996). Os
estoicos rejeitaram a busca pelo prazer e pregaram a concentração da atividade sexual no
casamento, mas à medida em que o prazer carnal passou a ser hostilizado, o casamento passou
a ser questionado e o celibato e a abstinência sexual foram valorizados como ideais de
comportamento (RANKE-HEINEMANN, 1996). Assim, o casamento passou a ser tratado
como uma concessão aos que não conseguiam se abster, uma permissão para a satisfação
sexual (RANKE-HEINEMANN, 1996).
Todavia, as exigências de austeridade presentes no pensamento antigo não estavam
organizadas em uma moral unificada, impostas a toda sociedade de maneira autoritária
(FOUCAULT, 1984). Segundo Foucault (1984, p. 23) “[...] elas eram, antes de mais
nadainicialmente, um suplemento, como que um ‘luxo’ em relação à moral aceita
correntemente [...]”, além de terem origem em diferentes movimentos filosóficos ou religiosos
e serem desenvolvidas dentro de grupos específicos, o que, por consequência, limitava o seu
alcance.
Nesse contexto, a produção de significados na Antiguidade conserva um dualismo.
Por um lado, significações positivas são produzidas, fala-se em “Eros” e busca-se o prazer.
Por outro, inicia-se um pessimismo em relação ao sexo e produz-se uma visão redutora da
sexualidade, além de haver a contínua legitimação do patriarcado, com a valorização do sexo
masculino e subalternização do sexo feminino.

2.3 Puritanização e patologização da sexualidade

Com a desestruturação do mundo antigo, a queda do Império Romano e a


emergência da Igreja Católica surge um novo sistema de relações e de significações que
marcaram o início da era Cristãera cristã (NUNES, 1987). Carregando em si influências da
tradição bíblica hebraica e do pensamento grego e romano, a moral cCristã tornou-se uma
ideologia universalista que engendrou a maior parte da cultura sexual ocidental do período
medieval (NUNES, 1987; SENEM; CARAMASCHI, 2017). Assim, o cristianismo, ao fundir-
se com o patriarcalismo hebraico e o falocratismo grego, conservou valores como a
submissão e desvalorização feminina, regulamentação da conduta sexual e repressão sexual
27

por meio do sistema de controle e culpa (NUNES, 1987). É nesse contexto que o corpo
começa a ser tratado como o lugar da maldade demoníaca, o sexo passa a ser associado a ideia
de pecado e só é permitido com o propósito reprodutivo, a dimensão do prazer é perdida e a
castidade passa a ser considerada a maior virtude (NUNES, 1987).
Com a sexualidade sob o controle da religião, os comportamentos sexuais passam a
ser controlados segundo os ditames da Bíblia. Portanto, cabe fazer algumas considerações
sobre suas escrituras. Na primeira parte da Bíblia Cristã, o Antigo Testamento, a poligamia é
admitida como norma básica e o divórcio é aceito como um privilégio masculino como consta
em Deuteronômio 24, 1ss (SENEM; CARAMASCHI, 2017). As mulheres não podiam pedir
divórcio e em caso de adultério eram apedrejadas (NUNES, 1987). Relações entre indivíduos
do mesmo sexo (livro do Levítico 18,22) e a prostituição (Deuteronômio 22,20) são
reprimidas, a menstruação é considera impureza da mulher e se punia com morte o casal que
mantivesse relações sexuais durante esse período (NUNES, 1987; SENEM; CARAMASCHI,
2017). Segundo Nunes (1987), a polução noturna é considera impura (livro do Levítico 15,
18) e o incesto é proibido (livro do Levítico 18).
Na segunda parte da Bíblia, o Novo Testamento, a doutrina Cristã tem grande
influência de São Paulo, judeu grego convertido ao cristianismo, o qual condenou a
homossexualidade, o adultério, a fornicação, prostituição e o divórcio, e defendeu a
submissão da mulher, alegando que esta deveria ser obediente ao marido (NUNES, 1987).
Com a Patrística, filosofia Cristã dos três primeiros séculos e fonte da moral sexual primitiva,
o corpo e o sexo assumem conotação profundamente negativa, aparece o ideal de virgindade e
de pureza e reitera-se a submissão da mulher, havendo a renovação da condenação do
adultério e proibição do divórcio, práticas comuns nas sociedades pagãs (NUNES, 1987).
É importante destacar que o rigorismo da moral Cristã sobre a sexualidade é
reforçado a partir da influência e incorporação da moral e filosofia pagã ao Cristianismo
(NUNES, 1987). É sob influência do estoicismo e do neoplatonismo que os três padres da
igreja, Santo Agostinho (354 d.C. a 430 d.C.), São Jerônimo (347 d.C. a 420 d.C.) e São
Tomás de Aquino (1225 a 1274), fundamentaram a doutrina Cristã e contribuíram para a
manutenção do pessimismo em relação aos prazeres sexuais (RIBEIRO, 2005; SALLES;
CECCARELLI, 2010). Dentre as muitas imposições, determinavam que o sexo só se
justificava para fins reprodutivos e que sua prática deveria ocorrer exclusivamente dentro do
casamento, que não poderia haver demonstração de paixão entre o casal e que a prostituição, o
adultério, a homossexualidade e a masturbação eram pecados contra o corpo (RIBEIRO,
2005).
28

Santo Agostinho, com sua compreensão negativista do sexo, considerou o ato sexual
fruto do pecado e condenou práticas que se desviavam do propósito reprodutivo, do fim
natural do sexo, tais como o sexo anal e sexo oral, uso de métodos contraceptivos (à época o
coito interrompido era comum para evitar a concepção) e abstinência sexual no período fértil
da mulher (NUNES, 1987). São Jerônimo, tradutor da Bíblia do hebraico e grego para o latim,
foi grande defensor do celibato e da virgindade, e considerou a mulher como um instrumento
do demônio que poderia corromper homens puros (SENEM; CARAMASCHI, 2017).
Apesar desse rigorismo moral que aos poucos se implantava, da consolidação do
Cristianismo e da estruturação dos mecanismos de controle da sexualidade na Idade Média, a
Igreja Católica não conseguia enquadrar todos os segmentos sociais aos seus preceitos, em
especial os camponeses que viviam distantes das cidades e dos nobres e permaneciam
apegados aos valores pagãos dos seus antepassados (NUNES, 1987; RIBEIRO, 2005). Assim,
entre as camadas populares proliferavam-se as relações primárias e comunitárias, havia
considerável liberdade sexual e a linguagem da sexualidade era rica e picante (NUNES,
1987).
Foi apenas a partir do Concílio de Trento (1545 a 1563) que a sexualidade popular
passou a ser fortemente controlada pela religião, sobretudo, sob o sistema de medo, culpa e
condenação do inferno, o qual passou a ser o lugar de pecadores, fornicadores, prostitutas e
homossexuais (NUNES, 1987; SENEM; CARAMASCHI, 2017). Além desses mecanismos
de controle, utilizava-se também a violência, assim, os padres e freiras pegas em pecado eram
queimados e enforcados enquanto homens e mulheres tinham suas partes sexuais queimadas
(NUNES, 1987).
No entanto, apesar dos esforços despendidos pela Igreja Católica para controle e
repressão sexual dos seus fiéis nesse período, é apenas a partir do século XVI com a
desestruturação do mundo medieval e com o advento do puritanismo, surgido na Inglaterra no
século XVII, que há uma mudança real no caráter, moral e valores do homem ocidental, que
gradualmente transformou-se em um homem contido, regrado e controlado (NUNES, 1987;
RIBEIRO, 2005). Segundo afirma Leites (1987 apud RIBEIRO, 2005), o puritanismo não
pretendia atingir a sexualidade com suas ideias de autocontrole, buscava, na verdade,
modificar o comportamento desregrado e de temperamento oscilante do homem medieval. No
entanto, sob forte influência do ascetismo, o movimento desvalorizou todas as experiências
ligadas ao corpo e ao prazer (SENEM; CARAMASCHI, 2017).
É importante ressaltar que, durante o século XVI até o século XVIII, a Europa
passou por uma convulsão social resultante da Reforma Protestante, da Contrarreforma e da
29

passagem do modo de produção feudal para o modo de produção capitalista, o que mudou
completamente as relações sociais da época (RIBEIRO, 2005). Weber, em sua obra “A Ética
Protestante e o Espírito do Capitalismo”, sustenta que os princípios da Reforma Protestante,
tais como o individualismo, o trabalho como expiação, a honra, a submissão às escrituras
Bíblicas e a consciência do pecado, bem como a ética do acúmulo sem gastos e exagero são
princípios do capitalismo (NUNES, 1987). Para Ribeiro (2005), o capitalismo transformou a
vida e a sociedade ao submeter o ser ao ter, ao introduzir um modo de vida baseada na
produção e exploração do homem, venda de força de trabalho e acúmulo de bens. Assim,
como constata Nunes (1987), para que os homens pudessem destinar sua máxima energia para
o trabalho, era necessário reprimir sua energia sexual. Logo, “o ‘princípio do prazer’ é
domado e regulado em nome do ‘princípio da realidade’ que, no mundo burguês, é o trabalho
escravizante e alienado” (NUNES, 1987, p. 92).
Portanto, nesse período, as diferentes formas de vivenciar a sexualidade foram
reprimidas (SENEM; CARAMASCHI, 2017). A nudez, considerada natural na Idade Média,
foi coberta por panos e conceitos, a linguagem sobre o sexo, controlada, o corpo representado
de forma negativa e o sexo considerado inimigo do trabalho (NUNES, 1987; SENEM;
CARAMASCHI, 2017), a não ser, para fins reprodutivos, visto a necessidade de mão de obra.
Nesse contexto, tanto a moral oriunda da Reforma Protestante como a da Contrarreforma
promovida pela Igreja Católica, serviram aos mesmos princípios (SENEM; CARAMASCHI,
2017).
Segundo Senem e Caramaschi (2017), outro movimento que contribuiu para a
repressão sexual foi o vitorianismo surgido na Inglaterra no período do reinado da rainha
Vitória (1837-1901), o qual fundamentava-se no pensamento de São Paulo, Santo Agostinho e
São Tomás de Aquino. Esse movimento tornou-se uma forte ideologia repressora que norteou
o comportamento sexual dos indivíduos a partir do século XIX, inclusive, com reflexos que
podem ser sentidos até hoje (RIBEIRO, 2005).
Observa-se durante esse período com mais força um movimento que se iniciara ainda
no final do século XVIII, o surgimento de uma nova tecnologia da sexualidade. Segundo
Foucault (1988), é por meio dessa tecnologia que a sexualidade, através da pedagogia, da
medicina e da economia, deixou de ser apenas uma questão leiga e passou a ser negócio do
Estado. Assim, se antes a sexualidade era regulada pela religião, passa agora para o controle
da medicina, para exigência da normalidade ao invés do medo da morte e do castigo eterno
(FOUCAULT, 1988; SENEM; CARAMASCHI, 2017).
30

É neste contexto que os séculos XVIII e XIX tornaram-se palco da normatização


sexual, não com base na hipótese repressiva da sexualidade, mas pela incitação ao discurso
(FOUCAULT, 1988). Nasce, portanto, uma incitação política, econômica e técnica para falar
sobre sexo, mas não sob a forma de uma teoria geral do conhecimento sobre sexualidade, mas
sob uma forma analítica, de contabilidade e de classificação (FOUCAULT, 1988).
Multiplicam-se os discursos, produzem conhecimento ao seu respeito, classificam-na segundo
padrões de normalidade e anormalidade, sob o viés do que é sadio e doentio. E, assim, passam
a regular a sexualidade por meio de discursos públicos e úteis e não mais pelo rigor da
proibição (FOUCAULT, 1988).
A sexualidade, agora sob o controle da medicina, passa a ser interpretada como um
domínio dotado, naturalmente, de processos patológicos, o que impõe a necessidade de
intervenções terapêuticas ou de normalização (FOUCAULT, 1988). Assim, na metade do
século XIX criou-se um projeto médico e político para administração das práticas e
comportamentos sexuais (FOUCAULT, 1988).
É diante dessa necessidade de regulamentar a prática sexual dos sujeitos e da
multiplicação dos discursos e produções científicas que surge, no século XIX, o conceito
sexualidade (RIBEIRO, 2005). Nesse mesmo período, surgem também os conceitos
heterossexual e homossexual como categorias para classificar os sujeitos segundo seus
comportamentos e práticas sexuais (SANTOS, 2008). Dessa forma, a sexualidade é
novamente compreendida como uma dimensão natural do homem, um instinto biológico,
sendo a partir desse período identificada como genitalidade e heterossexualidade (LOYOLA,
1998).
Sob o discurso médico-científico, renova-se repressão da masturbação, a qual passa a
ser interpretada como fonte de perigo para degeneração física e mental (NUNES, 1987;
SENEM; CARAMASCHI, 2017). A homossexualidade passa a ser interpreta como um desvio
da ordem vigente, uma patologia, sendo condenada juntamente com a prostituição e celibato,
pois ameaçam a ordem familiar (NUNES, 1987; SANTOS, 2008). Renova-se também o
patriarcado, a mulher é vista como o segundo sexo, frágil, afetiva, feita para amar e não
inteligente, enquanto o homem é interpretado como forte, inteligente e responsável pelo
sustento do lar (SENEM; CARAMASCHI, 2017). Instaura-se o modelo de família tradicional,
a mulher, mãe, dona de casa, afetiva, carinhosa e submissa e o homem, forte, impassível,
dono de si, responsável pelo sustento da casa e dos filhos.
Portanto, nesse período prevalecem as significações negativas sobre sexualidade,
nega-se o corpo, o prazer e comportamentos sexuais livres. Instaura-se um esforço conjunto
31

de todas as instituições sociais para controle e normatização sexual dos cidadãos, e a


sexualidade, agora posta em vigilância, é reduzida ao privado e a fins reprodutivos, é
administrada pelo Estado.

