Trabalho 1.4

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ridas”, por exemplo pelo CNE, e levadas ao Parlamento, mais desfavorecidos e os seus profissionais (e não há po-

Entrevista
tendo em vista a consensualização possível em cada mo- lítica TEIP que resista...). Quando é tão complexo educar
mento. Ainda se vêm ministros a tudo fazerem para dei- e quando o mundo à volta está a mudar tanto e a desa-
xar a sua marca pessoal no sistema, quais canídeos, em fiar tão profundamente as escolas, o pior que lhes podia
vez de incentivarem o país a crescer e a desenvolver-se, acontecer é mesmo encontrarem-se sozinhas, cada uma

Somos todos responsáveis, nos limites do que é possível em cada momento, mas ex-
plorando até ao limite esses mesmos limites, em função
a disparar para o seu lado, sem entreajuda e sem o devido
apoio da comunidade local e nacional. É, por isso, um iso-

não adianta assobiar de um horizonte comummente estudado, debatido e es-


tabelecido (a Lei de Bases de 1986 exerceu esse papel). Ou
seja, empurrando o céu para cima, dispostos em círculos,
lamento que não resulta apenas das estratégias de ação
das escolas, mas que também passa por elas.
Quando se evoluiu no processo de autonomia das esco-
para o lado com os ombros de todos os que queiram e possam asso-
ciar-se, ganhando assim ainda mais horizonte para cons-
las (apesar de o processo ter sido sempre titubeante) e se
extinguiram as DRE, poder-se-ia pensar que estava che-
truirmos essa promessa de uma escola mais democrática gado um tempo mais favorável para a descentralização
— Professor Joaquim Azevedo
Entrevista conduzida por Ana Rosa Trindade e justa, acolhedora de todos e promotora de cada um. na educação. Mas o que sucedeu (um escândalo que pou-
cos preocupou) foi um processo de re-centralização da
Joaquim Azevedo, nascido em 1955 (Sta. Maria da Feira), licenciado em História e doutorado em Ciências da administração da educação, tendo sido criada uma nova
Educação pela Universidade de Lisboa, é professor catedrático da Universidade Católica Portuguesa e Presidente da
Fundação Manuel Leão. Dirige o Projeto Arco Maior (www.arcomaior.pt). Desempenhou as funções de Diretor-Geral A maioria das escolas luta e inova, Direção-Geral (DGEstE) que veio capturar as competên-
do Ministério da Educação (1988-92) e de Secretário de Estado da Educação (em 1992 e 1993). É membro do Conselho
cias que estavam nas DRE e que, em boa parte, deviam
Nacional de Educação (cooptado). Representou Portugal em vários organismos internacionais (OCDE, UNESCO) e é
autor de vários livros e inúmeros artigos sobre educação e formação. É casado, vive no Porto, tem 3 filhos e 3 netos.
“ fura” e descobre caminhos, ter “descido” do plano regional para as escolas e as admi-
aperfeiçoa e procura parcerias, nistrações públicas locais. As escolas ficaram ainda mais
num esforço incessante e sozinhas e entregues a si mesmas e ao preenchimento frio
de plataformas digitais, o meio privilegiado de comuni-
profundamente desgastante, (…). cação com uma administração ainda mais centralizada.
Os governos e a administração central da educação con-
tinuam a não confiar nas escolas. Para quem, como eu,
AR: Sendo um profundo conhecedor do sistema educati- ria. O Estado continua a considerar-se como o construtor AR: Quais considera serem as maiores virtualidades das percorre as escolas é muito triste ver este abandono: tan-
vo português, que avaliação faz das políticas educativas, quase exclusivo do edifício social e a ter medo da partici- escolas portugueses? to esforço, dedicação, competência, inovação e esperança
a nível nacional? pação autónoma e responsável das escolas e das comuni- que se dissipam por falta de apoio e entreajuda!
