O Teatro Como Linguagem No Ensino de História - Relato de Experiência

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O TEATRO COMO LINGUAGEM NO ENSINO DE HISTÓRIA:


Relato de experiência

Maria Helena Gondim Almeida1

Resumo: O que justifica esta proposta de pesquisa em desenvolvimento, no Programa de


Mestrado Profissional em História da UFG-RC, é pensar o teatro como possibilidade para
trabalhar temáticas históricas propostas nos currículos escolares com abordagem dos temas de
forma interessante, produtiva e prazerosa. O objetivo é explorar a capacidade criativa dos alunos
e professores, que podem partir de uma perspectiva interdisciplinar, para produção do
conhecimento no ensino de história.
Palavras-chave: Ensino de história; teatro; representações; práticas

Abstract: What justifies this proposed research development in the Professional Master's
Program in UFG-RC history is to think of theater as a possibility to work proposed themes in
school curricula to address the issues in an interesting, productive and enjoyable way. The aim
is to explore the creative ability of students and teachers, who can make use of
interdisciplinarity to the production of knowledge in teaching history.
Keywords: History teaching; theater; representations; practices

1
Professora de História na Escola Municipal Profº Domingos Pimentel de Ulhôa
Mestranda em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG) Regional-Catalão.
Graduada em História pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

Fato e Versões, Coxim: MS, v. 09, n. 16, PP 84-112. Set-Dez 2016


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A paixão é emoção gratuita. Não há causas


que a expliquem. Mas, quando acontece,
ela age como uma artista: da paixão
surgem cenas de beleza.
Rubem Alves

Este artigo situa-se no campo da pesquisa-ação, dentro do referencial teórico da


História Cultural, pois é ela que instrumentaliza a interpretação da História necessária
ao trabalho proposto. A proposta geral desta pesquisa é problematizar como alguns
recursos da linguagem teatral podem transformar-se em instrumentos didáticos no
ensino aprendizagem de conhecimentos históricos, culturais, científicos e éticos. Na
perspectiva de que todos os seres humanos produzem cultura, é importante que o
professor levante dilemas e questões sobre o cotidiano escolar, a cultura ali construída,
e que ali é vivenciada, com o intuito de fazer com que o estudante se interesse pelo
estudo de História de uma forma participativa e motivadora.
Nas diferentes disciplinas escolares, temos a possibilidade de repensar
metodologias adotadas em programas de ensino conteudistas, que dão ênfase a uma
educação apenas técnica e informativa. A escola pode ser tratada como instituição
disposta a ajudar os jovens na tarefa de constituírem-se como seres humanos que
aprendam e reconheçam, ao mesmo tempo, a si próprios como sujeitos históricos que
têm consciência do outro, do grupo, do meio ambiente em que vivem e, claro, de seu
passado. De acordo com Jaime Pinsky e Carla Pinsky (2016, p. 22),

[...] é bom não confundir informação com educação. Para informar aí


estão, bem a mão, jornais e revistas, a televisão, o cinema e a internet.
Sem dúvida que a informação chega pela mídia, mas só se transforma
em conhecimento quando devidamente organizada.

O professor pode, então, aproveitar esses recursos e desenvolver o espírito


crítico entre os seus alunos, fazendo-os compreender que, muitas vezes, o que se lê em
uma página de jornal e/ou que se vê na televisão permitem julgamentos variados e nem
sempre definitivos e isso pode ser apropriado de forma preconceituosa. O que
defendemos então? Leituras e entendimentos de textos devidamente discutidos com os
alunos com o objetivo de levá-los a compreensão da complexidade histórica - por
exemplo, discutir preconceitos de como foi construído e desenvolvido determinado
tema para poder criticá-los com bases e argumentos mais sólidos, estabelecendo
compromisso com o passado e o presente.

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Nesse sentido, os métodos tradicionais usados pela escola não são suficientes
para avaliar o desempenho intelectual dos estudantes que, na maioria das vezes, é
confundido com a memorização. Por essa razão, escola e professores não devem ver sua
função esgotada na informação.
Em vista dessa insuficiência, os desafios com os alunos eram e são: como
ensinar História abordando o processo de aprendizagem e contrapondo a memorização?
Para responder tal questão, decidimos experimentar, reinventar, maneiras de ensinar a
partir das aulas de História, tendo como objetivos construir novos caminhos de
comunicação com os estudantes e recolocar a escola como um espaço de
transformações.
O como fazer é a principal questão. Talvez discutir projetos, trocar ideias,
pensar e repensar criticamente o valor da escola, dos professores na vida dos alunos.
Isso provoca ansiedade. Aparecem os riscos na caminhada, retrocessos, avanços,
descobertas possíveis de vir a surgir uma nova educação e uma nova escola, apesar de
dificuldades e obstáculos.
Cremos que a união entre História e a arte do teatro se configura como sendo
um possível caminho, de modo a ser necessário ousar os passos, reescrever as diferentes
e variáveis metodologias voltadas para a formação dos sujeitos de modo a priorizar o
desenvolvimento das capacidades cognitivas e corporais.
Torna-se necessário, então, buscar outros espaços, que não sejam somente a
sala de aula, porque História não se faz somente entre quatro paredes. Segundo Leandro
Karnal, “Inovação não é o uso de meios eletrônicos em sala, inovação é uma atitude
interna que atinge os que nos cercam”. (2016, p. 140)
Dessa forma, o teatro pode ser apontado como um recurso didático viável para
se exercer a vida escolar, ajudando os estudantes a ampliar horizontes culturais, a perder
a timidez, colocar-se no lugar do outro, interessar-se mais por textos e autores variados
e priorizar o trabalho em grupo sob a orientação do professor.
É importante ressaltar que nós, professores de História, temos um papel
fundamental na formação da consciência histórica dos alunos, por meio da ampliação
da relação ensino- aprendizagem, bem como na busca por incorporar diferentes
linguagens ao processo educativo.
Com a publicação da Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9394/1996), a arte foi
reconhecida como área de conhecimento no currículo escolar, possibilitando ao teatro

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um espaço na escola como linguagem artística sugerida pelos Parâmetros Curriculares


Nacionais para ser trabalhado na disciplina de Artes.
O governo atual, presidido por Michel Temer, criou a Medida Provisória (MP
746/2016) que reformula várias diretrizes que regem o atual Ensino Médio no Brasil,
na qual as disciplinas Artes, Educação Física, Filosofia e Sociologia deixam de ser
obrigatórias. Palco de várias discussões por parte dos educadores, a Medida causa
perplexidade e indignação, pois estabelece a supressão de conteúdos tão importantes.
Esses conteúdos dão destaque à inteligência emocional e criativa e oportunizam ao
aluno pensar, argumentar e questionar. Qual o objetivo dessa MP sem o ensino das
artes visuais, do teatro, da dança e da música?
A arte é inerente ao homem, tirar a Arte do Ensino Médio é mutilar o
estudante. Quando estudamos a pré-História, no 6º ano, entendemos a arte rupestre
como uma forma de magia. Os artistas pré-históricos pintavam por amor à arte, em que
as pinturas seriam, muitas vezes, práticas religiosas que incluíam dança e música em
seus rituais, além de colaborar no processo das caçadas - como evidenciam as pinturas
rupestres encontradas no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, datadas de
mais de 5000 anos atrás.
Mesmo com tantas problemáticas, educadores encampam a possibilidade do
uso do teatro nas aulas de História, prosseguindo nas discussões sobre o uso de
diferentes linguagens artísticas em seu cotidiano. Há algum tempo, novas correntes
historiográficas, especialmente no campo da Nova História Cultural, contribuem para
que os professores pensem conceitualmente a sua prática pedagógica, compreendendo a
dinâmica social composta pelas questões políticas, econômicas e, principalmente,
culturais.
Falar dessas questões significa questionar os inúmeros problemas vivenciados
na educação brasileira. Cremos que não é mais possível professores e comunidade
escolar aceitarem que a escola seja um espaço para manifestações culturais dominantes,
uma vez que a escola tem como princípio fundamental a formação dos cidadãos nas
suas concepções democráticas, pois vivemos numa sociedade em que as manifestações
culturais e políticas e as relações humanas são múltiplas e variadas. Nesse contexto, se
faz necessária a construção de uma prática pedagógica no sentido de privilegiar as
diferenças existentes no próprio ambiente da sala de aula e também na escola como um
todo.