2.4 Mercantilização da sexualidade

Todo o movimento repressivo da sexualidade que apresentamos na subseção anterior


começou a ruir com as transformações provocadas pelo capitalismo, sobretudo, entre os
séculos XIX e XX (NUNES, 1987). Dentre as muitas transformações sociais ocorridas nesse
período, é apenas após a II Guerra Mundial (1939 a 1945) que se transforma completamente a
forma de vivenciar a sexualidade (SENEM; CARAMASCHI, 2017). Sob a hegemonia do
capitalismo norte-americano o mundo do século XX assume um novo modelo, cujas
características são o consumo, a dependência de recursos tecnológicos, a expropriação da
subjetividade e o desejo de consumir sempre mais (NUNES, 1987). É nesse contexto que o
capitalismo inicia o processo de globalização e enquadra as massas consumidoras (NUNES,
1987).
A sexualidade é, agora, incorporada a máquina do consumo, todas as propagandas
passam a falar sobre sexo e corpo, a estimular e a referir-se aos desejos e prazeres sexuais da
época (NUNES, 1987). A mulher torna-se garota propaganda, é erotizada e tem seu próprio
corpo consumido e, assim como o sexo, torna-se objeto de consumo (NUNES, 1987). É neste
contexto que surge a indústria pornográfica, os sex-shops, os motéis, os novos estímulos, o
que leva a uma quantificação do sexo sem, no entanto, alterar qualitativamente suas
significações (NUNES, 1987).
O modelo de organização patriarcal ainda vigora, a mulher é objeto de desejo e
satisfação sexual, mas não do seu próprio, do homem. Estimulam-se as práticas sexuais, o
corpo é vendido e consumido, mas, ao mesmo tempo, a sexualidade feminina é reprimida.
Esta é apenas objeto de consumo masculino. Da mesma forma, as práticas consideradas
desviantes, como a homossexualidade, continuam sendo reprimidas. Reitera-se continuamente
a norma, a norma do homem branco, heterossexual e cristão. Foi diante desse cenário que
surgiram, de diferentes formas, os movimentos de contestação como o rock, o movimento
feminista, movimento antirracista e movimento LGBTQI+, nos quais, dentre outras pautas,
estava presente a liberdade sexual (NUNES, 1987).
No Brasil, esses movimentos foram especialmente importantes ao contestarem a
norma vigente fortemente influenciada pela norma Europeia. Aqui se repete o padrão de
32

referência do homem branco, heterossexual e cristão, e durante todo o século XX prevalece a


compreensão médico-higienista da sexualidade, na qual exaltava-se o ideal do casamento
monogâmico e heterossexual, cuja função estava fortemente arraigada a fins reprodutivos. Em
consequência, para proteger o ideal de família, condenava-se o adultério, o aborto, a
prostituição e a homossexualidade (CARRARA, 2015).
Esse cenário é gradualmente modificado em resposta a alguns eventos ocorridos no
século XX que ocasionaram o processo de libertação sexual. Dos quais citamos: o movimento
feminista em suas reivindicações por melhores condições profissionais, por seus direitos
sexuais e reprodutivos e por sua participação na política do país; a comercialização da pílula
anticoncepcional, em 1960, como método seguro para evitar a gravidez, que contribuiu para o
que foi chamado de Revolução Sexual ao permitir a separação entre sexo e reprodução; o
movimento LGBTQI+ que, em suas reivindicações por direitos iguais, propiciou a retirada da
homossexualidade como doença dos códigos do Instituto Nacional de Previdência Social
(AZEVEDO, 2005; CITELI, 2005); e o avanço científico que proporcionou a compreensão
sobre o funcionamento do corpo humano, incluindo os sistemas reprodutores feminino e
masculino, o que contribuiu para o falseamento de pressupostos pseudocientíficos sobre a
sexualidade.
Destacamos, ainda, a multiplicação de estudos sobre corpo, sexo, práticas e
comportamentos sexuais, os quais contribuíram para a reformulação do conceito sexualidade.
Além de, também em decorrência dos movimentos de contestação, fazer surgir diversos
termos e nomenclaturas para identificar os indivíduos LGBTQI+, não como categorias de
classificação, mas como status identitário para se contrapor as nomenclaturas pejorativas e
para promover o reconhecimento daqueles indivíduos que não se enquadram no binarismo
homem/mulher, heterossexual/homossexual. Com as diversas pesquisas nas ciências sociais,
especialmente os estudos feministas, surge também o conceito de gênero, o qual foi cunhado
em oposição ao conceito de sexo biológico e marca, sobretudo, a construção social do “ser
homem” e “ser mulher” (SÃO PAULO, 2014; TONELI, 2012).
Portanto, atualmente, a sexualidade é compreendida como um componente da
personalidade humana cuja expressão envolve uma combinação de fatores biológicos,
psicológicos, socioculturais e históricos (SÃO PAULO, 2014). Sendo composta, basicamente,
por três elementos: 1) o sexo biológico, o qual é determinado geneticamente e pode ser
feminino, masculino ou intersexual6; 2) a identidade sexual, a qual refere-se à atração afetiva

6
Intersexuais são aqueles indivíduos que, por consequência de alterações cromossômicas, podem apresentar
características de ambos os sexos, masculino e feminino (SÃO PAULO, 2014).
33

e/ou sexual que um indivíduo manifesta em relação ao outro; e 3) a identidade de gênero, a


qual refere-se à percepção que um indivíduo tem de si mesmo, podendo este se identificar
como do gênero masculino, feminino ou neutro, independente do seu sexo biológico (SÃO
PAULO, 2014). Esses três elementos não influenciam a constituição um do outro, e podem ou
não apresentar correspondência. Nesse sentido, entende-se que a sexualidade envolve, além
de fenômenos anatômicos e fisiológicos do corpo, crenças, valores, rituais, representações,
prazer, afetividade, comportamentos, identidades e normas morais que são construídas e
elaboradas historicamente (LOURO, 2010; WEEKS, 2010; FIGUEIRÓ, 2009).
Todavia, a explosão discursiva, o afrouxamento da repressão sexual e a nova
perspectiva para compreender a sexualidade não representaram uma real mudança nos
significados produzidos sobre esta última. Prevalece no imaginário social significados
mediados pela moral Cristã e pelo viés médico-higienista, ou seja, no senso comum, a
sexualidade continua a ser interpretada como uma manifestação direta da biologia do ser e
como um fenômeno dotado de processos patológicos.
No Brasil, quando pensamos nos significados produzidos sobre sexualidade,
devemos lembrar o atual momento político do país em que movimentos sociais e progressistas
promovem, por suas lutas, uma liberdade sexual e introduzem em seus discursos o conceito
sexualidade numa perspectiva emancipatória, ao mesmo tempo em que movimentos
conservadores e retrógados exaltam os valores tradicionais, utilizando-se de argumentos como
amor àa Deus e à família como base para repressão das práticas e comportamentos sexuais
livres.
Dessa forma, apontamos para iminência de inserir no campo educativo o conceito
sexualidade numa perspectiva emancipatória como possibilidade para superar o conhecimento
que prevalece no senso comum, o qual pauta-se na abordagem médico-higienista. É
necessário desenvolver o referido conceito considerando, não apenas o seu aspecto biológico,
mas também o seu caráter histórico e social e os seus ele mentos constitutivos (sexo
biológico/identidade sexual/identidade de gênero), para que dessa forma seja possível
descontruir modelos hegemônicos da sexualidade e possibilitar o desenvolvimento de práticas
livres, plurais e humanizadoras para vivenciá-la com dignidade.
34
35

3 O ESTADO DA ARTE DO CONCEITO SEXUALIDADE NO ENSINO DE


CIÊNCIAS: o que mostram as pesquisas

Nesta seção apresentaremos um levantamento de dados realizado em agosto de 2020,


do tipo estado da arte, de pesquisas científicas publicadas no período de 2015 a 2019 que
evidenciam o trabalho de professores e professoras de Ciências acerca do com o conceito
sexualidade. Para tanto, iniciaremos esclarecendo no que consiste essa metodologia de
pesquisa.
Segundo Ferreira (2002) e Roomanowski e Ens (2006), a metodologia de pesquisa do
tipo estado da arte pode ser definida como uma técnica utilizada para mapear, sistematizar e
discutir uma certa produção acadêmica sobre determinada área do conhecimento, buscando-se
apontar os caminhos que veêm sendo tomados, os enfoques, os temas mais pesquisados e as
lacunas ainda existentes. Não se restringindo, portanto, apenas a identificar a produção
acadêmica, “[...], mas analisá-la, categorizá-la e revelar os múltiplos enfoques e perspectivas”.
(ROMANOWSKI; ENS, 2006, p. 39).
Nesse sentindo, a partir da sistematização e análise das produções acadêmicas sobre
o conceito sexualidade no ensino de Ciências, buscou-se conhecer como o referido conceito
vem sendo desenvolvido por professores/as de Ciências nas escolas públicas brasileiras.
Sendo possível, assim, compreender quais os significados sobre sexualidade prevalecem entre
estes/as professores/as, como eles/as trabalham o referido conceito em suas aulas e quais os
principais enfoques e apontamentos feitos pelos autores nas pesquisas analisadas.
Destacamos que esta pesquisa se trata apenas de um mapeamento parcial das
produções da área no período de 2015 a 2019, pois, como afirma Romanowski e Ens (2006, p.
41) estudos mais abrangentes “[...] requerem esforços articulados, de várias equipes e
financiamento específico, condições nem sempre acessíveis aos pesquisadores”. Assim, o
interesse no desenvolvimento deste estado da arte está estritamente ligado a necessidade de
conhecermos como este conceito vem sendo desenvolvido na escola por professores/as de
Ciências, e não de apresentar o mapeamento completo das produções acadêmicas publicadas
no período de 2015 a 2019.
Assim, para a realização deste estado da arte, utilizou-se como fonte de pesquisa os
bancos de dados Google acadêmico, SciELO, Banco de Teses e Dissertações da Capes, Banco
de periódicos da Capes e os Anais das reuniões nacionais da Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), tendo como base os seguintes critérios de
inclusão: 1) ter sido publicado no período de 2015 a 2019; 2) ser uma produção brasileira e
36

estar escrita em Português brasileiro; 3) tratar da prática pedagógica dos(as) professores(as)


de Ciências com o conceito sexualidade; e 4) envolver, obrigatoriamente, o conceito
sexualidade e/ou seus nexos conceituais. Os critérios de exclusão foram: 1) não tratar do
conceito sexualidade no ensino de Ciências; 2) ênfase a análise ou produção de materiais
didáticos; 3) estar fora do contexto da disciplina de Ciências; e 4) apresentar foco nos alunos.
Os descritores utilizados foram orientação sexual, educação sexual e sexualidade,
combinando-os ao descritor ensino de Ciências ou apenas Ciências. Para refinar a busca,
utilizou-se, quando necessário, alguns filtros, como data (de 2015 a 2019), idioma (português)
e área de conhecimento (educação).
Durante as buscas foram pré-selecionados 20 trabalhos potencialmente relevantes a
partir da leitura dos títulos e, quando necessário, dos resumos. Após nova leitura dos resumos
para seleção final, 9 trabalhos foram excluídos por não atenderem aos critérios de inclusão
e/ou estarem de acordo com os critérios de exclusão. A etapa seguinte consistiu em retomar a
leitura dos resumos para extrair os dados mais gerais das pesquisas segundo algumas
categorias de análise, as quais foram definidas utilizando como base os autores Silva e Neto
(2006), Romanowski e Ens (2006) e Costa e Zoltowski (2014), sendo estas: autores, tipo de
trabalho, local/instituição acadêmica, titulação/formação acadêmica, objetivo, base teórica e
metodologia e instrumentos de coleta de dados utilizados. Sendo possível, assim, a
organização e comparação dos trabalhos. (COSTA; ZOLTOWSKI, 2014).
Posteriormente, seguindo a organização dos trabalhos, buscou-se classificá-los
segundo o principal foco temático. Nesta etapa, além da leitura dos resumos, foi necessário a
leitura integral ou de seções dos trabalhos. Durante esta análise, mais um trabalho foi
excluído, pois, embora não tenha sido possível identificar com a leitura do resumo, o trabalho
não estava totalmente de acordo com os critérios de inclusão. Os trabalhos foram classificados
segundo os focos temáticos: significados dos/as professores/as de Ciências, formação inicial e
continuada e prática pedagógica dos/as professores/as de Ciências com o conceito
sexualidade. Neste processo, os trabalhos que apresentavam dois enfoques temáticos com
igual relevância foram classificados em ambos. (SILVA; NETO, 2006).
Para o tratamento das informações, os trabalhos foram organizados em ordem
cronológica e enumerados (T1 a T10), e a partir das classificações das categorias de análise e
foco temático, foram inseridos em quadros no Microsoft Word, sendo possível, assim, a
caracterização, análise e comparação dos dados.

3.1 Descrição geral das pesquisas


37

Como indica o Quadro 1, os títulos dos trabalhos selecionados fazem relação direta
entre sexualidade e o ensino de ciências, com alguns enfatizando a temática diversidade
sexual e gênero. O que, por sua vez, facilita o processo de busca e pré-seleção durante o
mapeamento das pesquisas. No entanto, é válido destacar que os títulos dos trabalhos nem
sempre revelam a abordagem dos mesmosdeles, assim, ao considerar apenas a leitura dos
títulos no processo de pré-seleção o autor incorre no erro de ignorar alguns trabalhos
potencialmente relevantes. Tal feito pode, inclusive, justificar o número inexpressivos de
trabalhos aqui apresentados.

QUADRO 1 – CARACTERIZAÇÃO DAS PRODUÇÕES ACADÊMICAS PUBLICADAS NO


PERÍODO DE 2015 A 2019 COM ENFÂSE AO CONCEITO SEXUALIDADE E SEUS
NEXOS CONCEITUAIS NO ENSINO DE CIÊNCIAS

TIPO DE
Nº TÍTULO TRABALHO AUTORES ANO

Diversidade sexual e ensino de ciências: Artigo de revista COELHO, L. J.; 2015


T1
buscando sentidos CAMPOS, L. M. L.
Diversidade sexual na prática de Artigo de evento – BASTOS, F. 2015
professores/as de Ciências: da polêmica 37ª Reunião
T2
ao (re)conhecimento escolar Nacional da
ANPEd
Educação sexual: práticas pedagógicas Dissertação de RODRIGUES, V. A. S. 2015
T3 em aulas de Ciências de escolas da mestrado
Diretoria de Ensino de Votorantim/SP
“Ser mulher não tem a ver com dois Artigo de revista BASTOS, F.; 2016
cromossomos X”: impactos da ANDRADE, M.
T4
perspectiva feminista de gênero no
ensino de Ciências
Professores e professoras de Ciências de Artigo de revista BARRETO, M. I.; 2016
T5 Aracajú- SE frente à homossexualidade ARAUJO, M. I.

