Revista Educacao 161

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DOSSIÊ

EDUCAÇÃO, EDUCAÇÃO CATÓLICA,


ECONOMIA DE FRANCISCO E
ECOLOGIA INTEGRAL

Brasília, ano 43, n. 161, jan./jun. 2020


Publicação Quadrimestral
Associação Nacional de Educação Católica do Brasil - ANEC

Conselho Superior
Ma. Irani Rupolo - Presidente
Me. Mario Sundermann - Vice-Presidente
Ma. Claudia Chesini - Secretária

Conselheiros
Dr. Gilberto Gonçalves Garcia
Me. Iranilson Correia de Lima
Profa. Ivanise Soares da Silva
Me. João Batista Gomes de Lima
Me. Joaquim Giovani Mol Guimarães
Dr. Josafá Carlos de Siqueira
Profa. Márcia Edvirges Pereira dos Santos

Diretoria Nacional
Dr. Paulo Fossatti - Diretor Presidente
Dra. Adair Aparecida Sberga - Diretora 1ª Vice-Presidente
Me. Natalino Guilherme de Sousa - 2º Vice-Presidente
Es. Marli Araújo da Silva - Diretora 1ª Secretária
Dr. Maurício da Silva Ferreira - Diretor 2º Secretário
Es. Roberto Duarte Rosalino - Diretor 1º Tesoureiro
Dr. Claudino Gilz - Diretor 2º Tesoureiro

Secretário Executivo
Es. James Pinheiro dos Santos

Presidente do Conselho Editorial


Dra. Adair Aparecida Sberga - Rede Salesiana de Escolas

Conselho Editorial
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Dr. Luiz Síveres - Universidade Católica de Brasília/UCB, Brasil
Dra. Marisa Claudia Jacometo Durante - Faculdade La Salle Lucas do Rio Verde/Brasil
PhD. Nilo Agostini – Universidade São Francisco, Brasil
Dr. Sérgio Rogério Azevedo Junqueira - GPER - Serviços Educacionais/Brasil

Associação Nacional de Educação Católica do Brasil


SEPN Quadra 516, Bloco D, Lote 09. Edifício Via Universitas, 4º Andar – Asa Norte
CEP 70770-524 – Brasília/DF – Fone: (61) 3533-5050 – Fax: (61) 3533-5070
E-mail: [email protected] – Home: http://revistas.anec.org.br
Publicação Quadrimestral
Associação Nacional de Educação Católica do Brasil - ANEC

Comitê Editorial
Dr. Adolfo Ignácio Calderón - Pontifícia Universidade Católica de Campinas/Brasil
Dra. Angela Ales Bello - Pontificia Università Lateranense/Vaticano
Dra. Azucena de la Concepcion Ochoa Cervantes - Universidad Autonoma de Queretaro/México
Dra. Cristina Costa Lobo - Universidade Portucalense Infante D. Henrique/Portugal
Dra. Elaine Conte - Universidade La Salle de Canoas/Brasil
Dra. Ivone Yared - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/Brasil
Dra. Jamylle Rebouças Ouverney - Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia da Paraíba/Brasil
Dra. Joana Paulin Romanowski - Pontifícia Universidade Católica do Paraná/Brasil
Dr. João Casqueira Cardoso - Universidade Fernando Pessoa/Portugal
Dra. Joelma Ana Gutiérrez Espíndula - Universidade Federal de Roraima/Brasil
Dr. Luiz Síveres - Universidade Católica de Brasília/Brasil
Dr. Mario Sandoval - Universidade Católica do Chile/Chile
Dra. Marisa Claudia Jacometo Durante - Faculdade La Salle Lucas do Rio Verde/Brasil
Dra. Meire Silva Botelho de Oliveira - Faculdade Salesiana Dom Bosco e Universidade do
Estado do Amazonas/Brasil
Dr. Miguel Mahfoud - Universidade Federal de Minas Gerais/Brasil
Dra. Romilda Teodora Ens - Pontifícia Universidade Católica do Paraná/Brasil
Dr. Ronaldo Zacharias - Centro Universitário Salesiano de São Paulo/Brasil
Dra. Ruth Pavan - Universidade Católica Dom Bosco/Brasil
Dra. Sônia Maria de Souza Bonelli - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/Brasil
Dr. Wellington de Oliveira - Centro Universitário Teresa D’Ávila/Brasil

Equipe Editorial
Es. James Pinheiro dos Santos - Associação Nacional de Educação Católica/Brasil
Ma. Roberta Valéria Guedes de Limas - Associação Nacional de Educação Católica/Brasil
Es. Fabiana Deflon dos Santos Gonçalves - Associação Nacional de Educação Católica/Brasil

Capa Responsável pela Editoração


Comunicação da ANEC Paulo César Borgi Franco

Traduções Suporte Editorial e Técnico


Carlos Mario Vásquez Es. Fabiana Deflon dos Santos Gonçalves

Endereço Eletrônico
[email protected]

Associação Nacional de Educação Católica do Brasil


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SUMÁRIO
EDITORIAL

8 Editorial

DOSSIÊ

12 Economia de Francisco e Economia Ecológica: caminhos confluentes na


construção de novos paradigmas
Francis Economy and Ecological Economy: confluent paths in the construction of new
paradigms
Economía de Francisco y Economía Ecológica: caminos confluentes en la construcción de
nuevos paradigmas
Luiz Henrique Vieira da Silva e Samuel Carvalho de Benedicto

38 A Economia de Francisco e Clara para “realmar” a humanidade


Francisco and Clara’s Economy to “re-animate” humanity
La economía de Francisco y Clara para “realmar” la humanidad
Eduardo Brasileiro e Rudá Ricci

57 Educação ambiental à luz da Ecologia Integral: convergências conceituais


e possibilidades pedagógicas
Environmental education in the light of Integral Ecolog y: conceptual convergences and
pedagogical possibilities
Educación ambiental a la luz de la Ecología Integral: convergencias conceptuales y
posibilidades pedagógicas
Breno Herrera da Silva Coelho
74 Aproximações à agroecologia escolar: princípios e práticas
Approaches to school agroecolog y: principles and practices
Enfoques de la agroecología escolar: principios y prácticas
Humberto Silvano Herrera Contreras

ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

86 Entre narcisismos e personalismos: a defesa do humanismo solidário na


contemporaneidade
Between narcissisms and personalisms: the defense of humanitarian solidarity in
contemporary times
Entre narcisismos y personalismos: la defensa del humanismo solidario en la actualidad
Anderson de Alencar Menezes

103 A produção de sentido em jovens secundaristas à luz da teoria de Viktor


Frankl
The production of sense in young high school students in the light of Viktor Frankl’s
theory
La producción de sentido en jóvenes de escuela secundaria a la luz de la teoría de
Viktor Frankl
José Lucas Marques Duarte e Paulo Fossatti

123 Educação Profissional e Tecnológica, uma janela de oportunidades


Professional and Technological Education, a window of opportunities
Educación Profesional y Tecnológica, una ventana de oportunidades
Ana Elizabeth M. de Albuquerque e Gustavo H. Moraes
142 A gestão escolar e a gestão da sala de aula: desafios e possibilidades a
partir da BNCC
School management and classroom management: challenges and possibilities from the
BNCC
Gestión escolar y gestión de la clase: retos y posibilidades a partir de la BNCC
Marli Dias Ribeiro
EDITORIAL

Prezado(a) leitor(a),

Nesta edição nº 161, a Revista de Educação da ANEC traz o Dossiê:


Educação, Educação Católica, Economia de Francisco e Ecologia Integral. O
objetivo do tema, além de trazer uma reflexão necessária para os tempos atuais,
visa também divulgar e ampliar o conhecimento sobre propostas urgentes colo-
cadas pelo Papa Francisco. As reflexões propõem ações para toda a sociedade,
considerando novos caminhos, nova economia a serviço do ser humano, para
que seja justa e viável, ambientalmente sustentável e eticamente responsável. O
convite do Papa é por um pacto que inclua um novo protagonismo de quem
hoje é excluído e de cuidado do planeta como a casa comum de todos, na pers-
pectiva da Ecologia Integral. A Educação como um todo e a Educação Católica
em particular assumem esse desafio como missão, com o propósito de formar
para a solidariedade, para o trabalho colaborativo, com práticas ambientais e
comunitárias que sejam assumidas por todos os líderes, gestores, docentes, pais
e filhos. O convite é que todos os atores assumam seus papéis e cada um faça a
sua parte, além de inspirar as próximas gerações a fazer o mesmo.
Na Seção Dossiê, o primeiro artigo Economia de Francisco e Economia Eco-
lógica: caminhos confluentes na construção de novos paradigmas, apresenta um contexto
histórico acerca das ações e dos documentos da Igreja que colaboraram para a
elaboração de propostas, tais como: a Economia de Francisco, a Economia Eco-
lógica e as pautas da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Além
de explorar e fomentar que políticas públicas, ações sociais e comunitárias sejam
formuladas e implementadas, também favorece mudanças paradigmáticas para
um novo conceito de sociedade.
O segundo artigo, A economia de Francisco e Clara para “realmar” a humanidade,
traz como tema fundamental o convite de conhecer profundamente a Economia
de Francisco e Clara, sugerida pelo Papa, como reflexão em vista de novos de

8 Editorial
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 8-11, jan./jun. 2020
rumos para “realmar” a economia mundial. Os autores destacam o encontro que
ocorreráEDITORIAL
em Assis com o Papa Francisco e os jovens do mundo inteiro, assim
como discussões em torno do desenvolvimento econômico, do capitalismo e do
extrativismo, que são abordados na Encíclica Laudato Si’.
O terceiro artigo, Educação Ambiental à luz da Ecologia Integral: convergências
conceituais e possibilidades pedagógicas, convida o leitor a se inteirar de uma discussão
leve e bastante consistente. Partindo do conceito de Ecologia Integral, o texto
afirma que a Encíclica Laudato Si’ oferece uma perspectiva da questão ambien-
tal alicerçada na relação indissociável entre as dimensões natural e humana. A
narrativa traz elementos para a educação ambiental que visam proporcionar
aos estudantes possibilidades de uma reflexão integradora quanto à questão
socioambiental.
O quarto e último texto da seção Dossiê, Aproximações à agroecologia escolar:
princípios e práticas, traz uma pesquisa que contextualiza o tema da agroecologia
escolar, destacando seus princípios e práticas com crianças e adolescentes. Vale
ressaltar que a pesquisa se fundamenta, principalmente, em autores como Mama-
ni, Leff, Luzuriaga, Martinez-Madrid e Eugenio. O estudo aponta que os valores
constitutivos das práticas agroecológicas estão alinhados à concepção de Ecolo-
gia Integral e que a sua incorporação nos itinerários pedagógicas beneficiam o
desenvolvimento da consciência ecológica das crianças e dos adolescentes.
Na Seção de Artigos de Demanda Contínua, o primeiro texto, Entre narci-
sismos e personalismos: a defesa do humanismo solidário na contemporaneidade, é um con-
vite a todos para refletir acerca de suas atitudes, a partir de discussões em torno
das patologias sociais no âmbito da contemporaneidade, que se revelam como
distintos narcisismos. O autor utiliza a metodologia da pesquisa qualitativa de
cunho bibliográfico, com bases epistemológicas da teoria crítica, do persona-
lismo, da sociologia contemporânea, como Jürgen Habermas, Axel Honneth,
Zygmunt Bauman, Emmanuel Mounier e o Papa Francisco na sua renomada
Encíclica Laudato Si’, com o intuito de diagnosticar os principais sintomas da cri-
se contemporânea. O texto propõe o personalismo como caminho fundamental
para a concretização do humanismo integral e solidário.

Editorial
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 8-11, jan./jun. 2020 9
O segundo texto, A produção de sentido em jovens secundaristas à luz da teoria
de Viktor Frank, apresenta o estudo acerca da produção de sentido na vida de
jovens secundaristas do Ensino Médio. Com a metodologia qualitativa, por meio
da aplicação de um questionário em escala Likert, de questões abertas, de diário
de campo e da revisão de literatura, principalmente em Viktor Frankl e seus
comentadores, fez-se a coleta de dados. Com isso, pôde-se alcançar o objetivo
de analisar fatores intervenientes nas escolhas pessoais e profissionais dos estu-
dantes de uma escola estadual do Sul do Brasil. Os resultados concluíram que
os jovens buscam apoio em familiares para tomada de decisão pessoal e profis-
sional; exercem o exercício de relativa autonomia e responsabilidade diante dos
desafios da vida profissional; têm capacidade de fazer escolhas, mesmo na ad-
versidade; atribuem sentido no exercício da autonomia, da responsabilidade, da
dor e da alegria nas escolhas; sentem necessidade de formação continuada para
consolidar a produção de sentido para o que fazem. Vale frisar que o texto traz
diversos aspectos interessantes, em especial quanto à importância da educação
para a produção de sentido na vida.
No terceiro texto dessa seção, Educação Profissional e Tecnológica, uma janela de
oportunidades, os autores trazem uma análise do panorama da Educação Profissio-
nal e Tecnológica (EPT) de nível médio no país e comentam sobre sua expansão
e potencialidade diante das alterações demográficas em curso e em termos de
aprendizagem significativa. Também elucidam os resultados das pesquisas pro-
duzidas no âmbito do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (INEP) e
apresentam a educação profissional como “uma janela de oportunidades aber-
ta”, a partir da reforma do Ensino Médio no Brasil.
Por fim, o quarto e último texto dessa seção, A gestão escolar e a gestão da sala
de aula: desafios e possibilidades a partir da BNCC, apresenta uma pesquisa bibliográfica
de caráter qualitativo, com um recorte dos últimos 5 anos de artigos e legislações
acerca da temática Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e suas inter-relações
com a gestão escolar e a gestão da sala de aula. A pesquisa promove a investigação
acerca dos desafios e das possibilidades que estão presentes na sala de aula e na
gestão da escola, a partir dos novos contextos apresentados pela BNCC. As refle-

10 Editorial
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 8-11, jan./jun. 2020
xões levantadas no texto contribuem para a implementação de ações pedagógicas
em consonância com a BNCC, a fim de assegurar a aprendizagem dos estudantes.
Por meio de chamada pública para a submissão de artigos, conforme divul-
gado no sítio da ANEC e nas redes sociais, a Revista recebeu 22 artigos. O proces-
so de suas avaliações foi realizado com a participação de 33 avaliadores, oriundos
de diversas instituições de Ensino Superior, com expertise em ensino, pesquisa e
extensão na referida temática apresentada. Concluídos os processos de seleção e a
avaliação, 8 artigos integram o presente número, que compõem e complementam
o dossiê temático. Na capa e contracapa, figuram imagens de livros que represen-
tam a Educação Católica em seus diversos aspectos. Aos que contribuíram para a
realização deste número, autores e avaliadores ad hoc, um sincero e cordial agrade-
cimento. Na oportunidade, o Comitê desta Revista manifesta seu reconhecimento
e estima aos membros do Conselho Superior e da Diretoria da ANEC pela con-
fiança e pelo apoio na publicação desta Revista da Educação Católica do Brasil,
que dissemina ideias, reflexões e formação científica.
Boa leitura e bom proveito!

Ir. Adair Aparecida Sberga


Editora-Chefe

Editorial
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 8-11, jan./jun. 2020 11
DOSSIÊ

Economia de Francisco e Economia Ecológica: caminhos


confluentes na construção de novos paradigmas
Luiz Henrique Vieira da Silva1
Samuel Carvalho de Benedicto2

Resumo: A emergência climática e o agravamento das desigualdades em todo o planeta


lançam luz à problemática que envolve as Ciências Econômicas, com o intuito de en-
contrar respostas factíveis que sejam capazes de solucionar os problemas atuais. Diante
disso, após uma série de manifestações da Igreja Católica em favor do desenvolvimento
humano integral e do cuidado com os ecossistemas, o Papa Francisco convocou jovens
economistas, pesquisadores e empreendedores para que se reúnam em Assis, na Itália,
a fim de debaterem uma nova forma de enxergar e praticar a economia. A expectativa é
que as discussões resultem em contribuições teóricas e soluções práticas para demandas
ambientais, sociais e econômicas em busca do “bem viver”. O presente artigo analisou,
portanto, as confluências entre a Economia de Francisco, Economia Ecológica e pautas
como a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, além de explorar e fomentar
a possibilidade de que políticas públicas, ações sociais e comunitárias sejam formuladas
e implementadas de acordo com as novas ideias que serão discutidas, resultando em
uma mudança paradigmática.
Palavras-chave: Economia de Francisco. Economia Ecológica. Igreja Católica. Desenvol-
vimento sustentável. Agenda 2030.

Francis Economy and Ecological Economy: confluent paths in the construction


of new paradigms

Abstract: The climatic emergency and the worsening of inequalities across the planet
shed light on the problem surrounding Economic Sciences, with the aim of finding
feasible answers that can solve current problems. After a series of manifestations by
the Catholic Church for an integral human development and care for ecosystems, Pope
Francis called on young economists, researchers and entrepreneurs to come together in
Assisi, Italy, in order to discuss a new way of looking at and practicing economics. The
expectation is that the discussions will result in theoretical contributions and practical
solutions to environmental, social, and economic demands, in search of “good living”.
This article, therefore, analysed the confluences between The Economy of Francis,
Ecological Economics and guidelines such as the 2030 Agenda for Sustainable Develo-

SILVA, L.H.V.; BENEDICTO, S.C.

12 Economia de Francisco e Economia Ecológica: caminhos confluentes na construção de novos paradigmas


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 12-37, jan./jun. 2020
pment, in addition to exploring and promoting the possibility that public policies, social
and community actions are formulated and implemented in a according to the new
ideas that will be discussed, resulting in a paradigmatic change.
Keywords: Francis Economy. Ecological economics. Catholic Church. Sustainable de-
velopment. 2030 schedule.

Economía de Francisco y Economía Ecológica: caminos confluentes en la cons-


trucción de nuevos paradigmas

Resumen: La emergencia climática y el agravamiento de las desigualdades en todo el


planeta lanzan luz a la problemática que envuelve las Ciencias Económicas, con el ob-
jetivo de encontrar respuestas factibles que sean capaces de solucionar los problemas
actuales. Ante ello, después de una serie de manifestaciones de la Iglesia Católica en
favor del desarrollo humano integral y del cuidado con los ecosistemas, el Papa Francis-
co convocó jóvenes economistas, investigadores y emprendedores para que se reúnan
en Asís, en Italia, para debatir una nueva forma de se ver y practicar la economía. La
expectativa es que las discusiones resulten en contribuciones teóricas y soluciones prác-
ticas para demandas ambientales, sociales y económicas, en búsqueda del “bien vivir”.
El presente artículo analizó, por tanto, las confluencias entre la Economía de Francisco,
la Economía Ecológica y pautas como la Agenda 2030 para el Desarrollo Sostenible,
además de explorar y fomentar la posibilidad de que políticas públicas, acciones sociales
y comunitarias sean formuladas e implementadas de acuerdo con las nuevas ideas que
serán discutidas, resultando en un cambio paradigmático.
Palabras clave: Economía de Francisco. Economía ecológica. Iglesia Católica. Desarrollo
sostenible. Agenda 2030.

Introdução

Definitivamente, o cristianismo tem algo a dizer – e muito a acrescentar –


a respeito das transformações a que o mundo tem sido submetido, em vista da
emergência climática e das penosas consequências sociais e econômicas advin-
das de séculos de depleção do meio ambiente, do aprofundamento de desigual-
dades e da exploração econômica imoral dos seres humanos e recursos naturais.
Na trajetória cristã, a ecologia está presente literalmente desde Gênesis:
no primeiro livro da Bíblia, que conta, entre outras histórias, a fábula da Criação
do mundo, evidencia-se que a Terra existe antes da humanidade e foi entregue
a ela, não para que fosse dominada, mas sim “cultivada e guardada” (BÍBLIA,
Gn, 2,15). De maneira igualmente importante, a justiça social é retratada em uma
série de passagens, como em “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a
justiça qual riacho que não seca” (BÍBLIA, An, 5,24) ou nas longas pregações
de Jesus Cristo, em que figuras marginalizadas ganharam protagonismo, fazendo
delas uma opção preferencial.

SILVA, L.H.V.; BENEDICTO, S.C.


Economia de Francisco e Economia Ecológica: caminhos confluentes na construção de novos paradigmas
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 12-37, jan./jun. 2020 13
Na Idade Média, São Francisco de Assis, um dos doutores da Igreja e
santo padroeiro de todos os que estudam e trabalham no campo da ecologia,
manifestou seu amor pela Criação, por todos os seres vivos e pelos pobres e ex-
cluídos. Seu testemunho certamente inspirou o Papa Francisco, tanto que tomou
o nome do santo supracitado no momento de sua eleição para Bispo de Roma,
em março de 2013.
Dois anos mais tarde, escreveu a carta encíclica Laudato Si’, “Louvado
Sejas”, em alusão ao Cântico das Criaturas, de autoria de São Francisco de Assis.
No documento, há uma profunda reflexão acerca do tratamento que os seres hu-
manos têm despendido ao planeta. Nele o pontífice novamente evidenciou sua
preocupação acerca do futuro que se projeta, caso os seres humanos continuem
a utilizar de maneira irracional os recursos naturais, com base exclusivamente na
lógica de mercado, algo que gera consequências que extrapolam a dimensão am-
biental, influenciando negativamente aspectos sociais e econômicos dos países,
sobremaneira daqueles considerados “em desenvolvimento”.
Por conseguinte, o evento intitulado “Economia de Francisco” será re-
alizado em Assis3, uma iniciativa para a qual são chamados a participar jovens
economistas, pesquisadores e empresários de todo o mundo, convidados a re-
pensar a economia. Em um cenário “pós-coronacrise”, isso se mostra ainda mais
imprescindível.
E, tomando como ponto de partida analítico a trajetória do Papa Fran-
cisco e da Igreja nos últimos anos, irrompe-se cristalina a pretensão de que as
discussões ocorridas no âmbito eclesiástico ultrapassem a esfera institucional e
impliquem diretamente mudanças positivas para as pessoas, bem como para os
demais seres vivos e o planeta.
Partindo dessa premissa, o presente artigo investigou as conexões entre
a trajetória do pontificado de Francisco, com atenção especial para o encontro
Economia de Francisco, e a Economia Ecológica, uma interpretação revolu-
cionária que considera a economia um subsistema da ecologia, passando pe-
las correntes alternativas das Ciências Econômicas e pela Agenda 2030 para o
Desenvolvimento Sustentável, promulgada pelos países-membros da ONU e
apoiada pelo pontífice.
Nesta pesquisa qualitativa, de caráter exploratório e de delineamento biblio-
gráfico (GIL, 2008), inicialmente relacionou-se a Igreja Católica com as pautas so-
cioeconômicas, a fim de ressaltar a relação da instituição com as demandas sociais
ao longo das últimas décadas e também com a formulação e implementação de
ações em conjunto com os governos e organizações do terceiro setor; posterior-
mente, a comunhão entre a fé e a ecologia foi evidenciada. Em seguida, lançou-se
luz à Economia Ecológica, com o propósito de resgatar as contribuições teóricas
desse ideário para a presente discussão. Subsequentemente, os pormenores do en-
contro Economia de Francisco foram dispostos, no intuito de situar o leitor acerca

SILVA, L.H.V.; BENEDICTO, S.C.

14 Economia de Francisco e Economia Ecológica: caminhos confluentes na construção de novos paradigmas


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 12-37, jan./jun. 2020
do assunto e destacar os prováveis desdobramentos que o evento pode surtir no
planeta. E, nas considerações finais, há um compilado do que foi discutido no
artigo, bem como caminhos a serem explorados futuramente.

Igreja Católica, pautas socioeconômicas e políticas públicas

Para discorrer acerca da Igreja Católica e sua relação com as questões so-
cioeconômicas, deve-se partir do pressuposto de que a instituição

não é um bloco monolítico plenamente harmonioso. Na Igreja


existem disputas político-ideológicas pelo poder que a fazem ser
uma instituição diversa e adversa. Todavia, há um discurso insti-
tucional preponderante que deve ser considerado, mas sempre em
confronto com outras versões provenientes de diversos setores
que a compõem (FORTE, 2012, p. 2).

Diante disso, ao analisar a maioria das pastorais e dos movimentos ligados


à Igreja, é possível depreender que a instituição apresenta uma relação ampla
com a assistência. Por meio do voluntariado, inspirado no apelo à caridade, seus
membros empreenderam incontáveis iniciativas mundo afora no tratamento a
doenças, no cuidado com migrantes, órfãos, presidiários e marginalizados, bem
como experiências de mobilização social observadas no contexto campesino na
América Latina, entre as décadas de 1970 e 1980, por meio da teologia da liber-
tação, que se deslocaram para as periferias das grandes cidades recentemente.
Também, o combate à pobreza e à exclusão social pode ser encontrado
nas aproximações da Igreja Católica com a economia popular solidária (EPS),
conforme asseverado por Forte (2012), que descreveu a atuação da Cáritas no
estado do Ceará, ou por meio da economia social solidária, conforme apresen-
tado por Souza (2013).
Sobressaem-se, ainda, iniciativas como as Pastorais4 Carcerária, do Povo de
Rua e do Meio Ambiente (CNBB, 2019). De maneira consonante, o ano de 2019
foi marcado pelo Sínodo para a Pan-Amazônia, ou Sínodo para a Amazônia, re-
forçando o chamado da instituição para a “conversão ecológica” (CNBB, 2019).
Destarte, apesar de sua inegável relação com o poder secular e, consequen-
temente, com a acumulação de capital, pode-se afirmar que a Igreja, inúmeras
vezes, harmonizou-se com a ecologia e as Ciências Econômicas para combater
– ou, no mínimo, atenuar – as relações perversas entre o capital e os seres hu-
manos, sobremaneira daqueles mais explorados e excluídos dos processos pro-
dutivos e de usufruto das benesses alcançadas pelo acúmulo e pela desigualdade,
propondo uma ou mais alternativas para o sistema capitalista, com forte apelo à
conservação do meio ambiente.

SILVA, L.H.V.; BENEDICTO, S.C.


Economia de Francisco e Economia Ecológica: caminhos confluentes na construção de novos paradigmas
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 12-37, jan./jun. 2020 15
Em sentido amplo, além do amor incondicional de São Francisco de Assis
pela Criação e pelos marginalizados, a Igreja, durante séculos, demonstrou pre-
ocupação com temas ligados a demandas sociais. Por isso, os papas escreveram
encíclicas e outros documentos sobre o assunto que repercutiram mundialmente e
alteraram a maneira como a instituição passou a tratar o assunto. No Quadro 1, há
um panorama dessa abordagem, embasado em Garmus (2009) e Rodrigues (2010).

Quadro 1 – Atuação da Igreja Católica em temas socioeconômicos.


Ano Papado Documento e descrição
1891 Leão XIII Na Encíclica Rerum Novarum (sobre a condição dos operários), tratou de ques-
tões sociais e ambientais.
1931 Pio XI Apelava a uma ordem econômica não baseada no individualismo e na “livre
concorrência de forças”, a qual “desprezava as leis da natureza, tanto quanto
as de Deus”, na Carta Encíclica Quadragesimo Anno.
1963 João XXIII Escreveu a Carta Encíclica Pacem in Terris, realçando a importância do princí-
pio da subsidiariedade, um dos fundamentos do desenvolvimento sustentável.
1967 Paulo VI Foi responsável pela Carta Encíclica Populorum Progressio, na qual foi conso-
lidado o direito dos povos ao desenvolvimento, com destaque ao receio da
Igreja perante a atuação de uma tecnocracia desligada do homem e dos seus
verdadeiros interesses, ou seja, para a Igreja, a tecnologia deveria ser um ins-
trumento para o alcance do desenvolvimento e para a promoção da vida, e
não o contrário.
1979 João Paulo II Manifestou sua preocupação com a submissão da humanidade à tecnologia
na Carta Encíclica Redemptor Hominis. Além disso, o Papa, que foi canoniza-
do em 2014, demonstrava permeabilidade à sustentabilidade e conhecimento
dela, manifestando que a ação humana foi responsável pela crise ecológica e
social que o mundo vivia na época. O período de seu pontificado coincidiu
com um momento de ebulição mundial da temática ambiental e de muitas
reivindicações sociais.
2009 Bento XVI Lançou a Carta Encíclica Caritas in Veritate, na qual foi muito incisivo acerca
da necessidade de se preservar a dignidade humana e, consequentemente,
toda a Criação divina.
2015 Francisco Entre uma série de pronunciamentos e posicionamentos favoráveis às de-
mandas socioambientais, publicou a Carta Encíclica Laudato Si’, o documento
mais proeminente da história da Igreja Católica sobre esse tema.
Fonte: elaborado pelos autores com base em Garmus (2009) e Rodrigues (2010).

O Código de Direito Canônico, que enumera as normas jurídicas que re-


gulam a Igreja Católica, dispõe em seu cânone 222:

Os fiéis têm a obrigação de prover às necessidades de Igreja, de


forma que ela possa dispor do necessário para o culto divino, para
as obras de apostolado e de caridade, e para a honesta sustenta-
ção dos seus ministros. Têm ainda a obrigação de promover a

SILVA, L.H.V.; BENEDICTO, S.C.

16 Economia de Francisco e Economia Ecológica: caminhos confluentes na construção de novos paradigmas


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 12-37, jan./jun. 2020
justiça social e, lembrados do preceito do Senhor, de auxiliar os
pobres com os seus próprios recursos (CÓDIGO DE DIREI-
TO CANÔNICO, 1987, p. 65, grifos nossos).

Ainda, o Catecismo da Igreja Católica (1998, p. 624), no parágrafo 2415,


expande a atenção da instituição para além do cuidado exclusivamente com a
vida humana, abarcando todas as criaturas, ao alertar os fiéis para o seguinte:

[...] O uso dos recursos minerais, vegetais e animais do universo


não pode ser separado do respeito pelas exigências morais. O do-
mínio dado pelo Criador ao homem sobre os seres inanimados e
os seres vivos não é absoluto; é medido por meio da preocupação
pela qualidade de vida do próximo, inclusive das gerações futuras;
exige um respeito religioso pela integridade da criação.

Até então, a Igreja nomeou esse assunto como desenvolvimento humano


integral, que pode ser entendido como um dos alicerces do desenvolvimento
sustentável, o que será tratado nas próximas seções.
Acerca da realidade brasileira, a Campanha da Fraternidade talvez seja
umas das mais populares expressões cristãs com aplicação social. Ao longo de
sua história, a Campanha da Fraternidade separou-se em três fases: a primeira
delas, de 1964 a 1972, foi centrada nas questões da própria Igreja; a segunda
fase, de 1973 a 1984, abordou de forma ampla as questões sociais do Brasil;
por fim, a partir de 1985 começou a terceira fase, quando passaram a ser abor-
dadas as questões sociais de forma mais específica (COMISSÃO EPISCOPAL
PASTORAL PARA A JUVENTUDE, 2013), concomitantemente ao período de
redemocratização do Brasil. Destacam-se, para a presente análise, as Campanhas
da Fraternidade de 1997 e 2019, respectivamente, “Fraternidade e Política” e
“Fraternidade e Políticas Públicas”, ambas pertencentes à terceira fase.
No caso da primeira, a mobilização “Combatendo a corrupção eleitoral”, ini-
ciada em 1996 e encabeçada pela Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), da Con-
ferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que foi precedida pela Campanha
da Fraternidade no ano seguinte, culminou com o Projeto de Lei Popular e, con-
sequentemente, com a Lei Complementar nº 135 de 2010, mais conhecida como
Lei da Ficha Limpa. Nessa empreitada, a Igreja contou com o apoio de algumas
entidades, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e de organizações da
sociedade civil, como o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).
Quanto à segunda, os fiéis foram entronizados em um tema profunda-
mente complexo e, concomitantemente, corriqueiro e necessário para as rela-
ções entre sociedade e Estado: as políticas públicas. O assunto foi debatido em
milhares de paróquias por todo o país, abrindo espaço para que lideranças ca-
tólicas leigas se aproximassem do poder público e pressionassem pautas para
incrementar o bem-estar de todas as pessoas.

SILVA, L.H.V.; BENEDICTO, S.C.


Economia de Francisco e Economia Ecológica: caminhos confluentes na construção de novos paradigmas
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 12-37, jan./jun. 2020 17
E enfocando a pauta ambiental, uma série de outras Campanhas da Frater-
nidade, espalhadas em variados períodos históricos, voltou a atenção do país aos
desafios impostos à conservação da natureza no Brasil (CNBB, 2019).
Levando-se em consideração que o principal foco da política pública está
em identificar o tipo de problema e corrigi-lo, “na chegada desse problema ao
sistema político (politics) e à sociedade política (polity), e nas instituições/regras
que irão modelar a decisão e a implementação da política pública” (SOUZA,
2006, p. 40), a Igreja mostrou-se presente tanto na identificação das questões
a serem abordadas pelas políticas públicas quanto no debate envolvendo a so-
ciedade e outros atores, como organizações não governamentais, e também na
modelação da decisão, ou seja, na formulação da política pública.
Em adição, sabe-se que “a política pública envolve vários atores e níveis de
decisão, embora seja materializada através dos governos, e não necessariamente
se restringe a participantes formais, já que os informais são também importan-
tes” (SOUZA, 2006, p. 37), algo que reforça o papel da Igreja nesse processo.
Confirmando essa predisposição, em missa celebrada na Casa Santa Mar-
ta, em setembro de 2013, o Papa Francisco recordou: “a política – diz a Doutrina
Social da Igreja – é uma das formas mais elevadas da caridade, porque serve
ao bem comum” (FRANCISCO, 2013, s/p). Ressalva-se que, em um Estado
laico, nenhuma religião tem a prerrogativa de interferir em pautas concernentes
à administração pública. Entretanto, a Igreja Católica no Brasil, como grupo de
pressão ou como impulsionadora na detecção de problemas, na formulação e na
execução de políticas públicas, atua na vida de milhões de pessoas, independen-
temente de suas crenças religiosas ou preferências político-partidárias.
Acerca dessa última informação, salienta-se que a participação social do ca-
tolicismo é endossada por organizações ecumênicas, como o Conselho Nacional
de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), que congrega, além da Igreja Católica Apos-
tólica Romana, a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, a Igreja Evangélica de Con-
fissão Luterana no Brasil, a Igreja Presbiteriana Unida e a Igreja Sirian Ortodoxa
de Antioquia. No caso da Economia de Francisco, tema deste artigo, a cooperação
também extrapolou os limites do cristianismo, contando com a participação de
representantes ligados a religiões de matrizes africanas e indígenas do Brasil.
Em sua viagem apostólica à Bolívia, Francisco se dirigiu aos movimentos
populares apresentando uma proposta disruptiva em relação ao sistema econô-
mico capitalista e seus desdobramentos sociais e ambientais:

Queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança


de estruturas. Este sistema é insuportável: não o suportam os
camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam
as comunidades, não o suportam os povos... E nem sequer o
suporta a Terra, a irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco
(FRANCISCO, 2015b, s/ p).

SILVA, L.H.V.; BENEDICTO, S.C.

18 Economia de Francisco e Economia Ecológica: caminhos confluentes na construção de novos paradigmas


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 12-37, jan./jun. 2020
A ideia presente no discurso do pontífice aborda as três dimensões mais
difundidas da sustentabilidade – ambiental, econômica e social –, além de prepa-
rar o caminho para a discussão que será celebrada em Assis. Na próxima seção,
a base para essa contestação do modelo socioeconômico dominante será discu-
tida: a Ecologia Integral.

Igreja Católica e Ecologia Integral

Garmus (2009, p. 883) afirma que a Igreja caminha com a sociedade,


acompanhando a problemática da ecologia.
De fato, o Concílio Vaticano II, por meio da Gaudium et Spes, indica um
aceno à problemática da ecologia, em uma época em que o assunto era pouco
difundido na sociedade, até mesmo entre governos e corporações de direito
privado (GARMUS, 2009). Como destaca o documento, há a necessidade de se
“prever o futuro e garantir um são equilíbrio entre as necessidades do consumo
hodierno, individual e colectivo, e as exigências de investimentos para a geração
futura” (PAULO VI, 1965, n. 70), algo surpreendentemente semelhante à defi-
nição de desenvolvimento sustentável proposta pelo Relatório “Our Common
Future”, ou “Relatório Brundtland”, que o caracteriza como “aquele que atende
às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações
futuras atenderem a suas próprias necessidades” (WORLD COMMISSION ON
ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT, 1987, s/p).
No entanto, em toda a história recente da Igreja, o assunto foi observa-
do com mais afinco pelo Papa Francisco ao escrever a Carta Encíclica Laudato
Si’, em 2015. No documento, o Pontífice manifestou profundo conhecimento
sobre esse tema e, ao mesmo tempo, consternação ao mencionar os desafios a
serem enfrentados pela humanidade para promover a justiça social respeitando
os limites biofísicos do planeta. Entre todas as cartas e escritos da Igreja so-
bre o assunto, a encíclica de Francisco foi a mais objetiva sobre a emergência
ambiental do planeta e os desdobramentos sociais e econômicos intrínsecos a
essa tragédia, uma vez que, para o Papa, justiça social e ecologia estão profun-
damente ligadas.
Revela-se também que a carta encíclica lançou luz à Ecologia Integral, que
extrapola os aspectos ambientais e inclui as dimensões humanas e sociais, como
destaca o parágrafo 138 do documento:

A ecologia estuda as relações entre os organismos vivos e o meio


ambiente onde se desenvolvem. E isto exige sentar-se a pensar e
discutir acerca das condições de vida e de sobrevivência duma so-
ciedade, com a honestidade de pôr em questão modelos de de-
senvolvimento, produção e consumo. Nunca é demais insistir que
tudo está interligado (FRANCISCO, 2015a, p. 85).

SILVA, L.H.V.; BENEDICTO, S.C.


Economia de Francisco e Economia Ecológica: caminhos confluentes na construção de novos paradigmas
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 12-37, jan./jun. 2020 19
Cavalcanti (2018) direciona sua análise para a semelhança da carta com a
Economia Ecológica, que, para Martínez-Alier (1994), não constitui meramente
um ramo da teoria econômica convencional, mas sim uma revisão a fundo da
ciência econômica. Para o primeiro autor, a Laudato Si’

[...] não é um documento religioso, mas um aviso sobre a ameaça


do caos ecológico que se forma a partir dos caminhos de uma
economia global dominada pelo princípio do crescimento inter-
minável e “sem fim”. A encíclica ainda está cheia de referências
a conflitos ambientais, bem como uma macroeconomia ecológica
sem crescimento (a redução também é mencionada). Além disso,
um conceito na encíclica é o de justiça ambiental e ambientalismo
dos pobres (CAVALCANTI, 2018, p. 55).

Além disso, logo após a publicação de um relatório do Painel Intergoverna-


mental sobre Mudanças Climáticas (IPCCC) sobre a urgência de desenvolver políti-
cas que limitem o aquecimento do planeta a 1,5ºC, a Igreja convidou os políticos a
se esforçarem em favor de uma implementação ambiciosa do Acordo de Paris para
as pessoas e o planeta (PETRINI, 2018). Nesse sentido, Boff (2016), ao analisar os
desdobramentos da COP21 à luz da Ecologia Integral, salienta que, por causa das
pressões impostas pelos defensores dos modelos macroeconômicos que desconsi-
deram os ecossistemas como preponderantes e fundamentais para a vida no planeta,
a reunião não atingiu o resultado esperado, permitindo a continuidade da exploração
dos recursos naturais e, consequentemente, o comprometimento do bem-estar dos
seres vivos, ainda que liste nove pontos positivos referentes ao encontro.
Para Boff (2016), assim como para Daly (2004, p. 197), o “crescimento
sustentável é impossível”, tendo em vista que essa noção está intrinsecamente
ligada ao aumento de tamanho, enquanto o desenvolvimento se refere a tornar
diferente, evoluir. Dessa forma, tem-se o desenvolvimento como antagônico
ao crescimento. Diante disso, Cavalcanti (2010, p. 67) pondera: “se o desenvol-
vimento não for sustentável – o que significa que seja insustentável –, não será
desenvolvimento. Constituirá um processo destinado ao fracasso, uma mentira
(geralmente encapada pelo credo do crescimento)”.
Esquivel e Mallimaci (2017, p. 72) apontam que “as éticas religiosas e os sis-
temas econômicos têm estado, historicamente, inter-relacionados”, não sendo di-
ferente para a relação entre o catolicismo e o processo de globalização, o desenvol-
vimento, o meio ambiente e a ecologia, conforme será discutido na seção seguinte.

Igreja Católica e desenvolvimento sustentável

A partir do final do anos 1960 e início da década de 1970, impulsionada


pela carta “The Limits to Growth”, escrita pela equipe liderada pelos cientistas

SILVA, L.H.V.; BENEDICTO, S.C.

20 Economia de Francisco e Economia Ecológica: caminhos confluentes na construção de novos paradigmas


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estadunidenses Donella Meadows e Dennis Meadows, mediante pedido do think
thank Clube de Roma, a crítica ao crescimento desenfreado, em contrapartida ao
desenvolvimento, passou a ocupar posição de destaque no cenário mundial ao
escandalizar economistas ortodoxos (GEORGESCU-ROEGEN, 2012).
O destaque desse documento recaiu sobre os padrões de consumo empre-
gados pelos países centrais. Se adotados por todos os povos, pela primeira vez na
história poderiam comprometer a sobrevivência das futuras gerações, tendo em
vista a capacidade de produção existente até então, fazendo com que o apelo se
voltasse para o chamado “crescimento zero”, ou “decrescimento”. De fato, foi
exatamente nessa década que os cientistas passaram a estimar a sobrecarga da Ter-
ra, destacando que seria necessário mais de um planeta para suprir a demanda da
população caso o consumo dos países desenvolvidos fosse replicado por todos os
outros nas mesmas proporções (GLOBAL FOOTPRINT NETWORK, 2019).
Além disso, o documento recebeu duras críticas: para muitos economis-
tas contemporâneos ao relatório, a utilização dos modelos computacionais seria
passível de desconfiança e, segundo eles, os pesquisadores do MIT desconside-
raram a ideia de que o progresso tecnológico seria capaz de aumentar a expec-
tativa de vida do planeta (SAES; MYAMOTO, 2012). Ademais, para os países
em desenvolvimento, como o Brasil, que à época vivia o “milagre econômico”,
bem como para os chamados Tigres Asiáticos, a ideia de frear o crescimento
do PIB e a geração de riquezas advindas da pujança industrial não convenceu,
tendo em vista que, até então, “a grande maioria dos países permanecia pobre,
com dificuldades de iniciar um processo de crescimento econômico sustentado”
(ROMEIRO, 2012, p. 68).
Ainda assim, o debate suscitou uma série de encontros reunindo líderes e
pesquisadores de todo o planeta, bem como publicações nesse sentido. A Confe-
rência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Esto-
colmo, em 1972, foi a primeira grande reunião organizada pela Organização das
Nações Unidas (ONU) para tratar das questões relacionadas à degradação do
meio ambiente, servindo como ponto de inflexão no consumismo referenciado
anteriormente e atuando como precursora na criação de uma política ambiental
internacional. Tendo em vista as pressões advindas de diversos países, mostrou-
-se imprescindível a construção de um modelo que contemplasse a satisfação
das necessidades de uma sociedade de consumo sem se render ao paradigma de
crescimento puramente econômico, isento de preocupações ambientais e sociais.
Em 1987, a conceituação do desenvolvimento sustentável lançou um olhar
ainda mais atento ao desenvolvimento, a partir das dimensões ambiental, social
e econômica, destoando definitivamente do modelo de crescimento fundamen-
tado na acumulação de riquezas a qualquer custo, ou seja, ainda que implicasse a
degradação dos ecossistemas e o aumento das desigualdades sociais e dos pro-
blemas a ela intrínsecos. Apesar disso, o desenvolvimento sustentável ganhou

SILVA, L.H.V.; BENEDICTO, S.C.


