AUGUSTA

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COPYRIGHT © 2024 THEODOSIA

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1ª Edição

Está proibido o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte desta


obra, através de quaisquer meios eletrônicos, mecânicos, fotocópias,
gravações sem o devido consentimento. A violação dos direitos autorais é
crime estabelecido pela lei nº 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código
Penal. Esta obra literária é uma ficção. Qualquer nome, lugar, personagens e
situações são produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança com
pessoas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Capa: Gialui Design


Diagramação: Isadora Lacerda e Theodosia
Revisão: Evelyn Fernandes e Sophia Ferreira
Ilustracao: @umianny
Texto revisado conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Eu nunca achei que chegaria até aqui. Eu nunca achei que poderia
publicar algo que eu tinha escrito. Eu nunca achei que alguém gostaria e se
apaixonaria pelas coisas que eu escreveria.
Eu nunca achei que escreveria uma nota de autora e pudesse dizer o
quão feliz e grata estou por finalmente estar realizando um sonho.
São muitos eu nunca, e várias evidências contestando cada palavra
escrita.
Eu gostaria de contar uma história: Era uma vez uma garotinha com
depressão que usou pela primeira vez a escrita para se aliviar. Foi a melhor
escolha da vida dela, porque os livros a salvaram da morte, logo nos
primeiros dias que ela pensava em se cortar.
Todo mundo tem uma história por trás dos livros, e essa é a minha,
elas me salvaram da morte, elas me salvaram de mim mesma, e naquela
época, da minha própria família.
Então publicar esse livro é muito mais do que expor meus
sentimentos e uma parte de mim que por tanto tempo foi guardada, é sobre
a garotinha que não sabia de nada da vida e que encontrou nos livros
refúgio, amor, amizade e elementos suficientes para sobreviver a vida cruel
que tinha sido expostas cedo demais.
Augusta não é minha primeira mocinha a ganhar vida, mas é a
primeira a ser vista por outras pessoas. E sinceramente? Eu precisava muito
dela, precisava que ela me ensinasse sobre medo e coragem, sobre ser uma
mulher forte e que corre atrás dos seus sonhos. Eu precisava principalmente
que Dominic me ensinasse que apesar de toda tragédia, sempre tinha um
caminho melhor a tomar, porque você não precisa ser uma pessoa amarga
pelo pior que tivesse acontecido a você.Então bem, esses são eles, uma
bagunça, um acerto, um suspiro e uma lágrima.
Espero que eles conquistem o coração de vocês como tem feito com
o meu há meses. E bem, estou pronta para compartilhá-los.
A obra contem linguagem imprópria, abuso de poder, sexo,
bebidas alcoólicas, gatilho para abordo, luto e agressão física.
O livro é indicado para leitores acima dos 18 anos.
Boa leitura, nos vemos em breve.

XOXO,
Theo
Ao meu pai, por achar que o único jeito de resolver problemas é gritando
conosco. Pai, você pode ter razão nas coisas que o senhor diz, mas quando
nos agride verbalmente, todas as suas falas se tornam erradas, e palavras
uma vez ditas, não tem como ser engoli-las pelas boca.
E esse foi o nosso erro, achar que algum de nós iria quebrar.
Porque já estávamos despedaçados, e não se quebra algo que já está em
estilhaços.
Assembleia: Reunião de pessoas que têm algum interesse comum,
com a finalidade de discutir e deliberar sobre temas determinados.

Pacto Nupcial: Contrato regido pelos fundadores para os noivos


com o propósito de estabelecer o regime que entrará em vigor após o
casamento entre ambos.

Famílias Fundadoras: São quatro no total. A primeira geração de


Bash fundou a cidade anos atrás e criou o pacto nupcial entre eles. É a
família com o maior poder aquisitivo e é responsável pela decisão final e
desempate na Assembleia. São considerados a família real devido à herança
sanguínea.

Apoiadores: São cinco homens eleitos pela Assembleia que


oferecem ajuda e dicas estratégicas para que um projeto dentro da AAB seja
bem realizado e concluído. Servem como apoio e, às vezes, quando há
dúvidas em algum projeto, tem o poder de definir o que é melhor para o
Império — isso se aplica somente dentro da AAB — cada um tem o poder
X5 — cinco vezes maior — em Assembleias e reuniões.

Cheffts: Há um Chefft em cada organização empresarial, eles são


representantes de seu império. Ex: O dono da empresa X responsável por Y
produção é um Chefft, pois sua produção tem alta relevância no modo como
a economia de Bash gira. Para se tornar um Chefft, a sua empresa tem que
atingir um número específico na tabela de lucros e produção. Cada Chefft
foi convidado para fazer parte da AAB e tem o poder X2 em Assembleias e
reuniões.

O.P: São os órgãos públicos, militares, prefeitos ou qualquer


entidade estatal presente na cidade, tem poder X3 sobre votos em
Assembleias e reuniões.

Pilar: Dentro de cada pilar há uma dinâmica de controle, e os


cidadãos estão incluídos em cada Pilar, que é dividido pelas áreas da cidade.
Os pilares são controlados por executivos.

Executivos: São responsáveis pelo direcionamento da organização,


diante de cada tomada de decisão são eles que estão atrelados a gestão dos
polos. Eles não têm poder de decisão na Mesa, mas podem presenciar se
forem convidados e opinar em direcionamentos que envolvem seus setores.

A Mesa: É o jeito figurativo dos personagens retratarem as reuniões


e assembleias realizadas na cidade.
Cruel.
Tão cruel e linda.
Gostaria de saber se o seu gosto ainda tem o mesmo sabor de
traições e mentiras.
A MELHOR MENTIRA

— Podíamos tentar ouvir a conversa deles. — A sugestão de Polly


me pegou desprevenida. Soltei uma risada sincera, bebericando o delicioso
coquetel Salvatore’s Legacy.
— Sabe quantas vezes isso deu certo para mim? — Cerrei os olhos,
dobrando o pescoço para direita. — Nenhuma.
Estávamos como dois postes, paradas na parte mais alta do Salão
Dourado, recebendo olhares curiosos, e observando a valsa sincronizada das
debutantes no meio do salão, que seguiam perfeitamente como tínhamos
planejado o verão todo.
Era o primeiro do ano, o baile de iniciação. Uma data importante
para nós, já que era como um marco de que finalmente o ano havia
começado na alta sociedade de Bash. Quase todos tinham um sobrenome
importante, contas abundantes, um nome influente ou apenas um rosto
bonito e estavam ali garantindo mais um ano na lista de convidados da casa.
— Mas eu preciso saber se é verdade, não posso me casar assim.
Beberiquei mais alguns goles do líquido vermelho, totalmente
satisfeita com a apresentação na nossa frente. Todos no salão tinham parado
para olhar a valsa e o meu ego foi amaciado quando a primeira dama da
cidade me saudou de longe, parabenizando-me.
A Primeira-dama tinha me deixado responsável pelo QueenKey
esse ano, como presente e como uma representação singela das suas
lamentações a mim. Todos ali no meio tinham sempre um jeito de me
agradar nos últimos meses.
— Você não vai se casar, não faz sentido — pensei. — E o seu pai
não é do tipo que arruma casamentos para o seu bebê — zombei e Polly
revirou os olhos um pouco irritada. Seu temperamento afetando
drasticamente o seu humor desde que ouviu uma conversa de seu pai
dizendo que haveria um casamento em breve.
— Ele disse quem? — continuei.
— Não consegui ouvir mais, mas disseram algo sobre a reunião de
hoje ser importante e que a fariam aqui. — Ela me olhou e senti meu peito
apertar. Eu sabia o que estava pensando, e sabia como isso mexia com ela.
— Eu não posso.
E eu sabia o porquê.
— Acha que é alguém que conhecemos? — perguntei em um
murmúrio, tentando desviar seus pensamentos do amor que a deixou.
— Eu não sei, papai odeia quase todos os caras. Eu não faço ideia
de quem ele pode achar digno de mim. — Ela comprimiu a boca em uma
risada sem graça.
O pai de Apolline era muito protetor em relação à filha, e eu
também estava surpresa por ele colocá-la em um negócio. Esse
acontecimento era, no mínimo, interessante.
— Talvez a sorte esteja ao nosso lado dessa vez, e sejam apenas
terceiros e quartos planos para um futuro distante — falei, também curiosa
para descobrir que negócio era esse que o tio Carl havia feito com a sua
filha. — E os nossos pais sabem as filhas que têm — Polly deu uma
risadinha, mas imaginei como ela queria acreditar que seu pai não faria algo
que a machucasse assim.
— Eu tenho certeza de que eles sabem disso!
Saboreei o líquido na língua, travando uma batalha interna. As
possibilidades ruminando minha decisão. Ouvir conversas que não devia,
tinham me arruinado uma vez.
Observei as onze debutantes ensaiarem para sair em fila, cada uma
com o seu par, quando a música chegou ao fim. Sorri quando elas passaram
por mim dando tchauzinhos depois dos aplausos. Uma música instrumental
voltou a se mesclar com as conversas paralelas que aumentaram o tom.
— Então? — Polly insistiu. — Se você não for comigo, eu vou
sozinha.
— Está querendo me chantagear, senhorita Polly Pocket? —
zombei, usando seu apelido de Ensino Médio.
— Jamais faria isso, senhora — seu sorriso cínico me fez revirar os
olhos e prestar atenção no movimento à nossa volta. A agitação do local
estava de volta assim que o meio foi liberado.
Procurei pelo Salão Dourado rostos conhecidos, todos ali pareciam
leões famintos prontos para devorarem qualquer deslize.
— Temos quantos minutos? — perguntei baixo, cedendo sem muito
esforço à curiosidade de saber o que se falava nessa reunião.
— Três — Polly confirmou com os dedos animada e esboçou um
sorriso felino, que me fez lembrar da nossa época no instituto. Dobrei o
pescoço pensativa.
Eu tinha três minutos para atravessar um salão lotado de pessoas.
Uma missão quase impossível, uma vez que eu seria parada a cada segundo.
— Já estão todos lá? — perguntei apreensiva, não seria fácil olhá-lo
mais uma vez.
Polly dobrou a cabeça indicando o homem alto e já velho que
atravessava de longe o salão, com seu falso fiel escudeiro que o seguia por
todo lado.
Balancei a cabeça novamente. Faltava Frederico Clifford, a pessoa
mais importante da mesa.
Cerrei os olhos, abrindo um sorriso de lado.
— Vamos fazer isso.
A noite estava longe de acabar, embora tivéssemos chegado no
salão bem mais cedo que os convidados para a organização das debutantes
para o comitê de honra da noite.
— Quer ver quem chega primeiro ao outro lado? — desafiou,
animada.
— Você vai escapar pelos fundos — acusei.
— Enquanto você vai passar no meio de todas as pessoas, cada um
com suas escolhas.
— Quem não é visto não é lembrado — zombei, como se a cara de
Apolline não estivesse estampada em quase todas as revistas de moda atual.
— Hoje, eu passo — afirmou, ansiosa.
— Vamos lá! — Acenei com a cabeça, seguindo sozinha à frente
com passos precisos. Apolline desapareceu atrás de mim.
As pessoas se dispersando a cada passo que eu dava em direção ao
outro lado do salão não me incomodava. Os murmúrios sendo escutados,
mesmo com o acústico clássico de um piano no fundo, e os olhares cada dia
mais espertos em direção às minhas ações também não, essas tinham sido
reações automáticas há quatro longos meses.
Mantive os passos decididos enquanto atravessava. Adorava isso.
Adorava poder ser uma mulher de destaque em uma sociedade que não
aceitava ninguém que não tivesse um sobrenome relevante marcado pelo
sexo masculino. O poder me excitava, e eu ficava extremamente satisfeita
por seus olhares desviarem e acenares fracos de cabeça serem direcionados
a mim.
Três pessoas vieram em minha direção antes que eu virasse o rosto
e continuasse com o caminhar firme para a entrada. Sem nenhuma
interrupção. Tudo estava nos detalhes.
Cheguei ao corredor largo e decorado onde Polly já estava me
esperando.
— Você demorou — repreendeu, cruzando os braços.
— Você pegou um atalho — ralhei, abrindo uma das portas que
sabia que estavam vazias. — Vem.
— Como vamos escutar uma reunião em outro cômodo? —
sussurrou quando entramos, e tranquei a porta.
O cômodo era uma sala simples com um sofá duplo, uma estante
cheia de livros e documentos, um guarda-roupa de madeira que ocupava
uma parede toda e uma mesa marrom que também ocupava uma boa parte
do espaço. Eu a usava quando precisava guardar algo ou ter um momento
particular com um cliente.
— Eles estão em cima. — Levantou a mão como se não fosse óbvio
onde se reuniam. A sala do anfitrião era a única que estava no andar de
cima. — E nós estamos embaixo, como vamos fazer isso? Achei que você
ia nos levar para cima e nos enfiar em um buraco escondido. Foi por isso
que te convidei, você conhece o salão melhor que todos! — se indignou e
eu ri do seu estresse sem motivo.
— Não confia em mim? — debochei, divertida. Fazia algum tempo
que não abria a passagem.
— Difícil, pois nesse momento há uma placa em minha cabeça me
dizendo que não vou saber quem será o infeliz a compartilhar um
sobrenome comigo.
Ignorei seu comentário e abri a porta do guarda-roupa que dava em
um banheiro pequeno. Esse era um dos cômodos mais antigos do salão, e
um dos poucos que não passam por frequentes reformas.
— O que vamos fazer no banheiro? — Polly alfinetou com os olhos
atentos atrás de mim, e antes de me encaminhar até o piso que levava ao
banheiro, parei no curto espaço dentro do guarda-roupa, onde havia dois
grandes espelhos ladeando-o.
Puxei a moldura bege do meu lado direito, abrindo um caminho
estreito para uma escada ingrime.
Sorri para um rosto horrorizado de Apolline que enfiou a cabeça no
meu pescoço para ver a passagem à minha frente.
— Você tá de sacanagem que nunca me contou isso? — gargalhei
alto do seu linguajar.
— Segredos reais — justifiquei rindo, mas Apolline não perdeu
tempo e se enfiou na minha frente com seu corpo magro e subiu as escadas
de ferro, rapidamente sumindo no escuro.
Procurei o meu celular no bolso oculto do vestido e liguei a
lanterna, fechando a porta em moldura atrás de mim e fiz os mesmo passos
de Apolline, só que mais devagar. Ninguém merecia escadas, ainda mais tão
estreitas que faziam meu corpo se sentir apertado demais.
Subi os degraus curtos em caracol, com meu vestido roçando na
barra de ferro. Isso com certeza parecia mais divertido aos dezoito anos de
idade.
— Por que não estou surpresa por sua sala ter um acesso direto ao
cômodo Clifford? — Polly sussurrou perplexa quando cheguei ao piso liso
de mais um corredor comprimido. Ela já estava no final dele, cerrando os
olhos e tentando enxergar pelos buraquinhos que filtravam a luz presente no
cômodo seguinte.
Cheguei mais perto, visualizando a mesa retangular com todos os
assentos ocupados, inclusive a cabeceira. Tinha se passado mais de três
minutos.
— Estamos atrasadas. — Comprimi os olhos, identificando todos
na mesa, pareciam ter iniciado naquele momento, mas seus murmúrios
eram baixos e não dava para escutar perfeitamente o que conversavam.
Bufei, frustrada.
O lugar que estávamos dava para uma das entradas de ar falsas, que
ficava atrás de uma das estantes de parede do lado de dentro. Para
passarmos para o outro lado, bastava rodar a alavanca localizada no lado
direito, logo abaixo de nós em algum lugar por ali.
Do lado de dentro, não dava para ver se tinha alguém os
observando, embora fosse provável que ninguém soubesse dessa passagem,
a não ser os próprios anfitriões da casa. O anfitrião estava de costas para
nós naquele momento e ninguém iria imaginar que naquela noite havia duas
pessoas curiosas atrás da porta.
Eu não me sentia mal em nenhum sentido por estar tentando ouvir
ou ver uma reunião que era para ser secreta. Na verdade, eu me sentia um
pouco eufórica com tudo isso, me fazia lembrar quando era mais nova e me
esgueirava para debaixo da mesa do meu pai para ouvir suas conversas,
porque aquilo era muito mais divertido do que fazer roupinhas para minhas
bonecas ou brincar com minhas irmãs.
— Mas não o suficiente. O que não muda muita coisa, já que não
conseguimos ouvir nada — Apolline respondeu depois de um tempo em
silêncio, externando meus próprios pensamentos. Seu olhar encontrou com
o meu, dividindo a atenção entre nossa conversa baixa e os movimentos
atrás da falsa parede. — Daqui a uns dias, os encontros da AAB não serão
mais aqui.
— Você tem razão, a reforma da mansão Willians foi finalizada —
pensei alto. — Mas por que você acha que mudariam de lugar?
— É território neutro, e provavelmente virão pessoas de outras
zonas nos próximos dias, ouvi até que os casamentos agora seriam lá. —
Fiz uma careta. Ritos e seus mandamentos antigos.
— Bem, tinha uma planta da mansão em cima da mesa do meu pai
na semana passada com todos os detalhes da reforma. — Pisquei, tentando
lembrar detalhes. — O papel estava cheio de assinaturas, acho que são de
todos os machos alphas que compõem essa merda de sociedade.
— Faz sentido. — Ela fez uma careta também.
Alguns rapazes mais novos serviram bebidas em seus copos,
enfeitando a mesa com comida farta e vinho caro. A reunião havia
começado.
Meu pai estava fielmente ao lado do tio Carl, pai de Apolline, e vi
alguns primos de longa data os cumprimentar com respeito. O prefeito da
cidade também estava ali, como os Cheffts e as autoridades estaduais locais.
As poltronas eram marcadas e cada um tinha seu lugar.
Tínhamos na cabeceira o Senhor Clifford, um homem na casa dos
70, que não importava se estava prestando atenção ou não, se tinha ouvido
ou não sobre alguma coisa, ele sempre tinha a palavra final quando tudo
terminava.
Algumas reuniões, por exemplo, eram somente de fachada, pois
quem eram seus seguidores de verdade sabiam como manipular o jogo, e o
velho decidia se queria ser subornado ou não.
Ali, tudo era por interesse, ninguém fazia nada nesse mundo se não
saísse ganhando. E ganhava quem tinha a melhor lábia, a melhor mentira.
Porém, ninguém estava realmente preocupado com Frederico
Clifford, afinal, ele era velho e estava perto de deixar tudo aquilo para trás,
mas sim com o seu neto, a quem ele entregaria seu legado: O príncipe da
cidade. O anfitrião da noite.
Depois que seus pais morreram, seu avô o criou, trouxe-o para a
cidade e o coroou como seu novo herdeiro. O que alimentou muito falatório
na época, visto que quase toda sua família estava morta, e precisavam de
vínculos para manter o poder.
O que vinha a questão de milhões, e era até ridículo pensar nisso.
Ele não podia simplesmente pegar o que tinha por direito e começar a tomar
decisões por conta própria. Não sem antes se casar e garantir uma boa
aliança. Tão antiquado e antigo. Essa cidade tinha um jeito estranho de
preservar tradições.
E é claro que também não só quem se unisse aos Clifford sairia
ganhando, eles também precisavam de apoio, isso mostrava que uma mão
lavava a outra.
Em resumo, você só se tornava rei depois que o acordo beneficiasse
a todos na mesa. E isso, no momento, era completamente ridículo e
frustrante, levando em conta que todos os Cheffts tinham filhas mulheres na
idade de se casar — 19 anos completos. Eu, por exemplo, não duvidava que
meu pai me usasse para subir no poder.
E realmente não ligaria de ser a rainha da cidade, se isso não
significasse passar por cima de mim. Balancei a cabeça, bloqueando
memórias que deveriam ficar no passado. Ser rainha não poderia estar nos
meus planos e sentia minhas entranhas se remexerem apenas pelas
lembranças que ele me trazia.
Encarei o rosto de Polly, assimilando as palavras que ela ouviu de
seu pai com a reunião que acontecia agitada na nossa frente. Sentia meu
estômago pesar com o resultado dos meus pensamentos. A AAB procurava
uma nova rainha, e se ela tinha ouvido que se casaria com alguém,
provavelmente seria com o anfitrião.
Ela me encarou de volta, seus olhos negros e transparentes. Ela era
tão linda, sempre amei o tom da sua pele negra e como deixava seu cabelo
sempre puxado para trás, marcando todas as suas fortes feições.
Era até engraçado quando seu rosto se contorcia na tentativa de
transparecer em seus olhos o que sua mente esperta trabalhava. Ela não
precisava se esforçar, seus grandes olhos redondos refletiam seus
sentimentos de forma genuína e seus esforços transformavam seu rosto em
uma careta engraçada.
— Eu não vou me casar com ele — ela disse desesperada, falando
do príncipe. — Não tem como, você sabe. Isso seria ridículo. Pelo amor de
Deus, Augusta!
Balancei a cabeça, dispersando pensamentos negativos. Negócios.
Eu sempre soube que isso poderia acontecer, e fazia sentido. Eu o deixei. E
Apolline tinha ouvido sobre um casamento e a mesa estava à procura de
uma herdeira para uma aliança real.
Cerrei os olhos, voltando minha atenção para o móvel retangular
totalmente ocupado.
— Merda, não consigo ouvir nada — reclamei frustrada, pois via
que suas taças estavam esvaziando cada vez mais rápido, e uma euforia
mexia com os homens no local.
Prestei atenção nos movimentos e em suas expressões, alguns não
estavam nada felizes e batiam a mão na mesa, folheando páginas de um
documento que estava no centro.
Frederico Clifford apenas observava calado, encarando várias vezes
o seu neto, que mantinha uma posição firme e balançava a cabeça
negativamente para a maioria das coisas que lhe eram apontadas.
— E eu achando que iria saber de tudo dessa vez — Polly zombou
da nossa decepção. — Pelo menos agora sei que tem uma passagem secreta.
Continuei concentrada quando cada um dos Cheffts levantava da
cadeira e falava algo incompreensível, inclusive o meu pai, que tinha um
sorriso satisfeito quando provavelmente levantou pontos importantes da
empresa. Franzi o cenho quando o único homem que não havia se levantado
era o pai de Polly.
O tilintar fraco anunciou que algo tinha sido decidido.
Vimos todos se levantarem e uma pasta amarela com um W na capa
foi posta na frente do meu pai. Senti meu coração acelerar com os
movimentos a seguir.
Realmente iria haver um casamento.
E papai estava com a mão no ombro do senhor Clifford e dando
sorrisinhos falsos para os Cheffts à mesa.
A mentira dele tinha convencido o rei, e eu sabia que, de alguma
forma, eu estava envolvida nela.
— Merda!
Alguém realmente iria se casar, e esse alguém não era Apolline.
SUA RAINHA

Eu não era covarde.


Na verdade, encarava as coisas ao meu redor muito bem, obrigada.
Sempre tinha boas resoluções para os problemas à espreita, e tentava
sempre ter um bom plano de ação para imprevistos e falhas. Pelo menos era
o que achava que tinha feito nos últimos meses.
Mas isso não pareceu ser verdade quando minha voz se exaltou em
surpresa e eu soube que tinha chegado ao outro lado de alguma forma.
Porque o anfitrião virou o pescoço e olhou diretamente para onde
estávamos. Diretamente para a parte da estante onde havia frestas de ar
falsas. Minha respiração falhou e engoli em seco, arregalando os olhos.
— Merda, merda, merda — praguejei, completamente em
desespero. Meu coração quase saiu pela boca.
Polly me olhou desconfiada
— Pare com isso, não é como se fosse a maior revelação do ano! —
disse em um tom bravo, com os braços cruzados, e ficou bons segundos me
encarando surtar internamente. — Ah, Santa Afrodite, não é como se isso
nunca fosse acontecer! Pare com isso!
Então cerrou os olhos tentando enxergar mais alguma coisa através
das frestas de luz e desistiu, voltando para o mesmo caminho onde tínhamos
entrado.
— Como se não fosse claro quem seria a nova rainha de Bash! —
Seu tom era bravo quando sumiu escada abaixo, me deixando sem a menor
cerimônia.
Ainda estava travada no lugar quando voltei a olhar para os
pequenos buracos, agora a sala se esvaziava rapidamente e podia ouvir os
passos grosseiros descendo as escadas.
O anfitrião ainda olhava na direção do lugar escondido que eu
estava, como se soubesse exatamente quem estava ali. Seu olhar era
curioso. Como se estivesse intrigado com algo. Eu conhecia aquele olhar. O
maldito rio de olhos pretos.
Dominic Clifford era o seu nome. Dominic Clifford era o príncipe
da cidade, que logo viraria rei. Dominic Clifford era o dono das minhas
primeiras vezes. Dominic Clifford era o homem que eu tinha quebrado o
coração e que me odiava amargamente.
Refiz meus passos de volta ao cômodo no primeiro andar, aturdida.
Teria que conversar com o meu pai urgentemente, porque isso não
estava no combinado. Me casar com Clifford não poderia estar nos nossos
planos naquele momento. Não mesmo. O gosto amargo de traição me
atingiu, me deixando com raiva e amargura. Isso não poderia estar
acontecendo.
Não. Tinha que ser uma conversa muito mal interpretada. Porque
nem sequer tínhamos ouvido, então supor um casamento só pela pasta dos
fundadores ter sido lida e o meu pai estar ao lado do Senhor Clifford não
dizia nada. Ele tinha que ter outros planos de interesse. Não um contrato
nupcial. Essa reunião não poderia ser sobre isso. Eu disse a ele que não
poderia me casar com o príncipe da cidade. Eu fui clara.
Então, não iria surtar com hipóteses.
Uma Polly impaciente digitava furiosamente no seu celular quando
alcançamos o piso desenhado do térreo.
— Chuck me disse que o meu pai planeja mesmo um casamento
para mim, mas ele não diz com quem. — Seu tom nervoso me fez arquear
as sobrancelhas.
— Seu primo está te dando informações fáceis assim? —
Destranquei a porta para voltarmos ao Salão Dourado que parecia tão
normal quanto antes. A conversa alta e a música instrumental invadiram
meus tímpanos, me dando boas-vindas novamente.
— Não, ele só me disse que não aprovava essa ação, mas que não
podia fazer nada — bufou frustrada, batendo o salto no chão sem dó,
seguindo em frente pelo corredor largo de entrada.
— Não desconte sua raiva em um Louboutin — ralhei, olhando para
os seus passos rápidos e impecáveis.
— Tenho primos imprestáveis!
Chuck e Chris eram seus primos de primeiro grau, que viviam no
seu pé como dois irmãos mais velhos mandões. Talvez Apolline ser filha
única levou os gêmeos Nkosi a adotarem como sua bebê, já que eles não
saíam de sua casa.
— Não poderia concordar mais sobre isso. — Dobrei o pescoço,
procurando meu pai pelo salão. — E vamos descobrir sobre o que te
incomoda, não se preocupe. Amanhã tratarei disso.
— Tudo bem, senhora C.E.O — zombou amarga, mas sabia que ela
só queria resolver o seu conflito.
E bem, eu sabia que não podia fazer nada para impedir qualquer
coisa que fosse negociada com seu nome. Somente Polly poderia impedir
sua própria sentença, porque, afinal, ainda tínhamos que dizer sim, por mais
que fosse um contrato de negócios. Mas isso não impedia seu pai de coagi-
la a dizer, e eu sabia que isso a incomodava.
Porque seu pai atingiria seu calcanhar sem piedade.
— As meninas estão no segundo piso nos esperando, temos que dar
os parabéns pela bela apresentação.
Concordei com a cabeça seguindo seus passos, o salão parecia mais
vazio do que quando saímos. Polly estancou no lugar após cruzarmos o arco
do corredor.
— Maravilha! Eu estava mesmo querendo ver vocês — acusou,
apontando o dedo de uma forma mal-educada e arregalei os olhos. Ela
realmente estava muito brava com a ideia do casamento.
Semicerrei os olhos para onde ela apontava, vendo cinco malditas
pessoas em um pequeno círculo. Cinco.
Engoli a respiração travando o maxilar.
Os gêmeos Nikosi estavam de braços cruzados quando Apolline,
sem se preocupar com nada, atravessou as pessoas em sua frente para falar
com eles, acusando-os de algo. Dobrei a atenção para Zaki, que se divertiu
com a reação dos primos. Cerrei o punho, caminhando com passos lentos e
ignorando as duas outras pessoas que compunham o círculo.
— Olha, se não são as primeiras-damas da cidade — Zaki disse
animado, bagunçando seus cabelos dourados.
— Eca, para isso teria que me casar com o senhor Wilson. — Torço
o nariz em uma careta.
— Poderia se casar comigo, em alguns anos me elegeria prefeito e
faria de você a primeira-dama mais gata da cidade — Chuck abriu um
sorriso largo e malicioso, deixando sua prima bufando e furiosa.
Provavelmente eles não tinham dado o que ela queria.
— Parece um cargo baixo — desdenhei e meu olhar se encontrou
com o de Zaki, o qual tinha um sorriso travesso nos lábios. Como se
soubesse todos os meus segredos. Enxerido.
— É uma pena que seu gêmeo tenha mais dignidade, Chuck —
Apolline alfinetou e ele lhe deu uma olhada nada bonita. Ela levantou os
braços. — Ainda bem que isso não é de família.
— Não posso ser julgado por crimes do passado! — defendeu-se e
soltei uma risada.
— Ah, pode sim — falei e segui para o lado de Christoph, seu
irmão. — Por que não dá o que sua prima pede? — impliquei e ele revirou
os olhos.
Os gêmeos Nikosi tinham os traços fortes como sua prima Apolline,
e a diferença entre os dois eram nítidas, pois tinham estilos e portes
diferentes.
Chris fez academia militar com Zaki, já Chuck preferiu seguir
fielmente os passos do pai na faculdade e na empresa. Apesar dos dois
terem direitos iguais na empresa, seus destinos não tinham nada de iguais.
— Informações se conquistam, gatinha. — Chris pegou a minha
mão e a beijou, como um cafajeste sedutor. — E sua amiga não fez por
merecer.
— Vocês são impossíveis, mas eu arrancarei as informações do pior
jeito.
— Tente. — Seus olhos brilharam, divertidos, como se me
desafiasse. Senti minhas costas queimarem.
Eu tinha ido para o lado de Christoph propositalmente. Não queria
encará-lo e procurar algo em seu rosto que não gostaria de encontrar. As
últimas duas pessoas no círculo eram uma mulher e ele. Dominic.
— Polly Pocket — Zaki cantou o apelido de Apolline e a ouvi
bufar. Ela odiava que uma brincadeira de quinta série tivesse se prolongado
por tanto tempo. Gargalhei, tampando a boca com a mão. — Me diga qual
roupa vamos trocar hoje…. Ou tirar.
Ele riu da própria piada e os meninos o acompanharam.
— Se arrependimento matasse, eu… — Polly ameaçou, recebendo
olhares zangados dos seus primos. Acho que eles ainda não tinham
superado esse fato do grupo.
— Não se atreva — Zaki bradou e quis rir do desespero fingido.
Zaki era lindo, alto, tinha olhos cor de mel, um porte atlético
impecável devido aos anos na academia militar, e tenho certeza que
Apolline não se arrependia de ter ficado com ele, porque ele também era
bom de cama. Palavras dela.
— O que estão fazendo aqui? — perguntei, esperando que minha
voz não saísse esganiçada. — Não deviam estar em alguma reunião ou algo
do tipo?
Eu gostaria de saber o que tinham conversado, e não importava em
deixar claro que sabia da reunião.
— Não éramos nós que devíamos perguntar como você sabe disso?
— Zaki respondeu e depois brincou: — Por acaso, estava ouvindo a
conversa alheia, linda?
— Eu deveria? — Dei-lhe um olhar divertido. Gostava de Zaki,
apesar do seu atrevimento em querer meter o nariz em assuntos que não era
chamado, ele era um bom amigo. — Talvez a noite dos meninos estivesse
mais animada que a noite das garotas…
Ele abriu a boca em um “o” como se quisesse me dizer algo, e a
curiosidade me invadiu. Ele não estava brincando. Soltou um sorriso largo:
— Você não faz ideia…
— Talvez eu queira saber…
Então, ele começou a dar passos com cautela em minha direção e
estreitei meus olhos quando ficou muito perto.
— Não se atreva a me abraçar, Zaki. — Dei um passo para o lado e
seu sorriso aumentou. — Nem pense nisso.
Riu de algo atrás de mim e levantou as mãos em rendição.
— Você tem sorte! — acusou.
— Eu tenho — confirmei sem culpa, com as costas ainda
queimando.
— Querem sair depois daqui? — ofereceu. — Vamos apostar!
— Sim — comemorou Chuck, em um barulho estranho que me fez
franzir o cenho. — Temos um novo lugar favorito!
— Um novo vício? — inquiri, tomando conta da sua vida.
— Eu tenho vários vícios, então não se torna verdadeiramente um
perigo, já que minha atenção é dividida.
— Mas não deixa de ser um vício — Polly apontou sem paciência e
arqueou as sobrancelhas para mim. Um sinal.
— Vocês são impossíveis — desdenhei, pronta para abandonar o
grupo sem me importar em olhar para mais ninguém. Não era necessário.
Pronto. Agora iria atrás do meu pai e tiraria o peso hipotético da
cabeça.
Dei passos seguros para sair da roda.
Não era impossível dar alguns passos, agarrar o braço de Polly e
sair dali o mais rápido possível. De fato, não era. Só se tornou difícil,
porque fui pega de surpresa quando meu olhar traidor quis ver o que
queimava minhas costas só por alguns segundos.
A raiva crepitou em milésimos, fazendo-me travar o maxilar e o
punho. Minhas unhas arranhando a minha palma. Cacete.
Eu odiava isso. Odiava que meu olhar tivesse ido diretamente para
um par de mãos pálidas com unhas curtas e pintadas de azul-marinho. Mãos
que estavam nele. Em seu peito. No maldito anfitrião que esboçava um
sorriso perverso nos lábios como o inferno.
Merda.
Era inevitável.
Nossos olhos se encontraram, e eu vi seu rosto mudar quando os
mesmos me acharam, seu maxilar travou e eu pude sentir o clima leve
mudar consideravelmente.
Raiva. Sua cara entregava que a minha presença ali era a última que
gostaria de ter, e diante a sua raiva aumentando, eu sentia o meu coração
acelerando.
Seu escrutínio era pesado, nunca deixando nada passar. Eu sentia
seu olhar me pinicando, me atravessando, queimando meu ser. Minha pele
esquentava com o sangue correndo mais rápido que o normal. Ebulindo.
Meu sangue fervia e eu mal lembrava da última vez que tinha respirado.
Seu olhar era quente, sempre era, e eu via a raiva transpassando por
ele, lutando contra os seus sentimentos. Eu sabia o que havia ali dentro, do
mesmo jeito que ele sabia o que havia aqui.
Era sempre assim, esse desconcerto por apenas estar no mesmo
ambiente, por isso eu evitava. Pelo menos quando eu não estava na minha
zona de conforto.
Então, eu fazia o que sabia fazer de melhor, era uma filha da puta
porque nesse ponto eu era covarde demais para encarar os fatos. Não tinha
coragem.
Sentia olhos em mim. Esperando a minha reação. Meus olhos
estavam no peito do anfitrião. Queimando as mãos femininas que o
seguravam.
— Ouvindo conversas atrás da porta, bruxa? — Dominic Clifford
disse de um jeito grosso, chamando minha atenção. E encarei seus olhos,
depois que vi suas mãos passando gentilmente pelas mãos dela. Retirando-
as.
A garota tinha cabelos castanhos, um rosto fino, olhos verdes e
traços conhecidos pelo salão. Senti meu coração disparar.
— Não posso evitar — disse áspera, fazendo questão que meus
lábios despejassem segundas intenções sob eles.
Ele apenas me encarou sem dar nenhuma resposta. Aposto que não
queria travar uma batalha ali, eu também não queria. Porque era sempre
assim quando nos encontrávamos, um transbordar de raiva e sentimentos
mal resolvidos. Porque era isso que eu e o anfitrião éramos, uma sobra do
passado incompleto.
Eu só queria sair dali e ir atrás de respostas. Porque se o que vi
fosse verdade… Encarei Dominic, que falava baixo, algo que não consegui
entender. Meu sangue ferveu.
— Qual o seu nome, garota? — perguntei irritada, eu não precisava
saber, mas queria irritá-lo. Meus olhos estavam em Dominic.
— Augusta — Dominic me repreendeu, e olhei para sua mão agora
na cintura dela. Engoli em seco. Observei a garota sem nome, esperando
minha resposta. Ela me encarava em dúvida.
— Precisa de permissão? — disse furiosa.
Eu não tinha nada contra ela, nem a conhecia, queria ficar o mais
longe possível deles. Mas aquilo me incomodava, e eu não ligava por minha
boca estar cheia de veneno e más intenções. Não com ele. Não para ele.
— Talvez precise…
Dominic deu passos cautelosos para a frente e vi quando os outros
garotos ficaram tensos. Engoli minhas palavras. Foquei nele, que agora
estava à minha frente, e seu perfume me atingiu como álcool em uma ferida
aberta.
— Para com isso — ele disse entredentes e as palavras escapuliram
com ar.
— Cadê o respeito com a sua rainha? — Sua expressão mudou por
segundos e eu não soube dizer se era raiva ou surpresa.
— Augusta — disse novamente e pude sentir seu corpo vibrando.
De raiva. Ele me odiava. E eu amava isso.
Eu amava que ele me odiaria todas as vezes que olhasse para mim.
— Dominic — falei no mesmo tom. E senti meu corpo tremer
quando chegou mais perto, ficando em alerta.
Senti meu sangue escorrer como lava, e observei o seu corpo.
Encarei seu rosto, tão decorado por mim. Seu queixo estava tenso e seus
olhos não desviaram dos meus. Me segurando. Observei sua boca, as
pintinhas que estavam escondidas logo acima, seu nariz fino, suas
sobrancelhas grossas e finalmente seus olhos de novo. Escuros e fatais.
Trinta centímetros entre nós. Era o nosso máximo. Nada além.
De repente, memórias antigas queriam vir à tona, e eu sabia que não
conseguia controlá-las por muito tempo. Não com ele assim na minha
frente. Era perigoso. Nós dois éramos perigosos. Cada pequeno espaço
entre nós era um sinal vermelho de que tudo poderia ruir. De novo. Senti
meu coração acelerar e meus olhos arderem.
Pisquei, colocando a língua no céu da boca. Era demais.
Dei passos para trás e fitei furiosa o grupo que eu estava deixando.
Polly seguiu ao meu lado em silêncio
Eu poderia fugir dele por hoje, porque talvez essa noite esteja longe
de acabar.

