OpenAccess Souza 9786555501995 09

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 12

CAPÍTULO 9

ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA


NA EDUCAÇÃO BÁSICA
BRASILEIRA: REVISITANDO
METODOLOGIAS E DISCUTINDO
PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PÓS-BNCC

Bernardo Pereira de Souza


Karinine Carla Albuquerque de Oliveira
Larissa Vitória Ferreira de Andrade
Mayra Seidensticker Schneider

INTRODUÇÃO
Quando relacionamos as teorias vistas nas licenciaturas brasileiras versus as práti-
cas pedagógicas presentes nas salas de aula temos como resultado algo complexo que
muitas vezes nem as disciplinas de Estágios Supervisionados dão conta. Entrelaçar
teoria e prática na educação é algo desafiador e fonte de vários estudos no campo da
educação. Os estagiários, muitas vezes, não conseguem dialogar sobre a disciplina
com o professor supervisor e com isso, não há tempo de estreitar os laços entre a
214 Ensino de língua estrangeira na educação básica brasileira

universidade que estrutura a teoria e a escola que constitui a prática. Dessa forma,
podemos dizer o quão enriquecedor foi o projeto de extensão RULLE (Reflexões Lin-
guísticas e Literárias aplicadas ao texto na Educação Básica) que nos trouxe essa pos-
sibilidade. Além do diálogo entre formandos e formados, entre teoria e prática, entre
universidade e escola, o RULLE oportunizou aos professores participantes das ofici-
nas pensarem em conjunto com os licenciandos/organizadores destas oficinas e esco-
lherem quais temas queriam discutir e assim, que os discentes de Letras – também
integrantes do PET (Programa de Educação Tutorial) da UFPE – pudessem planejar
oficinas que ajudassem estes educadores a lidarem com algum problema teórico na
sala de aula e, desta forma, a costura entre teoria e prática fosse, de fato, real.
Nosso grupo de trabalho esteve responsável pelas discussões no âmbito das lín-
guas estrangeiras e tratar de ensino-aprendizagem de língua estrangeira no Brasil é
tratar de um assunto muito controverso. Apesar de já ser uma realidade a necessidade
de que as pessoas devam possuir pelo menos uma língua estrangeira que, nesse caso,
vai cumprir objetivos diversos, seja, acadêmico, profissional e/ou pessoal, quando se
fala do ensino de língua estrangeira na educação básica e pública brasileira, há vários
pontos em debate. A verdade é que desde o período colonial, com a pedagogia jesuíti-
ca, essa(s) disciplina(s) está(ão) envolta(s) tanto em discussões sob o ponto de vista de
escolhas de metodologias quanto a partir das mudanças de leis e reformas educacio-
nais. O que nos parece, então, é que o sistema educacional público brasileiro precisa
avançar e, em certos casos, se estabelecer para que consiga cumprir e acompanhar os
objetivos dos cidadãos que precisam dele. Em meio a tal problemática, queremos des-
tacar diretamente mais uma: as mudanças nesse ensino após a Base Nacional Comum
Curricular, doravante BNCC, de 2017, e a partir disso, chamar atenção para o ensino
de duas línguas estrangeiras em específico, o inglês e o espanhol. O inglês, a língua
estrangeira que permanece na educação básica, mas com uma proposta diferente dos
documentos norteadores anteriores à última BNCC, e o espanhol que deixou de ser
oferta obrigatória e passou para segundo plano, apenas 12 anos depois de seu ensino
ter sido oficializado dentro da grade curricular e em horário de aula, a partir da Lei
11.161/2005. Algo novo nesse documento são os chamados Itinerários Formativos,
que de maneira simplificada, seriam conjuntos de disciplinas e oficinas que os alunos
vão escolher a partir de suas necessidades, de seu planejamento para o Ensino Médio.
Há uma esperança de, nesses itinerários, acontecer a inserção do espanhol, embora
muitos docentes de língua espanhola já estejam com disciplinas afins por medo de
serem descartados ou alocados para outras funções.
Há outra questão que sempre é polêmica que envolve a escolha da abordagem me-
todológica no ensino de línguas, então, imaginem ter que escolhê-la em meio a esse
desalinho que estamos vivendo? Dessa forma, a oficina eleita que foi pensada a partir
dos temas predefinidos pelos docentes da área, e foi realizada após discutir toda essa
problemática com os professores para que depois pensássemos em possibilidades e
estratégias metodológicas. Posto isso, houve uma construção coletiva de um plano
de aula para o ensino médio que, ao fim, pudéssemos usar para qualquer língua
estrangeira.
Ensino de línguas propostas e relatos de experiência 215

