Quando A Vida Se Torna o Seu Mestre Corpo e Dança

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA E DANÇA


LICENCIATURA EM DANÇA

Fernanda Rita Vogt Pariz

QUANDO A VIDA SE TORNA O SEU MESTRE:


CORPO E DANÇA NA ABORDAGEM DE MARÍA FUX

Goiânia
2021
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA E DANÇA

TERMO DE CIÊNCIA E DE AUTORIZAÇÃO PARA DISPONIBILIZAR VERSÕES


ELETRÔNICAS DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO DE GRADUAÇÃO
NO REPOSITÓRIO INSTITUCIONAL DA UFG

Na qualidade de titular dos direitos de autor, autorizo a Universidade Federal de


Goiás (UFG) a disponibilizar, gratuitamente, por meio do Repositório Institucional
(RI/UFG), regulamentado pela Resolução CEPEC no 1240/2014, sem ressarcimento dos
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assinaladas abaixo, para fins de leitura, impressão e/ou download, a título de divulgação da
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O conteúdo dos Trabalhos de Conclusão dos Cursos de Graduação
disponibilizado no RI/UFG é de responsabilidade exclusiva dos autores. Ao encaminhar(em)
o produto final, o(s) autor(a)(es)(as) e o(a) orientador(a) firmam o compromisso de que o
trabalho não contém nenhuma violação de quaisquer direitos autorais ou outro direito de
terceiros.
1. Identificação do Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação (TCCG) Nome(s)
completo(s) do(a)(s) autor(a)(es)(as): FERNANDA RITA VOGT PARIZ
Título do trabalho: Quando a vida se torna o seu mestre: Corpo e Dança na abordagem
de María Fux.
2. Informações de acesso ao documento (este campo deve ser preenchido pelo
orientador) Concorda com a liberação total do documento [ x ] SIM [ ] NÃO¹
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assinado e inserido no arquivo do TCCG. O documento não será disponibilizado durante o
período de embargo.
Casos de embargo:
- Solicitação de registro de patente;
- Submissão de artigo em revista científica;
- Publicação como capítulo de livro.
Obs.: Este termo deve ser assinado no SEI pelo orientador e pelo

autor.

Termo de Ciência e de Autorização TCCG (RI) FEFD 2126278 SEI 23070.027363/2021-05 /


pg. 1
Documento assinado eletronicamente por Valéria Maria Chaves
De Figueiredo, Professor do Magistério Superior, em 11/06/2021, às 16:03, conforme
horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de
outubro

Documento assinado eletronicamente por FERNANDA RITA VOGT PARIZ,


Discente, em 14/06/2021, às 08:56, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no
art.6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.

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Referência: Processo nº 23070.027363/2021-05 SEI nº 2126278 Termo de Ciência e de


Autorização
TCCG (RI) FEFD 2126278 SEI 23070.027363/2021-05 / pg. 2
Fernanda Rita Vogt Pariz

QUANDO A VIDA SE TORNA O SEU MESTRE:


CORPO E DANÇA NA ABORDAGEM DE MARÍA FUX

Monografia apresentada à Faculdade de


Educação Física e Dança da Universidade
Federal de Goiás como requisito para
finalização do curso de licenciatura em dança.
Orientadora: Prof. Dr. Valéria Maria Chaves de
Figueiredo

Goiânia
2021
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do Programa de Geração
Automática do Sistema de Bibliotecas da UFG.

Pariz, Fernanda Rita Vogt


QUANDO A VIDA SE TORNA O SEU MESTRE: CORPO E DANÇA
NA ABORDAGEM DE MARÍA FUX [manuscrito] / Fernanda Rita Vogt
Pariz . - 2021.
CXXXII, 132 f.

Orientador: Prof. Valéria Maria Chaves de Figueiredo.Trabalho de


Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade Federal de Goiás,
Faculdade de Educação Física e Dança (FEFD), Dança, Goiânia, 2021.
Bibliografia. Anexos.
Inclui fotografias, gráfico, lista de figuras.

1. Dançaterapia. 2. Deficiência. 3. Educação . I. Figueiredo, Valéria Maria


Chaves de , orient. II. Título.

CDU 793.3
Fernanda Rita Vogt Pariz

QUANDO A VIDA SE TORNA O SEU MESTRE:CORPO E DANÇA NA


ABORDAGEM DE MARÍA FUX

Esta monografia foi aprovada em sua forma final

Goiânia de 04 de junho de 2021


UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA E DANÇA

ATA DE DEFESA DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Às nove horas do dia quatro do mês de junho do ano de 2021 iniciou-se a sessão pública de
defesa do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) intitulado “Quando a vida se torna o seu
mestre: Corpo e Dança na abordagem de María Fux”, de autoria de FERNANDA RITA
VOGT PARIZ , do curso de Dança - Licenciatura, da Faculdade de Educação Física e
Dança da UFG. Os trabalhos foram instalados pela Professora Doutora Valéria Maria
Chaves de Figueiredo - orientadora FEFD/UFG, com a participação dos demais membros
da Banca Examinadora: Doutora Deborah Maia de Lima - Doutorado/ UQAM e Professora
Doutora Marlini Dorneles de Lima - FEFD/UFG. Após a apresentação, a banca examinadora
realizou a arguição do(a) estudante. Posteriormente, de forma reservada, a Banca Examinadora
considerou o TCC aprovado.
Proclamados os resultados, os trabalhos foram encerrados e, para constar, lavrou-se a presente
ata que segue assinada pelos Membros da Banca Examinadora.

Documento assinado eletronicamente por Marlini Dorneles De Lima,


Professor do Magistério Superior, em 04/06/2021, às 11:02, conforme horário oficial de
Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de2015.

Documento assinado eletronicamente por Valéria Maria Chaves De


Figueiredo, Professor do Magistério Superior, em 04/06/2021, às 11:02, conforme horário
oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de
2015.

Documento assinado eletronicamente por DEBORAH MAIA DE LIMA,


Usuário Externo, em 04/06/2021, às 11:05, conforme horário oficial de Brasília, com
fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.
A autenticidade deste documento pode ser conferida no site
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acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0, informando o código verificador
2102699 e o código CRC 6E4458B4.

Referência: Processo nº 23070.027363/2021-05 SEI nº 2102699 Ata de Defesa de Trabalho de Conclusão


de Curso FEFD 2102699 SEI 23070.027363/2021-05 / pg. 1
Este trabalho é dedicado a todas as pessoas que vivem da dança e buscam
através dela um mundo melhor
AGRADECIMENTOS

Agradeço a vida pela oportunidade de chegar até aqui, de descobrir novos caminhos que
me levam em direção a minha dança. Aos que estiveram nesse percurso a minha gratidão,
sendo as professoras da graduação em especial as professoras Valéria Figueiredo, Marlini
Dorneles, Renata Lima e Eliza Abraão que através de suas paixões nos apresentam a dança
nos mais diferentes contextos, nos proporcionando experiencias ampliadas que extrapolam as
obrigações curriculares e nos aproximam de uma perspectiva mais humana em educação e arte.
As minhas companheiras do curso e da vida que por tantos anos fizeram parte dos meus dias
Nayara Alves, Layana Matos, Sharyel Oliveira, que embarcaram comigo nas minhas “loucuras”
nos permitindo vivenciar essa parte que nos soma, a dança.
No danzamos para gustar, sino para ser nosotros mismos, para poder crear,
expresarnos y entregar a los demás, desde el principio y para siempre. (María Fux)
RESUMO

O tema desta pesquisa, a dançaterapia, surge de uma indagação pessoal quanto as possibilidades
de atuação através da dança/ movimento que não se pautasse em relações representacionais de
técnicas e estilos de dança pré-definidos, mas sim, como os elementos simbólicos presentes
nessa arte poderiam contribuir para uma prática integrativa entre homem-sociedade. Esta
pesquisa busca identificar os procedimentos utilizados por María Fux na proposta metodológica
denominada por dançaterapia método María Fux, além de apresentar a relação existente entre a
prática da dançaterapia e associação com a palavra terapia, dança e deficiência, dança e
educação e os processos criativos envolvidos na abordagem de dança de María Fux e também
trazer relatos de experiências no campo vivido. Trata-se de uma pesquisa qualitativa com a
utilização de entrevistas e relatos de experiências, bem como, o levantamento de referencial
teórico através do material autobiográfico de María Fux, artigos acadêmicos, assim como outros
aportes de mídia como entrevistas de María Fux concedidas a canais de televisão argentino. As
entrevistas semiestruturadas realizadas de forma online na plataforma Meet do Google buscou
informações mais personalizadas sobre o método através de dançaterapeutas que possuem
formação diretamente por María Fux e também por Pio Campo. Através do campo prático
investigativo também foram realizadas observações participantes na região centro-oeste
delimitadas entre as cidades de Goiânia - GO e Brasília -DF sendo estas em vivências em
dançaterapia e no curso de formação.

Palavras-chave: Dançaterapia; deficiência; educação.


ABSTRACT

El tema de esta investigación el método María Fux la danzaterapia surge de una indagación
personal sobre las posibilidades de la actuación a través de la danza/ movimiento que no se basa
en relaciones representacionales de técnicas y estilos de danza predefinidos, sino elementos
simbólicos presentes en este arte podría contribuir a una práctica integradora entre hombre y la
sociedad. Esta investigación busca identificar los procedimientos utilizados por María Fux en
la propuesta metodológica denominada Método de danzaterapia María Fux, además, de
presentar la relación entre la práctica de danzaterapia y la asociación con la terapia, danza y
discapacidad, danza y educación, procesos de creatividad involucrados en el enfoque de la
danza de María Fux y también traer relatos de experiencias en el campo vivido. Se trata de una
investigación cualitativa con el uso de entrevistas y relatos de experiencias, así como
relevamiento de referencias teóricas a través del material autobiográfico de María Fux, artículos
académicos, así como otros aportes mediáticos como entrevistas de María Fux a canales de
noticias. Para apoyar la investigación, también se realizaron entrevistas online en la plataforma
Google Meet, que buscaba información más personalizada sobre el método a través de
danzaterapeutas que han sido formados directamente con María Fux y también por Pio Campo.
A través del campo práctico investigativo, también se realizaron observaciones en la región del
medio oeste delimitada entre las ciudades de Goiânia – GO y Brasilia – DF, siendo estas en
experiencias de danzaterapia y en el curso de formación.

Palabras Clave: Danzaterapia; discapacidad; educación.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1: María Fux - foto autoria desconhecida ..................................................................... 23

Figura 2 María Fux - foto de andreia angeli ............................................................................. 31

Figura 3: VÍDEO María FUX 99 anos .................................................................................... 55

Figura 4: Foto giselly lopes .................................................................................................... 103

Figura 5: Foto sóflocles herácliton ......................................................................................... 106

Figura 6: Foto Giovanna leggieri............................................................................................ 123


SUMÁRIO

MARÍA, AONDE ESTAS? .................................................................................................... 15

1.MARÍA FUX, APROXIMAÇÕES BREVES DE UMA

VIDA ........................................................................................................................................ 19

1.1 Quando a vida se torna o seu mestre, bases constitutivas ...................................... 21


2. DANÇATERAPIA, ALGUMAS IMPLICAÇÕES ENTRE A TERAPIA E A DANÇA

.................................................................................................................................................. 31

2.1 DANÇA E DEFICIENCIA QUANDO O OUTRO NÃO É DIFERENTE DE MIM


................................................................................................................................35
2.1.1 O contato com o universo da pessoa com deficiência: Um breve relato ................... 41

3. AS PONTES DE MARÍA, DANÇA E EDUCAÇÃO ...................................................... 46

3.1 Nos passos de María, processos Criativos ......................................................................... 54


4. MEU ENCONTRO COM MARÍA ................................................................................... 60

4.1 ENTREVISTAS com dançaterapeutas ............................................................................... 61


4.1.1RELATOS DAS MINHAS EXPERIÊNCIAS ........................................................... 101

5. AONDE CHEGO COM MARÍA .................................................................................... 124

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 126

ANEXOS ............................................................................................................................... 130


15

MARÍA, AONDE ESTAS?

María, aonde estás? Embebida de suas próprias palavras em um de seus trabalhos


apresentados em Israel no final dos anos 60, a pergunta que fica é: Aonde está localizada María
Fux no contexto da história da dança? Por que a sua trajetória está resumida a alguns livros de
sua autoria e alguns poucos artigos acadêmicos que em breve relato pincelam sobre suas
propostas “terapêuticas” sobre o método desenvolvido durante seus anos de trabalho.
Através do empirismo das salas de aulas e dos palcos, esta grande artista relata ao longo
de sua trajetória os caminhos criativos e sensíveis que a definem como a criadora de um método
único, que no seu cerne não se preocupava em ser uma prática terapêutica, María Fux queria
levar a dança, o movimento a todos. Vanguardista em uma época em que não se buscava a
inclusão das pessoas com deficiências e síndromes, principalmente na dança, o corpo “não
perfeito” onde estava recluso a espaços segregativos que os intitulavam como diferentes e por
vezes incapazes de ensinar e aprender e se expressar através de seus corpos.
Como intitula a pesquisadora e dançaterapeuta formada diretamente por María Fux,
Deborah Maia de Lima (2016), María Fux é uma dançarina-coreógrafa-pedagoga criadora da
dançaterapia método María Fux, que ao longo de sua trajetória se motivou não apenas em ser
uma dançarina dos palcos, mas proporcionar com que a sua arte chegasse até as pessoas,
transformando-as. Criadora impar com uma subjetividade particular na arte do movimento, sua
obra é acessível a todos que desejam dançar (LIMA, 2016, p. 01).
Trabalhando criativamente no palco e, ao mesmo tempo dando aulas com o que María
Fux chamou de material criador, discerniu uma linguagem corporal que a fez ir ao encontro de
crianças, adolescentes e adultos que buscavam na experiência a forma de reconhecer, de aceitar
seu corpo e de recuperá-lo (FUX, 1988, p. 09).
Durante a sua trajetória como artista docente, as pessoas com e sem deficiência
preenchem os espaços que habitava, fazendo-os distintos apenas nas faixas etárias para divisão
das turmas, tendo elementos estimuladores e “palavras mães”1 que despertavam a mobilização
corporal:
Quando somos crianças necessitamos mover-nos porque movendo-nos
expressamos nossa vontade de rir, de chorar ou de brincar. À medida que
crescemos, nosso corpo, pelos tabus de uma civilização que corrompe nossa
necessidade de expressão, perde cada vez mais o desejo de mobilização (FUX,
1983, p. 67).

1
Palavras mobilizadoras que ajudem às crianças, adolescentes e adultos a comunicar-se com o corpo
(FUX, pag. 51, 1988). Sendo mobilizadoras em todas as idades.
16

De forma sensível e atenta às pontes de comunicação com os seus alunos, constrói laços,
afetos e dinâmicas de interação que além da apropriação das “palavras mães” também se utiliza
da ludicidade, e de recursos como a música, não de forma apenas instrumental, mas através da
música que o próprio corpo é capaz de criar, seja em seu ritmo interno, seja da voz com
ressonâncias silábicas e palavras. Utiliza-se também de recursos materiais e visuais 2 para criar
atmosferas para a mobilização corporal.
Me aproximo com o tema dançaterapia no ano de 2018 na procura de buscar alguma
especialização após o término da licenciatura em dança pela Universidade Federal de Goiás,
até este momento ainda não possuía a noção da grandiosidade de María Fux.
A dança numa perspectiva social mais ampliada é o que me interessava, mas não sabia
ao certo que caminhos percorrer, visto ter iniciado a licenciatura em dança aos 30 anos de idade,
fase em que muitas pessoas não se permitem mais experimentar outras perspectivas de si
mesmos.
María me mostrou que é possível ter uma relação mais alargada com a dança, através
da dançaterapia Método María Fux, as pessoas podem dançar, não importa aonde estejam e em
que condições físicas se encontrem, a dança se transforma na linguagem da vida.
A relação da dança e deficiência me atravessa profundamente, falo aqui em primeira
pessoa, pois foi através da experiencia de estágio que pude me aproximar com esse tema tão
importante. Com a formação em serviço social, trabalho como assistente social em unidade de
saúde em Goiânia, atuo de forma a buscar a garantia de direitos das pessoas, e acredito ser
através da arte e não da busca do “tratamento clínico” que a dança se faz presente.
Durante a formação no curso de Licenciatura em Dança pela Universidade Federal de
Goiás também no ano de 2018, através da disciplina obrigatória de estágio, dividida em quatro
momentos, 03 deles pude atuar em unidades voltadas para pessoas com deficiências. Neste
contexto como aluna, pude conviver durante o período de aproximadamente 01 ano no Centro
Brasileiro de Reabilitação e Apoio ao Deficiente (CEBRAV) e por um período aproximado de
06 meses na unidade Peter Pan da Pestalozzi, ambas localizadas na cidade de Goiânia, com
aulas para crianças, adolescentes e adultos, o relato do estágio também está presente neste
trabalho não se utilizando do método da dançaterapia María Fux, mas me aproximando do tema

2
Através dos registros de seus relatos é possível indicar alguns materiais utilizados como, por exemplo,
o elástico, folha de jornal, tecidos, projeções de slides que reproduzem sombras, cores e variadas formas.
17

dança e deficiência o que também me motivou a buscar tal curso de formação em dançaterapia
Método María Fux.
Ao realizar a compilação de informações sobre a vida de María Fux e a criação de seu
método, deparo-me com relatos autobiográficos contidos em seus livros, do montante de sua
obra, me utilizo de 05 (cinco) que foram traduzidos para o português, redigidos entre os anos
de 1983 a 2011, sendo: Dança experiência de Vida publicado pela editora Summus em 1983;
Dançaterapia publicado pela editora Summus em 1988; Depois da queda... Dançaterapia!
publicado pela editora Summus em 2005; Formação em dançaterapia, publicado pela editora
Summus em 1996; Ser Dançaterapêuta Hoje, publicado pela editora Summus em 2011.
A cronologia apresentada pela artista por vezes faz referenciais de datas que auxiliam o
leitor na localização de espaço – tempo, em outras, só é possível se aproximar através de
deduções.
Também para a construção deste trabalho, utilizo como referencial teórico os artigos de
Déborah Maia de Lima3, pesquisadora e dançaterapeuta formada por María Fux onde foram
selecionados três deles, sendo: María Fux: A Dança como Perspectiva de Vida publicado em
2016; A perspectiva Somato-Integrativa do Ensino de dança de María Fux, publicado em 2016;
Danzaterapia de María Fux: tecendo encontros com o campo da educação somática publicado
em 2018.
Esta autora apresentada acima foi a consultora técnica do livro Ser Dançaterapêuta hoje,
e possui convivência de aproximadamente 10 anos com María Fux, que se somaram entre o
curso de formação e também para a pesquisa de sua tese de doutorado sobre a abordagem de
María Fux por María Fux.
Como aporte suplementar para a pesquisa, também foram utilizados outras fontes de
informações sobre María Fux como: entrevistas de María em meio áudio visual e escrito,
concedidos a canais de televisão argentino e a jornalistas; Performances de María Fux
disponíveis no youtube; Entrevistas de dançaterapeutas formados por María Fux e Pio Campo.

3
Doutora em Études et pratiques des arts pela Université du Québec à Montréal (UQAM) e em Artes
Cênicas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestrado em Psicologia Clínica e Cultura pela
Universidade de Brasília (UNB). Graduação e Licenciatura pela Universidade Federal de Uberlândia
(UFU). Possui formação em Danzaterapia método María Fux pelo Centro Créativo de Danza
Contemporánea María Fux, em Danza Movimiento Terapia pela escuela Danzacuerpo, Analista
Transacional pela União Nacional dos analistas Transacionais (UNAT), em Biopsicologia pelo Instituto
Visão-Futuro.
18

O presente trabalho está dividido em 05 capítulos, o primeiro deles aborda temas


presentes na biografia da artista como as suas bases formadoras, trajetória de suas três
primeiras décadas de trabalho, bases e elementos que constituem o seu método, a
dançaterapia método María Fux.
O segundo capítulo aponta alguns questionamentos sobre a temática terapêutica
dentro da dançaterapia, dança e deficiência indicando para temas que são vislumbrados
dentro do trabalho de María Fux e também um recorte de experiência durante o percurso de
estágio obrigatório da faculdade de Licenciatura em dança pela Universidade Federal de
Goiás – UFG.
O terceiro capítulo versa sobre a dança e educação, tema vinculado durante os anos
de trabalho de María Fux como artista pedagoga. Apontamos também um compilado
histórico sobre a dança e educação no Brasil. Os processos criativos de María Fux aparecem
nesse recorte indicando algumas de suas inspirações que permeiam a sua dança.
No quarto capítulo são mencionadas as motivações para a aproximação desse tema,
relatos das vivências com a iniciação no curso formativo em dançaterapia e entrevistas com
pessoas que obtiveram contato de forma direta ou indireta com María Fux. Por meio das
entrevistas que ocorreram de forma eletrônica através do programa Meet da plataforma
Google, foram convidadas pessoas que obtiveram a formação com María Fux e também
através do dançaterapeuta Pio Campo, um dos poucos habilitados por María Fux para
ofertar o curso de formação em dançaterapia. As entrevistas nos aproximaram de María
Fux, da sua filosofia de vida e da sua grande paixão: A dança.
No quinto capítulo são realizadas algumas reflexões que cercaram o tema desse
trabalho situando alguns legados deixados por María Fux.
19

1. MARÍA FUX, APROXIMAÇÕES BREVES DE UMA VIDA

As linhas aqui transcritas estão baseadas em relatos obtidos do livro Dança, Experiência
de Vida, publicado no ano de 1983 pela própria María Fux e também de algumas entrevistas
que foram realizadas a canais argentinos que estão disponíveis em plataforma digital de acesso
público.
De nome María Ana Fux nascida aos 02 de janeiro de 1922 em Buenos Aires –
Argentina, seu contato com a dança segundo suas próprias palavras aconteceu sob forma de
improviso com a música por volta dos 04 (quatro) anos de idade em festas e encontros com
outras crianças. Não era influenciada pelos seus pais a dançar, tendo eles uma visão
marginalizada de um dançarino.
Há uma lacuna quanto ao período em que María Fux teve contato com os estudos de balé
clássico sendo a russa Ekaterina Galanta 4sua professora que viveu em Buenos Aires e teria
dado aula a María aproximadamente um período de 10 anos.
María apresentava uma visão crítica ao balé sendo em sua visão um movimento
antinatural. Em entrevista ao Canal público Argentino TPA 5 nos relata que a sua dança reflete
o seu modo de viver “Eu trabalho sempre com essa forma que eu tenho de falar ou de me
expressar. Eu danço da forma que sou, não sendo uma bailarina na ponta dos pés, em busca de
príncipes encantados, porque não vivo com príncipes encantados[...]

Ensinar a uma criança a dança em sua forma clássica, partindo da ideia de que
o auge do movimento é o equilíbrio na ponta do pé, é uma limitação, pois
recorre à vaidade e aos elementos externos à dança, configurando a uma
técnica de desenvolvimento contrária a sua evolução natural (FUX, 1983, p.
23/24).

Na adolescência por volta de seus 15 anos de idade descobriu a dança de Isadora Duncan,
através do contato de sua biografia, antecessora ao movimento da dança moderna americana,
Isadora Duncan apresentou importante mudança de paradigma ao que vinha sendo realizado no
cenário do balé clássico:

4
Bailarina Russa nascida em 1890, na cidade de Petrogrado, atual São Petersburgo , dançava no Ballets
Russes, dentre seus companheiros de palco estava Vaslav Nijinsky. Em 1922 (ano de nascimento de
María Fux), Galanta mudou-se para a América do Sul, ensinando balé em seu próprio estúdio em Buenos
Aires, uma dessas alunas foi María Fux. Galanta foi uma das fundadores da Friends Of Dance
Association (AADA)
5
Programa Juventude Acumulada disponibilizado em 2016 pela plataforma digital youtube, acessível
através do link https://www.youtube.com/watch?v=UJwd0Rqx2rs
20

A arte de Isadora Duncan foi o romantismo, muito mais do que os chamados


balés românticos do sec. XIX, sua dança abarcou os verdadeiros princípios do
grande romantismo literário e musical, descartou as hierarquias aristocráticas
da dança teatral na medida em que descartou os espartilhos e sapatilhas,
proclamando a dignidade do corpo livre em movimento (GILTEMAN, 1998,
p. 11).

María Fux certa de que o balé clássico não era o único meio de se expressar através da
dança, tem em Isadora Duncan um divisor de águas e consequentemente a procura de
inspirações a outros tipos de movimentações e expressões através da arte ampliada.
De família classe média, María não podia pagar as aulas de dança. Conta que então ia a
lugares onde se realizavam conferências, por que ali, sempre, havia um pequeno palco onde ela
dançava no silêncio. “Nessa época eu tinha 13 anos e a única coisa que eu fazia era ler livros
emprestados. Naquele momento me interessava teosofia. Um dia uma jovem mulher me viu e
me disse: “María você é a encarnação de Isadora Duncan”. Eu não sabia quem era Isadora
Duncan, ela me deu o livro, eu o li é claro e acreditei nisso6
Bebeu de fontes do movimento impressionista7, descobriu músicas para além da música
clássica, os novos artistas a faziam adentrar em um “mundo de imagens novas”, fazendo surgir
formas sem som, as danças no silêncio a apoiaram anos mais tarde no trabalho com pessoas
com deficiência auditiva. Também recebeu fortes influências do movimento artístico argentino
em mais específico do Grupo Orion8.

Transitando neste cenário artístico fundado em múltiplas formas como o impressionismo,


surrealismo, simbolismo, cubismo, e seus representantes poetas, pintores e escultores, María se
apresentava para os integrantes do Grupo Orion que segundo ela foram seus primeiros
espectadores dessa nova forma de dança que estava acessando.
A conexão com o mundo cultural que me rodeava teve grande influência nesse
período da minha adolescência. O movimento da jovem pintura argentina, os
componentes do grupo Órion, pintores, gravadores escultores, poetas,
influíam em meus trabalhos. Sua companhia e seu labor através do
simbolismo, do cubismo e do onírico começavam a povoar-me de imagens
novas e me deram possibilidades de alcançar encontros de dança mais
sedimentados (FUX, 1983, p. 24).

6
Relato extraído da Revista Arte Críticas de outubro de 2016, por Madalena Casanova, tradução nossa,
disponível em http://repositorio.una.edu.ar/handle/56777/470
7
O movimento impressionista surge na França no sec. XIX, com o advento da fotografia em 1830 a
pintura passa a assumir uma poética própria sustentada na cromaticidade, o artista não precisaria mais
usar traços que retratassem fielmente a realidade observada.
8
Grupo surgido em 1939 em Buenos Aires – Argentina ligado ao movimento surrealista, buscava a
libertação do indivíduo e do espírito.
21

Através das responsabilizações de apresentações para um público crescente e a parceria


no Teatro del Pueblo em Buenos Aires, María Fux partiu em busca de aprofundamento técnico
baseadas em fundamentos do que chamou de “técnica contemporânea”.

Por esse caminho pressenti que tinha algo pessoal a entregar. Depois de ter
projetado meu primeiro trabalho coreográfico, em forma profissional e fora
do círculo de amigos, compreendi a necessidade e me senti obrigada a um
trabalho consciente, sistematizando o que até esse momento tinha sido
improvisação. O encontro com a técnica contemporânea se produziu
realmente quanto fui bolsista em Nova York (FUX, 1983, p. 25).

Com o auxílio de uma bolsa de estudos chega a Nova York - EUA no ano de 1952 no
estúdio de Marta Graham9 um dos principais nomes da dança moderna que entre as décadas de
40 e 50 vivia o auge de sua performance, desenvolveu técnicas que trabalhavam crescentes de
forças opostas. Encontrou seu estilo de movimento na respiração, não na respiração comum,
mas na inalação e exalação do êxtase
María Fux, acreditou nesse período, que fosse necessária a aprendizagem de técnica para
dançar o que fazia de forma intuitiva. Permaneceu no estúdio passando por grandes dificuldades
financeiras durante o período de 01 (um) ano, onde somente no segundo semestre pode ter
contato diretamente com Martha Graham e pelas suas próprias palavras Martha Graham a
aconselhou:
Então com a sua voz gutural. Disse-me pausadamente: És uma artista,
não busques mestres fora de ti, não tenhas medo de fazer danças teatrais,
és atriz. Continua para dentro de ti o mais que puderes. Volta à
Argentina e não esperes nada de professores. Teu mestre é a vida.
Compreendi seu idioma e agora depois de muitos anos suas palavras
ainda tem vigência em mim e sigo aprendendo (FUX, 1983, p. 27).

1.1 QUANDO A VIDA SE TORNA O SEU MESTRE, BASES CONSTITUTIVAS

Ao retornar para a Argentina após 01 (um) ano em Nova York - EUA, María Fux começou
a lecionar para um número pequeno de pessoas à época. Dedicou-se também a apresentações
na capital e cidades do interior de seu país, em busca da “linguagem própria”.

9
Nascida em Allegheny, Pensilvânia em 1894, uma das maiores expoentes da dança moderna
americana, estabeleceu um método de treinamento baseado na contração e relaxamento do tronco.
Método sistemático que pode ser transmitido por gerações de atores, dançarinos e coreógrafos. Deixou
aproximadamente duzentos trabalhos coreográficos ao longo de 70 anos de carreira.
22

Ao voltar dos EUA começou a luta pela vida diária, a educação do meu filho
e a necessidade de cumprir aquilo que Martha Graham me havia dito sobre a
minha busca de uma linguagem própria. Mas, ao mesmo tempo, devia ganhar
a vida. Aluguei um estúdio por horas e comecei a ter alunos, eram tão poucos
no princípio, nos quais vertia a técnica encontrada em minhas próprias
coreografias. Dava recitais não somente em Buenos Aires, mas também no
interior; não me importava em que condições estava o lugar, só me interessava
que o povo tivesse interesse em ver minhas danças (FUX, 1983, p. 29).

Adaptando-se aos diversos locais, que por muitas vezes não possuíam estrutura e também
público afeito a manifestações artísticas. Segundo Igor Gasparini e Helena Katz a comunicação
na dança entre espectador e artista depende do contexto social em que está inserida:

A comunicação entre espectador e artista depende do contexto no qual se dá e


das práticas sociais vigentes neste contexto. É natural, portanto que se parta
da compreensão de que alguém com familiaridade com a linguagem artística
com a qual entra em contato e aquele sem familiaridade manterão diferentes
formas de comunicação com o mesmo objeto, pois estão em contextos
diferentes (GASPARINE E KATZ, 2013, p. 58).

Durante sua trajetória pelo interior do país em meio à busca pela sua dança, María Fux
viu-se em situações que exigiam maturidade e sensibilidade para apresentar ao público local as
suas pesquisas corporais, como relata o caso na província de Chaco na localidade de Charata -
Argentina.
Relata que numa noite ao se apresentar, foi narrando para a plateia tudo que acontecia,
um fazer dança com o corpo e com a voz, ao mesmo tempo o som do silêncio, da plateia e da
música. Buscava a comunicação entre ela e o público.

No princípio me trataram com rudeza. Assobiaram. Tive de manter uma


grande força interior para continuar expressando-me. Dancei as palavras de
Lorca através de seus acalantos e eles, que jamais tinham visto alguém mover-
se de tal maneira, mediante seu mutismo - muito e crescente -me instaram a
bailar também o silêncio[...] Assim eu sentia meu silêncio, o qual me fazia
mover. Segui dançando durante uma hora e finalizei com um chamamé, uma
dança que é parte deles mesmos. E isto consegui uma aproximação ainda mais
intensa. Quando terminei meu recital, escutei uma grande ovação de toda essa
gente simples que havia esperado outra coisa de mim (FUX, 1983, p. 31).

Levou sua arte à mineradores imigrantes e sem estudos na cidade de Jujuy – Argentina,
dançava fazendo referência ao mundo do labor, da paisagem que os cercavam, do cotidiano.
Utilizando-se da voz e do silêncio.
Dançou em locais públicos, entendia que sua arte podia ser compreendida por qualquer
pessoa, não sendo objeto apenas de apreciação exclusiva do que chamava de “pequenos círculos
23

de entendidos”, segundo ela a dança em espetáculos populares atendia satisfatoriamente a uma


obrigação social e artística e entendia que deveria continuar trilhando esse caminho: Promover
o estreitamento das relações entre o espectador e o artista.

E o calor dessa gente me fez crer que acabou-se a época em que a dança
era exclusiva de pequeno círculos de entendidos, a dança, nesses
espetáculos populares atende satisfatoriamente a uma obrigação social
e artística a nível tal que, por isso devemos prosseguir (FUX, 1983, p.
31).

Alguns de seus relatos remetem a locais não convencionais à época para o público das
artes: às ruas, às praças, festivais a céu aberto com público heterogêneo e quantitativo que
variavam entre alguns poucos à milhares de espectadores, como no evento da Festa da Poesia
organizado pela Sociedade Argentina de Escritores (SADE) na cidade de Necochea em meados
da década de 50.

FIGURA 1: MARÍA FUX - FOTO AUTORIA DESCONHECIDA

María Fux integrava em seus trabalhos a poesia. A poesia dançada aparece em um dos
trabalhos dela intitulado Genesis Del Chaco no ano de 1959 com o apoio do fundo nacional das
artes argentino sob a poesia de Alfredo Veiravé (1928-1991), poeta argentino que emoldurou
juntamente com outros grandes nomes a trajetória artística de María Fux.
24

Em 1955 convidada pelo ministro da cultura do Soviete viaja para a Rússia. Apresentou
o que chamou de recital no Teatro Hermitage, para este evento preparou Temas do folclore
argentino, danças judias antigas e música contemporânea unida ao silêncio.
Ressalta que o público Russo acostumado ao balé clássico, inicialmente não compreendeu
a sua expressividade, entre risadas e gestos reprobatórios, María foi se conectando a sua
essência e continuou com a proposta que chamou de “busca contemporânea”, até conseguir a
atenção da plateia e o respeito pela sua arte.

E cheguei numa época em que a Rússia ignorava tudo o que não fosse
dança clássica, desde que Isadora Duncan lá esteve e já havia se passado
muito tempo[...] Comecei a primeira parte do espetáculo encontrando
uma resposta acolhedora, mas quando cheguei à parte da busca
contemporânea e me defrontei com o silêncio através das palavras
gestação e nascimento, tudo mudou. No meio do palco, estendida no
piso, com minhas pernas para trás e envolta, como se dentro do útero
da minha mãe, nascia pouco a pouco um pé que era parte de algo que
tentava viver enquanto uma luz vermelha invadia tudo. Mas ali, metida
dentro de mim mesma, senti uma catarata de risos que rolava sobre o
palco. Os assobios que partiam dos espectadores me laceravam e me
faziam sofrer; mas só nessa imensidão de risos como ondas, continuei
com minha dança tratando de ser eu mesma em um silêncio que já não
existia, frente à agressão que a minha dança, em silêncio, produzia no
público[...] Dei-me conta lentamente de que as risadas haviam
terminado e de que algo estava passando no público. Algo profundo nos
unia e o silêncio selou meu último movimento com um aplauso
estrondoso que me fez repetir três vezes a mesma dança (FUX, 1983, p.
34-35).