Economia de Francisco e Economia Ecológica: caminhos confluentes na construção de novos paradigmas
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 12-37, jan./jun. 2020 21
medidas concretas e factíveis apenas a partir da virada do século, com a adoção
dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), no ano 2000. O escopo
dessa agenda era o de colocar em prática oito metas globais até o ano de 2015.
Entretanto, por causa de sua complexidade e das rápidas mudanças vivenciadas
em escala mundial nesse período, tornou-se necessário realizar uma atualização,
a fim de que os novos objetivos pudessem responder aos anseios das diferentes
realidades encontradas no planeta, ainda que tenha obtido êxito no cumprimen-
to de algumas metas.
Com isso, a partir de 2013 iniciaram-se as discussões que teriam como
ponto alto o mês de setembro de 2015, em que foram promulgados os 17 Ob-
jetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), também conhecidos como Ob-
jetivos Globais, por ocasião da Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvi-
mento Sustentável, que reuniu todos os 193 Estados-membros da ONU em sua
sede, em Nova Iorque.
Os ODS deverão orientar as políticas nacionais e as atividades de cooperação
internacional durante os 15 anos subsequentes, portanto até o ano de 2030, confi-
gurando o núcleo da chamada Agenda 2030, sucedendo e atualizando os Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio, que complementavam a Agenda 21. Os Objetivos
Globais consistem em um conjunto de ações e políticas universais e transformadoras
de longo alcance, com centro nas pessoas e apoiadas em cinco pilares: pessoas, pla-
neta, prosperidade, paz e parcerias (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2015).
O lançamento da Agenda 2030 aconteceu no mesmo ano da publicação da
Laudato Si’, por isso, na Cúpula, Francisco foi convidado a discursar, marcando
a quinta vez que um Papa visitava as Nações Unidas: Paulo VI em 1965, João
Paulo II em 1979 e 1995, e Bento XVI em 2008. Além de marcar assertivamente
sua posição em consonância com a doutrina social da Igreja, como ao defender
“casa, trabalho e terra”, o Pontífice também disse: “A adoção da Agenda 2030
para o Desenvolvimento Sustentável [...] é um sinal importante de esperança.
Estou confiante também que a Conferência de Paris sobre as alterações climáti-
cas alcance acordos fundamentais e efetivos” (FRANCISCO, 2015c, s/p).
Essa proximidade levou o então secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon,
a afirmar que a Ecologia Integral é sinonímica ao desenvolvimento sustentável
(ONU NEWS, 2015). Com efeito, “o Papa e a comunidade internacional expres-
saram uma preocupação comum” (GIRAUD; ORLIANGE, 2016, p. 6), visto que,

ao advertirem da situação alarmante do desafio climático, exami-


nada do ponto de vista do “desenvolvimento sustentável” ou da
“ecologia humana”, o discurso do Papa e as declarações da ONU
convergem indiscutivelmente. Integrando a questão social no cer-
ne da abordagem ecológica do desenvolvimento, ambos afirma-
ram o caráter necessariamente inclusivo de todo progresso político
(GIRAUD; ORLIANGE, 2016, p. 17).

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Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 12-37, jan./jun. 2020
Tendo em vista essa abertura de diálogo da Igreja para com o desenvolvi-
mento sustentável institucionalizado pela ONU e esquematizado em objetivos
e metas globais, as discussões envolvendo a Economia de Francisco podem en-
contrar terreno fértil para servirem de termômetro e trampolim para a Agenda
2030 dez anos antes de seu término, não no sentido de alterá-la, mas sim de
compor com esse documento um leque de oportunidades de ação para conter
mudanças climáticas e defender sociedades mais justas e fraternas, contrarian-
do as projeções que insurgem mediante o descumprimento de acordos globais
pelo clima e o avanço de movimentos totalitários e intolerantes (MURADIAN;
PASCUAL, 2020), bem como avaliando o cumprimento dos objetivos e metas
em todo o planeta.
Para ilustrar essa afinidade, o Quadro 2 apresenta um comparativo entre
a agenda global para o desenvolvimento sustentável e a Economia de Francisco.

Quadro 2 – Comparativo entre a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Susten-


tável e a Economia de Francisco.
Agenda 2030 Economia de Francisco
Pautada nos tradicionais pilares ambiental, econô- Igualmente, para o Papa Francisco, a Ecologia In-
mico e social, expandida nas dimensões pessoas, tegral, base da Economia de Francisco, congrega
planeta, prosperidade, paz e parcerias. variadas dimensões, extrapolando a ideia de susten-
tabilidade exclusivamente ambiental.
Parte da premissa de uma emergência climática, Os posicionamentos de Francisco admitem a in-
causada pela atividade antrópica e também da ne- sustentabilidade do modelo econômico vigente,
cessidade de relações humanas igualitárias. tanto para a manutenção da vida na Casa Comum
quanto para a geração de dignidade e oportunida-
des às pessoas.
Trabalha com objetivos e metas estabelecidos. A partir das discussões realizadas, serão traçados
novos caminhos para as Ciências Econômicas, de
maneira sistematizada.
Rompimento com métodos convencionais de ex- Ruptura com o sistema econômico e social capita-
ploração dos recursos naturais, obtenção de ener- lista, estruturalmente perverso. Acrescenta valores
gia e organização social. teológicos e filosóficos que escapam ao capital e,
por isso, não podem ser quantificados.
Fonte: elaborado pelos autores com base em Nações Unidas Brasil (2015).

Por sua vez, Sachs (2017, p. 2573) avalia que, além das similaridades entre
a Laudato Si’ e a Agenda 2030, o posicionamento eclesiástico chega a ser ainda
mais ambicioso que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável:

Enquanto a Agenda 2030 procura reparar significativamente o mo-


delo econômico global existente, a encíclica exige um recuo da hege-
monia econômica e uma responsabilidade mais ética em todos os ní-
veis. Enquanto a Agenda 2030 prevê uma economia verde com tons

SILVA, L.H.V.; BENEDICTO, S.C.


Economia de Francisco e Economia Ecológica: caminhos confluentes na construção de novos paradigmas
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 12-37, jan./jun. 2020 23
sociodemocratas, a encíclica prevê uma era pós-capitalista, baseada
em uma mudança cultural em direção à ecossolidariedade.

Dessa forma, caso as discussões que ocorrerão na Economia de Francisco


se mantenham harmonizadas com a emergência do pós-capitalismo, os Objeti-
vos Globais poderão ser incrementados, no sentido de expandir sua atuação em
pautas sociais e ambientais, abandonando por completo a ilusão de que é possí-
vel conciliar a expansão industrial ao bem-estar da vida no planeta.
Nesse sentido, consideram-se como fundamentais as dimensões teológica
e filosófica, eixos do encontro em Assis, uma vez que elas não são quantificá-
veis pelo capital, endeusado pelo sistema dominante. Nesse sentido, Esquivel e
Mallimaci (2017, p. 84) afirmam que “os valores espirituais são um componente
central do capital simbólico e social de uma sociedade, e, segundo os desafios
históricos concretos, podemos promover ou impedir desenvolvimentos susten-
táveis e democráticos”.
A isso somam-se empreitadas como o Movimento Católico Global pelo Cli-
ma (2018), por exemplo, que reúne mais de 900 organizações católicas parceiras,
englobando desde grandes redes internacionais até ordens religiosas locais, incluin-
do paróquias, movimentos e líderes religiosos, além de milhares de indivíduos.
E o diálogo inter-religioso também assume papel fundamental nessa mis-
são, expandindo os atores responsáveis pelo cumprimento dos ODS e abarcan-
do cada vez mais pessoas, como visto na Conferência realizada em março de
2019, na Cidade do Vaticano, que contou com a participação de expoentes de
várias religiões (GUERRA; JAGURABA, 2019).

Economia Ecológica

A Economia Ecológica (EE) tem seu surgimento atribuído ao momento


sem precedentes de ebulição no cuidado com o planeta e com os desdobra-
mentos sociais causados pela distribuição desigual das riquezas e da má utili-
zação dos recursos naturais, em resposta à assimetria ambiental e socioeconô-
mica característica do Antropoceno5, ou do “Capitaloceno”, tendo em vista
que “a crise ecológica global não é resultado de Todos (a humanidade) contra
Um (a natureza), mas da era histórica do capital contra a ampla trama da vida”
(BARCELOS, 2019, p. 15).
Conforme apresentado anteriormente, a segunda metade do século XX
representou um momento sem precedentes de ebulição de movimentos, como
o ambientalismo e o ecologismo radical, entre outros que criticavam frontal-
mente o modelo de produção e consumo inerente ao capitalismo. Autores como
Ophuls (1977) e Dupuy (1980) afirmam que, tendo em vista a ameaça à lógica
econômica dominante e a contradição inerente ao seu modelo produtivo, os

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limites internos e externos impostos ao capitalismo obrigatoriamente direciona-
riam o sistema a uma mudança estrutural; caso contrário, inevitavelmente estaria
fadado a perecer.
Na mesma época, no domínio das Ciências Econômicas, a obra “The En-
tropy Law and the Economic Process”, de Georgescu-Roegen (1971), “forçaria
a revisões profundas no corpo teórico convencional, a começar pela represen-
tação básica do funcionamento da economia” (VEIGA, 2010, p. 452), servindo
como marco disruptivo ao considerar a economia um subsistema da ecologia.
Isso custou o prestígio desse importante pensador (VEIGA, 2010), pelo fato de
ele ter questionado a economia neoclássica dominante, que, de maneira trivial,
reduz as relações econômicas às trocas entre as firmas e as famílias, relegando ao
meio ambiente e às aspirações humanas o papel secundário de apêndice, pendu-
ricalho ou externalidade (CAVALCANTI, 2010).
A teoria de Georgescu-Roegen propõe “a economia-atividade como sis-
tema aberto dentro do ecossistema (o ecossistema é o todo; a economia, uma
parte)” (CAVALCANTI, 2010, p. 58), com base na 2ª Lei da Termodinâmica.
Com isso, Georgescu-Roegen (1971, 2012) apontou que a atividade produtiva é
responsável por absorver matéria-prima em um estado de baixa entropia e, após
o transumo, dispersar resíduos em estado de alta entropia, como energia dissi-
pada, resíduos e poluição, de maneira irreversível no meio ambiente. Há, con-
sequentemente, “uma diferença qualitativa entre o que é absorvido no processo
econômico e o que sai dele” (GEORGESCU-ROEGEN, 2012, p. 57), sendo o
processo econômico “meramente responsável por transformar recursos naturais
de valor em resíduos” (GEORGESCU-ROEGEN, 2012, p. 62).
Assim, ao contrário da economia ambiental neoclássica, que, ao tratar da
produção econômica, desconsidera os limites físicos e ecológicos do planeta,
e tendo em vista que alguns recursos ecossistêmicos não são substituíveis por
capital, a EE defende que a vida na Terra corre o risco de desaparecer se alguns
bens naturais se perderem ou forem comprometidos de maneira irreversível.
Considerar a possibilidade das restrições ecológicas para o crescimento econô-
mico revela uma nova consciência sobre os problemas ecológicos planetários.
Costanza et al. (1997) explicitam a complementariedade existente entre a econo-
mia e a ecologia, que foi se manifestando durante décadas e culminou na união
entre ambas, de maneira a criar uma ciência transdisciplinar capaz de responder
a problemas cada vez mais complexos.
Outro ponto fulcral na EE remete-se à contraposição entre crescimento
e desenvolvimento, ressaltada previamente na contextualização histórica deste
artigo. Na concepção de Daly (2004, p. 197), o “crescimento sustentável é im-
possível”, tendo em vista que essa noção está intrinsecamente ligada ao aumento
de tamanho, enquanto o desenvolvimento se refere a tornar diferente, evoluir.
Dessa forma, para o autor, o

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desenvolvimento sustentável faz sentido para a economia, mas
apenas se entendido como desenvolvimento sem crescimento –
a melhoria qualitativa de uma base econômica física que é man-
tida num estado estacionário pelo transumo de matéria-energia
que está dentro das capacidades regenerativas e assimilativas do
ecossistema (DALY, 2004, p. 198).

Ainda assim, para Cavalcanti (2010, p. 65), o termo “desenvolvimento sus-


tentável” poderia ser entendido apenas como desenvolvimento, sem a necessi-
dade de adjetivá-lo:

[...] um denominador comum dos praticantes da EE reside na defesa


do desenvolvimento (ecologicamente, mas também social e econo-
micamente) sustentável. O que, no fundo, implica qualificar algo que
dispensa adjetivos. Na verdade, se o desenvolvimento não for sus-
tentável – o que significa que seja insustentável –, não será desenvol-
vimento. Constituirá um processo destinado ao fracasso, uma men-
tira (geralmente encapada pelo credo do crescimento). Em essência,
os economistas ecológicos tendem a adotar esta última postura.

Identifica-se que a EE amplia o campo de análise da própria concepção de


desenvolvimento sustentável e sustentabilidade econômico-ambiental, ao passo
que a economia ambiental neoclássica busca incluir o conceito de desenvolvi-
mento sustentável em sua estrutura analítica, procurando atender aos problemas
ambientais, como realçado por Andrade (2008, p. 24). Assim, em essência, a EE
e a economia ambiental neoclássica utilizam abordagens distintas para tratar da
relação entre o sistema econômico e o meio ambiente.
Nesse contexto, é notório que a economia em conflito com os sistemas
naturais do planeta “é uma evidência que ressalta das informações cotidianas
sobre o desaparecimento das zonas de pesca, a redução das florestas, a erosão
do solo... e o desaparecimento de espécies” (BROWN, 2003, p. 14). Quanto à
crise ambiental e o modelo econômico dominante, Nascimento (2012, p. 58)
relata que o agravamento da crise ambiental aponta para uma clara degradação
das condições de vida em nosso planeta:

caso o cenário mais pessimista do aquecimento global venha a se


confirmar, uma nova possibilidade de autoextinção será criada ao
final deste século. De toda forma, a persistência do modelo de
produção e consumo em vigor degrada não apenas a natureza, mas
também, e cada vez mais, as condições de vida dos humanos.

A implosão do modelo econômico dominante, especialmente após a crise


de 2008 e as recentes notícias que evidenciam a iminente catástrofe climática, le-
vou Moraes e Torrecillas (2013, p. 59) a afirmar que “os conceitos considerados

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por uma série de economistas como intocáveis estão ruindo e dando espaço para
um campo emergente de críticas”. Dessa maneira, “os pressupostos teóricos da
economia neoclássica não têm dado inteligibilidade suficiente para a compreen-
são dos fenômenos econômicos e políticos contemporâneos”.
Os trabalhos citados apontam para um conflito entre os sistemas naturais
e o modelo econômico dominante de produção e consumo. Seus resultados re-
velam a necessidade de novas ideias que levem em conta a degradação das con-
dições de vida na Terra, bem como a devastação do meio ambiente.
A EE, portanto, admite um modelo de desenvolvimento pautado na necessi-
dade de uma produção consciente, que garanta o cuidado com todas as formas de
vida no planeta, de maneira a gerar benefícios sociais para a humanidade, como a su-
peração da fome e da pobreza. Mais precisamente, a EE considera que a natureza de-
termina limites ao crescimento físico do sistema econômico (CAVALCANTI, 2010).
Spash (2020) defende que a EE é contrária ao paradigma de crescimento eco-
nômico e à crença no progresso humano por meio da competição, inovação, tecno-
logia e acumulação de capital, elementos centrais para a economia neoclássica.
Com base nessa premissa, pode-se assumir que a EE parece advogar em um
campo conflitante e de ruptura de um modelo tradicional de se enxergar o mundo
por meio de modelos econômicos demasiadamente simplificados. O campo dos
fatores ambientais e humanos na tomada de decisões, em meio a um contexto de
alterações climáticas, extinção de espécies animais, fome, pobreza e desigualdades
no acesso a serviços públicos, mediante o álibi de um pretenso crescimento eco-
nômico, tornou-se uma venda nos olhos de muitos tomadores de decisão influen-
ciados pelo capital financeiro em detrimento da manutenção da vida no planeta.
Sabe-se também que a EE pode balizar a formulação de políticas públicas
ambientais ou a legislação ambiental. Essa utilidade foi observada por autores
como: Weiss (2017), que enfatiza a função da EE na elaboração de políticas pú-
blicas para a América Latina; Garcia e Romeiro (2019), que estudaram as bacias
do Alto Iguaçu e Afluentes do Alto Ribeira, no estado do Paraná, a partir de
uma modelagem econômico-ecológica; e Cruz, Barella e Fonseca (2020), que
consideraram a importância da EE no trabalho sobre questões regulatórias para
compensar o desmatamento.
Além disso, é flagrante a relação da EE com correntes como a economia
solidária, por exemplo, tendo em vista que ambas “compartilham predominante-
mente a preocupação com a desigualdade distributiva e a pobreza e buscam ma-
neiras de uma sociedade justa e equitativa por meio de uma redefinição do que
é atualmente o desenvolvimento econômico” (ROSAS-BAÑOS, 2012, p. 90).
Dessa maneira, relacionar a EE a outras vertentes econômicas comprome-
tidas com valores socioambientais torna-se fundamental para conferir robustez à
crítica ao sistema econômico capitalista e propor alternativas que considerem os
limites físicos do planeta e as dramáticas assimetrias sociais presentes nos países
em desenvolvimento.

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Economia de Francisco e Economia Ecológica: caminhos confluentes na construção de novos paradigmas
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 12-37, jan./jun. 2020 27
Economia de Francisco

Costanza (2020, p. 1) afirma que “Ecologia e economia compartilham a


mesma raiz grega, ‘oikos’, que significa ‘casa’. Ecologia significa literalmente ‘es-
tudo da casa’, enquanto economia significa ‘administração da casa’, onde a casa
é considerada o mundo”, ou seja, a Casa Comum.
Inicialmente, reitera-se que a Economia de Francisco não terá o intuito de
fornecer informações estabelecidas aos ouvintes. Pelo contrário, em seu chama-
do, o Papa Francisco emitiu um apelo pela concepção de uma “economia dife-
rente, que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza,
cuida da criação e não a depreda” (FRANCISCO, 2019, s/p).
Depreende-se, então, que o evento servirá como um espaço de discussões
e criação, de maneira a fomentar para que as Ciências Econômicas enxerguem o
mundo por meio das lentes da Ecologia Integral, admitindo como ponto de par-
tida o testemunho de vida de São Francisco de Assis, inspiração para o nome do
evento, e, igualmente, o de Santa Clara. Além das mesas de debate, as contribui-
ções virão de personalidades como Amartya Sen, Bruno Frey, Jeffrey Sachs, Kate
Raworth e Muhammad Yunus (THE ECONOMY OF FRANCESCO, 2020).
Estabelecendo um elo entre a economia do hoje e a do amanhã, o evento
será organizado em 12 “aldeias”, que acolherão os trabalhos dos participantes
sobre os temas expostos: finanças e humanidades; agricultura e justiça; energia e
pobreza; lucro e vocação; negócios em transição; gestão e dom; trabalho e cui-
dado; políticas públicas e felicidade; CO2 das desigualdades; vida e estilo de vida;
negócios e paz; economia e mulher.
Ademais, o encontro não será redundante à agenda global para o desen-
volvimento sustentável formulada na ONU, mas sim complementar. Os tex-
tos de referência da Articulação Brasileira pela Economia de Francisco (ABEF)
apontam para a construção de uma economia mais humana e inclusiva, seguindo
a lógica do “bem-viver”, conceito trabalhado inicialmente pela economia solidá-
ria, como apontado por Brasil e Brasil (2013), que comentam essa harmonização
de ideias que convergem tendo como pano de fundo o anticapitalismo e o de-
crescimento econômico.
Além disso, por todo o país, núcleos ligados à ABEF têm promovido en-
contros, espontânea e voluntariamente, com a finalidade de debater o assunto
e internalizá-lo por meio de ações concretas na comunidade. A participação de
movimentos sociais, representantes da sociedade civil, leigos atuantes nas comu-
nidades e líderes religiosos nessas reuniões possibilita, ainda mais, a formulação
de políticas públicas e ações sociais que carreguem, ainda que implicitamente, os
princípios defendidos pela Economia de Francisco.
Em relação ao ensino da economia, também se vislumbram possíveis mu-
danças paradigmáticas. Söderbaum (2017) pontua assertivamente que o foco em

SILVA, L.H.V.; BENEDICTO, S.C.

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Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 12-37, jan./jun. 2020
aspectos monetários ou financeiros em consonância com a economia neoclás-
sica influencia os departamentos de economia em universidades de diferentes
partes do mundo, criando uma espécie de monopólio de pensamento. Por isso, o
autor parte em defesa de uma educação econômica mais pluralista nas universi-
dades, bem como da produção científica voltada a explorar campos alternativos
da economia.
Sob essa perspectiva, constata-se que a Economia de Francisco pode ser
popularizada, tendo em vista o grande número de universidades católicas no
mundo e, consequentemente, a quantidade igualmente expressiva de cursos li-
gados às Ciências Econômicas nessas instituições, permitindo uma abordagem
diferenciada dessa área do saber, capacitando milhares de bacharéis que, futu-
ramente, ocuparão posições decisivas na sociedade, para que enxerguem as re-
lações econômicas de maneira abrangente, e não somente por meio do prisma
reducionista dos modelos que consideram exclusivamente as trocas entre as fir-
mas e as famílias, próprios da economia neoclássica.
De maneira esquematizada, é possível ilustrar a confluência entre as variadas
correntes alternativas das Ciências Econômicas e agendas globais para o desenvol-
vimento sustentável que labutam tendo como ponto em comum a crítica ao mo-
delo capitalista de produção, consumo e organização da sociedade. Ao contrário
do que aparentemente poderia ser uma disputa por uma superioridade na hetero-
doxia, as visões se complementam de maneira harmoniosa, fortalecendo-se como
resistência e como grupo de pressão à economia tradicional. Essa confluência é a
base teórica da Economia de Francisco, como demonstrado pela Figura.

Figura – Esquematização da confluência das correntes de contestação da economia.

Fonte: elaborada pelos autores com base nos dados da pesquisa.

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Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 12-37, jan./jun. 2020 29
Considerações finais

Este artigo buscou explorar as aproximações existentes entre a Econo-


mia de Francisco, a EE, as correntes alternativas das Ciências Econômicas e as
convenções mundiais pelo desenvolvimento sustentável, como a Agenda 2030
da ONU.
Inicialmente, evidenciou-se a ligação da Igreja Católica com as temáticas
socioeconômica e ambiental, a partir de exemplos práticos em que a instituição
foi determinante para organizar a sociedade na discussão de determinados temas
e, consequentemente, para a mobilização e a ação transformadora.
Dada a capilaridade da Igreja, presente em todos os países e até mesmo
em regiões remotas da Terra, uma iniciativa surgida em seu seio pode ter impac-
to global, do ponto de vista prático, de maneira relativamente rápida. Sua estru-
tura hierárquica e, ao mesmo tempo, permissiva para a atuação de leigas e leigos
desde o Concílio Vaticano II impulsionam essa facilidade.
Diante disso, a Economia de Francisco pode despontar como uma opor-
tunidade de participação para ativistas, gestores públicos, políticos e movi-
mentos em todo o planeta, extrapolando o público-alvo do evento, composto
de jovens economistas, pesquisadores e empresários, tendo em vista que as
discussões envolvendo a Ecologia Integral e sua aproximação com as Ciências
Econômicas podem criar um novo paradigma para responder à emergência
climática e às demandas de todos os povos, em consonância com os Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável e com metas como as previstas no Acordo
de Paris. Em vista da conjuntura “pós-coronacrise”, esse arrojo se configura
ainda mais substancial, a fim de garantir uma reconstrução genuinamente sus-
tentável dos países.
Da mesma forma, a sociedade civil pode fazer uso dos resultados desse
evento, em confluência com as economias alternativas, para atuar com o poder
público e demais atores sociais na elaboração de políticas públicas que trabalhem
para a construção de um mundo melhor para todas as pessoas e seres vivos, pre-
conizando o cuidado com a Casa Comum.

Agradecimento

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aper-


feiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de
Financiamento 001.

Submissão: 15/04/2020
Revisão: 17/05/2020
Aprovado: 20/05/2020

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Notas
1 Mestrando em Sustentabilidade pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Cam-
pinas), na linha de pesquisa Ciência, Sociedade, Políticas Públicas e Sustentabilidade. Bacharel
em Gestão de Políticas Públicas pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade
de São Paulo (EACH-USP). Pesquisador bolsista CAPES, Modalidade I. Compõe o grupo de
pesquisa Gestão Estratégica e Sustentabilidade, o Conselho do PPGS da PUC-Campinas e a
Comissão de Autoavaliação do PPGS da PUC-Campinas. E-mail: [email protected]
2 Doutor em Administração pela Universidade Federal de Lavras (UFLA) (2011). Mestre em
Administração pela UFLA (2004). Pós-graduação lato sensu em Educação pela UFLA (2002).
Pós-graduação lato sensu em Biologia pela UFLA (2001). Graduado em Administração pela Uni-
versidade Uniderp/Anhanguera (2009). Graduado em Pedagogia pela Universidade do Estado
de Minas Gerais (UEMG) (1999). Graduado em Biologia pela UEMG (1997). Graduado em
Ciências Físicas e Biológicas pela UEMG (1995). Professor titular e pesquisador do Centro de
Economia e Administração da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas).
Coordenador do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu (Mestrado) em Sustentabilidade da
PUC-Campinas. Avaliador de instituições e cursos superiores do Conselho Estadual de Educa-
ção do Estado de São Paulo (CEE-SP). Avaliador de instituições e cursos superiores do INEP.
Membro do Grupo de Pesquisa Gestão Estratégica e Sustentabilidade do NUPEX-CEA/PUC-
-Campinas. Possui experiência em desenvolvimento de projetos sociais com pequenos agriculto-
res. Desenvolve pesquisas em Sustentabilidade socioambiental; Responsabilidade socioambiental
empresarial; Gestão estratégica e sustentabilidade; Gestão de pessoas e sustentabilidade; Inova-
ção tecnológica e sustentabilidade. E-mail: [email protected]
3 Inicialmente, o evento seria realizado nos dias 26, 27 e 28 de março. No entanto, por causa da
pandemia do novo coronavírus, o encontro foi remarcado para os dias 19, 20 e 21 de novembro
de 2020. Posteriormente, a coordenação suspendeu as atividades presenciais e, até a data de
publicação deste artigo, o evento seria inteiramente virtual, com possibilidade de atividades em
Assis somente em 2021.
4 Pastoral é uma palavra derivada de “pastor”, que simboliza a ação da Igreja Católica no mundo
ou o conjunto de atividades pelas quais a Igreja realiza a sua missão, a fim de atender a realidades
sociais e espirituais específicas.
5 Artaxo (2014, p. 15) explica que “desde os anos 1980, alguns pesquisadores começaram a defi-
nir o termo Antropoceno como uma época em que os efeitos da humanidade estariam afetando
globalmente nosso planeta”.

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DOSSIÊ

A Economia de Francisco e Clara para “realmar” a humanidade


Eduardo Brasileiro1
Rudá Ricci2

Resumo: A proposta do Papa Francisco abre um espaço de discussão na sociedade


contemporânea com a Economia de Francisco e Clara. O Papa Francisco convidou
jovens de todo o mundo para discutir os rumos da economia mundial, em um convite
para “realmar” a economia. O encontro que ocorrerá em Assis abrirá um enorme flanco
de discussões em torno de desenvolvimento, capitalismo, extrativismo, passando para o
debate central de transição gestado na encíclica Laudato Si’. As etapas que compõem a
discussão desenvolvem um olhar sobre o enfrentamento à financeirização da economia
global, seu aspecto de dominação da subjetividade humana e, com isso, sua desumani-
zação, centrando esforços em uma nova cultura proposta pelo Pacto Educativo Global.
Palavras-chave: Papa Francisco. Economia. Educação. Laudato Si’. Juventudes. Igreja
Católica.

Francisco and Clara’s Economy to “re-animate” humanity

Abstract: Pope Francis’ proposal opens up a huge space for discussion in contempo-
rary society with The Economy of Francesco and Clara. Pope Francis has invited young
people from all over the world to discuss the direction of the world economy, in an invi-
tation called to “re-animate” the economy. The meeting, which will take place in Assisi,
will open a huge range of discussions around development, capitalism, extractivism,
moving on to the central transition debate in the encyclical Laudato Si’. The stages that
make up the discussion develop a look at the financialization of the global economy, its
aspect of domination of human subjectivity and with that, its dehumanization, focusing
efforts on a new culture proposed by the Global Compact on Education.
Keywords: Pope Francis. Economy. Education. Laudato Si’. Youth. Catholic Church.

La economía de Francisco y Clara para “realmar” la humanidad

Resumen: La propuesta del Papa Francisco abre un espacio de discusión en la sociedad


contemporánea con la Economía de Francisco y Clara. El Papa Francisco invitó jóvenes
de todo el mundo a discutir la dirección de la economía mundial, en una invitación lla-
mada a “realmar” la economía. La reunión, que tendrá lugar en Asís, abrirá un enorme
flanco de discusiones sobre desarrollo, capitalismo, extracción, pasando al debate central

BRASILEIRO, E.; RICCI, R.

38 A Economia de Francisco e Clara para “realmar” a humanidade


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 38-56, jan./jun. 2020
de transición generado en la encíclica Laudato Si’. Las etapas que conforman la discusión
desarrollan una visión sobre cómo enfrentar la financiarización de la economía global,
su aspecto de dominación de la subjetividad humana y, con eso, su deshumanización,
enfocando los esfuerzos en una nueva cultura propuesta por el Pacto Educativo Global.
Palabras clave: Papa Francisco. Economía. Educación. Laudato Si’. Juventud. Iglesia
Católica.

Por que uma Economia de Francisco e Clara?


“De modo geral, para os povos, a narrativa deles do universo e o
papel humano no universo é a sua fonte primordial de inteligibilidade
e valor. As crises mais profundas vivenciadas por qualquer sociedade
são os momentos de mudança quando a narrativa se torna inadequa-
da para enfrentar as exigências de sobrevivência de uma situação que
se apresenta”.
Thomas Berry (padre e ecoteólogo)

“Que a nossa época seja lembrada como o despertar de uma nova


reverência pela vida”.
A carta da Terra

O Papa Francisco, em seu sétimo ano de pontificado, estabelece os marcos


mais duradouros de seu serviço para a sociedade global e apresenta os dois últi-
mos filhos da Encíclica Laudato Si’: o encontro global “Economia de Francisco”
e o “Pacto Educativo Global” – o filho nascido antes, a saber, foi o Sínodo para
a Amazônia.
Ambas as iniciativas trazem no bojo a abertura de processos revolucioná-
rios, pois incidem em “[...] ocupar-se mais com iniciar processos do que possuir
espaços. O tempo ordena os espaços, ilumina-os e transforma-os em elos de
uma cadeia em constante crescimento, sem marcha atrás” (FRANCISCO, 2013c,
n. 223). O Papa Francisco assume o compromisso de uma transição global: en-
caminhar processos que gestem uma sociedade biocêntrica, em que o centro está
na vida que supera a economia neoliberal atualmente financeirizada, e passar
para aquilo que a delegação brasileira enunciou em sua carta aberta para o Papa
e todos os jovens que estarão em Assis:
Economias no plural. Economias solidárias e populares, criativas,
colaborativas. A economia circular e ecológica. As economias da
dádiva, a festa comunitária, a comunhão. A economia feminista,
das mulheres. As economias camponesas e tradicionais. A econo-
mia do cuidado, a economia doméstica. As economias digitais e do
software livre. A economia da cultura. O mundo do trabalho, en-
fim. As economias vivas (ARTICULAÇÃO BRASILEIRA PELA
ECONOMIA DE FRANCISCO E CLARA, 2019, s/p).

BRASILEIRO, E.; RICCI, R.


A Economia de Francisco e Clara para “realmar” a humanidade
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 38-56, jan./jun. 2020 39
O Papa Francisco (2019b, s/p) convoca um “realmar” a economia: “que
faz viver e não mata, inclui e não exclui”. O foco dessa proposta está na supe-
ração das desigualdades globais e, portanto, mexe no coração do atual pacto
econômico global: a acumulação sem nenhum precedente na história de uma
minoria ilegítima e uma miséria alastrada em todo os territórios do mundo.
Afinal, a perversidade do capitalismo está na desregulação das fortunas glo-
bais que passeiam por todos os países explorando os Estados-nação, cada um
sofrendo pressão de elites locais e internacionais para “flexibilização” a favor
de seus interesses.
Portanto, o Papa Francisco convoca um movimento nas proximidades da
espiritualidade dos Santos de Assis, São Francisco e Santa Clara, que costuraram
uma radical nova forma de viver, para romper um processo engendrado não
somente na sociedade, mas na subjetividade de cada sujeito, como afirmaram
Dardot e Laval (2016), detalhando o homem e a mulher empresarial. O conflito
a que se propõe o Papa Francisco, unido a jovens ativistas, empreendedores
sociais e intelectuais engajados, é a humanização da economia. Não se trata, por-
tanto, de uma medida reformista, mas um desencadeamento de um movimento
social para este século.
Joseph Stiglitz, fundador do Novo Pensamento Econômico, entidade que
animou o Papa a construir essa frente internacional de discussão sobre novos
modelos econômicos, afirmou:

É fundamental trabalhar a partir da educação em sistemas al-


ternativos que não tenham como premissa a ideia de idolatrar
o dinheiro. Temos que buscar desenvolver programas e estudos
em torno do conceito de economia circular, que contribuam
para uma educação consciente da sustentabilidade ambiental,
que requer devolver ao meio ambiente o que lhe é retirado (LA
VANGUARDIA, 2019, s/p).

O Papa Francisco, compreendendo esses desafios, sentenciou que “não há


duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa
crise socioambiental” (FRANCISCO, 2015b, n. 139). O capitalismo neoliberal,
síntese de tantos nomes que se deram às suas metamorfoses atuais (financeiro,
imaterial, parasitário, global), converge seu domínio na “tecnociência” (FRAN-
CISCO, 2015b, n. 107), que suspende o governo do cidadão sobre si e restringe
a uma minoria de corporações bélicas.
O exemplo está nos extermínios populacionais e naturais no mundo e o
monopólio de tecnologias. As políticas internacionais foram ofertadas a “uma
concepção mágica do mercado” (FRANCISCO, 2015b, n. 190), centradas em
um descontrole político e econômico de seus interesses, erguendo um monopó-
lio político brutal.

BRASILEIRO, E.; RICCI, R.

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Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 38-56, jan./jun. 2020
“Realmar” a economia por meio de novas arquiteturas

Reivindicar uma nova arquitetura econômica é tarefa de primeira ordem


para uma transição social e cultural. O poder de pensar na gestão da escola, de
seu bairro, nas decisões do seu município e de grupos culturais, por exemplo,
desenha-se como algo intangível em uma democracia de baixa intensidade. O so-
ciólogo e economista alemão Wolfgan Streeck (2012) afirma que vivemos no fim
do capitalismo democrático. Esse dado se intensifica com a dificuldade política
em ser norteada por princípios como o bem comum a longo prazo, capturando
o projeto de nação (FRANCISCO, 2015b, n. 178).
Neste cenário de pandemia do SARS-CoV2 (Covid-19), mostrou-se emi-
nente a falácia da doutrina de austeridade que levou o mundo globalizado a
desmontar políticas sociais e econômicas de apoio ao povo, garantindo liberda-
de econômica a um punhado de corporações que compuseram uma nova elite
política econômica. Caberá em um processo de transição, nas palavras de Jurgen
Schuldt (apud ACOSTA, 2015, p. 164), a “dissociação seletiva e temporal do
mercado mundial”, retomando a soberania alimentar, processos de gestão de-
mocrática local e popularização do binômio formação de redes comunitárias e
ocupação de espaços representativos deliberativos.
Realmar a economia está em superar o modelo de desenvolvimento, reco-
nhecendo que o problema é de organização da vida econômica e, portanto, esta-
belecer a economia de suficiência, em que Francisco e Clara de Assis e os povos
amazônicos e andinos têm muito a nos ensinar, freando a lógica de eficiência
que se desdobra na acumulação global materialista. Nas palavras do equatoriano
Alberto Acosta (2015, p. 185), presidente de Assembleia Constituinte que reco-
nheceu no Equador os direitos da mãe terra, é:

[...] crer no autocentramento como desenvolvimento das forças


produtivas endógenas, incluindo recursos produtivos locais e os
correspondentes controle da acumulação e centramento dos pa-
drões de consumo. Tudo deve ser acompanhado de um processo
político de participação plena, de tal maneira que se construam
contrapoderes com crescente níveis de influência no âmbito local.

Para economistas ortodoxos, é importante ressaltar que não se trata de


“substituições de importações”, e sim uma essência se destaca: um mercado
interno que capacita o viver com o nosso e para os nossos.
A emergência sanitária vivida em 2020 desnuda o fato de que, quando há
vontade política, é possível se reverter o processo de globalização. A crise civiliza-
tória e sistêmica revela o último véu de hipocrisia do que muitos analistas chamam
de “ordem liberal”, ou de “hegemonia americana” do século XX. Urge “realmar”
a organização popular que no aspecto político está por repensar profundamente

BRASILEIRO, E.; RICCI, R.


A Economia de Francisco e Clara para “realmar” a humanidade
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 38-56, jan./jun. 2020 41
em um processo autodependente e participativo, criando fundamentos para uma
ordem que concilia economias solidárias e sociedades democráticas.
Nenhuma teoria econômica será sustentável se não respeitar os limites do
ecossistema nem será popular se não houver um envolvimento cada vez maior
de forças territoriais com processos de autonomia produtiva e cultural. Trata-se
aqui de uma ressignificação estrutural dada a magnitude do destino da humani-
dade e da vida. Com a pandemia, o que ficou evidente não é a autoimplosão do
sistema produtivo, mas sua capacidade de reinvenção cruel. Portanto, medidas
que recomponham o ser humano ao metabolismo da natureza, retomando a
mística franciscana do cuidado, acolhida e diálogo, ganham com o chamado do
Papa Francisco a capacidade de “dizer os limites a que a humanidade chegou” e
recompor a trama de harmonia com o “sistema vida”.

A Economia de Francisco e Clara organiza uma nova cultura e um


novo cidadão

A convivência na multipolaridade

A proposta do Papa Francisco não se sustenta em um programa único de


superação do sistema capitalista. Bebe da fonte de diversos rios que desenharam
resistências, reflexões e proposições diante da necessidade de transição do mun-
do atual. O bem viver dos indígenas, o decrescimento dos europeus, o ubuntu na
África, as ecovilas que refletem o desenvolvimento local, tudo são desenhos de
arquiteturas possíveis, que não se anulam, e sim se complementam.
As dimensões no entorno do encontro que ocorrerá em Assis com o Papa
Francisco e jovens de mundo inteiro foram desenhadas em uma cidade simples,
mas carregada de um sentido místico. É o envolver de tradições de fé, de refle-
xões políticas, sociais e econômicas, na convergência de um projeto comum, que
é a superação de dois males centrais do capitalismo neoliberal: a anulação da
liberdade e a anulação das potências da vida humana em sua totalidade.
A mística que envolve as tramas das vilas será permeada pela cultura do
encontro de:
a) gestão e presente: foco em abordagens para a gestão sustentável;
b) finanças e humanidades: desafios do capitalismo financeirizado por
meio de novas formas de partilha e do compromisso em remanejar as
grandes fortunas globais para a superação das misérias;
c) trabalho e cuidado: pensar no trabalho na era da revolução 4.0, incidin-
do pela visão da “Ecologia Integral” (FRANCISCO, 2015b, n. 156), que
almeja a superação da lógica de competição e acumulação, remete ao equi-
líbrio da vida e do trabalho, longe da cadeia de exploração e escravidão em
que vivem boa parte das pessoas no mundo;

BRASILEIRO, E.; RICCI, R.

42 A Economia de Francisco e Clara para “realmar” a humanidade


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 38-56, jan./jun. 2020
d) energia e pobreza: “realmar” a economia com novo sistema energético
que vise às capacidades locais de geração de riqueza, saindo do monopólio
corporativo;
e) agricultura e justiça: somente com a reforma agrária se prepondera um
rompimento com a cadeia produtiva global, concretamente olhando a so-
berania alimentar.
f) negócios e paz: costurar possibilidades da responsabilidade das grandes
corporações nos conflitos regionais pelo planeta e sua superação pela ló-
gica de economias que visem a negócios a partir da cultura colaborativa
não extrativista;
g) mulheres para a economia: só ocorrerá uma transição quando as vozes si-
lenciadas, sobretudo as mulheres, envolverem um novo processo econômico;
h) CO2 da desigualdade: superar o desequilíbrio da visão única de pro-
gressos sustentada em desmatamento e destruição de territórios e pessoas;
i) lucro e vocação: entendendo a necessidade de superação dessa lógica
atual do capital acima do trabalho, enfocando um desenvolvimento de
uma superação do sujeito empresarial (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 133),
revisitando toda a sua cadeia subjetiva para seres humanos a caminho da
liberdade;
j) negócios em transição: para uma relação que privilegie as potencialida-
des e descobertas humanas e irrompa a cooperação e o compartilhamento
no lugar da competição e acumulação;
k) vida e estilo de vida: compreende o desafio de uma nova cultura diante
do esmagamento do consumismo e da cultura do bem-estar que cria uma
lógica de ganância, afastando-se da economia para o suficiente;
l) políticas para a felicidade: propor uma nova arquitetura das relações hu-
manas, em que a felicidade esteja acima da moral do capital, emergindo ne-
cessidades e desejos voltados para as comunidades e cidades inteligentes.

A complementaridade para novas economias

No Médio Xingu, em Altamira, no Pará, comunidades indígenas viram


passar uma necropolítica por meio da imposição das ideias de progresso e so-
berania (MBEMBE, 2018). Essas ideias que motivaram o capitalismo moderno
são filhas do produtivismo e do extrativismo, muito anterior ao capitalismo, que
impôs uma lógica sempre crescente de uma ecologia política em torno da rela-
ção de dominação do homem com o planeta ao redor. O paradigma emergente,
conforme Boaventura Sousa Santos (2010), ou o paradigma da complexidade,
de acordo com Edgard Morin (2000), apontam para o que Bruno Latour (2019)
afirmou: que fazer ecologia política está na constituição “moderna” de um ser
humano desprovido de qualquer poder, mas que compreende a totalidade da

BRASILEIRO, E.; RICCI, R.


