A Moda e o Cinema No Século XX

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A Moda e o Cinema no Século XX: simbiose no

figurino

(Versão final após defesa)

Carolina Maria Fadigas Pereira

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em


Design de Moda

Orientador: Prof. Doutor Luís Carlos da Costa Nogueira


Co-orientador: Prof. Doutor João Alberto Baptista Barata

Janeiro de 2022
Folha em branco
Agradecimentos
O desenvolvimento desta dissertação não teria sido possível sem o apoio incondicional
da minha família, ao qual devo também todo o sucesso do meu trajeto académico até
aqui percorrido.

Nele acrescento o incansável suporte de docentes e não docentes da Universidade da


Beira Interior. Especialmente ao Professor Doutor Luís Nogueira e ao Professor Doutor
João Barata, não só pelas suas orientações, mas também pelo incentivo a criar novo e
melhor. Acrescento ainda, a dedicação dos assistentes operacionais dos laboratórios do
Departamento de Ciências e Tecnologia Têxteis, conhecidos carinhosamente por
Belinha, Dona Lucinda, Senhor Jorge e Senhor Machado.

Pelas diferentes intervenções, mas todas complementares à dissertação, gratifico a


Doutora Caterina Cucinotta por ter aceitado conversar e me inspirar a continuar os
estudos sobre a temática. À minha estimada colega Ana Querido pela disponibilidade
como modelo e ainda aos dirigentes do Club União por me deixarem fotografar no seu
espaço.

O combinar de todos os mencionados e ainda a cooperação dos meus amigos a nível


pessoal, providenciaram objetivos orgulhosamente cumpridos.

Mais uma vez, obrigada a todos!


Folha em branco
Resumo

No decorrer do século XX, duas áreas são alvos de destaque: a moda e o cinema. Ambas
em constante evolução marcaram cada década com diferentes assinaturas. Quando e
como se cruzaram, são algumas das revelações desta dissertação. Nesse sentido, no
primeiro capítulo efetuamos uma análise e reflexão histórica, de modo a explicar as
múltiplas relações estabelecidas entre estas áreas.

Não esquecendo o elemento mais importante de ligação, o figurino. Esta relação de


simbiose vai ser não só definida, mas também constatada em diferentes aspetos. Na
vertente histórica, social e cultural, na compreensão das diferenças entre um figurinista
e um designer de moda e a contribuição da alta-costura. Adicionando ainda
comparações entre um figurino idealizado com rigor histórico e com liberdade artística
e o contributo de uma destacada investigadora da área.

Com o intuito de efetuar a ligação entre a dimensão teórica e reflexiva e a dimensão


prática e criativa, elaborou-se um manual do processo de criação do figurino e um caso
prático que consiste na recriação de dois figurinos de um filme português, Os Emissários
de Khalôm que assimilará vários dos conteúdos anteriormente explorados.

Palavras-chave
Moda;cinema;figurino;filmes;história;análise;
Folha em branco
Abstrat

Over the course of the 20th century two topic areas were subject of focus: fashion and
cinema. Both in constant evolution they have shaped each decade with different
signatures. In that sense, the first chapter will present an anaylisis and historical
thought on how to explain the multiple relations established in between these two
subjects.

The most important element of this connection is the costume. This symbiotic
relationship will be not only defined but also witnessed in different aspects. The
historical, social and cultural dimensions, as well as the understanding of the
differences between a costume designer and a fashion designer and the contribution of
high fashion. Furthermore are presented the comparison between an historically
accurate costume and a an artistically free one and the role of one distinguished
researcher in this field.

With the main goal of making a connection between the theoretical and reflexive
dimension and the practical and creative one it was produced a manual on the process
of creating a costume and one practical case, consisting on the remaking of two
costumes for a portuguese movie, Emissários de Khalôm, which will absorb the contents
previously explored.

Keywords

Fashion;cinema;costume:movies;history;analysis.
Folha em branco
Índice
Resumo ......................................................................................................................... 5
Abstract ......................................................................................................................... 7
Lista de Figuras .......................................................................................................... 12
Lista de Acrónimos .................................................................................................... 14
Introdução .................................................................................................................... 1
Capítulo I – Moda e Cinema ...................................................................................... 2
1.1 Os Primórdios .................................................................................................... 2
1.2 A Influência da Guerra na Moda e no Cinema ............................................. 3
1.3 A ilusão dos anos 20 ......................................................................................... 5
1.4 A Era de Ouro .................................................................................................... 7
1.5 O Racionamento e a Alta-Costura ................................................................ 10
1.6 Estrelas e Rebeldes de Hollywood ................................................................ 12
1.7 Kubrick e Cardin: A Era Espacial .................................................................. 14
1.8 Anti-Moda ........................................................................................................ 17
1.9 Os monstros dos anos 80: Gremlins e Ombreiras ...................................... 19
1.10 Grunge ............................................................................................................. 21
Capítulo II – O Figurino ........................................................................................... 22
2.1 Definição ........................................................................................................... 22
2.2 Diferença entre moda e figurino ................................................................... 24
2.3 A Alta-Costura no Cinema ............................................................................. 28
2. 4 Rigor Histórico Versus Liberdade Artística ............................................... 32
2.5 Conversa com Caterina Cucinotta ................................................................ 37
Capítulo III – Manual do Figurinista ..................................................................... 40
3.1 Como criar um figurino passo a passo .......................................................... 40
3.1.1 Pré-produção ............................................................................................. 40
3.3.2. Guião e Breakdown ................................................................................ 41
3.3.3 Moodboard e Protótipo ........................................................................... 42
3.3.4 Orçamento ................................................................................................ 44
3.3.5 A Equipa .................................................................................................... 45
3.3.6 Em Rodagens ............................................................................................ 45
3.2 Os Emissários de Khalôm: A recriação dos figurinos de Verónica .......... 46
Conclusão.................................................................................................................... 59
Bibliografia e Webgrafia ........................................................................................... 61
Apêndice ..................................................................................................................... 66
1- Conversa com Caterina Cucinotta………………………………………………....66
2- Fichas Técnicas…………………………………………………………………….73
Folha em branco
Lista de Figuras
Figura 1 - Cartaz publicitário Burberry 1918 …………………………………………………..4
Figura 2 – Cartaz do filme Die Büchse der Pandora (1929) ………………………….... 7
Figura 3 – Direita: Joan Crawford com o figurino desenhado por Adrian em 1933,
em comparação com o catálogo natalício de Jonh Falconer do mesmo ano (à
esquerda) ……………………………………………………………………………………………………..9
Figura 4 - Marlon Brando em The Wild One ……………………………………………………14
Figura 5 - Fatos Cosmocorps e vestidos porthole por Pierre Cardin 1968 …………...15
Figura 6 - Picnic em Teerão 1976……………………………………………………………………. 17
Figura 7 - Nike Mag…………………………………………………………………………………….…20
Figura 8 - À direita Bruce e Selina enquadrados com vestuário adequado a uma gala.
À esquerda, as mesmas personagens com os figurinos representantes do seus alter-
egos, Batman e Catwoman. …………………………………………………………………………….24
Figura 9 - Primeiro plano com leitura dos detalhes têxteis do figurino…………….....26
Figura 10 - Pedro Almodóvar, Victoria Abril e Jean Paul Gaultier para o filme
Kika……………………………………………………………………………………………………………..31
Figura 11 - Cena com os detalhes da roupa interior em Titanic ………………………….35
Figura 12 - Tina Turner e Mel Gibson em Mad Max……………………………………….....37
Figura 13 - Figurino 1 Original …………………………………………………………………….…47
Figura 14 Moodboard Figurino 1 ………………………………………………………..…………48
Figura 15 Ilustração/Esboço Figurino 1 …………………………………………………..……..49
Figura 16 - Processo de criação do figurino. À direita detalhes do corpete e da
crinolina em manequim. Ao centro corte do molde da manga em tecido final. À
esquerda, elaboração de detalhes em crochet. ………………………………………………….50
Figura 17 - Fotografias do fitting ……………………………………………………………………..51
Figura 18 - Figurino 2 Original ……………………………………………………………………….52
Figura 19 - Moodboard Figurino 2 …………………………………………………………………..53
Figura 20 - Ilustração Figurino 2……………………………………………………………………..54
Figura 21 - Processo de criação do Figurino 2. À direita corte e modelagem. No
centro, colocação das baterias na ombreira. À esquerda, fitting primórdio da parte
superior do macacão. …………………………………………………………………………………….55
Figura 22 - Fitting Figurino 2 com e sem luz natural ………………………………………..56
Folha em branco
Lista de Acrónimos

IMDb Internet Movie Database


MGM Metro-Goldwyn-Mayer Studios
MTV Music Television
NBA National Basketball Association
UBI Universidade da Beira Interior
Introdução
No âmbito dos estudos sobre moda e cinema, esta dissertação tem como objetivo
identificar as relações simbióticas entre ambas as áreas no caso concreto do figurino,
através da análise de parcerias relevantes ocorridas no século XX e dos impactos sociais
que as mesmas originaram ou solidificaram. Ao eleger o figurino cinematográfico como
principal objeto de estudo, é necessário defini-lo e problematizá-lo, mas também
submetê-lo a uma prova prática, o que é feito através da recriação de dois figurinos do
filme Os Emissários de Khalôm, do realizador António de Macedo estreado em 1988.

Para atingir diferentes resultados são usadas várias metodologias. Na contextualização


histórica, apresentada no primeiro capítulo, são identificadas as tendências marcantes
de cada década, no que respeita à relação entre moda e cinema, procurando caraterizar
os modos e motivos de aproximação. Esta visão em profundidade, sempre ilustrada por
obras exemplares, permite compreender quando e como é que cada área se destacou,
quem influenciou quem, e debruçarmo-nos sobre as memórias culturais marcadas pela
estética do vestuário e do cinema, não ignorando a situação social, económica e política,
pois é essencial para a compreensão das mudanças ocorridas. É, também, sempre que
pertinente feita referência à especificidade da realidade portuguesa.

No capítulo dois, é efetuada a análise de dois filmes facilmente reconhecíveis, de modo


a evidenciar as diferenças entre os figurinos de época, com Titanic (1997), e os de cariz
artístico mais livre, com Mad Max: Beyond the Thunderdome (1985), aferindo as suas
diferenças através do cruzamento entre o tempo da narrativa e o período da produção.
Para refletir sobre este tema, entrevistámos Caterina Cucinotta, investigadora na área
do cinema e do guarda-roupa. Ainda neste capítulo, questionamos se um figurinista
pode ou não ser equiparado a um designer de moda e qual a ligação da alta-costura ao
cinema.

Para ilustrar a reflexão teórica com uma dimensão mais prática é desenvolvido no
terceiro capítulo um manual de criação do figurino cinematográfico e efetuada a
confeção de dois protótipos. A recriação de dois figurinos da personagem Verónica do
filme, de António de Macedo, Os Emissários de Khalôm (1988), permite, com as devidas
adaptações, aplicar a metodologia de conceção e confeção do figurino. Este caso prático
visa também aplicar parte dos conhecimentos teóricos adquiridos na primeira fase da
dissertação através do processo criativo de um figurino de época sustentado no maior
rigor histórico e de um outro de intuito futurista e criativamente menos constrangido.

1
Ao longo da elaboração desta dissertação foi redigido, e até à data ainda não publicado,
um subcapítulo sobre figurinismo inserido no capítulo Moda e Cinema da coleção a ser
criada pela Universidade Lusófona na temática Reflexões do Design de Moda.

Capítulo 1 – Moda e Cinema

1.1 Os Primórdios

No início do século XX, a moda e o cinema encontram-se em diferentes patamares


sociais e momentos históricos. Se, por um lado, a moda é um pedestal de classe alta,
como foi em toda a sua existência até à data, o cinema, por outro, é novo e experimental.
É no decorrer do século que ambas as áreas se vão unindo de múltiplas formas e
procurando, cada uma, as suas fórmulas de aproximação a todos os cidadãos.

Até 1910, a Gilded Age vai-se dissolvendo, não escapando ao impacto do virar do século,
uma era marcada pela beleza da arte e pela falta de condições de trabalho. Neste novo
mundo tecnológico, de invenções e novas estéticas, grande parte destas foram
apresentadas na Exposição Universal de 1900, documentada pelos irmãos Lumière em
pequenos trechos de filme. Foram também estes registos que mostraram o quotidiano e
a moda da época nas ruas de Paris. Esta encontrava-se em plena metamorfose do
vitoriano para o eduardiano, adiantando os primórdios da mulher moderna. Mais
confortável e menos restrita, tinha também acesso crescente à aquisição de novas blusas
e saias confecionadas industrialmente. Apesar de vir a prevalecer a tendência
eduardiana no período em análise, merecem destaque dois designers pelas suas
conquistas e ousadias: Mariano Fortuny e Paul Poiret.

O multifacetado artista italiano Mariano Fortuny ficou conhecido como figurista de


teatro e designer de moda, deixando uma estética de relevo que quase cem anos mais
tarde continuou a iluminar os ecrãs em The Wings of the Dove (1997), onde as suas
criações foram escolhidas pela figurinista Sandy Powell para as personagens principais
na adaptação do romance de Henry James escrito em 1902. No artigo Glinding on Wings
Of Design, publicado no jornal New York Times em 1998, é referido que os figurinos são
notáveis pelo facto de os seus tecidos excecionais e ricos em cores renascentistas terem
sido criados a partir de uma fórmula secreta semelhante ao trabalho feito por Mariano
Fortuny, colocando os Lesters1 num lugar único na moda internacional (Menkes, 1998).
O filme foi nomeado para o Oscar de Melhor Figurino.

1
Charles Lester e Patricia Lester são designers e especialistas têxteis de luxo.

2
Também o designer francês Paul Poiret foi alvo de destaque nos anos seguintes. Grande
admirador de arte oriental e do ballet russo, conseguiu transformar o design moderno e
o rumo do vestuário. Lipovetsky (2007) acrescenta que a partir de inícios do século XX,
a moda feminina regista uma revolução profunda dos seus códigos tradicionais. Em
1906, Paul Poiret liberta a mulher do espartilho e promove vestidos tubulares que, ao
dissimularem as ancas, celebram uma silhueta esguia, fluida, pouco cursa, em oposição
à mulheres em «S». O próprio colaborou como figurinista em, pelo menos, 17 filmes e
curtas-metragens entre 1912 e 1932, ficando conhecido pelo seu trabalho em Odette
(1916), L’Inhhumaine (1924) e Garçonne (1923).

É notório no seu trabalho que ambos os designers lutavam por uma visão da mulher
menos curvilínea e mais prática e contemporânea, através dos seus desenhos teatrais.
Porém, as suas criações eram, sobretudo, associadas ao público jovem e dinâmico, por
vezes rebelde ou artístico, enquanto a sociedade mais conservadora continuava a preferir
uma figura semelhante a uma ampulheta onde a cintura pequena era considerada
elegante, perpetuando as idas ao alfaiate e as peças feitas especialmente para cada
cliente.

1.2 A Influência da Guerra na Moda e no Cinema


Na década seguinte, o mundo foi abalado pela Primeira Guerra Mundial, o que separou
tanto a moda como o cinema em três momentos claramente distintos: antes, durante e
depois da guerra. Dois dos grandes marcos da época são o lançamento da Vogue
britânica em 1916 e as coleções desfiladas de Paul Poiret, que abriram portas a um novo
culto da moda, através das revistas e dos desfiles aplaudidos por um público jovem.
Segundo Clare e Adam Hibbert (2005), embora a tendência geral fosse para um maior
conforto, houve uma exceção notável: em 1911, o designer francês Paul Poiret criou uma
saia longa e estreita até ao tornozelo. Permitia pouco espaço para movimento, e o usuário
podia dar apenas pequenos passos. Em pouco tempo, o estilo ganhou o apelido de hobble
skirt. Apesar de sua impraticabilidade, permaneceu na moda até pouco antes da guerra.
Estas saias constam entre as vítimas da moda: as mulheres relatavam a sua incapacidade
de dar pouco mais de três pequenos passos com elegância, tendo-se tornado uma das
últimas oportunidades que a classe alta teve de assimilar a impraticabilidade do
vestuário à riqueza.

Porém, em 1913 outra mudança aconteceu. “Os vestidos deixaram de ter golas até às
orelhas; passaram a ter o que conhecemos como «decote em V». O que criou um
extraordinário entusiasmo. Foi denunciado pelo púlpito como algo muito idêntico a uma
exposição indecente e pelos médicos como um perigo para a saúde.” (Laver, 1996, p.227).
Este estilo foi usado como provocação regularmente por uma das primeiras sex symbols

3
de Hollywood, a atriz Theda Bara, visível igualmente em The She Devil (1918), de J.
Gordon Edwards. Este choque social causado por um simples decote favoreceu a rápida
mudança que se deu nos anos seguintes ao nível do vestuário feminino.

Com o decorrer da guerra, entre 1914 e 1918, muitas mulheres comprometeram-se na


tarefa de produzir bens essenciais e material de guerra para ajudar os militares.
Trabalhos como o auxílio em fábricas de munições, que anteriormente eram
considerados masculinos, passaram a ser feitos por mulheres. A saída de casa e a
necessidade de trabalhar libertou a mulher da sua condição doméstica e levou ao
surgimento de movimentos de sufragistas que exigiam o direito de voto, pois
contribuíam igualmente para a sociedade. Uma das películas mais polémicas da altura
mostra-nos Emily Davison a ser morta pelo cavalo do Rei George V em Derby, a 4 de
Junho de 1913, um acontecimento horripilante marcado pela sufragista a dar a vida pelo
direito das mulheres.

Figura 1 - Cartaz publicitário Burberry 1918

Fonte: Fashion Era

Também a roupa e os penteados foram obrigados a mudar, tornando-se mais práticos e


de rápida manutenção. As saias encurtaram, subidas a pouco mais do tornozelo. A roupa

4
masculina, constituída por fatos de três peças (calça, casaco e colete), era completada
pela obrigatoriedade do uso de chapéu em público. Porém, em grande parte dos registos
fotográficos e fílmicos do período durante a guerra, o homem é apresentado com
fardamento militar. Uma das peças popularizadas foi o trench coat, a gabardina, que
permitia aos militares proteger-se das condições atmosféricas rigorosas que
enfrentavam, como o frio e a chuva, mantendo-se quentes e secos nas condições
desumanas que as trincheiras proporcionavam. Este casaco foi desenhado por Thomas
Burberry, sendo à prova de água, e foi aprovado pelo Ministério da Guerra do Reino
Unido, com o seu adicional escapulário nas costas, fivelas nos punhos e cintura,
dragonas e ombreiras. Na figura 1 podemos encontrar um exemplar publicitário da
gabardine. A propaganda militar cinematográfica, geralmente realizada por equipas de
filmagens do exército e usadas para incentivarem jovens a irem para os campos de
batalha, acabaram por introduzir uma versão semelhante da gabardina, mas mais
simplificada, no quotidiano.