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A compreensão desse processo histórico nos aponta para a necessidade de


superar as limitações na formação dos professores desde o ensino superior até sua
prática em sala de aula. Para isso, do lado do professor, torna-se necessária a formação
continuada para a troca de experiências vivenciadas na escola e a discussão das
dificuldades relacionadas à própria profissão – por exemplo, a desvalorização social e
salarial e falta de estrutura no espaço físico da escola. Inserida na cultura escolar,
percebo que, diante das dificuldades, os professores buscam discutir projetos relevantes
que visam mudanças relativas à escola tradicional e que buscam adotar práticas
educativas diferentes. Nesse percurso, os professores tentam descobrir os fios, tecer a
trama e traduzir o mundo a partir da cultura. Sabemos que História trabalha com a
mudança no tempo, e a História Cultural assinala a reinvenção do passado, através das
práticas e representações do mundo partilhadas pelos sujeitos históricos.
Para o historiador José D’ Assunção Barros (2011), “representação”, no
campo da História e das Ciências Humanas, é uma palavra com múltiplos significados.
As “práticas” se referem aos fazeres, aos modos de agir, e as “representações” dizem
respeito aos modos de ver e conceber, ou seja, há uma arquitetura entre “práticas” e
“representações”.
Segundo Barros (2011, p. 12), na perspectiva da Nova História Cultural, os
objetos historiográficos têm se expandido bastante, o que possibilita os mais variados
estudos sobre
[...] a “cultura popular’, a “cultura letrada”, as “representações”, as
práticas discursivas partilhadas por diversos grupos sociais, os
sistemas educativos, a mediação cultural de intelectuais, ou a
quaisquer outros campos temáticos atravessados pela polissêmica
noção de “cultura”.

Os historiadores contemporâneos defendem que todos os seres humanos


produzem cultura porque “se comunicam por meio dos gestos, do corpo, e da sua
maneira de estar no mundo social, isto é, do seu ‘modo de vida” (BARROS, 2011, p.
13).
A despeito da contribuição de vários autores para a História Cultural, Barros
cita Roger Chartier, um dos mais conhecidos historiadores da atualidade. Sua
especialidade é a pesquisa sobre leitura, com ênfase nas práticas culturais da
humanidade desenvolvidas em torno do ato de ler, seus objetos e fazeres. Desse modo:

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[...] são práticas culturais não apenas a feitura de um livro, uma


técnica artística ou uma modalidade de ensino, mas também os modos
como, em uma dada sociedade, os homens falam e se calam, comem e
bebem, sentam-se e andam, conversam ou discutem, solidarizam-se,
morrem ou adoecem, tratam seus loucos ou recebem os estrangeiros
(BARROS, 2011, p.17).

No mundo contemporâneo, tudo muda a cada momento. Portanto, educar torna-


se um desafio constante, sendo evidente que as instituições educacionais e professores
devem repensar o seu papel na sociedade e pensar em soluções possíveis para os
problemas detectados.
Compartilhando a análise de Circe Bittencourt (2011, p.59), “A História,
enquanto disciplina escolar, possui uma longa História, permeada de conflitos e
controvérsias na elaboração de seus conteúdos e métodos”.
As pesquisas em História escolar nos mostram, a partir das várias abordagens,
contextualizações do poder institucional do ensino. Não apenas em História, mas em
todas as outras disciplinas, há uma manipulação do ensino atendendo a diferentes
setores da sociedade, em outras palavras, privilegiando a classe social mais elitizada em
diferentes décadas. Não cabe aqui discutir as orientações metodológicas de História nas
diversas décadas, mas contemplar as propostas curriculares mais atuais.
Sabemos que, ao longo do tempo, os currículos vêm sendo reformulados ainda
com tendências para atender às elites, direcionados à produção tecnológica em um
contexto político-econômico capitalista.
Pensando no currículo de História, entendemos que o mesmo não se faz apenas
construindo uma lista de conteúdos tendo como base fatos históricos disponíveis na
sociedade. Nesse sentido, podemos perguntar: quais métodos, concepções e conteúdos
precisam ser adotados? Em que momento podemos abordar conteúdos que não atendam
apenas o tradicional, mas, igualmente, nossa diversidade cultural como etnia, cor,
classe, religião, geração ainda não contemplados na extensa lista de conteúdos
tradicionais? Quais conceitos usar para cultura, identidade, gênero, etnia, raça?
Mesmo diante de tantas mudanças nos currículos ao longo do tempo, é possível
que essas questões aos poucos estejam sendo superadas. Embora na escola prevaleça um
ensino seriado, fragmentado, preparando pessoas para o mercado de trabalho, também é
possível perceber que há um espaço de intervenção do professor que pode fazer a
diferença. Podemos propor um outro paradigma na relação professor/aluno - por
exemplo, discutirmos, pensarmos juntos em um ensino aprendizagem que minimize a

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intolerância em relação às diversidades culturais, sexuais, religiosas, condição física,


socioeconômica, política, em vez de apenas priorizar uma lista de conteúdo.
Acreditamos que a mediação do professor se faz necessária na preparação dos
alunos para a cidadania, identidade, autonomia, proporcionando novas possibilidades
diante de interesses tão conflitantes. Conforme Holien Gonçalves Bezerra (2016, p. 47),
O conjunto de preocupações que informam o conhecimento histórico e
suas relações com o ensino vivenciado na escola levam o
aprimoramento de atitudes e valores imprescindíveis para o exercício
pleno de cidadania, como o exercício do conhecimento autônomo e
crítico; valorização de si mesmo como sujeito responsável da História.

Dentre essas possibilidades, é fundamental a incorporação das diferentes


linguagens no processo de ensino. Sabemos que o livro didático de História não
consegue alcançar a realidade mais próxima das crianças e jovens e não pode ser
encarado como uma única fonte de ensino aprendizagem, pois há um diversificado
número de fontes que o professor pode usufruir. Mas o pouco tempo, os baixos salários
e a falta de autonomia das escolas são entraves para os professores buscarem essas
diferentes linguagens na produção de conhecimentos.
Diante dessas várias dificuldades, nós, professores da Escola Municipal Prof.
Domingos Pimentel de Ulhôa, priorizamos o ensino de História numa perspectiva
interdisciplinar, com as demais disciplinas, especialmente com Geografia, Língua
Portuguesa e Artes, tendo como objetivo trabalhar o teatro, estimulando o espírito
crítico dos alunos e o pensamento investigativo, esses ligados intimamente ao
desenvolvimento da criatividade, e tendo como pressuposto metodológico
interdisciplinar a produção de conhecimentos com a linguagem teatral. Isso porque
acreditamos que, a partir do momento em que os alunos dominam o que é mais próximo
deles, amplia-se o estudo para os espaços mais distantes e para o passado, em busca de
explicações, comparações e referências.
Entendemos que o movimento presente/passado não deve ser engessado, linear
e mecanicista, pelo contrário, pressupõe um vai e vem permanente. Esperamos que o
trabalho de ensinar História com o teatro possa favorecer a percepção de
transformações, mudanças e permanências, relacionando sempre com vivências das
crianças e dos jovens.
Cultura não é um parque de diversões. Nas palavras de Holien Gonçalves
Bezerra,

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Envolve as formas de organização do trabalho, de casa, da família, do


cotidiano, das pessoas, dos ritos, das religiões, das festas etc. assim, o
estudo das identidades sociais, no âmbito das representações culturais,
adquire significados e importância para a caracterização de grupos
sociais e de povos (2016, p. 46).