A Economia de Francisco e Clara para “realmar” a humanidade
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 38-56, jan./jun. 2020 43
“criação” (FRANCISCO, 2015b, n. 6), “superando a mentira da dignidade exclu-
siva da natureza humana” (LÉVI-STRAUSS, 2013, p. 53).
Os exemplos são inúmeros, pois a amarra central de novas narrativas eco-
nômicas está nas políticas de guerra perpetradas pelo Estado, em parceria com
corporações para a lógica da ganância e lucro capitalista. O desenvolvimento de
forças complementares muda de lugar os sujeitos, que passam a compreender
a necessidade de pauta unificadas. Portanto, para novas economias, o Xingu é
na periferia urbana, e a periferia urbana é no Xingu. Essa narrativa de discussão
do poder e sua centralidade na superação de um modelo econômico de morte
necessita pulsar aquilo que o sociólogo Otavio Ianni (1997) afirmou: a política
mudou de lugar. A economia capturada pelo mercado e a democracia pela necro-
política apresentam os desafios de retomar uma economia política distante das
discussões acadêmicas que suscitem nos currículos formativos de economistas
e áreas correlatas a compreensão de uma ciência a favor de um novo paradigma.
Novos currículos de economias partem do despossuir a lógica de domi-
nação para construir uma lógica de complementaridade, ou, mais popularmente
falando, de unidade na diversidade, compondo uma das sendas de um novo pac-
to econômico. Está forjado antes das academias nas narrativas de movimentos
populares que incidem em uma descolonização dos saberes (DILGER; LANG;
PEREIRA FILHO, 2016) por movimentos insurgentes que renovam a teoria
crítica, tecendo pensamentos e práticas que reinventem a emancipação socioe-
conômica. É o que se vê quando são desafiados os movimentos populares e as
novas gerações de direitos humanos erigidas nesta última década, ao comporem
uma agenda global, sem deslocar-se das necessidades locais, percebendo as iden-
tidades em complementaridade aos desafios estruturantes.

A educação no caminho da cidadania ativa


“O trabalho não é divino; divino são os homens”.
Thomas Mann

O que a educação tem a ver com a formação para a cidadania? Onde esta-
ria a intersecção entre educar e repensar a economia necessária, a Economia de
Francisco e Clara?
Comecemos pela tarefa central dos processos educativos.
Há quem tenha sugerido que a educação tem por finalidade socializar ou
introduzir os educandos no mundo dos adultos, das regras e códigos estabeleci-
dos. Essa é a proposta que encontramos em Émile Durkheim (1975), que che-
gou a sugerir que a pessoa jovem deveria aderir aos valores vigentes por vontade
própria, por meio da educação. Na prática, um dos trabalhos vitais do educador
seria a de motivar a “submissão consentida” do educando, criando um caminho

BRASILEIRO, E.; RICCI, R.

44 A Economia de Francisco e Clara para “realmar” a humanidade


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 38-56, jan./jun. 2020
do egocentrismo à vida social. Uma variação dessa sugestão pedagógica seria a
instrução para os testes de acesso aos níveis superiores da carreira educacional
ou mesmo à inserção no mercado de trabalho a partir de um padrão técnico
e de conduta preestabelecidos. Essa intenção fomentou a introdução de pre-
ocupações norte-americanas com o comportamento dos educandos (caso das
sugestões de John Franklin Bobbitt) ou a adoção de pré-requisitos curriculares,
em que um nível básico deveria organizar a base para o educando atingir o nível
seguinte (sugestão de Joseph Mayer Rice e dos educadores tayloristas, com base
no padrão de educando-trabalhador idealizado para a indústria) ou ainda na pro-
dução de testes avaliativos para medir a distância entre o desenvolvimento real
dos educandos em relação ao padrão idealizado – caso das reformas educacio-
nais norte-americanas do final do século XX, que, mais tarde, foram duramente
questionadas por uma de suas formuladoras, a educadora Diane Ravitch (2011).
A educação para a cidadania não se pauta por padrões predefinidos, mas
pela construção de autonomia, a qual, ao contrário da noção de liberdade indivi-
dual absoluta, é uma construção consciente do educando sobre seu papel na so-
ciedade. Paulo Freire (1996) sugeria que essa construção se dava por meio de um
processo que denominava admiração: uma visada sobre suas próprias escolhas,
uma autorreflexão sobre seus valores e sua relação com os outros; uma tomada
de consciência sobre si e sobre o seu lugar no mundo.
Hannah Arendt (2010) contribuiu para essa vertente pedagógica ao sugerir
que não nascemos humanos, mas nos tornamos humanos pela educação. A frase
sugere que humanos se inserem na humanidade pelo envolvimento com a expe-
riência coletiva acumulada ao longo do tempo. Pode parecer algo similar ao que
sugeria Durkheim, mas é mais profundo. Arendt está se reportando à memória
elástica da humanidade; memória que se alimenta da experiência humana repas-
sada pela linguagem, pelas artes plásticas, pela música, pelo teatro, pela escrita.
É por esse motivo que nos identificamos com experiências de outros humanos;
não porque tenhamos experimentado o mesmo que eles, mas porque os desco-
brimos pelo registro em livros, textos ou tantas outras formas de linguagem. É
por esse motivo que estudamos; não para meramente memorizarmos e, mais à
frente, sermos testados por avaliações que esquadrinham um texto ou pensa-
mento até transformá-lo em uma fórmula pasteurizada em que o percurso do
autor pouco importa. Ao contrário, estudamos para nos inserir na humanidade.
Assim, tudo que é humano, tudo o que é experimentado pela humanidade,
interessa à educação, desde que siga essa lógica do encontro, palavra central na
concepção educacional de Papa Francisco.
Isso coloca em xeque a busca por padrões de comportamento, já que a
experiência humana é dinâmica, não definida por padrões. Da mesma maneira,
os conceitos de habilidades e competências, por essa vertente, são relativizados.
As questões decorrentes são: competência para quê? Definida por quem?

BRASILEIRO, E.; RICCI, R.


A Economia de Francisco e Clara para “realmar” a humanidade
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 38-56, jan./jun. 2020 45
Os conceitos de competência e habilidade, embora já existentes na lite-
ratura educacional desde os anos 1950, ganharam projeção no Brasil nos anos
1990, a partir da demanda industrial decorrente de outro conceito da área
gerencial: o de empregabilidade. Buscava-se, naquela quadra de nossa histó-
ria, sugerir que o emprego estaria vinculado a novas exigências tecnológicas e
organizacionais do mundo do trabalho que seriam a porta de entrada para o
emprego contemporâneo. Muitos estudos adiante revelaram que o emprego
não tinha relação direta com esse repertório de conteúdos educacionais: os
setores que mais empregavam já no final dos anos 1990 não exigiam tantos
requisitos, como no caso do comércio varejista. Contudo, o princípio se alojou
como verdade pedagógica.
Para Perrenoud (1999), um dos autores mais citados nos debates educa-
cionais brasileiros no início deste século XXI, competência é a capacidade de
agir com eficácia em determinado tipo de situação prática da vida cotidiana. Para
isso, é preciso lançar mão de conhecimentos e colocar em ação vários outros
recursos cognitivos.
Já para Benno Sander (apud DAVOK, 2007), aos critérios clássicos de efi-
cácia e eficiência na educação se agregaram, nos últimos anos, os critérios de
efetividade e relevância cultural para elaboração de políticas públicas educacio-
nais, relativizando ainda mais as noções de competência e habilidade como eixos
educacionais. Vejamos a síntese realizada por Davok (2007, p. 510-511) a respei-
to dessa contribuição de Sander:

A eficiência “[...] é o critério econômico que revela a capacidade


administrativa de produzir o máximo de resultados com o mí-
nimo de recursos, energia e tempo” (p. 43). É um critério de
dimensões instrumental e extrínseca. A eficácia “[...] é o critério
institucional que revela a capacidade administrativa para alcançar
as metas estabelecidas ou os resultados propostos” (p. 46). Esse
critério é de dimensão instrumental e preocupa-se com a conse-
cução dos objetivos intrínsecos, vinculados, especificamente, aos
aspectos pedagógicos da educação. A efetividade “[...] é o critério
político que reflete a capacidade administrativa para satisfazer as
demandas concretas feitas pela comunidade externa” (p. 47). É
um critério substantivo extrínseco que reflete a capacidade de a
educação responder às preocupações, exigências e necessidades
da sociedade. A relevância, por sua vez, “[...] é o critério cultural
que mede o desempenho administrativo em termos de importân-
cia, significação, pertinência e valor” (p. 50). Esse critério é de
natureza substantiva e intrínseca e está diretamente relacionado à
atuação da educação para a melhoria do desenvolvimento huma-
no e qualidade de vida dos indivíduos e grupos que participam do
sistema educacional e da comunidade como um todo.
Esses quatro critérios não são excludentes na gestão da educação,
porquanto, se complementam. Segundo Sander (1995, p. 67), “[...]

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Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 38-56, jan./jun. 2020
embora distinguíveis, são dimensões dialeticamente articuladas de
um paradigma abrangente e superador de administração da educa-
ção. No paradigma multidimensional de administração da educa-
ção a eficiência é subsumida pela eficácia; a eficácia e a eficiência
são subsumidas pela efetividade; a efetividade, a eficácia e a efici-
ência são subsumidas pela relevância”.

Como se percebe, a proposição de Sander indica a ausência de diálogo so-


cial do critério solitário de eficácia (sendo um critério institucional, enfocado na
formulação do autor da política educacional). Efetividade e relevância cultural,
ao contrário, são destacados como critérios eminentemente dialogais em cone-
xão com demandas e interesses da comunidade externa ao ator institucional,
gestor da política.
Assim, se, como sugere Perrenoud, as competências são capacidades para
agir com eficácia a partir de uma situação prática, estamos diante de um ins-
trumento de ação, não de um conhecimento. Tal instrumento faz uso de co-
nhecimentos, mobiliza-os para se atingir uma meta, um resultado esperado, um
objetivo. A questão não resolvida, contudo, é se a meta ou o objetivo definido é
adequado. No entanto, o conceito de competência não reflete o mérito do obje-
tivo escolhido, e sim o naturaliza como correto.
Em outras palavras, a competência a ser desenvolvida em um currícu-
lo é apresentada como um dado infalível, como um padrão a ser perseguido
pelo processo educacional. Ora, para fugirmos dessa noção estandardizada de
competência, temos de fugir da noção de padrão preestabelecido, caminhando
para uma necessidade intelectual a partir de um problema que se apresenta ao
educando.
Essa digressão sobre competências e habilidades se relaciona diretamente
com a sugestão do Pacto Educativo Global, como veremos mais adiante, jus-
tamente porque competência não se confunde com aquisição escolar verificá-
vel, pois se relacionaria com resoluções de situações-problema; tampouco tem o
mesmo significado de desempenho. Competências não são potencialidades hu-
manas inatas; competências, portanto, são construídas, são aquisições. Construir
uma competência é aprender a identificar e buscar os conhecimentos necessários
para resolver uma situação-problema que surge em uma sociedade dinâmica,
em movimento. A construção de competências está estreitamente vinculada à
formação de esquemas de mobilização dos conhecimentos. Essa construção
acontece em um contexto de ação, no âmbito da prática. Os sujeitos não cons-
troem esquemas a partir de intervenções externas ou da interiorização de um
procedimento (aulas expositivas ou demonstrativas, por exemplo). Esquemas se
constroem a partir de um exercício do fazer, de experiências renovadas, que são
mais eficazes por se associarem a uma postura reflexiva. Isso significa que, além
de viver as experiências, os indivíduos deverão analisá-las.

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A concepção de currículo a partir dessa interpretação não é estática ou
prescritiva, mas um currículo em ação.
Este é o desafio pedagógico central da educação proposta pelo Pacto Edu-
cativo Global: o diálogo com o mundo real, seus desafios e com o processo de
escuta e mobilização de conhecimentos voltados para a ação coletiva.
A formação por situação-problema, que dialoga com o mundo vivido e
sentido, aproxima a sala de aula dos desafios da sobrevivência e da busca de feli-
cidade e comunhão. É uma educação que se relaciona com a vida cotidiana, que
se apresenta como método para o diálogo, para a escuta e busca de superações.
É aqui que se articula o Pacto Educativo Global com a Economia de
Francisco e Clara: pelo cuidado com o outro e com a Casa Comum; pela con-
textualização de todo o processo educativo no interior dessa Casa Comum, não
como algo externo, que se apresenta como demiurgo, mas como relação refleti-
da, pensada, comprometida.
E é aqui que nasce seu vínculo com o que alguns autores denominaram
cidadania ativa: a cidadania que não se limita ao voto, mas avança para a correspon-
sabilidade na gestão das coisas públicas, na cogestão dos territórios e comunidades.

As formulações do Papa Francisco a respeito dos desafios educacio-


nais na direção do Pacto Educativo Global

Em 12 de setembro de 2019, Papa Francisco emitiu uma mensagem con-


vocando lideranças mundiais para o que denominou Pacto Educativo Global.
Sabe-se que esse chamado nasceu de uma demanda inicial que lideranças mu-
çulmanas e judias apresentaram ao Papa, o que já se reveste, logo de início, em
um pacto ecumênico, fundado na fé, e também em um sentido de urgência que
parece nos guiar neste início de século XXI.
Nessa mensagem, reafirmou o necessário cuidado com a “nossa casa co-
mum”, repetindo o alerta da Carta Encíclica Laudato Si’. O cuidado, afirma,
será feito a partir de uma “nova solidariedade universal e uma sociedade mais
acolhedora” (SAYAGO, 2019, p. 143). O pacto sugerido teria como elementos
constitutivos “uma educação mais aberta e inclusiva, capaz de escuta paciente,
diálogo construtivo e mútua compreensão” (SAYAGO, 2019, p. 143).
O pacto se fundamenta em um breve diagnóstico que o Papa Francisco
(2019a, s/p) apresenta em sua mensagem de lançamento:

A educação é colocada à prova pela rápida aceleração que pren-


de a existência no turbilhão da velocidade tecnológica e digital,
mudando continuamente os pontos de referência. Neste contexto,
perde consistência a própria identidade e desintegra-se a estrutura
psicológica perante uma mudança incessante que “contrasta com a
lentidão natural da evolução biológica”.

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Ressalta a necessidade de superação da fragmentação contemporânea. Su-
gere que “toda a mudança precisa duma caminhada educativa que envolva a to-
dos” e, para tanto, sugere a construção de uma “aldeia da educação”, na qual, na
diversidade, partilhe-se o compromisso de gerar uma rede de relações humanas
e abertas (FRANCISCO, 2019a, s/p). Trata-se de uma aliança mundial, “entre o
estudo e a vida; entre as gerações; entre os professores, os alunos, as famílias e a
sociedade civil, com as suas expressões intelectuais, científicas, artísticas, despor-
tivas, políticas, empresariais e solidárias” (FRANCISCO, 2019a, s/p).
Desde 2013, Papa Francisco apresentou inúmeras reflexões a respeito dos
desafios educacionais contemporâneos. O Pacto Educativo Global está assenta-
do em um longo percurso reflexivo.
Vejamos alguns desses pensamentos e seu encadeamento. Desde o início
de seu papado, o Papa Francisco foi muito objetivo nos desafios educacionais
do mundo contemporâneo. Educação, aliás, mereceu atenção especial desde seus
primeiros pronunciamentos.
Em 21 de novembro de 2015, na Sala Paulo VI do Vaticano, em discurso
proferido no congresso mundial promovido pela Congregação para a Educação
Católica, Papa Francisco recordou um conselho que deu às irmãs da Patagônia:

A uma congregação de irmãs com uma vocação especial na Argen-


tina, para o Sul da Argentina, para a Patagônia, eu disse: por favor,
fechar metade dos colégios da capital, de Buenos Aires, e enviai
para lá as irmãs, para aquela periferia da pátria porque de lá virão as
novas contribuições, os novos valores, e virão também as pessoas
capazes de renovar o mundo (FRANCISCO, 2015d, s/p).

O conselho se embasava em uma leitura da realidade social que provoca


o compromisso educacional, em especial, cristão. Nessa fala no congresso de
novembro, Papa Francisco sustenta que o primeiro desafio educacional cristão
seria deixar os lugares onde há muitos educadores e ir às periferias para procurar
ali os que têm a experiência da sobrevivência, da fome, das injustiças, que têm a
humanidade ferida. Nas suas palavras:
Eles têm uma coisa que os jovens dos bairros mais ricos não pos-
suem – não por culpa deles, mas porque é uma realidade socioló-
gica: têm a experiência da sobrevivência, também da crueldade, da
fome, das injustiças. Têm uma humanidade ferida. E penso que a
nossa salvação vem das feridas de um homem ferido na cruz. Da-
quelas feridas, eles obtêm sabedoria, se houver um bom educador
que os leve em frente. Não se trata de ir lá fazer beneficência, ensi-
nar a ler, dar de comer... não! Isto é necessário, mas é provisório. É
o primeiro passo. O desafio – e eu os encorajo – é ir lá para os fazer
crescer em humanidade, em inteligência, em valores, em hábitos,
para que possam ir em frente e levar aos outros experiências que
não conhecem (FRANCISCO, 2015d, s/p).

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A Economia de Francisco e Clara para “realmar” a humanidade
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Ainda nessa oportunidade, Papa Francisco avança sobre a urgência de
um pacto educativo que adote como referência a superação do neopositivismo,
que só educa para as coisas imanentes e se esquece da transcendência. Sugere
que não se pode falar em Educação Católica sem falar de humanidade. Sus-
tenta que educar é conduzir jovens e crianças nos valores humanos em todas
as realidades:

Hoje há a tendência a um neopositivismo, ou seja, a educar para


as coisas imanentes, para o valor das coisas imanentes, e isto tanto
nos países de tradição cristã como nos países de tradição pagã. O
que não significa introduzir os jovens, as crianças na realidade total:
falta a transcendência. [...] A educação tornou-se demasiada sele-
tiva e elitista. Parece que só os povos e as pessoas com um certo
nível ou capacidade têm direito à educação; mas sem dúvida nem
todas as crianças e jovens têm direito à educação. Esta é uma rea-
lidade mundial que nos envergonha. É uma realidade que nos leva
a uma seletividade humana, e que em vez de aproximar os povos,
afasta-os. [...] Mas isto acontece também em nosso âmbito: o pacto
educativo entre a família e a escola se quebrou! Deve-se recomeçar.
[...] A educação formal empobreceu por causa da herança do posi-
tivismo. Concebe apenas um tecnicismo intelectualista e a lingua-
gem da mente. E por isso empobreceu-se. É preciso interromper
este esquema. E há experiências como a arte, o esporte. A arte e o
esporte educam. É preciso abrir-se a novos horizontes, criar novos
modelos (FRANCISCO, 2015d, s/p).

Essa passagem indica nitidamente uma revisão das prioridades educacio-


nais para crianças e jovens. Um currículo aberto, que supere as hierarquias de
conteúdos enfocada na inserção no mundo de racionalidades e sucessos indivi-
duais. Não foi a primeira vez que Papa Francisco sugeriu o abandono da área
de conforto na prática educacional. Em 2013, já havia fundamentado essa ne-
cessidade a partir de um esforço de empatia com a busca dos jovens. Em 7 de
junho daquele ano, ao responder às perguntas dos representantes das escolas dos
jesuítas na Itália e na Albânia, sustentou que era necessário que todos fossem
magnânimos, sem medo, apostando sempre em grandes ideais. E propõe:

Na educação, há um equilíbrio a respeitar, há que equilibrar bem os


passos: um passo firme na zona de segurança, mas o outro entrando
na área de risco. E quando este risco se torna segurança, o passo
seguinte procura outra zona de risco (FRANCISCO, 2013a, s/p).

Mas, afinal, por que o risco, enquanto ato pedagógico? Papa Francisco, em
um outro encontro, realizado em 21 de agosto de 2013, ao falar para professores
do colégio japonês Seibu Gakuen Bunri Junior High School de Saitama, explicita
sua leitura sobre o movimento de encontro aos jovens. Esse movimento é uma

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das chaves de suas reflexões educacionais: a pedagogia do encontro. Para o Papa,
ao nos isolarmos em nós mesmos, só teremos o que já temos e não cresceremos
culturalmente. O diálogo, então, torna-se um exercício de amadurecimento, no
confronto de culturas, de experiências humanas. E sustenta:

E qual é a atitude mais profunda que devemos ter para dialogar e


não brigar? A mansidão, a capacidade de encontrar as pessoas, de
encontrar as culturas com a paz; a capacidade de fazer perguntas
inteligentes: “mas por que pensas assim? Por que esta cultura é as-
sim?” Ouvir o próximo e depois falar. Primeiro ouvir, depois falar
(FRANCISCO, 2013b, s/p).

E, na escuta, revela-se o lugar do professor “incompleto”: “[...] os jovens


compreendem, ‘farejam’ e são atraídos pelos professores que têm um pensamen-
to aberto, ‘incompleto’, que procuram ‘um mais’, e assim contagiam os estudan-
tes com esta atitude” (FRANCISCO, 2014c, s/p).
Uma pedagogia aberta, dinâmica, da escuta e do encontro de experiências
e culturas.
Assim, a escola apresenta-se como espaço de abertura à realidade e um
lugar de encontro. E é a partir dessa escola – e de todo o processo educacional
– como espaço de encontro que Papa Francisco esboça a aldeia educacional.
Nesse encontro com as escolas católicas, em 2014, cita um provérbio africano
que diz “para educar uma criança é necessária uma aldeia”, uma ação conjunta,
contributiva, de várias experiências e esforços. “Para educar um jovem”, afir-
ma, “é necessária muita gente: família, professores da escola básica, pessoal
não docente, professores, todos!”. E, ainda: “amo a escola porque nos educa
para o verdadeiro, para o bem e o belo. Os três caminham juntos. A educação
não pode ser neutra. Ou é positiva ou negativa; ou enriquece ou empobrece”
(FRANCISCO, 2014c, s/p).
E, então, em 4 de setembro de 2014, o Pacto Educativo Global parece se
esboçar mais nitidamente. Em um discurso realizado no encontro mundial dos
diretores de Scholas Ocurrentes, Papa Francisco sugere a recomposição do pac-
to educativo, recomposição daquela aldeia para educar crianças:

Não podemos deixá-las sozinhas, não podemos deixá-las pelas


ruas, sem tutela, à mercê do mundo, no qual prevalece o culto do
dinheiro, da violência e do descartável. Insisto muito sobre este
tema, mas é evidente que se impôs a cultura do descartável. O que
não serve joga-se fora. Descartam-se os jovens porque não os edu-
camos ou não queremos educá-los (FRANCISCO, 2014d, s/p).

No encontro seguinte das Scholas Ocurrentes, realizado em 5 de fevereiro


de 2015, complementa:

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É o pacto educacional, um pacto educativo que se cria entre a famí-
lia, a escola, a pátria, a cultura. Rompeu-se profundamente e já não
se consegue consertar. O pacto educacional que se rompeu significa
que tanto a sociedade como a família e as diversas instituições dele-
gam a educação aos agentes da educação, aos docentes que – geral-
mente mal pagos – carregam nos seus ombros esta responsabilidade
e, se não obtêm bons resultados, são repreendidos. Mas ninguém
recrimina as várias instituições, que faltaram ao pacto educativo, de-
legando-o ao profissionalismo de um professor. [...] Scholas deseja
harmonizar a linguagem da cabeça com a linguagem do coração e
das mãos. Que uma pessoa, uma criança, um jovem pense no que
sente e faz; que sinta aquilo em que pensa e o que faz; que faça o que
sente e aquilo em que pensa (FRANCISCO, 2015a, s/p).

Papa Francisco (2015a, s/p) sustenta a necessidade de se descobrir o jogo


como caminho educacional, já que a educação “não é apenas informação, mas
criatividade no jogo, aquela dimensão lúdica que nos faz crescer na criatividade
e no trabalho em equipe”,
A concepção educacional sugerida pelo Papa apoia-se, assim, em vários
aspectos:
1. O valor do diálogo, que fundamenta o pluralismo cultural e religioso.
2. A preparação qualificada de formadores, tendo em mente que não po-
dem improvisar e que educar é um ato de amor exigente,

muito competente, qualificado e, ao mesmo tempo, rico de humanida-


de, capaz de permanecer no meio dos jovens com um estilo pedagógi-
co, para promover o seu crescimento humano e espiritual. [...] Não se
pode educar sem coerência e testemunho (FRANCISCO, 2014a, s/p).

3. A integração ao mundo, evitando-se o isolamento. É preciso que se


saiba “entrar intrepidamente no areópago das culturas contemporâneas e
estabelecer um diálogo, conscientes do dom que podem oferecer a todos”
(FRANCISCO, 2014a, s/p).
4. Transmitir conteúdos, hábitos e sentidos dos valores, os três elementos
juntos (FRANCISCO, 2014).
5. Falar nas três línguas: a língua da mente, a língua do coração e a língua
das mãos.
6. A educação do cuidado com a Casa Comum, para a educação e espiri-
tualidade ecológicas (FRANCISCO, 2015b).

Essa é a estrutura de pensamento e do projeto educacional de Papa Fran-


cisco que se plasmou no Pacto Educativo Global; projeto que se revela mais
intensamente em uma reflexão que fez em 7 de julho de 2015, em Quito, na
Pontifícia Universidade Católica do Equador:

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Eu vivo em Roma. No inverno, faz frio. Pode acontecer que,
bem pertinho do Vaticano, apareça um idoso, pela manhã, que
morreu por causa do frio. Não é notícia em nenhum dos jornais,
em nenhum relato. Um pobre morre por causa do frio e da fome
e isso não é notícia, mas se as bolsas das principais capitais do
mundo caem dois ou três pontos arma-se um grande escândalo
mundial. Eu me pergunto: onde está o teu irmão? E peço-vos
que vos façais outra vez, cada um, essa pergunta, e que o façais à
universidade: A ti, Universidade Católica, onde está o teu irmão?
(FRANCISCO, 2015c, s/p).

O Pacto Educativo e o encontro pela Economia de Francisco compõem


esse tecido que vem envolvendo inúmeras práticas, discussões, reflexões em
torno de um novo humanismo. Ancorado nas dimensões da proximidade, da
partilha, da solidariedade, é um despertar para novas práticas. Mais do que um
pacto de governo, dimensiona uma política de sociedade, que retoma as relações
comunitárias como capazes de perfazer os cenários que compõem a visão e a
prática nas instituições democráticas, a saber, a Igreja Católica, os movimentos
sociais, as universidades e o Estado.
“Realmar” a economia se assemelha a buscar a humanização, porém, desta
vez, biocêntrica, prevalecendo o todo da dimensão da vida do planeta em com-
plementaridade à vida humana. Essa dimensão avança sobre novas perspectivas
teológicas, políticas, econômicas e culturais a se desenharem nos marcos desses
dois pactos e também na dinâmica das comunidades, territórios e povos que
ensaiam resistência e lutas pela mudança radical dessa sociedade que aqui está.

Submissão: 25/03/2020
Revisão: 20/04/2020
Aprovação: 25/04/2020

Notas
1 Educador e sociólogo, atua com movimentos populares e religiosos na Zona Leste de São
Paulo. É consultor do Instituto Cultiva. Faz parte da Coordenação da ABEFC – Articulação
Brasileira pela Economia de Francisco e Clara. E-mail: [email protected]
2 Sociólogo, mestre e doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP). Assessor de movimentos populares e sindicais no Brasil. É presidente do Insti-
tuto Cultiva e membro da Coordenação da ABEFC – Articulação Brasileira pela Economia de
Francisco e Clara, e também da Articulação Brasileira pelo Pacto Educativo Global.

Referências

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56 A Economia de Francisco e Clara para “realmar” a humanidade


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 38-56, jan./jun. 2020
DOSSIÊ

Educação ambiental à luz da Ecologia Integral: convergências


conceituais e possibilidades pedagógicas
Breno Herrera da Silva Coelho1

Resumo: Por meio do conceito de Ecologia Integral, a Encíclica Laudato Si’ oferece
uma perspectiva da questão ambiental alicerçada na relação indissociável entre as di-
mensões natural e humana. Tal perspectiva alinha-se à vertente crítica, transformadora e
emancipatória da educação ambiental. Cotejando a leitura da Encíclica com aportes te-
óricos da educação ambiental, o presente trabalho investiga a importância da conversão
ecológica individual e coletiva, concluindo pela preponderância da dimensão coletiva
no enfrentamento da crise socioambiental contemporânea. Nesta perspectiva, são apre-
sentadas duas sugestões de temas geradores (áreas naturais protegidas e água) a serem
desenvolvidas em contexto escolar, visando proporcionar aos educandos elementos que
possibilitem uma reflexão integradora sobre a questão socioambiental.
Palavras-chave: Ecologia Integral. Educação ambiental. Laudato Si’.

Environmental education in the light of Integral Ecology: conceptual conver-


gences and pedagogical possibilities

Abstract: Through the concept of Integral Ecology, the Encyclical Laudato Si’ offers a pers-
pective of the environmental issue based on the inseparable relationship between natural
and human dimensions. This perspective is in line with the critical, transformative and eman-
cipatory current of Environmental Education. Comparing the content of the Encyclical
with theoretical contributions from Environmental Education field, this paper investigates
the importance of individual and collective ecological conversion, concluding by the pre-
ponderance of the collective dimension in facing the contemporary socio-environmental
crisis. In this perspective, two suggestions of generator themes are presented (natural pro-
tected areas and water) to be developed in the school context, aiming to provide students
with elements that allow an integrative reflection on the socio-environmental issue.
Keywords: Integral Ecology. Environmental education. Laudato Si’.

Educación ambiental a la luz de la Ecología Integral: convergencias conceptu-


ales y posibilidades pedagógicas

Resumen: A través del concepto de Ecología Integral, la Encíclica Laudato Si’ ofrece una
perspectiva del tema ambiental con base en la relación inseparable entre las dimensiones na-

COELHO, B.H.S.
Educação ambiental à luz da Ecologia Integral: convergências conceituais e possibilidades pedagógicas
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 57-73, jan./jun. 2020 57
tural y humana. Esta perspectiva está en línea con el aspecto crítico, transformador y emanci-
patorio de la Educación Ambiental. Comparando la lectura de la Encíclica con las contribu-
ciones teóricas del campo de la Educación Ambiental, este artículo investiga la importancia
de la conversión ecológica individual y colectiva, concluyendo por la preponderancia de la
dimensión colectiva al enfrentar la crisis socioambiental contemporánea. En esta perspec-
tiva, se presentan dos sugerencias de temas generadores (áreas naturales protegidas y agua)
que pueden ser desarrollados en el contexto escolar, con el objetivo de proporcionar a los
estudiantes elementos que permitan una reflexión integradora sobre el tema socioambiental.
Palabras clave: Ecología Integral. Educación ambiental. Laudato Si’.

Conversão ecológica: desafio individual ou coletivo?

No dia 24 de maio de 2015, solenidade de Pentecostes, foi publicada a


Encíclica Laudato Si’, a primeira na história bimilenar da Igreja a tratar especifi-
camente da questão ambiental. Tal publicação foi bastante divulgada pelos veí-
culos de mídia, tanto pela relevância do tema perante o mundo contemporâneo
quanto pelo inquestionável carisma do Papa Francisco, autor do documento,
cujos atos e opiniões vêm sendo objeto de grande interesse da opinião pública
e da imprensa.
O principal veículo midiático brasileiro – o diário televisivo Jornal Nacio-
nal – não se furtou a reportar o lançamento dessa carta pontifícia. Procurando
resumir o conteúdo da Encíclica nos poucos minutos reservados à matéria, a
reportagem enfatizou que o Papa exortava os leitores a assumir condutas am-
bientalmente corretas em suas atividades individuais cotidianas, tais como: evitar
o uso de papel e plástico, apagar as luzes desnecessárias, não desperdiçar água
no banho etc. Ou seja, os 246 parágrafos da Encíclica foram resumidos a orien-
tações cotidianas, que deveriam ser adotadas individualmente, no intuito de se
evitar a degradação do meio ambiente.
Será que é essa mesma a essência da mensagem de Francisco, contida na
Laudato Si’? Um manual de comportamento politicamente correto – ou, a pro-
pósito, ecologicamente correto – voltado aos indivíduos, isoladamente?
O presente artigo objetiva, embasando-se no conceito de Ecologia Inte-
gral apresentado na Encíclica Laudato Si’, refletir sobre os papéis do indivíduo
e da sociedade no necessário e urgente processo de conversão ecológica, bem
como oferecer algumas sugestões concretas de atividades de Educação Ambien-
tal que possam contribuir nesse sentido.

Convergências entre o paradigma da Ecologia Integral e a Educa-


ção Ambiental

A Encíclica Laudato Si’ fundamenta-se no conceito de Ecologia Integral2,


por meio do qual se entende que a questão ecológica não pode ser resumida à

COELHO, B.H.S.

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dimensão biológica ou natural, mas, ao contrário, deve ser ampliada de modo
a se correlacionar com as dimensões humana (aspectos sociais, culturais, eco-
nômicos e políticos) e espiritual (abertura ao numinoso). Para além da cisão
moderna entre natureza e sociedade, o conceito de Ecologia Integral convida
à compreensão da unicidade do mundo criado, configurado como uma trama
de inter-relações que envolve a diversidade da vida e a plenitude da história. No
âmbito da Ecologia Integral, há de se ouvir tanto o grito da Terra quanto o grito
dos pobres (BOFF, 1995)3. Nas palavras assertivas do Papa Francisco (2015, n.
139): “não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única
e complexa crise socioambiental”.
Tamanha a importância do paradigma da Ecologia Integral na Encíclica,
que um capítulo inteiro dela é dedicado exclusivamente a esse conceito, no qual
o Papa Francisco (2015) aponta como elementos necessários a tal abordagem da
questão socioambiental a dimensão individual (ecologia da vida cotidiana – n.
147-155) e, fundamentalmente, a dimensão coletiva (ecologia ambiental, econô-
mica e social – n. 138-142; ecologia cultural – n. 143-146; o princípio do bem
comum – n. 156-158; e a justiça intergeracional – n. 159-162).
Ao compararmos o paradigma da Ecologia Integral com as perspectivas
hegemônicas acerca da questão ambiental assumidas na sociedade contemporâ-
nea, deparamo-nos com uma contradição. Conforme sugerido na abertura deste
artigo – por meio da referência avocada sobre a abordagem que a Laudato Si’ re-
cebeu na imprensa brasileira –, há uma grande tendência no discurso dos princi-
pais formadores de opinião, no sentido de se considerar a crise ambiental como
desafio a ser vencido mediante a mudança de comportamentos individuais. Na
linguagem popular, prevalece o entendimento que, “se cada um fizer a sua parte,
o problema será resolvido”.
Não há dúvidas de que o paradigma da Ecologia Integral reconhece e
confere grande importância ao comportamento individual4. Entretanto, o Papa
Francisco (2015, n. 219, grifos nosso) afirma taxativamente que isso não é sufi-
ciente para dar conta dos problemas socioambientais.

[...] para se resolver uma situação tão complexa como esta que o
mundo atual enfrenta, não basta que cada um seja melhor. [...]
Aos problemas sociais responde-se não com a mera soma
de bens individuais, mas com redes comunitárias: “As exi-
gências desta obra serão tão grandes, que as possibilidades das
iniciativas individuais e a cooperação dos particulares, formados
de maneira individualista, não serão capazes de lhes dar resposta.
Será necessária uma união de forças e uma unidade de contribui-
ções”5. A conversão ecológica, que se requer para criar um
dinamismo de mudança duradoura, é também uma conver-
são comunitária.

COELHO, B.H.S.
Educação ambiental à luz da Ecologia Integral: convergências conceituais e possibilidades pedagógicas
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 57-73, jan./jun. 2020 59
Diante do grande desafio de reorientar a percepção hegemônica (indi-
vidualista e comportamentalista) sobre a problemática ambiental – perspectiva
essa alinhada à ideologia do sistema político-econômico vigente na sociedade
hodierna, que supervaloriza a iniciativa individual (o mito do self-made man) e a
supremacia do mercado na estruturação das relações sociais –, o Papa Francisco
(2015, n. 215) identifica o importante papel sociocultural da educação, enfati-
zando que também nesse campo é necessária uma reorientação paradigmática:

A educação será ineficaz e os seus esforços estéreis, se não se pre-


ocupar também em difundir um novo modelo relativo ao ser hu-
mano, à vida, à sociedade e à relação com a natureza. Caso contrá-
rio, continuará a perdurar o modelo consumista, transmitido pelos
meios de comunicação social e através dos mecanismos eficazes
do mercado.

Especificamente em relação ao campo da Educação Ambiental, o pontífi-


ce defende uma perspectiva alinhada às premissas da Ecologia Integral, reconhe-
cendo e valorizando os avanços já galgados nesse sentido:

A educação ambiental tem ampliado os seus objetivos. Se, no co-


meço, estava muito centrada na informação científica e na cons-
cientização e prevenção dos riscos ambientais, agora tende a incluir
uma crítica dos “mitos” da modernidade baseados na razão
instrumental (individualismo, progresso ilimitado, concorrência,
consumismo, mercado sem regras) e tende também a recuperar os
distintos níveis de equilíbrio ecológico: o interior consigo mesmo,
o solidário com os outros, o natural com todos os seres vivos, o
espiritual com Deus (FRANCISCO, 2015, n. 210, grifos nossos).

Ao apontar a necessidade de a Educação Ambiental ampliar seu horizon-


te de análise e atuação para além de uma perspectiva meramente cientificista e
tecnicista, de modo a incorporar ao seu escopo epistemológico e à sua dimensão
praxiológica elementos da teoria e da práxis crítica, o Papa Francisco se distancia
da assim chamada Educação Ambiental conservadora e se aproxima da vertente
da Educação Ambiental crítica (LOUREIRO, 2004).
Resumidamente, na Educação Ambiental conservadora ou convencional,
há uma ênfase em aspectos biológicos e conservacionistas (preservação de am-
bientes naturais intocados, conservação de espécies ameaçadas de extinção, en-
tre outros). Quando a dimensão humana é abordada, via de regra tal abordagem
é marcada por uma feição notadamente misantrópica – a humanidade seria me-
ramente a fonte de “impactos antrópicos” negativos sobre a natureza, de modo
que, para melhor salvaguardar os ambientais naturais, a melhor alternativa seria
mantê-los imunes da negativa ação do homem.

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No campo moral, conforme já apontado, essa corrente da Educação Am-
biental prescreve mudanças de comportamento individuais, sem maiores consi-
derações sobre questões sociais, econômicas e políticas.
Por outro lado, a corrente denominada como Educação Ambiental crítica
enfatiza a correlação entre aspectos naturais e socioeconômicos para a devida
análise da problemática socioambiental. Tal corrente identifica que as causas da
degradação ambiental não repousam em supostos desvios de comportamentos
individuais, mas sim em fatores estruturais do modo de produção capitalista,
marcado pela necessidade incessante de uso e abuso dos recursos naturais, em
dissonância aos ritmos de regeneração da natureza. Segundo tal concepção, a
competitividade e a ganância pelo lucro imediato, marcas indeléveis da moder-
nidade capitalista, seriam, em última análise, os principais fatores responsáveis
pela degradação socioambiental. Frequentemente, além da adjetivação crítica,
essa vertente da Educação Ambiental é também qualificada como transforma-
dora e emancipatória (LOUREIRO, 2004; QUINTAS, 2002). É transformadora
porque, ao identificar no sistema socioeconômico a raiz do desequilíbrio so-
cioambiental, não se limita a criticá-lo, mas também a sugerir alternativas no
sentido de sua superação e transformação. É emancipatória por reconhecer que
a sociedade é marcada por assimetrias estruturais, de modo que uma parcela
minoritária da população se beneficia do controle das riquezas e meios de pro-
dução – tendo condições, dessa forma, de proteger-se dos efeitos da degradação
ambiental –, enquanto uma parcela majoritária, empobrecida, recebe de modo
desigual as consequências negativas da poluição e da degradação da natureza.
Ao identificar tal assimetria social – e seus respectivos desdobramentos socio-
ambientais –, a Educação Ambiental emancipatória assume afirmativamente o
lado dos mais desfavorecidos, tendo como meta a superação de sua condição
de vulnerabilidade (emancipação). Neste ponto específico, a Ecologia Integral
do Papa Francisco, alinhada à premissa teológica da opção preferencial pelos
pobres, assume uma posição clara, ao considerar que as populações aborígenes
ou tradicionais (isto é, indígenas, ribeirinhos, quilombolas) em condição de vul-
nerabilidade socioambiental devem assumir condição de protagonismo na luta
por sua libertação e emancipação:

é indispensável prestar uma atenção especial às comunidades abo-


rígenes com as suas tradições culturais. Não são apenas uma mino-
ria entre outras, mas devem tornar-se os principais interlocu-
tores, especialmente quando se avança com grandes projetos que
afetam os seus espaços. Com efeito, para eles, a terra não é um bem
econômico, mas dom gratuito de Deus e dos antepassados que
nela descansam, um espaço sagrado com o qual precisam de inte-
ragir para manter a sua identidade e os seus valores. Eles, quando
permanecem nos seus territórios, são quem melhor os cuida
(FRANCISCO, 2015, n. 146, grifos nossos).

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Sugestões de temas geradores e atividades pedagógicas

Considerando os aportes teóricos apresentados, que emolduram um en-


tendimento da Educação Ambiental inspirado pelo paradigma da Ecologia In-
tegral, são apresentadas a seguir duas sugestões de temas geradores (TOZO-
NI-REIS, 2006) e respectivas atividades pedagógicas. Tais sugestões se aplicam
ao contexto escolar (Educação Ambiental formal), sem se limitar a ele, ou seja,
contemplam também elementos da Educação Ambiental não formal – praticada
além do ambiente escolar (GOHN, 2010)6. Outrossim, as atividades sugeridas
são concebidas pedagogicamente como metodologias ativas (DIESEL; BAL-
DEZ; MARTINS, 2017), ou seja, diferenciam-se de atividades convencionais
nas quais o educador meramente transmite conhecimentos preestabelecidos aos
educandos, por meio de aulas expositivas, caracterizando-se, por outro lado,
como atividades de ensino e aprendizagem nas quais o educando assume maior
protagonismo no processo de aquisição de conhecimentos e no aprimoramento
de habilidades e atitudes vinculadas e derivadas da ação pedagógica, mediante o
emprego de elementos lúdicos e atividades extraclasse.

