Corpo Disserta o de Mestrado

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Introdução

Parece haver em todas as religiões que se autodenominam cristãs o emblema da


fraternidade, usualmente associado à doação de esmolas, de alimentos, distribuição de sopas e
agasalhos, auxílio a órfão e viúvas, visitas a hospitais e asilos, realização de mutirões etc. A
importância do amor ao próximo na vivência das religiões é um assunto que esteve bem
presente nos discursos de filósofos, pregadores e seguidores das mensagens do Evangelho, e
continua em voga, desdobrando-se em diversas ações e iniciativas que visam aproximar os
carentes das manifestações do amor de Deus. O voluntariado religioso se caracteriza por
atuações de grande e pequena proporção, realizadas em domínios locais e transnacionais.
Essas benesses se encontram mescladas com uma filantropia leiga, localizada já
majoritariamente em âmbito institucionalizado, que ajuda a formar uma rede complexa de
categorias beneficentes, que, ao menos no Brasil faz confundir o limite da caridade religiosa e
das ações profissionais em benefício social1. O cenário das diversas ações em combate à
pobreza é bem analisado no discurso acadêmico, contudo, apresenta poucos trabalhos
dedicados especificamente à análise de entidades e organizações criadas por denominações
evangélicas e à compreensão das parcerias que são propiciadas a partir delas. O percurso
trilhado nessa dissertação, assim, está orientado pelo esforço de desvendar as peculiaridades
do conjunto de práticas sociais de uma das igrejas de maior destaque nos dias de hoje – a
Igreja Universal do Reino de Deus.
A Universal do Reino de Deus, IURD, é chamada de neopentecostal2 do Brasil,
juntamente com as igrejas Internacional da Graça de Deus, Sara Nossa Terra e Renascer em
Cristo. Surgiu como uma espécie de dissidência da igreja Nova Vida, essa última fundada por
um missionário canadense no Rio de Janeiro, no final da década de 60. Um dos fiéis – o hoje
conhecido Edir Macedo – juntamente com alguns outros membros, criou em 1975 a cruzada
do Caminho Eterno, que por sua vez gerou nova dissidência em 09 de julho de 1977, já
conhecida desde tal momento como a Igreja Universal do Reino de Deus, organizada na época

1
De fato, um nítido limite entre essas duas esferas se configura apenas como um recurso analítico.
2
O neopentecostalismo é conhecido como a terceira onda do movimento pentecostal datada de meados da
década de 70 (segundo as classificações de Paul Freston). Apesar de até então não ser possível encontrar aqueles
que se autodenominam neopentecostais, contrariamente aos pentecostais das primeiras ondas que reconhecem e
assumem para si essa nomenclatura, entende-se esse movimento como a contemporaneidade do pentecostalismo.
Suas principais caraterísticas podem ser assim resumidas: esses fiéis promovem grande liberdade quanto às
representações em torno do corpo, usam meios de comunicação de massa para fins proselitistas, exacerbam a
guerra contra o diabo, dão grande ênfase ao processo de libertação para alcance da cura divina por meio da fé,
aderem e acentuam a pregação da Teologia da Prosperidade (ver entre os muitos textos produzidos sobre o
assunto as discussões de: Mariano, 2005; Giumbelli, 2000; Mendonça, 2008; Montero 1999; Montero e Almeida
2000; Pierucci, 1996, 2004, 2006 e Siepierski, 2001).

14
por Macedo, pelos irmãos Coutinho, por Romildo Soares e por Roberto Lopes. Entre uma e
outra cisão, Macedo sozinho assumiu a liderança da Igreja. A Igreja Universal cresceu e se
multiplicou amplamente por todo o território brasileiro, mesmo com as acusações que Macedo
recebeu de charlatanismo, estelionato, curandeirismo; bem como sua consequente prisão, o
assédio da imprensa, o envolvimento da liderança da igreja na política, e os casos exóticos
como o tão conhecido “chute na santa”, realizado pelo bispo Sérgio Von Helde, também da
Igreja Universal. Tanta especulação em torno dessa organização religiosa, ao invés de
despertar suspeita, parecia incitar ainda mais a procura dos fiéis pelos milagres
extraordinários tão prometidos. Em 1990, a Igreja Universal chegou a agregar 269 mil
pessoas, cifra que atualmente, após cerca de 20 anos, parece chegar a 8 milhões (Mariano,
2004; Lima, 2010).
Pregadora ferrenha das concepções da Teologia da Prosperidade3 – ênfase que sugere
que as bênçãos de Deus e as promessas feitas no Velho Testamento se estendem ainda hoje
aos fiéis que se valem da fé e a confirmem por meio de doações – a Universal é conhecida por
seu proselitismo forte e pelos intensos rituais de libertação que realiza. Agregando público
feminino significativo, e em geral pessoas com baixa renda e pouca escolaridade, sua
apresentação quase dispensável se faz necessária quando o assunto são as obras de caridade
que ela desenvolve. A maioria dos dedicados fiéis da Igreja desconhece a filantropia praticada
pela IURD e alguns pesquisadores da religião muitas vezes não chegam a mencionar outras
atividades filantrópicas exercidas para além da Associação Beneficente Cristã (que era até
então a maior entidade da Igreja responsável por organizar distribuições de donativos). Frente
a isso, e a partir da inquietação sobre como se interpõem obras sociais mediante um discurso
atraente de prosperidade individual obtida através do desafio a Deus, uma pergunta é posta
desde o início desse trabalho: quais são as benesses praticadas pela Igreja Universal e o que
elas significavam para os fiéis e para sua liderança?
Buscando compreender a prática caritativa desses evangélicos, abro essa dissertação
então, apresentando logo no primeiro capítulo, as condições de produção do que seguirá
exposto, optando por antecipar a explanação das contingências enfrentadas e das
consequentes opções metodológicas que se fizeram necessárias a partir de certas limitações.
Além da realização do trabalho de campo de quase um ano que me permitiu obter

3
Sumariamente pode ser sintetizada na crença de que por meio de orações, fé e doações é possível usufruir das
bênçãos e felicidades propiciadas por Deus ainda na terra. Uma síntese sobre a Teologia da Prosperidade pode
ser encontrada em Mariano, 2005, p. 147-186.

15
informações através dos muitos contatos com assistidos diversos, voluntários e pastores,
foram pesquisados também jornais impressos da Universal, reportagens publicadas em seu
portal de notícias (que possui volume considerável de postagens diárias), além de sites e blogs
que retratavam as ações sociais da IURD, todos referentes aos anos de 2009 e 2010.
Após expor as opções metodológicas apresento, no segundo capítulo desse trabalho,
um panorama introdutório sobre as mudanças mais significativas da ação social praticada por
católicos e evangélicos no Brasil, fazendo um recorte transversal centrado em algumas das
ações mais expressivas do século XX. Essa breve pontuação visa recuperar as principais
transformações da assistência social retomando os quadros de análise sugeridos por Max
Weber para a compreensão da caridade e os quadros dados por alguns cientistas sociais
brasileiros, que fornecem formas distintas de pensar a filantropia religiosa. Essa exposição vai
acentuar, quando recuperada ao longo do texto, o modo como a caridade da Igreja Universal
do Reino de Deus apresenta-se relativamente diferenciada quando comparada aos caminhos já
trilhados por católicos e evangélicos brasileiros.
Recentemente, alguns sociólogos e antropólogos4 da religião dedicaram-se, mesmo
não tomando a prática fraterna como objeto específico de suas produções, a explicar a
assistência da IURD. Eles enxergaram-na, de modo geral, ora como proselitista, ora como
uma forma de rebater as muitas críticas que essa Igreja vinha sofrendo por parte de grandes
mídias, e ainda, ressaltando a relevância dessas ações como estratégias interessantes de
reprodução da organização e reforço da identidade da denominação religiosa. A exposição
dessas abordagens encontra-se situada no terceiro capítulo do texto5.
Já o quarto capítulo é voltado à descrição de algumas das principais obras realizadas
pela IURD nos demais países do mundo. A caridade observada fora do Brasil se mostrou

4
Parte da literatura antropológica a respeito da Igreja Universal do Reino de Deus e de suas devoções pode ser
encontrada em Apgaua, 1999; Oliveira, 1996; Perez, 2000; Perez e Oliveira, 2000 e Séman, 2001, sugerindo
compreender as doações como sacrifícios conforme sugere a perspectiva da dádiva maussiana (Mauss, 2001).
Além de Mauss, são utilizadas como referências dessas abordagens Bourdieu, 1996; Caillé, 1998; Giumbelli,
2002; Godbout, 1999; Sanchis 2001, 2007, Sigaud, 2004; Velho, 1995, 1998; Tremblay, 2001 e, ainda, em certo
sentido, Rorty, 2004 e Vatimo, 1998, 2004.
5
Um trabalho recente e específico sobre a caridade da Igreja Universal é a tese de doutorado de Eva Scheliga,
depositada em dezembro de 2010 na Universidade de São Paulo. Essa tese, todavia, não menciona as mudanças
da caridade Iurdiana a partir dos três eixos que serão apresentados como defendidos pela IURD sendo
aparentemente os mais importantes (Projeto Jovem Nota 10, Fundação Pestalozzi e Fazenda Nova Canaã,
posteriormente descritos). Através da comparação entre as ações sociais dos Universais e de outros protestantes,
a autora oferece uma análise minuciosa da trajetória da beneficência da IURD que veio substituindo o
assistencialismo emergencial por empreendimentos pautados nas concepções de responsabilidade social e
cidadania, e fomentados por ideais de evangelização que mobilizam um “saber fazer”. Os principais pontos
abordados pela autora serão tratados nesse terceiro capítulo.

16
inicial e substancialmente emergencial6, sendo substituída aos poucos por uma filantropia
voltada aos membros da própria Igreja, demonstrando a relevâncias das ações assistencialistas
para o engajamento dos fiéis e inserção da IURD na localidade, culminando na
retroalimentação do trabalho proselitista. A filantropia transnacional enfatiza aspectos
distintos da Teologia da Prosperidade, deslocando o apelo ao dinheiro do centro dessa
perspectiva e ressaltando ganhos emocionais e sociais como formas de sucesso. Esse
movimento me fez pensar em duas hipóteses que seguiram no capítulo seguinte a fim de
suscitar as chaves de interpretação para compreender o significado da caridade da Universal
no Brasil. De um lado, a primeira hipótese era a de que a frequência aos cultos e contato dos
membros carentes com os líderes religiosos poderia criar, a partir do desenvolvimento de
novas modalidades de contato, demandas específicas de ajuda, como as educacionais, por
exemplo, voltadas para membros da Igreja; e de outro, uma segunda hipótese seria a de que a
concepção que Deus pode prover prosperidade monetária, quando não alcançada, poderia ser
suprida pela caridade sanadora do mau uso da fé por parte dos fiéis.
A partir dessas inquietações, o capítulo seguinte foi direcionado ao detalhamento das
obras sociais da IURD no Brasil, retratando as ajudas já conhecidas e que aparecem nas
mídias da Igreja como de maior relevância, dando destaque, além disso, ao que denomino no
decorrer da argumentação de “paradigma carioca” – um modelo (talvez temporário) de ação
social que atualmente predomina em muitos estados brasileiros. Mas as observações da
caridade da Igreja Universal no Brasil acabaram por fazer com que as suposições postas como
hipóteses não resistissem por muito tempo. Tornando essa perspectiva ainda mais
interessante, algumas mudanças de extrema relevância ocorreram nos três últimos anos,
deixando o mosaico dessa filantropia um pouco mais complexo. Após o penúltimo trabalho
encontrado sobre a caridade da IURD (datado de 20077) ocorreu o fechamento de muitas das
entidades locais que atendiam sobre a rubrica da Associação Beneficente Cristã (ABC). O
programa educacional Jovem Nota 10 saiu de cena devido à evidência das ações de figuras

6
Ao longo do texto, as expressões “emergencial” e “tradicional” devem ser compreendidas como as práticas
sociais, cunhadas em grande medida pela filantropia católica, que compreendem a assistência imediata aos
necessitados, como distribuição de agasalhos, sopas, itens de higiene e/ou realização de mutirões sociais para
doação desses e de outros itens.
7
O penúltimo texto acadêmico em que aparece a análise de um dos três eixos mencionados é o de Raimunda
Célia Torres, que aborda de maneira sistemática a ABC. Seu trabalho intitulado de “A trajetória da assistência na
Igreja Universal do Reino de Deus (IURD): configurações e significados – um olhar sobre a Associação
Beneficente Cristã (ABC) do Rio de Janeiro” é uma tese de doutorado defendida em agosto de 2007 e vinculada
ao Programa de Pós-graduação em Ciência da Religião (PPCIR) da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Infelizmente esse trabalho se encontra indisponível para consulta.

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públicas, principalmente no Rio de Janeiro. Além disso, a Fundação Pestalozzi (orientada
para assistir deficientes), que mantinha parceria aberta com a Igreja e era um de seus grandes
trunfos de promoção social, passou a atender pelo nome de ABADS (Associação Brasileira de
Assistência e Desenvolvimento Social) e a estar vinculada não mais diretamente à IURD, mas
ao Instituto Ressoar (braço assistencial da Rede Record), deslocando o eixo de ligação que era
mantido especificamente entre a Pestalozzi e a Universal. Por último, a Fazenda Nova Canãa
(responsável pela subsistência de pessoas antes vitimadas pelas secas da região baiana), que
encabeçava o Projeto Nordeste (destinado a socorrer carentes do semiárido), foi saindo
paulatinamente do foco das mídias Iurdianas e perdendo, igualmente, o potencial de
repercussão positiva que desempenhava no papel de assistir a pessoas atingidas por
fenômenos naturais.
O movimento de alternância das práticas de assistência se comprovou como comum /
típico da Igreja Universal quando observei a filantropia Iurdiana mineira, cuja assistência não
corresponde ao observado dos demais estados. A descrever o assistencialismo realizado a
partir da coordenadas dos líderes de Belo Horizonte reservou-se o sexto capítulo desse
trabalho. Sem praticar ações sociais direcionadas a não crentes, e deixando de lado a prática
emergencial, os mineiros também não desenvolvem uma filantropia centrada em figuras
públicas ou parcerias políticas evidentes. Predominam cursos de caráter educacional,
destinados, entretanto, a um volume bem pequeno de membros, se levado em conta o grande
percentual de pessoas que frequentam os cultos todos os dias. Frente a esse cenário, faltava-
me vislumbrar, então, quais eram os alicerces dessa outra modalidade de ajuda fraterna;
conclusões que quando postuladas significam que a Igreja Universal dá um salto no sentido de
diversificar as formas atuais de ajudar os necessitados, amparadas por outras motivações e
funcionalidades.
O capítulo sete, enfim, fecha essa dissertação apresentando as considerações que
tentam explicar os “tubulões” sustentadores da caridade da IURD de Minas Gerais,
evidenciando o requerimento de um “jeito de ser” específico para que haja recebimento das
benesses. O modo como os Iurdianos desenvolvem as ações sociais em Minas ressalta que são
acionados distintos “modelos” de assistência social nos diversos lugares em que a Igreja está
inserida, rubricas sob as quais se desenvolvem distintas formas de fazer ação social. Os
dizeres que se encontram no excerto retirado do site da IURD declaram, nas palavras deles, os
intuitos dessas ações:
“O amor tem o poder de transformar e erguer o caído. (...) O amor é um dom
de Deus. E somente aquele que está perto dEle consegue sentir. Um exemplo
de amor ao próximo são os voluntários da Igreja Universal do Reino de Deus

18
(IURD) espalhados por todo o Brasil e ao redor do mundo. Eles dedicam suas
vidas, visitando diariamente comunidades, hospitais, além de abrigos, asilos,
presídios e casas de recuperação de drogados. O objetivo é levar uma palavra
de fé aos que ainda não experimentaram a misericórdia do Senhor Jesus”
(Fonte: http://www.arcauniversal.com/iurd).

As elucidações que seguirão nesse trabalho visam por em palavras as consequências “não
premeditadas” dessas misericórdias, mostrando outra face da dinâmica central da “guerra
espiritual” vivenciada pelos Universais: a da disputa entre eles mesmos. Os argumentos que
serão apresentados procuram evidenciar como esses membros ocupam posições distintas e
bem marcadas a partir da participação nas diversas atividades desenvolvidas sob a alcunha da
assistência, e ainda, acabam por reforçar a fé em Deus e as concepções de prosperidade
arraigadas em suas crenças. Desse modo, fazer o bem ao outro se torna um dos possíveis e
aspirados meios de ascender na rígida hierarquia da Igreja. Abre-se a discussão.

19
1. Condições de produção do texto e definições metodológicas

Para pensar qual o significado da filantropia Iurdiana era preciso observar como se
desenvolviam essas práticas, em quais espaços elas eram realizadas, quem eram os ajudadores
e os necessitados, se havia algum tipo de remuneração dada aos colaboradores, se o
assistencialismo contava com um corpo profissionalizado para desenvolver as ajudas
providenciadas pela Igreja e, ainda, se temas da filantropia leiga, tais como o de
responsabilidade social, promoção da cidadania e direitos dos pobres apareciam nos discursos
que acompanhavam essas práticas. Esses eram objetivos organizados em pontos/perguntas
iniciais a serem respondidos durante a pesquisa. Desde já ressalto que os vocábulos utilizados
nessa dissertação, como “fraternidade”, “assistencialismo”, “caridade” e “ação social”, são
empregados no decorrer do texto em um mesmo sentido, a fim de apontar para a descrição das
obras sociais da IURD. Contudo, esse viés não significa o entendimento de que tais práticas
são um conjunto homogêneo de ações e significados. Porém, uma superposição terminológica
foi observada na própria prática Iurdiana e, em razão isso, ela foi estendida ao texto,
marcando o fato de que uma distinção minuciosa teria pouco a acrescentar para a abordagem e
os sentidos percebidos.
Buscando alguém que pudesse me ajudar a acessar a Igreja Universal para dar início às
observações, eu me reaproximei de uma conhecida que já frequentava a Universal há 08 anos
e tinha um relacionamento próximo com algumas pessoas da liderança. Assim, solicitei a ela
que pudesse me apresentar a algum pastor ou voluntário envolvido nas obras sociais para uma
conversa informal sobre o trabalho com os pobres. Foi nessa ocasião que descobri que as
obras Iurdianas de Minas Gerais tinham uma “sede” na qual eram realizadas as atividades
sociais e as reuniões que orientavam voluntários das IURDs regionais para o exercício
fraterno que acontecia fora da Catedral de Belo Horizonte (essa sede será posteriormente
denominada de “Casa Rosa”). Se tratando de práticas sociais, que geralmente são regulares ou
se organizam em função de determinada periodicidade, se comprovava a impressão inicial de
que uma observação participante seria de fato o melhor método para a análise do tema
proposto. Bastava saber se era possível colocá-la em prática.
Antes do primeiro contato com o pastor da Igreja Universal, tive uma inserção
frustrada na Igreja Sara Nossa Terra, quando solicitei o acompanhamento das atividades de
assistência desenvolvidas por eles, uma vez que o projeto inicial dessa dissertação consistia
em realizar uma comparação entre o assistencialismo de duas denominações neopentecostais.
Apesar de eu ter apresentado todas as credenciais requeridas e de certo modo impostas como

20
necessárias, como o comprovante de vínculo com um programa de pós-graduação e ter
experiência evangélica (até os 18 anos eu frequentei uma igreja presbiteriana em Belo
Horizonte de grande destaque), e alegando a idoneidade do trabalho acadêmico, ainda assim,
eles solicitaram um prazo para analisar o pedido. Felizmente não aguardei mais de dois
meses, pois a resposta de tal análise, apesar de meus e-mails e visitas insistentes, nunca
chegou. Em função disso, quando procurei pela melhor forma de iniciar o trabalho de campo
na Universal, com um pouco menos de ingenuidade do que a que expus sobre as tentativas na
igreja anterior, eu procurei alguém que pudesse “garantir” minhas credenciais ou ao menos
proporcionar-me uma rotina de entrevistas, se fosse o caso. Esforcei-me para que esse contato
desse certo, em função do tempo curto de um trabalho dissertativo. Jamais imaginava a
relevância desse caminho de “indicação”. Posteriormente pude perceber como ele se aplicava
de maneira ainda mais importante para restringir/selecionar os próprios membros que
recebiam a assistência Iurdiana.
O presente trabalho, portanto, foi realizado em Belo Horizonte, durante o ano de 2009
e 2010 com um “campo” que teve duração de quase um ano, interrompido apenas por um mês
de férias coletivas dos voluntários da Igreja Universal, férias referentes ao período das festas
de dezembro a meados de janeiro. O programa observado foi o que organiza as atividades
sociais de Minas Gerais, a saber, o A Gente da Comunidade, que me permitiu, uma vez ali
inserida, o contato periódico com voluntários diversos, beneficiados e pastores. Por meio
dessa observação pude adentrar quase diariamente um espaço restrito a poucos e selecionados
membros, ocasiões em que conheci a rotina e o funcionamento da maior parte das atividades
de assistência realizadas, incluindo a participação em reuniões administrativas e deliberativas.
Talvez por não perceber de imediato a importância de ter sido indicada por minha conhecida,
achei fácil acessar os pastores e voluntários da Universal, e os tive na conta de mais
receptivos que os da igreja anterior. Mas com o passar dos meses, as exigências de que eu me
vinculasse à IURD aliada ao meu inegável “jeito de não ser Universal” foram tornando a
convivência particularmente delicada, e antes mesmo que eles pudessem me convidar a deixar
de observá-los, interrompi o período de observação. Como o trabalho de campo tinha sido
razoavelmente satisfatório par alcançar os quesitos “variância” e “saturação” 8 tentei garantir
ao menos que as inevitáveis consequências da “invasão” de um pesquisador não pudessem
causar danos significativos aos pesquisados ou comprometer os dados recolhidos,
inviabilizando assim a divulgação posterior dos resultados desse contato.

8
Conferir as discussões sobre confiabilidade e validade de pesquisa de Babbie, 2004 e Dykema e Schaeffer,
2000.

21
Infelizmente meu conhecimento sobre a positividade de submeter essa forma de
inserção no campo e metodologia de coleta de dados ao Comitê de Ética de Pesquisa foi
alcançado com o trabalho já relativamente desenvolvido, fato que considero uma das
principais limitações que o presente texto carrega em sua constituição enquanto trabalho
científico9. O que de alguma forma minimiza o impacto dessa ausência é que muitas das
informações por mim utilizadas encontram-se publicamente disponíveis em sites e blogs, bem
como em páginas pessoais dos envolvidos. Ademais, grande parte das contribuições dos
Iurdianos à minha pesquisa foi “negociada” em troca de minha prontidão em ajudá-los na
realização de algumas das iniciativas sociais, e de meu explícito interesse em ouvir alguns
“desabafos” sem apresentar juízos religiosos. Essa espécie de trade off se colocou como
condição sine qua non para a realização da pesquisa de campo, atenuada, acredito, pelo
compromisso de boa fé da pesquisa acadêmica e pela preocupação sociológica – para os
atores envolvidos pouco interessante e até mesmo confusa – que levei comigo tentando
alcançar certa neutralidade. Apesar disso, minha posição de pesquisadora foi declarada
explicitamente desde o início, condicionando minha disponibilidade frente à autorização de
permanência. Embora essa posição pudesse levar a “riscos” consideráveis, acho que ela pôde
me fornecer mais substratos que problemas. Como a abordagem teórica proposta não era de
interesse dos evangélicos Iurdianos, e meu acesso a esses bastidores não produzia diretamente
resultados nem de “desejabilidade” social nem de denúncia difamatória, não sofri qualquer
constrangimento por parte dos Universais, embora tenha descartado qualquer possibilidade de
feedback dos agentes ou de pesquisa de “ação participatória” (PAP), pois eles já o tinham
feito bem antes. Acredito que, embora a conclusão sociológica aqui levantada possa
incomodar em alguma medida os envolvidos (pois as perspectivas sociológicas sobre os
fenômenos religiosos trazem sempre certo desconforto aos fiéis), dificilmente é possível
encontrar um compêndio das principais obras sociais desenvolvidas pela IURD tal qual será
feito, obras que afinal são muitas de fato, podendo surpreender alguns leitores.
Eis algumas escolhas metodológicas decorrentes então. Como eu não tive acesso
irrestrito a todos os participantes da casa onde aconteciam as ações sociais, “optei” pela
amostragem de “bola de neve”, ou seja, uma pessoa indicando outra, pois a via da indicação
era a única forma de conversar com muitos deles, visto que todos sempre estavam
demasiadamente ocupados com as muitas funções, o que aos poucos foi descortinando aos
meus olhos as precariedades da caridade mineira. Não chamo de entrevistas as conversas que

9
As reflexões sobre ética na pesquisa utilizadas para pensar a metodologia desse trabalho podem ser encontradas
em Babbie, 2004; Scarce, 1999; Whyte, 1993; Rouanet, 1990; Oliveira, R., 2006 e Nunes, 1978.

22
mantive com os vários envolvidos na ação social da IURD, pois não recebi autorização de
gravá-las, não as pude fazer mediante um roteiro de perguntas previamente estruturado e,
alguns desses diálogos, não passaram de 20 minutos. Em contrapartida, outras vezes, quando
tinha a permissão de registrar as conversas, escolhi não fazer nem por meio de tópicos em um
papel, para não perder a pequena abertura dos que me prestavam informações que ao ver deles
eram tidas como privilegiadas. Como a Igreja Universal já foi alvo da crítica de muitos
pesquisadores, de leigos, de jornalistas e até mesmo de ex-líderes da IURD (obreiros,
pastores, bispos) adentrar o espaço da filantropia da Catedral de Belo Horizonte já era, para
eles, um grande favor que me concediam. Portanto, esses accounts (Orbuch, 1997) foram
sendo anotados como relatos, numa espécie não propriamente de caderno de campo, mas de
rascunhos que paulatinamente eram relidos, repensados e transportados – da devida maneira –
ao corpo desse trabalho.
Com o passar do tempo e aumento de minha interação no espaço, pude ir checando
alguns termos que ouvi desde o início, e que cujo conteúdo carecia de ser preenchido pelos
próprios pesquisados, ressalvando-se, evidentemente, que tais expressões muitas vezes não se
apresentavam como “totalidades” claras e suficientes. Posso citar como exemplo os
significados (tratados ao longo dos demais capítulos) das expressões “fé arrojada”, “ganhar
almas”, “guerrear”, “tomar posse”, entre outras formas de pensamento que viriam a
amadurecer e ampliar meu entendimento a respeito, inclusive, dos artigos e livros acadêmicos
que eu estava lendo sobre a Igreja Universal na época. Algumas das coisas que aprendi
durante o período que passei com eles configuraram palavras das quais lancei mão para que,
de algum modo, sintetizassem determinadas circunstâncias, valores e crenças desses
membros; complexidade difícil de descrever, mas da qual raramente nos esquecemos ao
convivermos com um deles. Eis as principais expressões: “jeito de ser Universal”, “paradigma
carioca”, “ethos empreendedor disciplinado”. Esse último, fruto do diálogo com o
pesquisador Marcelo Camurça, no momento de defesa da dissertação.
Na Universal convivi com três pastores, sendo que dois deles pouco acrescentaram à
pesquisa, pois eram auxiliares e cuidavam de outras áreas (apesar de frequentemente se
envolverem com a assistência social no intuito de abençoar os voluntários participantes). O
outro, responsável por gerenciar todas as atividades caritativas do estado de Minas Gerais,
conversou comigo muitas vezes e me concedeu informações fundamentais sobre o que os
Iurdianos realizavam, quais eram as periodicidades de cada benesse, quem eram os parceiros
da IURD e como eram alcançadas ajudas decorrentes dessas parcerias. Como nossa faixa
etária era bem próxima e ele era recém-chegado na tarefa de sozinho coordenar as obras

23
sociais de Minas Gerais, parece que a simpatia que manteve em relação a mim o fez inclusive
se informar de detalhes que até ele desconhecia para que pudesse me explicar minúcias que
com as quais tive dificuldade. Além disso, esse pastor me apresentou a maior parte dos
coordenadores dos cursos, com os quais pude conversar sobre as especificidades de cada
tarefa. Obviamente, toda essa cordialidade não durou muito tempo, pois ele nutria
expectativas de que eu tivesse uma “conversão efetiva” (digo isso porque mencionei para ele
que uma vez que já tinha ido ao culto da IURD) e que, sendo universitária pós-graduanda,
pudesse me juntar ao grupo de membros da Igreja. Não posso deixar escapar que o fato de eu
me apresentar como uma pessoa “relativamente evangélica” me possibilitou acessar códigos,
experiências e pessoas que provavelmente me seriam vedados caso eu me declarasse de outra
religião. Assim como esse viés corroborou para validar algumas observações pretendidas, por
outro lado, reconheço que pode ter obscurecido significativamente outras, visto que
determinadas percepções necessitariam uma posição de pesquisa que minha própria
“confissão religiosa” me impossibilitou alcançar. Fui considerada para alguns conhecidos
acadêmicos como sendo muito religiosa, e para alguns dos religiosos, como alguém que fazia
críticas contundentes demais; posição essa compartilhada por muitos estudiosos que
professam alguma fé.
Além dos pastores que conheci, coletei relatos (histórias e explicações) de seis dos oito
coordenadores dos projetos sociais desenvolvidos. Porém não consegui conversar com as
responsáveis pelo curso de cabeleireiro, de inglês e de artesanato. Essas três mulheres só
frequentavam o espaço de assistência no dia e horário em que ministravam as aulas, e quase
não compareciam às reuniões quinzenais em que o pastor orientava todos os voluntários dos
projetos. Além desses contatos, por sugestão do pastor coordenador das obras sociais,
participei como voluntária do programa de alfabetização que era oferecido duas vezes por
semana, com aulas de 02 horas. Eu chegava bem mais cedo e isso me permitia muitas vezes
sentar na sala anterior à recepção, onde era feita a “triagem” dos assistidos (no caso de virem
encontrar com os assistentes sociais ou com as advogadas). Assim como numa sala de espera
de atendimento médico, eu conversava com eles (que vez ou outra voltavam para uma
segunda e terceira visita), fato que ampliou ainda mais meu horizonte de compreensão do
assistencialismo Iurdiano. Além do contato com essas pessoas, me tornei bem conhecida dos
alunos do curso de alfabetização que compunham a maior turma de todas as atividades
oferecidas, eram 25 pessoas, apesar de nem todas irem às aulas regularmente. Com esses
assistidos também pude esclarecer dúvidas e aumentar o campo de observação. Um adendo: o
acesso ao trabalho com os presidiários me foi proibido por restrição de gênero, pois, segundo

24
os demais voluntários, o trabalho com presidiários era realizado apenas por homens (o que
parece oposto a alguns relatos de que há mulheres assistindo às carcerárias em Belo
Horizonte).
Fora da Igreja Universal, recorri ao jornal de circulação nacional e periodicidade
semanal produzido pela IURD, a Folha Universal. Tive acesso a muitos jornais impressos,
pois são distribuídos na própria Igreja, e também aos jornais que eram anteriores à minha
inserção no campo, pois estavam disponíveis em versão digitalizada online, dispositivo que eu
utilizei para compor num mesmo arquivo as reportagens mais importantes que encontrava no
jornal impresso. O critério de leitura que utilizei foi o de selecionar as reportagens por ordem
cronológica, exportando-as para um documento que me possibilitava aumentar a letra das
notícias, formar um arquivo com todas elas, lê-las com tempo, e ainda, buscar todos os relatos
sobre um mesmo programa social, independente de data e estado em que era realizado,
permitindo assim comparar se tal programa ocorria segundo um “padrão” ou guardando
similaridades. A arbitragem da seleção das notícias seguiu o próprio modo de organização
dessas reportagens por parte dos Universais, que as dividem em 21 seções distintas dispostas
no site da Folha. As matérias que foram compiladas eram principalmente referentes às seções:
Matéria da capa, Internacional, Nacional e Política e Fé, que frequentemente traziam
notícias específicas sobre a assistência social da Igreja. As demais seções eram visualizadas a
fim de que não se perdessem demais relatos sobre as ajudas – descrições que porventura
estivessem espalhadas em outras partes. Li também atentamente os testemunhos de superação,
os relatos sobre os momentos semestrais da campanha Fogueira Santa de Israel, e a seção
Especial desse mesmo folhetim, que traz periodicamente palavras do bispo Macedo, relatos
de casamentos felizes, testemunhos diversos de cura e prosperidade, entre outros que
possibilitaram meu entendimento sobre o modo como esses crentes pensam e organizam a
vida a partir da fé que possuem. As demais seções traziam notícias gerais sobre saúde,
trabalho, entre outros; assuntos que poderiam ser encontradas em qualquer jornal comum.
Outra estratégia que possibilitou cotejar a observação participante através de análise
secundária foi a leitura do portal de notícias Arca Universal e do site oficial da IURD, além
de recorrer a muitos sites e blogs dos programas da Igreja e dos líderes religiosos de maior
destaque. O portal Arca Universal traz, entre muitas reportagens diversas, menções sobre as
atividades sociais realizadas em vários estados do Brasil e em muitos outros países. Também
o li em ordem cronológica começando pelas mais atuais, pois as notícias estão dispostas em
formato próximo ao de um blog; destaca-se o fato de que muitas das ações sociais descritas ali
não são encontradas na Folha. Os países que mais apareceram nos relatos do assistencialismo

25
Iurdiano e que consequentemente serão mencionados nesse trabalho são: África do Sul,
Angola, Portugal, Moçambique, Namíbia e Brasil. No site principal da Igreja pude achar
ainda reportagens de grande destaque sobre a Associação Beneficente Cristã e sobre as outras
três aparentemente mais importantes frentes de ação social da Igreja. Na segunda metade do
ano de 2010, o site foi retirado do ar e as informações contidas nele foram substituídas por
pequenos textos dentro do portal Arca Universal e nessa transferência, a menção sobre a
parceria com a Fundação Pestalozzi foi totalmente omitida. O destaque foi dado ao Projeto
Nordeste e ao Projeto Jovem Nota 10 (que serão mais descritos com detalhe no quinto
capítulo). Mas esses projetos apareceram dividindo espaço com outras iniciativas sociais
como o trabalho das mulheres, o auxílio aos presidiários e menores infratores, além do projeto
de alfabetização de adultos, juntamente com o A Gente da Comunidade (atual organização das
ações de assistência a nível estadual, mas que se diferencia razoavelmente dependendo da
localidade). Esses vários trabalhos passaram a se destacar na Igreja, além da atividade
desenvolvida com as crianças e os movimentos de evangelização, que também passaram a
figurar como destaques de obras sociais. Até a finalização do presente trabalho, a
reorganização do site da Igreja Universal não produziu nenhum texto explicativo mais
específico sobre como a IURD organiza sua filantropia. Esses projetos estão expostos no site
apenas como figuras com hiperlinks que direcionam o leitor a uma pequena explicação sobre
a atividade, dizeres esses acompanhados por outro endereço de site, referente a cada projeto
(fonte para consulta: http://www.arcauniversal.com/iurd/obrassociais).
Ao todo, foram pesquisados um pouco mais de 60 jornais compreendendo o ano de
2009 e 201010, além de todas as notícias da Arca Universal correspondentes a esse período
(cerca de 1.080 pequenas notícias, algumas incluindo relatos de obras sociais). Apesar de
encontrarmos em todo esse material apenas uma única citação de “fracasso” das obras sociais
(o problema de embargo do Projeto Cimento Social do senador e bispo Marcelo Bezerra
Crivella, que será também descrito posteriormente), as demais notícias narram
acontecimentos como mutirões, parcerias, campanhas, vigílias, evangelismos,
aconselhamentos, eventos, dicas e reflexões diversas. Alguns relatos que interessavam para
esse trabalho, intuindo triangular a coleta de dados, puderam ser conferidos também em textos
acadêmicos11 e em outros jornais e revistas (que estarão mencionados ao longo da

10
Haverá ao longo do trabalho poucos relatos referentes ao período de 2011, todos referentes ao mês de janeiro.
11
Dois textos importantes que poderiam conectar a abordagem aqui proposta com análises já consolidadas sobre
a Igreja Universal do Reino de Deus não foram citados pela dificuldade de acesso em função de estarem
esgotados em suas editoras e de não serem encontrados em sebos ou bibliotecas locais. São eles: ORO, P. e
CORTEN, A. A Igreja Universal do Reino de Deus: novos conquistadores da fé. São Paulo: Paulinas, 2003 e

26
argumentação proposta) de modo a comprovar a veracidade dos mesmos e muitas vezes tentar
controlar os números superestimados e repetidos que essas descrições apresentavam.

***

Ressalta-se para o leitor que as aspas duplas estão sendo utilizadas em sentidos
diversos. Algumas vezes chamando atenção para expressões muito conhecidas no âmbito da
sociologia e que já suscitaram diálogos diversos para além da possibilidade de exemplificação
dessa dissertação. Em certos pontos, as palavras aspadas devem ser lidas com cuidado, uma
vez que não encontrei melhor nome para descrever ou qualificar aquilo a que se referem.
Podem mencionar também termos próprios utilizados por autores em suas publicações e,
ainda, conter os excertos de citação. Os termos postos em itálico são referentes a expressões
em outras línguas ou a nomes de projetos, campanhas e grupos conhecidos por determinada
rubrica, como igrejas, jornais, cruzadas e projetos. Também podem ser referir a títulos de
textos e livros ou a determinados excertos de falas dos pesquisados.
Por último, com vistas a preservar a identidade dos envolvidos na pesquisa de campo
realizada em Belo Horizonte opto por omitir todos os nomes que os possam identificar, bem
como algumas informações que facilitem em demasia o acesso a eles. Nos relatos da
filantropia da IURD transnacional, entretanto, muitos dos dados utilizados nessa dissertação
são de produção e registro dos próprios líderes religiosos, disponíveis publicamente em blogs
pessoais ou nos sites dos vários movimentos da Igreja; como a menção de alguns programas
tem a participação ou criação diretamente relacionada a um nome conhecido, a referência a
eles foi eminentemente necessária.

CAMPOS, L. Teatro, tempo e mercado: organização e marketing de um empreendimento neopentecostal. São


Paulo: Ed. Vozes, 1997. Como parte significativa de seu conteúdo já foi amplamente divulgada e se encontra
absorvida em outros textos que versam sobre a temática da IURD, algumas dessas considerações estão citadas
via outras referências.