Meu pai me fez esperar severamente e eu o odiei por isso. Então, eu


fui embora, porque estava me sentindo atacada e a minha mãe mandou
melhorar a cara se quisesse continuar ali. E não tinha como melhorá-la.
Assim, eu fui para casa dos meus pais.
Todas as possibilidades já haviam me assombrado enquanto fazia o
caminho pelas ruas de Bash, e quando entrei no condomínio, mal dei tchau
à Polly ao sair do carro e marchar rapidamente para casa, eu não tinha visto
o tempo passar. Depois do clima estranho deixado no salão, ninguém falou
nada, como sempre, ninguém se atrevia a comentar. E minha mente não
parava de pensar quando meu pai chegasse em casa.
Não estava tão tarde, ainda assim, quando entrei, só havia silêncio.
Minhas irmãs não tinham ido ao baile de iniciação e não fui ao quarto delas
para ver se estavam. Ella, a mais nova, provavelmente não estaria em casa.
Toda oportunidade que tinha de estar fora dos nossos olhares, ela agarrava.
Já Miriam, embora fosse a mais velha e devesse estar no baile ao lado do
meu pai como a primogênita, eu previa encontrá-la dentro de algum livro se
fosse até o seu quarto.
Então, simplesmente entrei no meu quarto, deixando as roupas pelo
chão, e tomei um longo banho, vestindo um short e uma camiseta simples.
Não costumava vestir jeans no meu dia a dia, até porque os lugares que
frequentava não me permitiam mostrar a bunda aos quatro ventos — e diga-
se de passagem, o meu corpo chamava muito atenção.
Eu gostava de ser uma mulher séria, imponente e respeitada, e para
isso funcionar, eu deveria sempre estar bem-vestida e não vacilar em
minhas ações e em meus gestos.
Livre de toda burocracia, me senti livre e à vontade para andar pela
casa com roupas básicas. De qualquer modo, já estava indo dormir daqui a
algumas horas, amanhã, no domingo, tinha planos deliciosos, só precisava
conversar com o meu pai antes. Eu não poderia deixar para amanhã. Nunca.
Caso contrário, eu não conseguiria pregar os olhos.
Desci as escadas querendo esperar na sala central, mas a luz acesa
no escritório me chamou atenção. Bati na porta e ouvi um “entra”. Ele
voltou mais cedo do que esperava. Empurrei a porta e entrei, encontrando
meu pai em pé encostado na mesa, mexendo no celular.
— Não sabia que já estava aqui.
— Cheguei agora mesmo. — Seus olhos me encararam e ele franziu
o cenho ao observar minhas roupas. — Já ia te chamar, precisamos
conversar.
Assenti e sentei-me na sua poltrona que havia atrás da mesa. Ela era
tão confortável, lembro que sempre fugia para cá quando era mais nova,
para fazer qualquer coisa que poderia me prender por horas e precisava de
um lugar mais aconchegante. Hoje, eu tinha a minha, mas a dele nunca
deixava de ser a melhor.
Observei os papéis na mesa esperando que falasse. Cruzei as
pernas, parando de balançar o pé.
— Soube que hoje tivemos uma reunião? — Ouvi sua voz mansa.
Ele sabia a resposta, mas estava me testando. Olhei para as minhas unhas
grandes e vermelhas, procurando uma resposta que já estava na minha
mente.
— Talvez…
— Então, pode adivinhar sobre o que conversamos? — Senti seus
orbes em mim e foi inevitável não olhar de volta sob meus cílios.
Fiz uma careta.
— Talvez.
— Talvez? — meu pai repetiu. Apertei os olhos para não revirá-los.
— Por que está tão apressada com a nossa conversa?
— Apolline irá se casar? — perguntei, com receio de outra resposta
que queria muito. Marllon Vendetta me observou divertido.
— Quer realmente saber isso?
— Talvez?
Ele suspirou e guardou o telefone no bolso, me encarando por
alguns segundos. Olhei seu rosto esperançosa, buscando em suas feições
uma resposta mais rápida aos meus pensamentos. Impassível. Seu rosto não
demonstrava nada.
— Mas, então…? — Minha ansiedade falou mais alto.
Marllon era minha inspiração, pelo menos em parte. Não admirava
a maioria das suas atitudes, mas também não o julgava, pois sabia que tinha
altas chances de fazer o mesmo a qualquer hora da vida.
— Eu nunca tentei esconder de você a parte feia do mundo que
vivemos, filha — começou. — Você sabe, não há espaço para erros, apenas
para a perfeição. E eu confio em você, não é à toa que está na empresa,
mesmo tendo atitudes imaturas que poderiam levar o nosso nome à lama.
Mas, por incrível que pareça, não… — meu pai me dá um sorriso duro. —
Eu não me orgulho das coisas que fiz no passado, e sei que há abismos
dentro dessa família, contudo, não sei se faria alguma coisa diferente.
Ele pausou e deu uma risada sem humor, enchendo seu copo. Tudo
tinha seu preço, como o status que nossa família tem hoje que lhe custou
muitas coisas que ele nunca admitia, embora, vez ou outra, uma sombra do
passado aparecesse na sede da Stilk petróleos, à sua procura.
— Mas quem é inteiro nesse mundo? Antes de tudo, saiba aqui que
não há uma preferida, que não há e não terá uma competição dentro dessa
casa. Esse império é nosso. Família. Não importa as sequelas.
Concordei com a cabeça, porque era isso que ele sempre falava.
Família acima de tudo. E quando falava sobre preferências, ele dizia que
era para Miriam ocupar este lugar, não eu.
— Onde o senhor quer chegar?
— Eu também nunca escondi o meu desejo de estar no topo, de
sermos a primeira geração — o tom da sua voz tinha mudado para algo
mais duro, e embora ainda continuasse caloroso, vi o fio dos sentidos se
romper, me mostrando a verdade. Senti meu coração apertar.
— Não, isso não tem a menor chance de acontecer — neguei
prontamente, sentindo meu rosto esquentar. — Já conversamos sobre isso,
pai. Não irei me casar com Dominic Clifford. Você sabe que não posso! —
acusei.
— As coisas mudaram — disse frio, saindo do papel do pai
caloroso de minutos atrás. — Foi decidido na reunião, o contrato nupcial
será refeito.
Engoli em seco, digerindo todas as palavras amargas que eu não
podia lhe dizer. A raiva salpicou minha pele, deixando meu coração
acelerado.
— Augusta, eu não estou esquecendo de forma alguma o passado.
Mas quero que entenda que precisamos fazer sacrifícios, cada um de nós.
— Levantou o olhar para mim. — Nada mudou entre nós, mas precisamos
dos Cliffords.
— Você precisa!
— Nós precisamos, ou esqueceu que foi você que quase morreu? —
Seu tom foi cruel, e senti meu coração se partir. Merda, eu nunca iria vencer
uma guerra com meu próprio pai.
Travei o maxilar, cheia de raiva.
— Eu não aceito isso, e eu não vou dizer sim — desafiei,
respirando pesado. — Eu não preciso de um contrato nupcial para estar
protegida!
— Eu não me importo com o que acha, você vai dizer sim.
Nossos olhares se cruzaram e eu vejo o porquê de frequentemente
travarmos batalhas. Somos completamente iguais. Nenhum de nós aceita ser
mandado.
Somos interrompidos com um bater na porta apressado e fecho os
olhos pensando nas próximas palavras. Um casamento não resolveria nada,
se resolvesse, eu já teria feito isso eu mesma.
Sinto arrepios pelo meu corpo sem saber direito de onde o estímulo
vem. Abro os olhos e meu pai levanta o indicador para mim, batendo o
dedo em sua cabeça sem dizer uma palavra. Entendo o recado.
Ele manda entrar. Eu espero.
A porta se abre.
Prendo a respiração. Ah, merda. Cacete.
Ouço a voz rouca e gasta do velho que tem mais poder em mãos do
que deveria. Ele entra na sala em passos vagos.
— Espero que não estejamos atrasados, meu neto teve um
imprevisto, mas aqui estamos. — Aperta a mão do meu pai e me olha. Me
sinto estranhamente invadida pelo seu olhar.
— Dominic — chama. — Não seja malcriado e enfrente seu futuro.
Mas ele não estava sendo malcriado, ele só não queria entrar na sala
e encontrar a mulher que tinha partido seu coração. Pelo menos foi o que
pensei antes de ver o brilho perverso nos seus olhos ao cruzar o portal e
fechar a porta atrás de si.
O frio na barriga me embalou me deixando gelada, e arregalei os
olhos quando um sorriso forçado pintou seus lábios. Não. Meu coração
disparou com a resposta antes mesmo da sua boca dizê-la.
— Oi, noiva, acho que vamos finalmente nos casar.
PETRÓLEO

15º Academia Dell Marshall — Distrito da cidade de Bash


7 anos atrás

— Está sabendo da nova? — Fran entrou animada no pequeno


quarto que dividíamos. Olhei para ela de cima do beliche em que estava
deitada, dando-lhe toda a minha atenção. Observei-a enquanto amarrava
seus longos fios loiros em um rabo de cavalo, depois pegando o protetor
solar que estava jogado nos pés do meu colchão e passando na pele em que
o macacão bege não tampava.
Já havíamos feito os primeiros exercícios do dia, o que significava
que tínhamos mais meia hora até a segunda chamada.
— Aposto que tem olhos bonitos.
— Oh, sim. — Abanou as mãos fingindo estar com calor. — Com
certeza os olhos são intrigantes. Juro que senti todo meu corpo queimar com
sua avaliação.
— Uhum.
— Oh, não desfaça das minhas palavras, o seu momento vai chegar.
E vou estar no vip para te ver rendida.
Ri alto da sua empolgação, não dando muita confiança para suas
palavras. Eu não estava interessada em garotos, não até atingir meus
objetivos pessoais. Garotos eram distrações ruins, confundiam seus
sentimentos e faziam da sua vida uma verdadeira montanha-russa. O
sofrimento das minhas amigas era o suficiente para me fazer ficar de olhos
abertos.
Em Bash, havia três caminhos por qual você desejava ir: para a
Academia de Artes, para a Academia de Filosóficos ou para Academia Dell
Marshall, que era uma extensão militar… Só que um pouco menos pior…
Se tirarmos a parte do ensino físico, é claro. A elite da nossa cidade não
permitia erros, e para ter uma mente estratégica e brilhante, aquele tempo
era essencial. Pelo menos, era o que eu pensava. Eu queria ser que nem
eles, poderosa, ter o meu lugar de respeito na mesa. E para isso, a
brutalidade e exigência era primordial para minha mente em construção.
Então, ali era o lugar ideal, sem nenhuma distração e no meio de
brutamontes que me faziam repeli-los cada dia mais que convivíamos
juntos. É claro que nem todas pensavam como eu, pois se deixavam levar
muito fácil pelas testosteronas ambulantes que amavam visitar os quartos
das meninas à noite. Mas eu tinha foco e nada me tiraria dele, nem mesmo a
tão famosa pegada bruta que as meninas cochichavam pelos corredores.
Ouvi um murmúrio de reclamação de Polly na cama de baixo.
Tombei minha cabeça, indicando nossa amiga que estava enfurnada na
cama. Fran fez um joinha com o polegar e desci a estreita grade para me
juntar a ela.
— No três… — Fran sussurrou e começou a contar nos dedos. —
Um… Dois…
Pulamos na cama de Polly, uma de cada lado, a agarrando e tirando
o edredom de sua cabeça. Ela xingou baixinho ainda de olhos fechados,
mandando a gente sair de cima dela.
— Hoje não… — Polly reclamou mais uma vez. — Eu preciso
recompor minhas energias, suas putas. Aposto que nem são dez ainda, pelo
amor de Afrodite! — Voltou a tentar se cobrir.
— Na, na — Fran repreendeu, a puxando pelos braços. E eu
comecei a rir da bagunça que ela estava.
Bufando frustrada depois de Fran lhe fazer cosquinha, Polly
começou a tirar o pijama e eu encarei Fran, que tinha a mesma expressão no
rosto enquanto olhava as costas de Polly.
— Oh, oh, oh — exclamei, chamando atenção delas para mim e a
olhei com malícia. — Parece que a noite ontem no QGH foi agitada.
Polly arregalou os olhos, virando de costas para o pequeno espelho
que tinha grudado na porta do guarda-roupa marrom.
— O QUÊ?! — ela gritou, soando desesperada, parecendo despertar
por completo do sono que embargava há poucos minutos. — Aquele filho
da puta não fez isso. — Tentou passar a mão pelas marcas escuras nas
costas e fez uma careta. — ELE NÃO FEZ ISSO. EU VOU MATÁ-LO!
DESGRAÇADO!
Rimos do seu desespero enquanto ela praguejou alto todos os
nomes feios que vinha à mente. Rimos porque amigas eram para isso
também. Recebemos um olhar mortal dela enquanto seguiu para o pequeno
banheiro que também dividíamos no quarto e bateu a porta com força,
enquanto gritava aos quatro ventos que hoje alguém seria morto.
Então rimos mais ainda, nos jogando na cama de Polly enquanto
esperava ela terminar seu ataque no banheiro.
— O ano mal começou e ela já está com faltas no primeiro
exercício — Fran sussurrou e a olhei de esgueira. — De novo.
Suspirei pensando.
— Tenho a impressão de que ela ama ficar até mais tarde
cumprindo carga horária. — Olhei significativamente e ela deu um
sorrisinho, entendendo. Mas logo ficamos sérias, tentando entender a
bagunça que Apolline trazia para sua vida.
— Eu não quero vê-la sofrendo — sussurrou. — Dói.
— Dói — sussurrei também e peguei sua mão.
Polly chegava tarde quase todas as noites, e eu sabia que não tinha
nada a ver com os seus castigos por faltar aos primeiros exercícios do dia.
Porque não havia como burlar ou fugir de nenhuma lição naquele lugar,
mais cedo ou mais tarde você tinha que cumprir sua carga e escala do mês.
E claro, seu sorriso bobo e sua cara de apaixonada pelos corredores não
enganava a ninguém.
Cochichamos enquanto esperávamos a dona do QG. — Um apelido
que surgiu depois que reparamos como ela estava sempre rondando o
acampamento dos garotos. Parecia que tinha chegado um garoto novo na
Academia, e que tinha aflorado o interesse de uma quantidade significativa
de garotas.
Segundo Fran, os murmúrios sobre seu atraso no ingresso da escola
eram de curiosidade, visto que os anos dentro da academia eram recorrentes
e sem pausas. Era muito raro alguém entrar no meio do ano, pois as
matérias eram intensas e nem todo mundo conseguia acompanhar o ritmo.
Eram quatro anos de formação integral — três no Instituto e depois
mais um dentro das bases dele, que é onde as mentes brilhantes ficam.
Estava ansiosa para isso. Entrávamos depois do fundamental e fazíamos ali
cursos de extensão, preparação, reforços e um pouco de simulações, que eu
torcia para nunca precisar praticar. Isso, fora as disciplinas tradicionais que
não podemos abandonar, mais as práticas físicas. Sim, isso era assustador,
então imagina minha reação ao saber que as pessoas ali ainda arranjavam
tempo para se pegar?
Quando Polly voltou do banho, ela estava mais calma e com uma
roupa que a cobria dos pés ao pescoço. A olhamos desconfiada, mas antes
de fazermos nossas piadinhas maliciosas, ela começou a contar o plano que
tinha montado no banho e como seu amante estava ferrado em todas as
línguas.

— Uau, isso realmente ficou bom — Fran sorriu para sua arte. —
Devíamos pôr alguma câmera escondida, uma grana a mais sempre é bem-
vinda.
Nós três estávamos na área estritamente proibida para mulheres:
acampamento masculino. A divisão da Academia era clara: meninos do
lado de fora e meninas do lado de dentro. Nessas horas, eu realmente
agradecia por ter nascido mulher, não imaginava como era ter que dormir
sempre em alerta e abraçada pelo mato. Não que os nossos quartos tivessem
algum tipo de luxo, considerando que tínhamos um colchão para cada uma,
o resto era tudo dividido aqui.
Senti um arrepio cortante em minha espinha, verifiquei a porta mais
uma vez. Ninguém vinha. Suspirei. Mas ainda mantive meus olhos em
alerta. Ao meio-dia era nossa melhor hora para pegar os quartos vazios,
segundo Polly, era quando os meninos tinham que fazer o exercício de rota
antes de se sentarem para comer, levava em média quarenta minutos a
corrida ao redor do lago, e contando com os que andavam mais rápido ou
trapaceavam, podia diminuir até dez, o que nos dava trinta minutos para
entrar, fazer a nossa travessura e sair.
Era o horário perfeito, pois todos os garotos eram obrigados a
cumprirem com a rota, do contrário, não tinham direito a comida. E eu não
me dignei a perguntar como sabia exatamente cada minuto que tínhamos e
qual tenda era especificamente a dele.
Eu estava nervosa, esse não era meu ambiente, e por mais metódica
e forte que eu parecia ser por fora, sentia-me uma manteiga derretida por
dentro. Então, tentava convencer o meu cérebro que isso era apenas mais
uma experiência positiva para o meu futuro de sucesso.
Eu era uma piada.
Com medo de a qualquer momento um professor aparecer, observei
mais cautelosamente por entre as tendas grudadas umas as outras…
— PRONTO — Polly se animou, assustando-me.
— Shiii… — murmurei, alarmada.
— Toma essa, cara de bunda, quero ver o que seus manos acham de
uma pele marcada.
Ouvi a risada de Fran.
— Cuidado, aqui também coloquei uma armadilha.
— Oh, oh, espera, espera, tenho outra ideia. Quantos minutos
temos, gatinha Gussie?
Olhei no relógio de pulso.
— Temos três minutos antes de entrarmos em risco.
— Mais do que suficiente.
Polly riu, e depois ouvi barulho de durex sendo arrancado.
Depois de dois minutos inteiros, Fran chamou:
— Qual a nossa nota de proficiência, professora?
Obriguei meus pés a darem passos e entrarem na tenda, cautelosos.
Em dois anos, nunca tinha chegado a entrar em um repouso masculino, pois
geralmente a entrada era meu limite. O lugar tinha um cheiro forte e
balancei meus ombros. Homens eram tão nojentos.
Entrando mais um pouco na tenda, o braço de Fran interrompeu
meus passos.
— Chão.
Paro e olho a linha quase transparente na altura dos meus joelhos.
Então, analiso o local. Varrendo por alto, tudo parecia normal aos meus
olhos: uma verdadeira bagunça com roupas no chão, cobertas mal
arrumadas, livros e papéis espalhados pelas camas… Eu não tinha perdido
nada em nunca ter vindo aqui.
Fran apontou para os filetes de linhas quase invisíveis esticadas, e
apontou para cima, para as barras de ferro que seguravam a lona, onde tinha
algumas pequenas bolinhas beges que eu não soube identificar o que é. Fran
apontou para o travesseiro, para os vidros violados e outros pontos
específicos da tenda, onde qualquer passo em falso alguém estaria ferrado.
— Como conseguiram colar tudo isso em tão pouco tempo? —
murmurei em aprovação. Estava realmente impressionada com a habilidade
das duas.
— Faço tanta coisa em menos tempo que ficaria surpresa — Polly
provocou e revirei os olhos.
Eu ainda era a única das três que não tinha tido relações tão íntimas
com garotos. Beijos e algumas mãos bobas pelo jeans não contavam.
— Aprovado? — Fran sussurrou.
Olhei no rosto das duas, rostos ansiosos que esperavam minha
aprovação. Eu ainda não sabia como me sentir em relação a elas sempre
arranjarem um jeito de me incluir em tudo que faziam. Mesmo que suas
ações não tivessem nada a ver comigo.
— Parem de me olhar assim, vocês são umas putas fodonas.
— Nós somos fodonas — Polly corrigiu e nós três rimos. — Agora,
vamos lá, estou pronta para o meu primeiro exercício do dia.
— Não sei como não te expulsaram.
— Como assim? — sorriu maliciosamente. — Eu cumpro todas as
lições direitinho.
— Acho que temos visões diferentes, Polly — Fran me empurrou
levemente para que eu seguisse um caminho oposto do que tínhamos vindo.
Começamos a andar por trás das tendas. — Vamos evitar confusão, não
quero receber lições desnecessárias.
Continuamos nossa caminhada silenciosa pela terra, entre a cortina
de cipós, galhas e folhas verdes derramadas pelas grandes árvores ao redor
das tendas. Normalmente, estamos tão ocupadas com os exercícios de
escalas e estudando que mal tínhamos tempo para apreciar a beleza verde
que cercava a academia.
Durante o mês, éramos realocados duas vezes em dormitórios
diferentes, tudo dependia da sua escala do mês e qual função iria realizar.
Toda a comida que comíamos, os lugares limpos que usávamos, os
“mimos” que recebíamos, dependia somente de nós. Da nossa própria mão
de obra.
Todo o luxo que tínhamos durante toda a vida, desde nosso berço,
ali era apagado. Ninguém tinha mais do que ninguém naquele lugar. Tudo
era conquistado. O condicionamento das nossas mentes eram testados a
todo momento.
Esbarrei no ombro de Polly quando ela parou de repente. Fiquei
tensa.
— O quê? — sussurrei, mas a mão de Fran tampou minha boca.
Direcionei minha atenção para onde elas estavam olhando. Senti
meu coração disparar com um sentimento desconhecido. Era um garoto,
estava sentado em um tronco e fazia alguns desenhos indecifráveis na terra.
Ele estava de cabeça baixa, o que deixava seus cabelos pretos balançarem
mais livremente com os movimentos mínimos que fazia com a cabeça.
Depois de alguns minutos, inclinou a cabeça para o céu, dando-nos a vista
do seu rosto.
— Oh, oh, é o novato misterioso — Fran se animou e observamos o
garoto por um tempo.
— Como vamos passar sem sermos vistas? Ele vai escutar nossos
passos — cochichei. — E eu não estou a fim de est-
— Estragar seu currículo perfeito — Fran cortou, zoando-me.
Depois piscou o olho e riu. — Entre nós, só há uma pessoa que gosta de
punições, Gussie.
— Vão à merda — Polly ralhou e voltamos a olhar o garoto. — Ele
é um gatinho.
— Um estrago para minha concentração em sala de aula — Fran
suspirou, e depois de alguns segundos, estalou a língua, como se uma ideia
tivesse despertado ela. — Tão sozinho… — As duas se encararam e franzi
o cenho.
— Oh, sim, parece meio perdido, não?
— Não? — falei incerta.
Mas as duas riram baixinho e algo nos olhos de Polly se iluminou
quando me encarou, e eu tremi quando as duas me olharam sugestivamente
— Eu tenho um plano.
Quando minhas amigas resolveram que eu seria o melhor plano
para distrair um garoto para que elas passassem despercebidas?
Sinceramente, queria saber qual o sentido desse plano falho.
— Eu ainda não entendi por que eu? Por que não tiramos no
jokenpô? — OK, eu podia estar um pouco nervosa e desesperada. Mas não
era justo elas terem decidido por mim, sem eu saber que estavam decidindo
algo.
— Eu me ofereci para ser guia dele mais cedo, ele não vai acreditar
que sou novata aqui. E ainda mais que estou perdida.
— Eu também — Polly se apressou a dizer. — Ele não vai acreditar
que estou perdida. Estou de faixa amarela hoje. — Olhei indignada em sua
direção, ela nem se importava em mascarar a mentira deslavada que saía de
seus lábios. Ela estava dormindo hoje de manhã, pelo amor de Deus! Sua
tarefa na cozinha já havia se encerrado há muito tempo.
— E se formos vistas juntas, vão desconfiar — Fran continuou. —
Mas se for só você, ele estará tão concentrado em seu corpo que nem notará
a mentirinha que sair dos seus lábios.
— Esse é um plano horrível — murmurei. — Eu sou a pior de todas
aqui, essa confiança em mim é questionável.
— Aaah, shiii, seu melhor ano de todos começa agora, gatinha
Gussie. — Polly empurrou meus ombros, me instigando a dar os malditos
passos para a morte.
— Você é a melhor, confiamos em você!
— Eu odeio vocês — murmurei enquanto caminhava
distraidamente para o centro das tendas. Esse era um plano horrível,
horrível!
Já um pouco longe do lugar onde estávamos escondidas, arrastei
meus pés pela terra seca e folhas sujas, fazendo minha presença ser notada.
Estava nervosa, não tinha confiança em mim o suficiente para esse
tipo de interação. Não quando se tratava de garotos, então não sabia o que
esperar e como reagir. Não lidava muito bem com o desconhecido.
Sempre via minhas amigas se dando melhor no quesito garotos e
provocações, então apenas observava suas artimanhas e joguinhos,
imaginando que talvez não achasse tão divertido assim. Na verdade, tinha
até tentado entrar nessa vibe um tempo atrás… Beijei alguns carinhas
legais… mas nada que me despertasse a fantasia de ficar falando sobre ele
dia e noite. Então, estava tudo bem em ficar de fora, não me sentia
confortável em flertar. Eu gostava do meu lugar de espectadora.
Ou talvez eu só não tivesse uma obsessão suficiente para ativar esse
meu lado. Aarrg, esse pensamento era tão idiota. Francesca sempre estava
me atormentando com ideias sobre meninos, podia ouvi-la em looping.
Jogando no agora ou nunca, deixei a covardia de lado e empinei o
rosto para observar à frente.
Quase perdi o fôlego.
Gelei meus pés no mesmo instante, sentindo uma palpitação
diferente no peito. Minha respiração acelerou, e sem entender como, fui
sugada pela imensidão escura de seus olhos, e por um momento ali parecia
o lugar perfeito.
Embora sua fisionomia fosse relaxada, sobrancelhas grossas, lábios
cheios, fios pretos e desarrumados. Não casavam com as expressões faciais.
Eles exploravam algo mais além.
Um arrepio me atingiu quando firmei minha atenção em seus olhos.
E senti-me consumida pelo desconhecido e por incrível que parecesse,
aquilo não me assustou, minha pele estava queimando, sentia-me quente.
Uma nuvem de calor pairava acima de mim, nublando sentidos, tampando
meus ouvidos, me inundado e deixando cega. Meu sangue corria e corria
rápido em minhas veias. Era quase excitante.
Era viciante.
Eu não conseguia me desgrudar.
Petróleo.
Olhos petróleo.
Seus olhos me queimando.
Olhos inflamáveis.
— Perdida? — sua voz me tirou do torpor e gostaria de saber
quantos minutos perdi o secando. Passei a língua pelos lábios e sorri
genuinamente.
Talvez agora eu quisesse ter uma obsessão por um garoto.
OSCAR