Tema gerador: áreas naturais protegidas / Atividade didática: visita de


campo a parques ou reservas

O estabelecimento de áreas naturais protegidas é considerado interna-


cionalmente a mais efetiva estratégia de conservação da biodiversidade (IUCN,
1994). Segundo a definição oficial estabelecida pela União Internacional para
Conservação da Natureza, uma área protegida é: “uma área terrestre e/ou mari-
nha especialmente dedicada à proteção e manutenção da diversidade biológica e
dos recursos naturais e culturais associados, manejados através de instrumentos
legais ou outros instrumentos efetivos” (IUCN, 1994, s/p).
Em âmbito nacional, as áreas protegidas são classificadas como unidades
de conservação da natureza, de acordo com a lei federal que normatiza o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (BRASIL, 2000). O Brasil é um dos países
com mais extensa cobertura de unidades de conservação, abrangendo cerca de
10% do território continental e 25% de nosso território marinho (ICMBio, 2020).
Para a aplicação dessa atividade didática, o educador deve, após uma breve
exposição conceitual sobre o tema, solicitar aos alunos que façam uma pesqui-
sa para identificar os parques e reservas mais próximos da escola. Além disso,
pode solicitar àqueles que já tenham visitado tais parques – ou que eventual-
mente tenham o hábito de visitar – que tragam à turma fotos e/ou relatos des-
sas experiências. É de se esperar, considerando o comportamento prevalente
de adolescentes e jovens contemporâneos – bastante interessados em jogos e
entretenimentos virtuais, mas desabituados a atividades ao ar livre, em ambien-

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tes naturais –, que a maior parte dos estudantes não tenha muitas experiências
de visitas a parques e reservas. Essa constatação pode ser objeto de reflexão em
sala de aula, abordando a questão do afastamento da sociedade contemporânea,
marcada pela urbanização e virtualização, em relação à natureza.
Após o levantamento das unidades de conservação mais próximas, trazido
pelos alunos, caberá ao professor verificar qual dos parques ou reservas elencados
melhor se prestaria à realização da atividade didática. Devem pesar nessa decisão
algumas considerações: proximidade física da escola, logística de transporte dos
alunos, infraestrutura da unidade de conservação (centros de visitante, banheiros,
áreas para lanche, existência de programas de Educação Ambiental e/ou recepção
de visitantes, trilhas ecológicas em condição de uso e segurança). É fundamental
que o professor procure contato com a administração das unidades de conser-
vação para checar tais informações, verificar a viabilidade da visita (com eventu-
al acompanhamento, caso existente, de pessoal treinado na própria unidade para
acompanhar a atividade) e se adequar aos protocolos de visitação estabelecidos.
Obviamente, é imprescindível que, após escolhida a unidade de conservação a ser
visitada e organizada a logística da visitação, seja solicitada aos responsáveis dos
alunos a devida ciência e autorização para a realização do trabalho de campo.
Para a visita de campo propriamente dita, é importante que cada aluno es-
teja trajando vestuário adequado (calçado fechado, roupas confortáveis) e traga
consigo água, lanche, protetor solar e repelente contra insetos. Detalhes espe-
cíficos sobre a atividade fogem ao escopo do presente artigo e dependerão da
realidade de cada grupo escolar, assim como das particularidades de cada parque
ou reserva a ser visitada. Desta forma, apontaremos a seguir algumas sugestões
de caráter geral que devem ser consideradas na realização da atividade didática,
consoantes as premissas da Ecologia Integral, assumidas como norteadoras da
perspectiva pedagógica a ser aplicada.
Quanto à dimensão subjetiva, de modo a melhor aproveitar a experiên-
cia sensorial e psíquica proporcionada pela presença em um ambiente natural,
os educandos devem ser orientados a manter seus celulares desligados, ou em
modo off-line (apenas para registros fotográficos). Apesar da comum excitação
decorrente do trabalho de campo – e especificamente do sentimento de “aven-
tura” que normalmente acompanha a visita a um ambiente natural de jovens
acostumados a uma vida urbana –, o professor deve reiterar a importância de
que o grupo evite muitos ruídos e conversas desnecessárias durante as trilhas,
estimulando os sentidos da visão e audição das imagens e sons que o ambiente
oferece. A postura ideal dos alunos – embora, reitere-se, de difícil atingimento
– seria de um comportamento o mais contemplativo possível. Quanto mais o
educador conseguir aproximar o grupo desse comportamento, mais profunda
será a experiência de imersão proporcionada pela atividade. Como técnica para
se aproximar desse objetivo, pode ser praticado um minuto de silêncio, no início

COELHO, B.H.S.
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da trilha e/ou esporadicamente durante a atividade, de modo a serenar a agitação
do grupo e proporcionar uma maior concentração.
Em relação à dimensão natural (ecológica stricto sensu), é importante desta-
car quais espécies mais notáveis da fauna e da flora local são protegidas pela exis-
tência da unidade de conservação. Além disso, devem ser abordados conceitos
referentes aos serviços ambientais (PARRON et al., 2015) que aquele ambiente
natural presta à sociedade, por exemplo, a importância do ecossistema para a
regulação do clima local e a relação entre a cobertura florestal protegida com a
manutenção das águas de rios e nascentes. A identificação dos principais servi-
ços ambientais que a unidade de conservação visitada oferece deve ser objeto de
estudo prévio do professor, de modo a melhor instruir a turma em sua apropria-
da identificação e análise.
No que se refere à dimensão social, é importante que, além dos elementos
biológicos estudados, dê-se também atenção ao histórico de criação do parque
ou reserva estudado. Neste ponto, o ideal seria contar com o relato de algum téc-
nico ou servidor da unidade de conservação para explicar à turma quais foram
os motivos que levaram à criação da unidade de conservação, contextualizando
o momento histórico do estabelecimento oficial da área protegida. Para apro-
fundar o debate entre as relações dos aspectos ambientais e sociais da unidade
de conservação, algumas perguntas orientadoras podem ser empregadas: “Quais
são os bairros que fazem fronteira com o parque?”; “Quais são as condições so-
cioeconômicas desses bairros?”; “Qual deve ser o perfil das pessoas que visitam
este parque?”; “Como este parque influencia a economia local?”; “Há atividades
econômicas no entorno que são prejudiciais à conservação ambiental?”.
Quanto à dimensão política (exercício da cidadania), é recomendado, ao
final da atividade, o emprego da pergunta orientadora: “A quem pertence este
parque?” ou “Quem é o dono deste parque?”. Na discussão subsequente, devem
ser exploradas as ideias de pertencimento coletivo daquela área pública (o enten-
dimento da área como “bem comum”, para benefício de toda a sociedade) e da
importância do engajamento social em sua defesa e conservação, enfatizando a
responsabilidade de todos e de cada um nesse sentido.
Posteriormente à atividade de campo, é recomendado, como reforço pedagó-
gico, a reflexão em sala de aula sobre a visita, incluindo relatos individuais sobre a vi-
vência realizada (“Como você se sentiu durante a atividade? O que ficou de relevante
após a experiência?”) e exposição das melhores fotos registradas em campo.

Tema gerador: água / Atividades didáticas: debates a partir de perguntas


orientadoras e júri simulado

É bastante significativo o potencial pedagógico do emprego da água como


tema gerador em processos de Educação Ambiental inspirados pelo conceito de

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Ecologia Integral. Em âmbito ecológico/natural, podem ser abordados conte-
údos como o ciclo hidrológico, a poluição hídrica e a relação água-floresta (isto
é, relação entre a preservação da cobertura vegetal e a manutenção da vazão de
nascentes e rios). Em âmbito socioeconômico, podem ser objetos de debate os
diferentes usos da água pela sociedade (abastecimento humano, uso industrial
e agrícola) e os conflitos de interesse associados. Em âmbito subjetivo, a água
evoca, talvez melhor que qualquer outro elemento natural, a importância de sua
conservação como fator indispensável à vida: todos os estudantes, todos os seres
humanos, já passaram pela experiência fisiológica e psicológica da sede – mes-
mo que por um rápido instante –, de modo que todos guardaram, conscien-
te e inconscientemente, a sensação de sua indispensabilidade. Além disso, nas
instituições de ensino onde a religiosidade faz parte do conteúdo educacional,
há abundantes elementos teológicos nas mais diversas tradições religiosas que
evocam a relação entre água, vida e espiritualidade, os quais podem ser desen-
volvidos em contexto pedagógico. Trata-se, portanto, de tema muito adequado
ao paradigma sistêmico e relacional associado à Ecologia Integral, permitindo
diferentes abordagens.
A perspectiva de escassez de água potável nas próximas décadas é uma das
mais urgentes questões ambientais do mundo contemporâneo. Evidências dessa
crescente escassez são notadas em todos os continentes: redução das geleiras em
áreas montanhosas temperadas, retração das calotas polares registrada por saté-
lites7, redução da vazão ou secagem completa de rios, lagos e nascentes, avanço
da desertificação sobre ecossistemas nativos, comprometimento de potabilidade
em decorrência de poluição hídrica etc. Tais fenômenos são particularmente
preocupantes em regiões economicamente desfavorecidas, frequentemente des-
providas de água encanada e saneamento básico.
No Brasil, país detentor da maior reserva de água doce do planeta – arma-
zenada destacadamente na bacia Amazônica e em aquíferos subterrâneos, como
o Guarani, localizado no subsolo das regiões Centro-Oeste e Sul –, a constatação
da crescente escassez era menos sentida no passado recente, mas, na atualidade,
já é uma realidade preocupante que atinge os principais centros urbanos da região
Sudeste. Reservatórios que abastecem grandes metrópoles frequentemente têm
se mantido em níveis preocupantes de volume hídrico nas estações mais secas.
O aporte de água atmosférica que se desloca como vapor da região Amazônica
para o Sudeste – constituindo os chamados “rios voadores” – vem reduzindo sua
intensidade, em decorrência das queimadas que atingem a Floresta Amazônica,
interferindo no ciclo hidrológico regional e nacional (GUIMARÃES, 2014).
Por outro lado, o histórico flagelo da seca que aflige a caatinga da região
Nordeste vem sendo menos danoso, recentemente, às populações rurais que
vivem e trabalham nos sertões, apesar da crescente escassez de água global. O
emprego de tecnologias sociais relativamente simples – como a construção de

COELHO, B.H.S.
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cisternas para uso doméstico e/ou comunitário, que armazenam as águas das
chuvas durante os curtos períodos de maior pluviosidade, garantindo o abasteci-
mento nos períodos de estiagem – foi medida suficiente, alicerçada em políticas
sociais, para minorar o impacto histórico da seca nessas comunidades sertanejas
(PASSADOR; PASSADOR, 2010). Esse é um exemplo notável da capacidade
humana em responder com solidariedade e inteligência aos problemas socioam-
bientais enfrentados. Se, indubitavelmente, a sociedade moderna é responsável
pela crescente degradação ambiental planetária, ao mesmo é o próprio ser huma-
no que carrega consigo também o potencial de recuperação do que foi degrada-
do. É fundamental que o educador ambiental reconheça e denuncie, criticamen-
te, os descaminhos civilizatórios que geram a poluição e a degradação, sem se
esquecer de anunciar os exemplos – não são poucos! – que apontam em sentido
contrário, ou seja, que evidenciem também a capacidade humana de regenera-
ção e correção de rumos. Cabe ao educador ambiental, portanto, trabalhar com
atenção o binômio denúncia-anúncio, de modo a proporcionar aos educandos o
desenvolvimento de sua consciência crítica, sem pessimismo ou desalento diante
da realidade encontrada, vislumbrando que, apesar das dificuldades impostas,
há caminhos alternativos, que inspiram esperança e levam à ação consciente e
transformadora8.
Outro exemplo notável da capacidade humana em recuperar a natureza
degradada, com ênfase na questão da água, é o caso do reflorestamento da flo-
resta da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro. Na segunda metade do século XIX,
a então capital imperial do Brasil começou a atravessar problemas de abasteci-
mento de água. As nascentes e os córregos que desciam do maciço da Tijuca para
a área central da cidade – por meio de sofisticado sistema de adução, composto
de um aqueduto sobre a icônica construção dos Arcos da Lapa – começaram a
secar, em razão da acelerada conversão de florestas em fazendas de café, que à
época se constituía no principal item de exportação da economia brasileira. Deu-
-se início, então, a um arrojado e visionário programa de recuperação de áreas
degradadas. Grande parte das fazendas foram nacionalizadas e replantadas com
espécies nativas da Mata Atlântica. Após poucas décadas, o volume das águas foi
restituído, dando fim ao problema de escassez hídrica e compondo a exuberante
floresta da Tijuca, posteriormente convertida em parque nacional, que viria a
alcançar o posto de maior floresta urbana do planeta. O mais notável desse caso
pioneiro de restauração ambiental, com base na relação água-floresta, reside no
fato de que a mão de obra empenhada em tão grandiosa missão foi composta
de apenas seis homens! Seis homens escravizados, que, por meio de seu trabalho
diligente, converteram cerca de 3 mil hectares de solo exposto em uma densa
floresta tropical (DRUMMOND, 1998). Hoje, em póstuma homenagem, esses
trabalhadores são lembrados por uma estátua instalada na entrada do centro de
visitantes do Parque Nacional da Tijuca. Tal exemplo remete a uma reflexão:

COELHO, B.H.S.

66 Educação ambiental à luz da Ecologia Integral: convergências conceituais e possibilidades pedagógicas


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 57-73, jan./jun. 2020
se apenas seis homens foram suficientes para tamanha façanha há mais de um
século, o quanto mais podemos fazer pela recuperação ambiental com as técni-
cas disponíveis hoje, por meio de engajamento comunitário e trabalho coletivo?
Isso leva a refletir também que, no campo social, muito se avançou ao superar
o inadmissível flagelo da escravidão institucionalizada do homem sobre o ho-
mem, bem como a lutar pela superação da exploração indigna de trabalhadores
e trabalhadoras, submetidos a regimes opressores de trabalho, ou até mesmo à
anacrônica ocorrência de trabalhos clandestinos análogos à escravidão, em pleno
século XXI.
A dialética entre o privado e o comum – manifestada no exemplo supraci-
tado (uso privado dos recursos hídricos pelas fazendas de café vs. oferta coletiva
de água para a cidade) – avoca importantes reflexões e debates em âmbito peda-
gógico. Em sentido análogo, discussões sobre a contribuição individual domés-
tica vs. usos econômicos da água também são bastante oportunas. A partir, por
exemplo, da pergunta orientadora “O que podemos fazer para reduzir a escassez
de água?”, o educador pode aprofundar essa questão, impulsionando os educan-
dos a uma perspectiva crítica. Comumente, as principais respostas dos alunos
a essa questão estão relacionadas a mudanças de comportamentos individuais,
adotadas no cotidiano doméstico, por exemplo, não tomar banhos demorados
e desligar a torneira ao escovar os dentes ou ao lavar a louça. Ocorre que, em
âmbito global, o uso doméstico da água corresponde a aproximadamente apenas
10% do uso total, enquanto o uso industrial (majoritariamente voltado ao arrefe-
cimento de maquinário) corresponde a 20% – o dobro do uso doméstico – e o
agronegócio corresponde a 70% – sete vezes mais que o uso privado ou residen-
cial (ANA, 2012). Ou seja, se toda a humanidade deixasse de desperdiçar água
em suas residências, no máximo apenas 10% da água consumida no cômputo
global seria poupada. Tal disparidade contrasta com as principais campanhas
publicitárias voltadas à conservação da água (via de regra, exclusivamente dire-
cionadas à redução do consumo privado doméstico) e também, provavelmente,
conforme apontado, com a maioria das respostas trazidas pelos alunos. Ao pro-
blematizar tal reflexão, caberá ao educador reconhecer a importância das ações
individuais na redução do consumo da água, ainda que objetivamente pouco
contribuam para a redução global do desperdício dos recursos hídricos. Espe-
ra-se que cada pessoa faça o melhor de si para evitar o uso desnecessário de um
bem tão valioso, o que, além de tudo, reforça o compromisso moral de todos e
de cada um rumo à conversão ecológica. Por outro lado, é oportuno que o edu-
cador contribua com o entendimento sobre as razões mais objetivamente signifi-
cativas do uso e do abuso econômico das águas. Para além de todo o esforço de
mudança de comportamento individual, é necessário haver mudanças estruturais
na economia contemporânea, envolvendo a indústria e o agronegócio, de modo
a efetivamente reduzir o desperdício global da água. Ou seja, para se discutir e se

COELHO, B.H.S.
Educação ambiental à luz da Ecologia Integral: convergências conceituais e possibilidades pedagógicas
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 57-73, jan./jun. 2020 67
repensar sobre a questão da água, além da dimensão individual, é imprescindível
envolver a dimensão socioeconômica.
Daí se desdobra outro importante tema para reflexão: como os indivíduos
podem se envolver em questões ambientais coletivas e sociais? Em outras pa-
lavras, como passamos da responsabilidade individual para a responsabilidade
comunitária? No processo pedagógico de reflexão sobre essas indagações de-
vem ser abordados conceitos como participação social e cidadania. A questão da
água e, por extensão, a questão ambiental impelem para além do individual e do
privado, rumo ao coletivo e ao comum. Neste sentido, convém apresentar aos
educandos o papel dos conselhos e comitês de políticas públicas, como espaços
preferenciais para o exercício da cidadania e, especificamente, do controle social
acerca das questões ambientais públicas (GOHN, 2010). São exemplos desses
fóruns de participação social os Conselhos de Unidades de Conservação, Con-
selhos de Bacias Hidrográficas e Conselhos Municipais de Meio Ambiente; co-
legiados compostos de entidades governamentais e da sociedade civil, aos quais
deve ser facultada a participação e o acompanhamento de todos cidadãos inte-
ressados e nos quais as questões ambientais relevantes ao conjunto da sociedade
devem ser partilhadas entre o poder público e a coletividade (COELHO, 2017;
ICMBio, 2014; GOHN, 2011). É importante trazer exemplos do funcionamento
de tais conselhos para a realidade do aluno, priorizando aqueles mais próximos
ao contexto social no qual a escola esteja inserida. Dependendo do grau de inte-
resse da turma nessa questão e da funcionalidade logística, pode ser considerada
uma atividade de campo em que os alunos possam acompanhar como ouvintes
uma reunião formal de algum desses conselhos, desenvolvendo, anteriormente
e posteriormente à reunião, reflexões sobre assuntos específicos discutidos no
conselho, como o licenciamento de alguma obra com potencial poluidor ou o
sistema de saneamento municipal.
Outra possibilidade de aplicação de metodologia ativa para abordar o tema
gerador água é o júri simulado (ALBUQUERQUE; VICENTINI; PIPITONE,
2015). Casos reais ou hipotéticos de conflitos pelo uso da água – como o uso
empresarial das águas de um rio, as quais também tenham a função de abasteci-
mento público, ou a privatização de sistemas de saneamento público – podem
ser empregados. A turma é dividida entre as duas partes em conflito (por exem-
plo, advogados da empresa que defendem a necessidade de crescimento econô-
mico e geração de empregos locais vs. “promotores” que questionam a poluição
hídrica decorrente da atividade empresarial), e cabe ao professor a condição de
“juiz”, moderando os debates. Tal atividade envolve: a) a pesquisa e a preparação
dos argumentos de cada parte; b) a realização do júri simulado, propriamente
dito, incluindo a confrontação de argumentos das partes e o “veredito” do juiz/
professor; e c) discussão em grupo sobre os resultados da atividade. Essa ati-
vidade permite desenvolver criticamente, com os alunos, a tensão dialética do

COELHO, B.H.S.

68 Educação ambiental à luz da Ecologia Integral: convergências conceituais e possibilidades pedagógicas


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 57-73, jan./jun. 2020
entendimento da água como direito ou mercadoria, ou seja, como elemento vital
cujo acesso universal às pessoas deve ser assegurado ou como bem econômico a
ser regulado pelo mercado9.

Conversão ecológica: desafio individual e, principalmente, coletivo!

À guisa de conclusão, retoma-se a pergunta apresentada na primeira seção


deste artigo, almejando respondê-la. Ancorada esta reflexão no paradigma da
Ecologia Integral, consoante uma perspectiva crítica, transformadora e emanci-
patória da Educação Ambiental, afirma-se que, sem desconsiderar a importância
do comportamento individual, a conversão ecológica constitui desafio eminen-
temente coletivo.
No ambiente em que todos atuam, as misérias e dificuldades individuais
são ressignificadas. Nesse palco-mundo, cada um é impelido a sair de si ao en-
contro do outro. Um convite à relação e ao encontro. Um desafio de convivência
e partilha. Nesse sentido, a questão ecológica é fundamentalmente coletiva.

A atitude basilar de se autotranscender, rompendo com a cons-


ciência isolada e a autorreferencialidade, é a raiz que possibilita
todo o cuidado dos outros e do meio ambiente. [...] Quando somos
capazes de superar o individualismo, pode-se realmente desenvol-
ver um estilo de vida alternativo e torna-se possível uma mudança
relevante na sociedade (FRANCISCO, 2015, n. 208).

Os temas geradores e as respectivas atividades pedagógicas aqui sugeridas


objetivam desenvolver nos educandos uma consciência integradora acerca da
problemática ambiental, calcada na perspectiva de que o exercício da cidadania
constitui ato político e pedagógico (FREIRE, 2015; QUINTAS, 2002). O quintal
da minha casa é responsabilidade minha, mas o parque público do meu muni-
cípio é responsabilidade de todos munícipes. A limpeza de minha caixa d’água
compete a mim, mas a qualidade ambiental do rio que a abastece – e abastece
as casas de meus vizinhos – é direito e dever de todos, poder público e coletivi-
dade. No limite, o cuidado do planeta é responsabilidade de toda humanidade.
A ética ambiental é, essencialmente, uma ética de cuidado, conforme ensina o
Papa Francisco, cujas palavras afirmativas e amorosas resumem e encerram as
reflexões aqui esboçadas:

O amor à sociedade e o compromisso pelo bem comum são uma


forma eminente de caridade, que toca não só as relações entre
os indivíduos, mas também “as macrorrelações como relaciona-
mentos sociais, econômicos, políticos”. [...] O amor social é a
chave para um desenvolvimento autêntico: “Para tornar a socie-
dade mais humana, mais digna da pessoa, é necessário revalorizar

COELHO, B.H.S.
Educação ambiental à luz da Ecologia Integral: convergências conceituais e possibilidades pedagógicas
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o amor na vida social – nos planos político, econômico, cultural
– fazendo dele a norma constante e suprema do agir”. Neste
contexto, juntamente com a importância dos pequenos gestos
diários, o amor social impele-nos a pensar em grandes estra-
tégias que detenham eficazmente a degradação ambiental
e incentivem uma cultura do cuidado que permeie toda a
sociedade (FRANCISCO, 2015, n. 231, grifos nossos).

Submissão: 13/01/2020
Revisão: 14/02/2020
Aprovação: 06/03/2020

Notas
1 Doutor em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ) (2017). Mestre em Planejamento Ambiental pela UFRJ (2002). Graduado
em Ciências Biológicas (Bacharelado Cum Laude em Ecologia) pela UFRJ (1999). Pesquisador do
Laboratório de Investigação em Educação, Ambiente e Sociedade (LIEAS/UFRJ). Professor de
Ecoteologia do Instituto Teológico Franciscano (ITF). E-mail: [email protected]
2 De acordo com os filósofos Sean Esbjörn-Hargens e Michael Zimmerman (2009), o primeiro
emprego do termo “Ecologia Integral” em toda a literatura especializada internacional se deve
ao teólogo brasileiro Leonardo Boff, em seu livro “Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres”
(BOFF, 1995).
3 Em chave teológica, o Papa Francisco associa as premissas da Ecologia Integral à figura de São
Francisco de Assis: “Nele se nota até que ponto são inseparáveis a preocupação pela natureza,
a justiça para com os pobres, o empenhamento na sociedade e a paz interior” (2015, n. 10). A
espiritualidade franciscana constitui uma das categorias conceituais estruturantes da Laudato Si’,
assim como o envolvimento ecumênico, a crítica ao capitalismo predatório e a ênfase na respon-
sabilidade humana.
4 A este respeito, afirma Francisco (2015, n. 218) que “a conversão integral da pessoa [...] exige
também reconhecer os próprios erros, pecados, vícios ou negligências, e arrepender-se de cora-
ção, mudar a partir de dentro”. No intuito de oferecer exemplos concretos sobre comportamen-
tos individuais que contribuam para a conversão ecológica, o Papa aponta que: “A educação na
responsabilidade ambiental pode incentivar vários comportamentos que têm incidência direta e
importante no cuidado do meio ambiente, tais como evitar o uso de plástico e papel, reduzir o
consumo de água, diferenciar o lixo, cozinhar apenas aquilo que razoavelmente se poderá comer,
tratar com desvelo os outros seres vivos, servir-se dos transportes públicos ou partilhar o mesmo
veículo com várias pessoas, plantar árvores, apagar as luzes desnecessárias... Tudo isso faz parte
de uma criatividade generosa e dignificante, que põe a descoberto o melhor do ser humano”
(FRANCISCO, 2015, n. 211).
5 Romano Guardini, Das Ende der Neuzeit (Würzburg 1965), 72.
6 Conforme a Política Nacional de Educação Ambiental, instituída pela Lei nº 9.795/99, “a
educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo
estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em
caráter formal e não-formal” (BRASIL, 1999, s/p). As atividades sugeridas neste artigo estão
voltadas mais adequadamente à aplicação em turmas de Ensino Médio, dada a necessidade de
conhecimentos básicos prévios – tanto das ciências naturais quanto sociais –, e à faixa etária
dos alunos envolvidos, considerando o grau necessário de desenvolvimento pedagógico e cog-

COELHO, B.H.S.

70 Educação ambiental à luz da Ecologia Integral: convergências conceituais e possibilidades pedagógicas


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 57-73, jan./jun. 2020
nitivo para as análises e reflexões pretendidas. Sugere-se uma abordagem interdisciplinar, com
conteúdos contemplados principalmente, mas não exclusivamente, nas disciplinas de Biologia e
Geografia, consoante o parágrafo primeiro do art. 10 da referida lei: “A educação ambiental não
deve ser implantada como disciplina específica no currículo de ensino” (BRASIL, 1999, s/p).
7 No Polo Norte este fenômeno é tão grave que, nos períodos de verão, já é possível atravessar
por navio áreas que há poucos anos eram mantos de gelo intransponíveis (ALENCASTRO,
2019).
8 “Nem tudo está perdido, porque os seres humanos, capazes de tocar o fundo da degradação,
podem também se superar, voltar a escolher o bem e regenerar-se” (FRANCISCO, 2015, n. 205).
9 Sobre essa questão, é bastante ilustrativo o depoimento do presidente da Nestlé, gigante in-
ternacional do setor empresarial de alimentos, que vem adquirindo mundo afora nascentes e
mananciais para expandir seus negócios: “A água deveria ser tratada como qualquer outro bem
alimentício e ter seu valor de mercado estabelecido pela lei da oferta e da procura. Só desta ma-
neira, diz, empreenderíamos ações para limitar o consumo excessivo que se dá neste momento.”
(ABADIA DIGITAL, 2013).

Referências

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ter um valor de mercado e ser privatizada”. EcoAgência, 24 abr. 2013. Dis-
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Educação ambiental à luz da Ecologia Integral: convergências conceituais e possibilidades pedagógicas
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72 Educação ambiental à luz da Ecologia Integral: convergências conceituais e possibilidades pedagógicas


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COELHO, B.H.S.
Educação ambiental à luz da Ecologia Integral: convergências conceituais e possibilidades pedagógicas
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 57-73, jan./jun. 2020 73
DOSSIÊ

Aproximações à agroecologia escolar: princípios e práticas


Humberto Silvano Herrera Contreras¹

Resumo: A pesquisa contextualiza o tema da agroecologia escolar, destacando seus princí-


pios e práticas com crianças e adolescentes. Define a agroecologia como o conjunto de sa-
beres dos povos originários e dos agricultores familiares quanto à sua relação com a natureza
e com as práticas de produção da vida. Nesse sentido, ressalta os valores que a agroecologia
potencializa na perspectiva da soberania alimentar e da saúde das pessoas. Enfatiza os sabe-
res agroecológicos a partir de exemplos de iniciativas de pessoas, comunidades e instituições,
bem como destaca as suas aproximações ao ambiente escolar. Cita práticas de agroecologia
escolar, apontando o sentido das práticas e possibilidades de realização. Comenta a experi-
ência dos guardiões mirins de sementes crioulas e das hortas agroecológicas nas escolas. A
pesquisa é de caráter exploratório e apoia-se em fontes bibliográficas, na sua maioria, que tra-
tam da sistematização de práticas de agroecologia escolar registradas. O estudo aponta que
os valores constitutivos das práticas agroecológicas estão alinhados à concepção de Ecologia
Integral e que a sua integração nos itinerários pedagógicas de formação é benéfica para o
desenvolvimento da consciência ecológica de crianças e adolescentes.
Palavras-chave: Agroecologia. Escola. Ecologia.

Approaches to school agroecology: principles and practices

Abstract: The research contextualizes the issue of school agroecology, highlighting its prin-
ciples and practices with children and adolescents. Defines agroecology as a set of knowle-
dge of native peoples and family farmers about their relationship with nature and with the
production practices of life. In this sense, it highlights the values that agroecology enhances
in the perspective of food sovereignty and people’s health. It emphasizes agroecological
knowledge based on examples of initiative of people, communities and institutions, and
highlights its approaches to the school environment. It points out school agroecology prac-
tices, highlighting their meaning and their possibilities of realization. He comments on the
experience of children who are custodians of native seeds and of agroecological gardens in
schools. The research is exploratory in nature and relies on bibliographic sources, mostly due
to the systematization of school agroecology practices that they record. The study points
out that the constitutive values of agroecological practices are aligned with the conception
of integral ecology, and that their integration into the pedagogical training itineraries is bene-
ficial for the development of the ecological awareness of children and adolescents.
Keywords: Agroecology. School. Ecology.

CONTRERAS, H.S.H.

74 Aproximações à agroecologia escolar: princípios e práticas


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 74-85, jan./jun. 2020
Enfoques de la agroecología escolar: principios y prácticas

Resumen: La investigación contextualiza el tema de la agroecología escolar, destacando


sus principios y prácticas con niños y adolescentes. Define la agroecología como un
conjunto de saberes de los pueblos originarios y de los agricultores familiares sobre su
relación con a naturaleza y con las prácticas de producción de la vida. En ese sentido,
resalta los valores que la agroecología potencializa en la perspectiva de la soberanía
alimentar y de la salud de las personas. Enfatiza los saberes agroecológicos a partir de
ejemplos de iniciativa de personas, comunidades y instituciones, y destaca sus aproxi-
maciones al ambiente escolar. Apunta prácticas de agroecología escolar, destacando el
sentido de ellas y sus posibilidades de realización. Comenta la experiencia de los niños
custodios de semillas nativas y de las huertas agroecológicas en las escuelas. La investi-
gación es de carácter exploratorio y se apoya en fuentes bibliográficas, en su mayoría,
por la sistematización de prácticas de agroecología escolar que registran. El estudio
apunta que los valores constitutivos de las prácticas agroecológicas están alineados con
la concepción de ecología integral, y que su integración en los itinerarios pedagógicos
de formación es benéfica para el desarrollo de la conciencia ecológica de los niños y
adolescentes.
Palabras clave: Agroecología. Escuela. Ecología.

Considerações preliminares
“O meu livro é a natureza.
A terra e todos os seres criados são as páginas do livro
que procuro ler quando quero ler a palavra de Deus”.
Monge Antão2

A educação não é uma área isolada da política, da economia ou da fi-


losofia; é um pilar estruturante no processo de mudança para o horizonte do
viver bem/bem viver. A introdução aos processos de ensino da cosmovisão
dos povos nativos e de práticas pedagógicas comunitárias é essencial na for-
mação do viver bem/bem viver3. Essa perspectiva está alinhada à concepção
de Ecologia Integral4 e afirma que os processos de aprendizagem não podem
ser individuais ou isolados do entorno, tendo em vista que a natureza indica
que tudo está conectado.
Os valores comunitários integram a formação de uma consciência integra-
da à natureza e apontam a necessidade de processos metodológicos que consi-
derem a dimensão comunitária, sensibilidade e percepção da vida, principalmen-
te por meio do afeto. No entanto, essa dimensão precisa ser necessariamente
produtiva e ligada à vida cotidiana, o que demonstra a complementaridade do
teórico, com a prática comunitária conectada aos ciclos da vida na natureza. Essa
produtividade está relacionada à prática dos valores de reciprocidade:

CONTRERAS, H.S.H.
Aproximações à agroecologia escolar: princípios e práticas
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 74-85, jan./jun. 2020 75
o fruto é produto da convergência de muitas forças e energias,
não somente da ação mecânica do semear; para que a semente se
converta em fruto, muitos seres contribuíram com suas forças: o
sol, a lua, a chuva, a terra, a água, as minhocas, o vento etc. (MA-
MANI, 2010, p. 69, tradução nossa).

Segundo Mamani (2010, p. 70), a metodologia das capacidades naturais


está expressa na prática da educação comunitária:

La educación comunitaria tiene que generar espacios primero para


descubrirse en su capacidad y luego para amplificar su capacidad
natural. Esto no significa aislar las capacidades sino generar es-
pacios complementarios con otras capacidades. La vida florece
cuando hay diálogo, cuando hay complementación, cuando hay
reciprocidad, cuando hay deliberación.

A agroecologia é um conhecimento que reúne os saberes dos povos ori-


ginários e dos agricultores familiares de determinado lugar sobre a agricultura
ecológica. A agricultura agroecológica valoriza a cultura das pessoas e da região,
cultiva diversas espécies vegetais e usa fertilizantes naturais. A expressão dessa
experiência são as feiras de produtos agroecológicos5 que explicitam um teste-
munho de resistência, de soberania alimentar e de saúde das pessoas.
Sobre os saberes agroecológicos, Leff (2002, p. 37) afirma que “são uma
constelação de conhecimentos, técnicas, saberes e práticas dispersas que respon-
dem às condições ecológicas, econômicas, técnicas e culturais de cada geografia
e de cada população”. E acrescenta que esses saberes “incorporam princípios
ecológicos e valores culturais às práticas agrícolas que, com o tempo, foram de-
secologizadas e desculturalizadas pela capitalização e tecnificação da agricultura”
(LEFF, 2002, p. 42).
É importante enfatizar, como referência da agroecologia, o protagonismo
da mulher nos saberes agroecológicos preservados pela tradição oral dos povos
nativos, agricultores familiares e pessoas que optaram pela agroecologia como
filosofia de vida. Pode-se referenciar, por exemplo, as mulheres negras que uti-
lizavam seus cabelos como “guarda de sementes” (NAIZ, 2019), para cultivar
e garantir a alimentação das suas famílias; ou também a iniciativa da queniana
Wangari Maathai, com o Movimento Cinturão Verde, que, desde 1970, defende
as florestas africanas do desmatamento e garante a geração de emprego para as
mulheres a partir do plantio de sementes. Semelhante a ela, em 1982, a ecologista
indiana Vandana Shiva criou a Fundação de Pesquisa para a Ciência, Tecnologia
e Ecologia (RFSTE) e, posteriormente, o movimento Navdanya para incentivar
a agricultura ecológica e a agrobiodiversidade das sementes para as próximas
gerações. Na compreensão de Shiva, as sementes são sagradas e precisam ser

CONTRERAS, H.S.H.

76 Aproximações à agroecologia escolar: princípios e práticas


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 74-85, jan./jun. 2020
protegidas e “estar nas mãos dos agricultores” (CASTRO; PAULINO, 2017).
Essa afirmação recorda a expressão utilizada pelo bispo católico Tomás Balduí-
no, na Festa da Semente Crioula, realizada na Associação Brasileira de Amparo à
Infância (ABAI), em 2014, na qual pronunciou a todos os presentes: “A semente
é a cara de Deus”. Essa compreensão está presente historicamente nas lutas e
iniciativas da Comissão Pastoral da Terra (CPT) na defesa das sementes e da
resistência dos camponeses.
Na encíclica Laudato Si’, o Papa Francisco critica as culturas produtivas
orientadas pelo agronegócio:

A expansão destas culturas destrói a complexa trama dos ecos-


sistemas, diminui a diversidade na produção e afeta o presente
ou o futuro das economias regionais. Em vários países, nota-se
uma tendência para o desenvolvimento de oligopólios na produ-
ção de sementes e outros produtos necessários para o cultivo, e a
dependência agrava-se quando se pensa na produção de sementes
estéreis que acabam por obrigar os agricultores a comprá-las às
empresas produtoras (FRANCISCO, 2015, n. 134).

A contribuição da agrônoma e professora austríaca Ana Maria Primavesi,


que, em 1980, lançou no Brasil o livro “Manejo ecológico do solo”, revolucio-
nou as práticas agrícolas. Seus estudos marcam um movimento de disseminação
da agricultura orgânica no país e de referência para a agroecologia. Seria possível
citar ainda muitas outras mulheres, como Margarida Maria Alves, Elisabete Tei-
xeira, Aleixa Crespo, Vanete Almeida e Maria José Carneiro, que participaram do
movimento agroecológico brasileiro (SILIPRANDI, 2009). Cabe destacar ainda
a luta de Rigoberta Menchú pelos direitos humanos dos povos indígenas e da
preservação dos seus saberes como patrimônio cultural.
Recentemente, organizações do mundo inteiro assinaram o Manifesto do
Dia da Terra, 22 de abril de 2020, Um Planeta, Uma Saúde, Uma reconciliação
com a Terra, no qual registraram um compromisso pela “Democracia Terres-
tre”. Entre esses compromissos estão:

Promover alimentos locais, agroecológicos e saudáveis por meio de


sistemas agroalimentares baseados na valorização da biodiversida-
de local e na cultura e economia do cuidado (mercados e feiras de
agricultores camponeses, produtos de povos indígenas e populações
tradicionais) (NAVDANYA INTERNATIONAL, 2020, p. 6).

Ainda, destaca-se como um dos compromissos “Criar Hortas de Es-


perança e Hortas de Saúde em toda parte”, como em escolas (NAVDANYA
INTERNATIONAL, 2020, p. 7).

CONTRERAS, H.S.H.
Aproximações à agroecologia escolar: princípios e práticas
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 74-85, jan./jun. 2020 77
Agroecologia escolar
“Uma boa educação escolar em tenra idade coloca sementes
que podem produzir efeitos durante toda a vida”.
Papa Francisco (2015, n. 213)

Ao conceituar agroecologia escolar, é preciso contextualizar o espaço edu-


cativo a que se dirige. No caso específico deste trabalho, aproxima-se a discussão
das escolas urbanas, principalmente a partir de projetos educativos que desper-
tem o interesse dos alunos e dos professores (LUZURIAGA, 2001) com base
em perspectivas didáticas integradas entre os componentes curriculares, que ob-
jetivem o desenvolvimento dos saberes agroecológicos por meio de atividades
práticas de semear, cuidar, colher e celebrar a multiplicação da vida.
As pedagogias agroecológicas recomendam que se priorizem os entornos
naturais como cenários educativos e a naturalização dos entornos escolares, in-
cluindo nas suas instalações elementos não artificiais que favoreçam a interação
das crianças com o meio natural (MARTÍNEZ-MADRID; EUGENIO, 2016).
A agroecologia escolar sugere práticas como o jogo livre e a experimentação
nos diferentes ecossistemas naturais, a contação de histórias da natureza, a se-
meadura de cereais, hortaliças e ervas medicinais e temperos, o cuidado com a
horta, classes de horticultura e floricultura, práticas agrícolas e de arborização, de
alimentação saudável, entre outras.
É importante compreender os valores que pautam as práticas agroecológi-
cas, como “compartilhar” o semear, o cuidar e o colher; “associar” a criatividade
com a natureza; “envolver-se” no mundo orgânico (BARBA MERINO; DU-
RAN TAPIA, 2019); e “preservar” os saberes dos povos tradicionais, indígenas
e quilombolas.
Tiriba (2018), em suas pesquisas sobre o direito das crianças à natureza,
motivada pela busca de pedagogias ecológicas, populares e libertárias, reconhece
como fundamental a aproximação das crianças aos saberes dos povos tradicionais.
De acordo com a autora:

é fundamental participar da luta em defesa desses povos porque


com eles teremos a possibilidade de aprender os saberes necessá-
rios à produção de outra lógica social e escolar, pautada no respeito
à natureza, na valorização do lúdico, dos rituais que alimentam os
laços comunitários (TIRIBA, 2018, p. 263).

Em suas conclusões sobre aprender e ensinar a democracia na Educação


Infantil, a partir dos saberes dos povos tradicionais e como modo de convivên-
cia que inclui seres humanos e não humanos, escreve:

CONTRERAS, H.S.H.

78 Aproximações à agroecologia escolar: princípios e práticas


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 74-85, jan./jun. 2020
Uma escola amorosa é o que necessitamos não apenas para as
crianças indígenas, mas também para as do campo, da cidade, da
floresta, do cerrado, da caatinga, da beira de praia ou de qualquer
recanto do país. Uma escola que não se organize pela lógica da
apropriação do conhecimento, pelo individualismo e a competição,
pela ideologia do aprisionamento dos corpos e do esmaecimento
dos desejos, pela imposição antidemocrática de normas e regras
que não estão voltadas para o benefício da maioria; mas se funda-
mente na ética do cuidado, aposte na democracia como modo de
convívio amoroso, do qual poderá emergir criatividade, inventivi-
dade, liberdade (TIRIBA, 2018, p. 270-271).

Essas pedagogias se multiplicam em diferentes contextos, movimentos


sociais, associações comunitárias, cooperativas, escolas e instituições não gover-
namentais. Em âmbito da América Latina e Brasil, encontros de agroecologia se
realizam anualmente e se regionalizam para constituir redes que se multiplicam
ao afirmar os valores da agroecologia como um modo de vida sustentável.

Experiências agroecológicas em escolas

As sementes são uma pauta importante na agroecologia ao se aproxima-


rem dos contextos escolares latino-americanos, formando grupos nas escolas
de crianças e adolescentes que são chamados de “guardiões mirins de sementes
nativas ou crioulas” (principalmente no Brasil) (CONTI et al., 2012) e/ou de
“custódios de semillas” (nos outros países). Os guardiões, ao plantarem, multi-
plicarem e guardarem as sementes, fazem uma defesa cultural, política, econômi-
ca e agroecológica das sementes:

Defender las semillas es considerarlas base y sustento de la identi-


dad; la semilla es la que nos hace ser campesinos, indígenas y afros.
Defender las semillas es tenerlas y usarlas como resistencia cons-
ciente y crítica ante las amenazas legales y comerciales por parte
de las transnacionales y el estado-nación. Defender las semillas es
fortalecer los mercados locales y regionales; recuperar el valor de
uso de las semillas y producir la comida propia. Defender las se-
millas es no considerarlas un simple artefacto con formas, tamaños
y colores, sino soberanía y autonomía alimentaria. Conservar las
semillas es usarlas; pasar a la idea de que cada familia y cada comu-
nidad son la casa de las semillas con libre intercambio (ÁLVAREZ
RAMÍREZ et al., 2013, p. 144).

Por sua vez, esses grupos estão ligados à comunidade e/ou redes que
fortalecem e ampliam essas iniciativas locais, promovendo encontros e espaços
de trocas (OLIVEIRA et al., 2016) entre as “famílias guardiãs” (OLANDA,
2015), que ressaltam o direito à alimentação saudável e à soberania alimentar.