27
2. Algumas considerações sobre a caridade desenvolvida por católicos e
evangélicos no Brasil

A prática da caridade sofreu alterações importantes durante os séculos de existência do


cristianismo e das muitas alternativas religiosas que dele se desdobraram. De modo geral, a
fraternidade não teve um desenvolvimento linear, o que torna árdua a tarefa de remontar até
mesmo algumas das principais transformações da prática beneficente. Para compreender
determinadas mudanças das ações sociais religiosas, o primeiro ponto de referência utilizado
nesse trabalho é a sociologia weberiana. Max Weber não deixou escapar de suas análises que
a natureza da caridade foi se modificando, desde a origem do amor ao próximo como
postulado ideal que passou a ser o norteador das relações sociais cristãs até as práticas
diversas de assistencialismo, que, aos olhos do autor, só surgiram após certa racionalização da
religião.
Em Rejeições religiosas do mundo e suas direções12, Weber aborda o tema da
fraternidade procurando mostrar como na religiosidade própria dos vizinhos13, os princípios
de conduta social e ética existentes foram universalizados em direção a um amor acósmico,
sem objeto, tornando-se uma ética religiosa de irmandade, ou seja, dando origem à noção
ideal de fraternidade. A ética de “associação dos vizinhos” tinha como preceito elementar a
distinção – “nosso grupo” e “grupo exterior” (princípio do dualismo), além da máxima da
reciprocidade: “o que fizeres, eu te farei” (Weber, 2002, p. 230). Segundo o autor, esses
princípios significaram para a vida econômica a obrigação de prestar ajuda fraternal em caso
de necessidade. Os ricos e nobres deviam emprestar sem cobrar juros para os que não eram
proprietários, conceder créditos, proporcionar hospitalidade e ajuda. Os homens não
proprietários eram obrigados a prestar serviço a pedido de seus vizinhos e na propriedade do
senhor sem remuneração a não ser a de subsistência. Com os de dentro, preponderava uma
caridade afetuosa. Já com os do “grupo exterior”, valia o regateio nas diversas relações
comerciais e a escravização resultante de dívidas.
A religiosidade de congregação foi a responsável por transferir a ética econômica de
associação dos vizinhos para as relações entre os irmãos de fé, fazendo do modo de tratar os
de dentro um modelo de fraternidade, próprio de religiões universais de salvação, um ideal
direcionado não mais só aos de dentro, como também aos de fora, uma postura de caráter

12
Uma versão desse texto pode ser encontrada na coletânea organizada por H.H Gerth e C. Wright Mills,
intitulada Ensaios de Sociologia, publicado pela editora LTC em 2002.
13
Segundo o autor, a ética de associação dos vizinhos era própria de comunidades aldeãs, clãs e guildas.

28
universalista. Mas, quanto mais a religião da fraternidade se aproximasse desse ideal, maior
seria o choque com as ordens e valores deste mundo. Nas palavras do autor:
“Quanto mais imperativos surgiam da ética de reciprocidade entre os
vizinhos mais racional se tornava a concepção da salvação, e mais era
sublimada numa ética de finalidades absolutas. Externamente, tais
mandamentos chegaram ao comunismo de uma fraternidade afetuosa;
internamente, chegaram à atitude de caritas, ao amor ao sofredor per se, pelo
próximo, pelo homem, e finalmente pelo inimigo. (...) A religião da
fraternidade sempre se chocou com as ordens e valores desse mundo, e
quanto mais coerentemente suas exigências foram levadas à prática, tanto
mais agudo foi o choque” (idem, p. 230-231).

Mostrando a tensão permanente entre religiões proféticas e redentoras com o mundo e


suas ordens (suas diversas esferas) a caridade é mostrada por Weber como uma exigência
cristã que não poderia ser levada às últimas consequências enquanto prática. O exercício da
caridade afetuosa, prescrito pelo ideal de fraternidade e universalizado a partir da ética de
associação dos vizinhos, entrava em conflito com a esfera familiar, econômica, política,
erótica, tornando seu exercício uma custosa impossibilidade para o fiel. Para fugir dessas
tensões, Weber analisou dois caminhos possíveis de resolução desse impasse: de um lado, o
misticismo14, que exacerbava ainda mais a caridade tornando-a uma atitude desmedida de
renegação e, de outro, a ética puritana da vocação. Interessa, para os fins dessa discussão, o
caminho desbravado pelo protestantismo ascético, pois seu advento restringiu o afeto
caritativo deslocando-o apenas para o serviço aos deficientes e excluídos sociais. Esse
caminho trilhado pela ética puritana significou uma verdadeira reviravolta no próprio ideal de
caridade. E esse sentido novo de fraternidade foi o caminho tomado pela Igreja Católica, da
qual se tratará nas próximas páginas.
A ética puritana postulava que todo o trabalho era rotinizado neste mundo como sendo
um serviço à vontade de Deus, limitando assim a prática da fraternidade ideal e dotando de
coerência a restrição das ações caritativas. Explicando: A guerra dos protestantes não era
contra a aquisição de riquezas, mas sim quanto ao modo de uso dos bens adquiridos, dos quais
os homens se viam apenas como fiduciários do que lhes fora entregue por Deus. A posse de
bens era condenável apenas no sentido de oferecer o risco do gozo da riqueza e consequente
ócio, levando ao relaxamento quanto à “carne” e ao desvio da vida de retidão. Como o
trabalho e a prosperidade passaram, pelo ascetismo puritano, a serem formas de confirmação
da predestinação à graça de Deus, só poderiam ser ajudados aqueles que fossem inaptos para

14
Weber mostra que o misticismo representava uma forma peculiar de fuga do mundo, uma “santa prostituição
da alma”, que vê o próximo como aquele que cruza ocasionalmente o caminho do indivíduo e se nivelando em
valor com ele apenas por seu pedido e necessidade leva a uma entrega altruísta, de amor sem objeto, daquele que
“dá a capa quando se pede a túnica”. (Ver Weber, 1991 e 2002).

29
dedicarem-se à vida de diligência. Ou seja, o ideal de fraternidade, que aparecia como prática
aos de dentro e aos de fora no sentido de uma afetuosidade caritativa, se projetava, através da
racionalização do trabalho, numa caridade assistencialista voltada apenas para os
incapacitados ao exercício de atividades laborais – deficientes, órfãos, injustiçados.
A disciplina do fiel capacitado através da rotinização racional do trabalho traduziu a
prosperidade como manifestação da graça de Deus, limitando as ações fraternais a serem
realizadas apenas a alguns e de modo racionalmente organizado. O desemprego dos demais
era visto como culpa deles mesmos, e a esmola, caso destinada a eles, seria uma violação do
amor ao próximo. Assim, o sentido tradicional e anterior de caritas foi dotado de outro
significado e foi posto como que entre parênteses. Aparece desse modo em Weber:
“As tentativas místicas e intelectuais específicas de salvação frente a essas
tensões (com o mundo) sucumbiram por fim ao domínio mundial da não
fraternidade (...). Em meio a uma cultura que é racionalmente organizada
para uma vida vocacional de trabalho cotidiano, dificilmente haverá lugar
para o cultivo da fraternidade acósmica (...)” (idem, p. 248).

O rumo da fraternidade na Igreja Católica, ao menos na prática do catolicismo


romano, parece mesmo ter seguido esse caminho de restrição da caridade, aliado a uma
concepção teológica distinta de sistematizar a ética das boas obras. Esse primeiro quadro a
respeito da caridade católica foi dado por Weber em Economia e Sociedade (1991), texto em
que é possível vê-lo argumentar que a fraternidade católica estava baseava no “princípio de
conta corrente”. Cada ato de bondade ou de pecado era avaliado de modo separado, recebendo
uma imputação positiva ou negativa. As ações de cada um seriam calculadas em sua
proporção de acordo com as intenções individuais, que não eram consideradas qualidades
definitivas da personalidade, mas uma questão momentânea de “opinião”. Ou seja, a doação
de esmolas pura e simples já significava um aumento nas chances de salvação do indivíduo
desde que não pesasse sobre ele um fardo maior de ações negativas. A Igreja Católica,
restringindo a prática da caridade aos necessitados e deficientes, tal qual propunha a ética
puritana, e embasada no “princípio de conta corrente”, teria dado origem a um
assistencialismo sistemático e regular, contudo, preocupado apenas com as necessidades
imediatas e emergenciais dos indivíduos. Esse quadro oferecido por Weber aparece
profundamente alterado se tomado como referência o decorrer do século XX. Se comparados
às transformações do assistencialismo católico brasileiro, tais esboços soariam como tipos
meramente ideias. Apesar de a caridade católica ser interpretada por muitos como aquela que
cultiva a mendicância por ser exclusivamente assistencialista, no sentido de cooperar para a
apatia dos pobres, ela já se caracteriza por facetas distintas que minam as bases do modelo

30
weberiano, invalidando a possibilidade de utilizá-lo como arcabouço interpretativo dessas
práticas beneficentes.
Talvez uma das características mais importantes e certamente a maior particularidade
da caridade católica frente a outras formas de ação social religiosa no Brasil é que a Igreja
Católica sempre assumiu parcerias diversas com o Estado (Lowy, 2000; Simões, 2004), se
tornando assim uma grande promotora de benesses aos menos favorecidos. As ações sociais
dos católicos e a institucionalização dessas práticas foi bem dizer um processo em que por
meio de diversos e paulatinos “acordos”, o Estado relegava funções sociais e de assistência à
Igreja Católica. Na busca pela captação de recursos e motivados pela ação de um espírito
nobre, cuja ação moral visava também reduzir conflitos e revoltas, a Igreja Católica, em sua
posição anticapitalista, firmava seus serviços caritativos montando estatutos filantrópicos,
adotando normas para atendimentos e cunhando critérios a fim de ampliar as ajudas
oferecidas (Silva, 2006, p. 329). Os religiosos centravam suas práticas nos auxílios em
hospitais, asilos e dispensários e, assim, acabavam por contribuir para a formação de
enfermeiros e médicos vinculados a essa religiosidade.
Foi, sobretudo após a Proclamação da República e do processo de romanização da
Igreja Católica que, a partir do início do século XX, a caridade passou a ser uma “máquina de
guerra” no intuito de garantir a hegemonia do catolicismo enquanto religião predominante no
território brasileiro (Camurça, 2001, 2005). Isso não significa que a Igreja Católica
desenvolveu suas práticas de ação social apenas a partir de disputa no campo religioso, mas,
necessariamente, implica a afirmação de que a legitimidade crescente do espiritismo como
alternativa religiosa via caridade, significou, do lado católico, um desenvolvimento muito
mais expressivo e contínuo de boas obras que visavam garantir a manutenção do monopólio
da Igreja. Um dos modos de ampliar o exercício da caridade aconteceu quando a Igreja, a fim
de estimular trabalhos sociais de grande porte, fomentou a fundação de instituições sociais e
assistenciais. Alguns exemplos podem ser citados, tais como: a Associação das Senhoras
Brasileiras, de 1920 e a Liga das Senhoras Católicas, de 1923 (Silva, 2005, 2006, 2009).
A relação de proximidade entre Estado e Igreja Católica nos meados da década de 30
era bem evidente, ressaltando senão o absoluto controle católico da vida civil, ao menos a
colaboração/favorecimento da Igreja por parte da Constituição de 1934, que passou a garantir:
o ensino religioso nas escolas, a assistência religiosa às Forças Armadas e a representação
diplomática junto à Santa Sé, fazendo da Igreja Católica uma espécie de “sucedânea do
Estado” nas questões relativas à educação, saúde e pobreza (Montero e Almeida, 2000, p.
327). O desgaste das relações da Igreja com o Estado se deu apenas a partir de 1950,

31
engrenado pela desestabilidade social decorrente da Guerra Fria, da descolonização da África
e do esforço ecumênico advindo da tolerância com outros credos e práticas religiosas. Assim,
com objetivos além dos de amenizar a pobreza e adentrar nos caminho da salvação, a Igreja
Católica passou a desenvolver, além dos movimentos mais antigos que estimulavam a
caridade emergencial (Congregado Mariano, Filhas de Maria, Apostolado de Oração), outras
iniciativas de caráter social, como os “Movimentos Operários” e “Movimentos de Educação
de Base e da Juventude” (Silva, idem).
Uma entidade católica de grande relevância que já existia em vários países do mundo
sob a rubrica de Caritas Internationalis, surgiu no Brasil em 1956 com o nome de Cáritas
Brasileira e passou a funcionar como entidade de utilidade pública federal capaz de realizar
várias parcerias com o Estado. A transformação da ação social católica, contudo, teve seu
marco mais relevante a partir do Concílio Vaticano II (1962-1965), através das “Diretrizes
gerais sobre a ação pastoral da Igreja” e da Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-
Americano na Colômbia (1968), em que a caridade passou a ser novamente endossada e
valorizada como uma prática que não distinguia pessoas, como uma forma de dádiva gratuita
que não esperava recompensas, como uma virtude a ser alcançada complementando o
encontro com Deus. Essa perspectiva aparentemente próxima do que se entende de modo
geral como caridade, acrescida dos movimentos que se organizaram após o Concílio, mudou,
de certo modo, o foco da rotina e das concepções fraternas no seio católico. Nesse sentido, o
Movimento Trabalhista Socialista Francês, que criticava o catolicismo liberal sem diretamente
desafiar a ordem econômica vigente, acabou por influenciar em muito a Igreja Católica latino-
americana, ajudando a fortalecer a diretriz da Teologia da Libertação (também chamada de
Cristianismo da Libertação) – movimento católico originado na América Latina que centrava
o papel da Igreja na tarefa de libertação dos pobres e na promoção de uma sociedade mais
justa em moldes igualitários.
A Teologia da Libertação desenvolveu-se principalmente no espaço de pastorais e
CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), que passaram a enxergar no pobre uma possibilidade
de encontro com Deus e, assim, trabalhar no sentido de conscientizá-lo e prepará-lo para que,
através da redescoberta do espírito comunitário, reivindicasse direitos sociais, e pudesse
superar o medo e enfrentar a violência e a injustiça institucionalizada. A esmola, assim, passa
a ser considerada pelos adeptos dessa teologia uma atitude humilhante e desnecessária, uma
vez que motivada por uma “emoção carismática”, gerava uma ação apenas momentânea e de
baixa efetividade. As doações de bens e de trabalho deveriam ser feitas por meio do
compromisso e envolvimento com os pobres. A Teologia da Libertação produziria, assim, a

32
categoria “pobre” como ator político na cena pública (Montero, 2006). Apesar de não ter
suplantado completamente a forma assistencialista tradicional de caridade do catolicismo –
que acaba por predominar até os dias de hoje – essa concepção nova trouxe uma alternativa de
ação social voltada à discussão e à militância, com vistas a engajar os fiéis na vida pública, no
sentido de obter políticas governamentais para favorecer os excluídos, delimitando claramente
o espaço da ação pastoral da Igreja e as dimensões da responsabilidade do Estado. Enfim, a
Igreja Católica passou a conservar e a manter em seu interior diferentes concepções de
caridade por vezes antagônicas, mas que quase nunca se confrontam no âmbito de sua
instituição (Landim, 1998, p. 91).
Com o aparecimento e fortalecimento das CEBs e das pastorais (como as da criança,
do menor, da saúde, da terra, carcerária, da juventude), a liderança leiga passou a discutir
efetivamente questões sociais diversas e incentivar os pobres a exigirem respostas do poder
público – responsável pela desigualdade e ator a quem a Igreja passava a relegar o
compromisso com a justa distribuição de bens e serviços. Isso não diminuiu o ensejo dos fiéis
de assistir aos necessitados com agasalhos, sopas e produtos de higiene pessoal, mas ampliou
o modo de exercício da caridade uma vez que a solidariedade também podia levar à ação
política. Muitas das demandas das pastorais, por exemplo, depois de institucionalizadas pela
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) passaram a ser atendidas de maneira bem
mais evidente, como visto nos temas atuais das Campanhas de Fraternidade. Em decorrência
da campanha de 1999, por exemplo, os católicos organizaram a prática da “economia popular
solidária”, que visava articular desempregados e trabalhadores mal remunerados ou
subutilizados a fim de que pudessem constituir suas próprias empresas (Souza, 2007). Já nas
décadas de 80 e 90 do século XX, a assistência, que era predominantemente legada à
responsabilidade do Estado, passa a ser novamente privatizada e a estar significativamente
restrita ao campo de instituições de solidariedade, como, por exemplo, as pastorais.
De modo geral, a forma de praticar a caridade na Igreja Católica ainda é
significativamente emergencial, fato talvez devido à consolidação e reconhecimento que esse
modo de ajuda obteve ao longo dos anos, sendo viável e fácil de organizar15. Seguindo o
raciocínio das alterações do campo caritativo católico e das múltiplas possibilidades de

15
Exclui-se desse breve panorama a respeito da caridade católica uma menção mais detalhada a respeito do
movimento de Renovação Carismática. Entendido como movimento de origem norte americana com ênfase
pastoral e teológica no pietismo e na intimidade da experiência religiosa, difere dos pentecostais protestantes
pelas figuras da Eucaristia, do Papa e de Nossa Senhora (Valle, 2004); esses católicos aparecem como pouco
comprometidos com a ação social, tendentes ao proselitismo acentuado não ecumênico, e não contribuindo com
mudanças significativas no cenário da caridade católica. Eles geraram no interior da Igreja, quando muito, uma
tendência de rejeição à Teologia da Libertação (Souza, 2007).

33
convivência (eclesiástica e leiga) da ação social dentro do catolicismo, outro quadro de
interpretação de tais ajudas pode ser sintetizado com os seguintes dizeres:
“No conjunto do campo da assistência social, das instituições e dos trabalhos
desenvolvidos pela Igreja há tanto projetos que podem ser classificados
“assistencialistas”, como outros que são considerados exemplares em termos
de “educação para cidadania”. Por meio de vários espaços institucionais, de
movimentos leigos, da territorialidade paroquial, a Igreja acaba absorvendo
novas linguagens e novas parcerias no campo assistencial, sem excluir
circuitos mais tradicionais” (Novaes, 2007, p. 29-30).

Apesar deste quadro bem como as demais ponderações sobre a ação social católica serem
apresentados apenas em caráter introdutório e, em certo sentido, serem apenas um
mapeamento superficial, e não poderem inferir especificamente quanto às motivações da
caridade (se salvíficas16 ou não), as múltiplas modalidades de amor ao próximo, cunhadas
pela Teologia da Libertação e pelos movimentos das Comunidades Eclesiais e da ação
Pastoral nos dias de hoje, colocam definitivamente em xeque os princípios de restrição da
caridade e de “conta corrente” como explicador das ações sociais católicas17.
Quadro semelhante foi oferecido por Weber a fim de compreender as atividades
sociais do protestantismo. Para o autor, sobre os protestantes, pairava a “ética da convicção”.
As obras sociais não podiam ser classificadas por meio de ações isoladas e desconexas como
no catolicismo. Elas eram sintoma da manifestação da personalidade ética e realizadas pelos
indivíduos como valores do “habitus global pessoal”. As obras de cada pessoa, dessa forma,
passavam a ser um meio de autoaperfeiçoamento, apresentavam um sentido global de
condução da vida e podiam inclusive variar de acordo com as diferentes máximas espirituais
de comportamento que poderiam alterar conforme as circunstâncias. O “habitus global” era
fruto da doação da graça divina ou poderia ser adquirido através de treinamento racional e
metódico. A “ética da convicção”, portanto, desconhecia esteriotipações rituais e ordens
divinas sagradas em função de uma orientação significativa da vida, caracterizada por
comportamentos adaptáveis e flexíveis.

16
A preocupação com a garantia da salvação se refere à motivação das ações sociais enraizadas no princípio de
contabilidade que segundo Weber era próprio da concepção popular do judaísmo, do catolicismo romano e de
religiões orientais.
17
A caridade espírita, no que se refere à discussão aqui levantada, pode ser considerada uma variação pouco
diferenciada da católica emergencial. Visando contribuir para o aperfeiçoamento da humanidade e a fim de
evoluir o “espírito” nas trajetórias encarnacionais que atravessam, os espíritas, crentes na beneficência da
caridade, destinam dinheiro, tempo e serviço para instituições específicas, e para a construção de bibliotecas,
escolas e centros. Motivados por uma doutrina de desinteresse e gratuidade da doação, esse grupo acabou por
conseguir que suas crenças fossem reconhecidas e pudessem se consolidar como uma alternativa religiosa longe
das acusações de serem eles curandeiros e charlatões (Novaes, 2007). A fraternidade espírita foi a via de
transformação da magia e do sortilégio dessa religiosidade em caridade moral e cooperou para regularizar tal
prática religiosa como promotora de obras sociais positivas (Camurça, 2001).

34
Enquanto a caridade católica, seguindo os rumos da ética puritana, restringiu a prática
caridosa a um grupo de pessoas inaptas ao trabalho, fragilizadas e deficientes, o
protestantismo, como mostraram as seitas18 da América do Norte no início do século XX,
cunhou uma prática fraterna também restrita, mas não aos excluídos ou marginalizados, mas
sim, direcionada apenas aos membros da própria seita. O pertencimento a uma seita garantia
a seus fiéis qualidades morais, além de crédito e ajuda de todos os modos no sentido de Lucas
6:35 (emprestar e não esperar receber de volta o emprestado). Quando, por motivos alheios à
vontade, o indivíduo se encontrava em apuros financeiros, as seitas batistas, metodistas ou
semelhantes não permitiam que os credores fossem prejudicados, ajudando a reorganizar o
negócio do fiel, pois consideravam seu direito o auxílio fraternal e a assistência sem ou com
baixíssimos juros. Diferentemente da Igreja, vista nessa comparação como uma corporação
que organizava e administrava a graça e os dons religiosos, e cuja filiação era em princípio
obrigatória, e que nada provava quanto às qualificações de seus membros, as seitas eram
associações voluntárias daqueles indivíduos que eram religiosa e moralmente qualificados.
Era admitido na seita aquele que, por votação, depois de exame e comprovação ética
se mostrasse dotado de virtudes. Essa associação estava longe de aceitar qualquer pessoa de
braços abertos como aceitava um dos seus, e longe também de oferecer aos de fora qualquer
ajuda que se aproximasse da que era oferecida aos de dentro. A seita, além de regulamentar a
participação na Ceia do Senhor, coagia seus membros à prática de uma disciplina afetuosa
muito rigorosa, diferentemente da incentivada pela Igreja Católica. Várias eram as vezes em
que se evitava relacionar com os não irmãos. Entre os membros da seita predominava o
princípio da fraternidade cristã original, mas de modo diferente das guildas da Idade Média,
pois essas últimas conservavam uma política de subsistência e tradicionalismo, unindo
membros de uma mesma ocupação e controlando seus padrões éticos. As seitas vinculavam os
homens através da seleção e formação de companheiros eticamente qualificados, que
controlavam a conduta no sentido exclusivamente da probidade formal e do ascetismo
metódico e criavam um espaço de auxílio mútuo em casos de dificuldades (Weber, 2002).
Novamente o quadro oferecido por Weber não é satisfatório para explicar as variações
da caridade protestante ao longo do tempo, principalmente, no que tange à prática desses
crentes no Brasil. Os missionários norte-americanos e europeus que adentraram as terras
brasileiras praticaram as benesses de modo razoavelmente diferente da fraternidade das seitas

18
A discussão e os decorrentes significados que se atribui ao termo “seita” após os escritos de Troeltsch e
Niebuhr não são considerados no uso desse termo ao longo do texto. Nesse trabalho, o vocábulo é utilizado
conforme as concepções weberianas condizentes com a tradução mencionada na nota nove.

35
e da católica, priorizando o trabalho educacional e proselitista em detrimento do de auxílio
exclusivo aos membros ou do de distribuição de sopas, visitas hospitalares e ajuda aos pobres
e órfãos. E esse comportamento parece se estender até os dias de hoje, como apontou, por
exemplo, a pesquisa Novo Nascimento, realizada em 1996 pelo ISER e publicada em 1998
(Fernandes, 1998), que, observando e fazendo uma análise estatística refinada quanto aos
costumes dos evangélicos, mostrou que a prática assistencial deles era desenvolvida
predominantemente por agentes religiosos mais ativos nas atividades de evangelização. As
igrejas protestantes, de modo geral, nunca abandonaram totalmente o exercício das boas obras
de caráter assistencial, no sentido de levar aos pobres os alimentos, roupas e cobertores, mas
dotaram tais práticas de um forte apelo às mensagens do evangelho.
Os protestantes do início do século XX enfatizavam a distribuição de bíblias, a
formação de salas de aula de escolas dominicais e o trabalho de alfabetização. Com vistas a
fazer frente ao catolicismo e aumentar o alcance de suas missões, os evangélicos19, acusando
o atraso educacional, econômico e a política autoritária do Brasil – circunstâncias segundo
eles resultantes da “frouxidão da moral católica” – se apresentavam como a opção que levaria
ao progresso e à educação. Um quadro recente a respeito da caridade evangélica foi oferecido
pelo trabalho pioneiro20 de Flávio Conrado (2006). Segundo ele, as obras sociais dos
protestantes sempre apresentaram a peculiaridade de estarem associadas ao processo de
evangelização e formação do indivíduo, cujo ethos é comumente conhecido pelo estereótipo
de pureza, honestidade, virtude, bondade e ausência de vícios. Através da estruturação de
colégios e universidades, os protestantes visavam atingir pessoas economicamente mais
favorecidas, reforçar os trabalhos de evangelização, propagar o modelo anglo-saxão do
liberalismo, pragmatismo e individualismo. Segundo Conrado:
“O protestantismo missionário que aqui chegava se associou à aliança
antimonárquica que reunia maçons, positivistas, liberais e republicanos na
defesa das liberdades individuais, dentre elas a religiosa, e procurou
fortalecer a identificação entre progresso/civilização/modernização e religião
protestante a partir do modelo americano” (Conrado, 2006, p. 56).

Em torno da década de 1930, a maior parte das igrejas protestantes tinha adquirido
certa independência em relação às missões de origem, e começou um processo de
aproximação interdenominacional apoiado pelo Comitê de Cooperação da América Latina

19
Por evangélicos, a classificação do IBGE agrega protestantes de tipo histórico e pentecostais diversos, mas no
sentido acima, se refere ao grande grupo dos protestantes no Brasil do início do século XX.
20
O primeiro trabalho sociológico de maior fôlego encontrado e realizado no Brasil sobre as obras sociais dos
evangélicos tomou como principais objetos de investigação a ONG Visão Mundial, a Rede Nacional Evangélica
de Ação Social e a Campanha Rio Desarme-se. É de autoria de Flávio Conrado, e trata-se de sua tese de
doutorado defendida em julho de 2006, no Programa de Pós Graduação de Sociologia e Antropologia da UFRJ.

36
(CCAL) que defendia as missões protestantes, o que excluía os pentecostais. Entre as muitas
organizações e comitês que foram criados nesse período, podem ser citados como exemplos
relevantes a União das Escolas Dominicais do Brasil (UEDB), que visava unificar o material
das escolas dominicais protestantes a nível nacional, e a Comissão Brasileira de Cooperação
(CBC), que orientava os trabalhos missionários em geral, comissão essa que, posteriormente,
com a união de outras instituições, veio a se tornar a Confederação Evangélica do Brasil
(CEB) em 1934. Como fruto da Segunda reunião do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) 21,
em 1954, e da discussão veemente que se desdobrou em torno da responsabilidade social da
Igreja (protestante), foi criando o setor de responsabilidade social na CEB, ressaltando ainda
mais a tarefa caritativa dos protestantes (idem, p. 61-64). Até meados da década de 70, como
consequência, desenvolveram-se várias iniciativas sociais de serviço ecumênico protestante22.
O marco mais importante das transformações da caridade protestante, entretanto, foi o
Pacto de Lausanne, fruto do Congresso de Evangelização Mundial de Lausanne, realizado na
Suíça, em 1974. Por meio desse pacto, os protestantes embasaram seu compromisso em
intervir em questões sociais como a erradicação da fome, por meio da responsabilidade social
e política. A igreja protestante, fomentando diversos debates teológicos entre seus líderes e
denominações, passou a se compreender como responsável não apenas pela propagação do
evangelho, mas pelo envolvimento das instituições religiosas com agentes “seculares”
transformadores da sociedade. Iniciativas profissionalizantes, de promoção de bem-estar, que
intuíam retirar os pobres da situação miserável à qual estavam submetidos deveriam ser
realizadas na expectativa de salvar “todos os homens” e o “homem como um todo”,
enfatizando não apenas o relacionamento vertical do fiel para com Deus, mas também a
horizontalidade do amor ao próximo. Enquanto os católicos pautavam sua ação social na
posição esquerdista da Teologia da Libertação, que muitas vezes significava ação política
direta, os protestantes exerciam sua caridade baseados na Teologia da Missão Integral da
Igreja, que buscava situar-se nos limites entre católicos liberais e evangélicos
“fundamentalistas”. A ênfase dos evangélicos que seguiam essa perspectiva não excluía ações
propriamente políticas e sociais, entretanto, optava por exercer “sensibilidade” relativa às
diversas questões que cercam os indivíduos, como ecologia, direitos humanos, e, a marca dos
evangélicos – o compromisso proselitista com a conversão do indivíduo e com suas
preocupações teológicas.

21
O Conselho Mundial de Igrejas é um comitê ecumênico internacional que foi fundando em 1948 e agrega
várias igrejas e denominações em seu rol.
22
Para a descrição detalhada das principais transformações da caridade protestante, ver Conrado, 2006.

37
Para Conrado, isso representava uma nova forma de ser evangélico, articulando ações
sociais mais atentas às questões modernas, com identidade religiosa evangelizadora (idem, p
71). Por algum tempo, a ausência dos evangélicos no engajamento social pôde ser
parcialmente explicada em função da crença na salvação pela graça ou como um modo de
diferenciarem-se das práticas “comunistas” de católicos e espíritas que criam na salvação
pelas obras e na melhoria encarnacional via ações de caridade, respectivamente. Entretanto, o
número de evangélicos protestantes cresceu significativamente no Brasil e assim eles não
poderiam permanecer tão alheios às demais manifestações de assistência e preocupações
sociais. A rede de contatos que os protestantes estabeleciam entre si, como por exemplo, para
obtenção de empregos e indicação de agências que referenciavam exclusivamente pessoas
evangélicas23 a fim de garantir certa conduta ética e moral aprovada, fazia os crentes sentirem
orgulho de pertencer a comunidades afetivas como as deles. Entre as décadas de 1950 e 70, as
religiões de conversão eram eficientes em criar relações comunitárias de grupos pequenos
que, além de auxílio mútuo, conferiam aos membros participantes identidades e sentimentos
de pertença frente aos processos de urbanização e industrialização que tendiam a aumentar os
contatos pessoais (Prandi, 2004, 2008).
Os protestantes, em suma, vêm mantendo ações sociais emergenciais com caráter
fortemente evangelizador, mas associadas a práticas mais recentes, como a da aproximação
entre igrejas evangélicas e organizações paraeclesiásticas (como a Visão Mundial24). Além
disso, algumas das grandes campanhas que surgiram no Brasil a partir da década de 80, tais
25
como a criação da Fábrica da Esperança e da Campanha Rio Desarme-se podem ser
citadas como exemplos dessa aproximação. Ainda nesse sentido, Conrado analisou outra cena
do assistencialismo protestante, fazendo referência à filantropia empresarial que, ao contrário
de trazer de volta práticas tradicionais de caridade, significou a presença de novos agentes e
redes associadas à lógica do mercado e significou também compromisso com a
responsabilidade social e com valores cívicos. A caridade dos protestantes, portanto, assim

23
Havia agências de empregos cuja seleção e consequente contratação se dava pela vinculação religiosa mais
que por atributos para a específica função.
24
A Visão Mundial (World Vision International) chegou ao Brasil em 1970 e é conhecida como “uma
organização não governamental cristã, brasileira, de desenvolvimento, promoção de justiça e assistência, que,
combatendo as causas da pobreza, trabalha com crianças, famílias e comunidades a fim de que alcancem seu
potencial pleno. Dedica-se a trabalhar lado a lado com as populações mais vulneráveis e a servir a todas as
pessoas, sem distinção de religião, raça, etnia ou gênero” (fonte: www.visaomundial.org.br).
25
A Fábrica da Esperança foi coordenada pelo líder evangélico Cáio Fábio, entre 1994 e 1999, no Rio de
Janeiro, tendo desenvolvido cerca de 50 projetos sociais que atendiam quase 15 mil jovens por mês. A
Campanha Rio Desarme-se foi coordenada por Rubem César Fernandes em 1996, como forma de combate a
violência e promover a paz. Ambas foram realizadas no estado do Rio (Referências retiradas da Revista Época e
da Folha Online).

38
como a católica, é complexa, multiforme, e faz coincidir desde ajudas em hospitais, asilos e
cadeias a concepções de ações sociais como expressão de justiça, solidariedade e promoção
dos direitos de todos.
Ainda quanto ao protestantismo, em uma de suas facetas é possível ainda encontrar
uma variação das práticas sociais, a saber, as obras desenvolvidas pelos pentecostais. Os
pentecostais, principalmente o grupo das denominações surgidas a partir da década de 1970,
são considerados menos caridosos que protestantes históricos, católicos e kardecistas.
Creditando os malefícios da vida e os infortúnios que por vezes solapam os crentes aos
demônios e hostes malignas pertencentes ao panteão afro-brasileiro umbandista e
candomblecista, e ainda, embebidos de uma religiosidade emotiva centrada no poder de
intervenção, cura e refrigério unicamente trazido pelo Espírito Santo, esses evangélicos são
menos ativos na prática assistencial. Afinal, a melhor ajuda que se pode dar ao outro é trazê-lo
ao encontro de Deus e da Igreja, únicos capazes de libertar os “cansados e sobrecarregados”
de suas angústias e fardos. A possibilidade de integração e (re)socialização (Mariano, 1999), a
esperança de abandonar o álcool e determinados comportamentos violentos, também faz parte
da ajuda que os crentes pentecostais prometem e se empenham em oferecer.
Todavia, nos estatutos das religiões pentecostais não há prescrições específicas quanto
a obras sociais. Consequentemente, os pentecostais desenvolvem poucas obras e as esparsas
doações de alimentos, roupas e trabalhos voluntários que ocorrem entre eles dificilmente estão
embasadas por instituições filantrópicas profissionais, como no caso dos evangélicos
protestantes (Silva, 2009). A teologia dos pentecostais enfatiza a ação do Espírito Santo como
catalisador das curas do corpo e da alma, garantindo a salvação por meio da fé e da devoção
pessoal e íntima. Crentes na Teologia da Prosperidade, esses evangélicos atribuem os
problemas sociais a ações demoníacas que precisam ser expelidas por meio do reforço da fé e
de rituais de libertação. Através desse “exercício”, e na crença de que Deus não polpa
esforços para garantir benefícios materiais a seus filhos, os pentecostais combatem a pobreza
meio que às avessas.
Especificamente nesse cenário evangélico pentecostal surge uma religiosidade – a da
Igreja Universal do Reino de Deus – que mostra que as ações sociais ainda podem ser postas
em prática de maneira diferente das concepções apresentadas, ressaltando outras relações a
partir da motivação do “amor ao próximo”, e, em certo sentido, se valendo de estratégicas já
validadas pelos percursos caritativos destacados. A IURD vem praticando um
assistencialismo que engloba ações corriqueiras, mas que vai além das já conhecidas ajudas
emergenciais ou dos trabalhos de cunho educativo eminentemente proselitistas. Atraindo cada

39
dia mais membros para sua instituição a partir do discurso de uma teologia centrada na
obtenção da prosperidade pessoal, o sentido das obras sociais praticadas pela Igreja Universal
se situa como algo a ser investigado. Vejamos como a literatura sócioantropológica vem
tratando do assunto.

40
3. A Igreja Universal do Reino de Deus e sua obra social em perspectiva

De forma ampla, é possível dizer que a prática assistencial pentecostal é fraca e


prioriza algum tipo de ajuda aos irmãos da própria fé. Mas, as obras da Igreja Universal do
Reino de Deus, nesse sentido, na visão de pesquisadores da religião, deslocam-se desse eixo,
chamando atenção para as particularidades e especificidades da IURD, principalmente a de ter
26
criado em maio de 1997 a Associação Beneficente Cristã – uma das maiores entidades de
utilidade pública do meio evangélico – por meio da qual recolhiam e administravam doações
de alimentos, materiais escolares, roupas e itens de higiene. A ABC foi compreendida como
uma organização filantrópica que a Igreja havia criado para competir com as ações
desenvolvidas por outras associações religiosas. Além disso, enquanto órgão que
institucionalizou as obras sociais da Universal, a ABC mediava contratos com organizações
públicas e privadas diversas, servindo como referencial de organização jurídica (Mariano,
2005; Scheliga, 2010). Assim, a IURD se projetou de forma intensa no cenário das ajudas
fraternas.
Um breve panorama das considerações sociológicas sobre o lado assistencialista da
IURD será apresentado adiante com vistas a mapear as reflexões principais que foram feitas
até a presente data sobre a caridade dessa Igreja. A maior parte dos relatos são anteriores ao
ano de 2008, que sugere ter sido o marco efetivo do fechamento das unidades da ABC no
Brasil. Após essa data, rearticulações significativas em torno da prática da ação social deram
espaço a transformações no amplo escopo de possibilidades de extensão do amor ao próximo
praticado pela IURD. Apenas um dos trabalhos encontrados foi produzido no ano de 2010.
Ricardo Marino, por exemplo, argumentou em seu livro Neopentecostais: sociologia
do novo pentecostalismo no Brasil, com segunda edição publicada em 2005, que a pregação
da Teologia da Prosperidade e a relevância central da perspectiva do encontro com Deus
faziam com que a IURD não desenvolvesse atividades de caráter social para os próprios

26
No início dessa pesquisa, em março de 2009, a Igreja Universal tinha acabado de retirar de seu site todas as
informações sobre a Associação Beneficente Cristã. Quando conversei (em setembro de 2009) com o pastor
coordenador das obras sociais em Minas Gerais, responsável pela assistência social em Belo Horizonte e nas
demais regionais do estado, a primeira informação que ele enfaticamente considerou frisar quando solicitado a
falar sobre as obras sociais da Igreja foi que a ABC já não existia mais em Minas. Mas na reportagem especial de
32 anos da IURD, postada online em novembro desse mesmo ano, a ABC apareceu em destaque no espaço
destinado à caridade, ressaltando sua presença internacional, como na Argentina e nos países africanos, além de
sua capacidade de organizar grandes campanhas de solidariedade em situações emergenciais, como de
desabamentos, incêndios e enchentes. A ABC, segundo consideram os responsáveis pela mídia da Igreja, recolhe
alimentos, agasalhos, roupas e brinquedos, em toneladas, para assistir, sem discriminação, a pessoas carentes. Já
por volta de junho de 2010, o site da IURD foi completamente reformulado e todas as informações referentes à
ABC e à Fundação Pestalozzi foram excluídas (no quinto capítulo serão mais detalhes sobre essas duas frentes).