Em 1967 viaja para Israel e se apresenta em parque, sem estrutura de palco e também
estrutura para a plateia. O que chama de recital acontece em meio à paisagem do local com o
auxílio de um gravador que repete a frase “Maria, onde estas?” tema de seu espetáculo. Nesta
trajetória se conecta com as crianças do local que a assistiam e interagiram com ela após a
apresentação.
O povo falava apenas hebraico e eu levava meu espanhol. No entanto,
a atenção das crianças não me permitia duvidar de que estávamos nos
encontrando, Nunca imaginei que o resultado seria a bela lição que eles
me deram quando ao finalizar, todas as crianças se aproximaram para
tocar-me, para puxar meu cabelo, para falar-me seu idioma.
Necessitavam algo meu, queriam participar. Então pus música de Yafa
Yarboni, uma cantora israelita, que nos impulsionou, a eles e a mim, a
integrar-nos na magia de uma improvisação coletiva, estimulada
durante uma hora pela pergunta de uma dançarina argentina: María,
onde estas? (FUX, 1983, p. 36).
25

María passa então a organizar recitais para crianças, sendo eles espectadores e também
interpretes aos finais dos espetáculos, integrando as crianças ao palco dançando todos juntos.

CRONOLOGIA DAS TRÊS PRIMEIRAS DÉCADAS10

1967
Israel
O público infantil passa a fazer parte de
suas intervenções

1955
Russia
Inova ao apresentar no teatro danças que
fugiam ao esteriótipo do balé clássico

Meados da década de 50
Argentina
Busca por sua dança pessoal
Apresentações em locais não
convencionais

1952
Nova York - EUA
Contato com a técnica de Martha
Graham
"Seu mestre é a vida"

1937 e anos seguintes


Buenos Aires - Argentina
Contato com a biografia de
Isadora Duncan
Contato com movimentos
artísticos do impressionismo,
cubismo e surrealismo

O estreitamento comunicativo entre María Fux e o seu público durante e ao final dos
espetáculos ou através da chegada de novos alunos em seus estúdios de dança em Buenos Aires,
compreendemos através dos vestígios deixados durantes essas primeiras décadas apresentadas
que a preocupação dessa artista era de que a dança não fosse mero objeto de apreciação, mas
sim, trazer a dança como objeto transformador.

10
Como uma gota de agua que ressona num grande lago, a trajetória de Maria Fux se expande a cada
ano, a cada busca e contato com múltiplas artes, múltiplos lugares e múltiplas pessoas.
26

O movimento da dança moderna americana acontecia concomitante a esta época em que


está situada esta grande artista, e coadunaram para as buscas de novas práticas em dança que
aproximassem a dança de temas cotidianos e o pesquisador corporal de sua essência, um novo
cenário despontava para além dos bailes de repertórios a que o público erudito estava
acostumado.
A busca pela sua dança pessoal e seus elementos criativos, subsidiaram a criação de seu
método, a dançaterapia método María Fux, que pelo seu próprio entendimento não era uma
abordagem sobre terapia e sim sobre o movimento, dança e a relação que as pessoas mantinham
com o próprio corpo.
As bases constitutivas de seu método, criaram pontes de comunicação com pessoas
heterogenias em um contexto social em que pessoas ditas “deficientes” não frequentavam
atividades externas ao seu espaço segregativo institucional próprio. Maria em seu estúdio de
dança em uma perspectiva à frente de seu tempo, separava as turmas apenas por faixas etárias,
todos dançavam juntos, independentemente de sua mobilidade física.
María Fux (1996) orienta que seu método não é fechado “Queria encontrar as palavras
justas para dizer que todos os estímulos que tentei exemplificar não são estímulos fechados,
mas têm a possibilidade de criatividade de acordo com o dançaterapeuta que os utilize” (FUX,
1996, p. 83).
Para Helena Katz (2013) A linguagem artística é sempre formada por muitos símbolos.
Nela, uma cor, o silêncio, o figurino, um objeto, não estão sendo usados do mesmo modo como
eles existem na vida cotidiana.
María Fux criou uma relação com os estímulos internos e externos que eram feitos através
da música, palavras, imagética, ludicidade e objetos que extrapolavam a relação cotidiana entre
pessoa e objeto.
Pio Campo11, também nos aproxima da relação com os estímulos e o universo
simbólico, durante a sua fala no curso de formação em dançaterapia, apresentado no terceiro
capítulo como uma espécie de diário de campo, nos aponta:

11
Dançaterapeuta italiano, formado desde 1992 com a Mestra Maria Fux no Centro Creativo de
Dançaterapia de Buenos Aires e na Escola Quadrienal para Operadores em DanzaMovimentoTerapia
método Maria Fux – Direção Lilia Bertelli de Firenze, Itália. Cofundador do Espaço cultural Vila
Esperança na Cidade de Goiás, participou da criação e desenvolvimento de ações sociais, educativas e
culturais junto à comunidade local.
Atuou por 20 anos como Dançaterapeuta e clown no Grupo Circo Alegria do Povo, orientando
experiências de Dança com crianças, adolescentes e adultos, realizando espetáculos e participando de
movimentos populares.
27

A palavra estímulo é diferente de exercício: Os objetos que Maria Fux


utilizava como meios do despertar da criatividade, como a vara de bambu, por
exemplo, em determinado tempo, quando é encarada como um exercício não
acontecem os desdobramentos possíveis, você não sabe mais o que fazer com
aquele objeto, porque o objeto se torna inútil dentro de um determinado
tempo[...]
O universo simbólico traz infinitas possibilidades, histórias, emoções, o nosso
senso de criação faz com que ele se torne uma fonte inesgotável de criação.
Na dançaterapia toda prática se faz a estímulos que surgiram ao longo da vida
de Maria, e esses estímulos são extremamente simples. É acessível e dentro
da simplicidade há todo um mundo, todos os estímulos refazem a vida, se
tornam a vida[...] (Pio Campo, fala durante o curso de formação em
dançaterapia em 2020 e 2021).

Não é possível obter uma noção aproximada através desta breve pesquisa de como todo
o aporte material e imaterial utilizado por María Fux se dava na prática, esse trabalho se
debruçou em seus livros autobiográficos em que são feitas pequenas descrições dos estímulos
utilizados, acompanhados de algum evento específico que a marcou durante aquele determinado
estudo e também através de observação participante durante o curso de formação em
dançaterapia com Pio Campo.
O trabalho também foi subsidiado através de entrevistas concedidas a canais de televisão
e também escritas, a entrevistas feitas a dançaterapeutas que também cumpriram um papel
importante em apontar elementos que somente quem teve contato direto com María Fux
poderiam informar. Um pesquisador com acesso a outros idiomas como o francês e italiano por
exemplo, poderiam trazer mais elementos deste universo vasto que é o tema dançaterapia
método María Fux. Não se pretende apontar esses poucos elementos utilizados no recorte do
estudo apresentado como descritores do método. Mas sim, aproximar o leitor de algumas
relações que se apresentam diante das informações possíveis até aqui.
A relação de María com a dança é expandida, sensível e que atravessou décadas e
barreiras para se chegar a todo o material humano pesquisado, ainda viva em seus 99 anos, nos
deixa alguns apontamentos de seu universo com a sua arte.
Não se utiliza de coreografias, a dança para ela necessita ter um sentido interno, a sua
movimentação parte de pesquisas de movimentos que extrapolam as mimeses, as danças de
repertório aparecem por vezes em seus estudos, mas no sentido de ressignifica-las. O mundo
ao seu redor a instiga pela procura do movimento e cada pessoa terá o seu movimento único

No ano 2002 inaugurou com María Fux o Centro Internacional de Dançaterapia María Fux , Pio Campo
se apresenta como referência teórico-prática da metodologia no Brasil, na Itália e na Índia (disponível
em https://www.dancaterapia.org/)
28

provocado através de diversos estímulos. Sobre o seu método, sua abordagem de dança, nos
revela:
Em meus encontros com o corpo, não há repetição; há um retorno às imagens
aprendidas, que vamos recordando quando regressam a nós corporalmente, e
que sempre se adequam ao estado presente, em que o corpo adquiriu,
lentamente, de acordo com o seu ritmo, com seus limites e com suas
possibilidades, um estado de alegria e reconhecimento; porque ao fazê-lo sem
imposição, vendo como nosso corpo vai abrindo-se e conectando-se
sensivelmente, adquire-se uma liberdade expressiva, em que os estímulos que
foram dados já não me pertencem, mas pertencem a cada um, individualmente,
e ao grupo em sua totalidade (FUX, 1996, p. 83).

O estímulo através da música, por exemplo, está num papel de destaque dentro da
abordagem, e também será retomado posteriormente no terceiro capítulo deste trabalho.
María nos relata a sua relação com a música de forma profunda, a escuta da música de
forma integral, seu tempo, ritmo, melodia, a escuta deveria ser feita pelo corpo todo e não
somente através do canal auditivo. FUX (1983) “Minha experiência com a dança está
intimamente ligada com a música e com todos os estímulos audíveis e não audíveis da vida que
me cerca”. (FUX, 1983, p. 51)
A sua relação com a música e a sua escuta corporal a auxiliou durante trabalhos com
pessoas com deficiência auditiva.

A música, ao transformar-se, não apenas penetra pelo ouvido; a vinculação se


estabelece com o corpo todo: O ouvido serve como ponte, mas também a pele
“escuta” a música e pode canalizá-la. Quando é absorvida assim, produz
movimento musical, ou seja, transforma-se em corpo-movimento, e o corpo-
movimento é música (FUX, 1988, p. 45).

María Fux reitera em seus escritos que não há uma formula pronta para a escolha
musical, cada pessoa deve buscar a música que lhe desperte para o movimento, e a mesma
música pode trazer mobilizações diversas quando apreciada em épocas diferentes da vida.
O repertório musical dentro da dançaterapia ele não é vasto no sentido de quantidade,
mas a escuta das várias camadas que compõe a música é profunda, repetindo-se inúmeras vezes
e esse estudo também é realizado com o corpo.

Dou possibilidade de que se possa ter com o corpo a experiência total da


forma musical. Depois desse reconhecimento introduzo, caso existam, ritmo
e melodia, e trabalho com frases musicais, fazendo com que o corpo participe
por partes (FUX, 1988, p. 41).
29

A escolha da música é um importante processo dentro do estímulo, podendo afetar a


condução do dançaterapeuta.

O dançaterapeuta tem um grande aliado na música, que deve ser


cuidadosamente selecionada, pois o ânimo de um grupo pode modificar-se de
acordo com o material musical e isso influi em todo o trabalho (FUX, 1988,
p. 96).

Os estímulos partiam também dos segmentos corporais como a mão por exemplo. Se
pensamos em pessoas que possuem a mobilidade reduzida seja por fatores de envelhecimento
ou alguma deficiência, a mão ou alguns dedos, se tornam uma possibilidade de dançar. A mão
toma lugares outros, se torna espelho, a mão para reconhecer o próprio volume corporal e o do
outro:
Lentamente vou em busca, com uma delas, de olhar para alguém do grupo.
Mostro-lhe meu espelho e minha companheira faz o mesmo com o dela. Logo
nos aproximamos para começar a nos ver e descobrir, com uma mão, todo o
corpo da companheira, o limite, sem tocá-lo, apenas olhando através desse
espelho, percorrendo-o e desenhando até nos encontrarmos (FUX, 2011, p.
26).

O convite para o movimento acontecem por indicações do condutor dançaterapeuta


através do que María Fux apontou como palavras – mães, que seriam palavras chaves
mobilizadoras para a movimentação, essas palavras não eram rígidas, podendo haver mudanças
para maior entendimento pelo grupo atendendo todas as faixas etárias.

Eu me contato com diferentes grupos; para tratar de ser uma ponte de


comunicação com o corpo, devo utilizar palavras que sejam mobilizadoras e
que ajudem a crianças, adolescentes e adultos a comunicar-se com seu corpo.
Devem ser palavras muito estimulantes para as diferentes etapas da vida e que
possam comunicar-se profundamente com o corpo (FUX, 1988, p. 51).

Durante o trabalho com pessoas surdas María realizou uma extensa pesquisa para que a
aula fosse acessível a todos. María realizava algumas adaptações para que pudessem
acompanhar essas palavras, FUX (1988) “Quando trabalho com surdos que podem ler, escrevo
a palavra. Vou dando unidade corpórea, e a palavra que é emitida pela boca vai tendo para o
deficiente auditivo um sentido corporalmente diferente daquele conhecido unicamente na
palavra escrita” (FUX, 1988, P. 51)
Os objetos que são utilizados para os estímulos assim como as palavras-mães, adquirem
funções que extrapolam a utilidade cotidiana de objeto inanimado, se tornando vivo, e fazendo
30

parte da história, podemos citar alguns como o elástico, a pluma, balão, folha de jornal, o
tecido, o bambu, a cadeira, a cor, a projeção de imagens em slides.
Sobre o estímulo cadeira, (FUX,2005, p. 27) nos apresenta a questão da imobilidade,
“A imobilidade está dentro ou fora do corpo? Para tornar o exemplo mais claro, peguemos uma
cadeira. Ela está inerte. Está inerte? E, entretanto, descansamos nela, a usamos e nada lhe
dizemos. Está imóvel e não obstante nos ajuda”
A própria questão da imobilidade também perpassou questões pessoais de quando María
que à época com seus 77 anos fraturou a patela em uma queda em via pública ocorrida em
Buenos Aires, essa passagem consta no seu livro intitulado: Depois da queda... Dançaterapia!
A relação com o espaço também podemos apontar como estímulo dentro do método,
María apontou como “espaço dentro e fora do corpo”

[...] Espaços fora do corpo “Se imaginamos desenhar o espaço todas as vezes
que nos movemos, posso utilizar como fuga, círculos de grande ou de pequena
amplitude, buscando pelo espaço, formas de diagonais, de movimentos
ascendentes, circulares, pequenos e grandes.[...] Agora vamos ao espaço
interno “ Fechamos os olhos, buscamos uma posição cômoda no chão,
tentando encolher o corpo, tornando-nos o menor possível para entrar e
aprofundar, com pequenos movimentos internos, tudo que podemos
desenvolver; no chão que nos sustém, com os olhos fechados e a fuga que quer
mover-se dentro do corpo (FUX, 2005, p. 24).

Desta narrativa podemos apontar que o espaço fora permeia o espaço físico e a relação
do corpo nesse espaço, movimentos de maior ou menor amplitude e deslocamentos, o espaço
dentro, movimentos mais contidos e de cinesfera pequena.

O termo Cinesfera refere-se ao espaço físico tridimensional ao redor do corpo,


alcançável ao estender-se sem que seja necessário transferir seu peso. Pode-se
mover em três variações aproximadas de Cinesfera: Cinesfera Pequena (KP)
que se refere ao alcance próximo; Cinesfera Média (KM), entendida como a
de alcance médio; Cinesfera Grande (KG), alcance distante (FERNANDES,
2006, p. 182-187).

María criava um mundo dentro de seus espaços de dança, seja nas salas de aula, durante
as suas formações em dançaterapia e no encontro com as pessoas. Ao “encher de imagens”
surgem histórias que conduzem para o movimento. Uma sala, um espaço inanimado
aparentemente, se tona vivo, as linhas do chão, suas ranhuras, não são uma característica do
lugar, mas um convite à dança.
31

FIGURA 2 MARÍA FUX - FOTO DE ANDREIA ANGELI

2. DANÇATERAPIA, ALGUMAS IMPLICAÇÕES ENTRE A TERAPIA E A DANÇA


Maria levou a sua daMaMa
María levou a sua dança a várias instituições, palcos e salas de aulas ao longo de sua
trajetória. Cada situação nova que se apresentava era desafiadora. O contato com pessoas com
síndromes e deficiências diversas, pessoas institucionalizadas, a instigava a buscar formas de
lidar para despertar o movimento naquele corpo. Que forma acontecia essa comunicação?
Através de falas? Gestos? Toque? Formas com luz e sombra na parede? Cores? Escutar a música
que não através dos ouvidos? Objetos que se transformavam em estímulos? As palavras - mães?
Silêncio?
A adaptação para que essa comunicação acontecesse para que as pessoas pudessem se
comunicar através do corpo, trouxe várias interpretações ao longo dos anos do que era abordado
por María Fux.
Segundo Déborah Maia de Lima, dançaterapêuta formada por María Fux com quem
conviveu aproximadamente durante dez anos, e resultou em uma tese de doutorado, adiciona
que:
Apesar do nome dançaterapia, María Fux não atribui seu trabalho como sendo
parte das terapias ou psicoterapias, pelo contrário, para ela, sua prática é
pedagógica e vinculada às artes. É a partir de sua experiência como artista que
ela começou a desenvolver suas aulas de dança, que foram então chamadas de
dançaterapia, nome que foi sugerido por Lia Lerner uma psicóloga que era
aluna de María Fux (LIMA, 2016, p. 55).
32

Quanto ao posicionamento terapêutico de sua prática, María Fux nos revela um


norteamento como na passagem a seguir:

A mobilização, tanto com crianças como adultos. É sempre de caráter


psicológico, mas isto não implica uma posição terapêutica
preestabelecida. Melhor a chamaria de profilática. Se se utiliza o
conceito psicológico, não é habitualmente para curar ninguém, mas para
que esse alguém se ponha a salvo do risco da enfermidade (FUX, 1983,
p. 97).

Não podemos apontar quais eram as motivações que levavam as pessoas ao encontro de
María Fux, seu acolhimento incondicional fez com que pessoas heterogêneas buscassem a
dança em seus infinitos propósitos, estavam elas em busca de suas expressividades? Dos
possíveis efeitos terapêuticos?
Para Ribeiro (2013), psicoterapia é um processo de tomada de posse de si próprio no que
concerne, sobre tudo, às próprias potencialidades. O cliente constrói a sua caminhada,
percorrendo o seu caminho, atento aos atalhos. Nesse sentido, o psicoterapeuta não é aquele
que cura, mas aquele que cuida
Acrescenta que o psicoterapeuta observa atentamente a sua rede de comunicação interior
e externa e sua possibilidade de fazer contato com ela. Analisa a Gênese e complexidade de
sintomas, se se trata de problemas existenciais, de uma neurose ou psicose, e com base nesses
dados, procede a indicação ou não de uma psicoterapia que mais se coadune com o conflito
vivido pelo seu provável cliente.
O terapeuta parte de um problema, quando alguém procura um consultório clínico está
em busca de um apoio específico para alguma questão, a dança no sentido que era ofertada por
María Fux não tinha esse propósito.
María queria que todos tomassem posse de seus próprios corpos, pois a dança é a vida
como costuma dizer. Não almejava a cura, de certa enfermidade. Acreditava que pela dança, as
pessoas estariam conectadas ao seu próprio eu interior.
Ela não descartava que a dança poderia acessar certos lugares que poderiam ser objeto de
intervenção por especialistas, sejam psicólogos ou psiquiatras. Era um desejo dela de que
houvesse esse aprofundamento de pesquisa por parte destes especialistas.

Posto que o corpo canaliza o universo do homem, tomar consciência dele,


conhecer sua linguagem expressiva, ajudaria a psiquiatria em sua tarefa de
reconhecimento do ser, porque o corpo, quando se expressa e abre seus canais
de comunicação, e o corpo não pode mentir (FUX, 1988, p. 95).
33

Em seu relato contido no livro intitulado Dançaterapia, Maria relata que percebia
transformações importantes em seus grupos:

Pouco a pouco, essa experiencia de ver as transformações importantes que se


manifestavam nos meus grupos me fez compreender que as aulas cumpriam
um papel terapêutico. Eu não usava a palavra terapia, mas os psiquiatras e
psicólogos que viam meu trabalho me confirmaram que o era e fizeram com
que crescesse em mim aquilo que estava realizando: Dançaterapia (FUX,
1988, p. 10).

Como aponta ainda Deborah Maia de Lima, durante a entrevista que consta transcrita
no terceiro capítulo deste trabalho, Lia Lerner era uma psicóloga que fazia trabalhos com María
no sentido de compartilhar alguns pacientes dela com María. Lia sugeriu que o que María
realizava era terapia então sugeriu o nome dançaterapia, como não existia isso na época María
aceitou (LIMA, informação verbal).
Não se pode afirmar que María não realizava transformações na vida de seus alunos,
isso está claro em vários dos seus relatos. Buscava estratégias de interação através de
movimentos criativos, fazendo com que todo o seu público de crianças à adultos
acompanhassem suas propostas.
Atividades terapêuticas, não substituem as terapias, e não podemos afirmar que as
atividades de María Fux buscavam tratar algum problema e sim, integrar a dança na vida das
pessoas, muitas vezes utilizada como estratégia de comunicação e percepção do mundo.
Dentro do universo da dança e movimento surgem propostas diversificadas que podem
ter seus aspectos centrais ligados a arte e educação como citamos a dançaterapia Método María
Fux e outras que se utilizam de um lugar terapêutico associado à psicologia.
O nome dançaterapia por vezes aparece associado a outros saberes, que possuem outras
referencias de intervenção e bases teóricas, no sentido de aproximar o leitor de estar atento para
fazer as dissociações necessárias quando falamos de dançaterapia método María Fux,
apresentamos a seguir a Dança Movimento Terapia (DMT).
Trazemos aqui uma breve descrição do método Dança Movimento Terapia DMT, que
recentemente atendeu nova sigla para Dança, Movimento e Psicoterapia DMP conforme
elencado no site da Dança Movimento Terapia Brasil (DMT, Brasil, 2020):

A DMT, como toda psicoterapia, é um caminho em direção à saúde e ao


crescimento pessoal, com a especificidade de que o trajeto será percorrido
principalmente através do movimento, e não da palavra, como as psicoterapias
34

tradicionais. É uma abordagem que utiliza a linguagem corporal como


principal meio de comunicação e busca ampliar a consciência sobre si mesmo
através desta linguagem. A DMT parte do princípio que os padrões de
movimento refletem padrões de pensamentos e emoções e, por isso, o
movimento corporal pode levar a mudanças psicológicas. Essa modalidade
terapêutica está embasada nos estudos de movimento, linguagem e
comunicação não-verbal e nas teorias psicológicas modernas (DMT Brasil,
2020).

As possíveis relações de associações entre esses dois termos da DMT e Dançaterapia de


María Fux, talvez seja pelo fato de que alguns alunos de María também estejam envolvidos nas
formações de DMT como podemos citar Elena Cerruto que fundou a escola de especialização
em DMT em Sarabanda Itália e também é responsável pedagógica pela formação de
dançaterapeutas em DMT no Brasil desde o ano de 2006 no Centro Internacional de
Dançaterapia CEFID-DMT em São Paulo.
Em relato de Judith Esperanza12a diretora do CEFID-DMT, nos revela através de uma
breve entrevista13, as possíveis diferenciações entre os dois métodos:
“A dançaterapia de María Fux na verdade é uma dança criativa, não visa a terapia desse
lugar psicoterapêutico. A DMT não são propostas prontas, vivências prontas como no caso da
vivência da metodologia da María Fux. As propostas vêm de acordo com as observações que
se está tendo do cliente em movimento. Então a gente se utiliza tanto das observações da
psicologia. O curso é de 03 anos, pois tem base na psicologia, na junção da DMT com a dança
em si e a dançaterapia. Tem estudos de neurociência, dentro disso Análises de movimento para
poder ser dançaterapêuta da DMT, que é diferente da dançaterapia de María Fux.
Trabalhamos com a dançaterapia Americana que hoje se chama Dança Movimento
Terapia porque o foco de nossa metodologia é a observação do movimento e a intervenção das
propostas de movimento que podem até ser parecidas com algumas de María Fux, mas elas tem
uma visão a partir do que se observa do cliente e por isso se chama terapia. A terapia implica
você a observar as necessidades que o cliente está trazendo e a partir disso você lança propostas.
Quando é terapêutica você pode fazer vivências terapêuticas e isso é terapêutico, biodança é
terapêutico, dança circular é terapêutico, a metodologia de María Fux é terapêutica, mas para
que seja terapia, você precisa estar observando o que o seu cliente precisa o que necessita e a
partir disso você lança a mão das propostas”

12
Dançaterapeuta e naturopata, Diretora do centro de formação internacional em Dançaterapia CEFID
DMT
13
Contato feito a Judith Esperanza na tentativa de clarificar se existiam diferenciações dos métodos,
entrevista realizada de forma online com suporte das redes sociais em 04 de junho de 2019.
35

María era um fio condutor para a criação, envolvia seus alunos em atmosferas do mundo
lúdico que possibilitava a criação dentro do tema da vivência, despertando a movimentação que
extrapolavam a relação de dança baseadas na repetição de movimento entre professor e aluno.
Em entrevista a León Gieco disponível em canal do youtube publicado em 2011, María
Fux conta a sua trajetória de trabalho

Eu vivi sempre da dança, sempre, dando aulas, entregando o que estava


aprendendo no palco. E assim eu reconheci o limite de outras pessoas, que
tinham mais limites que eu. E me fascinou a possibilidade de descobrir, e sigo
descobrindo tudo o que se pode fazer quando se tem limites.
Quando vi nos grupos a transformação, esta transformação o que quero dizer?
Eles vinham de uma maneira para as aulas e saíam de outra. Descobri de que
importância era aceitar a todos, não discriminar e de que maneira eu ou eles
nos influenciamos uns aos outros.
E isso, pessoas que viram minhas aulas, há muitos anos, psicólogos,
psicoterapeutas, me disseram: Maria isso não é somente dança é dançaterapia
porque você está mudando as pessoas, isso foi há muitos anos.
E desde esses tempos esta palavra está em minha vida como uma possibilidade
criadora. O que importa, é perceber no outro as possibilidades que tem para
fazer algo por si mesmo e eu sou como uma ponte, não ensino, eu dou. Essa é
minha vida (tradução nossa)

Deborah Maia de Lima retoma as suas impressões relacionadas à questão da terapia


associada a María Fux relata que a etiqueta terapêutica que foi atribuída a María se dá entre
outras coisas pelo fato de María Fux trazer para a dança a diferença e uma diferença dentro de
uma noção de “anormalidade” se a gente pensa que nas décadas de 50/60 se usava choque
elétrico, água fria em pessoas que tinham alguma deficiência, algum distúrbio mental, ela trazia
essas pessoas para dentro da sala de aula.
Com isso, ao longo dos anos, as pessoas apresentavam melhora, essa melhora como
aponta Lima, também era atribuída pelas características como ser humano de María Fux, que
se baseavam no acolhimento, na escuta e na aceitação incondicional do outro.

2.1 DANÇA E DEFICIENCIA QUANDO O OUTRO NÃO É DIFERENTE DE MIM

Sobre a dança e deficiência María nos apontou durante o seu longo percurso de contato
com esse tema sobre a possibilidades que todas as pessoas têm em dançar. O corpo que
apresentava esses limites, palavra utilizada por María para se referir à deficiência, permearam
um importante trajeto de vida de María Fux, e por que não dizer quase a totalidade dele?
36

María praticava a inclusão antes mesmo da existência desse termo, antes mesmo do
sistema de ensino ser universal a todos, María estava lá, afirmando o direito das pessoas em
poderem ser quem elas são, de estar aonde quiserem.
María não se detinha somente ao seu estúdio, também levou a sua abordagem de dança
entre especialistas, professores, médicos, instituições religiosas, faculdades, escolas.
Apresentando a sua humanidade e horizontalidade na forma em que tratava desse assunto: O
ser humano.
Um ponto importante a ser questionado é o de que em se tratando de pessoas com
deficiências ainda muitos termos relacionados à dança é tratado como uma questão médica e de
reabilitação, não somente caracterizando um estigma passado onde pessoas com deficiências
não podiam ter acesso à lugares de interesse reforçando um lugar de exclusão dentro das artes.
Para abordar este tema da dança e deficiência, devemos nos reportar a questões estéticas
e sociais a que a dança está inserida. A estrutura corporal, faixa etária, habilidades de força e
amplitude de movimento, questões raciais, econômicas e estruturais, podem ser condutores de
mecanismos de exclusão social dentro da cena artística.
Alguns destes elementos começam a ser questionados no movimento da dança moderna
e posteriormente objeto de interferência no movimento contemporâneo de dança. A forma como
o corpo é apresentado possa a ter outras significações, do foco dos corpos “como imagens”,
para abrir espaços para os “corpos mensagens/ questionadores”. As pautas em que estão
inseridos, os protestos, questionamentos estéticos, sociais, ressignificando o lugar da arte na
vida cotidiana e dos palcos, como aponta Fisher (1983) “A função de ser da arte nunca
permanece inteiramente a mesma”.
Para Henrique Amoedo, a dança moderna se torna um marco no que diz respeito a
inclusão de pessoas com deficiência:

[...] Na gênese da dança moderna encontramos uma busca pela liberdade de


expressão, uma ruptura com os estereótipos da dança clássica acadêmica
presentes até então. Sendo assim, parece-nos permitido dizer, não sem alguma
ousadia, que começamos a vislumbrar a possibilidade de inclusão de pessoas
com deficiência motora nesse universo (AMOEDO, 2002, p. 30).

Mas será que a dança conseguiu ultrapassar todos os estigmas que perpetuou? será que
mesmo com uma visão mais questionadora, os enraizamentos dos conceitos “corpo ideal” do
“dançarino atleta” foram vencidos? Como a arte pode se desvencilhar dessa construção social?
37

A arte pode tanto ser questionadora como reprodutora da ordem social vigente, ela não está
alheia aos processos históricos.

Conectar-se ao corpo, às outras pessoas, relacionar os conteúdos da


dança entre si são também formas de se conectar ao mundo e pertencer
a ele. Precisamos reconhecer nas aulas de dança que nossos corpos -
assim como nossas danças – não estão isolados do mundo que
existimos. Tanto o corpo quanto a dança, nessa proposta assumem sua
identidade cultural e social e, portanto, precisam sem compreendidos e
problematizados nas aulas de dança para que possamos fazer escolhas
seguras, éticas e responsáveis em sociedade (MARQUES, 2004, p.
154).

Para Fisher (1983) “A arte é um meio indispensável para esta união do indivíduo como
um todo; reflete a infinita capacidade humana para a associação, para a circulação de
experiências e ideias”. O corpo com deficiência por muitas décadas fez parte da pauta da
exclusão. Questões de mobilidade urbana, acessibilidade, educação, direitos relacionais e
reprodutivos eram negados. A pessoa com deficiência não possuía autonomia sobre as suas
vontades e eram destinadas somente a instituições de reclusão e a tratamentos invasivos.
Não possuindo atendimento de suas necessidades básicas como ter acesso à cultura e à
arte? Como ocupar esses lugares? Deixo aqui essa reflexão.
Débora Diniz (2007) aponta que a deficiência traz estigmas a partir de um modelo
biomédico, centrado na questão corporal “deficiente”, a partir de um modelo social, a questão
se desloca do corpo e passa a ter uma visão mais abrangente do tema:

Se para o modelo médico o problema estava na lesão, para o modelo social, a


deficiência era resultado do ordenamento político e econômico capitalista, que
pressupunha um modelo ideal de sujeito produtivo. Houve, portanto, uma
inversão lógica da causalidade da deficiência entre o modelo médico e o
modelo social: Para o primeiro, a deficiência era resultado da lesão, ao passo
que, para o segundo ele ocorria de arranjos sociais às pessoas com lesões a
experimentarem a deficiência (DINIZ, 2007, p. 11).

Essa transposição de pensamento foi possível a partir do lugar de fala de pessoas com
deficiência, a chamada UPIAS14, sendo a primeira organização política sobre deficiência
formada e gerenciada por pessoas com deficiência criada no Reino Unido no ano de 1960. Até
então, como aponta Diniz (2007) as organizações existentes para as pessoas com deficiência

14
Union of the phisically Impaired Against Segregation – União dos deficientes físicos contra a
segregação (tradução nossa)
38

pressupunham: “Em geral, o objetivo dessas instituições e centros era o de afastar as pessoas
com lesões do convívio social ou o de normatiza-las para devolve-las à Família ou a sociedade”.
Para MAIOR (2017) “A deficiência é um conceito em evolução, de caráter
multidimensional, e o envolvimento da pessoa com deficiência na vida comunitária dependente
de a sociedade assumir sua responsabilidade no processo de inclusão”.
Foi necessário décadas para que os direitos das pessoas com deficiências fossem
alcançados e será necessário ainda muito mais discussões a respeito dos lugares de direito de
todas as pessoas, mas até aqui, podemos elencar alguns marcos legais para que algumas
mudanças ocorressem.
Seguem descritos alguns marcos legais que formam uma cadeia não de hierarquia, mas
de ordem cronológica, para ilustrar quantos processos foram necessários até chegarmos no atual
momento histórico em que nos encontramos: A promulgação da Declaração Universal dos
Direitos Humanos em 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU); O ano de 1981 como
o ano internacional da pessoa com deficiência instituído pela ONU; Coordenadoria Nacional
para a integração da pessoa portadora de deficiência (Corde) no ano de 1986; A Constituição
Brasileira de 1988; Lei 7.853/1989 primeira Lei Federal abrangente sobre a pessoa com
deficiência; Lei 8.112/1990 reserva de cargos em concursos públicos; Lei 8.213/ 1991 reservas
de cotas em empresas; Declaração de Salamanca em 1994; Direito a educação especial pela lei
9.394/ 1996; Conselho Nacional das Pessoas Portadoras de Deficiência (Conad) 1999; Lei
10.048/ 2000 e 10.098/ 2000 que versam sobre prioridade de atendimento e acessibilidade;
Conferencias das pessoas com deficiência em 2006; Convenção sobre o Direito das Pessoas
com deficiência em 2009; Lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência lei 13146/ 2015
(Estatuto da Pessoa com Deficiência);Reserva de vagas para alunos com deficiência em ensino
superior Lei 13.409/ 2016.
Devemos ressaltar que não é apontado a conquista como um lugar pacífico, como a
história nos traz, todos os direitos adquiridos foram travados através de mobilização social.