CONTRERAS, H.S.H.
Aproximações à agroecologia escolar: princípios e práticas
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Cabe ainda comentar a organização dessas famílias na criação de “casas comu-
nitárias de sementes”, que visam reafirmar uma posição contrária às “sementes
corporativas” (BARBOSA, 2014).
Apoiadas nessas iniciativas, escolas organizam experiências concretas fun-
damentadas na filosofia permacultural e nas técnicas de agricultura agroecoló-
gica, com o objetivo de que os alunos se apropriem do território, desenvolvam
hábitos saudáveis, valorizem os alimentos produzidos pelos camponeses e ex-
pressem a vontade de defender as plantas nativas (SANTANA CÁRDENAS;
DURANGO CARDOZA, 2018). Exemplos dessas experiências são as hortas
agroecológicas, que, alinhadas às aprendizagens curriculares, contribuem para o
desenvolvimento de valores e atitudes sociais e de educação alimentar, alcançan-
do até as famílias dos estudantes. Bellenda et al. (2015, p. 4) destacam as apren-
dizagens atitudinais que docentes sinalizaram das práticas pedagógicas na horta:

“Los niños aprenden a compartir, a ser más solidarios y a generar


junto a sus pares, el cuidado y mantenimiento de un espacio que
es común a todos”. La huerta produce “la generación de un clima
de motivación y felicidad en la escuela, ya que el hecho de tocar la
tierra y estar en contacto directo con los procesos de la naturaleza,
sobretodo del ciclo de los alimentos, es ya de por sí motivador
para los niños” y valoran “el traslado a algunos hogares de estos
aprendizajes y la instalación de una huerta en ellos”. “La escuela
con huerta es otra escuela; se vivencian otros ánimos cuando uno
llega a ella. Los niños son felices aquí, hay menos conflictos y creo
que una de las cosas que influye, además del personal docente y no
docente, es la huerta”.

Ainda, destacam-se as iniciativas das hortas mandalas, organizadas a partir


de canteiros circulares, que, além de integrarem os princípios agroecológicos, re-
velam o calor da roda e da circularidade a partir dos saberes africanos e indígenas.
Outra experiência que constitui um exemplo significativo e inovador tem
sido protagonizada por escolas em comunidades andinas, as quais têm resgatado
a memória e o cuidado da vida do território por meio de “bioralituras”, narrati-
vas dos momentos vividos, que podem ser contadas ou cantadas.

La bioralitura se propone como un nuevo concepto en la enseñanza


de la Biología contextualizada, en la medida en que posibilita reto-
mar el conocimiento y sabidurías propias de culturas que han tenido
o tienen vivo el legado de la oralidad. De igual manera revitaliza la
memoria ancestral de los pueblos, sus lenguas y las relaciones que han
tejido con el espacio vivido y sentido. Estas bioralituras que pueden
ser orales (cantos, poesías), escritas, visuales o ilustradas se retoman y
se recrean según las necesidades educativas de los wawas claramente
comprendiendo y haciendo las lecturalezas propias del lugar donde se
está dando la práctica educativa (LOZANO PRADO, 2018, p. 111).

CONTRERAS, H.S.H.

80 Aproximações à agroecologia escolar: princípios e práticas


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 74-85, jan./jun. 2020
Experiências metodológicas como essas propõem processos educativos
contextualizados, fortalecedores de identidade. Outras possibilidades que têm
sido registradas a partir das práticas agroecológicas são as produções musicais,
artísticas, de brinquedos e jogos, que surgem da própria sistematização das ati-
vidades que realizam.
Por exemplo, em 2018, a Associação Brasileira de Amparo à Infância
(ABAI)6, instituição que atende crianças e adolescentes de escolas públicas do
município de Mandirituba, por meio de projetos socioambientais e de educação
agroecológica, publicou o CD “Filhos a Mãe Terra – Cantando, brincando e
convivendo com a Mãe Terra”, como resultado das atividades realizadas com as
crianças. As 16 músicas foram gravadas pelas próprias crianças, e o CD acom-
panha material didático que descreve o contexto de surgimento das letras das
músicas e possíveis atividades que podem ser propostas a partir delas. Entre
outras produções musicais, destacam-se o CD “Ñande Reko Arandu: Memória
viva Guarani”, das crianças Guarani, e a série radiofônica Laudato Si’, que integra
20 episódios sobre “irmãos e irmãs da natureza”, evidenciando a urgência dos
problemas socioambientais que os afetam e provocando a consciência ecológica
dos ouvintes.
Também, inúmeras práticas têm sido sistematizas e estão à disposição
dos educadores em sites como Criança e Natureza (https://criancaenatureza.
org.br/), Humanaterra (https://www.humanaterra.org/), Tierra en las manos
(http://www.tierraenlasmanos.com/), Centro de Desenvolvimento Agroeco-
lógico Sabiá (http://www.centrosabia.org.br/), Grupo Semillas (https://www.
semillas.org.co/), entre outros. Destaca-se o livro “Brinquedos do chão: a na-
tureza, o imaginário e o brincar”, de Gandhy Piorski (2016), no qual o autor
registra a experiência criativa de brinquedos com materiais de diferentes regiões
e origens. Também os educadores da ABAI criaram o jogo de tabuleiro O Guar-
dião da Semente Nativa7, que sintetiza um percurso de saberes agroecológicos
para as crianças se apropriarem e compreenderem as dimensões que integram a
agroecologia.

Considerações finais

A pedagogia é sempre uma construção criativa que se sistematiza a partir


das práticas educativas. Não existe uma pedagogia pronta; existe um registro de
experiências cotidianas que vão adquirindo consistência a partir dos resultados
positivos que vão aparecendo nas pessoas que participam delas.
Os saberes da agroecologia permitem às crianças perceber que há vida na
natureza, uma vida cheia de mistérios, de sementes, de terra, água, passarinhos,
flores... e que elas são também uma extensão dessa vida! Assim como a natureza
cuida delas, elas também podem cuidar da natureza (e dos seus irmãos terra,

CONTRERAS, H.S.H.
Aproximações à agroecologia escolar: princípios e práticas
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árvores, milho, água...). Essa relação de cuidado fraterno é fundamental para o
desenvolvimento da consciência ecológica das crianças, que expressam vontade
de proteger a natureza para elas e para as outras crianças que precisam dela no
futuro.
Na intenção de oportunizar essas experiências de cuidado é que as ativi-
dades agroecológicas integram os saberes dos povos nativos, valorizando uma
dimensão ecológica preocupada com a justiça, a cultura, a economia solidária e
o bem comum. Aproximar os saberes agroecológicos à formação escolar das
crianças e adolescentes é uma forma de oportunizar a eles uma experiência con-
creta e coletiva de relação com a natureza.

Submissão: 10/02/2020
Revisão: 24/04/2020
Aprovação: 27/04/2020

Notas
1 Licenciado em Filosofia e Pedagogia. Mestre em Educação. Atua como docente na Faculdade Pa-
dre João Bagozzi. Membro do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Pedagogia, Pedagogia
Social e Educação Social da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Assessor da área de
Ensino Religioso e Pastoral Escolar da SM. E-mail: [email protected]
2 Citado por Barros (2016, p. 18).
3 Um exemplo dessa experiência educativa comunitária foi a da Escola-Ayllu de Warisata (1931-
1940) na Bolívia. As práticas de ensino não estavam somente dentro das salas de aula, mas tam-
bém fora delas, e sob a direção das Ulakas e Amaut’as (avôs e avós sábios) (MAMANI, 2010).
4 Cf. Papa Francisco (2015).
5 Cf. Animação “Comida que alimenta” (2015).
6 Cf. http://www.abai.eco.br/.
7 O tabuleiro do jogo, as cartas do jogo e as instruções podem ser solicitados à equipe da Asso-
ciação Brasileira de Amparo à Infância (ABAI).

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ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

Entre narcisismos e personalismos: a defesa do humanismo


solidário na contemporaneidade
Anderson de Alencar Menezes1

Resumo: Este artigo tem o objetivo de discutir sobre as patologias sociais no âmbito da
contemporaneidade que se revelam como distintos narcisismos e propor o personalis-
mo como caminho fundamental para a concretização do humanismo integral. Para essa
finalidade, servimo-nos de algumas bases epistemológicas da teoria crítica, do perso-
nalismo, da sociologia contemporânea, como Jürgen Habermas (2018), Axel Honneth
(2009), Zygmunt Bauman e Leonidas Donskis (2014), Emmanuel Mounier (2004) e o
Papa Francisco na sua renomada Encíclica Laudato Si’, para citar os principais, com o
intuito de diagnosticar os principais sintomas da crise contemporânea e esboçar uma
saída a partir do humanismo integral e solidário. A metodologia utilizada norteia-se por
uma pesquisa qualitativa de cunho bibliográfico, de um estudo acurado das fontes, e os
resultados mais salientes estão no diagnóstico de que vivemos em sociedades marcadas
por patologias sociais que se refletem em profundas feridas narcísicas, cujo antídoto
principal é o resgate urgente de uma Ecologia Integral e humana.
Palavras-chave: Narcisismo. Personalismo. Humanismo solidário.

Between narcissisms and personalisms: the defense of humanitarian solidarity in


contemporary times

Abstract: This article aims to discuss social pathologies in the context of contempo-
rary times that reveal themselves as distinct narcissisms, and to propose Personalism
as a fundamental path for the realization of Integral Humanism. For this purpose,
we use some epistemological bases of Critical Theory, Personalism, contemporary
Sociology, such as Jürgen Habermas (2018), Axel Honneth (2009), Zygmunt Bauman
(2014), Emmanuel Mounier and Leonidas Donskis (2004) and Pope Francis in his re-
nowned Encyclical Laudato Si’, to name the main ones, in order to diagnose the main
symptoms of the contemporary crisis and outline a way out of Integral and Solidary
Humanism. The methodology used is guided by a qualitative research of bibliogra-
phic nature, an accurate study of the sources and the most outstanding results are in
the diagnosis that we live in societies marked by social pathologies that are reflected
in deep narcissistic wounds, whose main antidote is urgent rescue of an Integral and
Human Ecology.
Keywords: Narcissism. Personalism. Solidary humanism.

MENEZES, A.A.

86 Entre narcisismos e personalismos: a defesa do humanismo solidário na contemporaneidade


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 86-102, jan./jun. 2020
Entre narcisismos y personalismos: la defensa del humanismo solidario en la
actualidad

Resumen: Este artículo tiene como objetivo discutir las patologías sociales en el
contexto actual, que se revelan como narcisismos distintos, y proponer el persona-
lismo como un camino fundamental para la realización del humanismo integral. Para
ello, utilizamos algunas bases epistemológicas de la teoría crítica, el personalismo y
la sociología contemporánea, como Jürgen Habermas (2018), Axel Honneth (2009),
Zygmunt Bauman y Leonidas Donskis (2014), Emmanuel Mounier (2004) y el Papa
Francisco en su reconocida encíclica Laudato Si’, para nombrar los principales, con
el fin de diagnosticar los principales síntomas de la crisis contemporánea y esbozar
una salida a partir del humanismo integral y solidario. La metodología utilizada se
guía por una investigación cualitativa de naturaleza bibliográfica, un estudio preciso
de las fuentes y los resultados más destacados están en el diagnóstico de que vivimos
en sociedades marcadas por patologías sociales que se reflejan en profundas heridas
narcisistas, cuyo antídoto principal es el urgente rescate de una Ecología Integral y
Humana.
Palabras clave: Narcisismo. Personalismo. Humanismo solidario.

Considerações iniciais

O contexto contemporâneo é marcado por várias ambivalências e parado-


xos. Vivemos em uma cultura marcada por feridas e cicatrizes que nos deixam
perplexos e atônitos diante de tantas monstruosidades. Vivemos em uma época
de sofrimentos psíquicos em que as pessoas se sentem abaladas em suas formas
de vida e danificadas na formação da sua personalidade. O quadro que vem se
desenhando é de grandes preocupações. Existe toda uma relação complexa e
global, sobretudo após a pandemia causada pelo coronavírus.
Recentemente, Vladimir Safatle, Nelson da Silva Junior e Christian Dunker
(2018) organizaram uma obra intitulada “Patologias do Social: Arqueologia do
sofrimento psíquico”, que reflete as mais profundas angústias e patologias dos
homens e mulheres na sociedade contemporânea. Ou seja, a intuição da obra é
perceber que o sofrimento e a angústia são fenômenos que atravessam a exis-
tência humana. O conceito de patologias sociais externa, de forma precisa, as
paranoias e as esquizofrenias da cultura contemporânea (SAFATLE; SILVA JU-
NIOR; DUNKER, 2018). A experiência de vivermos em sociedades sociopatas,
cujas evidências se apresentam na expansão do individualismo possessivo, na
desintegração das identidades coletivas e no enfraquecimento da solidariedade,
reflete uma concepção de ser humano cada vez mais fragilizado e em profunda
decadência na compreensão da integralidade do seu ser pessoa, na sua ecologia
humana, parafraseando o Papa Francisco na sua Encíclica Laudato Si’.

MENEZES, A.A.
Entre narcisismos e personalismos: a defesa do humanismo solidário na contemporaneidade
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 86-102, jan./jun. 2020 87
Narcisismos contemporâneos: globalização da indiferença e pato-
logias sociais

Inicio este artigo evocando Zygmunt Bauman e Leonidas Donskis (2014),


que, em sua obra primorosa, “Cegueira moral: a perda da sensibilidade na moder-
nidade líquida” (2014), fazem um verdadeiro diagnóstico das mutações culturais
e sociais pelas quais passam as sociedades hodiernamente. É precioso o olhar
para as narrativas sociais contemporâneas sobre as transformações em “tempos
líquidos” das pessoas, da natureza e das nossas relações com o mundo que nos
circunda. A cegueira moral é uma das maiores patologias do nosso tempo.
Segundo Brandão (1987, p. 173), “do ponto de vista etimológico, temos em
Nárkissos o elemento nárke, que, em grego, significa ‘entorpecimento, torpor’. Com
o sentido de torpor, nárke já é empregado por Aristófanes”. Nessa perspectiva, a
cegueira moral nasce no bojo de uma cultura narcísica que nos remonta à mitolo-
gia grega, o que se passou ao Ocidente com a denominação do Mito de Narciso,
que traça a trama da bela ninfa Eco perdidamente apaixonada pelo belo Narciso,
porém seu amor nunca foi correspondido (BRANDÃO, 1987).
Neste sentido, vale destacar a relação entre arquétipo, narcisismo e self
a partir das concepções junguianas. É possível discutir sobre o caráter de Nar-
ciso enquanto arquétipo. Segundo Jung (2000, p. 17), “o significado do termo
‘archetypus’ fica sem dúvida mais claro quando se relaciona com o mito, o en-
sinamento esotérico e o conto de fada”. Neste sentido, existe toda uma relação
entre Narciso e arquétipo ao modo de Jung no contexto contemporâneo, o culto
da autoimagem. Essa relação se evidencia na concepção de Jung do conceito de
self: “a meta final de qualquer personalidade é chegar a um estado de auto-re-
alização e de conhecimento do próprio self ” (HALL; NORDBY, 2005, p. 43).
Esse aspecto é de fundamental importância, pois desconhecer o próprio self
inconsciente tende a projetar elementos reprimidos do próprio inconsciente nos
outros. Nesse âmbito de compreensão, o narcisismo é a negação do verdadeiro
self. Como afirma Lowen (1993, p. 9),

os narcisistas estão mais preocupados com o modo como se apre-


sentam do que com o que que sentem. São egoístas, concentrados
em seus próprios interesses, mas carentes dos verdadeiros valores
do Self – auto-expressão, serenidade, dignidade e integridade.

A partir dessa compreensão, os narcisistas são soterrados por uma ceguei-


ra que invisibiliza as pessoas, que as inferioriza, motivados por razões étnicas,
culturais, sociais e políticas. Um episódio mais recente que externa bem essa
cultura narcísica e a cegueira moral foi a morte do jovem negro afro-americano,
George Floyd, que foi assassinado brutalmente por um policial branco. A com-
plexidade brutal dessas relações estão nos empurrando para uma globalização da

MENEZES, A.A.

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Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 86-102, jan./jun. 2020
indiferença que nos atormenta, ao criar discursos e narrativas em torno das vi-
das desperdiçadas (BAUMAN, 2005), ou seja, a construção dos refugos sociais,
dos lixos humanos. Segundo Bauman (2005, p. 99), “todo refugo, incluindo as
pessoas refugadas, tende a ser empilhado de maneira indiscriminada nos mes-
mos depósitos. O ato de destinar ao lixo põe fim às diferenças, individualidades,
idiossincrasias”, sobretudo ao se tratar dos refugos humanos em contextos mul-
ticulturais, em que os desafios éticos são imensos para garantir a integridade e
a inviolabilidades dos sujeitos dos diferentes países que vivem em situações de
profunda vulnerabilidade humana.
O Papa Francisco, na Encíclica Laudato Si’, convoca-nos a repensar as
formas humanas de lidar com a natureza, procurando manter o diálogo em tor-
no da preservação da ecologia humana e integral, cuidando de salvaguardar as
bionarrativas e as biodiversidades. Assim nos diz o Papa:

O desaparecimento duma cultura pode ser tanto ou mais grave


do que o desaparecimento duma espécie animal ou vegetal. A
imposição dum estilo hegemônico de vida ligado a um modo de
produção pode ser tão nocivo como a alteração dos ecossistemas
(FRANCISCO, 2015, p. 89)

O Papa Francisco alerta-nos na referida encíclica sobre os modelos econô-


micos hegemônicos que acabam corroendo formas de vida e impondo padrões
culturais e estéticos, criando uma cultura de consumidores vorazes (BAUMAN;
DONSKIS, 2014). Coincide aqui a análise de Bauman e do Papa Francisco na
percepção de novos padrões impostos pela cultura do consumo que deteriora
a biodiversidade e extingue a vida no planeta. Neste sentido, ambos apontam
a destruição das bionarrativas e dos ecossistemas frutos de um consumismo
desenfreado, destituindo, assim, qualquer apelação de ordem ética ou moral na
relação com a natureza.
Essa visão é corroborada pela Encíclica Patriarcal de Bartolomeu I, sobre
a Fraternidade Universal, cujas preocupações refletem uma grande sensibilidade
ecológica.

Respeitar e cuidar da criação são uma dimensão da nossa fé, o con-


teúdo da nossa vida na Igreja e como Igreja. Respeitar e cuidar da
criação constitui uma dimensão da nossa fé, o conteúdo da nossa
vida na Igreja e como Igreja. A própria vida da Igreja é ‘uma ecolo-
gia vivida’, um aplicado respeito e cuidado pela criação e fonte de
suas atividades ambientais (BARTOLOMEU I, 2019, p. 2).

Será preciso retomar o respeito e o cuidado como partes integrantes da


nossa fé, como sinal de profundo respeito à Criação a partir de uma perspectiva
teológica e antropológica, refletindo-se na vivência eclesial, pois, como nos diz

MENEZES, A.A.
Entre narcisismos e personalismos: a defesa do humanismo solidário na contemporaneidade
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 86-102, jan./jun. 2020 89
Bartolomeu I na referida Encíclica Patriarcal (2019), a vida da Igreja é “uma
ecologia vivida” no sentido das nossas diversidades culturais, étnicas e religiosas.
De fato, a vida do planeta está ameaçada justamente pela falta de respeito
e cuidado com a sua existência enquanto diversidade étnica, cultural e social. O
que ocorreu no Brasil, em Brumadinho, Minas Gerais, em 2019, é um exemplo
clássico dessa realidade. Não foram apenas mais de 259 pessoas mortas e 11
desaparecidas, mas milhares de anfíbios, répteis, seres vertebrados e invertebra-
dos – fala-se de 11 toneladas de peixes (FREITAS; ALMEIDA, 2020). Ou seja,
todo um ecossistema ameaçado e devastado por uma política econômica que é
regulada pela lógica dos mercados. E agora, todo o drama atual da pandemia do
coronavírus que nos faz repensar os nossos estilos de vida, as nossas formas de
sociabilidade humana, as regras econômicas de um capitalismo avançado que se
esgotou.
Em entrevista à Revista Ponto e Vírgula da PUC de São Paulo, Sassen
(2015, p. 174) afirma que:

o conceito de expulsão é direto e forte. Uma das questões que me


guiaram com o livro é que a linguagem de mais desigualdade, mais
pobreza, mais prisões, mais destruição ambiental, e assim por dian-
te, é insuficiente para marcar a proliferação de condições extremas,
obriga a levar muito a sério um pouco do que está acontecendo.

Segundo Sassen (2015), neste âmbito de compreensão é que se pode pen-


sar em expulsões, não mais como algo ruim que está acontecendo, mas com
uma ruptura radical. Daí a ideia de que novos conceitos emergem para capturar
a concepção dos grandes deslocamentos ambientais no mundo e o aprofunda-
mento das disparidades sociais gritantes no planeta. É o caso de famílias inteiras
que estão sendo expulsas de suas nacionalidades por diversas motivações que
perpassam as questões econômicas, étnicas e culturais, que são invisíveis, não
contam estatística e economicamente falando. Neste sentido, será preciso pensar
nos conceitos de “terra morta” e “borda sistêmica”. Bordas sistêmicas estão
proliferando em diversos domínios, referindo-se às famílias quando elas se tor-
nam invisíveis, fora do espaço de conhecimento, do espaço experiencial. Com
a concepção de terra morta, pensa-se além das questões climáticas, mas toca de
perto os milhões de refugiados que perderam suas terras, porque foram substi-
tuídas por uma mina, por novas expansões urbanas.
Por sua vez, cresce no espaço público o império das fake news, crian-
do um profundo vácuo moral. Essa tendência se manifesta de duas formas: a
insensibilidade ao sofrimento humano e o desejo de colonizar a privacidade,
apoderando-se do segredo de uma pessoa. A facilidade do mundo editorial em
apresentar fórmulas de sucesso, expondo globalmente biografias, intimidades,
vidas e experiências de outras pessoas, é um sintoma de insensibilidade e falta de

MENEZES, A.A.

90 Entre narcisismos e personalismos: a defesa do humanismo solidário na contemporaneidade


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 86-102, jan./jun. 2020
sentido (BAUMAN; DONSKIS, 2014). Habermas (2018), em sua obra, “A In-
clusão do Outro”, tem uma preocupação clara e inconteste com essa dimensão
ligada à insensibilidade ao sofrimento humano.
Em um dado momento, Habermas (2018) reflete sobre o papel das de-
mocracias na perspectiva da inclusão, sobretudo dos refugiados e imigrantes que
vêm crescendo por todos os lados dos hemisférios, pois a vida vem sendo rele-
gada em grande parte do planeta. Trata-se de milhões de refugiados que buscam
novos territórios e lugares em busca de novas esperanças para si mesmos e para
seus filhos e netos. É uma onda migratória que toma corpo no mundo e se dá
por questões culturais, religiosas e políticas. É o que se costuma afirmar entre o
medo e a indiferença, a perda da sensibilidade (BAUMAN; DONSKIS, 2014).
Neste contexto de modernidade líquida, Bauman (2008) problematiza
esse conceito de liquidez apresentando a complexidade de suas implicações para
o tecido social e a formação das subjetividades. De fato, a concepção de líqui-
do ampara-se em um contexto de fugacidade e efemeridade. Não existem mais
fenômenos e realidades tão sólidos assim. Existem contextos líquidos, softs e
lights. Nada se constrói a partir de um conceito de longevidade; tudo é muito
transitório e efêmero. Inclusive, os tempos e os espaços são compreendidos a
partir desse ângulo. Segundo Castells (2002, p. 57), “as novas tecnologias da
informação estão integrando o mundo em redes globais de instrumentalidade.
A comunidade mediada por computadores gera uma gama enorme de comuni-
dades virtuais”. A sociedade em rede torna complexa o conceito de identidade,
problematizando a rede e o ser em um contexto de novos espaços de fluxos
porosos das relações entre temporalidade e espacialidades. A construção de no-
vas subjetividades perpassa a compreensão de outras temporalidades, como a
cultura da virtualidade real.
No cenário contemporâneo, em que há transitoriedade e banalidade de
nossos laços afetivos, o compromisso é um palavrão, significando a contramão
de como a pós-modernidade se apresenta. A palavra de ordem é, em vez disso,
o descaso, a indiferença e o mínimo sentimento de coletividade (BAUMAN;
DONSKIS, 2014). São reflexos de um sintoma maior, de uma cultura profun-
damente hedonista, narcisista e individualista. Como bem afirmam Bauman e
Donskis (2014, p. 15):

o individualismo se expressa ferozmente, nos induzindo à nomea-


da imoralidade de tempos antigos, pois a defesa do grupo, o olhar
cuidadoso e genuíno às necessidades do outro persistem como
uma esquecida nota de rodapé de nossos tempos contemporâneos.

Essa afirmação nos faz pensar que o cuidado não é um imperativo nos tem-
pos atuais. Vivemos verdadeiras ambiguidades que nos conduzem a profundas
indeterminações no campo prático-estético, prático-moral e prático-normativo.

MENEZES, A.A.
Entre narcisismos e personalismos: a defesa do humanismo solidário na contemporaneidade
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 86-102, jan./jun. 2020 91
De fato, estamos perdendo sensivelmente esse olhar cuidadoso que possibilita
uma visão integral das realidades profundamente humanas. Consequentemente,
percebemos as relações fraturadas, alquebradas por instituições extremamente
autoritárias, verticalizadas e antidemocráticas que pulverizam e liquidificam. Se-
gundo Bauman e Donskis (2014), o sentido moral e ético das relações humanas
possui centralidade que deveria passar pelo respeito: ao outro, às diversidades
étnico-culturais, às bionarrativas e às construções autobiográficas. Percebe-se
globalmente um recrudescimento das atmosferas democráticas, de sociedades
que estão se perdendo em anomias, em legitimidade das suas próprias identida-
des individuais e coletivas.
Habermas (2018) percebe todo esse movimento de perda exponencial da
sensibilidade para com as diferenças nas atuais democracias: a ausência de uma
cultura pública democrática que assegure aos sujeitos os seus direitos e as suas li-
berdades em um contexto de crescente multiculturalismo, em uma concepção de
Estados pós-nacionais. O que está em causa aqui, na ótica de Habermas (2018),
é a interpretação e aplicação de uma política do reconhecimento que esteja sen-
sível às minorias “natas”, sobretudo em sociedades pluriétnicas e multiculturais
nas quais vivemos contemporaneamente.
Veja-se toda a crise hodierna com a morte do jovem negro, George
Floyd, nos Estados Unidos, em um ato de profundo desrespeito e tirania con-
tra a vida humana. Deve-se salientar, neste sentido, que uma interpretação
liberal ou neoliberal da política econômica obstaculiza uma política de reco-
nhecimento com profunda sensibilidade para com as diferenças, pensando em
contextos culturais diversos e com distintas formas de vida, amparadas em
diversas tradições socioculturais.
O problema percebido por Habermas com bastante agudeza é que, geral-
mente, a “maioria”, em uma interpretação liberal, impõe regras e costumes às
minorias “natas”, que ficam à mercê da “vontade geral” e, assim, impedidas de
viver à sua própria cultura, língua, tradições e costumes, tratando-se aqui de um
multiculturalismo fraco, em que as diferenças não são respaldas e asseguradas
pelo Estado de direito democrático.
Por sua vez, uma interpretação mais comunitarista, ao modo de Taylor
(2011), percebe-se uma maior sensibilidade para com as diferenças em um contexto
de um maior reconhecimento: “a coexistência em igualdade de direitos de diversas
comunidades étnicas, grupos linguísticos, confissões e formas de vida não pode ser
comprada ao preço da fragmentação da sociedade” (HABERMAS, 2018, p. 254). A
maior denúncia da interpretação comunitarista é que “a cultura da maioria precisa
se livrar de sua fusão com a cultura política geral” (HABERMAS, 2018, p. 254).
No contexto brasileiro, atualmente isso se aplica às regras econômicas
adotadas pelo sistema neoliberal, no qual há o livre mercado, ou seja, a inter-
pretação neoliberal é de soterrar as minorias “natas” no Brasil, como indígenas,

MENEZES, A.A.

92 Entre narcisismos e personalismos: a defesa do humanismo solidário na contemporaneidade


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 86-102, jan./jun. 2020
quilombolas, sem-terra, sem-teto. São regras perversas que nos controlam e nos
dominam, gerando a cegueira moral (BAUMAN; DONSKIS, 2014), que ocasio-
nam a perda da sensibilidade na modernidade líquida.
No âmago dessa compreensão, a sensibilidade comporta a ordem dos afe-
tos, das emoções, dos sentimentos, como Goleman (2001) e Damásio (2009)
dizem muito bem, em contextos tão massificados pelas regras econômicas e
pela ditadura do capital. Estamos vivendo em sociedades sociopatas. Como nos
diz Contardo Calligaris (2013), a perda dos laços afetivos nos impulsionam a
entrar em um processo autodestrutivo, em que a capacidade moral é diluída em
escolhas sem responsabilidade nenhuma para com o coletivo, para com o outro.
O outro nada me diz ou inquieta; vivo minhas escolhas privadas e solitárias,
próprias de uma cultura sensivelmente hedonista e narcisista. Essa cultura brutal
provoca consequências drásticas na existência humana.
É impressionante que essa cultura da indiferença marca toda uma sorte
de políticas do sofrimento, seja no âmbito pessoal, cultural, político ou social.
Dunker (2017), ao tratar da “Reinvenção da Intimidade”, em sociedades con-
temporâneas, remete-nos não somente às questões do psiquismo ou aos temas
clássicos da psiquiatria, mas nos endereça às políticas do sofrimento. A ideia é de
que o sofrimento, mesmo vivido no subjetivo, compõe uma dimensão política
estruturante, ou seja, existem mediações que conferem legitimidade ao nosso
sofrimento: pode ser o médico, o padre, o Estado ou o policial. O reconheci-
mento por parte desses sujeitos confere força às dinâmicas do poder em socie-
dades complexas. Neste sentido, vivemos situações muito paradoxais, tendências
à hipersocialização, disposição a ficar conectados permanentemente, impotência
para criar momentos de intimidade e solidão.
Vivendo um momento de narcisismo, de culto ao corpo, de aparência e
de satisfação momentânea e situacional, que permissão nos damos para expres-
sar nossos erros, nossas falhas e nossas imperfeições? (BAUMAN; DONSKIS,
2014). De fato, esse conceito de narcisismo passou a ser inflacionado, chegando
mesmo à sua plena vulgarização. Não é pretensão aqui, dos nossos estudos,
discutir sobre o conceito de forma pormenorizada, mas tentar perceber o seu
alcance do ponto de vista sociocultural, pois, na história da tradição psicanalítica,
existiu um debate denso entre Freud e Jung sobre esse conceito tão fundamental
para o imaginário da cultura ocidental, já que existe um narcisismo infantil, adul-
to e patológico (SAFATLE; SILVA JUNIOR; DUNKER, 2018). Ainda, Adorno
e Horkheimer (1997) discutem sobre a centralidade do conceito de narcisismo
ao tratarem da interpretação freudiana de irracionalidade, de injustiça e de do-
minação, presentes nas relações dos indivíduos com a sociedade. De fato, no
âmbito dessa discussão, existe toda uma crítica à indústria cultural que produz
sujeitos débeis, incapazes de reflexão crítica em suas relações consigo mesmo,
com os outros e com o mundo que nos rodeia.

MENEZES, A.A.
Entre narcisismos e personalismos: a defesa do humanismo solidário na contemporaneidade
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 86-102, jan./jun. 2020 93
O trabalho de Adorno e Horkheimer (1997) é muito contundente ao diag-
nosticar e denunciar as mazelas produzidas pelo fenômeno nazista. A tentativa
é de perceber a coexistência entre paranoia e narcisismo, ligando-se às falsas
projeções, derivadas da falsa certeza da autonomia e da identidade. Em síntese,
os mecanismos narcísicos representam um movimento de eleição da supressão
das diferenças (eleição dos objetos de preconceito) em sociedades totalitárias.
No Brasil, essa eleição dos objetos de preconceito vem se acentuando cada
vez mais. Reflete-se uma vida social mais dominada pela lógica do capital, o que
gera profundas desigualdades étnicas, políticas e socioculturais. Percebe-se uma re-
gressão dos comportamentos racionais, do ethos mais significativo. Esse processo
de regressão tem postulado uma sociedade sociopata, retomando a análise freudia-
na na relação entre o eu ideal e o ideal do eu, já que se percebe na figura narcísica
o excesso e a falta de um eu. Portanto, nas imagens societárias atuais, constatam-se
essas relações conflituosas e coordenadas por um excesso de violência.
Freud (2010), em “O mal-estar na civilização”, aponta para essa brutal reali-
dade. Esta onda de violência e fascismo crescente no Brasil liga-se a uma relação de
promiscuidade entre violência e poder; liga-se a um narcisismo patológico, auto-
destrutivo e que vomita violência e indiferença, sobretudo para com os tais objetos
de preconceito: quilombolas, indígenas, favelados, sem-teto, sem-terra, mulheres.
É uma cultura do ódio que gera uma obsessão e uma compulsão pela destruição
daquilo que é diferente. É só ver o movimento crescente do feminicídio no Brasil.
Neste sentido, os intelectuais da Escola de Frankfurt trouxeram uma contribuição
sui generis, ou seja, perceberam no movimento nazifascista a obsessão pela lógica da
identidade em oposição à diversidade, à diferença.
O propósito nazifascista era de destruir de forma obstinada as diferenças
étnicas, culturais e sociais. Percebendo o Brasil de hoje, estamos imersos no
mesmo dilema. O terror e a apatia são as linguagens utilizadas pelo sistema neo-
liberal para criar um clima de apavoramento e imobilização socais.
A globalização da indiferença é percebida sensivelmente hoje no mundo.
No Brasil, de modo especial, reflete-se na cultura dos maus-tratos para com ido-
sos, crianças e minorias “natas” (mulheres, negros, indígenas).
Já faz um tempo que Honneth (2009) vem discutindo acerca de uma nova
gramática moral a partir dos conflitos sociais. A problemática levantada por ele
é a de pensar no contexto das sociedades complexas e suas discrepâncias socio-
econômicas e socioculturais. De fato, o rigor da sua análise perpassa as tramas
das sociedades regidas pelo capitalismo que, de uma forma preponderante, im-
põe regras econômicas e morais e produz identidades e sociedades portadoras
de grandes patologias sociais, doenças crônicas que se revelam no cotidiano das
pessoas, em suas vidas rotineiras.
As suas análises fundam-se no jovem Hegel de Jena e em Georg Herbert
Mead, além de servir-se da psicanálise de Donald Winnicott (2019). De fato, a

MENEZES, A.A.

94 Entre narcisismos e personalismos: a defesa do humanismo solidário na contemporaneidade


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 86-102, jan./jun. 2020
categoria central do reconhecimento é a sua chave de leitura principal. A partir
das influências dos teóricos citados, Honneth (2009), com uma postura analítica
ímpar, discorre sobre as relações sociais de reconhecimento em sociedades com
altos índices de patologias sociais. Obviamente que a sua tese central se articula a
partir de três padrões de reconhecimento: amor, direito e solidariedade. Porém,
em cada forma de reconhecimento, desenvolve-se uma relação consigo mesmo
de autoconfiança, autorrespeito e autoestima. O Papa Francisco, na Encíclica
Laudato Si’, é magistral ao afirmar:

a falta de preocupação por medir danos à natureza e o impacto


ambiental das decisões é apenas o reflexo evidente do desinte-
resse em reconhecer a mensagem que natureza traz inscrita nas
suas próprias estruturas. Quando, na própria realidade, não se
reconhece a importância de um pobre, de um embrião humano,
de uma pessoa com deficiência – só para dar alguns exemplos
–, dificilmente se saberá escutar os gritos da própria natureza
(FRANCISCO, 2015, p. 117).

É interessante como o Papa Francisco retoma o conceito de ecologia hu-


mana e integral ao se referir à natureza, ou seja, estamos envoltos em uma gran-
de complexidade humana e social. As respostas não são simples, então o melhor
caminho é perceber as sensibilidades morais que circundam as relações humanas
e perpassam as relações com a natureza. Não existe um verdadeiro cuidado com
a natureza quando se desdenha dos mais vulneráveis, dos mais empobrecidos
social e culturalmente falando. São novas gramáticas, novas linguagens que pre-
cisam ser reconhecidas em sua globalidade.
Neste sentido, existem formas de desrespeito que ferem a integridade do
ser humano. Destacam-se os comportamentos lesivos que implicam em con-
trariar a visão positiva que as pessoas cultivam de si mesmas em uma relação
intersubjetiva. As ofensas, humilhações, rebaixamentos são categorias morais
que revelam constantemente um reconhecimento recusado. De fato, os maus-
-tratos e as violações fazem sucumbir a autoconfiança; por sua vez, a privação
de direitos e a exclusão eliminam o autorrespeito; e, por fim, a degradação e a
ofensa minam a autoestima. A partir desse âmbito de compreensão, percebemos
a complexidade da globalização da indiferença em sociedades complexas nas
quais vivemos diuturnamente.

O personalismo em Emmanuel Mounier (1905-1950): por um reabilitar


da concepção de pessoa humana

Emmanuel Mounier é um pensador, filósofo, fundador da Revista Esprit e


um dos mais conceituados filósofos do século XX. Foi influenciado por Charles

MENEZES, A.A.
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Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 86-102, jan./jun. 2020 95
Péguy e Henri Bergson. Além do mais, frequentou os círculos de estudos pro-
postos por Jacques Maritain. Neste sentido, Mounier está na raiz do pensamento
personalista contemporâneo.
Segundo Mounier (2004, p. 57), a pessoa se abre aos outros e ao mun-
do; ela, “diferentemente das coisas”, é caracterizada pela pulsação de uma vida
secreta, da qual parece derramar incessantemente a sua riqueza. É o momento
do “recolhimento em si”. Para Mounier (2004), o ser humano pode viver como
uma coisa, mas estará sempre inquieto, no desejo de separar-se das coisas, de
entender-se para além delas, ou seja, precisará de modo fundamental desse reco-
lhimento para não se confundir com o tumulto exterior; fugir dos imediatismos
momentâneos, de uma vida sem memória, sem projeto, da própria exterioridade
e vulgaridade.
Segundo Marcel (apud MOUNIER, 2004, p. 59), “a pessoa não é uma coi-
sa que se pode encontrar no fundo das análises, ou uma combinação definível
de aspectos. Se fosse uma súmula, poderia ser inventariada: mas é, exatamente,
o não inventariável”.
O personalismo construiu uma oposição ao individualismo, ao narcisismo.
Enquanto este último mantém o ser humano centrado em si mesmo, a primeira
preocupação do personalismo é a busca do descentramento, pois é a partir daqui
que o ser humano se abre para uma tríplice perspectiva: para o mundo objetivo
das coisas, para o mundo social das normas e para o mundo subjetivo, das emo-
ções e dos sentimentos.
A pessoa, segundo o personalismo, surge como uma presença aberta para
as outras pessoas e para o mundo. Nesse sentido, de forma exemplar, o Papa
João Paulo II, na Encíclica Fides et Ratio, afirma:

Importa sublinhar que as verdades procuradas nesta relação inter-


pessoal não são primariamente de ordem empírica ou de ordem fi-
losófica. O que se busca é sobretudo a verdade da própria pessoa:
aquilo que ela é e o que manifesta do seu própria íntimo. De fato, a
perfeição do homem não se reduz apenas à aquisição do conheci-
mento abstrato da verdade, mas consiste também numa relação viva
de doação e fidelidade ao outro (JOÃO PAULO II, 1998, p. 36).

Nesta perspectiva, acontece um verdadeiro entrelaçamento, ou seja, a pre-


sença das outras pessoas não é um sinal de intimidação ou limitação, mas algo
que estimula e faz crescer. Na ótica de Mounier (2004, p. 46), “a experiência
primitiva da pessoa é a experiência da segunda pessoa. O tu e, adentro dele, o
nós, precede o eu, ou pelo menos acompanha-o. Mas a pessoa, no mesmo mo-
vimento que a faz ser, expõe-se”.
De fato, a perspectiva de Mounier (2004) é a quebra desse autorreferen-
ciamento, desse eu enclausurado, encerrado em si mesmo. O personalismo é

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essa busca essencial pela comunicação que não se deixa corromper pelas alie-
nações da existência. A tentativa do personalismo é tentar evitar, como bem
diz Mounier (2004, p. 46),

quando a comunicação se enfraquece ou se corrompe perco-me


profundamente eu próprio: todas as loucuras são uma falha nas re-
lações com os outros – o alter torne-se alienus, torno-me também
estranho a mim mesmo, alienado. Quase se poderia dizer que só
existo na medida que existo para os outros, ou numa frase-limite:
ser é amar.

Neste âmbito de compreensão, “o primeiro ato da gente deve ser a cria-


ção com outros de uma sociedade de pessoas, cujas estruturas, costumes, sen-
timentos, e até instituições estejam marcados pela sua natureza de pessoas”
(MOUNIER, 2004, p. 46).
Nesta perspectiva, a pessoa funda-se em uma série de atos originais que
não tem equivalente em lugar algum do universo, dada a sua singularidade. Mou-
nier (2004) apresenta, portanto, cinco atos originais da pessoa humana.
O primeiro ato original é sair de nós próprios – como bem nos diz Mou-
nier (2004, p. 47), “a pessoa é uma existência capaz de se libertar de si própria, de
se desapossar, de se descentrar para se tornar disponíveis aos outros”. A grande
tradição personalista pensou na ascese do despojamento e a propôs para livrar-
-se das amarras, das escravidões do mundo contemporâneo. Toda a tradição
espiritual, cristã e mística buscou nessa máxima do despojamento de si próprio
um caminho fundamental e necessário para a vida pessoal. Toda a tradição an-
tiga, aqui nos reportamos à patrística grega e latina, como também aos grandes
místicos, pregava a luta contra o amor-próprio, vencer o próprio ego inflama-
do e envaidecido. Parafraseando, São João da Cruz (2020), a compreensão de
amor-próprio é traduzido hoje, hodiernamente, como egocentrismo, narcisismo
e individualismo.
O segundo ato original é compreender. Segundo Mounier (2004, p. 47),
“não me procurar numa pessoa escolhida e igual a mim, mas captar com a minha
singularidade a sua singularidade, numa atitude de acolhimento e num esforço de
recolhimento”. A grande concepção aqui é acolher os outros nas suas diferenças
e singularidades. A diferença dos outros não me subtrai; pelo contrário, enrique-
ce-me, estimula-me na minha mais profunda singularidade. O esforço é não me
procurar nos que são iguais a mim. A atitude fundamental é a dinamização da
relação entre acolhimento e recolhimento, em um gesto profundo de ser todo
para todos sem deixar de ser eu.
O terceiro ato original, na compreensão de Mounier (2014, p. 47), é “tomar
sobre nós, assumir o destino, os desgostos, as alegrias, as tarefas dos outros”, ou
seja, a construção da realidade pessoal e humana é um construto coletivo; liber-

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tamo-nos quando libertamos os outros, engajando-nos historicamente para que
as pessoas não se destruam em suas realidades humanas, pessoais e sociais. Toda
a tradição personalista cultivou o desejo e se engajou para que nenhuma ordem
política ou sistema econômico destrua o nosso gosto de sermos pessoas. É uma
tarefa árdua em um contexto em que as políticas econômicas e os sistemas finan-
ceiros colocam como via de regra o lucro em detrimento da realização profunda
das pessoas.
O quarto ato original é dar. Na percepção de Mounier (2004, p. 47),

a força viva do ímpeto pessoal não está, nem na reivindicação (in-


dividualismo pequeno-burguês), nem na luta de morte (existen-
cialismo), mas na generosidade e no ato gratuito, ou seja, numa
palavra, na dádiva sem medida e sem esperança de recompensa.