41
membros. Promotora de poucos benefícios sociais, ela realizaria – quando assim o fizesse –
um assistencialismo para “não libertos”, na maior das vezes proselitista, como eram as ajudas
desenvolvidas pela Associação Beneficente Cristã. Segundo o autor, além de criada para
responder à concorrência das campanhas e projetos de demais igrejas protestantes e
movimentos paraeclesiásticos, a ABC ainda visava combater as críticas que a IURD vinha
sofrendo por parte da imprensa e da mídia (Mariano, 2005, p. 60). A associação engrenou
quando participou de maneira efetiva da Campanha contra a Fome, ocasião em que distribuiu
agasalhos e mantimentos em favelas e a vítimas de desastres naturais. O autor caracterizou as
obras da IURD em cinco frentes principais, a saber: 1) o Projeto de alfabetização Ler e
Escrever; 2) as visitas a dois orfanatos e dois asilos no Rio de Janeiro; 3) a gerência da
Fundação Pestalozzi em São Paulo; 4) a criação da Associação Beneficente Cristã. Além
dessas quatro frentes de ação social, a IURD realizaria também visitas e doações de livros e
revistas a presidiários. Segundo Mariano, todas essas atividades configurariam o que foi
chamado de “assistencialismo proselitista”, e teriam como central objetivo competir com as
ações de católicos e kardecistas, além de intuírem desbancar as iniciativas da VINDE27,
presidida pelo pastor Caio Fábio, com quem o bispo Macedo mantinha grandes e antigas
desavenças.
Regina Novaes, por outro lado, ao analisar as peculiaridades do assistencialismo
Iurdiano desenvolvido a partir da organização da Associação Beneficente Cristã, propôs
compreender que a ênfase na prática caritativa era devida ora à valoração da beneficência e
predisposição de doar (características herdadas da cultura do catolicismo brasileiro), ora, no
mesmo sentido apresentado por Mariano, a fim de fortalecer a identidade da IURD devido às
perseguições que a igreja vinha sofrendo por seu suspeito envolvimento com grandes montões
de dinheiro e sua consequente exposição na mídia. Para a autora, ainda seria possível entender
a prática de caridade da Universal como uma combinação de dois fatores: as justificativas dos
agentes de ganhar almas através de obras sociais e as categorias leigas e contemporâneas do
campo do voluntariado e da assistência (Novaes, 2006).
Já a antropóloga Paula Montero, em artigo intitulado Religião, Pluralismo e Esfera
Pública no Brasil, publicado pela Revista Novos Estudos, em 2006, explicou as obras sociais
da IURD como fruto da posição desse grupo religioso em relação à sociedade civil e ao
Estado, lendo tal cenário por meio da combinação do código “feitiçaria/caridade”. Na medida

27
A VINDE (Visão Nacional de Evangelização) foi criada em 1978, mas só veio a ser reconhecida como
instituição filantrópica em 1984. Foi a responsável pela criação da Casa da Paz, em Vigário Geral, da Fábrica
da Esperança na Favela Acari, e ainda, encabeçou a Campanha Rio Desarme-se.

42
em que determinadas práticas religiosas tinham uma abrangência pública maior, lançava-se
mão da chave “caridade/religião”. Em âmbito mais local, a ênfase estaria no binômio
“magia/feitiçaria”. Desse modo, segundo nos propõe a autora, a IURD conseguiria realizar
uma dupla inversão. Primeiro por tornar a feitiçaria pública, desinteressada e ritualizada
através de sua publicização, utilizando os meios de comunicação de massa para propagar a fé;
segundo, por “fazer coincidir caridade com prosperidade econômica” (Montero, 2006, p.59).
O argumento da autora é baseado na comparação com as religiões de matriz afro brasileiras.
Enquanto nessas últimas o dinheiro funcionaria como um mediador invisível dos “trabalhos”
a fim de garantir os presentes doados aos deuses, na IURD, o dinheiro perderia seu fetiche
porque as ofertas e os dízimos se tornariam uma aliança na qual Deus retribuiria por meio dos
bens que os filhos dele teriam de direito. Essa forma de interpretação, todavia, é mais útil para
analisar a ausência de práticas caritativas no espaço de exorcismo, libertação e intensa
circulação de dinheiro da IURD, do que para servir como uma explicação que justifique o
ministério da Igreja em aparar os fracos e necessitados, como acontecia pela ocasião da
criação da ABC. Segundo as concepções de Montero, o exercício da caridade não se
encontraria no centro das preocupações Iurdinas, mas sim a garantia do direito universal e
individual de cada fiel de se relacionar com Deus e alcançar suas bênçãos.
Já analisando o caráter restritivo da fraternidade evangélica, o pesquisador Ronaldo
Almeida (2000; 2004) apontou para a solidariedade de regiões pobres e carentes como uma
espécie de solidariedade em que as trocas de comida, dinheiro e informações atuavam como
um filtro de seleção na distribuição dos benefícios, diferente de programas filantrópicos
exercidos por católicos e kardecistas, que tenderiam nesse sentido, a serem mais “universais”.
Sua argumentação ressaltava que na Igreja Universal predominava outro padrão de
solidariedade, uma vez que ela seria uma Igreja de “bens e serviços”, de massa, e em que o
vínculo maior não se concentraria nas relações dos fiéis entre si, mas entre eles e a figura
carismática do pastor. As relações horizontais entre os membros seriam, desse modo, fracas.
A ênfase estaria nos rituais e dinâmicas desenvolvidas dentro dos templos, enfocando assim o
fato de que é a Igreja, em seus cultos e ritos, enquanto fornecedora de “bens e serviços”, o
“pronto-socorro espiritual dos crentes” (Almeida, 2004, p. 21).
Os autores acima, apesar de nenhum deles ter se debruçado especificamente sobre o
tema das obras sociais, acabaram tocando no ponto da caridade, mesmo sem fazer dela um
objeto específico de análise. Segundo as asserções por eles propostas é possível dizer que a
prática social da IURD foi tratada em dois sentidos gerais. Um desses sentidos se refere a
perceber as atividades fraternas como uma resposta aos conflitos e competições decorrentes

43
dos projetos filantrópicos de outras organizações religiosas, e ainda como um aparato às
acusações e denúncias que a Igreja Universal sofria por parte de mídias locais e nacionais. O
outro modo de compreensão é pensar que a caridade seria residual ou ausente, postura
resultante do caráter doutrinário, das crenças e valores28 propagados por líderes e membros,
reproduzindo e reforçando, desse modo, a identidade da Igreja. De acordo com essas
perspectivas, a IURD ou não faria caridade, ou se a fizesse, seria a título de aumentar a adesão
religiosa, reproduzir sua organização e fé ou, fazer visível a ocupação de um papel social
relevante.
A pesquisadora Eva Lenita Scheliga, todavia, diferente dos autores já mencionados,
dedicou-se especificamente à análise das obras sociais da IURD em comparação com a Rede
Evangélica Nacional de Ação Social (RENAS) e reservou parte expressiva de sua tese de
doutorado a descrever e ampliar a significação da caridade Iurdiana. Pensando em distinções
terminológicas em torno da temática da caridade e ação social, Scheliga atualiza a
compreensão da rotina das obras fraternas da IURD; seu trabalho remete justamente ao
período posterior ao fechamento da ABC e ao último texto encontrado sobre a assistência
dessa Igreja. Segundo a autora, a Associação Beneficente Cristã, especificamente a sede do
Rio de Janeiro é, juntamente com o Projeto Nordeste (que será descrito na primeira seção do
quinto capítulo) uma iniciativa de caráter modelar; ou seja, esses projetos podem ser
considerados um padrão para outras experiências humanitárias desenvolvidas pela própria
IURD (Scheliga, 2010, p. 128). As várias unidades da ABC, apesar de assumirem
características regionais, são consideradas pela autora lançadas a partir de: cursos
(extracurriculares e profissionalizantes), projetos (de educação, suporte psicológico,
atividades culturais, entre outros) e eventos (como mutirões sociais). Já, o Projeto Nordeste,
em prol de combater as secas da região árida e auxiliar vítimas de desastres naturais, estaria
sendo sustentado por três pilares replicáveis: a arrecadação de alimentos e água, a gravação e
comercialização de um CD evangélico e a elaboração de um projeto local.
Essa ideia de replicação de um modelo aparece novamente na perspectiva de Scheliga
ao tratar sobre o modo como o Ler e Escrever seria reproduzido nas diversas IURDs até 1994,
assim como práticas de arrecadação e distribuição de alimentos (como os sopões). Scheliga
afirma que após o fechamento da ABC, o movimento observado foi de conferir maior
projeção ao A Gente da Comunidade, que em São Paulo passou a coordenar as atividades de

28
Crenças como a da Teologia da Prosperidade, o direito individual do fiel de fazer aliança com Deus e o apelo
evangelístico e passível de dialogar com a cultura moderna não religiosa (como percebido pelo contato com
modelos leigos de voluntariado).

44
orientação jurídica, atendimento médico e embelezamento; destaque foi conferido ainda ao
projeto Ler e Escrever que passou a ser uma espécie de “departamento social da IURD”,
substituindo algumas ações da ABC e organizando os cursos de espanhol, inglês, libras,
informática, cabelereiro e marketing. Datam da mesma época dessas mudanças o surgimento
dos grupos Universitários Solidários, e Mulheres em Ação, que passaram a apoiar atividades
do Instituto Ressoar – braço social da Rede Record de televisão. A cargo desses grupos, além
dos grupos de evangelização, ficaram as visitas a asilos, abrigos, presídios e comunidades.
Abaixo, o organograma elaborado pela autora atualizando o quadro das obras sociais de São
Paulo vigentes no ano de 2010:

Ilustração 1

Fonte: Scheliga, 2010, p. 136.

Apesar do destaque dado ao Ler e Escrever e ao Instituto Ressoar, a autora afirma que
esses núcleos de ajuda não seriam capazes de produzir por eles mesmos um discurso
sustentável sobre a assistência social Iurdiana. O outro modelo que evocaria certa “tradição de
obras sociais” seria o A Gente da Comunidade que, enquanto parceiro do Instituto Ressoar,
estaria solidificado pelos sustentáculos do evangelismo e de ações nos bairros carentes. O
evangelismo unira os demais grupos da IURD sob um mesmo ideal de ganhar almas,

45
compartilhando, assim, “códigos de eficiência e cooperação” e contribuindo para a
“objetivação de disposições” que “orienta um saber fazer” assistência (idem, p. 236). Ainda, o
ideal da prosperidade é enfatizado pelo reforço de que os que são prósperos são bem
sucedidos porque se dispõem a doar. Segundo Scheliga, as ações sociais da IURD endossam a
confiança pessoal e em Deus, localizam nas comunidades os demônios que atuam contra o
sucesso e acabam por evocar os códigos de gratuidade, universalidade, prosperidade e justiça
– percepções que em parte compartilho, apesar das peculiaridades do caso de Minas Gerais.
Contudo, o ponto de vista da autora a fazem chegar à conclusão de que a caridade da IURD e
da RENAS são “variações sistemáticas de um mesmo conjunto de percepção e ação que
informa a prática da caridade entre católicos e espíritas e os modos específicos como
articulam relações”; opinião a que me oponho em função das asserções que seguirão sobre a
IURD.
A partir desse breve panorama sobre como a caridade foi pensada e retratada no
campo sócioantropológico, o capítulo seguinte trará uma descrição dos trabalhos fraternos da
IURD nos países estrangeiros em que ela realiza sua inserção, evangelização e destina parte
de seu arsenal de práticas religiosas a favorecer de pobres e necessitados.

46
4. Caridade Universal ao redor do mundo

A Igreja Universal do Reino de Deus tem inúmeras frentes de obras sociais espalhadas
pelo mundo. De maneira geral, o que se percebe é que cada localidade tem sua própria
organização e desenvolve as atividades que parecem mais adequadas ou as que melhor se
aplicam a cada região. Nessa seção serão descritos os principais trabalhos realizados em
alguns países da África, da Europa e da América Latina29. A Igreja Universal do Reino de
Deus está presente em diversos países, chegando a alegar que possui templos em mais de 80
nações. A atuação num país começa com o envio de um ou mais pastores que ficam
responsáveis pelo evangelismo e pelas iniciativas de implantação de um templo local, que
inclui a locação de um espaço público geralmente desativado e de grande visibilidade. Como
na maior parte das vezes os pastores se mudam com suas esposas e filhos, as obras sociais
aparecem frequentemente encabeçadas pelas mulheres desses líderes religiosos. Apesar de as
práticas sociais não causarem o mesmo impacto dos testemunhos de superação, bênçãos
financeiras e curas, a relação da evangelização e da assistência social é muito estreita no que
tange à presença da IURD fora do Brasil, tornando o sucesso proselitista razoavelmente
dependente da caridade que é posta em prática. Isso mostra a preocupação da Universal com
as necessidades dos possíveis membros de cada região, ou seja, sua leitura inteligente das
contingências locais, chamada por Ari Pedro Oro de “capacidade de adaptação no exterior”,
sendo o processo de como a Igreja se “localiza e se autoctoniza” (Oro, 2004, p. 140, 151). Por
esse motivo, as formas de caridade aqui retratadas trarão, amiúde, alguns relatos sobre os
trabalhos de expansão da Universal nos países mencionados.
O assistencialismo internacional da IURD dificilmente pode ser dissociado da tarefa
de inserção da igreja nesses países, das grandes investidas monetárias para construção de
templos e realização de campanhas, do evangelismo proselitista de massas e da arrecadação
de dinheiro dos fiéis locais. As atividades de caridade desenvolvidas podem ser consideradas
extensões da já conhecida dinâmica de evangelização, como a dos católicos e evangélicos, e
nesse caso, soam como fundamentais para o processo de implantação da IURD em países

29
A omissão do assistencialismo de algumas localidades se justifica por dois motivos principais: primeiro, por
não haver nas fontes pesquisadas menções que pudessem levar a recolha de dados relativos a outras filantropias
desenvolvidas pelos Iurdianos para além das aqui descritas; segundo, porque alguns exemplos não foram
mencionados por serem considerados, em função da similaridade, já contemplados. Foram encontradas ainda
citações sobre trabalhos sociais nas Filipinas, Zimbabué, Jamaica e Nova Zelândia, obedecendo à mesma
regularidade das que serão descritas, como auxílio à terceira idade, presos e crianças, além de cursos de
alfabetização e campanhas de distribuição de alimentos. Apesar de os exemplos mencionados nessa dissertação
não esgotarem as diversas extensões assistenciais da Igreja, a descrição apresentada perfaz um conjunto – que se
crê suficiente – do significado da caridade exercida no “campo missionário”.

47
estrangeiros, com vistas a gerar uma boa imagem da Igreja como instituição engajada na
promoção de benefícios sociais. São tarefas típicas do pequeno tempo de inserção da
Universal nessas localidades – mesmo sendo a IURD uma organização religiosa recente até
mesmo em seu país de origem. Conforme se verá adiante, com o passar do tempo, a tendência
dessa forma de caridade é de se tornar residual e paulatinamente ser substituída por atividades
oferecidas a membros selecionados e realizadas dentro do espaço da igreja. Quanto maior o
tempo de atuação da IURD em um país, mais próxima a fraternidade parece chegar de
atividades voltadas para os frequentadores dos cultos e potenciais membros, como os cursos
de alfabetização, profissionalizantes e palestras.

***

Na África, entre as 27 regiões que os Iurdianos estão inseridos nesse continente, um


dos destaques é a Namíbia. A capital Windhoek possui três igrejas e há mais 14 espalhadas
por outras cidades do país. De modo geral, por haver muitas pessoas soropositivas e em
situações de miséria na região, a assistência social é voltada fortemente para dois grupos
principais – crianças pobres e em geral não participantes dos cultos da Igreja, e mulheres
comprometidas com a Igreja Universal. Os responsáveis pelos trabalhos no local são Celso
Macedo Bezerra Júnior, irmão de Edir Macedo, e a esposa dele, Fernanda Bezerra, que atua
ativamente no Centro de Ajuda Espiritual, CdAE (nome que se costuma ver com frequência
representando a IURD nos templos internacionais). O casal que morou em Londres antes de
ser enviado à África, contando com o apoio do governo local da Namíbia e com a Embaixada
da Espanha, vêm prestando auxílio a crianças e adolescentes órfãos, doentes, moradores de
rua e idosos carentes. Uma das contribuições feitas pela Igreja no ano de 2009, por exemplo,
foi destinada a um orfanato, que recebeu uma cesta básica mensal por criança, correspondente
ao período de 2010.
Os voluntários da Igreja Universal levam atrações diversas à população: brincam e
dançam com as crianças e adolescentes assistidos em mutirões (geralmente realizados nas
escolas das áreas pobres da cidade), distribuindo balas, doces, cachorros-quentes, sanduíches,
brinquedos e cestas básicas para as famílias. Apesar de estarem somente há dois anos no país,
o casal Celso Macedo e Fernanda Bezerra realiza mutirões sociais com frequência
considerável, em torno de uma vez ao mês, priorizando as ações com as crianças e as visitas
aos hospitais das cidades. Há registros fotográficos de eventos feitos em todos os meses entre
o período de março de 2009 e dezembro de 2010. Além desses, no último dezembro, os

48
voluntários da IURD montaram uma espécie de tenda de circo, com a marca do Help Centre
(rubrica que também aparece como referência da IURD internacional), para distribuir muitas
sacolas com itens básicos de alimentação.
O trabalho social de maior prestígio da região, contudo, é feito para as mulheres que
começam a frequentar e desejam se comprometer com a Igreja Universal. Fernanda Bezerra e
algumas voluntárias da IURD organizam na Namíbia um dos centos do Sisterhood30, uma
espécie de “irmandade de mulheres”, que em sua expressão regional oferece apoio às nativas,
ensina sobre depilação, maquiagem e cuidados pessoais, além de possuir um armário de
roupas doadas que só podem ser utilizadas pelas participantes do grupo. Frequentemente é
organizado o Sisterhood Pledge Night, um culto para recepcionar as novas participantes que
se candidatam; momento que envolve um “compromisso com o código”, testemunhos, danças
e prêmios para as mais bem vestidas. O código da Sisterhood diz respeito à valorização do
feminino, do corpo, da beleza e das vestimentas (valorização segundo os “padrões de Deus”),
implicando o compromisso em manter a autoestima alta, sem fazer críticas contra si ou
“alimentar” pensamentos negativos. Ressalta-se a importância de conservar a humildade para
aceitar mudanças e correções, tendo como ponto alto que se “construa uma fé sólida em
Deus”. O foco desse trabalho direcionado às mulheres é que elas alcancem a transformação
de vida. Nos relatos das participantes, essa mudança se apresenta com facetas distintas que
vão desde a aquisição do cuidado pessoal até a experimentação de milagres no caráter, na vida
amorosa, nas condições sociais. As voluntárias da IURD oferecem para as participantes
atividades interativas diversas, como realização de piquenique e aulas de corte e costura.
Essas ajudadas também participam dos trabalhos de evangelismo, conhecidos por lá
pelo nome de Ask! You shall receive, que concentram as grandes expressões de testemunhos,
curas e transformações. O evangelismo é feito através da pregação das mensagens de fé,
realização de orações e distribuição de jornais em regiões pobres e hospitais, por exemplo. O
proselitismo, muitas vezes vinculado ao assistencialismo emergencial (de distribuição de
alimentos, visita a hospitais e asilos) vai sendo gradativamente acompanhando também por

30
O Sisterhood é um trabalho criado pela filha de Edir Macedo, Cristiane Cardoso e por sua colega Evelyn
Higginbotham, que é filha de missionários e esposa de pastor; ambas residem no Texas. A “irmandade” foi
criada em dezembro de 2009 e reunia incialmente 17 mulheres, solteiras e casadas, que buscavam compartilhar
os valores da “essência feminina” colocada por Deus nas mulheres desde a criação, mas que foi corrompida
pelos ideais do mundo, atualmente representados pelo modelo hollywoodiano de exposição exacerbada da
sexualidade do corpo, que apregoa valores consumistas e tendências de moda (ditas ruins). A entrada a esse
grupo é restrita a membros da IURD e a permanência das pledges (como são chamadas as iniciantes) é garantida
pela realização de obras sociais (visita a asilos, orfanatos, presídios) e atividades em casa (entre as muitas
requisições se destacam as tarefas de cozinhar para a família, maquiar, arrumar o cabelo). A atestação do
cumprimento de tais rotinas é garantida pela Big Sister (coordenadora da região). Essa confirmação é
acompanhada de um evento de gala, com homenagem às moças, o que concretiza a mudança das iniciadas.

49
ações voltadas a pessoas que ingressam na Igreja, como é o caso das mulheres do Sisterhood e
dos trabalhos com os meninos de rua – que, uma vez evangelizados, são assistidos pela Igreja
com corte de cabelo, participação em cursos, atividades de lazer e outras tarefas, incluindo a
de eles mesmos participarem da evangelização de outros jovens. Completando a rotina dos
adolescentes da Igreja, acontece também na Namíbia o Festival de Jovens, que em julho de
2010 foi realizado em um estádio de futebol e contou com jogos, apresentações e sorteios. Na
medida em que as ações sociais de emergência vão atraindo pessoas que passam a se vincular
à Igreja, o processo de assistência – e também o de evangelismo – parece ser retroalimentado
através da participação desses novos ingressos. A filantropia, com o passar do tempo, vai se
tornando um meio primordial para reforçar os laços de amizade e pertencimento dos
convertidos, uns para com os outros e deles para com os líderes estrangeiros. O envolvimento
regular dos nativos também coopera para aumentar a capacidade da IURD de atrair novos
adeptos que falam apenas dialetos da região.
Apesar da beneficência desenvolvida como rotina, aparecem escândalos envolvendo o
líder local Bezerra Júnior. Ele foi envolvido na acusação feita à Igreja Universal de envio de
quase 18 milhões de reais ilegais ao exterior, fato visto em reportagem da revista Época de 25
de outubro de 2009. O bispo teria em seu nome a empresa CEC Tranding Corporation, que
seria ligada à empresa Beacon Hill Service Corporation, fechada pelo governo norte-
americano em 2003, por transmissão ilegal de fundos. O registro no Banco Central das
grandes transferências feitas pela empresa foi associado à importação de equipamentos a
serem utilizados no “exercício da atividade do bispo” em seu local de atuação. Mas se tal
montante monetário contribuiu ou não para as obras sociais da localidade anterior, fato é que
a IURD missionária está bem inserida atualmente na Namíbia, através da multiplicação das
atividades de caráter social e evangelístico de Bezerra, adaptando-se às necessidades e
demandas de muitos africanos e, gradativamente, vindo ajustando seu discurso e estratégia de
integração às necessidades daquele mercado, deixando que tais acusações se assentassem
como “poeira de asfalto”.
Por falar em sucesso via ações de caridade, a África do Sul é um país em que a Igreja
Universal possui certo êxito há muito tempo. A IURD se inseriu por lá por volta de 1993, na
época do fim da política apartheid, sendo bem recebida como uma Igreja que trazia um
“imaginário de mobilidade social e integração racial”, muito desejado pelos africanos e
considerado por André Corten como uma proposta de “renascimento” para a África (Corten
apud Oro, 2004). Os trabalhos de evangelismo na região atualmente são realizados pelo bispo

50
Marcelo Nascimento Pires31, juntamente com sua esposa Márcia Pires. Ela é fundadora e
responsável pelo Woman in Action (WiA) em Joanesburgo, programa que tem como
correspondente o Mulheres em Ação (MEA), que acontece em vários estados do Brasil e tem
importância considerável aos olhos da IURD. O Woman in Action é um trabalho de cunho
caritativo voluntário, feito por mulheres e caracterizado geralmente pela ação de obreiras
lideradas pelas esposas de pastores e bispos, que se engajam nos trabalhos de visitas a
hospitais, realização de palestras e cursos, entre outras atividades; algo razoavelmente
semelhante ao que ocorre com as mulheres da Igreja na Namíbia, mas desenvolvido na África
do Sul sobre a rubrica WiA. Na África do Sul há também relatos dos trabalhos da Sisterhood,
mas as ações das WiA parecem sobrepor-se às da outra “irmandade”. Um projeto importante
realizado pelas WiA de dimensão nacional foi feito em 2010 e teve grande destaque na
cobertura televisiva da Igreja. Foi a Campanha Saving a Tamar, fazendo referência a um
relato bíblico sobre Tamar, uma das filhas de Davi, que sofreu abusos sexuais. A campanha
trazia testemunhos comoventes de mulheres que haviam sido violentadas na infância e que
encontraram cura para seus males através da Igreja Universal.
Essas várias iniciativas com as mulheres na África demonstram algo que merece ser
destacado: indicam um sentido distinto do proselitismo Iurdiano, não apenas centrado no
discurso de prosperidade, vitória financeira e apelos fortes de doação monetária, mas no
encontro com Deus, na reestruturação social, nas promessas de libertação de traumas
psicológicos e na obtenção de sucesso emocional. Na verdade, esses outros pontos aparecem
sobrepondo significativamente o da obtenção de riquezas, que é algo certamente distante de
grande parte dos convertidos carentes. A Igreja Universal, defensora incondicional da
Teologia da Prosperidade em seu discurso bíblico, interpreta essa teologia a seu favor,
acionado um conjunto de possibilidades de mudanças que signifiquem a comprovação da

31
O histórico de vários bispos e pastores na IURD transnacional é controverso. Pires é um dos exemplos.
Segundo a Folha de São Paulo (25/10/2009), em 1998 ele teria feito um empréstimo de 350 mil reais a uma
empresa ligada a religiosos da IURD para realizar a compra para a Igreja de duas emissoras de TV do Paraná.
Desentendendo com Macedo, deixou a Universal em 2000. Em 2003, a assinatura de Marcelo Pires foi
autenticada em uma procuração para transferir as emissoras para o nome de outro bispo através de fraude. Pires
denunciou a IURD, mas se recusou a dar informações sobre o porquê de ter assinado documentos em branco.
Mesmo assim, o bispo parece ter feito as pazes com a Universal e retornado com fortes intenções missionárias.
Já apareceu também por parte do denuncismo de alguns sul-africanos que se converteram e paulatinamente
tornaram-se pastores, que a IURD ensinava a “tirar dinheiro de fiéis”, aumentando assim o patrimônio da Igreja,
acessível apenas a bispos brasileiros que estavam na região. Esses ex-líderes alegaram que toda a arrecadação
monetária – justificada pelos advogados da Igreja como destinada à construção de novos templos – era enviada
ao Brasil, enquanto as reuniões de muitas localidades da África do Sul permaneciam sendo feitas em situações
precárias (Jornal O Globo, 22 de agosto de 2009). Contudo, o Ministério Público da África do Sul não tem
registro contra a Igreja Universal. E ao contrário das denúncias, a IURD alega ser preocupada com a construção
de templos luxuosos que permitiriam aos africanos acessarem espaços que pessoas carentes não costumam ter
oportunidade de frequentar.

51
vitória, estendendo assim a noção de prosperidade a qualquer pequena alteração na vida dos
evangelizados que possa ser considerada uma espécie de sucesso.
Há ainda outra porta de entrada que permite que a Universal desenvolva uma ação
considerada de grande importância pelos sul-africanos (cidadãos e autoridades). É a ajuda
humanitária emergente, aos moldes da filantropia católica e espírita brasileiras, que permite
que os Universais da região alcancem notoriedade e legitimem a fé Iurdiana por meio da “luta
por uma causa nobre”. O centro de referência desse trabalho na África do Sul é o SSHC –
Stop Suffering Help Centre, uma organização registrada e sem fins lucrativos:
“(…) with the objective of rehabilitating the destitute in the area by providing
basic needs such as free meals, clothes, primary health id that include balance
meals for people who live with HIV/AIDS. Also it offers free spiritual and
emotional counseling to give them moral support enabling them to reconcile
with their family and relatives. The SSHC currently works with all categories
of disadvantaged people from a variety of different backgrounds in areas
across South Africa” (Fonte: http://www.helpcentre.co.za/).

Esse trabalho está estruturado a partir de três iniciativas principais que organizam a maior
parte da assistência social destinada aos sul-africanos: as investidas contra o HIV/AIDS (Stop
Aids Campaign); o programa contra a Fome (Hunger Relief Project), que distribui artigos de
primeira necessidade em escolas carentes e em uma região popular conhecida por servir de
abrigo a pessoas desempregadas e em situação abaixo da linha da pobreza, e o trailer de
distribuição de sopas (The Shoprite Soup Trailer), que a cada dia está em um determinado
lugar doando alimentos.
Os trabalhos do SSHC contam com a ajuda das WiA. As mulheres voluntárias, por
exemplo, em 2009 e 2010 realizaram algumas palestras e marchas para abordar os vários tipos
de câncer e AIDS, fazendo demonstrações por meio de fotos sobre as possibilidades de
desenvolvimento das doenças. Essa conscientização coletiva que oferecia orientações sobre os
tratamentos, prevenções e exames, além de distribuir protetores solares, ansiava contribuir
“com suporte emocional e espiritual”. A caridade assistencialista africana, desse modo, está
associada também à conscientização popular, profissionalização dos carentes desempregados,
prevenção contra as doenças comuns da região; formas de ação que estão sustentadas pelas
parcerias que a IURD desenvolve com instâncias do governo e figuras populares. Essa
combinação peculiar de associações entre a Igreja, o setor público e as mulheres missionárias
ajuda a Universal a encontrar brechas na cultura africana, legitimando assim sua inserção e
corroborando para gerar uma imagem de organização religiosa preocupada com a promoção
do bem estar social.

52
Outro exemplo de ação social fruto dessa combinação ocorreu na virada do ano,
momento em que a IURD da África do Sul organizou uma celebração na cidade de Soweto,
num dos estádios desportivos da região. Esse festejo visava chamar atenção da mídia para a
importância dos trabalhos sociais desenvolvidos pela Igreja; na ocasião, a Universal doou
recursos monetários em prol do combate à AIDS e para auxiliar a construção de moradias
para pessoas necessitadas. Essa ação, em parceria com cantores populares da África parece ter
conseguido reverter, ao menos circunstancialmente, a opinião da mídia local que havia
criticado a Universal em 2009. O jornal Sowetan Life, que já havia feito severas críticas contra
a Igreja, fez a cobertura do evento e o colocou em destaque na primeira semana do ano.
Durante os votos da virada, o bispo Pires enfatizou o compromisso dos membros para que
contribuíssem com mais ajudas aos carentes em 201132.
Evento semelhante de comemoração aconteceu em Luanda, na Angola, na reunião de
vigília pela passagem do ano, que agregou mais de 100 mil pessoas também em um estádio.
Contando com a presença de várias autoridades do governo e com um dos ícones da televisão
angolana, os membros da IURD com seus parentes e convidados ouviram o histórico da Igreja
e o modo como ela se inseriu no país através da Associação Beneficente Cristã, chamada na
Angola de Órgão Social da IURD. As mensagens daquela noite enfatizavam o segredo da
vitória (representado pela disponibilidade de doar) e a motivação de a Universal fazer daquele
país uma referência para o continente africano. Em Angola são cerca de 200 igrejas e 700
pastores, que, provavelmente pela similaridade do idioma, fazem com que a Igreja Universal
consiga desenvolver um trabalho intenso desde 1990, com várias formas de expressar a
caridade. A ABC parece funcionar ativamente, pois conta com aproximadamente 38 mil
voluntários e diz beneficiar mais de 85 mil pessoas por ano.
A ABC organiza na região os projetos Comunidade Vida Feliz (destinado a distribuir
alimentos a pessoas necessitadas), o S.O.S Cunane (responsável por socorrer pessoas vítimas
de desastres naturais e catástrofes), e o Ler e Escrever (atividade de alfabetização). Os
voluntários da Associação distribuem, de modo recorrente, informativos de prevenção contra
AIDS, cólera e malária. A IURD, na saga de manter as muitas parcerias com o governo,
encontra em Angola a possibilidade de estar mais próxima das mulheres africanas através do
contato com o Ministério da Família e Promoção da Mulher e promovendo vigílias e

32
Parece uma constante que nos dias de hoje os membros sejam constantemente motivados a fazer grandes
doações de ofertas voltadas para o bem estar dos pobres. Um exemplo disso foi uma ação que teve o apoio direto
do Brasil: a Campanha Nacional para a Criança, que levantou pedidos de doações divulgados pelo site da Igreja
e pela Folha Universal durante todo o mês de setembro de 2009, com o intuito de arrecadar donativos para
orfanatos e organizações não governamentais apoiadas pela IURD na África do Sul.

53
alertando contra a violência doméstica. Além disso, à ABC é atribuída a criação do Centro
Profissional Acadêmico, onde funciona o programa Ler e Escrever e outras atividades
profissionalizantes. Segundo relatos, nesse local foram formadas 1.500 pessoas nos três
primeiros meses da atuação do programa em 2009. Outros 500 alunos se formaram nos cursos
de corte/costura, informática, cabeleireiro, pastelaria, panificação e decoração. Como
propostas novas, a ABC desejava implantar novas cadeiras profissionais como gestão de
empreendedorismo e de emprego para os próximos anos. A IURD mantém ainda, sob a
organização da ABC, o Centro de crianças e jovens desfavorecidos EL-BETEL, que atende
adolescentes instruindo-os para que mudem de vida33. Esses jovens são assistidos com
brincadeiras, cortes de cabelo, músicas e recebem almoço dentro do Centro. O EL-BETEL
funciona com ajuda dos membros da Igreja, através das doações deles e da parceria
estabelecida com o governo de Angola. Os Iurdianos também assistem trimestralmente aos
carentes com doações de roupas e calçados e realização de palestras sobre o combate a
doenças comuns entre eles.
Nas províncias de Angola, como a Uíje, a IURD chegou a promover o projeto Cidade
Limpa, que sistematicamente recolhia o lixo sólido da cidade. Em Cabinda, durante o mês de
novembro de 2009, a Universal engajou um trabalho de arrecadação de roupas e alimentos
para os angolanos do Congo – doações tais que seriam encaminhadas aos carentes pelo
Ministério de Assistência e Reinserção Social da região (MINARS). Articulada com o
Instituto Nacional de Luta Contra a AIDS e com a Administração Municipal da região de
Sambizanga, a Universal também participou, através da presença de vários voluntários, da
campanha de vacinação contra a poliomielite, orientando pessoas também sobre doenças
sexualmente transmissíveis. Na cidade de Huambo, após os cultos da IURD de domingo, de
três em três meses, os membros são incentivados a realizar doações de sangue, feitas
juntamente com os técnicos da hemoterapia do hospital local. O número de doadores não é
determinado nas narrações, mas esse tipo de doação é uma das atividades de assistência
observada frequentemente em diversas regiões de expansão da Igreja. Assim como na África
do Sul, a Universal em Angola pode ter seu sucesso atribuído em grande parte à realização de
parcerias com instâncias do governo, participação em projetos promovidos por entidades
públicas e associação com organizações comunitárias que lutam pela diminuição das doenças
e tentam garantir condições melhores para a população. A Universal participa nessas parcerias
principalmente através das ações de médicos e palestrantes, voluntários da Igreja.

33
A IURD auxilia também o Centro Alnur, destinado a acolher crianças órfãs e jovens que enfrentam o vício das
drogas.

54
Assim como em Angola, Moçambique é um país de grande presença da Associação
Beneficente Cristã. Na região, a IURD também realiza palestras de conscientização sobre o
HIV, incentiva doações de sangue, distribui preservativos e durante marchas evangelizadoras
promove teatro, música, dança e faz cortes de cabelo em jovens e pessoas carentes – tudo
muito similar ao que ocorre nos países africanos já citados, afinal, algumas regiões do
continente são bem propícias para que a Igreja desenvolva ações destinadas a pessoas menos
favorecidas. As Universais de Moçambique realizam todos os domingos um trabalho de visita
para evangelizar em hospitais, além de distribuírem a Folha Universal, fazerem orações e,
eventualmente, doarem alimentos de consumo imediato (sucos, iogurtes, frutas e biscoitos).
Na cidade de Maputo, capital do país, as Mulheres em Ação fazem visita aos orfanatos e,
através da venda de tecidos africanos e bijuterias feitas por elas mesmas, arrecadam dinheiro
para converter em doações destinadas a instituições filantrópicas. Em janeiro de 2010, as
MEA doaram 12 e 10 mil meticais (moeda local) para instituições da cidade, o que seria
correspondente em reais a aproximadamente R$ 960,00 e R$ 800,00, respectivamente,
oriundos do artesanato que elas mesmas confeccionaram. Em agosto de 2009, foi
implementado o projeto de alfabetização Ler e Escrever. Apesar de esse ser um projeto
comum na prática da caridade da Igreja Universal, e de a IURD estar atuante em Moçambique
desde 1992, em período anterior não havia nenhum relato sobre trabalhos de cunho
educacional.
Também de língua portuguesa, Portugal34 foi a entrada da IURD desde 1989 no
continente europeu. Em Azambuja, a Igreja mantém o Centro de Hospedagem de Idosos, que
oferece cursos de técnicas manuais, pinturas e bordados. Mas é o evento Eu Sou da Paz que é
o mais representativo das ações sociais portuguesas, ocorrendo em várias cidades do país. Os
líderes da Universal de cada região realizam esse encontro que funciona como uma espécie de
culto que reúne cerca de mil pessoas e oferece orações, mensagens e palestras, vez por outra
se configurando como um típico mutirão social. Voluntários da área da saúde, assistentes
sociais e pastores contribuem com informações úteis para a população, com auxílio social e
com ajudas de cunho espiritual. Nesses encontros, o braço social dos CdAE de Portugal – o
Coração de Ouro – distribui sacolas de alimentos, roupas e artigos de higiene a pessoas
necessitadas, que mediante um cadastro no local, parecem continuar recebendo as doações
emergenciais periodicamente, até conseguirem prover seu próprio sustento.

34
A descrição do assistencialismo Iurdiano em Portugal é referente às atividades ocorridas entre junho de 2009
(anotação do relato mais antigo encontrado) a janeiro de 2011.