A conquista de direitos pelas pessoas com deficiência é recente e pode ser


dividida em duas fases distintas. Inicia-se pelo envolvimento e condução do
processo pelas famílias e por profissionais dedicados ao atendimento e,
posteriormente, pela participação direta das próprias pessoas com deficiência,
apoiadas por seus familiares. Em ambos os momentos predomina a atuação
das associações da sociedade civil que lutam por espaço para as pessoas com
deficiência na agenda política. Da tutela à autonomia, o movimento social
procura vencer a discriminação, a desvalorização e a falta de atenção por parte
dos governos (MAIOR, 2017, p. 30).
39

Com a Promulgação das diversas leis e estatutos que asseguram os direitos da pessoa com
deficiência, promovendo mudanças para que as pessoas tivessem acesso a teatros, shows,
exposições e inúmeros outros eventos que envolvem o mundo artístico. A interpretação em
LIBRAS e a audiodescrição faz parte de aparelhos de acessibilidade, assim como as
arquitetônicas como as rampas, calçadas com marcadores, sinais de trânsito com aviso sonoro,
entre outros.
Uma vez conquistado o direito de estar nesses lugares, promoveu a formação de plateia,
espectadores que eram em certa medida invisibilizados. Mas uma importante questão a ser
apontada é do papel de protagonista, saindo da visão de “apreciadores da arte” para os de
“promotores da arte”.
Ao possuir acesso aos lugares de direito, a dança também começa a refletir essa
mudança com a criação de grupos que traziam cadeirantes, em apoio de muletas, pessoas com
síndromes, amputados, com deficiência visual, auditiva, deficiências múltiplas e entre outros.
Os anos 80 e 90 iniciaram movimentos de inclusão que também foram sentidos pelo
mercado da dança. “O corpo deficiente passa a ocupar espaços na cena da dança” como cita
Ana Carolina Bezerra Teixeira (2010) que se declara pessoa com deficiência e diretora artística
do Grupo Roda Viva15, grupo que compunha pessoas com e sem deficiência em cena. Aponta
questionamentos quanto a grupos inclusivos que se formaram na década de 90, tomando o papel
para atender uma demanda do mercado de inclusão, como “cotas a serem preenchidas” e não
pela força criadora autônoma, artística do grupo.
Rossi e Munster (2013) nos trazem alguns apontamentos quanto a pesquisas acadêmicas
voltadas para o tema da dança e pessoa com deficiência. Identificaram propostas pedagógicas
envolvendo aspectos de ensino aprendizagem, terapêutica envolvendo aspectos de reabilitação
de gestos motores, a performática envolvendo o desenvolvimento do dançarino ao dançar
(expressão e movimento), a competitiva e alto rendimento do bailarino/ atleta em competições.
Desses 04 eixos apresentados, os aspectos de ensino/ aprendizagem foi o mais
evidenciado quanto a objeto de estudos dos pesquisadores, mas será esse cálculo corresponde
ao objeto de aplicação quando se trata da pessoa com deficiência?

15
A fonte geradora ao qual iniciou a Roda Viva Cia. de Dança, inicialmente, era o contexto terapêutico,
passando para o artístico-pedagógico e, posteriormente, conquistando seu espaço no campo da
performance artística, constituindo-se numa das principais companhias de dança no seu gênero do país.
A companhia formou-se em 1995, dentro de uma abordagem interdisciplinar, vinculada aos
Departamentos de Artes e de Fisioterapia da UFRN. Criada por Edson Claro e Henrique Amoedo.
(VIEIRA, 2016,p.04)
40

A dança de María Fux, de cunho fortemente educacional e criativo, ainda é associada


ao eixo reabilitacional, seria nesse sentido um reflexo desses estigmas entre a estética e a dança?
A pessoa com deficiência tem acesso à dança somente para atingir melhora do aspecto motor?
Seria o seu trabalho de décadas voltados para promover habilidade física?
Quando citamos María Fux dentro desse contexto da pessoa com deficiência devemos
situar as décadas de 50 e 60 onde estava sob a influência do movimento da dança moderna e
outros movimentos artísticos da época.
Nestas décadas ainda não existia o conceito de inclusão, ainda que esta palavra possa
estar carregada de um sentido ainda de exclusão, pois em uma sociedade em que todos são
considerados iguais perante a lei, não deveríamos utilizar o termo de incluir alguém em
determinado espaço.
María propunha atividades, para pessoas com síndrome de down, surdas, autistas, com
comprometimento motor como paralisias e entre outras. Por vezes as experiências eram em seu
estúdio, instituições ou escolas.
Um relato de María Fux presente no livro Ser Dançaterapeuta Hoje pela editora Summus
de 2011, nas páginas 14 a 17, ela nos relata sobre uma experiencia na Itália na cidade de Pádua,
a convite de padres franciscanos em Villaggio San Antonio, onde foi convidada a dar um curso
para 80 alunos com diversas dificuldades motoras e mentais, informa que até aquele momento,
lidou com pessoas com deficiência mas em um número menor, nessa ocasião, todos os alunos
tinham o que ela chamou de limitação.
Dividiu a turma em dois grupos, composto por três padres que participaram também da
experiência. Os colocou sentados e começou a jogar beijos como um primeiro movimento em
um ritmo permanente, desenvolvendo nos alunos a base rítmica, acrescentou as palavras “ O
tempo vai e vem”, transmitindo a ideia de um relógio depois acrescentou a outros elementos,
durante 01 hora se fizeram presentes o tambor, o ritmo do relógio e o do coração, os beijos e a
respiração.
Em outra experiência com a turma informa que utilizou o diálogo com a mão “Esta
minha mão que tanto me conhece e não fala que sabe acariciar e sentir raiva, que conhece de
mim mais que minha mãe, é meu espelho. Nela me vejo e sinto o que acontece dentro de mim.
Utilizou de suas outras metodologias como o elástico, a cor, as cordas do violão. Esse curso
durou 10 horas durante cinco dias. Nessa mesma cidade de Pádua também deu aula aos padres,
freiras, e um grupo de 40 pessoas entre psicólogos, educandos de surdos e professores de dança.
Com essa vivência María nos traz a palavra: “Sim, é possível”.
41

Para mim significou a confirmação da ponte na qual me transformo diante do


corpo do outro, das maiores ou menores dificuldades dos alunos, a partir da
criatividade, sem impor modelos, simplesmente permitindo aflorar o
movimento autêntico e próprio de cada um (FUX, 2011, p. 17).

Com esse relato e diversos outros presentes na sua biografia, María Fux, nos mostra que
a sua relação com a deficiência ultrapassa as barreiras do seu estúdio em Buenos Aires, e ainda
não é possível entender a dimensão a que seu trabalho chegou, pois envolve também seus
multiplicadores formados por ela e que estão localizados em diversos países.
Pela forma com que María abordava a sua estrutura de ensino de dança e localizada
geograficamente na América Latina, fez com que essa artista estivesse à frente do seu tempo,
temas como a inclusão de pessoas com deficiência em grupos de dança surgiram décadas
posteriores.
Deborah Maia de Lima durante a entrevista fornecida para este trabalho, coloca María
Fux numa linha entre as maiores pesquisadoras corporais do século XX da América Latina e
que para muitos ainda é desconhecida.
Como reflexo de sua horizontalidade de ensino, as pessoas foram surgindo em seu
caminho, não como uma proposta pronta de trabalhar com determinado tipo de público, mas
sim pelo processo de construção de sua carreira e da sua afirmação de que seria possível, o não,
não fazia parte de sua filosofia de vida.
Ao se apresentar em lugares em que o espectador possuía acesso a sua dança, tanto em
praças, festivais, lugares sem infraestrutura, teatros e tantos outros lugares, fez com que as
portas do seu estúdio e sua vida estivessem abertas a todas as pessoas.

2.1.1 O contato com o universo da pessoa com deficiência: Um breve relato

A relação da dança e deficiência me atravessa profundamente, falo aqui em primeira


pessoa, pois foi através da experiencia de estágio que pude me aproximar com esse tema tão
importante. Com a formação em serviço social, trabalho como assistente social em unidade de
saúde em Goiânia, atuo de forma a buscar a garantia de direitos das pessoas, e acredito ser
através da arte e não da busca do “tratamento clínico” que a dança se faz presente.
Este breve relato conta com a experiência vivida dentro da formação do curso de
Licenciatura em Dança pela Universidade Federal de Goiás. Para a formação deve-se cursar a
disciplina obrigatória de estágio, dividida em quatro momentos, 03 deles pude atuar em
unidades voltadas para pessoas com deficiências. Neste contexto como aluna, pude conviver
42

durante o período de aproximadamente 01 ano no Centro Brasileiro de Reabilitação e Apoio ao


Deficiente (CEBRAV) e por um período aproximado de 06 meses na unidade Peter Pan da
Pestalozzi, ambas localizadas na cidade de Goiânia, com aulas para crianças, adolescentes e
adultos.
Não se pretende reviver neste documento todas as experiências vividas durante o
estágio, mas, de trazer à luz pontos importantes relacionados à razão de existir das unidades e
a relação com a deficiência observada em cada local.
Se apresentaram como experiências totalmente distintas desde aspectos de estrutura
física dos locais que de certa maneira poderiam promover o acesso ou não às aulas, a outros
elementos humanos que envolviam a gestão, coordenação, e colaboradores que ofertavam as
aulas nos respectivos espaços. Será apresentado um resumo para um breve entendimento quanto
a atuação de cada unidade.
O Centro Brasileiro de Reabilitação e Apoio ao Deficiente Visual (CEBRAV) é
um projeto, com iniciativa da Associação dos Deficientes Visuais do Estado de Goiás
(ADVEG). O CEBRAV, portanto, é criado por meio da legislação, que trata da proteção
aos direitos de cidadania das pessoas com deficiência visual, consonantes com os novos
paradigmas de desenvolvimento de políticas públicas e administrativas, vigente no Brasil
(PROJETO CEBRAV, 2012)
O CEBRAV tem como propósito de se constituir no mais moderno serviço do
país, reconhecido internacionalmente pela excelência no tratamento das patologias da
visão, a constituir-se como uma referência nos campos da reabilitação, do apoio
pedagógico e da produção de materiais adaptados para o uso específico de pessoas com
deficiência visual. Proporcionando às pessoas com deficiência visual o acesso à
habilitação e reabilitação de qualidade, ao Apoio Pedagógico necessário ao ingresso,
permanência e sucesso escolar, bem como a equipamentos adaptados de uso frequente,
garantindo serviços indispensáveis para a inclusão social e o efetivo exercício da
cidadania (PROJETO CEBRAV, 2012).
A Pestalozzi, o Centro de Atendimento Especializado Peter Pan desenvolve programas
educacionais especificamente voltados para educandos com deficiência intelectual ou múltipla
que apresentam dificuldades acentuadas de aprendizagem, de nível de apoio extensivo ou
generalizado.
Neste grupo estão inclusos estudantes com transtornos globais do desenvolvimento,
bem como estudantes do espectro autista, desde que apresentem déficit intelectual e requeiram
apoios extensivos ou generalizados.
43

Atualmente a unidade Peter Pan oferece a 2ª fase do Ensino Fundamental, de acordo


com a Proposta Curricular da Escola Especial na Fase II através dos Programas Pedagógicos
Específicos (PPE), e Ações de Apoio Complementar aos Educandos com deficiência Intelectual
e Múltipla (AEE). Suas propostas pedagógicas asseguram o currículo escolar fundamentado
nas diretrizes curriculares nacionais para as etapas e modalidades da Educação Básica, bem
como apoios, recursos e serviços especializados.
Considerando as especificidades na aprendizagem das pessoas com necessidades
educativas especiais o programa de Atendimento Educacional Especializado confirma-se como
uma ação da educação especial voltada para a promoção da acessibilidade e permanência
daquele na rede comum de ensino.
Dentre alguns objetivos da unidade estão o de possibilitar o acesso à escolarização,
conhecimentos universais e específicos relacionados à realidade social dos educandos, através
de organização curricular, de carga horária e calendário escolar que atendam às características
gerais de Educação Básica e de desenvolver as capacidades de ordem cognitivas, físicas,
afetivas de relação interpessoal e inserção social, tendo em vista uma formação ampla.
Ambos os espaços objeto de observação participante e intervenção prática são
destinados às pessoas com deficiências. Vale lembrar que no CEBRAV as pessoas com
deficiências múltiplas realizavam o seu atendimento no período vespertino, por esta razão não
pude ter contato com esse público, somente pessoas de baixa visão ou cegas.
As unidades funcionam como apoio pedagógico escolar, no caso do CEBRAV ele não
substitui a rede escolar de ensino pública, na Pestalozzi, alguns alunos frequentavam somente
o ensino ofertado no espaço, como apresentado acima, fazia parte do ensino especializado do
ensino básico.
Possuíam atividade de dança além de matérias específicas educacionais, e de
reabilitação. No caso do CEBRAV acontecia uma aula de balé no período matutino que no
momento contava com uma aluna e no período vespertino uma turma mais numerosa, também
havia dança de salão para os adultos, como não estava dentro do nosso horário de estágio, não
chegamos a acompanhar essas turmas. Fomos inseridos na turma de psicomotricidade onde
poderíamos atuar com a dança.
Na Pestalozzi, existiam as aulas de corpo e movimento e também uma atividade para
toda a unidade às quartas-feiras que poderiam ser de qualquer natureza, como palestras a
atividades de artes ou comemorações.
Um ponto que deve ser ressaltado é que ambas as atuações tivemos autonomia para o
desenvolvimento das aulas, quando uso o plural, me refiro a participação de demais alunos da
44

Faculdade de Dança no grupo de estágio. Passando por algumas devolutivas como foi
desenvolvido no CEBRAV ao final de alguns encontros pelas professoras da instituição, e na
Pestalozzi pela devolutiva da professora orientadora do estágio.
O que trago como experiência dessas duas atuações é a pluralidade de pessoas que se
utilizam desses serviços, pensar na pessoa antes da deficiência é uma tarefa que precisa estar
sempre em discussão e vigilância. Compreender a abordagem de María Fux e sua vasta
experiência com o tema da deficiência e a dança é nos investir de elementos que respeitem a
pluralidade de universos existentes e sempre estar atentos a novas possibilidades de criar em
dança.
Cada especificidade da deficiência é um universo particular, é necessário investir em
estudo, especializações e discussões para que não se coloque as aulas nos lugares de achismos
e reforçar estigmas sociais que infelizmente ainda é utilizada por alguns profissionais.
Dentro do processo de estágio, pude notar que o fator humano, além da proposta
presente nos estatutos internos, é quem dá o tom da forma que o serviço será ofertado. Estar
escrito no papel palavras como a inclusão e garantia de direitos, não são garantidores do
cumprimento de acesso e respeito aos seres humanos que frequentam aquele ambiente.
Em uma das unidades, que não convém nomear, na prática observamos processos de
exclusão e ofensivos como palavras “você não consegue fazer” “fica sentado”, ou mesmo se
dirigir à pessoa como se ela não estivesse no ambiente, ou de convidar para a turma somente
alunos com o aspecto motor não comprometido.
Na oportunidade questionamos quanto a participação dos outros alunos, foi apontado o
“problema” como a barreira arquitetônica do espaço, os cadeirantes não conseguiriam subir as
escadas. Este local conta com uma área coberta térrea aonde poderiam ocorrer as aulas, não
sendo este, em verdade, o principal motivo da não frequência na aula.
Nessa mesma instituição, em nossa atuação, tentamos trazer possibilidades que
trabalhassem a autonomia de movimentos e valorização de cada educando, pois o que
observamos do que estava sendo proposto foi a memorização de coreografias para eventos
específicos do calendário. Dentre tantos planos de aulas, aponto aqui a proposta de organização
de frases de movimentos partindo do movimento criativo de cada um. Como apoio para a
criação nos utilizamos da música, histórias norteadoras, e alguns objetos como balões, elásticos,
bolas e chapéus. Sem intencionalidade, nos aproximamos de alguns elementos utilizados por
María Fux durante as vivências de estágio, sempre se aproximando do mundo concreto e dos
signos que o rodeavam.
45

Uma atuação importante do nosso estágio foi em um evento em uma chácara, onde
estava programada uma aula aberta dentro de um evento comemorativo que acontece todos os
anos. Em um primeiro momento não nos foi autorizado a descermos com as pessoas para a área
do gramado, onde poderiam ter mais contato com um espaço ampliado e contato com a natureza,
pois, segundo eles, os cadeirantes não poderiam descer.
Após algumas mobilizações, conseguimos deslocar todos para a área pretendida. Ao
final estavam os pais, educandos e colaboradores daquele espaço interagindo em uma grande
roda dançante, arrumamos cadeiras para os que queriam sentar e deixamos a vontade a
participação ou não na movimentação, mas todos em círculo, naquela grande roda.
A roda neste momento simbolizou tudo o que não podemos vivenciar nos momentos
anteriores, a união e sentimento de pertencimento, os educandos que nunca tínhamos visto
anteriormente estavam ali, assim como os seus pais ou parentes próximos.
Na outra instituição pude observar uma prática mais condizente com o que trazia em seu
escopo teórico. A questão central realmente era a autonomia e respeito. As crianças observadas
que possuíam a idade inicial de 07 anos, eram instigadas para o mundo. Um importante adendo
é o lugar de fala em que estão localizados os profissionais atuantes, pois a direção era ocupada
por uma mulher, com formação acadêmica em Letras Português e Inglês e também formação
em musicoterapia, com deficiência visual e que também trabalhou na associação dos deficientes
visuais do estado.
Os professores, alguns deles também eram deficientes visuais e estavam em constante
especialização, alguns em instituições internacionais e em outros estados, alguns com
publicações de livros e outros estudos na área.
Podemos retomar aqui as implicações que envolvem a questão da deficiência do modelo
biomédico, centrado na deficiência, e o modelo social, deslocando a questão da deficiência
centrada na pessoa para barreiras sociais.
No primeiro exemplo os profissionais ainda possuem uma perspectiva estigmatizada da
deficiência, as ações tendem a ser centradas no assistencialismo, e na anulação da autonomia.
Na outra instituição que trabalha numa perspectiva mais social relacionada à deficiência, temos
ações de garantia de direitos, acessibilidade e capacitação continuada.
María Fux nos aproximou da dança e deficiência ao longo de sua carreira como
pedagoga da dança, nos fazendo repensar sobre os limites. Mas, apesar disso, a deficiência
como “anormalidade” ainda é uma palavra presente em sociedade. Nos localizamos em uma
época em que muitos direitos foram garantidos, mas a forma de lidar com a deficiência ainda é
embasada, em algumas instituições, em estigmas passados.
46

O acesso a uma formação contínua associada a uma abordagem mais humanizada,


podem ser ferramentas de apoio para que esses profissionais que ainda enxergam o outro como
diferente de si, passem a se colocar num lugar de igualdade, promovendo a emancipação através
da arte.

3. AS PONTES DE MARÍA, DANÇA E EDUCAÇÃO

O tema da dança e educação perpassa a vida de María Fux, assim como o de seus
processos criativos que por vezes se entrelaçam ao seu ensino de dança dentro e fora de seu
estúdio. María acreditava na dança como um importante recurso para a formação do indivíduo,
e deveria estar inserida dentro do contexto do ensino formal em todas as etapas da formação.

A dança não deve ser privilégio daqueles que se dizem dotados, ela deve ser
ministrada na educação comum como uma matéria de valor estético, de peso
formativo físico e espiritual. Com uma capacidade e possibilidade de buscar a
criação de cada um de acordo com o desenvolvimento que tenha frente a si
mesmo e frente ao espaço. Através das distintas etapas educacionais: Jardim
primário, secundário e universitário, pode ir evoluindo esta ideia e canalizando
a dança como uma linguagem a mais na educação; a linguagem verbal e a
escrita são, é certo, fundamentais para ela mas, as vezes, resultam insuficientes
(FUX, 1983, p. 40).

María Fux não possuía formação acadêmica, mas transitou entre escolas, universidades
e ministrava seu curso de formação em dançaterapia em vários países, dentro e fora do eixo
europeu. À frente de seu tempo, María nos apresenta a dança na educação quando esse tema
ainda não fazia parte da rede de ensino.
De 1960 a 1966 María Fux assumiu o cargo de diretora e professora do departamento
de danças na Universidade de Buenos Aires (UBA). María assume essa cadeira devido “A
necessidade que o aluno universitário tem, que leva uma vida estática, de conhecer o movimento
como possibilidade contrastante para utilizar sua inteligência e seu corpo de outra maneira”
(FUX, 1983, p. 40).
Relata que após um longo processo burocrático cria esse departamento que não possuía
lugar físico para poder ofertar as suas aulas, recorrendo a espaços externos a universidade e sem
estrutura adequada para ofertar suas aulas, nessa universidade já existia o departamento de
música e teatro.
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Informa também que o departamento teve uma grande adesão entre os alunos, gerando
um total de 300 candidatos, María teve de trabalhar duramente e contar com o suporte de outra
professora para atender a demanda, sobre a experiencia desse período María nos relata:

Mas o mais importante foi que, com este grupo, pudemos dar aulas ilustradas
sobre a importância da comunicação através da dança e sua relação com a
música. Creio que nas faculdades de filosofia, medicina, odontologia’ e
ciências físicas e matemáticas perdura ainda – nesses recintos solenes que
transitamos de maneira insólita com nossas danças – algo do que levávamos
como mensagem. Acredito até hoje: A universidade deve ter a sua faculdade
de artes (FUX, 1983, p. 88).

María permaneceu por esses seis anos, não por escolha, mas devido a um acontecimento
histórico que afetou as faculdades da universidade de Buenos Aires, conhecida como “a noite
dos canhões”. O 29 de julho de 1966 ficou conhecido como la noche de los bastones largos
quando cinco faculdades da UBA foram tomadas por tropas da Polícia Federal argentina. Foram
presos 400 estudantes e professores que ocupavam o prédio em protesto contra um decreto que
supria a autonomia das universidades públicas, sobre esse fato, María relatou

Este sonho ambicioso acabou, não por minha vontade, mas devido às
circunstâncias em que vivia o país. Em 1966, “a noite dos canhões”,
todo o grupo de professores renunciou em massa. Meu seminário – meu
apesar de que não me pertencia – veio abaixo, como vieram abaixo
muitos valores tão importantes daquele grupo de pessoas que ensinava
na universidade (FUX, 1983, p. 89).

Continuando a sua trajetória em universidades, escolas e centros de reabilitação, María


nos relata outras experiências que seguirão transcritas, mas sem possibilidade de aproximações
de datas, pois, isso não é relatado nas biografias e não podemos deduzir datas aproximadas.
María nos apresenta a sua experiência em uma vivência no Instituto de Educação Física
INEF na universidade de Madrid com os estudante, total de 30 homens, chamou a sua
intervenção de “Sensibilização no nível da expressão corporal”. Esses jovens nunca tinham tido
contato com a forma de movimento que María apresentou, fazendo uma sensibilização com os
olhos fechados e deitados no chão, as vivências duraram 20 dias.

[...] Mesmo que a pessoa que conhece muito seu corpo, como neste caso,
ignora uma grande parte dele que não foi explorada e com a qual alguém pode
integrar-se em totalidade. É a parte sensível e inconsciente, que em especial
48

os homens – não só os desportistas – têm grande dificuldade em aceitar (FUX,


1983, p. 98).

Para aprofundar seu conhecimento para subsidiar seu trabalho com pessoas surdas
María relata durante o capítulo do livro Dança, experiência de vida de 1983 chamado
dançaterapia com surdos, sua experiência com meninas de 07 a 17 anos onde ocupou uma
cadeira em um colégio que se especializava na educação do não ouvinte.

Por meio de uma educação integral, que é uma de minhas máximas aspirações,
podemos obter mudanças na aprendizagem diferenciada da criança surda e do
hipoacústico, e colocar como abordagem fundamental dentro de seu
desenvolvimento a dança, considerada como outra linguagem de
reconhecimento (FUX, 1983, p. 107).

María foi convidada a dar um curso para profissionais no Serviço Nacional de


Reabilitação e Capacitação do Cego em Buenos Aires, entre as categorias profissionais estavam
médicos, psicólogos, assistentes sociais, copistas de Braille, entre esses profissionais também
haviam pessoas cegas perfazendo um total de cinquenta pessoas no curso, essa passagem consta
indicada no livro Dançaterapia María Fux publicado no ano de 1988, conforme o capítulo
Experiência com Cegos, desta experiencia María concluí:

Creio que os cegos, crianças e adultos, são vítimas não apenas de uma
incapacidade física, mas também dos preconceitos dos que os rodeiam. Creio
que através do movimento pode manifestar-se certa capacidade de expressão
que há neles. Eles mecessitam disso; é necessário que abandonem a rigidez
física que os caracteriza. É preciso dar-lhes confiança diante do espaço onde
podem expressar-se. Esse despertar da expressividade adormecida no cego,
poderia ser material de futuros trabalhos, e creio que também é uma ponte para
o encontro do cego com o seu corpo. (FUX, 1988, p. 68)

A cada nova prática, convite, contato com o mundo do outro, María se aprofunda em
novos elementos para proporcionar a dança a todos. Diante do que foi apresentado da trajetória
de María Fux dentro do contexto da educação, faremos um pequeno apanhado histórico que a
localizam dentro de uma perspectiva à frente de seu tempo.
Para apresentar o tema dança e educação deslocaremos o cenário para o Brasil, não
sendo possível nesse momento associar a fatos históricos da Argentina, traremos alguns pontos
relacionados ao ensino das artes e dança no Brasil.
A dança atrelada ao mundo das artes, chega ao sistema regular de ensino aqui ilustrado
pela instituição escola, acompanhada de outras matérias, como as artes visuais música e teatro.
49

Vale lembrar que o âmbito escolar não é o único lugar em que a educação acontece, sendo
caracterizada pelo domínio da palavra ensino formal é onde se concentra uma parcela
significativa da formação do sujeito, mas não a única.
O ensino formal carrega em si a herança de todo um sistema de anulação do corpo e das
singularidades do indivíduo/ educando. Isso nos remete à educação jesuítica, onde os hábitos,
crenças e valores de toda uma população foram aniquilados para dar lugar à padronização e
aceitação dentro de novos valores sociais que estavam se perpetrando. O corpo vislumbrava o
“pecado”, era necessário cobri-lo, se “aquietar”.
As dicotomias entre corpo e mente, dissociando as interfaces entre um e outro, remetido
à filosofia grega, à lógica cartesiana. O corpo como um meio de contato com o mundo mundano,
a razão ligada ao mundo etéreo e possibilidade de ascensão espiritual. O corpo como um
instrumento da mente, o conhecimento verdadeiro somente se daria através da mente, sobre
esse tema Lia Levy (2010) nos esclarece:

[...] O dualismo cartesiano é uma expressão que se refere à concepção de que


a mente e o corpo são substancias distintas, ou seja, duas realidades
absolutamente diferentes e independentes entre si (embora possam agir uma
sobre a outra), que podem existir separadamente e que podem - e devem- ser
compreendidas e explicadas por princípios e conceitos totalmente
independentes. Em termos mais técnicos e próprios à filosofia cartesiana, essa
expressão refere-se à tese da distinção real entre a mente e o corpo (Levy,
2010, p. 87).

A escola não é um lugar neutro, existe a hierarquização dos saberes e reflexos do sistema
político e econômico em que estamos inseridos. Educar o corpo para que seja produtivo, atender
demandas sociais e continuar reproduzindo o sistema capitalista de produtor/ produto. A arte
reconhecida como de caráter não científico, ocupou e ainda ocupa um lugar acessório dentro da
educação.
As escolas se instalam no Brasil após a colonização portuguesa no de 1549, através das
missões jesuíticas, o ensino atendia demandas da igreja católica, dividida entre a educação
destinada aos indígenas e a educação aos filhos dos colonos. O sistema de ensino seria
reformulado duzentos anos depois com a reforma Pombalina em 1759 com a expulsão das
companhias jesuíticas e deslocando o ensino religioso para o ensino com ênfase nas ciências e
matemática
O ensino da arte no Brasil é instituído através da Academia Imperial de Belas Artes
durante o Governo de Dom João VI e estava ligado fortemente ao ensino do desenho para futura
50

mão de obra especializada para o trabalho. Nessa época também é inaugurado o ensino superior
no Brasil.
Dentro do contexto escolar a arte ocupou por um longo período um lugar de ofício para
atendimento profissional, desenvolvimento técnico para retratar a fauna e flora brasileiras e
conhecimento ligado à geometria. O deslocamento para a ressignificação das artes para outras
aprendizagens surge através de pressão de algumas classes de artistas e da elite brasileira
acompanhando as tendências americanas e também europeias.
O movimento da Escola Nova em 1930, surge com a proposta de métodos para o
desenvolvimento expressivo dos alunos das escolas públicas. Para Bezerra e Ribeiro (2019)
“um meio para a formação artística e estética a partir da livre expressão”.
Ana Mae Barbosa (2003) identifica que “a expressão através do desenho e dos trabalhos
manuais era a última etapa de uma experiência para completar a exploração de um determinado
assunto”. Informa também que as concepções da Escola Nova sob a influência de John Dewey
passou por momentos de interpretação da ideia da “arte como experiência consumatória”
quando na verdade deveria fazer parte de todo o processo de aprendizagem e não interpretado
apenas como uma “experiência final”.
Sobre a Escola Nova, Libânia Nacif Xavier (2004) nos aponta importantes mudanças
políticas que ocorriam à época e a criação do Ministério da Educação,

O primeiro aspecto do processo por meio do qual o campo educacional foi


tomando um novo contorno está relacionado à reorganização do estado
brasileiro após a revolução de 1930, quando se dá a definição de uma área
específica de política pública setorial com a criação do ministério da educação
e saúde em 1931, e de um conjunto de medidas governamentais como a
valorização dos congressos ABE e o incentivo às reformas educacionais
implantadas pelo governo de Getúlio Vargas (Xavier, 2004 p. 07).

Nessa mesma década surgem as escolas especializadas para crianças e adolescentes


como atividade extracurricular, criada em São Paulo a Escola Brasileira de Arte onde era
ofertada música, pintura e desenho.
Influenciados pelo Modernismo, em meados também da década de 30, personagens
como os de Anita Malfati e Mario de Andrade trouxeram paralelamente a essa escola de artes,
outras abordagens baseadas na “livre expressão e espontaneísmo” como aponta Ana Mae
(2003). Através do curso criado na Biblioteca infantil municipal pelo departamento de cultura
de São Paulo. Mario de Andrade leva a outro patamar os desenhos produzidos pelas crianças.
51

Trazendo análises mais científicas e filosóficas sobre a produção de arte. Os desenhos renderam
muitos artigos e também fez parte de análises pela faculdade do Distrito Federal à época.
De 1937 a 1945 o período do Estado Novo como aponta Ana Mae Barbosa (2003) marca
o início da pedagogização do ensino da arte na escola “Não veremos a partir daí, uma reflexão
acerca da arte educação vinculada às especificidades da arte como fizera Mario de Andrade,
mas uma utilização instrumental da arte na escola para treinar o olho e a visão ou para a
liberação emocional”
No discurso pós moderno elencado na Abordagem Triangular de Ana Mae Barbosa no
final da década de 80 onde a princípio se iniciou no Museu de Arte Contemporânea da
Faculdade de São Paulo (MAC/ USP) também é apontada como importante contribuição para
o ensino das artes no contexto escolar, a autora propõe uma “ação reconstrutora do ensino da
arte” onde consiste três elementos: “concepção dos componentes do ensino/ aprendizagem,
constituídos por criação, fazer artístico, leitura da obra de arte e contextualização histórica”.

Há significativas apropriações da Abordagem Triangular por educadores de


outras áreas de conhecimento/ disciplinas, pois como está não se baseia em
conteúdo, mas em ações, mentalmente e sensorialmente básicas, é facilmente
apropriada a diversos conteúdos. Seguramente a abordagem triangular
corresponde ao modo como se aprende, não é um modelo, um guia, para o que
se aprende (Barros, 2016, p. 479).

O ensino das artes entra no currículo obrigatório escolar para os 1º e 2º graus em 1971
conforme prevê a lei 5692/71: Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica,
Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos currículos plenos dos
estabelecimentos de 1º e 2º graus (BRASIL, 1971, p. 03).
Professores polivalentes passam a atender essas demandas de muitas especialidades,
intitulada educação artística como sendo a das artes plásticas, música, e artes cênicas. Como
não havia cursos superiores para a formação destes professores, foi criada em 1973 a formação
arte-educação que formaria professores em 02 anos.
Marcia Strazzacapa (2003) afirma que a dança embora ocupe o lugar das artes conforme
diretrizes curriculares, ela fica um em não lugar, nos espaços entre a educação física e a
educação artística:

Essa situação deixa a sensação de que a dança não se caracteriza como área
de conhecimento autônoma, visto que não tem conteúdo próprio. A dança
trabalha o corpo e o movimento do indivíduo, mas isso a educação física
também faz. A dança desenvolve questões rítmicas, mas a música também. A
dança amplia as noções espaciais da criança e do adolescente, situando-se no
52

tempo e no espaço e desenvolvendo sua expressão corporal, mas o teatro


também. A dança preocupa-se com a educação estética, mas as artes plásticas
também. A dança proporciona o desenvolvimento da criatividade e da
sensibilidade, mas isso todas as linguagens artísticas proporcionam, afinal o
que é exclusivo da dança? (Strazzacapa, 2003, P. 74/75).

A dança como matéria específica entra como disciplina dentro do currículo de artes no
ano de 1996 com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) lei 9.394/96, a arte como
componente curricular é dividida nas quatro linguagens, Artes Visuais, Dança, Música e Teatro.
“Art. 20 parágrafo 2º: O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos
diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos
(BRASIL, 1996).
É importante ressaltar que a própria lei traz o conceito de educação básica conforme o
artigo 21 parágrafo 1º: “A educação escolar compõe-se de: Educação básica formada pela
educação infantil, ensino fundamental e ensino médio”, ou seja, toda a rede de ensino deveria
ofertar o ensino de artes.
Posteriormente a lei 13278/2016 altera o parágrafo 6º do artigo 26 da lei anterior (lei
9.394/96), onde versava: A música deverá ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo do
componente curricular de que trata o parágrafo 2º deste artigo, passa a versar: As artes visuais,
a dança, a música e o teatro são as linguagens que constituirão o componente curricular do
parágrafo 2º de que trata este artigo. A lei também prevê em seu artigo 2º: “O prazo para que
os sistemas de ensino implementem as mudanças decorrentes desta lei, incluída a necessária e
adequada formação dos respectivos professores em número suficiente para atuar na educação
básica, é de cinco anos”.
As leis acima citadas foram importantes conquistas para a concretização da permanência
da dança dentro do ensino escolar, que por longos anos foi vista como um anexo da educação
física. A arte bidimensional reinou quase que autônoma, por longos anos, sobre os outros
elementos que fazem parte das artes no ensino escolar, fruto do contexto histórico apresentado,
da necessidade de preparação para a inserção no mundo do trabalho industrial, a arte a favor do
mercado.
A dança como arte autônoma se insere dentro do questionamento de uma necessidade de
uma busca de diálogo mais integrativo entre as várias camadas que compõe a vida humana.
Neste sentido Bezerra e Ribeiro (2020) nos apresentam:
53

[...] Entende-se a dança como parte da formação identitária da humanidade e


de sua formação cultural, implicando em tê-la nos espaços formativos que
intentam desenvolver a formação integral dos sujeitos, que são complexos em
sua constituição humana (Bezerra e Ribeiro, 2020, p. 16).

Portanto a dançaterapia método María Fux, valoriza a dança na educação, a dança como
lugar de conhecimento, de formação, de humanização, de descoberta do conhecimento em arte.

Dançar, então não é adorno na educação, mas um meio paralelo a outras


disciplinas que formam, em conjunto, a educação do homem. Integrando-a nas
escolas de ensino comum, como mais uma matéria formativa,
reencontraríamos um novo homem como menos medos e com a percepção de
seu corpo como meio expressivo em relação a própria vida (FUX, 1983, p.
40).