A economia da pessoa é uma economia de dádiva, não baseada em re-


compensas, lucros, cálculos. A generosidade é uma das grandes características da
tradição personalista. Somente a generosidade é capaz de dissolver a opacidade e
anular a solidão da pessoa que vive na penumbra da própria existência. É preciso
compreender que a pessoa é um dom, uma dádiva, que não pode se encerrar nos
próprios preconceitos que anula as pessoas, que as tenta miniaturizar e rebaixar.
Daí o valor do perdão e da confiança em uma sociedade dominada pelo caniba-
lismo verbal, por relações extremamente predatórias.
O quinto ato original é ser fiel. Para Mounier (2004, p. 48), “a aventura
da pessoa é uma aventura constante desde o nascimento até a morte. As dedi-
cações pessoais, amor, amizade, só podem ser perfeitas na continuidade”. Essa
continuidade não é uma mera repetição uniforme, linear, mas um contínuo gesto
de renovamento. Compreende-se que a fidelidade pessoal é uma fidelidade que
sempre recria e se renova; é uma fidelidade criadora.
Por fim, percebe-se que o desejo em se propor a discussão do personalis-
mo na ótica de Emmanuel Mounier é de reabrir o debate na contemporaneidade
sobre o significado da pessoa e da vida pessoal e as suas singularidades em con-
textos tão complexos e desafiadores. A ideia é reacender o debate sobre o valor
da pessoa humana solapada pelos poderes econômicos e rebaixada a uma condi-
ção natural de coisa. O intuito é resgatar da tradição personalista o gosto de ser
pessoa em um processo contínuo e progressivo de realização plena da pessoa,
enquanto consciência e liberdade.
Nesse âmbito de compreensão, o Papa Francisco (2015), na Encíclica Lau-
dato Si’, convida-nos a refletir a partir da Ecologia Integral, a rever os modelos
de desenvolvimento da produção e do consumo, a repensar os modelos que
afetam a natureza e violam a pessoa humana. Na realidade, o Papa Francisco
postula que tudo está interligado, os tempos e os espaços, assim como os vários
componentes do planeta – físicos, químicos e biológicos – estão intimamente

MENEZES, A.A.

98 Entre narcisismos e personalismos: a defesa do humanismo solidário na contemporaneidade


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 86-102, jan./jun. 2020
relacionados. Na percepção do Papa Francisco, deve-se evitar os conhecimentos
fragmentários e isolados que impedem uma visão mais ampla e complexa da
realidade e da vida humana.
O personalismo é retomado no magistério atual a partir das concepções
de ecologia humana e Ecologia Integral. O conceito “pessoa” é a maior con-
tribuição do cristianismo para a cultura humana em geral; foi a tradução mais
emblemática para a cultura greco-romana. Foi a partir de Boécio (480-524) que
se pensou de forma mais sistemática no conceito de pessoa, e o personalismo
é herdeiro dessa tradição. O Papa João Paulo II, na Encíclica Redemptor Hominis,
retoma e aprofunda essa tradição à luz do Mistério da Revelação, quando afirma:

E por isto precisamente Cristo Redentor revela plenamente o


homem ao próprio homem. Esta é – se assim é lícito expri-
mir-se – a dimensão humana do mistério da Redenção. Nesta
dimensão o homem reencontra a grandeza, a dignidade e o va-
lor próprios da sua humanidade. No mistério da Redenção o
homem é novamente “reproduzido” e, de algum modo, é nova-
mente criado (JOÃO PAULO II, 2000, p. 64).

Neste sentido, o verdadeiro humanismo tem sua fonte e ápice no mistério


da Revelação, assim a dignidade humana encontra o seu cerne e grandeza na
exemplaridade dos gestos do Redentor que nos redimiu mediante a qualidade do
seu agir humano.
Por sua vez, o Papa Francisco reafirma essa concepção na cultura hodierna
mediante a sua Encíclica Laudato Si’. Assim, afirma “quando o pensamento cris-
tão reivindica, para o ser humano, um valor peculiar acima das outras criaturas,
suscita a valorização de cada pessoa humana, e, assim, estima o reconhecimento
do outro” (FRANCISCO, 2015, p. 75). É nessa esteira que o Papa Francisco faz
uma crítica contundente ao antropocentrismo desordenado que secundariza as
relações humanas e que perpassa a crise ecológica, ética, cultural e espiritual da
modernidade.
Neste sentido, ainda afirma o Papa Francisco (2015, p. 74): “ não haverá
uma nova relação com a natureza, sem um ser humano novo. Não há ecologia
sem uma adequada antropologia”.

Considerações finais

Este artigo pretendeu discutir sobre os pressupostos de uma realidade


extremamente ambivalente na contemporaneidade. Constata-se uma tendência
crescente e acelerada a favor da exacerbação da cultura do eu, dos subjetivismos,
dos individualismos; um reflexo profundo de uma sociedade narcisista, autocen-
trada e profundamente apática.

MENEZES, A.A.
Entre narcisismos e personalismos: a defesa do humanismo solidário na contemporaneidade
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 86-102, jan./jun. 2020 99
Os narcisismos contemporâneos revelam sintomas maiores que envolvem
as dinâmicas societárias e que fraturam as mais diferentes sociabilidades, ou seja,
quando os acordos ou contratos sociais são rompidos ou quebrados, as manifes-
tações surgem e pululam de todas as partes do planeta. Estamos escrevendo este
artigo em um momento em que o mundo se opõe de forma veemente contra o
racismo, a partir da morte do afro-americano George Floyd e do menino Miguel,
negro e pobre, morto em Recife, ao ser deixado no elevador, pela própria patroa
de sua mãe. São reflexos de uma cultura que carrega a ferida narcísica, das autor-
referencialidades, que expõem os efeitos de uma supremacia branca, preconcei-
tuosa e autoritária. São os resquícios de uma cultura dominada pelos signos da
barbárie; de anulação e sujeição dos que são diferentes de mim.
Por outro lado, existem os movimentos personalistas, que acreditam e
defendem no âmbito da democracia os valores incontestes da pessoa humana.
Movimentos e grupos que se articulam para a promoção da dignidade humana
em busca da defesa de uma democracia radical que se pauta pelos princípios dos
direitos fundamentais.
A proposta do artigo é pensar na tradição personalista a partir de um dos
seus grandes expoentes, Emmanuel Mounier. A tentativa de Mounier é de nos
fazer repensar todos os sistemas de sociabilidade, lógicas econômicas e orga-
nizações humanas que devem se pautar pelo objetivo maior de realização das
pessoas humanas em sua integralidade e inteireza.
Na ótica de Mounier, Sartre percebeu apenas que o olhar do outro nos
desnuda, nos despe. Viu no outro uma presença que usurpa, despoja e escraviza.
A perspectiva de Mounier é perceber o outro como alguém que me perturba,
introduz uma desordem nas minhas convicções e modos, arranca-me do meu
sono egocentrista. No âmago dessa compreensão, a relação interpessoal positiva
é uma provocação recíproca, uma mútua fecundação.
A aposta deste artigo é de nos ajudar a repensar a concepção de pessoa
humana. O Papa Francisco o fez, de forma muito lúcida, na Encíclica Laudato
Si’, quando entende e compreende a pessoa como ecologia humana e integral.

Submissão:15/05/2020
Revisão: 16/06/2020
Aprovação: 25/06/2020

Notas
1 Licenciado em Filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco (1998). Bacharel em Teo-
logia pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL), campus Pio XI (2002). Mestre
em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco (2005). Doutor em Ciências da Educa-
ção pela Universidade do Porto/Portugal (2009). Pós-doutorando em Ciências da Linguagem
pela Universidade Católica de Pernambuco e pela Universidade de Valência/Espanha (2019).

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Membro da Sociedade Brasileira de Teologia Moral. Líder do grupo de pesquisa TECER (Teoria
Crítica, Emancipação e Reconhecimento). Atualmente é professor e pesquisador do mestrado
e doutorado em Educação do Universidade Federal de Alagoas. E-mail: [email protected]

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102 Entre narcisismos e personalismos: a defesa do humanismo solidário na contemporaneidade


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 86-102, jan./jun. 2020
ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

A produção de sentido em jovens secundaristas à luz da teoria


de Viktor Frankl
José Lucas Marques Duarte1
Paulo Fossatti2

Resumo: O presente estudo aborda o tema da produção de sentido na vida de jovens


secundaristas do Ensino Médio. Objetiva analisar fatores intervenientes nas escolhas
pessoais e profissionais dos estudantes de uma escola estadual do Sul do Brasil. De
metodologia qualitativa, a coleta de dados se deu por questionário em escala Likert e
questões abertas, além do diário de campo e revisão de literatura, principalmente em
Viktor Frankl e seus comentadores. A análise do material considera Bardin em sua
proposta de análise de conteúdo. Os resultados apresentaram jovens que buscam apoio
em familiares para tomada de decisão pessoal e profissional; exercício de relativa auto-
nomia e responsabilidade diante dos desafios da vida profissional; capacidade de fazer
escolhas, mesmo na adversidade; vontade de sentido no exercício da autonomia, da res-
ponsabilidade e da dor e alegria das escolhas; necessidade de formação continuada para
consolidar a produção de sentido. Conclui-se pelo desenvolvimento e consolidação do
valor da produção de sentido, da autonomia e responsabilidade, tanto na vida pessoal e
profissional, não somente na juventude, mas em todas as faixas etárias.
Palavras-chave: Educação Básica. Juventudes. Produção de sentido. Viktor Frankl.

The production of sense in young high school students in the light of Viktor
Frankl’s theory

Abstract: This study addresses the theme of the production of meaning in the lives of
young high school students. It aims to analyze intervening factors in the personal and
professional choices of students of a state school in southern Brazil. With a qualitative
methodology to a data collection, it takes place through a questionnaire on a Lickert
Scale and open questions, in addition to the field diary and literature review, mainly
in Viktor Frankl and his commentators. The material analysis considers Bardin in his
proposal for Content Analysis. The results show young people who seek support from
family members for personal and professional decision-making; exercise of relative au-
tonomy and responsibility in the face of the challenges of professional life; ability to
make choices, even in adversity; desire for meaning in the exercise of autonomy, res-
ponsibility and the pain and joy of choices; need for continuing education to consolida-

DUARTE, J.L.M.; FOSSATTI, P.


A produção de sentido em jovens secundaristas à luz da teoria de Viktor Frankl
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 103-122, jan./jun. 2020 103
te the production of meaning. It concludes with the development and consolidation of
the value of the production of meaning, autonomy and responsibility, both in personal
and professional life, not only in youth but in all age groups.
Keywords: Basic Education. Youths. Meaning production. Viktor Frankl.

La producción de sentido en jóvenes de escuela secundaria a la luz de la teoría de


Viktor Frankl

Resumen: El presente estudio aborda el tema de producción de sentido en la vida de


jóvenes de escuela secundaria. Tiene como objetivo analizar factores que intervienen en
las decisiones personales y profesionales de los estudiantes de una escuela pública al Sur de
Brasil. De metodología cualitativa, la recolección de datos se da por cuestionario en Escala
Likert y cuestiones abiertas, además del diario de campo y la revisión de literatura, princi-
palmente en Viktor Frankl y sus comentaristas. El análisis del material considera a Bardin
en su propuesta de Análisis de Contenido. Los resultados presentan jóvenes que buscan
apoyo en familiares para toma de decisión personal y profesional; ejercicio de relativa au-
tonomía y responsabilidad ante los desafíos de la vida profesional; capacidad de tomar de-
cisiones incluso en la adversidad; voluntad de sentido en el ejercicio de la autonomía, de la
responsabilidad y del dolor y la alegría de las decisiones; necesidad de formación continua
para consolidar la producción de sentido. Se concluye con el desarrollo y consolidación
del valor de la producción de sentido, de la autonomía y responsabilidad, tanto en la vida
personal y profesional, no solamente en la juventud, sino en todas las edades.
Palabras-clave: Educación Básica. Juventudes. Producción de sentido. Viktor Frankl.

Introdução

A humanidade passa por um momento singular, o qual exige, além do


atendimento às necessidades básicas (MASLOW, 1943), respostas por sentido
ou significado das formas de existência. Já não basta mais ter o necessário para
viver; é preciso, principalmente, a cada dia, construir razões para continuar a
existir. Neste escopo, Maslow (1943) descreve que a satisfação humana perpassa
por cinco níveis (como uma pirâmide), sendo os mais básicos referentes às ne-
cessidades fisiológicas e de segurança (base da pirâmide) e os mais complexos
reconhecidos como autorrealização (topo da pirâmide). Diante disso, quando
um nível das necessidades é alcançado, logo o próximo se torna o objetivo de
busca. Contudo, para Frankl (2008), somente a vontade de sentido ou significa-
do garantirá a autorrealização. Esse é o objeto deste estudo, voltado para jovens
do século XXI, com base em Frankl (1995), o qual iniciou seu trabalho na área
da psicologia na cidade Viena com alunos do último ano do colegial.
O universo de suas pesquisas e de atendimentos era permeado por casos
constantes de tentativas de suicídio entre a juventude vienense do século XX.
Seu foco de atenção ao ser humano está na construção de sentido, na busca
de razões que o mantenha vivo e motivado, respondendo aos desafios que a

DUARTE, J.L.M.; FOSSATTI, P.

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Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 103-122, jan./jun. 2020
vida apresenta. Sua colaboração vem com o desenvolvimento da logoterapia, a
qual busca compreender a pessoa em suas dimensões física, psíquica e noética3
(GOMES, 1988). O próprio Frankl se utilizou dos princípios da logoterapia para
sobreviver aos quatro campos de concentração pelos quais passou durante a Se-
gunda Guerra Mundial. Sob o jugo dos nazistas, ele foi o prisioneiro de número
119104. Como pessoa, psicólogo e prisioneiro, vivenciou diversas situações de
sofrimento, com seus colegas de cela e também alguns guardas, que compar-
tilhavam suas angústias. Diante desse quadro, sofreu maus-tratos, presenciou
suicídios e homicídios, decorrentes do esgotamento físico, psíquico e espiritual
(FRANKL, 2008).
Nesse cenário de guerra, sua família foi dizimada simplesmente pelo fato
de ser de origem judaica. Mesmo sabendo da morte de sua mãe em uma câmara
de gás, Frankl seguiu sua trajetória com fé e palavras de esperança com os outros
prisioneiros. Operou com o princípio de que os fatos exteriores influenciavam,
mas era o ser humano que permanecia livre em suas escolhas pela vida ou pela
morte. Sua logoterapia, ou dito de outro modo, a terapia do sentido da vida, sur-
giu de sua própria experiência de vida, centrada no futuro e nos sentidos a serem
realizados pelo sujeito por meio de suas escolhas. Ela trabalha com a premissa de
tirar o foco dos mecanismos “viciosos” que desempenham papel importante na
criação das neuroses, auxiliando a pessoa a buscar empiricamente o sentido da
vida por meio dos valores criativos, vivenciais e atitudinais. É também conhecida
como a terceira escola vienense de psicoterapia, sendo que a primeira é a psica-
nálise de Freud e a segunda é a psicologia individual de Adler.
Portanto, diante das situações que a vida nos coloca, a exemplo da pan-
demia avassaladora neste ano de 2020, ficam as perguntas: qual é nossa atitude
pessoal e comunitária diante dos problemas? O que o mundo, as pessoas, as
comunidades podem esperar de nós? Ou seja, por mais que o meio externo
influencie, faça-nos sofrer, cause-nos restrições, sempre temos uma margem de
decisão, de poder de escolha, de resposta criativa e atitudinal.
Nesse contexto, buscamos direcionar nosso olhar para os jovens da atu-
alidade que vivem o cotidiano das incertezas diante dos mundos do estudo e
do trabalho. Para eles, conforme Langle (1992), buscamos construir uma possi-
bilidade de olhar para o futuro, suas escolhas, suas possibilidade de tomada de
decisão e suas capacidades de suportar o preço de suas escolhas. Langle (1992)
também se interroga pelas escolhas dos jovens: “O que e quem tem motivado os
jovens dessa geração em suas escolhas?”. Este estudo alinha-se ao desse autor,
na medida em que analisa fatores intervenientes que produzem sentido nas es-
colhas pessoais e profissionais dos estudantes de uma escola estadual do Sul do
Brasil. Sob o mesmo olhar, Gomes (1988) descreve que a segunda preocupação
essencial do homem é com sua liberdade, isto é, o homem sem um propósito
na vida a percebe como algo que perde a cor e se encobre de um tédio sem fim.

DUARTE, J.L.M.; FOSSATTI, P.


A produção de sentido em jovens secundaristas à luz da teoria de Viktor Frankl
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 103-122, jan./jun. 2020 105
Por decorrência dessa falta de sentido, as chances de continuar vivendo são re-
duzidas. Trabalhamos com a premissa de que somos livres para nossas escolhas.
Apesar das limitações e influências externas, o ser humano sempre decide o que
é ou vai ser.
A relevância deste estudo está no auxílio aos jovens, que, fora da sua tra-
dicional faixa etária para frequentar o Ensino Médio, com idade cronológica
entre 21 e 25 anos, constituem uma população de alta vulnerabilidade social na
continuidade aos seus estudos, na escolha profissional e na busca por emprega-
bilidade. Todos esses fatores têm por base a autonomia e a produção de sentido
para que possam persistir em seus projetos de vida.
Nossa metodologia privilegia os dados primários centrados em um ques-
tionário com questões fechadas e abertas, bem como na escuta de suas histórias
de vida, registradas em nosso diário de campo. Nosso referencial teórico am-
para-se, portanto, em Frankl, pai da logoterapia. Na sequência, apresentamos o
processo metodológico, a análise e a discussão dos resultados. Por fim, nossas
considerações finais buscam ancoragem nos princípios da produção de sentido,
não somente na juventude, mas em qualquer idade, para dar respostas qualitati-
vas ao que a vida nos pede em cada estágio da existência.

Metodologia

Trata-se de um estudo qualitativo, empírico e de revisão de literatura, com


a aplicação de um questionário com base na escala Likert a 17 estudantes do 3º
ano do Ensino Médio de uma escola do Sul do Brasil, na faixa etária entre 21 a
25 anos. A idade avançada para esses jovens de Ensino Médio justifica-se pelas
constantes reprovações, abandono e retomada da vida escolar e sua interface
com trabalhos informais como meio de sobrevivência de uma população de
escola de periferia. O questionário enfocou a análise dos fatores intervenientes
nas escolhas pessoais e profissionais desses estudantes. Segundo Gil (2008), a
elaboração de um questionário consiste em traduzir os objetivos específicos da
pesquisa em itens. Para tanto, é necessário levar em conta as implicações das
perguntas para que não sejam tendenciosas, e, assim, o questionário, preferen-
cialmente, seja iniciado com questões mais simples e finalizado com as mais
complexas. Contudo, nesta pesquisa, considerando a peculiaridade do grupo,
foram utilizadas também questões abertas para possibilitar a análise de dados
por meio da análise de conteúdo, conforme descreve Bardin (2008).
Deste modo, para validar o questionário, foi realizado o pré-teste ou pro-
va preliminar, como orienta Gil (2008), ou seja, para conferir a validade a esse
instrumento, verificando se as perguntas são pertinentes e adequadas para apli-
cação. Decerto, esse procedimento visa verificar as “[...] ambiguidades das ques-
tões, existência de perguntas supérfluas, adequação ou não da ordem de apre-

DUARTE, J.L.M.; FOSSATTI, P.

106 A produção de sentido em jovens secundaristas à luz da teoria de Viktor Frankl


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 103-122, jan./jun. 2020
sentação das questões, se são muito numerosas ou, ao contrário, necessitam ser
complementadas” (GIL, 2008, p. 210). Dessa forma, o link para o questionário
on-line foi enviado para cinco estudantes com perfil próximo dos participantes
da pesquisa, escolhidos aleatoriamente. Os dados do pré-teste não fizeram par-
te da análise de dados, mas ajudaram a validar o questionário considerando os
ajustes sugeridos.
Mediante termo de autorização para realização da pesquisa, o projeto foi
apresentado para 31 estudantes do 3º ano do Ensino Médio, de ambos os sexos,
com faixa etária entre 21 e 25 anos. Na apresentação foram explicitados os ob-
jetivos, os procedimentos para coleta de dados e as questões éticas, bem como o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Desse total, 17 estudan-
tes aceitaram responder às perguntas para a pesquisa. Utilizamos gráficos com
os resultados do questionário como uma forma de apoio à análise qualitativa, a
qual, em conformidade com Bardin (2008, p. 15), “[...] não rejeita toda e qual-
quer forma de quantificação”.

Referencial teórico: revisitando a logoterapia

Posterior à psicanálise de Freud (2010) e à psicologia individual de Adler


(1968), a logoterapia apresenta-se como a terceira escola de psicologia de Viena
(LANGLE, 1992). Essa linha teórica, criada por Viktor Frankl, nasceu de suas
próprias experiências nos campos de concentração. Tem por base a construção
de sentido da vida em situações reais, com respostas concretas aos desafios de
cada momento. Logo, outra forma de a conhecer é por meio do termo “psico-
terapia existencial”, pois diz respeito à existência humana e centra-se na busca
de sentido da vida, não se tratando da procura de mais um sentido, mas sim da
construção do sentido. Para Ramos e Rocha (2018, p. 13), “[...] o sentido é a força
motriz da existência. O próprio termo logos, que constitui a palavra, é de origem
grega e significa sentido”. Semelhantemente, Pacciolla (2017) afirma que, para a
logoterapia, o logos é entendido como significado – neste caso, o significado da
vida. Portanto, em nossa pesquisa, trabalhamos com a pergunta transversal: o que
move nossos jovens a lutar pelo estudo, pelo trabalho, enfim, pela vida?
Segundo Cardoso e Antoniassi Júnior (2020, p. 15), “A psicoterapia exis-
tencial tem como base a questão da existência humana e as relações que esta-
belece com o mundo”. Na psicoterapia existencial, há três conceitos que são
considerados importantes: o primeiro refere-se às neuroses existenciais, que são
compreendidas como transtornos emocionais resultantes da incapacidade de
perceber o sentido da vida; o segundo diz respeito à relação terapêutica, a qual
é concebida como um encontro, uma nova relação aberta a novos horizontes,
não uma relação apenas transversal que repete o passado; por fim, o terceiro
conceito, chamado Kairós, é o ponto crítico que assimila o momento em que o

DUARTE, J.L.M.; FOSSATTI, P.


A produção de sentido em jovens secundaristas à luz da teoria de Viktor Frankl
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paciente já está mais bem preparado para a terapia (GOMES, 1988). A pessoa
necessita compreender também suas possibilidades de ir além de seus limites
na dimensão noética (GOMES, 1988; CARDOSO; ANTONIASSI JÚNIOR,
2020). Essa dimensão encontra-se correlacionada com os próprios valores dos
indivíduos, nomeados como valores de atitude, agregados com a ética pessoal
e a tomada de posições diante da vida, do sofrimento, da alegria e de tudo que
acontece em sua história.
Segundo Gomes (1988), quando o homem não tem consciência de quem
é (não encontra sentido em sua vida) e também de como se comunica (rela-
ciona-se) com os outros, faz de si uma pessoa sem história e, por conseguinte,
deixa de pertencer. Neste sentido, isso é um processo alheio de si mesmo, não
podendo assumir responsabilidades, uma vez que desconhece ter ações partindo
de si ou não. Gomes (1988) ainda destaca que uma vida com sentido tem alguns
aspectos a serem explorados, os quais mostram que viver com sentido significa,
de maneira simples, realizar a tarefa que surge em um dado momento, sendo
que o sentido não pode ser dado nem prescrito, e sim reconhecido e construído.
Analogamente, cada pessoa terá uma compreensão e percepção quanto ao valor,
fascínio e atratividade de seu próprio sentido. Portanto, ao estudarmos os jovens,
consideramos a premissa de que, por maior que seja a compreensão, a reflexão
e o entendimento dos conceitos da existência, cada um, em sua originalidade e
singularidade, precisa construir respostas para seu existir.
Ainda, segundo Gomes (1988), aquilo que é percebido como sentido do
mundo é algo que necessita ser realizado consigo mesmo, sendo a possibilidade
que cada um encontra nas entrelinhas de sua realidade. O autor descreve que vi-
ver no sentido significa compreender uma totalidade, e é evidente que uma vida
com sentido se localiza em um nível diferente que o da comodidade, do sucesso
ou da prosperidade. O homem que busca seu sentido o encontra sob a forma de
situações, que mudam de acordo com o momento que se vive para outro algo
diferente que pode surgir no decorrer da trajetória. Gomes (1988) salienta que
uma vida com sentido significa flexibilidade na percepção de valores. E, por fa-
lar em valores, a logoterapia opera com a tríade valorativa: valores criativos, que
registram nosso fazer, nossas marcas, nossos projetos, nossa forma de inventar
novos mundos; valores vivenciais, que se mostram na qualidade de nossos re-
lacionamentos pessoais e sociais; e valores atitudinais, ou seja, o modo como
lidamos com a dor, a morte e o sofrimento, inclusive o sofrimento inevitável.
Para Frankl (2008), o foco da pessoa não está na vontade de poder ou na
vontade de saber, e sim na vontade de sentido. Em seu relato de experiência, nos
campos de concentração, descreveu que a vontade de sentido explanava a forma
de pensar da seguinte maneira: a busca é individual e é a motivação primária em
sua vida. Essa vontade de sentido não pode ser vista como “racionalização se-
cundária” de impulsos de instintos. Já o sentido buscado é exclusivo e específico,

DUARTE, J.L.M.; FOSSATTI, P.

108 A produção de sentido em jovens secundaristas à luz da teoria de Viktor Frankl


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uma vez que precisa e pode ser cumprido apenas por aquela determinada pessoa,
por isso somente então esse sentido assume uma importância que irá satisfazer
sua própria vontade de sentido. É sob a ótica dessa vontade que fazemos a re-
flexão deste estudo.
No que diz respeito à responsabilidade, o autor mostra que “[...] viver não
significa outra coisa senão arcar com a responsabilidade de responder adequada-
mente às perguntas da vida, pelo cumprimento das tarefas colocadas pela vida a
cada indivíduo, pelo cumprimento da exigência do momento” (FRANKL, 2008,
p. 102). Sendo assim, as exigências da própria vida nos revelam o seu sentido de
existência e podem sofrer alterações de pessoa para pessoa e de um momento
para o outro. Portanto, o sentido da vida humana pode ser definido em termos
genéricos, ou seja, nunca se poderá responder com validade geral a esse ques-
tionamento. Cada pessoa, em seu mundo e em suas circunstâncias, responderá
de forma única ao que a vida lhe pede. Por isso, é necessário que o indivíduo
assuma essa responsabilidade, entendendo que ninguém mais pode assumir isso
por ele, e que, na maneira como suporta a vida, inclusive o sofrimento, também
está a possibilidade de uma vitória única e singular (FRANKL, 2008). Pacciolla
(2017) acredita que o sofrimento é uma possibilidade de crescimento, dependen-
do do posicionamento pessoal diante dele; portanto, nosso olhar para os jovens
considera a qualidade de suas respostas diante da vida.
Na contramão do sentido, encontramos o vazio existencial, condição mui-
to presente na vida, não somente na juventude, mas em todas as idades. Na falta
de sentido, segundo Frankl (2008), abre-se espaço para um vazio da existência,
em que as pessoas geralmente “têm com o que viver”, contudo já não encontram
mais razão “para que” viver. Nas palavras de Justo (2018, p. 33), “o vazio existen-
cial é um fenômeno muito difundido nos dias atuais” e refere-se à generalização
da falta de sentido. Segundo Frankl (2008), esse vazio se manifesta, principal-
mente, como tédio, levando a pessoa a não saber o que fazer nas horas vagas.
Diante disso, introduz-se, por exemplo, a chamada “neurose dominical”, como
uma espécie de depressão que acontece com as pessoas que se dão conta da falta
de conteúdo de suas vidas, a qual se manifesta, a título de exemplo, com maior
frequência e intensidade próximo aos finais de semana, quando suas tarefas di-
árias são reduzidas. Segundo o autor, não são poucos os casos de suicídio que
podem ser atribuídos a esse vazio existencial. Por outro lado, esses fenômenos
estão representados como depressão, agressão e vícios e não podem ser enten-
didos se não houver um reconhecimento do vazio existencial subjacente a eles.
Aqui, justifica-se a pergunta pela vida de nossos jovens diante de um mundo in-
certo que ameaça seus estudos, seu trabalho, seu futuro, enfim, sua existência em
um projeto que se prolonga para o amanhã. Como ajudá-los a olhar para frente,
além do momento atual que forja a desesperança e a falta de sentido?

DUARTE, J.L.M.; FOSSATTI, P.


A produção de sentido em jovens secundaristas à luz da teoria de Viktor Frankl
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Na logoterapia, Frankl (1995) descreve que o sentido concreto que uma
pessoa consolida, em virtude da sua “vontade de sentido”, é capaz de se originar
de uma situação concreta, ou seja, ela pode perceber, com essa possibilidade no
pano de fundo da própria realidade, a capacidade de mudar essa mesma realida-
de, mudar a si mesma. Pode amadurecer, crescer e superar-se por meio de um
estado de sofrimento, cuja causa não pode ser anulada nem eliminada, de sorte
que a vida mantém seu potencial caráter de sentido (FRANKL, 1995). Portanto,
mesmo em meio à situação adversa que estamos vivendo, é possível produzir
sentido e construir projetos de vida duradouros. Logo, a responsabilidade sem-
pre será da pessoa, característica essencial de sua existência.

Análise e discussão dos dados

Do universo de 31 alunos de uma turma de 3º ano, de ambos os sexos, 17


alunos responderam ao questionário, o que caracteriza 54,83% do total. Destes,
82,4% eram do sexo feminino, e 17,6%, do sexo masculino, como apresenta o
Gráfico 1.

Gráfico 1 – Classificação dos participantes por sexo.

Fonte: elaborado pelos autores a partir de dados da pesquisa (2020).

Com relação à idade, conforme mostra o gráfico do Gráfico 2, a maioria


tinha idade entre 21 e 22 anos.
A questão apresentada na sequência do questionário foi: “Em situações em
que é preciso realizar uma escolha, procuro apoio nos meus familiares?”. Com
relação às respostas, conforme mostra o Gráfico 3, vemos que 5,9%, discordaram
totalmente, 17,6% discordaram parcialmente, 35,3% não concordaram nem dis-
cordaram, 11,8% concordaram parcialmente e 29,4% concordaram totalmente,
quanto à busca de apoio dos familiares ao realizar alguma escolha em suas vidas.

DUARTE, J.L.M.; FOSSATTI, P.

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Gráfico 2 – Classificação dos participantes por idade.

Fonte: elaborado pelos autores a partir de dados da pesquisa (2020).

Gráfico 3 – Em situações em que é preciso realizar uma escolha, procuro


apoio nos meus familiares?

Fonte: elaborado pelos autores a partir de dados da pesquisa (2020).

Nesse sentido, o autor Frankl (1995) explica que o indivíduo não só deve
ser levado à consciência da responsabilidade, mas também deve experimentar
sua responsabilidade específica diante de tarefas específicas, ou seja, é necessário
que haja escolha diante das possibilidades. Experimentando sua responsabilida-
de, a consciência de responsabilidade do indivíduo o levará ao desenvolvimento
mais amplo possível.
Os dados evidenciam que 23,5% dos indivíduos não procuraram orientação
de seus familiares em suas escolhas e 41,2% optaram por procurar orientação.
Dessa forma, evidencia-se uma menor autonomia desse grupo quanto às escolhas.
Os alunos que não se posicionaram faziam parte do grupo que demonstrava pouca
autonomia: 35,5%. De acordo com Pereira (2015), as dinâmicas que determinam
o controle das escolhas dos indivíduos e que permitem a compreensão de seu
empoderamento possibilitam a transformação dos automatismos em autonomia.
Em outras palavras, a partir do momento em que o sujeito se torna capaz de com-
preender seus desejos em relação às suas escolhas e se apodera da responsabilidade
por escolher por si mesmo é que haverá transformações da sua própria história.

DUARTE, J.L.M.; FOSSATTI, P.


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Ainda no que tange às escolhas, quando se busca um caminho para per-
correr, seja em sua escolha profissional ou pessoal, essa ação corresponde ao
protagonismo pessoal, embora suas implicações e/ou consequências também
envolvam os demais sujeitos que partilham de relações interpessoais. Como des-
creve Fossatti (2013, p. 151):

[...] o protagonismo da pessoa nas escolhas e caminhos a serem


seguidos. [...] as escolhas que cada pessoa faz, geralmente podem
trazer implicações, principalmente para a vida daqueles que fazem
parte do círculo de relações de cada um, seja este constituído por
pessoas ou por instituições.

O Gráfico 4 corresponde à questão: “Em situações em que é preciso re-


alizar uma escolha, procuro apoio nos meus amigos?”. Com relação às respos-
tas, verificamos que 29,4% discordaram totalmente da procura de amigos para
realizar alguma escolha em suas vidas, 11,8% discordaram parcialmente, 29,4%
não concordaram nem discordaram, 5,9% concordaram parcialmente e 23,5%
concordaram totalmente.

Gráfico 4 – Em situações em que é preciso realizar uma escolha, procuro apoio


nos meus amigos?

Fonte: elaborado pelos autores a partir de dados da pesquisa (2020).

Segundo Frankl (1995), o indivíduo vai experimentar sua responsabilidade


real em sua existência como liberdade de decisão diante de uma infinidade de
possibilidades de ação. Por meio de seu reconhecimento de responsabilidade,
suas avaliações ocorrem pura e simplesmente com base na própria responsabili-
dade, como ele avalia e que ordem de valores estabelece.
Por intermédio das respostas, observamos que 41,2% dos indivíduos não
procuraram orientação de seus amigos em suas escolhas e 29,4% procuraram
esse tipo de auxílio. Os resultados indicam que os estudantes apresentam maior
autonomia diante de suas escolhas quando se trata de consulta a seus pares. Nes-
te sentido, de acordo com Do Vale (2014, p. 197), “[...] o ser humano é chamado

DUARTE, J.L.M.; FOSSATTI, P.

112 A produção de sentido em jovens secundaristas à luz da teoria de Viktor Frankl


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a fazer escolhas a todos os momentos, a tomar decisões, a agir e se responsabili-
zar por elas”. Podemos inferir que essa parte do universo pesquisado apresenta
autonomia para a tomada de decisões, porém não há dados quanto à responsa-
bilidade das consequências destas.
Corroborando o achado, podemos refletir que a educação está para além
da sala de aula. Como nos diz Fossatti e Jung (2019, p. 663), “[...] educar para a
vida supõe formar um ser humano que seja capaz de construir seu projeto pro-
fissional, num olhar para além de si mesmo [...]”. Portanto, o papel da escola,
assim como da família, é de auxiliar os educandos no desenvolvimento pleno
de suas capacidades, visando à sua autonomia diante de suas escolhas da vida
e construindo sua singularidade para além dos espaços frequentados, ou seja,
nas mais diversas situações experienciadas em sua história.
Diante disso, podemos dizer que as relações intra e interpessoais do sujei-
to para com o meio contribuem para a construção de sua história, visto que, nes-
sas relações, são estabelecidas referências a serem seguidas, podendo ser amigos,
familiares ou professores/educadores. Conforme Fossatti (2013, p. 51):

As relações que o sujeito estabelece com os outros e com o meio


circundante são fundamentais para seu amadurecimento. Sob a óti-
ca humanista e relacional, todas as fases de desenvolvimento são
importantes, pois o desenvolvimento em cada uma delas implicará
construção de estrutura mais sólida para a etapa seguinte.

O Gráfico 5 resulta da seguinte questão: “Eu penso sobre meu futuro?”.


Notamos que 88,2% concordaram totalmente em relação a pensar sobre seu futu-
ro, 5,9% concordaram parcialmente e 5,9% não concordaram nem discordaram.

Gráfico 5 – Eu penso sobre meu futuro?

Fonte: elaborado pelos autores a partir de dados da pesquisa (2020).

Essa questão tem como objetivo averiguar a visão dos participantes sobre
seu futuro. Frankl (1995) nos diz que o ritmo da vida atual está acelerado, e como

DUARTE, J.L.M.; FOSSATTI, P.


A produção de sentido em jovens secundaristas à luz da teoria de Viktor Frankl
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 103-122, jan./jun. 2020 113
uma tentativa, ainda que vã, de autocura da frustração existencial, quanto menos
o homem conhece a meta de sua vida, tanto mais ele acelera o ritmo em sua vida.
Em análise, compreendemos que 94,1% pensavam sobre o próprio futuro
e 5,9% não pensavam, com frequência, sobre ele. Com base nessas informa-
ções, constatamos que o universo pesquisado apresentou interesse em questões
relacionadas ao futuro. Como inferência, podemos dizer que existe um pensar
sobre elaborar metas em suas vidas. Conforme Do Vale (2014), são as vontades
humanas que determinam as ações, sendo responsáveis pela transformação do
mundo e das pessoas. Assim, compreendemos que esses jovens possuem vonta-
de de alcançar esse futuro.
O Gráfico 6 corresponde ao seguinte questionamento: “Sei qual profis-
são seguir?”. Os resultados nos mostram que 17,6% concordaram parcialmente,
23,5% foram imparciais, 17,6% concordaram parcialmente e 41,2% concorda-
ram completamente.

Gráfico 6 – Sei qual profissão seguir?

Fonte: elaborado pelos autores a partir de dados da pesquisa (2020).

Com base em Frankl (1995), se o homem tem vontade de viver, de con-


tinuar vivendo e de sobreviver à situação que o cerca, isso só é possível quando
existe um apelo dirigido pela própria vontade de sentido dele. Ao explorarmos
as respostas dos pesquisados, no que se refere à vontade de viver e sobreviver,
notamos que existe uma correlação das respostas com a vontade de ter um sen-
tido na vida.
Em outras palavras, quando o querer sobreviver representa um dever so-
breviver, compreende-se e vive-se como tal. Ou seja, para uma escolha de profis-
são, como subsídio para a própria sobrevivência, é fundamental que a tenha um
sentido pessoal. Nessa perspectiva, em relação à porcentagem, lê-se: 17,6% não
sabiam qual profissão seguir, 23,5% tinham dúvidas em relação à sua escolha de
profissão e 58,8% sabiam escolher suas futuras profissões. Segundo Camacho e
Boer (2016), o trabalho ou a profissão são vistos como construção de valores

DUARTE, J.L.M.; FOSSATTI, P.

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para a pessoa que escolhe, desde que tenha consciência de seu desejo de escolha,
ou seja, saiba o que é e o que precisa escolher. Portanto, pontuamos que a maior
parte dos respondentes sinalizou ter consciência de qual profissão desejava se-
guir. Por outro lado, significativo número dos respondentes apresentou interesse
profissional, mas ainda não consolidado, e a menor parte ainda não tinha clareza
quanto ao seu futuro profissional.
A questão apresentada na sequência foi: “Eu sempre escolho fazer aquilo
que gostaria?”. Com relação às respostas, o questionamento, apresentado no
Gráfico 7, faz parte do conjunto que busca examinar a percepção dos jovens
quanto à autonomia no que diz respeito às escolhas a partir do olhar da produ-
ção de sentido. No resultado obtido, 11,8% discordaram parcialmente, 23,5%
não concordaram nem discordaram, 17,6% concordaram parcialmente e 47,1%
concordaram plenamente.

Gráfico 7 – Eu sempre escolho fazer aquilo que gostaria?

Fonte: elaborado pelos autores a partir de dados da pesquisa (2020).

Segundo Frankl (1995), para cada caso se busca o sentido, cuja realização
é exigida e também está reservada a cada indivíduo. Portanto, cada situação da
qual é exigida uma escolha é acompanhada de uma busca de sentido. De acordo
com a alternativa escolhida, mostra-se inevitável a responsabilidade de escolha
e sentido pessoal, mesmo porque, muitas vezes, a vida exige fazer coisas de que
não gostamos, mas que são necessárias.
Constatamos que 35,3% dos respondentes nem sempre escolhiam fazer
aquilo que gostariam e 64,7% sempre escolhiam fazer o que gostariam, mos-
trando que possuíam maior autonomia para escolher o que gostavam ou não de
fazer, mesmo diante das adversidades que a vida apresentava. Conforme Silvei-
ra e Mahfoud (2008, p. 573): “Como os momentos são transitórios, precisa-se
vivenciar a atitude mais sensata, sem perder a chance de concretizá-la”. Desta
forma, os indivíduos, a cada escolha, mostram-se cada vez mais protagonistas
de suas próprias histórias, uma vez que revelam por meio de suas escolhas seu
verdadeiro self (eu).

DUARTE, J.L.M.; FOSSATTI, P.


A produção de sentido em jovens secundaristas à luz da teoria de Viktor Frankl
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Na análise de conteúdo da questão aberta “O que eu faria diferente na vida
se soubesse que ninguém me julgaria?”, os estudantes também apresentaram
respostas de autonomia com ênfase nos verbos falar, fazer e acreditar. Na vida
real, afirmam que possuíam atitudes de limitação em relação às incertezas da
vida e, muitas vezes, não conseguiam transcender seus próprios limites. “Todo
humano é limitado. E só é realmente humano à medida que se eleva sobre sua
própria limitação, superando-a e, portanto, ‘transcendendo-se’ [...]” (FRANKL,
1995, p. 94).
O Gráfico 8 diz respeito à pergunta: “O destino das pessoas é predeter-
minado?”. Como decorrência das respostas, 29,4% discordaram completamente,
23,5% discordaram parcialmente, 11,8% não concordaram nem discordaram,
5,9% concordaram parcialmente e 29,4% concordaram completamente.

Gráfico 8 – O destino das pessoas é predeterminado?

Fonte: elaborado pelos autores a partir de dados da pesquisa (2020).