55
Os pastores missionários no país utilizavam muito (na época de inserção da IURD em
Portugal) a retórica de que os políticos portugueses não se importavam efetivamente com os
idosos, presos, desempregados e indivíduos sem estudo, ressaltando, desse modo, que
Portugal era a “calda da Europa” (Mafra apud Oro, 2004). Essa poderia ser uma possibilidade
de explicação do aumento da prática social na região, ressaltando a adesão e o engajamento
dos membros já conquistados nas diversas frentes de trabalho oferecidos nos CdAE lusitanos
(evangelismo, juventude, ensino bíblico infantil, entre outros possíveis). Esse movimento do
assistencialismo Iurdiano português está bem alinhado com as asserções defendidas por
Swatowiski, que, apoiada na concepção de Mafra de que a Universal aciona teorias
persecutórias e se vale delas para reverter as críticas enfrentadas, argumenta que os CdAE de
Portugal são um exemplo de “remodelação da apresentação da Igreja” naquele espaço
público. Atualmente, a IURD em Portugal possui unidades do CdAE em várias regiões,
muitas delas eventualmente segregadas por sua localização geográfica propositalmente
escolhida; apresenta menos elementos próprios à identidade da IURD e adere a novas
tendências arquitetônicas, sugerindo horários de reuniões que lembram atendimentos médicos,
afrontando bem menos o catolicismo hegemônico local, e tornando sua inserção mais discreta
– o que para a autora é sinônimo de maior competividade e busca por legitimação na
sociedade portuguesa (Swatowiski, 2010, p. 181-187). Em suma, a caridade praticada em
Portugal está associada a eventos de grande porte, a um discurso atualizado (propositivo e
benevolente) de pastores que oferecem seus serviços espirituais e ao “estigma” que a
Universal sofre desde sua entrada no país. Tal observação endossa o exposto a respeito do
assistencialismo africano – mostram a perspicácia da IURD em incorporar atributos
autóctones, traduzir-se de acordo com as demandas e expectativas locais, tornar-se fortemente
competitiva no cenário religioso global e desenvolver uma forma de aproximação dos fiéis
vinculando-os uns aos outros e aos líderes que estão à frente da fé oferecida.
É interessante notar que na IURD transnacional são frequentes os momentos em que
os diversos grupos formados pelas clivagens de gênero, faixa etária, atribuições, entre outros,
se reúnem para promover um evento grande, seja um encontro de jovens de maior porte ou
um dia de batismo nas águas. Em tais instantes, as muitas funções se conectam de modo a
configurar um todo coeso, unido e “fortemente” desejoso de impactar positivamente as nações
com mensagens da paz de Deus, com promessas de libertação e milagres, diferente do
discurso pouco produtivo e agressivo comum nos primeiros anos de inserção da IURD nos
países estrangeiros; abordagem que antes tendia a criticar severamente as crenças locais e a
cultura regional, imputada como demoníaca. Assim, eles parecem cooperar para formar uma

56
“onda” Universal, em que os diversos grupos atuam conjuntamente, levando palavras de fé e
testemunhos de superação. A “simbólica da demonização” parece ficar mais atenuada à luz
das obras de caridade, e somada às investidas rotineiras das mídias da IURD, visa atrair novos
adeptos numa representação da Universal como instituição pró-cidadania.
Passando para a América Latina, as formas de assistencialismo são organizadas tanto
em mutirões, marchas e expedições, quanto através de cursos oferecidos em salas de aula. Em
Tegucigalpa, Honduras, por exemplo, o Grupo Especial da Ajuda Humanitária promove
doações de sangue, distribuição de alimentos e cafés, além de suporte de abastecimento de
água via carro pipa. Na Venezuela, um dos trabalhos da IURD é o conhecido Centro de
Ayuda Espiritual, que mantém o funcionamento da ABC. O grupo de evangelismo da região –
Ganhadores de Alma – distribui alimentos a famílias carentes juntamente com pastores e
obreiros que oferecem orações e aconselhamentos. Na Colômbia, a presença da ABC também
é muito forte, tendo organizado no ano de 2009 a recolha de cerca de seis toneladas de
alimentos que beneficiaram 1.600 famílias. Os voluntários colombianos promoveram eventos
sociais com corte de cabelo, manicure, pedicure, distribuição de café da manhã, almoço, e
sopão para pessoas de rua, além de terem evangelizado nas penitenciárias e distribuído kits de
higiene pessoal. Eles contribuíram também para organizar doações de sangue e visitar
hospitais e orfanatos, disponibilizando bolsas de estudo para crianças carentes. Essas foram
algumas das ações sociais mais relevantes e relatadas como uma espécie de “balanço” do ano
de 2009.
Um dos países de grande expansão da Universal na América Latina é a Argentina, que
conta também com a Associação Beneficente Cristã como promotora da maior parte de suas
ações sociais. Os argentinos declaram ter cerca de duas mil pessoas envolvidas nas atividades
propiciadas pela ABC, principalmente as de suporte de advogados e assistentes sociais, além
da atuação de educadores e enfermeiros. Segundo as informações encontradas, a ABC aparece
representada principalmente por outra organização filantrópica, fundada desde 1997 na
província de Córdoba, mas que só foi reconhecida como instituição civil sem fins lucrativos
em 2005, entidade denominada T- Ayudo. O objetivo dos voluntários é levar aos carentes
alimentos, roupas, entretenimento e ajuda espiritual – tudo muito similar ao que é
desenvolvido sobre a rubrica ABC ou por outras entidades ou programas já apresentados.
Como parte dessa associação, os argentinos também organizaram o grupo Angeles de la calle
(voluntários que assistem aos moradores de rua) e o Angeles de la vida (responsável pela
mobilização de doações de sangue). O foco desses grupos é alcançar pessoas desabrigadas,
crianças órfãs, doentes e idosos, não diferindo do público-alvo do assistencialismo de outra

57
religião. De modo geral, a filantropia da América Latina não chama atenção para atividades
além das descritas, que são majoritariamente emergenciais.
Apesar de essa caridade ser capaz de tornar alguns necessitados e seus familiares
sensíveis à conversão, ela não funciona como um chamariz tão eficiente capaz de aumentar de
modo significativo o número de membros da Igreja, pois está longe de ser promovida em
dimensões relativas à estrutura e à membresia desejadas nessas localidades. Entretanto, apesar
de enfaticamente a caridade nos países estrangeiros não poder ser considerada um
assistencialismo proselitista de grandes proporções, o sucesso do evangelismo e da
legitimação da IURD transnacional não podem ser considerados sem levar em conta a prática
da ação social. O desempenho da filantropia da IURD em outros países mostra que esses
trabalhos são acessórios importantíssimos ao evangelismo de massa; são relevantes, e por
vezes essenciais, mesmo sendo ínfimos se comparados à força das pregações através de
distribuição de jornais, apelos emocionais e convites a campanhas financeiras que postulam
justamente que é o necessitado quem deve doar, a fim de alcançar o favorecimento e o
recebimento das graças de Deus. Mas como visto, se o discurso da prosperidade econômica
não “encaixar”, a IURD acaba acionando com eficácia outra chave: a da ênfase sobre as
bênçãos sociais e emocionais que Deus pode prover por meio da Igreja; mostrando-se uma
leitora atenta às contingências de cada região, a Universal adapta seu discurso com facilidade
de modo a provar o poder de seu Deus e garantir que não se reproduzam erros do passado que
a leve a perder fiéis em derrocada.
Portanto, a assistência no início da implantação de uma Universal se assemelha e se
confunde por vezes com o modelo de filantropia tradicional que faz parte da rotina da fé cristã
e não visa interferir nas circunstâncias de vida dos indivíduos assistidos, senão, suprir
algumas necessidades urgentes de pobres e marginalizados. Funciona ainda para mostrar que
a instituição religiosa é engajada em trabalhos sociais e preocupada com as necessidades que
a possam tornar relevante naquele país. Mas é possível ler um movimento de alternância no
padrão de caridade transnacional: à medida que as pessoas vão sendo evangelizadas, aumenta
a preocupação com os novos crentes e isso vai se convertendo no surgimento e ampliação de
atividades de cunho educacional, nas reuniões destinadas a mulheres e em rotinas de lazer e
cursos profissionalizantes, cujo destino é atender jovens e crianças carentes. O surgimento de
uma caridade para os de dentro não implica no desaparecimento da caridade assistencialista
mais tradicional, porém, sugere diminuir sua frequência, absorvê-la e em alguns casos, quase
sobrepujá-la.

58
Tal alteração pode ser oriunda do fato de o período de implantação de uma IURD em
um país estrangeiro ser marcado predominantemente pelo proselitismo acompanhado de
assistência social esporádica, visando o socorro das necessidades imediatas dos possíveis
membros. Gradativamente, como a maioria desses indivíduos é de fato necessitada dos
suprimentos materiais e de educação formal, a frequência nos cultos e contato direto com os
líderes religiosos poderia aumentar a demanda por ajudas mais especificas, criando assim,
consequentemente, projetos que estendem a adesão dos participantes a atividades filantrópicas
e a rotinas evangelísticas, retroalimentando o processo de enraizamento da IURD na região.
Ou ainda, a alteração no modo do assistencialismo poderia ser explicada pela tentativa da
Igreja de suprir as falhas advindas do mau uso da fé por parte dos membros, afinal, muitos
dos crentes Iurdianos não recebem a tão sonhada prosperidade prometida, por vezes em
nenhum dos sentidos já mencionados. E é do sucesso dos membros – mesmo que raro – que
depende a “eficácia” da argumentação Iurdiana. Obviamente, para além dessas asserções
postas como possibilidades de interpretação, não é possível ignorar que o movimento de
mudança nesse “padrão” de caridade possa ser ainda decorrente de estratégias de mercado
bem elaboradas pela liderança da Igreja (dimensão possível em qualquer das duas hipóteses),
que afinal, tem mantido a Universal em evidência para além dos escândalos que já ocorreram.
Essas hipóteses, interpostas a partir da variação da filantropia internacional, seguirão como
inquietações a serem pensadas e relacionadas com os achados sobre a caridade da Igreja
Universal no Brasil.

59
5. Obras sociais em terras brasileiras

5.1 As frentes que estão mais atrás


Os uniformes, as liturgias, as campanhas e os cultos, além dos muitos outros caracteres
que fazem com que a IURD seja “igual em qualquer lugar do mundo” criam a expectativa de
que a mesma regularidade e formatação possam ser encontradas no que diz respeito à prática
social. Mas a maneira com que se faz caridade difere consideravelmente em cada região. O
site nacional da Igreja Universal do Reino de Deus apresentava até outubro de 2009 as três
frentes de maior importância que caracterizavam as ações sociais promovidas pela Igreja no
Brasil. Eram, a saber: a coordenação da Fundação Pestalozzi, a manutenção da Fazenda
Nova Canaã, como parte fundamental do Projeto Nordeste e o Projeto Jovem Nota 10.
Porém, essas iniciativas que se desenvolveram no Rio de Janeiro, em São Paulo, e no interior
da Bahia não se configuraram como um padrão de caridade que fosse reproduzido nos demais
estados de expansão da IURD. Nesse sentido, cabe antecipar ao leitor que não compartilho da
perspectiva de que esses projetos, ou mesmo a Associação Beneficente Cristã sejam
iniciativas “de caráter modelar” no sentido de serem métodos de desenvolvimento da
assistência social reproduzidos nos demais estados e na IURD transnacional.
A modificação significativa dessas frentes de ação me leva a sugerir o contrário – que
a IURD possui um vasto repertório de projetos, modelos apenas temporários de entidades e
eventos para realizar o bem ao próximo, e que mesmo possuindo o mesmo nome, podem
diferir de modo substancial. Além disso, essas modalidades de assistência não apresentam
necessariamente uma vinculação específica, não sugerem ser decorrentes de um
direcionamento ou uma crença própria a respeito da caridade, e ainda, não resultam de um
conhecimento comum compartilhado por membros e líderes. Essas atribuições fazem as
características que inicialmente são consideradas modelares serem formas tão flexíveis e
maleáveis que apenas uma construção a posteriori permitira alinhavar a multiplicidade dessas
iniciativas como um “padrão” a ser considerado replicável. Opto por enxergá-las como um
repertório cada vez mais multiplicado de ações sociais que projetam a Igreja Universal na
medida em que alguma das possibilidades de exercício da caridade é acionada pela liderança
ou por membros voluntários; haja vista as relações de parceria entre as IURDs e o Instituto
Ressoar, a remodelação da caridade em Portugal e a atuação relevante das mulheres nos
países africanos.
A principal mudança ocorrida nas frentes que apareciam em destaque no site da IURD
foi a desativação da ABC na maior parte dos estados brasileiros. A título de registrar o

60
envolvimento da Igreja nessas ações sociais (visto que parte delas é pouco conhecida por
pesquisadores da religião), elas serão brevemente apresentadas e posteriormente relacionadas
com o que de fato predomina e sai à frente quando se fala em assistencialismo Iurdiano nos
dias de hoje.
Em torno da Fundação Pestalozzi de São Paulo – uma entidade filantrópica que era
conhecida por atender crianças portadoras de Síndrome de Down – a IURD fez grandes
campanhas financeiras e publicitárias. Algumas das diversas benesses relatadas como
provenientes da parceria com essa fundação estiveram presentes nas matérias especiais de
comemoração dos 32 anos da Igreja. A Pestalozzi foi fundada em 1952 e desde esse período
diz ter realizado em seus 57 anos de existência um milhão de atendimentos diversos a crianças
e adolescentes com necessidades especiais. Após alguns anos desde a fundação, a Pestalozzi
chegou a enfrentar dificuldades financeiras, instalações deterioradas, prédios com tetos
comprometidos, falta de pisos nas salas das oficinas, poucos professores, voluntários e
profissionais de limpeza, além da unidade pré-profissionalizante fechada por ordem judicial.
Após a parceria com a Universal, a Pestalozzi parecia ter mudado em todos os sentidos. A
Igreja assumiu a organização como parceira na década de 1990, ora provendo a partir daí
recursos financeiros, ora como motivadora de voluntários que pudessem se integrar nas
atividades da entidade. A partir da associação com a IURD foram criadas instalações de
escolas, consultórios médicos e odontológicos, oficinas pedagógicas e refeitório, além de um
corpo administrativo profissionalizado, contando com muitos voluntários; parte deles pessoas
que já haviam sido atendidas pela entidade, além de pais de crianças integradas às atividades
locais (informações obtidas no site da IURD em abril de 2009).
Após estar sob a coordenação da Igreja Universal, a Pestalozzi passou a realizar vários
diagnósticos e atendimentos médicos, além de consultas psicológicas e fonoaudiológicas, e
atividades com assistentes sociais, psicopedagogos e musicoterapeutas. Esses atendimentos
eram destinados a crianças e adolescentes de 0 a 22 anos que se integravam por meio de
atividades de psicoballet, hidroterapia, artesanato, lazer e culinária. Tais tratamentos e
atividades estão hoje organizados sob o projeto AFESI – ações entre família, escola e saúde –
e visam atender uma faixa etária mais reduzida, mas que inclui além dos deficientes
intelectuais diversos, os autistas e as famílias desses jovens, ressaltando assim, o apoio
“sócio-clínico-educativo” pautado nas concepções de inclusão e “ações intersetoriais”. A
entidade sempre contou com doações para garantir seu funcionamento. No final do ano de
2009, foi iniciada pela IURD a Campanha Pestalozzi de São Paulo – o sorriso da vida, que
previa arrecadar 03 milhões de reais, uma vez que a campanha de 2008 já havia conseguido

61
atingir a cifra de 724 mil. As arrecadações foram realizadas através de doações telefônicas de
0500, que segundo alguns relatos, não faziam parte de uma estratégia comum usada há alguns
anos atrás.
Mas essa parceria de aparente sucesso e de certeira relevância para a imagem dos
trabalhos sociais da Universal tomou um rumo diferenciado no final de 2009, quando a Igreja
retirou todas as informações de seu site sobre a Fundação. A vinculação da parceria que antes
era claramente entre Igreja Universal e Pestalozzi passou a ser entre a ABADS (Associação
Brasileira de Assistência e Desenvolvimento Social) e o Instituto Ressoar. A Pestalozzi
mudou seu nome para ABADS devido à ampliação de seus atendimentos a crianças e jovens
autistas, deixando em evidência seus balanços financeiros e sua submissão a auditorias
periódicas. A ABADS, diferente da antiga Fundação Pestalozzi, utiliza fluentemente os
termos próprios ao campo da filantropia leiga, como “terceiro setor”, “responsabilidade
social” e “inclusão”, além de enfatizar seus três títulos de reconhecimento de associação de
utilidade pública e o prêmio Top Qualidade Brasil 2009, que foi obtido em evento promovido
pelo CICESP (Centro de Integração Cultural e Empresarial de São Paulo). A ABADS destaca
que os voluntários da entidade, incluindo a presidente administrativo-financeira, não recebem
remuneração pelo trabalho e doam seu tempo de forma espontânea, mas comprometida. Como
instituição do terceiro setor, a ABADS atualmente investe em projetos para angariar fundos
através de parcerias com empresas diversas, defendendo a perspectiva do “desenvolvimento
social sustentável”. Um dos vínculos mais importantes estabelecidos desde então foi com o
Instituto Ressoar da Rede Record, que promove campanhas de doações de dinheiro, realiza
várias publicidades em torno da instituição e patrocina reformas em seu espaço físico.
O Instituto Ressoar (de propriedade da Igreja Universal) está organizado em sete
projetos principais que se propõem a cooperar para uma sociedade “inclusa e justa”, através
das noções de responsabilidade social. A forma de atuação de maior destaque é o programa
Ressoar que vai ao ar na Rede Record duas vezes por semana (domingo às 19:00 horas, sendo
reprisado ao sábado às 14:00 horas) e discute temas gerais sobre o terceiro setor. Os demais
projetos sociais Ressoar Solidário, Casa do Fazer, Ressoar nos Bairros, S2B Online,
Conectado com o Mundo, Curso Ressoar Multimeios e Zooparque Itatibaia configuram uma
série de programas que culminam majoritariamente em ações culturais de promoção de lazer e
inclusão social, além de cursos de capacitação e profissionalização. O programa Ressoar
Solidário, por exemplo, além de promover eventos esporádicos realiza também um dia
dedicado ao desenvolvimento de ações solidárias em todo o país. O dia escolhido em 2010 foi
17 de outubro, que se caracterizou por realizar em muitas das capitais do Brasil um mutirão

62
abarcando atividades comuns às práticas de voluntariado: apresentações musicais, lazer,
tarefas educativas para crianças, tratamentos de beleza, arrecadação e distribuição de
alimentos, atendimento médico, emissão de documentos e doações de sangue. As ações
desenvolvidas pelo Instituto Ressoar alinham-se às rotinas das associações filantrópicas leigas
hodiernas, destacando noções antes ausentes no discurso e nas atividades promovidas pela
Igreja Universal, como o reforço dos valores de cidadania, solidariedade, sustentabilidade,
voluntariado, cultura e consumo consciente.
Uma explicação possível para a mudança da aliança direta entre Fundação Pestalozzi
e IURD para a ligação de ABADS e Instituto Ressoar pode ser parcialmente encontrada na
necessidade que se postula, de modo geral crescente, de que as empresas passem a afirmar seu
compromisso com a responsabilidade social e com o meio ambiente – exigência essa
facilmente visualizada na maior parte dos discursos recentes sobre mercado e
empreendedorismo. As parcerias que a Igreja Universal mantinha como promotora de obras
sociais, nos dias de hoje beneficiam muito mais a IURD enquanto instituição de
entretenimento (leia-se Rede Record), do que a Universal quando considerada apenas em sua
dimensão de organização religiosa. O Instituto Ressoar em parceria com a ABADS se
configura como um recurso capaz de conferir à Igreja Universal – via Rede Record – a
dimensão de agente de ações distintas das práticas assistencialistas “tradicionais”, em sintonia
com a promoção dos direitos humanos através do envolvimento de famílias, empresas e
universidades. Essa parceria deixa a impressão de que a qualquer momento a IURD pode
acionar sua relação com o Instituto Ressoar a partir de uma conjuntura que torne necessária a
evocação de uma dimensão solidária mais aquilatada, que se encontra prontamente atualizada
com a evolução do pensamento leigo e das concepções recentes sobre assistência. Em 17 de
fevereiro de 2010, por exemplo, foi publicada na Folha Universal uma reportagem sobre a
formatura de 27 alunos especiais no ensino fundamental da ABADS, ressaltando a associação
apoiada pela Igreja e dando uma pista de que há possibilidade de se intensificar a publicidade
dessa parceria.
A segunda frente de ação social que era considerada de maior importância pela
Universal é o Projeto Nordeste. Os vários projetos que fazem parte dele são reunidos sob a
mesma nomenclatura e são conhecidos em suas localidades por S.O.S (como o S.O.S Santa
Catarina, de 2008; o S.O.S Piauí, de 2009, o S.O.S Região Serrana, de 2011) e consistem
principalmente na arrecadação e distribuição de alimentos, água, roupas, materiais de limpeza
e itens de higiene pessoal para pessoas vítimas de desastres naturais. O Projeto Nordeste se
destaca ainda e principalmente pela fazenda criada no interior do estado da Bahia – a Fazenda

63
Nova Canaã – que seria uma das primeiras fazendas das muitas outras que viriam a ser
construídas35. A fazenda foi construída em 1999 em Irecê, interior da BA, patrocinada pelas
doações do senador e bispo Marcelo Crivella. Segundo a assessoria da Igreja, Crivella, após
trabalhar dez anos na África, foi convidado pelo bispo Edir Macedo para retornar ao Brasil
para novas atividades. Macedo dizia estar sensibilizado pela reportagem apresentada na TV
Record que mostrava como inúmeras famílias nordestinas, que haviam migrado para a região
com o intuito de plantar feijão, tinham perdido tudo e estavam em situação de miséria em
função da seca.
Marcelo Crivella, engenheiro que gravava CDs e sempre fazia doações dos valores
que lucrava com a venda dos exemplares para obras de caridade da IURD, ao voltar ao Brasil,
assinou um contrato com a Sony Music no valor de R$ 850 mil reais, valor que diz ter sido
destinado a engrenar as obras de irrigação que seriam feitas nos moldes dos gotejamentos
kibutzes israelenses, em Irecê. Tendo o senador vendido mais de seis milhões de CDs, os
relatos trazem que ele concentrou sua última doação de R$ 525 mil reais para ampliar as obras
da fazenda, melhorar o acabamento e instigar a construção de um hotel na região. Segundo a
assessoria da IURD, a Fazenda Nova Canaã tem mais de 500 hectares de extensão e produz
várias frutas e legumes, além de agregar um rebanho leiteiro, um criadouro de porcos e um de
galinhas. Possui açudes de tilápias e carpas e sustenta mais de 180 empregos diretos,
garantindo a subsistência de todas as famílias envolvidas no projeto. Como parte da Fazenda,
foi criado o Centro Educacional Betel, responsável por fornecer educação, alimentação,
transporte, materiais didáticos e de higiene a crianças carentes da região. Os Universais
declaram já ter investido na Fazenda mais de 10 milhões de reais oriundos de diversas
doações e dos valores arrecadados com a venda dos CDs. Apesar de considerado um reduto
de bonança e fartura para a região, a fazenda, desde a época de sua fundação, não deu origem
a outras iniciativas além das já descritas36.
Marcelo Crivella, sobrinho de Edir Macedo, foi em 2004 acusado de conhecer todas as
irregularidades e precariedades da Fazenda Nova Canaã e tentar barganhar com os ex-
funcionários insatisfeitos. Alguns relatos consideraram que a Fazenda fora visitada por
inspetores sanitários e multada em mais de R$ 15 mil reais, uma vez que alimentos eram
guardados juntamente com materiais de limpeza, não havia instalações adequadas para os

35
Até o término dessa pesquisa nenhuma outra fazenda havia sido construída.
36
Segundo Scheliga (op.cit.) o projeto da Fazenda Nova Canaã promoveu ainda a COPECIBA (Cooperativa dos
Produtos de Confecções em Irecê), mas não se encontram mais notícias sobre sua continuidade. Os últimos
relatos que pude encontrar datam de 2005 e dizem que a cooperativa tinha o objetivo de profissionalizar pessoas
carentes para que pudessem obter sua própria renda.

64
funcionários dormirem ou fazerem suas necessidades, de modo que excrementos ficavam
expostos próximos a alimentos doados. Segundo reportagem37, muitos trabalhadores não
tinham carteira assinada, faltava água potável e mesas para realização de refeições. Mas essas
denúncias não parecem ter tido sua veracidade comprovada, não conseguindo impedir a
realização de novas parcerias. A última notícia encontrada sobre Nova Canaã segue a
tendência do observado quanto à antiga Fundação Pestalozzi, da formação de parcerias que
ligam as iniciativas da IURD àquela “filantropia empresarial”. Segue um excerto da notícia:
“A parceria foi acertada durante visita à fazenda feita por empresários e
representantes de conceituados grupos, acompanhados do presidente do
Sistema Universal de Comunicação e diretor da Folha Universal, Jeronimo
Alves. (...) Entre os presentes estavam José Carlos Semenzato, presidente da
FranHolding (Microlins Formação Profissional, Instituto Embelleze, Profsat
Tecnologia e Educação e Instituto Ricardo Almeida), Magdiel Unglaub, vice-
presidente da SAGE/Brasil; e Daniela Busoli, diretora da ActioMedia do
Brasil (empresa do grupo Endemol). Na ocasião da visita, os empresários
puderam constatar os setores nos quais poderão colaborar para o crescimento
do trabalho da Fazenda Nova Canaã. Lídia Pereira, oficial das Alianças
Coorporativas da UNICEF no Brasil, afirmou que, junto com o Instituto
Ressoar e a Rede Record, estuda um programa de parceria para contribuir
com o sucesso ainda maior do projeto”. (Alice Mota, Agência Unipress
Internacional, s/d).

Não foram encontradas mais informações sobre o estado da fazenda após esse
encontro. Mas, a figura carismática e de grande relevância para IURD do senador e bispo
Marcelo Crivella – que mantém em seu rol de projetos bem sucedidos a Fazenda Nova Canaã
– continua sendo um dos maiores cabos eleitorais da Igreja Universal e é em torno de sua
figura que se concentram quase todas as obras sociais realizadas no Rio de Janeiro, objeto da
próxima sessão.

5.2 O caso paradigmático carioca


A terceira grande obra que aparecia no site da IURD era uma das principais iniciativas
do Grupo Jovem do Rio de Janeiro38, denominada Jovem Nota 10. Esse programa começou
em 2003 e foi implantado em várias regionais da Igreja Universal (todas no estado do Rio),
caracterizando-se no início por oferecer ajudas escolares para jovens entre 14 e 25 anos. Com

37
Fonte: http://crivellanao.blogspot.com
38
O Grupo Jovem (conhecido como Força Jovem) se organiza de diversas formas no intuito de fazer
evangelização em encontros esportivos, musicais e gincanas. Os participantes também distribuem jornais da
Universal em vários pontos da cidade, fazem evangelismo de rua e se reúnem em caravanas e shows promovidos
no intuito de adorar a Deus. Iniciado em Duque de Caxias na Baixada Fluminense em 1978, o Força Jovem
realiza atividades culturais, sociais e espirituais no intuito de resgatar os perdidos. A proposta é “ser uma
juventude diferenciada, com valores familiares e de companheirismo”, segundo destaca o responsável pela Força
Jovem do Rio de Janeiro. No Rio, o grupo foi responsável em janeiro de 2011 pela organização do S.O.S Região
Serrana, tendo seu trabalho amplamente divulgado pela agência de publicidade própria do grupo, denominada
VPR.

65
o crescimento da proposta, o projeto que era ligado à ABC, atingiu a cifra de 15 mil alunos
atendidos e passou a oferecer cursos diversos, como: de idiomas, pré-vestibular e atividades
profissionalizantes. Alguns dos cursos oferecidos como o de línguas estrangeiras eram
gratuitos, para outros, todavia, era cobrada uma taxa de participação, como no curso de
empreendedorismo para jovens. Aparentemente abertos a pessoas de qualquer credo religioso,
o Jovem Nota 10 também envolvia atividades de lazer, esporte, campeonato, teatro e dança.
As aulas eram ministradas por professores voluntários de acordo com a disponibilidade de
cada um e em espaços concedidos pela igreja para tal finalidade. O Projeto Jovem Nota 10
apareceu no ano de 2009 com a cifra de ter formado 400 jovens nas modalidades de auxiliar
administrativo, judô, ju-jítsu, futebol, taekwondo, balé, jazz, curso pré-vestibular, hotelaria,
turismo, inglês, espanhol e idioma missionário.
Apesar do aparente sucesso desse programa, o Jovem Nota 10 já há muito tempo é
obscurecido em função da efetiva visibilidade das obras sociais de políticos da IURD no
estado do Rio de Janeiro, haja vista a obtenção da Secretaria do Trabalho e Ação Social em
1994 pela IURD (Oro, 2003). Segundo as análises de Corten e Conrado retomadas por Oro a
respeito do impacto da ação política da IURD, a Igreja realizaria através do número crescente
de representantes na Câmara Federal e Assembleia Legislativa uma ação pró-cidadania que
permitiria a constituição e o aumento de uma base eleitoral promotora de figuras públicas que
revisassem as noções de moral e ética na política, se apresentando como pessoas altruístas,
“de caráter” e comprometidas com Deus. O trabalho do bispo e senador reeleito Marcelo
Crivella (PRB-RJ) e da vereadora Tânia Bastos (PRB-RJ) são exemplos de tal atuação política
de cunho caritativo da Igreja. Crivella, em sua biografia enquanto político se vale da
realização da Fazenda Nova Canaã, utilizando exatamente o mesmo texto que consta no site
do projeto Projeto Nordeste, com configuração, descrições e fotos idênticos, a fim de mostrar
o sucesso de seus projetos sociais. Ressalta ainda o Cimento Social, como seu segundo
trabalho bem-sucedido e de preocupação humanitária, que visava reformar e construir casas
em morros e favelas começando pelo Morro da Providência. O Cimento Social tinha como
objetivo beneficiar famílias carentes e gerar renda e emprego para cerca de 100 pessoas da
própria comunidade em que estava sendo realizado, no geral homens que estariam envolvidas
no projeto de construção juntamente com as tropas especializadas do Exército. Esse projeto
contaria com a verba do Ministério das Cidades e com o apoio do Ministério da Defesa,
tentando chamar a atenção do governo federal no intuito de integrar-se posteriormente ao

66
39
programa Minha casa, minha vida , o que acabou não acontecendo. Esse trabalho estava
organizado em duas fases, sendo destino à primeira delas o montante de 1,5 milhão de reais e
à segunda, a quantia de 11 milhões, valores que seriam destinados a produzir cerca de 800
casas em um período de doze meses.
Em entrevista ao site do PRB40 (Partido Republicano Brasileiro) Crivella alegou ter
recebido 12 milhões de reais como apoio do governo Lula e também declarou que seu projeto
faria parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Entre as propostas do senador
para o Morro da Providência, existia ainda a de revitalizar as fachadas das casas, restaurar
telhados, implantar rede de esgoto para a comunidade e criar centros comunitários e creches.
Acusado de fomentar um grande projeto eleitoreiro distribuindo algumas das casas prometidas
apenas em tempos de campanha, o senador recebeu outras denúncias, partidas do Jornal Valor
Econômico, sendo a principal delas a de que o Cimento Social teria a fortuna de 3,6 milhões
de reais para construir apenas 30 casas. Mas as irregularidades aparentemente foram
contornadas e o projeto foi estendido a outras comunidades, como a de São Gonçalo por
exemplo. Após a morte de 03 jovens do Morro da Providência envolvendo soldados do
Exército que assessoravam as obras do projeto de Crivella em junho de 2008, contudo, não
foram encontrados demais dados sobre a continuidade do Cimento Social.
Marcelo Crivella em 2009 e 2010 focou suas atividades na reeleição ao senado e atuou
de maneira mais contundente no debate contra a Emenda Ibsen Pinheiro, que implicaria na
retirada de sete milhões de reais dos estados e municípios produtores de petróleo, distribuindo
igualmente os royalties decorrentes. Continuou ainda seguindo a linha de se destacar pelas
emendas individuais que conseguia aprovar para construção de habitações populares e
fornecimento de equipamento hospitalar. Destacou-se como relator de emendas desse tipo,
beneficiando as cidades de Petrópolis, Teresópolis, Duque de Caxias, Niterói e outras do Rio
de Janeiro. Em maio de 2010 recebeu uma moção da Câmara de Vereadores de Petrópolis em
função da verba de 1,8 milhão de reais que foram destinados ao município por seu intermédio.
No currículo do bispo ainda constam muitas outras medalhas, moções e títulos oriundos de
sua atuação política.
Contudo, a marca da trajetória pública de Crivella engajada nas questões sociais,
segundo ele, não tem vinculação direta com a Igreja Universal. Em 07 de dezembro de 2010,

39
O Programa “Minha Casa, minha vida” é uma associação do Governo Federal com a Caixa Econômica
Federal, no intuito de favorecer pessoas de baixa renda a obter financiamentos para suas casas próprias.
40
Fonte: http://www.prb10.org.br

67
Crivella, respondendo ao Valor Econômico se teria a intenção de se desligar da imagem da
Igreja Universal, disse o seguinte:
Nunca fui só um representante da Universal. Tudo que pensei, pensei no
povo do Rio. Até porque a igreja não precisa de um Senador, quem precisa é
o Estado. A igreja não pode se apoderar das políticas públicas ou das verbas
públicas. A política deve ser feita com idealismo, com renúncia, pensando
com outros (Fonte: http://marcelocrivella.com.br).

Certo distanciamento da IURD tem aparentemente acontecido. Em 2010, Crivella também


participou da palestra juntamente com a Arquidiocese do Rio de Janeiro sobre o terceiro
Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) ressaltando sua posição de ser contrário à
criminalização da homofobia, à descriminalização do aborto e à proibição do uso público de
símbolos religiosos. Na palestra dada por Crivella, ele afirmou que para combater essas
mudanças, as religiões de origem cristã precisavam se unir independente dos dogmas
religiosos. Em suas próprias palavras: “Católicos, evangélicos e espíritas estão irmanados
nessas lutas”. A defesa de Crivella mostra uma postura bem diferente da que é vivenciada nos
cultos e guerras travadas nos rituais da IURD, apontando para o fato de que a “simbólica da
diabolização”, aqui retomada especificamente como a rivalidade travada com outras religiões,
jamais é evocada nas ações de um senador.
Esse relativo distanciamento da dimensão dos apelos ao sobrenatural na atuação
política é fundamental para as mobilizações de parcerias e vínculos que não se apresentariam
prontamente admissíveis em cenário religioso. A postura de Crivella segue o mesmo sentido
das mudanças das demais frentes de ação social descritas acima: parte da IURD tem se
desprendido do estereótipo que a Universal carrega como expressão religiosa prementemente
imersa na “guerra santa” e nas “radicalidades” da fé intensa, permitindo a formação e
extensão de cooperações e alianças que reforçam ideais até então pouco conhecidos como
sendo do universo Iurdiano. Noções como as de responsabilidade social, cidadania, inclusão,
promoção de direitos humanos e engajamentos políticos contemporâneos entram – talvez
definitivamente – na agenda de preocupações da Igreja Universal, pois permitem que ela se
enraíze como agente social relevante nas diversas culturas nas quais atua.
Outro exemplo de um político Iurdiano envolvido na promoção da caridade é o da
vereadora Tânia Bastos (PRB/RJ), também membro da Universal. Mas as ações políticas da
vereadora até o presente momento mostram outro sentido da relação entre a Igreja Universal e
a política – trazer à baila o que a IURD tem de “bom”, ressaltando o sucesso de seus projetos
sociais e sua preocupação com questões atuais, como as relativas à saúde, a leis e direitos
envolvendo as mulheres. Tânia Bastos sempre esteve engajada em obras sociais, tendo

68
coordenado a Regional da Secretaria Municipal de Assistência Social e presido a ABC,
chegando a ser também presidente do PRB no Rio em 2006. Em 2009, deu suporte ao curso
Capacitação de Agentes Multiplicadores de Prevenção Contra as Drogas e criou na
comunidade da Mangueira um trabalho voluntário dentro de um posto de saúde, a fim de
oferecer consultas, exames e fisioterapias gratuitas a pessoas necessitadas. Ainda em 2009
entregou a medalha de reconhecimento Pedro Ernesto à ministra da Secretaria Especial de
Políticas para as Mulheres, Nilcéa Freire, como forma de demostrar uma de suas
preocupações, já que seu lema é “a defesa do social e do direito das mulheres”. Em 2010, ela
entregou a medalha à Força Jovem Brasil, homenageando os jovens da Igreja Universal pelos
projetos sociais, espirituais, culturais e esportivos que são desenvolvidos a partir da motivação
de “ganhar vidas” pregando o evangelho. No mês anterior, a vereadora havia homenageado o
presidente da Rede Record. Após ser reeleita, em dezembro de 2010, se tornou segunda
suplente do senador Marcelo Crivella.
Uma interpretação compatível a essas análises seria atribuir a engrenagem das obras
sociais da Igreja Universal no Rio de Janeiro à manutenção e continuidade do “circuito do
41
dízimo” . O dinheiro doado por fiéis como dízimos e ofertas em cultos e campanhas da
Igreja seria em parte usado para a construção de templos; espaços que, de alguma forma, ao
fomentarem projetos e doações sociais, “reembolsariam” a sociedade retribuindo os doadores
por meio da realização de assistência. Quem apareceria à frente na distribuição desses
benefícios, então, seriam os próprios políticos, reforçando desse modo o caráter eleitoreiro da
filantropia Iurdiana, capaz de angariar votos e apoio eleitoral, além de promover e sustentar
novas e regulares doações monetárias de fiéis agraciados. O exemplo das obras sociais no
Rio, certeiramente fomenta a relação caridade/contribuição/política e é o que parece
predominar como o modo de prestar ajuda da Universal no Brasil, pois contempla um duplo
movimento: ora o de destacar as iniciativas sociais de sucesso promovidas pela Igreja e expô-
las na mídia e na política, ora o de afastar a figura da Universal – aqui entendida pelos
modelos rígidos, por vezes caricaturais sobre o que é a IURD – dos agentes promotores das
assistências e das instituições parceiras. Tal movimento pendular é compreendido nessa
discussão como a capacidade da IURD de desenvolver outras modalidades de contato e de
associações em favor do pobre, lançando mão da imagem da instituição religiosa apenas na
medida da conveniência.

41
Agradeço a provocação do pesquisador Ronaldo Almeida (que se dedicou muito tempo ao estudo da Igreja
Universal) sobre a existência do “circuito do dízimo”, que me fez pensar a relevância das obras sociais para
eleição de políticos e para manutenção de templos no Rio de Janeiro, e a relação desse fato com a prática
significativamente diferenciada do assistencialismo Iurdiano de Minas Gerais.

69
5.3 O que há mais adiante42?
O deslocamento da parceria com a Fundação Pestalozzi (ABADS) e a reordenação das
atividades exercidas anteriormente pela Associação Beneficente Cristã passaram a destacar
outras formas de praticar a fraternidade em São Paulo43. Os jovens paulistas evangelizadores
incentivam doações de sangue, visitam asilos, orfanatos e centros de recuperação, além de se
reunirem em congressos, mutirões sociais diversos e dirigirem também o programa Cidade
Limpa, com o objetivo de recolher o lixo e conscientizar pessoas sobre a limpeza urbana.
Além dessas atividades, o estado de São Paulo guarda ainda duas instâncias muito relevantes
de ação social: a Associação de Mulheres Cristãs (AMC) e o programa Ler e Escrever. A
AMC é coordenada por Rosana Oliveira e se configura como um grupo de mulheres da
Universal comprometidas com a assistência através de visitas a penitenciárias, asilos e
creches, além de distribuição de alimentos e promoção de eventos sociais. As mulheres
fizeram em 2009 e 2010, por exemplo, distribuição de café da manhã na Fundação Casa 44 e
também visitas à Casa da Criança Betinho, levando consigo leite e pacotes de fraldas –
materiais arrecadados pela Força Jovem Brasil. Aos funcionários desses locais entregaram
exemplares de bíblias, revistas e livros cristãos. Outro lar visitado pelas mulheres foi O Raiar
do Sol, responsável pelo cuidado de idosos; a AMC paulista os visita quinzenalmente. A
maior iniciativa desse grupo no último ano, contudo, foi a reinauguração da Casa de Menores
em Carapicuíba em novembro de 2010, após intensa reforma patrocinada pela parceria com o
apresentador Gugu Liberato, da Rede Record.
Além da ação social das mulheres, o programa Ler e Escrever, segundo informações
da Arca Universal de 31 de janeiro de 2010, formou em São Paulo 700 alunos nos cursos de
alfabetização e no ensino de primeira a quarta-série. Os alunos tiveram êxito no teste
elaborado pela Secretaria de Educação que visava nivelar e habilitar a continuidade dos
estudos a partir da quinta série do ensino fundamental. Sob a rubrica do Ler e Escrever de São
Paulo há ainda outros cursos além do de alfabetização, como os profissionalizantes e os
extracurriculares (Scheliga, op.cit.). Além das ações sociais da capital, na cidade de Iguapé,

42
Todas as obras sociais descritas nesse tópico são referentes ao período de 2009 e 2010.
43
As tarefas de visitas a idosos e crianças e as de arrecadação/distribuição de alimentos aparecem nas fotos e nos
relatos do site da evangelização paulista como compartilhadas tanto por integrantes do A Gente da Comunidade,
quanto por membros que constituem o grupo de visitas a hospitais. Há ainda relatos sobre a participação dos
voluntários da Associação Beneficente Cristã; todos os grupos são ligados pelo ideal último da evangelização e
do alcance a pessoas carentes (conf. em http://www.evangelizacaouniversalsp.com.br). Já o organograma sobre a
caridade paulista elaborado por Eva Scheliga e reproduzido na página 45 desse trabalho mostra que algumas
atividades são específicas de cada grupo e afirma que a ABC paulista já não constitui mais um eixo a partir do
qual são organizadas as obras sociais de São Paulo.
44
Instituição que aplica o regime semiaberto a jovens infratores. Antigamente conhecida como FEBEM.