Análise da formação e da prática em Dissertação de COSTA, I. S. 2016


T6 educação sexual de professores/as de mestrado
Ciências e Biologia das escolas estaduais
de Macapá/AP
Tecendo a vida com fios de lembranças: Dissertação de FREITAS, J. C. R. 2017
T7 discursos sobre sexualidade de mestrado
professores(as) de Ciências
Formação de professores/as em gênero e Artigo de Revista SOARES, Z. P.; 2019
T8
sexualidade: possibilidades e desafios MONTEIRO, S. S.
“Eu comecei a dar uma aula mais Artigo de Revista CASTRO, R, P.; REIS, 2019
biológica mesmo, porque é bem N.
T9 polêmico”: currículo de ciências e
biologia e os atravessamentos de
diversidade sexual e de gênero
T10 Sexualidade e gênero segundo Dissertação de LOURENÇO, S. S. 2019
educadoras de Ciências e Biologia: mestrado

Fonte: A autora
38

limites, resistências e possibilidades da


educação sexual na escola
Como apresentado no Quadro 1, dos dez trabalhos utilizados para construção deste
estado da arte, quatro são dissertações de mestrado apresentados como requisito para obtenção
do título de Mestre em Educação (T3 e T10), Mestre em Educação Sexual (T6) e Mestre em
Ensino das Ciências (T7), cinco são artigos publicados nas revistas Ciência & Educação (T1),
Diversidade e Educação (T4), Reflexão e Ação (T5), Educar em Revista (T8) e Ensino Em
Re-vista (T9), e um é um artigo de evento publicado em anais da 37ª Reunião Nacional da
ANPEd. Neste último, ressalta-se que no período de 2015 a 2019 a ANPEd realizou três
reuniões, a 37ª Reunião Nacional em 2015, a 38ª Reunião Nacional em 2017 e a 39ª Reunião
Nacional em 2019, nas quais do total de trabalhos apresentados apenas um trata da prática
dos(as) professores(as) de Ciências com o conceito sexualidade, o qual encontra-se no Grupo
de Trabalho 4 – Didática (GT 4) embora haja o Grupo de Trabalho 23 – Gênero, Sexualidade
e Educação (GT 23), o que pode indicar presença reduzida de trabalhos que relacionem o
conceito sexualidade ao ensino de Ciências nas reuniões.
Com relação à inserção dos trabalhos nas instituições acadêmicas, os trabalhos T1 e
T6 são de autores filiados a Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(UNESP), os trabalhos T2 e T4 de autores filiados a Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro (PUC-Rio), sendo ambos os trabalhos produzidos pelo mesmo autor e oriundos de
uma pesquisa de mestrado, os trabalhos T3 e T10 são de autores filiados a Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar), o trabalho T5 é de autoras filiadas à Universidade Federal
de Sergipe (UFS), o trabalho T7 de um autor filiado a Universidade Rural de Pernambuco
(UFRPE), o T8 é de autoras filiadas à Universidade Federal de Goiás (UFG) e trabalho T9 é
de autores filiados a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Nota-se que os
trabalhos foram produzidos por autores filiados a universidades públicas de diferentes estados
brasileiros, havendo prevalência para o estado de São Paulo (T1, T3, T6 e T10). Destacamos a
ausência de trabalhos que relacionem o conceito sexualidade ao ensino de Ciências
produzidos por autores filiados a Universidade Federal do Piauí. Foi possível notar esta
ausência durante o processo de busca e seleção de trabalhos.
No tocante a metodologia empregada, dos dez trabalhos analisados, nove são
pesquisas com abordagem qualitativa. Apenas o trabalho T3 apresenta abordagem quali-
quantitativa. A prevalência de pesquisas de cunho qualitativo se justifica pois, segundo
Strauss e Corbin (2008, p. 23), esse tipo de pesquisa produz
39

[...] resultados não alcançados através de procedimentos estatísticos ou de outros


meios de quantificação. Pode se referir à pesquisa sobre a vida das pessoas,
experiências vividas, comportamentos, emoções e sentimentos, e também à pesquisa
sobre funcionamento organizacional, movimentos sociais, fenômenos culturais e
interação entre nações”.

Sendo, portanto, a abordagem mais indicada para desvendar os significados que


prevalecem entre os/as professores/as de Ciências acerca do conceito sexualidade e como
estes o desenvolvem em sua prática pedagógica. Quanto aos instrumentos utilizados pelos
pesquisadores para a coletaprodução de dados, prevalece o uso de entrevistas
semiestruturadas, sendo utilizadas em sete das dez pesquisas analisadas (T2, T3, T4, T6, T8,
T9 e T10). Outras técnicas utilizadas foram: entrevista narrativa (T7), questionários (T1, T5 e
T6), observação (T6), e produção de textos, análise documental e técnica de grupo focal (T1).
Das pesquisas analisadas, apenas o trabalho T1 apresenta como base teórica a
Psicologia sócio-histórica. Para os demais, não foi possível determinar uma base teórica, uma
vez que os pesquisadores recorrem a diversos autores sem, no entanto, utilizar uma base
teórico-metodológica específica.

3.2 Sentidos atribuídos por professores/as de Ciências a sexualidade

Neste foco temático foi inserida uma pesquisa que investigou os sentidos que os/as
professores/as de Ciências atribuem a sexualidade, sendo este o trabalho T1. Esta pesquisa
caracteriza-se por utilizar entrevistas semiestruturadas, questionário, análise documental,
produção de texto e técnica de grupo focal como técnica para coletaprodução de dados, sendo
estas estratégias úteis para desvelar os sentidos sobre sexualidade que prevalecem entre os/as
professores/as entrevistados/as.
O citado trabalho analisa os sentidos atribuídos por professores/as de Ciências e por
alunos à diversidade sexual, sendo a pesquisa desenvolvida com um professor, uma
professora e com alguns alunos. Como resultado de suas investigações, os autores Coelho e
Campos (2015) constataram que os/as professores/as entrevistados/as apresentam sentidos
positivos quanto às identidades não heterossexuais, os quais mostram indignação diante de
situações de preconceito motivadas por homofobia em suas aulas. Todavia, um professor
exprime sentidos que buscam explicar a diversidade sexual através de argumentos biológicos,
recorrendo a genética como meio explicativo da homossexualidade (COELHO; CAMPOS,
2015). Logo, o professor em questão compreende a sexualidade como resultado de fenômenos
40

biológicos, por consequência, coloca as identidades não heterossexuais como um desvio da


ordem natural, uma anormalidade, o que, por sua vez, pode reforçar preconceitos.
Apesar dos/das professores/as possuírem sentidos positivos sobre diversidade
sexual, o que poderia motivá-los a desenvolver a temática na escola, estes afirmam nunca
terem pensado em problematizar as identidades não heterossexuais em suas aulas (COELHO;
CAMPOS, 2015). Segundo os autores Coelho e Campos (2015), a prática pedagógica dos/das
professores/as com o conceito sexualidade parece se limitar à anatomia, fisiologia e saúde.
Ressaltamos que apenas o resultado desta pesquisa não nos permite desenhar um
quadro mais amplo acerca dos sentidos sobre sexualidade que prevalece entre os/as
professores/as de Ciências que foram investigados na referida pesquisa. É possível que, diante
da multiplicidade de significados sociais sobre sexualidade e dos movimentos progressistas e
conservadores que se destacaram nos últimos anos, haja professores/as que compreendam a
sexualidade numa perspectiva emancipatória, com sentidos de valorização da diversidade
sexual, do autoconhecimento, de práticas livres e da equidade de gênero. Da mesma forma, é
possível que haja professores/as com sentidos que negam a experiência do corpo, o
conhecimento, que submete a mulher e demoniza as identidades não heterossexuais. Portanto,
consideramos a investigação dos sentidos atribuídos por professores/as à sexualidade um
campo propício para pesquisas futuras.

3.3 Prática pedagógica dos/as professores/as de Ciências com o conceito sexualidade

Neste foco temático foram inseridas as pesquisas que investigaram a prática


pedagógica dos/as professores/as de Ciências com o conceito sexualidade e seus nexos
conceituais. Assim, os trabalhos T2, T3, T4, T5, T6, T7, T9 e T10 foram incluídos neste eixo.
Estas pesquisas caracterizam-se por utilizarem, principalmente, entrevistas semiestruturadas e
questionários como instrumentos para coleta de dados. Consideramos que, para uma análise
mais apurada da prática dos/as professores/as com o conceito sexualidade, seria necessário,
também, a análise documental (Plano Político-Pedagógico e/ou planos de aula) e acompanhar
o andamento das aulas de alguns professores e professoras de Ciências. Apenas a autora da
pesquisa T6 utilizou a observação da prática dos/das professores/as para a coleta de dados.
Dentre as oito pesquisas incluídas neste eixo temático, cinco dão ênfase a abordagem
da diversidade sexual e de gênero na prática dos/as professores/as de Ciências (T2, T4, T5, T9
e T10). A prevalência de trabalhos que investigam o desenvolvimento destes temas no
contexto da escola pode estar relacionada aos casos de preconceito e violência motivados por
41

homofobia que são recorrentes em nossa sociedade, o que, por sua vez, são reproduzidos no
espaço escolar. Havendo, assim, a necessidade de conhecer como os/as professores/as
enfrentam essa realidade, se incluem discussões sobre diversidade sexual e de gênero em suas
aulas e como, efetivamente, o fazem.
Nesse sentido, no que diz respeito à prática pedagógica dos/as professores/as com o
conceito sexualidade em que discussões sobre diversidade sexual e de gênero são incluídas, os
autores Bastos (2015) e Bastos e Andrade (2016) apresentam o resultado de uma pesquisa
com professores/as de Ciências e Biologia que afirmam desenvolver uma prática pedagógica
que discute a diversidade sexual e de gênero para além dos padrões hegemônicos de
sexualidade. Porém, de modo geral, não foi especificado como os/as professores/as
efetivamente discutem o tema em sala de aula, se há um planejamento específico ou se as
discussões são feitas de maneira informal. Segundo aponta Bastos e Andrade (2016), dos/das
dez professores/as entrevistados/as que afirmam discutir sexualidade em um cenário
questionador dos discursos hegemônicos de heteronormatividade, apenas três professoras
apresentaram em suas falas problematizações de gênero.
Os autores Castro e Reis (2019) e Lourenço (2019), verificaram em suas pesquisas
que, no geral, os/as professores/as não abordam a diversidade sexual e de gênero de maneira
sistemática, mas há, entre estes, alguns sujeitos que buscam inserir tais temas em sua prática
pedagógica através de alguns conteúdos que permitem puxar “ganchos” para discutir sobre a
diversidade sexual e de gênero e/ou através de questionamentos feitos pelos alunos. Já as
autoras Barreto e Araujo (2016) apontam que a maioria dos/as professores/as entrevistados
não desenvolvem o tema de forma efetiva, mesmo em situações de violência motivada por
homofobia, limitando-se a pedir respeito e perdendo a oportunidade de desenvolver uma
prática pedagógica crítica e de valorização das diversidades sexuais em um momento em que
seria necessário.
Nas pesquisas realizadas pelas autoras Costa (2016), Lourenço (2019) e Rodrigues
(2015), verificou-se que prevalece entre os/as professores/as de Ciências a abordagem
médico-higienista e/ou moral-tradicionalista da sexualidade. Isto é, os/as professores/as
entrevistados/as restringem-se a ministrar os conteúdos sobre corpo e saúde que se encontram
legitimados no currículo escolar e que, portanto, são de cunho obrigatório. Constatou-se,
ainda, que os/as professores/as não possuem domínio sobre o conceito e prática em educação
sexual e acreditam que ao trabalharem a sexualidade sob um viés médico e classificador estão
educando sexualmente seus alunos (COSTA, 2016; LOURENÇO, 2019; RODRIGUES,
2015). Porém, a educação sexual não se limita a explicar os fenômenos biológicos que
42

ocorrem no corpo, tais como gravidez e menstruação, e nem somente a auxiliar na redução de
problemas econômicos e de saúde, como gravidez não planejada na adolescência e infecções
sexualmente transmissíveis (ISTs). Trata-se, de uma educação voltada para discussão,
reflexão e problematização de posturas, tabus e preconceitos sobre sexualidade que visa, antes
de qualquer coisa, “[...] contribuir para o desenvolvimento integral da personalidade do
educando e, consequentemente, para sua qualidade de vida” (FIGUEIRÓ, 2001, p. 19).
Embora alguns trabalhos apontem para a prevalência de professores/as que
desenvolvem o conceito sexualidade sob um viés médico-higienista, os autores Freitas (2017)
e Lourenço (2019), identificaram que há professores/as que buscam de diversas maneiras
ampliar sua prática para o atendimento da realidade social dos seus alunos, seus interesses e
necessidades. Para tanto, incluem em suas aulas discussões sobre virgindade, prazer,
masturbação, diversidade sexual, aborto, machismo, feminicídio, violência sexual e violência
doméstica (FREITAS, 2017; LOURENÇO, 2019). Todavia, ressaltamos que a inserção destes
temas no ensino de Ciências depende do interesse e disposição de cada professor/a, já que
estas questões não são contempladas pelo currículo da referida disciplina (RODRIGUES,
2015).
Segundo consta na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), Área de Ciências da
Natureza (2017), o ensino sobre sexualidade aparece como conteúdo programático apenas
para 8º ano do Ensino Fundamental II, não contemplando o desenvolvimento do referido
conceito em outros anos escolares. Além disso, há neste documento a supressão do tópico
orientação sexual7 (NASCIMENTO; CHIARADIA, 2017). No Plano Nacional de Educação
(PNE) 2011– 2020, que serviu de base ao desenvolvimento da BNCC, questões sobre gênero
e sexualidade foram suprimidas (NASCIMENTO; CHIARADIA, 2017). Na mesma
tendência, os planos estaduais e municipais excluíram de seus textos a orientação sexual
(NASCIMENTO; CHIARADIA, 2017).
Outro documento que pode nortear a prática pedagógica dos/as professores/as é os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), 5º a 8º série 8, de 1998, o qual apresenta em seu
interior o tema transversal da orientação sexual. Todavia, o documento “privilegia a
percepção da sexualidade enquanto resultado da natureza e da biologia dos seres humanos”
(BASTOS; ANDRADE, 2016, P. 57). Além disso, as orientações contidas neste documento
são de uso facultativo e, com base nas pesquisas analisadas, a maioria dos/as professores/as
não recorrem aos PCN para embasar sua prática pedagógica.

7
Neste trabalho, utilizamos a terminologia “educação sexual” em substituição a “orientação sexual”.
8
Atualmente 6º ao 9º ano.
43

Portanto, o engessamento do currículo escolar e a retirada da orientação sexual das


políticas educacionais dificultam o desenvolvimento do conceito sexualidade para além do
aspecto médico-higienista. Outros fatores que limitam o desenvolvimento de atividades sobre
sexualidade na escola são: a não aprovação da direção escolar para a implementação de um
projeto sobre sexualidade, receio da reação dos pais dos alunos ou a restrição destes à
temática, postura conservadora de alguns alunos, falta de domínio dos/as professores sobre o
tema, dificuldades relacionadas aoà o que abordar e como desenvolver atividades com o
conceito sexualidade e as barreiras pessoais destes profissionais, como tabus, preconceitos e
medos. (COSTA, 2016; FREITAS, 2017; RODRIGUES, 2015; SOARES; MONTEIRO,
2019). Destacamos também os recentes movimentos políticos e sociais ultraconservadores
que visam censurar o ensino sobre sexualidade na escola, o que acaba por instaurar medo e
insegurança nos/nas professores/as ao desenvolverem este conceito em sala de aula.
Quanto as metodologias de ensino utilizadas para trabalhar sexualidade no espaço
escolar, os autores Freitas (2017), Lourenço (2019) e Rodrigues (2015) apontam as estratégias
e recursos didáticos utilizados pelos/as professores/as, os quais afirmaram que utilizam
recursos audiovisuais, caixas de dúvidas, cenários hipotéticos, debates e jogos. Alguns
professores também afirmaram recorrer a realização de projetos interdisciplinares como
possibilidade para o ensino do conceito sexualidade para além do que preconiza o currículo
escolar (FREITAS, 2017; LOURENÇO, 2019).
Nesse sentido, ao falarmos sobre a prática pedagógica dos/as professores/as de
Ciências não é possível fazer generalizações, pois observa-se que, embora haja professores/as
que restringem sua prática a abordagem médico-higienista da sexualidade, desenvolvendo
apenas o que se encontra legitimado no currículo escolar, há também professores/as que se
apresentam como resistência, os/as quais buscam desenvolver sua prática pedagógica em
diálogo com a realidade social e necessidades dos seus alunos. Mostrando que são eles,
professores e professoras, os verdadeiros responsáveis pela seleção dos conteúdos que serão
desenvolvidos no espaço escolar (FREITAS, 2017).