O mundo estava dando passos para trás e eu sentia o clima se


adaptando aos destinos traçados por dois homens que achavam que
poderiam salvar a pátria com um acordo de casamento.
Eu tinha plena ciência da ganância do meu pai, sabia que ele
tentaria de tudo para conseguir o que queria, mas eu queria acreditar que
meus limites iam ser respeitados. Eu merecia isso, e lutava por isso todos os
dias.
— Não vai haver um casamento. — Cruzei os braços em uma
posição defensiva.
Os três homens na sala me olhavam atentos.
Frederico Clifford limpou a garganta anunciando suas próximas
palavras.
— Não gosta mais do meu neto? — sua pergunta tinha um tom de
desaforo.
Mordi os dentes para não responder o que meus pensamentos
acusavam. Dominic cerrou os olhos esperando a minha resposta, o jogo
mesquinho na ponta da língua. Ele estava me deixando ser atacada.
— Não é sobre isso — trinquei o maxilar. — Eu ainda tenho
direitos sobre a minha vida, e a minha resposta é não.
Olhei para o meu pai, que não se atreveu a interromper o discurso
do Clifford mais velho. Traidor.
— Não há nada que possa te convencer do contrário, então? —
Frederico continuou sua investida.
— Não — disse firme.
— Nem uma posição na AAB?
Travei todo meu corpo e depois soltei uma risada irônica. Eles iam
jogar baixo.
— Por um contrato nupcial?
— Seria a primeira mulher — Frederico barganhou sem medo e me
perguntei até onde o seu poder ia. Porque uma posição na AAB era
impossível pela lei dos fundadores.
Cerrei os punhos. Todos naquela merda de sala sabiam que eu
desejava uma posição como essa.
Ainda assim, era meu orgulho em jogo.
Deslizei o olhar para Dominic, que mantinha fielmente sua
concentração em mim, com uma expressão fria. Me senti encurralada.
— Vocês são ridículos me ameaçando com essa posição — desafiei:
— Por que não me ofereceram antes?
— Antes você queria ser uma Clifford — foi Dominic que
respondeu, e toda minha pele zumbiu com o tom seco que depositou em
suas palavras.
— Antes você também não tinha falado nada sobre isso — desafiei
fria, travando o maxilar, sabendo que não tinha sentido nenhum minhas
palavras naquele momento e que elas estavam ali somente para machucar.
Dominic cerrou os olhos.
— Uma rainha não precisa de uma posição em uma associação
medíocre — vociferou baixo, a raiva pingando em cada canto de sua boca.
Eu me calei, engolindo todo o veneno que encharcou minha língua.
Não porque eu não tinha uma resposta, mas porque isso era a
verdade. E contra ela, eu só fracassava, porque pessoas mentirosas não
sabem lidar com a verdade.
— E vai deixar outra pessoa tomar um lugar que é seu? —
Frederico voltou a pressionar, tentando mexer com meu ciúmes. — Não
achei que fosse dessas.
Meu sangue esquentou em minha pele, trazendo todos os
sentimentos destrutivos que guardava. Grunhi de raiva. Idiotas do caralho.
Me levantei para deixá-los.
— Querem saber? Eu não vou dar nenhuma resposta. Hoje vocês
não irão ter nada de mim a não ser um seco não. — Fuzilei meu pai que
mantinha o silêncio. — Traidor. — Apontei para ele que não se mexeu.
Bati a porta sem me importar com a educação. A minha paciência
estava esgotada. Decidi que só não sabia dar uma resposta válida naquele
momento, e que precisava clarear minha mente e pensar melhor. Daria uma
melhor resposta outro dia. Um dia que não tivesse os olhos de Dominic
Clifford me pressionando.
Um dia que tivesse uma mentira melhor.
O medo de tomar uma decisão sem pensar nas consequências me
assombrou. E tinha também o fato de eu ser uma cadela egoísta, pensar nele
casando-se com outras pessoas não me fazia bem, sentia meu estômago
embrulhar.
Não gostava dessa sensação. A raiva estava me comendo pela
impotência. Olhei para as longas escadas que levavam para o meu quarto.
Merda, hoje era sábado.
— Hoje é sábado — a voz de Dominic me fez fechar os olhos.
Coloquei a mão no peito, e encostei a testa na parede do corrimão.
A raiva salpicando nos poros do meu corpo.
— O que está fazendo aqui, Dominic? Não foi o suficiente jogar na
minha cara uma coroa bordada de ouro? — Não queria encará-lo. Só por
isso mantive os olhos fechados, ignorando sua presença. Temia estragar
minhas unhas em seu rosto bonito.
— Não tenho nada a ver com as palavras do meu avô — disse
simples, com um tom completamente mais leve que minutos atrás.
Soltei uma risada amarga.
— Mentiroso — sussurrei para ninguém em especial. Mas sabia que
ele tinha ouvido. Minhas costas começaram a esquentar com a sua presença.
Seu olhar provavelmente devorava tudo que via. Era sempre assim. Sem
pudor.
— Você ainda consegue diferenciar verdades e mentiras, bruxinha?
— Sua voz provocativa saiu baixa e rouca, fazendo meu punho cerrar. —
Olhe pra mim e diga quantas verdades ainda consegue identificar ou vou
pensar que tudo que sai da sua boca é mentira.
Mordi os dentes e abri um sorriso falso, engolindo o bolo que tinha
se formado na garganta.
— Você é uma perda de tempo — cuspi as palavras.
Mas seus lábios abriram em um sorriso bonito que fez toda minha
atenção se concentrar ali.
— Uma perda de tempo? — Sua língua passeou nos seus dentes
superiores em um gesto sedutor, zombando da minha fala. — Assim você
me desvaloriza, amor.
Trinquei o maxilar.
— O que quer? — fui rude, engolindo a respiração acelerada.
— Hoje é sábado, você tem um compromisso comigo.
Abri a boca incrédula.
— Oscar não está aqui — disse firme.
— Está mentindo de novo? — provocou e dei alguns passos para
trás para me afastar do calor que seu corpo emanava.
O quão ruim eu era por esconder um filho?
Meu coração traidor batia cada vez mais rápido enquanto seu
perfume me atingia e parei estagnada quando, em um erro, sua mão puxou
meu braço, me impedindo de subir as escadas.
Ele sabia o risco, então se afastou no mesmo momento, mas já era
tarde demais. Toda minha pele ficou quente, e a antecipação me matava na
ansiedade de querer sentir de novo o seu toque.
Era sempre assim, esse risco constante de estar próximo ao fogo
sem querer nos queimar.
Seus olhos me acharam e eu vi o clima se quebrando. Oscar era
como uma palavra-chave para o embate sufocante entre nós.
— Quero vê-lo, você não pode me tirar esse direito. — Sua voz saiu
firme e um pouco mansa, nada semelhante aos olhos que colocavam fogo
em mim e me repeliam mais cedo. Continuei com o rosto virado para
qualquer lado que não fosse as esferas escuras que via mais do que devia
em mim. — Você está o escondendo de mim, sabe que ele sente meu cheiro
de longe — suspirou. — Isso não é muito maduro, você prometeu.
— Eu prometo muitas coisas. — Me virei, olhando seu rosto agora
sério.
— Esse final de semana, ele é meu, você está há um mês com ele e
sinto saudades. — Continuei calada porque não tinha o que falar. Por mais
que eu soubesse quão tolerável e paciente ele era em relação ao meu apego
com Oscar, sabia que ele também sentia sua falta, e como era uma parte
essencial do seu coração. Como o meu.
— Essa semana…
— Augusta — me repreendeu sério e respirei fundo, pensando na
semana horrível que ia ter sem a presença de Oscar. Muitas vezes me sentia
uma garotinha estúpida e egoísta, a qual sempre dava motivo para ser
repreendida. Especialmente por ele, o que odiava.
— Ok, tudo bem. — Se afastou, dando mais alguns passos e
respirei melhor, fuzilando-o com o olhar. — Vou buscá-lo…
Mas Dominic saiu na minha frente, subindo as escadas primeiro.
— Eu sei o caminho.
É claro que sabe. Revirei os olhos em uma longa respiração,
seguindo-o em silêncio, enquanto ele subia a passos largos as escadas, e
virava pelo lado direito ao final da escadaria. Confortável demais para o
meu gosto, fazendo com que não admirar as suas costas largas fosse
impossível.
Sempre gostei do seu porte físico, sempre foi algo que me agradou,
principalmente quando estava com raiva e suas veias saltavam desenhando
toda sua pele bronzeada pelo sol. Não que eu fosse fã de sua raiva, mas o
efeito que o sentimento tinha em seu corpo era delicioso.
Então, mesmo ele vestido com uma blusa social preta, eu conseguia
imaginar as largas costas nuas completamente expostas. Estalei a língua,
cerrando os olhos para seus passos largos que se aproximava do quarto que
eu dormia.
Ouvimos os latidos e andei com passos mais lentos quando ele
passou em frente ao quarto de música, e logo depois estacou na última porta
do corredor.
— Para quem estava tão confiante… — zombei quando sua posição
desconfortável ficou clara. Ele levantou o rosto, me dando um sorriso falso
de lado.
— Eu entendo de limites.
Passei por ele um pouco irritada, e mal abrindo a porta quando
Oscar pulou para fora latindo, passando direto por mim e pulando em
Dominic, que deixou ser derrotado no chão, enquanto recebia lambeijos do
nosso filho. Compartilhar a guarda de um cachorro era mais difícil do que
parecia ser, especialmente quando a outra pessoa era alguém que tinha que
se manter distante.
Um enxame de insetos rodou na minha barriga quando ouvi sua
gargalhada, o clima parecia mudar levemente, e meu nervosismo parecia ir
embora, só ficando a saudade que imaginava sentir na próxima semana.
Oscar tinha esse efeito em nós. Transformava completamente o clima.
Ele era um Doberman preto, que tinha suas patas e focinho marrom.
Ainda não estava em sua fase adulta, embora seu crescimento me assustasse
a cada semana. Ele era ótimo em fazer bagunça.
— Saiam do corredor, Oscar vai acordar minhas irmãs.
Os dois obedeceram e foram para o lado de dentro do quarto, onde
tinha paredes que vedavam os sons. Por um milésimo de segundo, me senti
mal por não ter cumprido no último mês o nosso acordo sobre Oscar, pois já
estava pensando em como não iria acordar toda babada de manhã por uma
semana. Já estava doendo.
Sentei no puff, observando a interação dos dois. Dominic começou
a falar com o cão, que parecia entender tudo, pois latia cada vez mais alto.
Semicerrei os olhos, cachorro traidor…
Oscar e Marllon Vendetta tinham me traído no mesmo dia.
— Oi, nego. — Mais lambeijos e mais carinhos… Eu estava
começando a sentir ciúmes. — A mamãe te deixou de castigo, sim? — Mais
latidos. Oscar parecia entender realmente o que Dominic falava. Mais
lambeijos… — Eu também senti saudade, filho. — Mais carinho…
Revirei os olhos e embarquei em assistir à troca de carinho dos
dois, e minha pele formigava a cada vez que Dominic olhava de Oscar para
mim, em uma mensagem clara. E eu comecei a reviver seu toque de
minutos atrás, calculando quão perigosamente estávamos perto um do
outro. E só me desconectei do momento quando Oscar veio pra cima de
mim, colocando as patas em minhas coxas.
O cão tentou lamber meu rosto e eu quis prendê-lo para que não
saísse do meu quarto. Fiz carinho na sua cabeça, sabendo que ele estava se
despedindo. Uma semana…
— Te trago na quinta. — Sua voz era doce e arregalei os olhos.
Senti o enxame em meu estômago. Quinta….
Concordei com a cabeça, não conseguindo falar nada. Observei
seus lábios abrirem levemente e meu coração traidor disparou, antecipando
o que iria sair dos seus lábios.
— Augusta, sobre…
— Não quero falar disso agora — disparei, mesmo sabendo que
precisávamos, sim, falar. Mas… informações demais por uma noite. Eu só
precisava de distância para pensar direito.
Ele balançou a cabeça, se levantando do chão, e foi até o meu
banheiro. Levantei do puff indo até a porta, querendo pôr logo alguma
distância entre nós. Observei Oscar sentado na porta do banheiro, esperando
Dominic, que logo saiu. Ele procurou preguiçosamente algo no quarto, e
depois observou o lugar de defesa onde eu estava.
Dominic entendeu o recado, mas não cumpriu. Porque abriu um
sorriso sacana de deboche, como se a ideia em sua cabeça fosse boa demais
para não pôr em prática.
Senti o clima mudar drasticamente quando vi a expressão dos seus
olhos escurecerem e que seu rumo não era o corredor.
— O que você está fazendo? — Sinto meu coração disparar assim
que seu olhar se encontra com o meu e sou arrebatada e ferida mais uma
vez pela mistura dos seus perfumes caros, que marcava passagem por onde
ia.
Respirei pela boca quando senti meu corpo atender prontamente aos
pré-estímulos que o cretino trazia a cada passo. O ar sumiu aos poucos ao
nosso redor. Engoli em seco. Seus olhos me seguravam.
— Já acabamos por hoje. — Tentei miseravelmente fugir, dando
passinhos para direita, saindo do rumo da porta.
— Já? — Seus lábios se abrem e vejo um sorriso provocador sair
deles. Passo a língua pelos meus automaticamente. Mais um passo dele e
mais um meu para trás. Sinto a parede em minhas costas. Perto demais.
Minha pele se arrepia quando Dominic levanta uma das mãos e
passa seu dedo indicador em seus lábios molhados, e em seguida passando
pelos meus. Fecho a boca instantaneamente, não deixando que seus dedos
entrem.
Solto mais uma longa respiração, agora pelo nariz, e tenho a
impressão que ele ouve o meu coração disparado martelar fortemente em
meu peito, pois arqueia as sobrancelhas e tomba a cabeça para o lado,
curioso.
— Tira esses dedos imundos de mim — digo firme, cuspindo as
palavras como mais cedo.
— Não gosta mais deles? — me provoca e fecho os olhos por um
momento, me rendendo ao seu cheiro, decorando mais um pouco cada
partícula invisível entre nós.
— Eles estão sujos — digo, querendo transmitir o resquício de raiva
que ainda estava ali, antes que tudo fosse apagado pela sua presença, como
sempre. E ele entende, pois arqueia as sobrancelhas de novo e semicerra os
olhos.
— Não fique chateada, aquilo não foi nada — diz simplesmente e
pisco meus olhos algumas vezes, tentando entender se a nossa compreensão
era mútua.
Dominic passa os dedos pelo meu braço direito, e sei que ele quer
quebrar a barreira que criei. Ele tenta isso há seis malditos meses.
Mas a cena de mais cedo repassa em minha mente e aquele
resquício de raiva que estava indo embora, de repente, pesa demais no meu
julgamento. Minha pele esquenta e me afasto do seu toque, vendo por
segundos a decepção clara ali. Era melhor assim.
— Você vai mesmo me dizer que não foi nada? — Sinto minha voz
quebrar enquanto meu coração dispara mais uma vez em busca de respostas
que vão me machucar.
— Augusta…
— Não, você não tem esse direito. Não quando é você o primeiro a
surtar quando a situação se inverte — vocifero e sinto que tudo explode
dentro de mim. O ciúme da cena mais cedo me encharcando.
— É diferente, eu não estava-
— Eu acho melhor pararmos por aqui — interrompo, e ele me olha
com a raiva queimando seus orbes pretos. — Quero que saia do quarto, não
há mais nada aqui que te interesse, Dominic. Vá embora!
Travo a batalha e sei que foi a deixa para jogar tudo para o ar
quando ele me encurrala na parede, levando a mão ao meu pescoço, e me
prensando com seu corpo, devorando minha pele com os olhos. Tudo nele
era feroz, seu olhar, sua respiração, seu cheiro, seu aperto. Seu coração.
Sinto seus dedos entrarem no meu cabelo por trás, minha pele se
arrepia e meu coração martela em meu peito cada vez mais rápido quando
sinto seu nariz passar em meu pescoço. E quando consigo respirar direito,
seu perfume me arrebata, me corta, e me embriago em seu cheiro
amadeirado, misturado com menta e canela.
Sinto minhas pernas fraquejarem e meu ventre se contrair quando
seus dedos passam por cima dos meus lábios abertos.
— Isso não vai acontecer — sussurra, completamente louco perto
do meu ouvido e engulo em seco. — Entende do que estou falando? —
Balanço a cabeça fielmente, concentrada nas sensações que sua voz causa
em mim. — Você gosta de me ver assim? Gosta quando explodo por sua
causa? — Puxa levemente alguns fios de cabelo, inclinando minha cabeça
para que nossos olhos se encontrem. — Eu já te disse, bruxinha. Você não
vai embora tão fácil assim.
— Eu já fui embora — vocifero, ferindo seu ego, e trazendo o
passado para a mesa. — Ou esqueceu? Está tão perturbado assim?
Esqueceu que fui eu que te deixei?
Seus olhos abaixaram, fatais, escurecendo cada fibra do meu corpo
com a promessa secreta.
— Eu nunca me esquecerei disso. — Seu tom amargo e sombrio me
faz fechar os punhos. Minhas pernas mexeram inquietas. O efeito da sua
ameaça causando estragos diretamente na minha calcinha.
Então, eu esperei o pior, como sempre. Esperei o ataque mortal de
suas palavras que iria destruir mais um pouco do meu coração.
Mas, ao invés disso, eu vi desafio brilhar em seus olhos, e foi isso
que me desestabilizou. Toda a merda da sua determinação em acabar
comigo, em me destruir. Meu coração pulsava acelerado com a expectativa.
Um sorriso diabólico brotou em seus lábios e o aperto em meu
cabelo me causou arrepios por todo corpo.
— Você adora isso, hum? Adora me ver com raiva.
Não respondi, porque aquela batalha eu havia perdido. Porque meu
corpo já não estava com tanta raiva assim, e a minha boca lutava sozinha
com palavras vazias. Seus olhos brilharam perversos.
— Pronto, você conseguiu, amor, te vejo no jantar de boas novas.
Coloque um vestido bonito para o seu noivo.
Então, me deu um sorriso vingativo e saiu com meu filho em seu
calcanhar. Levando, como sempre, mais de mim do que deveria.
JOGOS

15º Academia Dell Marshall — Distrito da cidade de Bash


7 anos atrás

— Para de encarar.
— Eu não estou encarando.
— Então por que a única pessoa em que seus olhos estão focando é
Dominic Clifford?
Parei de olhar o dono do redemoinho de cabelos negros e foquei na
dona dos cabelos longos e dourados.
— O quê?
Ela me deu um sorrisinho zombeteiro, como se estivesse me
pegando no pulo.
— Quando vai falar com ele?
Fiquei em silêncio, não iria admitir que, desde o dia que fomos na
ala masculina, minha obsessão por esse garoto tinha aumentado em
proporções altíssimas. Fiz o meu dever de casa, pesquisando sobre o novo
príncipe de Bash, e digamos que agora sabia de quase todos os passos que
ele dava no Instituto, até os recentes quartos que estava frequentando
secretamente.
Não iria admitir que fui pega tão fácil por olhos perdidamente
escuros.
Fran me olhou divertida.
— Ou ainda está procurando algum defeito para poder desistir antes
de tentar?
Fiz uma careta. Eu já achei, e nem isso me fez parar.
— Não estou interessada — forcei um sorriso. — Você sabe,
garotos não são meu lance, números e estratégias, sim.
Estávamos sentadas no refeitório, uma de frente para outra.
Francesca estudou meu rosto e desviei os olhos para a mesa retangular à
nossa frente, onde testosteronas ambulantes almoçavam. Observei
atentamente quando uma garota ruiva sentou ao seu lado, e o abraçou. Acho
que o quarto dela era três depois do meu.
— Não vai me contar o que está tramando?
— Não estou tramando nada.
— Claro que está, já peguei você o cercando várias vezes. Eu sei
como age e sei que tem algo rolando.
Revirei os olhos. Ela não ia desistir.
— Talvez, só talvez, eu esteja curiosa, ou entediada o suficiente
para ficar perdendo meu tempo o observando.
Fran me olhou um pouco horrorizada. E depois gargalhou.
— Amiga, sinto dizer que você pode estar qualquer coisa aqui
dentro, menos entediada.
Dei de ombros. Parecia que se eu admitisse toda a loucura da minha
cabeça pareceria mais patético do que tendia a ser.
Ela continuou me perscrutando:
— Não… é mais do que isso… Já peguei você observando vários
caras, mas sempre desiste. E já tem algumas semanas que você o tem
cercado — ela falou. — Você está jogando?
— Não.
— Você sabe que só é possível jogar quando as duas partes estão
cientes, certo?
Me calei novamente, não iria admitir que esperava que ele me
notasse e sacasse o que estava acontecendo ao seu redor sem pistas óbvias.
Queria testá-lo, ver a sua reação.
— Então, vai me dizer que você não tem nada a ver com os casos
das garotas que foram parar na enfermaria devido a uma misteriosa alergia
na pele?
Olhei para ela de esgueira, semicerrando os olhos.
Não disse nada. Ela gargalhou.
— Você é a pior, achava que Apolline era vingativa, mas olha você
com dotes incríveis de possessividade
— Não sei do que está falando.
— Dominic está tão ferrado.
Riu mais alto ainda.
— Cala a boca, não há nada rolando.
— Isso é o que mais me assusta.
Revirei os olhos.
Poderia ser coisa da minha cabeça, mas eu era observadora demais
para não notar que ele também me olhava de esgueira. Notava quando eu
passava em sua frente, ou percebia a sutileza do clima mudando a cada vez
que a gente se encontrava pelos corredores do Instituto, nas alas de serviço.
Seu olhar intrigante sempre me prendia e sentia uma vontade enorme de me
aproximar.
Dominic passou a ser a primeira pessoa que eu reparava em
qualquer lugar e que fazia "questão" de ser notada.
Eu não sabia o que tanto me atraía nele, mas queria muito descobrir.
A curiosidade tinha gosto de adrenalina, fazia meu coração saltar e criar
cenas imaginárias que provavelmente nunca sairiam da minha mente.
Bufei.
Eu estava ficando louca. Era uma possibilidade. Mas se ele não
tomasse uma atitude e viesse falar comigo primeiro, desistiria e iria fingir
que nada tinha acontecido.
Afinal, por que eu daria uma importância maior para ele sem
receber qualquer coisa em troca?
— Errado — engasguei-me com o suco que já estava no meio da
garganta. Quase cuspi. Meus olhos lacrimejaram.
Pisquei rapidamente, não querendo crer que a minha imaginação
tivesse materializado um Dominic Clifford sentado ao meu lado e com o
cenho franzido, mexendo a boca para formar alguma frase que não
entendia.
Meu Deus, Dominic veio conversar comigo? Ou eu também tinha
ficado surda, além de estar levando a sério demais as fics com o garoto
novato?
— Entendeu? — Continuou. E a sua voz era grossa, mas suave. Ele
estava sendo delicado?
— O quê?
— Terra chamando Augusta! — Ouvi estalos de dedos e olhei para
uma Francesca com os olhos brilhantes de excitação. — Dominic estava
perguntando qual era o nosso toque de recolher.
Analisei a pergunta e revezei o olhar entre Francesca e Dominic.
Isso só podia conter duplo sentido, já que o toque de recolher tinha o
mesmo horário para todos.
Com certeza ia rolar algo clandestino.
— Não, você disse outra coisa. — Concentrei-me em seu rosto.
Suas sobrancelhas estavam arqueadas e seu olhar tinha um ar de desafio.
Eu tinha perdido algo.
Ele molhou os lábios.
— Disse?
Então, ele mexeu os lábios novamente.
… segunda fase?
Concentrei-me no seu sorrisinho nada discreto me perdendo por
alguns segundos ali , fascinada pela expectativa. Semicerrei os olhos para
minha amiga, que acompanhava atentamente nossa interação.
Balancei a cabeça, não acreditando no que estava rolando.
Dominic me lançou uma piscadela antes de voltar ao seu covil.
— Vão com calças e botas, não se sabe o que pode encontrar em
uma mata à noite.
Abri um sorriso largo nos lábios.
— Parece que finalmente vamos jogar.
E… Caralho! Ele finalmente veio falar comigo!

— Quem inventou essa merda?


— Cadê a coragem que vi transbordando pelos corredores?
— Ela transbordou tanto que foi embora.
— Engraçadinha. — Fran puxava minha mão enquanto Polly
puxava a dela, levando-nos para perto da fogueira.
Era um lugar dentro da mata, um pouco afastado dos alojamentos,
não tinha muitas pessoas, mas uma quantidade suficiente para fazer barulho
e arrumar alguns problemas. Bebidas alcoólicas e qualquer coisa ilícita era
proibido de portar dentro da Academia, mas eu tinha certeza que o líquido
dentro dos copos azuis nos condenaria a uma sentença severa por semanas.
Pequenos estalos de lenha queimada ressoavam pelo lugar e passei
meus olhos brevemente pelos cantos iluminados pela lua.
— Ele se adaptou bem. — Polly me cutucou nas costelas com seu
dedo. E a fumaça saiu de seus lábios carnudos direto para os meus olhos. E
não precisei olhar para onde apontava para saber de quem falava. Dominic
Clifford.
Empurrei-a, sentando no tronco que estava de frente para o fogo.
A temperatura baixava em graus absurdos durante a noite, então era
bom estar perto de um elemento tão quente.
Polly sentou colada em mim, e fiquei entre as duas. Entrelacei
nossos braços. Foquei minha atenção nos garotos do outro lado da fogueira.
— E também não parece ter dificuldade em alcançar seus interesses
— Fran completou quando Dominic aproximou-se da orelha de uma garota,
a qual de imediato ofereceu seu copo.
— Ou até mesmo desperta o interesse de outras — Polly deu uma
risadinha e eu sabia que os olhos das duas estavam em mim.
— Dominic parece ser gostoso — continuaram, sugestivamente.
— Eu ouvi algumas coisas nos corredores… Sabe, eu ando muito
por lá…
— Oh, e tem alguns boatos rondando…
Respirei alto e molhei os lábios.
— Como é a sensação de não conseguirem extrair nada de mim? —
cochichei e elas bufaram, rindo alto, e demos um abraço triplo. Acho que
não era só eu que estava com a pele gelada, mesmo debaixo de roupas
quentes.
Tinha que admitir, eu também estava intrigada por Dominic ter se
adaptado tão fácil no nosso meio, esse foi um fato que chamou
drasticamente a minha atenção. Em geral, os novatos demoram um semestre
ou até um ano para se agruparem e terem sua própria voz no Instituto.
Éramos pessoas difíceis e extremamente chatas em relação a pessoas de
fora. Mas Dominic parecia… Confortável. Chegava a ser familiar o modo
com que ele levava e dobrava tão bem algumas regras.
Eu já o peguei fazendo isso várias vezes na área alimentar.
Eu estava intrigada por Dominic.
E fascinada.
E culparia a intensidade que o Instituto exalava, pois ficar trancado
em uma escola por tanto tempo, vendo as mesmas pessoas todos os dias,
sem dúvida alguma afetava o psicológico de todos os alunos matriculados.
Mas não reclamávamos.
A vida perfeita que exalamos nas revistas mais caras era
desmanchada quando dávamos o primeiro passo para dentro do nosso lar e
eu tinha certeza que, para muitos aqui, a academia tinha um significado que
nenhum de nós podíamos descrever melhor que: fugir de uma realidade que
não era tão boa assim.
Então, nos envolvermos temporariamente em merdas, que nos
faziam sentir donos do controle dentro do limite da academia, era o que
fazíamos de melhor.
Um pequeno grupo se reuniu no centro e o aperto das minhas
amigas afrouxou.
— Acho que essa noite temos o seu, sim, não é mesmo? — Polly se
animou.
— Tudo ou nada, não é mesmo?
Fran abriu um sorriso tão largo que quase não precisaríamos da lua
para clarear o lugar.
— Finalmente o ano começou. — Polly levantou em um pulo e foi
se aproximando do grupo.
Seguimos ela e aos poucos outras pessoas também foram se
aproximando. Era nessa hora que teria que decidir se queria me queimar ou
não. Porque depois do, sim, não havia espaço para arrependimentos. Ou a
noite seria longa, divertida e ficaria em nossas mentes, com detalhes
secretos que ninguém nunca poderia saber; ou seria curta, divertida e
teríamos histórias para contar aos nossos filhos de quando boa parte dos
adolescentes ficaram em detenção por três semanas.
Era um risco. Tudo ou nada. Ou morre pelo êxtase, ou desiste pela
segurança.
— Não faz tanto tempo que eu não jogo, vocês que são viciadas
demais. Sinceramente, gosto de esticar a minha mente em outras coisas que
não envolvam ''h-o-m-e-n-s''.
Fran me olhou com o cenho franzido, ofendida.
— Guarde um pouco das suas peculiaridades para você. — Deu um
tapinha no meu ombro. — Hoje vamos ser apenas adolescentes que não tem
um cérebro tão inteligente, e que tem uma única função…
— … CAÇAR TESOUROS, entenderam? — alguém gritou e senti
minha pele pinicar, como se estivesse sendo observada. Procurei por alto,
olhos escuros e não achei, estavam todos prestando atenção no garoto loiro
em pé num tronco cortado para lhe dar altura.
— É bem simples, tenho algumas caixinhas dessas espalhadas pela
mata. — O garoto levantou com os braços uma caixa quadrada vermelha.
— Cinco caixas com cores diferentes: vermelha, roxa, branca, azul e preta,
e cada uma contém um vale especial, que pode ser um benéfico na
academia, um vale com benefícios materiais ou benefícios que podem ser
usados aqui entre nós… Se é que vocês me entendem. — Risadinhas foram
ouvidas e a curiosidade para saber que tipo de benefícios eu poderia ter na
academia me atiçou.
Uma vez, eu ganhei um vale de água quente por uma semana, e não
posso negar que toda adrenalina que passei na madrugada para ganhar o
vale, valeu a pena.
Caça ao tesouro era um jogo divertido e até tranquilo em vista dos
desafios feitos em outras noites, senão fosse os lugares que eram postos os
vales e o que acontecia no caminho até encontrarmos o “tesouro”.
— Agora, vamos as regrinhas que são fundamentais ressaltar,
soldados: sem barulhos, pois sabemos que nossos superiores têm uma
audição bem apurada… — ele deu uma risadinha e continuou com um
sorriso malicioso. — Teremos obstáculos por aí… — o sorriso cresceu: —
Por favor, sejam espertos em suas jogadas. E claro… se um for pego, isso
não se aplica aos outros. Jogo é jogo, protegemos uns aos outros e a nossa
honra vale mais do que um tesouro. É isso, pessoal. Iniciará uma contagem
de três minutos a partir de agora, e irei contabilizar todos que ficarem ao
redor da fogueira.
Percebi algumas pessoas se afastarem e os murmúrios estavam no
ar.
— Depois contaremos até trinta e se até o despertar vocês não
encontrarem os vales, sinto muito, mas o problema será todinho de vocês —
então o garoto contou no pulso os minutos e logo em seguida iniciou a
contagem regressiva em voz alta: — Começando em, cinco… quarto…
três…
Afastei-me do grupo, indo em direção à fogueira.
— Huhuu, parece que temos alguém determinada aqui — Polly
cantarolou.
— Tenho um fraco por tesouros que beneficiam.
— Observou que Dominic não estava por perto?
Claro que sim. Eu o tinha procurado e falhado.
— Isso significa que ele pode estar por aí… Atrás das árvores te
observando — sussurrou Francesca e alguns cenários muito intensos
nublaram meus pensamentos.
— Acho que alguém vai ficar com o melhor prêmio essa noite.
— Às vezes, vocês são tão bobas, esquecem o que vem primeiro.
— Oh, claro que sabemos. Sabemos que você tem um cérebro
genioso e que provavelmente acharia as cinco caixinhas — Polly sorriu
sugestivamente.
— Então? Hoje eu vou pegar o prêmio. Ponto.
Eu estava animada por alguns benefícios na academia.
— Claro que vai, não duvidamos disso. — Fran estreitou os olhos
para Polly e elas acenaram uma para outra. — Só estamos falando que…
talvez o seu benefício possa vir premiado.
Segurei o sorriso. Eu sabia o que rolava na mata onde ninguém
estava vendo, e sabia exatamente o que elas estavam insinuando.
Não era que eu não contasse ou não gostasse de compartilhar
minhas coisas com as minhas amigas, mas eu era assim, às vezes não
precisava dizer ou olhar mais do que duas vezes para elas me entenderem.
Até porque enquanto nada me ebulia o suficiente para colocar para fora,
estava tudo bem.
Sorri comigo mesma.
Okay, eu estava animada para descobrir o que poderia ganhar essa
noite, ainda mais com a possibilidade de aplacar a curiosidade em relação
ao garoto de olhos petróleo.
BOAS NOVAS