Poucos anos mais tarde, em 1930, foi produzido o filme All Quiet on the Western Front
por Lewis Miles Stone, inspirado no romance de Erich Maria Remarche, obra que mostra
fielmente as dificuldades sentidas pelos soldados nas trincheiras. Além deste, são
inúmeros os filmes produzidos sobre a temática da Primeira Guerra Mundial, com várias
perspetivas, até os dias de hoje, como Sergeant York (1941), Paths of Glory (1957),
Lawrence of Arabia (1962) ou, mais recentemente, 1917 (2019). Portanto, desde cedo
que a moda e o cinema se aproximaram, em contextos complexos ou em mensagens
polémicas, cruzando-se mesmo nos campos de batalha.

1.3 A ilusão dos anos 20

Nos loucos anos 20, como são intitulados na gíria, as festas e excessos marcaram a vida
dos mais ricos como forma de alívio por terem sobrevivido à guerra. Não só a moda
sofreu uma reviravolta com as suas curtas saias, como o cinema ganhou som, sendo o
filme The Jazz Singer (1927), de Alan Crosland, o primeiro exemplar. O filme, além da
ética cultural desconfigurada da época, retrata um jovem a querer ser cantor de jazz
contra a vontade de seu pai, mas, mais importante, demonstra muitas das tendências de
vestuário usado nos clubes de música de então, bem como a extravagância da roupa de
palco. Até à data os filmes permaneciam mudos e mais enaltecidos pelo terror e pela
caracterização de The Phantom of Opera (1925), pelo drama de Ben-Hur (1925) e pela
comédia de Charlie Chaplin The Gold Rush (1925), todos iluminados pelos excêntricos
figurinos de lantejoulas usados pelas personagens femininas em situações libertinas. A
popularização das idas ao cinema levou as espectadoras a tentarem também um estilo
mais provocador.

5
Esta mudança repentina de estética não foi bem vista por todos: em 1925, e “para
escândalo de muitos, veio a verdadeira revolução das saias curtas. Elas foram retiradas
do púlpito na Europa e na América, e o Arcebispo de Nápoles chegou ao ponto de
anunciar que o recente sismo em Amalfi se devia à ira de Deus contra uma saia que não
ia além do joelho.” (Laver, 1996, p.232). Ainda assim, para a felicidade dos que preferem
viver a sua liberdade de expressão e comportamento, a moda continuou a manifestar-se
como a sociedade entendia, e vice-versa, até ao abalo económico sentido em 1929, o qual
tornou os anos 20 uma mera ilusão de felicidade para os ricos, mas também para a
sociedade em geral.

Muitas tendências marcaram a década, mas a silhueta andrógina com a qual as mulheres
jovens criaram um novo ideal ao recusarem os atributos femininos, foi das mais
reconhecidas. Esta grande revolução no vestuário, foi associada historicamente a Coco
Chanel. Segundo a autora Megan Hess, responsável por uma das biografias ilustradas da
designer, Coco Chanel: The Ilustrated Word of a Fashion Icon (2015), a simples paleta
de cores predileta constituída por preto, branco, bege, dourado e vermelho tornou-se
“uma referência simbólica de elegância”. Tendo ainda marcado a história da moda com
o seu vestido ford em 1926.

Assim como o carro, o Little Black Dress era simples e acessível para mulheres de todas
as classes. O desenho simples e desestruturado em crepe de chine sem forro, acentuado
por quatro listras diagonais, era decididamente despojado e se tornou, segundo a Vogue,
«uma espécie de uniforme para todas as mulheres de gosto». (Hess, 2015, p.101)

Os amores pelas peças simples de Chanel ficaram populares pela elegância radical que
apresentavam. Para além de demonstrarem uma nova mulher desprendida de valores
eróticos e curvilíneos, as roupas eram práticas e sofisticadas, sem necessidade de grande
manutenção ao longo do dia, e apropriadas para várias atividades diurnas e noturnas.
Não só a designer colheu a fama da nova tendência, como algumas estrelas de Hollywood
começavam a ser conhecidas pela aproximação do vestuário e da estética feminina ao
masculino. A atriz sueca Greta Garbo, uma das mais influentes e melhor sucedidas na
transição do cinema mudo para o falado, usava calças masculinas sob medida,
gabardinas e boinas. Ela foi responsável pela tendência do slouch hat, chamado por
alguns garbo hat, depois de o usar em A Woman of Affairs (1928). Na década seguinte,
o uso de calças ficou bastante popularizado através do cinema. Além de Garbo, também
a dançarina e atriz Louise Brooks representou os looks ideais da época, como o corte bob
de cabelo curto preto. Este penteado marcou a geração e o espírito livre e liberado dos
anos 20, visível em Die Büchse der Pandora (1929) na figura 2.

6
Figura 2 – Cartaz do filme Die Büchse der Pandora (1929)

Fonte: Movie Poster Shop

1.4 A Era de Ouro

Em 1929, a sexta-feira negra de 24 de Outubro ficou marcada pelo Wall Street Crash, a
maior queda do mercado da bolsa de Nova Iorque e a economia entrou em depressão
deixando milhares de americanos desempregados. Automaticamente a moda sofreu
consequências e, com o poder de compra da população diminuído, os designers criaram
roupas pronto-a-vestir com materiais mais baratos, como o algodão e o rayon, com cores
semelhantes à aura dos tempos: preto, azul-escuro, cinzento e castanho. Um dos escapes
sociais foi o cinema, com vários estúdios, como a Paramount, a Warner Bros, a Walt
Disney, a Metro-Goldwyn-Mayer e a Columbia a concorrem pelo amor do público.
Segundo Marnie Fogg, autora do livro Fashion: The Whole History, a nova estética
hollywoodiana influenciou, mais do que nunca, a moda feminina dos anos 1930. Apesar
dos Estados Unidos estarem a ser atingidos pela depressão financeira, a moda e o cinema
viviam os seus anos dourados. As primeiras bombshells como Carole Lombard e Mae
West, tornaram-se ícones de moda ao ostentarem vestidos acetinados cintilantes. No
entanto, quem reinava com uma silhueta mais sedutora era a alta-costura parisiense. Até

7
à intervenção do figurinista Gilbert Adrian que transportou a linguagem artísticas de
designers clássicas como Madeleine Vionnet para públicos mais diversos.

“Chefe de figurino no estúdio MGM, Adrian popularizou o corte no viés de Vionnet em


filmes como Dinner at Eight (1933), no qual Jean Harlow arrasava corações usando um
vestido frente única cortado no viés, com uma capa de plumas de avestruz brancas e
diamantes.” (Fogg, 2013, p.272)

Gilbert Adrian marcou a era dourada do cinema com os seus figurinos, através dos quais
as atrizes arbitravam a moda e as tendências a seguir, quer fosse pela sua simplicidade
quer pela extravagância, dos icónicos sapatos vermelhos usados por
Dorothy/Judy Garland em The Wizard of Oz (1939) aos excêntricos fatos de The Great
Ziegfeld (1936). Adrian chegou a desenhar figurinos para mais de 250 filmes entre 1923
e 19412 e dedicou o fim da sua carreira a coleções de pronto-a-vestir.

A influência do cinema foi tão grande que até as fotografias de moda da revista Vogue
começaram a assemelhar os seus cenários ao dos filmes, com adereços fantasiosos e
iluminação complexa. Rapidamente, as indústrias prêt-à-porter começaram a produzir
em massa o vestuário usado pelas estrelas de Hollywood. Um artigo da Vogue americana
de 1933, lançado a 1 de Setembro, descreve uma das novas participações
cinematográficas de Mae West e avalia o seu impacto nas seguidoras de tendências:
“Felizmente, o doloroso desinteresse masculino pode vir a ser substituído pela vívida
contemplação que a Miss West lutou para restaurar, como resultado do seu trabalho
persuasivo em She Done Him Wrong, volta a ser um ícone da moda para as meninas
terem algo para olhar.” (Ager,1993, p.66). Porém, o maior sucesso da relação entre o
estilo de Hollywood, a alta-costura parisiense e a indústria da produção de moda em
massa, terá sido o vestido usado por Joan Crawford em Letty Lynton (1932), de Clarence
Brown. Descrito como uma das criações de estilo mais sensacionais da década, o vestido
Letty Lynton (figura 3), com os seus ombros e mangas franzidas de organza, foi copiado
pela Macy's e outras lojas de retalho. Poucos meses após o lançamento do filme podia
ser visto em todas as pistas de dança do país.
Na versão masculina do mesmo fenómeno, encontramos o ator Douglas Fairbanks Jr,
estrela de mais de 45 filmes mudos, apontado como exemplo do que um homem jovem
e charmoso devia usar, com os seus fatos elegantes de tecido xadrez feitos sob medida
pelos alfaiates Savile Row Anderson & Sheppard. Já num dos figurinos de Little Ceaser
(1931), interpretado por Edward G. Robinson, o estilo gangster é o mais marcante, em
contraste com o clássico de Fairblanks. Durante o período da Lei Seca (1920-1933), o
mercado negro floresceu. Os gangsters tornaram-se ricos e passaram a vestir versões

2
Segundo os registos encontrados na página do IMDb dedicada ao próprio.

8
exageradas dos fatos dos homens de negócios respeitados. Os ombros e as riscas largas
davam uma ideia de força, volume e masculinidade. Projetados para serem
exibicionistas, os fatos eram conjugados com gravatas coloridas, sapatos de dois tons e
chapéus de feltro. Durante os anos 30, o look gangster passou a ser uma tendência.

Figura 3 – Direita: Joan Crawford com o figurino desenhado por Adrian em 1933, em
comparação com o catálogo natalício de Jonh Falconer do mesmo ano (à esquerda)

Fonte: University of Glasgow Library

Como iniciado na década anterior, o estilo masculino adotado por mulheres de alta
visibilidade torna-se mais comum, mas não necessariamente apadrinhado pela
sociedade. A lendária atriz Marlene Dietrich era descrita pelo seu estilo muito pessoal,
em que usava fatos de homem e por vezes um monóculo. A sua personalidade encantou
o diretor Josef von Sternberg, que lhe ofereceu o papel da manipuladora e durona Lola
em Der Blaue Engel (1930). No filme, é vista de cartola e meias pretas com smoking de
alfaiataria e colarinho alto com pontas viradas. Também nos Estados Unidos houve
quem representasse a moda mais fluida entre géneros: em 1933 estreou o filme
Christopher Strong, de Dorothy Arzner, onde Katherine Hepburn protagoniza o papel
de uma decidida mulher aviadora, cujo figurino ajudou a divulgar o estilo masculino e o
uso de calças no quotidiano feminino.

Para além da abertura a novos estilos de vestuário e novos géneros cinematográficos, a


década de 30 também introduziu muito discretamente atores sem aspeto ocidental.
Anna May Wong foi a primeira descendente chinesa a participar em grandes produções

9
como Daughter of the Dragon (1931), mas a evolução não foi totalmente positiva,
acabando por sexualizar a mulher asiática, tornando o traje tradicional qipao usado
Shanghai Express (1932) uma representação do luxo decadente oriental.

1.5 O Racionamento e a Alta-Costura

É bastante improvável analisar a história do século XX sem evidenciar a Segunda Guerra


Mundial. Eventos desta dimensão afetam toda a população e a sua dinâmica
sociocultural, política e económica. Não só caem sobre as suas vítimas mortais como
mudam gradualmente mentalidades. Mais uma vez, a moda e o cinema traduzem o
acontecimento em novas linguagens.

“À medida que as nuvens da Segunda Guerra Mundial começaram a formar-se, tornouse


óbvio que a silhueta da moda começava a ser modificada, mesmo os designers de moda
ficaram perplexos com o público em geral sobre qual seria a tendência dominante.”
(Laver, 1969, p.248)

O encerramento das indústrias nos Estados Unidos e na Europa teve consequências


imediatas. Ao contrário do impulso da primeira grande guerra, a segunda trouxe de volta
cortes clássicos, com menos abrangência criativa. O facto de a capital da moda francesa
ter sido obrigada a fechar portas em 1940, levou alguns designers como Coco Chanel,
Jacques Heim e Elsa Schiaparelli a preferirem os Estados Unidos ou Inglaterra para sua
segurança. Apenas noventa lojas foram autorizadas a manterem-se abertas. Jeanne
Lanvin, Jean Patou, Cristóbal Balenciaga, Lucien Lelong, Pierre Balmain e Nina Ricci,
entre outros, continuaram a exibir algumas pequenas coleções de alta-costura com
orçamentos especiais para tecidos, de forma a preservar os compradores americanos e
mimar as esposas dos oficiais Nazis. Um dos problemas a enfrentar foi o sistema de
racionamento.

“Os países envolvidos na guerra introduziram racionamento para proteger os stocks de


recursos raros. Fornecimentos de comida, roupas e móveis eram todos controlados. O
racionamento funcionava com um sistema de cupões, com um certo número de cupões
atribuídos para diferentes peças de roupa. Todos, ricos ou pobres, receberam o mesmo
número de cupões. O racionamento de roupas começou no Reino Unido em 1941 e nos
Estados Unidos em 1942.” (Hibbert, 2005, p.22)

Este sistema deixou as populações carentes, o que levou ao reaproveitamento de tecidos


de peças dos anos 30, modificadas em casa para novo uso. Um dos exemplos caricatos
do racionamento foi a exceção criada pelo governo inglês para o vestido de casamento
da Princesa Isabel, mais tarde coroada Rainha Isabel II. Com a oferta de 200 cupões a

10
mais que o expectável, o designer da família real Norman Hartnell criou um vestido de
assinatura própria com bordados nos seus quase 4 metros de comprido.

Um dos grandes clássicos cinematográficos, Casablanca (1942), surgido no meio do caos


social que se vivia, demonstra a nova sobriedade das roupas trazida pela guerra,
desenhadas por Orry-Kelly. O figurinista recebeu mais tarde três Óscares de Melhor
Figurino, com Les Girls (1958), An American in Paris (1952) e Some Like It Hot (1959).
Yaeger (2016) no artigo Woman He’s Undressed relata que ele meteu Ingrid Bergman
no seu fato branco em Casablanca, criou o look ingénuo de Leslie Caron para An
American in Paris, e colocou Shirley MacLaine em meias verdes para Irma La Douce,
fez para Natalie Wood um vestido de stripper para Gypsy, e ainda foi responsável pelo
figurino feito de moedas que mal cobriam os corpos das bailarinas de Gold Diggers of
33. Todavia, logo após o fim da guerra, The Stranger (1946), de Orson Welles, foi o
primeiro a conter filmagens documentais do Holocausto tentando elucidar o povo
americano do sucedido em território europeu. Este foi abordado no estilo
cinematográfico mais popular e pessimista da época, o noir. Citizen Kane (1941), The
Maltese Falcon (1941) e Laura (1944) são outros grandes exemplos da estética escura e
cínica, sendo que um deles contou com figurinos desenhados pela principal designer da
Coach New York, Bonnie Cashin. Esta, frustada com as restrições impostas à criação de
roupas pelo período de guerra, voltou para a Califórnia e assinou um contrato de seis
anos com a Twentieth Century Fox. Chegou a desenhar figurinos para personagens
femininas de mais de 60 filmes. Utilizando recursos do departamento de figurino do
estúdio para produções como Laura (1944), A Tree Grows in Brooklyn (1945) ou Anna
and the King of Siam (1946), Cashin também experimentou criar roupas para fora das
telas, e produziu versões sob medida para as atrizes principais (Fogg 2013). As imagens
femininas destes filmes marcaram a geração, com fatos de ombros largos, cintura fina e
saia pelo joelho de tecido igual para uso diurno, e vestidos de gala chamativos para
eventos noturnos.
A estranha década de 40 conseguiu não só ser palco de um dos massacres mais macabros
da modernidade, como berço para os clássicos cinematográficos e um marco na alta-
costura.

“Quando a guerra acabou, os designers experimentaram vários estilos diferentes, mas


nenhum capturou a imaginação das pessoas - até o lançamento da coleção Corolle de
Christian Dior em fevereiro de 1947. Logo conhecido como New Look, não era nada novo,
inspirando-se dos anos trinta.” (Hibbert, 2005, p.26)

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Não sendo a silhueta uma novidade, foi a controvérsia provocada pela audácia de Dior
ao criar um fato que necessitasse de tanto tecido em situação de racionamento e da
retoma ao corpete que deu ao New Look a esperança num futuro promissor.

1.6 Estrelas e Rebeldes de Hollywood

Uma vaga de otimismo e novas tecnologias foi trazida pela década de 50. O aparecimento
do rock’n’roll e da televisão a cores em 1953 demonstravam a prosperidade norte
americana e a divulgação de novos estilos e culturas pelos baby boomers.

Com os designers de moda a criar coleções duas vezes por ano, a década de 50 retomou
a aparência da mulher elegante. A silhueta passou a ser menos estruturada e mais reta
com o passar do tempo. Vários foram os exemplos de estilo a seguir que ainda hoje
recordamos calorosamente, como Grace Kelly e Marilyn Monroe. Nas comédias
românticas, Marilyn seduziu o público com as suas participações em How to Marry a
Millionaire (1953) e Gentlemen Prefer Blondes (1953), onde partilha o ecrã com outro
ícone, Jane Russell. Quase sempre vestida por William Travilla, o figurinista foi
responsável pelo seu guarda-roupa de sex symbol, como o famoso vestido branco
filmado em The Seven Year Itch (1954).