dades locais, quando deveria tornar-se parceiro e tomá-las JA: A maior de todas são as suas pessoas, os seus profes- Infelizmente continuamos ainda hoje muito incapazes
JA: Portugal tem registado uma evolução muito positiva como parceiras fundamentais da melhoria permanente sores e diretores, os seus funcionários e os seus alunos. de enfrentar esta questão: definir um modelo de descen-
da educação das suas gerações mais jovens, fruto de polí- da educação em cada território, contribuindo assim para Temos profissionais muito competentes e dedicados, que tralização da educação, no seio do qual se estabeleça um
ticas certeiras e continuadas, desde os anos setenta do Sé- fortalecer tanto a ação do Estado democrático como a ca- têm garantido em boa parte este esforço de recuperação quadro claro de autonomia das escolas, de modo a que se
culo XX. Basta recordar a evolução acelerada e notável da pacidade política local (e não asfixiando esta, para depois do atraso estrutural, além de contribuírem incansavel- crie uma nova relação positiva e eficaz de parceria (“re-
educação pré-escolar ou da oferta de proclamar que é débil perpetuar o mente para combater e minorar as grandes desigualda- gulação conjunta”) entre o Estado central e o nível local
ensino superior. Partindo de um atra- centralismo e a prepotência). des de oportunidades que subsistem na sociedade e na e entre as escolas e as suas comunidades. Quedar-se por
so estrutural indigno, recuperámos Sobre as políticas destes últimos cin- escola portuguesas. A maioria das escolas luta e inova, infernizar, sem mais, uma dita “municipalização” é tão
imenso: em perto de cinquenta anos quenta anos deixo ainda duas notas “fura” e descobre caminhos, aperfeiçoa e procura parce- triste como o isolamento das escolas.
tivemos de fazer o esforço que outros interligadas: existe muita intermi- rias, num esforço incessante e profundamente desgastan- Por outro lado, o isolamento que se verifica também tem
realizaram em cem ou cento e cin- tência em várias políticas (e até con- te, pois não é devidamente apoiado. que ver com uma incapacidade de as escolas estabelece-
quenta anos. Temos sido ágeis a de- tradições flagrantes, em ciclos curtos Claro que também temos, em geral, bons recursos: rem parcerias duradoiras e fortes entre si, no plano local
clarar as obrigatoriedades escolares, de dois e três anos) e sabemos quan- escolas que se foram construindo e equipando, a par e e/ou inter-regional, para determinados objetivos de me-
desde o Século XIX que o fazemos, to a persistência é fundamental para passo, num grande investimento estatal e privado, e que lhoria e de desenvolvimento (como seria por exemplo a
mas temos sido muito lentos e des- se alcançarem resultados seguros hoje nos podem orgulhar, apesar de algumas dificuldades “flexibilidade curricular” ou a “digitalização escolar”). Há
norteados a cumpri-las, confirmando (como se viu no pré-escolar, no ensi- que ainda subsistem. Eu conheço vários países do mundo décadas que existem muitos esforços de inovação educa-
a análise de Soysal & Strang, que nos no profissional, no ensino superior, em termos escolares e nós fizemos um progresso notável! cional, bem construídos e espetaculares nos seus resul-
identificam como um país típico da etc.); além disso, as políticas educa- Falta-nos agora dar o passo da digitalização das escolas! tados, mas que estiolam e morrem devagarinho porque
“construção retórica da educação”. tivas nacionais em torno de questões cada escola sozinha é incapaz de vencer quer o monstro
Temos seguido um perfil de políticas cruciais são muito raramente deba- AR: E quais os seus principais constrangimentos? das rotinas instaladas e dos mandatos normalizadores e
educativas muito centralistas e uni- tidas de modo participado (não, não funcionalistas que pesam sobre as escolas, quer a frieza
formizadoras, inscritas no modelo estou a referir-me ao circo da parti- JA: O maior de todos, atualmente, é o isolamento: esco- das plataformas digitais da administração central... que
top-down, pouco incentivadoras da cipação ou à “participação sem par- las isoladas, professores isolados, ilhas flutuantes, o que nem sequer estão séria e duradouramente interessadas
participação social local e comunitá- ticipantes”) e bem estudadas e “dige- deixa em particular perigo as escolas que estão em meios na inovação educacional!