3.4 Formação inicial e continuada dos/das professores/as de Ciências

Neste foco temático foram inseridas as pesquisas que investigaram a formação inicial
e/ou continuada dos/das professores/as de Ciências. Assim, os trabalhos T2, T3, T5, T6 e T8
foram incluídos neste eixo. Estas pesquisas investigaram, especificamente, a formação
destes/destas professores/as para a abordagem da diversidade sexual na escola (T2 e T5), a
44

formação destes/destas profissionais em educação sexual (T3 e T6) e em gênero e sexualidade


(T8).
Nesse sentido, no que diz respeito à presença de discussões sobre homossexualidade
na formação inicial e continuada dos/das professores/as de Ciências, as autoras Barreto e
Araujo (2016) identificaram que, embora a maioria dos/das professores/as entrevistados/as
tenham afirmado que receberam informações sobre homossexualidade no processo de
formação continuada, há uma lacuna na formação destes/destas profissionais quanto à
maneira mais adequada de desenvolver o tema em suas aulas, mesmo em situações que
exigem a intervenção pedagógica destes/destas professores/as. Em seus resultados, o autor
Bastos (2015) aponta que a maioria dos/das professores/as entrevistados/das não encontraram
abertura para discutir a diversidade sexual em sua formação inicial, apontando que as
disciplinas da Licenciatura em Ciências Biológicas não contemplaram o tema.
Quanto à formação para a prática em educação sexual, as autoras Costa (2016) e
Rodrigues (2015) constataram que a formação inicial dos/daos professores/as de Ciências não
os têm preparado para o exercício de educar sexualmente seus alunos. Isso, pois, segundo
Costa (2016), os conteúdos associados à sexualidade que são contemplados na formação
inicial destes/destas profissionais são aqueles de cunho biológico, próprios as disciplinas
como Embriologia, Histologia, Anatomia e Fisiologia Humana, sendo desconsiderado os
esclarecimentos acerca da dimensão cultural e histórica da sexualidade. Bem como se
desconsidera discussões sobre diversidade sexual e de gênero, violência sexual, aborto,
violência contra mulheres, machismo, dentre outras questões que se relacionem à sexualidade
e que fujam a dimensão biológica desta. Dessa forma, os/as professores/as apenas reproduzem
o que foi aprendido durante sua formação, acreditando que ao desenvolverem o conceito
sexualidade sob uma abordagem médico-higienista estão efetuando a educação sexual
(COSTA, 2016).
Na pesquisa realizada pelas autoras Soares e Monteiro (2019), a maioria dos/das
professores/as entrevistados/as afirmaram que o conceito sexualidade não foi desenvolvido
em sua formação inicial. É sabido que conhecimentos sobre sexualidade já se encontram
legitimados no currículo para formação dos/das professores/as de Ciências. Todavia, tais
conhecimentos encontram-se dispersos em diversas disciplinas e são abordados numa
perspectiva biologista e classificatória, o que, por sua vez, pode justificar a falta de
reconhecimento do tema no processo de formação inicial destes/destas professores/as.
Nesse sentido, apontamos para a necessidade de fomentar discussões sobre
sexualidade na formação inicial e continuada dos/as professores/as (BARRETO; ARAUJO,
45

2016; COSTA, 2016; SOARES; MONTEIRO, 2019; RODRIGUES, 2015), numa perspectiva
que supere sua dimensão biológica, a fim de possibilitar a estes/estas profissionais formar
sentidos necessários ao combate da opressão, preconceito e violência, de lavá-los a refletir
sobre suas práticas e condutas, e capacitá-los para desenvolver o referido conceito
considerando os aspectos sociais, culturais e históricos que permeiam o exercício da
sexualidade humana. Além de fornecer subsídios para a prática destes/destas professores/as,
pois ter onde buscar apoio teórico e pedagógico para discussão sobre sexualidade na escola é
importante para esses/essas profissionais (BARRETO; ARAUJO, 2016; SOARES;
MONTEIRO, 2019).
46

4 ATIVIDADE ORIENTADORA DE ENSINO (AOE): princípio metodológico na


aprendizagem do conceito sexualidade

Ensinar sobre sexualidade na escola pode caracterizar-se como um desafio para os


professores e professoras de Ciências, uma vez que são muitas as dificuldades apontadas por
estes ao desenvolverem o referindo conceito em sua prática pedagógica. Dentre os fatores
apontados por estes profissionais como limitantes da prática com o conceito sexualidade,
destacamos as dificuldades relacionadas aoà o que abordar e como desenvolver atividades
com este conceito (COSTA, 2016). Nesse sentido, o objetivo desta seção consiste em
apresentar uma proposta didática desenvolvida com referencial na Atividade Orientadora de
Ensino (AOE) para o ensino do conceito sexualidade e seus nexos conceituais, sendo esta
adequada para subsidiar a prática pedagógica dos/as professores/as de Ciências.
Para fins de organização, iniciaremos discutindo os fundamentos teóricos que
serviram de base para a elaboração da AOE. Dessa forma, dividimos esta seção em quadro
subseções, sendo que na primeira discorremos sobre os pressupostos teóricos da Teoria da
Atividade e apresentamos sua estrutura. Na segunda, apresentamos a atividade de
aprendizagem, seu conteúdo e seus componentes. Na terceira, discorremos sobre a AOE como
pressuposto teórico-metodológico para a organização do ensino. Na quarta, apresentamos a
AOE intitulada “No país de Amarílis”, explicitamos os procedimentos metodológicos para
sua elaboração e para o seu desenvolvimento no espaço escolar.
Para a construção desta seção, fundamentamo-nos principalmente em Asbahr (2005,
2016), Davidov (1987), Leontiev (1978, 2004, 2010), Moura et al., (2016) Rubstov (1996),
autores cujas produções foram essenciais para a compreensão da AOE, de seus fundamentos e
para a elaboração da proposta didática para o ensino do conceito sexualidade e seus nexos
conceituais na disciplina de Ciências.

4.1 Teoria da Atividade

Na segunda seção deste trabalho discorremos brevemente sobre a categoria trabalho


a fim de explicarmos como o homem se constitui humano, como, a partir dessa atividade, este
desenvolveu-se como ser histórico e social. Segundo Moura (2013), foi essa compreensão do
47

papel do trabalho que inspirou o desenvolvimento do conceito de atividade na psicologia.


Portanto, retomaremos aqui a discussão sobre a categoria trabalho.
Como já enunciado, trabalho é aqui compreendido como atividade
fundamentalmente humana e condição primária para a ocorrência do processo de
humanização. Esta atividade está diretamente ligada a produção material e imaterial da
realidade humana. Logo, sejam os instrumentos, os utensílios, as maquinarias, sejam as ideias,
as representações, os valores, sejam quais forem os fenômenos sociais, são todos produtos do
trabalho humano. Portanto, em consonância com Martins e Eidt (2010), entendemos aqui a
categoria trabalho como trabalho produtivo.
Marx, autor que se ocupou do conceito de trabalho e o abordou a partir de diferentes
pontos de vistas, em sua obra “O capital” entende trabalho como atividade laboral, a qual está
vinculada a produção de valores de uso (MARTISNS; EIDT, 2010). Na citada obra, o autor
afirma que o trabalho é um processo entre homem e natureza, “[...] processo este em que o
homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo [...]” com o meio
(MARX, 2013, p. 188), chegando, ao final desse processo, a um resultado que já existia antes
idealmente, ou seja, que já estava presente na consciência do trabalhador. Nesse sentido, o
trabalhador realiza sobre o elemento natural (objeto de sua ação) o seu objetivo, sendo este
último determinante do modo e tipo de sua atividade e ao qual deve subordinar a sua vontade,
o que pressupõe, portanto, uma atividade orientada a um fim (MARX, 2013). Logo, nesse
processo está contido a relação entre atividade e consciência.
Em outra obra do autor, “A Ideologia Alemã”, Marx e Engels (2009, p. 32) expõem a
relação entre a atividade prática dos homens e a formação da consciência ao afirmarem que
“não é a consciência que determina a vida, é a vida que determina a consciência”, ou seja, a
consciência é um produto social, sendo essta determinada pelas condições materiais de vida
dos homens e as relações que esses estabelecem entre si que, como já mencionado, são
produtos do seu trabalho. Na citada obra, está clara a ideia de que são os homens, na e pela
atividade, que determinam o seu desenvolvimento histórico-social. Logo, observa-se que a
atividade é categoria central nas obras de Marx e, portanto, central no materialismo histórico-
dialético (ASBAHR, 2005).
Segundo Leontiev (1978b, p. 20, tradução nossa),

Quando Marx introduziu o conceito de atividade na teoria do conhecimento,


atribuiu-lhe um sentido estritamente materialista: para ele, a atividade, em sua forma
inicial e básica, é uma atividade sensorial prática, durante a qual os homens fazem
contato prático com objetos do mundo circundante, experimentam em si mesmos a
48

resistência desses objetos e agem sobre eles, subordinando-se às suas propriedades


objetivas.

Foi, então, com base nos pressupostos teóricos enunciados por Marx, que os
psicólogos soviéticos elegeram “[...] o conceito de atividade como um dos princípios centrais
ao estudo do desenvolvimento do psiquismo” (ASBAHR, 2005, p. 109). Dentre os psicólogos
que desenvolveram esse conceito em suas obras, foi com os trabalhos de L. S Vigotski, A. N
Leontiev e A. R Luria que o conceito de atividade foi inserido na psicologia soviética, o que
contribuiu para o surgimento da chamada Teoria da Atividade. Segundo Kosulin (2002), L. S
Vigotsky, já em suas primeiras obras, utiliza o conceito de atividade e sugere ser a atividade
socialmente significativa o princípio explicativo da consciência humana, sendo também
considerada pelo autor geradora dessa consciência. Nesse sentido, Vigotsky conclui que é em
atividade que ocorre a formação das funções psíquicas superiores e que esse processo se dá
sempre de fora para dentro a partir da relação que os sujeitos estabelecem entre si (MOURA,
2013; KOSULIN, 2002).
Porém, embora Vigotsky e Luria tenham tecido importantes contribuições para o
desenvolvimento do conceito de atividade na psicologia, foi Leontiev quem sistematizou e
fundou a Teoria psicológica da Atividade (ASBAHR, 2005; KOSULIN, 2002). Para o autor,

Atividade é uma unidade molecular, não uma unidade aditiva da vida do sujeito
corporal, material. É um sentido mais restrito, ou seja, a nível psicológico, é a
unidade da vida mediada pelo reflexo psíquico, cuja função real consiste em orientar
o sujeito em um mundo objetivo. Em outras palavras, a atividade não é uma reação
ou um conjunto de reações, mas um sistema que possui estrutura, suas transições e
transformações internas, seu desenvolvimento (LEONTIEV, 1978b, p. 66-67,
tradução nossa).

Nesse sentido, a categoria atividade é entendida por Leontiev como a condição


primária, essencial ao desenvolvimento humano, como o que efetivamente permite ao homem
agir sobre o mundo concreto, objetivo, sendo esta mediada pelo reflexo psíquico, pela
consciência, no sentido de que a atividade está sempre orientada a um fim, a um resultado que
existe antes idealmente. E que, não sendo apenas uma reação imediata ao mundo circundante,
possui sua própria estrutura. Nessa perspectiva, em sua obra “Uma contribuição à teoria do
desenvolvimento da psique infantil”, Leontiev define atividade como “[...] processos
psicologicamente caracterizados por aquilo a que o processo, como um todo, se dirige (seu
objeto), coincidindo sempre com o objetivo que estimula o sujeito a executar esta atividade,
isto é, o motivo (2010, p. 68).
49

Portanto, uma atividade é sempre objetivada, ou seja, sempre terá um objeto/fim ao


qual o processo se dirige. Nos diz o autor, “a característica básica ou, como dizem,
constitutiva da atividade é sua objetividade. A rigor, o conceito de seu objeto está
implicitamente contido no próprio conceito de atividade. A expressão ‘atividade não objetiva’
não tem sentido” (1978b, p. 68, tradução nossa). No entanto, a natureza objetiva da atividade
não se refere apenas à esfera dos processos cognitivos, mas, também, à esfera das
necessidades e emoções (ASBAHR, 2005; LEONTIEV, 1978b). Isso, pois, a realização de
uma atividade ocorre apenas após a manifestação de uma necessidade (RIPARDO, 2012).
Para Leontiev (1978b), a necessidade é o que guia e regula a atividade do sujeito em
um meio objetivo. Porém, o autor chama atenção para que não se faça confusão entre a
existência de uma necessidade e uma condição interior. Vejamos no que reside tal
diferenciação. Imagine um indivíduo com fome, este certamente sairá em busca de um
alimento, mas onde esse indivíduo irá buscáa-lo? O que fará para consegui-lo? Que
instrumentos/ferramentas usará? Veja que apenas fome, uma necessidade interior, biológica
do organismo, não é capaz de gerar uma atividade definitivamente orientada, pois não há um
fim ou resultado preestabelecido. Somente quando a necessidade encontra com um objeto
correspondente a ela, é que esta poderá efetivamente orientar e regular a atividade (ASBAHR,
2005; LEONTIEV, 1978b).
Vejamos agora, um indivíduo sente fome, o que o estimula a sair em busca de um
alimento. Suponhamos que este indivíduo então decida que para satisfazer essa necessidade,
ele irá pescar um peixe. Nesse caso, o indivíduo terá que se dirigir a um rio, precisará de uma
vara ou rede de pesca, de iscas e uma canoa, por exemplo. Temos agora, então, que a
necessidade encontra um objeto correspondente a ela, o que orienta e regula a execução da
atividade, nesse exemplo, a atividade de pesca. Mas suponhamos que ao invés do peixe, o
indivíduo decida buscar frutos, nesse caso, o objeto (frutos) determinará outro tipo de
atividade, a atividade agora será a atividade de coleta, a qual precisará de meios e
instrumentos específicos para sua realização que difere, fundamentalmente, daqueles
utilizados para a atividade de pesca.
Portanto, embora a condição primária para a realização de uma atividade seja a
manifestação de uma necessidade, esta, em si, não pode determinar a orientação concreta da
atividade, apenas quando uma necessidade encontra um objeto correspondente a ela, é que
esta encontra sua determinação (LEONTIEV, 2004). “Uma vez que a necessidade encontra a
sua determinação no objeto (se ‘objetiva’ nele), o dito objeto torna-se motivo da atividade,
aquilo que o estimula” (LEONTIEV, 2004, p. 115). Retomando o exemplo citado
50

anteriormente, temos que a necessidade de comer encontra sua determinação no objeto


(alimento), desse encontro (necessidade e objeto), há a geração de um motivo que impulsiona
e estimula o sujeito na execução da atividade, nesse exemplo, a comida torna-se o real motivo
da atividade (LEONTIEV, 1978b). Nesse sentido, a realização de uma atividade se dá apenas
mediante a existência de um motivo, pois não há atividade sem razão (LEONTIEV, 1978b).
Além dos componentes estruturais da atividade apresentados até agora (necessidade,
objeto e motivo), uma atividade só existe na forma de ação ou conjunto de ações, as quais são
delimitadas pelo sujeito e se dirigem a objetivos parciais que estão em consonância com o
motivo da atividade, seu objetivo geral (ASBAHR, 2005; LEONTIEV, 1978b RIPARDO,
2012). Vejamos um exemplo, pensemos novamente na atividade de pesca, aquilo que estimula
o sujeito na atividade é o objeto, isto é, o peixe, esse é o motivo da atividade. Porém, para
satisfazer sua necessidade alimentar, o sujeito executará ações que não estão diretamente
orientadas para a obtenção do alimento (LEONTIEV, 1978b). Este poderá, por exemplo, se
encarregar da fabricação dos instrumentos de pesca ou da captura/produção de iscas e, após
isso, usar os instrumentos e iscas para pescar ou entregar a outros indivíduos que se
encarregarão da captura do peixe (LEONTIEV, 1978b). Nessa situação, vemos que o objetivo
da ação não coincide com o motivo da atividade, embora seja impulsionada por ele.
Dessa forma, uma ação corresponde a “[...] um processo cujo motivo não coincide
com seu objetivo, (isto é, com aquilo para o qual ele se dirige), mas reside na atividade da
qual ele faz parte” (LEONTIEV, 2010, p. 69). Uma ação ou conjunto de ações possui, além
do seu caráter intencional, objetivo, um caráter operacional, isto é, os meios pelos quais uma
ação é executada, suas operações (LEONTIEV, 1978b, 2010). Diferentemente de uma ação,
uma operação não é determinada por um objetivo, mas pelas condições concretas de
realização da ação, assim, uma mesma ação pode ser realizada por diferentes operações a
depender das condições objetivas dadas (ASBAHR, 2005; LEONTIEV, 1978b, 2010). Da
mesma forma, uma mesma operação pode corresponder a diferentes ações (LEONTIEV,
2010). Vejamos um exemplo apresentado por Leontiev (2010). Imagine que um indivíduo
tenha o objetivo de decorar versos. Sua ação para conseguir tal feito consistirá, então, em uma
memorização ativa deles. Para tanto, para alcançar seu objetivo poderá realizar algumas
operações, por exemplo, se este indivíduo estiver em casa e tiver acesso à papel e caneta,
poderá optar por escrevê-los. Mas se em outra situação, este não tiver acesso a esses
materiais, poderá optar pela repetição dos versos em voz alta para si mesmo. O fato é este, as
operações para a realização de uma ação dependem das condições materiais dadas.
51

Dito isto, vejamos o esquema abaixo (FIGURA 1) que apresenta os componentes


estruturais da atividade e expõem a relação entre eles.