Nesse sentido, escolhemos trabalhar com a metodologia do teatro como


exercício do conhecimento crítico, valorização de si mesmo como sujeito responsável
da História, respeitando as diferenças culturais, religiosas, políticas e principalmente o
trabalho coletivo.
Mesmo não sendo professoras de artes cênicas, buscamos as atitudes de estudar
e perguntar no dia a dia e, assim, orientar os alunos na descoberta de si mesmo e do
mundo por meio da arte. No processo de trabalho interdisciplinar com professores de
diferentes áreas, iniciamos com muitas ideias, vontade, alegria de ensinar, não como
uma atividade escolar que não tinha muita relação entre os interesses e a vida dos
adolescentes, mas como uma atividade que pudesse envolver alunos e professores.
José Antônio Dominguez menciona que
A produção de peças é uma das formas que a atividade “teatro na
educação” pode assumir. Mas há outras. No Brasil, por exemplo, a
educação artística é uma atividade compulsória em todas as escolas do
País. Dentro da atividade Educação Artística, uma das possibilidades
previstas é o teatro (DOMINGUEZ,1978, p.22).

Tendo como exemplo a educação artística, resolvemos trabalhar com essa


metodologia também em História. Sabíamos que não seria fácil, mas decidimos arriscar.
Inicialmente, contemplamos as Diretrizes Básicas do Ensino de História 1º ao 9º ano,
elaborada pela Secretaria Municipal de Educação em conjunto com um grupo de
professores de História. Esse documento contempla uma lista de conteúdo e também as
preocupações, angústias e anseios dos professores em relação à História ensinada e à
História vivida.
A partir dessas considerações, entendemos que é possível trabalhar os
conteúdos de História de uma forma que alterasse os paradigmas tradicionais. Nesse
viés, adotamos a metodologia do teatro porque não deixamos de crer que o trabalho com
essa arte na escola pode contribuir no desenvolvimento intelectual, moral e emocional
das crianças e adolescentes no processo de ensino/aprendizagem.
Seguindo essas ideias, trabalhamos com dois grupos: um grupo formado por
professores que aceitaram o desafio nessa caminhada; outro, formado pelos alunos,
geralmente, dos 8º e 9º anos, com trinta e cinco alunos por sala. De acordo com os

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conteúdos trabalhados em sala de aula, elaboramos as peças com a participação dos


alunos na montagem do texto, no cenário, figurino, coreografias e tudo mais que
envolve o teatro. Algumas peças são de outros autores, mas adaptadas com o conteúdo
ensinado em sala de aula. Outras peças são montadas de acordo com a História de vida
dos alunos nas suas relações sociais e emocionais com os familiares, suas memórias e
suas identidades.
No intuito de observar o desenvolvimento das capacidades de expressão dos
alunos, propomos jogos teatrais que favorecem o autoconhecimento, o conhecimento do
outro, envolvimento, liberdade pessoal, espontaneidade. Vivenciando essas atividades, a
criança e os adolescentes perceberão que podem agir de uma forma, e um outro colega
de outra forma. Isso não quer dizer que estão certos ou errados, mas que se expressam
de maneiras diferentes.
Segundo Zé Adão Barbosa (2004, p. 159),
O jogo com fins improvisacionais aborda no seu aspecto técnico:
sentido de observação e escuta; sensibilidade no tratamento do
exercício, respeitando tempo e forma de expressão dos colegas;
percepção e integração do grupo; agilidade de raciocínio a partir de
exercícios envolvendo várias dificuldades; prontidão e
disponibilidade- resposta instantânea aos estímulos externos; atenção
e concentração.

O jogo é muito significativo para que possamos trabalhar a imaginação da


criança e do adolescente ao mesmo tempo que se vivencia uma História seja no palco ou
na plateia. Esses aspectos serão discutidos e explicados no decorrer deste trabalho.
Nesse sentido, cabe ao professor ressignificar como passar de reprodutor de
conhecimentos e informações para um orientador de saberes que pensa a História tendo
como referências novas abordagens historiográficas. Nesse momento, essas questões
ainda estavam no subconsciente do professor, e este estava tentando aflorar a sua
criatividade, porque tinha sido formado a ensinar conceitos prontos.
Isso não quer dizer que os professores estão passivos. Como seres inacabados
que somos, procuramos mudar essa situação compartilhando com a professora Selva
Guimarães: “(...) dessa perspectiva, os professores da educação básica não são meros
técnicos, reprodutores, transmissores, mas sim sujeitos produtores de conhecimentos”
(GUIMARÃES, 2012, p. 29).
Muitos professores, no intuito de ampliar seus conhecimentos, buscam e
participam de projetos formativos, mas nem sempre as formações continuadas atendem
às expectativas dos professores no que diz respeito à socialização dos saberes.

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Nesse contexto, é possível substituir a fragmentação pela interação.


Relacionando diferentes áreas de conhecimento, permitindo ao aluno e ao professor
relacionarem conceitos e construirem novos conhecimentos e com mais autonomia.
Acreditamos que não podemos restringir os conhecimentos a campos fechados como se
fossem gavetas que vão abrindo e fechando isoladamente, muito pelo contrário,
devemos ultrapassar o conhecimento fragmentado e descontextualizado e privilegiar o
conhecimento interdisciplinar para que o aluno possa fazer associações e compreender
que o conhecimento não pertence a uma disciplina específica.
A interdisciplinaridade se estabelece à medida que há uma interação entre duas
ou mais disciplinas. Nesse horizonte, Selva Guimarães Fonseca afirma que;

Nesse contexto sociocultural e educacional processa-se de forma


intensa o debate acerca dos paradigmas, das relações entre os padrões
e níveis de conhecimento, das concepções de educação e da escola, o
que evidencia a necessidade de repensar as práticas pedagógicas dos
professores no interior dos diferentes espaços educativos. Isso não é
novidade. Entretanto, há sim algo novo nessa discussão: a abordagem
das formas, relações entre conhecimentos e metodologias. Ao meu
ver, é aí que ganha força a ideia da inter e da transdisciplinaridade
(FONSECA, 2003, p. 101).

Embora a interdisciplinaridade na escola seja muito falada, pouco se faz,


porque em um projeto interdisciplinar são necessários pesquisa, tempo, ousadia e
envolvimento para exercer no cotidiano escolar projetos que possibilitem a integração
entre os conteúdos em diferentes disciplinas que se propõem a trabalhar em conjunto
um determinado tema, mas essa integração não deve ser vista como uma simples fusão
de conteúdos. Pelo contrário, os professores, em suas diferentes disciplinas, devem
trabalhar saberes específicos entrelaçando, intervindo e construindo o pensamento dos
alunos para que estes possam se formar como indivíduos aptos a participarem e
intervirem na realidade política, cultural, econômica e social. Como afirma Ivani
Fazenda (apud FONSECA, 2003, p. 105-6):

[...] um projeto interdisciplinar de trabalho ou de ensino consegue


captar a profundidade das relações conscientes entre as pessoas e entre
pessoas e coisas. Nesse sentido precisa ser um projeto que não se
oriente apenas para o produzir, mas que surja espontaneamente, no
suceder diário da vida, de um ato de vontade. Nesse sentido, ele nunca
poderá ser imposto, mas deverá surgir de uma proposição, de um ato
de vontade frente a um projeto que procura conhecer melhor. No
projeto interdisciplinar, não se ensina, nem se prende: vive-se, exerce-
se.