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AR: Que passos seriam importantes para aprofundar a AR: A avaliação externa tem sido apontada como um en- nuar a ser uma realidade silenciosa e silenciada e identi- hospitalidade, lugares com espessura antropológica, ap-
democraticidade nas escolas, no que diz respeito ao seu trave às práticas pedagógicas mais inclusivas. Que novo fica dois tipos de escolas, as escolas públicas “limpas” e tos a dar apoio escolar sobretudo aos que se encontram
processo de organização e gestão e a uma maior partici- olhar deve ser aportado à avaliação para que seja vista as escolas públicas “sujas”. Como poderíamos reduzir os mais fragilizados, qualquer que seja o motivo. Nunca ha-
pação da comunidade educativa no processo de tomada como um processo para a melhoria das aprendizagens de efeitos desta realidade? verá escola inclusiva enquanto não existir inclusão da es-
de decisão? todos os alunos e do ensino dos professores? cola na comunidade, pois é aí mesmo onde mora a exclu-
JA: Por falar em normalização, seletividade e competiti- são que têm de morar os trabalhos conjuntos da inclusão.
JA: Pois o que nos faz mesmo falta é o tal desenho partici- JA: A avaliação externa tem um lugar na educação, mas vidade... Este continua a ser um drama nas escolas por- As escolas terão de descer do seu pedestal de “institui-
pado de um quadro claro da administração (descentrali- esse lugar tem de ser definido do modo participado e tuguesas: a lenta e silenciosa exclusão que se pratica, sem ções do Estado central” para humildemente se assumi-
zada) da educação; enquanto não o fizermos vamos estar aberto que advogo. Este é um dos doze problemas que que isso represente um drama, como atos naturalizados rem como instituições limitadas e frágeis, que precisam
sempre à mercê de remendos deste ou daquele ministro precisavam de ser consensualizados em torno das políti- e administrativamente consagrados. Embarcamos numa imensamente das outras instituições da comunidade
que se acha iluminado e que só nos fará perder tempo e cas públicas de educação, inscritas num plano de desen- onda terrível. Esta exclusão condena os mais frágeis do para vencerem os desafios da justa escolarização de cada
dinheiro, além da esperança (porque nos desgastam). volvimento da educação, de médio e longo prazo. Quando ponto de vista cultural e económico: são pobres e filhos de um dos cidadãos. É toda uma aprendizagem que já se
Tenderá a sair sempre mais um decreto sobre a autono- criámos os primeiros exames nacionais, os do 12.º ano, portugueses pouco letrados, geralmente desempregados e faz há muitos anos, mas que ora avança ora recua, pois
mia das escolas, quando já sabemos à saciedade que esta em 1993, e segundo o modelo em que foram criados, nun- muitas vezes com problemas de negligência e delinquên- o tais quadros políticos de avaliação externa e de des-
autonomia não se decreta nem se isola e que só nos que- ca imaginava que nas décadas seguintes iria ocorrer essa cia. A nova escola democráti- centralização da educação
rem entreter e, sobretudo, justificar um Estado que está sangria desregulada de exames e mais exames que quase ca que abril abriu não conti- continuam adiados sine die
desorientado. Não pode haver uma redefinição e fortale- chegaram à educação pré-escolar (mas não deixaram de nha a exclusão em nenhuma Não consigo compreender a e quase ninguém se importa
cimento da autonomia das escolas sem que esse quadro a influenciar e muito, infelizmente). Deveríamos enfren- estrofe da sua canção. Mas seriamente com isso, a come-
esteja esclarecido e este só existirá se houver uma vonta- tar e encontrar consensos sobre dois problemas: o aces- ela persiste quase cinquenta
preguiça monumental que reina çar pelos partidos políticos e
de política clara de forças políticas articuladas, em cima so ao ensino superior e o papel da avaliação externa do anos depois: são reprovações nas instituições de ensino pela AR. A humildade é apa-
de estudos rigorosos, com cenários traçados em torno 1.º ao 12.º ano. Como não enfrentamos os problemas, em e retenções em elevado nú- superior… nágio das instituições aber-