70
por exemplo, apesar de não haver relatos sobre trabalhos de alfabetização, há periódicas
arrecadações de alimentos nos cultos; uma delas, por exemplo, organizou cestas básicas para
famílias carentes, e entregou parte à Sociedade Amigos do Bairro Rocio (Sabro), ocasião em
que foram realizados também cortes de cabelo, massagem, manicure e pedicure, em formato
de um mutirão social. Ainda no estado de São Paulo há, juntamente com essas frentes de
trabalho, o grupo Coroas de Honra, criado em 2002, que visa atender idosos com oficinas de
artesanato, bordado, corte/costura, curso de confecção de bijuterias, ensino de técnicas de
relaxamento corporal e aferição de pressão45.
Além das obras descritas, a IURD também mantém trabalhos de caridade de grande
destaque no Nordeste46, no Sul do Brasil e no estado de Goiás – trabalhos de caráter diverso
que aparecem nos relatos encontrados como deixando em evidência principalmente as ações
de figuras políticas e iniciativas de cunho eleitoreiro. Em Porto Alegre, por exemplo, destaca-
se a atuação do pastor e deputado reeleito Carlos Gomes (ex-PPS/RS, atual PRB) que, se
posicionando como atuante defensor dos pescadores, policiais, trabalhadores da reciclagem,
pagadores de pedágio e pessoas excluídas e desfavorecidas, ganhou o prêmio Springer 200947
na categoria de Ação Social e Meio Ambiente. Dentre os muitos projetos propostos e
aprovados por ele, a Igreja Universal destaca o de dar desconto de 50% nas taxas de inscrição
em concursos públicos para os doadores de medula óssea e de sangue. O deputado ainda
defende a isenção de ICMS a templos religiosos e elaboração de identidade e instalação de
energia elétrica sem custos para pessoas carentes. O gabinete desse mesmo deputado, através
da parceria com a Associação Piquete Raízes do Pampa, participa também de mutirões sociais
regulares em prol da cidadania. Levando consigo a bandeira de representante da IURD, Carlos

45
Infelizmente faltam informações mais específicas que possibilitem afirmar taxativamente sobre a origem das
verbas que sustentam os trabalhos (bem organizados e de grande parte) realizados pela AMC e pelo programa
Ler e Escrever de São Paulo.
46
Em Teresina foram encontradas menções apenas de trabalhos emergenciais. A Igreja criou a campanha SOS
Piauí a fim de auxiliar as vítimas da enchente causada pelo rompimento de uma barragem no Maranhão. Já a
cidade de Recife é constantemente citada por eleger vereadores e deputados que se engajam em campanhas
sociais e de bem-estar coletivo e que propõem projetos que visam beneficiar doadores de sangue, aumentando o
estímulo a esse tipo de contribuição. Outras leis que estão na pauta desses políticos dizem respeito à limpeza da
cidade, tratamentos para idosos e modalidades diversas de assistência a pessoas menos favorecidas. O programa
social da Universal na localidade (o A Gente da Comunidade) parece estar focado, assim como os políticos, em
promover doações de sangue, pois essa é uma das campanhas de maior destaque da região. Já na capital de
Pernambuco, a IURD implantou e mantém o Programa Jovem Nota 10. Em João Pessoa, as ações sociais
parecem ser mais de cunho educativo, organizadas pela Força Jovem, que atua na promoção de encontros e
passeios assessorados por trio elétrico, músicas e brincadeiras para alertar as pessoas quanto ao perigo de fazer
uso de drogas. Lá, ao contrário das demais regiões citadas, o AGC local cuida apenas da assistência emergente,
tradicionalmente distribuindo sopão e realizando orações com os recebedores das refeições. A dimensão
tradicional da caridade realizada pelo AGC da região encontra-se separada dos trabalhos de educação e ensino
profissional, coordenados pelos jovens.
47
O prêmio Springer Carrier foi criado em 1961 e é promovido anualmente pela Associação Riograndense de
Imprensa (ARI), visando destacar os parlamentares que tiveram ações mais relevantes para o estado.

71
Gomes influenciou a Assembléia Legislativa a homenagear a ação social da Igreja,
entregando a medalha da 52ª Legislatura aos líderes estaduais da Força Jovem, da Escola
Bíblica Infantil (EBI), da Evangelização Carcerária e do A Gente da Comunidade. Segundo o
deputado:
“A Igreja (ele refere-se à Universal) tem seus olhos voltados à
sociedade em que está inserida. Está nas casas, nos hospitais, nos
presídios. É o momento também do parlamento gaúcho reconhecer
esse trabalho voltado à promoção da solidariedade e da inclusão
social que todo o Rio Grande já conhece” (Fonte:
http://deputadocarlosgomes.blogspot.com).

O deputado participa periodicamente da formatura do programa A Gente da


Comunidade do Rio Grande do Sul (AGC/RS) cujo primeiro aluno diz ter sido ele próprio48.
Carlos Gomes também apoiou as iniciativas do AGC/RS em um lar para crianças carentes,
homenageou a Rede Record e, novamente as ações sociais da Igreja Universal na
comemoração dos 33 anos da IURD, ressaltando a importância da Força Jovem no Rio
Grande do Sul. Em dezembro de 2010, o deputado conseguiu a aprovação do Dia da Decisão,
a ser comemorado no estado em 21 de abril49, representando um dia em que as pessoas devem
ser reunir em locais públicos para orar por mudanças positivas em suas vidas. Segundo ele,
esse é um dos caminhos que a sociedade e o governo encontraram para legitimar ações de fé
em prol da melhora da vida de todas as pessoas.
Mas, seguindo uma espécie de tendência pendular, ora se aproximando ora se
distanciando da identidade da IURD conforme conveniência, tal qual se identifica na postura
dos políticos do Rio de Janeiro, o deputado também pode se afastar com facilidade do
estereótipo Iurdiano. Ao defender abertamente a tolerância religiosa, se posicionando contra
as discriminações advindas dessa postura de preconceito, defendeu a união dos credos a favor
de políticas públicas que projetassem a diversidade e promovessem fraternidade e paz. A
postura do deputado Carlos Gomes e do senador Marcelo Crivella conseguem, em certa
medida deslocar o discurso “demonizante” da IURD para diálogos inter-religiosos e quiçá
tolerantes, podendo representar dispositivos mais eficazes de conexão com as várias
instâncias do governo, ou ainda, cooperar para a formação de um eleitorado forte e, para a

48
A estrutura do AGC/RS se aproxima aparentemente da divisão de atividades que acontece no AGC de Minas
Gerais, dividindo-se em aulas de: alfabetização de adultos, artesanato, inglês, espanhol e informática. Agregam-
se ainda os trabalhos de assistência social e de evangelização. Mas, enquanto o AGC/MG conta com cerca de
menos de cinquenta pessoas envolvidas na ação social, o AGC/RS, segundo dados apresentados pela assessoria
do deputado Carlos Gomes, reúne mais de cinco mil voluntários. Não há dados que possam atestar a veracidade
de tal fato, contudo.
49
No dia 21/04/2010, a IURD mobilizou diversas regiões do Brasil para comemorarem o Dia da Decisão. A
contagem é que participaram 27 estados e mais de 10 milhões de pessoas nessa concentração de fé. Esse dia é
um evento comemorado há muitos anos na rotina da Igreja Universal.

72
constituição de um corpo de líderes político-religiosos que constituam uma imagem atualizada
e positiva da Igreja.
No Paraná, as atividades parecem se concentrar no Jovem Nota 10, mas não têm muito
destaque nas mídias da Igreja. Entretanto, o estado de Santa Catarina é frequentemente
mencionado bem provável pelo fato de o presidente da Igreja Universal no Brasil e relações
públicas de Edir Macedo – Jerônimo Alves – ter se mudado para o estado alegando estar
demasiadamente sensibilizado pelos desastres das enchentes ocorridas no período de verão.
Alves se engajou em um projeto de reconstrução de casas afetadas pelas enchentes, o
Reconstruindo Santa Catarina50, em conjunto com o Instituto Ressoar, do qual atualmente é
coordenador. Jerônimo Alves também apoiou dois projetos sociais em parceria com o estado:
o da Escola Aberta, coordenado em Criciúma por Fátima Silvana, que visava entre outras
coisas melhorar as relações entre a escola e a comunidade e o programa Segundo Tempo,
também em Criciúma, idealizado e promovido pelo Ministério do Esporte a fim de
democratizar a prática esportiva no contra turno da escola, envolvendo adolescentes e crianças
socialmente vulneráveis. O bispo também esteve encabeçando uma parceria da IURD com a
TV Barriga Verde no intuito de arrecadar agasalhos dos fiéis, alavancando as campanhas do
agasalho de 2009 e 2010, denominadas Aqueça um Coração e Aqueça uma Comunidade. As
campanhas também são parte das obras sociais realizadas pelas MEA de Santa Catarina, que
tem Jerônimo Alves como presidente de honra.
Rosângela Alves, esposa do bispo, é quem coordena o Mulheres em Ação, que realiza
um intenso trabalho de apoio à iniciativa de reconstrução das casas afetadas pelas enchentes,
promove reuniões beneficentes, festas, oficinas, visitas a asilos, creches, orfanatos e
comunidades carentes. As MEA também se destacam por terem apoiado um grande evento de
solidariedade que foi realizado em Florianópolis, organizado pela Rede Record. Nesse evento,
houve arrecadação de alimentos que seriam destinados a pessoas carentes e os doadores
puderam usufruir de shows diversos e contarem com a participação de Crivella e Alves
durante a programação. Nas principais atividades sociais encontradas na região observa-se
que os grupos diversos que compõem as iniciativas da IURD – mulheres, evangelistas, jovens,
professores de escola dominical, voluntários do A Gente da Comunidade, políticos, entre
outros – constantemente estão reunidos em conjunto em prol de uma ação social de maior
impacto realizada pela Igreja.

50
O projeto aconteceu em 2008 e contou com o apoio da Line Records que organizou músicos evangélicos para
gravar o CD S.O.S Santa Catarina e arrecadar fundos para a campanha. Segundo relatos, 430 casas populares
foram construídas em função dessa iniciativa.

73
Na região centro-oeste, na cidade de Goiânia, uma iniciativa importante é o chamado
Dia da Solidariedade, projeto de Lei aprovado pelo vereador e pastor da Universal
Rusembergue Barbosa, que incentiva que ao terceiro sábado do mês de maio devem ser
estimulados os princípios de solidariedade e respeito de uns para com os outros, traduzidos
em ações de cidadania e reciprocidade. Uma das ações realizadas na cidade dia foi um
mutirão social que contou com o apoio da Faculdade Universo que forneceu alimentos e
roupas, além da prestação de assistência jurídica. A Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia
disponibilizou vacinas destinadas a crianças. O SENAC levou pessoas para realizar cortes de
cabelo. A Secretaria Municipal de Esporte e Lazer forneceu algumas mesas de pingue-pongue
e um pula-pula para oportunizar o lazer entre os jovens. Os pastores da Igreja Universal
estiveram disponíveis fazendo orações pelas pessoas.
Ainda em Goiânia, a Associação de Mulheres Cristãs, visita hospitais que são
evangelizados sistematicamente. Há também o projeto Leitura em Foco, que tem como
objetivo ensinar a leitura. Os organizadores desse trabalho são denominados Grupo Canal,
formado por universitários e professores responsáveis pela evangelização e promoção de
ações culturais na cidade. Goiânia possui ainda o grupo Melhor Idade, que reúne idosos às
sextas feiras, para oração, conversa, atendimento jurídico e social, jogos e brincadeiras, como
num dia de lazer. Em 17 de dezembro de 2009 a Força Jovem de Goiânia recebeu uma nova
sede, para implantar os seguintes programas (alguns deles já existentes em outras áreas do
país): cursos educacionais e profissionalizantes gratuitos, Projeto Se Liga 16 (que visa
promover cidadania, encaminhando e instruindo jovens quanto aos meios de emissão de
documentos) e o Projeto Dose + Forte (para fornecer orientações sobre os riscos do uso de
drogas e auxiliar dependentes químicos). O espaço seria destinado ainda ao treinamento das
equipes de teatro e dança de rua e ao ensaio de bandas e corais.
A IURD realiza também um trabalho nacional juntamente com os presidiários e suas
famílias. Algumas localidades que se destacam nessas iniciativas são: Santa Catarina, Espírito
Santo, Paraíba e Minas Gerais. A Universal distribui aos presidiários, periodicamente, kits de
higiene pessoal, livros como O bispo, CD´s, hinários, exemplares da Revista Plenitude e da
Folha Universal. Tendo os encarcerados direito à assistência religiosa, pastores e obreiros
adentram as penitenciárias para realizar cultos, trabalhos sociais (como corte de cabelo,
manicure etc.) e batismos. A Igreja recebe apoio das diretorias das penitenciárias para que
possam realizar as referidas atividades. Na rádio, o programa Momento do Presidiário vai ao
ar de segunda a sábado e é destinado especialmente aos que estão encarcerados e a seus
familiares. Também são dirigidos às famílias desses indivíduos cultos especiais e elas também

74
são informadas a respeito dos diversos procedimentos jurídicos que devem seguir, estando
entre eles o necessário para obter o “auxílio-reclusão” 51.
Em resumo, como visto nos exemplos citados, a Associação Beneficente Cristã, a
Fundação Pestalozzi, a Fazenda Nova Canaã e o Projeto Jovem Nota 10 não são iniciativas
que de fato predominam ou que se reproduzem no desenvolvimento do assistencialismo
Iurdiano. Apesar de terem sido as primeiras obras de maior relevância da Igreja,
gradativamente cederam seus espaços a uma vasta pluralidade de trabalhos sociais que vão
desde as práticas mais tradicionais a ensejos de promoção da cidadania e forte atuação de
religiosos na esfera pública, como pastores e bispos que se engajam na carreira política se
tornando vereadores e deputados. Se há algum modelo mais passível de ser desenvolvido na
Igreja Universal, portanto, é o da caridade carioca – uma ação social ligada à política, capaz
de “abrigar” nos templos e catedrais uma filantropia apoiada por figuras públicas. A Igreja
Universal vem desenvolvendo distintas parcerias com várias instâncias do governo, no intuito
de se mostrar uma instituição religiosa que age em cooperação com as ações políticas do
Estado, tanto elegendo figuras que ocupem cargos cujas atribuições os permitam encabeçar ou
participar de projetos a favor do bem-estar social, quanto mobilizando seu contingente de fiéis
– já significativo – para que possam trabalhar recolhendo doações e sendo voluntários,
assistindo pessoas vitimadas por desastres naturais, visitando e levando doações a presidiários
ou a indivíduos em situação de miséria. Em perspectiva, se a Igreja Católica, por exemplo,
estabeleceu sua prática assistencialista ao longo do último século a partir do desenvolvimento
de uma postura política engajada que garantia sua hegemonia frente à liberdade religiosa
vigente, essa opção também se apresenta bem interessante para os atentos Universais.
Em decorrência de a Igreja crescer e se multiplicar, desenvolvem-se, em seu âmbito,
inúmeras ações beneficentes que parecem mesmo, conforme já diagnosticava alguns
sociólogos, reforçar a participação dos fiéis e as grandes colaborações com dízimos e ofertas.
Contudo, essa vinculação dos fiéis no Brasil continua preservando a verticalidade da liderança
e raramente simboliza uma espécie de suprimento às promessas de prosperidade não
alcançadas, como eu imaginava encontrar a partir da observação da IURD transnacional. Se o
que se observou na caridade Iurdiana no exterior foi a prática assistencial de emergência
sendo paulatinamente transferida para ações sociais pautadas no suporte educacional,
retroalimentando os trabalhos de evangelismo e de inserção da IURD em determinada

51
Segundo o Ministério da Previdência social, o auxílio reclusão é “um benefício devido aos dependentes do
segurado recolhido à prisão, durante o período em que estiver preso sob regime fechado ou semiaberto”. Esse
auxílio é fornecido a quem atende os requisitos exigidos pelo programa (Fonte: http://www.mpas.gov.br)

75
localidade, exatamente o mesmo movimento não pode ser considerado quanto à filantropia
brasileira dos dias de hoje. O que predomina no Brasil é um trabalho emergencial de cunho
eleitoreiro, direcionado predominantemente a não membros. Faz-se uma ressalva, entretanto,
de que as novas formas de ação social que a Igreja Universal enseja se atualizaram a partir da
apropriação de categorias da filantropia recente, leiga e religiosa, levando ao desenvolvimento
de um extenso repertório possível de assistências, que vai desde a arrecadação/distribuição de
alimentos até a execução de trabalhos educacionais, elaboração de propostas de leis e
direcionamento de verba para benefício social.
Principalmente no eixo Rio de Janeiro – São Paulo é muito difícil dissociar a
fraternidade Iurdiana das relações políticas e eleitorais, que já parecem estimular outros
líderes da IURD a lançarem candidaturas pelo país. Pode-se afirmar, ainda, que essa
filantropia continua sendo fundamental na evangelização de modo geral, e, principalmente, no
que tange ao processo de consolidação de uma nova imagem da Igreja na política e na mídia,
daí o enfoque dado pelos envolvidos em ações públicas aos diversos benefícios sociais e de
cidadania encabeçados pelas iniciativas da Universal, como por exemplo, o Instituto Ressoar.
Ao observar as ações desses políticos e o modo como eles acionam um novo discurso sobre a
IURD, a dimensão da capacidade estrategista da Igreja se mostra ainda mais evidente, como
visto no movimento de aproximação das ações de caridade Iurdianas ou no relativo
distanciamento da imagem da Universal quando são tratados assuntos de interesse coletivo
incompatíveis com uma postura religiosa “radical”.
Todavia, o raciocínio do “paradigma carioca” e as demais explanações sobre a atuação
dos políticos e voluntários nas obras mencionadas não pode ser aplicado para pensar a
filantropia praticada em Minas Gerais. O capítulo que segue mostrará que o significado da
caridade da IURD de Belo Horizonte aponta outra direção. A ausência de figuras públicas
encabeçando ações de assistência e a raridade de atividades voltadas para pessoas de fora da
Igreja, como se verá, acaba por obrigar um observador a direcionar seus olhos para a dinâmica
interna dos membros, a fim de tentar enxergar nas relações que se estabelecem na vivência
religiosa cotidiana desses crentes, como as práticas caritativas são mantidas e o que elas
representam para além das motivações institucionais, políticas e midiáticas da Igreja.

76
6. Uma fraternidade cor de rosa

A caridade em Minas Gerais destoa em grande medida das práticas cariocas e paulistas
anteriormente observadas. Ao situá-la, seguirão as análises e conclusões a que pude chegar
nesse trabalho – de que a fraternidade da IURD também pode ser compreendida como um
mecanismo de criação de diferenciações internas e hierárquicas, estruturando relações entre
membros desenvolvidas a partir de uma interpretação distinta da dinâmica da guerra
espiritual.

6.1 O “A Gente da Comunidade” em Minas Gerais


Todas as ações sociais a favor dos necessitados mineiros estão organizadas “dentro”
do A Gente da Comunidade de Minas Gerias (AGC/MG). Esse programa é uma espécie de
organização filantrópica regional que visa organizar e realizar várias obras sociais de
diferentes aspectos. Difere de conteúdo e forma administrativa de estado para estado, apesar
de várias regiões não possuírem essa forma de organizar as práticas de caridade. Em Minas
Gerais, o AGC promove cursos de alfabetização e informática, vez ou outra oferece turmas de
inglês e espanhol, mantém cotidianamente assistência jurídica gratuita, oferece auxílio de
assistentes sociais e começou em 2010 um projeto de saúde. Passa ainda para as “regionais”
das outras cidades mineiras as experiências que vem acumulando, ouve suas críticas e
reclamações e tenta fornecer contribuições para as tarefas de cada localidade específica. O
que mais salta aos olhos nesse modo de organizar a caridade em Minas Gerais é que quase
todas as atividades são realizadas para membros da IURD; raras são as brechas que se abrem
a pessoas de outras denominações, e, diferente da aceitação indistinta nos templos religiosos,
quase nunca são aceitas pessoas oriundas de outros credos nesse espaço. O AGC/MG, durante
os dois anos dessa pesquisa, desenvolveu apenas duas ações sociais voltadas a pessoas de fora
da Igreja. Essas ações serão descritas ao longo desse capítulo, mas cabe antecipar que seu
caráter proselitista se apresentou distinto, selecionando especificamente não membros que já
manifestassem interesse na IURD e se dispusessem a frequentar os cultos por meio do
transporte fornecido pela Igreja.
As atividades realizadas em toda a região do estado de Minas Gerais recebem apoio e
orientação advinda apenas de Belo Horizonte. Aos pastores de cada igreja é conferida ampla
liberdade para que organizem suas próprias atividades sociais, entretanto, por outro lado, eles
têm um número mínimo de obrigações, entre elas a de enviar voluntárias para as reuniões

77
mensais ou semanais promovidas pelo AGC da sede da capital mineira. Essa submissão
aparente se justifica por dois fatores: primeiro, o fato de a Catedral de Belo Horizonte ser a
maior do Estado e assim agregar as denominadas igrejas “regionais” referentes à comarca
dessa sede; segundo, pelo fato de as igrejas menores disporem de menos infraestrutura, menos
pessoas que se voltem para o voluntariado, e, na maior parte das vezes, quase nenhum espaço
próximo ao local da igreja para o exercício das ações sociais. Consequentemente, o
assistencialismo nas cidades mineiras menores é praticado de maneira ainda mais esporádica e
livre, e é quase totalmente direcionado aos membros52, como ouvi em inúmeras reuniões
administrativas53 das quais participei.
O A Gente da Comunidade de Minas Gerais é “um projeto de cunho social da Igreja
Universal do Reino de Deus que busca conhecer as carências das comunidades, levando
assistências e informações de acordo com as necessidades da sociedade” (Vídeo do AGC/
MG postado em blog em 05 de janeiro de 2010, grifos originais). O AGC/MG está localizado
ao lado da Catedral de Belo Horizonte, em região nobre da cidade, alocado e conhecido por
ocupar uma casa cor de rosa, motivo pelo qual é chamado de “Casa Rosa” pelos voluntários
que participam das diversas atividades oferecidas no espaço. A figura a seguir mostra a
Catedral de Belo Horizonte ladeada pela casa:

Ilustração 2

Fonte: www.conteudo.arcauniversal.com

52
Os membros da Igreja são aqui entendidos como os obreiros, pastores, evangelistas, voluntários e demais
pessoas que participem periodicamente das reuniões e, portanto, tomem ciência no espaço do templo das
iniciativas sociais oferecidas.
53
Chamo de reuniões administrativas os encontros realizados pelo pastor responsável pelas obras sociais do
AGC/MG e pelos coordenadores de cada grupo de atividade, a fim de discutir e fazer deliberações sobre as
iniciativas assistenciais. Muito do trabalho de campo realizado nessa pesquisa se concentrou na observação das
práticas assistenciais do A Gente da Comunidade e das anotações feitas na e a partir dessas reuniões.

78
A “Casa Rosa” possui cerca de 250 m², garagem para seis carros e é divida em três
andares. O primeiro tem duas salas amplas e é destinado ao trabalho com os presidiários54; o
segundo, com cerca de dez ambientes, é o espaço de funcionamento do projeto A Gente da
Comunidade. As partes da casa se comunicam internamente por uma escada que só é acessada
por alguns obreiros autorizados e por pastores. Os demais voluntários não descem nem
sobem. Nesse segundo andar fica a entrada principal da “Casa Rosa” que conta com uma
recepção acompanhada imediatamente da secretaria. Na terceira sala, ocorrem reuniões
deliberativas com o pastor coordenador do projeto e os demais espaços são destinos às
seguintes atividades: aulas do curso de alfabetização Ler e Escrever, aulas de informática,
aulas de inglês, curso de cabeleireiro, aulas de artesanato e escritório de assistência jurídica.
Além disso, há uma sala livre que não possui ocupação permanente. Durante o período do
trabalho de campo realizado para essa pesquisa, esses espaços foram redivididos e a EBI
(Escola Bíblica Infantil), que ocupava o terceiro andar juntamente com a organização dos
uniformes dos obreiros e camisas usadas durante as campanhas, passou a ocupar a sala que
ficava ociosa.
A “Casa Rosa” também é a sede da Evangelização do estado de Minas Gerais,
ficando, em tese, responsável pelo censo de pastores, obreiros e voluntários, além da emissão
de relatórios, coordenação de projetos e elaboração de novas frentes de trabalho missionário.
Mas esse vínculo entre a evangelização e a assistência social pode ser considerado aparente,
no sentido de que raros são os projetos e metas evangelísticas organizadas de modo
autônomo. Uma interação relativamente mais estreita entre proselitismo e caridade já existiu
em Minas Gerais em época anterior. Apesar de não ser possível determinar o período de

54
Em Belo Horizonte, as ações sociais do A Gente da Comunidade são totalmente separadas das iniciativas com
os presidiários. Apesar de os grupos dividirem a mesma casa, as entradas são distinguidas com uma diferença de
nível natural da construção, que acaba dificultando uma comunicação mais estreita. As funções são igualmente
divididas: de um lado, o pastor responsável pelo trabalho com os presidiários e do outro, o pastor coordenador do
AGC/Minas Gerais e da sede do evangelismo do estado, também situada na “Casa Rosa”. Algumas reportagens
mostram a participação de voluntárias nos trabalhos em presídios femininos. Entretanto, a entrada de mulheres
no recinto destinado à evangelização carcerária em Belo Horizonte é restrita aos homens, ao menos foi a
justificativa que recebi sobre a impossibilidade de acesso. As muitas imprecisões nas falas dos voluntários das
atividades sociais no que se refere a informar sobre a organização do trabalho nos presídios demonstram o pouco
conhecimento por parte dos voluntários do AGC sobre as ações com os detentos. Em um dos cursos que
participei pude presenciar o culto dos familiares dos presidiários sendo ministrado na garagem da “Casa Rosa”.
Afortunadamente, o curso que assisti tinha sido realizado no sábado à tarde (apesar de não ser habitual),
coincidindo com as reuniões dos grupos de evangelização e com o encontro das professoras da Escola Bíblica
Infantil. Os alunos do curso pareciam bem familiarizados com o fato de haver aquele culto no local, mas quando
indagados sobre mais detalhes, não tinham informações a acrescentar. Durante todos os diversos eventos que
participei na “Casa Rosa” não presenciei outros comentários sobre o trabalho nos presídios, salvo de que outro
culto destinado às famílias dos presos seria realizado também no espaço da antiga Catedral, localizado no
quarteirão abaixo do da sede atual.

79
duração dos trabalhos sociais de cunho “tradicional”, eles já foram expressos nas seguintes
atividades que já não existem mais: distribuição de sopas, auxílio a pessoas idosas, visitação a
hospitais e à “Casa bem-vinda” (que auxilia mulheres vítimas de violência). Mas esse vínculo,
se é que já existiu aos moldes do assistencialismo realizado nos países estrangeiros, ficou
ultrapassado. Essa afirmativa pode ser exemplificada pelo fato de uma das principais
coordenadoras atuantes no AGC/MG dos dias de hoje ter feito parte da evangelização por sete
anos e jamais ter ouvido a respeito dos trabalhos sociais da Igreja Universal. Também, pelo
fato de determinadas atividades anteriormente realizadas pelo programa já não existirem mais
e sequer ser possível localizar quem as possa relatar com o mínimo de precisão. Por isso, não
é possível afirmar se essa alteração a respeito do vínculo entre evangelização e
assistencialismo seria decorrente de orientações evangelísticas advindas de líderes nacionais,
ou se eram ações projetadas e postas em prática em decorrência da ampla liberdade na esfera
da ação social, que hoje é observada entre as várias sedes da Igreja. Fato é que se a caridade
deixou de ser uma ferramenta interessante para a alta cúpula da IURD de Minas, e deixou de
ser (se é que já tenha sido) formatada em um padrão a ser obedecido e reproduzido, também
já não é um mecanismo por meio do qual se concretiza o papel social ou evangelizador da
Igreja na região.
O pastor atual coordenador do AGC chegou a sugerir certa vez que a caridade da
IURD fosse representada em cada grupo de evangelização por ao menos um voluntário do
programa de assistência social, a fim de fornecer informações às pessoas evangelizadas sobre
o modo como poderiam ser assessoradas pela Igreja. Mas a caridade proposta não seria
destinada aos incrédulos para que fossem por meio delas evangelizados e passassem a seguir
os preceitos cristãos, seria, de acordo com minha interpretação, um mecanismo de (re)
inserção daquele fiel promissor no ciclo de oferendas, fé e bênçãos proposto pela IURD,
funcionando apenas como um complemento da missão emblemática da tarefa de ganhar
almas. Porém, após esse debate entre vários voluntários sobre o vínculo do AGC e dos grupos
de evangelização, tudo voltou a ser como antes. A prevista aproximação dos voluntários da
“Casa Rosa” nos trabalhos evangelísticos não ocorreu nenhuma vez a partir dessa data. Na
prática, nenhuma alteração significativa foi decorrente desse diálogo e a ligação forte que o
pastor argumentava haver entre a assistência social da Igreja e o evangelismo aos de fora não
era uma visão compartilhada por todos os envolvidos.
A crítica mais recorrente feita pelo pastor e pelos voluntários quanto ao modo de
funcionamento do AGC/MG é a de que a estrutura existe, mas que não funciona como deveria
funcionar. A maioria dos membros da Universal desconhece o assistencialismo realizado, se

80
comparado, por exemplo, com a popularidade dos trabalhos de evangelização, da escola
dominical para crianças (EBI), do Grupo Jovem e das visitas aos presidiários. Talvez isso se
deva ao fato de as ações sociais mineiras não visarem beneficiar pessoas de fora da Igreja e
raramente serem feitas de modo a atrair novos adeptos para a Universal. São atividades
direcionadas a um pequeno contingente de pessoas, e a maioria dos frequentadores dos cultos
desconhecem quais são essas iniciativas. Portanto, as proposições levantadas para
compreender a caridade nos outros países em que a IURD se desenvolve serão retomadas a
fim de pensar se essa caridade mineira, que se configura como que às avessas da prática social
predominante nos demais estados do Brasil seria decorrente da necessidade dos membros
locais, ou se funciona como uma alternativa de “benção”, nesse caso, uma “dádiva” advinda
da própria organização religiosa.
***

Em 2009, o A Gente da Comunidade de Minas passou por uma reestruturação. Como é


sabido, a Igreja Universal realiza rodízio de pastores e bispos entre as diversas localidades do
Brasil. No início do primeiro semestre, dois pastores que trabalhavam na Catedral foram
transferidos para outra região e, assim, novos pastores assumiram as tarefas outrora geridas
pelos líderes que se mudaram. Aparentemente, no final de agosto, o bispo que assumia as
atividades de Belo Horizonte também foi trocado e, para o lugar dele, foi enviado o bispo
atual responsável pela coordenação das sedes regionais. Mesmo em meio a essas alterações, o
AGC/MG, segundo reportagem da Folha Universal de 27/03/2010, conseguiu arrecadar
toneladas de alimentos, roupas, sapatos e materiais de higiene pessoal para serem doados às
famílias desabrigadas pelas enchentes em Santa Catarina e também às famílias afetadas pelo
mesmo fenômeno, mas no interior de Minas. Foram, portanto, 60 toneladas das arrecadações
para o sul do país e 26 toneladas direcionadas para as cidades de Muriaé, Ponte Nova,
Divinópolis e para o Vale do Jequitinhonha. Segundo essa reportagem, tal arrecadação
ocorrida por meio de pedidos feitos diretamente no púlpito da própria Igreja aconteceu em
uma data anterior à minha inserção no campo. Entretanto, nunca ouvi quaisquer comentários a
respeito dessa ação nas conversas que tive com os participantes do AGC ou com o pastor
coordenador, cujo papel na gerência dessa campanha teria sido fundamental. No restante do
período em que desenvolvi minha observação de campo, não houve outra manifestação de
arrecadação/distribuição de alimentos, nem mesmo comentários de qualquer voluntário sobre
eventos organizados a partir de doações dos frequentadores da Igreja solicitadas pelos
pastores durante as reuniões.

81
O AGC de Minas Gerais não se organiza da mesma forma que os outros espalhados
pelo Brasil. Nas demais regiões, o AGC promove predominantemente mutirões sociais e os
considera uma atividade de grande relevância e amplitude; são feitos cortes de cabelo,
aferição de pressão, manicure, pedicure, assessoria jurídica, emissão de documentos e são
fornecidas outras ajudas, todas de caráter gratuito. Conforme observado, o AGC de João
Pessoa, por exemplo, é um órgão predominantemente destinado à assistência emergencial,
distribuindo sopões a pessoas de rua. O AGC/SP se situa paralelamente às ações das MEA, ao
trabalho dos universitários e dos grupos de visita a comunidades e hospitais, passando a ideia
de que está pareado com as demais frentes de ação, como o Ler e Escrever. Já o AGC/MG se
distingue por ser uma rubrica que abriga todas as demais atividades sociais do estado; o Ler e
Escrever, todos os cursos de embelezamento, informática, inglês, além da assistência jurídica
e social, todos estão vinculados e submetidos ao A Gente da Comunidade, que funciona como
uma espécie de grande bolsão que põe em prática o repertório das ações Iurdianas de maneira
diferenciada e própria, “à mineira”.
Além disso, o AGC/MG promover essencialmente os cursos e oficinas ministradas no
local da Igreja (na “Casa Rosa”) e para poucas pessoas, todas elas membros da IURD.
Raríssimas são as ações assistencialistas que, quando realizadas, não são destinadas à
comunidade de fora. As principais inscrições explicativas sobre o programa dizem assim:
“nosso objetivo é proporcionar condições mais acessíveis de aprendizado,
criar oportunidades para colocação e recolocação no mercado de trabalho,
ajudar a inserir famílias carentes em programas do governo e auxiliá-las onde
os programas não atuam” (inscrições do blog do AGC/MG).

Segundo a cartilha explicativa do programa, os projetos sociais da Igreja são caracterizados


por reunirem diversas ações em prol da população carente, de modo a promover a melhoria da
qualidade de vida dessas pessoas. Mas o número de voluntários que se apresentam para o
serviço filantrópico é tão pequeno, que as propostas de cursos educacionais e direcionamento
a programas governamentais de assistência se realizam apenas para uma quantidade pequena
de membros da Igreja. As funções administrativas são mal distribuídas e, consequentemente,
muitas das atividades não saem nem do papel. Os voluntários que coordenam os projetos
sociais locais têm muita dificuldade de divulgar até mesmos os cursos ofertados aos membros
da Igreja. A maior barreira encontrada diz respeito à restrição imputada pelo bispo. Segundo
os voluntários, a tentativa de acessar o púlpito ora se dá por meio dos pastores auxiliares, ora
através dos obreiros assistentes dos pastores, mas, as investidas em tornar pública a oferta de
cursos, quase nunca têm sucesso se depender – e depende – da chancela do bispo. Os
membros não têm acesso a como será a liturgia do culto ou quanto às informações que serão

82
dadas durante as reuniões. A estrutura rígida que os impede de ter acesso à liderança também
é um entrave ao desenvolvimento das obras sociais que eles promovem.
O A Gente da Comunidade de Minas pode ser resumido, portanto, num conjunto de
cursos e auxílios sociais a pessoas pouco instruídas, contudo, não representando uma ação que
gere impacto proselitista ou social de grande força, ou que seja de amplo conhecimento da
maioria dos membros. Quando a pessoa é direcionada por algum obreiro ao final de uma
reunião a procurar o trabalho assistencialista da Igreja, a ela é oferecido o curso ou a
modalidade de assistência (educacional/social/jurídica/saúde) adequada a sua procura. Deve
atestar suas boas intenções de ingresso nas modalidades oferecidas, afirmando sua vontade,
apresentando todos os documentos necessários requeridos, preenchendo a ficha cadastral para
se vincular ao A Gente da Comunidade, e comprovando sua idoneidade por meio da
frequência comprometida e regular, que caso não aconteça, irá impedi-lo de retornar ou
pleitear uma vaga em qualquer outra modalidade de ajuda. As avaliações do perfil do
indivíduo que antecedem o ingresso do mesmo nas frentes de fraternidade estão enlaçadas ao
cadastro prévio, que visa julgar se a pessoa é realmente necessitada (porque, grosso modo, a
caridade da IURD diz priorizar pessoas financeiramente carentes) e estimar se ela tem “a
meta” de permanecer envolvida, visto que as evasões e abandonos são verdadeiros fantasmas
que perseguem os coordenadores intuídos em dar continuidade aos projetos e manter o
sucesso das iniciativas sem perder os voluntários disponíveis. A intransigência do modo de
divulgação traduz o medo da evasão dos assistidos. Os Iurdianos não visam facilitar o acesso
dos membros para que “não se desenvolva uma relação de serventia, já que a própria
assistência já é gratuita” (retirado da fala do pastor coordenador do AGC em reunião
administrativa de 24/01/2010, adaptado). Vejamos então as muitas imposições que se
colocam para o recebimento da assistência mineira.

6.2 O jeito de ser Universal: uma condição para o ser assistido


A relação que os Universais estabelecem entre si lembra um pouco a das seitas
protestantes observadas por Weber nos Estados Unidos. Exige-se como ingresso, tanto nas
seitas norte-americanas quanto na IURD, uma espécie de comprovação ética, de conduta
moral por meio da qual o indivíduo é selecionado. Essa típica aprovação que foi vislumbrada
pelo autor a respeito dos protestantes do início do século XX pode ser trazida a partir do
seguinte excerto:
“O decisivo é que se seja admitido como membro através de “votação”,
depois de um exame e uma comprovação ética no sentido das virtudes que

83
estão a prêmio para o ascetismo (…). E isso significava, principalmente na
vida econômica, um crédito garantido” (Weber, 2002, p. 215, 216).