FIGURA 1 – COMPONENTES ESTRUTURAIS DA ATIVIDADE

MOTIVO
OBJETIVOS CONDIÇÕES
Subordinadas
NECESSIDADE OBJETO Correspondem
Impulsiona

ATIVIDADE AÇÕES OPERAÇÕES

Fonte: Adaptado de GANIER; BEDNARZ; ULANOVSKAYA, 1996 apud RIPARDO, 2012.

Portanto, tem-se que a atividade humana ocorre após a manifestação de uma


necessidade e do encontro dessa necessidade com um objeto correspondente a ela, qual seja,
material ou intelectual, o que leva a geração de um motivo, aquilo que impulsiona a atividade.
Essa atividade só pode existir enquanto ações ou um conjunto de ações que correspondem a
objetivos parciais, delimitados do objetivo geral, e são executadas por operações que estão
subordinadas as condições concretas dadas para alcançar o objetivo da ação, as condições de
sua execução.
Ressalta-se que esses componentes da atividade não são estáticos, fixos, mas sim
dinâmicos. Isto, pois, uma atividade possui suas transições e transformações. Por exemplo,
uma atividade poderá tornar-se ação caso perca seu motivo originário ou uma ação tornar-se
atividade caso o motivo da mesma passe a ser o objetivo da ação ou, ainda, uma ação poderá
tornar-se operação ao ser incluída em outra ação, ocorrendo, assim, sua “tecnificação”
(ASBARH, 2005; LEONTIEV, 1978b, 2010). O aspecto principal a ser notado nessas
modificações e transições é que não se pode considerar os elementos da atividade de maneira
isolada, pois estes estão inter-relacionados e só fazem sentindo dentro do sistema de atividade.
Para finalizar, destacamos que tanto a atividade interna (atividade mental) como a
atividade externa (prático-sensorial) possuem a mesma estrutura, isso, pois, a atividade
psíquica interna tem sua origem a partir da atividade externa (LEONTIEV, 1978b). Isso quer
dizer que, a partir da atividade prático-sensorial, os sujeitos entram em contado com a
realidade objetiva, concreta. Estes, então, se apropriam dos fenômenos materiais e intelectuais
52

dessa realidade, ou seja, se apropriam da experiência humana acumulada, tornando-os órgãos


de sua individualidade e, assim, transformando esses fenômenos externos em fenômenos
internos. Esse processo de transformação, externo em interno, chama-se internalização
(ASBAHR, 2005).
É nesse movimento de passagem dos fenômenos externos para fenômenos internos
que se dá a formação da consciência humana (ASBAHR, 2005). Mas a consciência humana
enquanto consciência individual só pode existir na presença da consciência social e da
linguagem, ou seja, a formação da consciência está subordinada aos fenômenos e processos da
realidade material formados no plano histórico-social, que são transmitidos a cada geração por
meio da linguagem e das relações sociais (LEONTIEV, 1978b). Nenhum indivíduo é capaz de
desenvolver-se deslocado da coletividade, bem como não é capaz de produzir sozinho sua
existência, sua consciência e as condições mateériais de sua vida (MOURA; ARAUJO;
SERRÃO, 2018). Nesse sentido, a formação das funções psíquicas superiores dos homens e
de sua consciência ocorrem por meio da atividade prática, que é desde o início coletiva, e das
relações que os homens estabelecem entre si.
Portanto, o estudo da atividade e de sua estrutura permite-nos compreender o
desenvolvimento do psiquismo. Porém, não se deve considerar vários tipos de atividades,
vistas separadamente, como precursoras desse desenvolvimento, pois alguns tipos de
atividades podem ser mais importantes e apresentar papel principal em um determinado
estágio, enquanto outras, podem ser menos importantes e apresentar papel subsidiário
(LEONTIEV, 2010). Nessa perspectiva, Leontiev (2010, p. 63) aponta que devemos
considerar a “[...] dependência do desenvolvimento psíquico em relação à atividade principal
e não à atividade em geral”.
O termo atividade principal não se refere a atividade realizada com mais frequência
em determinado estágio do desenvolvimento, mas sim, aquela na qual surgem outros tipos de
atividade e onde estas se diferenciam, onde os processos psíquicos particulares tomam forma
ou são reorganizados e da qual dependem as principais mudanças psicológicas na
personalidade (LEONTIEV, 2010). Portanto, sendo a atividade principal determinante no
desenvolvimento humano, sua identificação, aliada a compreensão da estrutura da atividade
geral e suas inter-relações, possibilita que se organize e medeie a atividade de forma a orientar
e criar melhores condições para o desenvolvimento psíquico do sujeito.
Dessa forma, Leontiev (2010) identificou os estágios pelos quais passa uma criança
durante o seu desenvolvimento. Segundo o autor, a atividade principal da criança em idade
pré-escolar é o jogo. Para ele, nessa fase, a criança assimila o mundo objetivo como um
53

mundo de objetos humanos e reproduz as ações humanas ao brincar com esses objetos. Com a
transição do período pré-escolar para o período escolar, ou seja, com a inserção da criança na
escola, o sistema de relações que esta está inserida é reorganizado e a criança passa a ter
obrigações não apenas para com os pais e professores, mas também para com a sociedade
(LEONTIEV, 2010). Tais obrigações são materializadas na escola sob a forma de exigências
do professor e diretor, cujo cumprimento ou não dessas obrigações dependerá todo o conteúdo
de sua vida (LEONTIEV, 2010). Portanto, a atividade principal da criança em idade escolar é
a atividade de aprendizagem (MORAES, 2008; RUBSTOV, 1996).
Um terceiro estágio apontado por Leontiev (2010) marca a entrada da criança na
adolescência, cuja transição está associada a inserção do adolescente em novas formas de vida
social acessíveis a ele que diferem daquelas de caráter infantil. Segundo o autor, o lugar que o
adolescente ocupa no cotidiano daqueles que o cercam é modificado e este passa a ter deveres
e obrigações que se aproximam aquelas da vida adulta. Para Leontiev (2010), a transição da
criança em idade escolar para o estudante adolescente marca o surgimento da necessidade de
apropriar-se, não apenas da realidade objetiva, mas também dos conhecimentos teóricos
produzidos sobre essa realidade. Portanto, a atividade principal do aluno adolescente consiste
em atividades de aprendizagem e, ocasionado por sua aproximação a vida adulta, também em
atividade de trabalho (MORAES, 2008; RUBSTOV, 1996).
Nesse sentido, os pressupostos teóricos da Teoria da Atividade colocam em
evidência a importância do trabalho educativo na escola. Como vimos, durante grande parte
do desenvolvimento do psiquismo infantil prevalece como atividade principal a atividade de
aprendizagem, e é precisamente a partir dessa atividade que crianças e adolescentes em idade
escolar se apropriarão dos fenômenos da realidade e terão a formação de suas personalidades
e consciência. Cientes disso, é dever daquele que ensina, ou seja, do professor, organizar o
ensino com vista a garantir e potencializar o pleno desenvolvimento dos sujeitos envolvidos
no processo educativo escolar.

4.2 Atividade de aprendizagem

Fundamentado nos pressupostos teóricos da Teoria Histórico Cultural e da Teoria da


Atividade, Davidov (1988 apud MOURA, et al., 2016) dedicou-se ao estudo da atividade de
aprendizagem9 de crianças e adolescente em idade escolar, isto é, da atividade principal dos
9
Em suas obras, Davidov utiliza o termo atividade de estudo para referir-se à atividade principal dos escolares.
Porém, fundamentando-nos nos escritos de Moura et al. (2010) e Rubstov (1996), utilizaremos no presente
trabalho o termo atividade de aprendizagem como equivalente ao de atividade de estudo.
54

escolares. Para o autor, a importância em conhecer as características da atividade de


aprendizagem consiste em saber quais ações os estudantes mobilizam no processo de
apropriação do conhecimento, uma vez que a compreensão desse processo fornece subsídios
para se pensar a organização do ensino e para acompanhar os resultados do trabalho
pedagógico (MORAES, 2008).
Nesse aspecto, Asbahr (2016) chama atenção para que não se confunda atividades de
aprendizagem com ações de aprendizagem. Segundo a autora, ações de aprendizagem
referem-se as ações realizadas cotidianamente na escola ou em casa, como leitura de textos,
trabalhos e exercícios para fixação de conteúdos, cópias de materiais escolares, avaliações,
dentre outros, enquanto a atividade de aprendizagem refere-se à atividade que guia o
desenvolvimento dos escolares, “[...] cuja característica é produzir a constituição de uma
neoformação psicológica essencial ao processo de humanização, a formação do pensamento
teórico” (2016, p. 96). Logo, a finalidade da educação escolar não pode ser outra, senão,
garantir a formação do pensamento teórico que, por sua vez, levará ao desenvolvimento dos
estudantes, de sua consciência.
Para compreendermos a atividade de aprendizagem como precursora do
desenvolvimento infantil e avançarmos nessa discussão, faz-se necessário distinguir dois tipos
de conhecimento, o conhecimento empírico e o conhecimento teórico, os quais correspondem
a dois tipos de pensamento, igualmente empírico e teórico (RUBSTOV, 1996). O
conhecimento empírico reflete as propriedades externas dos objetos, suas representações
concretas e sensoriais imediatas, por isso mesmo, baseia-se na observação (RIPARDO, 2012;
RUBSTOV, 1996). Sua generalização, oriunda da comparação entre os objetos e suas
representações, permite situar objetos específicos no interior de determinada classe formal,
independente das relações existentes entre esses, ou ausência dessas, permitindo classificá-los
em categorias que podem ser definidas em um termo ou palavra (RIPARDO, 2012;
RUBSTOV, 1996). Esse tipo de conhecimento refere-se ao conhecimento adquirido na prática
cotidiana, ao senso comum.
Enquanto o conhecimento teórico reflete as relações existentes entre as propriedades
dos objetos e suas ligações internas, por isso, se origina da transformação cognitiva desses
objetos e supera as representações sensoriais (RIPARDO, 2012; RUBSTOV, 1996). Sua
generalização, por meio da análise das condições de construção do objeto conhecido, permite
saber que tipo de relação caracteriza, simultaneamente, um representante de uma classe e um
objeto particular (CEDRO; MORAES; ROSA, 2010; RUBSTOV, 1996). Esse tipo de
conhecimento concretiza-se por meio da transformação do saber em uma teoria desenvolvida
55

por meio da dedução e explicação, e é expresso por diferentes formas de atividade intelectual
e sistemas semióticos (RUBSTOV, 1996).
A compreensão das diferenças existentes entre o conhecimento empírico e teórico
permite identificar as abordagens e atividades adequadas a serem mobilizadas para a
apropriação desses conhecimentos com vistas ao pensamento que se deseja formar. Dessa
forma, um dos princípios didáticos que possibilita a formação do pensamento teórico é,
segundo Davidov, o método de ascensão do abstrato ao concreto, o qual permite que se
reproduza mentalmente as formas de representação sensorial (MOURA, et al., 2016). Para o
autor, nesse modelo “é necessário partir das teses gerais da área do saber e não dos casos
particulares, buscando a célula dos conceitos, sua gênese e essência, o que se consegue por
meio da operação de construir e transformar um objeto mentalmente” (1982 apud MOURA,
et al., 2016, p. 210).
Todavia, o modelo de ensino tradicional, adotado pela maioria das escolas, tem
privilegiado métodos de ensino que possibilitam apenas a formação do pensamento empírico
(DAVIDOV, 1987). Nesse modelo, “[...] os estudantes são levados a analisar, comparar e
classificar diferentes objetos, buscando neles o que há de comum, as propriedades repetidas,
estáveis, que parecem constituir-se como o essencial na definição dos objetos em análise”
(ASBAHR, 2016, p. 107), sem considerar as condições de sua construção e suas ligações
internas.
Dessa forma, segundo Rosa, Moraes e Cedro (2016), é necessário que o professor
proponha uma organização de ensino que supere o desenvolvimento do pensamento empírico,
uma vez que este se desenvolve na prática cotidiana do sujeito independente de sua
escolarização. Portanto, considerando que é característica da atividade de aprendizagem
produzir o desenvolvimento do pensamento teórico, torna-se necessário ao professor conhecer
sua estrutura para utilizá-la como referência para a organização do ensino.
Assim, considerando a especificidade da atividade de aprendizagem, o conteúdo
principal desta é o conhecimento teórico (DAVIDOV; MARKOVA, 1987). Nas palavras de
Davidov e Maskova (1987, p. 324, tradução nossa), “[...] o conteúdo principal da atividade de
estudo é a assimilação dos procedimentos generalizados de ação na esfera dos conceitos
científicos e mudanças qualitativas no desenvolvimento psíquico da criança, que ocorrem
sobre esta base”. Logo, tanto a atividade do professor como a atividade do estudante devem
resultar na apropriação do conhecimento teórico-científico que, por sua vez, levará a
formação do pensamento teórico e, assim, possibilitará aos estudantes operar com conceitos e
56