dos quais seja possível fazer escolhas justas e duradouras. conjunto, vamos arranjando soluções ad hoc, que uns fa- mero (e o que é que isso edu- tas e justas, pois incorpora
Ou seja, é preciso fazermos o trabalho de casa bem feito, é zem e outros desfazem, para desgaste de todos, sobretudo cativamente quer dizer?), são um olhar cuidadoso, atento e
simples. E teimamos em não o fazer e ficamos à espera do dos profissionais de ensino. O atual modelo de acesso ao tantas vezes estas reprovações repetidas anos a fio, são respeitoso (como o definem por exemplo Esquirol, Nod-
dia dos milagres! Que não vem ou, melhor, vem se lutar- ensino superior constitui um dos mais sérios dramas da as punições permanentes que castigam, amarfanham e dings, Levinàs e Simone Weil). Ora, é exatamente este o
mos muito e muito bem para lá chegarmos! escola em Portugal. Os partidos políticos e as instituições nada resolvem, são as ordens de saída das salas de aula, olhar, que expressa uma ética de cuidado, que cada co-
Este quadro deveria definir o papel do Estado central e sociais (como Centros de Investigação) e profissionais às centenas, e as faltas disciplinares e as suspensões (a pu- munidade local tem de ter para com todos e cada um dos
dos outros atores sociais, em cooperação e não em com- têm de encontrar propostas para se alterar esta situação, nição repetida que solução educativa é que é?), são as lon- seus membros, numa sociedade decente. E isso, quando a
petição. As comunidades locais, a começar pelas autar- separando bem o que é o ensino básico e secundário da- gas e impiedosas descrições que os Conselhos de Turma escolaridade é “obrigatória” e universal até aos 18 anos,
quias, precisam deste quadro claro, para perceberem o quilo que é o ensino superior. Não consigo compreender fazem das incapacidades dos alunos, que os humilham tem de passar por um compromisso muito sério de cada
sentido, o alcance e os limites da sua ação; mas as escolas a preguiça monumental que reina nas instituições de em privado e em público, são as catalogações das “dificul- comunidade local com as suas escolas. Onde é que estes
também dele precisam para saberem com o que contam, ensino superior para continuarem a não estabelecer um dades de aprendizagem” e a relegação dos alunos pobres compromissos estão vivos e ativos, fortemente vigiados
qual o seu verdadeiro grau de autonomia e com quem e novo modelo próprio de seriação e seleção dos alunos que para percursos escolares pobres (para pobres, isso basta), na sua adequada execução?
como devem investir. Ambas, escolas e comunidades a elas se querem candidatar, quando o atual está a preju- são tantas faltas de cuidado e atenção cultural para com Trabalho, hoje em dia, com jovens alunos que aban-
locais, precisam de se aliar fortemente, num conflito de dicar e muito toda a escolaridade dos portugueses. Por quem é diferente e carece de propostas educativas acolhe- donaram e foram abandonados pelas escolas e que va-
interesses aberto e esclarecido, para promoverem uma isso, também me custa a compreender, e a aceitar, que doras e realmente flexíveis, promotoras da sua liberdade e gueiam nas cidades, invisíveis de dia, nos seus bairros po-
educação de qualidade, acolhedora de todos os cidadãos esta não seja uma prioridade central da agenda das as- realização pessoal e cidadã e não da sua humilhação. Pa- bres, saindo de noite para se afirmarem no espaço público,
e capaz de promover cada um deles, desde as crianças aos sociações profissionais, dos professores e diretores, das rece que é mais fácil declarar alguns como inensináveis, tantas vezes tão inadequadamente. Crianças a quem, nas
idosos. associações de pais e de estudantes. anotar nas fichas de avaliação que têm famílias que não suas escolas, fazem acumular “quadros problemáticos” e
A avaliação externa do 1.º ao 12.º ano, seria então os apoiam nem educam, registar até à exaustão as suas que depois nenhuma outra escola pública quer receber,
redefinida, num quadro que terá de ser bem estudado e incompetências e seguir por diante com a maquinaria es- mesmo estando dentro da tal escolaridade obrigatória.