A dança na educação ainda traz esse resquício de “adorno” de preencher o espaço vazio.
Um coadjuvante dentro da formação humana, um saber não científico. A escola, como aponta
Saviani (2008) “A escola diz respeito ao conhecimento elaborado e não ao conhecimento
espontâneo; ao saber sistematizado e não ao saber fragmentado; à cultura erudita e não à cultura
popular”.
O seu trabalho se fez no corpo, sua imagem e fala, por esta questão, também apontamos
a escassez de material escrito que dialogasse mais profundamente de que forma se dava todo o
seu processo de ensino de dança.
O ensino é uma das questões que envolvem o contexto da educação, Como Maria
Ensinava? Quais recursos utilizava? Eram suas próprias criações ou partia de outros
conhecimentos? Algumas dessas questões não estão esclarecidas, em muitas passagens. María
traz ao leitor a uma conclusão de que todo o universo de suas criações partia da experiência
através do contato do mundo do outro, do seu mundo, nas pesquisas e aplicações.
Na tentativa de conhecer esses vários universos que se apresentavam, algumas vezes
obscuros, a cada “impossibilidade” novas possibilidades surgiam. Não negava o lado humano,
buscando somente a reprodução do conteúdo, não percebia as pessoas com deficiências como
diferentes de si, tinha uma perspectiva horizontal de ensino. Neste sentido nos aproximamos da
pedagogia da autonomia de Paulo Freire:

Não há pesquisa sem ensino e ensino sem pesquisa esses fazeres se encontram
um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando.
Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso
para constatar, constatando intervenho, intervindo eu educo e me educo.
54

Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar e anunciar a


novidade (FREIRE, 1996, p. 14).

María Fux sempre afirmava em suas transcrições “Não vim ensinar, e sim dar”, nessa
propositura não se coloca no lugar de objeto da aprendizagem. Como aponta Paulo Feire (1996)
Educadores e educandos não são objetos um do outro, o educador tem o papel de apresentar
possibilidades para a sua produção ou a construção do conhecimento, mas nunca será a
objetificação do saber.

3.1 NOS PASSOS DE MARÍA, PROCESSOS CRIATIVOS

María é uma grandiosa pesquisadora do movimento, a sua doação à dança de forma


pedagógica, criativa e incessante a levou a experimentos que atravessaram décadas.
Esses experimentos se fundem entre o seu trabalho de pesquisas nos palcos com o seu
trabalho solo, no seu estúdio como artista – pedagoga, no seu grupo de apresentação, grupo
HOY, em sua vasta experiência na formação de centenas de pessoas no seu curso de formação
em dançaterapia e na relação que estabelece com a vida.
Quais as pesquisas corporais que podem ser desenvolvidas ao longo de 99 anos de
existência? Maria que ainda vive em seu estúdio em Buenos Aires chamado de casa/ estúdio,
reaparece dançando em um vídeo publicado em janeiro de 202116 na plataforma youtube.
Realiza gestos com os braços, numa movimentação de pegar algo em suas mãos e
ofertar. O olhar penetrante segue todo o movimento. As mãos se configuram como um
importante elemento de estimulo dentro da dançaterapia. Sentada, com uma luz que se direciona
sobre ela, focando ainda mais em seu gestual. Acaricia a pele, o seu coração e faz o gesto de
doar. Atenta à comunicação com a música, seus cabelos grisalhos estão soltos, uma flor lilás se
apresenta no topo da cabeça, um vestido amarelo. Seu último gesto mostrado neste vídeo é o
gesto de beber através das mãos.

16
Maria Fux dança Oblivión de Astor Piazzolla. 99 anos desenvolvendo um caminho de possibilidades,
encontros, amor e integração pela vida. María Fux 99 anos, disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=otSzhAHgH78 – acesso em 11 de abril de 2021
55

FIGURA 3: VÍDEO MARÍA FUX 99 ANOS

María aprendeu na pele, sentindo e se emocionando a cada nova descoberta. Doou sua
vida à dança. Mesmo com a sua mobilidade reduzida, ainda nos ensina com os seus gestos o
que sempre afirmou, a Dança é para todos!
María Fux experimenta de várias inspirações, mas não tem um fim em si como o da
repetição, da exigência técnica da exaustão e no sentido de reproduzir movimentos homogêneos
entre os seus alunos, os movimentos, dentro do mundo criado por ela, surgiam extraídos da
própria essência de cada um de seus alunos e os seus. Bebeu fundo de suas próprias palavras
aonde afirmava “A dança é a vida”, talvez inspirada pelas palavras de Isadora Duncan?
Seus processos de criação partiam do mundo vivido, seja de suas experiências, ou de
cada aluno que chegava ao seu estúdio procurando um sentido em dançar.

María Fux utiliza a improvisação no seu trabalho artístico, uma improvisação


que vem dos sentidos interiores do dançarino em decorrência das suas
experiências em sala de aula e em sua vida pessoal. Podemos falar sobre
movimentos que surgiram através de imagens metafóricas dadas em sala e que
facilitam a relação do dançarino com o espaço (Lima, 2016, p. 59).
Para Pio Campo dançaterapeuta formado no método Maria Fux “Os estímulos utilizados
Não podemos reduzir o estímulo que Maria realizava à mecanismos para alcançar determinada
execução corporal, pois isso, não era o propósito de vida dela.

Sinto a necessidade de criar no momento, mesmo quando a coreografia já


esteja feita. Creio que isto que tem me acontecido sempre, foi uma forma de
manter, enquanto danço, minhas antenas criativas totalmente livres para que
ainda sabendo o sentido que pode ter o espetáculo, eu crie constantemente
(FUX, 1983, p. 132).
56

O mundo vivido, o dia-a-dia, para Maria, não era só uma rotina, um cumprimento de
tarefas, a cada novo amanhecer, no seu trabalho, ou fora dele, buscava inspirações em
acontecimentos que para alguns fugiam aos olhos, suas “antenas criativas” estavam ligadas a
todo momento.
Uma de suas experiencias relatadas em entrevista a León Gieco 17 disponível no canal
youtube publicado em 2011, relata que obteve o estimulo de dançar sem a música através de
uma observação de uma árvore, ao tentar encontrar uma música que se adequasse a aquele
estímulo para dançar, ela não encontrou, surgindo assim a sua referência de dança sem música.

Era outono e eu vi uma árvore que estava lutando com o vento. Com uma só
folha que se movia assim a todo o tempo (faz gestos com a mão de um lado
para o outro). Então eu disse: Gostaria de dançar isso o que a folha me deu,
vou buscar música. Me coloquei louca buscando música para a folha, não a
encontrei. Então perguntei à folha: Diga-me, para mover-se necessitas de
música? E a folha respondeu com a pergunta: Para mover-me necessitei de
música? A música tem ritmo, dance a última folha. Assim nasceu minha
primeira dança sem música (tradução nossa).

Na música, o silêncio é o vazio que realça o som e o faz existir, na dança é ilusão de
imobilidade, energia, potencial visível, prontidão. Na música a imaterialidade do silencio vira
massa, substância, na dança o corpo imóvel vira expectativa, vira intenção. Na música o silêncio
é presença, na dança é devir. (Schoroeder, 200, p. 47)
Em uma participação em aula aberta do curso de musicoterapia ofertada pela
Universidade Federal de Goiás18, obtive importantes referencias da música com a professora
Dra. Eliamar Fleury, e com isso, um pequeno resumo de sua explanação que seguirá nas
próximas linhas.
A música acessa o ser humano em diferentes dimensões, os canais auditivos não
fecham. Está presente em várias esferas sociais e relacionais. Não existe uma cultura se quer
que não tenha música, o que é entendido estruturalmente por música. Mesmo em comunidades
mais isoladas, nas religiões, nos rituais de passagem, a música está presente.

17
Entrevista María Fux con León Gieco. Una gira diferente. Canal Encuentro. Parte 2 disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=WCkDNHM2hXE&t=314s acesso em 11 de abril de 2021.
18
Aula aberta do curso de musicoterapia na Universidade Federal de Goiás com a professora Dra.
Eliamar Fleury e o dançaterapeuta convidado Sófocles Herácliton V. Missias no LabPmut da Escola de
Música e Artes Cênicas – EMAC - Campus Samambaia em 19 de setembro de 2019.
57

A música está no consciente pessoal e coletivo. A identidade sonora é única, exclusiva,


é carregada de experiências singulares, mesmo pessoas criadas em ambientes similares não há
possibilidade de carregarem essa mesma identidade.
A Professora Eliamar em certo momento exemplifica seu trabalho de musicoterapia com
pessoas surdas. Trabalhou com frequência e vibração, sentindo através do tato, a vibração
abdominal. Em uma de suas falas enfatizou que “o silêncio não existe”.
Informou também a relação durante a sua gestação com a música, professora de piano
com uma sobrecarga muito grande entre a graduação e as aulas particulares que lecionava.
Utilizava-se de algumas músicas enquanto tocava para as suas descargas emocionais. Quando
a sua filha nasceu, ela passou a também se emocionar com determinadas músicas que a mãe
tocava. Associando as suas emoções ao período em que a menina estava em seu ventre.
A música e as sensações atravessaram o útero, criando uma relação também no presente
entre mãe e filha. A música, palavras, mensagens em geral possuem frequências e essas
frequências afetam as pessoas.
A música dentro da dançaterapia também possui uma importância elementar, para Maria
Fux a música é um dos condutores para os processos criativos:

Quando ouço música sinto que todo o meu corpo é um grande ouvido e,
naturalmente, a música às vezes me sugere, sem falar, aonde ir nesse caminho
que me acompanha em vida, que é o movimento [...] A música é ouvida em
diferentes dimensões, por diferentes estados emocionais. Uma mesma obra
serve de maneira contrastada para o encontro do movimento se atendemos a
suas diferentes partes, sonoridades e harmonias, que são percebidas como
planos diversos dentro dela (FUX, 2011, pg. 111-112).

Em algumas vivências de dançaterapia nas quais participo com o dançaterapeuta Pio


Campo, pude notar, mesmo que de forma ainda simplista, as várias camadas em que escutamos
a música. O repertório não é vasto no sentido da quantidade, mas existe a busca da qualidade
de movimento através das várias escutas que fazemos de uma mesma música e através do
estímulo das conduções das palavras do facilitador, dançaterapeuta.
No sentido de buscar pontes entre as falas da professora dra. Eliamar Fleury e o método
utilizado na dançaterapia, me remeto às experiências com pessoas surdas a que María Fux relata
em seus livros autobiográficos. Nas falas citadas acima da professora dra. Eliamar que no
trabalho com pessoas surdas se utilizou da frequência e vibração das músicas sentindo através
do tato no próprio corpo.
58

María Fux também proporcionou vivências em turmas em que estavam presentes


pessoas surdas e ouvintes e fazia com que buscassem vibrações no próprio corpo para
proporcionar o estudo de ritmos internos, produzindo segundo ela, mudanças na aprendizagem,
colocava a dança como uma linguagem de reconhecimento. Em uma das passagens relata uma
das experiências com as vibrações:

Ao ser mobilizado todo o corpo através dessa vibração iniciada na boca, o


grupo encontrou um novo enriquecimento para ritmos não audíveis. Eles
podiam combiná-los com os já conhecidos e obter assim frases que ajudassem
o encontro desta nova linguagem (FUX, 1983, p. 106-107).

A música em seus diferentes contextos sociais e envolvimento das múltiplas camadas


corporais, o som não atravessa o corpo apenas através do sistema auditivo, existe uma gama
complexa de ações para que essa “escuta” aconteça.
A força das palavras e seus significados estiveram sempre presentes nos processos de
criação, María Fux (1983) deixa claro na passagem Dança e Experiência de Vida “Logo surgiu
a poesia como força viva. Não só como palavras e sim como imagem cotidiana, onde o poeta e
eu, do mesmo modo que acontecia com a música, podíamos utilizar uma só linguagem, que era
nesse caso meu corpo” (FUX, 1983, p.133)
María Fux aparece em tela ainda preta e branca dançando um solo, um dos poucos
vídeos disponíveis em plataforma digital da época. Intitulada Genesis del chaco poema de
19
Alfredo Veiravé recitado por Héctor Carrión performance de 1959 , segue um breve trecho
do poema:
En el principio el ritmo.
El rio milagroso.
La víbora del agua con sus metales suaves.
El brillo del escama.
La espina resinosa.
El sol en el principio mirando desde el cielo
El loco que revela el enorme meridiano
El fuego germinante […]
(Transcrição nossa)

19
Genesis del Chaco. Coreografia e dança María Fux. Poema de Alfredo Veiravé recitado por Hector Carrión de
1959. Vídeo realizado com a contribuição do fundo nacional das artes de Buenos Aires.
59

Com as séries de poemas de Federico Garcia Lorca, realiza o que chamou de


“Homenagem a Garcia Lorca”, apresentando-o no teatro Colón, em praças, no jardim botânico,
entre outros lugares, segue descrito Sorpresa do referido autor:
Muerto se quedó en la calle
Con un puñal en el pecho.
No lo conocía nadie
¡Como temblaba el farol! Madre.
Como temblaba el farolito de la calle
Era madrugada nadie
Pudo asomarse a sus ojos
Abierto al duro aire
Que muerto se quedó en la calle
Que con un puñal en el pecho
Y que no lo conocía nadie

Como a própria María nos relata, ela descobriu que a poesia poderia ser dançada como
uma música e buscava poetas que tivessem linguagem rítmica, para Ernesto B. Rodrigues ao
descrever a relação entre poesia e dança, nos revela:

No Fundo das duas expressões – poesia e dança – Há uma raiz comum. O que
é a dança? Poesia encarnada nos íntimos impulsos de um corpo, em seus
ritmos e gestos. O que é a poesia? A influência imponderável que faz nascer
imagens ao conjuro móvel das palavras que criam a metáfora, contudo, o
enigma de seu nascimento intacto (FUX, 1983, p. 19-20).

Outro elemento importante dentro do processo de criação de María Fux é a comunicação


entre a dança e o espectador, sendo que este último, não exercia um papel meramente
apreciador. Esta relação conduzia a plateia para dentro do universo de criação sendo um dos
principais motivadores da razão de existir do espetáculo, e não o contrário, criar para depois ser
apreciado pelo público. O improviso em que Maria se apoiava, utilizava-se de recursos que
capitava do ambiente e de sua plateia.
Helena Katz e Greiner (2010) desenvolvem a teoria de corpo Mídia em que o corpo está
sempre comunicando quais informações que o constitui em cada momento. O corpo não é um
veículo ou canal ou um meio pelo qual alguns conteúdos internos de vez em quando podem ser
expressos. O corpo é sempre mídia de si mesmo e não um corpo que depende de uma ação
voluntária para expressar-se, por isso, todo o corpo é um corpomídia.
60

O corpo comunicador de Maria nos informa que o seu processo de criação se envolveu
de pessoas, artes, artistas, músicas, silêncios, palavras e improvisos. O tempo alargado em que
se estende a sua dança, possibilitou muitos experimentos e contato com diversas mudanças
sociais e procuras internas. Seu legado baseado no improviso e na busca essencial do
movimento nos presenteia com o desenvolvimento do seu método, a dançaterapia.

4. MEU ENCONTRO COM MARÍA

Me aproximo com o tema dançaterapia no ano de 2018 na procura de buscar uma


especialização após o término da licenciatura em dança pela Universidade Federal de Goiás,
neste momento ainda não possuía a noção da grandiosidade de María Fux.
A dança numa perspectiva social mais ampliada é o que me interessava, só não sabia
muito bem que caminhos percorrer, visto ter iniciado a licenciatura aos 30 anos de idade, fase
em que muitas pessoas não se permitem mais experimentar outras perspectivas de si mesmos.
Tive duas formas de experiencias com a dançaterapia que se iniciaram em meados de
2019. Uma delas através das vivências e a outra que está em andamento com iniciação do curso
de formação em dançaterapia que em período anterior à pandemia era ofertado presencialmente
em Brasília e no estado de São Paulo pelo Centro Internacional de Dançaterapia María Fux
ofertado pelo dançaterapeuta Pio Campo que é habilitado pela própria María a ofertar o método
no Brasil, os encontros do curso se remanejaram para a forma online para que fosse possível a
continuação da formação, nos adaptamos e seguimos nesse nosso formato.
O meu encontro com María não se dá através da pessoa María, mas sim, pelos olhares
das pessoas que a conhecem e tiveram o privilégio de conviver com essa grande artista e
pedagoga da dança. Ao ter contato com esses relatos, pude me aproximar de elementos
riquíssimos da sua abordagem com a dança que se enraíza como a sua filosofia de vida.
Da sua figura única e magnética que atrai pessoas de várias partes do mundo ao seu
encontro, frequentando o seu estúdio/casa e também fazendo dali a sua morada.
Eu também quis conhecer o estúdio/ casa aonde aconteciam os encontros de
dançaterapia em Buenos Aires e aonde María reside até hoje, essa quase experiência ocorreu
em março de 2020 quando viajei para a Argentina para fazer um intercâmbio para aprender
espanhol.
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Viajei antes do curso começar, fui para o norte da Argentina em umas das cidades que
María Fux relatou que dançou para um grupo de mineradores, a cidade de San Salvador de
Jujuy.
É uma cidade interiorana de ruas estreitas, população descendente indígena dos povos
quéchuas e calchaquis e também imigrantes bolivianos, e que mais ao norte em outras
cidadezinhas pude percorrer a região denominada Quebrada de Humahuaca e conhecer as
montanhas coloridas e ter acesso a paisagens que ficam a mais de quatro mil metros de altura,
uma das paisagens mais extremas com que tive contato.
Depois dessa primeira parte da viagem me dirigi para a cidade de Córdoba aonde o curso
de espanhol ocorreu por duas semanas. Durante a estadia, a pandemia pelo novo corona vírus
se alastrou, as aulas foram suspensas e não poderíamos mais circular pelas ruas. A ida para
Buenos Aires teria de ocorrer de qualquer forma pois teria de retornar por lá.
O plano era o de participar de vivencias no estúdio em Buenos Aires, não com María
Fux, pois ela encerrou os seus encontros no ano de 2016, mas por meio de uma de suas alunas.
Conhecer o seu estúdio/ casa, seria tocar um pouco da história vivida naquele lugar, e quem
sabe vê-la transitar por entre o espaço, quem sabe...
Chegando em Buenos Aires, a única autorização para sair da hospedagem era para
realizar compras de alimentos e autoridades policiais faziam fiscalização várias vezes ao dia e
circulavam incessantemente pelas ruas, não pude ao menos passar em frente ao estúdio/casa.
Aos que tiveram o privilégio de conhecer María Fux seja profundamente através dos
anos de convivência que se somam entre os anos da formação em dançaterapia ou como amigos
próximos ou pelo fato de terem avistado a sua figura através de uma vivência no estúdio em
Buenos Aires, nos debruçamos sobre as palavras que seguirão transcritas nas entrevistas a
seguir com continuidade nos relatos de experiências.

4.1 ENTREVISTAS COM DANÇATERAPEUTAS

Trazemos para esta parte do trabalho três pessoas de referência para a dançaterapia que
de alguma maneira tiveram suas vidas tocadas por María Fux, e através disso, suas vidas
reverberaram em ações cada vez mais aprofundadas em causas sociais.
Deborah Maia de Lima nos apresenta um olhar ampliado sobre a metodologia de María
Fux, apontando indicações da dança de María Fux numa perspectiva da educação somática que
subsidiou a escrita de artigos acadêmicos que foram apresentados no começo deste trabalho, e
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também uma tese sobre María Fux que ainda será publicada. Conviveu com María Fux por um
período de 06 anos para elaborar a escrita. Atualmente se encontra em programa de pós-
doutorado no Canadá com um projeto que será destinado aos indígenas do Quebec no Canadá,
utilizando-se da dançaterapia.
Pio Campo, um Italiano, que durante parte de sua vida viveu no Brasil, a princípio
trabalhou com propostas de arte em uma comunidade em Foz do Iguaçu e que depois de algum
período chega ao estado de Goiás, fundando junto com María Fux o Centro Internacional de
Dançaterapia no Brasil à época na cidade de Goiás e também o espaço Cultural Vila Esperança.
Pio é a única pessoa habilitada no Brasil para ofertar a formação em dançaterapia. Possui
experiências com a dança que atravessaram barreiras em países como a Itália, Brasil, Índia e
Nepal.
Sófocles Herácliton Virgolino Missias, formado em dançaterapia por Pio Campo, é um
dos representantes da dançaterapia em Goiânia e também proporciona as vivências em
dançaterapia em outros estados. Acredita na inserção da dançaterapia em contextos de políticas
públicas.
Os conteúdos das perguntas foram semiestruturados e estão divididos entre temas que
cercam a aproximação com o método, a descrição do que é dançaterapia, abrangência do
trabalho dos dançaterapeutas, assim como outras informações adicionais sobre María Fux como
os processos criativos e a relação filosófica que tem com a vida e com a dança.

Por Deborah Maia de Lima em 03 de maio de 2021

1- Como se deu sua aproximação com o método de María Fux?


Eu fazia mestrado em Brasília na área de psicologia e eu utilizei um pouco de María
Fux na minha dissertação de mestrado, mas usei erroneamente como todo mundo usava. Por
que quem conhece María Fux através das obras, através do que se entende dela e até do nome
danzaterapia, dançaterapia, acredita que é uma parte terapêutica ligada às terapias.
Meu mestrado foi em psicologia clínica e cultura, trabalhava dança e trabalhava
processos terapêuticos da dança. O meu orientador de Mestrado Norberto Abreu e Silva Neto
ele foi um dos pioneiros da dança movimento terapia no Brasil e também foi o tradutor do livro
Dança Experiência de Vida de María, então ele conhecia María.
Assim que terminei o mestrado fui fazer uma formação em Dança Movimento Terapia
em Buenos Aires e falando isso para o Norberto ele me falou de María e chegando em Buenos
Aires todo mundo conhecia María Fux.
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Todo mundo praticamente da Dança Movimento Terapia na época já tinha passado por
María. Na época a vice-presidente da associação Argentina de dança movimento terapia, no
segundo dia que eu cheguei em Buenos Aires, me levou para uma aula com María Fux. Então
vamos dizer assim existem duas coisas e aí eu sou incisiva nisso porque eu passei sete anos
trabalhando profundamente em cima disso, uma coisa é se falar método danzaterapia/
dançaterapia, outra coisa é se falar do que María Fux faz. Eu sei falar do que María Fux faz e
eu não acho que as pessoas fazem o que ela faz. Foi essa uma das razões que me levou a
escrever a tese que é a tese dela.
Então eu posso dizer assim... Eu tive, antes, aproximações com a dançaterapia método
María Fux, mas eu tive a vivência da dançaterapia María Fux em agosto de 2008 quando eu
vivi isso com María Fux. Então foi assim que eu cheguei até ela, por um acidente de percurso,
que eu fui para fazer uma outra formação (Dança Movimento Terapia) e fiz essa formação,
também. Falar de María Fux na Argentina até três anos atrás era falar de uma pessoa que
influenciou várias gerações de pessoas que trabalham com dança.
Dificilmente se não impossivelmente vai-se encontrar alguém que trabalha com
movimento, terapia, psicoterapia para “deficiente” (eu odeio isso) que não tenha passado por
ela. Então eu passei por ela por um acidente a princípio, e acabou sendo María Fux a minha
referência na Argentina e durante uns bons anos.

2- Sobre a distinção entre Dança Movimento Terapia e Dançaterapia

Existe sim uma confusão sobre esse assunto, porque quando a gente fala de Dança
Movimento Terapia a nossa base costuma ser duas: Associação de Dança Movimento Terapia
em Nova York e Associação de danzaterapia em Buenos Aires. Inclusive o nome danzaterapia
foi o que me disse também um amigo meu o Guilherme Molina que foi um dos fundadores,
vice-presidente, que a questão do nome danzaterapia e não dança movimento terapia veio um
pouco em homenagem a María Fux.
Dança movimento terapia é uma vertente psicológica que está dentro da cadeia da
Psicologia de um trabalho de movimento com intuito psicoterapêutico, essa é a dança
movimento terapia, ela nasceu lá em Washington no hospital Santa Elizabeth com a Marian
Chace la pelos anos 30/ 40, e ela se difundiu muito nos Estados Unidos, incrivelmente o Canadá
que é praticamente grudado e a influência americano no Canadá é muito grande , nem no
Canadá ela é tão desenvolvida ainda, e é até surpreendente eu fiquei surpreendida. E aí ela veio
para cá sendo desenvolvida em alguns lugares, ficou forte na Inglaterra, em Barcelona aonde
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tem uma universidade que oferece cursos de dança movimento terapia, então ela foi
desenvolvida em alguns lugares, mas ela é de lá (EUA).
Na Argentina algumas pessoas ligadas a dança movimento terapia como a Judith
Esperanza também fazia aula com a María juntamente comigo, Isabel que era da minha turma
de formação de dança movimento terapia. A diferença é que eu fui para fora, para longe, e elas
difundiram isso aqui (dança movimento terapia). A dança movimento terapia está ligada às
psicoterapias. Está dentro das psicoterapias de artes criativas que são: dança movimento
terapia, dramaterapia, musicoterapia, arte-terapia e se não me engano poema terapia. Ela não
tem nada a ver com María Fux, nada. María Fux não faz um trabalho terapêutico, ela nunca
teve essa intenção.

3- Sobre o nome dançaterapia e o referencial terapêutico a que é atribuído à María Fux


O que acontece com María é que ela se aventurou lá na década de 50 para ir trabalhar
com pessoas que tinham “dificuldades” que ela nunca viu dessa forma. Eram pessoas com
síndrome de down, distúrbio mental leve, surdas, mudas, ela se aventurou a pesquisar isso.
Tudo muito corporalmente, então as pessoas viam isso que ela fazia e o que de fato é genial e
começaram a falar que isso era terapêutico.
Quem deu esse nome (dançaterapia) foi Lia Lener que era uma psicóloga que fazia
trabalhos com María, trabalhos com a Maria no sentido de mandar alguns pacientes dela para
María. Então Lia falou a María isso que você faz é terapia então vamos dar o nome de
dançaterapia, como não existia isso na época María aceitou foi isso que aconteceu. Essa é a
diferença. O trabalho da María Fux na abordagem de dança, na abordagem de movimento de
não tem nada a ver com terapia, no senso terapêutico. Pode ter consequências terapêuticas como
o tango pode ter, como tomar sol pode ter, eu sei que as pessoas vão me matar de ouvir, mas é
verdade.
O jeito que ela trabalha, o desenvolvimento da aula, a forma com que ela coloca com o
que ela foi aprendendo e pesquisando, é uma forma que trabalha muito com empatia cinestésica.
Ela cria um universo dentro da sala de aula e isso é extremamente terapêutico, isto faz você
entrar em contato com você, querendo ou não.
O terapêutico colocado com a María Fux começou basicamente pela questão dela trazer
para sala de aula pessoas que não seguiam o padrão de “normalidade” à época não se fazia, até
bem pouco tempo atrás não se fazia, nos anos 80 a maioria dos grupos de dança livre, dança
integrativa, etc e tal, são agora e o fato de colocar todo mundo junto. Então a questão terapêutica
com a María era isso, porque as pessoas melhoravam e é claro que melhora. Você está num
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ambiente que você é aceito, que você é acolhido, o professor faz uma situação em que você é
parte do todo, você se sente parte do grupo, você começa a se expressar, você tem o tempo
para se expressar, você tem o seu tempo, e estamos falando de uma pessoa que está para fazer
100 anos. Você pode sair da aula dela ficar vinte ou trinta anos fora e voltar e ela está lá, dando
a aula dela. Então é como se fosse um ser imortal, a avó fez aula, a mãe fez aula, a filha fez, a
neta tá fazendo também, então ela dá essa sensação de alguém que não vai morrer nunca.
Então a questão terapêutica a etiqueta terapêutica de María vem de duas coisas: Dessa
dela trazer para dança a diferença e uma diferença dentro de uma noção de “anormalidade” se
a gente pensa que na época lá de 50/60 se usava choque elétrico, se jogava água fria em pessoas
que tinham alguma deficiência, algum distúrbio mental, ela trazia essas pessoas para dentro
da sala de aula. Como que não melhora? Então esse foi o primeiro chavão, a primeira porta. A
segunda porta é que como María Fux é um ser especial eu não estou falando isso com nenhuma
idolatria, muito pelo contrário, eu acho que minha relação com a María é tão forte porque ela
sabia que eu não a idolatrava e ela sabia o tanto que eu gosto dela e ela gosta muito de mim
também. Ela valoriza as pessoas como as pessoas são, então não tem jeito de não ser terapêutico,
Rogers fala que qualquer pessoa que tenha três características tem um poder terapêutico sobre
outro ser humano, algumas delas são: dar tempo para que a pessoa possa ser quem ela é, ser
coerente consigo próprio e aceitar incondicionalmente. Qualquer pessoa que tenha isso tem um
poder terapêutico sobre outra pessoa e María Fux tem isso encarnado. Ela te traz para que você
seja o seu mestre de dança e de qualquer coisa porque está tudo ligado e ela tem isso muito
claro.
O nome dançaterapia atrapalhou no entendimento do que María fazia, mas María não
estava preocupada com nomenclaturas. Eu falava muito com ela porque eu vi as pessoas
colocarem Dança Criativa Maria Fux, Danzaterapia Maria Fux, e eu ficava agoniada e eu virava
para ela e dizia: Maria como você deixa isso acontecer? María respondia: Deborah para de se
preocupar com o que você não pode controlar, isso é problema deles não é meu, pode chamar
do que for... Então isso que as pessoas querem colocar nela são as pessoas que querem colocar.

4- Como eram as aulas? Existia separação por faixa etária? Nas turmas mistas a forma
de ensino era diferenciada?

A separação por faixa etária existia. Analisei criticamente o trabalho dela, era próxima,
mas uma proximidade boa que não me confundia com aquele ambiente, o que me permitiu ter
uma visão crítica. Meu amor por ela que é gigantesco, María é uma das pessoas que eu mais
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amo na vida, que mudou a minha vida, não só a aula dela, ela! Mudou a minha vida e me deu
outra vertente, ao mesmo tempo eu também a confrontava e isso foi muito bom, porque ela me
respeitava muito por isso e ela gosta disso.
Estamos falando de uma pessoa que teve várias fases. Ela foi diversificando muito o
trabalho dela, ela foi investigando. Então se a gente falar quem é uma das maiores
investigadoras do movimento da América Latina eu a coloco no topo da lista. Essa investigação
não é escrita, ela investiga na prática, é uma pessoa da prática.
Ela fazia aulas mistas, mas ela separava por algumas idades. Ela deu a classe das
crianças de três até sete anos para Maria José porque é muito complicado você pegar uma classe
que tem gente de oitenta e noventa anos com uma criança de três anos. Então essas classes,
vendo as classes como eu via o dia todo. A gente pode dizer que são classes de dança criativa
no bom senso labaniano de ser. Eram classes para crianças, trabalhavam dança criativa com
Maria José, que assumiu essas aulas já há um bom tempo. Então havia essa aula com crianças
e havia essa aula do sábado que era a aula dos “chicos” era a aula integrativa. E eu até fiz esse
questionamento na tese, não era uma aula integrativa no senso do que era integrativo do que é
inclusivo. Na aula integrativa tinham mais adolescentes e pessoas com “dificuldades” era maior
número de pessoas, mas tinham pessoas como nós. Eu fazia todas as aulas. María mudava
alguma coisa da aula, a aula era mais simples, as consignas eram mais simples, mas a base da
aula era a mesma. E também tem uma justificativa para isso, nos sábados era mais fácil para os
pais levarem os filhos, porque os pais trabalham e final de semana os pais estavam mais
disponíveis para levar os filhos para a aula que começava 11:30 horas.

5- As pessoas com deficiência faziam apresentações ou ficavam restritas às salas de aula?


O grupo Hoy de María Fux teve várias versões, a última apresentação se não me engano
foi em 2016. Ele era composto por pessoas que tinham mais tempo e mais conhecimento da
abordagem de María Fux.
Nas apresentações, por exemplo de fim de ano do estúdio, nas apresentações no teatro,
porque havia além da mostra de fim de ano no estúdio também as apresentações do teatro e
dentro das apresentações tinham várias pessoas com algum distúrbio, algum tipo de deficiência.
Então referente as apresentações do grupo Hoy, se você pegar no youtube tem vários vídeos,
todas as pessoas lá são pessoas que eu conheço. Mas por outro lado esses alunos, eles
participavam normalmente, ela dava lugar para todos. Ela sempre deu lugar para todos dentro
das apresentações.
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6- Sobre os processos criativos de María Fux

María não trabalha com coreografia. María se relaciona com o espaço de uma forma
impressionante. Impressiona o que ela forma no espaço, ela trabalha com aspectos de tocar o
espaço, eu sou o espaço, como me movo no espaço, o espaço se move comigo. Então essa
história do espaço, essa relação que ela tem com espaço ela traz para o aluno.
Então estou te dizendo isso porque quando ela fala de coreografia, o que eu acho,
conhecendo a María, o que ela tá falando é que qualidade de movimento dentro daquele espaço
vai definir. Ela é nesse ponto, você pode fazer um estudo labaniano de qualidade de movimento
com as aulas dela e as metáforas que ela utiliza, as relações que ela faz são todas para gerar
qualidade de movimento. Porque ela sempre trabalha com improviso, quando eu digo improviso
é improvisação livre. Por exemplo em contato e improvisação, dentro de uma apresentação de
contato improvisação, tem uma marca, tem um marcador no espaço, e María tem um pouco
disso, o trabalho dela se assemelha muito, ela deixa o espaço, o grupo entra, é aquele grupo que
vai estar naquele lugar para apresentação, mas dali pode surgir um novo, e ela acata o novo.
Não é bagunça, ela tem um olhar estético muito refinado mas ela não é rígida.

7- O que é dançaterapia para você?

Dançaterapia eu vou dizer método María Fux que eu até desconstruo essa ideia de
método na minha tese, mas dançaterapia por María Fux, e isso é muito importante, porque o
fato do trabalho dela ser totalmente subjetivo dá espaço para qualquer pessoa pensar qualquer
coisa, então ninguém definiu dançaterapia ainda, eu não achei nenhuma definição em nenhum
dos livros dela e eu tenho todos em espanhol e os que têm traduzido em português. No último
livro que eu acompanhei, que assessorei que é o Ser Dançaterapeuta Hoje. Fui eu quem trouxe
ele para Summus, apresentei e acompanhei toda a tradução dele, o livro já estava indo para a
impressão e quando eles me mandaram e eu vi diversas traduções que não tem a ver com que
ela faz, e eu entendo porque ela escreve igual ela dá aula, então quem não fez aula com ela
não sabe do que ela está falando.
Dançaterapia pela María Fux é uma abordagem de dança que utiliza toda uma gama
subjetiva, teatral, teatral no sentido de levar as pessoas para as artes cênicas, mas não para
interpretação teatral. É uma é uma abordagem de dança. Isso é importante dizer, que é uma
abordagem de dança, que por ser dada e vivenciada, é uma abordagem de dança de
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improvisação onde se trabalham elementos de espaço, tempo, cinesfera, ela trabalha com
história, ela trabalha com a realidade e a subjetividade de cada um.
Ela junta tudo isso e faz uma aula de uma hora, dividida em quatro partes. E isso que eu
estou lhe falando não é uma definição simples, ela cria esse espaço transicional, e você entra
dentro dessa história atemporal e vive esse universo que ela te dá. Ela que te dá o universo, ela
que faz a história, trabalhando com todos esses sentidos, e a partir daí você tem uma experiência.
Então é uma abordagem de dança e que te propicia uma experiência no sentido mais profundo
que você puder sentir e entender a respeito da sua relação com você mesmo e com o outro, e
com o outro que eu digo é o meio, espaço, coisas, e ela faz tudo isso dentro de uma aula. Cada
um toma isso de acordo com a forma que está naquele dia, então ela pode ser mais profunda,
menos profunda, pode significar nada ou pode transformar sua vida.
Esse é um trabalho que conseguiu ficar aí 70 anos ininterruptos e ninguém consegue
entender, Ele é lúdico, ele é sincero porque ele te convida à sinceridade. Ela fala do movimento
verdadeiro, na verdade do movimento. Quando você se permite viver tudo isso dentro de uma
sala de aula não tem como você não se confrontar. E ainda trabalha com o movimento que é a
coisa mais terapêutica que a gente tem. O movimento trabalha todas as conexões possíveis e
imaginárias, o movimento trabalha tudo no cérebro, você tem um movimento nesse ambiente
onde você é livre para ser quem você e ao mesmo tempo você tem uma contenção, você não
vai fazer uma catarse (como seria se fosse terapia), você vai fazer uma aula de dança!
Você se expressa, você aceita os outros, porque você está convivendo com gente de todo
o tipo. Então você se confronta com vários limites, inclusive de ver essas pessoas desabrochar
de uma forma belíssima no decorrer do seu trabalho. Então o que que é terapêutico em María
Fux? O que ela faz disso tudo que já existe. Ela trabalha com os movimentos, com passos, com
o tempo, com Laban mesmo, mas a sopa que ela faz disso, é dela, isso é dela!