Sobre esse tema, Frankl (1995) descreve que o homem “se” decide, e toda
decisão é autodecisão, e ela, em todos os casos, é autoconfiguração. O homem
dá forma ao seu destino, à pessoa que “é”, configurando o caráter que tem e,
da mesma maneira, caracterizando a personalidade em que se transforma. Por
meio disso, entendemos que o homem determina sua trajetória com base em
suas escolhas e responsabilidades, e esse “destino” não se configura como prede-
terminado, mas sim como resultado de suas decisões. Nas respostas, apuramos
que 52,9% dos jovens acreditavam que podiam realizar suas próprias escolhas
e 35,3% pensavam que os acontecimentos em suas vidas eram como destino
predeterminado. Com esses resultados, entendemos que a maioria dos sujeitos
da pesquisa tende a responsabilizar-se pelas consequências de suas escolhas, não
considerando o destino como algo escolhido para si por uma força maior, sem a
possibilidade de mudança ou alternativa para tal. Contudo, ainda temos um gru-
po significativo que necessita trabalhar sua autonomia e responsabilidade pelos
acontecimentos e escolhas de suas vidas. Segundo Silveira e Mahfoud (2008),

DUARTE, J.L.M.; FOSSATTI, P.

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conforme o homem desempenha seus papéis sociais como agente ativo, passa a
conhecer-se e, desse modo, a formar sua própria visão de mundo, encontrando
para si um sentido de vida.
Em virtude do descrito, quanto à importância da inovação, do foco, da
formação continuada, com vistas à busca de uma trajetória não pautada por um
destino predeterminado, Silva (2019) destaca três elementos como sendo im-
prescindíveis para o desenvolvimento de pessoas na era digital:

1º) Autonomia, a qual apresenta a importância do sujeito como


centro do processo de ensino-aprendizagem, como agente prota-
gonista em seu próprio aprender, o que denota também a relevân-
cia da metodologia ativa de ensino; 2º) Inovação instigada, princi-
palmente, pelas evoluções sociais e tecnológicas, motivo pelo qual
na educação devemos nos manter, também, em constante avanço
no intuito de encontrar melhores métodos, estratégias, artefatos
e possibilidades, ou mesmo formas melhoradas de utilizar o que
temos para promover a aprendizagem e o desenvolvimento pleno
do estudante; 3º) Zelo, entendido como a solicitude, a dedicação,
a atenção, o cuidado, o interesse, o desvelo e a amorosidade essen-
ciais na relação entre docente e discente, assim como em qualquer
outra relação (SILVA, 2019, p. 135).

Outro aspecto importante que merece um olhar quanto às escolhas, prin-


cipalmente as de âmbito profissional, são o desenvolvimento tecnológico e o
surgimento de infinidades de atividades que correspondem a esse cenário da
tecnologia. O que, por um lado, globaliza-nos e permite-nos romper fronteiras
na disseminação e compartilhamento de informações, por outro lado nos exige
inovação e adaptabilidade para nos fazer pertencentes a esse meio. Como obser-
vam Teixeira e Costa (2018, p. 582): “Nos últimos séculos (ou seria, na última
semana?), muitas profissões desapareceram, novas e inimagináveis foram cria-
das, máquinas foram automatizadas, ao passo que tarefas repetitivas já podem
ser realizadas por computadores e até robôs”.
Dito isso, destacamos que, para haver a autorregulação, torna-se impor-
tante a apropriação dos elementos citados, os quais pertencem à base da inova-
ção. Ainda na busca de compreender melhor a autonomia e as escolhas em rela-
ção ao futuro, os dados da questão aberta “Por que traçar meu próprio caminho
na vida é importante pra mim?” evidenciam jovens em busca de seu sentido e
parcialmente conscientes de sua responsabilidade por si mesmos. Essa respon-
sabilidade não pode ser escolhida ou internalizada por outro, mas pelo próprio
indivíduo, que interpreta sua existência em favor do que acredita.
A partir desses resultados, inferimos que os jovens estão conscientes da
necessidade de ser responsáveis por suas escolhas e também reconhecem a
importância do protagonismo existencial, ou seja, entendem que a responsa-

DUARTE, J.L.M.; FOSSATTI, P.


A produção de sentido em jovens secundaristas à luz da teoria de Viktor Frankl
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bilidade não pode ser escolhida ou internalizada por outro. Assim, suas ações
determinam seu protagonismo pela busca por seu sentido de vida. Logo, esse
entendimento vai ao encontro do que diz Frankl (1995, p. 170):

[...] Mas a logoterapia só torna o paciente consciente de sua res-


ponsabilidade com o fito de que, posteriormente, ele mesmo de-
cida em favor de quê: se perante genérico (perante a consciência
ou perante a sociedade), e não mais propriamente perante alguém
(perante Deus), ele interpreta sua própria existência como respon-
sabilidade. Seja como for, não se trata de darmos ao paciente um
sentido da existência, mas única e exclusivamente de pô-lo em con-
dições de encontrar o sentido de sua existência.

Para a questão “Me sinto feliz quando estou sozinho?”, apresentamos


o Gráfico 9 com os seguintes resultados: 29,4% discordaram completamente,
17,6% discordaram parcialmente, 17,6% não concordaram nem discordaram,
17,6% concordaram e 17,6% concordaram completamente.

Gráfico 9 – Me sinto feliz quando estou sozinho?

Fonte: elaborado pelos autores a partir de dados da pesquisa (2020).

Segundo Frankl (1995), o homem se vê por meio do “ser” da pessoa


que sofre e, por causa desse “ser”, torna-se transparente mediante o sofrimento.
Desse modo, o homem descobre perspectivas até o profundo de si em decor-
rência do seu próprio sofrimento. Esse sofrimento se torna necessário em alguns
momentos da vida para que exista uma reflexão aprofundada sobre a própria
existência. Quanto aos resultados, 47% dos jovens não se sentiam felizes quando
estavam sozinhos, 17,6% demonstravam que tal situação era relativa (indiferen-
te) e 35,2% se sentiam felizes quando estavam sozinhos. Diante do exposto, po-
demos inferir que a maior parte dos sujeitos tem atitude de autonomia e reflexão
diante do distanciamento social. Ao mesmo tempo, eles valorizam estar com as
pessoas. Portanto, o equilíbrio entre autonomia e dependência é fator a ser con-
siderado na formação deles. Neste contexto, de acordo com Vega (2016, p. 61):

DUARTE, J.L.M.; FOSSATTI, P.

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Como poderia o homem trilhar o caminho do sentido? A resposta só
pode ser dada pelo indivíduo, e somente ele pode responder por si en-
quanto ser único (unidade antropológica); ele é responsável por fazê-
-lo a todo momento, sob qualquer circunstância. Deve tornar-se ciente
de sua unicidade, pois o sentido não pode ser dado, não vem de fora
ou é emprestado, deve ser encontrado num livre existir perante a vida.

O Gráfico 10 é orientado pela seguinte pergunta: “Minha vida parece ser


vazia?”. Na análise das respostas 58,8% discordaram completamente, 5,9% dis-
cordaram parcialmente, 5,9% não concordaram nem discordaram, 5,9% concor-
daram parcialmente e 11,8% concordaram completamente.

Gráfico 10 – Minha vida parece ser vazia?

Fonte: elaborado pelo autores a partir de dados da pesquisa (2020).

A questão objetivou investigar a representação dos sujeitos sobre o sen-


tido da vida à luz da teoria de Frankl. Segundo o autor (1995), é na responsabi-
lidade da existência que ocorre a resposta do homem, na própria existência que
o homem “implementa” a resposta aos questionamentos que a existência lhe
levanta. Os dados afirmam que 64,7% dos indivíduos discordaram da ideia de
suas vidas parecerem vazias. Contudo, atentamos para os 29,4% que confirma-
vam que suas vidas pareciam ser vazias.
De acordo com Aquino et al. (2011, p. 158), “[...] os jovens podem apre-
sentar sentimentos de desesperança por falta de perspectivas para o futuro [...]”.
Por outro lado, “[...] A discussão sobre o sentido na vida, bem como a consci-
ência de uma perspectiva de futuro, pode constituir fator de prevenção do vazio
existencial, ajudando esses jovens a descobrir novos significados”.

Considerações finais

A produção de sentido na vida de jovens secundaristas do Ensino Médio


foi objeto de nosso estudo. Nele buscamos analisar os fatores intervenientes,

DUARTE, J.L.M.; FOSSATTI, P.


A produção de sentido em jovens secundaristas à luz da teoria de Viktor Frankl
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 103-122, jan./jun. 2020 119
relativos à produção de sentido, nas escolhas pessoais e profissionais dos es-
tudantes. A base teórica da logoterapia, que considera o produção de sentido
com autonomia, liberdade e responsabilidade, ancorou nossa discussão com os
dados da pesquisa. A metodologia qualitativa, com base em dados quantitativos,
garante elementos reflexivos para a formação com sentido no tempo presente.
Os resultados apresentam que jovens necessitam de referenciais, princi-
palmente entre seus familiares, para a tomada de decisão pessoal e profissional.
O exercício da autonomia e da responsabilidade diante dos desafios da vida
profissional é vivido pela maioria. Por outro lado, a vigilância deve ser constante
para aquela parcela que ainda tem dificuldades para fazer suas escolhas, mesmo
na adversidade. A vontade de sentido se mostra, sobretudo, no exercício da au-
tonomia e da responsabilidade cotidiana.
Confirmamos a hipótese de que, para além das adversidades ou influências
externas contrárias aos nossos propósitos, qualquer pessoa sempre permanece li-
vre para decidir e fazer suas escolhas. O estudo pode ganhar continuidade amplian-
do-se para outros grupos de jovens e populações, mesmo em caráter comparativo
ou longitudinal, considerando a premissa de que todo ser humano busca um “para
que” viver e, para tal, necessita construir seu caminho para atingir seu propósito.
As reflexões aqui construídas levam-nos a inferir quanto à importância de
educarmos para a produção de sentido, não somente no período escolar formal,
mas enquanto processo ao longo de toda a vida. Em cada faixa etária, pode-se
buscar novos significados, novas razões para viver, novas formas de existir, a
exemplo da construção do “novo normal”, pós-pandemia Covid-19. Concluí-
mos pelo desenvolvimento e consolidação do valor da produção de sentido, da
autonomia e responsabilidade, tanto na vida pessoal e profissional, não somente
na juventude, mas durante toda a vida.

Submissão: 03/02/2020
Revisão: 27/02/2020
Aprovação: 15/03/2020

Notas
1 Graduado em Psicologia pela Universidade La Salle. Pós-graduado em Orientação Escolar pela
Faculdade Venda Nova do Imigrante (FAVENI). E-mail: [email protected]
2 Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS)
(2009). Pós-doutor em Ciências da Educação e pesquisador associado da Universidade do Algar-
ve (2011). Graduado em Filosofia (1993) e em Psicologia (1997) pela Universidade do Vale do
Rio dos Sinos. Especialista em Administração Escolar pela Unilasalle Canoas/RS (1999). Mestre
em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
(2002). Consultor ad hoc do CNPq. Coordenador do projeto de pesquisa “Gestão das universida-
des brasileiras para a inovação: cenários, oportunidades e estratégias”.
3 Dimensão espiritual do homem, palavra derivada do grego nous (espírito).

DUARTE, J.L.M.; FOSSATTI, P.

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DUARTE, J.L.M.; FOSSATTI, P.

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Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 103-122, jan./jun. 2020
ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

Educação Profissional e Tecnológica, uma janela de


oportunidades
Ana Elizabeth M. de Albuquerque1
Gustavo H. Moraes2

Resumo: O texto analisa o panorama da EPT de nível médio no país, sua expansão
recente, sua potencialidade diante das alterações demográficas em curso e em termos
de aprendizagem significativa. Trazendo resultados de pesquisas produzidas no INEP,
procura-se apresentar a ideia de que a educação profissional deve aproveitar a janela de
oportunidades aberta com as recentes alterações no Ensino Médio brasileiro.
Palavras-chave: Educação Profissional e Tecnológica.

Professional and Technological Education, a window of opportunities

Abstract: The text analyzes the panorama of medium level professional education in
the country, its recent expansion, its potential in the face of ongoing demographic
changes and in terms of significant learning. Bringing results of research produced at
INEP, it seeks to present the idea that professional education should take advantage of
the window of opportunities opened with the recent changes in Brazilian high school.
Keywords: Technical and vocational education at secondary level.

Educación Profesional y Tecnológica, una ventana de oportunidades

Resumen: El texto analiza el panorama de la educación profesional de la escuela secun-


daria en el país, su reciente expansión, su potencial frente a los cambios demográficos
en curso y en términos de aprendizaje significativo. Con los resultados de la investiga-
ción producida en el INEP, buscamos presentar la idea de que la educación profesional
debería aprovechar la ventana de oportunidades abierta con los cambios recientes en la
escuela secundaria brasileña.
Palabras clave: Educación técnica secundaria.

Introdução

A Educação Profissional e Tecnológica (EPT) é tema essencial para todo


país que pretenda desenvolver suas forças produtivas, sua tecnologia, sua ciência

ALBUQUERQUE, A.E.M.; MORAES, G.H.


Educação Profissional e Tecnológica, uma janela de oportunidades
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 123-141, jan./jun. 2020 123
e, principalmente, suas condições sociais, posto que não se deve viver a ilusão de
que um país pode ser suficientemente desenvolvido, ignorando a formação de
seus trabalhadores.
No Brasil, essa importância tão evidente contrasta com o pouco interesse
dedicado à educação profissional. Vive-se, por aqui, um paroxismo social muito
interessante, no qual um cidadão comum, de classe média, certamente irá defen-
der a importância dos cursos técnicos e a necessidade de seu fomento pelo go-
verno, ao mesmo tempo que oculta uma segunda fala, geralmente inconsciente,
que irá afirmar: “Cursos técnicos são muito importantes, com certeza! Mas para
o filho do outro, não para o meu”. Nessa lógica, a educação profissional parece
sempre reservada para os filhos daqueles a quem não está garantido o título de
“advogado, médico ou engenheiro” – os três grandes exemplares do bacharelis-
mo brasileiro; reservada, como afirma o famoso Decreto do Dr. Nilo Peçanha,
“[...] para os filhos dos desfavorecidos da fortuna” (BRASIL, 1909, p. 1).
Em que pesem as dificuldades, econômicas e culturais, para o seu fomen-
to, o campo da EPT vem desafiando seus limites históricos e experimentou um
importante crescimento no período recente. O cenário de expansão corresponde
à existência de uma expressiva demanda social por EPT que pode ser explicada,
em parte, pela recente inclusão de parcela significativa da sociedade na economia
de consumo e pela dinâmica populacional da sociedade brasileira no contexto de
transição demográfica3. Assim, especificamente para a população jovem, a EPT
foi considerada como possibilidade viável para a transição do sistema educacio-
nal para o mundo do trabalho em condições mais favoráveis.
Quando se fala de EPT, é sempre importante alertar que não se está falando
exclusivamente de cursos técnicos – ainda que estes sejam a oferta de maior visi-
bilidade. Ao contrário, a educação profissional brasileira, como determina a nossa
Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996: “[...] integra-se aos diferentes níveis e
modalidades da educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnolo-
gia” (BRASIL, 1996, s/p, grifos nossos). Fala-se, portanto, de um espectro educa-
cional bastante amplo que se estende desde uma simples qualificação profissional,
passando pelos cursos técnicos de nível médio, até atingir o Ensino Superior, seja
em cursos de graduação ou pós-graduação profissional e tecnológica.
Procurando demonstrar o alcance estrutural da EPT brasileira, Moraes e
Albuquerque apresentam um diagrama estrutural da educação brasileira, confor-
me a Figura.
O diagrama estrutural da educação brasileira reúne os únicos níveis es-
colares definidos pela LDB (básico e superior), com suas respectivas etapas de
ensino, além de contemplar os cursos de qualificação profissional (formação
inicial e continuada – FIC), que não possuem nível escolar. Os blocos coloridos
inteiramente em verde representam as ofertas que integram, na sua totalidade,
a EPT. Já os blocos que contam com uma pequena tarja verde representam os

ALBUQUERQUE, A.E.M.; MORAES, G.H.

124 Educação Profissional e Tecnológica, uma janela de oportunidades


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 123-141, jan./jun. 2020
tipos de curso que podem ser contabilizados com a EPT, quando suas ofertas
ocorrerem no âmbito da Rede Federal. Dessa forma, cumpre-se o objetivo de
integrar ao escopo da EPT tanto as ofertas que são tipicamente profissionais
quanto aquelas que se associam em razão do local de oferta. De maneira comple-
mentar, as linhas tracejadas indicam possibilidades de formação não obrigatórias
no itinerário formativo dos estudantes. Assim, os cursos técnicos subsequentes
são possibilidades formativas para os concluintes do Ensino Médio, assim como
as especializações técnicas são possibilidades formativas para os egressos dos
cursos técnicos. Ambas, contudo, não possuem terminalidade, não sendo neces-
sárias para o acesso ao Ensino Superior (MORAES; ALBUQUERQUE, 2019).

Figura – Diagrama estrutural da educação brasileira, com destaque para a EPT


em verde.

Fonte: Moraes e Albuquerque (2019, p. 20).

Reconhecendo a amplitude da EPT, que expande suas potencialidades


educacionais e de ação econômica, neste artigo serão apresentados um breve pa-

ALBUQUERQUE, A.E.M.; MORAES, G.H.


Educação Profissional e Tecnológica, uma janela de oportunidades
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 123-141, jan./jun. 2020 125
norama da EPT de nível médio no país e sua potencialidade em termos de uma
aprendizagem significativa, especialmente no contexto das recentes alterações
no Ensino Médio brasileiro, decorrentes da Lei nº 13.415/2017, que alterou a
LDB, instituindo o “Novo Ensino Médio”.

É preciso falar de educação profissional técnica de nível médio

Entre todos os tipos de curso4 da EPT, nenhum tem tanta visibilidade nes-
se campo quanto a educação profissional técnica de nível médio, nos termos dos
art. 36-B e art. 36-C da LDB de 1996, mais comumente conhecida como “cursos
técnicos”, de orientação tipicamente vocacional e voltada para o mundo do tra-
balho. É ofertada na forma subsequente, para quem já concluiu o Ensino Médio,
e na forma articulada, para os que ainda frequentam esse nível de ensino. Para a
oferta articulada, há duas alternativas: a primeira é a integrada, na mesma insti-
tuição de ensino, com matrícula única para cada aluno; a outra é a concomitante,
com matrículas distintas para cada curso, na mesma ou em outra instituição de
ensino, mediante projeto pedagógico unificado. Essas ofertas poderão realizar-se
na idade própria, no Ensino Médio regular, ou na modalidade de Educação de
Jovens e Adultos (EJA) (BRASIL, 2012a, 2012b).
Um levantamento com as informações coletadas nos censos da Educa-
ção Básica do INEP revela que a EPT de nível médio apresentou crescimento
expressivo nos últimos anos, saltando de 1.007.237 matrículas em 2007 para
1.886.167 em 2014, um crescimento de 87,26% em apenas 7 anos. Após sensível
redução em 2015 e 2016, as matrículas voltaram a crescer, retomando o cenário
de desenvolvimento acentuado (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Matrículas na EPT de nível médio (2007-2018).

Fonte: elaborado pelos autores com base nas informações dos censos escolares da Educação
Básica (2007-2018).

ALBUQUERQUE, A.E.M.; MORAES, G.H.

126 Educação Profissional e Tecnológica, uma janela de oportunidades


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 123-141, jan./jun. 2020
Esse crescimento das matrículas pode ser explicado como resposta a um
conjunto de programas e políticas públicas voltados à expansão da EPT5, nas
quais se destacaram as ações que compuseram o Programa Nacional de Acesso
ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC), Lei nº 12.513/11. Entre as ações
do PRONATEC, nenhuma tem perspectiva mais duradoura do que a expan-
são da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Rede
Federal), iniciada anteriormente, em 2005, como apontam Castioni, Moraes e
Passades (2019, p. 123):

Dentre o conjunto de ações contidas no Pronatec (Lei nº


12.513/2011), nenhuma terá maior impacto e perspectiva mais
duradoura do que a Expansão da Rede Federal de Educação Pro-
fissional e Tecnológica, com especial destaque para a criação dos
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Enquanto
ações de grande evidência, como a instituição da Bolsa-Formação/
Pronatec, perderam fôlego após o fim do governo do Partido dos
Trabalhadores, os Institutos Federais fugiram à perspectiva efême-
ra dos Programas de Governo, consolidando suas institucionalida-
des no Estado brasileiro e assumindo posição central no desenvol-
vimento da EPT nacional.

A importância dedicada à expansão da Rede Federal pode ser verificada


pelo número de suas unidades: se até o seu 93º aniversário (1909-2002) contava
com 140 unidades de ensino, essa Rede cresceu 360% em apenas 14 anos, che-
gando a 644 unidades no final de 2016 (Gráfico 2).

Gráfico 2 – Expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e


Tecnológica (em unidades).

Fonte: Brasil (2016).

ALBUQUERQUE, A.E.M.; MORAES, G.H.


Educação Profissional e Tecnológica, uma janela de oportunidades
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 123-141, jan./jun. 2020 127
A despeito da importância estratégica da educação profissional técnica de
nível médio para o país e do recente incremento de sua oferta, a participação
desse tipo de oferta no cômputo geral do Ensino Médio no Brasil muito se
distancia do que é praticado nos países-membros da Organização para a Co-
operação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Ao priorizar o Ensino
Médio “regular”, que não resulta em profissionalização, o Brasil posiciona-se
contrariamente à tendência internacional, localizando-se entre os últimos lugares
do mundo na oferta de educação profissional: enquanto nos países-membros
da OCDE, em média, 43% dos estudantes entre 15 e 19 anos matriculam-se
em cursos técnicos, no Brasil esse índice é de apenas 8%; no que se refere aos
estudantes com mais de 25 anos, nos países da OCDE, 71% estão matriculados
em cursos profissionais; no Brasil, esse número chega a apenas 14% (Gráfico 3).

Gráfico 3 – Percentual de estudantes matriculados em cursos técnicos nos paí-


ses da OCDE, por faixa de idade (2017).

Fonte: Moraes e Albuquerque (2019).

A políticas de fomento à oferta de EPT devem possuir relação direta com


as mudanças qualitativas6 da estrutura etária da sociedade brasileira em processo
de transição demográfica. Os possíveis benefícios do bônus demográfico, fe-
nômeno decorrente dessa transição, no qual pode haver um desenvolvimento
maior do país nesse período, contudo, ficam condicionados à capacidade do país
de se antecipar e de conduzir políticas públicas específicas para o aproveitamento
dessa oportunidade. Isso porque o bônus demográfico não é automaticamente
determinado apenas pelas condições demográficas. Nada está garantido na mu-
dança demográfica de um país. Os possíveis benefícios colhidos supõem certas
condições de cobertura e qualidade educacional, além de políticas adequadas de
emprego, que consigam incorporar satisfatoriamente a população no mercado
de trabalho e criar o excedente econômico, de fato. Nesse sentido, pode-se afir-

ALBUQUERQUE, A.E.M.; MORAES, G.H.

128 Educação Profissional e Tecnológica, uma janela de oportunidades


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 123-141, jan./jun. 2020
mar que o fenômeno favorece, mas não garante, as mudanças sociais desejadas.
Por isso, ele é considerado, e comumente denominado, como uma “janela de
oportunidades” (BORGES; CAMPOS; SILVA, 2015).

E o Ensino Médio “regular”, como vai?

Preliminarmente, antes de qualquer análise relativa ao desempenho do


Ensino Médio nacional, é preciso reconhecer que acessar e concluir a etapa final
da Educação Básica ainda constitui um desafio a ser vencido no campo edu-
cacional brasileiro. A análise do acesso à Educação Básica e da permanência
dos estudantes brasileiros nela, realizada por Simões (2019), em estudo recente,
demonstra que a maioria dos estudantes de 19 anos entra na escola na idade
certa, mas, ao longo de seu processo de escolarização, muitos ficam retidos ou
desistem, de forma que apenas 64,2% alcançam, com aprovação, o último ano
do Ensino Médio. Ao comparar-se a situação por quintis de renda, percebe-se
que, entre os mais ricos, essa taxa atinge 85,8%, enquanto, entre os mais pobres,
ela não ultrapassa 51% (Gráfico 4). O fato é que muitos jovens brasileiros não
conseguem nem mesmo acessar o Ensino Médio.

Gráfico 4 – Percentual da população de 19 anos que não frequentou, mas


alcançou (com aprovação) os anos escolares da Educação Básica geral, 1º e 5º
quintis de renda domiciliar per capita, Brasil, 2017.

Fonte: Simões (2019).

Expandindo-se a análise para a população com a idade igual ou superior


a 19 anos, na qual se espera que todos já tenham concluído o Ensino Médio, em
qualquer uma de suas ofertas, encontra-se uma realidade ainda mais desafiadora:

ALBUQUERQUE, A.E.M.; MORAES, G.H.


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em 2018, praticamente a metade dessa população brasileira não contava com
essa escolaridade (Gráfico 5), o que demonstra a importância de seu fomento e
a potencialidade de seu crescimento.

Gráfico 5 – Percentual da população brasileira de 19 anos ou mais de idade,


segundo a conclusão do Ensino Médio, Brasil (2012-2018).

Fonte: Santos, Moraes e Albuquerque (2019).

No que se refere à proficiência escolar dos estudantes do Ensino Médio,


captada pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), os resultados
também não são animadores: a análise do Índice de Desenvolvimento da Edu-
cação Básica (IDEB)7 do Ensino Médio revela que o desempenho educacional
dos estudantes se encontra muito aquém das metas estabelecidas pelo Plano
Nacional de Educação (PNE), Lei nº 13.005/2014. De modo ainda mais pre-
ocupante, constata-se a estagnação do desenvolvimento do Ensino Médio nos
últimos anos (Gráfico 6).

Gráfico 6 – IDEB do Ensino Médio e suas metas no PNE.

Fonte: elaborado pelos autores a partir do IDEB/INEP.

ALBUQUERQUE, A.E.M.; MORAES, G.H.

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O Ensino Médio integrado aos cursos técnicos: aproveitando a “ja-
nela de oportunidades”

No contexto da recente reforma do Ensino Médio, o discurso educacional


apontou a necessidade da diversificação dos itinerários formativos para os estu-
dantes, argumentando-se, muitas vezes, que o Brasil era um dos únicos países do
mundo que só ofertava um Ensino Médio padrão, monolítico. Esse discurso, no
entanto, era equivocado, uma vez que o Ensino Médio já contava, bem antes de
seu último ciclo de reformas, em 2017, com uma diversidade de tipos de oferta,
na qual se incluiu a oferta de cursos técnicos integrados ao Ensino Médio, dis-
tribuídos em 13 eixos tecnológicos8, e a formação de professores na oferta de
normal/magistério.
As ofertas de Ensino Médio se materializam em uma heterogeneidade de
instituições ofertantes, pertencentes a diferentes dependências administrativas e
redes de ensino, com distintas formas de organização do trabalho pedagógico
e de organização curricular. Consequência imediata dessas condições é o fato
de que os distintos itinerários formativos podem apresentar diferentes resul-
tados. Com isso em perspectiva, é possível questionar: quais são as diferenças,
em termos de resultados, da oferta de cursos técnicos integrados em relação ao
tradicional Ensino Médio?
A primeira diferença, mais imediata, é o fato de que os egressos dos cursos
técnicos se profissionalizaram durante as suas formações, contando com um
“bônus educacional” que se traduz em vantagens de inserção e rendimento no
mundo do trabalho: resultados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios
(PNAD) (IBGE, 2017) apontam que os egressos de cursos técnicos têm salários,
em média, 20% maiores do que os egressos da formação tradicional (Gráfico 7).

Gráfico 7 – Renda per capita dos egressos, por tipo de Ensino Médio e por
região, Brasil, 2017.

Fonte: Moraes e Albuquerque (2019).

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A perspectiva laboral certamente consiste em uma dimensão intrínseca à
educação profissional, não só no que se refere a seus resultados, nos termos da
adequada inserção no mundo do trabalho, da empregabilidade ou mesmo do
acesso a determinados patamares salariais por parte dos egressos, mas também
em função da oferta, quanto à definição de cursos que estejam em sintonia
com as dinâmicas das inovações tecnológicas, do desenvolvimento sustentável,
dos arranjos produtivos e das políticas de EPT. A despeito da relevância social
e de sua dimensão estratégica, a produção de estatísticas nacionais sobre a
EPT não está adequada à complexa estrutura da modalidade. Há consideráveis
lacunas que suprimem das contagens oficiais uma parcela expressiva dos estu-
dantes. Diferentes iniciativas de contagem, realizadas pelos entes federados e
pelas diversas redes ofertantes, mas com metodologias distintas, produzem um
conjunto fragmentado de informações em que a soma das partes não causa a
visibilidade do todo. É essa lacuna estatística o principal obstáculo à oportu-
nidade de institucionalização de um sistema nacional de avaliação da educação
profissional com capacidade de fornecer informações abrangentes e confiáveis
que demonstrem a especificidade, a complexidade e o alcance da oferta da
EPT nacional.
Se as condições laborais pós-escolares são evidentemente superiores para
os egressos da EPT, é possível ainda diferenciar as condições propriamente es-
colares dos estudantes, comparando suas taxas de fluxo e rendimento.
Uma dessas comparações que podem ser feitas entre os tipos de Ensino
Médio diz respeito às suas taxas de evasão, variável historicamente crítica que se
opõe à conclusão da Educação Básica. No estudo “Diferenças de rendimento
e fluxo entre os tipos de oferta do Ensino Médio: uma análise exploratória”,
foram comparadas as taxas de evasão entre o Ensino Médio propedêutico, o
curso técnico integrado e o normal/magistério. Os resultados apontaram que,
em 2017, o percentual médio de evasão era de 4% nos cursos técnicos integra-
dos, de 9% no propedêutico e de 12,5% no magistério (Gráfico 8). Assim, de
modo geral, a evasão no curso técnico integrado é 2,5 vezes (350%) menor que
no propedêutico.
A comparação de maior significado, contudo, é aquela que indaga a res-
peito da aprendizagem dos estudantes. Será verdade o discurso do senso comum
escolar que aponta os prejuízos da aprendizagem técnica em relação à aprendiza-
gem da formação geral? Foi feita investigação por meio dos resultados do maior
exame educacional nacional, especialmente desenhado para avaliar a proficiência
escolar na formação geral: o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Na
Tabela, consta a distribuição de proficiências no ENEM 2014, agregada segundo
a dependência administrativa e o tipo de oferta do Ensino Médio, se propedêu-
tico ou técnico.

ALBUQUERQUE, A.E.M.; MORAES, G.H.

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Gráfico 8 – Taxa de evasão no Ensino Médio por tipo de oferta, Brasil, 2013-
2017.

Fonte: Santos, Moraes e Albuquerque (2019).

Tabela – Proficiência dos estudantes no ENEM 2014, segundo dependência


administrativa e tipo de ensino.

Nota: a tabela se apresenta em escala de cores: quanto mais vermelho, menor a nota; quanto mais
verde, maior a nota.
Fonte: elaborada pelos autores a partir dos resultados do ENEM 2014.

Considerando que o ENEM é um exame voltado à avaliação dos conhe-


cimentos da “formação geral”, era esperado que a proficiência dos estudantes
do propedêutico fossem consideravelmente superiores aos dos estudantes dos

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cursos técnicos. Os resultados, contudo, surpreendem: os estudantes dos cur-
sos técnicos da Rede Federal obtiveram resultados semelhantes aos estudantes
do ensino propedêutico privado, ainda que seus níveis socioeconômicos sejam
muito inferiores9. Nos sistemas municipais e estaduais de ensino, responsáveis
majoritários pela oferta educacional, os resultados dos estudantes dos cursos
técnicos foram superiores aos dos estudantes dos cursos propedêuticos. O ren-
dimento diferenciado dos egressos da educação profissional permite questionar
a frágil tese, frequentemente defendida nos meios educacionais, de que os cur-
sos técnicos promovem uma formação desprovida de reflexividade, considerada
“tecnicista”.
É possível que se argumente que esse desempenho é resultado de variáveis
extrínsecas à escola, respondendo às condições socioeconômicas e desempe-
nho prévio dos estudantes – uma vez que estes podem ter sido aprovados em
exames de seleção. Considerando essa perspectiva, no estudo “Comparando de-
sempenhos de diferentes tipos de escola de Ensino Médio: uma medida de valor
aproximado”, foi proposto o acompanhamento de uma coorte de alunos desde
o final do Ensino Fundamental até o final do Ensino Médio, isolando variáveis
extrínsecas e avaliando o efeito de cada tipo de escolarização.
Para tanto, foi construída uma base longitudinal que acompanha a traje-
tória dos estudantes desde a Prova Brasil (2011) até o ENEM (2014). O estudo
apresentou uma estimativa de valor agregado ao longo do Ensino Médio10, na
qual a educação profissional técnica de nível médio foi destaque positivo:

Entre os grupos de melhor rendimento no Enem, verificou-se que


as escolas técnicas federais agregam maior proficiência aos seus estu-
dantes do que as escolas privadas propedêuticas. Já entre os grupos
de menor rendimento no exame, representados pelas escolas estadu-
ais e municipais, demonstrou-se que os estudantes de ensino técnico
experimentam uma melhor evolução de aprendizagem no EM, em
termos de formação geral, do que seus colegas do ensino propedêu-
tico, contrariando a interpretação de que a formação técnica, por seu
caráter profissional, alija os estudantes de uma apropriada formação
intelectual (SILVA FILHO; MORAES, 2017, p. 28).

Os resultados positivos, muitas vezes contraintuitivos, da educação pro-


fissional carecem de explicação. Uma hipótese a ser conferida que explique o
desempenho destacado dos cursos técnicos em estudos comparativos nacionais
ou internacionais pode ser formulada com base nos referenciais metodológicos
da educação profissional técnica de nível médio. A EPT exige conhecimentos e
habilidades específicas, da dimensão do saber fazer, e cenários de prática como
dimensão imprescindível. O curso técnico, por sua organização curricular pe-
culiar e por sua natureza profissional, exige metodologias que abarquem outras
dimensões, que não se limitam aos conhecimentos propedêuticos.

ALBUQUERQUE, A.E.M.; MORAES, G.H.

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Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 123-141, jan./jun. 2020
A análise das formas pelas quais o trabalho pedagógico se organiza na edu-
cação profissional pode fornecer caminhos explicativos da maior proficiência
alcançada pelos estudantes do curso técnico integrado comparada à do Ensino
Médio propedêutico, demonstrada no estudo (SILVA FILHO; MORAES, 2017).
Preliminarmente, é possível acordar que a organização do trabalho peda-
gógico nos cursos técnicos está implantada em situações. Significa que os obje-
tos de conhecimento, os conteúdos disciplinares, são situados e contextualizados
e requerem, necessariamente, cenários de prática para o seu desenvolvimento
em situações escolares. Essa dimensão do saber fazer, contextualizada e situada
das situações escolares, enriquece e potencializa os processos de construção dos
conhecimentos por parte dos estudantes.
Outro objeto de consenso na organização do trabalho pedagógico da
educação técnica de nível médio consiste na integração curricular. Considerada
como princípio da EPT de nível médio, a integração está pautada na Resolução
nº 6/2012 (art. 6º), nas seguintes formulações:

I - relação e articulação entre a formação desenvolvida no Ensino


Médio e a preparação para o exercício das profissões técnicas, vi-
sando à formação integral do estudante; [...]
III - trabalho assumido como princípio educativo, tendo sua inte-
gração com a ciência, a tecnologia e a cultura como base da pro-
posta político-pedagógica e do desenvolvimento curricular;
IV - articulação da Educação Básica com a Educação Profissional
e Tecnológica, na perspectiva da integração entre saberes específi-
cos para a produção do conhecimento e a intervenção social, assu-
mindo a pesquisa como princípio pedagógico;
V - indissociabilidade entre educação e prática social, considerando-se
a historicidade dos conhecimentos e dos sujeitos da aprendizagem;
VI - indissociabilidade entre teoria e prática no processo de ensi-
no-aprendizagem;
VII - interdisciplinaridade assegurada no currículo e na prática pe-
dagógica, visando à superação da fragmentação de conhecimentos
e de segmentação da organização curricular; [...]
IX - articulação com o desenvolvimento socioeconômico-ambien-
tal dos territórios onde os cursos ocorrem, devendo observar os
arranjos socioprodutivos e suas demandas locais, tanto no meio
urbano quanto no campo; [...] (BRASIL, 2012b, p. 2-3).

A priorização pela integração entre Educação Básica e EPT também está


respaldada no Parecer nº 11/2012:

A escolha por um determinado fazer deve ser intencionalmente


orientada pelo conhecimento científico e tecnológico. Este, por
sua vez, não deve ser ensinado de forma desconectada da realidade
do mundo do trabalho. Este ensino integrado é a melhor ferra-

ALBUQUERQUE, A.E.M.; MORAES, G.H.


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menta que a instituição educacional ofertante de cursos técnicos
de nível médio pode colocar à disposição dos trabalhadores para
enfrentar os desafios cada vez mais complexos do dia a dia de sua
vida profissional e social [...]. (BRASIL, 2012a, p. 11).

Essas pré-condições, indispensáveis à EPT, organizam situações de apren-


dizagens nas quais os objetos de conhecimento estão sempre associados e, por-
tanto, aprendidos com conteúdos de outra natureza, produzindo uma forma “re-
lacionável (ou incorporável) à estrutura cognitiva do aprendiz, de maneira não
arbitrária e não literal” (MOREIRA, 2011, p. 164). Essa forma de organizar as
situações de aprendizagem, propondo atividades de ensino que permitam a má-
xima inter-relação entre diferentes objetos de conhecimento, buscando integrar
ao máximo os conteúdos, acaba por incrementar a sua significância, atribuindo
mais significado à aprendizagem.
Nesses termos, como as atividades de “ensino tem que ajudar a estabele-
cer tantos vínculos essenciais e não-arbitrários entre os novos conteúdos e os
conhecimentos prévios quanto permita a situação” (ZABALA, 1998, p. 38), as
condições específicas da educação profissional são as potencialmente ideais para
que a aprendizagem significativa se realize.

Desafios nem tão novos para o Novo Ensino Médio

A Lei nº 13.415/2017 alterou a LDB e estabeleceu mudanças na estrutura


do Ensino Médio. Determinou a ampliação do tempo do estudante na escola e
definiu uma nova organização curricular, mais flexível, que contemple a BNCC e
a oferta de diferentes itinerários formativos com foco nas áreas de conhecimen-
to e na formação técnica e profissional.
O Novo Ensino Médio pretende atender às necessidades e expectativas
dos jovens, fortalecendo o protagonismo juvenil ao possibilitar aos estudantes
escolher o itinerário formativo no qual desejam aprofundar seus conhecimentos,
podendo, ainda, optar pela formação técnica e profissional. A reforma inclui
ainda espaço curricular para o desenvolvimento de projetos de vida dos estu-
dantes, que será o momento desencadeador para refletir sobre o que se deseja e
conhecer as possibilidades no âmbito de um currículo flexível.
Diante do cenário atual do Ensino Médio nacional, atravessado por baixos
desempenhos, abandono e evasão, a expectativa é contribuir para um maior inte-
resse dos jovens em acessar a escola e, consequentemente, para sua permanência
e melhoria dos resultados da aprendizagem. Desafios nada novos para a educa-
ção brasileira, mas uma oportunidade para a formação integral do estudante, de
modo que haja, como condição articuladora do processo de ensino e aprendi-
zagem, integração entre a educação e as dimensões do trabalho, da ciência, da
tecnologia e da cultura.

ALBUQUERQUE, A.E.M.; MORAES, G.H.

136 Educação Profissional e Tecnológica, uma janela de oportunidades


Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 123-141, jan./jun. 2020
Por isso, é fundamental que o currículo seja estruturado de forma a su-
perar a dualidade entre a formação geral e a formação técnico-profissional. As-
sim, as redes de ensino podem propiciar a transversalidade do conhecimento
e a interlocução entre os diferentes campos do saber. Cada unidade de ensino,
ao elaborar seu projeto político-pedagógico, considera, entre outros aspectos,
a integração à formação técnica e profissional, possibilitando a construção de
itinerários formativos flexíveis, segundo os interesses dos estudantes a partir de
seus projetos de vida.
Foi aberta, portanto, uma janela de oportunidades à Educação Básica com
o fortalecimento da articulação com a formação técnica e profissional. É espe-
rado que, com base nas evidências, a sociedade brasileira supere os estigmas que
opõem a oferta de educação profissional à formação geral e cultive um fazer
educacional em que o trabalho atue, realmente, como um princípio educativo.

Submissão: 29/01/2020
Revisão: 19/02/2020
Aprovação: 25/03/2020

Notas

1 Doutora em Educação pela Universidade de Brasília (UnB) na área de Políticas Públicas e


Gestão da Educação (2011). Mestre em Gestão da Educação (2000). Graduada em Ciências
Sociais (1993) e em História pela UnB (1986). Pesquisadora do Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Atua, principalmente, nos seguintes campos:
Políticas públicas e Gestão da educação; Educação Profissional e Tecnológica (EPT). E-mail:
[email protected]
2 Doutor em Educação pela Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Educação Científica e
Tecnológica pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Engenheiro em Eletrônica
e Telecomunicações pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Especialista
em implementação de Sistemas Inteligentes de Indicadores, voltados à avaliação de instituições,
programas e políticas públicas. Professor da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP).
Tem atuado no Desenvolvimento de Sistemas de Indicadores de Desempenho Institucional,
no campo da Educação Profissional, Científica e Tecnológica. Idealizador e coordenador de
implantação da Plataforma Nilo Peçanha e de outras inovações na Gestão do Conhecimento.
Atualmente, é coordenador geral de Instrumentos e Medidas Educacionais da Diretoria de Es-
tudos Educacionais do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP), responsável pelos estudos de Monitoramento do Plano Nacional de Educação (PNE).
E-mail: [email protected]
3 O processo de transição demográfica ou transição vital é uma das principais transformações
pelas quais vem passando a sociedade moderna. É caracterizado pela passagem de um regime
com altas taxas de mortalidade e fecundidade/natalidade para outro regime com taxas situadas
em níveis relativamente mais baixos. O bônus ou dividendo demográfico é representado pelo
período em que há uma alta proporção de pessoas em idade potencialmente ativa, comparativa-
mente aos grupos etários teoricamente dependentes, ou seja: uma elevada proporção de adul-
tos na população, relativamente à participação de crianças e idosos. Teoricamente, essa maior

ALBUQUERQUE, A.E.M.; MORAES, G.H.