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Em nossa experiência com interdisciplinaridade, em 2001, na Escola Municipal


Prof. Domingos Pimentel de Ulhôa, elaboramos um projeto interligando três disciplinas
- História, Geografia e Educação Física (dança) - e conjuntamente discutimos o projeto
abordando o tema a corrupção política. Os alunos conheciam superficialmente, através
dos meios de comunicação e de livros didáticos, o conteúdo específico desenvolvido no
projeto.
Em História, trabalhamos o absolutismo e o poder monárquico, enfatizamos a
corrupção política e evidenciando as relações de poder entre os homens, os mandos e
desmandos de um rei sobre seus súditos, comparamos com a corrupção política na
atualidade do contexto brasileiro, discutindo a relação passado e presente e visando o
desenvolvimento da consciência histórica que os alunos têm de si mesmos e do mundo.
No decorrer do trabalho, os alunos tiveram a oportunidade de participar de uma
atividade interdisciplinar entre História, Geografia e Educação Física com o projeto
intitulado Dança na Escola. O tema foi trabalhado com diferentes enfoques conforme a
realidade político social do Brasil. Nosso intuito foi também desenvolver habilidades,
valores e atitudes que, numa situação inicial do projeto, aparentemente, não eram muito
visualizados.
Foi estabelecida uma relação entre o contexto histórico absolutista, quando se
iniciou o processo de formação das fronteiras territoriais entre países, havendo uma luta
política entre os reis para governar esses territórios recém-formados, com os temas
ligados geograficamente às relações de poder na atualidade - por exemplo, a
localização espacial das fronteiras políticas mundiais e brasileiras.
Nas aulas de Educação Física, o projeto de dança na escola retratou, através da
expressão corporal, de forma harmoniosa e com irreverência, o poder dos reis, a luta
das classes sociais menos favorecidas diante da exploração social. Indiretamente, foram
envolvidas outras áreas do conhecimento como língua portuguesa, pois os alunos
fizeram uso das linguagens escrita e falada, contribuindo para o seu desenvolvimento
intelectual.
Após a contextualização do tema discutido nessas disciplinas, escolhemos para
representar na escola esses conteúdos teatralmente com a peça A Lei e o Rei, de Teresa
Frota (1998). Democraticamente, os interessados compareceram às reuniões, feitas
extra turno na escola e, até mesmo, em nossas casas, devido às dificuldades
encontradas no espaço escolar. Os interesses de cada aluno começaram a aflorar para

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diferentes setores: alguns se identificaram com as coreografias e outros, com


personagens específicos da peça). O processo se iniciou com a realização de jogos
teatrais nos quais os alunos tiveram a oportunidade de mostrar suas habilidades2.

Figura 1: Quadros de exposição


Fonte: Acervo da autora. Escola Municipal Prof. Domingos Pimentel de Ulhôa (2001)

Figuras 2: Jogo do espelho e Jogo da Explosão de alegria e tristeza Fonte: Acervo da autora.
Escola Municipal Prof. Domingos Pimentel de Ulhôa (2001)

2
Por diversos motivos, somente em 2017 pudemos submeter a pesquisa à apreciação do Conselho de
Ética da Universidade Federal de Goiás, exigência para desenvolvimento de pesquisas com fontes vivas.
Porém como na escola esse trabalho estava dentro de suas normativas, e como sendo minha
responsabilidade como docente, essas fontes foram usadas na pesquisa.

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O jogo permite ao ser humano experimentar e vivenciar novas situações. É


possível também desenvolver nos jovens e crianças, e não só neles, a imaginação e a
criatividade que existem dentro de cada um de nós.
Iniciar uma atividade teatral na escola, através de jogos, é um desafio e, ao
mesmo tempo, um divertimento. Educar também significa mostrar ao aluno que ele
pode ser criativo em qualquer situação de sua vida, no presente e no futuro, e, ainda,
através dos jogos teatrais, mostrar que o aluno tem a oportunidade de atuar
criativamente, encontrando suas próprias soluções para as dificuldades que lhes sejam
apresentadas no momento do jogo e seu cotidiano. “A prática do teatro-educação a
partir dos jogos teatrais, sem eliminar os objetivos expressivos do sujeito em formação,
acrescenta o desenvolvimento das habilidades cênicas no ensino do teatro em sala de
aula” ( ANDRÉ, 2011 p.161).
O primeiro objetivo de um jogo teatral escolar é a integração do aluno ao
grupo, com atitudes de cooperação, coordenação e coletividade e, para isto, existem
diversas técnicas de aproximação e formação de grupos. Mas é extremamente
necessário também intensificar nos alunos a capacidade de observação, imaginação,
concentração, criatividade, de expressar-se adequadamente através de gestos e palavras
e de comunicar-se. Podemos destacar também a importância dos jogos teatrais com
exercícios de sensibilização motora e sensorial, que instigam o participante a olhar
sobre diferentes realidades. Sua linguagem ajuda no aprendizado sobre nós mesmos,
nossas relações com o cotidiano, a História do país, no despertar das capacidades
criadoras dos alunos, de modo que eles se sintam motivados para a prática teatral
representando os conteúdos históricos em sala de aula.
No desenvolvimento de nossa experiência teatral, tivemos a oportunidade de
utilizar diversos jogos teatrais inspirados no curso Iniciação à Linguagem Teatral,
ministrado pela prof.ª Rosemeire Aparecida Ferraro, no CEMEPE3, em 1999, e cursado
pela Prof.ª de Geografia Silma Rabelo Montes. Entre eles, destacamos o Jogo da
explosão, no qual alunos caminham pelo espaço e, ao som de palmas, se exaltam num
movimento brusco, representando uma emoção ou um sentimento destacado pelo
professor coordenador. Enfatizamos a alegria e a tristeza que eram demonstradas
através de movimentos e expressões. O objetivo desse jogo foi trabalhar reflexos,

3
Centro Municipal de Estudos e Projetos Educacionais Julieta Diniz – Prefeitura Municipal de
Uberlândia

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precisão de movimentos e sentimentos. Através de um jogo conhecido como Quadro


de exposição, os alunos tiveram a oportunidade de desenvolver atenção, percepção,
observação e união do grupo com a reprodução de cenas e a partir de gravuras de obras
de artistas famosos.
Não podemos deixar de mencionar os outros jogos desenvolvidos:
1- Jogo do cabo de guerra imaginário: os alunos dividem-se em dois
grupos e imitam o jogo do cabo de guerra verdadeiro, desenvolvendo um trabalho
coletivo e de muita criatividade e atenção.
2- Jogo do espelho: em duplas, os alunos imitam os movimentos um do
outro, como se estivessem em frente a um espelho, desenvolvendo a concentração.
3- Jogo da modelagem livre: em duplas, um aluno deverá modelar o outro
e criar imagens cênicas, estáticas como foto. O objetivo é desenvolver a consciência
corporal através do toque, da cooperação e da criatividade.
4- Jogo da sombra: feito em duplas ou com mais alunos, sendo que o
aluno de trás imita os movimentos do outro. É possível desenvolver percepção e
movimento.
5- Jogo do ponto de ônibus: num ponto de ônibus imaginário, um a um,
os alunos tentam passar a idade de seus personagens. O coordenador fala a idade para o
aluno que irá imitar e os outros terão que adivinhar a idade. O objetivo é desenvolver a
criatividade e a consciência corporal.
6- Jogo do telefone sem fio: em roda, cria-se uma palavra de no mínimo
cinco sílabas, que deverá ser passada adiante até chegar ao último aluno. Avalia-se
depois até qual participante a palavra escolhida foi mantida. Isto trabalha a dicção e o
ouvir.
7- Jogo da radionovela: o grupo monta uma cena rápida e apresenta para
os colegas, usando a palavra e o som. O coordenador poderá escolher uma cena de
drama, alegria, tristeza, tragédia. O objetivo é dar ênfase à expressão vocal.
8- Cenas da peça A Lei e o Rei: os alunos escolhem uma cena da peça e
representam-na com palavras, gestos e expressões.