8- O método utilizado por María Fux será perdido com o tempo uma vez que se trata de
uma abordagem personalizada?
O que eu posso te dizer é que, de verdade, o que a María Fux sempre quis é que cada
um encontrasse a sua forma de fazer a sua dançaterapia. Sempre foi isso o que ela quis, ela
nunca quis cópia. O meu intuito e o meu desespero de fazer essa tese, foi por causa dessa
pergunta que você me fez. Eu percebia que não existia absolutamente nada que fizesse jus ao
que fosse María Fux, porque nunca havia tido um estudo aprofundado sobre ela, com ela.
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Quando eu recebi o aceite da UQAM Universidade de Québec à Montreal, eu estava lá


tomando café com ela quando a minha mãe me mandou a notícia. E na hora eu falei para María
vou fazer com você, quero fazer com você.
O intuito da tese foi justamente deixar escrito o que ela fazia, como ela fazia e não como
as pessoas veem ela fazer. Não é a minha interpretação que está lá, é o que ela fazia. Porque
eu não vi como uma tese, eu vi como a única chance de deixar registrado, enquanto vida,
enquanto viva, o que ela fazia, por ela, porque as pessoas falam por María, mas ninguém dava
voz a ela para ela dizer. Então a gente pegava o que ela dizia e vamos ver como é que é isso,
quais são as incoerências que tem aqui e aí vamos entender essas incoerências dentro da María.
Então por isso que eu digo assim, eu sou muito agradecida por que eu pude viver os dois lados,
acadêmico e de alguém que estava lá (convivendo com ela). A única pessoa que vai fazer
realmente a dançaterapia é a María Fux, ninguém, ninguém mais! Quando ela parou de fazer, e
ela parou no dia 20 de setembro de 2016, que foi a última aula dela, eu fiz essa aula.
Então voltando a tese, a tese é sobre a parte pedagógica dela, a parte artística dela a
gente tem a obra María sobre María que foi feita pela Lúcia Lopes. É uma amiga minha
também, é a peça belíssima. Aí nessa peça, a Lúcia fez uma pesquisa de dois anos sobre o
recorrido artístico da María Fux. Eu peguei a peça, conversei com a Lúcia, foi quando eu a
conheci, levei a peça para o estúdio da María eu queria que a María visse. Eles apresentaram
lá dentro da sala de aula dentro do estúdio da María para ela. María sentadinha, como se fosse
um teatro. María chorava, chorava de emoção, porque foi fenomenal. Eu peguei a parte
pedagógica de María, a minha história foi mais para saber como como ela como pedagoga, ela
criou história, ela criou história!

9- Qual o tipo de abrangência do seu atual trabalho?

Com a pandemia as coisas ficaram paradas, e a pandemia veio logo depois que eu
defendi a tese. Tudo em Montreal. Ficamos em atividade via zoom. Então eu não trabalho
exatamente com o que María fazia do jeito que ela fazia, porque também precisa de presença,
mas eu utilizo muito do que eu aprendi com ela. A forma que ela utiliza a música, porque a
forma com que ela utiliza a música é fundamental.
A música dentro da dançaterapia é outro TCC. María utiliza a música de 06 formas
diferentes, apenas com uma música. Então eu pego o que eu aprendi dela e pego o que eu estudei
dela e aplico dentro do meu jeito de dar aula. E é interessante porque utilizando o que eu aprendi
o que não é consciente porque a gente tem mais incorporado por ter já vivenciado muito. Eu
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vejo pelo fato de ter aprendido muito com María, que me fez incorporar uma forma de ver a
dança e ver o mundo e as pessoas. Que convida as pessoas a estar, que convida as pessoas a
serem elas mesmas. Eu faço improvisação, eu brinco, a gente estava dançando um poema, uma
das participantes fez um poema lindo para aula de movimento, eu fiquei assim tocada, ela fez
esse poema e a gente dançou esse poema que vai ser apresentado em vernissage agora no final,
qualquer pessoa pode participar.
E é isso que eu que eu faço dela agora, eu não coloco o nome de dançaterapia, eu não
me vejo fazendo isso não. Não me vejo levantando essa bandeira, porque eu acho que María
Fux não é uma bandeira, ela é um grande semeador. Ela jogou semente para tudo quanto é lugar,
então cada uma vai germinar com o que tem.

10- É possível afirmar que existe uma forma única? Um registro em forma de patente
desses processos criativos do método?
Eu estava lá no estúdio e cartório ligou, quem atendeu fui eu, falando justamente de que
o tempo estava expirando precisando renovar a patente do nome. E a partir daí evidentemente
eu deixei a Maria José (assistente de María) tomar conta, mas hoje eu não sei como está.

11- Como você vê a dançaterapia hoje? Qual a importância de María Fux nesse contexto?

Eu vejo a dançaterapia como uma abordagem extremamente mal entendida, mal


compreendida, nesse ponto eu me coloco agora, hoje, um pouco responsável por isso, talvez
essa nossa conversa tenha me despertado algo, de que eu tenho que fazer alguma coisa.
Então eu a vejo mal compreendida. Entendo por que ela é mal compreendida. Não
critico a má compreensão dela, até por que é difícil explicar. Fazer essas diferenciações que
você me perguntou, o que é dançaterapia, o que é dança movimento terapia, difícil porque as
pessoas não sabem o que é dançaterapia. Ela (María) deixou um monte de coisa bonita, livros
com frases maravilhosas, porque ela é uma pessoa bonita então ela escreve bonito, mas dentro
do trabalho dela ela não teve a intenção de teorizar, quem teve essa intenção fui eu no sentido
de procurar uma academia, preferentemente, fora do Brasil.
Então eu acho que a dançaterapia, método María Fux quando dado por María Fux , é
uma ferramenta absurdamente poderosa para se ensinar movimento para as pessoas, para se
ensinar expressividade, para se ensinar arte, pela simplicidade, pela potência que isso tem,
pelo respeito que se tem pelo professor. Porque o professor de dança, o professor que está lá,
ele é parte fundamental do processo. A (aula de) dança não é centrada no aluno, como podemos
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pensar Paulo Freire, John Dewey. Ela é centrada no professor e no aluno. O professor não se
força, não se violenta em nenhum momento, ela tem um respeito absoluto por ela e pela pessoa
que está dando aula.
Vou dizer que a dançaterapia método María Fux por María Fux, é uma forma de vida,
como ela viveu a vida dela. É um paradigma, ela chega a ser um paradigma de vida, não só uma
abordagem. Ela é uma abordagem de dança, como está sendo na prática, mas ela é um
paradigma da forma de ver a dança no mundo e para o mundo.
Então ela é desconhecida, ela é algo muito fora da caixinha que a maioria de nós coloca
na caixinha para conseguir entender, porque ela não é facilmente compreendida. É muito fácil
você olhar e colocar uma etiqueta no que você vê, mas quando você vai viver um pouco, quando
você entra um pouco, você vai ver que não é isso. Então eu vejo a dançaterapia negligenciada,
Maria Fux uma pessoa negligenciada, ela é exaltada como um grande nome, mas ela é muito
negligenciada. Ela é uma abordagem somática da dança, ela está no limite entre elementos da
educação somática e elementos da dança, ela transita entre os dois.
Então eu etiquetei a dançaterapia de María Fux por María Fux como uma abordagem
somática de dança, o que ela faz. Mas muito negligenciada, eu acho que a gente tem sim que
falar mais, estudar mais e talvez eu tenha que me mexer mais para dar mais ferramentas, mais
recursos. Maria Fux ela é talvez uma das maiores pensadoras de dança do século passado aqui
na América na Latina, porque ela tem uma filosofia de dança, a aula dela leva à filosofia de
movimentar a vida dela. A filosofia dela é bem presente, mas também desconhecida, é alguém
desconhecida.
Mas as centenas de pessoas que passaram por ela, vamos dizer assim fora de seu âmbito
conhecido, conhecido no sentido de só poder estar com, a grande maioria 99% foram
profundamente tocadas por ela, então ela tem uma importância enorme na vida, enorme com
gradações claro, na vida das pessoas que puderam estar próximo dela. Ela é uma pessoa simples.
Ela é uma complexidade um universo dentro de uma simplicidade absurda, e por ser simples e
ao mesmo tempo muito bonita, muito magnética, mas a simplicidade sempre fala mais alto.
Não só eu, mas as pessoas da dança de Buenos Aires, principalmente o pessoal que fez
María sobre María, o pessoal que conhece também o outro lado e a gente discutiu muito, ela é
uma das precursoras da dança contemporânea na América.
72

12- Sobre María, informações adicionais

Um ponto que precisa ser batido, uma coisa é a etiqueta danzaterapia outra coisa é o que
a María Fux faz, são duas coisas muito distintas. O que María Fux faz é subjetivo, cada um
entende com o que tem.
Uma outra coisa que eu perguntei para ela foi sobre o ensinar para o aluno, o que você
ensina, o que a gente ensina: “Não ensinamos nada”, ela respondeu. “Você não tem que estar
preocupada se o aluno tem que aprender ou não, quem tem que aprender é você, não é o aluno.
O aluno vai aprender no tempo dele, é você que tem que aprender, o aluno vai aprender no
tempo dele, cada um tem o seu tempo, ele tem o tempo dele e você tem o seu, mas você tem
que aprender”, ela falava. Ao mesmo tempo tem o compromisso do professor de nunca parar
no mundo. Talvez seja por isso a dificuldade de de definir, talvez eu tenha conseguido isso
porque eu encontrei com ela nos últimos anos de pedagogia dela, depois de tudo que ela passou.
Talvez se eu tivesse encontrado com ela nos oitenta ou noventa, eu fosse pegar uma
outra María. O que eu estudei dela foi o resumo da carreira dela. Ela parou de dar aulas com 96
anos. E eu sortuda estava lá no dia, fiz uma entrevista de uma hora e vinte com ela no último
dia de aula dela. María é uma pessoa fascinante, um ser humano fascinante, me sinto
privilegiada de ter conhecido uma pessoa como ela. E é um privilégio ter sido chamada, porque
ela quem escolhe para estar perto dela. Eu fui para dentro da casa dela e aí cada vez mais dentro
da casa dela, cada vez mais entrando, conhecendo a família, conhecendo pessoas, vivendo os
conflitos. Então eu não critico, eu não tenho como criticar porque eu tive um lugar
extremamente privilegiado da história, da minha história e da história também do estúdio com
ela, vamos dizer assim.

Por Pio Campo em 18 de maio de 2021

1- Como se deu sua aproximação com o método de María Fux?

Encontrar María para mim na verdade foi o resultado de uma busca que começou
Quando eu era criança e que tinha a ver com o sentido da minha presença no mundo. Quando
eu era criança eu me perguntava qual era o motivo pelo qual eu estava vivo, mas essa pergunta
ela cresceu junto comigo.
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Até os meus 33 anos cada vez com mais intensidade, quanto mais eu vivenciava as
minhas questões, particulares da minha existência, meus questionamentos, o fato de ter um bom
trabalho e que que ele me proporcionava e ter uma casa, ter uma relação... isso tudo sempre
me pareceu pouco.
Porque tinha uma insatisfação latente, então por exemplo, quando no trabalho aqui na
Itália, agora eu estou na Itália. Quando na Itália eu fiz carreira, eu me adentrei dentro do mundo
que era um mundo muito feito de imagem, da imagem externa.
O que representava para o mundo e uma necessidade de eu estar de terno, não só de
terno, mas de terno de uma certa qualidade, todas essas coisas.
Por um tempo eu me diverti, me diverti no sentido de que me dava prazer, mas o tempo
todo se tornou meio vazio, por exemplo, dentro de uma sociedade quais são as grandes
questões? De ter um relacionamento bom de ter uma casa, de ter um bom trabalho que são
coisas muito importantes, mas eu junto com isso tinha bem no fundo e cada vez mais aflorado
a necessidade de algo que realmente desse sentido a tudo, então eu larguei tudo e fui para o
Brasil.
Fui morar numa favela porque eu estava muito interessado em compreender a injustiça
social não do ponto de vista intelectual, mas partilhando por quanto possível a minha presença
com pessoas desfavorecidas. Então eu comecei dentro de um projeto social numa favela de Foz
do Iguaçu e ali também aconteceu uma coisa muito peculiar que é muito interessante que foi
mesmo tendo feito esse passo que as pessoas acham heroicos que para mim era na verdade
atender ao meu pedido mais íntimo de compreender a mim mesmo, mesmo lá eu tinha esse
nível de insatisfação.
Porque eu não sentia que aquilo me completava como ser humano, mesmo tendo
deixado meu país, minha família, deixado uma relação, deixado a casa, deixado tudo, um tipo
de conforto, e ter entrado numa outra situação bem mais desafiadora, então, na prática não
mudou muito. No Brasil depois da experiência da favela que durou 06 ou 07 meses eu criei em
conjunto com outras pessoas um projeto para crianças desfavorecidas no Estado de Goiás.
Era um lugar bonito onde o objetivo maior era oferecer a beleza para crianças que não
tinha direito a beleza, então elas frequentavam esse lugar. Eu vendi tudo o que eu tinha, então
pude construir, comprar um terreno, construir um espaço chamado Espaço Cultural Vila
Esperança que existe até hoje, só que eu não faço parte mais.
Então aí tinha a primeira intuição a respeito da dança, da questão da beleza, mas assim
só como intuição que na verdade, naquele momento, era esse de proporcionar beleza às pessoas,
as quais a beleza era negada por questões econômicas, era a minha grande inspiração.
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Então esse projeto se tornou uma escola, mas uma escola extremamente divertida, no
meio do verde, muitas flores e etc. E foi ali que um dia, em um tempo em que eu sentia que
apesar daquilo, dessa realização, eu ainda não estava insatisfeito comigo.
Um dia bateu uma mulher à porta, era uma italiana, psicóloga e que eu fiquei sabendo
depois era uma aluna de María Fux. Ela se interessou pelo projeto por ser italiana, e estava
visitando o Brasil e por saber que tinha um italiano com um projeto.
Então ela foi lá e ofereceu participação no projeto em troca de hospedagem e ofereceu
um curso breve de uma semana de dançaterapia e foi assim que se deu o primeiro encontro.
Naquele encontro depois da distância de 30 anos, tinha alguns equívocos sobre o que
eu compreendo hoje como dançaterapia, mas mesmo assim a essência da María de alguma
forma estava presente e eu naqueles dias comecei a sentir uma curiosidade uma teimosia em
conhecer María Fux.
Comecei a ler os livros e assim o fiz. Só para te contar como estava equivocada a
questão, da maneira que esta mulher mostrou o método, claro que eu tenho muita gratidão, mas
eu hoje eu compreendo por que não batia muito, porque ela era uma psicóloga, e eu pensava
naquela época que eu tinha que estudar psicologia.
E eu pensava naquela época que eu tinha que estudar psicologia, uma coisa que não é
realidade dentro do método. Porque tem uma abordagem que tem a ver com a psicologia, mas
não quer dizer que você precisa ser psicólogo para ser dançaterapeuta, mas enfim, eu entrei
dentro desse equívoco que era achar que eu tinha que estudar psicologia.
Até o dia em que um amigo me falou que tinha encontrado o telefone da María Fux, ela
estava em Buenos Aires. Era domingo, ela atendeu e meu coração disparou ao ouvir a voz dela,
María tinha mais ou menos 70 anos naquela época.
E ela me falou: Eu começo uma formação em Brasília nesta sexta, venha! Eu estava
no estado de Goiás há apenas 03 horas de ônibus e eu sai enlouquecido para Brasília de ônibus.
E quando eu vi María dentro dessa sala que ela estava dando o curso e eu cheguei
atrasado, eu estava tão bagunçado, tão agitado que que perdi o endereço, e eu cheguei atrasado,
coisa que María detesta, mas quando eu entrei na sala e a vi, em poucos segundos o pedido de
uma vida se acalmou e o coração me falou: agora tá em casa era ela que você estava procurando,
e esse foi o começo há 30 anos atrás de uma história que nunca mais eu deixei.
Reconheci a María e naquele dia e estava acariciando a música no ar, e o objetivo da
minha inquietude, o porto ao qual a minha inquietude queria chegar, porque através de uma
forma muito misteriosa eu compreendi que era aquilo que eu estava buscando na minha vida.
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Aquela dança e naquele momento era María porque era ela que através do movimento dela,
tornava tão clara a minha busca de 33 anos em que eu não sabia o que eu estava procurando.
Eu ao vê-la, eu compreendi que eu estava realmente buscando aquilo e daí começou a
2ª fase da minha vida, que foi a vida com María, que é a vida com ela. A formação com ela e
compreender o método como uma maneira outra de viver a vida, e claro sempre uma etapa
diferente porque María está com 99 anos, naquela época ela tinha mais de 70 e nós fomos
crescendo juntos, acredito. Então esse é o começo.
Durante a minha formação com María ela frequentou a escola Vila Esperança ao menos
umas três vezes por que a gente teve um processo de identificação profundo e acho que isso
não se explica. Quando você encontra o mestre da sua existência então era recíproco, tanto eu
com ela, quanto ela comigo, talvez por ser um dos poucos homens que ela formou, e mais do
que isso, na verdade não acho que está no fato de eu ser homem. María ficou, por exemplo,
muito impactada com a minha escolha, de deixar a Itália, de trabalhar com crianças
desfavorecidas, porque María sempre teve uma sensibilidade muito grande por todas as pessoas
que vivem às margens da sociedade.
Com ela, por exemplo, com os braços dados com ela em Buenos Aires passeando, ela
sempre chamava a minha atenção para as pessoas que moravam na calçada. Então para María
acho que grande parte dessa identificação comigo se deu também pelo fato dela me ver atento
a essa questão social de uma forma tão ativa.
Então o primeiro centro de formação em dançaterapia María Fux nasceu exatamente na
Vila Esperança por que foi lá que inauguramos uma pracinha que leva o nome dela acredito até
hoje, porque eu não frequento mais lá, mas deve estar lá ainda porque faz parte da história.
Então María fundou a primeira sede do centro de dançaterapia no Brasil nesse lugar.

2- Como foi a sua experiência em Goiânia na Colônia Santa Marta?

Quando eu comecei toda minha prática na dançaterapia e esse encontro foi tão
significativo, tão importante, eu diria a resolução da minha existência, não que eu não tenha
problemas, mas hoje, todos os desafios que eu vivencio, eles são vivenciados a partir da
dinâmica que é estar na dança, então de alguma forma a dança resolveu a minha vida, porque
não só me deu uma forma de garantir a minha existência, mas me proporciona uma
possibilidade de encarar a existência, os meus desafios a partir dela, a partir do método mesmo.
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Então uma boa parte do meu tempo durante a formação, depois da formação, foi buscar
lugares aonde os seres humanos se encontravam em situações de precariedade ou pela doença
física ou pela doença mental ou por condições sociais bem desafiadoras. Eu queria compreender
com o que eu tinha encontrado como ser humano dentro da dança como permitir a outras
pessoas de ressignificarem a existência delas mesmo numa situação extremamente desafiadora.
Então a Colônia Santa Marta nesse desejo meu de encontrar qual que é o elo comum
que permite ao ser humano através da dançaterapia, da natureza dança, de se encontrar e de se
enxergar de uma forma diferente.
Então eu quis procurar realmente lugares bem extremos. Eu tinha um desejo de
encontrar as pessoas que de alguma forma foram marcadas pela hanseníase, porque é uma
doença muito impactante a nível social porque por muito tempo a hanseníase não teve cura.
Então as pessoas que moravam na Colônia Santa Marta eram pessoas que tinham tido
hanseníase por 30 anos, então o corpo delas estava comido pela hanseníase. Então era um lugar
de isolamento que era a única maneira de protege-los e proteger os outros era o isolamento, não
porque era tido como uma crueldade. Se você for na Colônia Santa Marta, vai ver que é um
lugar separado por um rio e tem que atravessar uma ponte, era a maneira que naquela época era
possível conter a doença até quando foi descoberto o remédio e aí as coisas mudaram.
Mas o que que aconteceu com a Colônia Santa Marta é que as pessoas que estavam lá
tinham passado por todo um histórico de ter que deixar as famílias delas para não contaminar e
nunca mais vê-las e também não ter o remédio. Então o corpo delas se transformou ao ponto de
elas não poderem mais, nem quando o remédio surgiu, voltar para a sociedade. Tinham a
dificuldade de serem vistos e as sociedades ainda mais de olhar para eles.
Então para mim foi uma época muito abençoada porque sinceramente foi uma
aprendizagem enorme que eu recebi deles, a vontade que eles tinham de dizer olha nós estamos
aqui, mas nós somos pessoas que carregam sonhos, que carregam amor, que carregam desejo
de afetividade. E a dança entrou nesse lugar de poder manifestar aquilo que tinha ficado
entupido por tanto tempo, como a porteira de expressão de si, dentro de corpos diferentes, esse
desejo imenso de dizer olha eu estou vivo, eu tenho desejos como todo mundo tem. E então
durante a prática de dançaterapia com eles eu os vi renascerem de uma forma muito potente
assim, uma emoção muito grande o tempo todo, de poder dizer aqui eu estou eu posso criar.
Esse episódio que eu devo ter relatado várias vezes porque foi muito impactante de uma
mulher que tinha só os punhos, ela não tinha mais os dedos, e ela falava sempre: Olha quando
eu danço eu consigo enxergar meus dedos de volta eu os vejo se mexerem. E é a história de
muitas pessoas que eu amei profundamente, que já não estão nesse plano, entre elas a Teresa
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que era uma pessoa com senso de ritmo tão grande com um amor pela música movimento e ela
era uma das pessoas das mulheres mais prejudicadas pela hanseníase fisicamente, os traços do
rosto dela, mas era uma pessoa de uma beleza infinita, uma beleza que a gente pode enxergar
além da questão física, que é a beleza que nos habita a todos, no ser humano. Mas nela, por
exemplo, era evidente a potência dessa beleza, porque quando ela dançava, alegria que ela
tinha, o desejo que ela tinha de se manifestar, era como uma onda, que eu te encontrava e se
transformava em mim, transformava a mim porque ela era maravilhosa dentro do movimento
dela.
Tem um episódio que não sei se você já ouviu, um dia eu cheguei e ela estava muito
triste, ela estava com sondas nos braços e a enfermeira estava muito nervosa porque a
medicação não descia para as veias. A Teresa estava bem machucada por conta da medicação,
acho que foi a única vez que a vi triste, abatida.
Então eu liguei a caixa de som e falei, Teresa vamos ouvir uma música juntos, vamos
dançar o que você pode dançar. Eu coloquei a música e ela começou a mexer com o outro braço
que não tinha sonda e o remédio começou a descer.
Então assim, para mim a experiência na colônia Santa Marta tem sido um dos pilares
que eu nunca vou esquecer pelo tanto que eu aprendi lá, pelo tanto que eu testemunhei onde
chega o movimento, como no método acontece não é o movimento estereotipado mas o
movimento que tem e está profundamente ligado com a sua essência, como aquilo toca a sua
emoção, que toca a sua história, o que o método na verdade é, o método de María.
Então a Colônia Santa Marta junto com muitos outros lugares que eu visitei, que eu tive
a benção de poder conhecer, todos os lugares assim muito significativos na construção do meu
ser humano, do homem que hoje eu sou, porque junto com María nasceu essa percepção de
como o outro se torna o seu mestre, de como o outro e a sabedoria ancestral que habita no ser
humano que chega em você através do outro, então a Teresa para mim foi uma grande mestra,
uma mestra que brotou de Maria.

3- Nos países em que proporciona as vivências em dançaterapia percebe alguma diferença


do modo como lidam com a deficiência ou com a doença?

Minha experiência é que não existe uma diferença por mais que seja diferente o lugar
onde a dança chega, porque ela funciona ao meu ver como um denominador comum, ela está
ligada eu diria ao DNA humano onde consideramos humano como ser criativo independente de
onde ele se encontra.
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Então nas minhas viagens, por exemplo, no Nepal na Índia em contextos sobretudo no
Nepal muito desafiadores. No Nepal foi um contexto de mulheres que tinha sofrido violências
pelos homens, na cultura oriental não sei se isso mudou agora, mas na época a mulher sempre
era culpada, no sentido que mesmo que fosse evidente que ela tinha sofrido violência terríveis
às vezes queimadas pelos maridos.
O casamento acontecia através de uma programação, às vezes você encontrava meninas
de 12 anos casadas com homem 40, não que a idade que você seja muito significativa numa
relação, mas quando falamos de meninas de 12 anos isso se torna muito complexo. Então muitos
casamentos arranjados que explodiam na violência mais absurda, então essas mulheres a única
maneira que elas tinham de se salvar, porque se elas fossem se manifestar publicamente elas
perderiam, mesmo sendo as vítimas da violência, elas perderiam os filhos, deveriam abandonar
a casa do marido, que é considerado como um Deus encarnado, então pode fazer o que quiser
Então a única válvula de escape era através de encontrar um refúgio em alguma ONG
onde elas ficavam escondidas da própria família, da do marido, é era lá que eu as encontrava
através da dança. Se tem uma coisa que eu pude encontrar demais diferente até agora foi nesse
contexto no Nepal, aonde eu estava com mulheres nepalesas, elas não falavam inglês então a
gente não tinha a facilidade da língua para se comunicar, eu era um homem numa estrutura
totalmente feminina, em termo de gerencia, em termos de atendimento, era só mulheres, e eu
um homem e que ainda dançava.
Então a coisa mais absurda foi essa, eu tinha só a dança para estar com elas, e eu percebi
naquela experiência, assim como na Itália e hospitais no Brasil, Colônia Santa Marta (Goiânia),
asilos para idosos e etc, que a dançaterapia de María age naquela pergunta fundamental que
habita qualquer ser humano em níveis de consciência diferente, mas ela sempre está aí, quem
eu sou? O que que eu estou fazendo? A doença, o gênero, as questões sociais me definem? ou
não? e eu dentro do entendimento que tenho, acredito que nada disso define o ser humano, acho
que o ser é humano independente de ser homem ou mulher, criança, que tenha uma identidade
sexual, questões físicas, sociais, existe um núcleo dentro de cada um que quer pertencer a este
milagre de sermos humanos, onde cada uma cada um de nós busca poder se amar, poder se
compreender, poder amar muito além da busca em termos econômicos ou afetivos e tec.
Dessa necessidade que cada ser humano tem reconhecido de ser visto, mas
principalmente por ele mesmo, para a gente poder estar contato com a gente, então ao meu ver
esse contato que a dança proporciona com você mesmo, mas não o contato com você torcido
pela dor ou qualquer outro evento que tenha te transformado em um ser que tem muitas
problemas para resolver, mas que tem uma essência.
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A essência mais pura e intacta, a dança vai la, mesmo que aquela pessoa não saiba que
aquela essência está intacta. Por exemplo, você pode estar em uma situação muito desafiadora,
mas qual é o instinto que está la, que te habita? As vezes está bem enterrado, e a dança vai ali.
Então não tem diferença de culturas, de gêneros, de situações sociais, de situações físicas. A
dança é como um respiro e toca esse lugar e ressignifica tudo, lógico que isso não é um passe
de mágica, magico é como a dança consegue fazer isso, e ela consegue, e a pessoa sente que
tem algo acontecendo dentro dela.
Eu sou testemunha de ver nascer muito choro após minutos que a pessoa estava dentro
de um encontro de dança, e é a mesma coisa que me aconteceu quando eu vi María pela primeira
vez. Entender que aquilo faz parte de mim, e é isso que eu quero, eu quero dar esse passo na
minha vida.
Então nesse sentido não, não tem diferença, nunca encontrei uma diferença que eu
estivesse com uma pessoa de cem anos porque eu estive, em um projeto com pessoas de mais
de 100 anos na cadeira de rodas aqui na Itália, não é diferente de encontrar pessoas como eu e
você, encontrar crianças, de contratar mulheres no Nepal, na Índia, na Colônia Santa Marta...
Então essa diferença incrível que é o gênero humano o que nos torna todos únicos,
semelhantes dentro dessa percepção de si, dentro do desejo de existir, de existir dignamente.

3- O que é dançaterapia para você?

Eu diria que a dançaterapia a partir do método que a María elaborou, é a evocação do


poder de criar que nós seres humanos temos. O que ela dá é a experiência de estarmos vivo ao
meu ver é o poder de criar. Obviamente isso não é uma característica única da dançaterapia. Se
você é um médico e ama a medicina e compreende que a medicina ressignifica a sua existência,
aquilo é à sua maneira de se manifestar, como homem, como mulher, através do trabalho que
você ama, e que ressignifica a sua existência. A dançaterapia ela entra dentro do chamado dentro
de você. É esse poder de criar e no caso da dançaterapia de criar pelo movimento.
Então qual que é a grande dádiva que a dançaterapia nos proporciona é a de poder
colocar em movimento esse poder que está dentro de nós, então não é um movimento repetitivo
ou um movimento já criado, é movimento que você expressa aquilo que você sente, como que
você sente, e é um movimento que é estritamente ligado a criação.
Então ele se dá não pela imitação, mas dentro daquilo que você compreende dentro de
você o que é criar, dizer, o que as palavras não podem dizer e poder manifestar através de um
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movimento que se torna cada vez mais íntimo, através de um itinerário que é infinito, e que se
torna mais concretamente a expressão mais intima do seu ser.
Comigo, por exemplo, acontece que eu quando eu estou em um grupo, que se apresenta,
fisicamente, coloridamente é o Pio é a minha história de 63 anos de vida. A minha barba
colorida, mas i que se apresenta com mais força é o que a evoca em mim, e o que evoca em
mim também está dentro do outro, também está ali para receber. Então é como chamado
ancestral, é esse lobo interno que uiva o meu ser, e diz eu quero viver eu quero me sentir eu
quero sentir, isso funciona como o chamado da floresta que toca o outro, em medidas diferentes,
e formas diferentes, mas sempre toca.
Eu tenho experiência de ter testado na frente de duas mil pessoas e os chamados se
davam em poucos minutos, não porque eu seja o cara, porque o cara somos todos nós, mas
porque em mim sinto o tanto que está forte essa junção da dança com a minha vida. Então ela
vem antes do que eu, então a dançaterapia é esse chamado para o poder de criar que está em
todos os seres humanos, incluindo como a gente falou até agora, pessoas que aparentemente
seriam negadas pela dança, porque está na cadeira de rodas, porque foram comidas pela
hanseníase, porque estão em um universo mental outros.
Então se a gente for considerar uma dança acadêmica com as mil manifestações
maravilhosas que a dança acadêmica tem, seria inadequada para pessoas que tem um histórico
de vida físico-psíquico que nega a possibilidade, a dançaterapia não, ela vai nesse ser humano
e o chama pelo nome, mas o nome que não é humano, é um nome ancestral , não é um nome
que recebemos dos pais, mas é esse ser e pode florescer em qualquer situação.

4- Como você vê a dançaterapia hoje? Qual a importância de María Fux nesse contexto?

María hoje está com 99 anos e continua sendo aquela mulher maravilhosa, que de fato
ela é. Eu acho que hoje a dançaterapia que é a criação de María o que torna a María eterna
também, é esse chamado, inclusive, num tempo tão desafiador que é um tempo pandêmico que
a gente tá vivendo agora, porque dá essa conta realmente, para essa necessidade da mudança, a
dança é transformação.
Mas a dançaterapia de uma forma bem específica chama para essa transformação
constante e nada permanece igual, esse é um espírito que anima dançaterapia e nada permanece
igual, somos filhos pela dançaterapia da natureza, ela inspira nos movimentos orgânicos da
natureza no movimento do vento, do mar e tudo que é vivo ao nosso corredor.
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Então eu tenho a minha visão sobre esse tempo desafiador que nasce pelo que eu sinto
totalmente do desassociar, se afastar dessa essência humana e considerar a terra como
playground de nossas necessidades e não ouvir o chamado de uma terra que exige que a gente
torne a atenção dela porque senão nós vamos morrer mesmo, a gente vai morrer de qualquer
forma, mas assim, todas as questões ligadas, por exemplo, ao meio ambiente etc, vem de uma
falta de disputa dessa mãe que abandonamos. Tragados pela a exigência de ter sempre tudo,
não ouvir essa relação com a natureza e a dançaterapia é essa relação com a natureza profunda,
porque não só a natureza humana, mas a natureza como uma grande mãe tem esse chamado.
Então hoje mais do que nunca é importante esse movimento e que traz para um contato
com você mesmo porque, por exemplo, essa loucura toda que estamos atravessando desde o
ano passado, levou todos nós para um lugar que é um lugar do isolamento e quando possível
né, quando a pessoa se permitiu de fazer isso e compreender gente o que que tá acontecendo
agora? É só um vírus ou toda essa situação te remete a essa falta de comunicação que tivemos
entre nós, uma relação mais sadia entre nós, uma relação mais sadia com a natureza?
Então nesse sentido a pandemia se tornou uma grande possibilidade também das pessoas
estarem em contato um com o outro e por outro lado para muitas pessoas foi um enlouquecer
de vez, muitas pessoas querem volta à normalidade.
Só que aquela normalidade antes da pandemia ela já era uma normalidade doentia, onde
a gente já tinha perdido o contato consigo mesmo, então quando eu penso que isso um dia vai
acabar, eu desejo que a humanidade nova que vai se apresentar então, seja uma humanidade
mais sensível, e nesse sentido a dançaterapia dá espaço para essa grande possibilidade, para
esta grande necessidade de cada um de nós de nos ouvir profundamente naqueles valores que
me mantém vivo, e qual que é realmente a necessidade ecológica de estar atento a essa mãe que
me alimenta.
Então eu considero a dança como esse grande privilégio de poder tornar mais visível
essa urgência da mudança, porque a dançaterapia pede que a pessoa mude, até na maneira
própria de compreender o movimento. Na dançaterapia quando uma pessoa chega depois de
outros tipos de abordagem do movimento, seja de dança ou artes marciais, ela tem uma memória
que de alguma forma a primeira expressão evidente do seu movimento, então a dançaterapia
entra na desconstrução disso tudo, para que você possa voltar a se sentir.
Porque mesmo que você mexa a ponta de um dedo, ali terá a expressão de você mesmo,
então os tempos novos, a humanidade que está por vir, acho que a dançaterapia é um bom
instrumento para atuar na transformação de cada um, dentro de si, para voltar um mundo mais
humano mais consciente.
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E é interessante que a dança antes de ser um contato social, ela é um encontro com você
mesmo, e a transformação é profundamente pessoal, a gente não pode esperar que o mundo
mude, que a sociedade mude, isso é uma quimera, é uma ilusão, nós somos autores da nossa
própria transformação. Então eu me preocupo com a minha.