Entendemos que é importante que o docente tenha em mente uma metodologia e


que construa e planeje tendo a ciência do que se quer atingir. O conhecimento de va-
riadas metodologias possibilita ao professor um amplo leque de abordagens a seu fa-
vor, inclusive a possibilidade de estabelecer diálogos entre tais metodologias de ensino
se assim quiser. No campo do ensino das línguas estrangeiras, é comum ver professo-
res que possuem habilitação, mas falham na(s) competência(s) mínima(s) para se
trabalhar tal disciplina e aceitam a empreitada para conseguirem cumprir a carga
horária. Estamos falando de situações práticas citadas nas conversas entre os profes-
sores nas reuniões do projeto, e prática é realidade, é dia a dia. Apesar da problemática
levantada, assumimos na oficina que ainda que tenhamos o conhecimento de que a
prática, muitas vezes, é de fato diferente da teoria, não dá para aceitar que o professor
não planeje ou não tenha conhecimento teórico suficiente para acolher uma
abordagem. É necessário aderir uma metodologia e a partir dela, planejar. Esse ponto
é inegociável. Porém, para assumir uma abordagem é preciso conhecer essas metodo-
logias, ou podemos dizer, reconhecê-las. Assim, voltamos novamente à dicotomia
teoria e prática. Muitas vezes aprendemos as metodologias na academia e as esquece-
mos na sala de aula, ou não conseguimos agrupá-las, isto é, realizar as devidas asso-
ciações. Então, retomamos esse ponto nos diálogos que antecederam à oficina para
que todos entendessem ou relembrassem da relevância dessa escolha.
Por fim, nossa proposta de oficina foi pensar em possibilidades para planos de
aula, alternativas de conteúdos de aula, tendo em vista: esta fase caótica atual das lín-
guas estrangeiras no ensino básico com o novo Ensino Médio; o currículo segundo a
nova BNCC; a permanência, mas mudança do inglês; a retirada ou (re)alocação do
espanhol; e ainda as incertezas nas escolhas das abordagens de ensino-aprendizagem.

9.1 AS METODOLOGIAS NO ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA


No nosso trabalho assumimos as nomenclaturas de metodologia (PUREN, 1988)
ou abordagem (BOHN; VANDERSEN, 1988) para as situações de ensino e pressupos-
tos teóricos sobre a língua no sentido de diferenciar do conceito de método, que
dentro das propostas de Puren (1988) seria o material de ensino. Destarte, como men-
cionamos, foi de relevância voltar nesses conceitos já que para planejar uma aula de
língua estrangeira no ensino básico é preciso acreditar em alguma teoria, nesse caso
metodologia e assim, atingir o objetivo com determinado grupo. Então, de maneira
breve, vamos revisitar neste capítulo características de abordagens que ainda que
muitas sejam antigas, são facilmente vistas atualmente nas salas de aula de vários
professores.

9.1.1 METODOLOGIA TRADICIONAL


Essa abordagem advém do começo do século XIX e é também conhecida como
gramática-tradução. Nela, as aulas eram ministradas na língua materna e o objetivo
dessa metodologia era a transmissão do conhecimento a partir do uso de textos lite-
216 Ensino de língua estrangeira na educação básica brasileira

rários e da gramática normativa. O professor como único detentor do saber, elaborava


muitas listas de vocabulário para que seus alunos traduzissem e memorizassem.
A língua estrangeira, portanto, era vista apenas como um conjunto de regras e nor-
mas que não possuíam história e tampouco identidade. Para Richards e Rodgers
(1991) apud Santos (2020, p. 252), começou-se a haver a necessidade de trabalhar ora-
lidade, dessa maneira, essa abordagem precisou evoluir já que não conseguia atender
mais às necessidades dos estudantes.
Observemos que essa metodologia ainda é vista nas salas de aula da atualidade e
isso nos faz levantar várias questões, dentre elas a ideia de que se naquela época já não
satisfazia mais os objetivos dos alunos, será que passou a satisfazê-los? Ou, os estu-
dantes estudam língua estrangeira a partir de uma metodologia ultrapassada e sem
relação alguma com seus anseios? Ou ainda, será que muitos professores conhecem
que essa abordagem é primeira e mais antiga abordagem e servia principalmente para
se estudar grego antigo e latim?