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proporção de pessoas em idade ativa favoreceria o desenvolvimento econômico, já que o pre-
domínio de pessoas que produzem mais do que consomem, em relação àquelas cujo consumo
costuma ultrapassar a capacidade produtiva, propiciaria mais reservas e aumento dos recursos
disponíveis por indivíduo (CAMARANO, 2014)
4 Categorização transversal utilizada para diferenciar os cursos da EPCT em seus diversos níveis
e graus. Estão previstas as seguintes categorias: Educação Infantil, Ensino Fundamental I, Ensi-
no Fundamental II, Ensino Médio, Qualificação Profissional (FIC), Técnico, Tecnologia, Licen-
ciatura, Bacharelado, Especialização (Lato Sensu), Mestrado Profissional, Mestrado, Doutorado
Profissional e Doutorado (MORAES et al., 2018).
5 A ampliação da oferta de EPT foi sustentada por um conjunto de programas do governo
federal, como: Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação
Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), Programa Mulheres Mil,
Rede Certific, Programa de Formação Profissional em Serviço dos Funcionários da Educação,
Programa de Expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e
Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC); e ações como:
acordo de gratuidade entre as quatro entidades que compõem o Sistema S e o governo fede-
ral; instituição do Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnológica
(SISTEC); Política de Formação Humana na Área de Pesca Marinha, Continental e Aquicultura
Familiar, entre outras.
6 A análise da dinâmica demográfica brasileira aponta para um cenário futuro no qual a popu-
lação brasileira, na primeira metade deste século, atingirá o seu máximo por volta de 2035, com
um contingente de cerca de 214 milhões de habitantes. O valor projetado para 2050, aproxima-
damente 206 milhões de habitantes, é semelhante ao projetado para 2020 (ALVES; VASCON-
CELOS; CARVALHO, 2010).
7 “O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, Ideb, é uma iniciativa do Instituto Nacio-
nal de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) para mensurar o desempenho
do sistema educacional brasileiro a partir da combinação entre a proficiência obtida pelos es-
tudantes em avaliações externas de larga escala (Saeb) e a taxa de aprovação, indicador que tem
influência na eficiência do fluxo escolar, ou seja, na progressão dos estudantes entre etapas/anos
na educação básica. Essas duas dimensões, que refletem problemas estruturais da educação bá-
sica brasileira, precisam ser aprimoradas para que o país alcance níveis educacionais compatíveis
com seu potencial de desenvolvimento e para garantia do direito educacional expresso em nossa
constituição federal. Pela própria construção matemática do indicador (taxa de troca entre as
duas dimensões), para elevar o Ideb, as redes de ensino e as escolas precisam melhorar as duas di-
mensões do indicador, simultaneamente, uma vez que a natureza do Ideb dificulta a sua elevação
considerando apenas a melhoria de uma dimensão em detrimento da outra” (INEP, 2018, p. 6).
8 São eixos tecnológicos da EPT: Ambiente e saúde, Desenvolvimento educacional e social,
Controle e processos industriais, Gestão e negócios, Turismo, hospitalidade e lazer, Informação
e comunicação, Infraestrutura, Militar, Produção alimentícia, Produção cultural e design, Produ-
ção industrial, Recursos naturais e Segurança.
9 Enquanto 40,23% das escolas privadas tem NSE “Muito Alto”, entre as escolas técnicas fede-
rais esse índice é de apenas 1,45% (SILVA FILHO; MORAES, 2017).
10 “De acordo com os resultados, o aluno que após sair do EF público estudou em escola federal
de ensino propedêutico apresentou média nas provas objetivas do Enem 61,29 pontos superior
à de estudante de escola propedêutica estadual com idênticos ISE e notas pregressas na Prova
Brasil. Já o aluno que estudou em escola técnica federal apresentou desempenho na média das
provas do Enem 28,7 pontos superior à de estudante de escola propedêutica estadual. Após as
escolas federais, aparecem as privadas de ensino propedêutico (27,72 pontos), as técnicas mu-

ALBUQUERQUE, A.E.M.; MORAES, G.H.

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nicipais (12,45), as técnicas estaduais (11,18), as propedêuticas municipais (8,71) e as técnicas
privadas (5,11)” (SILVA FILHO; MORAES, 2017, p. 27).

Referências

ALVES, José Eustáquio; VASCONCELOS, Daniel; CARVALHO, Angelita.


Estrutura etária, bônus demográfico e população ativa no Brasil: cenários
de longo prazo e suas implicações para o mercado de trabalho. Brasília: CE-
PAL-IPEA, 2010. (Texto para Discussão CEPAL-IPEA, n. 10).
BORGES, Gabriel Mendes; CAMPOS, Marden Barbosa de; SILVA, Luciano
Gonçalves. Transição da estrutura etária no Brasil: oportunidades e desafios
para a sociedade nas próximas décadas. In: ERVATTI, Leila Regina; BORGES,
Gabriel Mendes; JARDIM, Antonio de Ponte (org.). Mudança demográfica
no Brasil no início do século XXI: subsídios para as projeções da população.
Rio de Janeiro: IBGE, 2015. Estudos e análises: Informação Demográfica e
Socioeconômica, n. 3). Disponível em: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza-
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Estados da República Escola de Aprendizes Artífices, para o ensino profissional
primário e gratuito. Rio de Janeiro, 1909. Disponível em: http://portal.mec.gov.
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BRASIL. Lei nº 12.513, de 26 de outubro de 2011. Institui o Programa Na-
cional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec); altera as Leis no
7.998, de 11 de janeiro de 1990, que regula o Programa do Seguro-Desempre-
go, o Abono Salarial e institui o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), no
8.212, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre a organização da Seguridade
Social e institui Plano de Custeio, no 10.260, de 12 de julho de 2001, que dis-
põe sobre o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior, e no
11.129, de 30 de junho de 2005, que institui o Programa Nacional de Inclusão
de Jovens (ProJovem); e dá outras providências. Diário Oficial da União, Bra-
sília, DF, 27 out. 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
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11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desen-
volvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a
Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de
1o de maio de 1943, e o Decreto-Lei no 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a
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Educação Profissional e Tecnológica, uma janela de oportunidades
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 123-141, jan./jun. 2020 141
ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

A gestão escolar e a gestão da sala de aula: desafios e possibilidades


a partir da BNCC
Marli Dias Ribeiro1

Resumo: A investigação versa sobre os desafios e as possibilidades que estão pre-


sentes na sala de aula e na gestão da escola, a partir dos novos contextos apresen-
tados pela nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O objetivo da pesquisa
perpassa por apresentar reflexões sobre como a gestão escolar e a gestão da sala de
aula podem contribuir para implementar ações pedagógicas em consonância com a
BNCC, a fim de assegurar a aprendizagem dos estudantes. Examinando essa indaga-
ção, a pesquisa de caráter qualitativo foi realizada a partir de um recorte bibliográfico
dos últimos 5 anos em artigos e legislações que versam acerca da temática BNCC e
suas inter-relações com a gestão escolar e a gestão da sala de aula. Como achados,
este trabalho sugere ser imprescindível uma reflexão para o fato de que uma base
nacional, como caráter de reforma educacional, por si só, mostra-se limitada e que
a gestão escolar e a gestão da sala de aula são fatores importantes e indissociáveis às
novas competências propostas pela base. Dessa forma, a gestão escolar e de sala de
aula deve ser considerada, de modo a ampliar a aprendizagem dos estudantes para
implementação da BNCC.
Palavras-chave: Gestão escolar. Gestão de sala de aula. BNCC.

School management and classroom management: challenges and possibilities


from the BNCC

Abstract: The research deals with the challenges and possibilities that are present in the
classroom, in the management of the school from the new contexts presented by the
new National Common Curricular Base (BNCC). The objective of the research is to
present reflections on how school management and classroom management can con-
tribute to implementing pedagogical actions in line with the BNCC, in order to ensure
student learning. Examining this question, the qualitative research was carried out from
a bibliographic cut of the last 5 years in articles and legislation that deal with the BNCC
theme and its interrelationships with school management and classroom management.
As findings, this work suggests that it is essential to reflect on the fact that, on a natio-
nal basis, as a character of educational reform, by itself, it is limited, and that school
management and classroom management are factors important and inseparable from

RIBEIRO, M.D.

142 A gestão escolar e a gestão da sala de aula: desafios e possibilidades a partir da BNCC
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 142-157, jan./jun. 2020
the new competencies proposed by the base. This way, the school management of the
classroom must be considered, in order to expand the students’ learning to implement
the BNCC.
Keywords: School management. Classroom management. BNCC.

Gestión escolar y gestión de la clase: retos y posibilidades a partir de la BNCC

Resumen: La investigación aborda los desafíos y posibilidades que están presentes en


la clase, en la gestión escolar desde los nuevos contextos presentados por la nueva Base
Curricular Común Nacional (BNCC). El objetivo del estudio es presentar reflexiones
sobre cómo la gestión escolar y la gestión de la clase pueden contribuir para implemen-
tar acciones pedagógicas en consonancia con la BNCC, para garantizar el aprendizaje
de los estudiantes. Al examinar esta pregunta, la investigación cualitativa se llevó a cabo
a partir de un corte bibliográfico de los últimos 5 años en artículos y legislación que
tratan el tema de la BNCC y sus interrelaciones con la gestión escolar y la gestión de la
clase. Como resultados, este trabajo sugiere que es esencial reflexionar sobre el hecho de
que, la Base Nacional, como un carácter de reforma educativa, en sí misma, es limitada,
y que la gestión escolar y la gestión de la clase son factores importantes e inseparables
de las nuevas competencias propuestas por la Base. De esta manera, se debe considerar
la gestión escolar de la clase, a fin de ampliar el aprendizaje de los estudiantes para im-
plementar el BNCC.
Palabras clave: Gestión escolar. Gestión del aula. BNCC.

Introdução

Com o advento da nova Base Nacional Comum Curricular, pensar em


gestão escolar e em gestão da sala de aula quanto a seus aspectos pedagógicos
se mostra uma questão relevante, sobretudo ao enfatizá-las como elementos que
podem direcionar a escola às dinâmicas intrínsecas aos processos de ensino e
aprendizagem. As relações estabelecidas em sala de aula, a organização do espa-
ço da sala e os planejamentos realizados pelo docente são questões interligadas
aos processos da gestão escolar e importantes fatores para que as aprendizagens
se concretizem.
Para Tardif (2002), ao entrar na sala de aula, o professor coloca-se dian-
te de seus alunos, criando condições e esforçando-se para estabelecer relações,
interações, saberes. Essa atividade docente rotineira atravessa o espaço de sala
de aula, perpassa outros espaços da escola, revela valores, orienta relação com a
turma e com outros pares, apresenta-se em toda a escola, e a gestão escolar agre-
ga esse conjunto de relações. Assim, a gestão escolar e a gestão de sala de aula
são indissociáveis quando a aprendizagem do estudante é colocada em questão.
Ao considerarmos o currículo como norteador da gestão, este artigo toma
como referência o que traz a BNCC, mostrando que:

RIBEIRO, M.D.
A gestão escolar e a gestão da sala de aula: desafios e possibilidades a partir da BNCC
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 142-157, jan./jun. 2020 143
as competências e diretrizes são comuns, os currículos são diversos.
O segundo se refere ao foco do currículo. Ao dizer que os conteúdos
curriculares estão a serviço do desenvolvimento de competências, a
LDB orienta a definição das aprendizagens essenciais, e não apenas
dos conteúdos mínimos a ser ensinados (BRASIL, 2018, p. 11).

Assim, toda a escola se redesenha com o advento da BNCC.


Instituída por meio da Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de dezembro (BRA-
SIL, 2017), para a Educação Infantil e para o Ensino Fundamental, a BNCC
tornou-se obrigatória para todo o país e aparece como referência na formação
de professores, nas avaliações de larga escala, na elaboração dos currículos esta-
duais, na gestão da escola e das salas de aulas como elemento norteador de me-
todologias e estratégias pautadas em competências e habilidades que assegurem
a aprendizagem dos estudantes.
O documento retoma o que estabeleceu a Constituição Federal de 1988,
em seu artigo 210, sobre a organização de conteúdos mínimos a serem fixados,
nacionalmente, para assegurar formação básica (BRASIL, 1988). Soma-se à Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, cujo artigo nº 26 traz que
os currículos do Ensino Fundamental e Médio devem ter uma base nacional
comum a ser complementada pelos sistemas de ensino e pelas escolas por uma
parte diversificada (BRASIL, 1996) – posteriormente, a Lei nº 12.796/2013 in-
seriu a etapa da Educação Infantil (BRASIL, 2013).
Este escrito não tem como objetivo discutir conceitualmente sobre os aspec-
tos gerais das competências e habilidades presentes na BNCC, mas tomar como
referência a gestão da escola e da sala de aula enquanto constructos que se inte-
gram em um conjunto sistêmico, dinâmico e articulado e que se mostram essenciais
por constituírem e transformarem todo o processo educativo, a partir do advento
da BNCC. Ademais, a BNCC indica que o desenvolvimento e a aprendizagem de
todas as crianças, jovens e adultos são a fonte de sentido de toda ação educativa;
assim, em uma rede nacional, parece ser essencial que exista uma definição organi-
zada e clara do que todo estudante tem direito a aprender, e essa questão se torna
propulsora para o planejamento de toda a gestão da escola e da sala de aula.
Com base nos contextos postos pela BNCC e na necessidade de imbuir a
escola, a gestão e o professor acerca dos cenários que se apresentam, este artigo
busca refletir sobre questões apresentadas em artigos educacionais que vinculam
a gestão escolar e a gestão da sala de aula como elementos que parecem ser ca-
pazes de contribuir para implementar ações pedagógicas, em consonância com a
BNCC e considerando as aprendizagens dos estudantes. Nesse aspecto, a BNCC
apresenta-se como o documento que influencia o trabalho da gestão escolar e
da gestão da sala de aula. A BNCC, documento de caráter orientador, tem a
possibilidade de redirecionar a organização do trabalho pedagógico no espaço
escolar se os processos de gestão da escola concebem seus pressupostos como

RIBEIRO, M.D.

144 A gestão escolar e a gestão da sala de aula: desafios e possibilidades a partir da BNCC
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 142-157, jan./jun. 2020
referência. Por outro lado, vale destacar que uma base nacional, com caráter de
reforma educacional, por si só, é limitada. Uma universalização na educação
atrela-se a questões multidimensionais que envolvem aspectos culturais, sociais,
econômicos, educacionais, entre outros. São determinantes complexos que se
entrelaçam, e a BNCC apresenta-se como um deles.
Nesse aspecto, Mészáros (2005, p. 25) adverte que “uma reformulação
significativa da educação é inconcebível sem a correspondente transformação do
quadro social, no qual, as práticas educacionais da sociedade devem cumprir as
suas vitais e historicamente importantes funções de mudanças”. Transformar a
educação e as relações na gestão escolar e na sala de aula caminha junto com re-
formas estruturais na sociedade. No entanto, a BNCC faz parte de um contexto
de mudanças, com propostas na esfera educacional.
Por conseguinte, o planejamento escolar será norteado pela organização
da BNCC, que aponta como direitos de aprendizagem aspectos debatidos em
todo o território nacional, e que foram traduzidos em 10 competências gerais;
em 117 objetivos de aprendizagem e desenvolvimento; em 35 competências es-
pecíficas de áreas; em 49 competências específicas de componentes curriculares;
em 1.303 habilidades, agrupadas em 81 conjuntos (BRASIL, 2018). Assim, en-
tende-se ser estratégico buscar responder: como a gestão escolar e a gestão da
sala de aula podem contribuir para implementar novas metodologias pedagógi-
cas em consonância com a BNCC, a fim de assegurar os direitos de aprendiza-
gem dos estudantes?
A estrutura da BNCC traz os fundamentos perfilados de modo a explicitar
as competências que os alunos devem desenvolver ao longo de toda a Educação
Básica e em cada etapa da escolaridade, como expressão dos direitos de apren-
dizagem e desenvolvimento de todos os estudantes (BRASIL, 2018). Acrescen-
ta-se que, na BNCC,

competência é definida como a mobilização de conhecimentos


(conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e so-
cioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas comple-
xas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo
do trabalho (BRASIL, 2018, p. 8).

Essa questão instiga a comunidade escolar para um novo olhar sobre a


gestão e para as ações em sala de aula. Entende-se que a implementação da
BNCC redimensiona não somente a gestão escolar, mas também exige que o
professor repense suas estratégias e atenda às novas realidades vigentes. Não
existe possibilidade de implementar uma política nacional sem vincular a BNCC
ao currículo, à ação do professor e à gestão da escola, pois as aprendizagens só
se materializam mediante o conjunto de decisões que caracterizam o currículo
em ação (BRASIL, 2018).

RIBEIRO, M.D.
A gestão escolar e a gestão da sala de aula: desafios e possibilidades a partir da BNCC
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 142-157, jan./jun. 2020 145
Aprovada em um debate acirrado entre críticos e apoiadores, a BNCC
desafia a escola e o professor a uma transformação. Parece existir a ideia de um
novo educador para esse cenário provocado a perceber-se aprendiz, não detentor
único do saber. Revela-se imperioso pensar em educador mediador, que indica
caminhos, que orienta e auxilia, que é capaz de deixar o aluno trilhar a sua via de
modo singular, na construção do conhecimento, rumo a um mundo cercado de
incertezas, tecnologias e desafios. E ainda, uma gestão escolar capaz de oferecer
a toda a comunidade condições para transformar as bases educacionais vigentes.

Referenciais teóricos

Refletindo sobre gestão escolar

A gestão escolar, enxergada a partir da BNCC, requer dinâmicas que con-


templem competências que vão além dos conteúdos ou das disciplinas isoladas.
O desafio da gestão passa por administrar a escola e seus sujeitos para a mobili-
zação de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores, para resolver demandas
da vida cotidiana, para o exercício da cidadania e do mundo do trabalho.
Importa lembrar, nesse sentido, o significado de gestão em suas dimensões
político-pedagógicas e técnicas como partes inseparáveis da dinâmica escolar.
Paro (2010) conceitua a gestão (ou administração) escolar como mediação para
utilização racional de recursos para atingir determinados fins. A mediação na
gestão não se restringe a atividades-meio; ela transcorre por todo o processo de
busca de objetivos, tanto nos relacionados à gestão pedagógica quanto à gestão
administrativa, em que os sujeitos se engajam e participam do poder decisório. A
gestão escolar é compreendida, nessa perspectiva, com ação de poder horizontal,
em que decisões são descentralizadas, alicerçadas no diálogo, na cooperação, na
construção da história humana, na corresponsabilidade e no compromisso, esta-
belecendo, portanto, uma interlocução contínua entre os dirigentes educacionais
e os diversos sujeitos, em prol do aprendizado dos estudantes. Essa percepção
parece ser indissociável aos anseios da BNCC.
Ao invocar o contexto em que as escolas estão inseridas, na concepção de
aprender a aprender, aprender a conviver, aprender a ser e aprender a fazer (DE-
LORS, 2000), as tendências e as mudanças ocorridas na educação e na socieda-
de, nas últimas décadas, impulsionam uma discussão educacional alicerçada em
competências e habilidades propostas pela BNCC. Dessa forma, gerir a escola e
a sala de aula, em sua dimensão pedagógica, requer uma postura de uma gestão
que invista no diálogo, no desenvolvimento da autonomia docente e na percep-
ção de uma intencionalidade educativa vinculadas às concepções de educação
cidadã, trazidas na BNCC. A organização de toda a escola e de cada sala de aula
parece ser fundamental nesse processo.

RIBEIRO, M.D.

146 A gestão escolar e a gestão da sala de aula: desafios e possibilidades a partir da BNCC
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 142-157, jan./jun. 2020
Concerne à gestão escolar assegurar um clima escolar que valorize a for-
mação, a busca pelo conhecimento, o protagonismo do estudante, a mobilização
de recursos, o respeito a saberes vivenciados, a evolução das aprendizagens, en-
frentando problemas e tendo atitudes eticamente responsáveis, diante das situ-
ações complexas vividas no ambiente escolar. À gestão escolar cabe, de acordo
com Lück (2000, 2009), a responsabilidade do planejamento, da organização,
da liderança, da orientação, da mediação, da coordenação e do monitoramento,
além da avaliação dos processos necessários à efetividade das ações educacionais
e das políticas públicas.
Acrescenta-se que a gestão escolar, diante das mudanças que a BNCC pro-
põe, carece estar atenta, com sua equipe, a alguns aspectos, segundo Hallinger e
Heck (1996): fornecer orientação a todo o grupo escolar; definir a missão para a
escola; propor o planejamento, a coordenação e a avaliação do ensino, bem como
o currículo a nível escolar; promover e participar ativamente na formação e na
aprendizagem de professores; propor o conhecimento de políticas educacionais
internas e externas à escola; promover um ambiente favorável à aprendizagem.
A gestão pedagógica, ou sua dimensão pedagógica, à luz da nova BNCC,
precisa se sobressair em relação aos fazeres burocráticos. É fundamental assegu-
rar que, apesar de as atribuições administrativas serem parte da rotina da gestão
escolar, as tarefas de natureza pedagógica possam dar rumo à escola. No que
tange à gestão escolar em relação ao pedagógico, Libâneo (2001) entende que a
escola não é uma estrutura totalmente objetiva nem objetivamente mensurável,
pois depende das experiências subjetivas, das interações sociais e é construída
pelos seus próprios membros.
Pensar em um novo currículo, que toma como referência competências e
habilidades amparadas na BNCC, desafia a gestão escolar a refletir sobre suas
posições políticas e concepções de homem e sociedade, de professor, de estu-
dante e de toda a dinâmica da sala de aula. O modo como a sala de aula se or-
ganiza e se estrutura tem um caráter pedagógico ímpar quando a transformação
social, o protagonismo estudantil e a emancipação fazem parte do currículo, o
que implica uma base político-pedagógica das relações estabelecidas entre gestão
escolar e gestão de sala de aula.
Por outro lado, em que pesem as diferentes e divergentes posturas acerca
de que todas as unidades escolares devam seguir orientações pedagógicas nacio-
nais e que as metas de aprendizagem devam ser garantidas em seus aspectos pe-
dagógicos com a BNCC, a gestão da escola tem como atribuição a implementa-
ção do documento. Os movimentos favoráveis à BNCC partem do pressuposto
de que sua efetivação pode estar associada à melhoria da educação e à redução
das desigualdades educacionais, que os educadores e a sociedade, em geral, sejam
participantes da formação escolar de seus cidadãos, e que a BNCC passa a ser
um documento indispensável ao educador, à escola e à sociedade.

RIBEIRO, M.D.
A gestão escolar e a gestão da sala de aula: desafios e possibilidades a partir da BNCC
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 142-157, jan./jun. 2020 147
Sendo uma política pública de abrangência nacional, o referido documen-
to deve nortear a educação, de modo a convergir os esforços e os investimentos.
Nesse sentido, a fim de colaborar com a gestão, foi elaborado um Guia de Im-
plementação da BNCC, um trabalho colaborativo entre Ministério da Educa-
ção (MEC), Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED), União
Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), União dos Con-
selhos Municipais de Educação (UNCME) e Fórum Nacional dos Conselhos
Estaduais de Educação (FNCEE). O guia apresenta sete dimensões que visam
orientar a implementação da BNCC, tais como: estruturação da governança da
implementação; estudo das referências curriculares; orientação, em linhas gerais,
do trabalho da gestão escolar.
Cabe considerar que, apesar de não ser unanimidade, a BNCC revela-se
como oportunidade para a escola dar robustez à formulação de estratégias e
práticas, voltadas para assegurar a efetivação e o acompanhamento da aprendi-
zagem dos estudantes. Ainda, esses cenários de mudanças abrem espaços para
que os conselhos escolares e os grupos colegiados de pais e estudantes possam
articular e participar da elaboração da proposta pedagógica da escola, de forma
democrática e contextualizada à BNCC. A participação de todos na gestão esco-
lar reforça a gestão democrática e pode, de alguma forma, contribuir para maior
autonomia pedagógica da escola. Nesse prisma, a BNCC indica que o currículo e
as decisões resultam de um processo de envolvimento e participação das famílias
e da comunidade e, por isso, é importante:

contextualizar os conteúdos dos componentes curriculares, identi-


ficando estratégias para apresentá-los, representá-los, exemplificá-
-los, conectá-los e torná-los significativos, com base na realidade
do lugar e do tempo nos quais as aprendizagens estão situadas;
decidir sobre formas de organização interdisciplinar dos compo-
nentes curriculares e fortalecer a competência pedagógica das equi-
pes escolares para adotar estratégias mais dinâmicas, interativas e
colaborativas em relação à gestão do ensino e da aprendizagem;
selecionar e aplicar metodologias e estratégias didático-pedagógi-
cas diversificadas, recorrendo a ritmos diferenciados e a conteúdos
complementares, se necessário, para trabalhar com as necessidades
de diferentes grupos de alunos, suas famílias e cultura de origem,
suas comunidades, seus grupos de socialização etc.;
conceber e pôr em prática situações e procedimentos para motivar
e engajar os alunos nas aprendizagens;
construir e aplicar procedimentos de avaliação formativa de pro-
cesso ou de resultado que levem em conta os contextos e as condi-
ções de aprendizagem, tomando tais registros como referência para
melhorar o desempenho da escola, dos professores e dos alunos;
selecionar, produzir, aplicar e avaliar recursos didáticos e tecnoló-
gicos para apoiar o processo de ensinar e aprender;

RIBEIRO, M.D.

148 A gestão escolar e a gestão da sala de aula: desafios e possibilidades a partir da BNCC
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 142-157, jan./jun. 2020
criar e disponibilizar materiais de orientação para os professores,
bem como manter processos permanentes de formação docente
que possibilitem contínuo aperfeiçoamento dos processos de en-
sino e aprendizagem;
manter processos contínuos de aprendizagem sobre gestão peda-
gógica e curricular para os demais educadores, no âmbito das esco-
las e sistemas de ensino (BRASIL, 2018, p. 16-17).

Por conseguinte, no que se refere à gestão escolar e a nova BNCC, Paro


(2010) revela que a preocupação com o bem-estar dos alunos vincula ações que
necessariamente estreitam o administrativo, e a função do gestor escolar é, so-
bretudo, a de um educador e, como tal, deve ter como horizonte uma direção
escolar que contemple a singularidade do processo pedagógico e sua dimensão
democrática como práxis social e política. A gestão da sala de aula, nesse contex-
to, articula-se na singularidade da ação pedagógica do professor e no desenrolar
cotidiano de seu planejamento, na execução das habilidades e competências in-
dicadas na BNCC.
Por fim, a partir dessa concepção, revisitar o currículo, os livros didáticos,
a formação docente, a rotina escolar, os projetos educacionais, entre outros,
olhando as 10 competências gerais da BNCC (conhecimento; pensamento cien-
tífico, crítico e criativo; repertório cultural; comunicação; cultura digital; trabalho
e projeto de vida; argumentação; autoconhecimento e autocuidado; empatia e
cooperação; responsabilidade e cidadania), indica que a comunidade escolar deve
realizar escolhas orientadas e assertivas, na constituição da proposta pedagógica
da escola, e redimensionar a gestão com foco, especialmente, no protagonismo
estudantil e nas competências estabelecidas para cada etapa da Educação Básica.

Gestão da sala de aula e BNCC

A despeito da temática gestão da sala de aula, este estudo apoia-se na


compreensão de conceituá-la como sendo um conjunto das ações desenvolvidas
pelo professor para criar um ambiente favorável ao ensino e aprendizagem, na
percepção da gestão intencional da prática pedagógica, em que os docentes de-
senvolvem estratégias de organização, de relações com os alunos, para mobilizá-
-los no alcance de um bom desempenho. Essa gestão da sala de aula relaciona-se
ao que Libâneo (1994) afirma sobre a importância da autoridade do professor,
considerando seus aspectos profissional, ético, moral e técnico, bem como as
exigências de trabalho escolar. Imbuído de autonomia e apoiado pela gestão da
escola, faz-se necessário ao educador enxergar a gestão de sua sala de aula e o
ato de ensinar por prismas diversos, aprendendo e estruturando o espaço de sala
de aula a partir das concepções de um estudante protagonista, crítico, autônomo
que a BNCC traz em seu escopo.

RIBEIRO, M.D.
A gestão escolar e a gestão da sala de aula: desafios e possibilidades a partir da BNCC
Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 142-157, jan./jun. 2020 149
De outro modo, Slavin (2004) destaca que uma instrução eficaz não se limita
a um bom ensino, e a dinâmica mais importante na educação é a interação entre
professor e aluno. As estratégias de gestão, tanto do ambiente de sala de aula como
do relacionamento com os alunos, são determinantes para mobilizá-los no alcance
das aprendizagens. O educador, assim, permite ampliar sua percepção de tempos,
rotinas, espaços, a fim de apresentar-se como mediador da aprendizagem.
A propósito, a gestão da sala de aula também acarreta uma reflexão acer-
ca da formação inicial e continuada que contemple a BNCC, visto que novas
definições de recursos didáticos pressupõem novas metodologias e estratégias.
Dessa forma, a gestão da sala de aula, à guisa da BNCC, reforça o fato de que
dominar apenas conteúdos isolados não é o suficiente para o currículo em ques-
tão. Assim, mostra-se urgente dar centralidade à postura de educadores aptos
a criar um ambiente educativo, rico em estratégias socioafetivas, metodologias
ativas, integração entre teoria e prática, cuidando para que as características cul-
turais, socioambientais e econômicas da localidade estejam contempladas em
uma abordagem de desenvolvimento de competências e habilidades necessárias
ao mundo contemporâneo, o que é retratado pela BNCC.
Além disso, deve-se garantir que os princípios e propósitos do projeto
educativo da escola estejam explícitos ao que a BNCC define e sejam refletidos
a partir de um debate democrático entre educadores e, se possível, entre escola
e a sociedade, em especial com os pais. O currículo faz sentido ao contexto
regional e local. Uma gestão da sala de aula com foco na BNCC pode apresen-
tar-se bem-sucedida e eficaz quando busca dar confluência destas três dimen-
sões: a organização do ambiente, as aprendizagens e as relações interpessoais
estabelecidas (SANTOS, 2001).
Diante de mudanças profundas, de fato, os educadores não podem estar
alheios, mas inseridos nas transformações. Nesse contexto, ainda que cercados
ou não de tecnologias, games, revoluções informatizadas, somente os docentes
podem escolher como ensinar, como relacionar-se com seus alunos e como dar
sentido à sala de aula. E, nessa lógica, Shulman (1986) separa três categorias de
conhecimentos que estão presentes no desenvolvimento cognitivo do profes-
sor e na sua atuação: subject knowledge matter (conhecimento do conteúdo da
matéria ensinada), pedagogical knowledge matter (conhecimento pedagógico da
matéria) e curricular knowledge (conhecimento curricular). Esses conhecimen-
tos se complementam para integrar a gestão de sala de aula.
Mas como a gestão da sala de aula pode se apresentar no contexto da
BNCC? Em educação não existem receitas mágicas. A ação docente no espaço
de sala de aula está associada aos contextos da prática e da organização do tra-
balho escolar em linhas gerais por documentos norteadores, da produção, da
transformação, da mobilização de saberes, da relação com os estudantes, mas,
sobretudo, da efetiva prática docente. Para o educador, gerir a sala de aula passa

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Rev. Educ., Brasília, ano 43, n. 161, p. 142-157, jan./jun. 2020
por interligar todos esses contextos. Isso requer fazer escolhas relacionadas ao
currículo proposto, tendo como base as condições da escola e da gestão escolar,
ao perfil do estudante, às rotinas e práticas de seus pares, mas sem perder de vista
a importância das aprendizagens dos discentes.
Nesse conjunto de questões, ao considerar o estudante como elemento
central do processo de ensino e aprendizagem, e pensar na BNCC como indi-
cadora do desenvolvimento e da aprendizagem de todas as crianças, jovens e
adultos, e como fonte de sentido da ação educativa, a gestão da sala de aula pode
contribuir ao versar, em seus eixos de pesquisas, sobre a expectativa do professor
em relação à aprendizagem do aluno e a mobilização de estratégias para alcançar
esse objetivo (SAMMONS, 1999).
Ao alinhar esse aspecto à BNCC, espera-se que a ação educativa seja di-
recionada à gestão de uma sala de aula comprometida com as aprendizagens.
Para Marzano (2008), variadas pesquisas apontam que o sucesso dos alunos está
vinculado à boa gestão do docente. O autor orienta ser necessário que o educa-
dor tenha estratégias concretas de gestão da sala de aula, por ser ele quem faz a
organização do espaço e do tempo em sala, quem define, na prática, o conteúdo,
as competências e habilidades (mesmo que dependa de diretrizes ou parâmetros
governamentais), quem indica os materiais, os recursos, as metodologias efetiva-
das em cada aula. As escolhas dos docentes têm forte impacto nos resultados de
aprendizagem e, sobretudo, na implementação de qualquer currículo.
A gestão da sala de aula, na perspectiva da BNCC, apresenta-se nesta pes-
quisa interligada e vinculada aos procedimentos e rotinas eficientes para o ensi-
no. A garantia da aprendizagem faz uma chamada aos docentes, no sentido de
ampliarem seus planos de aula para habilidades e competências que ultrapassem
o ensino cognitivo, de conteúdos descontextualizados e isolados, vincularem
suas aulas às questões socioemocionais, procurarem intensificar o protagonismo
dos alunos, levando-os a:

Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação


e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas
diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar,
acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resol-
ver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e
coletiva (BRASIL, 2018, p. 9).

A propósito, cabe destacar que mudanças são movimentos processuais;


dessa forma, a BNCC requer da gestão escolar, da gestão de sala de aula, da escola
e de toda a comunidade um trabalho coletivo, colaborativo, com vistas à cons-
trução ou reconstrução de possibilidades que busquem convergir para o enfren-
tamento dos desafios do ensino e da aprendizagem, e de ações que entreguem à
sociedade uma educação que inclua todos os estudantes sem nenhuma exceção.

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Método

A investigação apresentada tem como base uma pesquisa bibliográfica,


com a exclusão de artigos duplicados, incompletos ou fora de contexto, toman-
do como recorte textos relacionados à Educação Básica em uma temporalidade
de 2015 a 2020. A seleção de artigos partiu da vinculação deles ao tema da pes-
quisa: gestão escolar, gestão de sala de aula e BNCC. Os artigos foram selecio-
nados com filtros de tema e recorte temporal da pesquisa, conforme o Quadro.

Quadro – SciELO Brasil: artigos.


Critérios de seleção do periódico – Descritores nos Artigos ou periódicos Selecionados
títulos
Contendo artigos com BNCC e Base Nacional Comum 18 2
Curricular
Contendo artigos com BNCC e gestão escolar 1 0
Contendo artigos com BNCC e gestão da sala de aula 2 1
Total 21 3
Fonte: elaborado pela autora.

Ainda em relação à busca, ela foi realizada utilizando o site SciELO Brasil,
por ser uma das bases do programa SciELO/FAPESP, apoiado pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Asso-
ciação Brasileira de Editores Científicos (ABEC), e ainda por ser possuidor de
comitê consultivo, infraestrutura e capacidade de comunicação e avaliação dos
seus resultados veiculados por periódicos de qualidade crescente no Brasil, pu-
blicados em acesso aberto. Os descritores de busca foram: BNCC e Base Nacio-
nal Comum Curricular; gestão escolar e BNCC; gestão da sala de aula e BNCC.
Foram selecionados apenas trabalhos com livre acesso.
Os artigos-chave foram, primeiramente, separados a partir de seus resu-
mos e, posteriormente, lidos. A seleção tomou como base os objetivos da pes-
quisa, e, feitas a seleção e a catalogação dos artigos, ainda se buscou extrair todos
os artigos que não possuíam aderência com a pesquisa, para, por fim, na última
filtragem, por meio da leitura dos resumos e das palavras chave dos artigos, se-
parar os textos para leitura completa, como ensina Treinta et al. (2011). A partir
da leitura completa, a intencionalidade da busca guiou-se em responder como, a
partir da BNCC, a gestão escolar e a gestão da sala de aula devem se organizar e
promover novas possibilidades para a implementação da BNCC, considerando
seus contextos e a adoção de competências e habilidades. O estudo investigou
e selecionou três artigos que versavam sobre a questão do problema e, a partir
deles, categorizou os achados em dois grupos: a gestão escolar e a BNCC; e a
sala de aula e a BNCC.

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Dos achados

Dos descritores utilizados na pesquisa, a base de dados revelou, para


BNCC, gestão escolar e gestão de sala de aula, 21 trabalhos, dos quais 3 foram
selecionados por estarem alinhados à Educação Básica e trazerem considerações
acerca das atividades pedagógicas e da gestão escolar. De modo geral, esses arti-
gos possuem os contextos históricos da construção da BNCC e discutem sobre
as condições materiais das escolas públicas e do exercício da docência, avaliam
e apontam a manutenção de um quadro de desigualdade na educação brasileira
com possíveis implicações nos processos de ensino e aprendizagem, mesmo
com o advento da BNCC, sem, entretanto, conterem indicações de propostas
concretas.
Pertuzatti e Dickmann (2019), em seus achados, discorrem sobre um des-
compasso entre os documentos que normatizam a educação brasileira quando o
assunto é alfabetização, letramento e BNCC. As autoras fazem um alerta sobre
os desafios da BNCC nos anos iniciais da Educação Básica e a necessidade de
que professores e toda a escola reorganizem o currículo.
Azevedo e Damasceno (2017) trazem resultados preliminares de um estu-
do que aponta que, nos textos propostos para a BNCC, são encontradas impre-
cisões e lacunas que, ao se pensar na organização da sala de aula, na formação de
professores e na produção de material didático, dificultariam sua implementação.
As autoras questionam a questão da interdisciplinaridade (por ser uma questão
que sustenta as concepções propostas pela BNCC, por que não se encontra uma
definição explícita que possa orientar as práticas escolares?).
Melo e Marochi (2019) apontam em seu artigo que, para organização da
ação pedagógica, existe uma falta de orientação específica em pontos essenciais
do processo de ensino e aprendizagem sobre a interdisciplinaridade e o conceito
de competência, e essas lacunas tendem a provocar inseguranças aos professo-
res. Afirmam que reformas educativas neoliberais possuem o papel de produzir
conformismo, por meio da formação unilateral para o trabalho e para uma ci-
dadania, adequada às características deste tempo: precariedade do trabalho, au-
mento do desemprego, competitividade e repressão. Os autores do artigo são
desfavoráveis à adoção das concepções de competências da BNCC, indicadas no
planejamento pedagógico, e consideram que elas podem esvaziar toda a organi-
zação da sala de aula, as qualificações profissionais e os processos de avaliação.
Ademais, relacionada ao tema da sala de aula, a investigação realizada nos
artigos mostra críticas ao advento da BNCC, ao apontar uma possível precarie-
dade do trabalho docente, competitividade e precária formação. Entretanto, os
textos não fazem referências a como resolver essas demandas e não tratam dos
aspectos relacionados ao perfil de estudante protagonista mencionado no docu-
mento da BNCC.

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Por outro lado, destaca-se que os processos de gestão não estão isolados
das competências da BNCC, e isso pressupõe um trabalho compartilhado, não
isolado, a ser desenvolvido na sala de aula e nos projetos de toda escola. Nesse
cenário, a gestão escolar aparece como parte importante ao orientar o desenvol-
vimento de cada turma em relação aos componentes e competências do currícu-
lo e, consequentemente, à escola e à sala de aula.
As possibilidades de implementação da BNCC, a partir da gestão da sala
de aula e da gestão escolar, indicam que a escola pode ampliar os estudos sobre
BNCC e o currículo, discutir sobre propostas de ações e projetos pedagógicos
e fortalecer as ações de formação continuada com foco nas aprendizagens dos
estudantes.

Considerações finais

A educação brasileira, a partir de suas bases legais, já apontava a organiza-


ção de uma base nacional. Esse movimento, ainda embrionário, pode ser essen-
cial à construção de novas possibilidades e oportunidades para uma reforma da
educação. Essa investigação bibliográfica qualitativa buscou, a partir da leitura
de artigos, refletir como a gestão escolar e a gestão da sala de aula podem, de
alguma forma, contribuir para os processos de implementação da BNCC.
No tocante à sala de aula e sua gestão, os artigos pouco dizem efetivamen-
te como esse processo acontecerá. Apesar de indicar pistas de como a atuação
do professor e a sua ação pedagógica serão consolidadas, existe uma falta de
orientação, segundo os achados, em pontos essenciais do processo de ensino
e aprendizagem relacionados a aspectos conceituais do documento. Essas la-
cunas tendem a provocar inseguranças nos professores, especialmente nos que
trabalham nos anos iniciais. Estudos acerca da ação pedagógica, da escolha de
materiais didáticos e da formação docente poderão ser fundamentais para dar
clareza a essas questões.
A gestão escolar ainda não aparece como foco nas pesquisas da temática,
e nenhum artigo na base de pesquisa foi selecionado. Apesar de a gestão escolar
ser responsável por assegurar a formação dos docentes, a busca pelo protagonis-
mo do estudante, a gestão da mobilização de recursos, as aprendizagens, o plane-
jamento, a organização monitoramento e a avaliação dos processos necessários à
efetividade das ações educacionais e das políticas públicas, a gestão ainda merece
mais destaque na lógica da BNCC.
Configura-se necessária uma mudança epistemológica de espaços, de tem-
pos e abertura para aprender. Ao longo de toda a trajetória de implementação do
documento, a gestão escolar deve apoiar esse movimento, acompanhando cada
sala de aula e cada ação pedagógica. Convém reforçar que um documento de am-
plitude nacional ganha forma e se materializa nos contextos de cada região, de

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cada escola. E essas realidades diversas, com o documento posto, precisam aten-
der a processos de inserção da gestão escolar. E a sala de aula, na qual ocorrem
a formação docente, os projetos pedagógicos e toda a organização curricular,
orienta-se a partir do protagonismo dos estudantes. Trata-se de uma mudança
desafiadora para o Brasil, onde a educação ainda é organizada em grades rígidas,
predefinidas há décadas.
A BNCC, por esse ângulo, insere a escola em um processo de fazer novas
escolhas, as quais, para Tardif (2002), dependem das experiências dos professo-
res, dos gestores, de seus conhecimentos, do compromisso com o que fazem e
de suas representações a respeito dos estudantes.
Por fim, ainda em fase de implementação, a BNCC e suas implicações
acerca da gestão escolar e da sala de aula ainda necessitam de aprofundamentos
por meio de estudos e de pesquisas para que possam responder com mais robus-
tez de que forma, quais ações e como a gestão escolar e a gestão da sala de aula
podem contribuir para implementar ações pedagógicas em consonância com a
BNCC, a fim de assegurar a aprendizagem dos estudantes.
Assim, dar vida à nova BNCC passa por entender que os educadores, a
escola e o seu currículo podem se apresentar em uma nova postura que leve em
consideração a historicidade de cada sujeito e o desvincule de modelos desuma-
nizados, reprodutores de exclusão, aliados a mudanças que agreguem valor social
à educação, e que, segundo Ribeiro (2018), seja uma postura de coragem e de es-
colha feita por quem pensa na educação, por quem faz a educação e, sobretudo,
por quem vive e acredita em novos horizontes para o ensino.

Submissão: 29/01/2020
Revisado: 03/03/2020
Aprovado: 15/04/2020

Notas
1 Professora na Secretaria de Educação do Distrito Federal. Mestre em Educação. Doutoranda
pela Universidade Católica de Brasília. Diretora na Diretoria de Ensino Fundamental na Subse-
cretaria de Educação Básica do Distrito Federal. Pós-graduada em Educação no Sistema Peni-
tenciário e Especialista em Gestão Escolar. E-mail: [email protected]

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