Para a filiação de um indivíduo em uma das seitas protestantes era necessário que houvesse
um exame minucioso quanto à conduta dessa pessoa. Uma vez aprovado e admitido, o
membro garantia um certificado de qualificação de sua moral, um reconhecimento que
validava referências positivas e poderia propiciar um meio através do qual ele viesse a
ascender na vida econômica. Aquele que enfrentasse uma dificuldade financeira, não causada
diretamente por si mesmo, tinha o direito, por fazer parte de uma seita, de reivindicar
assistência fraterna sem ou com baixíssimos juros. Esse modo de organização social não
implicava na tentativa de engendrar uma política de subsistência, ao contrário, o sucesso
financeiro de membros era a comprovação da idoneidade pessoal e atraia ainda mais destaque
para essa forma específica de fraternidade.
Na IURD, podemos traçar um paralelo com os laços que existiam nas seitas
protestantes, na medida em que há uma similaridade na exigência de comprovação de conduta
dos possíveis recebedores da assistência: é preciso abraçar o Universal como um modo de ser.
Trata-se de demonstrar os “bons antecedentes” que fazem com que aquela pessoa necessitada
vá realmente usufruir “de modo legítimo” da caridade recebida. Como a ajuda é para poucos,
aqueles que ingressam nos cursos ofertados pelo AGC, ou que usufruem dos trabalhos de
encaminhamento, auxílio jurídico e de saúde, devem comprovar sua retidão e se mostrar
“dignos” de receber os benefícios concedidos. A fidedignidade é evidenciada pela frequência
do adepto aos cultos, vigílias e campanhas, principalmente aos encontros de meio dia, que por
reunir poucas pessoas, permite ao membro mostrar seu interesse e disponibilidade, sua doação
de ofertar e dizimar e, ainda, possibilita compartilhar com os obreiros as lamúrias específicas,
dificuldades e vitórias. Mesmo que a IURD seja uma igreja direcionada para as massas, lá as
portas estão sempre abertas, as pessoas podem se achegar “como são”, mesmo que essa
receptividade não sustente uma vinculação razoável caso elas continuem “como estão”.
Muitos daqueles que mantêm frequência significativa são reconhecidos pelos obreiros
e pastores, são chamados pelo nome e permitem que suas mazelas sejam conhecidas. É
preciso, para garantir o recebimento dos socorros prestados, que o indivíduo aceite de modo
efetivo fazer parte daquele universo. Aceite, goste, queira, seja lá como for. Assemelhando-se
às exigências que os membros da seita faziam aos aspirantes verificando sua probidade, na
Universal os carentes devem ter um alto sentimento de pertença, pois são frequentemente
avaliados e controlados com rigor. A Igreja consegue exercer um controle qualitativo quanto à
assiduidade dos fiéis não apenas pela diligência nos rituais, mas também verificando se ele

84
aos poucos vai internalizando e subjetivando o “jeito de ser Universal”. Os fiéis são chamados
a “pegar firme”, frequentando ao menos as reuniões de terça, quarta e domingo. O não
comparecimento e consequente desinformação das programações, vigílias e campanhas é uma
das vias mais relevantes de desqualificação pessoal, pois reforça a fraqueza e a desobediência
do indivíduo; fatores considerados responsáveis pela possível “falha” no processo de
libertação ao qual todos devem estar constantemente submetidos, sejam como recebedores da
benção de Deus sejam como veículos dessas virtudes.
Essa exigência feita ao fiel também pode ser evidenciada no requerimento da
indicação. Procurar a “Casa Rosa” por livre vontade não é algo bem visto, ademais, as
informações são pouco divulgadas até mesmo entre os próprios membros. Aquele que passa
pela calçada e adentra o espaço da “Casa Rosa” por iniciativa própria dificilmente conseguirá
ingressar nos cursos; é antes convidado a participar dos cultos e recebe, de imediato, alguma
ajuda pequena, como a informação sobre outros lugares que possam assisti-lo. A apresentação
feita por outro é fundamental e condiciona o modo como o promitente recebedor irá ser
atendido pelos demais voluntários. A forma mais comum de indicação é via obreiros, que ao
ouvirem as queixas de alguns fiéis que se encaixem no perfil dos benefícios ofertados que
ainda apresentem vagas disponíveis, orientam a procura pela “Casa” a fim de que o indicado
possa preencher a ficha de cadastro e participar das atividades.
Outro modo de indicação coincide em parte com esse primeiro. Quando as vagas não
são preenchidas da maneira citada, os coordenadores são motivados a divulgar a oferta ainda
restante na porta do “templo maior”, ou, ainda, a convidar diretamente pessoas com as quais
se relacionem nos cultos semanais para que visitem o projeto social da Igreja e possam se
inscrever. Coincide com o primeiro modo de indicação porque muitos dos voluntários e
coordenadores que encabeçam os projetos sociais são obreiros participantes das reuniões e
mantém contato direto com as pessoas que participam das campanhas. Alguns deles ainda
fazem parte do grupo de evangelização, por meio do qual aqueles que estão de fora da Igreja
(circunstância muito rara) podem acessar os amparos sociais oferecidos pela IURD. Essa
pequena abertura existente para não membros existe desde que o interessado em receber a
ajuda manifeste o compromisso de “acertar a vida”. Grifa-se, contudo, que as ações sociais
promovidas em Minas Gerais não são utilizadas como meio proselitista direto, por motivos
que adiante serão postos como chaves explicativas da peculiaridade da filantropia mineira. Os
evangelistas55 checam se o carente tem vinculação com alguma outra denominação religiosa,

55
Quando evangelistas distribuem jornais e proclamam as mensagens de milagres e libertação, convidam os
ouvintes a comparecer aos cultos e participar dos propósitos e vigílias. O proselitismo em favelas e comunidades

85
dando abertura àqueles que aderiram às evangélicas – outro fator fundamental para o ingresso,
que exclui diretamente pessoas sem nenhum interesse religioso ou vinculadas a determinada
expressão religiosa de matriz afro-brasileira e kardecista56.
Mas os membros da Universal não são apenas frequentadores de cultos participantes
de rituais que os harmonizarem com a divindade. Frequentar os cultos exige deles um esforço
muito distinto se os compararmos com fiéis de outras vertentes evangélicas – robustez
traduzida no número intenso de reuniões que faz com que muitos frequentem a Igreja mais de
uma vez ao dia. Eles participam de cultos específicos, como o dos empresários, o da família e
a “sessão do descarrego”, pois um não substitui o outro. Pagam o dízimo, doam ofertas
polpudas, colocam seu nome no óleo, passam pelo altar, recebem orações, participam de
clamores, são ungidos, ensinados e têm como tarefa rotineira o envolvimento nas múltiplas
campanhas e vigílias promovidas pela Igreja. Com o cotidiano solapado pela rotina
eclesiástica de modo que lhes resta pouco ou quase nenhum tempo para desenvolver relações
fora desse ciclo religioso, eles aprendem os discursos e a linguagem própria a um Universal,
estudam a bíblia dentro do viés das orientações recebidas, fazem jejuns, se abstêm de
inúmeras comidas, gostos e práticas como modos de se sacrificar para Deus. Nesse intenso
envolvimento, passam a enxergar a vida e os que dela participam (seres animados e
inanimados) como divididos entre o bem e o mal, entre uma infinidade de anjos e demônios
em batalhas espirituais intermináveis. Assim, eles se posicionam por meio do uso que
aprendem a fazer da fé.
As constantes reuniões, portanto, provocam nas pessoas reações que não se limitam
aos espaços do culto. As campanhas, propósitos e vigílias incitam no fiel mais do que a
aparente doação monetária grandiosa. A relação de “tomar posse” (se apropriar pela fé de
coisas que ainda não foram vistas ou alcançadas), possibilitada pelo pagamento de dízimos e
ofertas e regada da confissão positiva da prosperidade que invade o frequentador de culto é

carentes frequentemente é aliado a um cadastramento das famílias mais miseráveis e de suas necessidades.
Através desse registro, algumas pessoas que passam a frequentar os cultos são informadas sobre como o
AGC/MG pode vir eventualmente a contribuir para sanar suas precisões dentro da gama de possibilidades que se
oferecem. Mas a ajuda em forma de alimentos é esporádica, a maior parte do subsídio é via assessoria jurídica a
fim de dirimir problemas com familiares e vizinhos. Outras ajudas são dadas no sentido de fornecer orientação
espiritual (pelos cultos) e social (como conseguir consulta médica gratuita, aonde levar currículo para arrumar
um trabalho, entre outros).
56
Essa afirmação não implica impreterivelmente numa restrição absoluta do envolvimento de católicos ou
membros de outras igrejas na caridade Universal. Não obstante, o requerimento de que os indivíduos frequentem
alguns dos cultos semanais na IURD – entre eles o da “sessão do descarrego” – aparece como um ultimato para a
manutenção dessa assistência. Afinal, o espaço de recebimento das benesses representa uma extensão não muito
amistosa da religiosidade Iurdiana. Ademais, eles compartilham o entendimento de que a principal forma de
assistir pessoas vinculadas a outros credos religiosos é proporcionar-lhes a participação nos rituais de libertação
da Igreja.

86
capaz de muni-lo com as armas com as quais se lutará contra o diabo, contra as derrotas da
vida e a favor de se integrar e se entregar ao “Deus que tudo pode”. Assim, o fiel compactua
com esse Deus e passa a falar a língua de uma nova tribo. A conversão a essa religiosidade
muda completamente o eixo da vida desses fiéis, centrando-os em um sentido diferente da
vivência do “primeiro amor” dos evangélicos57. Vinculando-se distintamente a essa
denominação, o crente da IURD envolve-se na rotina avassaladora do campo Universal. E
quanto mais avança e consegue posições de maior reconhecimento na hierarquia Iurdiana,
maior é a distância que vai tomando enquanto crente em relação a outras esferas da vida.
Pastores, obreiros e evangelistas têm uma agenda lotada de encontros, reuniões gerais,
videoconferências e cultos, e, raramente dispõem de tempo para atividades fora da Igreja. A
inserção dedicada é vista como promotora de ainda mais destaque e oferece assim garantias
aos líderes em termos de permanência e ascensão. Aos fiéis pobres, o envolvimento os faz
avançar na possibilidade de obter recebimento dos auxílios que a IURD oferece dentro do
espaço da “Casa Rosa” ou de quaisquer outros lugares em que ela desenvolva sua assistência
social.
O corpo de ministros que perfaz a estrutura mais baixa de líderes da Igreja agrega
muitas pessoas sem instrução e com grau de escolaridade pequeno. São, porém, indivíduos
bem cotados para usufruir da caridade, pois estão às vistas tanto dos demais voluntários
quanto dos pastores e bispos, se mostrando pessoas comprometidas com a fé que abraçaram.
A todo tempo é preciso provar a idoneidade e a conduta moral dentro do espectro de
moralidade aceito pela IURD, escopo esse que é certeiramente restritivo e exige esforço
considerável. Há que se batizar não só nas águas, mas no Espírito que “sela”, é preciso se
libertar dos males do inferno, viver a fé, e “se ligar”, como “é ligado no céu aquilo que é
ligado na terra”. A experiência da caridade é uma oportunidade de reunir os fiéis para que
estejam ainda mais vinculados à Igreja, circunstância em que doadores e recebedores, carentes
e fartos, são muitas vezes papéis coincidentes. E é a adesão voluntária combinada com a
motivação das necessidades de receber algo advindo da Igreja que faz com que a conduta
desses fiéis carentes seja provada e aprovada.
Outra singularidade é que falar em empréstimo de dinheiro, em juros ou quaisquer
outros formas de ajuda monetária – aos moldes da assistência das seitas protestantes
weberianas – é algo impensável; a linguagem da IURD é que os fiéis sejam prósperos,

57
Está implícito na conversão de protestantes históricos e de alguns pentecostais que as primeiras vivências na fé
sejam intensas e venham a se diluir ao longo do “amadurecimento espiritual” cotidiano. Na Universal, o fiel não
pode perder o vigor dos primeiros dias.

87
repletos de bênçãos e sucesso em duas, três, cem vezes mais, como prometido a Abraão e a
sua descendência. Pessoas que passam por dificuldades financeiras podem ser vistas como
exemplos de vida e fé apenas a partir do dia em que se enriquecem e se tornam empresárias,
passando a obter o status de “patrões”, coordenando frentes próprias de trabalho com muitos
empregados. O crédito, portanto, não deve ser pensando como uma forma de ajuda financeira,
afinal, Deus pode dar a seus filhos, mediante a fé, “todas as suas riquezas”. A “falha” na
obtenção dessa prosperidade não é considerada como advinda da incapacidade de Deus ou de
ilusões promovidas pela Igreja, mas sim de uma confiança individual “fraca”, de uma fé que
precisa ser aumentada, ajustada, trabalhada, usada. Para os Iurdianos, a fé é suficiente para
fazer o indivíduo “tomar posse” da benção, mas para mantê-la por mais tempo é preciso
exercitar a confiança nas promessas de Deus. As situações adversas da vida são tratadas como
circunstanciais e como etapas anteriores à obtenção da vitória, assim como pôde ser visto na
vida de Abraão, de Moisés e de Elias (exemplo proposto por Macedo, pregação em Santo
Amaro, noticiada em 06/07/2010).
Assim, no suposto período de espera entre as lutas e as bênçãos, uma espécie de
garantia a Igreja passa a oferecer para alguns: a possibilidade de aqueles indivíduos – que não
conseguem os tão prometidos milagres e maravilhas – adentrarem o campo assistencialista da
Igreja (ajuda que poderia ser considerada uma espécie de correspondência ao empréstimo
monetário dos membros das seitas). Isso leva à afirmação de que a fraternidade dos
Universais, ao menos em Belo Horizonte, caracteriza-se, predominantemente, pela divulgação
e realização de atividades para aqueles que comprovavam sua probidade – a eles sim são
destinadas aulas de alfabetização, informática, cabeleireiro, artesanato e inglês, assim como
assistência jurídica, social e de saúde gratuitas. Se de um lado os Universais mineiros são
razoavelmente descoordenados na gerência das atividades que promovem, por outro, eles são
coesos e bem preparados para ensinarem-se mutuamente e reforçarem uns nos outros uma
concepção teológica enraizada no ideário evangélico, inequívoco e inconfundível,
característico de seu novo jeito de ser pentecostal – de que Deus, o Deus de Abraão, é o
restituidor dos bens que porventura os indivíduos ainda não desfrutem; um Deus que realiza o
milagre quando os crentes não param de exercitar a fé, o risco do desprendimento monetário e
a confiança. Em Minas Gerais, pôde ser observado que obras sociais não suprem
completamente as “falhas” da Teologia da Prosperidade, mas fazem das exceções (mesmo que
bem numerosas), a comprovação de uma regra fundamental: de que o Deus do Velho
Testamento não mudou e continua a cumprir suas promessas, abençoando aqueles que agem
por fé. Por isso, o fiel nunca pode estar satisfeito e deve querer experimentar a entrega daquilo

88
que possui como um meio de incitar Deus a entregar a benção, para que seja possível também
que um irmão possa abençoar o outro, batalhando e guerreando contra os demônios
opressores do mal, pregando as palavras e disponibilizando seu tempo em servir.
Pautado nessa lógica, nas reuniões do ano de 2010, o pastor coordenador do AGC/MG
se propôs a cuidar da parte espiritual dos voluntários que se inseriram nos projetos sociais.
Durante as reuniões administrativas, ele dedicou ao menos meia hora do tempo total de uma
hora e meia de encontro, para pregar e reafirmar as mensagens de fé e prosperidade para os
voluntários participantes. Em todas as primeiras reuniões do ano relativas às atividades sociais
do A Gente da Comunidade, foi ministrada a palavra “quando é que o milagre acontece”.
Segundo essa mensagem, o milagre sempre acontece quando “a água é agitada”, quando não
se está parado, quando não se está satisfeito com o que se tem e, assim, via insatisfação, se
“age por fé”. Dificilmente essa ação por fé acontece quando não se está periodicamente
comparecendo às reuniões, contribuindo, orando, expulsando os diabos que a todo tempo
tenta roubar as bênçãos de Deus, enfim, quando não se assume para si a forma Universal de
ser, pensar e agir.
O vínculo com a igreja, portanto, aparece como central, mas medido de modo distinto
do que o senso comum levar-nos-ia a crer que é. O senso de pertencimento à IURD não se dá
por filiação institucional como em igrejas batistas e presbiterianas (que incluem, por exemplo,
no caso das presbiterianas até mesmo a assinatura da ata e da cédula de votação dos líderes
religiosos). A filiação à IURD se dá por indicação, por frequência aos cultos locais, por
adoção a campanhas e propósitos, enfim, por total adesão a esse “jeito de ser”, que pode ser
traduzido ainda na determinação e busca pelo sucesso na vida, no jeito inconformado de falar
e viver a fé pregada, e na peculiaridade do que é crer num Deus de promessas; o Universal
como um modo de ser é uma condição para o indivíduo que deseja assistência e é também o
meio através do qual o fiel é observado, testado e aprovado.
Essa “exigência de probidade” apresentada é bem diferente. Enquanto em outras
instituições a expectativa é de que os carentes compareçam e apresentem um comportamento
minimamente adequado ao recebimento das dádivas apenas, mesmo que possuam uma crença
relativamente diferente daquela professada pelos voluntários, na IURD isso é muito pouco. O
necessário é ser um Iurdiano, professar não apenas fé cristã em seu sentido latu, mas a crença
Universal no Deus que serve seus filhos por meio de um pacto com eles firmado, e que é
validado pela troca recíproca de dinheiro e devoção. Enquanto para ser auxiliado por uma
fraternidade espírita (alfabetização, uso de serviço de creche, amparo à família) é preciso
manter os filhos na escola, por exemplo, na Universal, faz-se necessário ser um frequentador

89
de culto interessado e ativo nas campanhas. Geralmente outros núcleos assistencialistas não se
comportam de modo tão exigente, pois uma vez que o pobre não quer receber o auxílio, não
faltam outros para dele se beneficiar. Enquanto as instituições não-Iurdianas fazem
campanhas de arrecadação e distribuição de alimentos, doam agasalhos, levam sopas a
mendigos e visitam necessitados sem exigir vinculação religiosa estrita ou manifestação de
interesse em abandonar tal estilo de vida, na Igreja Universal de Minas, além não se fazer esse
tipo de caridade de grande amplitude no formato assistencialista, a contrapartida é que o
carente “dê tudo de si”.
Os dois eventos mais próximos de uma prática de caridade “tradicional” que pude
acompanhar durante o trabalho não foram mutirões propriamente e tinham uma atribuição
proselitista apenas razoável, foram eles: o Projeto Educação e a Jornada do Natal Feliz
(sobre os quais falarei de modo mais detido no tópico 6.6). Em uma das reuniões
administrativas, o pastor coordenador das ações sociais comunicou a intenção de realizar
outro evento desse porte, distribuindo um milhão de preservativos no período do Carnaval.
Porém a iniciativa foi proibida enfaticamente pelo bispo, que julgou o movimento
“provocante” e “impróprio para ser realizado no atual momento que a Igreja estava
passando”. Frente a isso, uma das voluntárias do grupo de evangelização da IURD sugeriu
que fosse organizado um levante de doadores de sangue. Mas o mesmo não seguiu adiante.
O movimento da filantropia de distribuição de roupas e alimentos parece acompanhar
a inflexão vista na IURD transnacional: vem sendo substituído gradativamente por trabalhos
educacionais que reforçam a participação dos já membros nos cultos e nas rotinas da Igreja, e
ressaltam a relevância de como se faz uso da fé. Ao contrário do que já foi posto por alguns
estudiosos da religião, certo descompromisso com ações sociais, que poderia ser um corolário
da pregação da Teologia da Prosperidade, não levou a IURD ao abandono completo das
práticas sociais ou a submetê-las simplesmente a um proselitismo eleitoreiro rebocado pela
mídia e pelos meios de comunicação de massa; não em Belo Horizonte ao menos. A caridade
mineira subsiste para além dessas explicações, apontando um modo diferente de estruturar as
práticas assistencialistas. É possível afirmar ainda que a forma como o ideal de caridade é
vivenciado pelos fiéis da IURD de Minas não tem um paralelo direto com a prática fraterna
desenvolvida nas Universais dos demais estados do Brasil. Em Minas, a IURD não faz
parcerias abertas com organizações envolvidas com a promoção da cidadania, não está ligada
a órgãos públicos, organizações paraeclesiásticas, ONG´s ou grupos independentes. Além
disso, não evoca concepções recentes da filantropia como as de “responsabilidade social” e

90
“cidadania”, e ainda, não tem figuras políticas58 diretamente à frente de suas poucas obras.
Apesar de possivelmente algumas doações recebidas serem provenientes das ações
particulares de vereadores e deputados membros da IURD, os políticos nunca aparecem nas
instâncias de assistência como responsáveis, patrocinadores ou intermediadores de campanhas
ou ações sociais. Assim, a partir da exigência de virtude e retidão do fiel e a fim de aumentar
a compreensão sobre que tipo de caridade então acontece na “Casa Rosa”, segue-se uma
descrição sobre os cursos e tarefas promovidas por esses “A Gentes”.

6.3 Cursos demais pra gente de menos


Em Belo Horizonte, os cursos oferecidos pelo AGC têm, de modo geral, e na
justificativa desses crentes, o intuito de reparar a baixa escolaridade dos membros
necessitados, oferecendo aulas de cabeleireiro, alfabetização e informática como meios
através dos quais os indivíduos possam buscar melhores oportunidades de trabalho, mesmo
que tenham que fazer isso apenas por conta própria. Os cursos são destinados
majoritariamente a pessoas pobres, carentes em alguma medida e que venham a usufruir dos
benefícios gratuitos; porém, que não sejam “marginais” nem marginalizados. As pessoas que
porventura cheguem à “Casa Rosa” e estejam embriagadas, pedindo dinheiro ou que não
tenham sido encaminhadas por outro aluno ou por obreiro são inicialmente orientadas a
frequentar os cultos, vez ou outra recebem uma pequena ajuda em moedas, ou ainda,
preenchem a ficha de cadastro que é arquivada; nunca, contudo, são associadas de imediato às
atividades promovidas pelo AGC/MG. Consequentemente, devido à restrição feita para o
ingresso das pessoas nos cursos, as atividades sobejam e acumulam-se vagas não preenchidas.
O maior projeto no que tange ao número de alunos é o de inclusão digital ou curso de
informática. As aulas são ministradas por um professor em cada turma e, para que a turma
seja aberta, é preciso o interesse mínimo de 12 alunos. As aulas são oferecidas em função da
disponibilidade de horário de cada voluntário/professor que participa do projeto. Geralmente
são ministradas no período da tarde e da noite e atingem, em geral, um público adulto. São
abertas em torno de 75 vagas todos os semestres para esse curso. Para as aulas que seriam
realizadas no ano de 2009, os voluntários precisaram fazer as inscrições no hall da Catedral,

58
O PRB, partido que reúne os membros da Universal, elegeu em Minas Gerais os seguintes representantes: o
pastor e apresentador de televisão George Hilton como deputado federal; o pastor Carlos Henrique e Gilberto
Abramo como deputados estaduais, e ainda; Ricardo Chambarelli, como vereador. O único relato encontrado
sobre a atuação religiosa desses políticos no estado foi um encontro de Abramo com os líderes da Força Jovem
em julho de 2010. O deputado, entre suas militâncias, defende a luta contra o bullying e contra a violência de
forma geral. Durante a pesquisa, não foram achados demais relatos sobre a atuação direta desses políticos na
IURD, nem mesmo sobre a continuidade do trabalho de Abramo na Universal mineira.

91
incentivando as pessoas que saiam dos cultos a se matricularem, pois o curso não tinha sido
tão procurado na data prevista para matrícula, devido à divulgação prévia mal realizada. A
procura foi tão grande quando utilizado esse formato de divulgação que muitas pessoas não
conseguiram nem preencher o formulário de inscrição. Já no ano de 2010, o período de
registro ocorreu em janeiro e foram proibidas pelo bispo quaisquer distribuições de folhetos
na saída dos cultos, quer fossem dos cursos e atividades sociais do A Gente da Comunidade,
quer fossem das campanhas, vigílias e chamadas variadas relacionadas aos eventos
promovidos pela Igreja. A justificativa da aplicação de tal medida era desconhecida pelos
voluntários e pelo pastor que coordenava as obras sociais.
Desse modo, a divulgação dos cursos foi limitada à distribuição de panfletos e
explicações “boca a boca” feitas por iniciativa dos próprios voluntários em horários escalados.
O resultado disso foi um “fracasso total”, admitido pelo próprio pastor coordenador do AGC.
A fim de resolver esse impasse, o pastor, incitado por uma calorosa discussão com os
voluntários durante uma das reuniões administrativas, assumiu a responsabilidade sobre a
divulgação dos cursos dentro do espaço da Catedral. Mas delegou a tarefa das inscrições de
cada atividade aos coordenadores específicos dos cursos. Alegando que o público-alvo de
cada curso era completamente diferente um do outro, e afim de não causar “barracos” dentro
da Igreja, a divulgação dos voluntários no final das reuniões ficou restrita apenas aos cursos
que não conseguiram preencher as vagas disponibilizadas. Os trabalhos que se envolveram
nessa dinâmica alcançaram esse espaço devido à má divulgação prévia e a não conseguirem
alunos de maneira independente e autônoma.
Além do curso de informática, são oferecidas periodicamente no AGC as aulas de
inglês, ministradas à noite em turmas divididas de acordo com a disponibilidade das três
professoras voluntárias. Esse curso é caracterizado por ser de formato semelhante ao de
inclusão digital, porém com número bem menor de participantes. Segundo as informações que
recebi nas conversas que mantive com algumas pessoas, anteriormente o curso de espanhol
também era ofertado. Mas quando determinado voluntário se desliga do programa, diminuem
significativamente as ofertas de vagas para aquela modalidade ou o curso tende a chegar ao
fim. Há interesse por parte de praticamente todos os envolvidos na “Casa Rosa” que esses
cursos se mantenham de maneira autônoma, de certo modo independente dos voluntários que
deles participam. Mas a razoável desorganização em administrá-los, somada à postura
autoritária da liderança da igreja e à restrição quanto a uma possível associação com outro
tipo de voluntariado que não seja o da Igreja Universal propriamente, são elementos que
fazem com que as obras sociais, tanto em Belo Horizonte quanto em outras cidades do estado

92
de Minas Gerais, sejam feitas de modo pouco sistemático; seu corpo organizacional é
informal e muitos dos obreiros que seriam segundo os padrões da Igreja capacitados para a
filantropia, desconhecem os próprios cursos que são ministrados e ofertados no AGC. O que
predomina, nesse sentido, é uma caridade pautada no improviso.
Além dos cursos de informática e inglês, há ainda o curso de cabeleireiro, que possui a
menor taxa de evasão, devido a sua durabilidade e ao fato de ser formado apenas de uma
turma de 10 alunos que se reúne toda segunda-feira, de 15:00 às 20:00 horas. Esse curso é
ministrado por apenas dois voluntários que se dedicam a instruir os alunos no espaço de uma
pequena sala dotada de um lavatório, uma cadeira de salão de beleza, um carrinho para
suporte dos acessórios de salão e algumas fotos de modelos retiradas de revistas diversas e
espalhadas pelas paredes do cômodo. O curso tem duração de um ano, mas, assim como os
demais promovidos pelo AGC/MG, oferece ao aluno um certificado simbólico, pois não é
aprovado pelo MEC. Outro curso na área da beleza que atraía um enorme número de
interessadas na “Casa Rosa” era o de maquiagem. Esse, porém, era ministrado por duas
voluntárias que representavam produtos, e aproveitavam o espaço do curso para divulgar as
tais mercadorias e vendê-las para as alunas. Como são expressamente proibidas na Igreja
quaisquer menções relativas à compra e venda de outros artigos que não os religiosos, o
pastor responsável no ano de 2008 proibiu a continuação do curso e fechou a turma.
Há ainda eventuais minicursos com duração total de quatro horas, divulgados por meio
de afixação de cartazes de tamanho A3 nos banheiros da Sede e na lateral dos elevadores que
levam para um dos quatro andares existentes na Catedral. Desse modo, a propaganda atinge
exclusivamente os frequentadores dos cultos, obreiros, pastores auxiliares e funcionários da
Igreja Universal. Esses minicursos, contudo, acontecem sem qualquer periodicidade, podendo
ficar mais de seis meses sem serem ofertados.
Os cursos de artesanato são mais um exemplo da precária organização gerencial do
AGC/MG, pois os coordenadores não conseguem proibir que os assistidos já matriculados em
outras aulas participem dele. Além disso, quando os alunos completam o módulo de seis
meses, não há nenhum mecanismo que os impeça de cursar outra modalidade de artesanato
imediatamente, o que implica na não liberação de algumas das vagas para demais pessoas. A
única restrição inicial é que os alunos participem, por semestre, de apenas uma das turmas de
artesanato oferecidas. As aulas ocorrem uma vez por semana e têm duas horas de duração. Em
turmas de dez alunos, as atividades são distribuídas em: pintura em tecido, artesanato com
viés, bordado em chinelo, pintura em tela e em como fazer produtos de limpeza. A

93
coordenadora dessas tarefas fica presente em todos os cursos, divididos em horários distintos
a partir de 17:00 horas, de segunda a sexta-feira, excluindo sempre, as quartas59.
Como observado, a comprovação da probidade do fiel, as muitas exigências que a ele
se apresentam para ingresso e permanência nos cursos e a dificuldade de divulgação dos
trabalhos sociais no próprio metiér da Igreja Universal, faz com que o AGC/MG acabe por
oferecer cursos demais frente ao número de indivíduos efetivamente aptos a participar. Essa é
uma constante observada em quase todas as iniciativas sociais, ressalvando em parte o curso
de maior destaque do AGC/MG: o programa Ler e Escrever.

6.4 O Programa “Ler e Escrever”


O curso por meio do qual o AGC/MG se torna um pouco mais conhecido pelos
membros da Igreja é o de alfabetização de adultos, denominado Ler e Escrever. É a iniciativa
social de mais status, pois acontece em Belo Horizonte, segundo as coordenadoras, desde
1997. Não foi possível checar a veracidade da data de início do Ler e Escrever em Belo
Horizonte, mas outras informações sugerem que esse foi o primeiro trabalho social realizado
em Minas. No princípio, ele recebeu apoio do MEC e também utilizou apostilas fornecidas
pelo Estado para a pré-alfabetização, alfabetização básica e para o ensino de primeira série.
Mas com o tempo, o curso foi tomando características bem distintas, reunindo apenas duas
turmas, uma na parte da tarde, com aulas de 13:00 às 15:00 horas e uma à noite, com aulas
ministradas entre 19:00 e 21:00 horas, utilizando apenas material didático produzido pelos
próprios professores voluntários e com nenhuma articulação com o material anterior.
O Ler e Escrever é um curso fácil de ser implantado e por isso é o mais reproduzido
nas regionais mineiras. Os bairros em que o projeto Ler e Escrever é realizado em Belo
Horizonte são: Nova Cachoeirinha, General Carneiro e Taquaril. Além da capital, a cidade
que tem um projeto de alfabetização semelhante em Divinópolis. Na “Casa Rosa”, as vagas
disponíveis para o curso de alfabetização são 40, compreendendo 20 alunos na parte da tarde
e 20 no período noturno. O curso é coordenado por duas mulheres, sendo uma delas também
responsável pelo trabalho de “assistência social”. O número de turmas é pequeno se
comparado com a amplitude que o projeto toma em outros estados do Brasil. Mas as

59
Os cursos ofertados pelo A Gente da Comunidade não acontecem às quartas-feiras respeitando o “dia livre”
dos pastores da Igreja. Segundo uma das minhas informantes principais, através da qual tive acesso à “Casa
Rosa”, os pastores possuem a quarta-feira livre para encontrar com o bispo regional em um sítio, jogar futebol,
descansar e conversar. O famoso vídeo de Edir Macedo mostrado pela Rede Globo em que ele aparece
ensinando estratégias de como obter grandes doações é um exemplo dessa rotina que há anos existe na IURD e
faz parte dos momentos de lazer e integração da liderança eclesiástica.

94
coordenadoras justificam que, se o curso fosse divulgado para toda a Igreja, faltariam
voluntários para suprir a grande demanda que seria gerada.
A proposta da alfabetização é de doze meses, mas na prática, o curso não tem um
prazo específico de duração, pois se flexibiliza conforme as necessidades de cada aluno,
podendo estender-se por mais de três anos. O pastor coordenador do AGC/MG discutiu várias
vezes durante as reuniões com os coordenadores e professores quanto à rigidez do período de
duração dos cursos, enfatizando que:
“é necessário que se circule, que saiam e entrem pessoas, que se
forme, mesmo que o nosso certificado não seja reconhecido pelo
MEC, pois nossa forma de fazer, esses cursos, eu vejo assim, eu vejo
como um incentivo, uma forma de estimular as pessoas, depois as
pessoas tem que correr atrás por conta própria”.

O funcionamento do Ler e Escrever é relativamente descompassado dos outros cursos


oferecidos na Catedral. As vagas são preenchidas de imediato assim que as inscrições são
disponibilizadas. Mas esse preenchimento não agrega alunos novos, ele é devido à adesão dos
que já participam do programa. Em decorrência disso, muitas vagas não são desocupadas.
Como os possíveis alunos não sabem ler nem escrever, eles não recebem informações via
panfletos de divulgação. A captação de novos participantes depende quase exclusivamente do
envolvimento deles em outros grupos da igreja, como no trabalho de obreiro ou de
evangelismo, para que possam saber sobre o curso e serem indicados para esse tipo de
aprendizado. O máximo que é feito, além disso, é a divulgação na rua, em frente à entrada da
Catedral, logo após o término das reuniões. Os professores do programa se revezam na
abordagem dos fiéis, procurando identificar os que não sabem ler e escrever; são instruídos a
fazerem isso observando aqueles que aparentam ser analfabetos. No momento da inscrição
dos interessados, os voluntários da secretaria da “Casa Rosa” que recebem os fiéis solicitam a
apresentação de carteira de identidade, CPF, comprovante de residência e duas fotos. Após o
preenchimento do cadastro, as coordenadoras entram em contato com o aluno e o informam
sobre as aulas, os horários, a dinâmica e a inserção na turma. Devido à taxa relativa de evasão,
alguns alunos são matriculados fora do período de inscrição ao longo do semestre, o que
dificilmente se observa nos demais grupos de aprendizado da Universal.
Como os alunos estão consideravelmente desnivelados e as professoras já não utilizam
o material fornecido pelo MEC, as aulas ficam sempre sem conexão umas com as outras.
Antes do ano de 2009, as voluntárias usaram uma apostila confeccionada pelo programa, mas
tão logo esse material acabou as aulas permaneceram por um ano sem outro material que
substituísse o anterior. As professoras eram incentivas a se valerem de sua criatividade

95
pessoal para elaborar aulas interessantes que pudessem motivar o aprendizado dos alunos.
Como elas não podiam preparar as aulas em casa em função de seus compromissos
particulares, a exposição e os exercícios em sala de aula seguiam tarefas avulsas e
improvisadas, ministradas em formato de folhas de xerox que eram então coladas nos
cadernos dos alunos. Uma das coordenadoras do projeto argumentava que a falta de recursos
era “providencial”, alegando que os materiais do Estado não correspondiam às necessidades
dos alunos, e que a criatividade dos professores deveria ser exercitada. Era considerado mais
relevante lançar mão de materiais que os alunos tinham acesso e familiaridade no cotidiano,
como panfletos de anúncio de supermercado e jornais da própria Igreja.
Apesar de as coordenadoras realizarem uma reunião em média a cada 15 dias para
discutir as atividades, as professoras não mantêm a mesma linha de trabalho e raras vezes
trocam experiências sobre a atuação em sala de aula e opiniões a respeito do aprendizado e
dificuldade dos alunos. O material didático é razoavelmente ruim e o pouco vínculo e
integração entre os voluntários, somado a reuniões repetitivas e infrutíferas são as
características que saltam aos olhos de imediato quanto à organização desse programa. As
ações sociais da IURD, quer sejam nos demais programas ou no Ler e Escrever, são feitas de
modo amador se considerada a estrutura quase empresarial da Igreja em suas campanhas, seu
proselitismo radiofônico e televisivo, além de uma estrutura hierárquica de cargos e funções
muito bem compreendidos por quem os ocupa e exerce. Ademais, não se tem a certeza, para
qualquer dos programas sociais, do recebimento anual dos materiais a serem utilizados. Isso
porque tudo que é preciso para a continuidade dos trabalhos assistenciais é oriundo de
doações proveniente de “pessoas que apadrinham os projetos”. Mas essas doações são
esporádicas e encerram quantidades pequenas e nem sempre novas de materiais a serem
utilizados, como computadores velhos, material didático antigo e mesas e cadeiras que
compõem uma infraestrutura aquém das necessidades dos cursos. No ano de 2009, por
exemplo, um membro da Igreja doou os computadores do programa de inclusão digital.
Segundo o pastor coordenador:
“todas as pessoas que trabalham com isso também são voluntários, (pausa),
os professores todos são voluntários, não recebem quantia alguma por isso, e
(pausa) tudo é doação, tudo é através de doação. Tem o (...) que tem lá
dentro, tem o Daniel da Informática com mais três computadores que foram
todos doados, então...”.

No início de cada ano, as coordenadoras, separadas ou juntamente com as voluntárias,


devem entregar uma lista dos materiais didáticos necessários para dar continuidade às tarefas.
Quem apadrinhou o programa Ler e Escrever em 2009 foi o bispo responsável pelo trabalho

96
de evangelização em Minas Gerais, que foi transferido no mês de setembro do mesmo ano
para outro estado. Esse seria um modo como uma ínfima parcela de dinheiro da Igreja
aparentemente estaria sendo revertida para a promoção de benefícios de caráter social, mas
não se pode afirmar com exatidão de onde provém a verba que o bispo emprega em seu
apadrinhamento. Ademais, os materiais que foram doados por ele ao programa não
representavam uma grande quantia de investimento. Ainda, os coordenadores mineiros,
conforme elucida a citação mencionada, são enfáticos em acentuar a dimensão solidária e
gratuita da ação dos envolvidos, dizendo que tudo que é voluntário é feito por eles mesmos, e
demonstrando que não há ligação direta (aparente) do dinheiro dos dízimos e ofertas com a
realização das obras sociais. Já em 2010, todos os recursos para o Ler e Escrever, como
livros, cadernos, apostilas, lápis, canetas, papéis, colas, cadernos etc. foram provenientes das
sobras de materiais utilizados no estado de São Paulo. Frente às demandas apresentadas pelos
professores dos cursos, o pastor coordenador do AGC/MG afirmou enfaticamente: “vamos
precisar pedir doação (liberação de verba advinda da administração central) para esse ano”,
insinuando que havia restrição significativa de dinheiro para esse fim e ressaltando a
dificuldade no sentido de obter os poucos recursos anuais para a ação caritativa da Igreja.
O programa Ler e Escrever desenvolvido em Belo Horizonte possui um formato
diferente do que é realizado nos demais estados do Brasil com esse mesmo nome. Não há
articulação com órgãos públicos de educação nem o intuito de se assemelhar a uma escola.
Não há formatura no final do ano, e quando muito, entrega-se um certificado relativo à
conclusão do ensino de alfabetização, sem equivalência, porém, com qualquer série da escola
convencional. A falta de preocupação com uma adjacência com a escola se encontra evidente
em vários aspectos: não há um cronograma de duração do curso nem um período que leve o
aluno a sua conclusão; a entrega de certificados não é acompanhada por uma cerimônia
específica; são organizadas apenas duas festas de despedida dos alunos ao final de cada
semestre sem que isso acarrete àqueles que já se encontram alfabetizados a efetiva saída do
programa. Além disso, não se tem controle exato sobre a frequência, a evasão e o tempo de
permanência de cada pessoa no curso. O encaminhamento dos já alfabetizados às escolas não
é um costume e é muito dependente da iniciativa particular do interessado em prosseguir com
seus estudos. Esse descompromisso do AGC/MG com o sucesso pessoal dos alunos aponta
fortemente para o fato de que a prática da caridade desenvolvida pela IURD no estado não
pode ser compreendida como um meio eficaz de promover uma boa imagem da Igreja para os
de fora e também não tem o intuito significativo de atrair novos fiéis para seus trabalhos de
educação e auxílio social.