9.1.2 METODOLOGIA DIRETA


A perspectiva Direta surgiu logo após o modelo tradicional de ensino de língua
estrangeira, data do século XVI. Nessa abordagem, o aluno estuda e aprende uma
segunda língua a partir da própria segunda língua, e que não deve ser utilizado na
sala de aula, em nenhum momento, a língua materna. De acordo com Leffa (1998), “o
aluno deve aprender a pensar na língua”, para isso precisa desconsiderar a sua língua
materna, e focar apenas na língua estrangeira pretendida. Dessa forma a tradução,
bem presente na abordagem anterior, era abominada, já que a língua materna poderia
corromper o processo. Sobre isso, Coracini (2005, p. 17) apud Santos (2020, p. 253) diz
o seguinte:

(...) é impossível determinar de uma vez por todas a separação entre as lín-
guas que constituem o sujeito, conforme com elas se identificam, se transfor-
mam, na mistura das línguas, de outros (textos, discursos, memória, desejos):
“as línguas vão se ‘contaminando’, (es)tragando a tão desejada e impossível
pureza da língua materna”.

Como se vê, não há como conseguir uma “limpidez” na aprendizagem de uma


língua estrangeira, visto que já houve um processo de aquisição anterior o qual, de
qualquer forma, interfere no(s) outro(s). Ainda nessa metodologia, a fala do professor
era o próprio modelo de língua que os alunos deveriam seguir, ou seja, o docente
segue como o centro do ensino-aprendizagem e os alunos, portanto, apenas como
receptores do processo.
Além disso, o aluno e o professor necessitam ter uma ampla riqueza de vocabulá-
rio e desenvoltura na língua estrangeira, além de considerar os aspectos sociocultu-
rais que envolvem o estudo de qualquer língua, seja ela materna ou não, dentro da sala
Ensino de línguas propostas e relatos de experiência 217

de aula. A imersão no universo da LE pode ser algo relevante no ensino, se pensarmos


em uma turma mais avançada naquela respectiva língua. Contudo, inserir um estu-
dante de nível inicial nesse universo pode causar medo e timidez, pois é comum na
aprendizagem o aluno adquirir uma língua de contato, desenvolvida principalmente
quando há o avanço do nível básico para o intermediário. Por outro lado, há uma di-
ficuldade do professor em se manter horas diárias na língua estrangeira, como bem
comenta Leffa (1998), o professor acaba regredindo ao método tradicional.

9.1.3 METODOLOGIA ÁUDIO-ORAL OU ÁUDIO-LINGUAL


Essa abordagem teve origem a partir da necessidade do Exército Americano de
aprender línguas estrangeiras durante o período da Segunda Guerra Mundial. Como
a ideia era produzir falantes fluentes num curto espaço de tempo, essa metodologia,
de essência behaviorista, tinha por intuito fazer com que os estudantes praticassem e
desenvolvessem a oralidade a partir de exercícios estruturais e de maneira mecânica
e condicionada. O princípio aqui era o de estímulo-resposta, e as principais influên-
cias eram de Skinner e Bloomfield, os quais dominavam os estudos linguísticos nos
EUA, na época. A aquisição da língua era vista como um processo mecanizado de
construção de hábitos e rotinas, o erro era visto como um desvio e não podia aconte-
cer, de forma alguma. Os alunos repetiam estruturas incansavelmente até se tornarem
falantes fluentes da língua meta, no entanto, a incapacidade de fazer com que estes
aprendizes produzissem estruturas de maneira espontânea, além das desmotivações
com as incansáveis repetições fizeram esta abordagem falhar.