O sentimento de ódio nunca foi o meu preferido, embora fosse um


bom combustível para ações que te levariam para a morte.
Porque era isso que a raiva causava. Morte. Destruição. Feridas
abertas incapazes de serem curadas.
Eu sentia o meu próprio coração sangrar quando era dominada.
Repassava os acontecimentos do final de semana, e cada maldita
palavra sobre o possível casamento entrava como faca em meu peito,
sangrando barreiras de sentimentos confusos que não estavam prontos para
serem expostos.
Ainda não.
Era como estar em cima de uma tábua velha, andando em linha reta
sem saber quando ou se ela iria quebrar. Um período de incertezas e medos
no qual sabia que somente eu poderia decidir os próximos passos, e estava
cada vez mais apreensiva sobre meu tempo ter acabado. Medo das minhas
desculpas já não serem o suficiente para mantê-lo longe.
Suspirei. Eu precisava de planos. Organização. Só precisava seguir
o cronograma, não importando quão amarga a minha boca estava com um
sentimento de aflição, espalhando-se em meu peito por saber que havia uma
ameaça perto demais corroendo toda a minha vida.
Quando o carro se aproximou do local, consegui ver a grande
bandeira dourada com uma águia em uma das pequenas torres no topo do
salão. Franzi o cenho. Sempre que havia um evento era levantado a
marcação de território indicando os membros presentes, indicando que boa
parte do conselho estava aqui essa noite.
A velocidade do carro diminuiu e os paralelepípedos foram
substituídos pelo asfalto, os canteiros passavam devagar sob meus olhos,
juntos com homens prostrados em trajes pretos, concentrados em cada
pessoa que transitava por ali.
Suspirei ansiosa, olhando nada em específico no breu escuro. Em
todos os momentos da minha vida, aprendi que focalizar nas coisas externas
era a única coisa que mantinha a minha mente sã e me proibia de entrar em
uma espiral de sentimentos confusos, cortando a melancolia e focando
somente no externo.
Porque sabia que uma vez lá, não conseguiria sair tão fácil.
Fui recebida por flashes que machucaram meus olhos ao descer do
carro, e uma enxurrada de informações me saudou ao pôr os pés dentro do
saguão principal, onde as recepcionistas estavam a postos para nos receber.
Estava de volta ao Salão Dourado, mas dessa vez, ele se encontrava
completamente diferente. Não era um baile, era o jantar de boas novas.
Segui pelo corredor largo e iluminado, cheio de lustres em espiral e
paredes beges e detalhes dourados. Eu conseguia ouvir notas de um piano
ao fundo, sentindo os pelinhos dos meus braços se arrepiarem e um gosto
metálico invadir minha boca.
Um cheiro forte de rosas me embalou cada vez que me aproximava
mais do final do corredor. Todo pequeno detalhe era pensado no
condicionamento do lugar, como o grande tapete bordado pelo corredor, no
qual caminhei rapidamente a passos largos; ali havia desenhos, símbolos e
nomes das famílias fundadoras da cidade.
O barulho de conversas e risadas altas me saudou ao empurrar a
larga porta branca e entrar no salão. E como sempre, perdi o fôlego com a
decoração do ambiente, era magnífico. Meus olhos devoraram tudo. Mesas
retangulares decoradas em dourado, e grandes arranjos de flores brancas no
centro. As cadeiras eram poltronas altas revestidas de veludo e bouclé
dourado com braçadeiras brancas, fazendo jus a todo conforto que o evento
prometia.
Eu conseguia ver os reflexos das luzes no piso extremamente
brilhante e branco.
Como no saguão, lustres ainda maiores adornavam o teto alto do
salão, cheios de cristais padronizados, deixando somente um imperial maior
ao centro. E eu me senti sendo minuciosamente observada quando parei os
meus passos no meio do lugar.
O olhar de outras mulheres e homens também não me passaram
despercebidos. Eu nunca passava despercebida.
Eu gostava de chamar atenção, mostrar a confiança que tinha pelo
meu próprio corpo, mostrar que eu poderia usar a roupa que quisesse e
mesmo assim ser tão respeitada como qualquer um que tinha um pau entre
as pernas. Nem que pagasse para isso. O que eu não ligava, ninguém ligava,
na verdade, era tudo sobre aparências e, se você estivesse bem ali, era isso o
que importava.
E naquela noite não foi diferente, o meu vestido vermelho marsala
com o fundo preto não deixava muito para imaginação, não quando tinha
uma grande abertura na coxa e era razoavelmente aberto na frente de cima a
baixo. Não me deixava nua, mas havia aberturas sobre a minha pele
recentemente beijada pelo sol.
Minha atenção foi roubada para a mesa central, e arqueei as
sobrancelhas, estudando os lugares marcados. Era sempre muito decisivo
seu lugar na mesa, pois ele lhe dizia como sua noite seria ditada e quais
privilégios poderia levar.
Senti minha espinha gelar quando encarei as plaquinhas.
A mesa central era a maior, comportando as pessoas por uma
pequena regra: as primeiras gerações, a família honrada, políticos de apoio
e o Chefft de interesse da noite.
O gosto metálico em minha boca voltou quando vi que meu pai se
encontrava na terceira cadeira à direita do senhor Clifford, que estava
fielmente em seu lugar, na cadeira ao meio da mesa. No centro.
Suspirei, incomodada com a cena a seguir: Miriam ocupava o lado
direto do nosso pai, e Ella ao lado da nossa mãe, que parecia muito
confortável na cadeira à frente conversando com o senhor Clifford.
Não fico surpresa ao ver meu lugar marcado ao lado do meu pai.
Senti meu sangue esquentar de raiva quando percebi que hoje nós éramos a
família honrada. Tínhamos interesses em discussão, então claro que meu
pai usaria até o último fio de benefício. Ele não tinha desistido da ideia,
mesmo eu dizendo vários nãos.
Cerrei a mandíbula, eu não iria sentar ali.
Captei os duros olhos do meu pai que me repreendiam antes de
qualquer coisa. Isso não estava combinado, eu quis dizer. Olhei para ele da
mesma forma, soltando fogos pelos olhos, e ele apenas parou de me olhar,
como se o meu pedido não fosse nada de mais.
Não tive tempo de conversar com ele novamente depois da reunião
que tivemos no seu escritório. Eu temia ser uma filha mal-educada e isso
não era algo que gostaria de ser. Não importava o quão ruim toda essa
merda fosse, o peso do respeito pelos meus pais inundava cada poro de
obediência.
O que não impedia da raiva penetrar minhas atitudes cegamente.
Varri com os olhos as pessoas presentes, procurando Apolline, que
já devia ter chegado.
O mesmo acústico do corredor tocava ao fundo, e vi um grande
piano em um canto mais afastado do salão. Meus dedos das mãos coçaram e
apertei com firmeza a taça, que parecia tão frágil quanto os meus
sentimentos escondidos pelo medo.
Meu celular vibrou na pequena bolsa, peguei-o para ler a mensagem
na barra de notificação:

Polly modelo top 10: Espero que tenha chegado porque estou
furiosa.
Polly modelo top 10: Você não vai acreditar o que descobri.
Polly modelo top 10: Prepare meu caixão, pois Bash não terá a
honra de me ver nas passarelas nos próximos dias.
Polly modelo top 10: Eu odeio homens.

Ri da sua mensagem e guardei o celular sem respondê-la, pronta


para ir ao seu encontro no mesmo lugar que adorávamos ficar: no segundo
piso. Longe dos olhares críticos de Bash.
Endireitei os ombros em uma posição de defesa, pronta para
atravessar o salão. Mas senti todo meu corpo quente e foi como ímã para
que eu me virasse e o encontrasse me devorando com os olhos.
Um arrepio familiar perpassou todo meu corpo quando senti no meu
ventre a intensidade dos seus olhos. Ferozes e famintos. E senti-me
desesperada quando tudo que vi através das íris cor de petróleo foi calor.
Como se estivesse pronto para atacar. Como um leão.
Merda, Dominic estava bem ali, observando-me como um bom
predador que sabia exatamente como sua presa iria agir. As palavras
amargas do nosso último embate me alcançaram, me alertando que ele não
estava com a bandeira da paz levantada e que eu teria que ter cuidado com
os meus próximos passos.
Principalmente ali no meio do salão, onde eu estava sendo
minuciosamente observada por olhares traiçoeiros.
Engoli em seco e senti o ambiente diminuir de tamanho. Meu
coração bombeava em antecipação. O ar-condicionado não parecia esfriar o
lugar suficiente. Meu pescoço e rosto queimavam com sua avaliação. Vi
seus olhos quando me escanearam, me comendo e desejando lentamente.
Cada molécula do meu corpo. Levando meu ar e fazendo meu mundo se
estreitar em suas mãos.
Como uma Maria-mole. Era assim que me sentia sempre que ele me
olhava assim. Eu odiava esse olhar, odiava o calor e a luxúria que seus
olhos me presenteavam. Odiava. Odiava porque o meu corpo amava, e eu
não podia lidar com isso.
E foi como uma avalanche, uma memória antiga, penetrando como
um ramo daninho, seco e cheio de espinhos. Machucando-me. Eu me
lembrava da pureza de seu olhar, da curiosidade e da coragem do novo
mundo que batia em sua porta quando éramos mais novos.
Quando ainda éramos nós.
De repente, minha pele pinicou ao ver a máscara vazia nublar
perfeitamente seu rosto. E suspirei baixinho, tentando ignorar as palpitações
agitadas do meu coração. A promessa secreta que tinha feito no quarto,
explícita demais em seus olhos.
Ele tinha raiva. Todo o encanto inocente que um dia tinha sido
criado foi quebrado. Seus olhos reluziam o quão furioso ele estava apenas
por eu estar a alguns passos dele. Por eu estar tão perto e estar tão longe ao
mesmo tempo.
Me sentia engolida pela sua amargura, pelo seu desprezo. Eu queria
fugir, correr e talvez dizer que não gostaria mais de seguir por esse caminho
que eu mesma tinha escolhido. Porque doía. Sempre doía. Ele não me
poupava de nada, nunca.
Mas eu não podia. Eu era uma puta covarde. Era uma avalanche,
um furacão em risco. E eu tinha que o afastar.
Ele se esforçava para me levar ao limite. Sempre me empurrando,
me impelindo. Eu via o vislumbre de orgulho em seu semblante quando
vencia uma batalha que eu mesma nos metia, então ele não ia parar. Era o
jogo preferido dele, a caça, e ele fazia questão de assistir cada partícula se
deteriorar dentro de mim.
Seus olhos, antes tão vívidos e dóceis, hoje obtinha o feixe obscuro
de dor que eu covardemente me negava a tirar. Porque assim era o melhor
pra mim. Eu merecia.
Eu o destruí para mim.
Porque eu tinha feito isso, o transformado. Tinha feito a única coisa
que ele me pediu para não fazer: criei espaço entre nós.
Virei uma chavinha perversa em sua cabeça quando quebrei o seu
coração, sem me importar quão amargo poderia ser a dor de uma vingança.
Segurando o fôlego, também fiz o meu trabalho, não deixando de
absorver cada pedacinho do seu ser com meu olhar.
Dominic trajava roupas claras e sociais, o que deixava bem
marcado os ombros largos e o seu corpo forte. O cabelo castanho-escuro de
fios grossos e grandes estava bem-arrumado para minha surpresa, já que
seus dedos eram inquietos o suficiente para não deixá-los em paz. Sua barba
estava aparada e quando fixei meus olhos em seus lábios vermelhos, tive
que virar o restante da taça para molhar a minha garganta seca.
Estreitei os olhos quando vi de relance o brilho da sua abotoadura.
Fixei brevemente em seus olhos e absorvi um brilho nada genuíno
neles, cretino. Endireitei o tronco aumentando as minhas barreiras, e
tentando não encarar, pois sabia que não conseguia enfrentar duas batalhas
seguidas.
E eu também sabia que tinha atingido meu objetivo ao perceber o
calor do meu colo e a respiração acelerada. Tinha deixado um decote
generoso de propósito, e o efeito desse ato veio quando o espaço entre nós
diminuiu e vi a luxúria em sua expressão mudar para algo sombrio, quase
raivoso.
Pisquei alarmada, o coração disparado. Ele não estava mais com seu
sorriso debochado, seu maxilar estava travado e me senti em transe quando
via suas longas pernas atravessarem o salão.
Ele estava vindo em minha direção, devorando e sondando cada
pedacinho do meu corpo como uma presa fácil. Tive que pensar rápido. Não
poderia ter esse embate. Não agora, tão exposta a todos.
Assim que um homem de terno preto o parou, tive a minha chance.
Procurei o primeiro rosto familiar que encontrei pelo salão e saí do meu
lugar, pegando outra taça no caminho, deixando um Dominic possivelmente
irritado para trás quando percebeu que não estava mais parada em seu
encanto.
Pisquei surpresa quando Nikolai Reaper se aproximou de repente,
atravessando a minha visão, invadindo meu espaço com um brilho
desconhecido nos olhos.
A sensação de mal estar me cobriu quando meus braços ficaram
tensos.
— Bela Augusta, é sempre um grande prazer estar em sua presença
— disse galanteador com uma voz suave, e pegou minha mão direita para
beijar.
Revirei meus olhos, desfazendo-me da conformidade. Eu não tinha
muito apreço pela sua pessoa, mas estava curiosa com sua presença, a
última vez que ouvi sobre ele, estava cursando faculdade em outro estado.
Nikolai trajava uma elegante roupa social, de gravata azul-escuro,
camiseta, colete e uma calça bem alinhada da mesma cor da gravata. Seu
cabelo escuro estava em um perfeito corte militar, juntamente com sua
barba bem aparada.
— Achei que tínhamos deixado a falsidade no Ensino Médio —
alfinetei e ele arqueou as sobrancelhas. — Sem formalidades, por favor. —
Ele levantou os dois braços em rendição e abriu um sorriso nada genuíno.
— Férias? — sondei. — Estou surpresa por te ver aqui, achei que essa
coisa de bailes e socialites não eram a sua praia.
Ele pensou por alguns segundos antes de soltar tranquilo:
— Chamado do capitão — sorriu maliciosamente. — E não fique
surpresa, bailes e socialites podem ser o melhor lugar para se estar em uma
noite. — Balançou a cabeça para o lado em que algumas debutantes
estavam conversando, deixando claro suas intenções. Claro… Garotas, era
por elas que ele estava aqui.
Me remexi inquieta. Nikolai era o filho mais novo de Martinez
Reaper, e o meu estômago embrulhou quando vi em seus olhos algo que
repelia amargamente.
Frequentavam o Salão Dourado os sobrenomes e socialites com
bolsos mais cheios e influentes da cidade, o que tornava o local de caça
perfeito para quem gostaria de desfrutar de um cardápio recheado de belas
mulheres e negócios. Negócios que muitas vezes eram casamentos por
conveniência. Provei um gosto amargo em minha língua com o sentimento
de objetificação.
Poderia parecer cruel aos olhos de fora, mas grandes negociações já
foram fechadas assim. Casamentos significavam poder, eles eram alianças
poderosas que construíam impérios sólidos, e que funcionavam muito bem
há anos.
Então, sim, o jantar de boas novas poderia ser um verdadeiro
expositor de mulheres na sociedade. E não é como se houvesse uma
rivalidade entre quem ficaria com quem no final, mas, sim, um jogo de
poder entre homens de ternos por trás de uma mesa, que usavam suas filhas
como cartas coringas em um baralho sujo e cheio de truques.
— Achei que não compactuava com esse estilo de vida — tentei
apurar respostas indiretas.
— Eu também achava que você não, e olha onde está. — Franzi o
cenho para sua alfinetada e minha língua coçou para lhe dar uma má
resposta.
Mas Nikolai abriu um sorriso perverso e me deu uma piscadela…
Ele estava me paquerando? Dois passos cautelosos foram dados. Também o
olhei com cautela. Ele sabia que tinha me pegado e que a minha resposta a
seguir definiria o quão condenada eu estava.
O quão fundo ele sabia dessa bagunça toda? Mas eu não precisei
pensar muito, pois todas as minhas entranhas paralisaram ao sentir a
presença dele e a sua voz atrás de mim.
— Mal chegou em território inimigo e já quer roubar a noiva do
dono da festa. — Dominic debochou e meu coração quase saiu pela boca
em choque.
Não. Meu sangue esquentou de raiva. Não estávamos noivos,
merda. Não estamos! E mesmo que isso fosse uma possibilidade, ele não
tinha o direito.
Senti meu rosto esquentar quando encarei seus olhos petróleo, que
não esboçavam nenhuma reação além da provocação explícita no rosto.
Vi Nikolai mudar a postura, e se nós não estivéssemos tão perto,
não tinha o visto afastar seu corpo do meu instantaneamente, alguns
centímetros. Ele olhou para Dominic, que se apossou do meu lado direito,
me invadindo com sua prepotência orgulhosa, e fuzilei sua mão quando ela
tocou em meu braço e, devagar, deslizou para as minhas costas.
Meu sangue ferveu quando a merda do meu ventre vibrou com o
contato de sua pele na minha. Idiota do caralho, como se eu fosse uma
posse ameaçada.
Não, não, não, não. Isso. Não. Podia. Estar. Acontecendo. Não na
frente de Nikolai.
Raiva nublou meus sentidos e afastei alguns passos para pegar uma
nova taça, dando espaço entre nós para que minha vontade de estrangulá-lo
não fosse maior do que o meu controle. Queria estar alucinando quando
ouvi sua risada baixa.
O rosto divertido de Nikolai analisava nossa interação com atenção,
e soube que ainda queria uma resposta. Dominic também queria uma
resposta. Ele estava me desafiando a negar.
Senti o olhar dos dois sobre mim e novamente estava sendo
encurralada por homens com reis na barriga. A diferença ali era que só um
deles realmente obtinha o poder.
Se Dominic achava que eu não iria negar sua tentativa babaca de
marcar território, estava redondamente enganado.
A gente não estava noivo, porra, o desespero gritava na minha
mente.
— Noiva? — Nikolai incentivou curioso e o fuzilei. Grandes filhos
da puta. Tomara que fossem para o inferno…
Suspirei e empertiguei a coluna, pronta para soltar todo veneno
acumulado na língua.
— Não estamos noivos, po-
— Pelo amor de Afrodite, até que enfim! — a voz de Polly cortou o
clima, levando meu protesto embora. Virei-me de imediato para olhá-la, não
gostando do seu desânimo quando deu um longo suspiro. — Você não vai
acreditar no que meu pai fez, eu juro por Afrodite que se eu me casar com
aquele merd… — mas novamente a voz foi interrompida quando mirou
através de mim, notando que não havia somente eu e Dominic ali.
Seus orbes escuros se arregalaram para Nikolai e vi seu rosto
balançar meio perdido.
Ela deu um pequeno passo para trás, um pouco aérea, dando-nos a
visão completa do seu vestido prata, que abraçava maravilhosamente bem o
seu corpo curvilíneo. O vestido ia até seus joelhos e era de um ombro só,
sendo segurado pelo esquerdo somente por uma fina alça que deixava sua
clavícula exposta. Ela estava sexy para um caralho.
— O quê, amiga? — incentivei-a a continuar, porque ignorar
Dominic era muito melhor do que respondê-lo.
Polly abriu e fechou a boca, aturdida, e me olhou
significativamente. A preocupação me inundou me tirando da nuvem
alarmada de segundos atrás.
— A gente precisa conversar sobre aquilo — falou baixo como se
não quisesse que ninguém escutasse. Franzi o cenho.
Apolline não era o tipo de pessoa que tinha vergonha de falar as
coisas.
Então assenti, pronta para sair daquele lugar. Talvez Nikolai
esquecesse da informação falsa que Dominic havia despejado. Mas antes
que eu pudesse perguntar algo sobre sua expressão assustada, o barulho de
uma taça calou o falatório, e fomos impelidos a olhar para a mesa central,
onde todos estavam sentados em seus devidos lugares e somente dois ainda
estavam vagos.
O meu e de Dominic.
Os olhares da mesa nos encontraram rapidamente, em uma clara
acusação. O braço de Dominic endureceu, apertando minha cintura em
posse.
— Acho que está na hora, amor — o sussurro malicioso chegou ao
meu ouvido de um jeito grosseiro. — Não podemos deixá-los esperando.
— Eu não vou me sentar ao seu lado — falei entredentes com um
sorriso falso.
Entre os convidados, notei o olhar duro da minha mãe que exigia
uma resolução de conflitos.
Todos estavam nos esperando.
— Você vai sentar ao meu lado, bruxa, querendo ou não.
— Não! — Eu não me importava se todos ali no salão aguardavam
curiosos, esperando que fôssemos para os nossos lugares para dar início ao
jantar. — Vai. Sozinho!
— Augusta — disse felino.
— Dominic — mordi os dentes, enfrentando seu olhar duro.
Tudo nele emanava autoridade naquele momento e eu o odiei por
isso. Mas ele não esperou outra resposta, e quando achei que tinha desistido
e iria sem mim, senti um leve empurrão nas minhas costas e fiquei
horrorizada.
Olhei feio para sua mão que me segurava firme, e senti a raiva
borbulhar quando o rio petróleo me inquiria a ir em frente e fugir do seu
aperto. Belisquei a sua mão quando tentou me guiar pelo braço, não abrindo
mão de mim por um segundo sequer.
Minha espinha pinicava com sua presença e bufei em passos largos,
fugindo do seu calor. Os olhares pesados vigiando nossa interação até que
nos sentamos nos únicos lugares vazios da extensa mesa.
— Boa noite a todos! — A voz fria soou no microfone para que
todos o ouvissem.
Era Martinez Reaper quem anunciava, um homem na casa dos 40 e
um pouco grisalho.
Meu coração acelerado demorou a se aquietar.
Ele era membro da associação, e trabalhava diretamente para o
senhor Clifford, sendo sua voz ativa e braço direito. Ele era quase parte da
família, pois havia tantos anos que estava dentro da casa Clifford que já
tinha um lugar na mesa e dentro das particulares vidas dos homens que
carregavam o sobrenome. O fato fez meu estômago se revirar pela
adrenalina. Travei o maxilar, desviando os olhos dele e encarando meu pai.
— Pelas palavras do senhor Clifford, saúdo com grande alegria as
boas novas, que iniciemos um novo ano tão cheio de fartura como
terminado o outro. Que possamos criar alicerces e rochas firmes em nosso
meio.
Por alguns segundos, Martinez continuou a falar seu monólogo de
boas-vindas e recepção, explicando os pontos altos do ano e como
devíamos nos preparar. E a todo momento, analisei a reação do meu pai. Ele
me ignorava e analisava mortalmente Martinez.
— Como sabem, a mansão terminou as suas reformas, e teremos
nossos eventos sociais nas terras Willians a partir de hoje. Então, sintam-se
convidados a marcar seu nome no caderno de agenda… — Ouvi risos e
murmúrios baixos. Ninguém conseguia marcar nome na agenda se a
primeira-dama não quisesse, ela era responsável por isso e usava e abusava
desse poder o quanto quisesse. O tom de voz do anunciador havia mudado,
e levantei meus olhos, encontrando os seus em mim. — E por último, mas
não menos importante, sabemos que alianças são formadas constantemente,
isso faz parte do nosso meio. Negócios, impérios e promessas.
Quase cuspi o líquido de volta ao copo quando senti o braço quente
de Dominic em minhas costas, encarei-o com raiva. Idiota do caralho…
Levei minha mão para beliscar sua pele novamente, mas meu corpo
paralisou com as próximas palavras cuspidas de Martinez:
— E é por isso que com grande honra, anunciamos o noivado de
Dominic e Augusta, o senhor Clifflord expressa seus mais sinceros
parabéns!
Foi como um tapa na cara.
Não, pior. Um milhão de facas jogadas ao mesmo tempo, nas
minhas costas.
— E que o ano comece e termine em abundância — Dominic disse
alto ao meu lado, brindando com seu copo de bourbon e um sorriso
perverso nos lábios.
— E afortunados sejam os mais astutos, que produzem em rocha
sem deixar o outro cair — e todos responderam.
Todos, menos eu. Porque encarava cada pequeno detalhe da taça na
mão do meu pai e sentia-me pesada. De repente, um peso foi derramado
sobre mim e não sabia se poderia aguentar. Estava pesado.
Era pesado o sentimento amargo da traição.
Então, as conversas abafadas encheram o lugar e meu torpor não
tinha passado quando pessoas chegavam até mim e apertavam minhas
mãos, ou minha bochecha, ou meus ombros, ou apenas balançavam a
cabeça.
Eu estava puta, sentia-me traída e enganada, como se a conversa de
sábado não tivesse servido para nada, como se a minha opinião ali não
importasse. Diminuída. Fingiram que precisavam do meu sim para depois
atropelarem minhas escolhas como se não fosse nada.
Não conseguia olhar para nenhum lado, não conseguia encarar
ninguém. Não sabia qual sentimento doía mais. Impotência ou medo pelo
que poderia vir daqui pra frente.
— Pai — chamei sem conseguir esconder a mágoa. — Por quê? Por
que não me falou?
— Era o melhor para você.
— O melhor para mim? — quase gritei e seu olhar me repreendeu.
— O melhor pra mim era saber de tudo, saber o que está acontecendo. Eu
preciso me-
— A gente já conversou sobre isso, você tinha concordado.
— Não, eu não disse que aceitava. — Minha voz soou desesperada.
— Você já teve muito tempo para pensar sobre isso. — Sua voz me
cortou e segurei meus lábios para não desabar. — Precisa lidar com o seu
futuro. Se não for agora, não será nunca. — O olhar fraquejou por alguns
segundos. — Você é mais forte do que imagina, lide com isso. A partir de
agora.
Engoli em seco, recebendo suas palavras diretamente no coração.
Ouvi o bip do meu celular, mas não me importei. Lide com isso. O
problema era que eu não queria lidar com isso.
Mais algumas pessoas chegaram para me cumprimentar e mesmo
assim não o olhei. Eu não queria ver o seu rosto, tinha medo de ver sua
vitória estampada aos quatro ventos.
Minha mente começou a repassar em cada detalhe do início da
semana, e a minha ficha finalmente caiu, ele não queria uma resposta
minha, estavam apenas me avisando o que ia acontecer. Novamente sendo
prensada por homens e ficando de mãos atadas.
Uma última respiração me cortou.
Puta merda.
Eu estava noiva de Dominic Clifford novamente.
LIMITES