“Costas nuas, decote profundo e saia XXL… é provavelmente o vestido mais icônico da
história do cinema. Esta peça de William Travilla foi desenhada exclusivamente para o
filme. Empoleirada em sandálias de salto brancas, Marilyn Monroe deixou o ar do metro
soprar levemente na sua saia num elegante movimento flutuante. (…) Filmar a cena em
público exigiu 14 takes, o que atraiu curiosos espectadores e fotógrafos que se reuniram
para observar o movimento do vestido. Os takes, arruinados por exclamações do público,
tiveram que ser filmados num estúdio particular em Hollywood.” (Raynaud,
Vogue Paris, 2020)

Já Grace Kelly, que foi de estrela de Hollywood a princesa do Mónaco, participou em


êxitos como Mogambo (1953), Dial M for Murder (1954), de Alfred Hichcock, e The
Country Girl (1954), que lhe valeu o Óscar de Melhor Atriz. Após o seu casamento com
Rainer III, príncipe do Mónaco, em 1956, praticamente não voltou a representar, mas
tal não foi impedimento de que continuasse a lançar tendências como as calças capri
para o uso quotidiano. A Vogue Portugal ainda realça que o seu look de casamento é,
talvez, o mais famoso, uma silhueta desenhada por Helen Rose, a figurinista da MGM
Studios: um fato com saia em renda sobre tafetá de seda em rosa para o seu casamento
civil e um vestido de tafetá de seda com um véu para a cerimónia religiosa (Burney,
2018). Um dos filmes que mais influenciou o vestuário masculino nos anos 50 foi sem
dúvida The Wild One (1953). O icónico casaco motard usado por Marlon Brando (figura

12
4) foi desenhado por Irving Schott em 1928 mas só após a estreia do filme virou moda,
sendo o look reforçado pelo ator James Dean em Rebel without a Cause (1955).
Ffloukles, em How to Read Fashion (2010), defende que o estilo rebelde consiste em
usar roupas que comuniquem "atitude". Filmes da década de 1950 apresentam jovens
revestidos em couro, tendência que desde então se refletiu no vestuário usado por
motards, punks e bandas de rock. As roupas geralmente são feitas de couro ou ganga,
decoradas com rasgos, tachas e correntes.

Figura 4 - Marlon Brando em The Wild One

Fonte: Britannica

No entanto, aquele não foi o único estilo novo adotado pelos adolescentes de então. Os
beatniks, conhecidos como geração beat, nasceram de um movimento literário de
libertação de paradigmas sociais em Paris e em Nova Yorque e tiveram como expoente
maior o livro On the Road (1957), romance escrito por Jack Kerouac. O aspeto único e
individual, definido pelo uso de preto e calças cigarrette, rapidamente se tornou alvo de
destaque e ataque pelos media conservadores e pelos filmes da época: “O filme Funny
Face de 1957, dirigido por Stanley Donen com Audrey Hepburn, apresenta a cultura
beatnik na sua forma mais reconhecível: destilando conversas em cafeterias, homens
barbudos com boinas e apresentações improvisadas de bongo.” (Skidmore, 2016). Estes

13
primeiros movimentos anti-moda 3 opunham-se à sociedade materialista e tornaram
possível para as gerações seguintes o surgimento de outras tribos urbanas. Eram jovens
que igualmente lutavam pela sua liberdade artística, sexual e intelectual, indo contra as
tradições impostas pelos seus pais e pela idealização da família perfeita que as
campanhas publicitárias lutavam por manter. A ideologia da mulher como dona de casa,
sempre sublime e submissa ao seu marido, chefe de família e responsável pelo sustento
da mesma, criou uma indústria de vestuário, maquilhagem e artigos de lar em seu redor.
Neste mercado, estão mesmo incluídos manuais de comportamento, um deles escrito
pela designer Anne Fogarty – The Art of Being a Well Dressed Wife (1959) – que sugeria
a utilização de conjuntos de lã elegante, condizendo o cardigan e a saia rodada abaixo do
joelho. Não admira que até os filmes infantis produzidos pela Disney, como Cinderella
(1950) e Sleeping Beauty (1959), incentivassem a mesma linguagem. Já ao homem eram
indicados fatos italianos, agora considerados de excelente qualidade, popularizados
pelas viagens de aviões comercias, com Itália a ser o destino de férias dos mais abastados.
Um filme de exemplo disso é Three Coins in The Fountain (1954).

1.7 Kubrick e Cardin: A Era Espacial

Na corrida espacial disputada pelos Estados Unidos da América e a União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas para conseguir chegar à lua em primeiro lugar, o público
transformou-se perante as expectativas futuristas do que este passo traria.

2001: A Space Odyssey (1968), de Stanley Kubrick, concilia o estudo das emoções com
uma estética artística e contemporânea que mudou o cinema. A associação das cores com
os cenários e adereços geométricos acrescentam uma pluralidade de símbolos e
interpretações ao filme, para além da complexidade do guião e da história. No despertar
dos filmes de ficção científica que se verifica nesta década, também Fahrenheit 451
(1966), Fantastic Voyage (1966) e Planet of the Apes (1968) se destacaram. No entanto,
como disse Luís Nogueira, “na ficção científica os cenários são constantemente ideias
falhadas do que seria o futuro” (2014, p.56) o que dá mais amplitude ao imaginário do
que à veracidade dos acontecimentos. A utopia tecnológica era tão intensa que até séries
de animação para os mais novos se apoderavam da temática, como os Jetsons (1962 –
1963).

3
Termo aplicado ao uso de vestuário contraditório ao da sociedade em geral.

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Também a moda propunha novas ideias e conceitos que acompanhavam o sonho da era
espacial. Pierre Cardin, com as suas formas geométricas distanciadas de
tradicionalismos, atraía clientes como Elizabeth Taylor, Brigitte Bardot e até os
membros dos The Beatles. Mas foi depois da sua visita à NASA que ele abalou a alta
costura: roupas unissexo, uso de materiais plásticos, capacetes e viseiras, chapéus e os
famosos cosmocorps e vestidos porthole (figura 5), reinventaram a moda jovem. O
próprio admitiu também tirar inspiração dos primeiros filmes de sci-fi, como o Le
Voyage dans la Lune (1902), de George Méliés.

Figura 5 - Fatos Cosmocorps e vestidos porthole por Pierre Cardin 1968

Fonte: Archives Pierre Cardin

Também outras artes explodiram em novas visões, tendo Andy Warhol como cabeça de
cartaz. Não só na pintura, com a pop art, mas também em filmes experimentais como
Empire (1964) e Chelsea Girls (1966) que realizou. O seu estúdio The Factory, em Nova
Iorque, gerou os principais eventos artísticos da década, onde reunia intelectuais com
drag queens ou famosos de Hollywood com músicos boémios. Acompanhado por uma
das it girls, Edie Sedwigck, imortalizam o uso de camisolas às riscas e tecidos metálicos.
Apesar de mais recente, o filme Factory Girl (2006) demonstra a relação de ambos e as
vivências surreais dentro do estúdio.

A arte cada vez mais se aproximava da moda, como o vestido Mondrian de Yves
SaintLaurent deixou claro. Inspirado numa das composições geométricas e coloridas de
branco, preto, vermelho, azul e amarelo de Piet Mondrian, o vestido tornou-se um ícone
dos anos 60. A coleção de outono/inverno de 1965 não só constatou o famoso vestido,
mas também a parceria com o designer de sapatos Rogier Vivier. O calçado exibido foi

15
privilegiado pela atriz Catherine Deneuve em Belle de Jour (1967), e dado o sucesso que
fez, foi intitulado com o nome da obra.

A verdade é que muitas destas tendências e inovações foram possíveis graças aos
protestos que reivindicavam a libertação sexual, os direitos civis e a igualdade entre
género, cor e classe. Os movimentos jovens e estudantis revolucionaram a sociedade
enquanto a chocavam. Wonderwall (1968) demonstra a estética psicadélica e o lifestyle
preferido pelos hippies através da personagem Penny Lane, interpretada por Jane
Birkin. A atriz e cantora foi musa de inspiração para a mala mais famosa criada por
Hèrmes, precisamente a Birkin. Hoje é símbolo de estatuto social graças à exorbitância
do preço e à raridade.

Loucura para alguns, mas realidade para outros, esta estética foi dinamizada pelo filme
Blow-Up (1966), de Michelangelo Antonioni, “onde a beleza e o bizarro assumem novas
formas” como é dito no seu trailer, sendo visível, entre muitas mudanças do vestuário
ocorridas, a minissaia e a sua versão micro.

Outra peça de vestuário que marcou a década, e não pelos melhores motivos, foi o fato
cor-de-rosa da Chanel usado por Jacqueline Kennedy. Ícone da moda na sua versão
tradicionalista, a primeira-dama americana tinha o designer Oleg Cassini a seu lado para
conceber o guarda-roupa. O fato escolhido pelo marido, John F. Kennedy, dias antes, foi
o usado no momento do trágico assassinato do presidente dos Estados Unidos, a 22 de
novembro de 1963. Ela decidiu manter o fato vestido manchado de sangue nas horas
seguintes ao crime para demonstrar a crueldade do ato. O momento reproduzido vezes
sem conta pela comunicação social, tornou-se temática para vários filmes das décadas
seguintes, desde biográficos como Jacqueline Bouvier Kennedy (1981) a dramas como
Executive Action (1973) e JFK (1991).

16
1.8 Anti-Moda

Figura 6 - Picnic em Teerão 1976

Fonte: BBC Magnum Photos

É certo que o impacto da guerra na sociedade e consequentemente no vestuário foi


enorme na Europa e nos Estados Unidos da América, mas a maior mudança no século
XX aconteceu sem ninguém da cultura ocidental se aperceber. A visão que hoje temos
do mundo árabe é que ficaram presos no tempo, quando na realidade foi o “tempo” que
os voltou a prender. Não obstante, às diferentes realidades e culturas que têm para
oferecer, o intuito é descentralizar um pouco os estudos de moda e de cinema da
sociedade ocidental e contribuir para a divulgação das áreas criadas noutra parte do
mundo. Dos anos 30 aos anos 70 são vários os filmes que retratam a evolução liberal,
tecnológica e educacional vivida, como Knesht Va Ayeneh/Brick and Mirror (1964),
Na’arat haparvarim/West Side Girl (1979) e Ha-Trempist/An American Hippie in
Israel (1972). Existe uma grande semelhança entre o vestuário representado e o europeu
da altura, não por questões cinematográficas, mas sim pela realidade vivida. Foi com o
início da revolução islâmica em 1979, que foi imposto às mulheres que voltassem a usar
hijab, banido da sua obrigatoriedade desde os anos 30. A imagem 6, retirada do artigo
Iranian Women – Before and After The Islamic Revolution da BBC (2019), representa

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com precisão o vestuário de mulheres e homens iranianos num picnic em Teerão em
1976.

Já na Europa e nos Estados Unidos, os protestos anti-guerra e a reivindicação dos


direitos humanos trouxeram consigo várias subculturas que lutavam por diferentes
motivos. Na vertente anti-moda, trazida pelo movimento da contracultura dos anos 50
e 60, as roupas hippies foram levadas para o mainstream, com o uso de quimonos e
kaftans a tornar-se mais banal. Na outra ponta do espectro de revolta social, os punks
surgiram nos subúrbios de Londres e Nova Iorque dos anos 70, insurgindo-se
agressivamente contra os padrões da classe média e o capitalismo. Sid and Nancy
(1986), lançado poucos anos após a morte de ambos, retrata o estilo de vida e os vícios
do casal e de uma das principais bandas do movimento, os Sex Pistols. Na altura
namorada do manager da banda, a designer Vivienne Westwood transformou o ato de
vestir num ato de protesto. As suas roupas experimentais, rasgadas e cosidas por
alfinetes definiram esta cultura urbana selvagem.

Curiosamente, também há registos da vaga irreverente em território português


começada com Ana Salazar, Manuela Gonçalves e Manuel Alves. Segundo Cardim, “os
designers inovadores e vanguardistas que utilizavam a cultura jovem marginal que
floresceu nas décadas de 1960/1970 acabaram por disputar entre si a participação em
filmes, peças de teatro e eventos” (2014, p.37), acrescentando ainda que vestir uma atriz
podia dar projeção ao estilista e permitia concorrer a prémios de cinema internacional.

Outra tendência que nasceu associada à música foi o disco. Popularizado por John
Travolta em Saturday Night Fever (1977) e Grease (1978), trouxe-nos fatos de ombros
largos, macacões coloridos, vestidos soltos e calças à boca de sino, mas também peças
justas de lycra popularizadas pelas novas preocupações em praticar desporto. Marcas
como a Adidas começaram a lançar modelos de sapatilhas calçados não só por estrelas
da NBA, mas também do rock, como Freddie Mercury. Na música, os Village People
foram cabeças de cartaz e símbolos da comunidade LGBT em ascensão. Já o musical,
comédia e também filme de terror The Rocky Horror Picture Show (1975)
complementa todos estes estilos provocantes de uma década em apenas uma hora e
meia. Como dito no monólogo inicial “eu gostava de te levar numa jornada estranha”,
o que, também, se pode enquadrar pelo vestuário demonstrado: hiper sexualizado, com
assinaturas punk e ainda algum brilho de cabaré.

Contudo, de um “baixo” orçamento nasceu uma das maiores vitórias do merchandising.


Star Wars: Episode IV A New Hope (1977) rendeu 100 milhões de dólares nos anos
seguintes e conciliou os ressacados da era espacial com os futuros nerds que surgiram

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em 1980. Os figurinos desenhados por John Mollo inspiraram designers de moda
durante décadas pelo mundo fora. Valerie Steele, diretora do museu do Fashion Institute
of Tecnology, numa entrevista para a Vanity Fair, descreve que a moda japonesa
começou a despertar na mesma altura da estreia do filme e que ambos se ajudaram
involuntariamente no sucesso. “É distintamente diferente de toda a tradição da moda
ocidental, e isso é importante na tentativa de obter um visual meio alienígena” (Stelle,
2015). Rei Kawabuko, Yohji Yamamoto e Issey Miyake começavam a chegar às
passerelles de Paris e Londres, desconstruindo silhuetas e incutindo linhas dos trajes
japoneses, em parte aproveitando a estética dos figurinos de George Lucas.

1.9 Os monstros dos anos 80: Gremlins e Ombreiras

Numa versão poderosa e refinada, a moda dos anos 80 traz consigo as ombreiras e a
silhueta triangular. Calvin Klein, Ralph Lauren e Armani ditaram os fatos de homem
globalmente e as mulheres acabaram por adotar alguns elementos dos mesmos,
conjugados com saia curta. A série Dynasty (1981-1989) exponenciou a vida glamorosa
e contemporânea como o estilo americano ditava, incluindo a participação da atriz e
ícone Joan Collins. A elegância chegou até aos cenários mais pesados de Scarface (1983),
com Michelle Pfeiffer a colorir o drama e a contrastar com os fatos escuros de Al Pacino.

Por sua vez, os adolescentes reviam-se em The Breakfast Club (1985), em que, tal como
em Pretty in Pink (1986) e Sixteen Candles (1984), Molly Ringwald assumiu papéis de
“popular” na escola secundária. Ambos se tornaram filmes de culto para a juventude e
salientaram os seus estereótipos. Os jovens desportistas com os seus casacos boomber,
saias compridas e óculos para as raparigas mais atinadas, jeans e casacos de cabedal
para os rebeldes, e, claro, muito cor-de-rosa para a personagem mais feminina e
desejada.

Na verdade, a década não ficou marcada somente pela sua moda sofisticada, mas
também pela explosiva. Artistas de várias vertentes musicais invocaram a moda sem
género, excêntrica e audaz, e os videoclips foram a nova ferramenta de divulgação.
Grace Jones, Prince, Boy Goerge, Ozzy Osbourne, Michael Jackson, Axl Rose, MC
Hammer e muitos mais definiram as primeiras gerações da MTV. O canal televisivo
dedicado à música nasceu em 1981 e foi um êxito entre os jovens, abrindo fronteiras a
novos estilos e continuando a ser um portal para o êxito na cultura pop. Hoje ainda
associamos rapidamente o estilo dos anos 80 a videoclips como Girls Just Have Fun
(1983), de Cyndi Lauper, ou Physical (1981), de Olivia Newton-John. Alguns artistas
como Madonna também se dedicaram ao cinema. Desperately Seeking Susan (1985)

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une todos os seus looks, que muitas mulheres tentaram adotar: laços gigantes, calças de
cintura subida, rendas, casacos brilhantes e dezenas de colares e pulseiras.

A fantasia e originalidade também chegou ao cinema através de filmes como Gremlins


(1984), Ghostbusthers (1984) e Labyrinth (1986), sendo o último conhecido pela
participação de David Bowie com a mistura do penteado mullet e maquilhagem
extravagante típica da altura, acompanhado de um vestuário romântico de blusas aos
folhos, joelharia e ainda algumas capas. Nestas obras é visível uma faceta monstruosa,
mas infantil, com diferentes seres a viverem entre os humanos.

Na vertente futurista, temos dois filmes em que podemos comprovar a previsão que se
fazia das roupas. Numa versão mais cómica, Back to The Future (1985) ridiculariza o
que seria a moda em 2015. Não só ainda nos faltam os skates planadores, mas também
a audácia para um streetwear tão complexo. No entanto, a parceria que a Nike fez com
o filme tornou-se uma realidade quando lançou 89 pares dos Nike Mag (figura 7). No
site da marca, podemos encontrar o orgulho do seu presidente: “Nós começamos por
criar algo para a ficção e tornámo-lo num facto, inventando uma tecnologia que beneficia
todos os atletas” (Parker, 2016). Por sua vez, Blade Runner (1982) veio a inspirar
dezenas de designers até os dias de hoje, desde Raf Simons a Alexander McQueen. Os
responsáveis pelos figurinos, Michael Kaplan e Charles Knode, quiseram criar uma
ponte entre a moda dos anos 40, a moda japonesa e a vertente punk-rock. O visual
futurista do vestuário para 2019 pode não ter sido o mais acertado, mas as
videochamadas fazem parte do nosso quotidiano.

Figura 7 - Nike Mag

Fonte: Nike News

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Também à frente do seu tempo estava Thierry Mugler, que, não apostando em
Hollywood, chegou a realizar o videoclip de sucesso de George Michael, Too Funky
(1992), expondo algumas das suas fantásticas criações. O designer parisiense
transformou o universo avant-garde da moda em algo estonteante. Provavelmente, hoje
em dia, a moda não seria o mesmo sem ele. Sem a narrativa cinematográfica, as suas
coleções transmitiram as emoções que muitos filmes expressam, pois ele “contou uma
história com estilo e combinou a fantasia com a realidade” (Formichetti, Vogue, 2010).

1.10 Grunge
Ainda na memória das crianças dos anos 90, 101 Dalmatians (1996) ofereceu-nos a vilã
mais bem vestida da história da Disney. Os figurinos de Cruella de Vil desenhados pelo
vencedor de vários prémios da área, Anthony Powell, comprometeram o preto e o branco
à opulência, e no caso da personagem, à insanidade. Causada pela obsessão com padrões
animais que as tendências ditavam, Cruella ansiava por um novo casaco e como qualquer
“má da fita” não se importava com o dano que ia causar nos animais. O complexo guarda-
roupa combina as peças ilustradas no filme original de 1966 com as silhuetas mais
modernas.