9.1.4 METODOLOGIA AUDIOVISUAL


Podemos dizer que essa metodologia é uma ampliação da perspectiva Direta, que
de acordo com Santos (2020, p. 254) tem como principal inovação as tentativas de
resolução dos problemas surgidos nessa outra abordagem. A ideia da Audiovisual era
agregar o elemento visual enquanto elemento da aprendizagem, dessa forma, segundo
Melo (1997, p. 84), o nascimento dessa metodologia se deu a partir da soma de “duas
correntes teóricas: a linguística estrutural e a psicologia do comportamento” (p. 84).
A ideia da linguística estrutural se apresenta no sentido de trazer a possibilidade de
um sistema linguístico em que elementos interagem. E a psicologia do comportamen-
to se manifesta na concepção de língua aprendida a partir de estímulo-resposta, da
mesma maneira daquela posição behaviorista mencionada já na metodologia anterior.

9.1.5 METODOLOGIA COMUNICATIVA


Como diz o próprio nome, essa abordagem é centrada na comunicação. O aluno
adquire uma competência de comunicação a partir do momento que é ensinado a se
comunicar usando a língua estrangeira. Essa concepção teórica concebida por Hymes
(1991) foi realizada a partir da proposta de Chomsky de competência e desempenho.
218 Ensino de língua estrangeira na educação básica brasileira

Como a proposta é baseada na comunicação, entende-se que há muitas regras que são
implícitas, como questões culturais e sociais, por exemplo. Ou seja, nem tudo é gra-
matical ao mesmo tempo que a gramática também se faz presente e é importante.
Segundo Melo (1997, p. 86) se o plano é trabalhar no presente do indicativo, o que
estará em jogo não será apenas os estudos das formas, isto é, atividades para formação
e conjugação do tempo e sim, além da forma, o aspecto nocional é importante, “a ex-
pressão de hábitos e modos de vida que acontecem no momento do discurso” devem
ser trabalhados. Sendo assim, há vários componentes que coadunam para a formação
dessa abordagem, são elas: a competência linguística, a competência discursiva, a
competência referencial, a competência sociocultural e a competência estratégica.
Esses componentes existem porque, como vimos, precisamos produzir dois saberes:
os linguísticos e os sociolinguísticos presentes em uma comunidade. Outra caracte-
rística importante é que o aluno tem um papel fundamental, ele é coparticipante do
processo. O estudante passa a ter uma maior autonomia e responsabilidade com sua
aprendizagem ao mesmo tempo que o professor se torna “facilitador, organizador das
atividades, conselheiro e analista das necessidades e interesses dos alunos” (SANTOS,
2020, p. 256). Há uma sequência de fases que geralmente se adota nos cursos comuni-
cativos que foram apresentadas por Vigner (1995, p. 126 e 127) apud Melo (1997, p. 87)
que podem demonstrar como essa abordagem se diferencia das outras até então: 1)
fase preparatória de sensibilização temática, de ativação do léxico específico; 2) diálo-
gos e documentos diversos que servem de referência situacional; 3) atividades visando
a exploração do tema; 4) trabalho de sistematização; e 5) abertura/transposição atra-
vés da utilização de materiais complementares. É notório que um dos avanços dessa
perspectiva é que o trabalho/processo passa ser colaborativo, ainda que em menor
grau se compararmos com as outras metodologias que virão.
Apesar de tudo isso, essa metodologia foi criticada por apresentar um rico discur-
so teórico e falhar em tecnologia, procedimento e exercícios. Para Santos (2020, p.
257) as metodologias posteriores a essa foram apenas evoluções e reformulações.

9.1.6 A PERSPECTIVA ACIONAL E A ABORDAGEM PLURILÍNGUE


Com o Quadro Comum Europeu de Referência para o ensino e aprendizagem de
Línguas, nos anos 2000/2001, despontou-se essa perspectiva na qual o estudante é
considerado um “ator social”, ou seja, ele deve estar preparado para atuar na
sociedade. Aqui, a concepção de língua é de que ela é instrumento de comunicação e
ferramenta de interação social e para isso, as atividades devem ser efetivas, isto é,
precisam ser reais ou o mais próximo disso. Para Bourguignon (2009) apud Santos
(2020, p. 258), o aluno não é mais o foco no processo de ensino e aprendizagem que
passa a ser o grupo, já que este ‘atuar’ segundo o método comunicativo quer dizer
‘agir no outro pela língua’, portanto, tratamos agora de atos de fala. Dessarte, esse
“atuar” é “atuar em conjunto” e não de maneira individualizada. Em razão de ser um
processo colaborativo, cada integrante desse decurso deve ter um papel relevante e
uma função a cumprir. A autonomia do estudante também é um ponto que se destaca,
já que ele deve ser responsável pela busca de informações linguísticas e não linguísticas
fundamentais para atingir o objetivo do projeto. A proposta a partir de “tarefas”
Ensino de línguas propostas e relatos de experiência 219