Fato e Versões, Coxim: MS, v. 09, n. 16, PP 84-112. Set-Dez 2016


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Figuras 3: Ensaios da peça A Lei e o Rei. Escola Municipal Domingos Pimentel de Ulhôa
(2001). Fonte: Acervo da autora

Na peça teatral escolhida para a montagem deste trabalho, foram feitas


algumas adaptações, como exclusão de falas e adição de jogos teatrais e
coreografias. O enredo principal da peça é a corrupção política. É uma peça
épica, que mostra a corrupção política em uma forma de governo monárquica,
evidenciando as relações de poder entre os homens, os mandos e desmandos
de rei sobre seus súditos, conforme podemos verificar em citações da referida
peça:
HEDIONDO: Mas, e eu? Não vou ser Primeiro Ministro? Estudei
tanto!
REI: Eu levei anos para derrubar Olígonos do trono e você já quer ser
Primeiro Ministro? Papel e lápis, Hediondo! (Hediondo tira um
bloquinho do bolso)
REI; Só isso? Onde você pensa que está? Eu sou um rei de muitas
ordens e muitas leis! (Dartagham, o Bobo da Corte entra com um
enorme rolo de papel)
REI: Agora sim! Escreva. Hediondo. (O Bobo fica bisbilhotando)
REI: Chispa, xô, xô! Passa fora! (O Bobo sai). Batatas! Lembre-me de
despedir esse Bobo da Corte! Tem cara de inteligente! (Dita)
PRIMEIRA LEI: O rei Mássimo faz aniversário todos os
dias! E os súditos devem trazer presentes! Eu adoro ganhar
presentes! Segunda lei: as televisões do reino só devem
passar desenhos animados! Sem serem repetidos! Terceira
lei: os livros devem ter muitas figuras e poucas letras. Não é

Fato e Versões, Coxim: MS, v. 09, n. 16, PP 84-112. Set-Dez 2016


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bom que o povo leia muito. Quarta lei: os alunos terão oito
meses por ano. Quinta lei. (O rei vai saindo com Hediondo
atrás anotando) (...)
(...) REI: Férias, Hediondo! Um grande monarca como eu
precisa de férias de vez em quando! O que é que tem?
HEDIONDO: Oligonos, o nono, pode se rebelar, ouvi dizer
que ele anda pelas ruas falando ao povo!
REI: Ah, ah, ah, Oligonos, o Nono é um chato falador! Tão
chato e tão falador que ninguém mais o ouve! E ele vai se
rebelar com quê?
Com paus e pedras? Nós temos a guarda! É só mais um
imposto!
Quero viajar e preciso de muito dinheiro! Não vejo a hora de ganhar
milhares de sacos de ouro! Ah, eu amo, adoro, venero ouro! (FROTA,
1995)

A autora, ao fazer a relação passado/presente, possibilita aos envolvidos um


diálogo constante e uma conscientização de que os problemas vividos pelas sociedades
contemporâneas não são recentes. Como o trabalho foi interdisciplinar, envolvendo
História, Geografia e Educação Física (Projeto Dança na Escola), o tema fazia parte do
conteúdo curricular trabalhado nessas disciplinas, nas 7ª e 8ª séries. Os alunos
acompanham, através da escola e dos meios de comunicação, as questões políticas do
nosso país. Consequentemente, têm a oportunidade de aprender de uma forma cômica e
lúdica.
Observamos que foram desenvolvidas a responsabilidade, a afetividade, as
experiências, os valores pessoais e coletivos e, também, a percepção da diferença do
outro e da semelhança entre nós. Compartilhando as ideias de Selva G. Fonseca,
[...] para que se desenvolva os conhecimentos históricos nos
estudantes, é necessário desenvolver competências de “representação
e comunicação, investigação e compreensão e contextualização
cultural, ” o que implica o aluno saber ler, analisar, contextualizar e
interpretar fontes documentais, dentre outras habilidades (2012, p. 60).

No que se refere ao cenário envolvendo a disciplina de Artes, é importante


lembrar que, como produto de um ato criativo, a cenografia traduz a intenção de
organizar visualmente o lugar teatral, estabelecendo a relação cena/público. Desse
modo, o cenário representa e está integrado à nossa proposta de montagem da peça
teatral.

Fato e Versões, Coxim: MS, v. 09, n. 16, PP 84-112. Set-Dez 2016


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Figuras 4: Apresentação da peça teatral A Lei e o Rei, no Centro Municipal de Estudos


e Projetos Educacionais. (2001) Fonte: Acervo da autora

Figura 5: Convite da peça teatral A Lei e o Rei. Teatro Rondon Pacheco. (2001)
Fonte: acervo da autora.

A comparação entre passado presente também está evidenciada no cenário e


no figurino da peça A Lei e o Rei. O painel do cenário mostra um castelo cujas
estruturas de sustentação são os dois prédios do Congresso Nacional, em Brasília.
Assim, relaciona-se uma forma de governo monárquica com o sistema republicano
presidencialista brasileiro atual. Alguns móveis usados na montagem do cenário são
rústicos e, ao mesmo tempo, foram utilizadas peças contemporâneas. No figurino,

Fato e Versões, Coxim: MS, v. 09, n. 16, PP 84-112. Set-Dez 2016


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houve um equilíbrio entre roupas do período imperial brasileiro e traços modernos que
foram adaptados em função da limitação de recursos materiais para sua confecção.
As coreografias apresentadas no decorrer da peça deram mais graça ao
“espetáculo”. Tendo como suporte sonoro, principalmente, músicas do repertório
nacional, escolhidas com objetivos específicos para cada uma. A primeira foi A ponte
sobre o rio Kwai (Malcolm Arnold), durante a qual as alunas dançavam marchando
para a apresentação de dois personagens da peça chamados de Lindomais e Belamenos.
A segunda foi Que país é este, da banda Legião Urbana. O objetivo foi mostrar a classe
menos favorecida do país sendo explorada pelo rei. A última música foi Que rei sou eu,
de Eduardo Dusek, cujo objetivo foi encerrar a peça que enfoca reis e corrupção, com o
olhar que cada um tem sobre o “rei” que está dentro de cada um de nós. Além das
músicas integrantes das coreografias, outras músicas também constituíram a
sonoplastia da peça.

Figuras 06: Coreografias da peça teatral A Lei e o Rei. (Teatro Rondon pacheco,2001)
Fonte: Acervo da autora