Noutra recordação nostálgica, Spice World (1997) resumiu todos os ícones de vestuário
que pré-adolescentes queriam usar. O filme dedicado à banda Spice Girls demonstrou
muitas das tendências que as anfitriãs lançaram. Mini saias e crop tops, pequenos
vestidos acetinados, muito padrão leopardo e ainda a bandeira inglesa estampada em
botas com plataformas ou até em bodys e microvestidos. Antes, num imaginário em
Beverly Hills e para os amantes de axadrezados, Clueless (1995) apresentou uma vasta
variedade de conjuntos jovens e inovadores, para além de apreciações de marcas e
designers. Numa entrevista à Hapers Bazzar a figurinista responsável, Mona May,
admite que “estava a agir como uma designer de moda ao tentar criar tendências – algo
moderno e novo que não estava refletido nas ruas ou na cultura ainda” (May, 2016). Ela
também confirma que chegou a visitar escolas secundárias e que as baggy jeans e a falta
de feminidade sentida a inspirou a criar o oposto, um universo superfeminino.
Graças ao filme ficou mais perto da realidade.
“- Isso é um vestido? Quem é que o disse?
- Calvin Klein”
Como no diálogo exemplar apresentado entre Cher e o seu pai, várias são as citações que
ocorrem durante o guião, alusivas a designers como Azzedine Alaïa, Fendi e Dolce
Gabbana. Mais de 20 anos após o seu lançamento, o filme continua a entusiasmar as
vítimas da moda.

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Um bom exemplo da mudança de um estilo juvenil e despreocupado para um mais
requintado é Pretty Woman (1990), com Julia Roberts a ser apresentada a um mundo
de ostentação que desconhecia, numa viagem às lojas luxuosas de Los Angels, como
Gucci e Louis Vuitton. A evolução psicológica da personagem é transmitida pelo
vestuário no desenrolar das suas ações, nunca deixando de ter o toque de irreverência
que ela representa, começando com a rebeldia das botas de cano alto com um casaco
oversized e um vestido revelador, passando para fatos casuais e conjuntos sofisticados e
terminando com o famoso vestido vermelho comprido.

É certo que a aparência descrita não assenta bem em todas as carteiras e em


consequência surgiu o género musical grunge, um estilo desajeitado e por vezes caótico,
enquanto muitos ouviam Nirvana e Soundgarden. O visual despreocupado e esfarrapado
chegou a ser um statement, inclusivamente na própria passerelle vermelha dos Óscares
e em premières. Drew Barrymore e Winona Ryder, unidas ao trio em ascensão Brad Pitt,
Johnny Deep e Leonardo DiCaprio, deram a cara não só a este movimento, mas também
a inúmeros filmes que marcaram a década. De all stars calçadas, DiCaprio interpreta
Jim em The Basketball Diaries (1995), uma das obras de culto do grunge, pela
infelicidade que transparece. A maré dos filmes independentes trouxe uma
representação da realidade das classes mais baixas dos subúrbios e dos problemas do
consumo de drogas, desde Trainspotting (1996) a The Vigil: For Kurt Cobain (1998).
Num ápice, a alta costura pegou nesta cultura de não conformidade, e tornou-a sua
através da inclusão de peças especificas grunge, como as flanelas desgastadas, em, por
exemplo, coleções de Marc Jacobs.

Capítulo II – O Figurino

2.1 Definição

Muitas são as denominações que, dependendo do contexto, é possível encontrar para o


que chamamos figurino: traje, vestuário, indumentária, entre outros. No entanto, cada
uma destas palavras acaba por não abranger todo o espectro incluído no conceito de
figurino, partindo do pressuposto de que este refere a roupa de uma personagem fictícia.
É certo que existem variações de significado entre a palavra figurino e a sua versão
inglesa costume, atendendo aos dicionários de cada língua, mas, para efeitos de
coerência no âmbito da indústria cinematográfica, podemos assumir que ambas têm a
mesma interpretação. O objetivo será sempre que a estética da personagem se interligue

22
com a do seu meio envolvente, de modo que pareça natural a relação das roupas com o
espaço e com a psicologia da personagem.

No cinema português é comum encontrar esta área creditada como guarda-roupa e,


consequentemente, ligada ao responsável de guarda-roupa. O termo figurino continua
referenciado no Dicionário de Língua Portuguesa como “estampa ou figura que
representa um modelo de vestuário recomendado pela moda de uma época ou região” e
como “revista de moda”. Também é credível que a descrença do vocábulo “mais correto”
se deva à especificidade do cinema de autor, sendo comum, neste contexto, uma partilha
de tarefas entre os vários intervenientes da direção artística. Sendo a direção artística
um departamento separado, é comum encontrar os mesmos nomes encarregues da sua
direção e da dos figurinos, até em filmes mais recentes como A Herdade (2019), como
acontece com Isabel Branco. Apesar disso, não devemos ignorar que cada vez mais é
associada a profissão de figurinista à função de criar os figurinos e os assistentes de
guarda-roupa àqueles presentes no platô.

Já na variante inglesa, costume está relacionado não só com a temática cinematográfica


e teatral, mas também com o cariz histórico. O que assumimos como traje, na sua
complexidade tradicional, remete igualmente para costume. A palavra,
indiscutivelmente, é variada consoante a sua língua e cultura. Também como uma das
consequências da globalização, da partilha de informação e da dificuldade de tradução
de certos temas, é aceitável usar-se mundialmente costume e costume designer.

Entre glossários intermináveis, é essencial compreender, de facto, do que se trata.


Socialmente a moda possui um poder semiótico assinalável, através das mensagens que
veicula. Segundo Marino Livolsi, em A Psicologia do Vestir, a moda tem “a importância
de poder demonstrar, através da própria roupa, que se pertence a uma classe bem
precisa” (1986, p.41). Mesmo fora de um set, o que vestimos diariamente transmite
significados quase incontornáveis. Apercebemo-nos da idade, do estilo de vida, das
posses monetárias, entre outras, com um simples olhar direcionado à roupa do outro.
Ao termos este poder de observação, facilmente o colocarmos em prática em nós
mesmos. “A moda é entendida, então, como possibilidade de expressão, de
autorrealização de si próprio, de independência do controle social” (Livolsi, 1986, p.44).
Se o fazemos sistematicamente no nosso dia-a-dia, é importante que o exercício seja
semelhante e fluído num filme, que tenhamos a mesma capacidade de identificação
quando se trata de um mundo de ficção:

“A roupa é parte do sistema retórico da moda e argumenta para nos convencer que a
narrativa se passa em determinado recorte de tempo, seja este num certo período da

23
história [...], do ano [...], ou mesmo do dia [...]. De modo semelhante, as roupas de uma
personagem trabalham para demonstrar que este se encontra no deserto, na cidade, no
campo, na praia.” (Costa, 2002, p. 39)

Normalmente, se o figurino passa desapercebido, essa é a sua maior conquista. Este terá
conseguido integrar-se com sucesso na narrativa, sendo que esta subtileza ou discrição
não deve ser atribuída apenas aos figurantes e personagens secundárias, mas também
às principais. É o caso de Forrest Gump (1994), onde em várias fases do filme o
fardamento desportivo e militar do protagonista é igual ao do resto das personagens,
enquadrando-o socialmente, como é suposto. Porém, o contexto em que a personagem
se enquadra também lhe pode exigir o oposto: o máximo destaque. Ao olhar para
Batman Returns (1992), as personagens Bruce Wayne e Selina Kyle conseguem integrar-
se socialmente até assumirem os seus alter-egos de Batman e Catwoman, ganhando as
suas roupas total ênfase, como constatado na figura 8. Então, o objetivo do figurino será
sempre o enquadramento do guarda-roupa da personagem na realidade da sua
narrativa.

Figura 8 - À direita Bruce e Selina enquadrados com vestuário adequado a uma gala. À esquerda, as
mesmas personagens com os figurinos representantes do seus alter-egos, Batman e Catwoman.

Fonte: AnOther Mag

2.2 Diferença entre moda e figurino

Sendo ou não, o figurino dependente da moda da época, isso não transforma o


figurinista num designer de moda? Na verdade, estas as profissões, apesar de
assumirem algumas semelhanças, não são coincidentes, mas podem ser colaborativas.

24
Supondo que o designer de moda objetiva trabalhar para um público-alvo e o figurinista
para a interpretação de uma personagem, facilmente se vislumbram desfechos
diferentes, ainda que com situações tangentes.

A questão não é vestir as pessoas com o que lhes fica melhor, mas sim vestir as imagens,
criar alguém, participar na elaboração de um fantasma. Assim, surgem necessidades que
quase nada têm a ver – pelo menos diretamente – com a moda, com os grandes
criadores, a mania de Paris, a história da arte, o folclore, o artesanato. (Verdone, 1986
apud Cucinotta, 2018: 27).

Na indústria da moda, o planeamento antecipa o que será a tendência para parte da


população, em conjunto com o gosto pessoal e com as análises de mercado para que as
coleções sejam desenvolvidas. A moda é diretamente influenciada pela sociedade que a
rodeia, estando dependente dela e da cultura para sobreviver. Pode ser um trabalho
artístico ou industrial, mas os coordenados destinam-se à venda. Já o figurino, é
exclusivo do mundo do espetáculo. Ópera, teatro, televisão e cinema são as suas
principais casas. O figurinista trabalha em função de uma história de outrem e, com
frequência, das ideias dos diretores e produtores. A idealização mais correta da
personagem é a sua meta dentro do guião e do orçamento de cada projeto.

A atenção do figurinista à moda acontece frequentemente quando tem que analisar os


estilos da época a tratar e quais encaixam melhor no perfil da personagem. Esta
investigação não só elucida a estética do vestuário, mas também abrange o
comportamento e o modo como as pessoas se movimentavam dentro das roupas. Para
uma atriz, a maneira como se desloca a usar um pannier4 referente ao século XVIII é
bastante diferente da agilidade que o fato de treino permite. O responsável pelo guarda
roupa deve também transmitir a mensagem correta de como vestir e usar
apropriadamente uma peça, algo que a moda, mesmo recolhendo ideias da sua própria
história, não precisa de fazer. Não obstante, em desfiles, as modelos recebem sugestões
de como andar e posar.

No entanto, também ocorreram situações em que a moda foi buscar o que os figurinistas
começaram. É o caso de uma das primeiras pessoas a exigir os direitos da profissão:
Edith Head. Os seus costumes foram tão bem recebidos na época dourada do cinema
que a população também os queria vestir. O seu sucesso foi um marco na história do
figurino ao transportar o glamour para o ecrã.

4
Aros laterais usados sobre a roupa interior com intuito de aumentar a largura das saias.

25
“O que um figurinista faz é um cruzamento entre a magia e a camuflagem. Criamos a
ilusão de transformar os atores no que eles não são. Pedimos ao público que acredite que
todas as vezes que vêm um artista na tela, ele torna-se uma pessoa diferente.” (Head,
1978, p.33).

De uma forma geral, as duas áreas vestem alguém e este ato tem uma variável base
comum: o conhecimento dos têxteis. Desde a tipologia de fibra/filamento ao caimento
do tecido, o tingimento, a padronagem e até a modelagem são primordiais. É certo que
para um realizador a diferença de um tecido 100% lã ou 100% poliéster num filme que
idealiza o século XIV pode não ser notório ou revelante, mas para quem trabalha com os
têxteis sabe que a sensação de enquadramento da época passa por estes detalhes de
veracidade. O exemplo perfeito é O Nome da Rosa (1986), baseado na obra de Umberto
Eco. A figurinista Gabriella Pescucci compreendeu a necessidade de transmitir o que
seriam os verdadeiros trajes dos monges franciscanos, com o uso de lãs pesadas e
envelhecidas, corretamente drapeadas, visíveis na figura 9. Esta sensibilidade valeu-lhe
o prémio de melhor costume designer nos David di Donatello Awards. Se tivesse
ocorrido uma falha neste aspeto, o filme acabaria ridicularizado, mas neste caso foi um
dos motivos pelos quais mereceu aplausos.

Figura 9 - Primeiro plano com leitura dos detalhes têxteis do figurino.

Fonte: Cineplayers

Também na inovação dos materiais encontramos semelhanças entre design de moda e


figurinismo. A moda é conhecida por ser sedenta de novidades e procurar
incansavelmente o próximo hit para, num ápice, o descartar e procurar o seguinte. Não

26
só pode criar novas fibras sustentáveis, como o pinãtex5, como pode mudar por completo
a silhueta – todas as estações têm uma nova descoberta. No set de rodagens também é
exigida esta capacidade de improviso e criatividade. Yvonne Blake, figurinista
responsável por Superman (1978), não conseguiu encontrar nenhum material que
refletisse a luz como desejava para as personagens Jor-El e Lara Lor-Van: “Procurei em
todos os lugares o material certo. Em desespero, consultei o diretor de fotografia, que
sugeriu um material chamado 3M; é disso que são feitas as telas de cinema.” (Blake,
2013) admitiu na conferência que deu na Escola de Arte e Superior de Desenho de
Valência.

Em entrevista à Vogue Portugal, o figurinista luso-canadiano Luís Sequeira, conhecido


pelo seu trabalho em The Shape of Water (2017), fala sobre a sua experiência em ambas
as áreas. Relembrando que é formado em Moda e chegou a ter uma loja de roupa em
Toronto, acabou por optar pela vertente cinematográfica. Numa longa conversa, Joana
Moreira questiona-o sobre “o que é que o mundo do cinema tem que o da Moda não
tem?” e Luís Sequeira considera o seguinte:

Para mim, o que eu amo no cinema é o storytelling, e o facto de existir sempre um arco,
um arco para cada personagem: algumas personagens podem tornar-se ricas, outras
podem ficar completamente partidas, perder tudo. Acho que essa parte, de criar
personagens, trabalhar com atores, realizadores, criar estes mundos, para mim é mais
recompensador do que a Moda, simplesmente. Até porque a Moda entra em tudo, cria
uma personagem que tenha estilo ou não. Tenha bom gosto ou mau gosto, é uma coisa
interessante, trabalhar com cada personagem em mente, e com a sua perspetiva. Ao passo
que na Moda sinto que se apresenta apenas uma perspetiva por coleção. Gosto do aspeto
colaborativo do cinema. (Sequeira, p.227, 2020)

É percetível que a maior diferença entre o vestuário destas duas dimensões é a


preocupação comercial versus a adequação narrativa. A moda, como representante de
um ciclo vicioso e consumista, terá sempre o peso da produção imparável para um
público sedento de novidades. Já o figurino foca-se na necessidade de se alinhar
corretamente com o imaginário intrínseco do filme e de reinventar-se ao fim de cada
filmagem.

5
Marca registada de têxtil produzido através de folhas de ananás.

27
2.3 A Alta-Costura no Cinema

É cultura geral que o cinema integra a listagem das artes em sétimo lugar e que não
vamos encontrar a moda lá referenciada. A não oficialidade do termo não impede que
aos olhos do público exista uma versão artística do vestuário: a alta-costura.

O debate mais interessante em torno do envolvimento da moda no cinema ainda é


centrado nas questões de exibicionismo e arte: se essas roupas deviam desempenhar um
papel visual espetacular em oposição ao subserviente no filme, e mesmo se o costume
deve permanecer como intermediário funcional da narrativa e do personagem, ou se se
deve destacar como objeto de arte em si mesmo. (Bruzzi, p.8, 1997)

Apesar de constatado anteriormente que os designers de moda e os figurinistas exercem


funções diferentes, tal não impediu nomes associados a casas de alta-costura de
desenhar também para o grande ecrã, apostando numa relação simbiótica, na qual
ambos beneficiam sem se sobrepor. Um dos primeiros exemplos, e dos mais atribulados,
é o de Coco Chanel. Contratada em 1931 pelos estúdios Metro-GoldwynMayer,
contribuiu significativamente para a introdução da moda na sétima arte. A sua atitude
inflexível com Gloria Swanson em Tonight or Never (1931) tornou a sua experiência
cinematográfica americana curta, participando apenas em mais dois filmes: Palmy Days
(1931) e The Greek Had a Word For It (1932). De regresso à Europa, continuou a
trabalhar esporadicamente em algumas obras como La Règle du Jeu (1939), Et ta Soeur
(1958), Les Amants (1958) e Éducation Sentimentale (1962). No entanto, foram os seus
figurinos para Delphine Seyrig em L’année dernière à Marienbad (1961) que mais
deslumbraram os espectadores. O drama e mistério do filme é servido pelos seus típicos
e pequenos vestidos pretos, mas também pela criatividade que coloca em elegantes
casacos de penas. Curiosamente, é a sua rival que credita uma das primeiras
colaborações entre designers de moda e atrizes: Elsa Shiaparelli, além de ter desenhado
os vestidos para Mae West em Everyday’s a Holiday (1937), ainda usou as suas medidas
corporais para criar proporcionalmente a embalagem do seu perfume Shocking.

É impossível abordar esta temática sem revelar uma das parcerias mais icónicas: a de
Humbert de Givenchy com Audrey Hepburn. Sabrina (1954), Funny Face (1959) e
Breakfast at Tiffany’s (1961) foram fenómenos de culto de estilo e lançaram tendências
durante a década de 1950 e 1960, continuando a ser adorado até aos dias de hoje. O duo
Givenchy/Hupburn nasceu após a recusa da realização do figurino principal de Sabrina
por Cristóbal Balenciaga e a surpresa de Hepburn pelas escolhas arrojadas que os
esboços de Givenchy representavam. Não esquecendo que o costume design do filme é

28
atribuído à figurinista Edith Head, foi Andrey Hepburn que pediu “um verdadeiro
vestido parisiense, de um verdadeiro criador parisiense”, acrescentando assim um
valioso fator de interesse para o espectador do filme.

Em seguida, estreou Funny Face, a comédia romântica com realização de Stanley Donen,
onde se estabeleceu a codependência entre o cinema e a moda. Daí em diante, Audrey
celebrou um contrato que estipulava que só trabalharia se o criador dos seus figurinos
fosse Givenchy. Ela defendia que “ele faz as únicas roupas na qual eu sou eu. Ele é muito
mais que um costureiro, ele é um criador de personalidade”. Também Stantley Donen,
realizador e coreógrafo prestigiado, se curvou ao talento do designer, tendo colaborado
noutros figurinos memoráveis, de filmes como Love in the Afternoon (1957), Charade
(1963), Paris When It Sizzles (1964), How to Steal a Million (1966) e Love Among
Thieves (1987).
Já Pierre Balmain foi responsável pela criação de uma das mais conhecidas femme
faltales. Em Et Dieu… créa la femme (1956), a jovem Brigitte Bardot interpreta Juliete
Hardy. A controvérsia depara-se não só na rebeldia e sensualidade da personagem, mas
na indiscrição da atriz ser casada com o realizador.