Noiva.
Uma realidade distorcida que nos levaria para a morte.
Uma vez eu sonhei com esse dia, Dominic me pedindo em
casamento e nós sendo reverenciados como a nova família real que
construiria o maior império de Bash. Éramos bons juntos, e eu faria
qualquer coisa por ele.
Esse sonho, no entanto, havia sido destruído e uma parte da nossa
história havia sido rasgada em pedaços, deixando o puro e pavoroso rancor.
Uma gargalhada baixa me tomou e os olhos dispersos da mesa em
que estávamos sentados me encontraram curiosos.
Cerrei os olhos para o homem ao meu lado que despertava o meu
pior, suas esferas brilharam de expectativa esperando a minha reação.
Então, naquela noite, eu olhei firme para o meu pesadelo e sorri.
Porque se o senhor Clifford sabia das intenções do casamento, ele também
sabia. Ele queria brincar comigo de novo.
Os olhos atentos se arregalaram levemente quando me levantei da
mesa.
Dominic parecia extasiado ao meu lado, seus orbes tinham um
brilho conhecido e me perguntei o que mais lhe agradava: a surpresa das
pessoas ou me ver como centro das atenções.
Todos aguardavam a minha primeira reação. E eu não poderia ser
menos fria.
Porque minha voz já não valia de nada naquele momento. E o meu
pai sabia disso, pois não se importou quando o fuzilei furiosa pronta para
desmanchar toda essa merda.
Um sorriso orgulhoso brotou nos lábios de Dominic e a raiva
crepitou amarga em mim. Ele não estava nem aí para a minha reação ou
para o que eu achava do noivado forçado. Ele apenas observava diabólico
os murmúrios que explodiam ao seu redor. Adorando o caos.
Saboreando a confirmação da coroa que, em breve, assentaria em
sua cabeça. Porque era isso que ele queria. A coroa que conseguiria através
do casamento.
Travei o maxilar pisando duro quando afastei a cadeira e segui para
qualquer lugar que não fosse o centro.
Eu tinha que respirar.
Fui para sala que tinha como minha e a tranquei. Encarei o grande
quadro que tinha atrás da mesa. Dominic e Augusta em seu primeiro baile
de debutantes. Por que merda aquele quadro ainda estava ali?
Fechei os olhos, atordoada. Meu celular apitou em mais mensagens
que eu não queria ver. Mensagens que me atormentavam como um maldito
pesadelo.
Fuzilei a foto registrada anos atrás. A maçaneta da porta mexeu e
rangi os dentes quando ela abriu sem nenhuma dificuldade. Cabelos pretos
atravessaram para dentro junto com uma frieza inabalável.
Dominic era o anfitrião, ele tinha todas as chaves. Engoli em seco
quando a sala diminuiu de tamanho com a sua presença.
— Você não pode entrar aqui.
Um sorriso maldoso.
— Eu já entrei, bruxa.
O trinco da porta mexeu novamente, dessa vez trancando nós dois
para dentro. Cerrei os punhos, as unhas machucando minha palma.
— Por que está aqui?
— Minha noiva não pode estar sozinha.
— Não estamos noivos.
— Claro que estamos.
— Por acaso a loucura chegou mais cedo? — debochei e seus
passos felinos se aproximaram. Medi a distância perigosa entre nós. Estava
encostada na mesa e ele a bons cinquenta centímetros de mim. — Por que
está fazendo isso? O quão louco ficou com essa história toda?
A loucura era a única resposta que eu encontrava.
— Desde quando você sabia disso?
— Eu não sabia.
— Mentiroso da porra.
Seu sorriso rugiu diabólico.
— Aprendi com a melhor.
A fúria me consumiu, despertando todos os meus sentidos.
— Eu sinceramente achei que os genes eram hereditários, seu avô
parecia tão inteligente. Mas esse seu cérebro parece ter a capacidade de
raciocínio igual a um mer-
— Augusta — disse sombrio e explodi.
— Agora está me repreendendo? Você não vê o quão babaca se
torna a cada dia que passa? Eu não sei o que vi na sua cara quando me
apaixonei por você! — Avancei e levantei a mão para empurrar seu corpo
da minha frente. — Pare de jogar comigo!
— Para! — Dominic segurou meus pulsos com força. Não me
deixando sair.
— Parar? — Parar? Puxei minhas mãos das suas e aproximei meu
rosto do seu com fúria. — Quer saber? Tem razão, temos que parar, isso foi
longe demais. Eu vou acabar com isso agora mesmo!
Decidida, mergulhei em suas íris escuras querendo despejar fúria
dentro dele, querendo arrancar a sua reação mais selvagem. Estava
fervendo. Não aguentava mais. Ele só poderia estar louco, todos estavam
loucos. Então, apertei meus punhos e segurei o baque. Mesmo sem saber se
estava preparada para as consequências.
Tentei me manter firme e não cair quando me senti sendo invadida,
quando Dominic não me poupou nada, me entregou tudo dentro do seu
abismo infinito. Perdi o fôlego quando sua mão alcançou o meu pescoço,
me devolvendo para a mesa e me prendendo com o seu corpo.
Seus olhos me consumiram, me deixando presa. Fazendo com que
lembranças do passado ameaçasse quebrar a barreira de mentiras que tinha
construído entre nós.
E foi como uma avalanche, todas as informações estavam ali, puras,
selvagens. Senti minhas pernas fraquejarem com a ciência da nossa
proximidade. Meu coração batia descontrolado e respirava agora o ar fresco
de menta que saía pelos seus lábios entreabertos.
Fechei os olhos, não podia perder o foco.
Agora não. Não podia deixar isso acontecer.
— Tá se queimando no seu próprio fogo, pequena bruxa?
Seu sorriso era diabólico, e senti minhas entranhas se remexerem.
Não. Abri os meus olhos para encontrar raiva e malícia nos seus, ele me
olhava atentamente.
— Você age como se fosse a porra de uma vítima, mas quer saber?
— Sua voz reverberou por todo meu corpo. Rude e grosso, rompendo
barreiras frágeis demais. — Está surtando à toa. Porque você poderia ter
negado o noivado na frente de todos que ninguém iria se impor contra a sua
fala. Você é a herdeira mais cobiçada de Bash, amor, e sabe que nem
mesmo seu pai poderia ir contra sua recusa. — Uma risada sensual soou
arrepiando todos os pelinhos do meu corpo. — Então, sabe por que não
negou a imposição? — O aperto em meu pescoço aumentou e senti meu
coração disparar. — Porque você quer isso, bruxa, quer isso tanto quanto
eu. Você adora a sensação de adoração, adora ser o centro. Você não é a
vítima, bruxinha, então me agradeça pela coroa.
Meus olhos lacrimejaram de raiva e os dedinhos do meu pé se
contorciam de excitação. Porra, estava completamente embriagada.
— Desde quando você sabia disso? — sussurrei atordoada, ainda
paralisada em seu aperto.
— Eu não sabia.
— Para de brincar comigo, Dominic. O cacete que você não sabia.
— Engoli em seco para dizer as próximas palavras: — Essa é uma péssima
ideia porque corações machucados não sabem o querem.
— Eu não me importo.
— Não somos bons. — Senti sua respiração mais perto do meu
rosto. Estava pronta para despejar toda nossa merda no ar. — Cada loucura
dura o suficiente para nos manter sãos.
Dominic vacilou por segundos antes de falar:
— Lembra da nossa primeira festa no Instituto?
— Não.
Eu não queria relembrar o passado. Balancei a cabeça negando.
— Presta atenção — falou firme, então puxou os fios de cabelo da
minha nuca, e fez com que eu respirasse todo o ar que ele exalava. Puxando
minha cabeça, fazendo meus olhos prestarem atenção em cada maldita
palavra de sua boca. — Foi uma das noites mais insanas da minha vida. —
Sentia meu mundo girar com a lembrança. — Foi a nossa terceira aposta.
Eu nunca me esqueci, porque foi quando tive certeza que você estava por
trás de tudo. Sempre. Foi quando te vi e tive a certeza de que, o que
estivesse acontecendo naquele momento, era para sempre. A nossa loucura
era para sempre, e depois que entramos por aquela porta, nada seria igual.
Nosso mundo nunca seria igual ao dos outros.
Seus olhos eram fatais, me desafiavam a lembrar de coisas que eu
tinha guardado a sete chaves. Porque eram momentos, os melhores.
Guardei-os para manter minha sanidade a salvo, e eu não estava disposta a
lembrar com ele o que a gente tinha perdido.
Todo o clima agitado tinha ido embora, o sangue quente que corria
de raiva pela situação, agora corria em brasa pela proximidade.
Ele tinha avançado as barreiras.
— Desfaça esse noivado — sussurrei e meu coração quase saiu pela
boca quando seu hálito soprou meus lábios.
— Isso é impossível, bruxa.
— Dominic…
— Não — ele soou amargo. — É impossível te deixar ir embora,
você não entende?
Molhei meus lábios. Minha mente estava confusa, com raiva, mas
queria respostas, queria saber o porquê insistia nesse noivado, e ainda tinha
que lidar com meu corpo traidor querendo ceder.
Por um tempo fomos bons… Não, na realidade, éramos perfeitos
juntos. Onde um começava o outro terminava. Éramos uma extensão um do
outro. Até que um dia não fomos mais, e éramos egoístas demais para
deixar o outro ir. Eu era egoísta demais. Como um maldito cão que não
consegue largar o osso. Então começamos com os joguinhos mentais, o
partir de corações e feridas passadas sendo abertas cada vez mais.
— Pare. Eu preciso que paremos com isso.
— Eu não estou fazendo nada, amor. — Seus olhos brilharam em
malícia, e saltei para o lado. Sabia o que iria fazer. Mas ele avançou
novamente, entrando no meu espaço. Eu senti a mesa em meus quadris.
— Não… — Dominic ia jogar com a tensão, dispersar meus
sentidos e tentar jogar meu objetivo para longe, precisava me manter
afastada.
Pelo menos por ora, até eu ficar longe o suficiente.
— É humanamente impossível estar no mesmo cômodo que você e
não querer te tocar.
— Eu te odeio — disse entredentes, e ele apenas esticou seus lábios
fechados.
— Quantas maneiras você pensa em me matar antes de me querer
grudado em suas costas?
Dominic estava jogando baixo.
— Cala a boca.
Ele abriu um sorriso sem dentes e procurei seus olhos em completo
desespero, e encontrei tudo aquilo que me foi prometido um dia: a mais
bela e genuína raiva, misturado com toda dor que um dia sentimos.
Uma grande onda estava se formando, ameaçando destruir o
resquício de força que ainda tinha. Eu sabia que em algum momento tudo
viria à tona e teria que pôr todos os pingos nos is, e todo jogo doentio entre
nós teria um fim. Tínhamos contas demais em atraso, e talvez ainda não
estivesse pronta para pagá-las. Não sozinha.
Então riu amargo, sem humor, ele estava me provocando.
— Jogue comigo uma última vez, bruxa, e talvez a ideia de te
deixar em paz comece a parecer interessante.
— Não.
Mas ele não parou, continuou avançando. E sentia a mistura de
raiva com adrenalina, queria sair daqui, mas também queria enfrentá-lo.
Havia pura fúria entre nós.
— Dominic... — engoli em seco, tentando uma última vez.
Mas ele somente me olhou com aquele semblante fechado,
bloqueando tudo que eu estava procurando.
— Eu não posso fazer isso com a gente — uma tranquilidade
assustadora o embriagava.
— Isso não vai ficar assim — desafiei.
— Estou contando com isso.
Então, antes que eu percebesse, sinto minha mão sendo puxada
junto do meu corpo, e sou empurrada para o centro do quarto.
— Dominic — chamo, percebendo sua intenção. — Não se atreva.
— É como nos velhos tempos — disse loucamente e meu coração
saltou desesperado.
Merda.
Luto para tirar minha mão da dele, mas é tarde demais para isso
também, meu corpo está muito ciente do seu. Todos os meus sentidos são
nublados e nós estamos tão colados um no outro que sinto seu corpo
musculoso me enlaçando. Sinto minhas pernas fraquejarem e o ar sair com
dificuldade dos meus pulmões quando sua mão faz um caminho tortuoso de
conhecimento pelas minhas costas.
— O que está fazendo?
— Dançando com a minha noiva.
Ele estava louco.
— Pare com isso — ameacei e ele ignorou. — Não estamos noivos.
— Você tem bons meses para aceitar a coroa, bruxa.
— Eu não vou usar uma coroa — quis ser firme, mas tudo pareceu
doer fisicamente quando a frase teve um gosto amargo na minha língua.
Sua mão, que segurava meu cabelo com possessão, ficou firme,
trazendo minha atenção novamente.
— Um dia, quando parar de mentir, verá que um trono será a única
coisa que te restará.
— Você está louco.
Então, ele sorriu loucamente.
— Eu vou te perder de qualquer jeito, por que não me assegurar de
que você terá seu inferno para sempre?
Engoli em seco, o arrepio perpassando todo meu corpo.
A nossa ruína estava próxima, não aguentaríamos outra batalha.
Armaduras gastas nunca prometiam uma boa defesa.
Elas eram falhas. Meu celular tremeu no meu bolso e rangi os
dentes.
Então, eu jogaria. E, quando tudo terminasse, deixaria todos
destruídos.
QUENTE E FRIO

15º Academia Dell Marshall — Distrito da cidade de Bash


7 anos atrás

Andar sozinha à noite em um lugar escuro, cheio de folhas no chão,


com árvores a cada passo que dava, barulho de grilos no fundo, e somente a
lua como luz, poderia ser perturbador.
Mas me soava mais como solitário.
Isso.
Não encontrar ninguém estava me deixando louca. Não que eu
estivesse com medo de estar no escuro sozinha, o que não poderia negar
totalmente, só estava incomodada. Porque me sentia observada, embora não
houvesse qualquer evidência que confirmasse minha loucura.
Me separei das garotas assim que adentramos a mata, cada uma
com seu objetivo específico em mente. Não as julgava, cada uma tinha uma
maneira diferente de diversão. E a minha nessa noite era conseguir um
benefício concreto.
Então tinha que ser mais específica onde procurar.
O perímetro verde era vasto, grande demais para uma procura
arrastada por poucas pessoas, então eu previa que não estaria em qualquer
lugar.
E como a criatividade dos homens, às vezes, deve ser questionada,
fui para onde mais fazia sentido estar; debaixo de seus narizes.
Ouvi o estalar de galhos e a sensação de ver uma sombra me
assustou, me fazendo parar de súbito. Estava a poucos passos dos
dormitórios masculinos, e tinha um bom palpite de que alguma caixinha
estaria debaixo de suas gavetas. O que explicava, talvez, o mistério dos
vigias noturnos estarem ausentes, ou apenas em um lugar diferente naquela
noite.
Meu corpo entrou em modo alerta quando o barulho de folhas
chamou a minha atenção mais uma vez, meus músculos estavam tensos e
controlei minha respiração.
Se eu não estava louca, com certeza estava ficando paranoica.
Sentia que não estava sozinha. Esperei estática que alguém aparecesse ou
algo acontecesse, mas nada.
Nada.
Olhei ao meu redor em busca de algo atrás das árvores, mas em
segundos, quando, outra vez, ouvi o farfalhar de folhas perto demais de
mim, afastei os pés para trás em um modo de me afastar de algo invisível,
pisei em falso e a minha bunda foi ao chão no mesmo instante. Senti o meu
pé preso imediatamente e tateei rápido para encontrar o que estava
incomodando.
Uma corda estava enrolada no meu pé, prendendo-a. Minhas duas
pernas estavam presas.
Tinha caído em uma armadilha. Merda. Merda. Merda. Como?!
Fechei os olhos pensando no que tinha em mãos. Será que
conseguiria arrebentar a corda com as mãos? Tentei. Claro que não. Senti
minha mão queimar pela força e cheguei a quebrar uma unha. Merda duas
vezes. O laço nos meus pés estava forte. Que porcaria.
Como tinha esquecido dessa merda? Armadilhas filhas da puta.
Frustrada, tentei ser racional. Me desesperar não ia me ajudar, o que não
parecia que daria certo, pois aquele fiapo de medo tentava se entranhar por
trás da minha mente. Que falta um celular me faz. Não era permitido
eletrônicos no Instituto, e a maioria das pesquisas ou tarefas eram feitas
manualmente.
Fiquei em alerta quando passos foram ouvidos e uma sombra
masculina se fez presente. Não reconheci quem era, então paralisei meus
movimentos da mão e esperei que falasse algo.
Eu tinha em mente que era tudo um jogo, que ninguém
desconhecido estaria dentro dos limites do Instituto. E provavelmente seria
um dos batedores que rondavam durante à noite. Mas o desespero de ser
pega e não saber o que aconteceria criava cenários horríveis na minha
cabeça, e o medo novamente ameaçava me sufocar.
— Precisa de ajuda? — a voz era grossa e tentei identificar na
memória, mas meus sentidos estavam aflorados demais para tentar
reconhecer de primeira.
— Não. — Não queria que se aproximasse. No momento, eu queria
desatar os meus pés e sair correndo.
Acho que ouvi uma risada baixa. Estava rindo de mim? Isso era
ruim. Tinha sido pega.
O que não deveria parecer ruim, já que os joguinhos noturnos
deixavam muito explícito suas atividades, porém, naquele momento, estar
presa não me relaxava em nada e não deixava nada divertido.
Então, ele deu um passo saindo da sombra, deixando que a lua
iluminasse seu rosto, e reconheci quem estava diante de mim, e não sabia se
estava feliz ou triste.
Dominic estava diante de mim.
Era possível controlar emoções? Meu coração foi à boca.
Um agito de ansiedade me fez lembrar de ser cautelosa.
Espiei seu rosto, procurando seus próximos passos. Estava presa e
esse fato martelava alto na minha mente, o que me fez voltar a puxar a
corda, estava em um laço firme, e desconfiava que o meu nervosismo
estava prejudicando minhas habilidades.
Encarei seus olhos por longos segundos.
— Difícil?
— Eu dou conta.
— Não vai pedir ajuda?
— Não sou do tipo que pede ajuda.
Dominic me olhou curioso, mas não rebateu. E minha língua coçou
para deixá-lo me ajudar. Mas eu sabia como isso funcionava. O que me
fazia me questionar, não era isso que eu queria? Estava assustada.
Mas ele ficou me encarando nos próximos minutos enquanto lutava
com a corda. Sem falar nada. Sentia-me nervosa por estar sendo observada,
queria sair logo do chão. E o seu olhar pesado não ajudava em nada no meu
nervosismo.
— Até quando ficaremos aqui?
— Até quando eu conseguir desatar o nó. — Eu já estava ficando
irritada. Ouvi seus passos. — E agora você está na frente da luz. — Eu
também poderia estar ficando um pouco grossa.
— Eu sou bom com as mãos, sabe? Tiraria fácil essa corda do seu
pé.
— Não.
— E sou ótimo com cordas, posso até arriar uma égua em poucos
segundos. — Parei meus movimentos.
— Por acaso está me chamando de égua?
— Não — falou depressa e vislumbrei seus dentes brancos. — Só
estou tentando falar que as minhas habilidades com cordas são muito boas.
— Estou quase conseguindo. — Eu não estava conseguindo.
Ele esperou mais alguns minutos calado e eu machuquei minha mão
por mais algum tempo.
Dominic se remexeu inquieto novamente.
— Então, não vai pedir mesmo que eu te ajude?
Desisti.
— Eu sei como isso funciona, e eu não vou barganhar com você.
— Acho que você tem uma ideia errada sobre mim.
— Diga que quer somente tirar a corda do meu pé. — Dominic
ficou calado. Eu já estava ficando frustrada, se ele quisesse realmente me
ajudar, teria tirado a maldita corda do meu pé. — Viu? Eu conheço esses
joguinhos, e eles estão batidos.
— Então, por que está aqui, se acha esses joguinhos batidos?
— Porque estou realmente interessada em ter água quente por uma
noite.
— Só isso?
— Sim
— Justo. — Dominic se aproximou e se abaixou ficando na minha
altura, meu coração deu grandes saltos ornamentais e sei que meus olhos se
arregalaram quando os seus me encararam por alguns segundos. Era
verídico, eu estava nervosa e não sabia como agir. Minhas mãos coçaram e
fiquei tensa com a sua observação. Ansiedade revirava meu estômago. —
Tenho uma proposta.
— Não estou interessada.
— Tem medo de falhar?
— Eu não tenho medo de nada.
— Não quer nem ouvir? — Fiz pouco caso e remexi meus pés. —
Sei que já achou uma caixinha.
Arqueei as sobrancelhas.
— Oh, achou que ninguém perceberia?
Dei de ombros, não confirmando e nem negando. Vi novamente o
vislumbre de um sorriso.
— Vou te mostrar onde está a outra. — Encarei seu rosto,
desconfiada, e me senti presa por alguns segundos. — Mas terá que usar a
que tem. Você sabe, não quero ser injusto com os outros.
— Por que quer me ajudar?
— Banhos quentes são bons.
— E o que você ganha com isso?
Sorriu malicioso.
— Eu já disse, terá que usar a que tem.
— Eu não tenho nada comigo.
— Não? — Dominic aproximou nossos rostos e engoli em seco.
Respirava pela boca. — Então não se importa de eu conferir, certo?
— Você não vai tocar em mim — desafiei e vi seu sorriso aumentar.
— É claro que vou, você vai pedir.
— Sempre soube que os loucos estavam mais próximos do que
imaginávamos. — Um vento gélido soprou meus cabelos. — Eu não
preciso de ajuda.
— Mas eu quero te ajudar — sua voz soou intensa e os meus
pelinhos arrepiaram.
— Eu não.
Dominic grunhiu.
— Por Deus! — Não pude deixar de rir pelo nariz. Talvez eu possa
concordar com ele em algumas coisas. Relaxei a expressão. — Ok, vamos
fazer assim. Eu vou te soltar e contar até vinte e seis, e nesse tempo quero
que se esconda. Seja criativa — pontuou. — Se eu não te encontrar em uma
hora, você fica com a caixinha que está e deixo na sua cama amanhã cedo a
caixinha roxa. Mas se eu te encontrar, eu te falo onde a segunda caixinha
está e você tem que usar a que está com você.
Meus olhos brilharam. Um escape.
— Comigo.
Semicerrei os olhos. Eu poderia fazer isso, era o que eu queria,
certo?
— Por que até vinte e seis?
— É o meu número favorito.
Balancei a cabeça mordendo os lábios, Dominic estava muito perto,
sentia a sua respiração no meu rosto e o seu hálito tinha gosto de menta.
Não respondi, mas também não o proibi de desatar o nó da corda. Pareceu
tão fácil. Em nenhum momento senti o toque de suas mãos na minha pele.
— Consegue se levantar?
Balancei a cabeça passando as mãos na calça.
— Pronta? — sua voz soava divertida e passei alguns trajetos na
cabeça, tentando achar um bom lugar. — No três…
Mas eu não esperei ele começar a contar, saí do seu campo de visão
esperando ser mais ágil que verdadeiramente era.
Meu corpo se agitou e o frio na barriga se fez presente. Mesmo com
pressa, não deixei de ver e sentir o seu olhar pesado em mim.
Dominic iria me caçar.

Okay, talvez o meu melhor talento não seja correr. Apesar das
atividades físicas do Instituto, e ter uma média de boas notas altas, o quesito
físico deixava a desejar quando tinha que pôr à prova.
Os jogos de esquadrias às quintas eram exemplos vivos, pois
fazíamos uma série de atividades físicas em um perímetro quadricular de 20
mil metros e eu não era uma das primeiras a concluir as tarefas. Não que eu
me orgulhasse dessa parte, mas estava feliz com meu intelecto e sentia que
não seria relevante no meu futuro alguns tipos de esportes.
O que no momento era completamente irônico, eu precisar fugir e
essa agilidade não combinava comigo. Tendo então que optar pela
criatividade, já que assim eu seria mais útil. Pelo menos em parte, já que
meus objetivos de me esconder haviam mudado.
Eu pensei em desistir de me esconder, estava disposta a abandonar
o que nem tinha começado pelo simples fato de estar com medo. Era
estranho sentir adrenalina no sangue sem realmente precisar fazer algo
radical. Sentimento parecia algo perigoso.
Se antes eu estava obcecada sem nem mesmo ter um diálogo com
Dominic, e agora? Não confiava nas minhas emoções, e mantê-lo longe era
a melhor opção. Então, repeti que era apenas um joguinho irrelevante e que
não era nada de mais esse disparar de coração.
O que também não deu muito certo porque, quando estava a
caminho do meu quarto, desisti, e decidi que eu poderia seguir as minhas
emoções por esta noite e somente esta. Afinal, era somente uma noite, e eu
não teria outra chance de estar tão perto dele de novo.
Então, recostei-me no tronco, à espreita, pois o jeito era procurar
um lugar que me tirasse do seu campo imediato de visão.
Pensei em subir em um pinheiro por ser mais alto, mas eu teria que
ter o senso de humor muito grande para escalar a árvore em poucos
segundos. Então, eu estava completamente esticada e deitada em cima de
um dos troncos de uma árvore grande e cheia que encontrei a poucos
metros, ela se entrelaçava com outras que tinham galhos mais finos, mas as
suas várias ramificações de troncos grossos e cheios de folhas me deram
segurança para tentar me camuflar nela.
Tentava ficar o mais parada possível, querendo prender a respiração
para não denunciar a minha presença. Evitei a todo custo olhar para baixo,
era alto demais.
Enquanto imaginava em que momento aprendi a escalar uma
árvore, a rigidez tomou meu corpo ao me atentar no som de passos
quebrando galhos no chão. Fiquei rígida ao ouvi-los arrastando a terra. Eu
não tinha certeza, mas achava que haviam se passado eternos trinta minutos.
Soltei o ar pela boca.
Era um sentimento estranho, toda essa expectativa de querer ser
encontrada, mas, ao mesmo tempo, não querer ser pega. Ansiedade zumbia
meus ouvidos, deixando que o meu coração fosse ouvido em todo meu
corpo. Os meus sentidos estavam aflorados, conseguia sentir o vento gélido
que soprava por cada fio do meu corpo e tudo parecia mais intenso. Até a
noite pareceu mais escura e a lua mais brilhante daqui de cima, ela estava
tão perto, como se eu pudesse tocá-la e guardá-la somente para mim.
Fechei os olhos por alguns segundos, tentando manter o equilíbrio
que o meu coração descontrolado não tinha.
Estava sendo caçada, meus pelinhos se arrepiaram e uma ânsia
gostosa preencheu meu íntimo.
Não queria pensar em como vim parar nessa situação, nem no que
isso implicava. Porque todo o sentimento da espera, do desconhecido, da
incerteza… Chegava a ser excitante. Mordi meus lábios tentando controlar
minhas mãos.
Eu odiava esperar, mas esperar por Dominic parecia valer a pena.
Ouvi mais passos e uma voz soprou um pouco longe, mas ainda
assim audível. Relembrei todo meu corpo de não se mexer.
— Eu sei que está por aqui. — Os passos se arrastaram e parei um
pouco de respirar. Queria vê-lo. — Quero te dizer que te dei mais de vinte e
seis segundos — riu sozinho. — Fiquei feliz por não ter te encontrado em
nenhum dormitório. — O barulho de folhas cessou. — Porque eu fui até lá.
Estava de bruços no tronco, então inclinei minha cabeça um pouco.
Dominic ainda não estava no meu campo de visão.
— O que significava que você estava aqui fora, e isso me animou…
— continuou falando e revirei os olhos. Sua voz estava mais próxima, mas
ainda não conseguia vê-lo, e tinha receio de me inclinar mais e ser vista, ou
até mesmo cair. — Saber que você poderia estar em qualquer lugar, e isso
me soava instigante, na companhia do escuro e ninguém mais por perto —
soou provocativo e sabia que ele tinha se aproximado, sua voz estava mais
clara. Era quase como se estivesse do meu lado. Dominic devia estar
debaixo da árvore onde estava.
— Isso soa bom para você também, Augusta? — Não sabia que o
meu nome poderia soar tão bem, era quase melódico saindo de sua boca. —
Porque, para falar a verdade… — Fiquei mais estática do que já estava e
quis arrancar meus próprios lábios por saber que um sorriso estava
crescendo. Meu coração estava disparado de ansiedade e queria realmente
saltar da árvore e acabar com essa aflição. — Para falar a verdade, me soa
mais como quente olhando daqui. — Meu coração parou ao ouvir a sua voz
perto demais de mim, virei o rosto como reflexo e quis lhe socar a cara pelo
susto. Me remexi rapidamente, sentando no tronco.
Dominic estava atrás de mim, sentado no tronco do meio da mesma
árvore que eu estava.
— Puta que pariu. Quer me matar?
Estalou a língua.
— Você estava concentrada demais no barulho dos meus pés.
Meu coração ainda estava acelerado pelo susto e sabia que estava
longe de acalmar quando Dominic se mexeu e sentou no mesmo tronco que
eu estava. Estávamos montados nele, um de frente para o outro, e mordi os
lábios quando nossas pernas encostaram. Minhas emoções se misturaram
em um bolo colorido, o susto se transformando em excitação.
Encarei suas infinitas íris e elas me presentearam com calor. E já
não sentia mais necessidade de esfregar as mãos para afastar o frio.
Soltei a respiração pela boca. Ansiedade me cutucando. Queria
chegar mais perto dele, então reuni coragem suficiente para arrastar minha
bunda e colocar as minhas pernas por cima das dele. Dominic segurou
minhas mãos, cruzando nossos dedos, e colocou-as no meu colo. Eu
gostaria que ele falasse meu nome novamente.
— Você queria ser encontrada?
— Eu queria ser encontrada — soltei em suspiros, satisfeita em
falar o que estava me atormentando nos últimos minutos.
Dominic sorriu, agora muito perto do meu rosto, podia sentir a sua
respiração se mesclando com a minha. Será que as batidas do meu coração
eram audíveis? Eu as ouvia fortemente em meus tímpanos.
Sem desgrudar nossas mãos, ele roçou seu nariz no meu, e as
malditas borboletas voaram sem a minha permissão. Seu toque em meu
rosto era delicado e fechei os olhos automaticamente. Estava sendo levada
por ele, não sentia somente meus pés flutuando, mas todo o meu corpo. Eu
queria que Dominic me beijasse. Queria me afundar em seu perfume
inebriante e abraçá-lo como nunca quis. Era diferente, a maldita expectativa
me causava pensamentos ansiosos e toda a minha pele o chamava. Queria
ser tocada por suas mãos.
— Pronta para procurar seu tesouro? — sussurrou e fiquei um
pouco frustrada pela quebra do momento.
— O que tem em mente? — Abri os olhos e Dominic estava
concentrado no meu rosto. Tinha um leve sorriso nos lábios e eu
desconfiava que a minha voz não tinha saído mais animada.
— Eu tenho uma ideia. — Seus olhos brilharam em malícia e algo
no meu ventre se remexeu.