O trabalho superou as expectativas, não somente das professoras e alunos


envolvidos no projeto, mas também de toda a equipe escolar, que se emocionou e teceu
vários elogios à atividade, conforme palavras da diretora da escola, Marta Fontoura:
Fato e Versões, Coxim: MS, v. 09, n. 16, PP 84-112. Set-Dez 2016
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“Este sonho que começou há tempos atrás, foi tomando forma e beleza e hoje contagiou
a todos nós”. Os resultados produtivos desta experiência nos deram força para lutarmos
pela implantação do projeto “Teatro na Escola”, nos próximos anos, pois nos
enriqueceu como profissionais, e, apesar das dificuldades, limitações de recursos, falta
de experiência profissional com o teatro, ousamos sair das quatro paredes de uma sala
de aula e corrermos atrás de alternativas que levassem os alunos a analisarem,
criticarem, se inter-relacionarem, ocupando, de forma mais produtiva, os seus horários
ociosos e aprendendo a representar de maneira prazerosa e descontraída.
O teatro nos possibilita trabalhar temáticas propostas nos currículos de uma
forma prazerosa para nós professoras e jovens alunos, cujos hormônios estão à flor da
pele e os neurônios com ideias borbulhando; eles sentem-se à vontade e interessados na
representação do lúdico. A capacidade criadora está no ser, mas é preciso ensiná-lo a
liberá-la. Para os professores, trata-se de um desafio deferente, porque nos ajudou a
diminuir as aulas expositivas somente com livros didáticos e com exercícios que nem
sempre possibilitam a reflexão crítica do contexto vivido, portanto, são desafios que,
mesmo sem recursos materiais, mobilizam a ousadia e vontade de mudar aa formas de
ensinar e aprender. O ensino/aprendizagem enrijecido, que na sua essência ainda
continua estruturado num sistema tradicional e muitas vezes autoritário, já não
responde aos anseios de quem está na escola.
Então o desejo, a motivação e a busca constante do conhecimento
contrariaram a estagnação. Realmente, foi uma guerra na qual quem venceu foi o que
move o ser humano para a vida, a constante busca para a transformação pessoal,
política, cultural e social. Teatro é vida. Acreditamos que, através dessa parceria, seja
possível o ser humano sentir-se mais humano. Enfim, é urgente termos a coragem de
experimentar outras metodologias para o ensino/ aprendizagem.
O trabalho foi apresentado na Escola Municipal Profº. Domingos Pimentel de
Ulhôa, no Teatro Rondon Pacheco, em Uberlândia, no Centro de Estudos e Projetos
Educacionais Julieta Diniz e no Congresso de História em 2002.
Uma apresentação na escola não foi concluída devido a problemas com a
chuva, que inundou o pátio da escola, e tivemos que interromper a apresentação. Os
alunos, professores, direção da escola e representantes da Secretaria Municipal de
Educação, com a presença do Secretário de Educação, José Eugênio Diniz Bastos, e sua
assessora, Maria Elita de Andrade Melo Barcelos, ficaram muito sensibilizados com o
acontecimento. Mas a garra e a vontade de mostrar essa peça, que fizemos com tanta
Fato e Versões, Coxim: MS, v. 09, n. 16, PP 84-112. Set-Dez 2016
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dedicação, nos levou a uma representação, no Teatro Rondon Pacheco, em Uberlândia,


e no início desse espetáculo a diretora da Escola, Marta Fontoura, nos homenageou
com uma fala:
Professoras Geysa Lacerda, Maria Helena, Silma Rabelo e todo o
elenco da peça A Lei e o Rei. Hoje o dia é de vocês.
Que vocês possam jamais desistir de seus sonhos e que vocês possam
brilhar no palco da mesma maneira que vocês já brilham na vida!
E a todos vocês, nossos amigos, que possam desfrutar de momentos
agradabilíssimos, nesta peça que foi preparada com muito amor,
especialmente para vocês!
Hoje é um dia de festa! Sendo assim, gostaria de cumprimentar a cada
colega, pai, aluno, professor e amigos aqui presentes!
Gostaria também de dizer que, se hoje estamos aqui, é porque
acreditamos em um sonho e prosseguimos este sonho.
Por isso, digo que:
Vale a pena sonhar... sempre!
Vale a pena acreditar no sonho.
Este sonho que se tornou belo e grandioso, portanto, uma simples
chuva não poderia destruí-lo. Ele já estava robustecido pela força do
amor.
(Registrada por escrito) (Fontoura, 2001)

Após a fala da diretora, nós, professoras, também fizemos um texto antes da


apresentação no Teatro Rondon Pacheco:

Às vezes, na vida temos que enfrentar alguns obstáculos para


alcançarmos determinados objetivos. Em algumas situações, achamos
que não vamos conseguir e até pensamos em desistir diante das
dificuldades. Mas, quando encontramos apoio em companheiros de
jornada, através de uma palavra de incentivo, um gesto, um elogio,
desperta-se uma vontade de vencer e se superar.
No decorrer do ano, no desenvolvimento deste trabalho, houve
momentos de tristezas, de incertezas, decepções, mas houve
principalmente, grandes momentos de alegria, descontração,
descobertas, profissionalismo e muito companheirismo.
Juntos, alunos, professores e escola, todos se colocaram à disposição
do conhecimento e da expressão artística e resultou nesta peça teatral
que vocês vão assistir agora; momento em que nossos alunos poderão
expressar, através de palavras, gestos, dança e emoções, tentando
colocar um pouco mais de amor e de alegria no coração de cada um de
vocês.
Agradecemos a todos aqui presentes: autoridades da Secretaria da
Educação, administradores da escola, funcionários, as pessoas que
ajudaram no cenário, como é o caso da loja Brasil Colônia, que nos
emprestou o trono; a cadeira do rei.
Agradecemos aos pais aqui presentes e principalmente os nossos
alunos que estão aqui para prestigiar os colegas de sala, que tanto se
esforçaram para a realização desta peça teatral.
A peça que será apresentada é uma adaptação da peça A Lei e o Rei,
de Tereza Frota, é uma comédia e ficou ainda mais engraçada porque
temos em cena alunas que interpretam personagens masculinos, com
muita graça e dedicação.

Fato e Versões, Coxim: MS, v. 09, n. 16, PP 84-112. Set-Dez 2016


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Este trabalho foi idealizado pelas professoras, Silma Rabelo


(Geografia), Maria Helena e Geysa Lacerda (História) e alunos de 7ª e
8ª séries da Escola Municipal Professor Domingos Pimentel de Ulhôa.
Houve também uma grande integração com a professora Valéria
Sousa (projeto de dança na escola), que desenvolve um trabalho
excelente com alunos desta escola e também dos pais dos alunos e
alunas pela compreensão e apoio.
Obrigada pela presença de todos. Esperamos que todos se divirtam e
tenham um bom “espetáculo” (Registrada por escrito).

Após as representações, fizemos uma discussão com os alunos envolvidos. O


aluno Diansley dos Santos (aluno da 8ª série), que representou o rei, escreveu um texto
poético refletindo sobre o trabalho com o teatro.
Na vida, o tempo todo, brincamos de teatro...
Nas asas de nossa imaginação visitamos florestas encantadas, vamos a
reinos desconhecidos e até mesmo a florestas amaldiçoadas.
Quando nascemos, já ganhamos um papel, alguns amorosos, outros
ciumentos, e até mesmo papéis depressivos.
Em certo ponto da vida, somos obrigados a trocar de papéis; o
mocinho que virou vilão; o vilão que se converteu em padre; o padre
que fugiu com a noiva...
Interpretar papéis é mais do que decorar falas; é vivenciar, é chorar, é
rir, é odiar. O palco é como se fosse um trono, no qual vamos reinar
por uns minutos tendo o momento de glória, brilho e alegria ou não!
Enfim, teatralizar é simplesmente viver por um momento, sem
vergonha de errar e ser feliz. (Registrada por escrito)

Na roda de conversa, alunos participantes da peça e professores envolvidos


discutiram os resultados do trabalho com o teatro. Vejamos alguns depoimentos:
- Este trabalho com teatro me ajudou acabar com minha timidez, eu
aprendi a me soltar mais, para apresentar em público, com várias
pessoas.
- Além da pesquisa do conteúdo, a gente aprendeu brincando e
fizemos um teatro que foi excelente.
- Foi uma coisa diferente, nunca tinha participado, sempre tive
vontade de participar. Eu sou mais à vontade, só que na sala de aula,
sei lá, eu sou meio quieta, meio parada, mas o teatro me ajudou a ter
mais liberdade de expressão, de eu poder expressar aquilo que eu
quero, me sentia insegura para expressar para a maioria das pessoas.
Agora não, eu mesmo expresso o que eu quero sem medo.
- Eu acho assim, não só pela experiência, mas também pelas novas
amizades, a gente faz porque a gente estava gostando e não fomos
obrigados. Vocês nos convidaram e fomos com o maior bom gosto.
As palmas no final me emocionaram (Registrada por escrito e gravada
em vídeo, alunos (as) de7ª e 8ª séries, 2001).