5- Sobre a formação em dançaterapia, e contribuição para a perpetuação do método


criado por María Fux

Quando María dava os cursos ela habilitava as pessoas a serem dançaterapeutas, quer
dizer, que uma pessoa que concluía o curso com ela podia realizar encontros de dançaterapia
com outros grupos, abrir um estúdio se quiser,
Então os dançaterapeutas que se formam com María, ou que se formam comigo, eles
têm toda a liberdade de realizar encontros, eles são habilitados para a dançaterapia, para que
flua bastante, que as pessoas conheçam e façam uma experiência dela. Outro capítulo é ser
formador em dançaterapia, o que aconteceu comigo e com a María foi que em determinado
momento na nossa relação, María começou a passar o legado e dizer agora você vai criar um
curso de formação em dançaterapia, vai fazer o que eu vim fazer, você vai continuar o meu
legado.
Então a diferença é, por exemplo, eu criar porque recebi isso de María, uma Escola de
Formação onde as pessoas frequentam e fazem o curso de três anos e elas se tornam
dançaterapeutas, isso quer dizer que elas podem realizar encontros de dançaterapia, mas isso
não quer dizer que elas não podem formar outros. Não podem ensinar pelo Legado de María e
dizer agora eu ensino como você ensina as pessoas a serem dançaterapeutas, porque essa é a
grande diferença. O único lugar habilitado no Brasil é o Centro Internacional de Dançaterapia
María Fux.
Então o que que aconteceu as vezes, uma pessoa que era dançaterapia que tinha feito
com María uma formação e recebeu diploma como dançaterapeuta e inventasse que também
podia formar dançaterapeutas, então abriram escolas de Formação.
Então teve essa confusão por um certo número de anos agora o que que aconteceu
formalmente, María está com 99 anos e o legado desta autorização é só para a neta dela, uma
marca está registrada, então o pessoal no Brasil que resolve que vai formar pessoas terá
consequências legais, porque está usando o nome de María de uma forma inadequada. Formado
não tem autorização para formar pessoas, elas fizeram com a María elas podem dar aulas não
podem formar outras pessoas.
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Queria te explicar o que que significa formar, por exemplo, quando María me chamou
para trabalhar com ela na formação eu já tinha mais de quinze anos de prática como
dançaterapeuta, tinha viajado vários países do mundo em situações e contextos sociais onde
encontrava com pessoas desde crianças e com mais de cem anos, várias tipologias de vários
tipos de limites físicos, psíquicos.
María reconheceu que eu estava pronto para continuar como ela, como ela para formar
pessoas porque tinha uma bagagem mais sólida, e não porque eu fiz três anos de formação com
a María, não é por que de repente eu me tornei dançaterapeuta e abro uma escola de formação,
então a confusão que as pessoas fazem é essa. Eu assumi isso com María ela me falou: Você
vai continuar? E eu respondi, eu vou continuar. Vai chegar em um momento em que eu também
vou dizer para pessoas: Agora é você! Forma junto comigo ou algo assim. Agora nesse
momento eu não vejo isso como uma urgência.
Então tem grande movimento já tem várias pessoas que já trabalham com isso
(dançaterapeutas) e o objetivo é que tenha mesmo, eu já formei muitas pessoas e elas estão
espalhadas pelo Brasil que são habilitadas a proporcionar vivências em dançaterapia.
O método María Fux é registrado, ele tem uma marca, uma maneira de escrever, em
termos de formação, para quem é habilitado para dar a formação.
E eu acho que as pessoas que vão formar pessoas sem ter a habilitação, acho que vão
continuar existindo, mas isso é uma questão delas.

6- Qual a relação de María Fux com o Brasil?

Começou a frequentar o Brasil dentro da busca dela como bailarina, muitos anos atrás
eu acho que ela estava com cerca de 40 anos quando ela foi ao Brasil e entrou dentro de uma
pesquisa de danças afro-brasileiras no candomblé de uma mãe de santo chamada Olga, Olga de
Alaketu se não me engano. Então ela ficou nesse candomblé por meses estudando as danças
dos Orixás.
Não que ela quisesse reproduzir aquilo , mas para ela é uma forma de investigação, uma
forma de compreender o movimento como se dava em vários contextos, e depois María voltou
várias vezes ao Brasil para dar cursos, não foram cursos de formação, acho que o curso de
formação, o primeiro que formou pessoas dançaterapeutas foi o que eu frequentei (Brasília),
antes disso tinha dado cursos mais esporádicos. Então María ama o Brasil sempre amou, por
ser uma pessoa tão ligada a natureza, a María enlouquecia com a natureza do Brasil. E é isso,
acho que uma das primeiras vindas foi ao Rio de Janeiro com essa mãe de Santo.
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Por Sófocles Heracliton Virgolino Missias em 11 de maio de 2021

1- Como se deu sua aproximação com o método de María Fux?

Quando eu estava prestes a formar em psicologia, eu gostaria de vincular a psicologia


com a dança de alguma maneira, na verdade eu comecei fazer uma pesquisa e ir atrás e por uma
coincidência, algumas amigas que já eram psicólogas na área, ficaram sabendo que eu iria estar
em Goiânia, na inauguração de um espaço terapêutico.
O Pio Campo estaria fazendo uma condução de dançaterapia. Então, eu vi a divulgação
e foi quando eu conheci ele e o método de María Fux eu conheci por ele, que atualmente ele é
um dos únicos autorizados a dar continuidade na formação metodológica do método dela, então,
ele como mestre do método dela, porque na época ela já tinha parado de viajar, ela estava só na
Argentina, ele que é o grande continuador desse método.
Para eu conhecer o método de Fux, por ele, me aproximei por esse encontro que eu tive
com ele aqui em Goiânia de 3 horas de uma vivência em dançaterapia, mas não chamamos de
aula, nós chamamos de encontro, de vivência e a partir desse encontro, eu me encontrei de uma
maneira muito singular, muito especial, porque era uma forma de perceber a dança e o
movimento de um jeito que eu nunca tinha vivenciado na minha vida.
Assim, com as minhas referências de dança técnica que já tinha passado e conhecido,
como eu gostaria de compreender o que era dança para além da técnica e o método da Maria
Fux propõe isso, entender que dança é essa que não precisa de um estereótipo, que não precisa
de uma sequência coreográfica, mas que valida esse esquema da criação do lúdico, da
intuitividade, isso me chamou muita atenção, de pensar que o método teria um outro itinerário
dentro do processo da descoberta no movimento no meu corpo, entender aquilo também como
profissão, que foi uma coisa que me instigou muito, como atuar com o método tão novo e tão
inovador que é esse.
Desmonta todas as técnicas, tudo aquilo que a gente gosta muito na dança técnica do
palco, mas para um jeito mais fluido e também a forma como me aproximei do método foi
através do Pio no encontro aqui em Goiânia em 2011, quando eu conheci e até então não deixe
de ir nos encontros. Tive a oportunidade de conhecer Maria Fux há um ano atrás, estive no
estúdio dela, na casa dela foi bem especial esse encontro com ela, e é isso foi assim que conheci
o método.
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2- E antes do Pio está aqui em Goiânia você já tinha ouvido falar do método ou foi quando
você soube que ele estava aqui que você veio e foi experimentar?

Eu tinha achado no Google um projeto que ele atuava em Goiás Velho, em uma vila que
trabalhava com crianças, tinham um trabalho bem bonito lá, que ele fazia e foi quando eu
comecei a investigar mais, fiquei sabendo só de internet do método através dele. Até então, não
sabia da María. Eu sabia que ela desenvolveu esse método.
Então, não fiquei sabendo de uma outra forma, só sabia que ele faz esse projeto em
Goiás Velho, conduzia dançaterapia lá, depois de um tempo eu fiquei sabendo que ele iria estar
em Goiânia, então foi assim que eu conheci. Depois eu comecei a pesquisar sobre a Maria Fux,
aí eu fui conhecer a literatura dela, saber quem que é essa mulher, a biografia dela, eu comecei
a ter dimensão de que método era esse, o que que esse cara tá falando de dançaterapia, porque
ele faz tanto projeto bonito, porque ele faz tanta coisa com a dançaterapia.
Então, quando eu comecei a descobrir a grandeza que era a María Fux. A influência que
ela tem na história da dança, eu me encantei mais ainda. Meu deus, a mulher tem até livro! ela
não é qualquer pessoa, não é qualquer método, é um método que tem de fato uma validade, um
conhecimento na escola, na academia de dança, tem uma validação séria de um trabalho eficaz,
eficiente.
Mexeu até com políticas públicas de saúde, de assistência social, porque a dança de
María Fux é uma dança inclusiva. Ela vai fazer experiências com pessoas acamadas, com
dificuldades, de qualquer tipo de limite psíquico e físico, ela vai fazer esse laboratório, pensar
uma dança aonde essas pessoas possam entender um movimento diferente, que elas são capazes
de fazer.
Mesmo que, aparentemente, não estereotipado pelo movimento, ela descobrir e
sistematizar isso, da maneira criativa e lúdica dela, foi uma coisa muito incrível na história da
dança. Sair da estética, sair de um aspecto mais estrutural, ir para um aspecto de mais escuta,
de percepção do ser humano, de percepção mesmo da mobilidade que todos nós temos e
podemos criar a partir de um outro jeito de pensar dança em um corpo. Então ela faz isso aí, e
eu me encantei. Eu só descobri mais do método dela depois dele, mas antes eu não sabia dela.

3- Como foi a sua experiência na Argentina? Como foi o encontro com María Fux?

Foi um encontro muito especial, na verdade ela fez poucas aparições por já está com 98
anos (o encontro foi em 2020). Então ela teve dois momentos com a turma, que foi bem especial
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para quem estava lá. O Pio, atualmente desenvolve encontros que contribui para a sustentação
do estúdio dela ainda, a María parou de dar aula nesse momento e ela precisa de certa forma de
uma contribuição, de uma ajuda. Então, o Pio é uma das pessoas que sustentam o estúdio dela,
contribui na verdade.
Eu estive na Argentina para encontrar com ela, no encontro que ele iria dar (Pio Campo).
De todo dinheiro que ia ser arrecadado nesse Workshop, iria ser destinado para o estúdio, para
escola dela e os cuidados dela. Ele sempre fala: gente tem a chance de ela aparecer, fazer um
encontro com a gente ou não, por conta da idade. Eu lembro que ele ficou no meu pé, desde o
início e falava você tem que conhecer ela, eu demorei muito a ir. Mas consegui ir.
O encontro com ela foi muito especial porque você entra no estúdio e na casa dela você
sente a presença histórica do que ela foi ao longo da vida de uma maneira muito forte. É um
prédio no segundo andar, bem antigo, parece uma Museu e você vê que as paredes da casa, do
estúdio inteira com cartaz com prêmios que ela já ganhou com todos os espetáculos que ela já
fez. Se você se deparasse numa casa onde aquela mulher viveu a vida inteira e ainda estava lá
e ver aquilo tudo é muito forte, seria ver a força da história nas paredes, nos papéis, na energia
da casa. Então, para mim o fato de estar lá, trouxe algo muito especial nesse sentido.
Sabia que eu estava ali com uma mulher que tem uma relevância muito importante para
história da dança e eu estava na casa dela, o estúdio é na casa dela. Para mim, entrar na sala
dela foi muito forte, onde ela durante muitos anos deu aula, é uma sala mesmo de dança, muito
interessante com janelões incríveis, lá é cenário de filme, para gravar filme de época do tanto
que foi especial. Encontrar com ela para mim foi muito arrepiante na verdade, porque quando
ela entra, parece que entra ela mais uma galera junto com ela, de espiritualidade, ela tem uma
força muito incrível e foi muito bonito, porque ela entrou, olhou e falou com a gente e fez uma
condução incrível de dança, teve um momento com uma rosa, foi muito interessante.
O encontro com ela foi muito potente de informação, para mim eu acho que eu
descreveria esse encontro com essas duas presenças muito forte: a presença dela que tá na casa,
nos corredores, no chão, nos cartazes, nos prêmios dela, em cada quarto você vê que lá também
pessoas que dormiam, ficavam lá. Foi interessante encontrar a presença dela na história da casa
e encontrar com ela, quando ela faz a dança dela, quando ela anda ali mais devagar, poder ouvir
ela, ficar ali tipo alguns minutos com ela para mim foi muito especial, realmente perceber o
tanto que a dança que ela criou esse método, o tanto que é vivo dentro dela. Para mim, ficou
muito claro, uma mulher de 98 anos comunicar a dança como ela comunica da forma que ela
fez, de uma maneira tão genuína, tão forte.
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O que você sente é algo que não tem a ver com aquilo que a gente sente, por exemplo,
no palco da vida, montando uma coreografia você sente a humanidade que tá viva, você sente
uma humanidade que criou uma história belíssima que está deixando um legado maravilhoso,
que faz uso do bem da humanidade então para mim o método da María Fux é o método que
ajuda pessoas a se reconectarem com seu potencial de saúde. Para mim, a dançaterapia tem isso
como objetivo, e ela fez isso com ela e depois ela faz isso com outras pessoas, o encontro com
ela foi muito especial.

4- O que é dançaterapia para você?

A dançaterapia para mim é uma linguagem terapêutica. É uma linguagem porque ela
tem um aspecto artístico-poético, é muito claro nítido e, ao mesmo tempo, ela tem um aspecto
terapêutico, no sentido dela desenvolver, dela propor esse cuidado, essa mobilização no outro,
na pessoa que tá ali fazendo experiência com a dançaterapia, de se perceber de um lugar mais
de generosidade, lucidez e sensibilidade.
Esse exercício de olhar para si, no processo de criação de dança, é o que traz essa
terapêutica. Então, você fazer um processo de conexão de cuidado com seu corpo, de uma
maneira artística e poética, para mim foi o grande casamento que ela sacou, para mim acho que
a dançaterapia, esse método que vincula a arte, a criação, a poesia com a cura, com a saúde,
com a terapia, com uma vida, de uma maneira muito única, que não tem lugar, não tem o ser
humano adequado, não tem nada disso, tem esse pulso de vida. São aspectos que muita gente
meio que questiona às vezes, como que é isso?
É uma pessoa que faz esse tipo de condução e a pessoa melhora, as pessoas não
entendem o que acontece, porque é uma coisa que de fato não passa por algo que você consegue
catalogar, não tem como, ela simplesmente dançava e as pessoas mudavam seu estado.
Então, isso que ela descobre a gente vivencia na prática, o Pio mais ainda como mestre,
eu pude vivenciar junto com ele momentos muito incríveis, desse método que ela cria, de ver
as pessoas mudando completamente de estado interno, às vezes uma dor que a pessoa tenha e
começa a fazer uma vivência e sai sem aquela dor, uma coisa que realmente acha que é válida
a palavra terapia junto com a dança. Para mim, a dançaterapia é essa linguagem terapêutica
vincula a arte, poesia com terapia e saúde, é esse casamento para mim.

5- Existe a possibilidade de apontar um perfil de pessoas que procuram a dançaterapia?


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Na minha experiência não, isso foi uma coisa que sempre me deixou intrigado, perceber
o quão eclético é esse movimento das pessoas que chegam na dançaterapia, até porque a priori
a dançaterapia de María Fux, tem essa marca de trabalhar com grupos que tem algum tipo de
limitação, que o método nasci dessa experiência com ela só que depois o método dela começa
a ter um outro tipo de projeção.
As pessoas normais, vamos dizer assim, podem fazer uma experiência de se reapropriar
da sua maneira de se expressar na vida de maneira mais saudável, sem que tenham algum limite
físico mais visível ou psíquico mais visível, porque todos nós, em algum nível trazemos alguma
deficiência, algum limite.
Então, a dançaterapia a priori tinha na verdade acho que essa tônica que depois isso vai
se transformando ao longo da história, o Pio ele começa com projeto dele aqui muito dedicado
a essas pessoas, fez um trabalho com mulheres violentadas, vários tipos de uma humanidade
diferentes, que tem algum tipo de acometimento.
O Pio fez esse laboratório, que foi um pouco também da experiência de María Fux, ele
faz um caminho e na minha percepção, não teve um outro tipo de amplitude, eu acho que ele
explora e elabora mais isso, esse contato com essa humanidade, então, como método dele tem
muito essa força, essa memória, de levar a dança para essas pessoas comuns como a gente,
sempre foi uma coisa desconhecida, eu não sabia que existia, o que é dançaterapia?
Quando eu comecei a frequentar, eu comecei a perceber que as pessoas que chegavam
lá, elas estavam procurando alguma coisa que conectasse ela com o corpo, elas queriam cuidar
de alguma coisa nelas. Eu lembro que teve uma fase que bastante gente da área da dança, da
dança técnica, que perderam total esperança com a dança, com suas carreiras e queriam
encontrar um novo sentido na dança foram para lá.
Para mim, acho que as pessoas que chegaram sempre foram de maneira muito cíclica.
É até difícil falar que perfil que é esse, porque vai de fato de um tudo, desde uma pessoa que
nunca dançou na vida, e ouve essa história de dançaterapia e vai lá para conhecer o que que é,
à uma pessoa que conhece, que já tem uma linguagem no corpo e que procura.
O Pio sempre nos fala sobre isso, que é sempre importante a gente estar fazendo algum
trabalho, algum exercício de dançaterapia, em algum lugar que tenham pessoas que estejam
precisando de algum tipo de atenção especial. Para que a dançaterapia de fato possa cumprir o
papel dela nesse sentido.

6- Qual é a abrangência do seu trabalho?


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O último trabalho voluntário mais fixo que eu tinha era com idosos, no último trabalho
com dançaterapia mais regular, foi em uma instituição de assistência social com idosos, de 15
em 15 dias eu estava lá, fazendo encontro com elas e os encontros aqui em Goiânia. Eles
estavam sendo bem esporádicos por conta do meu trabalho que é fora de Goiânia, já tem, eu
não sei muito tempo ao certo, desde de depois da pandemia eu não fiz mais conduções de
dançaterapia.
Então atualmente eu estou começando a me organizar para começar conduzir
dançaterapia online, porque esses nesses últimos laboratórios que o Pio começou a fazer, ele
tem feito conduções online de dançaterapia e presencialmente eu não tenho feito conduções,
não fiz dançaterapia nessa pandemia fiz outros trabalhos de corpo, mas a dança em si não.
Primeiro final de semana do mês que vem eu vou fazer uma condução de dançaterapia,
de um projeto que nós estamos fazendo que se chama A dança que alimenta um evento
beneficente que nós reunimos alguns dançaterapeutas do Brasil para arrecadar dinheiro para
ajudar as pessoas que estão em situação de fome. Aqui em Goiânia, uma instituição vai ser
beneficiada com esse projeto porque vou estar conduzindo.
O dançaterapeuta local o dinheiro que for arrecado vai ser destinado a uma instituição
onde ele mora, essa vai ser a primeira condução online. Para mim, sempre foi um desafio essa
história do online, sempre tive bastante resistência, me abri um pouco, mas realmente para
dança eu já fiz algumas vivências de dançaterapia, inclusive com ele também. É realmente uma
outra forma de laboratório, mas acredito que depois dessa que eu for fazer agora dentro desse
projeto, eu vou pensar uma data para marcar um online, para abrir para o público, porque é uma
coisa totalmente diferente, que é você com seu corpo, na sua criação, não tem trampo, não tem
grupo, requer um desafio, é um outro tipo de encontro na verdade, que traz elementos daquilo
que é o método. Sinto que tem uma certa validade, mas é isso.
Atualmente, eu estou só nesse projeto, que vai ser no primeiro final de semana que eu
vou fazer uma condução. Em breve eu vou pensar programação, fazer conduções de maneira
relativamente regular, acho que online por enquanto, até as coisas voltarem ao normal. Eu
estava até tentando arriscar para ver se eu fazia presencial, só que daí quando eu ia pensar data,
tipo fechava de novo, falando com a dona do espaço as pessoas estão com muito medo.
Acho que nessa angústia de faz não faz, vamos arriscar ou não, eu falei: gente não vou
fazer porque se acontecer algum problema depois pensa na responsabilidade que não vai ser eu
fazendo uma condução, nada vai justificar, então achei melhor não arriscar nesse momento,
mas os planos são esses, talvez lá para o meio do mês que vem eu abra uma agenda de encontros
regulares online por enquanto.
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7- Você trabalhou com dançaterapia em outros estados?

Quando eu viajo, eu não viajo só com dançaterapia, eu viajo com um trabalho de


sexualidade, então eu tenho um Workshop, que uma espécie de um curso. Nesses lugares onde
eu vou, eu dou esses workshops e essas vivências e junto com Workshop também levo uma
condução de dançaterapia, uma vivência. Geralmente, sempre que possível que dá, eu faço uma
condução de dançaterapia, e aí no caso a dançaterapia como se fosse um evento, como se fosse
também um workshop.
É um evento particular, eu sempre divulgo no lugar, tem sempre uma parceria com o
espaço terapêutico local, onde a pessoa vai ajudar na mobilização das pessoas que não conhece
a dançaterapia e queiram saber o que é esse método. Eu tenho tido umas experiências nos outros
Estados. Além de levar meu trabalho com sexualidade, levo o trabalho também com a
dançaterapia.
É assim que acontece, sempre vou vinculado algum espaço terapêutico da cidade do
lugar e ali eu compartilho a dançaterapia. Em alguns casos, já fiz alguns trabalhos também, de
voluntariado para conduzir em determinadas situações, instituições e tem sido bem especial
também. Isso na verdade, é um dos princípios da dançaterapia, a gente coloca a dança também
a serviço das pessoas que não têm condições, possibilidades para estar fazendo parte de uma
condução que é paga. Então, a dança também tem esse princípio que eu tento sempre colocar
no meu trabalho, levar dança também que não tem essa certa acessibilidade.

8- Quais são suas bases e inspirações para seus encontros?

O método tem uma base que é bastante definida, é clara, se a gente for pensar assim: o
que é uma condução de dançaterapia, como ela acontece? Então, existe uma certa
sistematização, uma condução de dançaterapia acontece mediante a um estímulo criativo que
vai ser ali um mediador da nossa criação. Então, vou criar uma história com meu movimento,
com a dança a partir daquele estímulo.
María vai criar esses estímulos de maneira lúdica e poética, ela vai catalogar de uma
certa forma alguns estímulos que ela vivenciou, que ela fez algumas experiências com esses
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estímulos. Eles têm uma história: tem início, meio e fim numa condução. Tem algumas
sugestões sobre a sua relação com esse estímulo, que você precisa seguir para que essa história
tenha uma profundidade ou expansão, uma transcendência para que as pessoas possam chegar
no final da vivência com uma intimidade com aquele estimulo.
A história do mar, por exemplo, o mar é um estímulo, como que a gente faz o mar? Para
isso, você tem que pensar na identidade desse estímulo, aí é onde entra a história do método.
Então, cada estimulo que você propõe, você tem que fazer um mergulho de compreensão, do
que esse estimulo ele traz de elemento de movimento.
O mar é um exemplo que é tranquilo entende, quando a gente fala o mar, a gente pensa
onda e a imensidão, a onda pode ser forte, o mar ele pode estar calmo, eu posso estar em cima
do mar, eu posso estar dentro do mar, olha o tanto de movimento que tem, dentro desse mar eu
posso encontrar com um monte de animais, de peixe, eu posso dançar com esses peixes. Em
cima, eu posso tomar um sol, sentir calor, em baixo eu posso sentir frio. Você vai mergulhando
no universo do que o mar pode trazer, você vai criando uma história em torno disso, da
identidade desses estímulos.
O método tem uma base que é totalmente clara e definida, se você não pensa o estímulo
como você disseca ele, compreende ele na sua identidade e a partir do entendimento do que é
esse estímulo, você cria uma história, aí não vai ser o método de María Fux. Agora, o que
diferenciam um dançaterapeuta de outro? A forma de como que ele vai criar a subjetividade, a
história dele entorno daquele estímulo. Então, o que me inspira para criar por exemplo, uma
condução diante de um estímulo: a priori no momento, a vida, a minha relação com as músicas,
com os elementos energéticos, com a força que as músicas me trazem, com os dramas que venci
na vida.
O próprio Pio, nos ensinam muito sobre isso. De encontrar uma história para ser contada
em uma condução de dançaterapia, que tenha sincronicidade e ressonância com aquilo que você
tá vivendo na sua realidade, que você vai mostrar uma história lúdica que não é verdadeira. E
aí é louco, ao mesmo tempo que é lúdico, não espera aí, aqui tem elemento daquilo que eu
vivencio na minha história de outra forma.
Por exemplo, dançar uma lágrima, dançar uma tristeza, o que deve ser nossa motivação
são as nossas experiencias do cotidiano, que precisa ser vinculada, atrelada ao estímulo criativo.
Então, a gente pode pensar por exemplo, os bambus que traz uma história de rigidez e
inflexibilidade. A nossa vida é feita de rigidez e inflexibilidade o tempo inteiro.
É interessante, porque se você for observar mesmo, em cada estímulo, ele vai ter
identidade, questões que tem muito a ver com aquilo que a gente vivencia na vida. Então, nossa
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inspiração deve ser a nossa escuta atenta daquilo que eu estou sentindo, daquilo que eu estou
vivendo nesse momento, com aquele elemento que eu quero para propor.
Dançar, por exemplo a pluma, o tecido que fala sobre a pele, sobre a mobilidade, é tão
fácil se encontrar, se ver no estímulo, criar movimento, fácil no sentido de quando cria uma
prática, uma escuta, porque você consegue ver dança de tudo, você consegue ver o seu drama
ali sendo criado em torno de uma de uma arvore, ou de planta, ou de uma cadeira.
O que me inspira para conduzir a dançaterapia e criar os meus encontros, são esses
aspectos do cotidiano, que ajuda na verdade, dar vida no que eu vou propor. Um bom exemplo
disso, foi uma condução do Pio com os balões. Com eles a gente trabalha vários elementos,
você dar à luz a uma forma, ao sopro ao ar, a cor do balão e a textura, tem vários elementos que
dá para trabalhar no processo de criação.
Ele foi fazer uma condução em São Paulo que foi trabalhar os balões, e essas pessoas
que chegam a priori ele não conhece todo mundo, as pessoas chegam com suas histórias, ele
não ouve porque não é um encontro de terapia verbal, as pessoas vão para dançar. Quando
acabou a vivência uma senhora chegou nele e foi agradecer pela experiência, pela forma como
ele conduziu a dança com a bexiga, com o balão. Ela falou: essa semana eu perdi a minha filha
que morreu afogada porque ela correu atrás de um balão amarelo que caiu dentro da piscina, e
o balão que você me deu foi o balão amarelo onde eu dancei todo esse final de semana. Então,
aqui eu pude elaborar o meu luto, reviver toda cena da minha criança e dançar aquele balão
como se fosse uma maneira de acolher a minha filha, acolher minha dor.
Ela elaborou o luto dela, ela saiu mais integrada com ela então aí está o aspecto
terapêutico: as pessoas chegam pra viver uma história, um encontro com elas, que elas nem
imaginam o que vai acontecer e o Pio nem imaginava que ela tinha passado por aquilo, então a
dançaterapia tem disso, as coisas elas acontecem e o Pio fala muito sobre isso, ele fala sobre
mistério e fala que dançar é uma relação continuo com mistério. Aonde que o mistério está?
Está no agora, está na maneira de como a gente respira, como a gente come, como a gente
escolhe a roupa que vai vestir para encontrar uma pessoa, ele vai falar que o mistério habitado
dessas coisas do cotidiano, que pode ser dançada.
Então, tudo é estimulo criativo para se criar uma história de dança e faz as pessoas se
conectarem com ela e levar elas para uma espécie de uma ampliação do ser, ou de uma
potencialização da saúde dela. A gente acredita nessa dança que tem a ver com o encontro, com
a comunicação, María Fux fala muito sobre isso, então a dança dela tem essa coisa de comunicar
é você estar no grupo, olhar pessoas para conduzir, ver que o grupo não tá fluindo daquele jeito,
e pensar: não espera aí o que vou criar para esse grupo fluir?
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É uma relação de escuta com outro tempo inteiro e essa comunicação tem uma hora que
dentro de uma história, de uma condução, ela fica tão ressoante, tão uníssima que as pessoas
começam a entrar em outra dimensão interna da percepção delas, é quando as curas começam
a acontecer, os insights, as pessoas começam a compreender coisas, aí a terapêutica acontece,
que está acontecendo dentro de um processo totalmente artístico e poético.
Pensa você ver 40 pessoas dançando com balões de uma maneira totalmente íntima
profunda, é muito lindo de se ver de fora, mas a galera que está naquele processo interno,
acessando um monte de coisa dentro, como essa mulher que elaborou o luto da perda da filha.
Lembra da história que contei no início, da questão da arte, da poesia com a terapia, eu acho
muito bonito esse casamento que acontece de forma muito sensitiva, ela não é palpável do tipo
de você pegar e aprender, botar na técnica e escrever isso, ela se dissolve no encontro, esvaia.
María Fux criou um método muito transformador nesse sentido, porque quem faz
vivência de dançaterapia consegue se aproximar um pouco disso que ela tenta dar, eu sou uma
aprendiz ainda no rolê, estou aprendendo ainda, cada vez mais ficar aguçado nessa coisa da
escuta, agora vai fazer uma condução com o Pio, que é o mestre ou com ela, aí você vai ver que
o nível de escuta é tipo top, é outra coisa.
Ele fala uma frase: já chega em você, ele põe uma música e tudo comunica, é muito
forte. Eu estou ainda no laboratório de afinar minha escuta cada vez mais, para que o que eu
possa comunicar, possa chegar nas pessoas de maneira mais transformadora que é isso que a
dança propõe.
Eu acredito que eu já tenho conseguido fazer um pouco isso, mas é um caminho, porque
um caminho de escuta não é sobre técnica e sobre você aprender encontrar o outro ,é sobre você
aprender a escutar aquele grupo, aprender a contar de fato uma história que esteja impregnada
em você e que convence grupo, você fala: nossa olha que verdade, ele realmente é aquela árvore
ali, ele realmente é aquela planta, vamos entrar nessa onda. É nesse sentido de comunicar algo
que de fato toque as pessoas e se você faz com verdade provavelmente vai mexer com elas.

9- A formação em dançaterapia é contínua ou ela cumpre o prazo de 03 anos?

Não tem, foi muito curioso para mim, nós que estamos acostumados com academia, a
gente tem essa coisa desse itinerário: início, meio e fim. Agora eu estou com diploma e vou
seguir uma outra trajetória. Acho que até tem essa mudança de nível, mas como a dançaterapia
se caracteriza pelo processo de criação, ela não se encerra. Por exemplo, eu acompanho Pio tem
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quase 10 anos, então eu já participei de 10 vivências com ele, que ele propôs o mar, que é um
estímulo, que é uma história, de maneira diferentes.
Encontrar com ele, é encontrar ele com os mesmos estímulos, mas sendo contada de
uma forma diferente. Então, essa nova história que ele conta é o que faz método ser o tempo
todo novo, ele tem uma base que é permanente, você precisa entender o que ela é, mas o que
você vai criar em cima daquilo é o que se deve renovar.
Quando a gente não deixa de ir para o encontro, a gente tá aumentando nosso repertorio
de histórias, de como posso dançar a pluma, o mar de maneira diferente. Ele vai trazer essa
novidade com aquilo que é a busca dele. O jornal por exemplo é muito interessante, porque o
jornal, para María Fux, tem uma história da transitoriedade do significado de um jornal. Ele é
um papel que traz uma notícia, a priori daquele dia, depois aquele papel fica descartável, ela
criou uma história em cima de um papel, que tem uma utilidade, que conta uma história, que
tem palavras, que têm vida, que fala de pessoas, que fala de um monte de simbologia, depois
aquilo vira lixo. Olha que louco, o jornal por si só ele já tem uma história dele, ela olhou pro
jornal e falou: vou criar uma dança com isso.
Ela cria todo um negócio no corpo dela, de dançar as palavras do jornal, de dançar
aquelas notícias. De dançar aquele papel que é frágil. Isso não é uma viagem, isso é uma escuta
aprofundada de um papel de um estímulo que permite criar uma história com corpo. Entende a
profundidade do método, nesse sentido!? O Pio já contou a história com o jornal de várias
formas diferentes, mais improváveis que você imagina. O método é aberto nesse sentido, as
histórias precisam ser contadas com uma nova cor, com novo tom, uma nova história.
Não dá para você me encontrar eu contando a mesma história sempre, não dá certo. A
dançaterapia é um convite para você renovar o tempo todo as histórias, com os mesmos
estímulos.
Eu conheço muita gente trabalhando com dança técnica que tem validade, o serviço e
uma hora que chega na vida que a pessoa fala: não aguento mais falar de dança, deu para mim,
chega, não suporto mais o aluno, não suporto mais criar coreografia, não dá conta, tem essa
estafa. Com a dançaterapia não consigo ver essa possibilidade porque não é sobre repetir algo
constante, é sobre criar sempre algo novo, então isso para mim é genial, o Pio faz isso a mais
de 30 e poucos anos, faz isso a uma vida e eu não o vejo cansado do que ele faz.
Ele para mim é uma referência, porque para nós a dança nesse sentido ela não tem a ver
com a profissão, ela tem a ver com um estilo de vida, ela tem a ver com uma missão, com uma
meta, e aí se torna profissão como consequência daquilo que a gente acredita, que é um hobby,
que é uma alegria estar ali. E se você participar do intensivo com ele, você tem uma semana de
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pura diversão, de prazer e é muito divertido. Você não vai lá para ter que registrar coisa, técnica,
você vai lá para brincar, parece que é tipo uma colônia de férias para se divertir, gincana dos
adolescentes, pronto, é uma aula de dançaterapia com o Pio, um intensivo.
O cara tá fazendo um negócio ali, mergulhado no prazer dele. Para mim, isso é uma
coisa que encanta muito, na maneira de como que ele conduz o trabalho dele, fez como María
Fux também fez, que quando ela começa, ela faz os recitais sozinha no teatro, tipo assim cara:
que doida essa bailarina, saiu do clássico criou um método só dela e cria uma brisa aí sozinha
no teatro e apresenta para todo mundo ver, ela estava tão cheia de verdade, ela tá tão ciente do
que ela tá fazendo ali, que aquilo mexe com as pessoas. Então, isso que ela descobre é essência
da dançaterapia, essa força que faz a gente querer criar danças e encontrar pessoas, comunicar.
O Pio dá um aspecto que traz uma poesia, vinculada com a espiritualidade de uma
maneira muito bonita, porque eu acho que cada dançaterapeuta vai colocar sua vida também na
maneira de conduzir. Como o Pio tem um caminho bem interessante com a espiritualidade dele,
é quase um rito, é quase um culto, parece uma missa, de tanta profundidade que ele cria na
relação com bambu e com a cadeira você fala: meu Deus do céu, nunca mais vou sentar na
cadeira de qualquer forma, porque ele ritualiza tanto o rolê de sentar na cadeira, ele cria tantas
possibilidades de movimentar com a cadeira, que aquilo se tornar algo sagrado.
O que torna todas as coisas que nos circula sagrada é maneira como a gente se relaciona
com elas, o cuidado que a gente tem com elas, como eu olho, como eu toco, como eu preservo,
isso é espiritualidade, muito louco isso. Como eu me ponho diante das coisas. A María fala
sobre isso, a dança para ela é um modo de viver, é a vida, dança é viver, está na forma de como
a gente interage com as coisas e que tem movimento o tempo inteiro, ela traz essas escutas para
gente, você passa a escutar vida de um outro lugar, lugar da criação.
A força que o movimento ele tem de transformar o estado interno do indivíduo é muito
louco, você pode falar: você está conduzindo a pessoa tá movimentando. Na psicologia corporal
a gente aprende sobre isso, você não botou o corpo para movimentar, você vai mexer com
memória celular, você vai mexer com registro dessa pessoa em algum momento ela vai ter
algum acesso ou de maneira sutil ou de maneira profunda, ou seja a terapêutica ela vai
acontecer, é inevitável. Mesmo que você não sinta nada depois de uma condução, o seu corpo
ele vai estar alterado, não tem como, você produziu memórias, você produziu calor, seu o corpo
se movimentou ali, eu acho que isso é uma coisa da ciência da coisa do corpo.
É muito interessante observar como acontece a dançaterapia de uma maneira mágica,
você está lá dançando a pessoa está em um tremendo processo, e você fala: meu Deus a pessoa
só está fazendo isso. E não é só isso, ele não está fazendo somente isso porque quando ele
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conduz, ele faz isso com verdade, ele sabe o que tá fazendo a gente quer conduzir de fato a
pessoa para esse lugar de conexão profunda que ela precisa acessar, que a gente não sabe o que
é, mas com alguma coisa a pessoa vai conectar.