debatido, em torno dos critérios que a devem ordenar, co- colar bem oleada e impiedosa. A heterogeneidade escolar, Jovens que estão inscritos e que quase não aparecem nas
lhendo os ensinamentos das melhores práticas nacionais essa decorrência da luta por uma escola democrática e aulas, mas que, “para todos os efeitos, estão a cumprir a
Quando criámos os primeiros e internacionais. A inclusão escolar e educacional tem de justa, continua a ser vista por muitos Conselhos Pedagó- escolaridade obrigatória”, respondem-me!!!. As CPCJ, a
estar entre os principais critérios do modelo a definir. A gicos e de Turma como um problema, uma grande chatice Segurança Social e os Tribunais, em articulação com as
exames nacionais, (…) nunca manter-se o quadro atual é óbvio que continuaremos a que percorre as turmas e as escolas. E este é mesmo um direções das escolas e algumas autarquias locais, reali-
imaginava (…) que iria ocorrer essa favorecer práticas escolares que assentam na normaliza- dos maiores problemas da nossa escolarização, promo- zam tantas vezes um trabalho imenso e muito cansativo,
sangria desregulada (…) ção, na seletividade e na competitividade, ainda que mais tor de muita injustiça, constituindo também um enten- mas muito pouco apoiado continuamente por outras ins-
ou menos mascaradas. dimento bastante naturalizado e invisibilizado, porque tituições da comunidade local, a quem parece pouco lhes
“compreende, sabe como é, temos de seguir em frente, eles interessar o destino de cada uma destas suas crianças e
AR: No seu artigo do Público (2016) “As escolas públicas não podem estar aqui sempre a atrapalhar!”. adolescentes, pobres, desorientadas e desamparadas, que
rejeitam alunos” refere que a exclusão não pode conti- As escolas e as comunidades têm de ser lugares de acabam descartadas e marginalizadas.

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Parece que ainda não percebemos que é pelo modo JA: Pois, é isso mesmo, na linha do que estou aqui a des- JA: Eu compreendo a pergunta, mas não tenho diretrizes esse plano integrado de medidas e precisamos de contar
como tratamos estas crianças e adolescentes, que é pelo crever: em cada comunidade local, e não apenas em cada a dar a ninguém. Foi bom que a IGEC o tenha feito, pois com os partidos políticos e com a AR para o debaterem e
modo como cuidamos dos últimos que se afere a qualida- Creche ou Jardim de Infância ou Escola do 1º ciclo, tem não basta um Agrupamento ou uma escola obter “bons o colocarem de pé. Outros países, quando viram os seus
de da justiça e da democracia (e da cultura) que exibimos e de se preparar o apoio imediato a quem dele precisa, des- resultados”, é preciso saber muito bem com que proces- sistemas escolares a declinar, construíram planos a trin-
propagandeamos, em público e privado, nas leis e nos atos. de a primeira hora, integradamente e com eficácia. Um sos se obtêm, pois sabemos que algumas vezes estes ditos ta anos. Sim, como em qualquer outra área que requer
apoio que tem de ser multiprofissional, multi-institucio- resultados são alcançados à custa da seleção e da mar- vagas de fundo, esta também precisa de trinta anos. A
nal e que, para ser mesmo eficaz, só pode ser prestado ginalização daqueles alunos que iriam “estragar as mé- educação pré-escolar levou esse tempo a solidificar-se e
(…) continua a ser um drama nas em termos sociocomunitários (comida, médico, roupa, dias”. Em educação, os processos são os resultados. Há ainda tem muito para percorrer nos 0-3 anos e na lógica
psicólogo, assistente social, segurança social, emprego, muita seletividade escolar que se pratica em Portugal, de estruturação de uma nova educação da infância. O en-
escolas portuguesas: a lenta e formação, ... apoio integrado à família e ao aluno, ...). sobretudo no ensino secundário, de onde a matriz liceal sino profissional precisou de trinta anos para se afirmar e
silenciosa exclusão que se Faço muitas dezenas de “histórias de vida” de alunos nunca desapareceu, nem com o 25 de abril nem com os chegar de 3 a 37% dos jovens que estudam após o 9.º ano.