Eles falaram a respeito da amizade, da experiência com o teatro, e então


pedimos a eles que falassem também em relação ao pedagógico, ao conhecimento
transmitido de História e Geografia:

Fato e Versões, Coxim: MS, v. 09, n. 16, PP 84-112. Set-Dez 2016


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- Ajudou né, deu para perceber que a corrupção sempre existiu e


mesmo que as pessoas falem, que não vai mais existir ela está aí
acontecendo sempre do mesmo jeito. Eles sempre acham que são os
maiores, acham que o povo simplesmente serve para colocá-los no
poder e depois escravizam as pessoas.
- As pessoas do poder pensam que o povo não tem direito a nada. Tem
que ser tudo do jeito deles, do modo como eles querem e no teatro
mostrou que não precisa ser assim. A gente tem que saber lidar com as
pessoas e cada um tem o seu direito.
- Minha mãe falou que foi emocionante, porque ela nunca imaginou,
eu sempre falava da peça, mas ela nunca imaginou que a gente tivesse
a capacidade de incorporar o personagem tão bem, ela falou que nós
estávamos parecendo artistas de verdade, encenando super bem.
(Registrada por escrito e gravado em vídeo alunos (as) de7ª e 8 ª séries,
2001)

Mencionamos ainda que a peça é uma comédia e que eles se saíram muito bem.
Nesse sentido, perguntamos a eles se a peça teria sido mais difícil se fosse um drama.
Eles assim responderam:

- Não, eu acho que quem faz a comédia, tem a capacidade de fazer um


drama, terror, de qualquer coisa. Tá certo que tem pessoas que
representam melhor um drama, mas, o que importa é incorporar o
personagem, você ser o personagem na hora de apresentar (Registrada
por escrito e gravado em vídeo alunos (as) de7ª e 8ª séries, 2001).

Perguntamos também como foi a experiência das alunas ao interpretar papéis


masculinos. E elas se posicionaram:

- Para mim, foi uma coisa que nunca imaginei fazer, porque sou
muito feminina, eu gosto de brinco, colar, pulseiras e chega no teatro e
aí tive que colocar bigode, coisa que eu nunca imaginei que ia pôr, foi
assim uma coisa diferente, mas eu quis fazer. A minha prima disse:
você tem certeza? Eu tenho, porque eu acho que tudo é pela arte. Não
importa se você vai fazer o papel de pobre, de rico, de homem, de
mulher. O que importa é se você se sente bem com aquele papel. Eu
amei.
- Ficou até engraçado, pelo fato de ser comédia e a gente vestir de
homem, nossas mães falaram que de homem a gente só tinha a cara,
porque estávamos rebolando do mesmo jeito (Registrada por escrito e
gravado em vídeo alunos (as) de7ª e 8ª séries, 2001).

Fato e Versões, Coxim: MS, v. 09, n. 16, PP 84-112. Set-Dez 2016


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Figuras 07: Alunas na interpretação de papéis masculinos, Escola Municipal


Domingos Pimentel de Ulhôa, 2001. Fonte: Acervo da autora

Indagamos a eles a respeito das dificuldades no decorrer dos ensaios.

- Eu moro longe e tinha que vir a pé para os ensaios, então meu pai
disse: ou você estuda ou faz teatro e eu respondi: vou fazer os dois,
então tive que fazer os deveres a noite para meu pai me deixar fazer.
- A maior dificuldade para mim, foi com a prefeitura, porque eles são
cheios de falar, ah nós ajudamos; ah nós queremos isso, aquilo, para
as escolas se tornarem melhores, mas, quando pedimos verba e ajuda
percebemos que a realidade não é aquilo que a gente esperava e no
final das contas, a gente vai ver que o máximo que eles fazem é
comparecer depois de tudo pronto.

Por fim, pedimos a eles que definissem teatro:

- Aprendizado, amizade, coletividade, compromisso, cultura, aula


diferente, felicidade (Registrada por escrito e gravado em vídeo alunos
(as) de7ª e 8ª séries, 2001).

No final da roda de conversa, a professora Silma Rabelo (Geografia)


mencionou a seguinte frase: “a participação é a chave do prazer. Aprender com prazer é
a chave da felicidade” (Registrada em vídeo, Montes, 2001).
Logo após a apresentação da peça A Lei e o Rei, continuamos trabalhando de
forma interdisciplinar e seguimos caminhos ousando o passo. Discutimos a questão
ambiental em Geografia. Mas como a História pode colaborar? Pensar uma pesquisa
Fato e Versões, Coxim: MS, v. 09, n. 16, PP 84-112. Set-Dez 2016
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que envolva educação ambiental e ensino de História não é uma tarefa fácil, porque, em
geral, os profissionais da área de História estão mal preparados para enfrentar o debate
ambiental.
Nesse caso, o professor deve ter conhecimento sobre os conceitos e métodos de
sua disciplina escolar para poder dialogar com os colegas de outras disciplinas, para isso
o professor deve organizar e sistematizar as informações que possam prover aos alunos
uma visão de conjunto.
Pensando em unir Geografia e História, discutimos como seria abordar os
conteúdos históricos sobre o meio ambiente e, nesta discussão, percebemos que essas
duas disciplinas têm muitas aproximações, por exemplo, o conteúdo sobre revolução
industrial, trabalhando e fazendo uma análise crítica com os alunos, mostrando que já
nas primeiras indústrias a exploração ambiental foi desenfreada pelo capitalismo.
Nessa perspectiva, é fundamental que os professores de História façam a
relação passado e presente, compartilhando com os alunos os desastrosos problemas
ambientais no espaço e tempo na sociedade atual. Podemos relacionar também a
questão da poluição da água dos rios, do ar, do consumismo industrial, que leva ao
crescimento populacional galopante dos centros urbanos sem estruturas para melhorar a
qualidade de vida de milhares de seres humanos, que são constantemente desrespeitados
e, com isto, sofrem pelas condições climáticas, responsáveis por crises econômicas
devido ao avanço de epidemias, chuvas que destroem construções e plantações e alagam
cidades.
Podemos refletir que existe uma constante luta do homem com a natureza com
o objetivo de explorá-la, provocando destruição, em nome do desenvolvimento
econômico e produção de riquezas. Em contrapartida, há grupos que lutam para
preservar o meio ambiente no tempo e no espaço.
Na educação, podemos fazer um trabalho mais elaborado sobre tempo histórico
e espaço geográfico com um projeto interdisciplinar, principalmente em História e
Geografia, para realizar o estudo do meio com trabalhos elaborados com o objetivo de
motivar e provocar nos alunos as observações necessárias para uma possível mudança
de comportamento ambiental no sentido de preservar para conhecer - do contrário, não
haverá uma natureza melhor.
Num trabalho interdisciplinar do estudo do meio ambiente é o foco, e claro,
não é necessário trabalhar de uma forma idêntica para todas as disciplinas. As

Fato e Versões, Coxim: MS, v. 09, n. 16, PP 84-112. Set-Dez 2016


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investigações históricas podem redescobrir aspectos do passado de seu bairro ou da


cidade como um todo. Geografia pode explorar os aspectos físicos.
Pensando nessa possibilidade de integrar as diferentes disciplinas, propomos
um trabalho teatral sobre a criação e destruição do mundo.

Figuras 08: Apresentação da peça teatral Criação e Destruição do Mundo (Escola Municipal
Prof. Domingos Pimentel de Ulhôa, 2002). Fonte: Acervo da autora

A peça Criação e Destruição do Mundo foi escrita por Josimário de Paulo


Ferreira, professor de Língua Portuguesa da Rede Municipal de Educação de
Uberlândia, no ano de 1994, e encenada na época, de maneira bem simples, sem ser em
forma de projeto. Quando foi desenvolvida na Escola Municipal Professor Domingos
Pimentel de Ulhôa, em 2002, ela foi adaptada pela professora Silma Rabelo (Geografia),
com a atualização de algumas informações e acréscimo de coreografias, uma vez que a
escola possuía o projeto Dança na Escola, coordenado pela professora Valéria Souza,
que foi parceira no projeto.
O objetivo geral era encenar personagens e situações ligadas à questão
ambiental e social, cuja temática havia sido desenvolvida em sala de aula, não somente
com os alunos que atuavam na peça teatral, e sim com alunos de turmas de 7°, 8° e 9°
anos, nas disciplinas de Geografia e História.