97
Em uma Igreja cuja Catedral comporta em seus vários cultos mais de cinco mil
pessoas por dia, há pouco mais de 40 voluntários60 que realizam as obras de caridade em Belo
Horizonte. As atividades do A Gente da Comunidade de Minas Gerais não obedecem a um
padrão determinado e nem sequer possuem uma “visão” sob a qual são organizadas as várias
formas de expressar as ações sociais. Ou seja, apesar de a IURD lançar mão de todo um
arsenal sofisticado de particularidades próprias a seu modo de organização, e mesmo que
ideologicamente exista a perspectiva de tratar membros como “clientes”, a elaboração bem
sucedida do evangelismo se encontra dissolvida na prática cotidiana de uma filantropia
improvisada, estruturada apenas no que diz respeito às afirmações teológicas sobre as ações
de Deus. As professoras do Ler e Escrever, por exemplo, justificam a relevância da atuação
no voluntariado alegando que a tarefa de alfabetizar é mais que a de treinar a leitura e a
escrita, é ainda e principalmente a de auxiliar no exercício da fé, endossando ainda mais como
61
é devido viver segundo a crença “arrojada” no Deus que tudo entrega a seus filhos,
bastando que eles creiam e se apropriem disso.
Mediante as muitas reclamações quanto à dificuldade de aprendizado, por exemplo,
reproduzo aqui um dos diálogos bem comuns que ocorriam durante as aulas do programa:
Aluna: Estou com muita dificuldade de aprender, isso aqui é muito difícil.
Voluntária: Mas você vai aprender, em nome de Jesus.
Aluna: Será? (Pausa) Mas eu quero.
Voluntária: Tá vendo, é isso, Deus vê sua intenção e sua vontade e Ele vai te
honrar, dando mais criatividade pra gente, pra gente te ensinar melhor e você
aprender.

Tempos depois do diálogo apresentado, uma das voluntárias em conversa com as


coordenadoras do projeto recebeu uma revelação de que os alunos deveriam participar do
enterro dos “nãos”. Segundo ela, veio-lhe à mente uma cena de Deus falando: você pode,
você é capaz, você consegue. Assim, ela levaria à sala de aula um saco com terra e os alunos
escreveriam num pedaço de papel as frases negativas até então comuns e ditas
periodicamente: eu não posso, eu não dou conta, eu não consigo. Os “nãos” seriam enterrados
e a partir daí só seriam proferidas frases de vitória. A voluntária não conseguiu levar a terra na
semana combinada, mas, ainda assim, fez o exercício de “excomungar” as afirmações
negativas da vivência daquelas pessoas. De maioria idosa, a turma passou a compartilhar
60
Essa estimativa pode estar subestimada visto que foi feita com base na observação da frequência dos
voluntários nas reuniões administrativas da Sede. Mas como o trabalho de campo teve uma duração razoável,
dificilmente esse número apresenta equívoco significativo. Exclui-se dessa menção os professores da EBI e
evangelistas não envolvidos diretamente no AGC.
61
A crença arrojada é um termo utilizado pelos Iurdianos para estabelecer uma posição contra as críticas que
recebem de sua fé “arrogante”. Esse arrojo valida a apropriação dos bens de Deus na terra, refletido em ganhos
abundantes para os fiéis. Somada à capacitação que recebem no AGC, por exemplo, essa fé inconformada pode
levá-los a obtenção de prosperidade e sucesso.

98
palavras de incentivo e de afirmação positiva, e quando surgiam comentários a respeito do
fracasso e das dificuldades do aprendizado, eram lembrados os momentos em que eles
“enterraram os nãos” definitivamente.

6.5 Encaminhamento social


Há ainda uma atividade intermediária que aparentemente não goza de tantos
privilégios, mas que se estabelece com maior evidência se comparada às iniciativas dos cursos
(com exceção do Ler e Escrever). Conhecida como “orientação de assistência social”,
“assistência social” ou apenas “encaminhamento”, ela é exercida por três voluntários que se
revezam de segunda a sexta-feira (com exceção de quarta), no horário de 18:00 às 19:30 horas
e atendem na sala dividida com as advogadas responsáveis pela assistência jurídica. Algumas
vezes, devido à também pouca divulgação desse trabalho e à impossibilidade de os indivíduos
procurarem a “Casa Rosa” no horário acima mencionado, os voluntários destinam o tempo
livre no retorno das ligações recebidas e a se comunicarem com as pessoas que ali estiveram
durante o dia, buscando dar a elas informações necessárias mediante os problemas
apresentados. Esse trabalho consiste ainda em cooperar com informações sobre o
fornecimento de medicamentos pelo SUS, obtenção de material escolar, auxílio em
internações, intervenção cirúrgica e, algumas vezes, implica em doações de alimentos a
pessoas carentes. Ao menos de início e seguindo a rotina de requerimentos para qualificar as
ajudas, todos os interessados são cadastrados para posteriormente receberem possíveis
contribuições provenientes do projeto. A partir das dificuldades apresentadas, os assistentes
(apenas um deles profissional da área de assistência social) fazem contato com farmacêuticos,
médicos e parceiros diversos, em sua maioria membros da IURD, para que possam ajudar
gratuitamente aos indivíduos necessitados. Ocasionalmente são oferecidas pequenas ajudas
como a de distribuição de algumas cestas básicas, mas sem que isso configure um auxílio
regular. Nunca são doadas quantias monetárias, independente do motivo para o qual seriam
destinadas.
Dois dos três voluntários do projeto conversaram comigo algumas vezes sobre suas
tarefas. Segundo eles, há facilidade em conseguir cirurgias diversas, obter consultas gratuitas
com médicos especialistas, receber medicamentos de uso controlado mediante receita,
encaminhar a vagas de emprego e “tudo, tudo que as pessoas chegam aqui pedindo, né,
precisando” 62. Mas esse ministério não consegue as coisas de modo tão imediato e, vez por

62
Fala de umas das voluntárias enquanto explicava sobre a amplitude do programa de “encaminhamento”.

99
outra no prazo em que consegue alguns dos necessitados já não querem receber a ajuda. Por
isso, as pessoas passam por uma série de questionamentos mediante o cadastro de suas
necessidades, e são acompanhadas por esses voluntários nos cultos e também posteriormente,
sendo monitoradas em relação ao modo como utilizam aquilo que receberam.
Diferentemente das demais iniciativas do AGC/MG, o trabalho de assistência social se
estrutura através da troca de informações entre os voluntários diversos a fim de promover a
seleção dos ajudados. Como muitos obreiros também se envolvem em trabalhos sociais ou de
evangelização, a comunicação entre esses obreiros e os voluntários do programa de
“encaminhamento” a respeito do perfil das pessoas que estão passando por necessidades é
grande, permitindo que as informações sejam cruzadas em prol de avaliar os que se
candidatam ao recebimento das ajudas. Esse acompanhamento reforça ainda mais a restrição
da caridade e a avaliação dos atributos necessários que o indivíduo a ser ajudado deve possuir.
A evasão dos assistidos é acompanhada da contrapartida de tornar ainda mais rigoroso o
endereçamento da ação social, como fica evidente no excerto de fala de uma das voluntárias
abordando o rigor da seleção dos carentes: “a gente fica com carão, de cara dura mesmo,
porque eles chegam aqui, choram, imploram as coisas pra gente e a gente consegue, depois
eles somem, desaparecem, e deixam a gente com a cara no chão”.
O desinteresse em receber a ajuda é algo corriqueiro, motivador dessas restrições, e
pode ser relatado também em dois casos que chamaram muita atenção dos voluntários da
“Casa Rosa”. Um deles foi o de uma mãe que levava o filho aos cultos da igreja, mas que
nunca conseguia ficar com ele dentro do templo, visto que o jovem rapaz manifestava um
“espírito” que o dotava de uma força sobre-humana, fazendo-o pular por sobre os carros do
estacionamento e correr atravessando tudo o que via em sua frente. A mãe do rapaz procurou
a ajuda dos assistentes sociais para que eles conseguissem que um médico assinasse uma
receita de um “remédio muito forte”, mas, que não era próprio para o tratamento do menino,
apenas o deixaria mais calmo. A resolução do caso se deu com a desistência do médico
parceiro em assinar o atestado inadequado. E como o jovem não passava pelo processo de
libertação da IURD em função de não conseguir permanecer durante o período dos cultos
dentro da Igreja, também não foi possível fornecer ajuda em outras circunstâncias. Os
voluntários consideraram esse um caso que “deu errado”. Mas o justificaram alegando que o
problema era espiritual, e que a ajuda caritativa, mesmo que fosse realizada, ainda assim, não
serviria para resolver o problema que o rapaz possuía. Um dos voluntários do projeto
justificou o fato alegando que há problemas que os médicos não conseguem resolver nem

100
detectar, por isso, é absolutamente necessário que a pessoa passe pelas “sessões de
descarrego” proporcionadas nos cultos.
Os relatos a respeito do trabalho social reforçam o que já foi dito: que a vinculação dos
indivíduos assistidos não só é desejável, como antecede à própria ajuda fraterna. Caso o
garoto tivesse passado pelo processo de libertação da Igreja, suas chances em conseguir o
atestado necessário seriam bem maiores, podendo aumentar até mesmo no sentido de obter
uma consulta adequada para seu caso particular e, consequentemente, teria chances reais de
dar continuidade adequada ao tratamento de sua doença. Fica ao mesmo tempo evidente o
fracasso das campanhas em oferecer soluções para muitos dos casos que outrora se
apresentam. E acrescenta-se, é notória a dificuldade dos voluntários de conseguir ajudas
efetivas e periódicas com os supostos parceiros vinculados ao programa.
O outro caso que ilustra as restrições caritativas do AGC/MG no que tange ao projeto
de “encaminhamento” é o de uma cirurgia conseguida pelos assistentes sociais para um garoto
que diziam andar pelas ruas quase caindo por estar praticamente cego. Quando a cirurgia foi
marcada, a mãe do jovem recebeu um telefonema dos voluntários, mas não atendeu. Eles
insistiram muitas vezes em falar com ela até que ela alegou que o menino já tinha se mudado
para o interior e que não apresentava mais nenhum problema de visão. Porém, ela não atribuiu
qualquer benefício alcançado ou a cura de seu filho à IURD. Ao contrário, parecia justificar a
ausência da necessidade com o intuito de se livrar das insistentes ligações e retornos dos
voluntários. Isso mostra que quando a quantidade de assistência é ampliada, circunstâncias
como essa, com as quais eles se deparam, servem para reduzir novamente a possibilidade de
auxílio. A falta de controle e organização da ação social nos moldes de instituições de amplo
alcance traz transtornos quando as pessoas desistem de receber a assistência, porque a
articulação feita com os doadores é prejudicada de modo significativo. Outras citações foram
relatadas como “falhas” no processo de orientação e ajuda social, mas tais fatos sempre eram
justificados por uma das voluntárias como exceções. Ela alegava que, apesar disso, o
programa era ótimo e muitas pessoas eram assessoradas por ele. Os casos de sucesso,
contudo, quase nunca eram lembrados pelos voluntários e mencionados como exemplo.
A não resolução espiritual do caso de algumas pessoas religiosamente engajadas
aparece colocada para os obreiros nos diversos cultos. Encaminhados à “Casa Rosa”, os
indivíduos almejam encontrar soluções para os problemas sofridos. Lá, são motivados a
experimentar a fé em Deus e a aguardar por soluções também humanas. A ajuda caritativa,
assim, aparece como um mecanismo de “refluxo” em que as pessoas são novamente ensinadas
e motivas a exercitarem sua fé em Deus; pois problemas “financeiros, emocionais, espirituais,

101
sentimentais, familiares ou com vícios” não podem ser resolvidos pelos agentes sociais a um
grande contingente de pessoas, e na maior parte dos casos, todos os infortúnios “tem a ver
com problemas espirituais”. Assim como os testemunhos de superação são ícones de bênçãos
na Igreja, os encaminhamentos genuinamente realizados e efetivos também são circunstâncias
exemplares, apesar de sempre poucos.
O trabalho de assistência social também orienta os indivíduos – e esse serviço é bem
mais divulgado que as outras ajudas do “encaminhamento” – a irem aos locais adequados para
obtenção de documentos de identidade, CPF, carteira de trabalho, título de eleitor, certidões
diversas e certificado de reservista. Parte dessa atividade também consiste na elaboração de
currículos para pessoas desempregadas. O pastor coordenador da “Casa Rosa” recebe
diariamente uma lista grande de oportunidades de empregos em diversas áreas e com distintas
exigências de escolaridade. Além disso, recebe do NIAT (Núcleo Integrado de Apoio ao
Trabalho), periodicamente, uma lista de cursos profissionalizantes gratuitos oferecidos pela
prefeitura de Belo Horizonte a pessoas acima de 16 anos. A divulgação dessas possibilidades,
contudo, é feita apenas àqueles que porventura estejam sendo assistidas pelo trabalho social e
procurem o pastor alegando que precisam de emprego. Tais informações não são estendidas à
comunidade externa ou a todos os membros da Igreja Universal.

6.6 Assistência jurídica, Projeto Saúde e eventos esporádicos


Paralelo aos trabalhos já mencionados ainda é necessário destacar a iniciativa de
assistência jurídica gratuita. Esse suporte é feito por duas voluntárias formadas em direito e
conhecidas como “doutoras”. São duas mulheres acima dos quarenta anos que se revezam
todos os dias da semana (com exceção de quarta-feira) na parte da manhã, de 08:30 às 10:00
horas, e na parte da tarde, de 17:30 às 19:00 horas. Atendem por ordem de chegada a um
razoável contingente de pessoas que anseia receber consultoria jurídica, em geral, por
problemas conjugais, de pensão alimentícia e para se informar sobre causas trabalhistas.
Frisa-se no AGC/MG que qualquer negociação comercial com os membros da Igreja, se
ocorrer, tem que ser “da porta pra fora”. Entretanto, em algumas conversas que mantive com
pessoas que esperavam pelo atendimento, era comum a fala: “ela está cuidando disso pra
mim”, “eu combinei isso com ela”, dando referência à determinada negociação que havia sido
estabelecida entre uma das voluntárias e o fiel. Apesar de algumas instâncias de conciliação
sequer requererem do indivíduo apresentar-se com um advogado na audiência, em geral, a
falta de instrução dos necessitados faz com que a orientação jurídica da Igreja seja vista como
algo indispensável para o decorrer do processo judicial. Essa função caritativa atribui grande

102
status às voluntárias, e devido à qualificação das mesmas, elas estão sempre próximas ao
pastor coordenador, auxiliando-o em suas tarefas, fazendo anotações em reuniões e
intermediando contatos com instituições diversas quando necessário63.
Outra atividade social realizada pelo AGC de Minas, de organização bem recente, é a
tentativa de implantação do Projeto Saúde. Coordenado por uma única pessoa formada em
farmácia, o programa, até a data de término do trabalho de campo, ainda não agregava outros
voluntários. As tarefas desenvolvidas pelo obreiro que encabeçava essa atividade eram de
orientação quanto ao atendimento do SUS, aferição de pressão e medição de glicose. Como
tal voluntário conhecia o processo de Ouvidoria do SUS (quanto ao julgamento dos prazos
estabelecidos para marcação de consultas, internamentos e cirurgias relativas às urgências de
cada caso clínico), ele realizava o acompanhamento dos fiéis através de ligações à ouvidoria
ou encaminhando-os aos locais em que poderiam ser atendidos por especialistas. Além disso,
procurava informar os carentes sobre as unidades de saúde adequadas a cada especificidade.
Esse trabalho funcionava mais ou menos do mesmo dos demais da “Casa Rosa”. Os
voluntários da secretaria preenchiam as fichas cadastrais dos necessitados e posteriormente o
irmão farmacêutico ligava para cada fiel a fim de agendar um horário de atendimento. Como
o projeto ainda era novo até o término dessa pesquisa, os voluntários de uma forma geral não
sabiam informar a respeito, e muitas vezes afirmavam que o projeto não existia, ou que
desconheciam alguma coisa funcionando nesse sentido. O pastor coordenador do AGC intuía
inserir tal projeto nas cartilhas que ele desejava formular visando nivelar o conhecimento dos
voluntários sobre o trabalho que vinha sendo desenvolvido em Minas.
Quanto à assistência emergencial propriamente dita, como distribuição de sopas, de
cestas básicas e agasalhos a mendigos, moradores de rua, de favelas e pessoas de baixa renda,
frisa-se novamente: ela quase nunca acontecia na Igreja Universal de Belo Horizonte.
Algumas doações de alimentos e roupas foram recebidas em 2009, supõe-se que advindas de
políticos ou membros solidários mais abastados. Elas foram armazenadas na “Casa Rosa” e
no final do ano, como a quantidade já tinha enchido relativamente a sala que ficava ociosa,
houve o direcionamento a famílias cadastradas através de um programa denominado
“acompanhamento às famílias”. Os grupos de evangelização, mediante a necessidade que se
formava de distribuir esses itens adquiridos, se dividiram para visitar vários aglomerados da

63
A intervenção das advogadas diz respeito a possíveis necessidades que se apresentem na comunicação do
pastor coordenador com instituições e organizações diversas que possam ampliar as atividades de caridade ou
tratar algum assunto de interesse direto desse pastor. Demais demandas destinadas à competência de outros
pastores são tratadas por advogados contratados pela IURD e que trabalham no departamento de recursos
humanos da Igreja.

103
região sul de Belo Horizonte. O cadastro realizado elencou 200 famílias oriundas de cinco
localidades distintas. Esse evento foi denominando Jornada para um Natal Feliz e aconteceu
em 27 de dezembro. Como comum na IURD de Minas, alguns requerimentos antecederam a
entrega das ajudas. Após serem levados à reunião das 18:00 horas (reunião de maior
popularidade), os cadastrados receberam orações, uma benção espiritual específica e
participaram da encenação de passagem pelo Santuário do Monte Moriá64. Apenas
posteriormente é que cada família foi presenteada com uma cesta básica, um kit com um
brinquedo para criança e um peru congelado. O evento aconteceu com o intuito de “fornecer
aos necessitados além do reforço material, uma ajuda espiritual”.
Como continuidade desse projeto, um ônibus escolar iria até as favelas selecionadas,
quinzenalmente aos domingos, oferecendo transporte de ida e volta e reunindo as pessoas para
que para participassem do culto semanal “mais importante” – a reunião do bispo, às 09:30 da
manhã. Os responsáveis pela recepção e acolhida das pessoas que vinham até a Igreja por
meio desse ônibus eram dois voluntários do evangelismo ou da assistência social. O número
relatado de pessoas que se manteve frequentando as reuniões por essa via foi muito pequeno
se comparado aos envolvidos na jornada de Natal. Relatos registravam cerca de quinze
pessoas. A intenção inicial apresentada para os voluntários do AGC em novembro de 2009,
antes da realização da campanha, era a de que os grupos de evangelização pudessem arrecadar
roupas, agasalhos, alimentos e brinquedos de casa em casa, materiais esses que viriam a ser
distribuídos a partir da avaliação dos cadastros e das necessidades de cada família registrada.
Entretanto, essas arrecadações não foram realizadas; os voluntários cadastraram famílias
carentes, mas distribuíram apenas as cestas que haviam sido doadas ao longo do ano. Esse foi
o motivo principal que restringiu a distribuição a apenas 200 famílias. Para incrementar o
evento, o pastor coordenador das ações sociais conseguiu as aves natalinas e os brinquedos,
também em 200 unidades cada.
Apesar de o folheto de divulgação do A Gente da Comunidade ter fotos de grandes
mutirões sociais, os dois eventos realizados nos anos de 2009 e 2010 foram pequenos e
ocorreram devido não propriamente à movimentação dos voluntários em prol da gestão dessas
atividades, mas pelo recebimento de doações de parceiros da Igreja que acabavam
“obrigando” a realização esporádica de alguma distribuição. Os Universais tentam estabelecer

64
A terra de Moriá é a região em que Abraão sacrificou Isaque. O monte Moriá foi o local onde posteriormente
Deus apareceu a Davi e onde Salomão preparou o templo do Senhor em Jerusalém. A analogia do Monte Moriá
é muito utilizada pela Igreja Universal para se referir a um local de grande sacrifício, com base nos versículos de
Gênesis em que Deus havia jurado, por si mesmo, abençoar Abraão. Os Universais entendem que essa promessa
se estende a eles por meio do sacrifício que realizam na Fogueira Santa, maior campanha da Igreja, que incita os
fiéis a realizarem grandes doações monetárias semestrais decorrentes de enorme sacrifício.

104
algumas parcerias, mas, quando recebem as doações advindas desses parceiros precisam
urgentemente improvisar o destino dos itens recebidos. Como não existe um cadastro fixo de
carentes a serem ajudados e a distribuição de materiais ou alimentos não faz parte de um
projeto regular da Igreja, os voluntários, mediante o acúmulo das doações, fazem um mutirão
com obreiros e evangelistas e organizam o cadastramento temporário (e descartável) de
alguns carentes, possíveis recebedores. Esses eventos não são constantes e não mantém
necessariamente nenhum vínculo com as demais atividades que já são rotineiramente
realizadas. Como as doações recebidas não têm regularidade, os eventos são realizados
conforme a oferta e os critérios de distribuição (se será para pessoas que já participam dos
cursos ou para alguns carentes de fora da Igreja) são definidos circunstancialmente, sendo que
essa segunda opção é mais rara. O outro projeto realizado que se aproxima do que pode ser
chamado de mutirão social foi o Janela para o Futuro/ Projeto Educação. Ele visava
beneficiar 500 famílias carentes com a distribuição de 982 kits escolares doados à Igreja, e
aconteceu em 28 de fevereiro de 2010.
Esse tipo de evento social, assim como os cursos que são oferecidos no espaço da
“Casa Rosa”, não segue um modelo regular e não têm periodicidade pré-estabelecida. O
caráter aparentemente proselitista da caridade se dilui quando observamos que até mesmo a
oferta de transporte e acompanhamento social dos carentes é esporádica e pouco valorizada.
Os Iurdianos se comportam muitas das vezes desatentos aos novos membros, entendendo
claramente que a frequência dos possíveis conversos jamais deve estar aliada à manutenção
das doações. Como resultado, quase não se fala nesse tipo de assistência. Ela parece acontecer
apenas quando uma grande arrecadação é feita por um grupo de voluntários e precisa ser
distribuída, ou quando os pastores recebem uma quantidade de donativos previamente
planejada, decorrente das articulações com figuras públicas ou agentes filantrópicos65. A
identidade dos indivíduos doadores, entretanto, está sempre oculta. O status da parceria
realizada é usufruído apenas pelo voluntário mediador.
Enfim, o que foi apresentado nesse capítulo mostra que a caridade mineira não está
articulada diretamente com motivações proselitistas de grande amplitude. Observa-se que o
que alavanca as obras sociais em Minas não é o engate direto com o trabalho de
evangelização nem os benefícios concedidos por líderes interessados em angariar partidários e
utilizar das promoções voluntárias para intermediar relações políticas. Os políticos – se e
quando atuam – o fazem sem evidenciar projetos particulares e sem se tornarem conhecidos

65
O uso do termo genérico “agentes filantrópicos” é devido ao fato de não ser possível precisar quem são os
doadores, pois seus nomes e relações com a IURD não são divulgados.

105
dos membros pela ação solidária que ensejam. Entretanto, as obras fraternas continuam a
existir na IURD do estado mesmo que sua “utilidade” ou motivação esteja aparentemente
oculta, levando à reflexão de que mecanismos, então, poderiam sustentar uma prática caridosa
como a descrita, uma vez que ela não pode ser suficientemente explicada pelos pressupostos
que propunham alguns estudiosos do fenômeno IURD.
No capítulo seguinte, somam-se às justificativas iniciais apresentadas pelos agentes
envolvidos no AGC/MG uma interpretação sobre o que levaria as obras sociais a continuarem
existindo na Universal mineira. A aposta é dada na dinâmica da competição e disputa entre os
membros participantes da caridade.

106
7. Particularidades Universais e universais?

7.1 Uma filantropia que ascende


A caridade mineira formata um tipo de assistencialismo que por um lado parece ser
mal articulado por não apresentar uma organização formal bem elaborada das tarefas; mas,
por outro lado, se configura como um campo de disputa que ao longo da prestação da
assistência se delineia de forma inequívoca na busca dos voluntários por ascensão e
reconhecimento de seu papel e capacidades, fazendo com que as posições diversas e
aparentemente inflexíveis se tornem camadas mais frouxas, passíveis de transição. Diferente
da união circunstancial que pode ser observada nas demais localidades do Brasil entre os
diversos grupos da IURD a favor da promoção de um grande evento assistencial/proselitista;
em Minas Gerais, obreiros, professores, evangelistas e assistentes formam uma rede complexa
de interação que não coopera senão para a indefinição desses grupos gerada por um forte
intuito de acumular tarefas pessoais para se destacar e conseguir reconhecimentos que os
possam fazer ascender 66.
Por meio da inserção em obras sociais, os membros da Universal de Minas (quer
sejam simples voluntários ou já obreiros) acessam um espaço que é inalcançável aos demais
fiéis e, a partir daí, aprendem a respeito das rotinas Iurdianas que vão além dos cultos e que
não são conhecidas e acessadas por qualquer um, tais como: a organização dos uniformes, os
cursos de treinamento, a burocracia da parte administrativa, as funções da secretaria, cozinha
e outros. Assim, aos que já são líderes, a caridade pode ser um excelente e eficaz mecanismo
de obter reconhecimento de seu envolvimento com a IURD e fazer do membro já
relativamente experiente, um futuro pastor ou até mesmo um bispo (grau mais alto a que se
pretende chegar). A prática fraterna funciona como um elemento definidor do processo
rotineiro de diferenciação entre os fiéis – em sentido positivo e negativo – servindo de espaço
de treinamento dos membros selecionados e também de reduto (mesmo que temporário) para

66
Na tese já mencionada de Eva Scheliga, há uma etnografia de um evento denominado Gincana das Almas,
ressaltando a competição dos grupos de evangelismo e visando a consagração e o prêmio de honra ao mérito,
conferido pela entrega de uma placa à equipe que conseguisse sucesso no que a autora denomina de “engenhosa
competição” que coopera para a “educação dos sentidos”. As notas desse sétimo capítulo, apesar de tomadas
antes do contato com o trabalho mencionado, também cooperarão para endossar a atestação de que há na IURD
um modo distinto de viver a batalha espiritual no universo desses crentes. Entretanto, antecipo ao leitor que, em
Minas Gerais, o mecanismo de diferenciação é distinto e ocorre entre as pessoas e não entre os grupos, além de
ser imprescindível para explicar a rotina da caridade. As considerações descritas a seguir terão importância
central para a argumentação proposta nessa dissertação, ênfase que não é encontrada no trabalho de Scheliga. A
disputa e a luta por reconhecimentos são, em Belo Horizonte, os meios que permitem que os membros
participem de certa parte do trânsito eclesiástico e reforcem a “fé arrojada” em Deus. Ademais, durante o período
do trabalho de campo, não ocorreram menções sobre essa gincana no estado por mim pesquisado.

107
líderes menos carismáticos e, ao que tudo indica cuja arrecadação nos púlpitos não é
significativa. As obras sociais e seu espaço de funcionamento (“Casa Rosa”) são uma forma
de estagiar obreiros e pastores e fazê-los conhecer um pouco mais dos bastidores da Igreja67.
Se a caridade para o fiel necessitado é uma modalidade através da qual é possível e exigida a
comprovação de sua moral e retidão, como posto; uma vez aprovado, ele se diferencia dos
demais da Igreja. O membro comum adquire legitimação de sua fé, idoneidade como alguém
que busca sabedoria, e pode até mesmo conseguir frequentar um curso de obreiro por mostrar-
se um fiel digno e compromissado. Para o voluntário relativamente mais bem favorecido, que
já tem sua probidade avaliada e constantemente acompanhada, e cujo interesse se dê no
engajamento e destaque na Igreja, o envolvimento nas ações sociais é um acesso a posições de
grande concorrência. Para todos, enfim, a filantropia mineira é uma forma primordial de
inserção e ascensão na complexa rede hierárquica da IURD, em que a busca e o desempenho
de um papel tem importância determinante para a continuidade do exercício do religioso.
Diferentemente da postura da fé “arrojada” ensinada pelos líderes e vivenciada pelos
membros nos momentos de culto e batalha, a maior parte dos voluntários da assistência usa as
obras de caridade da Igreja de modo discreto e sorrateiro ao estabelecer redes de relações com
políticos, “doutores”, médicos e indivíduos de maior qualificação social e apresentar, como
consequência desse contato, propostas novas de iniciativas sociais, que podem ser postas em
prática, mas que não necessariamente precisam ter continuidade após a primeira realização. O
que mais vale não é propriamente o sucesso de levar adiante uma nova rotina filantrópica,
mas sim, o que esse contato pequeno, e considerado aparentemente de pouca expressividade
para a parte não religiosa, confere aos membros envolvidos – uma importância significativa
frente aos demais voluntários que não gozam dos mesmos privilégios. Através dessas relações
e das propostas decorrentes de tais contatos (ou até da iniciativa pessoal de um voluntário que
apresente uma habilidade que ainda não foi utilizada na prática social), se adquire mais status
e gradativamente aumentam as chances de galgar um cargo de mais destaque dentro da Igreja.
Se o cargo já existe, como é o caso dos voluntários de caridade que já são obreiros68, o
reconhecimento de tal indivíduo passa a ser ainda mais evidente, e ele pode vir a ser
convidado a envolver-se em outras iniciativas tais como: evangelismo, secretaria, treinamento
etc. Essa postura de “interesse elegante” fica evidente também nas trocas estabelecidas entre

67
O pastor que coordenava as atividades assistenciais em Minas Gerais foi transferido de uma Universal situada
na periferia de Belo Horizonte para a Catedral e pode ser citado como um exemplo de realocação funcional, pois
não era uma promessa carismática para os púlpitos Iurdianos e parecia estar aproveitando pouco de uma região
promissora no que tangia à arrecadação.
68
Sobre esse processo de formação de obreiros ver Barros, 1995, p. 51.

108
os próprios voluntários, de uns para com os outros e deles para com os alunos, pois a maior
parte dos envolvidos na caridade – quer sejam professores ou alunos – estão a todo tempo se
disponibilizando para mostrar sua utilidade e seu ativismo comprometido.
Eis, portanto, o que pode ser chamado de ethos empreendedor disciplinado, a saber,
uma personalidade que vai sendo desenvolvida e é exposta pela crença “arrojada”, enfática e
determinística, e que é somada a tudo o que caracteriza o “jeito de ser Universal”. Esse
“ethos” funciona como uma espécie de disciplina que visa atingir os objetivos propostos,
podendo culminar em um ponto alto – um caráter empreendedor cujas consequências práticas
podem variar. Os membros que já conseguiram se tornar obreiros, por exemplo, não param
por aí. Aqueles que estão inseridos nas atividades de alfabetização, nos demais cursos
ministrados, no trabalho de encaminhamento social ou de ajuda jurídica, se destacam frente
aos outros e ficam ainda mais conhecidos pelos demais líderes da Igreja.
Entre eles, as diferentes atividades também conferem variados destaques. Um exemplo
disso é o das voluntárias responsáveis pela ajuda jurídica. Elas são sempre chamadas de
“doutoras” e todos conversam com elas com mais respeito que com outros. O grau de
escolaridade não foi um diferencial absoluto para o destaque dessas voluntárias, mas sim o
fato de serem essas mulheres, além de estudadas, confidentes e conselheiras de alguns dos
pastores auxiliares e estarem a par de estratégias, programações e estatísticas cujo acesso a
outros voluntários é vedado. O privilégio conseguido pelas voluntárias da assessoria jurídica
foi sendo conquistado aos poucos, começando obviamente pela formação de curso superior
que acrescia status à IURD, que é conhecida como uma instituição religiosa que atrai pessoas
de baixa escolaridade. Além disso, as advogadas tinham grande disponibilidade de tempo,
demonstravam compromisso como obreiras e tinham idade madura69.
Outro exemplo é a competição por tarefas diversas dentro do espaço da “Casa Rosa”.
Em Belo Horizonte, como as atividades sociais coincidem com a administração da
evangelização, todos os dados sobre os obreiros e evangelistas do estado estão guardados na
secretaria e são manipulados apenas por algumas pessoas, pois são considerados
confidenciais. Desse modo, cada função que o pastor coordenador confere a um voluntário
específico é “agarrada com unhas e dentes”, pois é da apropriação de tal atividade que
dependerá a permanência e utilidade daquele indivíduo, além de seus diferenciais frente aos
outros. Não são todos os voluntários que tem acesso a todas as tarefas; a de organizar as
fichas que possuem os dados referentes aos pastores e obreiros do estado é uma função

69
A maior parte dos voluntários da evangelização e muitos dos membros que se interessam pelo cargo de obreiro
são jovens de menos de 35 anos e é comum abandonarem a Igreja depois de certo tempo.

109
dividida por poucos. Exemplos de tarefas simples, mas bem disputadas são: tirar xerox para as
aulas, colocar papel higiênico nos banheiros, abrir as salas de aula, mexer com equipamento
de data show, entre outros. Reunir com o pastor responsável pelos projetos sociais para
conversar sobre os cursos já é um benefício concedido apenas aos coordenadores de cada
frente de ação social.
Em suma, o assistencialismo mineiro é uma espécie de “passagem obrigatória” para
pastores e líderes religiosos que querem galgar funções de maior reconhecimento, pois
propiciam, em certa medida, que eles ascendam na hierarquia da Igreja. Mais que apenas
capacitados para exorcizar demônios e entidades malignas, os Iurdianos de Minas devem ser
aptos para lutar cotidianamente entre si, em busca por posições que os diferenciem uns dos
outros, comprovando assim seu envolvimento, probidade e jeito de ser.