pratica,(…) que abandonaram as nossas escolas e que por elas foram quase cinquenta anos que se lhe seguiram. Agora ninguém o põe em causa.
sendo abandonados. A maioria deles contou com uma Este indicador-chave dá desde logo o mote em torno da-
identificação precoce dos problemas por parte das suas quilo sobre o que deve rodar a autoavaliação da escola
AR: Na sua perspetiva quais são os mecanismos mais efi- educadoras e professoras, pois isso está bem anotado nos e as suas estratégias de ação e esse é o papel político e Somos todos responsáveis, não
cazes para que a escola cumpra a sua função de elevador seus processos individuais. O problema é que eles são regulador do Estado. Cabe a cada direção e gestão definir,
social e promova a coesão social? anotados uma primeira vez, uma segunda e terceira vez, com as famílias, as autarquias e a comunidade, o perfil
adianta assobiar para o lado.
continuam geralmente a ser registados, e ali ficam anos de escolarização que deve seguir. Esta é a sede de uma
JA: Em vez de ser uma escola focada sobretudo em aco- a fio, por vezes com relatórios muito circunstanciados e reflexão de base e norteadora. Quando fiz uma investiga- Em Portugal, como tenho repetido, nunca se deu uma cla-
lher todos, na matrícula e na retenção dos alunos dentro rigorosos, mas ali jazem até se transformarem num barril ção junto de diretores escolares, em várias áreas do país, ra prioridade política aos professores ou talvez isso tenha
dos edifícios, deve ser uma escola focada em acolher e de pólvora que explode ao 5º ou 6º anos, nas mãos e nos lembro-me de um deles contar que, para ficar bem na fo- ocorrido, em parte, no momento de elaboração do Estatu-
promover cada um, a sua autonomia e emancipação, se- corações das crianças. Deviam ter explodido na primeira tografia da comunidade local, a escola secundária (sozi- to, com o Ministro Roberto Carneiro. Atualmente, apesar
gundo múltiplas expressões de excelência, não podendo hora, no espaço público, mas mãos de quem cuida e pro- nha) tinha optado por apertar a malha da seletividade e, de estarmos perante vários indicadores que evidenciam
perder um só pelo caminho. E este cuidado ou é socio- tege as crianças e tem de os ajudar a resolver. Era preciso com isso, tinha realmente subido nos rankings nos anos que nos aproximamos de uma “tempestade perfeita”, con-
comunitário, fruto de uma governação local integrada, ter retirado esses dados do poço administrativo escolar e seguintes. Mas depois a escola começou a sofrer, seja com tinuamos a seguir em diante. Esse plano tem mesmo de
ou não será nunca um cuidado sério e justo, adequado a tê-los “libertado” para serem colocados em cima da mesa a marginalização a que tinha condenado muitos alunos, ser integrado, multidimensional e ousado. Se a educação
cada um. Este deveria ser o foco das escolas e das comu- comunitária para serem imediatamente analisados e de- seja com vários reparos de instituições da comunidade, e, das novas gerações é tão decisiva para o nosso futuro co-
nidades locais, pois muito sozinhas já as escolas estão. vida e eficazmente tratados, com todas as nossas forças, então, a direção da escola alterou outra vez a sua orien- mum, num quadro sociocultural tão novo, tão desafiante
Por exemplo, neste momento, as desigualdades sociais unidos e sem nunca desistirmos. tação e a sua presença na comunidade. Melhor seria ter e exigente, esse repto passa sobretudo pela ação dos edu-
estão a aprofundar-se muito com a situação pandémica Sempre que estes problemas de integração social, de cog- tomado este tipo de decisões, que são muito importantes cadores e professores. A começar pelo acesso aos cursos
e com as medidas tomadas para enfrentar os desafios do nição e desenvolvimento, de relacionamento pessoal e de na nossa vida comum, com a comunidade, desde o início de formação inicial (as atuais médias de acesso estão a