Fato e Versões, Coxim: MS, v. 09, n. 16, PP 84-112. Set-Dez 2016


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Na disciplina de Geografia, também foram discutidas em sala de aula questões


ligadas à poluição de águas, enfocando os próprios córregos urbanos de Uberlândia,
inclusive com trabalhos de campo em alguns córregos urbanos. Também foi discutida a
questão dos desmatamentos, e os alunos foram orientados a observarem a arborização
dos passeios das ruas do bairro onde moravam, detectando-se a importância da
manutenção das árvores nas cidades com vistas a ambientes mais naturais. Além disso,
os alunos foram orientados a fazerem pesquisas sobre a poluição de outros rios do
Brasil e do mundo e sobre os desmatamentos no Brasil e no mundo.
Na disciplina de História, foram trabalhadas as questões sociais (riqueza,
pobreza, doenças, fome...). Ainda foram discutidos valores como justiça, paz, o bem se
contrapondo ao mal. O destaque foi o duelo entre o bem, representado por Carlitos,
personagem de Charles Chaplin, com textos do “Último Discurso”, do filme o Grande
Ditador e do poema “Rosa de Hiroshima”, e o mal, representado por Hitler, com o
poema “A Bomba”.
A discussão sobre o maniqueísmo da relação bem/mal não foi aprofundada no
debate, já que exigiria uma leitura mais filosófica e analítica da História. Em outro
momento, se repetida a experiência, será interessante construir essa problemática.
Os temas foram discutidos em sala de aula após a realização de pesquisas
orientadas pelas professoras. Na disciplina de Geografia, houve os trabalhos de campo.
Na disciplina de História, os alunos tiveram a oportunidade de ver o filme “O Grande
Ditador” - Charles Chaplin (1940).
O projeto desenvolvido em sala de aula, que culminou com o desenvolvimento
da peça teatral, foi montado a partir dos PCNs nas áreas de Geografia e História, bem
como nos seus Temas Transversais: Ética, Meio Ambiente e Saúde. O enfoque foi local
e global.
Seguindo essas preocupações, foram selecionados os conteúdos que:

• contribuam com a conscientização de que os problemas ambientais


dizem respeito a todos os cidadãos e só podem ser solucionados
mediante uma postura participativa;
• proporcionem possibilidades de sensibilização e motivação para um
envolvimento afetivo;
• possibilitem o desenvolvimento de atitudes e a aprendizagem de
procedimentos e valores fundamentais para o exercício pleno da
cidadania, ressaltando-se a participação no gerenciamento do
ambiente;

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• contribuam para uma visão integrada da realidade, desvendando as


interdependências entre a dinâmica ambiental local e a planetária,
desnudando as implicações e causas dos problemas ambientais;
• sejam relevantes na problemática ambiental do Brasil;
• sejam compatíveis com os conteúdos trabalhados pelas áreas nesses
ciclos, possibilitando a transversalização;
• sejam condizentes com a expectativa de aprendizagem nesse nível de
escolaridade (PCNs, 1998, p. 202-203).

Como mencionado anteriormente, os próprios PCNs orientam quanto a:

A contribuição da escola, portanto, é a de desenvolver um projeto de


educação comprometida com o desenvolvimento de capacidades que
permitam intervir na realidade para transformá-la. Um projeto
pedagógico com esse objetivo poderá ser orientado por três grandes
diretrizes:
• posicionar-se em relação às questões sociais e interpretar a tarefa
educativa como uma intervenção na realidade no momento presente;
• não tratar os valores apenas como conceitos ideais;
• incluir essa perspectiva no ensino dos conteúdos das áreas de
conhecimento escolar. (PCNs, 1998, p. 24)

Nessa peça teatral, houve um trabalho árduo devido à participação de vários


alunos envolvidos e também professores. Tivemos dificuldades nos ensaios por falta de
espaço na escola, alunos faltosos, dificuldades com o figurino, que dependia de muito
tempo para ser confeccionado, cenário muito criativo elaborado pela professora de arte
Cida Santos, que também demandava tempo. Mas, mesmo diante de todos esses
problemas, não desistimos. A peça foi apresentada na escola, no sindicato dos
professores e no Teatro Rondon Pacheco, em Uberlândia.
Todo esse processo foi um aprendizado para os alunos e professores, porque o
importante é o processo de aprendizagem em termos coletivo, amizade, identidade,
consciência do eu e do outro, nos limites de cada um, principalmente nas diferenças
culturais, sociais, gênero e a própria vida em comunidade.
A intenção do conhecimento histórico não é explicar um fenômeno concreto
como caso particular de uma regra geral. Seu objetivo é antes compreender um
fenômeno histórico em sua singularidade e unicidade. O que interessa ao conhecimento
histórico não é saber como os homens, os povos, os Estados se desenvolvem em geral,
mas, ao contrário, como esse homem, esse povo, esse Estado veio a ser o que é; como
todas essas coisas puderam acontecer e encontrarem-se aí.
Ao utilizar o teatro no ensino de História, vislumbramos contribuir para uma
melhor aprendizagem dos alunos e, por meio das encenações, eles poderão observar,
confrontar as diferentes culturas ao longo da história, aprofundar temas trabalhados em

Fato e Versões, Coxim: MS, v. 09, n. 16, PP 84-112. Set-Dez 2016


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sala de aula, contrapondo ao ensino apenas receptor, em que o aluno acumula e


memoriza informações - prática muito comum na educação tradicional.
Dessa forma, ao estudar uma determinada sociedade e elaborar uma peça, os
alunos aprofundam os estudos, podem compreender hábitos da época, traços culturais
marcantes, enfim podem se sentir como sujeitos históricos ativos e críticos. Tudo isso
nos faz pensar que ensinar História não é uma profissão exercida algumas horas por
semana. Como afirma Albuquerque Júnior, referindo-se a Walter Benjamin:
[...] o historiador é aquele que tem a função messiânica de colher,
como um jardineiro, as últimas flores da esperança que, embora
murchas e já sem perfume, ainda teimam em permanecerem
balançando sob o vento dos tempos, ainda tremulam como bandeiras
que simbolizaram, que foram o escudo e a heráldica, que marcharam à
frente dos exércitos de vencidos de todos os
tempos (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2015, p.3).

O historiador ou o professor de História é


[...] a carpideira que, ao mesmo tempo, chora e louva os mortos, que
num gesto de carinho para com os que se foram, os veste de novo para
um ato inaugural, os faz novamente vir para o centro da sala, para a
frente do cortejo, os faz levantar a fronte e novamente falarem,
vociferarem, imprecarem, readquirindo o direito à fala e a dirigem seu
próprio enterro, a simularem o controle sobre a versão de sua própria
vida, da sua própria memória (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2015, p.
3).

Na construção desse processo de ser professor e ensinar História que passe pela
experiência vivida, podemos entender que a História é uma construção da experiência
do passado, nos mostrando a possibilidade de resgate da História, a partir de qualquer
tema ou objeto do nosso cotidiano e do nosso referencial de cultura e também para as
transformações menos perceptíveis. Isso porque a experiência humana não se manifesta
somente nas lutas políticas e de classe, mas também nos sentimentos, valores, imagens,
ritos, crenças, hábitos; enfim, é necessário resgatar fios, tecer tramas de sentidos
conferidos ao mundo.

Fato e Versões, Coxim: MS, v. 09, n. 16, PP 84-112. Set-Dez 2016


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