10- Como você vê a dançaterapia hoje? Qual a importância de Maria Fux nesse contexto?

Eu vejo dançaterapia como o método que ainda que está engatinhando, não sinto que
ainda tenha a devida visibilidade que deveria ter, entendendo o que ela provoca nas pessoas do
ponto de vista da saúde, nesse atual momento, eu não a vejo ainda como algo que as pessoas
compreenderam e avaliam a importância.
Eu sinto que a gente ainda tá no processo de engatinhar para divulgar ainda ela, para
tornar ela mais visível. Eu acho que são processos lentos também, no sentido de que a gente
ainda tem poucos dançaterapeutas que compreendem essa linguagem dela e que atua com essa
linguagem, é uma coisa que não sei como que vai ser o ritmo dela.
Agora, pensando na dançaterapia como eu vejo no ponto de vista da necessidade, eu a
vejo super necessária dentro da atuação de políticas públicas de um modo geral acho que o
grupo de terapia dos CREAS dos CAPS, todos esses centros que trabalham com algum tipo de
reabilitação. Eu vejo a dançaterapia como uma ferramenta terapêutica muito essencial nas
escolas também, eu vejo que a dança terapia ela pode ajudar muito no processo educacional
acho que essa coisa que a María descobre do estimular a criatividade do ser humano, que isso
pode provocar uma certa potência, eu acho que uma melhor mobilidade no desenvolvimento
das crianças.
A dançaterapia também se faz necessária no nosso tempo de hoje, eu acho que para
trazer um pouco mais de leveza para os nossos corpos, eu sinto que falta de contato que nós
estamos hoje como está na virtualidade que a tecnologia tornou a gente muito desconectado
com o corpo, com a nossa capacidade de potencializar os nossos sentimentos e aquilo que a
gente precisa expressar.
Vejo a dançaterapia como uma ferramenta, um lugar que a gente possa fazer novamente
contato com o nosso corpo de maneira real e poder comunicar o que a gente tá sentindo,
expressar de uma maneira terapêutica, lúcida ou real. Então, se a gente for fazer aqui uma breve
análise dos números altíssimo de patologias psicológicas que tem por aí, você vai ver que isso
se dá por parte do motivo pela falta de conexão com corpo, é falta do cuidar do corpo. Para
mim, a dançaterapia ela se faz muito necessário por essa necessidade da gente voltar para o
corpo como esse lugar que a gente precisa morar mesmo, habitar, sair um pouco das telas, sair
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um pouco da passividade do corpo, da rotina, do dia a dia e ir para uma relação de contato real
e sentir a respiração, e sentir o que eu consigo fazer de flexibilização com corpo, de entender o
peso do meu corpo.
Para gente possa ter uma relação mais responsável com nossa saúde e não colocar nossa
saúde na mão desse tanto de remédio, não colocar a saúde na mão dos médicos, colocar a nossa
saúde na mão de um monte de profissionais que estão penando muito para ter que dar conta de
todo mundo. Então eu vejo que a dançaterapia ela dá também muita autonomia para pessoa
viver a vida dela de maneira mais responsável.
Eu vejo a dançaterapia hoje no nosso cenário como algo muito necessário para reatar a
relação com a utilidade do nosso corpo, vejo ela como muito necessária nesse sentido, ela atua
muito nos casos de doença mental, essa paralisação que a gente tem tido nesses dois últimos
anos corporalmente dizendo, a gente ficou quieto, a gente parado, a dançaterapia faz a gente
movimentar de uma certa forma.

11- Qual a importância da María Fux nesse contexto que você apresentou?

Então, meio que assim, nossa tão complexo falar disso, porque o fato de saber que nesse
momento ela está lá no quarto dela, fazendo as coisas delas, pra mim é muito animador. De
saber que ela é a criadora de um método tão incrível e ainda continua dançando, na forma dela
como ela pode.
Então eu vejo que ela ainda continua contribuindo pra a história da dança, da forma de
como que ela vive nesse momento da vida dela, de maneira muito lucida, que mesmo sem ela
poder estar fazendo as conduções, como ela fez até um dia desses, eu acho que a forma de como
ela se encontra na vida é uma maneira muito bonita de nos ensinar sobre viver.
A neta dela mora com ela no prédio, ela acordou de madrugada e ouviu uma voz, viu
ela conversar, e ela foi bem devagarzinho, ela abriu a porta e começou a ouvir, Fux estava dando
uma aula de respiração para uma sala, para um grupo de alunos, ensinando as pessoas respirar:
agora a gente vai respirar! vamos lá todos! E não tinha ninguém na sala, ela estava criando ali,
o Pio fala que provavelmente ela estava de fato ali com monte de seres, mas ela estava sozinha
na cozinha, dando uma aula de dança de respiração e ela começou a gravar, ela gravou o áudio
o Pio não mostra para gente, mas ela gravou para mostrar depois, só o áudio que não deu pra
filmar.
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E disse que ela estava lá dando uma aula de respiração e é muito forte. Não dá para saber
se isso é uma alucinação, se ela tá delirando, porque disse que ela fazia de maneira tão real, tão
lúcida, não tem condição de ela estar ficando louca, ela é muito lucida nesse sentido.
Aí vira e mexe ela faz uma coisa assim, meio extraordinário, que remonta aquilo que
ela é, aquilo que ela foi no tempo dela de atividade com dançaterapeuta. Então, como ela foi
uma mulher muito sensível de criação, de estar o tempo todo nesse lugar de compartilhar a
dança, isso é algo que está muito vivo nela.
Então, para mim importância da María Fux hoje, acho que no mundo, eu acho que é
olhar para vida como uma possibilidade sempre, de viver ela com mais saúde e criação.
Inclusive, tem o último documentário que o Pio gravou dela, que ela fala algo que é surreal:
gente, eu estou aprendendo ainda, tem tanta coisa para eu aprender. Ela está com 98 anos e fala
que tem um monte de coisa para aprender, ela é de uma humildade, de uma grandiosidade, de
tanta beleza que nos ensina sobre viver.
Nesse documentário que o Pio gravou, ela tem umas falas bem fortes: sobre a
contribuição dela para dança, como ela vê o corpo, como é a dançaterapia, é muito bonito o
lugar que ela fala, de um lugar de não posse, ela fala de lugar de não poder, de não possuidora
desse método. Ela fala como lugar mesmo de troca, de estar ali como uma serva mesmo, que
aprendeu uma coisa aqui e que compartilhou com a gente, ela não fala como uma grande mulher
nesse sentido, essa humildade dela para mim é muito necessário nos tempos de hoje, pessoas
que sejam mais simples, mais desprendidas, mais humanas.
Ela é um exercício de humanidade para mim, de generosidade incrível. Se você tiver a
oportunidade de conversar com o Pio, pois ele morou com ela, pra ele contar os episódios que
ele teve, ele me levou para conhecer uma árvore em uma praça de Buenos Aires, era uma árvore
que tinha uma raiz bem grande, e lá dentro tem tipo uma porta que você consegue entrar dentro
da raiz, quando Fux era mais nova ela gostava de entrar dentro dessa árvore, dessa raiz, para
descansar, para ver o que árvore tinha para falar pra ela, para repousar, para se inspirar, a árvore
para ela era uma referência, ela sempre gostava de ir para se recompor, é uma árvore muito
simbólica, que marca a história deles, e a relação dela com a vida, coisas da natureza.
O Pio traz muitos elementos da natureza para dança também, que ela traz esse elemento,
essa relação. Ela ensinou e ensina muito nesse sentido, de olhar para a humanidade dela como
um ser humano que só quis viver, só quis oferecer, se divertir, brincar, compartilhar a sua arte
deixando esse legado para humanidade.
Ela recebeu inúmeros prêmios, tudo que um artista poderia receber, ela recebeu,
inclusive tem um filme autobiográfico dela de um diretor italiano. Além disso, também tem
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vários documentários sobre ela. A maioria das produções sobre ela são a partir dos 70 anos,
pois na verdade ela começou ganhar mais projeção com a dançaterapia como mestre nessa
idade, nessa fase porque foi quando ela começa a escrever os livros, antes disso ela estava
fazendo os laboratórios dela com o método.
Nessa idade que ela começa a deixar a parada redonda, quando ela já escreveu alguns
livros, teve até uma época que ela veio bastante para o Brasil, para Recife, ela veio dar workshop
para área da educação sobre o método, teve uma época da década de 60, 70, não lembro ao
certo, ela veio bastante vezes no Brasil trazer o método. Ela teve essa fase divulgou e estava
levando o método e houve poucos registros.
Quando ela começa a parar que começa aparecer, quando começa a ter toda essa
reverberação. O Pio estava fazendo um processo de reconstituição de todo o acervo que ela tem,
de memória, literatura, escritos, vídeos, filmes tudo que é registro, uma espécie de biblioteca
com a intenção de deixar isso vivo, pois a obra dela ainda não é tão disseminada, são poucos os
dançaterapeutas que desenvolvem o método como ele realmente é.

12- Como foi o seu trabalho com os idosos?

O Pio estimula a gente ter contato com essas pessoas, a ter algum tipo de desafio humano
porque isso nos estimula a ter um processo de criação mais aguçado, por exemplo o idoso que
não pode agachar no chão, porque tem gente que tem problema de coluna e não consegue
levantar, eu preciso criar alguma coisa que não vai para o chão, então isso aguça meu processo
de criação ao encontrar com eles.
Encontrar o outro, é encontrar o outro na limitação que ele tem, e porque ele tem aquele
limite eu posso criar em cima daquilo. As minhas experiências com os idosos são incríveis,
porque eles se jogam, vivenciam mesmo a experiência, é muito divertido. Para além dessa coisa
do social, é afirmar e valorizar esse tipo de vida que traz algum tipo de limite e que as vezes
trazem consigo algumas crenças diminuidoras delas mesmos. Como por exemplo: eu não dou
conta de dançar, eu não sou mais pessoa para isso, ninguém me ama, como é difícil nessa vida,
uma pessoa que está na cadeira de roda e pensa que a vida não tem mais sentido.
A dançaterapia resgata para ela, o sentido de ela viver, mostrando para ela que pode
movimentar o corpo dela, que tem um jeito que pode ser prazeroso movimentar o corpo dela,
que jeito é esse? A gente vai criar, a experiência com idosos e isso nos leva a afirmar a vida
100

deles naquilo que é possível da realidade e da condição física de cada pessoa que estar naquele
grupo.
Estar lá com eles, mesmo para se divertir, para criar uma história engraçada, para levar
uma música leve, gostosa, para fazer dar gargalhada, fazê-los se movimentarem, ter um objetivo
mesmo de integrar aquele ser humano, porque por algum motivo ele já está fragmentado pela
sociedade, pela idade, pelo limite físico.
A dança faz juntar ele de novo, eu sou um ser humano, também mereço, eu tenho valor,
o trabalho com idoso é isso, lembrar que apesar que o corpo deles encontra-se no limite, a gente
pode dançar sim! a gente pode se divertir, sentir prazer, fazer vínculo, se sentir mais amado! É
isso que eu vivencio com eles essa experiencia de conexão, de amor, de troca, de partilha, pra
isso que a dança serve para afirmar a vida!
Tem uma vez que eu quase cancelei a minha ida, eu quase não fui, algo do tipo, e uma
senhora veio e me disse: eu queria te agradecer muito por esse encontro de hoje, porque minha
vida é muito difícil, e esse é o momento da semana que eu consigo descansar. Eu tenho um
filho que ele é dependente químico, envolvido com tráfico de drogas e o meu momento de alivio
da semana é aqui, para eu chegar aqui eu pego três ônibus para eu ir para sua vivência, eu só
vim para cá para dançar com você e depois volto para minha casa.
Depois eu fui embora, eu fiquei pensando, se eu não tivesse ido nessa vivencia, essa
mulher ia perder a viagem de três ônibus para encontrar comigo, olha a responsabilidade, você
não tem dimensão do valor e da importância de seu trabalho quando você não conhece a história
da pessoa e eu realmente não conheço as histórias dela. No final do encontro, alguém chega e
começa a conversar comigo e começa a falar de vida. É engraçado.
Essa chegou e me contou essa história e mexeu muito comigo, quando você se dispõe
para fazer um trabalho voluntário como esse você tem que ir para estar inteiro, porque as
pessoas vão para serem inteiras. Você precisa dar o seu melhor, porque você não sabe a história,
não sabe como ela chegou ali, não sabe o que ela tá passando.
A dançaterapia, naquele momento significou para ela, no momento tão difícil da vida
dela, um momento de alívio, de descanso, de amor, de importância que ela dava para ela, numa
relação com filho que está totalmente em um processo delicado, e que ali era o momento para
ela ficar de boa, entende a força disso?! Para mim vale muito mais do que qualquer cachê,
dinheiro.
É impagável para mim, a importância desse cuidado que você está gerando, ajudando,
sem saber a profundidade disso. E quando você sabe isso mexe, quando for fazer tem que fazer
101

valendo. A experiências com os idosos é você criar um lugar onde eles possam ressignificar a
vida deles, os corpos deles e aí a gente poder dançar.

4.1.1RELATOS DAS MINHAS EXPERIÊNCIAS

As aproximações com a abordagem de María Fux, como apresentado anteriormente,


também se deram em experiências vividas, com encontros na cidade de Goiânia - GO e também
no curso de Formação em Brasília – DF com continuidade online durante esse período
enfrentado pela humanidade que é o da pandemia por um vírus invisível aos olhos, mas, que se
mostra presente ainda por mais de um ano, causando muitos sofrimentos e incertezas a todos.
Os relatos seguem transcritos, aproximando também mais elementos desse universo
ainda em descobrimento que é a dançaterapia. Em texto apresento palavras minhas, mas
também a de pessoas que estavam conduzindo as vivências. Durante os encontros em período
de pandemia, as palavras do dançaterapeuta aparecem em maior expressão, pois as vivências
com o corpo foram pausadas por um tempo, o que não me proporcionou a ter a minhas próprias
sensações do que era exposto.
A seguir relatos de experiências vivenciados entre abril de 2019 a março 2021 com os
dançaterapeutas Sófocles Herácliton Virgolino Missias que proporciona vivências em
dançaterapia na cidade de Goiânia e Pio Campo que é a pessoa habilitada por María Fux no
Brasil a proporcionar o curso de Formação em Dançaterapia.

De 11 de abril de 2019
Tema do encontro: Como toco aquilo que não vejo?
Primeiro contato com uma vivência em dançaterapia realizada no Espaço Cor, local
dedicado a práticas terapêuticas corporais e holísticas na cidade de Goiânia. Encontro
Ministrado por Sófocles Herácliton Virgolino Missias, dançaterapêuta formado pelo método
Maria Fux por Pio Campo.
O encontro começou com uma breve explanação sobre o que é dançaterapia e
contextualização do método de Maria Fux. Esse encontrou contou com 07 momentos, ressalto
aqui como impressão própria as mãos como elemento condutor de todo o processo neste dia.
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Apresentação com as palmas - A primeira dinâmica com as palmas, divididos em dois


grupos, um grupo recebia e o outro fazia as palmas em diferentes direções e intensidades. Um
grupo disposto em roda e o outro grupo circundava esse círculo. Como bater palma em
diferentes direções? Em diferentes intensidades?
Como utilizar essas palmas para buscar espaços vazios? Como circundar o próprio corpo
na procura dessas palmas? O olhar se mantinha entre o recebedor e quem entregava as palmas.
Esse momento eu interpretei como uma apresentação.
Somos instigados a circundam objetos imaginários com as mãos e com esse movimento
reverberar para todo o corpo. Como é a intensão de tocar? Eu danço com o ar ou realmente
danço com a intenção de tocar algo? eu faço movimentos fluídos, mas sou instigada a realmente
a criar a intenção com esse objeto imaginário. Dessa intenção, passamos a interagir mais com
o espaço da sala.
Interação com o espaço, objetos na sala, quadros, paredes, o espaço que se abre lá fora,
um gramado, uma luz... nesse momento me encosto na parede procurando a sua contenção,
procuro sentir a parede e trocar com ela. Minhas costas se envergam procurando seus apoios
desenhando esses espaços com o corpo todo.
Em seguida, passamos para outra dinâmica, tocar o outro sem tocar, dois grupos, uns se
movem no chão e outros com intenção do toque vão “movendo essa pessoa”. De olhos fechados
me deito no chão, sinto meu corpo querer se mover a determinadas direções e seguindo um
ritmo, uma força me puxando para todos esses lados, como é possível essa conexão através
dessa energia desse outro corpo, que não me toca, mas sinto essa condução? Foi uma
experiencia que nunca havia experimentado.
Continuando a tocar com intenção e manipulação do objeto, um objeto imaginário, mas
que buscamos moldar a sua forma, recriando-o no espaço. A sala escura, um projetor, nossas
sombras provocam os movimentos nas paredes. Somos convidadas a realizar a dinâmica uma
a uma primeiramente, constrangimento? medo? olhares? Sinto um incomodo nessa dinâmica,
sou vista numa penumbra, mas ainda estou exposta, como se minhas sombras viessem à tona,
meus medos...
Ser observada fazendo sozinha me trouxe uma movimentação mais contida, julgadora
de mim mesma. Uma a uma nos dirigimos para aquele espaço emoldurado e no final juntamos
todas as nossas sombras, dançando juntas e interagindo no escuro espaço/ penumbra.
Observo que as vivências possuem temas, e que nesses temas são criadas várias
intenções a partir de um mesmo objeto, o repertório musical não é muito variado, trabalhando
103

a internalização daquela música, sentindo mais e mais a cada repetição, assim também
intensificando a qualidade daquela intenção de movimentação.
A roda de conversa, momento final, o que toca em cada um é realmente diverso, a
relação com o corpo, o motivo de cada uma estar ali. Para algumas pessoas o fato de olhar no
olho um do outro é uma intimidade até maior do que o próprio toque. As barreiras que cada
pessoa atravessa a cada encontro que se desvela.
Me sinto bem de me proporcionar esse momento, em trocar com todas aquelas pessoas,
de buscar esses movimentos em mim, tanto do novo, como arrancar as sombras de dentro.

FIGURA 4: FOTO GISELLY LOPES

De 29 de maio de 2019
Tema do encontro: como eu chego?
Segunda vivência em dançaterapia no espaço cor com o dançaterapeuta Sófocles
Heracliton Virgolino Missias.
Almofadas dispostas em roda numa sala nova. Contato com essa roda, adentrar o círculo
com intenção, como eu me movo pelo espaço e quanta presença de mim há naquela sala?
Toco as almofadas sentido as texturas do tecido, a espuma de seu interior parece causar
sensações diferentes na pele, pontiagudas, outras mais lisas, deito a minha cabeça nelas. A
música que estava tocando recomeça, e o facilitador repassa o próximo comando, fazer com
mais intenção a “chegada”.
Entramos novamente naquela mandala de almofadas e chegamos, chegamos como corpo
e olhando uma a uma, agora com intenção de nos apresentar a elas com um movimento
104

diferenciado, olhando-as como se fossem vivas, cada cor indicava uma intenção, intenção que
vibrava na tonalidade, na proximidade ou distância que o objeto almejado se encontrava,
olhando como se o olhar fosse correspondido.
Em um próximo comando a nossa chegada se apresentaria às pessoas que estavam no
local, todas mulheres, ao todo éramos 05. Os olhos repousavam sobre todas, nos afirmando com
o olhar e com o movimento, olhando o outro como eu me enxergo? Como é ser visto pelo olhar
o do outro? Quando a interação se fazia com o objeto inanimado os julgamentos assobiavam
aos ouvidos? O espelho sendo uma outra pessoa os julgamentos começam a surgir, julgamentos
de si, do outro, como se movimentar sem que esses pensamentos surjam? É possível? Tento me
concentrar no exercício de estar por estar, sem a cobrança de como e o que estou fazendo.
O próximo estímulo de nos dividirmos em duplas e trios, a escolha das pessoas que
fariam parte dessa prática ficaria em aberto, sendo a escolha através da intenção. Meu olhar se
cruza a uma pessoa que me retribui também o olhar, interagimos a uma certa distância e fomos
nos aproximando através da conexão e movimentação. As escolhas subjetivas que estão na
proposta são escolhas que fazemos a todo instante ...
Um novo elemento é apresentado, o tecido. Sentadas em roda, um pedaço de tecido é
colocado a frente, o comando é de olhar o tecido, suas cores, as formas que apresenta, a costura,
sem tocá-lo nesse primeiro momento. Fazemos com o corpo a forma que ele apresenta, ali
estático, buscando a nuance de seu movimento, a intenção que aquela cor apresenta.
María Fux em seu seminário intensivo de formação ilustrado no terceiro capítulo de seu
livro Ser Dançaterapeuta Hoje às páginas 72 a 73 descreve uma atividade também com o tecido

Hoje vamos trabalhar com a cor [...] no centro do salão do estúdio há dezenas
de tecidos de tons brilhantes, pastel, fortes, suaves... Cada um escolhe uma
cor, senta-se e o coloca a seu lado [...]Vamos dialogar por meio da cor, sem
música. Colocamos a mão dentro do tecido e vamos perceber que ela, quer
dizer, a cor, é uma pessoa que nos escuta e quer se mover. Movo-a com minhas
mãos que não são vistas. A cor se move porque o corpo de vocês a faz se
mover e mudar de forma à medida que a conhecem. E, se vocês ficam quietos,
ela ficará estática. A cor está ouvindo. Não tem pressa. Acrescente também a
música, sintam como ela faz vibrar o tecido que parece querer falar[...] danço
com um braço e com a cabeça, olhando o tecido. Esta mão, que é todo o meu
corpo, toca a cor para que sinta que através do meu corpo ele pode se mover,
dou-lhe segurança. A percebo-me de sua forma com minhas mãos dentro, e
sinto que ao mudar meu corpo mudo a forma da cor[...] (FUX, 2011, p. 72/73).

María Fux revela tal experiência que vivenciou com um número de 70 pessoas criando
dinâmicas entre o grupo, buscando a qualidade de movimento que o tecido e a cor instigavam,
o tecido sendo uma pessoa, como a toco, como a sinto, percebendo o outro também percebo a
105

mim mesmo. “O outro é algo que nós temos de descobrir. Por meio dele conhecemos mais a
nós mesmos e descobrimos a diversidade”.
Voltando a atividade sigo buscando os rios de suas curvas, branco, leve, sinuoso,
movimento que me puxa para cima. Uno as palmas das minhas mãos, sentada ainda, Movimento
do tecido sem tocar, tocar o tecido olhando suas costuras, deixar o tecido tocar a pele, dançar
com o tecido...
Quando começo a dançar com esse tecido na posição em pé, a princípio o que me trazia
a sensação de leveza, em um momento faço movimentos de contenção com esse mesmo tecido,
o que me trazia liberdade agora me aprisiona, de repente ressignifico aquele mesmo objeto até
terminar na imobilidade completa. Me surpreendi ao que me levou a isso...
Ao final, uma roda de conversa, me deparo com as imensas sensações que aquela
vivencia pode provocar nas pessoas, uma mulher veio de outra cidade para aquela vivência.
Outra revela um processo de separação. Outra relata quanto a importância daquela conexão com
aquelas pessoas, o contato olho no olho lhe trouxe algo de muito especial naquele dia.
Para mim, o sentimento que me veio naquela vivência foi o de como eu consigo me
entregar cada vez mais a novas experiências. Desde que comecei o curso de licenciatura em
Dança pela Universidade Federal de Goiás no ano de 2016, venho me descobrindo em várias
camadas. Estar ali naquela sala, não me trouxe tristeza ou sentimentos outros e sim o estado de
presença. Uma conexão com o objeto condutor, tecido, almofadas, objetos do nosso dia a dia
que em alguns instantes nos transportam para outros mundos. Por vezes enxergando algum
outro mundo pela fresta desse tecido transparente, ou então me entrelaçando na contenção.
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FIGURA 5: FOTO SÓFLOCLES HERÁCLITON

De 14 e 15 de setembro de 2019
Tema do encontro: Tempo, movimento e mistério
Foi o primeiro contato com Pio Campo, dançaterapeuta habilitado pela própria María
Fux a compartilhar o seu método no Brasil. O curso de formação acontece em Brasília neste
momento na casa de uma das pessoas que estão em formação e também amiga pessoal de Pio.
Seu olhar é doce e profundo, nos olha amorosamente, uma a um, nos cumprimenta ao
longe com a sua existência, suas roupas coloridas evocam a cor de sua aura que também é de
arco-íris
Descrever com palavras todo o processo vivenciado é uma tarefa um tanto diminuta, há
sensações e acionamentos indescritíveis, transcrevo depois de um tempo, e por esta razão, perco
um pouco dos vários acionamentos que tive neste dia, confiando em um áudio gravado após as
aulas que foram perdidos.
Busco junto a esses encontros talvez um primeiro entendimento de um universo
grandioso, fruto de uma pesquisa de toda uma vida, de uma mestra que ainda está em atividade
e tocando muitas pessoas diante da sua forma de amar através da dança, Maria Fux.
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Através das palavras de Pio Campo, um de seus formados, amigo (assim como se
denomina), e um dos principais representantes da dançaterapia no Brasil e exterior, pude ter
contato com um pouco da essência dessa grande mestra. Seja através dos seus relatos sobre ela,
seja através de sua forma de nos presentear com a sua generosidade e afeto.
Trata-se de um processo que atravessa qualquer modo científico e racional, pois não são
pesquisas dadas e não se pretende chegar a conclusões sobre o que é a dançaterapia e sim, o de
se apropriar de frações mínimas de um início de uma jornada desse entendimento que se
denominou por um método.
Somos em torno de 20 pessoas contando com os organizadores e inscritos no curso. O
número de 02 homens no total, um deles era o ministrante. Uma chácara, uma casa com parte
de sua estrutura com janelas de vidro que permitiam a entrada do vento pelo espaço. O módulo
se chama Tempo... Movimento e Mistério.
Será uma tarefa um tanto árdua transcrever com detalhes todos os percursos que foram
abordados durante as horas do módulo, serão resgatados alguns momentos dessas 12 horas.
O encontro começa sem muitas orientações verbais, somente o de como executar o
movimento, buscar caminhos com o corpo, qual direção ele nos leva? Preciso resistir a esse
caminho novo? Qual o trajeto que meu corpo percorre? Qual parte do corpo começa o
movimento?
As mãos são peças importantes na busca da direção. Uma mesma música ao fundo
acompanha toda a vivência. Vale ressaltar que a música tem importante papel durante a
condução e para a dançaterapia, pois é esse instrumento que nos fará entrar em sintonia com o
movimento e busca da nossa parte criativa.
Pio adverte para nos livrarmos da movimentação mecânica do nosso corpo, nos desvestir
de movimentos pensados e deixar o corpo ser levado em direção à música e em direção ao
espaço. Repetimos várias vezes até que o corpo comece a se movimentar livre de pensamentos
e julgamentos. Buscamos a essência do nosso movimento e não referências externas de
movimentação. Isso é enfatizado em vários momentos da dinâmica.
Outro ponto da vivência foi o de dançar no espaço contido da cadeira. O que acontece
durante a abordagem é de que pequenos grupos iniciam a movimentação enquanto outro grupo
observa, penso que seja uma forma de poder direcionar melhor a turma quando se está em
grupos maiores, o tempo todo somos observados, por Pio e pelos colegas. O medo de ser
observado, julgado, ele tem de ser esquecido, a todo instante somos lembrados para mantermos
os olhos abertos, o contato visual não cessa.
108

O espaço entre a cadeira, a posição sentada... trazem movimentos contidos, me remeto


aos cadeirantes nesse momento, o corpo tem o seu limite de até onde pode chegar, mas não é
limitado.
A conexão com o olhar do outro também se preserva em todas as dinâmicas, faço o
movimento sempre escolhendo alguém a quem vou direcionar meu movimento, busco explorar
todas as possibilidades de me moldar naquele espaço.
O espaço chão também foi muito explorado durante todo o percurso, em outro momento
da vivência, somos conduzidos a mudar nossos apoios e a pensar no nosso corpo de forma
diferente, fazer uma reconfiguração. Nossos órgãos não possuem a mesma função, ouvimos
por outro lugar que não os ouvidos, falamos outras línguas, andamos com outros membros.
Emitimos sons, grunhidos, nos arrastamos pelo chão, interagimos com esses outros seres que
também são nossos irmãos, só que em outra configuração.
Repensar o corpo e a sua função foi um dos pontos que mais me marcou durante a
vivência, o automatismo em que lidamos com a vida, os preconceitos com os corpos diversos
que habitam esse planeta, tudo isso pode ser trabalhado durante as vivências, de maneira
subjetiva.
O tempo alargado e outros espaços também são trabalhados nas dinâmicas de grupo, se
utilizando de movimentos extremamente lentos. Um grupo sentado no chão observando e outro
fazendo a dinâmica. Escolhemos uma pessoa que estava no chão para direcionar o olhar.
Interagimos com quem estava fazendo a dinâmica conosco somente pelo corpo que em visão
periférica, buscava entrar no movimento do outro, mas sem nos esbarrar, preenchendo esses
espaços que o outro corpo proporcionava.
Foi como se existisse um campo vibracional, conduzido através da energia corpórea, o
outro está perto, mas eu não o atropelo, precisamos caminhar juntos, mas sem interromper o
caminho um do outro.
Esse estímulo continuou percorrendo um caminho do lado de fora, o grupo se utilizava
das janelas de vidro para manter a fixação do olhar, o movimento continuava lento ao extremo.
Também foi explorado o mezanino do local, subindo as escadas das mais variadas formas. A
música para esse momento da vivência era uma música mais densa, remetia um pouco a trilha
sonora de filmes épicos.
Em duplas, dançamos no espaço entre o espaço do outro – dançamos entre o outro. O
local como descrito anteriormente, era bem iluminado, o que proporcionou buscar frestas de
movimentos entre as pessoas. A pessoa quando se movia deixava um campo em aberto a ser
preenchido e assim a dupla permanecia dançando.
109

A vivência também contou com momentos da mostra de um filme de María Fux e ao


final do curso, também uma roda de conversa, talvez o momento em que as palavras apareçam
mais, como o grupo já se encontrava há muito tempo, os novatos tiveram a vez de fala, algumas
pessoas estavam bastante emocionadas, muitas pessoas da área de psicologia e mais uma
menina da dança assim como eu.
Apresentamos os motivos por que estávamos buscando a formação em dançaterapia, o
porquê da dança como o caminho da vida. Em minha infância e parte da vida adulta tive
problemas de comunicação verbal que me afetavam em vários campos da minha vida, a dança
sempre foi uma forma de comunicação com o mundo em que eu não tinha medo, medo dos
julgamentos, medo de ser quem eu era, a dança sempre me salvou.
Quando eu reportei ao Pio e ao grupo sobre esse fato, ele me advertiu, como você tem
problema de comunicação? Ele falou. O que passamos fazendo nesses dois dias a não ser nos
comunicarmos? E todas essas conexões que criamos? A dança utilizada nesse sentido mais
profundo ela nos mostra quem somos em verdade.
Me lembro de reportar também que eu queria trabalhar com a dançaterapia, que a minha
preocupação era o próximo, ofertar vivencias às pessoas, ao escutar essas palavras, Pio me
advertiu que primeiramente eu teria de encontrar as significações de tudo aquilo para mim, “tem
de fazer sentido para você”. O mundo sempre nos cobra em sermos produtivos, de possuirmos
títulos, mas o quanto disso fazemos para nós?
Um dos motivos de fazer por mim foi o de ter iniciado a graduação em dança, sempre
ficou guardado em mim, e sempre foi a minha primeira opção de graduação. Muitas pessoas
me perguntam como vou conciliar a minha formação em serviço social com a de dança,
respondo que não precisa ter sentido entre elas pois os seres humanos não possuem interesse
por uma única coisa na vida. somos feitos dos nossos complementos.