7.2 Eles estão em guerra: com anjos e demônios, com o bem ou com o mal, com eles
mesmos
Uma das principais características que particularizam a IURD mineira e podem ilustrar
a caridade Universal é a perspectiva do conflito. A legitimação dessa fé como uma alternativa
religiosa possível se deu principalmente através da disputa com católicos e outras expressões
rituais de matriz africana e kardecista. A luta espiritual está presente na constituição do vasto
repertório da IURD; na “guerra santa” contra outras religiões eles estão situados em constante
conflito. Comprovando a eficácia de tais manifestações por meio do reconhecimento (e
necessidade de expulsão) dos deuses/demônios, os Universais incorporaram a linguagem da
guerra e passaram a ver o mundo não apenas divido entre o bem e o mal, mas como um
campo de batalha, cujas lutas são constantes e quase intermináveis. As ações assistencialistas,
consequentemente, emergem desse e nesse cenário em que a “língua local” pode ser
considerada a da competição. Em Minas Gerais, a filantropia se desdobrou em uma série de
práticas cujo fulcro e particularidade é a luta permanente que eles travam entre si pela
obtenção de prestígio; isso faz que eles lancem mão “à mineira” dos diferentes projetos que a
IURD já criou e ainda cria para por em prática o amor ao próximo.
Como consequência de viverem acreditando que estão num espaço de lutas de
territórios espirituais, os Iurdianos “incorporam” a dinâmica da guerra em sua forma de se
relacionar com o sagrado e com as pessoas. Apesar de as diversas posições ocupadas nas
atividades sociais serem pouco nítidas aos olhos de um observador que não é membro ou
conhece pouco os matizes da Igreja Universal, as distinções de prestígio são bem
compreendidas pelos membros, e o tratamento que eles dão uns aos outros é típico de relações

110
entre rivais. Cada conquista em direção a uma nova posição é muito ansiada e requer esforços
dos mais diversos, a fim de conferir àquele indivíduo um reconhecimento maior que será
confirmado pelo pastor responsável pelos projetos, pelos líderes das atividades sociais e por
demais beneficiados e assistidos.
O primeiro e principal cargo na estrutura Universal acessível aos membros comuns é o
de obreiro. Grosso modo, os membros da IURD são “levantados” obreiros para auxiliar nos
cultos e também nos trabalhos de evangelização. Eles se preparam para a atividade
frequentando cursos ministrados por pastores. Podem ser indicados por algum membro que já
é obreiro ou procurar o curso por iniciativa própria. Alguns dos critérios utilizados para a
escolha e aprovação desses candidatos ao cargo de obreiro são: o envolvimento nas atividades
da Igreja, a cooperação na distribuição de jornais, limpeza etc. e a assiduidade (Barros, 1995).
Concordando, é possível acrescentar ainda que a participação e engajamento nas atividades de
ação social funcionam como um meio importante de demonstrar o compromisso e a
integridade do fiel. A prática caritativa serve para o membro tanto como um modo de atestar
as qualidades do aspirante a algum cargo eclesiástico, quanto como mais uma medalha na
vestimenta daqueles que já galgaram esse espaço. Os voluntários que participam das caridades
sem contudo ainda terem sido levantados como obreiros, por exemplo, “lutam” ainda mais,
pois apenas a posição de ensinar algo a alguém é o que os diferencia dos demais membros que
recebem a assistência concedida. Assim, se empenham para que sua habilidade, generosidade,
compromisso e fé possam ser percebidos e comprovados, tanto por demais obreiros quanto
por pastores envolvidos nas obras sociais, facilitando quiçá sua consagração como líder
religioso. As vagas que a IURD disponibiliza para o cargo de obreiro são poucas tendo em
vista o número de pessoas que aspiram alguma projeção dentro da Igreja. Sendo assim, todos
disputam entre si e cada voluntário é visto como uma espécie de ameaça ao outro, pois pode
perder a função recebida se não for tão preciso no cumprimento da disciplina que a ele
compete.
Mas se as atividades sociais são muito disputadas entre os voluntários, e como já visto,
sobram algumas tarefas a fazer, como a de acompanhar o ônibus da Igreja nas comunidades
carentes e a de limpar o local das salas de aula, uma possível interpretação que pode ser dada
a esse fato é que algumas atividades são engajamentos pouco valorizados, talvez por poderem
ser feitos por um membro qualquer. Os obreiros e demais voluntários assumem para si um
volume de atividades tamanho (obviamente as que lhes conferem mais prestígio, como a
tarefa de dar aulas nos cursos e de participar em reuniões com o pastor das obras sociais), que
é comum que articulem a agenda profissional em função dos compromissos que assumiram

111
com a Igreja. Uma das voluntárias que conheci durante a pesquisa não estava trabalhando com
a quantidade de aulas adequadas lecionando biologia em escola particular para atender a
demanda do curso de alfabetização e garantir a sua grande frequência aos cultos em que
participava como obreira. Ela entendia tratar-se de uma “guerra” contra o diabo e o mundo,
cujas expressões eram manifestas na pressão profissional que a impedia de “trabalhar na obra
de Deus”. Essa forma de ver a vida ia condicionando seu intenso envolvimento na Igreja em
detrimento das outras esferas da vida.
Outro aspecto importante a ser ressaltado é o tratamento cerimonioso, por vezes hostil,
que muitas vezes se via entre os voluntários e que conservava certo desprezo, aceito e
recíproco, pois todos estavam buscando constantemente uma posição de destaque expressa no
reconhecimento de sua dedicação à tarefa. Uma espécie de parceria entre alguns deles era
proposta a fim de que cada um pudesse alcançar seus próprios objetivos. Tais parcerias diziam
respeito principalmente à troca de horários e empréstimo de material. Os voluntários que
ficavam de fora dessas alianças e não conseguiam “conchavos”, se desdobravam bem mais
para não faltar às aulas e aos encontros marcados e assim não perderem gradativamente a
difícil reputação alcançada. Não havia desinteresse ingênuo na ajuda entre os voluntários, ao
contrário, as relações dos alunos com professores, demais obreiros, pastores e assistentes
sociais, igualmente, eram estabelecidas evidenciando que existia uma troca de favores em
busca ora de tornar legítimo o recebimento da assistência por parte dos necessitados, ora de
acelerar a obtenção dos privilégios por parte dos voluntários doadores. Os carentes, na mesma
medida, estavam sempre preocupados em se apresentar íntegros, bem-intencionados, de fato
necessitados, assíduos e comprometidos com a Igreja. Eles também desejam se distinguir uns
dos outros para que continuassem “dignos” do devido recebimento. Levavam presentes aos
professores e assistentes, empenhavam-se nas atividades em que se inseriam, denunciavam a
falta de alguns, negociavam com os professores sobre as aulas que porventura se perdiam e
também se interessavam pela carreira de obreiros, vez por outra vislumbrando posições ainda
mais altas. As ações sociais da IURD mineira estão, enfim, baseadas na disputa por ascensão
hierárquica, reconhecimento e honra; lutas sutis, mas fortemente marcadas por desdém,
recalques e distâncias que eles estabelecem claramente uns para com os outros.
De modo algum se pode ignorar a força da perspectiva institucional defendida e
orientada pelas autoridades eclesiásticas da IURD. Nesse sentido, porém, reafirma-se que as
obras de caridade pesquisadas não podem ser consideradas fruto de um ideal organizacional
reproduzido pelo fiel como algo pregado cotidianamente nos púlpitos. As ações sociais não
podem ser entendidas meramente como parte de um discurso que se forma de modo vertical,

112
ou como uma estratégia proselitista e política que vem sendo replicada. O que quero dizer é
que diferentemente dos “ideais”, justificativas e estratégias defendidos pela cúpula da Igreja a
respeito da oferta, do dízimo, das campanhas e de outros tantos temas, rotinas e rituais
fundamentais, a prática da caridade na IURD mineira não é a reprodução de um
direcionamento eclesiástico específico, de um padrão doutrinário de fraternidade ou de um
modelo de boas obras. Obviamente, tais ações, assim como todas as iniciativas desenvolvidas
na Universal, não fogem do domínio de sua liderança e são, consequentemente,
supervisionadas pelos responsáveis regionais. Contudo, um controle efetivo ou um
direcionamento claro sobre que ações sociais deveriam ser realizadas não aparecem nas falas
dos pesquisados, nem nas explicações dos voluntários, nem nas justificativas do pastor
coordenador.
O observado foi que as iniciativas sociais implantadas advinham do contato dos líderes
locais com alguns projetos que já aconteciam em outros espaços. Também vinham de
iniciativas próprias, muitas delas a partir das pesquisas desses líderes na internet. Ainda, tais
obras poderiam ser fruto da menção de outros pastores e voluntários sobre alguma forma de
caridade pertencente ao vasto repertório que a IURD já oferece, culminando assim na
elaboração de uma das ajudas “à mineira”; daí a possibilidade de explicar as muitas variações
que existem entre as atividades que levam o mesmo nome. Em função disso, a caridade
Iurdiana de Minas Gerais é razoavelmente precária e incipiente, feita sem uma organização
formal e, alguns dos projetos realizados se desenvolvem de modo autônomo, podendo
eventualmente deixar de existir. Apesar de ser comum na Universal, portanto, a existência de
unidades semelhantes para o exercício das obras de caridade – o que tenho chamado ao longo
desse trabalho de ações que são desenvolvidas sob uma mesma rubrica, como o programa A
Gente da Comunidade, por exemplo, essas formas de exercer a beneficência não restringem as
práticas fraternas ou contém em uma dessas frentes ou atividades, um discurso último sobre a
caridade da Igreja.
Isso não implica a falta absoluta de um assistencialismo tradicional ou de uma
fraternidade propriamente proselitista, mas, mesmo essa última, é feita raramente, é
desconectada e bem distinta do forte evangelismo de massa próprio à IURD. As obras sociais
Iurdianas mineiras não funcionam como aparentemente sugeririam as comparações com
práticas sociais católicas e espíritas, no sentido de cooperar para a adesão de fiéis ou para a
restauração da ordem social e da dignidade dos pobres. A caridade praticada também se
encontra longe de promover uma boa imagem da Igreja local, não porque deixe de ser um
assunto de desejabilidade, mas porque é realizada em proporções muito pequenas se

113
considerado o volume que teria que representar para causar impactos expressivos nas mídias
regionais e nacionais.
A expressão por eles muito empregada de “ajudar o próximo” é justaposta exatamente
no mesmo significado da de “ganhar almas”. O que chama a atenção, entretanto, é que os
Iurdianos mineiros declaram que essa expressão não se refere superficialmente à intenção de
encher a Igreja atraindo pessoas para que frequentem os cultos e doem seus recursos
financeiros. Ganhar almas, valendo-me das palavras de uma das coordenadoras do projeto de
alfabetização, “não é evangelizar, não é encher igreja, mas é aconchegar, aproximar aquela
pessoa e passar pra ela o que você recebeu”. Essa afirmativa destaca a relevância da tentativa
peculiar de atrair pessoas de modo a vinculá-las verdadeiramente à Igreja e a suas
movimentações, deixando em evidência que, ao menos em Minas, o proselitismo forte e
incisivo não se põe como prioridade, pois a própria concepção de evangelização aparece com
outro significado.
Se, portanto, foi retirada do proselitismo a obrigação de fazer caridade e apresentar
grandes resultados numéricos decorrentes (ao menos no estado pesquisado), a nova tarefa de
agregar pessoas ficou mais fácil de ser executada, e assim, passou a dar aos evangelistas a
possibilidade de se valerem do status que ao serviço de pregação é conferido, afinal, a
“guerra” por reconhecimentos e reputações é vivenciada e constantemente disputada por eles
também. Desse modo, a prática da caridade propriamente dita ficou destinada aos demais
voluntários que a usam como mais um mecanismo de inserção nessa conflagração. Por isso,
se algo parece se reproduzir no discurso Iurdiano, responsável por manter a existência das
obras sociais em Minas, é a disputa entre os irmãos que compartilham dessa fé – disputa essa
que está formatada nos padrões de demonização e guerra espiritual que eles estabelecem
contra diversas entidades.
Já se nota que as manifestações demoníacas estão se modificando na IURD. Um
movimento de mudança parece deslocar as práticas exorcistas mais performáticas, para lutas
na mente, enfocando os testemunhos de sucesso financeiro e sentimental que acabam por
fortalecer a integração das reuniões Iurdianas (Scheliga, 2010, p. 227-228). Percebo isso
como mais uma das habilidades da IURD de ler sua “ineficácia” e por vezes ausência de
algumas das tão atraentes manifestações sobrenaturais e imediatas de cura e livramento. A
meu ver, as “falhas” da atuação da Universal – deficiências possivelmente notadas por eles ao
longo do tempo – propiciam, gradativamente, uma releitura dos pilares que sustentam suas
crenças. Assim, as noções de libertação e cura podem ser remodeladas, passando a significar
também a expulsão de demônios do cotidiano e das pessoas que circundam o fiel, se

114
estendendo para mais do que um ato ritual isolado, mas para um processo de mudança
paulatino e sequencial, que pode ter até um revés eventual, já que se refere a um tratamento
mais longo e periódico. Nesse sentido, as obras sociais possuem um papel fundamental para
os participantes – o de estabelecer outras modalidades de relação, evidenciando “novas”
formas de contato entre os membros e sua liderança, seja por meio do vínculo de irmandade,
companheirismo, intimidade (como observado na Sisterhood da Namíbia), seja por meio da
competição, rivalidade, disputa e “guerra” (como visto em Minas Gerais). Nesse sentido, a fé
não é utilizada apenas como um antídoto aos males e desgraças da vida, mas também como
uma arma a ser posta em próprio prol.
Apesar de as impressões de campo sugerirem que a ação social da IURD de Minas é
desorganizada, mal articulada e com atividades desconectadas umas das outras, o
envolvimento com os pastores e voluntários dos projetos sociais ao longo do tempo deixou
cada vez mais claro que uma organização formal dos programas e uma possível articulação
das ações aos moldes do que ocorre na filantropia leiga era menos relevante do que a presença
de uma retórica muito bem feita a respeito de quem eles eram enquanto filhos de Deus, no que
criam sobre a capacitação da fé dada pelo Espírito Santo e, ainda, em como deveriam servir às
pessoas em suas “reais necessidades”, e não à revelia. As obras sociais exercem a função de
reforçar a fé no Deus restituidor de bens, no Deus Absoluto, que ainda faz e cumpre as
mesmas promessas de vitória e felicidade que fazia ao povo de Israel. O que pode ser
percebido, nesse sentido, é que caridade e Teologia da Prosperidade são complementares em
Minas Gerais, assim como em outras regiões também; essas noções estão em consonância e
harmonia.
A prosperidade – via ações assistencialistas – recebe uma ênfase muito maior na
dinâmica da cura emocional, na reestruturação social, na aquisição de habilidades
profissionais, educacionais e de assistência. Portanto, ao invés de essa teologia afastar as
obras de caridade dos agentes da IURD, ela permite seu pleno desenvolvimento; a caridade
desenvolvida endossa aspectos “não tão óbvios” da prosperidade, para além do acúmulo de
bens e do ganho de muitas riquezas. As obras realizadas motivam os fiéis assistidos a
continuarem perseverando na fé e aumentam de modo significativo as expectativas desses
crentes em obter sucesso na vida, dando-lhes, assim, uma “amostra grátis” do que é viver no
Reino que Deus preparou. Assim, a prática caridosa reforça as concepções de prosperidade
que os fiéis devem ansiar, incutindo nos ajudados os valores de bênçãos, vitórias e ganhos,
sendo um deles o da própria caridade que é recebida – meio que a conta gotas, os voluntários

115
vão reinserindo os fiéis assistidos nas concepções teológicas sobre os vários modos de
experimentar o que é prosperidade.
Dentro ainda dessa peculiar perspectiva, Deus é concebido como aquele que se quer
que o próximo receba ajuda fraterna, tem certa “obrigação” de abençoar àqueles que estão
labutando na obra Dele. Afinal, a vida é encarada como uma constante guerra contra o diabo e
suas hostes, e consequentemente, todos os infortúnios e desgraças daqueles que não têm nada
para dar só podem ser resolvidos por Deus, que só “dá coisa boa”. A partir dessa forma de
ver a vida, ajudar ao próximo significa fazê-lo vencer a batalha contra o inferno. Sempre
pautados nas promessas do Deus no Velho Testamento, e seguindo os exemplos dos profetas
e sacerdotes que são interpretados como indignados e inconformados com a situação que
viviam na terra, os Iurdianos se motivam mutuamente à diligência de um “trabalho forte”;
compondo mais um dos atributos do ethos empreendedor disciplinado, disposição que
desperta os olhos de Deus e o faz derramar bênçãos de resultados evidentes, traduzidos em
constante prosperidade. Demais benefícios chegarão ao fiel através do bom exercício de sua
fé ou, caso a Igreja o possa ajudar, através da confirmação de sua boa reputação.
Tal disposição mental acaba por reforçar a disputa não declarada em busca de status e
reconhecimento dentro do campo religioso, luta composta por membros que são mais que
frequentadores de cultos. As obras realizadas representam as rixas veladas existentes entre os
grupos de evangelismo, obreiros, voluntários sociais, professores de Escola Bíblica Infantil e
líderes da Força Jovem. Esses ministérios se diversificam nas funções, mas na prática das
tarefas, se misturam e se permeiam – não para se unirem em prol da assistência – mas,
suscitando uma divisão pouco rígida, que permite aos fiéis transitarem por suas fragilidades e
afrouxamentos.

***

Outro ponto a ser considerado é que com o fim das ações da ABC no Brasil, outras
instâncias de práticas sociais já existentes naturalmente entrariam em evidência. Houve uma
espécie de “corrida” para divulgação dos AGCs e de outras formas de fazer caridade, que
passaram a gozar de maiores liberdades e privilégios frente ao bispado da Igreja. Entretanto, a
alternância dessas caridades não soa como a constituição de uma “tradição de obras sociais”,
apesar de a IURD eventualmente se valer da “historicidade” delas, ou seja, de um percurso
que eventualmente seja interessante evocar. Opto por denominar esse movimento como
constituidor de um repertório vasto de nomenclaturas sob as quais se desenvolvem práticas

116
comuns ou diferenciadas, elaborando ou não um discurso sobre a assistência, que quando
ocorre é acionado conforme a serventia que possui. Assim, a ação social de cada região vai
sendo relida pelas contingências locais, pelas relações que se estabelecem em determinado
espaço e pelas oportunidades e circunstâncias que se abrem como alternativas de ação. O que
há em comum é que todas as práticas observadas, incluindo as de Minas Gerais, endossam
alguns valores caros à IURD, como: a capacidade de autoctonização, adaptação e
flexibilidade da Igreja, a tentativa de estabelecer relações com instâncias governamentais
(expostas ou ocultadas) e a presença incondicional das máximas da guerra contra o diabo e da
Teologia da Prosperidade, também passíveis de adaptação. Essas características evidenciam
que distintos “modelos” de ação social são utilizados conforme as peculiaridades de cada
local; essas formas de filantropia, apesar de vez ou outra configurarem um conjunto de
práticas semelhantes, não encerram um padrão recorrente.

7.3 As obras de caridade que seguem seus próprios rumos


Na Universal, além do dinheiro, uma doação que se faz a Deus é o tempo de trabalho
voluntário – entrega que aparece justificada pela vontade de ajudar o próximo, desejando o
melhor àqueles que estão “a nossa volta”. As obras sociais da IURD se configuram, então,
como veículos por meio dos quais algumas pessoas são acolhidas, recebidas pelos fiéis
veteranos e auxiliadas em algumas de suas necessidades. Apesar das boas intenções, tais
ajudas não apresentam um papel social relevante nem ao menos (tal qual eles se propõem)
atingem um contingente considerável de pessoas com a palavra de Deus (pregação do
evangelho). Quanto às motivações desses agentes, não se tem a pretensão de julgar ou fazer
qualquer consideração a respeito da veracidade apresentada pelos voluntários que os faça
estar engajados nos trabalhos sociais apresentados. A relevância que esse ato tem para cada
particular não atua como orientadora do percurso autônomo que as obras sociais seguem
enquanto práticas, pois tais ações acabam por se desmembrar dos porquês apresentados. A
dinâmica dos projetos desenvolvidos não deve, em suma, ser reportada como representante
das intenções pessoais de quaisquer atores que estejam relacionados, mas, deve antes remeter
ao complexo encadeamento de atividades que se estendem ao longo do tempo e do espaço
para além das justificativas aparentes que são pelos agentes apresentadas.
A análise sociológica da assistência social desenvolvida pela IURD de Minas Gerais
mostra que a trajetória dos projetos, ou seja, a direção para a qual eles apontam, representa um
fenômeno que não se restringe à mera soma dos desejos pessoais dos envolvidos. Ao
contrário, vai além. Sua autonomia não encontra quase nenhum ponto de contato com as

117
justificativas privadas (e/ou reconhecidas de imediato) pelos coordenadores ou representantes
das atividades, nem mesmo com os valores (nunca uniformes ou transmutados em ideais)
proclamados pela Igreja quanto à prática da caridade. Ao contrário, a fraternidade Universal
se descola dos motivos explanados pelos grupos que a constituem, pois não representa um
mero desdobramento dos arranjos em benefício do próximo e nem reproduz de modo espelhar
ou duplicado aquilo que se apresenta como as reais razões evangélicas (o amor ao próximo e a
benevolência) da iluminação divina e da transformação do ser que se move em direção ao
outro.
Foi possível vislumbrar nesse trabalho que uma das principais justificativas que
aparece para a criação dos projetos de caridade é a intenção de cooperar no exercício da
misericórdia. Mas, uma vez que tais obras são postas em prática, acabam possuindo existência
própria e se desenvolvendo já quase que de modo independente dos membros que nelas se
inserem, ou das intenções daqueles que inicialmente as formularam. A assistência fraterna
peculiarmente marcada por disputas internas entre obreiros, pastores, evangelistas e demais
voluntários acaba sendo, portanto, a representação das competições que se estabelecem nessa
prática, uma extensão para o cotidiano dos valores de guerra espiritual contra demônios e
hostes malignas. O não compartilhar das atividades, a não delegação de tarefas e funções e a
relação nevrálgica existente entre os próprios voluntários é evidência de uma acirrada disputa:
luta hierárquica imposta pela estrutura da Igreja, ademais, são poucos os meios através dos
quais é possível obter reconhecimento. A caridade aos membros não foi criada pra conferir
status a quem dela participasse, mas é por meio das querelas e rixas estabelecidas nessa
prática que se diferenciam aqueles que dos momentos de assistência participam.
Ainda, a santificação dos voluntários não se dá apenas através do contato com o
sagrado nos rituais de culto, oferendas e consagrações, mas também por meio da inserção dos
agentes nos espaços separados para o exercício do afeto caritativo, locais que só podem ser
acessados por poucos. Frequentemente, os pastores comparecem às reuniões entre os
voluntários para abençoar os que estão envolvidos no trabalho. Colocam o nome deles no óleo
que é anteriormente santificado pelo bispo no altar da Igreja por meio de oração e clamor
“forte”. Assim, com o nome no óleo, a vida daquelas pessoas vai sendo abençoada e esse
estado de santidade esperado vai sendo refletido na expectativa de obtenção de muitas
benções e no “selo” da unção do Espírito Santo. Esse selo é constantemente reforçado através
da consagração que os pastores realizam nos encontros e mutirões em que os voluntários se
reúnem com os beneficiados; sejam encontros de evangelismo, reuniões administrativas dos
trabalhos de assistência social, mutirões, entre outros.

118
É mediante a vontade individual dos obreiros e demais participantes de receber as
graças advindas do alto (como o sucesso na vida e o destaque na Igreja), aliada ao intuito dos
membros menos favorecidos da Igreja de suprir algumas de suas mazelas que se delimita – ao
menos em Minas Gerais – o que vem a ser a prática fraterna dessa tão particular religiosidade.
Ela é um meio através do qual o assistido comprova sua postura íntegra e seu ajustamento, e
envolve-se com parte da liderança destacando modalidades de contato que não são vistas de
imediato na Igreja Universal. É também o espaço em que o voluntário doa seu tempo em
forma de trabalho e espera da parte de Deus ser restituído; é o reduto de pastores e bispos que
também desejam ascender na hierarquia da Igreja e através de seu trabalho retribuem os
voluntários com consagrações e santificações. É ainda um dos modos de líderes
políticos/religiosos intermediarem relações entre instâncias governamentais e a Igreja,
formando um corpo eleitoreiro que pode ser mobilizado quando necessário. Todos os
envolvidos na rede de assistência social, enfim, corroboram para a formação de um arranjo
específico de trânsito hierárquico eclesiástico, em que as obras sociais funcionam como um
mecanismo de ascensão, disputa por prestígios e espaços e, representam os conflitos velados
que se estabelecem entre os membros da IURD na busca por destaque e diferenciação no meio
da Igreja.
O primado da caridade é a doação do indivíduo ao grupo ao qual pertence, e é também
o recebimento, por parte de outros, de bens desse mesmo grupo. As necessidades do grupo
são expressas na forma do dever de doação a Deus, cuja entrega passa pelo outro e, no caso
do assistencialismo Iurdiano mineiro, isso se dá através de práticas tais como os cursos de
alfabetização, informática, encaminhamento social, assistência jurídica e de saúde. Aquele
que recebe está também “obrigado” a aceitar o auxílio que o dota de prestígio, atestando
assim sua integridade e justiça como fiel. Nesse sentido, as ações sociais implicam trabalho,
esforço, envolvimento e aliança com Deus e com as pessoas que ali se relacionam, tanto por
parte dos doadores quanto dos recebedores. Essa aliança que se estabelece fica claramente
fundamentada pela diferença nas posições que eles anseiam, batalham e passam a ocupar.
Para a perspectiva de voluntários e necessitados, o grupo é “a coisa santa por excelência”,
meio através do qual se recebem as dádivas que vêm de Deus – materiais, educativas ou
relativas aos prestígios alcançados.
Desse modo, a fraternidade da IURD caminha com um matiz levemente diferente
daquele apontado por Durkheim nas últimas considerações que aparecem em suas Lições de
Sociologia. Para o autor, a caridade é posta como um sentimento de simpatia que a
humanidade pode conservar, é capaz de libertá-la da desigualdade, é o “apogeu da justiça”.

119
Ele parecia crer que a dilatação desse sentimento na humanidade faria possível que os
melhores abdicassem da remuneração exata de seu trabalho em função dos menos
favorecidos. A tendência da caridade seria a de deixar de ser um dever facultativo e tornar-se
uma obrigação rigorosa que daria origem a instituições. Ela seria fruto de uma consciência e
sentimento coletivo cuja camada moral referia-se a um grau mais desenvolvido. Mas a
fraternidade nos dias de hoje, ao menos ao que indicam as obras sociais mineiras da Igreja
Universal, se tornou um compromisso arrolado no mais íntimo do juízo desses cristãos,
porém, reforçando ainda mais a disparidade entre eles, as diversas posições ansiadas e
labutadas a cada dia, vinculando-os em relações por vezes marcadas por desprezo e desvalho.
Se a sociedade moderna foi capaz de produzir uma consciência que levou as pessoas a se
sentirem autônomas e a se pensarem de modo individualizado, como propunha o autor, parte
da fraternidade originada nessa mesma modernidade está longe de poder cooperar para o
idílico mundo funcional e integralizado imaginado por Durkheim e por muito outros autores
que fiam sua “fé acadêmica” nas benesses da religião.

120
Considerações Finais

As religiões de matriz cristã se estabeleceram ao longo de muitos anos sobre um


sistema de obrigação de fraternidades. No compromisso dos adeptos de fazerem doações
como um modo de retribuir o amor divino empenhado pelo sacrifício de Jesus, diferentes
formas de expressar a voluntariedade foram organizadas. Cada prática ao longo do tempo, ou
iniciou, ou foi decorrente de uma interpretação possível do preceito do amor ao próximo.
Quando Weber, o primeiro sociólogo de grande destaque a se debruçar sobre o tema, pensou a
fraternidade da fé cristã como uma “pedra no sapato” dos próprios adeptos, mostrou as duas
vertentes religiosas que propunham uma solução pra tal impasse: o misticismo e o
puritanismo vocacionado. Mas com a proliferação cristã ao redor do mundo, a caridade foi
sofrendo alterações diversas e apresentando respostas bem diferenciadas ao que Weber supôs
um enigma inicialmente de duas soluções. Uma amostra dessas mudanças pôde ser
vislumbrada nas primeiras páginas desse trabalho que visaram mostrar que no Brasil, por
exemplo, o assistencialismo religioso, com o passar do tempo, foi sendo colocado em prática
e representou o modo como algumas religiões se desenvolveram e se consolidaram em
território nacional. Para além das particularidades de cada ação, a filantropia significou um
meio através do qual se lutou – e ainda se luta – por hegemonia e legitimidade.
Os espíritas, por exemplo, de forma geral, considerando os bens dessa vida condições
e meios propiciados para a evolução encarnacional, fizeram doações diversas no intuito de
aliviar o sofrimento e a dor dos seres humanos, cooperando para tornar a sociedade melhor e
mais perfeita. Com isso, transformaram as acusações de curandeirismo que receberam desde o
início do século XX, em benevolência moral. No catolicismo, por outro lado, as benesses
fraternas representaram uma chance maior na salvação do fiel, mas, foi apenas reforçando a
aliança com o Estado, que a Igreja Católica conseguiu definitivamente consolidar sua
caridade. Alguns católicos redescobriram o sentido da filantropia tempos depois através da
Teologia da Libertação e se voltaram novamente para os pobres, passando a enxergá-los como
uma possibilidade relevante de balizar o encontro com Deus. Paralelamente, os protestantes
históricos, desde sua chegada a terras brasileiras, buscaram diferenciar-se dos “primos” na fé,
e com isso voltaram sua ação social para um proselitismo que guardava preocupações
educacionais e intuía promover mudanças na moralidade. Com isso, construíram escolas e
universidades crendo na relevância de dividirem seus preceitos comportamentais. A síntese
que realizei sobre algumas das alterações da prática da caridade no Brasil é tímida e foi feita
sem grandes pretensões. Contudo, foi elaborada para não deixar oculto o fato de que a

121
caridade, desde seus primórdios, está longe de ser uma prática que permaneceu inalterada e
dotada do mesmo significado.
Embora o cenário que caracterizava o cristianismo contemporâneo brasileiro já
estivesse razoavelmente bem compreendido até meados da década de 1970, um
desdobramento do protestantismo, de origem recente e angariando multidões de fiéis,
começou a chamar atenção por seu crescimento acelerado e ousado e a suscitar análises
diversas. Essa religiosidade, conhecida como neopentecostalismo, multiplicava seu número de
seguidores quase sem lançar mão de práticas assistencialistas. Como consideravam a
experiência com Deus, emocional e de libertação, o maior bem que um cristão poderia
proporcionar ao próximo, investiram de maneira audaciosa num proselitismo de massa, que
prometia o livramento dos transtornos malignos e garantia a vivência em prosperidade. Nesse
sentido, sabendo manipular de forma brilhante as peças do dominó evangélico, a Igreja
Universal do Reino de Deus passou a se destacar como uma denominação relevante. Pensá-la
na dimensão de sua prática social, portanto, somaria um esforço considerável na tentativa de
entender o assistencialismo religioso dos dias de hoje70 e compreender a IURD enquanto uma
devoção influente.
Nas análises sociológicas feitas sobre a Universal, a igreja chamava tanta atenção, que
fez até mesmo pesquisadores que não se debruçavam especificamente sobre o tema da
caridade, não desconsideraram o assunto. O assistencialismo da IURD foi compreendido por
alguns estudiosos como quase ausente, seguindo a tendência e a teologia das demais igrejas
pentecostais. Ainda se pensou que as obras sociais da Universal, inegáveis com a criação da
Associação Beneficente Cristã, tinham a motivação centrada no forte proselitismo, no fazer
concorrência com demais instâncias filantrópicas ou na combinação de categorias evangélicas
com proposições leigas do campo da filantropia. Também foram consideradas respostas às
críticas severas que a IURD vinha sofrendo por parte das mídias nacionais, sendo acusada de
extrair dízimos e ofertas abusivos e usar o dinheiro dos fiéis de modo indevido. Por último, a
caridade Iurdiana foi mostrada desenvolvendo uma tradição peculiar de obras sociais, que
despertava e consolidava um “saber fazer” oriundo de sentidos aguçados por noções pautadas
nos ideais de evangelismo, assistência a comunidades carentes e confiança em Deus;
representando, enfim, “variações de um mesmo conjunto de percepção e ação” de outras
formas de ação evangélica.

70
Ademais, a ética/prática social dificilmente pode ser desconsiderada na análise acadêmica, em função de ser a
caridade um dos pilares da fé cristã e de já se apresentar até mesmo em seu aspecto institucionalizado, como no
caso do catolicismo, por exemplo.

122
Em certo sentido e por dois motivos fundamentais, as observações dessa dissertação
contrariaram todas as considerações sociológicas mencionadas. O primeiro motivo é que a
maioria dessas análises foi feita cerca de três anos antes de rearticulações importantes na
prática social da Igreja. A principal delas foi o fechamento da maior frente de ação social que
encabeçava a caridade da IURD (a ABC). Além disso, a Fundação Pestalozzi, que atendia
crianças deficientes e era um dos grandes trunfos de parceria da Universal, atualmente se
chama ABADS e passou a estar sob a direção do Instituto Ressoar no final do ano de 2009. A
relação entre a ABADS e o Ressoar, apesar desse último estar vinculado diretamente à Rede
Record de propriedade da IURD, demonstra outras dimensões fraternas distintas das já
pesquisadas. A Fazenda Nova Canaã e o Programa Jovem Nota 10, que também
caracterizavam frentes importantes de ação social, já estão longe de terem a mesma
importância que se via nos anos de suas fundações. O segundo motivo diz respeito ao fato de
a caridade em Minas Gerais ser consideravelmente distinta das práticas realizadas nos demais
estados brasileiros.
O que prevalece no Brasil nos dias de hoje é o que chamei de paradigma carioca. Nada
mais é que um movimento grande de campanhas assistencialistas de caráter eleitoreiro. Os
exemplos mais evidentes dessa filantropia são as ações do senador e bispo Marcelo Crivella,
nos programas de construção e reconstrução de casas, além dos vários outros deputados e
vereadores espalhados pelo Brasil, membros da Igreja e que se empenham em propor leis,
conseguir parcerias com o Governo e fomentar mutirões sociais em prol da população carente.
À frente das ações em prol do outro, os políticos representam uma espécie de contrapartida,
“reembolso” à sociedade, daquilo que os fiéis entregam na IURD em forma de grandes
sacrifícios – dízimos regulares e ofertas generosas. Mas, as ações dessas figuras públicas
explicitam um duplo movimento: ora o de afastamento da imagem da Igreja e das
estereotipias que já se criaram em torno dela, ora o de aproximação, ressaltando o papel social
das boas obras da Igreja.
Já a filantropia da IURD fora do Brasil é ligada incialmente a questões emergenciais,
como distribuição de alimentos, de roupas e de preservativos, doação de sangue, realização de
mutirões sociais e apoio a campanhas do governo em prol da conscientização popular. Essas
obras dificilmente não carregam as atribuições de consolidar o papel da Igreja Universal no
país em que ela está se inserindo, contribuindo para reforçar uma boa imagem da instituição
religiosa e demonstrando sua capacidade de autoctonização, adaptação e leitura das
contingências locais. Mas com o tempo de inserção na localidade, a IURD parece caminhar
para o desenvolvimento de tarefas que beneficiem os próprios membros da Igreja, como as

123
palestras e atividades na área da educação. Esse movimento significa, com a implantação da
Igreja ao longo do tempo, uma tendência de deixar um pouco de lado obras direcionadas aos
de fora, em função de desenvolver ações que supram as necessidades dos carentes já
convertidos e os vinculem definitivamente à Igreja. Os exemplos elencados sobre a caridade
da IURD transnacional mostram que modalidades de contato distintas – como a aproximação
entre as mulheres carentes e as esposas dos líderes da Igreja – são desenvolvidas a partir dessa
filantropia. O assistencialismo voltado a mulheres e crianças retroalimenta o proselitismo, no
sentido de “suavizar” as ações dos pastores e formar uma “mão de obra” nativa para o alcance
dos perdidos.
Em Minas Gerais, a caridade emergencial também aparece como um resíduo que aos
poucos vai ficando para trás. Os carentes que precisam de assistência imediata não são
ajudados de prontidão. Ao fiel da IURD mineira é requerido, para o ingresso e permanência
nas situações de benefício, uma espécie de “atestado de probidade”, ou seja, a comprovação
da retidão, do engajamento e do interesse do fiel em permanecer na Igreja e nos cursos que a
ele são disponibilizados. Mais que presença, o fiel deve “incarnar” o jeito de ser Universal,
dominando e participando da rotina dos cultos, das orações, das campanhas; passando a
compartilhar do modo de ver a vida dividida entre a bondade de Deus e as desgraças do
“capeta”.
Em Belo Horizonte, a caridade Universal é organizada por meio do Programa A Gente
da Comunidade, situado no espaço “Casa Rosa” e funcionando de modo distinto dos
programas de mesmo nome espalhados pelo Brasil. O AGC/MG não foca suas atividades na
organização de mutirões sociais que visam reforçar o proselitismo incisivo da Igreja. O
programa mineiro fornece cursos variados como o Ler e Escrever, inglês, informática,
cabelereiro e artesanato, além de assistência jurídica, social e apoio à saúde. Todos são
organizados para os membros da Igreja e são diretamente dependentes da rubrica do AGC.
Mas essas benesses são feitas de certo modo incipiente e sem preocupações em beneficiar um
contingente grande de pessoas que já esteja frequentando a Igreja. Nenhuma das atividades
propostas por esse programa apresenta um vínculo direto com figuras públicas como
observado nos demais estados do Brasil; políticos e doadores abastados, mesmo quando
presentes, têm sua identidade ocultada aos beneficiados.
Mas o papel que as obras sociais desempenham aos poucos assistidos não é suficiente
para sustentar o mecanismo das dádivas fraternas ou dar continuidade à caridade mineira, que,
mesmo não possuindo organização formal sofisticada, vínculo eleitoreiro, preocupação
proselitista ou midiática forte, intenção de competir com outras agências filantrópicas...

124
continua mantendo suas obras sociais acontecendo a todo vapor. Duas possibilidades de
compreensão dessa filantropia, portanto, foram suscitadas. Primeiro, contrariando a
expectativa de que a Teologia da Prosperidade levaria à ausência de ações sociais, observou-
se que as práticas existem e o reforço à crença de obtenção de riquezas e fortunas é uma de
suas atribuições que, apesar de não suprirem as possíveis “falhas” dessa concepção teológica,
acabam por complementá-la, reforçando nos fiéis necessitados a certeza de que eles irão obter
a vitória, mais dia, menos dia. As obras sociais funcionam como um complemento, um
período de espera, entre as ofertas lançadas nos momentos em que se faz aliança com Deus, e
o dia em que as coisas da vida mudam completamente, dando início à tão ansiada
prosperidade. Segundo, emerge como o alicerce dessa caridade o fato de que o
assistencialismo desenvolvido estrutura um mecanismo por meio do qual é possível transitar
na rígida hierarquia da Igreja. Apesar do trânsito religioso proporcionado pela caridade não
levar o indivíduo diretamente ao cume da estrutura hierárquica; visando obter reconhecimento
e prestígio, a filantropia funciona como uma espécie de “passagem obrigatória”.
Os voluntários se engajam em várias das atividades envolvidas na assistência social,
como tirar cópias de exercícios, ajudar na organização de materiais, atender ao telefone da
secretaria, entre outras. Afinal, o espaço da “Casa Rosa” é desconhecido por muitos membros,
e qualquer tarefa que faça parte de sua rotina, permite que os voluntários aumentem o
conhecimento a respeito de algo cujo acesso é restrito. Assim, os Iurdianos vão
desenvolvendo relações que exprimem sua “língua local”: disputa, luta, guerra. Eles não
lutam apenas contra as hostes malignas que os rodeiam ou que os podem possuir, mas
competem entre si por prestígios pequenos e diários que vão possibilitando a tão almejada
diferenciação; afinal, na IURD, a estrutura de cargos e funções é melindrosa, de difícil acesso
e concentra poder na mão de poucos. Servindo de reduto para pastores menos “lucrativos” e
para pastores “de potencial”, a caridade de Minas propicia a atestação da moral e retidão dos
fiéis carentes e aumenta a possibilidade de evangelistas, obreiros, assistentes e voluntários se
diferenciarem e transitarem nos meandros que envolvem a estrutura de cargos eclesiásticos.
Como já estava escrito: “o maior dentre vós será vosso servo” (Mateus 23:11). Portanto,
aquele que se “humilha” servindo aos outros, acabará por se ver “exaltado” tempos depois.
Apesar das especificidades que a caridade de Minas Gerais apresenta, é possível
afirmar duas dimensões gerais (e generalizáveis) a respeito dessa filantropia. A Igreja
Universal não apresenta um padrão de caridade, ou bem dizer, uma regularidade filantrópica
fruto das crenças e valores Iurdianos a partir dos quais são realizadas ações caritativas. A
similaridade das práticas observada em alguns locais mostrou justamente o contrário: as metas

125
que se pretende alcançar nas regiões em que a IURD está se desenvolvendo é que acabam
ditando quais atividades serão adequadas e realizadas. E aí, nesse sentido, a experiência já
vivenciada por outras Universais compõem um vasto repertório de ações que, ao possibilitar a
escolha de uma determinada prática ou iniciativa, acaba valendo como uma espécie de
modelo temporário que chamei ao longo do texto de rubricas sob as quais se desenvolvem
ações distintas. De fato, essas escolhas caminham no sentido oposto de constituírem uma
“tradição de obras sociais”. O que se vê é que não há padrões recorrentes, salvo o de que
projetos bem sucedidos, ações políticas de destaque, mutirões emergenciais e mobilização da
retórica da filantropia leiga são utilizados conforme conveniência. A IURD é uma boa leitura
das contingências e peculiaridades locais, apesar de nem sempre acertar em suas investidas e
estar constantemente submetida às “consequências não premeditadas” de suas ações.
Um segundo ponto que pode ser percebido é que o trabalho social da IURD é uma via
que permite decodificar uma disposição mental que vai sendo construída a partir da rotina e
da disciplina Iurdiana. Chamada nesse trabalho de ethos empreendedor disciplinado, os
Iurdianos se apropriam um “jeito de ser” que compõe a identidade dessa fé. Os Universais vão
aos cultos mais de uma vez ao dia, oram fervorosamente, fazem pedidos no altar, se
submetem a sessões de exorcismo e libertação, pagam dízimos fielmente, doam grandes
quantias monetárias como ofertas sacrificiais, passam a utilizar jargões e terminologias
próprias à simbólica da IURD, se engajem em muitas frentes de trabalho dentro da Igreja...
Esse dinamismo ativista em prol de acumular uma série de rotinas, acaba fazendo com que os
fiéis desenvolvam uma contenção de hábitos negativos, como fumar, beber, mentir, estar
desempregado, (o que já foi visto em muitas literaturas sobre o assunto), e uma abertura a um
estilo de vida organizado, metódico, disciplinado, enfim, empreendedor; ressaltando atributos
que os possa fazer ascender na vida, inclusive no sentido econômico. Apesar de atribuírem
todo o sucesso pessoal aos milagres obtidos na Igreja, os Universais, fortemente motivados
por uma fé “arrojada”, intrépida e quase altiva, constroem um hábito de vida71.
Apesar de todas as modificações que a caridade sofreu ao longo dos muitos anos do
desenvolvimento do cristianismo, dissociá-la da tarefa proselitista é impossível. Mas o que
pretendi realizar nesse estudo, todavia, foi mostrar que entre o emaranhado de motivações
para fazer o bem ao próximo, existem pormenores e justificativas que muitas vezes podem
passar despercebidos; há outras engenhosidades que estruturam as práticas sociais para além

71
Para os fins desse trabalho optei por esmiuçar as implicações desse ethos empreendedor disciplinado apenas
com o viés das obras sociais, mas muitas outras abordagens poderiam ser estendidas e ampliadas a partir dessa
caracterização.

126
da vontade de arrebanhar um grande contingente de fiéis e de votantes comprometidos. A
caridade/fraternidade cunhada pela Igreja Universal do Reino de Deus representa não uma
resposta nova, mas uma ênfase distinta a uma velha atestação: “que todo o trabalho e toda
realização surgem da competição que existe entre as pessoas. Vaidade de vaidades, diz o
pregador” (Eclesiastes 4:6; 2:2).

127
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