não com representações gerais, imediatas e externas dos objetos (ASBAHR, 2016; ROSA;
MORAES; CEDRO, 2016).
Porém, seguindo a estrutura geral da atividade, para que o aluno se ponha em
atividade de aprendizagem e efetivamente se aproprie do conhecimento científico, é
necessário que haja a manifestação de uma necessidade. Segundo Davidov (1988, p. 178 apud
CEDRO; MORAES; ROSA, 2010) “[...] a necessidade da atividade de estudo estimula os
escolares a assimilarem os conhecimentos teóricos, ou seja, os motivos, que lhes permitem
assimilar os procedimentos de reprodução destes conhecimentos [...]”. Logo, os
conhecimentos teóricos-científicos são necessidade e objeto na atividade de aprendizagem
que, por conseguinte, são também o seu motivo (MOURA et al., 2016; RIPARDO, 2012).
Também compõem a estrutura da atividade de aprendizagem as tarefas de estudo, as
quais constituem-se como a unidade do objetivo da ação e as condições para alcançá-lo e são
organizadas a partir de um problema de aprendizagem (ASBAHR, 2016; DAVIDOV, 1988
apud MORAES, 2008). Sobre o último, não devemos entendê-lo como problemas oriundos da
prática cotidiana, mas sim, como um problema concreto colocado pela história da humanidade
que, no seu processo de resolução, permite que os estudantes se apropriem do movimento
lógico e histórico que produziu a necessidade e a elaboração do dado conceito, e objetiva não
apenas a solução do problema em questão, mas também a aquisição das formas de ação geral,
próprias dos conhecimentos teóricos (ASBAHR, 2016; RUBSTOV, 1996). Segundo Rubstov
(1996, p. 131), por formas de ação geral entende-se “[...] aquilo que é obtido como resultado
ou modo de funcionamento essencial para trazer soluções para os problemas de
aprendizagem”.
Portanto, o professor deverá organizar e elaborar tarefas de estudo que possibilitem
aos estudantes não apenas decorar ou verbalizar um determinado conceito, mas se apropriar
do movimento de produção deste e das formas de ação por meio das quais se chega a solução
do problema dado. Nesse sentido, o conceito de atividade de aprendizagem está estritamente
associado ao conceito de ação, e é precisamente por meio desta que as tarefas de estudo
podem ser resolvidas (RUBSTOV, 1996; DAVIDOV, 1988 apud MORAES, 2008).
Outro componente estrutural da atividade de aprendizagem são as ações de controle e
avaliação, por meio das quais os estudantes avaliam suas condições no início e no percurso do
trabalho, seu desempenho e os resultados alcançados durante e ao fim da realização da
atividade ((DAVIDOV; MARKOVA, 1987; MOURA, et al., 2016). Ressalta-se que cada
ação é composta por operações adequadas àas condições de sua execução. Logo, as ações de
57

controle e avaliação permitem aos estudantes modificar e adequar as operações e os


instrumentos utilizados às condições concretas de realização da atividade.
Dessa forma, considerando a estrutura da atividade de aprendizagem apresentada, o
professor deverá elaborar e organizar tarefas de estudo que levem à manifestação, no aluno,
da necessidade de se apropriar dos conhecimentos teóricos. Deverá, ainda, orientá-los na
resolução dessas tarefas, ajudando-os a compreender e a realizar as ações de aprendizagem,
controle e avaliação (ASBAHR, 2016). Isso, pois, a atividade de aprendizagem não se forma
naturalmente, é necessário preparar e orientar o estudante para a organização e execução
dessa atividade, é necessário formar neste uma postura de estudante (ASBAHR, 2016),
ensiná-lo a aprender. Portanto, fica evidente o caráter mediado dessa atividade.
Por fim, outro ponto importante da atividade de aprendizagem deve ser apontado,
sendo ele, o seu caráter coletivo. Para Rubstov (1996), a atividade de aprendizagem é,
essencialmente, uma atividade realizada em comum, isto é, uma atividade que pressupõe a
cooperação entre aluno e professor, por exemplo, por seu caráter mediado, ou entre alunos, já
que tanto a atividade de ensino quanto a atividade de aprendizagem se desenvolvem entre um
grupo de estudantes, o que permite a interação e troca de conhecimentos e modos de ação
entre eles.
Portanto, ao pensar a organização do ensino, deve-se estar ciente do caráter coletivo
do processo de aprendizagem e, a partir disso, propor problemas cuja solução se dê de
maneira coletiva, que envolvam a interação, a comunicação e a repartição das ações entre os
alunos, de tal forma que estes cheguem a um resultado comum (MOURA, et al., 2016;
RUBSTOV, 1996). Nesse processo, o desenvolvimento da criança ocorre no movimento de
passagem dos fenômenos externos (interpessoais) para fenômenos internos (intrapessoais), ou
seja, os conhecimentos adquiridos em comum, na coletividade, são internalizados pelos
estudantes e passam a constituir a sua individualidade.
Para concluir, ressaltamos que a compreensão da atividade de aprendizagem como
atividade principal dos escolares, de sua estrutura e do seu caráter coletivo, fornece subsídios
para a organização de um ensino que ultrapasse o desenvolvimento do pensamento empírico,
utilitário, e promova o desenvolvimento do pensamento teórico, da personalidade dos
estudantes e de sua consciência, bem como o desenvolvimento da disciplina, da habilidade de
trabalhar em equipe, do autocontrole e do respeito à coletividade. Portanto, parafraseando
Asbahr (2016), para que um bom ensino ocorra, é essencial referenciar-se na atividade de
aprendizagem.
58

4.3 Atividade Orientadora de Ensino (AOE)

Na subseção anterior apresentamos a atividade de aprendizagem e apontamos a


importância da organização de um ensino que a utilize como referência. Mas cabe perguntar,
como organizar o ensino com base nos pressupostos teóricos apresentados? Antes de
respondermos a este questionamento, ressaltamos que no processo educativo escolar há
sempre um sujeito que ensina (o professor) e um sujeito que aprende (o aluno), cada qual
realizando uma atividade, respectivamente, atividade de ensino e atividade de aprendizagem.
Na atividade de ensino, o professor deve organizar sua atividade e suas ações de maneira a
gerar e promover a atividade do estudante, criando nele a necessidade de se apropriar dos
conhecimentos teóricos (MOURA, et al., 2016). Na atividade de aprendizagem, o aluno,
orientado pelo professor, deve mobilizar, conscientemente, ações que o permita se apropriar
dos conhecimentos teóricos e adquirir novas formas de ação (MOURA, et al., 2016).
Portanto, ao pensar a organização do ensino deve-se considerar que ensinar e aprender
formam uma unidade e que o processo educativo escolar deve constituir-se como atividade
para o aluno e para o professor (MOURA, et al., 2016; MOURA; ARAUJO; SERÃO, 2018).
Outro aspecto a se considerar quando pensamos em uma maneira de organizar o
ensino é que enquanto professores trabalhamos com alunos de diferentes classes sociais e
diferentes potencialidades, cada qual com sua singularidade. Logo, é necessário evitar
metodologias estanques e pouco diversificadas que não atendem a pluralidade da sala de aula
e permitir que durante o processo educativo escolar ocorra a troca de experiências e
conhecimento entre os estudantes. É necessário organizar o ensino de tal forma que este esteja
em consonância com as potencialidades cognitivas e socioafetivas dos estudantes (MOURA,
ARAUJO; SERRÃO, 2018). Nesse sentido, Moura (1996 apud Moura et al., 2016) propôs o
conceito de Atividade Orientadora de Ensino (AOE), a qual está ancorada na Teoria
Histórico-Cultural, Teoria da Atividade e nos pressupostos davidovianos.
A Atividade Orientadora de Ensino (AOE) caracteriza-se como uma alternativa
teórico-metodológica para a organização de um ensino que medeia a atividade do professor e
a atividade do estudante. Esta, entendida como uma metodologia de ensino que possibilita o
desenvolvimento do pensamento teórico, configura-se como unidade formativa do professor e
do aluno, visto que nesta ambos são sujeitos em atividade (ARAUJO, 2019; MOURA;
ARAUJO; SERRÃO, 2018). Para Moura et al. (2016, p. 111), compreender que na AOE
professor e aluno são sujeitos em atividade e como tais, indivíduos mobilizando ações com
vistas a realização de um objetivo, é primordial para considerar a AOE “[...] como um
59

processo de aproximação constante do objeto: o conhecimento de qualidade nova. A


atividade, assim, só pode ser orientadora”. Nesse sentido, ao utilizar o conceito de AOE para
organizar o ensino, o professor pode, intencionalmente, conduzir o desenvolvido do estudante
ao mesmo tempo que se põe em formação contínua. Portanto, a AOE, como instrumento de
mediação, constitui-se como um modo de realização da atividade de ensino e da atividade de
aprendizagem (MOURA et al., 2016).
Dito isso, algumas considerações devem ser feitas. Em Pprimeiro lugar que, embora
estejamos tratando em separado a atividade de ensino e a atividade de aprendizagem, essa
separação se justifica apenas para explicação didática, uma vez que estas estão articuladas
entre si (MORAES, 2008; RIPARDO, 2012). SEm segundo lugar, a AOE conserva a estrutura
geral da atividade ao apresentar necessidades, motivo, objetivos, ações e operações, os quais
permitem-na caracterizar-se como elemento de mediação entre a atividade do professor e a
atividade do estudante (MOURA et al., 2016). Em tTerceiro lugar, embora essas atividades
sejam correspondentes, o lugar social que o professor ocupa é diferente daquele ocupado pelo
estudante, como também diferem suas ações, operações e necessidades (MORAES, 2008).
Vejamos o esquema abaixo (FIGURA 2), o qual apresenta a estrutura da AOE e nos
servirá de ponto de partida para compreendermos como ela articula a atividade do professor e
a atividade do estudante.

FIGURA 2 – AOE: RELAÇÃO ENTRE A ATIVIDADE DE ENSINO E A ATIVIDADE DE


APRENDIZAGEM

ATIVIDADE ORIENTADORA DE
ENSINO

CONTEÚDO ATIVIDADE DE
ATIVIDADE DE ENSINO
Conhecimentos teóricos APRENDIZAGEM

Professor SUJEITO Aluno

Ensinar OBJETIVO Aprender

c
Apropriação dos conhecimentos
Organização do ensino MOTIVOS
teóricos
60

Definição dos procedimentos de


Resolução dos problemas de
como trabalhar com AÇÕES
aprendizagem
conhecimentos teóricos

c
Utilização dos recursos
Utilização dos recursos que
metodológicos que auxiliarão o OPERAÇÕES
auxiliarão a aprendizagem
ensino

Observe que a AOE articula a atividade de aprendizagem e a atividade de ensino de


maneira que há correspondência entre seus elementos constituintes, bem como também marca
as diferenças existentes na execução de cada uma dessas atividades (ações e operações) que
estão de acordo com os objetivos de cada uma delas (ensinar e aprender). Todavia, embora
possam diferir em alguns elementos, para que ambas as atividades se concretizem, os seus
motivos devem coincidir (MOURA et al., 2016). Tal motivo é a apropriação pelos estudantes
do conhecimento teórico (MOURA et al., 2016). Para o professor, esse motivo se converte na
organização do ensino, isto é, aquilo que estimula o professor a se pôr em atividade é a
necessidade de organizar suas intervenções pedagógicas, uma vez que apenas mediante
organização e orientação adequada do ensino se realiza a apropriação pelos estudantes do
conhecimento teórico.
Nesse sentido, na AOE, a necessidade se apresenta ao professor como necessidade de
possibilitar que os estudantes se apropriem da experiência humana acumulada pela via do
conhecimento teórico, como necessidade de ensinar, e para o estudante como necessidade de
aprender, como necessidade de se apropriar desses conhecimentos (MOURA, et al., 2016).
Portanto, é com o objetivo de ensinar que o professor define suas ações, operações e elege
instrumentos auxiliares de ensino, para possibilitar aos estudantes a apropriação dos conceitos
científicos e, assim, a transformação psíquica do sujeito que está em atividade de
Fonte: Moura et al.
aprendizagem 2016, p. 213.
(MOURA, et al., 2016). Nessa perspectiva, para Moraes (2008, p. 98), [...] a
AOE constitui-se em um modo geral de organização do ensino, em que seu conteúdo principal
é o conhecimento teórico e seu objeto é a transformação do sujeito no movimento de
apropriação destes conhecimentos”. E, considerando que a educação escolar surge da
necessidade social de formação humana, o aluno transformado é também necessidade na AOE
(ARAUJO, 2019).
Porém, devemos lembrar que a formação humana só é possível como resultado da
própria atividade do sujeito (MOURA, et al., 2016). Isso significa que cabe ao professor
organizar suas ações de maneira a promover a atividade do estudante, de maneira a gerar
61

neles a necessidade de se apropriar dos conceitos científicos, o que se torna possível na


situação desencadeadora de aprendizagem (MOURA, et al., 2016). Para Cedro, Moraes e
Rosa (2010, p. 438), “[...] a situação desencadeadora de aprendizagem equivale às tarefas de
estudos [...], visto que ela é organizada de modo a possibilitar condições para que o objetivo
da atividade de ensino seja alcançado”. Dessa forma, o professor, a partir dos seus objetivos
de ensino, organiza a situação desencadeadora de aprendizagem, a qual, à semelhança do que
vimos para as tarefas de estudo, deve ser composta por um problema de aprendizagem
(MORAES, 2008; MOURA, et al., 2016).
Lembremos que um problema de aprendizagem se refere a um problema concreto
colocado pela história da humanidade que, no seu processo de resolução, permite que os
estudantes se apropriem do movimento lógico e histórico que produziu a necessidade e a
elaboração de um dado conceito, permitindo a eles não apenas a solução de um problema em
questão, mas a aquisição de uma forma de ação geral que servirá de base para orientá-los na
resolução de uma classe de problemas (ASBAHR, 2016; RUBSTOV, 1996). Enquanto um
problema prático, solucionado a partir da mobilização do pensamento empírico, busca apenas
modos de ação em si para resolução de um problema particular, o qual baseia-se na
comparação e classificação de objetos de acordo com suas propriedades externas e
observáveis (MORAES, 2008; RIPARDO, 2012; RUBSTOV, 1996).
Nessa perspectiva, para organizar a situação desencadeadora de aprendizagem, o
professor deve elaborar um problema de aprendizagem que contemple a gênese do conceito a
ser trabalhado, ou seja, que explicite o processo de produção do conceito, a necessidade que
levou a sua produção, como surgiram os problemas e as necessidades humanas em uma dada
atividade e as soluções encontradas pela humanidade no movimento lógico e histórico de
elaboração do conceito (MOURA et al., 2016). Assim, ao serem mobilizados para a atividade
de aprendizagem a partir da situação desencadeadora, os alunos poderão compreender os
conceitos científicos como produção humana, e não como um dado invariável da natureza.
Segundo Moura e Lanner de Moura (1998 apud Moura et al., 2016), os recursos
metodológicos por meio dos quais podemos elaborar uma situação desencadeadora de
aprendizagem são: o jogo, as situações emergentes do cotidiano e a história virtual do
conceito. Para os autores, “o jogo com propósito pedagógico pode ser um importante aliado
no ensino, já que preserva o caráter de problema”, sendo importante considerá-lo como
possibilidade de “[...] colocar a criança diante de uma situação-problema semelhante à
vivenciada pelo homem [...]” (1998, p. 12-14 apud MOURA et al., 2016, p. 121), ou seja, ao
propor uma situação desencadeadora mediante a realização de um jogo, o professor poderá
62