— Definitivamente, não. — Ouvi a minha voz soar alta demais. —


Eu não vou vendar os meus olhos, nem ferrando!
Dominic tinha me levado para o dormitório masculino, não tinha
certeza se era aqui que ele dormia, mas tinha um palpite que sim. O
ambiente estava claro, tinha o seu cheiro, havia três camas de solteiro
bagunçadas, um armário bege, prateleiras com objetos e livros, uma
pequena janela de vidro, duas caixas encostadas na parede e uma cadeira
giratória. Era um pouco diferente do quarto que estive com as meninas.
Dominic realmente tinha cumprindo sua parte e falado onde eu
poderia encontrar a segunda caixinha, mas o idiota só não disse onde
realmente estava. O que fazia parte do seu plano para essa noite. A sua
brilhante ideia estava em me vendar enquanto eu tateava em busca do
objeto desejado.
Ele suavizou sua expressão e tombou a cabeça para o lado, me
observando. Ainda estávamos de mãos dadas e isso não passou
despercebido pelo meu coração acelerado. Nem o fato de que a sua atenção
era somente minha em todos os momentos que caminhamos até aqui.
— Vai ser divertido, relaxa. Não vou deixar nada te acontecer. Vou
estar o tempo todo aqui.
— Não estou confiante nessa ideia, na verdade, acho ela um pouco
idiota.
Não pude deixar de rir e Dominic me acompanhou.
— Tente. Não vai se arrepender.
Suspirei. Não queria parecer ranzinza, então… Como o velho
ditado… Está na chuva, é para se molhar.
— Eu realmente espero não me arrepender. — Fechei os olhos
depois de dar uma rápida olhada pelo pequeno cômodo.
Ele tampou os meus olhos e senti-me atordoada por alguns
segundos. Eu estava mesmo sendo vendada por Dominic em seu quarto.
Respirei fundo e mordi a língua. Isso podia dar tão errado, e se alguém
entrasse e me visse assim? Uma coisa era estar lá fora, além do horário,
onde poderia esconder ou pensar em uma fuga. E, aqui, onde a explicação
para uma presença feminina às duas da manhã, na ala masculina, não tinha
nenhuma desculpa?
Meu coração estava acelerado e todo meu corpo entrou em alerta.
Fiquei um pouco rígida por ter que contar com o meu sentido auditivo e
comecei a ouvir a minha respiração pesada.
Por um momento, não ouvi nenhum passo perto de mim e parecia
estar sozinha, a única confirmação que ainda tinha companhia era o seu
perfume amadeirado em todo quarto. Dominic tinha mesmo o dom de
camuflar a sua presença. Ainda pensava em como não tinha o ouvido subir
na árvore em que eu estava.
Comecei a dar passos cautelosos pelo cômodo, e bati o pé em algo
duro.
— Achei que ia estar perto.
— Eu estou — sua voz soou muito perto e não soube dizer se isso
era bom ou ruim. Eu estava à sua mercê e o sentimento de entrega me dava
boas-vindas.
Sem medo, fui caçando às cegas, não tinha uma imagem gravada na
memória do lugar, mas me arrisquei, enfiando a minha mão no que sentia.
Em determinado momento, comecei a sentir sua presença nas
minhas costas, e minha espinha arrepiou no instante em que sua respiração
bateu em meu pescoço. Meu coração nesse momento já tinha vida própria,
caminhava sozinho em seu próprio ritmo. Fiquei surpresa por ele não ter
pulado da minha boca.
Passaram-se alguns minutos e a minha procura foi inútil. Sentia-me
perdida em um espaço desconhecido, tinha zero chances de eu encontrar
algo com os olhos vendados.
— Isso não é justo — bufei, já um pouco irritada. — Estou pior que
barata tonta.
Acho que estava mais concentrada em onde ele estava do que
realmente onde o objeto deveria estar.
Dei dois passos para direita.
— Frio.
Continuei indo para direita, parecia ter uma cama, toquei em algo
macio.
— Você vai congelar.
— Eu gosto do frio.
— Você se estressa rápido.
Revirei os olhos com sua alfinetada.
Dei passos cautelosos para a esquerda.
— Morno.
Continuei reto topando, acho, em prateleiras.
— Morno, quase frio.
Virei-me, voltando para esquerda.
— Morno quase quente.
Segui reto, indo onde sua voz ecoava.
— Está ficando quente.
Sua voz estava próxima e continuei com passos lentos e incertos,
com medo de topar em algo.
— Quente.
Sua voz estava muito perto e pelo tato, senti que Dominic estava na
minha frente.
— Parece que as coisas vão esquentar.
Arqueei as sobrancelhas e toquei no que parecia ser seus ombros.
Desci o toque pelo seu torso e senti sua respiração no meu rosto.
— Muito quente — soprou.
Passei a mão por Dominic, em sua lateral, seus braços, bíceps,
coluna, e quando desci para sua barriga senti algo. Enrolei sua blusa em
minhas mãos, puxando para cima, e algo caiu no chão quando toquei sua
pele.
Parei meus movimentos.
Senti nossas respirações lutarem por espaço.
Receosa, tirei a venda e, ao contrário do ambiente claro que deixei
quando entrei, estava totalmente escuro.
— Não achei justo você ficar no escuro sozinha.
Tentei tirar minhas mãos da sua pele, mas as suas me seguraram.
Encarei seus olhos e eles me chamaram. A lua estava refletindo pela janela.
— Por que demorou tanto? — Abri a boca para lhe responder, mas
a sua proximidade me calou. O seu perfume me engolia, e o meu corpo
estava ciente demais do seu. Mordi os lábios.
— Por que você demorou tanto?
Ele sorriu e eu achei isso lindo.
O sorriso de Dominic era lindo.
Seus braços serpentearam minhas costas, me aconchegando em um
abraço acolhedor. Era gostoso tê-los em mim.
— E agora?
Meu coração saltava disparado no meu peito. E a cada sinal de sua
mão, sentia-me mais ansiosa.
— E agora? — sussurrei, seu rosto estava cada vez mais perto. —
Agora…
Dominic roçou nossos narizes.
— Sim… — sua respiração era rápida como a minha.
— Agora quero muito te beijar.
Senti seu sorriso em minha pele.
— E por que não beija? — Ele soltou uma risadinha e senti sua
respiração pesada. Eu estava ansiosa por isso.
— Quando estivermos só nós dois não haverá jogos, tá?
— Tá — disse com pressa e Dominic soltou uma risada gostosa. —
Agora me beije logo, se não vou morrer de ansiedade.
Ele soltou outra risadinha antes da sua mão entrar no meu cabelo e
todo meu corpo se acender de vez.
— Sua ordem é meu melhor prazer, Augusta.
Então Dominic me beijou, e soube que ali estávamos arruinados.
O PIOR PRA ELA

— É serio isso, porra? Vocês não têm outro lugar para fornicar a
não ser no meu apartamento?
Ouço murmúrios em meus ouvidos e abro os olhos, dando de cara
com Zaki McCall com uma colher na mão, levantando uma calcinha fio
dental na cor vermelha na frente do meu rosto. Bocejo, não entendendo
nada do que foi dito.
— Fornicar? De onde saiu isso? — bocejei novamente, abrindo os
olhos
— Isso é fetiche? — reclamou de novo e me espreguicei no sofá,
procurando pelo meu celular.
— O quê?
Ele bufou e eu franzi o cenho, não entendendo o porquê da
irritação. Olho a tela do celular vendo que estou quinze minutos atrasado,
meu avô iria me matar. Odiava perder a hora. Comecei a fazer a rota
mentalmente até a mansão, com sorte teria um copo de café me esperando.
— Incrível o poder de uma boceta — ralhou e empurrei sua mão
para longe de mim, me sentando.
— Cala a boca, estamos atrasados. O trânsito deve estar uma merda.
— Atrasado pra onde?!
— Porra, pra onde? Bebeu? Eu que estou com delay e você que não
sabe que tenho que me encontrar com meu avô às seis?
Zaki tombou a cabeça para o lado e abriu a boca rindo da minha
cara. Mostrei-lhe o dedo do meio.
— Cara, que porra aconteceu com a sua mente? Que viagem louca é
essa?
Levantei o dedo médio da outra mão.
— Hoje é sábado, e pelo que me lembre, suas responsabilidades
terminaram há duas horas.
Peguei o celular novamente, notando que tinha olhado errado as
horas, e que não eram seis da manhã, mas sim seis da tarde. Porra. Desde
que voltei a morar com meu avô, ele estava se esforçando bem para
preencher todo o meu tempo livre, deixando somente que a função respirar
sobrepusesse na minha cabeça fodida.
Bem no estilo velho rabugento de ser.
Bufei, voltando a me deitar no sofá. Tinha perdido o treino também,
puta merda. Eu nunca faltava a nenhum treino. Balancei a cabeça. Tinha
valido a pena. Sorri vitorioso. Meu ego agradecia pela noite passada. Me
lembrei dos seus lábios carnudos ao redor do meu pau. Ela era perfeita de
todas as formas.
Tentei me lembrar se tinha anotado o número que peguei no seu
telefone quando ainda dormia.
— Dominic está sorrindo, iihh.
— Vai se foder! — Fechei os olhos, me lembrando o que tinha para
fazer hoje. — Por que me acordou?
— Cara, sério? Eu desisto. Porra!
— Se não me acordou de manhã que era extremamente necessário,
por que agora à noite eu teria algo importante para ir? Nunca marco
compromisso pra noite.
— É definitivo, mulher faz mal à sua mente!
— Cara, vai se foder.
Estava longe de ficar irritado, mas minha paciência não era muito
longa. Não para isso.
— Primeiro, eu tinha que te acordar porque aqui não é a sua casa, e
você tem que ir embora em algum momento. — Revirei os olhos. Como se
isso fosse verdade. — E segundo, não temos cabelos castanhos, mas você
também tem um compromisso com seus brothers, e temos que compartilhar
as novas.
Isso significava beber e encher o saco um do outro até o dono do
lugar nos expulsar. Franzi o cenho. Eu não tinha nada de novo na minha
vida, que merda eles inventaram agora? Dei de ombros, avisando que tinha
que ir em casa.
Distrações caíam bem no momento, mas tinha que passar na casa do
meu avô de qualquer maneira. Precisava contar a ele o que tinha
descoberto. Agora, eu tinha um número para ir atrás. Dois, na verdade.
Enquanto procurava minhas chaves e carteira pelo apartamento,
sentia o olhar curioso de Zaki.
Bufei.
— O que foi dessa vez?
— Cara, você tá bem!?
— Por que eu não estaria? — Franzi o cenho.
— Porque você está… Tipo noivo?
Ah! Isso. Augusta. Merda. Agora faz sentido a sua esquisitice. Eu
sabia que tudo mudaria, que as perguntas viriam e rostos de desconfianças
seriam frequentes. Eu estava preparado para isso, e pretendia contar de
alguma forma, não tudo, mas o suficiente. Ele entenderia.
Mas, por enquanto, fiz pouco caso.
— O que tem?
— O que tem? Cara, depois de quinta-feira você sumiu, não deu
mais notícias, e depois te encontro no meu apartamento às cinco da tarde
dormindo e fedendo a sexo. Cara, se os papéis aqui estiverem invertidos,
você tem que me avisar, só um de nós pode sofrer.
Bati a mão na testa. Era só o que me faltava. Os papéis não tinham
sido invertidos, seu caso era muito diferente do meu. Zaki não sofria de
amor, ele sofria porque não deixavam ele viver o amor, a princesinha
intocável que ele desejava nunca estaria ao seu alcance. Pelo menos, não
enquanto sua família a protegesse.
Me solidarizei com seu sofrimento. Balancei a cabeça, decidindo
que tinha que tomar um banho antes de sair.
— Cadê eles?
— No saguão, esperando o princeso.
Me apressei no banheiro para encontrar meus amigos.
— Por que Zaki está com cara de bunda? — Chris quis saber assim
que sentamos os quatro no bar.
— Porque não liberei informação da sua amada — diverti-me,
provando o novo whisky que tinham trazido especialmente para mim,
segundo os irmãos Nkosi. O gosto do álcool era mais suave.
— Zaki não desencanou até hoje? Achei que isso era assunto
passado. — Chuck batucou os dedos na mesa. — Uma obsessão assim não
é saudável, irmão.
— Não com alguém que não pode ter — pontuei.
— Você poderia me ajudar! — bradou novamente, repetindo o
mesmo repertório de sempre desde que viu a joia escondida dos Vendettas.
— Está sempre em sua casa.
— Eu não me meto com as irmãs, uma por si só me dá bastante
trabalho — Dei de ombros.
— Poderia me dar dicas de como conquistar Marllon Vendetta,
então — idealizou, como se fosse a melhor ideia do mundo. — O pai dela te
adora!
— E vai deixar de me adorar quando souber que estou apoiando
isso.
— E não está?
— Depende de quanto isso irá me beneficiar.
Zaki revirou os olhos e eu sorri satisfeito.
— Poderia falar com Augusta, aposto que ela adoraria saber que
você quer foder sua irmã mais nova — Chris gargalhou alto, zombando da
própria fala. Tive que acompanhar, porque era a hipótese mais fodida que já
tinha ouvido até agora.
Zaki fez uma careta.
— Não é bem assim.
— Você poderia tentar, eu acho uma boa ideia — sugeri e Zaki me
olhou horrorizado, como se doesse uma parte do próprio corpo.
Provavelmente doeria se ela descobrisse.
— Você acha que sou doido? — bufou alto e coçou a cabeça. —
Sinto calafrios só de pensar em Augusta descobrindo uma coisa dessas.
— Pense que se passar por ela, conseguira conquistar Marllon —
Chris disse como se realmente fosse uma hipótese boa e balancei a cabeça
— Ele tem razão, passe pela irmã do meio e o caminho estará livre.
— Eu não acredito que isso realmente é uma possibilidade. —
Chuck fez uma careta nada feliz. — Você irá morrer, meu amigo, desista
enquanto ainda dá tempo. Nada de mexer com o Cristal.
— Obrigado pelo incentivo — murmurou Zaki sem ânimo nenhum.
Mas logo revirou os olhos bufando alto, como se descartasse todas as ideias
de sua mente, então nos encarou firme e apontou o dedo para ninguém em
específico: — Um dia eu me sentarei junto com Dominic na mesa dos
Vendettas, aí saberão que venci na vida!
Revirei os olhos e imaginei a cena.
— Quando isso acontecer, eu não estarei do seu lado, amigo, será
você contra Marllon. Não me peça ajuda em momento nenhum.
— Você é um grande amigo, cara — debochou e dei de ombros.
— Cada um tem a cadeira que merece.
— No caso, a sua não é uma cadeira, é um trono, mané — Chris
zombou, rindo abertamente, e sorri sem mostrar os dentes.
— Bom, é o que esperamos até o fim do ano. — Tentei não pensar
em toda burocracia que teria que desenrolar até a coroação chegar. Revirei
os olhos internamente. Que merda de monarquia.
— Mas agora não é só marcar a data da cerimônia? — Chuck
perguntou sério.
— Augusta ainda precisa assinar o contrato nupcial.
Os rostos dos meus amigos se estreitaram em uma careta.
— Bom, cara, agora eu que te desejo boa-sorte — Zaki devolveu o
sorriso maldoso. — Eu realmente não queria estar na sua pele.
Revirei os olhos, não querendo pensar nela naquele momento.
— Entretanto, estamos aqui para comemorar
— De novo — Chris riu da piada interna e revirei os olhos.
— Esperamos que seja o seu último noivado, pois não beberemos
como da primeira vez, cara.
Bem, isso era o que íamos ver.
Os grandes pinheiros na entrada da mansão eram famosos por
chamarem atenção em alguns pontos da cidade.
Lembro-me bem quando cheguei nesse mundo, tinha perdido a
minha mãe e a responsabilidade pesou como nunca, pois eu só não tinha um
irmão para cuidar. Eu tinha uma posição a zelar.
Parei o carro em qualquer lugar do jardim e subi depressa as
escadas que levavam à entrada da mansão. Tinha escurecido, então já
conseguia ver o chafariz e o gramado longo bem iluminado que regava a
entrada.
Subi às pressas para chegar logo ao meu quarto.
A casa estava silenciosa, e culpei isso por já ser noite. A mansão era
diurna, todas as suas atividades se davam com a clareza do sol, pois
nenhuma das duas pessoas que moravam nessa casa se davam bem com o
anoitecer. Grunhi. Eu deveria ter estado aqui mais cedo, deveria não ter me
arriscado mais uma vez. Mas, às vezes, a mente não tem o controle de tudo.
E eu precisava vê-la.
Parei em frente à porta aberta, com o coração apertado, vendo
Damian arrastar os dedos pelas teclas do piano, fazendo sons distintos e
sem sentido, mas com um grande sorriso no rosto. Imaginava que ele estaria
em seu quarto, não tão ativo como agora. Me repreendi. Ele estava me
esperando. Tentei não ficar tão culpado por não dar toda a atenção que ele
merecia.
Damian sempre sorria, e gostava de observá-lo às vezes na tentativa
falha da sua inocente alegria me contagiar.
— Olha ele, a responsabilidade bateu na porta — a voz rouca do
meu avô cortou o silêncio e Damian notou nós dois. Ele levantou as mãos
me chamando e fiz um gesto de espera com as minhas, mostrando que iria
até ele em breve. Ele sorriu e mostrou-me o piano.
— Eu não fui embora. — Dei-lhe as costas indo para o meu antigo
quarto, que tinha voltado a habitar recentemente. Podia ter ido morar em
um dos apartamentos no centro da cidade, mas parecia errado voltar a
morar sozinho.
— Pensei que não ia dar conta do recado. — Tranquei a mandíbula
e ele continuou: — Posso falar que fiquei surpreso por todos os talheres na
mesa terem ficado intactos?
Comecei a desabotoar a camisa, não querendo pensar na noite de
quarta.
— Eu dou conta do recado.
— É o que veremos, você sabe que Augusta tem tendências a
atitudes radicais
— Eu. Dou. Conta. Do. Recado.
Odiava que falassem dela, seja uma vírgula sequer, ela era problema
meu e ninguém tinha o direito de intervir. Não se eu não quisesse.
Com passos devagar, meu avô sentou na beirada da cama, e
observou enquanto eu me livrava das roupas e ia para o banho.
Eu tinha uma boa relação com Frederico, ele e Damian eram a
minha única família. A mudança foi boa para mim, novos ares, novas
distrações, novos ciclos de amizade… Eu era grato por tudo o que ele tinha
feito por nós, principalmente por Damian, já que todo o cuidado e atenção
com ele era pouco.
Mas tudo parecia ruim nos últimos anos, tudo que eu amava e tinha
aprendido a gostar estava cobrando um lado meu que não tinha certeza se
ainda estava vivo.
Eu amava meu avô, ele me ensinou tudo que eu precisava para
sobreviver, mas sentia que dessa vez eu não poderia lhe dar o que ele pedia.
Tudo tinha mudado.
Quando voltei do banho, ele ainda estava sentado na minha cama
me esperando. Senti um aperto no peito por ter sido rude, mas não podia ser
menos do que isso quando se tratava dela.
— Se quiser conversar ainda consigo pensar racionalmente, estou
velho, mas minha memória é boa.
Eu sabia que era, Frederico Clifford era o que chamávamos de vaso
ruim não quebra nunca. Me arrastei para o closet, me vestindo para não
precisar olhar para ele.
— Não quero conversar, este noivado é só a ponta do iceberg.
Temos que temer os próximos dias. Preciso de planos, Augusta não vai
aceitá-lo tão fácil assim, eu a conheço.
— E o que pretende fazer para convencê-la? — perguntou curioso,
com os olhos baixos e cansados pela idade. Suas íris eram tão pretas quanto
as minhas.
Fiquei em silêncio, sem querer revelar nada. Meu avô desistiu
rápido, sabendo que não ia conseguir nada de mim.
— Conseguiu a resposta que queria? — mudou a pergunta e o olhei,
cerrando os olhos.
— Sim, o noivado foi a confirmação. Gonzales veio falar comigo
novamente sobre escolher outra pessoa para me casar e sua cara não foi das
melhores quando Martinez anunciou.
— Então, está mesmo disposto a mexer com o G5 — constatou o
fato que eu batia na tecla há meses.
— Alguém terá que falar uma hora ou outra, mentiras não duram
tanto assim — fui rude e não me senti culpado pelo tom de voz usado. Meu
avô firmou os olhos em mim. Era uma ordem.
— Marllon Vendetta está próximo, não podemos perder essa
oportunidade. Ele e a filha escondem coisas, você sabe. Não tente protegê-
la. Ela não teve consideração quando te expulsou da vida dela
Travei o maxilar, a raiva querendo se fazer presente em cada poro
do meu corpo.
— Acha que ele sabe quem é o ceifador?
— Tem boas chances dos dois saberem, o pai e a filha. Mas são só
hipóteses. — Sua voz era ácida. — Temos que trabalhar com tudo se
quisermos dar fim a uma maldição.
Engoli em seco, fatigado com toda a situação. Eu odiava meu
sobrenome e o estrago que ele tinha causado em minha vida.
— Eu sempre gostei da sua determinação, Dominic, isso sempre me
deixou satisfeito — meu avô divagou antes de me olhar com seus olhos
fundos. — A sua garra me fez querer te dar muito mais do que dava conta
naquela época, porque sabia que não importava o desafio, você ia passar, ia
derrubar e saltar até chegar aos seus objetivos. Eu nunca errei nesse quesito,
você deu conta do recado. — Sua voz ficou mais rouca pelo esforço, e
aguardei paciente suas próximas palavras.
No início, foram anos doloridos, fui ao meu máximo e nunca pensei
que poderia ficar tão satisfeito com meu resultado. Testar meus limites
nunca foi tão satisfatório.
— Mas agora é diferente — ele falou mais baixo, e comecei a
interromper a sua fala, não querendo ouvir as próximas palavras. — Não,
deixa eu falar — me calou. — Agora é diferente, seus limites mudaram e
temo pelo resultado final. Estou velho, mas eu me lembro de tudo,
Dominic, sei que isso vai mexer com você, e quero que me diga quando não
der mais conta. Porque eu não vou parar. Não agora.
Os últimos meses passaram como um borrão na minha mente e a
mais genuína raiva me transpassou. Eu iria até o fim. Não me arriscar não
era uma opção.
— Ela merece isso, e vou dar o meu melhor para o pior acontecer.
ALINHAMENTOS

— Resolveu sair do esconderijo? — fui saudada pelo meu pai ao


entrar na sala presidencial. Bradou divertido: — Finalmente.
— Precisamos conversar!
— Demorou quatro dias para decidir isso? Está ficando lenta, filha.
— Preciso de respostas claras. — Sentei-me na cadeira em frente à
sua mesa e meu pai cruzou as mãos sobre o colo, esperando.
Suspirei alto.
— Por que deixou Dominic anunciar o noivado? — uma pergunta
idiota, sabendo exatamente o que viria em resposta. Mas eu tinha que fazer,
ainda me sentia enganada e traída. Mesmo com a plena noção do peso da
soberba em nosso meio, estava com o orgulho ferido. — Eu sei que sabia,
por que não me contou?
Quando o senhor Clifford e o meu pai sentaram para conversar
naquela noite, os objetivos finais de ambas as partes ficaram muito claros, e
por isso eu disse não tantas vezes. Eu soube que ali o meu fim estava
próximo, e as chances de escapar de um futuro planejado eram mínimas.
A união das nossas famílias foi idealizada alguns anos atrás, quando
tudo ainda era bom. Quando ainda não sabíamos que um coração era capaz
de se partir em tantos pedaços.
E a nossa ruína deveria ter sido o fim do acordo.
Eu deveria ter me casado com Dominic em algum momento, mas
mesmo que concordasse com a união na época, mexer com o sobrenome
Clifford tinha uma pequena burocracia. Porque o casamento ainda dependia
de uma aceitação geral dos Chefft, éramos uma sociedade de membros, e
não bastavam apenas duas famílias quererem.
O acordo tinha que estar na mesa, onde todos opinariam e
ofereceriam o seu melhor produto. Então, tivemos que esperar, e estava
tudo bem, éramos um casal de objetivos iguais e Dominic tinha bons
argumentos, esperaríamos a oportunidade perfeita.
Mas a espera não aconteceu como planejamos, porque nos
separamos e eu desisti.
— Para você fugir? Eu conheço a filha que tenho.
Cerrei os olhos, fuzilando o CEO da maior empresa de petróleos do
país, que não se importava em jogar a filha para os lobos.
— Acha que vou estar protegida assim? Sendo uma Clifford? —
ataquei, decepcionada.
— Eu preciso que você seja rainha.
— Eu não preciso da proteção Clifford — rosnei e Marllon
Vendetta não se abalou. Era isso que ele estava fazendo ao concordar com o
casamento. Me protegendo das minhas merdas.
— Eu não me importo com o que você acha — disse rude e senti o
meu coração partir.
— Você ficou louco depois que descobriu sobre a noite do incêndio,
está louco igual Dominic. Não sei qual de vocês é pior! — E eu odiava
como ele tinha descoberto o meu segredo há alguns meses. Odiava
amargamente.
— Espero que Dominic descubra e te faça parar — ameaçou sem
um pingo de culpa e eu sabia que ele desejava isso.
— Eu não vou parar, eu só preciso que o senhor não arranje
casamentos com pessoas que me odeiam e me dê as respostas que
prometeu.
Uma gargalhada cruel soou de sua boca.
— Casar com Dominic pode te ajudar a conseguir respostas.
— Você não está me ajudando, pai. — Meu coração sangrou.
— Eu nunca disse que iria, eu só te protejo, essa é a minha função
no jogo. Avisei a você quando voltou para casa e decidiu virar as costas
para Dominic. E, bem, esse é o melhor caminho que acho que deva tomar.
Bufei de raiva e meu pai me analisou em silêncio, seus olhos claros
tão parecidos com os de Ella, a minha irmã mais nova que tinha herdado
toda a genética do meu pai. Cabelos claros, o corpo esguio, os lábios mais
rosados e um tom de pele mais claro. Apesar de que os nossos tons se
misturavam facilmente.
Tudo em mim queimou de raiva. Me sentia uma garotinha
impotente em suas mãos ainda.
— Eu não posso me casar com Dominic — sussurrei como um
mantra. Era perigoso demais e ele sabia disso. — Não pode usar o meu
desejo contra mim.
— Eu posso quando você está em perigo, brincando de ser
ameaçada. Não vou te assistir morrer, filha.
O olhei decepcionada.
— Você nunca me disse que eu teria que pagar para saber onde está
a localização da mina.
— Casar-se com Dominic não é um pagamento, é um benefício.
Casar com ele era muito mais do que estar perto de todas as
mentiras que contei e não poder revelar. É imaginar todas as vezes o quão
partido ficaria ao descobrir que a mulher que já amou, fez o pior que podia
quando tudo desmoronou.
— E você pode jogar a culpa em mim quando o ceifador vier cobrar
a sua dívida. Eu não me importo com aquele merda.
Fiquei em silêncio, engolindo em seco. Tomar as minhas dores foi a
primeira missão de Marllon Vendetta, depois, garantir a sua morte.
A chateação me saudou.
— Eu não posso ser noiva de Dominic Clifford — disse firme e ele
sabia que eu não estava falando sobre negócios. — Se a sua função é me
proteger, por que atrapalhar, concordando com Dominic?
— Você não está sendo inteligente achando que consegue fazer as
coisas sozinha. E ter a ameaça de um casamento vai te manter entretida até
o rito.
— Eu sobrevivi aos últimos meses, não foi?
— Sorte.
— E agora quer me enfiar em um casamento porque acha que estou
em perigo.
— Eu acho que não sabe a profundidade do buraco que se meteu —
atacou. — Você não quer se meter com o passado, Augusta, e tem alguns
limites que não pode cruzar.
— Você me apresentou o passado, estou só seguindo o meu papel
— acusei de volta e ele se calou. Engoli em seco, odiava estar nessa posição
com o meu próprio pai.
Depois de um tempo, seus olhos castanhos suavizaram.
— Você sabe que o Dom não se casaria com outra pessoa, e quando
ele propôs, eu não tive poder para recusar.
Engoli em seco. Eu sabia. Meu pai respirou pesado e me olhou
sério.
— E tem mais uma coisa
Esperei o golpe final, que tinha certeza que ele ia dar.
— Dominic está investigando novamente; ele sabe que há algo. Ele
está trabalhando com um investigador. E tenho minhas suspeitas que o
Clifford mais velho está o apoiando dessa vez.
Prendi a respiração por alguns segundos, na esperança de ser um
golpe contra mim, na esperança de ouvir que também havia alguma
possibilidade de não ser sobre a maldita noite do incêndio.
— Ele não parou de procurar, Augusta, Dominic só mudou de
investigador. Ele ainda procura o que você esconde. O que nós escondemos.
Droga, Dominic.
— Ele não faria isso. Ele não pode fazer isso, eu saberia. Estou
observando ele.
Fechei os olhos, de repente, senti meu coração sangrando.
— Como sabe disso?
— Homens falam. — Eu odiava homens. — E tenho bons ouvidos.
— E quem é?
— Está interessada?
Semicerrei os olhos, nada feliz com sua jogada. Às vezes, odiava
que ele jogasse comigo e me tirasse do meu lugar.
— Prossiga com o noivado, descubra quem é o investigador e te
darei as respostas que precisa para sua vingança. — Eu sabia que ele estava
me manipulando.
— Eu não vou me casar com Dominic, nem vou ser noiva dele para
ficar próxima. Não use isso contra mim. Vou acabar com essa investigação
de outra forma. Eu preciso do nome.
— Não tenho o nome — soou sincero.
— Como vou saber que não está mentindo? Um noivado não dura o
suficiente. — Tombei a cabeça para o lado, juntando informações. — Como
sabe que Dominic está investigando sobre o incêndio? Como sabe que tem
um novo investigador entre nós?
— Algumas perguntas interessantes no hospital estavam sendo
feitas, mas para o nosso azar, o intrometido não foi identificado. Então, sem
nomes.
Mordi os lábios.
— Fique noiva de Dominic, descubra o que ele sabe e deixe-me
terminar as minhas planilhas com o senhor Clifford.
— E depois?
— Você quer mesmo saber o que vem depois de um noivado? — Eu
não vou me casar com Dominic Clifford. Trinquei o semblante.— Você não
vai fugir desse acordo, estou apenas te ajudando a ter uma relação melhor
com seu noivo — soou otimista e eu sabia que não estava dando a mínima
para essa parte do processo.
Meu pai tinha parado de se importar com o que tinha acontecido
entre mim e Dominic há muito tempo.
— Isso foi baixo — alfinetei, me levantando. Decepção correndo
em minhas veias.
— Devia saber que ninguém liga muito para isso.
— Você é o meu pai, devia querer o melhor para mim, não a minha
morte.
— Ninguém vai se machucar se não quiser. E você já faz isso muito
bem.
Mordi os lábios.
— Eu não serei noiva de Dominic, eu não posso — repeti para que
meus ouvidos gravassem essa frase e passassem a informação para o meu
coração. — Isso vai ser um desastre, vou acabar com tudo assim que tiver
um nome. E, só por isso, irei concordar.
Meu pai me olhou com desafio, como se duvidasse de minhas
palavras.
— Mais do que já é, tenho certeza que não. — Sorriu divertido: —
E você dá conta, é especialista em brincar com fogo.
Fiquei o encarando durante alguns minutos e pensei seriamente em
fugir. De novo. O quão covarde eu tinha me tornado?
— Posso te esperar para o jantar?
— Não.
Saí e bati a porta.