novo coronavírus; as famílias mais pobres, menos letra- pobreza com real impacto na alimentação e na saúde não e de modo muito articulado e participado, com compro- comprometer assustadoramente o futuro) e, terminados
das e vulneráveis ficaram muito mais expostas ao distan- são imediatamente tratados, ao primeiro sinal, só esta- missos públicos e escritos, sem contudo se deixar captu- os cursos, pelo acesso à profissão, pela indução profis-
ciamento e à exclusão. A escola, repito, no quadro político mos a contribuir diretamente para o seu agravamento, no rar na sua autonomia. sional, pelo acompanhamento supervisionado durante
da promoção da coesão social, é uma instituição social momento e a prazo. Cada cidadão e a comunidade local vários anos, pelo acesso ao estatuto de profissional au-
frágil, mesmo considerando todo o seu potencial educa- pagarão sempre muito caro esta falta de proximidade, de AR: A profissão docente vive momentos difíceis pelo seu tónomo, pelo apoio a sistemas fiáveis e fortes de acumu-
tivo escolar. Acresce o isolamento em que, em Portugal, atenção e cuidado, esta desumanidade. E, ao reler as his- envelhecimento, pelas suas condições de trabalho, pela sua lação do saber profissional , etc., etc., isto para além de
elas se encontram! Por isso, elas precisam da comunidade tórias de vida, concluo sempre: era desnecessário! Porque desvalorização social. Se tivesse um livro branco para re- medidas mais urgentes como a substituição dos docen-
e a comunidade precisa delas; não há objetivos de eleva- é que não se evitou tudo isto se era tudo tão claro e há valorizar a profissão docente, que ideias lá escreveria para tes mais idosos e em situações de maior dificuldade, etc.
dor social e coesão ou de inclusão que possam passar ao tantos anos? se inverter esta situação? Não olharmos como sociedade para este problema com
lado desta aliança, tenha ela as formas que tiver de ter, muita atenção é escandaloso; sinto, por vezes, que eu é
segundo cada contexto. O resto, definido o papel único e JA: Pois, não é fácil, mas com um trabalho aprofundado e que estou a andar na autoestrada em sentido contrário...
articulado de cada parceiro local e estabelecido o quadro Há muita seletividade escolar que participado, o nosso país precisa, com urgência, de criar Como é que não soam os alarmes quando a atual média
de ação sinérgica entre todos, é só fazer bem feito o que se um plano de revalorização dos professores (esta é para de acesso aos cursos de formação inicial de professores é
decidir fazer e avaliar e corrigir e... nunca desistir.
se pratica em Portugal, (…) mim uma das grandes prioridades políticas). O desgaste de 12 valores, o que quer dizer que muitos alunos entram
dos últimos vinte anos é muito grande, em cima do en- com 9,5 e 10 valores? Como é que não vemos que estamos
AR: A Recomendação n.º 2, do CNE (2015) refere que “o AR: O terceiro ciclo da avaliação das escolas, conduzido velhecimento e da constante desvalorização social. Não a fragilizar profundamente o sistema escolar, que pode
diagnóstico precoce e a intervenção específica e rápida aos pela IGEC integra a Inclusão como “o indicador-chave” tenho receitas mágicas e sei que as medidas avulsas re- cair sobre si mesmo dentro de 10-15 anos? Somos todos
primeiros sinais de dificuldades de aprendizagem, são das para a análise das práticas existentes nas escolas. Que di- sultam em nada, leva-as o vento e o sistema devora-as responsáveis, não adianta assobiar para o lado.
estratégias que maior consenso reúnem no combate ao in- retrizes daria aos gestores escolares para se organizarem tranquilamente! É preciso, em conjunto, elaborarmos
sucesso.” Na sua opinião como é que se poderia pragmatizar face a este desafio?
essa intervenção?

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