Mesmo quando essa (sensualidade) é transmitida através dos coordenados mais simples
– os vestidos-camisa de linho que deixam espreitar, mas nunca ver; as saias-lápis bem
justas à cintura, para abraçar na perfeição a silhueta e as curvas de Bardot; e os tops
descobertos, quer seja na zona do decote ou nos ombros. Bardot e Balmain resultaram
tão bem no grande ecrã que, um ano mais tarde, foi Pierre quem vestiu Bardot no filme
La Parisienne. (Bozinoski, p.28, 2020).

A parceria do designer francês com a atriz ainda é relatada atualmente como uma das
principais pela casa Balmain, que descreve o estilo dos desenhos de Pierre como um
“ADN distinto e super-feminino”.

Ainda na linha dos pilares clássicos da moda do século XX, temos Christian Dior. Ao
trabalhar diretamente com Marlene Dietrich, conseguiu a aparição das suas roupas num
dos filmes de Alfred Hitchcock. Em Stage Fright (1950), a personagem principal marca
o seu estatuto de estrela através do guarda-roupa luxuoso e sofisticado concebido por
Dior. Apesar de não terem sido trabalhos tão badalados, o designer ainda é creditado
como figurinista nos filmes Sylvie et le Fantôme (1946), Le Silence est d’or (1947) e no
vestuário usado por Miss Jones em Stazione Termini (1953).

É notório pelos exemplos anteriores que existe uma ligação significativa entre o designer
e a sua musa. Estas colaborações não só expuseram as atrizes à sua assinatura de estilo

29
como enriqueceram as vertentes da moda. Yves Saint Laurent também o experienciou
com Catherine Deneuve. É certo que são os seus primeiros encontros os mais marcantes,
com Belle de Jour (1967) e La Sirène du Mississípi (1969), porém, a sua parceria e
amizade foi preservada nas décadas seguintes, período durante o qual Saint Laurent foi
responsável pelas personagens de Catherine nos filmes La Chamade (1968), Un Flic
(1972), Liza (1972) e The Hunger (1983). O próprio também colaborou com outros
designers: em Arabesque (1966), partilhou a criação do guarda-roupa da personagem de
Sophia Loren com Marc Bohen, na altura designer da Dior. Juntos coordenaram
poderosos trench coats vermelhos com delicados vestidos de folhos rosa.

Já nos anos 80, um novo designer veio refrescar a sétima arte. Num filme marcado pela
ganância, o excesso e a violência, Jean Paul Gaultier criou os figurinos emblemáticos de
The Cook, The Thief, His Wife & Her Lover (1989), de Peter Greenaway. O enredo
complicadíssimo não fez frente a Gaultier que, apesar de ser primordialmente associado
ao filme The Fifth Element (1997), conseguiu adequar os seus designs elegantes a este
universo bruto e grotesco, num exercício de vasto interesse estético:

O vermelho é a cor de assinatura desta obra visualmente assombrosa – mas, à medida


que as personagens se movimentam pelo cenário, os seus fatos, corpetes de assinatura,
vestidos de inspiração vitoriana e peças surreais, com um twist entre o futurista e o
militar, vão mudando de cor, oscilando entre o verde e o branco. Para lá do óbvio, aquele
foi o primeiro figurino do enfant terrible no Cinema, também nos deu Helen Mirren (que
interpreta Georgina, a wife) num vestido preto, com cortes na zona do peito e dos ombros
com um incrível par de luvas encarnado. (Bozinoski, p.29, 2020)
.
Gaultier, enfant terrible da moda francesa, não tinha formação na área e com apenas 18
anos foi contratado para trabalhar com Pierre Cardin. A sua imaginação não
contaminada pelos cânones da moda trouxeram os mais irreverentes figurinos com os
filmes realizados por Pedro Almodóvar. Kika (1993), referido na figura 10, e The Skin I
Live In (2011) demonstram mais uma vez a combinação de impecável da elegância com
escuridão glamorosa. Esta visão pouco convencional pode ser encontrada no mundo
cinematográfico igualmente em filmes como The Untouchables (1987), com os figurinos
de Kevin Costner criados por Giorgio Armani, e Barbarella (1968), vestida por Paco
Rabanne.

30
Figura 10 - Pedro Almodóvar, Victoria Abril e Jean Paul Gaultier para o filme Kika

Fonte: FFW

Não só como figurinista, mas também como realizador, Karl Lagerfeld deixou o seu
contributo no cinema. Iniciando a sua experiência como costume designer ainda antes
de entrar para a casa Chanel, desenhou as peças da dominatrix Ariane em Maîtress
(1975). Já no auge da sua carreira, realizou os filmes de moda The Tale of a Fairy (2011)
e The Return (2013). No mesmo período da estreia de Lagerfeld, também merece relevo
a parceira de Ralph Lauren com Woody Allen, em Annie Hall (1977). Ao vestir a
personagem principal, o designer criou um guarda-roupa eclético, que mistura peças
masculinas com femininas, tornando-a chamativa e juvenil. É interessante constatar que
filmes como Maîtress e Annie Hall abordam o género romântico, contam com a
participação de designers de moda e foram produzidos com pouco tempo de diferença,
mas, ainda assim, conseguem captar as personagens femininas de maneira tão oposta
quanto os seus estilos artísticos.

Também é evidente a referência a uma marca de luxo para atribuição de um estatuto


elevado à personagem. Em casos como os fatos de Giorgio Armani, é subentendido um
homem de classe alta e bem vestido. Sendo Armani responsável por desenhar os fatos
para filmes como The Bodyguard (1992) e American Gigolo (1980) com o propósito
descrito, também existem figurinos em The Wolf of Wall Street (2013) que carregam os
mesmos significados sem serem especificamente desenvolvidos para a obra. O Armani
Suit criou uma narrativa simbólica tão vincada na moda que quando transferido para o
cinema mantém a sua mensagem: “A homogeneidade do estilo de Giorgio Armani,

31
embora nada de espetacular, é distinto, e o Armani look tem uma identidade homónima
que transcende as criações do designer e torna-se um sinónimo de um certo tipo de
homem” (Bruzzi, p.30, 1997).

A partilha entre a narrativa e a mensagem de uma marca acaba por ser uma das relações
simbióticas mais relevantes da moda e com o cinema, e das menos constatadas. Para
além de uma marca de moda ajudar na construção do estatuto de uma personagem, com
ou sem o envolvimento direto do designer, esta ainda solidifica o público-alvo da mesma.
Em Romeo + Juliet (1996) é manifesto o desejo de que o filme seja visto
maioritariamente por jovens. Trata-se de uma adaptação da obra de William
Shakespeare para adolescentes, habituados ao grunge versus o minimalismo da década
de 90, o que faz com que Kym Barrett, a costume designer do filme, tenha convidado
Miuccia Prada para desenvolver o fato azul de casamento para Romeo. Similarmente, é
chamada Vivienne Westwood para produzir o guarda-roupa de Elizabeth Shue em
Leaving Las Vegas (1995), dado que tanto a marca como a personagem viviam à margem
das normas sociais.

2. 4 Rigor Histórico Versus Liberdade Artística

Uma das críticas mais frequentes no cinema deriva do seu rigor histórico, ou melhor, da
sua ausência. Esta perspetiva requer especial atenção quando analisada pelo ponto de
vista do figurinista. Partindo do pressuposto de que um filme é sempre uma obra
artística e fabricada através da sua narrativa, fará sentido restringi-la a critérios factuais?
São vários os autores que se dedicam à análise desta questão e expõem diferentes
perspetivas sobre a sua pertinência da mesma. Não só é discutível até que ponto é
necessário rigor, como qual será a metodologia certa para construir um figurino criativo.

Quando se parte de um conhecimento profundo da história e de uma documentação séria,


a da fidelidade é uma falsa questão. É resolvida de acordo com a indicação do diretor que,
tendo a visão geral do filme, é capaz de orientar o figurinista para as escolhas mais
adequadas ao próprio filme. (Tomasino, 1977)

O professor catedrático Jorge Seabra defende um surpreendente ponto de vista quando


se refere à narrativa. Nesta dissertação, o mesmo vai ser aplicado ao figurino.

O mais comum na criação fílmica é a existência de uma sincronização entre o tempo de


produção e o tempo da história, facto que acontece sempre que estamos perante obras
que não são de evocação histórica, sendo nestes casos plenamente inseridas na respetiva

32
contemporaneidade. Contudo, esta sincronização temporal tenderá a tornar-se passado
com o tempo, havendo nestes últimos casos a necessidade de a compreensão da obra
requerer uma aproximação à mundividência cultural que a gerou. (Seabra, 2004, p. 37)

Segundo Seabra, é necessário compreender a ligação temporal do filme com a sua


história e com a sua produção. O “tempo da história” relata a época ou o período
histórico em que a obra decorre e o intervalo cronológico da mesma, ou seja, o tempo
em que a ação se desenrola. E o “tempo da produção” remete para o ano em que a obra
foi realizada. Fica então implícito que qualquer figurino, não obstante possuir um estilo
artístico, terá um cunho da época em que foi produzido. Esta faceta é confirmada em
obras de cariz histórico e documental que estatisticamente são as mais dadas ao rigor
histórico, mas também em fantasia e ficção científica, que pressupõem mais liberdade
artística.
Para elucidar cada um dos termos, será apresentada a análise de dois filmes facilmente
reconhecíveis pelo espectador e que apresentam diferentes abordagens e princípios.
Talvez uma das obras mais reconhecidas a nível mundial seja Titanic (1997), escrito e
dirigido por James Cameron. Para além de abordar ficcionalmente um incontornável
desastre do século XX, ainda o faz com clareza e emoção. O naufrágio em 1912 do navio
de luxo britânico Royal Mail Ship Titanic, que seria teoricamente inafundável, teve os
seus destroços localizados em 1985, segundo a UNESCO. Esta descoberta exaltou a
confiança de Cameron para começar a investigar como seria a realidade dos passageiros
no auge da viagem. De orçamento abastado e premiado com 11 Óscares, incluindo o de
melhor figurino, a película resultante é merecedora de análise neste contexto.

Tanto a cenografia quanto os figurinos ilustram dois extremos do espectro social com
clara distinção. Se, por um lado, temos a classe baixa, fermentada pelos mais pobres e
trabalhadores que embarcam ambicionando uma vida melhor nos Estados Unidos, por
outro, encontramos uma classe luxuosa que viaja por mero lazer. As duas personagens
principais balançam entre os patamares descritos. Pertencendo à classe mais abastada,
Rose é o que se pode chamar de jovem relutante perante os cânones da época. Não
querendo obedecer à sua mãe nem à proposta de casamento falhado, é vestida como tal,
usando sempre as roupas mais modernas. A impecabilidade das escolhas para o seu
guarda-roupa é notória, até nos undergarments. O uso de meias altas, chemise, petticoat
e corpete, este com a silhueta específica daquele ano, é detalhado ao longo do filme, como
visto na figura 11. Apesar de estar a começar a cair em desuso, a restrita classe social
onde vive exige a presença do corpete. Em alguns momentos, também é visível o
colarinho da camisa, comum nos modelos diurnos do vestuário feminino e masculino. O
cuidado com o detalhe começa de dentro para fora. A atriz Frances Fisher, que

33
representa a austera mãe de Rose, assume no behind the scenes que todos os atores e
figurantes tiveram direito ao vestuário correto, incluindo roupas interiores.

Logo na primeira cena onde aparece a atriz principal, o fato de tarde branco de riscas
arroxeadas, tem inúmeras semelhanças com o encontrado na revista francesa La Mode,
de Janeiro de 1912, incluindo o enorme chapéu e luvas. O consumo da moda parisiense
era tão importante para a classe alta que uma das designers de topo da década, Lucile,
foi também destacada como personagem. É apresentada como Lady Lucy durante a cena
em que Jack é convidado para o jantar na primeira classe.

Não só é curioso saber que os figurinos são fiéis à época, sejam os originais ou as réplicas,
mas também, em certos casos, descobrir de onde vieram. Com vestidos de noite
incrivelmente semelhantes, o atelier L’Arca Barcelona credita-os como seus, inclusive o
deslumbrante vestido vermelho e preto, outrora usado por pessoas reais, e que foi
cuidado para a sua nova vida cinematográfica. No site da loja, reconhecida pelos seus
designs vintage e pelo restauro de vestidos, de encontramos o seguinte testemunho:

Numa tarde recebeu a visita de uma americana que lhe comprou, sem especificar para
que finalidade, um grande número de peças de época, vestidos antigos e acessórios de
todos os tipos. A surpresa veio para a L’Arca um ano depois, quando com a estreia do
aclamado filme, os donos da loja viram a vencedora do Óscar Kate Winslet a usar alguns
dos seus vestidos na grande tela.

Por outro lado, Jack é identificado como artista viajante e economicamente


desfavorecido. Tal como as outras personagens e figurantes da classe mais baixa é
representado com simplicidade e sem exuberância. Camisa desabotoada em cima de
uma t-shirt interior, conjugadas com casacos que aparentam algum uso. É evidente
também a associação do fator de conforto das roupas com o escalão social, algo que
atualmente não é colocado em causa. A classe pobre no início do século XX é
efetivamente a que exerce mais labor físico durante períodos longos de tempo, pelo que,
em consequência, a roupa é mais leve e mais prática, sem grande variação de cores ou
modelagem.

34
Figura 11 - Cena com os detalhes da roupa interior em Titanic

Fonte: Pinterest

É relevante a informação que a roupa de cada década oferece, não só temporal como
geograficamente. O século XX desvenda grandes descobertas tecnológicas, permitindo
uma pesquisa bem fundamentada sobre a década de 90, não esquecendo que existe um
período de 85 anos entre o tempo da histórica e o tempo da produção, facilitando o
acesso a materiais e/ou referências originais. Titanic também beneficia de várias
influências de sítios diferentes no vestuário para conquistar a audiência com uma
estética idealizada de 1912: a figurinista Deborah Lynn Scott admite coletar inspirações
em museus e revistas datadas da época para a ajudar a criar os figurinos com um ponto
de vista historicamente rigoroso.

Apesar do vestuário ter feito sucesso, tanto entre o público comum quanto entre o mais
especializado, é impossível desviar o olhar da maquilhagem, que espelha as tendências
dos anos 90. Como não deixa de ser uma obra de ficção que alimenta a imaginação dos
seus espectadores, é comum encontrar em obras históricas características que se
interligam com o seu tempo de produção:

Importa ultrapassar em definitivo o preconceito de que o filme é um objeto indigno da


história, por ser reino da subjetividade e do sonho, como se este não fizesse também parte
da realidade, como se o imaginário não fosse uma das principais forças motoras da
atividade humana. (Marc Ferro, 1978, p.80)

35
O outro fator a ter em conta é o da liberdade criativa. O contraponto deste parâmetro
está no consenso de quais as regras a seguir, quando desprendido de qualquer uma. Ora,
numa obra como Mad Max: Beyond Thunderdome (1985), que explode de imaginação,
também se representa a consequência de um desastre energético. Esta história é comum
aos dois primeiros filmes da saga Mad Max, onde a palavra “loucura” do título faz jus
não apenas à narrativa como aos figurinos.

Habituada a punks e mundos pós-apocalípticos, a figurinista australiana Norma


Moriceau já tinha o seu estilo definido na moda underground e contribuiu para a
película posterior Mad Max II: The Road Warrior (1981). É de relevar que o primeiro
filme não partilha desta estética exageradamente peculiar pela qual os filmes são
reconhecidos. No tributo feito a Norma por George Miller e Ross Wallace nos Australian
Production Designer’s Guild Awards 2016, é comentada a sua relação positiva e curiosa
com todos, inclusive os povos que visitava. É visível no seu trabalho a existência de um
coletar de materiais de várias fontes e partes do mundo.

Amando ou odiando mullets e mohawks não há como não associar o filme aos anos 80.
Mesmo sendo um futuro desorganizado, os ombros exagerados, crop tops masculinos e
o uso insaciável de cabedal preto não virá de mais nenhuma década. Claro que, tudo se
acentua com a aparição de um dos ícones musicais da época, Tina Turner. Na
personagem de Aunty Entity, ela comanda a vida na cidade e quem vive e nela morre.
No artigo da Rolling Stone Magazine, “Mad Max: The Heroes of Thunderdome” é
encontrada uma eloquente descrição do seu figurino:

O vestido que Moriceau inventou para a Entity é um clássico expressionista: uma


amálgama soldada de 30 quilogramas de açaimes de cão, cabides e arames, tudo coberto
por aventais de talhante de malha de aço e brincos de molas espirais. A peruca que
acompanha, estilizada para ecoar a plumagem masculina do filme exigia que Tina rapasse
a cabeça para um ajuste adequado. Ela não protestou. (Loder, 1985)

Entity tem que permanecer feminina e evidenciar o seu poder naquele mundo
masculino. Apesar de não existir metodologia para a loucura, o figurino tem que ser
enquadrado na narrativa, mesmo que esta se passe em Bartertown, onde os seus
habitantes compartilham a cenografia entre restauros de sucata e tecidos sobreviventes.
Fora da mesma, também há o look distintivo dos residentes da tribo perdida: jovens e
crianças envolvidos em farrapos e acessórios tecnológicos desconstruídos
primitivamente, numa envolvência tribal, mas inocente.

36
Figura 12 - Tina Turner e Mel Gibson em Mad Max

Fonte: Warner Bros

A personagem principal da saga, Max, tem os figurinos geralmente assinados consoante


os locais que visita e a sua assinatura pessoal; o filme começa com uma travessia no
deserto, em que utiliza turbante e uma capa (aparente na figura 12) que esconde as
camadas de vestuário, retiradas no desenrolar das várias ações. Na sua chegada a
Batertown, Max demonstra o mesmo casaco preto do filme anterior, desta vez
conjugado com uma calça de cariz fetichista, cintos e um protetor de ombro idêntico aos
dos jogadores de futebol americano. Depois de escorraçado e de ter encontrado as
crianças, ao ganhar maior confiança, acabar por ficar só de t-shirt e de calças.

Em resumo, podemos constatar que num universo imaginário, de filme de ação,


aventura e ficção científica, o figurino acompanha, à semelhança do filme histórico,
igualmente a personalidade e o papel no enredo de cada personagem.