Ainda pensativa, caminhei a passos lentos para minha própria sala,


no vigésimo oitavo. Ela não era tão grande, mas com paredes marrons,
alguns quadros pendurados, arranjos de flores e uma sacada com a vista
para o centro movimentado de Bash, sentia-me confortável.
Havia vários papéis espalhados pela mesa e lembrei-me que tinha
quase uma semana que não punha os pés aqui. A Vendetta Stilk era o prédio
matriz, onde compunha todas as áreas da empresa, sendo que tinha uma
Stilk espalhada em cada ponto central de Bash. Estávamos entre as
primeiras empresas na produção de petróleo, e como coordenadora geral,
assumia a responsabilidade de contratos e vendas.
Poderia deixar metade das coisas que faço para qualquer
funcionário qualificado, mas gostava de ter o que fazer. Manter a mente
ocupada.
Vislumbrei uma embalagem amarela no meio dos papéis, mas antes
de eu pegá-las, batidas na porta soaram.
— Sim?
Era Fanny, coordenadora do setor de marketing. Acenei para que
entrasse.
— Bom dia, Augusta — ela sorriu e mexeu em suas madeixas
ruivas. — Pediram para que eu te chamasse na sala de reunião.
— Algum problema?
Fanny abriu a boca algumas vezes e senti que ela ia falar algo
importante, mas desistiu e abaixou os ombros.
— Está sendo requisitada sua presença, só pediram para eu chamá-
la — sorriu sem graça e assenti.
Eu precisava contratar uma pessoa nas próximas semanas, porque
não era a primeira vez que acontecia de Fanny ter que me lembrar de algo.
— Obrigada, Fanny, diga que irei logo.
Ela assentiu e sorriu. Esperei que falasse o que seus olhos ansiosos
estavam procurando em mim.
— Mais alguma coisa?
— Ah, não. — Balançou a cabeça, agora saindo do lugar e abrindo
a porta. — Parabéns pelo noivado, sabia que iam se acertar.
Abri a boca, sem palavras para respondê-la. Eu iria negar? Sorri
amarelo ao lembrar que convivíamos no mesmo meio, e isso se seguiria por
alguns dias. Para a minha sorte, não precisei criar uma resposta, pois ela
saiu fechando a porta atrás de si.
Eu iria mesmo compactuar com essa loucura? Mordi os lábios e fui
ao espelho ver como estava. Não usava maquiagem naquela manhã, pois
meu intuito de vir aqui era somente confrontar o meu pai, meu cabelo
estava bonito em ondas longas e firmes que tinha feito, e meus lábios
carnudos estavam rosados pela mania de mordê-los. Belisquei levemente as
bochechas para dar mais tom ao rosto.
O vigésimo quarto andar era o ambiente mais claro do edifício,
todas as salas eram de vidro, sendo clareadas totalmente pelo sol da manhã.
Fiquei tentando imaginar porque havia sido chamada, não me lembrava de
ter marcado algo, e eu era boa de memória.
Senti um frio na barriga quando atravessei o elevador, e com o som
dos meus saltos estalando pelo corredor, passei entre as salas rumo a maior
que tínhamos no andar. Mas parei na porta quando avistei quem estava
dentro.
Não. Fiquei alguns minutos paralisada, medindo meus próprios
passos. Fanny me paga…
Comecei a ouvir minha respiração e dei um leve passo para trás. É
claro que eu iria dar meia-volta, talvez eu devesse pensar mais um pouco
sobre o que fazer com Dominic Clifford. Porque ter um embate com ele,
sem planos de jogo nenhum, me levaria à ruína. E ele com certeza tinha um
plano.
Dei passos cautelosos para trás, sem barulho. Ia fugir. Eu era
especialista nisso.
Mas eu não tinha muita sorte quando se tratava dele, porque tudo
era de vidro naquele andar e Dominic me viu quando meus passos tinham
dado meia-volta no corredor. Eu não iria correr, apesar de querer muito.
Dominic me alcançou antes do elevador chegar. Cruzei os braços, dando
mais um passo para trás.
— Por que me chamou?
— Não posso mais querer ver a minha noiva?
Olhei incrédula para ele. Essa palavra já estava me irritando.
— Não estamos noivos — rosnei entredentes.
— É claro que estamos, deixei meu avô minutos atrás na sala do
presidente. Que, aliás, estava muito feliz, e disse que você estava radiante
com a ideia de finalmente unir nossas famílias — soou cínico e trinquei o
maxilar.
Meu pai era rápido. Senti um gosto metálico na língua. Como ele
conseguia? Engoli em seco. De repente, estava enojada comigo mesma e
com minhas próprias atitudes.
Porque eu não tinha coragem para enfrentar o passado e Dominic
lutava arduamente para buscá-lo. Era um caminho contrário, onde eu
escondia e ele achava. E naquele momento, quando vi seus olhos escuros,
enxerguei a mesma determinação de seis meses atrás.
Ele não ia parar.
Não ia parar até me ter completamente.
Era tudo ou nada. Então, eu teria que afastá-lo de novo, e dessa vez,
teria que ser pior.
— Você tem certeza que quer fazer isso?
— Como poderia não querer passar o resto da vida com a mulher
que conseguiu foder com o meu psicológico?
Prendi a respiração.
— Não pense por um minuto que eu concordo com esse noivado —
ameacei.
— Estou muito ciente disso — soou contente e não pude deixar de
odiá-lo mais um pouco.
— Você vai ser a pessoa mais infeliz do mundo.
— Por favor, se esforce nisso.
— Quando estivermos casados, você vai se arrepender de não ter
me deixado morrer.
— Que bom que já está pensando em quando estivermos casados.
Estou ansioso pela lua de mel, bruxa.
Olhei para ele com desprezo e as suas íris me cortaram. Soltei o ar
dos meus pulmões e a minha respiração acelerou, o grande elefante estava
novamente crescendo entre nós.
Me sentia quente, meu rosto com certeza estava vermelho. Minha
pele pinicava e a ânsia pelo toque se fez presente. Eu esperei que Dominic
me tocasse. Na verdade, eu quis, quis que meu coração voltasse a bater em
sincronia com o seu e todas as minhas dores fossem apagadas.
Algo ardia dentro de mim. Fechei os olhos.
Parecia que dessa vez eu teria mesmo que encarar a nossa verdade
para não colocar em risco a minha mentira.
Me virei para partir e ignorá-lo nos próximos longos dias. Seria
difícil me recuperar dessa. Porque estava ferrada.
Parecia que realmente estava noiva.
Senti seu aperto forte em meu braço.
— Onde pensa que vai?
— Planejar a sua morte.
— Engraçadinha — sorriu sério, me puxando para perto, roubando
todo o meu ar. — Eu ainda não terminei.
— O que você quer?
Seu sorriso não chegou aos olhos:
— Um ato de paz.
— Descobriu uma palavra nova? — Tentei soltar meu braço da sua
mão.
— Quero que tenhamos uma boa convivência.
— Eu não acredito em você.
— E eu não me importo se você acredita.
Soltou o meu braço.
— Esse casamento não só é vantajoso para sua família, você sabe,
precisamos disso também, então tenho que fazer dar certo. Prometi ao meu
avô — explicou, como se isso amenizasse tudo. — E como um ato de paz,
te apresentarei aos sócios como minha direita. Eu te darei todo o poder que
quiser. Só preciso que colabore. Meu avô prometeu, lembra? Uma coroa.
Semicerrei os olhos.
— Eu não acredito.
— Um ato de paz.
— A que custo?
— Um ato de paz.
Dominic estava tramando, eu sentia isso, sentia de verdade. Estar
perto dele era um jogo perigoso, uma vez que não media esforços para
conseguir o que queria.
Mas não poderia deixar de admitir que a coroa era tentadora. O
poder era tentador, e deixar meu orgulho de lado parecia um ato fácil. Eu
poderia fingir, por enquanto, até descobrir o nome. E enquanto isso, só
esperava que conseguisse combatê-lo à altura.
Fiquei rígida quando me deixei levar pela sua mão, que me puxou
de volta à sala de reuniões onde estavam todas as peças importantes que
compunham a pirâmide monarca.
Se fosse para encarar, tiraria o band-aid de uma vez. Sem medo. Eu
podia desafiar meu pesadelo e depois veria as consequências desastrosas do
meu ato.
Como era a única mulher no local, fui recebida com sorrisos
pequenos. Eu diria que seus cumprimentos eram de pura obrigação, vendo
que Dominic permanecia com os olhos em cada um, os desafiando a
debochar de mim.
Me mantive rígida e cautelosa. A minha presença pesando em graus
absurdos e significativos.
Passei os olhos sobre cada um, o prefeito tinha um rosto impassível,
como quase todos os Chefft presentes. Meu pai não estava ali, nem
Frederico Clifford. Era somente Dominic e eu, contra os ataques frios de
seus olhares mortais. Dominic parecia frio. Ele sempre foi bom em lidar
com as pessoas.
Então, não me deixei abalar, eu também era uma mulher poderosa
no nosso meio, lidava com mais homens mal-educados do que gostaria.
Meu pai tinha costume de me chamar de Cavalo de Troia, e eu ficava com
raiva porque odiava essa possibilidade, e abominava pensar que ser um
Cavalo de Troia implicava em ser uma caixinha de surpresas infinitas.
Eu não queria ser surpresa nenhuma. Eu queria que eles soubessem
que não tinham ninguém atrás de mim, era só eu e eu. Teriam que lidar com
o rosto de uma mulher para fechar contratos bilionários.
Com maxilar travado, me preparei e passei os olhos sobre cada um,
o jogo começava quando o primeiro demonstrava fraqueza. Eu não era
fraca. Não mais. Decorei o olhar de cada um e fiz uma nota mental de suas
expressões, eu queria esmagar todos ali, principalmente os conselheiros do
rei que me olhavam autoritários. O famoso G5.
Davis, Hernandez, Garcia, Gonzales e Martinez, todos vestidos com
ternos perfeitos e com a aparência já madura. Embora eu pense que suas
mentes estejam longe de ser. Esses cinco nomes eram responsáveis por
apaziguar muitos conflitos que eram gerados por opiniões desiguais dentro
da AAB. Os seus votos tinham peso triplo em relação aos Chefft, então se
quisesse ter sucesso em algumas discussões, o primeiro passo era convencê-
los.
E se quisesse um inimigo, o primeiro passo era contradizê-los.
Eles não viam pessoas, viam apenas os investimentos perfeitos que
elas representavam.
A Associação Aristocrática de Bash (AAB) era um grupo composto
por várias empresas e bens de alto valor com um único interesse em
comum: manter a pirâmide econômica de Bash completamente estável e
favorável para seus bolsos. O rico ficava cada vez mais rico, ou apenas
nunca pobre, o pacto de finanças entre eles era levado totalmente a sério,
não havia espaços para um rendimento baixo, porque se uma empresa que
fazia parte do grupo ameaçava cair, os dados analíticos faziam o trabalho
impecável de reverter a situação.
Não havia espaço para falhas em seus investimentos e aplicações.
O que não impedia Bash de ser uma metrópole, considerada uma
das cidades mais desenvolvidas no mapa, Bash transportava e movimentava
as principais mercadorias do mercado de maior qualidade. A AAB era a
base da cidade, e a troca de valores entre eles era o que mantinha a saúde,
economia, fome, educação, entre outras necessidades da população de Bash
em níveis excelentes na tabela.
Dominic me soltou e caminhou rapidamente até o seu assento na
cabeceira. Observei seus próximos passos.
— Amigos, Augusta e eu estamos noivos — Dominic falou alto,
feliz, e desconfiei da sua mudança de humor. Lancei-lhe um olhar de morte.
— Quer dizer, ela quer um pedido mais romântico, mas como teremos o
mesmo sobrenome daqui a alguns dias e seremos um só, eu decidi que seria
extremamente necessário a presença da minha noiva aqui hoje. Porque
vocês sabem, Augusta tem uma queda por números, e não quero excluí-la
de nada da minha vida — e piscou para mim, como se tivesse falado a coisa
mais linda do mundo. Se fosse em outros termos, meu ego teria inflado. —
E, querida, já estou providenciando o nosso encontro.
Cínico. Dominic era louco. A coroa tinha enlouquecido o rei.
— Sente-se aqui comigo, querida, tenho certeza que ninguém vai se
importar.
Ninguém falou nada. Ninguém ousaria.
Seus olhos brilharam em desafio. Ele tinha pegado no meu
calcanhar. Eu não abriria mão desse momento. Então, com o corpo duro,
segui até o final da mesa. O barulho dos meus saltos tilintava e senti todo
meu corpo queimar.
Como eu o odiava.
Puxei a cadeira do seu lado esquerdo que estava livre, pronta para
me sentar e acabar com essa caminhada da vergonha.
— Não. — Dominic arrastou sua cadeira para trás e indicou sua
perna direita. — Como minha noiva, tenho certeza de que não se importa
em sentar no meu colo. Não é, querida? Quero ficar pertinho de você.
Nem fodendo. Tremi de raiva e mordi meus lábios. Eu queria
esganá-lo. Enfiar todas as canetas que estavam em cima da mesa em sua
perna.
Balancei a cabeça lentamente, negando. Eu não ia sentar no colo de
Dominic. Não mesmo. Eu morreria antes.
— Não quero te incomodar, querido.
— Você não me incomoda. Eu gosto de te ter pertinho de mim.
Com o maxilar duro, engoli em seco. Senti meu rosto quente. Sentia
olhares em mim. Sentia o olhar do meu pesadelo em mim.
De punhos cerrados, dei dois passos para trás, disposta a sair da
sala. Mas foi o suficiente. Seu braço laçou minha cintura e fui direto para o
seu colo.
Eu estava sentada no colo de Dominic.
Eu estava sentada no colo de Dominic na frente deles. Na frente
daquele homem.
Isso não me faria forte, me tornava sua posse.
— Bem-vinda de volta à realeza, bruxa — sorriu entredentes,
alisando meu cabelo, antes de seguir com a reunião e fingir que uma cena
humilhante não havia acontecido.
Será que tudo isso realmente valeria a pena no final? Fiquei
extremamente rígida durante os próximos minutos. Dominic não tinha
declarado paz, ele tinha se afundado ainda mais na nossa guerra particular.
Todo esse conflito não compensaria tamanha humilhação. Mas
sabia que, de forma alguma, Dominic Clifford poderia descobrir sobre a
noite do incêndio. Eu não sobreviveria a isso.
Talvez um dia teríamos verdadeiramente a paz e um casamento
bonito, mas eu sabia que, antes disso, teríamos muitos corações partidos.
AÇÕES FUGITIVAS

15º Academia Dell Marshall — Distrito da cidade de Bash


7 anos atrás

— Terra chamando Augusta. — Dedos finos estalaram no meu


rosto e levantei a cabeça buscando a dona deles.
Era segunda-feira de manhã e estava pensativa sobre o que tinha
ouvido por trás das portas do escritório do meu pai no domingo.
Uma semana havia se passado, e eu gostaria de não ter queimado a
minha língua, quando na sexta à noite, o carro da minha família estava me
esperando para me levar para casa. Gostaria de ter tido autonomia sobre
mim naquele momento, e ter passado mais um final de semana dentro dos
limites do Instituto. Mas isso não foi possível, o comando do meu pai foi
muito claro e não tive como contestar sua ordem dessa vez.
O que de certa forma me surpreendeu, o clima em casa não parecia
pesado, e o meu pai estava bem-humorado, o que era incomum. E isso
contribuiu para que eu pudesse aproveitar as minhas irmãs e ficar
confortável ao estar à mesa com a minha família.
— O que se passa nessa cabeça? Está há meia hora olhando para o
teto, levanta essa bundona daí que ninguém irá fazer as suas tarefas por
você — a loira ralhou, mas não saiu do seu lugar.
Encarei o seu rosto, pensando.
Francesca De Martino era filha de David e Leonara De Martino, um
dos maiores empresários na indústria farmacêutica. O nome da sua família
estava há alguns anos no topo da tabela de finanças da região, dando-lhes
um verdadeiro título honrado na mesa pelos lucros abundantes que estavam
trazendo para a AAB. O que fez o rumor de um possível acordo nupcial
ganhar força nos últimos dias.
Sempre que uma empresa se estabilizava com bons números, a
Associação Aristocrática de Bash dava um jeito de manter essa posição por
longos anos. E manter uma boa posição financeira durante anos, na
linguagem deles, significava fazer um bom acordo entre eles, visando
fundar mais um império bem-sucedido entre dois polos em alta.
Resumindo, iria acontecer um contrato nupcial entre duas famílias super
ricas, porque não podiam deixar que o poder saísse de suas mãos. E quando
um casamento era bem-visto por todos na mesa, todos saíam ganhando de
alguma forma.
O que me levava à Francesca, pois ter ouvido contrato nupcial e De
Martino na mesma frase, me fazia criar caraminholas na cabeça.
Atualmente, sua família era o sobrenome de peso no nosso meio, o que
significava que tinha grandes chances da sua falsa escapatória da realidade
em Bash ter a ver com seu futuro. Francesca poderia estar em um contrato
de casamento e isso fez algo dentro de mim se quebrar por imaginá-la em
um futuro não desejado. Fran era uma alma livre, estar presa a algo, não
combinava com ela
Encarei seu rosto fino e rosado pelo sol. Ela era uma das minhas
melhores amigas, junto com Apolline, desde que me conhecia por gente.
Nossos pais eram amigos, o que permitia em quase todos os finais
de semana estarmos juntas em algum canto da cidade. Havíamos criado um
laço de amizade desde muito novas, pois estivemos na mesma escola em
Bash, nos mesmos cursos de idiomas, nas mesmas festas e eventos...
Praticamente nos mesmos lugares a vida toda. E agora estávamos no
Instituto juntas. Éramos inseparáveis.
Então, desde que começamos a andar com nossas próprias pernas,
tínhamos feito questão de honrar todos os quesitos da pirâmide de uma
amizade forte e duradoura, porque claro que existia uma. Tínhamos criado.
Nos recusamos a deixar o que tínhamos se quebrar tão fácil. E não podia
negar que havia se instalado uma certa fama sobre o nosso trio, que muitas
vezes era terrivelmente irritante.
Francesca ainda estava parada ao lado do beliche esperando que eu
reagisse, então arrastei minha bunda pelo colchão, descendo na pequena
escadinha. Era a primeira vez que a via desde que tinha ido para casa.
— Finalmente! — soou irônica e rabugenta, e não pude deixar de
rir pelo nariz.
— O que se passa com você? O que te picou? — perguntei curiosa
enquanto ajeitava o macacão preto.
Verifiquei se eu estava apresentável no pequeno espelho estreito
que tinha na porta do guarda-roupa.
Ouvi um bufar baixo e cerrei os olhos em sua direção. Arqueei as
sobrancelhas em uma pergunta clara.
— Talvez porque as minhas melhores amigas tenham me deixado
sozinha no fim de semana? — Ainda soava emburrada, mas algo me dizia
que não era sobre termos a deixado no Instituto, pois já havia acontecido
isso outras vezes.
— Você não quis vir — acusei sem rodeios, mesmo que minha
vontade fosse de ter ficado. No sábado, Apolline acabou indo também, mas
ela voltou assim que terminamos os deveres do evento que tivemos no
Salão Dourado. — Perdeu uma sessão magnífica de fotos da Polly, acho
que temos um prodígio da moda como amiga.
Francesca cerrou os olhos, desconfiada. Apolline tinha um
verdadeiro dom com câmeras fotográficas, aos dezessete anos esteve em
mais capas de revistas de que me lembro. Ela amava isso, a exposição, o
momento gravado em lentes e eternizado. Os flashes eram como um ímã em
seu encalço. Mas o seu pai, claro, não concordava com esse caminho,
odiava as passarelas e a exposição que Polly tanto amava, deixando seu
sonho em segundo plano, por enquanto. O que não impedia que ela o
afrontasse, aparecendo em eventos e marcando uma verdadeira presença,
provocando uma infelicidade proposital nele.
— Fomos a uma festa no sábado. Acho que era aniversário de um
dos membros — completei.
— O que mais fizeram sem mim?
— Falamos mal de você, e listamos todas as vezes que você foi
inconveniente.
Francesca revirou os olhos, mas ainda estava um pouco tensa e
franzi o cenho, querendo descobrir o que tinha de errado.
— Alguma aventura clandestina?
Pensei em comentar sobre o que tinha ouvido atrás da porta, mas
resolvi que não. Não tinha uma informação completa e só criaria minhocas
na cabeça das minhas amigas sobre algo que estava em hipótese.
— Devia ter ido, foi interessante ter um quarto só para mim.
— As paredes do Instituto pareciam mais seguras.
Sorri, concordando.
— Isso não posso negar. Na verdade, tenho minhas dúvidas se os
muros são realmente uma barreira ou um esconderijo para adolescentes com
hormônios aflorados.
Francesca riu abertamente e senti que ela tinha relaxado.
Arrumei minha cama e caminhei para a porta, lembrando-me que
minhas tarefas eram no refeitório essa semana.
— Acho que tudo depende do ponto de vista. — Fran me
acompanhou pelo corredor, continuando o assunto. — Aposto que no
último final de semana que estava aqui, você não sentiu que estava presa.
— E rapidamente seus olhos brilharam em uma malícia não identificada.
Franzi o cenho, mas logo me lembrei do que Francesca estava
insinuando.
Dominic. O garoto que não deixou de atormentar os meus
pensamentos na última semana.
E estaria tudo bem, pois eu fui atrás disso, dei corda para a minha
obsessão adolescente, enchendo-me de expectativas e emoções que
possivelmente não soube lidar. Porque talvez eu tenha fugido após ter uma
sessão muito quente de amassos com Dominic.
Eu era mestra em embaralhar e criar confusões com meus próprios
sentimentos, porque, em tese, não havia um motivo concreto para as minhas
ações fugitivas, apenas medo.
Tentei ignorar a ansiedade que os meus pensamentos traidores
traziam em relação à última semana.
Dei de ombros, sabia que as minhas amigas estavam curiosas, eu
não disse nada sobre a noite de jogos no domingo e fingia que nada estava
acontecendo.
Francesca encarava meu rosto, e sentia ter uma interrogação gigante
no seu, quase podia ouvir sua pergunta no ar.
— O que aconteceu? — perguntei despreocupada, ajeitando a alça
do macacão, imaginando o que viria a seguir.
Fran cerrou os olhos e diversão tocou meus lábios.
— Código 04, não esconda cartas das suas melhores amigas. Já tem
uma semana.
— Código 34, não irrite sua melhor amiga
— Esse código não existe!
— Acabei de inventar.
Dei passos mais rápidos, chegando ao quadro de afazeres que ficava
no pátio. Já tinha tido as primeiras aulas da manhã, e estava feliz por ter
conseguido responder todas as questões de história na prova surpresa.
Olhei para o objeto, conferindo meu nome e minhas atividades.
Tinha aulas de reforço hoje à noite, então teria que ser o mais ágil possível
nas tarefas da tarde.
— Augusta — Fran disse, impaciente, chamando minha atenção e
me segurei pra não rir. — Não mate sua amiga de curiosidade. O que há?
Está fugindo há uma semana, não dá assunto para as nossas perguntas e
sempre foge quando o vê. Precisa nos dizer o que está acontecendo, não
temos uma bola de cristal.
— Não há nada — simplifiquei.
— Oh, não, não venha com essa. Invalidar suas vontades não está
ajudando a termos o melhor último ano no Instituto.
— Não sabia que tinha um plano sobre isso.
— Sempre teve.
Revirei os olhos, estava quase chegando ao refeitório, e já
conseguia ver outras garotas começarem seus trabalhos. Francesca impediu
meu caminho, cruzando os braços.
— Fale, demos tempo o suficiente para resolver seus pensamentos,
e não é possível que o beijo de Dominic tenha sido tão ruim — pressionou e
mordi meus lábios. Eu odiava seu jeito irritante de não saber receber uma
simples resposta.
Suspirei, desistindo, e seu sorriso cresceu.
O beijo com Dominic não tinha sido ruim, longe disso. Tinha sido
mais como algo perigoso.
Isso.
Tive uma conversa comigo mesma, e tinha decidido que era melhor
se eu diminuísse minhas expectativas em relação a ele. Uma grande
covardia para alguém que estava obcecada há alguns dias. Na segunda,
depois da noite que tivemos, me deparei com meu coração pulando de
ansiedade quando vi sua cabeleira preta de longe, eu estava animada e
disposta a ir até ele para talvez continuar a nossa sessão de amassos. Então,
quando estava caminhando em sua direção, um sentimento amargo inundou
minha boca quando um grupo de garotas se aproximou dele e iniciou um
assunto muito engraçado, pelo modo como tiraram gargalhadas de Dominic.
Eu definitivamente não tinha gostado da cena no refeitório, e eu
podia estar tendo uma crise de posse por achar que ter trocado olhares
durante alguns dias e depois o beijado, tivesse o direito de tê-lo como meu,
como se tivéssemos selado algo na noite passada.
O que influenciou a minha coragem de enfrentar as minhas
vontades e me fez escapulir mais uma vez.
Não estava a fim de quebrar a cara ou ter o coração partido, e sabia
que poderia acontecer pelo rumo que as minhas emoções estavam. Porque
eu tinha gostado demais da nossa noite, tinha gostado demais da sensação
de estar perto dele, e acho que tinha me assustado com o quão disponível eu
estava por alguém por somente uma troca de beijos.
Então, sim, estava verdadeiramente assustada com os meus
sentimentos.
Ficar observando Dominic durante semanas com certeza não me
ajudou a ter um comportamento simples.
Como a minha obsessão não acabou depois do beijo? Eu já havia
feito isso outras vezes, e tudo terminou quando o toque aconteceu. Era
como se eu perdesse o encanto e as expectativas fossem quebradas. Mas
com Dominic não. Quando o vi no outro dia, novas expectativas foram
criadas e as borboletas malditas voaram como pragas.
Não queria parecer emocionada demais e patética por ter beijado
um garoto e não saber superar quando o vi na manhã seguinte. Pessoas se
beijavam a todo momento e nem por isso ficavam juntas. Isso parecia um
pensamento completamente covarde? Sim, e eu não ligava.
Então, a solução era diminuir os pensamentos sobre ele, com a
simples intervenção de não tocar mais no assunto. Eu achava essa solução
ótima, na verdade. Quanto menos me lembrar ou falar, mais fácil seria
superar.
Não que estivesse dando certo, já que sempre que podia ainda o
espiava.
— Foi somente uma noite divertida.
— Hummm, divertida? — Fran balançou as sobrancelhas.
Revirei os olhos.
— Sim... E também não acho que vá ter continuidade.
Fran cerrou os olhos.
— Acho que tem algo que não está sendo exposto aqui.
— Acho que não sei ser como vocês — admiti e encarei seus olhos
claros, querendo verdadeiramente que ela lesse meus pensamentos, porque
parecia patético externá-los.
Acho que não sabia mais beijar um garoto e esquecê-lo no outro
dia.
Mas algo em seu rosto se iluminou e suas sobrancelhas arquearam.
Continuei meu drama:
— Não quero me iludir porque ficamos uma noite, não é como se
tivéssemos que namorar ou algo do tipo, eu apenas acho melhor...
Parei nas minhas palavras quando não sabia o que era melhor. Até
agora eu só estava fugindo, porque tinha sentido demais, tinha me sentido
entregue demais por um garoto. Nunca havia sentido isso antes. Não sabia
lidar com algo assim.
— Acha melhor? — Senti um verdadeiro frio na espinha, e podia
sentir meu coração na boca com a voz recém-decorada.
Cerrei os olhos para minha cobra amiga, que sorria satisfeita.
Virei meu corpo, encontrando Dominic com o semblante leve e um
pouco sorridente. Francesca passou em suas costas, indo embora e
mandando beijinhos.
Eu odiava Francesca, iria esganá-la.
— Oi!
— Oi!
— Bom dia.
— Bom dia, Augusta.
Engoli em seco, encarando seu rosto, e sabia que minhas bochechas
estavam vermelhas.
— Acho que estou atrasada, foi bom te ver — falei rápido, dando
passos para trás. — Te vejo por aí-
Queria me poupar de uma estranheza que sabia que viria, e quase
pude sentir o sopro de alívio quando dei um passo para trás… Entretanto,
sua mão foi mais ágil em meu braço, e meus movimentos foram
estabilizados.
— Você não vai fugir dessa vez. — Sua voz era mansa, mas ainda
assim sentia uma certa acusação no tom.
Endireitei os ombros.
— Eu não estou fugindo. — Minha voz saiu aguda.
— Claro, escapulir sempre que chego em algum lugar depois que
praticamente abandonou nossa sessão de amasso tem outro sinônimo? —
divertiu-se.
E quis enfiar minha cara na terra. Certo, talvez eu também tenha me
precipitado e fugido do seu quarto quando as coisas esquentaram demais.
Estava assustada comigo mesma e talvez até precisasse de um tempo maior
para superar.
O que, de qualquer modo, não o respondi, se eu não o respondesse,
a minha chance de escapar das suas perguntas seria mais rápida.
Dominic ainda segurava meu braço, mas não havia força alguma
ali.
— Há algum tipo de jogo dessa vez que não estou sabendo? Porque
se há, você tem que me avisar.
— Não há nenhum jogo.
— Então há o quê? — perguntou sincero, me fazendo parar meus
pensamentos confusos. — Primeiro, estamos em um jogo de olhares, depois
nos beijamos, depois me deixou no quarto às pressas, e agora você foge
sempre que me vê? Fiz algo que não gostou? — Sua voz soava preocupada?
Prensei os lábios, não querendo admitir minha fuga.
— Estava muito ocupada essa semana — menti descaradamente, e
não me preocupei quando ele me olhou me dizendo que não acreditava em
nenhuma outra palavra da minha boca.
Cerrou os olhos, me analisando.
— O que vai fazer hoje à noite?
— Tenho aula de matemática.
— Aulas são durante o dia — disse desconfiado, e realmente eram.
As matérias obrigatórias eram distribuídas em turnos matutino e vespertino.
— Reforço. — Mas não estava mentindo, eu realmente tinha. Era
oferecido para os alunos do último ano aulas de reforço e preparatório na
parte da noite. Não que fosse obrigatória, mas não conseguia perder.
Seus olhos brilharam. Apertei minhas mãos.
— Então, eu gostaria de ter um reforço com você hoje à noite — se
animou e seu olhar era de desafio. — Para me dizer o que você acha
melhor.
— Melhor?
— Sim, você disse que não quer se iludir porque nos beijamos,
quero saber o que acha melhor. E espero que esse melhor inclua nós dois.
Soou provocativo e decidido, e quis enfiar minha cara na terra outra
vez. Muito direto e reto. Eu realmente parecia estar prestando um papel
covarde aqui.
Encarei seu rosto tranquilo que esperava uma resposta minha.
Dominic parecia animado, e nem um pouco preocupado com as coisas ao
ser redor. Era como se nada perturbasse sua mente, e as coisas eram do jeito
que eram, e ele não fazia questão de mudá-las.
Sorri sem graça, com as palavras fugindo da minha mente. Como
iria explicar que tinha medo dos meus próprios sentimentos?
Me senti quente quando encarei seus olhos e minha pele esquentou
onde sua mão me segurava. Em segundos, consegui mergulhar em um
abrigo desconhecido, que trouxe paz aos meus pensamentos confusos e
acelerados. Então, encarando os rios petróleo, vi minha decisão ali. Eu não
poderia fugir deles por tanto tempo, seu olhar me fazia querer ficar e
parecia que tudo se tornava simples. Acho que estava um pouco arrependida
de ter fugido do seu quarto.
Suspirei em desistência, e Dominic viu quando cerrei os olhos e um
novo desafio surgiu entre nós.
— Você me pegou, não tenho nada a dizer sobre a última semana —
admiti minha derrota e esperei que ele comemorasse.
Mas um sorriso aberto surgiu em seus lábios e algo se mexeu dentro
de mim:
— Me encontra hoje à noite depois das tarefas e falo o que eu acho
melhor depois de beijar você novamente.
Sem evitar morder a boca para cessar um sorriso, não o respondi e
apenas balancei a cabeça, não sabendo bem como responder.
Acho que meu plano comigo mesma havia falhado, pois estava
querendo muito faltar o reforço e encontrá-lo.
E esse pensamento me atormentou a tarde toda.
Fui cumprir os meus afazeres, limpei as mesas retangulares, varri os
restos de comidas do chão, limpei as cadeiras, colhi cenouras e beterrabas,
cortei melancias em cubos, molhei a horta verde e ajudei a lavar os
tambores de reserva de água.
Fiz tudo que estava no painel de serviços que me cabia naquela
tarde, e no final do dia, as minhas colegas de atividades murmuravam de
cansaço querendo suas camas e eu que as minhas energias estavam mais
cheias do que nunca.
Naquele dia, eu percebi como a ansiedade poderia ser minha pior
inimiga, porque enquanto arrumava os cadernos e tomava banho, a minha
mente criava planos e cenários de como escapar de uma aula sem ser
prejudicada.
O que de fato não me impediu de desejar que o professor faltasse.
Não aconteceu como desejei, depois de tomar banho e me trocar,
passei às duas horas fritando meu cérebro em contas matemáticas e noções
básicas de econometria. O que fez minha cabeça doer, pois mal tínhamos
começado o ano e a preparação intensiva estava comendo meus neurônios.
Mas fui boa comigo e assisti até os últimos minutos de aula, porque
por mais que meu coração acelerasse de ansiedade, eu não conseguia deixar
o meu lado cobranças comigo mesma ser menor que as vontades do meu
corpo.
Quase suspirei em alívio quando o relógio em cima do quadro
rodou pela última vez e o professor dispensou a classe, nos mandando
direto ao pátio central para que pudéssemos guardar o material e seguir o
caminho para nossos quartos. Não havia muitos alunos naquele turno, pois
eram aulas complementares de grade e nem todos os alunos do último ano
estavam dispostos a sacrificar suas noites de descanso.
Esse semestre estava no dormitório na ala interna do Instituto, o que
me poupava de uma boa caminhada até a parte externa, onde ficavam outros
dormitórios femininos. O que não nos proibia de ir ou vir nessas alas se
quiséssemos, a única regra clara que eles levavam à risca era não entrar em
dormitório masculino e vice e versa.
Entrei na área aberta do pátio, avistando de longe as luzes acesas
dos nossos quartos. Esfreguei as mãos no macacão preto que vestia
querendo controlar minhas emoções. Caminhei mais devagar, percebendo
que os vigias já não me observavam tanto. Dobrei a primeira quadra
entrando no corredor largo que levava aos quartos.
Mas antes que o detector de movimentos sentisse a minha presença
e as luzes começassem a se acender automaticamente, meus olhos foram
tampados e um aroma forte masculino invadiu minhas narinas.
— O que há de tão interessante em matemática?
Ri pelo nariz com seu comentário e saboreei sua presença perto de
mim. Suas mãos foram tiradas dos meus olhos, mas eu ainda os mantive
fechados. Continuei parada, respirando Dominic.
— Eu gosto de matemática — sussurrei, não sabendo muito bem o
porquê. — Na verdade, acho lindo como não importa o tamanho da conta
ou quantos sinais tenha, o resultado é somente um. E sempre exato. É belo
como posso fazer contas de trás para a frente ou de frente para trás
chegando ao mesmo resultado.
— Acho que isso foi o mais próximo de matemática que cheguei —
disse com diversão e senti seu hálito fresco em minha boca. Abri os olhos,
vendo o rio de petróleo sorrir para mim.
— O que está fazendo aqui?
— Está mesmo me perguntando isso?
— Claro, faltam alguns minutos para o toque de recolher e não acho
que esteja dentro das regras a sua presença aqui — disse com um toque de
diversão nos lábios.
— Você quer que eu diga que fiquei esperando que saísse da aula
mais cedo para me ver? Ou que fiquei intrigado por você preferir
matemática a beijar na boca?
Abri os lábios, mas não tive resposta para o seu atrevimento.
— Estou confortável com a matemática.
— E eu ainda não estou disposto a entendê-la.
— Justo — mordi os lábios e ficamos quietos por alguns segundos.
Sabia que a decisão de ir era totalmente minha, e por mais que o medo e a
apreensão estivessem me comendo, tomei mais outra decisão naquele dia.
— Aonde vamos?
Dominic apenas sorriu.
— Acho que algo tem que ser esclarecido entre nós — falei um
pouco sem fôlego quando chegamos à árvore exata onde estivemos há
algumas noites.
Dominic franziu o cenho e escorou nela, esperando que eu falasse.
Me senti um pouco intimidada pelo seu olhar.
Soltei o ar dos pulmões e cruzei os braços.
— Admito que passo alguns minutos do dia te observando e tenho
que dizer que admiro a sua disposição em fazer as tarefas braçais tão bem
— limpei a garganta, tentando soar séria e vi seu rosto relaxar com um
pequeno fragmento de diversão em seus lábios. — Isso não é um elogio ao
seu físico — frisei, embora eu o admirasse muito. Continuei séria,
validando meu assunto: — Entretanto, é uma crítica sem mudanças a minha
disposição em subir em árvores — finalizei em uma falsa diplomacia,
recebendo um brilho nos olhos que ainda não sabia identificar o que
significava. — Se você ainda não entendeu, eu espero que seja mais criativo
e não me leve para o mato para beijar a minha boca.
Ele tentou se manter sério, mas seus lábios já haviam se separado e
seu semblante ganhado um ar divertido.
Dominic descruzou os braços e me chamou com o dedo indicador.
Diversão pingava de seus lábios e por um momento também quis rir, mas eu
realmente não estava disposta a subir em árvores para ter um encontro com
um garoto. Ainda com os braços cruzados, aproximei meu corpo do seu e
fui enlaçada por ele. Inspirei seu perfume gostoso, ficando ciente da nossa
proximidade.
Seu rosto era tão bonito.
— Não fique chateada comigo. Achei que seria divertido voltar
aqui. — Sua voz era mansa e me senti confortável. — Eu gosto de fazer
memórias em lugares que acho que valem a pena.
— Uma árvore é um bom lugar para fazer memória?
— Queria saber se ficaria surpresa ao saber o que se pode fazer em
cima de uma.
Fiz uma careta.
— Isso soou um pouco estranho.
— Na minha cabeça soou divertido.
— Claramente temos cabeças diferentes.
— Com certeza temos cabeças diferentes. — Seus olhos sorriram
em malícia e segundos depois percebi a minha mancada.
Senti meu rosto quente e apertei meus braços, esmagando meus
seios. Esse ato não passou despercebido pelos olhos de Dominic.
— Isso não é a questão — argumentei. — Quero que entenda que
não sou adepta a exercícios físicos extras que não envolvem obter uma
verdadeira recompensa.
Poderia parecer preguiçoso da minha parte, mas eu sinceramente
não ligava. Eu odiava atividades físicas e não estava disposta a ultrapassar
as metas estipuladas pelo Instituto.
Mas, novamente, minhas palavras fizeram sentido para mim tarde
demais, os lábios de Dominic estavam abertos e queria não ter gostado da
reação que meu corpo tinha dado ao seu malicioso sorriso.
Suas mãos correram por meus braços. Notei sua inquietação com
elas e pensei se isso era uma mania ou se ele gostava mesmo de estar
tocando em algo a todo minuto.
— Acho que temos um impasse — ele disse.
— Não há um impasse, porque não há situações a serem resolvidas.
Somente fatos.
— Já entendi que você é do tipo ignorante, mas… — Sua voz
pingava diversão e arqueei as sobrancelhas em uma clara pergunta,
querendo saber onde iria parar. — Sinto que tenho um dever a ser
cumprido.
— Sinto informar que você tenha que desistir desses pensamentos
antes que eles se transformem em algo relativamente sério.
Ele prensou os lábios antes de mordê-los, e um novo sorriso os
pintou. Eu também estava assim? Sorrindo sempre?
— E sinto informar que estou particularmente inclinado a fazer
você gostar de exercícios extracurriculares.
Levantei as sobrancelhas e não pude deixar que um sorriso me
escapasse.
— Estou curiosa.
— Veja bem — arranhou a garganta para falar, como se ele se
preparasse para um discurso: — Eu não sou adepto à matemática e você não
é adepta a exercícios extracurriculares, é muito fácil fazer as contas.
— Por acaso está me dizendo que estudaria matemática só para que
eu subisse em uma árvore?
Dominic fez uma careta.
— Isso soa muito ruim no meu ponto de vista, na verdade, acabo de
perceber que foi a ideia mais tosca que tive. — Apontou um dedo entre nós,
argumentando. — Mas, ainda assim, estudar matemática com você me
parece realmente divertido.
— Você não vai achar divertido, irá abandonar na primeira aula e eu
terei escalado uma árvore sem fins lucrativos.
— Ok, estou entendendo que fazer negócios com você não é a
melhor escolha do mundo.
— Está desistindo?
— Estava pensando mais em pedir por favor.
Não consegui segurar a risada.
— E acha que é um bom plano?
— Claro! — Seu tom era firme.
— E o que estava pensando? — inquiri, curiosa, e por um momento
acreditei em suas palavras.
— Estava pensando em algo como “por favor, Augusta, podemos
subir nessa árvore para ter uma boa noite e espiarmos as estrelas
silenciosamente na presença um do outro?” — Uma tentativa de voz fina
soou dos seus lábios e não consegui me segurar quando suas mãos se
juntaram em um sinal de pedido.
A minha risada foi alta e senti o meu corpo leve, Dominic também
estava rindo, e estava feliz naquele momento.
Neguei com a cabeça, descruzando os braços e juntando minhas
mãos com a dele.
— Vamos ver o quanto de matemática consegue entrar na sua
cabeça.