também é um ponto chave. Essas tarefas estariam em meio à proposta colaborativa


para a construção de um único objetivo do grupo, dentro de um contexto real de
comunicação.
Na abordagem plurilíngue, a ideia é entrelaçar o conhecimento das línguas para a
construção de uma competência comunicativa, ou seja, “desenvolver um repertório
de linguagem em que se faz uso dos conhecimentos adquiridos anteriormente, em
língua materna ou não, para ajudar o aprendiz a resolver problemas de compreensão”
(MARTINS, 2017, apud SANTOS, 2020, p. 259).
Em ambas as metodologias, o que se vê é uma possibilidade de recursos e de valo-
rização das línguas, ademais de um estabelecimento de diálogos entre elas. Há uma
mudança no status da sala de aula e na postura do professor.

9.1.7 O PÓS-MÉTODO
O pós-método que Kumaradivelu (2001) propõe tem, a nosso ver, uma concepção
prodigiosa para a realidade do ensino de língua estrangeira no ensino básico brasilei-
ro. Ele sugere um programa tridimensional que é formado por três tipos de pedago-
gias: a de particularidade, a de prática e a de possibilidade. Com elas, o docente pode
adequar os conhecimentos teóricos, produzir teorias próprias e elaborar materiais que
atendam seu público alvo. O professor tem a possibilidade de combinar as teorias
anteriores e adequá-las a sua realidade. E para isso, além de conhecer bem várias pro-
postas metodológicas, ele precisa respeitar e conhecer seu grupo. Avaliar e reavaliar
sua abordagem. Acolher e rechaçar propostas teóricas. Ou seja, o professor tem a li-
berdade para criar o ambiente propício ao ensino.

9.2 A LÍNGUA ESTRANGEIRA NA EDUCAÇÃO BÁSICA BRASILEIRA:


A BNCC E OS ITINERÁRIOS FORMATIVOS
Antes das reformulações no ensino médio, a LDB (1996) garantia, com relação às
línguas estrangeiras, a obrigatoriedade da oferta do espanhol (Lei 11.161/2005) e outra
oferta, também obrigatória, de mais uma língua estrangeira, sendo esta de escolha da
comunidade escolar e que quase sempre ficava a cargo do inglês. Em 2016, no governo
de Michel Temer, a Lei 11.161/2005, conhecida como lei do espanhol foi revogada.
Ainda que houvesse várias críticas com relação a essa lei ou no tocante à forma que
estava sendo praticada, tal lei era considerada um avanço no campo do ensino de lín-
guas estrangeiras no ensino básico do Brasil uma vez que possibilitava uma integra-
ção linguística maior com a América Latina e assim, com nosso contexto geográfico,
histórico e cultural e fortalecia uma política multilíngue e multicultural.
Em 2017, a Lei 13.415/2017, conhecida como Reforma do Ensino Médio, traz ape-
nas o inglês como oferta obrigatória no Ensino Médio e, com isso, o espanhol passa a
ser uma opção “preferencial” dentro do campo das línguas estrangeiras, que por sua
vez, estão localizadas no rol das chamadas disciplinas optativas. Outro ponto polêmi-
220 Ensino de língua estrangeira na educação básica brasileira