2.5 Conversa com Caterina Cucinotta

À conversa com Caterina Cucinotta, autora da obra Viagem ao Cinema através do seu
vestuário (2018), questiona-se a moda, o cinema e as suas várias relações. Cucinotta
dedicou a sua licenciatura e mestrado em Estudos Artísticos na Faculdade de Palermo e
Bologna, o doutoramento em Ciências da Comunicação na Faculdade de Ciências Sociais
e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa ao cinema. A sua devoção à investigação

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na área e a sua experiência profissional como assistente de figurinos contribuíram para
uma entrevista fluida e rica em conteúdos pertinentes para a dissertação.

No apêndice I, é possível encontrar mais detalhes do diálogo, considerando-se os temas


abordados em seguida os mais apropriados para o presente capítulo. Ao expor a sua
opinião sobre a importância do rigor histórico e da liberdade artística, as principais
temáticas da conversa, acabam por ser debatidas outras questões.
Uma das questões discutidas durante a conversa prende-se com o tema do rigor histórico
num figurino. Ao admitir que também já colocou a mesma questão em 2001, Cucinotta
realça a obra nunca publicada de Renato Tomasino, Storia del costume nello spettacolo,
para sustentar o seu ponto de vista. Tal como o seu professor, ela defende que o rigor
não deve interessar em demasia, pois o filme já sofreu uma revisão histórica através do
argumento e da realização. O objetivo será sempre caraterizar a personagem, sem
necessidade de rigor excessivo: “o que o espectador tem que perceber é a psicologia da
personagem”, a qual interage com a cenografia criada e as suas questões históricas que
serve:

“Temos que saber se é uma pessoa alegre, triste, tímida, isto tudo é uma instrução visual
que é feita através do figurino. Ou seja, eu não estou a ver nenhum outro departamento,
incluindo nos figurinos, a maquilhagem e o cabelo, que possa explicar visualmente a
relação entre a personagem e os acontecimentos históricos”.

Acrescenta ainda que se trata de uma questão simbólica, matéria também estudada em
semiótica: o figurino cinematográfico oferece várias camadas simbólicas e vai-se
descartando das mesmas, sobretudo quando associadas à história. Os signos estão
sempre dependentes da psicologia da personagem. “Portanto, o rigor histórico, no final
de contas, não é exatamente uma das primeiras questões que o figurinista vê”,
acrescenta. Caterina exemplificou esta questão com dois casos de filmes portugueses
onde o rigor histórico é interpretado de maneira diferente. Com um dos moodboards
iniciais criados pela figurinista Isabel Branco para os Mistérios de Lisboa (2010) nas
suas mãos, demonstrou a abordagem realizada, que privilegiou a compreensão das
tendências vigentes na época e quais se aplicariam melhor à personagem Ângela. Ao
contemplar a evolução psicológica da personagem, vimos na sua alegre juventude o uso
de decotes abertos e tons amarelos, enquanto com a idade transitou para cores sombrias,
como verde-escuro e preto, sem decotes, acabando por se tornar freira. A personagem
interpretada pela atriz Maria João Bastos tem um guarda-roupa que a acompanha na
sua história, e é essa a função principal do figurino: "contar uma história paralela". Não
se trata só da roupa, mas sim de como ela exprime algo por si mesma, ou como é
mostrada no enquadramento.

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Já no caso de Operação Outono (2012), filme onde trabalhou como assistente da
figurinista Lucha D'Orey, teve que ser precisa nos detalhes históricos. Humberto
Delgado, o famoso militar português foi assinado 1965, é o protagonista da longa
metragem, que aborda o trágico acidente. Não sendo uma personagem de origem fictícia,
é necessário ter cuidado com o realismo do figurino. Delgado, quando fotografado, era
reconhecível pela pregadeira com as suas iniciais: HD. "Acho que o cadáver foi também
reconhecido por causa da pregadeira que ele tinha", diz Cucinotta, remetendo para
fatores que tornam o acessório imprescindível e o tornam num figurino com alto rigor
histórico.
Em contraponto, foi igualmente foi abordada a questão da liberdade artística, assunto
que evoluiu rapidamente para o futurismo, aspeto também tema desta dissertação, como
vimos a propósito de Mad Max. Cucinotta invoca de novo a obra do seu professor
Tomasino, relembrando que foi escrito nos anos 70, e na qual aborda os filmes de ficção
científica com mais impacto até à data: Barbarella (1968) e Alphaville (1965). Esta
atenção é parte do trabalho de figurinista: "A primeira coisa que ele diz é que o figurinista
tem que começar, quando trabalha num filme sobre ficção científica, a entender, as
tendências do passado e do presente e como podem ser desconstruídas no futuro". A
metodologia é facilmente compreendida com a análise da saga Back to the Future, dado
já termos vivido o futuro assumido nessas narrativas, 2015, e podermos ver com clareza
as semelhanças com as tendências da moda da década de 80. Porém, Cucinotta
considera que há um filme específico que marca uma nova visão da ficção científica, o
Blade Runner (1982). Na perspetiva dos figurinos e da direção de arte, há algo de sujo e
fascinante. Aqui o futuro é tratado com mais receio, dentro de cidades destruídas, em
contraste com o 2001: Odisseia no Espaço (1968), no qual existe esperança num mundo
melhor e com uma estética mais limpa e iluminada: "Quando estudamos o cinema no
ponto de vista dos figurinos, esses dois filmes são extremamente importantes por causa
da visão e do conceito que vamos continuar a ter sobre o futuro". Apesar do figurino
artístico não ser exclusivo da ficção científica, este género comprova a capacidade que
possui de (con)fundir as tendências do passado, no presente e para o futuro, numa
combinação do guarda-roupa com os demais departamentos responsáveis pelo aspeto
visual do cinema, criando algo único. Diz Cucinotta: "Há ali um trabalho do figurinista,
da direção de arte e da direção de fotografia, que são os três departamentos artísticos e
que trabalharam para materializar as ideias do realizador de uma forma espetacular e
única".

Quando compreendido o papel do figurino e do figurinista, tornam-se maiores as


diferenças do que as semelhanças com o designer de moda, apesar de, como visto, serem
várias as possíveis combinações entre ambos e existir um elevado número de designers

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a acrescentarem à sua carreira a experiência cinematográfica. Na opinião de Cucinotta,
eles não estão incutidos de tarefa fácil: ao contrário de um designer de moda, "um
figurinista tem que ser um psicólogo, tem que saber de realização cinematográfica, tem
que saber de direção de fotografia, de maquilhagem, de história social da moda (...)",
aspetos geralmente irrelevantes para um designer. Não fazendo parte do seu quotidiano
de designer, são novas aprendizagens. Este relacionamento não acontece só na alta-
costura, estando presente em vários tipos de produção. Em Portugal, vale a pena
mencionar o caso de Filipe Faísca, cabeça de cartaz da moda nacional, que assumiu a
liderança do guarda-roupa de filmes como o Call Girl (2007) e Adão e Eva (1995).
Cucinotta revela que quando iniciou o doutoramento, em 2009, entrevistou 16
figurinistas portuguesas, as quais resistem bastante à publicação das mesmas, chegando
a, muitas das vezes, não se identificar com termo e a não percecionarem a relevância da
profissão.

Capítulo III – Manual do Figurinista

3.1 Como criar um figurino passo a passo

Como em todas as artes, apesar de existirem fórmulas adequadas para chegar a um bom
resultado final, não há garantias de que funcionem sempre. Sendo o figurino uma parte
essencial da sétima arte, a sua criação transporta o peso da pré-produção e das rodagens
com critérios próprios de cada obra. Não existindo em Portugal nenhum documento
oficial que descreva passo-a-passo o processo, propomos neste subcapítulo o esboço
daquilo que poderá ser um Manual do Figurinista.

A metodologia seguida combina experiência profissional como estagiária de guarda-


roupa no filme Km 224 (2022), de António Pedro-Vasconcelos, com a figurinista Lucha
D’Orey e a assistente Diana Lopes. Contando ainda com a participação como figurinista
em várias curtas-metragens, a análise de obras semelhantes e a frequência de uma
formação com os figurinistas Bina Daigeler e Pepo Ruiz Dorado.

3.1.1 Pré-produção
Antes das rodagens começarem existe um tempo estabelecido para planear o filme. A
pré-produção para o guarda-roupa inclui três momentos distintos: o breakdown, a
pesquisa e os protótipos/fitting. A antecipação de problemas e dificuldades é um dos

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objetivos da pré-produção, pois quanto maior for a atenção e coordenação nesta fase
inicial, mais fluido será o trabalho em platô.

Em cinema, seja qual for o tamanho da equipa e o seu orçamento, todos os diretores
devem trabalham em prol do mesmo objetivo, assegurando a coerência do processo
criativo e, consequentemente, da obra. Quando um projeto é iniciado e o guião
analisado, é feita uma reunião para conhecer a visão do realizador e a perspetiva da
produção, contando também com a direção de arte e o guarda-roupa, o qual engloba os
outros dois departamentos essenciais para o figurino: cabelos e maquilhagem.

3.3.2. Guião e Breakdown


Ao considerar o guião como o melhor amigo do planeamento, é possível obter
informações específicas de cada personagem. Pode não existir nenhuma informação
direta sobre o vestuário, mas o trabalho do figurinista, nesta fase primordial, é
necessariamente levantar as três principais questões e responder-lhes:
- Em que época/tempo se desenrola a ação? Que século, década,
ano ou, nos casos necessários, dias e horas?
- Em que lugar? País ou planeta? Cidade ou campo?
- Qual a estação do ano?
Toda esta informação é essencial para definir a quantidade de roupa a ser feita e a
escolha dos materiais e para iniciar a pesquisa.
A leitura aprofundada do guião informará, igualmente, quando é que a personagem é
destacada na narrativa, a quantidade de cenas e figurantes existentes e, por vezes, os
planos de câmara. É deveras importante compreender que cada narrativa necessita de
intervenções diferentes, mas também que se o conhecimento prévio do designer
consistir em boas referências de estudo, a criação será mais fluida, ágil e certeira. Em
Elizabeth (1998), o guarda-roupa da rainha Elizabeth I de Inglaterra acompanha o seu
desenvolvimento pessoal. Enquanto não sobe ao trono, ela facilmente se camufla na
cenografia, mas à medida que vai ganhando confiança e poder, os figurinos tornam-se
cada vez mais complexos e exuberantes. A capacidade de acompanhar o
desenvolvimento psicológico da personagem é assegurado pela sensibilidade do
figurinista ao interpretar o guião e ao trocar ideias com os restantes responsáveis.

A importância de uma análise aprofundada do guião faculta, ainda, um instrumento


crucial para explicar todas as necessidades dos figurinos à equipa: o breakdown. Este
roteiro de apoio ao guião consiste em destacar os dados cruciais para guiar aos elementos
da equipa presentes no set de rodagens. Existem inúmeros templates online e haverá
projetos que carecerão de referências diferentes, porém, é comum encontrar ou criar
documentos que combinam o número da cena, o dia, o tipo de filmagem

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(interior/exterior, dia/noite), a localização do set, o ator/personagem, a sinopse, a
identificação do figurino e a listagem de tarefas, sempre identificados com o título da
obra, a data e o dia de rodagem.

É comum durante a examinação do guião que as referências para cada breakdown


ganhem cores diferentes. Isto é, cada departamento – de maquilhagem, de cabelos, de
cenografia, etc. – terá o seu próprio roteiro e é imprescindível que todos se
complementem. A coerência do figurino com a personagem pode ser prejudicada ou
beneficiada pelos outros departamentos, no entanto, cabe ao guarda-roupa precaver e
solucionar contratempos.

3.3.3 Moodboard e Protótipo


As fontes de inspiração são inúmeras para um trabalho, mas com as informações
definidas na etapa anterior torna-se mais fácil rastrear o melhor caminho. Comecemos
pelo moodboard. O moodboard é um documento e uma experiência pessoal que não
requer uma metodologia específica: digital ou manual, com fotografias ou com desenhos,
recorrendo a frases ou materiais, depende apenas do gosto de cada figurinista. O
importante é transmitir à equipa, atores, produtores e diretores as ideias e inspirações
para os figurinos. Muitas das vezes é acompanhado por ilustrações do futuro guarda-
roupa. A ter em atenção: quanto mais seletivas forem as referências melhor será a
comunicação. Depois do conceito aprovado e alinhado consoante as possibilidades e
perspetivas dos outros departamentos, aprofunda-se a pesquisa para o vestuário, sendo
de salientar que em Portugal, a Arte e o Guarda-Roupa são autónomos.

Numa dependência constante do tempo, do lugar e da estação, o figurino tem que ser
detalhadamente pensado conforme, não só, a melhor estética imaginada, mas também
o orçamento disponível. É comum o vestuário ser alugado em armazéns e/ou empresas
que concebem peças de variadas épocas; porém, o custo associado a qualquer descuido
no manuseamento pode não ser compensador. Isto leva muitos figurinistas a trabalhar
com os seus próprios alfaiates e costureiras, criando o seu atelier. A vantagem de ter as
peças feitas especificamente para cada personagem e respetivo ator é não apenas uma
maior autenticidade, mas também um melhor fitting, ainda que é certo que se trata de
um processo que requer muito mais etapas e conhecimento nas áreas técnicas de moda.
As medições, modelagem, criação dos têxteis, padrões e confeção são passos que não são
responsabilidade do figurinista, mas requerem a sua aprovação. Também deve recordar-
se que em pequenas produções a equipa tende a trabalhar lado a lado e que em grupos
maiores existe uma maior divisão de tarefas e o recurso a subcontratados.

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Uma opção que se adequa muito bem a narrativas passadas nas últimas décadas do
século XX ou na atualidade é a compra direta das peças. Os mercados vintage ou de
segunda mão não são apenas uma nova tendência sustentável, eles também possuem
peças originais do período em questão. Esta experiência pode oferecer mais fontes de
inspiração e o acesso a roupas sem a criação de raiz. Também é possível encontrar
tecidos e aviamentos antigos caso a intenção seja fabricar ou recriar, se as peças
aparentarem um envelhecimento indesejado. Perante uma história que se pode
facilmente camuflar na nossa atualidade, além da compra das roupas em segunda mão,
também poderá ser feita em lojas normais. Dependendo do estatuto social da
personagem, estas compras podem ser elaboradas em espaços de low ou até high
fashion.
E chegamos à fase do protótipo. Para testar e obter melhores resultados, é elaborado um
protótipo. Este não depende somente da visão criativa, das restrições orçamentais ou
das exigências dos criadores. É um pressuposto profissional que o figurinista tenha um
primeiro contacto com o elenco para prevenir futuras carências ou incongruências. Esta
reunião deve expor a visão psicológica do ator perante a personagem, quais são os
possíveis dias para a prova, se tem alguma alergia a um material (algo recorrente com
alguns metais encontrados nos acessórios) e, o mais importante, quais as suas medidas.
Os atores e atrizes agenciados costumam ter as suas próprias folhas de medição, mas se
essa não for a realidade, é importante que o figurinista saiba como tirar medidas e, no
caso de reuniões online, ter documentos preparados para serem preenchidos. Estas
tabelas são essenciais não só para a criação das roupas, mas também para o ajuste que
alguma peça comprada possa necessitar.

O protótipo deve ser realizado a tempo do primeiro fitting, mas não requer todos os
detalhes e acabamentos da peça final. Por norma, esta prova confirma se a cor e os
materiais combinam com a aparência da personagem e se funciona bem com diferentes
exposições à luz. É crucial tirar boas fotografias durante a prova para confirmar com os
diretores se as roupas estão a seguir o rumo desejado e tirar eventuais dúvidas sobre as
mesmas. Por experiência pessoal, comprovou-se na curta-metragem Tinta Seca (2019),
feita por alunos na UBI, sob a direção de Noé Pereira e Marcos Moreira, que alguns
padrões de tecidos podem levar a distorções na filmagem, apelidadas de batimentos,
como o pied-de-poule e outros axadrezados. Estes conhecimentos ou experiências
devem ser colocados à prova com o protótipo, caso existam dúvidas acerca da sua
funcionalidade.

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3.3.4 Orçamento
Como mencionado anteriormente, o orçamento pode ser decisivo para o figurino. Seja
qual for o tamanho da produção, este requer um planeamento rigoroso e um
cumprimento estrito. É da responsabilidade do figurinista compreender quais os seus
gastos e elaborar dois documentos explicativos, um para as despesas com guarda-roupa
e outro para as da equipa. Nas produções de grande escala, há profissionais dedicados
ao assunto.

No orçamento do figurino, deve constar uma listagem de peças de cada personagem e


todas as mudanças de vestuário. Relembrando que nunca existe uma única peça, é
aconselhável que sejam produzidos vários exemplares, com a maior semelhança
possível, para o ator poder mudar de peças consoante o número de takes ou planos. A
aproximação ou valor final do custo dos artigos também tem de enquadrar esses extras.
O custo do aluguer ou de criação é crucial, tal como o preço dos materiais necessários no
set. Existirá ainda espaço para outras despesas, como o aluguer de cabides, os danos do
guarda-roupa e as suas lavagens.

Já na previsão dos gastos com a equipa, é relevante incluir a divisão da mesma por
funções e tempo de trabalho, abrangendo os seus pontos de origem. A deslocação pode
referir-se apenas a despesas de transportes, mas poderá remeter também para a estadia.
A indicação das semanas de preparação e de rodagens, assim como a quantidade de
refeições, são imprescindíveis, havendo ainda a possibilidade de acrescentar
profissionais subcontratados ao orçamento ou estagiários renumerados. Em ambos os
documentos deve mencionar-se a data, pois caso sejam feitos ajustes posteriores, existe
o comprovativo do cálculo inicial.

Para concluir o tópico do orçamento: é possível criar um guarda-roupa altamente


marcante com baixíssimos custos. Um dos exemplos facilmente reconhecíveis é o das
peças de “cabedal” usadas por Carrie-Anne Moss, em Matrix (1999). Numa entrevista à
revista Glamour em 2018, a figurinista responsável Kym Barret admite que não tinha
orçamento para vestir a personagem Trinity de cabedal e que o vestuário foi feito com
um PVC barato que permitia mais movimento. Também acrescenta que “eu penso que o
Matrix está de volta à moda porque foi revolucionário” (Barret, 2018), comprovando que
até nos filmes mais requisitados há restrições e que, apesar destas, é possível marcar
uma tendência de moda por várias décadas.

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3.3.5 A Equipa
Nos créditos dos filmes portugueses é comum só aparecer o nome do principal costume
designer e por vezes do seu assistente. Contudo, existe uma equipa por detrás destes
nomes que trabalhou com o mesmo objetivo. É percetível, ao analisarem-se os créditos,
que, por vezes, diferentes funções são ocupadas pelos mesmos indivíduos; porém,
quanto mais figurinos houver a ser trabalhados maior a possibilidade de atribuir títulos
individuais ou até de repetição.