De 04 de abril de 2020
Tema do encontro: A escuta, objetos e estímulos
Início dos encontros online, aqui passamos a obter informações mais detalhadas da
abordagem de María Fux, em formato de exposição, as vivências em dança neste momento e
nos próximos encontros não foram dadas como possíveis. As palavras de Pio Campo passam a
preencher os relatos que seguem.
Dentro do processo de formação de dançaterapia acontece o processo de escuta. No
primeiro ano é escolhida 01 pessoa da família para realizar essa etapa e outras duas pessoas fora
do seio familiar.
110

Na condução dos grupos de dançaterapia, o condutor do grupo realiza o processo de


escuta dessa compreensão do outro. As pessoas que chegam até os grupos são distintas, não são
escolhidas as pessoas que frequentam o lugar.
A escuta te leva para lugares desse entendimento da diversidade de corpos que ali
habitam. A escuta também é um processo de acolhimento do outro. Proporciona ao condutor
um senso de compaixão profunda.
Pio compartilhou durante esse encontro a sua vivência de 09 anos com a dançaterapia
na índia, homens e mulheres que frequentavam o lugar não faziam contato físico. Essa distância
física poderia auxiliar a chegar no outro. Tocar através do movimento, sem necessariamente
haver contato físico.
A palavra estímulo é diferente de exercício: Os objetos que Maria Fux utilizava como
meios do despertar da criatividade, como a vara de bambu, em determinado tempo, quando é
encarada como um exercício não acontecem os desdobramentos possíveis, você não sabe mais
o que fazer com aquele objeto, por que o objeto se torna inútil dentro de um determinado tempo.
O universo simbólico traz infinitas possibilidades, histórias, emoções, o nosso senso de
criação faz com que ele se torne uma fonte inesgotável de criação. A exemplo da pluma, ela
não tem peso, e o aspecto simbólico dela tornasse ausência de peso, a delicadeza do cuidado. O
peso em lidar com as pessoas, resolução de conflitos, quando se pensa em uma pluma sente o
alívio de poder dizer que ama um ente querido.
Na dançaterapia a intenção de utilização do objeto tem de ser clara para quem conduz a
vivência, deve sempre se perguntar qual é a intenção em utilizar o objeto, e deve existir uma
relação prévia entre o objeto e o condutor. A interação é feita através do mistério que está
habitando a prática e não o objeto puramente dito.
A propostas das mãos como espelhos elaboradas por María Fux, o espelho refletido nas
mãos. O véu também se tornou um espelho ao longo das práticas, nisso Pio Campo enfoca para
as mudanças das práticas através dos anos, ressignificações através do ponto base, e as
simbologias trazidas pelo objeto.
Um importante ponto a ser levantado é de que a parte simbólica não se faz através das
falas e sim através do movimento. Não se pode falar em acesso através da fala. A dança é quem
é imbuída de carga simbólica.
111

De 11 de abril de 2020
Tema: O silencio na dançaterapia
O silêncio se caracteriza por um dos estímulos na dançaterapia. Segundo as palavras de
Pio Campo, María propõe nunca o silêncio absoluto, mas uma dimensão habitada por sons.
Mergulhar na quietude, as vezes chegam alguns sons de fora, não é abstração ao resto
do mundo, é ficar conectado na respiração. Dançaterapia é encontrar o silêncio, é estar
conectado ao som interno, é ouvir o nosso respiro. Estar atento aos sons de fora que podem nos
mobilizar. Sons do vento, barulho de um carro, pássaros...
Os sons de dentro, sons internos que vem sob vibração, da respiração, criando uma
simbologia melódica através da respiração. Os sons da batida do coração. Os sons externos
permitem sentir as vibrações da música e dos sons do ambiente, o som interno parte do próprio
corpo.
Para María Fux o silêncio era mobilizador, pois acessava o movimento em pessoas que
não poderiam escutar a música externa. No silêncio, em sentido mais expandido, podemos
ressignificar o tempo, silencio não é simplesmente não falar, é outra dimensão. O silêncio é
compreender possibilidades de se desapegar do que não é útil, compreender o que não faz mais
sentido.
Sobre questões relacionadas ao dançaterapeuta, o mediador do encontro, a
responsabilidade do encontro está sempre nas mãos do condutor. A escolha da música é
fundamental, estímulos que fazem a conexão profunda com aquele momento, primeiramente
tem de fazer sentido para o mediador, um sentido profundo.
A simbologia presente no objeto utilizado durante a condução das práticas, traz a pessoa
para o presente, por isso é importante escolher bem os objetos utilizados e esses estímulos
utilizados em dançaterapia não são sequências de exercícios, são simbologias internas.
Quanto a palavra limite utilizada em dançaterapia, o limite dentro do método de María
Fux, o limite corporalmente falando, o movimento que o corpo alcança, limite físico, habitar o
movimento até o final dele, e esse movimento não pode ser chamado de alongamento. É a poesia
de ir e voltar, é um diálogo mágico entre o sim e o não. Sim até aonde posso chegar, e o não de
não posso ir até aí. O sim e o não estão presentes na vida o diálogo entre o sim e o não, está
presente dentro do estímulo limite.
Sobre a simbologia, o que é chamado por simbologia é o que nos move de lugar através
do movimento, é a história da nossa existência proposta naquele momento.
Dentro da dançaterapia o movimento é a evocação dentro de um gesto. Se permitir
através do movimento aquilo que se apresenta no exato momento e o que é evocado dentro do
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que está sendo evocado. María Fux não fazia estudo analítico do movimento, dizia não ser
psicóloga e nem médica.
Os estímulos, os objetos ou ideias mobilizadoras, este tema foi a busca de María Fux,
dançava sozinha e buscava estímulos para as suas criações. María dançou o silêncio na Rússia
diante de uma plateia que não estava preparada para aquele momento.
Decodificou padrões de movimento, desenvolvia ideias através de suas apresentações,
e utilizou desses estudos na elaboração que posteriormente foi chamado de método Maria Fux.
Os estímulos dentro da dançaterapia podem ser vivenciados por todos, o ser humano é
o que dentro dele vibra, os estímulos usados podem ser acessíveis a todos, crianças, idosos,
pessoas com deficiência...

De 18 de abril de 2020
Tema do encontro: O tempo, mistério e outros estímulos
Quando Maria Propõe o tempo, é o tempo que existe na música. A música composta por
tempo de várias naturezas, rápido, lento, tempo de suspensões... O que necessitamos para
compreender o tempo é ouvir a música, ouvir e sentir várias vezes.
A música também é respiro e percebemos através da escuta. Ao ouvir o tempo musical
o nosso corpo se movimenta de acordo com o que ouvimos. Tempo das palavras, ao se
pronunciar as palavras, o tempo em diversas formas, podemos prolongar o tempo conforme
pronunciamos certas palavras, o tempo se manifesta em diversas cadencias, assim como os
diversos idiomas. O tempo passa a habitar o movimento.
A escuta é a aliada principal na compreensão do tempo. A dançaterapia tem o estímulo
do tempo de forma mais ampliada. Se a dança é a vida, conforme afirma María Fux, o tempo
atual se manifesta para compreender o que está acontecendo agora. Esse tempo ao qual Pio
Campo se refere é o da pandemia mundial pelo Corona vírus.
O tempo é um estímulo da dançaterapia, mas também é uma ferramenta para conhecer
a nós mesmos. A natureza dos encontros de dançaterapia mudam, não somente os estímulos,
mas também um pedaço de nossa vida que a dança ressignificou
Sobre o mistério dentro da dançaterapia, o mistério não é forma de magia, dimensão
abstrata. O mistério também está ligado a causas naturais da vida, enxergar, respirar, nas
sensações do corpo. A dança toma uma proporção diferente. A magia de estar no aqui e agora,
a de se movimentar nele, dimensão misteriosa. A natureza, as cores... tudo fala de mistério.
Estamos mergulhados no mistério como uma necessidade de estar vivos.
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O respiro, o ar, sentir o ar, eu não vejo, mas ele existe. Essa consciência se torna uma
prática de magia. A magia se dá pelo sentir e pelo enxergar. A relação com o mistério e outros
lugares, o mistério nos envolve o tempo todo, mergulhado em uma proposta de vivência em
dançaterapia se torna complexo.
Através de mergulhos e subidas nas superfícies entrar e sair das propostas, o mergulhar
é a entrega e o sair também uma escolha. O mistério faz parte da vida e está presente em tudo.
Dançaterapia é voltar a se sentir, não analisar, sempre estar atento ao próximo ato.
Sobre os estímulos em dançaterapia, estes podem ser objetos concretos ou simbologias,
dentro dos objetos temos alguns deles como o véu, bambu o balão dentro dessa simbologia
concreta é o que permite o corpo a criar, trazer uma compreensão desse objeto para dentro do
método.
Sobre o Método dançaterapia, este serve para uma base para a criação posterior, dá
esboço para várias possibilidades, mas a partir do eixo criado por Maria Fux. Nesse contexto,
Pio relata sobre uma experiência com o barro durante uma vivência dos intensivos que
acontecem uma vez ao ano. Segundo ele, Maria nunca havia proposto tal estímulo, mas a partir
de suas conduções de estímulos de imagéticas da natureza sendo terra, raízes e demais
elementos, pode partir desse princípio e agregar esse novo elemento, o barro.
Maria utilizava um itinerário de palavras mães que conduziam as vivências e listou
várias delas em seus escritos autobiográficos. Pio elenca que também é importante se apoiar em
outros elementos de outras linguagens para a condução do encontro de dançaterapia.

De 25 de abril de 2020
Tema do encontro: Espaço
O Espaço em termos físicos tem características consideradas mais ou menos adequadas
a determinado fim, possuem elementos em si que são mobilizadores, por exemplo: O plano
horizontal onde podemos nos sustentar. Mas espaços também não tão adequados ao movimento
podem gerar dificuldade no atendimento da proposta de criação.
Pessoas são convidadas a mergulhar dentro desse espaço de criação, através dos
estímulos, para algumas pessoas gera ansiedade estar se expondo para mais pessoas, as práticas
que levam ao chão podem fazer com que se tranquilizem, outro aspecto que pode gerar menos
ansiedade é o de fechar os olhos, esse plano que estamos falando, o horizontal, traz aspectos de
movimentos mais contidos. No plano vertical quando o grupo se apoia nele, também existe a
possibilidade desse acolhimento
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As Características físicas do espaço em que estão sendo conduzidas as vivências


também colaboram para as possibilidades criativas, a exemplo do piso de madeira que
convocam a um contato mais suave com o piso.
Dentro do âmbito da dançaterapia o que ambienta o espaço também pode provocar um
chamado para o movimento, a exemplo do piso frio, em um ambiente de academia, são
convidados a gerar mais movimentos.
O espaço Físico ao ar livre, as interações com a natureza, projeta ao grupo um estado
grande de dispersão, e esvaziamento de energia. Nesse sentido, o condutor da vivência tem que
estar ciente de onde está levando o grupo. E sempre realizar a comunicação do estímulo.
Dentro dos signos imagéticos da dançaterapia como a pedra, a água, em contato com a
natureza essa relação se torna mais direta. Mas em contrapartida, a busca do movimento criativo
pode cair no estereótipo do movimento quando estamos em contato com a natureza.
Vivencias ao ar livre dentro das cidades é um espaço físico de não contenção absoluta,
na rua por exemplo habitam várias energias, forças contrárias e exigem um equilíbrio muito
profundo do condutor. O grupo está exposto a qualquer coisa que se passa na rua. Nessas
experiencias conforme o relato de Pio, cada pessoa entra numa frequência diferente, alguns
realizam interações físicas com pessoas nas ruas e essas pessoas que recebem esses estímulos
reagem das mais diferentes formas.

De 16 de maio de 2020
Tema do encontro: O espaço corpo, corpo espaço
A qualidade da escuta que o condutor faz de si faz com que o grupo possa crescer,
inclusive o condutor. Redescobrir a profunda natureza que é humana. A escuta de si mesmo
significa ir ao encontro na natureza humana. Ter intimidade consigo mesmo, grupo como
espelhos de nós mesmos. Nada é ameaçador pois estamos em contato com a nossa intimidade.
Pio relata que o seu chamado para ir até María se deu através de uma busca por descobrir
a si mesmo.” María me devolveu para mim mesmo”.
O corpo como espaço, o imediatismo remete a um espaço físico. Sentidos para incentivo
ao movimento, como exemplo o ouvir também é uma maneira de se movimentar.
O sentido da audição se expande para outras partes do corpo, como a pele que ouve. A
escuta do movimento passa por um tempo diferente, a pele se abre para a possibilidade de ouvir.
O corpo que dentro dos seus sentidos expande possibilidades para o movimento. Os
olhos quando procuram, são quem guiam o corpo nas direções dos movimentos. A mão que
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enxerga, a mão que leva o corpo para o movimento. O corpo como infinitas possibilidades do
movimento.
O corpo como infinitas possibilidades e compreensão do movimento. Caminhos novos
de percepção, caminhos de encontro com o movimento. Todas os sentidos do corpo trazem
outras percepções, como por exemplo o tempo.
A “palavra mãe” ou palavra chave que contribuem para que o movimento fique claro,
como exemplo a palavra semear, fazer movimentos de fora para dentro, o que vem de dentro
de mim e o que de fora vai para dentro, abrir, fechar, jogar, voltar a pegar a semente.
O corpo Onírico dentro da dançaterapia – corpo dos sonhos: O corpo que sonha –
sonhar com uma história inspirada. Uma criação que utiliza um método para contar uma
história. Circularidades que se tornam linhas e pontos, e dependendo do lugar físico a história
pode ser modificada, trazendo outras intenções para o corpo.
O corpo onírico possibilita reinventar o método através de histórias simples. As
sucessões de acontecimentos (falados) que possibilitam os movimentos, “o corpo conta uma
história”.
Você sonha a partir de uma base, o sonho é criado com o método, nasce a partir do
método. O corpo onírico permite amar a própria criação. O sonho se apresenta e é verbalizado
e dançado, possibilita criar a partir de um material que aparentemente pode parecer limitado,
mas é infinito.
O espaço corpo invisível, ainda é corpo e se move quando nos movimentamos. O Corpo
invisível ligado a definição de aura, mas ainda é uma visão limitada, uma definição limitada.
A parte invisível é a primeira a entrar em contato com o corpo do outro, ligado ao que
você é como pessoa, toca o outro antes do corpo físico e passa a habitar e sentir a nossa natureza
humana “natureza mágica”. O encontro de dançaterapia é a possibilidade de exercermos a nossa
humanidade, uma maneira de estar consigo mesmo e com o outro.
Corpo físico, corpo onírico e corpo invisível, são todas percepções de nós mesmos e
oferecem uma possibilidade de abordagem dentro da dançaterapia que sempre trarão infinitas
possibilidades, não existem limites para a condução, desde que nasçam da base de dançaterapia,
podem ser utilizados outros campos de conhecimentos dentro da área de dançaterapia,
Os estímulos para determinados grupos como por exemplo pessoas em estados
avançados da idade, para compreender a idade avançada você não precisa ter a idade para
compreender, não significa ter aquela idade e sim entender que a questão do movimento pode
ser feito com qualquer pessoa. A velhice é uma dança natural, o corpo vai se tornando terra,
perdendo a sua elasticidade, se encurtando.
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A criatividade possibilita estar com os outros em movimento, por exemplo, para estar
com cadeirantes eu não preciso estar sentada. Eles têm que se adaptar ao seu movimento, o que
você faz em pé eles reproduzirão sentados. Você é um espelho para o movimento deles.

De 23 de maio de 2020
Tema do encontro: Os objetos que são estímulos na dançaterapia
Sobre os aspectos terapêuticos dentro da dançaterapia, Pio Campo acentua que para
María não é um encontro de psicologia. Não temos que estudar psicologia para poder conduzir
um grupo. María sempre foi curiosa e se informou, além de ser atenta ao seu universo interno.
Sobre as emoções despertadas durante as conduções do grupo de dançaterapia a
condição fundamental para poder conduzir um grupo e trabalhar as emoções, a condição
essencial é a escuta, pessoas que se conhecem e estabelecem a escuta de si mesmos
Os desafios se tornam a ponte para nos conhecer de forma mais próxima, para entender
as emoções despertadas nas pessoas. O dançaterapeuta não necessita ser um psicólogo, mas
necessita se conhecer. Sendo assim, conseguindo conhecer seus próprios sentimentos, poderá
entender o sentimento do outro. O dançaterapeuta pode ser emocionar durante os encontros,
mas é necessário entrar e sair desse estado.
Nada permanece no mesmo lugar, inclusive as emoções. Esse movimento que acontece
e que o grupo evoca através da própria dança. Dentro dessa própria viagem, conter uma emoção,
o grupo faz com que essa abordagem seja contornada. Acolher as emoções dentro do grupo
não é através do diálogo e sim do acolhimento, deixar a pessoa vivenciar aquela emoção.
Elaborar os próprios sentimentos.
Os objetos que são estímulos na dançaterapia são divididos dentro de uma categoria a
qual eles pertencem, por exemplo, o jornal, ele representa a questão da imobilidade.
Explica a questão da queda que María teve, María caiu em um bueiro aberto na rua. A
mãe de María Fux teve uma infecção localizada no joelho que se espalhou para toda a perna,
María decidiu que seria as pernas móveis da própria mãe. O aspecto da imobilidade é uma
questão muito forte para María depois dessa própria queda. Ela tinha uma família para sustentar,
e isso ocorreu aos 80 anos, trazia a dor no corpo, a dor de não poder se sustentar. A leva a
compreender a imobilidade de uma outra forma, então todos os estímulos que já existiam,
através da questão levantada da imobilidade, passam a ser cada vez mais profundas.
Começa uma escuta profunda do próprio corpo, pouco depois da cirurgia María começa
a falar com a perna dela que dói, e encontra um diálogo com a dor, como uma possibilidade de
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a parte sadia ir de encontro a aquilo que dói. Dançaterapia não é psicologia, não é medicina,
mas está paralela a essa ciência.
A imobilidade não é somente física, mas dentro de nós mesmo criamos imobilidades
variadas, a imobilidade possui uma conotação ampla. A imobilidade pode ser abordada através
do movimento. Dentro dos objetos que trazem a informação da imobilidade: Jornal, cadeira,
vara de bambu, apresenta outras características como a características de memória, pois essa
vara já foi uma raiz, já quis tocar o céu, já balanço com o vento e passa a estabelecer um diálogo
do corpo que entra em contato com essa ideia. Dentro da imobilidade também podem ser
trabalhados aspectos de: Imobilidade, Memória, rigidez
Outros objetos como o pedaço de elástico, o elástico e jornal dentro das histórias de
María, trazem dentro de uma história onírica a personificação do objeto. Tece com o objeto a
ideia de imobilidade e esquecimento (interação com o jornal).
O contato com o jornal se apresenta com o movimento, tornar o objeto inanimado como
um personagem, estabelecendo diálogos com eles. Em certo momento o jornal é retirado da
interação e é feito um trabalho em dupla onde um dos parceiros se tornam o próprio jornal.
Trabalho feito em duplas (jornal como um objeto esquecido, inútil).
O objeto traz dinâmicas e também a bagagem social, a visão do que está imóvel, do que
foi esquecido, dos que não tem voz. Das pessoas idosas, com a ideia de velhice.
A interação com o objeto não será realizada da mesma forma. Sabendo das
características principais, pode ser trabalhado de diversas formas, principalmente quando é
trabalhado com um mesmo grupo por um tempo longo.
A dançaterapia não pode ser realizada dando instruções, o estimulo está pela própria
participação do dançaterapeuta, envolver as pessoas dentro de um diálogo, dentro de uma
história. Dançaterapia não é aula de aprender passo, é contar uma história e acreditar nela,
envolver as pessoas no seu entusiasmo. Estudar é permitir entrar em equívocos.

De 11 de julho de 2020
Tema do encontro: A cor
Neste encontro Pio relatou o retorno das vivências presencias de dançaterapia na Itália,
o encontro do relato ocorreu ao ar livre, observou que algo mudou nas pessoas, na entrega das
pessoas. A dança de María Fux tão conectada à natureza nos inspira nesse novo momento, da
redescoberta de nós mesmos, em momento de crise global vivida pela pandemia do Corona
vírus.
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Pio fala da Itália onde a pandemia se instaurou primeiramente sendo um dos países com
mais número de mortos da Europa. Estamos jogados num imenso imprevisto, e nos colocamos
anteriormente na posição de que poderíamos controlar alguma coisa.
A dança é o movimento que nos recria, que recria o contato com o outro, de forma
online, ou em espaços abertos como ocorreu no primeiro encontro presencial.
Surge uma humanidade nova após o momento de pico da pandemia, somos chamados a
uma nova vida neste momento, e dançar é se entregar a essa nova humanidade. A dança não é
uma mera execução de movimentos na dançaterapia, mas a dança como uma maneira de existir.
Os estímulos para María Fux é nos conectar com o ser criador, onde o movimento é a
maneira de comunicar profundamente, primeiramente consigo mesmo, e depois com os outros.
Os objetos estímulos como o papel crepom e tecidos, María os utilizava para falar de
cor, dentro do método se relaciona com o objeto não como uma coisa, mas como um
personagem. Do papel crepom contamos uma história. Não existe uma receita para se lidar
com o objeto, mas sim um despertar desse objeto. Ele traz um encontro com o que ele
representa. O que mais é aparente nesse papel é a cor, mas também representa a delicadeza,
“uma voz”, tentar um diálogo para com esse “objeto” para tentar extrair dele elementos para a
criatividade.
María nos diz que ensinar é uma forma de aprender, aos 98 anos ainda está curiosa com
o que tudo se move, inclusive nela. María faz um diálogo com o mistério.
O papel crepom além da cor, é possível se movimentar com mais cuidado,
principalmente para nós mesmos. O cuidado é como a gente lida com o nosso corpo, conosco
mesmos para encontram um caminho mais fluído.
O que significa escolher uma cor? Etnias? Cor da pele? Compreender a cor na existência
pelo respeito à diversidade. Conhecer a diversidade, de orientação sexual, de gênero, etnias, o
respeito a identidade sagrada de cada um.
Dançar com o papel crepom é entrar em contato com essa diversidade, a visibilidade
das cores do gênero humano. Fragilidade, identidade, respeito de uma voz (a voz do
movimento). Desejo profundo de entrar em contato com algo que nos ressignifica.

De 18 de julho de 2020
Tema do encontro: A cor como estímulo para o movimento
Ser dançaterapeuta é levar um respiro ao outro, alegria, é trabalhar com pessoas
transformando-as. A dança é valorizar um poder que está em todos, é querer servir. Dançar é
se colocar a serviço de uma humanidade nova, nesse momento pós pandemia.
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Os objetos, palavras ou imagens são os estímulos para o movimento. Estavam dentro


dos espetáculos que ela criava, e com isso ela tinha a capacidade de tocar as pessoas. Os
estímulos apresentavam um convite para se movimentarem de forma diferente, criando
estímulos no corpo diferentes das danças codificadas.
A dançaterapia é uma desconstrução do balé pois evoca a movimentação a partir do que
sentimos. Mesmo se o dançaterapeuta mostrar a movimentação inicial como um caminho, não
quer dizer que haverá uma reprodução daquela movimentação e sim o que cada um irá
desenvolver.
Cada pessoa com o seu próprio movimento será a expressão daquilo que a pessoa sente.
A busca da autenticidade, é um caminho de infinitas possibilidades. De não cair em padrões, de
não cair em rotinas. A dança é um constante renovar, uma busca viva.
O tecido como condutor de estímulos, a flexibilidade, remete a outras culturas, etnias e
cores humanas, diversidade. Pio relata que o estudo dos objetos, foram acontecendo em
momentos paralelos à formação com María Fux, pois durante a formação os momentos são
dedicados à prática e não estudos teóricos dos assuntos. Muitos dos estudos desses objetos como
propagadores dos estímulos estão ligados a questão da imobilidade.
Na cor também temos os estímulos das plumas, do balão, como estímulos da cor.
Quando se utiliza a pluma se fala em leveza, sutileza, a pluma tem cor mais não tem peso,
trazendo outras propostas de movimento, um tipo de olhar que podemos ter em relação a nós
mesmos. Traz uma informação de como tocar a nossa pele. A pluma é uma maneira de olhar
para nós mesmos. A leveza de como estão reagindo aos problemas.
A sistematização de informações de objetos que traz algo que está conectado com a
vida. Quando ela insiste em dizer que a dança é a vida, é transmutar através da dança coisas que
atravessaram o nosso caminho. Olhar para o problema, para a doença de outra forma. Quando
a dançaterapia entra nos hospitais como dar voz aos sentimentos que a pessoa perdeu por causa
da doença, pelos estigmas de que a pessoa se torna a própria doença.
Os estímulos são a sintonia profunda da existência humana, os objetos como estímulos
seria uma ponte para a vida das pessoas. Exercitar a prática da leveza conosco mesmos, evitar
a autopunição, a pluma é a voz que aponta para a capacidade de se emocionar, de voltar a
respirar.
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De 27 de março de 2021
Tema do encontro: A música
Nesse encontro continuamos com os encontros online, mas foi adicionada a
movimentação, agora podemos nos mover e também refletir sobre as práticas.

O encontro é sempre iniciado com uma música, penso que não devo ter relatado isso
anteriormente, a música escolhida traz uma densidade para o que vai ser trabalhado naquele
dia, essa escolha musical, ela não estabelece um critério de estilo como tenho observado, mas
uma percepção é de que são músicas que estão dentro de contextos atuais, como artistas que
fazem parte dessa contemporaneidade, talvez para criar uma identidade auditiva com as pessoas
que estão presentes.
Em certos momentos são utilizadas algumas músicas instrumentais, mas não músicas
clássicas, até este ponto da formação em que me encontro. Essa vivência que possui como tema
a música se iniciou com a cação Minha Herança: Uma Flor de Vanessa da Mata:

Achei você no meu Jardim


Entristecido
Coração partido
Bichinho arredio
Peguei você pra mim
Como a um bandido
Cheio de vícios
E fiz assim, fiz assim
Reguei com tanta paciente
Podei as dores, as magoas, as doenças
Que nem as folhas secas vão embora
Eu trabalhei
Fiz tudo, todo o meu destino
Eu dividi, ensinei de pouquinho
Gostar de si, ter esperança e persistência
Sempre
A minha herança pra você
É uma flor com um sino
Uma canção
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Um sonho, nem uma arma ou pedra


Eu deixei
A minha herança pra você
É o amor capaz de fazê-lo tranquilo
Pleno reconhecendo o mundo
O que há em si
E hoje nos lembramos
Sem nenhuma tristeza
Dos foras que a vida nos deu
Ela com certeza estava juntando você e eu
Achei você no meu jardim
Quebrando esse momento de maior introspecção (sugiro ouvir a música acima para
entender), Pio anuncia o encontro informando que terá um convidado especial para que não se
leve as coisas tão a sério, tão pesadas, alguns segundos depois volta a sala com o seu
personagem clown.
Onde está a música? Pio apresenta escrito no papel. Com o seu clown, Pio volta no
personagem, fazendo gestos de procurar a música. A música agora é outra, instrumental, lembra
o picadeiro de circo. As pessoas começam também a procurar a música em seus ambientes,
mesmo na tela do programa zoom, busco as telas de outros participantes, todos estão fazendo
gesto de procurar a música. Olhando para onde a música está. Cada participante busca pontos
em seu ambiente, procuro a música no meu ambiente também.
Não existe nada de errado no método, não há certo ou errado nos fala o Pio, ele instiga
a procurar o movimento a partir do pequeno, sentados, redescobrir o movimento dessa
perspectiva a princípio. Depois na postura em pé nos colocamos a explorar o espaço. Sempre
procurando o movimento e procurando esse som de onde vem dos espaços em que estamos,
“Olhar a Música”.
Orienta de seu trabalho com pessoas cegas, os olhos que estão no rosto, olhos que estão
nas mãos, o que chamou de visão quadrilátera, os dois olhos e duas mãos, as mãos também tem
olhos.
Do corpo inteiro, passamos a direcionar o movimento só com a direção de um dedo
depois facial, movimento só com a boca, com a língua, sobrancelha, nariz.
Mexer o quadril os órgãos genitais, um olhar que se direciona para as várias partes do
corpo. Depois todos juntos olhamos a música com o corpo todo, movimentações que seguem
para onde o corpo está olhando.
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Os participantes dos encontros de dançaterapia conduzidos por Pio possuem diversas


idades, e nesta modalidade online há pessoas de várias partes do mundo, brasileiros ou não, em
sua maioria são mulheres, temos uma aluna de 86 anos de idade.
Quando algo se ata e pensamos que não podemos seguir em frente, María Fux chama
de nó, María falava que dentro dos nós há a possibilidade do sim, de desatar. Posso me mover
dentro do que aparentemente se fechou como um nó.
Dançar com as mãos atadas. Dançar não é fazer movimentos bonitos, é dançar quando
tudo parece dizer não, um não também pode criar o movimento. Dançar com as mãos em nós,
mão atadas, mas eu me movo entre os espaços, me movimento com a voz. É um espaço contido,
mas ainda me movo nos espaços entre. Visões que se abrem e que se fecham. Para esse
momento temos a música de Shakira, La despedida, todos dançam ao som dessa música que
gera uma explosão de sentimentos.
Sempre há uma demonstração anterior do movimento que se quer alcançar, dançar
sentado traz outra dimensão da movimentação, um grupo sempre olha o outro se expressando,
não há julgamento do que se está observando. A percepção do que acontece em tela do
computador é totalmente diversa do que ocorre nos encontros presenciais, me perco ao olhar
tantas janelas e imagens tão pequenas de meus colegas.
O nó é um não que traz movimento, pode ser uma situação em que estamos presos. O
nó é o não. No lugar de culpa-los agradecer, agradecer os nós. (subjetividade da vida e
movimento).
María chama as pessoas para se libertarem do que não serve mais, libertar dos
estereótipos dos movimentos. Os nós podem ser áreas do corpo sem a movimentação de certas
partes do corpo
O nó vai para a minha visão, para a minha garganta, minha cabeça, passa pelos ombros,
braços, quadril, pernas, experimento a movimentação, pausando certas partes do corpo.
Entrelaçar as mãos e olhar entre os nós, olhar por entre o nó descobrindo novos espaços em
mim. Não há movimentos para melhorar, mas movimentos que precisam ser sentidos.
Na dançaterapia toda prática se faz a estímulos que surgiram ao longo da vida de María,
e esses estímulos são extremamente simples. É acessível, dentro da simplicidade há todo um
mundo, todos os estímulos refazem a vida, se tornam a vida. Sempre buscar para si primeiro,
depois fazer as multiplicações em grupo.
O desenrolar do exercício é o de desatar os nós, ele tem um tempo tem um espaço, tem
uma viagem dentro dos movimentos, os dedos se procuram e se afastam desatando os nós,
sentir, respirar, criar espaços entre uma mão e a outra, fazer de forma lenta. Sentir quando
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nossas mãos chegam no corpo e o prendem. Sentir o que fazer para se soltar e depois prender,
existem dois polos opostos.
Em grupo uma parte faz o movimento de desatar, e o outro entra nos espaços destes nós,
alternadamente criamos esses espaços no entre.
Ao final retomamos as mesmas músicas usadas para o momento inicial de explorarmos
as partes do corpo em seguimento, agora usamos o corpo todo, mesclando as mesmas intenções,
mas não realizando como na primeira proposta de “encontrar” a música e sim de sentir a música.
Para esse encontro foram utilizadas três músicas, de um encontro de 05 horas, músicas
intensas que nos levaram para a movimentação proposta. Desatar os nós ao som La Despedida
de Shakira que versa sobre o sofrimento de quem fica quando alguém se vai gerou um momento
de sentimentos profundos em pensar em todas as pessoas que se foram nesse momento da
pandemia, A dança na dançaterapia está atenta ao mundo, o nosso e o mundo externo.

FIGURA 6: FOTO GIOVANNA LEGGIERI


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5. AONDE CHEGO COM MARÍA

Procurando María a encontro hoje com os seus 99 anos de idade completados em 02 de


em janeiro deste ano de 2021, María Fux é uma lenda viva, prestigiada na Argentina e
desconhecida por muitos, inclusive pelos seus irmãos fronteiriços, os brasileiros.
Uma mulher, uma mãe, uma avó que vive de sua arte, ultrapassando as barreiras do
tempo, sendo em sua longínqua performance em seus estudos com a dança, seja em desenvolver
ações que estavam à frente de seu tempo como o seu trabalho com as pessoas com deficiência
como apontado durante o percurso desse trabalho.
Está à frente no sentido também de sua humanidade, pois não aguardou que leis fossem
instituídas para que percebesse que todos os seres humanos são iguais e que possuem as mesmas
capacidades quando ofertados os recursos adequados e se utilizou de um aporte muito valioso,
a dança.
Uma mulher que aprende através do seu senso curioso e investigativo aliado à
sensibilidade, não possuí diplomas acadêmicos, mas acredita na educação pela arte como força
transformadora. Durante o seu percurso esteve estre especialistas, apresentando as suas
intervenções em dança, não de forma a ensinar alguém, como ela mesma afirmava, “não vim
ensinar e sim dar”, sendo assim, foi como uma ponte, doando seu tempo e sua vida para que
cada vez mais pessoas fossem tocadas pela dança e pelas infinitas possibilidades de
compartilhar com o outro.
Por vezes María foi confundida como terapeuta, o que de certa forma pode ter diminuído
aos olhos de desconhecidos, a sua grande potência como artista, pois até o momento quem sabe,
ninguém havia conhecido um poder tão transformador que fosse possível através da dança. O
nome instituído, o de Dançaterapia ou Danzaterapia no original espanhol, contribuiu para este
equívoco, como apontou Deborah Maia de Lima, sendo um nome externo que foi atribuído ao
trabalho de dança de María.
Para este equívoco também apontamos a relação de Dança Movimento Terapia (DMT)
e Dançaterapia de María Fux que se confundem em sobremaneira. As informações que foram
obtidas através de Judith Esperanza e Deborah Maia de Lima clarificaram pontos importantes,
apontando a DMT como vertente de Prática psicológica instituída por Marian Chace na década
de 40, não estando neste caso, ligadas às práticas de María Fux.
O nome Danzaterapia intitula a associação argentina de Dança Movimento Terapia
(DMT), que segundo Deborah teria sido uma homenagem a María Fux. O fato de algumas
125

pessoas ligadas à DMT também participarem de encontros ou formações com María Fux,
também contribui para esse emaranhado de confusões de informações de María Fux com o
nome terapia.
Talvez esses apontamentos não sejam suficientes para se chegar a conclusões sobre os
inúmeros distanciamentos que se formaram entre María e a dança. Ao se debruçar sobre a sua
biografia transcrita em seus livros, em inúmeras passagens, como apontadas ao longo desse
trabalho, nos indicam uma pessoa que dedica incansavelmente a sua vida à dança e apontamos
aqui a importância da discussão quanto as nomenclaturas utilizadas quando se intitula uma
abordagem de dança e por quem essa validação é definida.
O curso de formação em dançaterapia ofertado por María Fux deixa um legado de
pessoas que foram tocadas através dos seus ensinamentos, e que hoje são responsáveis por
novas formações, sendo que María não está mais envolvida em atividades práticas. Os centros
de formação possuem bases em países como o Brasil, Itália e Argentina, contando hoje com
poucos multiplicadores, no caso do Brasil há uma pessoa habilitada pela própria María Fux que
é o Pio Campo que dirige o Centro Internacional de Dançaterapia María Fux.
Não é possível mensurar quantas pessoas María Fux alcançou e ainda alcança com a sua
dança. O seu trabalho alargado de décadas possibilitou com que gerações de pessoas fossem
transformadas através da arte. Para María Fux a dança é a vida e a todo o momento somos
convidados para o movimento, não sendo seus processos criativos restritos ao seu estúdio de
dança, esteve no mundo e o mundo está dentro dela também.
Alcanço María durante o meu processo de graduação em licenciatura pela Universidade
Federal de Goiás, mesmo que a sua preocupação não fosse em ensinar, aprendi com ela que a
dança pode estar em qualquer lugar e em qualquer época de nossas vidas. Aprendi que a
procurando também me encontrei. Ao curso de dança deixo essa inquietação quanto a
valorização de nossos pensadores latinos da dança e da urgente necessidade de visualizarmos
as pontes construídas por María Fux.
126

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ANEXOS
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