co que merece destaque e que aparece na última revisão da BNCC, também de 2017, é
sobre o inglês, que deixa de ser LE (Língua Estrangeira) e passa a ser ILF (Inglês como
Língua Franca). Muitas polêmicas e muitos problemas. Primeiro, é o grande retroces-
so que há com essa reformulação, já que a política linguística volta a ser uma política
monolíngue e hegemônica, na qual tanto o português aparece como única possibili-
dade de língua materna e o inglês como única possibilidade de língua não materna,
dentro de um país que é claramente multilíngue e multicultural que é o Brasil, em que
se falam, além do português, línguas indígenas, línguas de herança e tantas outras e
que, inclusive, o professor deveria estar preparado para lidar ou em processo de pre-
paração para tal abrangência linguística que permeia na atualidade. E segundo, tão
complexo quanto o primeiro, seria o inglês posto na BNCC como língua franca, que
deve ser trabalhado com um teor de neutralidade, dissociado de aspectos políticos e
ideológicos. Analisando tais características, seria possível uma língua dessa forma ser
ensinada nas escolas brasileiras? Uma língua como única possibilidade para interação
e mobilidade, descartando outras línguas que poderiam cumprir este papel. Seria esse
inglês, de fato, neutro? É possível uma língua neutra num mundo cada vez mais plural
e globalizado? Não seria algo paradoxal?
Nesse novo formato de Ensino Médio, a proposta é que haja uma flexibilização dos
currículos e com isso, a possibilidade dos alunos escolherem o que desejam estudar.
Essa é a teoria. Sendo assim, nos dois últimos anos do Ensino Médio, pelo texto
aprovado no Senado, foram definidos os chamados Itinerários Formativos que seriam
caminhos de aprofundamento distintos aos estudantes em uma ou mais áreas de co-
nhecimento e/ou na formação técnica e profissional. São divididos em Linguagens,
Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Formação Técnica e Profis-
sional. Em Linguagens, temos o seguinte no documento:

No Ensino Médio, a área tem a responsabilidade de propiciar oportunidades


para a consolidação e a ampliação das habilidades de uso e de reflexão sobre
as linguagens – artísticas, corporais e verbais (oral ou visual-motora, como
Libras, e escrita) –, que são objeto de seus diferentes componentes (Arte, Edu-
cação Física, Língua Inglesa e Língua Portuguesa) (BNCC, p. 482).

Ainda de acordo com a BNCC, as escolas vão ofertar as disciplinas, na perspectiva


desses Itinerários, de acordo com a relevância para o contexto local e a depender tam-
bém da orientação das redes as quais fazem parte. Ou seja, a esperança na oferta do
espanhol, por exemplo, vai depender da “camaradagem”, “coleguismo” de cada
instituição, de cada rede de ensino, de cada estado. Há alguns movimentos para a
permanência da obrigatoriedade do espanhol nas rede de ensino, como é o caso do
#ficaespanhol que com sua força já conseguiu que fossem aprovadas algumas Emen-
das Constitucionais a favor da língua espanhola, em alguns estados.
Ensino de línguas propostas e relatos de experiência 221

9.3 PLANEJANDO UMA AULA DE LÍNGUA ESTRANGEIRA PARA


O ENSINO BÁSICO: RELATO DA OFICINA
O primeiro momento de nosso grupo de trabalho para o planejamento da oficina
foi entender que estamos vivenciando um caos. Além do caos da saúde pública com a
pandemia de Covid-19 e a nova realidade do ensino em meio às novas tecnologias,
passando pelas devidas adaptações para dar conta de uma educação que chegue na
maior quantidade possível de pessoas que precisam dela, falamos também do mo-
mento caótico que nós, professores de línguas estrangeiras da educação básica, esta-
mos vivenciando. Precisamos dar conta de atividades que envolvam compreensão
oral + escrita + produção oral + análise linguística + letramento literário, com foco
nas necessidades de nossos alunos, planejando com base na melhor abordagem para
cumprir com nossos objetivos, em meio a esse novo Ensino Médio e ainda tentando
estabelecer as diferenças teóricas e práticas que abarcam os conceitos de LE, L2, Lín-
gua Franca etc. Além disso e não menos importante, atentos ao panorama político
cheio de discursos hegemônicos com interesses neocolonialistas. De fato, não está
fácil. E por isso, o planejamento da oficina foi realizado com numerosas conversas,
expressivos debates, em muitos encontros remotos.
Depois, entender que deveríamos pensar numa oficina que conseguisse abarcar
línguas estrangeiras em geral e não uma oficina específica para inglês ou espanhol,
por exemplo. Compreender ainda que teríamos professores de várias realidades.
Desde aquele que trabalha com núcleos de língua, assim como professores que só
complementam sua CH com língua estrangeira, realidade bem presente ainda no en-
sino público de PE.
Cientes disso, realizamos nosso primeiro encontro para que esses professores le-
vantassem temáticas que fossem interessantes para a realidade deles. Devemos men-
cionar o quão rico foi esse momento, já que geralmente as formações continuadas são
pensadas por um grupo que não está em sala de aula e muitas vezes, desconhece todas
as adversidades que os docentes enfrentam. Então no RULLE, foi possível que o edu-
cador, futuro participante da oficina, escolhesse o tema da oficina que deveria ser
pensada/planejada para ele. Essa característica colaborativa foi um grande diferencial
desse projeto.
Em reunião com o GT, percebeu-se que muitos dos temas escolhidos pelos docen-
tes envolviam questões metodológicas, no entanto, levando em consideração a atual
conjuntura, não dava para pensar apenas em metodologia do ensino de língua estran-
geira no ensino básico sem trazer à baila também outros debates. À vista disso, nossa
proposta de oficina compreendia as discussões das propostas dos documentos norte-
adores atuais, a retomada dos conceitos das abordagens no ensino-aprendizagem de
língua e ainda uma breve atividade que envolvia a autonomia do professor com rela-
ção aos conteúdos perante este cenário atual.
222 Ensino de língua estrangeira na educação básica brasileira