recriar situações-problema semelhantes as situações que ocorreram na história da


humanidade, no qual, para serem solucionadas exigirá do aluno o domínio de determinado
conceito e/ou modo de ação, mobilizando-o assim para a aprendizagem.
Nas situações emergentes do cotidiano se utiliza os conhecimentos e vivências dos
alunos como ponto de partida para o planejamento de problematizações que sejam
desencadeadoras de aprendizagem (CAVALCANTE, 2015). Para Moura e Lanner de Moura
(1998, p. 12-14 apud Moura et al., 2016, p. 121), “a problematização de situações emergentes
do cotidiano possibilita à prática educativa oportunidade de colocar a criança diante da
necessidade de vivenciar solução de problemas significativos para ela”. Trata-se, portanto, de
dar voz aos estudantes, investigar a realidade destes e permitir que façam questionamentos e
falem a respeito de situações cotidianas que vivenciaram (CAVALCANTE, 2015). Nesse
processo, ao conhecer a realidade dos seus alunos, o professor faz problematizações e planeja
suas ações de modo que as situações emergentes do cotidiano se tornem desencadeadoras de
aprendizagem.
Já na história virtual do conceito são apresentadas “[...] situações-problema
colocadas por personagens de histórias infantis, lendas ou da própria história [...] [da ciência
e/ou conceito em estudo], como desencadeadoras do pensamento da criança, de forma a
envolvê-la na construção de soluções que fazem parte do contexto da história” (MOURA,
1996, p. 20 apud MOURA; ARAUJO; SERRÃO, 2018, p. 423). Em outras palavras, é
possível criar uma história que possui em seu enredo uma situação-problema semelhante
aquelas vivenciadas pela humanidade, podendo-se utilizar personagens fictícios ou
personalidades históricas para apresentar a situação-problema e instigar os alunos para
solucioná-la. Dessa maneira, os estudantes serão mobilizados para a aprendizagem.
Ressaltamos que, independentemente do recurso metodológico a ser utilizado,
elaborar uma situação desencadeadora de aprendizagem exige do professor o pleno domínio
do conteúdo que será trabalhado. Nesse sentido, o professor, além da atividade de ensino,
deve comprometer-se também com sua atividade de aprendizagem (MOURA et al., 2016).
Além disso, ao elaborar a situação desencadeadora de aprendizagem é necessário estar ciente
que a solução da situação-problema colocada deve ser encontrada coletivamente, de modo que
permita a interação, a comunicação e a repartição das ações entre os estudantes, o que requer
que o professor planeje e organize a situação desencadeadora de aprendizagem de tal forma
que sua concretização e resolução seja em grupo (MOURA, et al., 2016). Essa premissa está
de acordo com o que já apresentamos para a atividade de aprendizagem e com o processo de
formação humana que, como vimos, ocorre sempre na coletividade.
63

Dessa forma, de acordo com Araújo (2015), para elaborar e desenvolver uma
Atividade Orientadora de Ensino (AOE) é necessário considerar três etapas distintas. A
primeira consiste em realizar o lógico-histórico do conceito que será desenvolvido em sala de
aula. Esse é o momento em que o/a professor/a e os alunos irão pesquisar e estudar sobre o
conceito, buscando desvendar sua gênese e a necessidade de sua produção. A segunda
consiste em elaborar uma situação desencadeadora de aprendizagem que posteriormente será
apresentada para os alunos. E a terceira consiste na síntese coletiva, este é o momento em que
os alunos, mediados pelo/pela professor/a devem chegar a uma solução comum, a qual deve
estar em consonância com o que é esperado para o conceito em estudo.
Na elaboração da AOE, deve-se considerar, ainda, a realidade escolar e as condições
objetivas para realização dessa atividade, isto é, é preciso atentar-se aos recursos disponíveis e
acessíveis aos estudantes, a complexidade do conteúdo, o contexto cultural que os sujeitos
estão inseridos e as potencialidades cognitivas e socioafetivas dos estudantes, e ao mesmo
tempo, deve-se oferecer condições para que estes tenham compreensão da situação
desencadeadora de aprendizagem e possam realizar ações e operações de aprendizagem a fim
de se chegar a solução da situação-problema colocada (MOURA, et al., 2016).
Nesse sentido, concordamos com Cedro, Moraes e Rosa (2010) ao afirmarem que a
ação de avaliação é componente inerente do planejamento e execução da atividade de ensino,
uma vez que permite ao professor refletir sobre suas ações de ensino e as ações de
aprendizagem dos estudantes a fim de verificar, durante o desenvolvimento da atividade, se
estas estão conduzindo ao resultado esperado, e ao fim desta, se o resultado esperado foi
alcançado. Isto é, é através da ação de avaliação que o professor pode verificar se a atividade
de ensino mobilizou os estudantes para a atividade de aprendizagem (MORAES, 2008), se
estes compreenderam a situação desencadeadora apresentada, se estão realizando
adequadamente as ações de aprendizagem e se apropriaram-se do conhecimento teórico.
Dessa forma, caso constate que a atividade de ensino apresentada não conduziu ou não está
conduzido ao resultado esperado, o professor poderá adequar e modificar o seu plano de ação
a fim de alcançar o que foi inicialmente idealizado.
Por fim, reiteramos que a Atividade Orientadora de Ensino (AOE), enquanto
elemento de mediação entre a atividade do professor e a atividade do estudante, só pode
caracterizar-se como um ato intencional, pois está orientada à realização de um objetivo: a
apropriação pelos estudantes do conhecimento teórico. Esta, fundamentada na Teoria
Histórico Cultural e Teoria da Atividade, constitui-se como unidade formativa do professor e
do aluno ao conduzir esses sujeitos ao desenvolvimento. Isto é, o professor, ao comprometer-
64

se com sua atividade de ensino e com sua atividade de aprendizagem para ensino, e ao refletir
sobre sua atividade pedagógica, desenvolve-se pessoal e profissionalmente (MOURA, et al.,
2016). E os alunos, como sujeitos de suas ações no movimento de apropriação do
conhecimento teórico, desenvolvem sua consciência e personalidade, humanizando-se
(MORAES, 2008; MOURA, et al., 2016). Portanto, a AOE, como instrumento teórico-
metodológico para a organização do ensino e como modo de realização da atividade de ensino
e atividade de aprendizagem, constitui-se como uma possibilidade para que a escola cumpra
sua função social, a de formação humana (MOURA, et al., 2016).

4.4 Uma proposta didática para o ensino do conceito sexualidade

É recorrente que no espaço escolar, especialmente no ensino de Ciências, o conceito


sexualidade seja abordado considerando-se apenas os processos anatômicos, fisiológicos e
genéticos que esta envolve, ou seja, permanece no ensino da referida disciplina a
compreensão médica da sexualidade. Nesse sentido, apresentaremos nesta subseção uma
proposta didática elaborada com referencial na Atividade Orientadora de Ensino (AOE) como
alternativa para o ensino sobre sexualidade, numa perspectiva emancipatória, em que será
considerado os seus três elementos constituintes: o sexo biológico, a identidade sexual e a
identidade de gênero.
Na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Fundamental, Área de
Ciências da Natureza (2017), o ensino do conceito sexualidade está previsto para alunos do 8º
ano, na unidade temática “Vida e Evolução”, objeto de conhecimento “Mecanismos
reprodutivos e sexualidade”. Dessa forma, a nossa AOE foi formulada para ser desenvolvida
com alunos e alunas do citado ano escolar e está direcionada para a formação da habilidade
(EF08CI11) prevista na BNCC, sendo ela a habilidade de “selecionar argumentos que
evidenciem as múltiplas dimensões da sexualidade humana (biológica, sociocultural, afetiva e
ética) ” (BRASIL, 2017, p. 349). A nossa AOE também está voltada para o desenvolvido das
competências gerais para a educação básica, das quais destacamos:

Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se


respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento
e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes,
identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza.
(BRASIL, 2017, p. 10).
65

Nesse sentido, sugerimos aos professores/as que desenvolvam essa AOE como ponto
de partida da unidade temática “Vida e Evolução” objeto de conhecimento “Mecanismos
reprodutivos e sexualidade”. Assim, durante o processo de desenvolvimento da citada
unidade, os alunos poderão evidenciar as múltiplas dimensões da sexualidade envolvidas em
cada conteúdo ministrado.
Dito isto, apresentaremos a partir de agora a Atividade Orientadora de Ensino (AOE)
do conceito sexualidade. Para tanto, esta subseção encontra-se subdividida em seções
terciárias, sendo que na primeira apresentaremos o procedimento metodológico percorrido na
elaboração dessa AOE. Na segunda, apresentaremos os objetivos da nossa proposta e na
terceira, será apresentado a AOE e o procedimento metodológico de desenvolvido desta no
espaço escolar.
Ressaltamos que para utilizar a nossa proposta didática o/a professor/a deverá ter o
pleno domínio teórico sobre AOE, sobre o conceito sexualidade em seu movimento histórico
e sobre os seus nexos conceituais identidade sexual e identidade de gênero, ou seja, o/a
professor, ao se pôr em atividade de ensino, deverá iniciar o seu trabalho com ações de
estudo. Posteriormente, deverá executar ações de planejamento, para que este possa encaixar a
AOE proposta aos conteúdos programáticos, e de modo a adequá-la a realidade escolar e as
particularidades de seus alunos.

4.4.1 Percurso metodológico de elaboração da AOE

Para elaborar a nossa proposta didática, perpassamos pelas seguintes etapas:


a) pesquisas e estudo para fundamentação teórica sobre AOE;
b) delimitação dos nossos objetivos educacionais;
c) síntese histórica do conceito sexualidade, o qual consta na segunda seção
deste trabalho;
d) pesquisas sobre atividades com o conceito sexualidade em busca de
inspiração;
e) elaboração da situação desencadeadora de aprendizagem e escolha do
percurso metodológico para sua execução.

4.4.2 Objetivos

Os objetivos da nossa AOE proposta são:


66

a) propiciar aos estudantes a formação do conceito sexualidade e dos nexos


conceituais identidade sexual e identidade de gênero;
b) criar condições para que os estudantes selecionem argumentos que
evidenciem as múltiplas dimensões da sexualidade;
c) colaborar para a aceitação dos indivíduos LGBTQI+.

4.4.3 Procedimento metodológico de desenvolvido da AOE

Para desenvolver a AOE do conceito sexualidade no espaço escolar, os/as


professores deverão considerar as seguintes etapas:
a) desenvolvimento do lógico-histórico do conceito sexualidade;
b) situação desencadeadora de aprendizagem;
c) síntese coletiva.

Na primeira etapa de desenvolvido da AOE, o/a professor/a deverá solicitar que os


alunos façam, em suas casas, uma pesquisa sobre o conceito sexualidade, o objetivo é que os
alunos façam uma síntese histórica do referido conceito. Para guiá-los, o/a professor/a deverá
entregar aos seus alunos alguns questionamentos que devem ser respondidos com a pesquisa.
Esse é um modo de direcioná-los durante o processo de busca. O/a professor/a poderá também
indicar algumas fontes, como livros, sites ou materiais da internet, que os alunos poderão
utilizar em sua pesquisa. Essa é uma maneira de limitar o uso de fontes não confiáveis.
Indicamos os seguintes materiais, o quais podem ser encontrados na internet e estão
listados em nossa referência: 1) o livro “Desvendando a sexualidade” do autor Nunes (1987),
o qual pode ser encontrado também impresso; 2) o artigo “Concepção de sexo e sexualidade
no ocidente: origem, história e atualidade” dos autores Senem e Caramaschi (2017), esse
material pode ser impresso pelo/pela professor/a; e 3) cartilha “Diversidade sexual e cidadania
LGBT” elaborada pela Coordenação de Políticas para a Diversidade Sexual do Estado de São
Paulo, São Paulo (2014).
Os questionamentos norteadores da pesquisa são:
a) O que é sexualidade?
b) Quais os elementos constituintes da sexualidade?
c) Como a sexualidade foi interpretada ao longo da história?
67

Ainda na etapa de síntese histórica do conceito sexualidade, o/a professor/a deverá


planejar uma aula para exposição teórica sobre o referido conceito. Neste momento, o/a
professor/a irá apresentar o lógico-histórico do conceito que ele mesmo desenvolveu,
ressaltando as partes que considera mais importante e adequando a linguagem ao seu grupo de
estudantes. Para dinamizar a aula, indicamos que se inicie pedido que os alunos exponham os
resultados de suas pesquisas, com isso, o/a professor/a poderá fazer esclarecimentos e
problematizações a partir das falas de seus alunos.
Na segunda etapa, o/a professor/a separará uma aula para apresentar a situação
desencadeadora de aprendizagem aos seus alunos. Relembre que na AOE os estudantes são
mobilizados para a aprendizagem a partir de uma situação desencadeadora desse processo, a
qual pode ser materializada por meio de diferentes recursos metodológicos. Em nossa
proposta, utilizamos a história virtual do conceito como recurso metodológico desencadeador
da aprendizagem do conceito sexualidade.
Dessa forma, apresentaremos a seguir a histórica virtual do conceito intitulada “No
país de Amarílis”, a qual foi inspirada no texto “No país de Blowminsk” dos autores Picazio
et al. (1999).

No país de Amarílis

Amarílis é um país onde se proíbe o relacionamento afetivo e sexual entre pessoas do mesmo
sexo. Um homem não pode sentir desejo ou atração sexual por outro homem e nem o amar. Da mesma
forma, uma mulher não pode sentir desejos afetivos-sexuais por outra mulher. Neste país, as pessoas
que tentam quebrar suas regras e se relacionam com pessoas do mesmo sexo são excluídas e sofrem
com a violência.
Júlia Antúrio mora em Amarílis e frequenta uma conceituada escola local. A garota sempre
fora bastante estudiosa e adorava ler sobre a história do seu país. Não tinha muitos amigos, por isso
passava bastante tempo na biblioteca da escola.
Um belo dia enquanto folheava um livro na biblioteca, Júlia conheceu Ágatha, uma bela
garota de cabelos pretos e longos. As garotas conversaram bastante e passaram a se encontrar todo dia
naquele mesmo lugar. Júlia logo percebeu que sentia algo diferente por Ágatha, sempre que a via
sentia um frio na barriga e o seu coração palpitava. A garota percebeu que estava apaixonada. Mas
sabia que não devia, afinal, em Amarílis era proibido amar outra mulher. Então decidiu esconder o que
sentia e se afastar de Ágatha.
Um dia enquanto procurava algo para ler na biblioteca, Júlia encontrou um livro chamado
“Desvendando a história de Amarílis”. O livro contava a história das primeiras civilizações de
Amarílis, falava sobre sua cultura e costumes. Nessas civilizações, o amor entre pessoas do mesmo
sexo não era proibido. As pessoas podiam relacionar-se livremente por quem sentissem desejo ou
amor. Porém, à medida que o país foi se desenvolvendo e novas cidades foram surgindo, a cultura ia
sendo modificada e as relações amorosas entre pessoas do mesmo sexo foram gradualmente proibidas.
Naquele momento Júlia abriu um longo sorriso e entendeu que era completamente normal
amar uma mulher, assim como um dia foi para seus antepassados. A garota então decidiu, iria se
declarar para Ágatha e mostrar para todos da escola o livro que havia encontrado. Ao se declarar
publicamente e mostrar o livro para todos da escola, Júlia recebeu vários insultos e foi atingida por
alguns pontapés.
68

Ágatha ficou feliz com a declaração que recebeu, pois também estava apaixonada por Júlia.
Mas entristeceu ao perceber que jamais permitiriam que ficassem juntas.
A direção da escola ficou sabendo do ocorrido e imediatamente advertiu Júlia e deixou claro
que caso aquela cena se repetisse, a garota seria expulsa da instituição. Ao chegar em casa, a garota foi
severamente repreendida por seus pais.
Júlia, mesmo sabendo que era normal e igual às outras pessoas, sentiu-se indignada por ter
sido rejeitada só porque amava diferente, enquanto os colegas que a haviam agredido não tinham
sofrido qualquer repressão. A garota então decidiu que não iria para a escola novamente, desistiria de
estudar, pois não suportaria ser insultada e agredida por seus colegas de turma.