Como auxiliares do figurinista, os seus assistentes trabalham sob a sua coordenação.


Geralmente, o assistente de figurinos trabalha em conjunto com o realizador e o
figurinista para dar seguimento às suas visões, enquanto o assistente de guarda-roupa
colabora no platô. Estas diretrizes também se estendem à área irmã, o teatro, porém, no
cinema existe uma divisão severa da equipa quando se trata da preparação do figurino e
da sua organização no set de rodagens, apesar de ambas comtemplarem espaço para
aprendizes e estagiários.

Na sala de trabalho, lugar de produção dos figurinos, existe preferencialmente um chefe


para coordenar os restantes elementos, na sua maioria modelistas e costureiras, mas
também uma abertura para a colaboração de outros artistas quando o projeto o exige.
Exemplificando com a sujidade das roupas da quadrilha em The Wild Bunch (1969) ou
com os trapos rasgados de Waterworld (1995), é o caso do costume breakdown artista,
o responsável pela manipulação e envelhecimento dos têxteis para que aparentem
autenticidade, função que também é necessária em set para manter o aspeto realista de
cada peça de roupa. Também pode ser vital incluir ilustradores, designers gráficos,
ourives, etc. Cada projeto, guião e orçamento impõe as suas prioridades e pressupõem
diferentes recursos e profissionais.

Já no set, os figurinos precisam de uma profunda organização: o assistente de


guardaroupa deve ter o vestuário disposto por cena, vaporizado e com rápido acesso.
Esta tarefa incorpora detalhes como a disposição dos cabides, o conhecimento da
temperatura adequada para tirar os vincos de cada fibra, etiquetagem para cada
personagem e limpeza assegurada. É este profissional que garante que o figurino é
vestido e usado corretamente pelo ator ou atriz, efetuando pequenos ajustes quando
necessário.

3.3.6 Em Rodagens
Há um ditado popular que diz que “mais vale prevenir que remediar”, e para garantir
que nas rodagens não há problemas impossíveis de resolver é esse o lema a seguir. Se a

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equipa de figurinos tiver sempre consigo um kit de essenciais, com alfinetes, tesouras,
fitas métricas, escovas, fita adesiva da cor da pele do ator, fita de dupla face, rolo e linhas,
rapidamente poderá solucionar algum imprevisto.

Existe uma logística muito complexa num set de rodagens. Toda a equipa tem de
conhecer os figurinos no seu maior pormenor enquanto cumpre o cronograma de
filmagens. Este documento rege-se pelos dias de gravações, referindo os atores
presentes, as cenas constituintes e o tempo de duração de cada rodagem. Também
informa a localização da ação e o tipo de cenário, interior ou exterior. É função do
figurinista preparar a equipa semanalmente de acordo com a programação fornecida e
que os profissionais destacados para o set analisam com atenção todos os dias. Numa
versão detalhada dos trabalhos, existe a folha de serviço concebida pelos assistentes de
realização diariamente. O documento descreve os horários e tarefas de todos os
departamentos encarregues pela aparência da personagem: cabelos, maquilhagem e
caracterização.
Em consequência da preparação prévia dos atores, a equipa de figurinos tende a ser das
primeiras a iniciar o trabalho nas rodagens. Em filmes de teor histórico ou fantasista, e
também quando existem muitos figurantes e/ou atores, a sua participação tende a
acontecer especialmente cedo devido à complexidade do guarda-roupa.

Ter um kit preparado, um conhecimento detalhado do que vai acontecer e estar


diariamente o set facilita a adaptação a quaisquer circunstâncias: a direção ou os atores
poderão mudar de ideias à última hora e é obrigatório saber reagir com a melhor rapidez
e resultado.

3.2 Os Emissários de Khalôm: A recriação dos figurinos de


Verónica

Um passo para verificar a validade da pesquisa desenvolvida na dissertação é colocá-la


em prática através da recriação de um figurino obedecendo ao rigor histórico e de outro
que beneficie de maior liberdade criativa, aplicando parcialmente a metodologia de
trabalho descrita.

Com o objetivo de recriar dois figurinos de uma personagem do filme Os Emissários de


Khalôm (1988), de António de Macedo, foi escolhida Verónica, personagem feminina
que divide a sua existência entre um passado histórico e um futuro próximo. A obra

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possui a seguinte sinopse: “Um grupo de investigadores executa um projeto científico
revolucionário, para impedir a eminente eclosão de uma guerra nuclear. De tal
experiência resultam, inesperadamente, dois misteriosos seres, que viajam no tempo
entre os séculos XIX e XX, e por quem quatro pessoas se apaixonam…” (Matos-Cruz
1999). Nesta singular longa-metragem portuguesa encontramos os géneros de ficção
científica, drama e mistério, num argumento que desafia a imaginação. Verónica é a
personagem escolhida para o exercício que propomos, por ser um dos misteriosos seres
descritos e por iniciar tétrica e terminar romântica, pois além da total mudança de
espaço e tempo sofrida, a faceta psicológica da personagem interpretada por Silvina
Pereira é igualmente oscilante.

Para representar Verónica é importante notar que, devido à inacessibilidade ao guião


original, e desprovidos da numeração de cenas ou das notas do realizador, são apenas
idealizados dois figurinos para a personagem, seguindo estas etapas: a) serão
desenvolvidos moodboards para cada figurino; b) será confecionado um protótipo de
cada. Este processo, que tenta replicar uma situação real, está enquadrado na fase de
pré-produção, e recorre à metodologia mencionada acima, desde a pesquisa até ao
fitting dos protótipos.

No caso do figurino correspondente ao século XIX, há alguns objetivos a manter. Sendo


este idealizado com uma tentativa de rigor histórico, é importante verificar as tendências
da época, para que se enquadre na linha temporal estabelecida. "Lisboa, Novembro,
1860” é a legenda que surge nos primeiros minutos do filme e que dá uma das poucas
informações. Duas simples palavras e a data traduzem-se no lugar e época. Pouco depois,
a quando o decorrer da ação se encontra nos anos 80, é referenciada também a presença
da personagem na Serra da Estrela. Esta mudança de lugar acaba por inspirar a escolha
do material têxtil principal. Na figura 13, encontramos a versão original do figurino
concebido por Ana Andrade e Margarida Rego, com assistência de Ana Costa.

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Figura 13 - Figurino 1 Original

Fonte: Youtube

Numa larga pesquisa em revistas da época e sites de museus/galerias, entre outros,


verificou-se que os vestidos usados têm uma silhueta específica, a qual, tecnicamente,
tem que ser replicada com o apoio de crinolina e corpete que, mesmo não sendo
elementos diretamente filmados, precisam de ser confecionados para o tecido cair da
melhor maneira. A recolha de imagens inspiradoras está demonstrada no moodboard
(figura 14), onde encontramos uma fotografia da Rainha D. Maria Pia coroada em 1862,
coordenados de 1860 expostos no The Museum at Fit, mas também nos botões
recolhidos e na cor pretendida.

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Figura 14 Moodboard Figurino 1

Fonte: Autoria própria

Escrito por Jill Salen, antiga responsável de corte na Welsh National Opera Company,
o livro Corsets: Historic Patterns and Tecniques (2008) apresenta a modelagem usada
para recriar um corpete semelhante aos de 1860, como é visível no canto inferior
esquerdo do moodboard. Já a crinolina tem um formato inspirado numa patente de
1859, que revelou ser a estrutura mais essencial do figurino. Recordo que todas as
escolhas foram feitas primariamente com o intuito de sublinhar o estatuto obscuro e
viajante da personagem. As referências históricas obtidas foram adaptadas não só ao
projeto, mas também à aparência de Verónica. Tal como na obra, a palete de cores
manteve-se fiel ao preto pela sua significância fúnebre e temível.
Em relação ao traje principal, descobriu-se, através da revista online do Museu de
Lanifícios da UBI, a (2013), que Portugal, na época da ação do filme, tinha uma grande
produção de lanifícios na Beira Interior. Para ressaltar o patriotismo da obra, é escolhido
um tecido 100% lã, optando assim pela valorização cultural do trabalho. Porém, para as
peças de roupa interiores foi utilizado um tecido mais banal de camiseiro pois a
invisibilidade das mesmas não implica maiores cuidados.
Tendo a pesquisa concluída e com detalhes apurados, foi feito o esboço seguinte, à mão,
com as respetivas amostras de tecido:

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Figura 15 Ilustração/Esboço Figurino 1

Fonte: Autoria própria

Após a modelagem efetuada e com os materiais selecionados, foi iniciado o processo de


confeção. Este começou pela crinolina, que consumiu perto de quinze metros de arame,
seguindo-se o corpete, o saiote e o camiseiro. Estas peças, apesar de interiores,
apresentam três detalhes importantes: o corpete ajuda na silhueta pretendida, o saiote
protege a saia principal dos vincos da crinolina, dando também o seu próprio volume, e
o camiseiro contrasta a peça exterior com a gola e os punhos brancos. Na figura 16 é
possível verificar várias fases do processo, incluindo detalhes como o crochet a ser feito
à mão, como aconteceria na época em causa.

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Figura 16 - Processo de criação do figurino. À direita detalhes do corpete e da crinolina em manequim. Ao
centro corte do molde da manga em tecido final. À esquerda, elaboração de detalhes em crochet.

Fonte: Autoria própria

Apesar de ser comum associar este género de indumentária a um vestido, trata-se na


realidade de uma ou várias saias, com casaco e/ou camisa. É este conjunto que torna o
figurino completo. Dada a impossibilidade de fotografar com a atriz, o fitting do
protótipo foi idealizado com uma modelo (figura 17). Todas as peças de roupa deste
figurino dispõem de desenhos e fichas técnicas que podem ser encontradas no apêndice,
para verificação de detalhes, materiais, aviamentos e medidas.

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Figura 17 - Fotografias do fitting

Fonte: Autoria Própria

Nos momentos finais d’Os Emissários de Khalôm é-nos apresentada uma nova faceta de
Verónica: moderna e apaixonada. A revelação da sua essência como erro matemático
interpela o cientista, dada a sua existência na atualidade. Aquando da rodagem do filme,
nos anos 80, a moda portuguesa estava a ser revolucionada por novos designers. Foi nas
Manobras de Maio que nomes como Lena Aires, Filipe Faísca, Mariana Cachulo e muitos
mais trouxeram peças de vestuário inovadoras e futuristas para as ruas de Lisboa.

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É certo que o figurino apresentado no filme (figura 18) é concordante com as roupas
utilizadas no dia-a-dia em Portugal, e não existem indicações na obra de que seja uma
única opção de look, apenas que se passa em 1987.

Figura 18 - Figurino 2 Original

Fonte: Youtube

Não havendo sequer certezas de que a personagem seja totalmente humana, e abrindo
os horizontes através da moda portuguesa dos anos 80 e juntando isso com os sinais
convencionais da ficção científica, é criado um segundo moodboard. Nele são
encontradas referências de filmes com a mesma época de criação como o Blade Runner
(1984), e mais modernos, como Tron (2010) e Ghost in The Shell (2017), entre outros.

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Figura 19 - Moodboard Figurino 2

Fonte: Autoria Prórpia

Assim como no figurino anterior, foi respeitada a paleta de cores original. Sendo o
branco representativo de harmonia e paz, confere ainda maior contraste ao preto e às
mudanças de postura da personagem. Também é propositada a passagem de uma fibra
natural, 100% lã, para uma sintética, 100% poliéster, bem como a mudança do peso de
todas as camadas de saias para a leveza de um simples macacão. Quanto à complexidade
da modelagem, esta, no segundo figurino acrescenta uma das tendências da moda vivida
na altura, a influência japonesa, como visto no capítulo 1. Ao adaptar a modelagem do
livro de Tomoko Nakamichi, Pattern Magic 2, consegue-se o ponto de interesse do
coordenado minimalista.

A vantagem de criar um moodboard e um protótipo consiste na experimentação de


ideias. No caso deste figurino, como é de cariz criativo, apesar de se basear na moda
portuguesa e em outros filmes da mesma temática, abre possibilidades infinitas, mas
também desafios grandes. Por exemplo, aquando do desenvolvimento da ilustração já
havia receios de como colocar dois dos elementos principais do figurino: a luz e a
malharia. Um em referência ao idealizado futuro ou omnipresença da iluminação, o
outro em referência ao intercalar de malhas com um certo de pendor matemático,

54
relembrando que Verónica descende de uma equação. Tanto o moodboard (figura 19)
como a ilustração seguinte (figura 20) demonstram que se podiam seguir infinitas
estéticas. No primeiro figurino foi mantida uma linguagem que remetesse ao passado,
incluindo o desenho a carvão; neste segundo caso, as ferramentas digitais foram as
prediletas.

Figura 20 - Ilustração Figurino 2

Fonte: Autoria Própria

Em termos de concretização, num procedimento demorado e meticuloso, foi possível


coser à mão todas as luzes necessárias no interior das mangas escondendo a bateria
dentro das ombreiras. Como sobrou um kit extra de fairy lights, estas foram
introduzidas na costura do capuz dando ainda mais dinâmica à peça. Outras soluções de
iluminação foram pensadas para elaborar este figurino. El wire ou leds são comuns em
peças para cosplay ou em vestuário festivaleiro e/ou de espetáculo, no entanto, dada a
semi-transparência e delicadeza do tecido, as pequenas luzinhas geralmente usadas em
decoração revelaram ser a escolha mais acertada. Graças à possibilidade de ter rápido
acesso ao botão de ligar/desligar, não se tornam perigosas e ainda criam a opção de
serem ativadas em momentos distintos. Estes detalhes foram registados, tal como a
elaboração da modelagem, como pode ser visto na figura 21. Em apêndices é possível
encontrar a ficha técnica para melhor compreensão da peça.

55
Figura 21 - Processo de criação do Figurino 2. À direita corte e modelagem. No centro, colocação das
baterias na ombreira. À esquerda, fitting primórdio da parte superior do macacão.

Fonte: Autoria Própria

Infelizmente, o protótipo veio a revelar que o tecido principal do macacão não foi bem
sucedido. Apesar de ter uma aparência plástica, como desejado, não oferecia resistência
ao peso das baterias das luzes, nem elasticidade suficiente para garantir o mínimo
conforto, tornando minucioso o processo de vestir e despir a peça. Esta experiência
comprovou a importância de confecionar um protótipo. Para além de dar a opção de
explorar melhor o conceito, também demonstra os aspetos a aprimorar, neste caso
adicionar o tecido. Porém, o efeito estético conseguido foi agradável, como é visível na
figura 22. O fitting foi feito em duas etapas: com e sem luz na cenografia. Esta opção
permite demonstrar que as fairy lights mantêm a sua leitura mesmo com luz natural,
mas tornam o figurino muito mais intenso na escuridão.

56
Figura 22 - Fitting Figurino 2 com e sem luz natural

Fonte: Autoria Própria

57
58
Conclusão
A moda e o cinema não só refletem a sociedade do século XX, como também as suas
novas e inúmeras conquistas. Apesar de se revelarem mais próximos a partir dos anos
20, existe um caminho que percorreram individualmente até se encontrarem. No início
do século XX, o cinema ainda não era visto como arte e a moda ainda se restringia aos
elementos da classe alta, tendo como símbolo os respetivos corpetes. No espaço de 100
anos, ambos ficaram irreconhecíveis. Se o cinema ganhou som, cor e efeitos especiais, o
vestuário reduziu quantidades de tecido, criou novas fibras e apresentou tendências
arrojadas. Ambos passaram a ser consumidos em massa e perderam a exclusividade das
elites.

Tendo sido o figurino, elemento paradigmático da simbiose entre a moda e o cinema,


escolhido como matéria de estudo nesta dissertação, foram enunciadas algumas
questões de partida. Apesar de não ser um termo novo, principalmente pela sua
adaptação do teatro para o cinema, o figurino ainda não foi explorado o suficiente em
Portugal do ponto de vista académico. Foi necessário, por isso, descrever a diferença
entre figurinista e assistente de guarda-roupa. Outro ponto importante abordado foi a
diferença entre um designer de moda e um figurinista, não descartando os
conhecimentos em vestuário e têxtil que ambas as profissões exigem, ora aproximando
ora afastando a sensibilidade de criação de uma personagem através dos seus figurinos
e a necessidade de um artigo ser rentável. Apesar de terem objetivos e pressupostos
diferentes nas suas profissões, não se descarta a possibilidade de designers poderem
desenhar figurinos, como aconteceu a vários criadores associados a casas de alta-
costura, os quais deram mais sustentação artística às suas carreiras e ofereceram
motivos de admiração e sedução aos amantes de filmes.

Através da análise de dois filmes tendo em conta critérios de rigor histórico e de


liberdade artística, concluiu-se que o foco do figurinista estará sempre na caraterização
psicológica da personagem, respeitando a narrativa descrita no argumento, devendo,
porém, o guarda-roupa respeitar o tempo de história/ação quando exigido. Também se
pôde tirar a ilação de que os figurinos mais criativos obedecem a uma metodologia,
específica em cada caso, não operando em total liberdade, mas sim resultando de uma
pesquisa prévia e da experimentação de ideias.
Estas ilações foram colocadas à prova no caso prático, que consistiu em esboçar um
manual de criação do figurino cinematográfico, justificado pela falta de literatura
nacional dedicada à temática. Como visto na dissertação, o guião é o melhor amigo do

59
figurinista e, mesmo sem este documento essencial, foi possível desenvolver dois
protótipos de figurinos da personagem Verónica, prestando homenagem a um dos mais
estranhos e geniais filmes do cinema português e de Antonio de Macedo, Os Emissários
de Khalôm (1988).