9.3.1 A PROPOSTA DA OFICINA


Após apresentação dos conceitos de algumas metodologias no ensino de línguas
estrangeiras e dos documentos norteadores atuais, dividimos os professores em qua-
tro grupos. Eles tinham acesso a estas palavras: VARIEDADES LINGUÍSTICAS, EN-
SINO DE GRAMÁTICA, VOCABULÁRIO, INTERCULTURALIDADE e LEITURA
E COMPREENSÃO DE TEXTOS EM LE. Em grupo, deveriam refletir sobre esses
pontos para responder o seguinte: Com base nas novas orientações nacionais e meto-
dologias trabalhadas aqui, responda: É possível? Como?/Não é possível? Por quê? Cada
grupo, na tela do aplicativo Padlet, iria arrastando tais tópicos, por exemplo, VARIE-
DADES LINGUÍSTICAS é um tema possível de seguir trabalhando dentro de sua
realidade e tendo em vista estas novas orientações? Se a resposta fosse sim, ele
arrastava o tópico para um lado e respondia abaixo como eles faziam isto e se não,
arrastava para o outro lado com a justificativa do porquê e assim ocorreu com todos
os tópicos dados.
Vale lembrar que no caso dessa atividade não nos importava qual língua estrangei-
ra era a do docente. A ideia aqui era fazer todo mundo refletir sobre as discussões
realizadas e pôr em xeque a autonomia do professor nas suas escolhas e nos seus
planejamentos.

9.3.2 APRESENTAÇÃO DOS GRUPOS


Todos os grupos arrastaram todos os tópicos para o lado que indicava a possibili-
dade, ou seja, todos os professores presentes entenderam que mesmo a BNCC falando
de neutralidade ou de língua franca, o professor tem autonomia para trabalhar o que
achar necessário e importante para o desenvolvimento de seu aluno. Percebam que os
tópicos de INTERTEXTUALIDADE e VARIEDADES LINGUÍSTICAS poderiam ter
sido tópicos problemáticos nesse aspecto dentro das discussões, mas não foram. Ou-
tra questão interessante nas apresentações foi o fato de que todos os grupos entendiam
ser necessário o estudo do texto, do vocabulário, da gramática, além da intertextuali-
dade e variedades linguísticas a partir da inserção de variados gêneros textuais, e com
essa diversidade, poderia se perceber a pluralidade de aspectos que podem estar pre-
sente na língua, seja de aspectos fonéticos/fonológicos, de cultura, de diferenças de
usos de alguns vocábulos etc. Os grupos perceberam que todos os tópicos estão arti-
culados e entrelaçados de alguma forma. Por fim, podemos dizer que as apresentações
de todas as equipes foram bem alinhadas nas suas colocações e propostas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o exposto e toda discussão, entendemos que conhecer as diversas
abordagens é de suma importância e isso é um ponto inegociável, no entanto, nem
tudo que é imposto pelas metodologias deve, obrigatoriamente, ser trabalhado. Essa
decisão sobre a metodologia apropriada não é fácil e ela precisa partir de reflexões
Ensino de línguas propostas e relatos de experiência 223