Para utilizar a história virtual apresentada acima como desencadeadora de


aprendizagem, o/a professor/a deve solicitar aos alunos que formem grupos de três ou quadro
estudantes. Após a formação dos grupos, o/a professor/a disponibilizará a história “No país de
Amarílis” em material impresso. É possível apresentar a história virtual também através de
um projetor de mídia, escrever no quadro ou ler a história para a turma.
Após a leitura da história “No país de Amarílis”, o/a professor/a deverá apresentar o
problema: Júlia desistiu de estudar por não suportar ser insultada e agredida por seus colegas
de turma. Como podemos convencer os colegas de Júlia a aceitá-la exatamente como ela é?
Para chegar a uma solução, o/a professor/a deverá solicitar que os estudantes de cada grupo
discutam entre si uma possível resposta para esse problema, assim, eles poderão trocar
conhecimentos.
O terceiro momento de desenvolvimento da AOE é a síntese coletiva. Nesta etapa,
o/a professor/a solicitará que cada grupo socialize a sua resposta, exemplificando como esta
pode resolver o problema colocado. O papel do/da professor/a na síntese coletiva será o de
atuar como mediador para filtrar as soluções que serão colocadas pelos estudantes e para
direcioná-los a uma resposta comum a todos. É importante que o/a professor/a esteja,
continuamente, executando ações de avaliação, para que assim este possa verificar se a
situação desencadeadora de aprendizagem e o problema colocado estão claros para os alunos,
se as soluções colocadas por estes podem, efetivamente, resolver o problema em questão e se
as soluções apresentadas estão em consonância com o conceito em estudo.
A compreensão do conceito sexualidade como um componente com determinação
essencialmente biológica permite que certos padrões comportamentais sejam interpretados
como naturais e normais enquanto aqueles que divergem destes comportamentos são
interpretados como patológicos e anormais, como uma transgressão a expressão natural da
sexualidade. Esse conhecimento tão comum no senso comum legitima a violência e a não
aceitação de indivíduos LGBTQI+.
69

Dessa forma, em nossa situação desencadeadora de aprendizagem buscamos revelar


o processo histórico de necessidade e produção do conceito sexualidade numa perspectiva que
envolve sua dimensão biológica, social, afetiva, cultural e histórica com vistas a superar o
conhecimento popular sobre sexualidade que, com frequência, a reduz a fenômenos
biológicos.
Compreender a sexualidade como um componente da personalidade humana
resultante de múltiplos fatores, entendendo que esta é composta pelo sexo biológico (apenas
dimensão biológica), identidade sexual (múltiplos fatores) e pela identidade de gênero
(múltiplos fatores), os quais podem ou não apresentar correspondência em entre si, e
compreender que a forma como vivemos e expressamos nossa sexualidade, os valores e
crenças sobre esta são sempre influenciados sócio-historicamente permite que aceitemos as
múltiplas possibilidades de expressar e vivenciar a sexualidade.
Nesse sentido, a solução para o problema colocado pela situação desencadeadora de
aprendizagem deverá envolver uma estratégia que possibilite aos colegas de Júlia
compreender que a sexualidade é resultante de múltiplos fatores, o que explica a sua
diversidade de expressão, e é composta por elementos que se constituem de modo
independente um do outro, o que implica na possibilidade de haver ou não correspondência
entre esses elementos.
Dessa forma, após a socialização das respostas dos estudantes, o/a professor/a deverá
sistematizá-las que modo que seja encontrado uma ou mais soluções que sejam corretas. Caso
nenhuma resposta seja considerada correta, o/a professor/a deverá fazer questionamentos para
direcionar e mediar as respostas dos estudantes. Por exemplo:
a) Por que os colegas de Júlia não aceitam que ela se relacione com uma
mulher?
b) Sempre foi proibido o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo?
c) Por que houve a proibição do relacionamento entre pessoas do mesmo sexo?
d) O que é necessário para que alguém compreenda a diversidade de vivências
da sexualidade?
e) Como podemos possibilitar que os colegas de Júlia tenham conhecimento
sobre a sexualidade e suas múltiplas possibilidades de expressão?
f) Quais os elementos constituintes da sexualidade e como eles explicam a
diversidade de comportamentos e identidades?
70

Algumas respostas possíveis para solucionar o problema e que permitem aos


estudantes a reprodução do conceito sexualidade são:
a) pediria para uma profissional, por exemplo, um professor/a ou psicólogo/a,
explicar para os colegas de Júlia sobre sexualidade e que é normal ela se
apaixonar por outra mulher;
b) realizaria algum evento na escola (palestra, minicurso) de conscientização aos
alunos, professores/as e diretora da escola sobre sexualidade.

Considerando que a sala de aula é um ambiente plural, é possível que alguns alunos
deem respostas de cunho homofóbico para o problema apresentado ou apresentem
comportamentos discriminatórios, por isso, é importante que o/a professor/a esteja preparado
para fazer problematizações em cima dessas respostas e para apaziguar possíveis conflitos
gerados por falas preconceituosas.
Após a discussão para se chegar a uma resposta comum a todos, o/a professor/a
deverá solicitar que os alunos recriem o cenário da solução encontrada para o problema
colocado. Por exemplo, sob mediação do/da professor/a, os alunos chegaram à conclusão de
que a maneira adequada para convencer os colegas de Júlia a aceitá-la seria realizando uma
palestra na escola com o objetivo de conscientizá-los e ensiná-los sobre sexualidade, para que
dessa maneira eles pudessem aceitar a diversidade. Neste contexto, cada grupo de estudantes
se encarregaria de apresentar uma palestra sobre sexualidade enquanto os demais alunos
interpretariam os colegas de Júlia. Essa é uma maneira de possibilitar que os estudantes
reproduzam o conceito e visualizem a necessidade deste. Aqui, o papel do/da professor/a será
de fazer questionamentos para explorar cada vez mais o dado conceito. Ressaltamos que para
a encenação protagonizada pelos estudantes, deverá ser separada uma aula a fim de que todos
possam se preparar adequadamente.
Após todos os grupos de estudantes terem apresentado a recriação da solução
encontrada, o/a professor/a deverá finalizar generalizando as possibilidades de solução para
qualquer situação que exija a compreensão da sexualidade em sua dimensão social, cultural e
histórica. Evidenciando como tabus, valores, crenças e até mesmo o conhecimento são
produções sociais. Dessa forma, será possível aos estudantes operar com o conceito
apresentado e desenvolver um modo de ação geral frente aos problemas que envolva a
sexualidade humana.
71

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No Brasil, a discussão acerca da educação sexual de crianças e adolescentes nas


escolas datam desde as décadas de 20 a 30 do século XX, em que se via o desenvolvimento de
propostas baseadas no higienismo e na eugenia. Na década de 90, os discursos a favor da
inserção da educação sexual no espaço escolar multiplicaram-se em decorrência do aumento
da contaminação pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), e devido ao crescente
número de gravidez não planejada na adolescência. (CÉSAR, 2009). A partir desse período,
as escolas brasileiras passaram a ser vistas como campo propício para o desenvolvimento de
práticas informativas e preventivas, caracterizando-se como importante estratégia de combate
a problemas sociais, econômicos e de saúde. (CÉSAR, 2009).
Todavia, nos últimos anos, o ensino sobre sexualidade no âmbito escolar tem
enfrentado grandes desafios. Isso ocorre tanto pela ausência de preparação dos/das
professores/as como também em decorrência do momento político de negação dos problemas
sociais que o país enfrenta, em que vemos a manifestação de grupos sociais
ultraconservadores apoiando movimentos políticos que objetivam censurar discussões sobre
72

sexualidade, diversidade sexual e de gênero do ambiente escolar sob o pretexto de agirem em


favor da família e dos direitos das crianças e adolescentes quando na verdade o que há por trás
desse discurso é uma tentativa de barrar direitos concedidos aos sujeitos LGBTQI+, censurar
discussões de inclusão e valorização da diversidade sexual e garantir a permanência de um
país binário, desigual, homofóbico e patriarcal.
Ao contrário do que se pode imaginar, a discussão sobre sexualidade não é excluída
da escola, o que há é a seleção do que se deve e não deve ser trabalhado neste espaço. Fato
este que pode facilmente ser constatado com a retirada da orientação sexual da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC), do Plano Nacional de Educação (PNE) 2011– 2020 e dos planos
municipais e estaduais de educação. Por consequência, a sexualidade é desenvolvida na
escola, majoritariamente, sob um viés médico-higienista e de classificação. Portanto, o que há
por trás da supressão da orientação sexual dos currículos escolares, é uma maneira sutil de
controlar as formas dos sujeitos vivenciarem a sexualidade para que estes se engendrem e
sigam as normas sociais estabelecidas ou aquilo que é considerado adequado.
Dessa forma, mesmo a escola sendo um espaço de socialização, de experimentação,
que abriga crianças e adolescentes de comportamentos e identidades diferentes e que,
inevitavelmente, deve reconhecer o seu papel na formação de pessoas reflexivas e conscientes
que exercitem o respeito a si e ao outro, e mesmo diante da emergência de um projeto voltado
para a educação sexual destes sujeitos, muitas questões sobre sexualidade permanecem
silenciadas, principalmente quando tais questões se aliam as demandas sociais e envolvem
questionar o padrão hegemônico de identidade sexual e identidade de gênero.
Neste contexto, devemos, não só enquanto professores e professoras, mas também
como cidadãos e cidadãs, buscar caminhos para desenvolver no espaço escolar uma educação
justa, plural e inclusiva. Portanto, é imprescindível ao ensino sobre sexualidade o
desenvolvimento de estratégias que permitam aos estudantes o acesso a informações claras e
científicas, que supere o determinismo biológico, coloque em evidência a constituição social,
cultural, afetiva e histórica deste conceito e envolva a educação para relações interpessoais
positivas, de reconhecimento e de respeito as diversidades de comportamentos e expressões
da sexualidade.
Acreditamos que a Atividade Orientadora de Ensino (AOE), pressuposto teórico-
metodológico pouco explorado no ensino de Ciências, se apresenta como uma alternativa
didática promissora para a concretização deste ensino, pois esta, ao colocar os estudantes
frente a situações-problemas que fazem parte da vida cotidiana, possibilita a estes a formação
73

de uma visão crítica, ao permitir que eles operem com conceitos, e de um modo de ação geral
para resolução dessas situações problemáticas.
Dessa forma, propomos nossa AOE do conceito sexualidade com a esperança de
contribuirmos para a inserção da educação sexual na escola como parte integrante dos temas
trabalhados na disciplina de Ciências do 8º ano do Ensino Fundamental e para mitigar as
dificuldades relacionadas aoà o que abordar e como desenvolver atividades com o conceito
sexualidade nessa disciplina.
Ressaltamos que, com a nossa AOE, não pretendemos disponibilizar uma receita
pronta e acabada que deve ser aplicada, à risca, ao ensino sobre sexualidade. Cada sala de aula
e cada grupo de estudantes são únicos e singulares, por isso, nossa AOE é apresentada apenas
como uma sugestão, uma ideia para o desenvolvimento do conceito sexualidade no espaço
escolar, a qual deve ser refletida e adequada a realidade da sala de aula. Além disso,
consideramos como possibilidade para pesquisas futuras a análise e avaliação da viabilidade
da nossa proposta e do movimento de apropriação do conhecimento durante o
desenvolvimento desta.
Destacamos, ainda, que para utilizar a AOE como ferramenta metodológica para a
organização do ensino do conceito sexualidade, é necessário que os/as professores/as
reconheçam que é função da escola educar sexualmente os alunos, não apenas porque os pais,
no geral, se ausentam desse papel ou devida a existência de diversos problemas sociais
ligados à vivência e expressão da sexualidade, mas porque é função da escola como parte do
processo de formação humana (FIGUEIRÓ, 2009). Se os/as professores/as não sentirem a
necessidade de educar os estudantes e não tomarem como sendo de sua responsabilidade esta
atividade, não adianta estes conheceram estratégias para o ensino e nem tão pouco tentarem
aplicá-las (FIGUEIRÓ, 2009).
Portanto, é essencial criar nos professores e professoras a necessidade de ensinar
sobre sexualidade. Para isso, é preciso investir na formação inicial e continuada destes
profissionais a fim de possibilitar que estes reflitam sobre suas práticas e condutas, e formem
sentidos que os incentivem a desenvolver uma prática pedagógica emancipatória e
humanizadora de combate a opressão, preconceito e violência.
Pudemos constatar que mesmo diante do atual cenário social e político brasileiro de
repressão da educação sexual nas escolas, diversos professores/as de Ciências inserem em
suas práticas pedagógicas discussões sobre virgindade, prazer, masturbação, diversidade
sexual, aborto, machismo, feminicídio, violência sexual e violência doméstica, apesar dessas
questões não serem contempladas pelo currículo oficial da referida disciplina e estes
74

profissionais não terem recebido formação adequada para tal feito. Dessa forma, esses/essas
professores/as rompem as barreiras de uma educação engessada e mostram que são eles/elas
os verdadeiros responsáveis pela seleção e categorização dos conteúdos que serão
desenvolvidos em sala de aula.
É acreditando na autonomia destes profissionais que apontamos como perspectiva
futura para o ensino de Ciências, o estabelecimento de uma prática pedagógica inclusiva e de
atendimento a realidade social dos estudantes, que não se limite ao desenvolvimento de
conteúdos já consagrados nos currículos e livros didáticos, como saúde reprodutiva e as
dimensões anatômicas e fisiológicas do corpo, mas que também problematizem a dimensão
psicológica e a constituição sócio-histórica da sexualidade humana, e envolva em seus
objetivos educacionais a promoção da construção de condutas e posturas de respeito as
diversidades e à dignidade humana, para que assim os alunos reconheçam as diversas
identidades sexuais e de gênero como formas fidedignas de viver e expressar a sexualidade.
Encerramos este trabalho destacando a fala de uma professora entrevista pelo autor
Freitas (2017, p. 153) e deixamos uma reflexão:

[...] temos alunas que foram estupradas por parentes... meninos que são abusados por
adultos... meninas que aos dezesseis anos já estão grávidas do segundo filho... gays
que sofrem preconceitos e são excluídos... enquanto coordenadora do grupo e
professora de ciências da escola tenho que escutar esses alunos e abraçá-los [...].

Diante da fala desta professora de Ciências que explicita as angústias, medos e


inseguranças de muitos estudantes, os/as professores/as e a escola, ao calarem-se frente a este
cenário não estariam falhando continuamente em seu compromisso com a formação humana?
75

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