60
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65
Apêndices
1. Conversa com Caterina Cuccionota

- O que se entende por rigor histórico num figurino? E o que podemos entender por
liberdade artística?
- Então, esta é a primeira questão que eu coloquei em 2001 quando estudei figurinos, a
história do figurino no cinema. Ele (Renato Tomasino em Il Costume
Cinematografico) diz logo no primeiro capítulo da tese que a questão do rigor
histórico, é uma questão que não devia interessar de uma maneira tão grande para o
figurino, porque na verdade o filme já passa por uma revisão histórica através do
argumento e da realização. Portanto, no momento em que nós temos que apresentar
uma personagem, não podemos continuar a ter este rigor histórico porque o rigor já
passa para uma versão visual, e passando para uma versão visual, o que o espectador
tem que perceber é a psicologia da personagem. Portanto, como a personagem interage
com aquelas questões históricas, temos que saber se é uma pessoa alegre, triste, tímida;
isto tudo é uma instrução visual que é dada através do figurino. Ou seja, eu não estou
a ver nenhum outro departamento, incluindo nos figurinos a maquilhagem e o cabelo,
que possa explicar visualmente a relação entre a personagem e os acontecimentos
históricos. Portanto, o professor dizia que pode acontecer que o figurino se torne uma
questão simbólica.
- Como se fosse um signo?
- Um signo, exatamente, por isso é que é também estudado na semiótica o figurino
cinematográfico. Tornando-se um símbolo é evidente que muitas coisas se vão
perdendo, camadas e camadas, sobretudo quando falamos de história e do vestuário
feminino. Mas temos que ver se isto resulta também para a psicologia da personagem,
e para o desenvolvimento da história. Portanto, o rigor histórico, no final das contas,
não é exatamente uma das primeiras questões que o figurinista vê. Quando entrevistei
as figurinistas, das primeiras coisas que elas me disseram foi: “quando trabalhamos em
filmes de época é maravilhoso porque vamos a bibliotecas e tiramos fotografias”. Tenho
aqui, e por acaso posso-te mostrar, alguns livros de um filme que se chama os Mistérios
de Lisboa. Porque muitas das vezes as figurinistas trabalham nisto e deitam tudo fora.
E eu digo “Não deites nada fora!”. Como elas não desenham, acham que não se chamam
figurinistas. Mas depois fazem este trabalho (o moodboard) para a personagem
principal. É evidente que é um trabalho de figurinista. Esta é uma da página (referindo
novamente o moodboard) feita pela Isabel Branco, uma primeira abordagem da
Condessa de Santa Bárbara, interpretada pela Maria João Bastos. Isto, claro, tem um

66
rigor histórico, mas a personagem da Ângela é a mistura destes elementos todos. Ela
usa muito esta silhueta...
- A linha da cintura quase debaixo do peito?
-Sim. Neste caso, o rigor histórico é tentar perceber qual o estilo que se usava nesta
época, e tentar adaptar este estilo à personagem. No momento em que ela é mais jovem,
e era mais feliz e mais livre, tínhamos uns decotes mais abertos e vestia-se mais de
amarelo e cores claras. A cor também funciona muito bem para passar um conceito
visual no cinema. Depois, quando começa a ficar mais velha, começa a ter umas roupas
sempre mais escuras, verde-escuro, preto, sem decote. Até que no final do filme tornase
freira.
- É o último passo da evolução do figurino? Ao fim e ao cabo, o figurino consegue contar
uma história sozinho, sem ter uma narrativa associada, só através da roupa. - Mas a
função principal do figurino no cinema é essa: conseguir contar uma história paralela.
Nós estamos muito atentos ao enredo principal, mas há vários elementos que nos
ajudam a perceber. Porque é que isto aconteceu? Porque é que a personagem reage
assim? Enfim, o figurino é muito importante a partir daí. Já trabalhei em muitas
produções de época, e de facto o que acontece muitas vezes é que como eu acho que o
figurino de cinema é a junção de elementos, temos que ver como fica melhor no
enquadramento.
- Pode não coincidir com a cenografia que é mais indicada pela Direção de Arte para
aquela cena, por exemplo?
- Sim. Há sempre alterações. Muitas das vezes, o que tenho visto de investigações sobre
o figurino de cinema é que ficamos, eu própria na minha tese, muito focadas no objeto
que é o figurino em si, vê-se sempre que há todo um trabalho feito pelo figurinista. O
objeto que estamos a investigar, e onde vemos os processos semióticos e as
simbologias, é toda uma construção que vem do trabalho do figurinista. Esta é uma
parte pouco investigada, ou seja, unir o processo do figurinista com o objeto. Sendo o
objeto muito ligado a moda, é evidente que tem esta tendência, de falar do corpo, do
ator e da roupa em si. Uma das questões que tenho percebido é que, a ligação entre o
processo criativo e o objeto é super importante. Porque aí, sim, tens uma narrativa
paralela em cinema.
- De facto, na moda, conseguimos interpretar os signos no dia-a-dia. Basta olharmos
para alguém e podemos assumir automaticamente uma mensagem, enquanto no
figurino temos que o desenvolver propositadamente.
- É isso mesmo. Um dos primeiros trabalhos práticos que as figurinistas fazem quando
têm que ir trabalhar num filme é irem a bibliotecas e começar a ver imagens antigas,
ou ver se há algum romance sobre o tema. Por exemplo, no Madame Bovary, há uma
explicação da personagem a entrar numa festa, com um vestido, e são três ou quatro

67
páginas a descrever como o vestido era, como se sentia. E quanto tu tens a transposição
cinematográfica desta cena, é só uma sequência em que ela entra, e a câmara fica fixa
a olhar para ela e para o vestido. Mas quem já leu o livro, vai-se lembrando de tudo.
Como é que é possível, de forma visual, transformar essas partes todas? Portanto, é
mesmo muito complicado. É por isso que eu digo que muitas vezes o rigor histórico não
acontece. O que acontece é o rigor com a psicologia da personagem. O que é que esta
personagem podia vestir?
- Podemos sair um bocadinho do rigor histórico?
- Claro que sim. Eu lembro-me de uma vez, de estar a trabalhar numa série, que se
chamava Equador, e havia uma personagem que era muito fechada e não queria ter
relações sexuais, não se queria casar, era muito tímida, etc. Então estava sempre
vestida com vestidos com golas altas e cabelo muito apertado, muito rigorosa.
Lembrome que na cena de uma festa enorme, num jardim, de repente, sem a figurinista
saber, esta personagem apareceu com um decote muito grande e de cabelo solto. Super
gira. E eu lembro-me de toda a equipa falar, “mas esta agora, mudou?”. Tinha sido um
erro muito grande, e o próprio realizador perguntou o que é que era aquilo. O rigor
histórico diz que uma personagem como esta, para ir a uma festa, ia ter um decote mais
aberto e soltava o cabelo, mas em cinema temos outro nível. Este nível é a personagem,
que tem que ter sempre o mesmo fio condutor. Eu acho que a atriz trocou-se! (entre
risos) - Era o que eu ia dizer!
- É que depois toda a equipa começa a dar a sua opinião, como se fossem todos
figurinistas. Claro que apresentava rigor histórico, porque estavam todas com decotes,
mas não era indicado para aquela personagem. Se calhar um historiador de moda diria
que estava correto, mas no cinema ela tem uma questão de fio condutor do primeiro
plano que temos que atender.
- Penso que a melhor conclusão que podemos tirar é que, dentro da tendência de cada
época, devemos aproveitar os signos que melhor representem a personagem? - Sim,
exato, há de facto muitas reuniões com o realizador para falar sobre isso. O figurinista
não inventa a liberdade criativa, o figurinista pergunta sempre se vamos assumir a
criatividade ou o rigor. Cuidado que o rigor histórico depois pode não ajudar, nos
enquadramentos, na luz, etc. Devemos parar e perceber o que é bom para o filme e para
a personagem.
- Muitas das vezes deve ser necessário dar indicações aos atores. O movimento do ator a
entrar em casa e tirar um casaco pode não vir no guião, mas fazer parte da dinâmica
figurino.
- Exatamente, é isso. Depois também há a parte dos estereótipos, já que estamos a falar
de filme de época, não é só 1700 ou 1800, os anos 90 já é época. O que eu usava mais
nova já é considerado época. Pela experiência pessoal sei perfeitamente o que isso quer

68
dizer e como é que isso pode ser interpretado. Se uma personagem que existiu na
realidade é conhecida por usar sempre os mesmos brincos, temos que ir à procura dos
mais parecidos e ver com o realizador a opção mais fácil de entender. Eu lembro-me de
ter trabalhado num filme que era a Operação Outono, sobre o assassinato de Humberto
Delgado. Eu era a assistente da figurinista e o Humberto nas fotografias era super
reconhecível porque tinha uma pregadeira com as inicias HD. Eu tive que fazer esta
pregadeira, a figurinista não teve tempo e mandou-me ir às lojas fazer. Isto sim é rigor
histórico, porque era muito importante nos enquadramentos até ao peito que se visse
a pregadeira. Acho que o cadáver foi também reconhecido por causa da pregadeira que
ele tinha. Por isso, há momentos em que interessa o rigor, e há momentos em que não
interessa nada. Tem que se ver também se tem algum desenvolvimento na história. É
muito complicada a parte visual e material do filme através do figurino.
(…)
- Outra questão: se tem alguma experiência pessoal e/ou profissional com figurino em
que tenha mais liberdade artística, qual o processo criativo neste caso?
- Volto ao livro fantástico do meu professor, pois a seguir ao rigor histórico, tem a
história futura ou futurística. Portanto, para mim foi perfeito. Claro que o livro foi
escrito nos anos 70, mas também por isso é interessante ver as referências históricas.
Ele fala de um filme, o Barbarella, em comparação com o Alphaville, do Godard, sendo
o Barbarella de 68 e o Alphaville de 65, e diz quais são as diferenças, tratando-se ambos
os filmes de ficção científica. Ele está a tentar compreender quais são as tendências
desses primeiros filmes do futuro. A primeira coisa que ele diz é que o figurinista tem
que começar, quando trabalha num filme sobre ficção científica, a entender as
tendências do passado e do presente e como podem ser desconstruídas no futuro. O
que é que agora em 2021, pode ser útil para uma personagem de 2080? É um trabalho
que ele chama de futurologia, que é a ciência da previsão do futuro e dos seus aspetos.
Nós vemos isso no Back to the Future...
- ... Afinal de contas já passámos 2015 e a própria marca acabou por lançar as sapatilhas
para ter coerência com o filme.
- Exatamente. Repara, o filme foi feito nos anos 80, é evidente que muitos aspetos são
uma desconstrução dos anos 80. Portanto, em 2015, há ali umas roupas e uns sapatos,
etc., que são uma desconstrução. Foi um trabalho de futurologia para entender qual o
aspeto visual, de ornamento, do dia a dia, que podia ser útil no futuro. É muito difícil.
Ele diz também que é muito importante entender o contexto, e que o trabalho de
direção de arte e de figurinos têm que ir de mão dada. Eu, pelos conhecimentos de
história do cinema que tenho, sei que há um filme que é exatamente o princípio duma
visão do cinema e da ficção científica completamente diferente. O filme é o… - 2001: O
Odisseia do Espaço?

69
- Não. O Blade Runner. Quando estudamos o cinema do ponto de vista da direção de
arte e dos figurinos, temos o princípio no cinema de algo completamente diferente e
que começa com o Blade Runner porque, repara, acabas de falar do 2001, que é um dos
mais conhecidos em termos de ficção científica, mas... Viste o Blade Runner?
- Sim. Eu vi ambos os filmes no contexto das tendências de moda. O Blade Runner surge
como futurista na mesma altura que a moda japonesa trazida por Rei Kawakubo, entre
outros, também eles futuristas, chegam ao ocidente.
- Quando estudamos o cinema no ponto de vista dos figurinos, esses dois filmes são
super importantes por causa da visão e do conceito que vamos continuar a ter sobre o
futuro. São duas visões completamente diferentes. O que nos interessa nos figurinos é
como traduzimos isso visualmente. Esses filmes que estudei já no mestrado, num
estudo mais aprofundado, remetiam para dois opostos, a sujidade e a limpeza.
Imagina, não é só a sujidade e a limpeza dos espaços, é também na iluminação e no
enquadramento. Esses dois filmes falam basicamente da mesma coisa, do futuro, do
espaço, de como nos podemos tornar no futuro, etc. Mas visualmente são
completamente diferentes, porque são duas visões contrastantes. Em 2001: Odisseia
no Espaço parece que ainda temos alguma esperança num futuro melhor, porque
aquilo é mais branco e mais limpo, é tudo mais controlável. Um controlo diferente nos
espaços e na nave.
- Os próprios planos da câmara, de tão geométricos, ainda dão mais essa ideia de
organização e planificação.
- É logo o click que se faz. Quando algum professor começa a escrever que esses dois
filmes falam praticamente da mesma coisa, mas são tão diferentes? É pela sujidade. É
pela esperança que temos no futuro, e Blade Runner não tem esperança nenhuma. O
futuro no Blade Runner é horrível, com todos os clones. Aqui, a direção de arte e os
figurinos são extremamente importantes e vê-se facilmente que é um trabalho de
equipa muito forte. Como é que um realizador sozinho, só com o argumento, pode
explicar o Blade Runner? É muito complicado. Há ali um trabalho do figurinista, de
direção de arte e direção de fotografia, que são os três departamentos artísticos, que
trabalharam para materializar as ideias do realizador de uma forma espetacular e
única. Porque o filme foi o primeiro, que abriu esta conceção do futuro que hoje em dia
ainda temos, não temos muita esperança no futuro. Quando fazemos um filme sobre o
futuro, temos que decidir se é um futuro “bom”, estilo 2001, ou se é um futuro “mau”,
com fumos verdes e cidades destruídas. São duas visões completamente diferentes que
nós conseguimos materializar e entender através da direção de arte e do figurino.
Portanto, quando o professor escreveu este livro em 1977 ainda não havia o Blade
Runner, então ele só fala do 2001 e da Barbarella.
- Faltava esse último passo?

70
- Faltava! De facto, o Blade Runner foi o primeiro a ter uma visão diferente do futuro. -
Na moda falamos sempre muito de tendências. Mas no cinema também é notória uma
tendência, nas últimas três décadas do século XX, de um despertar de ansiedade
quanto ao futuro…
- Até temos muitos Batman nos anos 80 e 90 que são super-escuros, que nos mostram
uma cidade onde não percebemos se é futuro ou passado.
(…)
- Dedico na dissertação uma parte aos designers de moda que trabalham como
figurinistas, mas reflito também porque é que moda não é figurinismo.
- Isso também tem uma explicação simples: os designers de moda muitas das vezes
fazem o trabalho de figurinistas como se fosse uma coisa artística, um passatempo, um
hobby, tipo “vou fazer um filme, que giro”. Mas depois de fazerem um filme, eles
percebem que não é exatamente a mesma coisa, e há poucos designers que deixam a
carreira de designer para serem figurinistas, ou que conseguem fazer as duas coisas.
Porque um figurinista tem que ser um “total”: tem que ser um psicólogo, tem que saber
de realização cinematográfica, tem que saber direção de fotografia, de maquilhagem,
de história social da moda, o que, para um designer, pode vir a ser menos interessante.
A história social da moda são as tendências mais usadas, as diferenças de classes
sociais, e esta é uma disciplina que falta em Portugal também.
- Sim, nós em moda temos essa abordagem, mas não acontece em cursos de cinema. (…)
A nível de designers, por exemplo, no caso do Jean Paul Gaultier, ele vai acrescentando
à sua carreira como designers muitos filmes. Para além de terem sido bons filmes,
ainda tiveram a vantagem de o ter como figurinista.
- Em Portugal, também tens um caso desses, o Filipe Faísca. Também tens o caso do
descendente português que trabalhou com o Guillermo del Toro, o Luís Sequeira.
(…)
- Eu estou a tentar fugir um pouco do que acontece no século XXI na dissertação e a
focar-me apenas no século XX, para abordar melhor os seus primórdios. Porque tanto
a moda como o cinema começam de uma maneira muito fechada e acabam, em 1999,
completamente distintos. Vou-lhe chamar duas artes, apesar de moda não ser arte…
para já.
- Eu acho que tu, em 2020, já devias falar da moda como uma arte. Porque se
continuarmos a dizer que a moda devia ser uma arte, mas não é, não resulta. Desde os
anos 90 que os investigadores dizem isso. Eu acho que já o devemos dizer.
- Vamos assumir que é, para passar a ser?
- Temos, professores, investigadores, figurinistas, que dizer isso. Eu assumo isso, até
mesmo quando falo com figurinistas elas dizem que não porque fazem um trabalho
técnico, mas têm que assumir que se trata de um trabalho artístico. É verdade. Quer

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dizer, o meu professor, nos anos 70, já tinha assumido isso. Em Itália, a criação do
curso, que foi feito com o Umberto Eco nos anos 60, já tinha entendido que havia
variações culturais que tinham que entrar para as Artes. Não é só pintura, não é só
teatro, ou seja, tudo, a moda, o cinema, a dança, tudo. Eu tinha que escolher entre
dança e figurino.
- Aqui ainda é preciso fazer muita pressão para acontecer. No português comum ainda é
complicado aplicar a palavra designer como uma profissão. Quando se vive dentro da
“bolha artística” não se repara, mas basta sair um bocado, que não é de senso comum
associar roupa a arte.
- Isso tem a ver com a pouca inclusão e a desvalorização que a moda tem na sociedade
portuguesa. Porque sempre foi assumida como uma tarefa de mulher, que foi rebaixada
à costureira. Quando na verdade era de desenho de vestuário que se tratava, de design
de moda. É um patamar muito importante. Por isso é que sempre que me perguntam,
eu digo que a moda devia sair das faculdades de moda, para ter uma inclusão maior na
sociedade. Eu estou na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, na Universidade
NOVA de Lisboa, que é uma das mais antigas de comunicação de Portugal, e não tem
uma cadeira de moda. Ou seja, não ter um curso de moda, tudo bem, mas é impossível
não ter uma cadeira. Tens antropologia, tens história, tens comunicação, tens cinema.
Como é possível não haver uma disciplina de moda? Pode ser opcional. Para que todos
saibam que se quiserem estudar uma história social da moda e dos média. Mas não,
não há. (…) Em Itália, no curso que eu tirei, eu estudei cinema, mas tive a disciplina de
figurino cinematográfico, onde li bastantes livros sobre história da moda. Em Itália há
sempre uma atenção à moda.
- Em Itália a moda é cultural!
- Sim, há sempre uma atenção. Uma vez fiz um trabalho sobre semiótica no cinema,
sobre o Mulholland Drive, e o professor disse-me que devia também trabalhar o
guarda-roupa. Porque é tudo um sonho, elas começam todas por usar a mesma roupa,
depois transforma-se noutra. Não é nada de outro mundo falar de peças de roupa de
um filme. Agora em Portugal, é complicado. Eu lembro-me as primeiras vezes que
falava dos filmes de Manoel de Oliveira, o Amor de Perdição, sobre os figurinos: tive
uma apresentação para uma disciplina, com os professores sentados e bastante
confusos.
- Aqui é muito complexo.
- Quando acabei a apresentação, ninguém falou. Eu nem sabia se tinham ficado
contentes ou não. Uma professora disse-me: “eu acho que falar no Manoel de Oliveira,
do ponto de vista da roupa, não é muito adequado”. Como assim não é muito
adequado? (…)

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2. Fichas Técnicas

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