prévias. Necessita ser tomada pelo professor como um ponto de referência e deve ser
adaptada de acordo com a situação em que estiver sendo utilizada. Outra considera-
ção é sobre a atual conjuntura que nós, professores de línguas do ensino básico, esta-
mos vivenciando. A partir de escolhas políticas, chegou a lei do novo ensino médio e
a formulação de uma BNCC em que o espanhol deixou de ser uma oferta obrigatória
no ensino médio e o inglês passou a ser a única língua não nativa ofertada e obrigató-
ria, ou seja, estamos vivenciando um retrocesso na medida em que o que está em vigor
é uma política de ensino monolíngue dentro de um país multilíngue e multicultural.
No caso do inglês, ainda que permaneça, deixa o status de língua estrangeira e ganha
o status de língua franca em que carrega o peso de uma falsa neutralidade e dissocia-
da de aspectos políticos e ideológicos. Tentando relacionar tudo isso, elaboramos nos-
sa oficina e como principal resultado tivemos a percepção que os docentes entendem
que estão diante de documentos norteadores e que podem planejar levando em conta
sua autonomia docente, e isso nos trouxe mais tranquilidade em meio ao caos atual.
Nós, educadores, percebemos que enquanto responsáveis diretos na formação dos jo-
vens cidadãos podemos planejar respeitando as variedades, contextualizando os con-
teúdos e entendendo que trabalhar a pluralidade, seja na escolha metodológica, seja
na tentativa de seguir as orientações documentais é a melhor saída.

REFERÊNCIAS
BOHN, Hilário; VANDERSEN, Paulino. Tópicos de Lingüística Aplicada. Florianópo-
lis: Editora da UFSC, 1988.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.
BYRAM, Michael. Teaching and assessing intercultural communicative competence.
Multilingual Matters, 1997.
CESTARO, Selma. O ensino de Língua Estrangeira: História e Metodologia. http://
www.hottopos.com/videtur6/selma.htm. Acesso em: 25 jan. 2022.
CINCO PERGUNTAS SOBRE O NOVO ENSINO MÉDIO. Inovações
em educação, 2021. Disponível em: https://porvir.org/5pergun-
tas-sobre-o-novo-ensino-medio/?gclid=Cj0KCQjwtrSLBhCLARIsA-
Ch6RmikBrQ4xvMtRAgzOusRPLPZDB4YHzKSOhBU7KvynXJg67VCl_
biWsYaAsmTEALw_wcB. Acesso em: 17 out. 2021.
KUMARAVADIVELU, B. Toward a postmethod pedagogy. In: TESOL Quarterly 35,
p. 537-60, 2001.
LEFFA, Vilson J. Metodologia do ensino de línguas. In BOHN, Hilário I.; VANDRE-
SEN, Paulino. Tópicos em lingüística aplicada: O ensino de línguas estrangei-
ras. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1988. p. 211-236.
MELO, Ticiana. O ensino de Línguas Estrangeiras sob a ótica da Abordagem Comuni-
cativa. Rev. de Letras. v. 19, n. 1/2 - jan/dez 1997. p. 84-87.
224 Ensino de língua estrangeira na educação básica brasileira

PUREN, Christian. Histoire des méthodologies. Paris: Nathan; Clé International,1988.


(Col.Didactique des langues étrangères).
SANTOS, Milena Meira. Ensino de Língua Estrangeira: Os métodos. Ver. EntreLín-
guas, Araraquara, v. 6, n. 2. p. 249-265, jul./dez., 2020.
SAVIGNON, Sandra. Communicative Competence: theory and classroom practice.
U.S.A.: Addison-Wesley, 1983.
SILVA, Mônica R. A BNCC da reforma do ensino médio: um resgate de um empoeira-
do discurso. Educação em revista, Belo Horizonte, v. 34, 2018.
SILVEIRA, Amanda. “A abordagem interacionista para a aquisição de uma segunda
língua: transformando a teoria na prática do professor/pesquisador”. Lingua-
gens & Cidadania [Online], 10.1 (2008): sem paginação Web. 18 Out. 2021.

Você também pode gostar