Ao contrário da última vez, não tive dificuldade para subir na


árvore, ou arranhei o braço, ou bati a cabeça. Dominic estava ali, e ele com
certeza fez as coisas serem mais fáceis quando me ajudou a escalar e me
deu as mãos para ter firmeza em segurar os galhos que pareciam
inexistentes no breu escuro da noite.
— Doeu?
— Não.
— Está vendo? Não é tão ruim quanto parece. Você foi excelente.
Sentamos no mesmo tronco que estivemos uma semana atrás,
minhas pernas em cima das suas, e suas mãos segurando as minhas no
espaço entre nós.
Soltei o ar dos pulmões, controlando meu nervosismo. Parecia algo
tão normal estar aqui, como se já tivéssemos feito esse mesmo trajeto
milhões de vezes. Um frio na barriga me embalava de expectativas. E
queria saber se Dominic sentia minhas mãos geladas.
— Então?
Levantei meus olhos, vendo que os seus me encaravam. Seus lábios
se repuxaram em humor.
— Devo me preocupar com você pulando da árvore a qualquer
momento?
Cerrei os olhos, recebendo a sua provocação em relação à minha
fuga.
— Devo me preocupar com você me trazendo a uma árvore para
não ter que pular a qualquer momento?
Dominic gargalhou e senti um pouco da tensão ir embora. Meu
peito estava leve e fiquei grata por isso. Porque tinha visto em seu rosto
algumas perguntas óbvias quando no caminho para cá ainda fez piadinha
sobre a minha fuga da semana. Mas eu realmente não estava a fim de falar
sobre e continuei negando o meu surto emocional.
— Me diga algo sobre você — perguntou e começou a mexer na
minha mão, com um carinho diferente.
— Não há muito de interessante para contar — falei. — Tenho duas
irmãs, a minha mãe tem uma linha de maquiagem, o meu pai está à frente
da Stilk depois que o meu avô faleceu e estamos-
— Espera. Você é dona da Stilk? — falou, surpreso. — Tipo, dos
postos Stilk? Stilk petróleos?
— O meu pai.
— Isso é interessante — soou animado.
— Será interessante quando eu me sentar na cadeira presidencial —
brinquei, mesmo que o meu coração batesse com a vontade de realizar esses
pensamentos um dia.
— Ow, isso soou um pouco ambicioso — provocou e não soube
identificar o seu olhar.
Mordi os lábios pensando sobre o Instituto e me lembrando que
Dominic era novo aqui, o que fazia sentido ainda não saber com quem
estava lidando.
— Entre os diferentes tipos de alunos do Instituto, ainda há uma
coisa que nos junta nesse mesmo espaço: poder. Os alunos da Dell Marshall
fedem a dinheiro, e todos aqui almejam uma boa aquisição na cidade de
Bash. Não é à toa que o ensino é tão rígido aqui.
Mas Dominic ficou pensativo e algo me dizia que seus neurônios
estavam em ação.
— Então, se pensar assim, todos aqui têm algo interessante — ri,
tentando descontrair seus pensamentos.
— Agora, você, por que está aqui na Dell Marshall?
— Essa é uma pergunta que pode ter várias respostas.
Revirei os olhos. Por mais que soubéssemos seu sobrenome, ainda
não sabia quem Dominic Clifford era. Só sabíamos que ele tinha ido morar
há pouco tempo com seu avô, e que era o primeiro na linha de sucessão da
sua família. O que estava causando um verdadeiro desenrolar de conversas
nas reuniões sobre o rumo do patrimônio.
Os Cliffords estavam à frente do ramo financeiro há muitos anos,
pois além de serem os donos do banco com os maiores ativos nos últimos
tempos, era uma das famílias mais antigas de Bash, com uma quantidade
relevante de propriedade pela cidade.
Até então, iria acontecer uma consolidação do capital sobre o
patrimônio Clifford e a divisão de bens, pois não havia quem continuasse a
administrar os negócios, logo que toda família estava morta e não tinha para
quem passar. Mas agora com o surgimento de um herdeiro jovem, os planos
mudaram. E a instabilidade do futuro em gráficos financeiros preocupavam
os membros da alta sociedade.
— Não é como se todos já não soubessem sobre mim.
— Talvez sobre o seu sobrenome, mas sobre você? — Balancei a
cabeça.
Dominic titubeou antes de pegar novamente minhas mãos e franzir
os olhos.
— Acho que tenho um segredo a compartilhar.
— Espero que eu ganhe uma boa grana por isso — brinquei e
Dominic sorriu.
— Eu ainda não entendo muito desse mundo — começou,
molhando os lábios. — Por mais tranquilo que eu pareça estar, ainda tem
algumas coisas que me deixam confuso.
Balancei a cabeça, acompanhando seus pensamentos.
— Eu só sei que em um final de semana, a minha vida mudou
completamente.
— Você fala quando veio morar com seu avô?
Dominic fez uma careta, mas sua voz era suave e tranquila.
— Passei a minha vida toda em Finali Ville, vivia com minha mãe e
meu irmão em uma fazenda, trabalhávamos lá e tínhamos um barracão para
dormir à noite. Eu gostava de lá.
— E o que aconteceu?
— A minha mãe, ela se foi.
— Sinto muito. — Eu realmente sentia, não podia entender como
era perder uma mãe.
— Antes de ela partir, estava com dores no corpo e andava gripada.
Ela era durona, se recusava a nos ouvir e disse que era apenas cansaço do
sol e resfriado do sereno. Então sua teimosia em ir à cidade para se
consultar nos custou sua vida. Porque quando conseguimos levar o médico
até ela, o seu estado de saúde estava muito grave e lhe restavam poucos
dias.
— Oh! — Meu coração estava doendo e queria muito dar o abraço
mais confortável do mundo nele. — E teve que vir para Bash em um
ambiente totalmente diferente?
— Foi o suficiente para que minha vida perdesse completamente o
sentido.
Passei a mão em suas bochechas e parecia que outro Dominic tinha
aparecido em minha frente. Entretanto, sua voz ainda era tranquila, não
havia amargura e dor, parecia mais ter saudade e amor.
— A minha mãe disse que alguém viria por mim e meu irmão, e eu
acreditei que fosse alguma irmã dela distante. Não um velho totalmente
desconhecido que dizia ser meu avô.
— Você não sabia de nada?
— Mamãe nunca se importou em dizer algo sobre a família do meu
pai, e eu também não fiz questão de saber. Só sabia que o relacionamento
deles não tinha sido bom, pelo jeito que ela respondia das vezes que
perguntei sobre. Teve uma noite que estava muito revoltado por não ter um
pai — riu pelo nariz. — A minha mãe já estava em seus últimos dias, mas,
mesmo assim, fraca, sentou comigo dizendo que ele não se importava com
a gente, disse como se conheceram brevemente, falou seu nome, onde
morava e que se eu quisesse procurá-lo, não poderia me impedir.
— E você não foi.
— Não — riu novamente. — Mas eu fiz minhas malas e fui até o
ponto de ônibus disposto a encontrá-lo e tirar satisfações com ele. Eu tinha
uns 15 anos e pensei que poderia fazer isso.
— O que te fez não ir?
— Percebi que era feliz como vivia, e a presença paterna não era
algo que me fazia falta. Porque percebi que queria dedicar o meu tempo a
todos os momentos finais da vida da minha mãe. E não estava disposto a
dividi-los.
— Isso me soa um pouco possessivo — provoquei.
— Isso me soa mais como cuidadoso com o que é meu.
— Possessivo.
Rimos juntos.
— Em um dia, era um garoto que acordava cedo para tirar leite, e
em outro, estava dormindo em algodões egípcios.
Cerrei os olhos.
— O mais novo príncipe de Bash.
— Confesso que ainda não sei como isso faz sentido —
confidenciou. — O que me faz ter privilégios que há alguns dias nunca
pensei em ter?
Mordi os lábios, se havia algo que me fazia perder o sono era a
política de Bash. E mergulhando nos olhos petróleos, naquele momento, eu
quis lhe ensinar tudo que sabia sobre o nosso mundo. Queria lhe ensinar
tudo que havia aprendido andando sorrateiramente pelos cantos escondidos
e proibidos de Bash. Me agitei com a ideia.
— Tenho que te dizer que estou intrigada com a sua história. Não
tenho dúvidas de que as coisas poderão ser mais divertidas.
Ele arqueou as sobrancelhas em diversão.
— E acho que posso te ensinar uma coisa ou outra sobre nosso
mundo.
— Isso parece bom, uma professora particular de matemática e
agora uma guia particular de sobrevivência em Bash. Acho que posso lidar
com isso.
Então, vi uma simplicidade em Dominic que nunca tinha visto em
ninguém. Ele não teve medo de falar quem era ou tentou esconder suas
origens. Ele era ele e não se importava com o que eu ia achar sobre sua
pessoa.
E acho que ali, naquela árvore, onde contamos nossos segredos
familiares, eu percebi que uma noite não seria o suficiente para desvendar
todos os cantos do rio petróleo que fazia as borboletas voarem
descontroladamente dentro de mim.
TENTE DE NOVO

Venha me dar os parabéns depois do jogo, querida noiva.


Cínico. A mensagem me fazia querer jogar o celular no lixo.
Dominic não demorou com suas provocações depois do nosso
último encontro, e os meus planos de me afundar na minha própria angústia
foram novamente adiados. Ele sabia onde encontrar o meu calcanhar.
Estávamos começando de novo, e de um jeito pior.
— Você tem certeza que quer estar aqui? — Polly perguntou com as
sobrancelhas arqueadas.
— Sim, por quê?
O campo de polo, um pouco afastado da cidade de Bash, era um
campo grande, todo gramado e bem cuidado. Sempre andava lotado por
pessoas da alta sociedade. Eu não entendia muito bem suas obsessões por
cavalos, mas sabia que homens montados nesses animais poderiam ficar
peculiarmente atraentes.
Poderia ser o calor absurdo que queimava nossas cabeças? Ficarei
devendo essa resposta, mas não poderia deixar de apreciar a energia
deliciosa do campo invadir meus poros e o vento limpo bagunçar meus
cabelos. O sol beijava minha pele e ficava agradecida pela manhã estar mais
fresca, deixando que os raios solares não a maltratassem tanto. Era um dia
perfeito.
Apolline reforçou:
— Você tem certeza que quer estar aqui? Aqui onde eles, isso inclui
Dominic Clifford, está com frequência?
— Sim.
— Tem algo que precisa me contar? — Polly me observou e vesti a
minha melhor máscara.
— Não que seja importante suficiente — disse firme, sem abertura
para discussão.
Respirou fundo.
— Está em negação novamente?
Não respondi e Polly me fuzilou com suas bolas redondas e escuras.
Não voltei para casa depois de quarta, não tive coragem. Ainda
estava muito decepcionada com toda a situação, e me sentia cega em
relação ao meu pai e Dominic. E isso era péssimo.
Péssimo porque amanhã teria que encarar os fatos reais, querendo
ou não. Péssimo porque não conseguia enxergar além, e isso me
assombrava, pois só me restava olhar para o agora, ou para o passado. O
que definitivamente não era o plano.
O plano era ignorar.
Isso soava bom.
Eu ainda poderia estar no estágio de negação. Mas quem se
importava?
— Okay, então. — Abandonou o assunto fácil demais. — Vamos
rápido porque a terceira Chukka já começou.
Sorri feliz para minha amiga, gostando demais do jeito que os
shorts e o top verde caíram perfeitamente nela. Coloco meus óculos de sol e
subo no carrinho de golfe, que está disponível para nós.
Percorremos todo o campo pelas beiradas, passando em frente às
arquibancadas lotadas de pessoas assistindo ao jogo.
O polo era um dos jogos mais atrativos e antigos da cidade, reunia
multidões e era quase sagrado quando havia um campeonato. A elite levava
muito a sério o esporte.
O jogo parecia prático por fora: quatro membros em cada equipe
com o objetivo de marcar o maior número de gols com um taco de três
metros. Não demorava mais de uma hora e era dividido por períodos
chamados chukkas, que tinha um pequeno intervalo entre elas.
Eles faziam tudo isso em cima de um animal. Parecia prático, mas o
treino constante e a dedicação às atividades físicas davam um novo olhar a
caras em um campo, em cima de cavalos, correndo atrás de uma bola de 8
centímetros.
— Então o bom humor de hoje é por ser domingo? — alfinetou e
semicerrei os olhos, não querendo ler o duplo sentido da frase. Ela estava
tentando arrancar informações de outro jeito.
— Talvez.
— Você também não falou nada sobre os doze minutos de atraso.
— Ainda é de manhã, minha paciência está de bateria cheia.
— Hum…
Revirei os olhos e parei o carrinho em uma tenda próxima onde
nossas amigas já estavam nos esperando.
Estava parcialmente de bom humor. Parcialmente. Se pensasse na
semana que tinha acabado e na próxima que estava para chegar.
Enquanto pegava minha garrafinha de água e ajudava Polly em suas
caixas de macaron, me atentei a sua inquietação de repente:
— Fala.
— O quê?
— Por que está inquieta?
Ela abriu a boca, mas logo desistiu, revirando os olhos.
— Qual a probabilidade de eu ser expulsa da temporada se for
acusada de assassinato?
— Seu pai ainda insiste no casamento?
— Hurg, sim — grunhiu e fez uma careta, tentando tapar o sol com
a mão livre.
— E, novamente, tenho que destacar, estou verdadeiramente
surpresa com seu pai te envolver em seus acordos. O que mudou com o
“ninguém é digno da minha filha”?
Entramos na tenda de descanso e coloquei as caixas amarelas na
mesa disponível.
— Hoje me perguntei se o meu pai realmente me ama — murmurou
triste. — Chris e Chuck não gostaram muito de saber que ele estava citando
meu título em reuniões. Pelo menos, eles estão do meu lado.
— Ficaram bravos com seu pai? — perguntei surpresa. Eles
amavam o senhor Phillips, diziam ser o seu tio favorito.
— Não com o meu pai, mais especificamente com quem estava
negociando.
Apolline fez cara de nojo e antes de abrir a boca para perguntar
quem tinha sido o inferlizardo da vez, algo atrás de mim chamou sua
atenção, seus olhos arregalaram e vi seus punhos cerrados.
E antes que eu pudesse alcançar o alvo da sua visão, minhas amigas
me cercaram.
— Quando eu crescer, quero ter a sua confiança — Alana disse
animada, cruzando seu braço com o meu. — Você foi divina no jantar!
— Concordo — palpitou Chiara, o reflexo solar vibrando nas joias
douradas que cercavam sua pele negra.
— Todos estavam esperando um surto e você entregou elegância,
amiga — Alana continuou e ri pelo nariz.
— Eu fui pega desprevenida.
— Se aquilo foi uma reação de surpresa, não quero nem saber como
você age quando não está — Nina riu e seu grande cabelo loiro estava
enrolado em um coque elegante.
— Eu não sabia — disse seca, fazendo pouco caso.
— Claro que não, nenhuma noiva tem essa reação quando sabe que
vai se casar — Alana alfinetou.
— Pelo menos, não de novo — Apolline zombou e as risadinhas
vieram. Revirei os olhos.
— Odeio vocês.
— Odeia nada — Isla chegou afobada, pegando um macaron
colorido de Polly. Seu cabelo vermelho brilhando no sol. — Aliás, achei
que diria um não e sairia correndo. Ficamos todas tensas.
— Por que eu faria isso?
— Talvez porque você é a única que negaria a proposta do
queridinho de Bash? — provocou, maldosa.
— Você sabia que tinha debutantes perguntando se vocês ainda
estavam juntos? — Nina disse horrorizada.
Cerrei os olhos.
— Quem?
— Karen Smith, acho que ela é nova na cidade. Ela é péssima,
pisou no pé do coitado do Nolan o baile todo.
— Não lembro do seu nome na lista de inscrição — pensei alto. —
Fico feliz que seu irmão tenha aceitado o convite esse ano.
— Ela foi uma das últimas aceitas, foi a pedido da primeira-dama.
— Deu de ombros. — Seu tio viaja muito e quase nunca está nos bailes.
— Mas não se preocupe, já falamos com ela. E ela seria burra em se
aproximar do Clifford — divertiu-se Chiara.
— Fiquem atentas — ordenei, porque tinha a leve impressão de que
ela era a mesma garota que estava pendurada em Dominic no baile de
iniciação.
— Ontem conversamos sobre o evento beneficente — Chiara disse
animada, vestida em um top amarelo com alcinhas. — Eu tenho certeza que
você vai amar a ideia, vai ser o dinheiro mais fácil que iremos arrancar da
burguesia.
Sorri empolgada, achando seu tom divertido. Porque éramos a
própria burguesia.
— O que pensaram?
— Um leilão! E algumas joias expostas em pescoços bonitos —
Chiara brincou com as sobrancelhas grossas. — E, claro, um voucher
especial por uma noite.
— Tipo um jantar, ou um passeio, é claro. O nosso mercado ainda
não é tão baixo — Isla frisou e rimos.
Eu amava aquelas garotas, eram parte de mim como uma família.
Foi nelas e com elas que passei um dos piores momentos da minha vida. E
me sinto grata por nos entendermos diante de tantos conflitos que
enfrentamos diariamente. Afinal, o poder era um frequente risco de
desordem.
Quantos grupos e fraternidades foram destruídos por
desentendimentos e pela falta de compreensão? Não éramos perfeitas, longe
disso, beirávamos a vadias ingratas que esbanjavam luxo infinito em uma
elite muito falada. Soberbas era o que éramos chamadas, ou, mais
precisamente, as princesinhas da cidade.
Mas nada importava, porque, acima de tudo, nos respeitávamos.
Tínhamos base. Sempre seríamos nós.
— Então, estamos indo bem com o QueenKey?
— PERFEITO, claro! Administrar doze debutantes que estão
disputando por quem vai carregar a chave da cidade no baile dos
fundadores é mole! Os testes e atividade? — a ironia era clara nos lábios de
Chiara. — Somos uma máquina de perfeição!

As doze meninas ainda faltam passar por todos os testes e


atividades para carregar a chave da cidade. O que nos torna uma máquina
de perfeição — a ironia era clara nos lábios de Chiara.
— Isso está um pouco perfeito demais — pontuei e cerrei os olhos.
— Acho que estão no caminho certo.
— A primeira dama tem sido bondosa conosco, ela apareceu no
domingo trazendo várias ideias e relembrando de como foi a entrega da
chave do ano passado. — Concordei com a cabeça, Antonia tinha sempre
boas ideias e se esforçava para nos ajudar.
Acho que por sua filha não gostar nem um pouco dos nossos
eventos, a primeira-dama tenta suprir essa ausência em nós.
Chiara continuou:
— Depois do baile de debutantes, tivemos a entrevista individual.
E, particularmente? Achei que seria pior. Mas parece que nossas garotas
estão realmente animadas para carregar a chave da cidade.
— Mas é especial — Polly chegou ao meu lado depois de um
tempo, e a encarei. Seu sorriso não chegava aos olhos. Franzi o cenho.
— Todas nós já fomos as QueenKey um dia, então pode ser que
tenhamos perdido um pouco do encanto com os anos. E é bom ver garotas
tão animadas, talvez estejamos precisando de um up no nosso club.
— Oh, sim, afinal, a coroa é passageira.
— Com exceção da Augusta — Isla provocou. — Ela vai virar a
queen de Bash por definitivo, finalmente. — Algo em meu peito se apertou
com a sua fala. Mas mordi os lábios, entrando na brincadeira e sabendo
exatamente o que viria depois.
— Sabe como é, né? É muito difícil abandonar um posto tão
concorrido.
— Ow, parece que alguém aqui está tomando posse de algo. —
Alana pegou o celular e apontou para o nosso grupo de mensagens no
aplicativo. — Devemos esquecer o seu surto de não estou noiva em
negrito?
— Espero que o convite chegue antes do casamento. — Apolline
balançou as sobrancelhas.
Bufei e levantei as mãos. Há alguns dias, o meu celular não parava
quieto por culpa de mensagens excessivas sobre “Augusta está noiva e não
fomos informadas oficialmente, será que ainda somos suas amigas?”
— Estão todas bloqueadas.
— Augusta está em negação — Apolline voltou a atacar.
— Ah, não, precisamos de detalhes, amiga — Chiara reclamou,
rindo, e fui dando pequenos passos para trás. Ela apontou o dedo em minha
direção, me fuzilando com seus olhos grandes. — Você não vai fugir de nós
para sempre, quando menos esperar, estaremos fazendo o maior chá de
lingerie que Bash já viu.
Dei as costas e comecei a me distanciar delas, eu não iria falar sobre
isso. Quanto menos comentar, mais superficial isso poderia ser.
De fato, ignorar o elefante na sala nunca foi o melhor método para
se resolver um problema. Sorte a minha que eu não queria resolvê-lo.
Um Damian sorridente apareceu no meu campo de visão,
dispersando todo o momento. Sorri de volta e lhe dei um abraço carinhoso,
mostrando que estava tudo bem.
— Oi, querido. — Passei a mão sobre suas bochechas rosadas. —
Está sem protetor solar? Vai se queimar assim.
Ele refletiu o mesmo gesto nas minhas bochechas.
— Por que você não apareceu mais?
Sua pergunta foi como uma facada na coxa, porém continuei
sorrindo. Eu sabia que por um bom tempo seria assim com ele. Sempre
sincero demais. Perceptivo demais.
— Você não foi mais me ver, eu fiquei esperando. Eu fiquei
querendo te ver pra gente tocar piano juntos.
Esse era o seu jeito de dizer que sentia falta de algo. De mim.
Damian era um jovem especial, ele era trissômico — uma condição
genética caracterizada pela presença de um cromossomo extra —, então
amávamos e cuidávamos dele em dobro. Sabíamos que ia ser difícil para ele
dizer adeus à nossa rotina, me dizer adeus. Mas fizemos o melhor e fomos o
mais sinceros que pudemos.
— Eu aprendi uma nova nota. Quero que você veja.
— Oh, parabéns, querido. — Enchi-me de amor e o meu peito
inchou de culpa. — Eu gostaria muito de ver.
Damian sorriu mostrando os dentes e senti o peso da promessa.
Sentia-me culpada por lhe causar angústia, mas às vezes ser egoísta
era tudo que eu conseguia ser. E era inevitável causar danos que
normalmente não gostaria de provocar.
Damian se distraiu quando algumas pessoas entraram na tenda e lhe
ofereci um macaron.
Os irmãos Clifford tinham um traço que me chamava atenção, pois
apesar dos cabelos finos e lisos de Damian e suas próprias características,
eles apresentavam o mesmo tom escuro de fios, e tinham algumas manias
parecidas. Como, por exemplo, partir ao meio e até mesmo cheirar qualquer
alimento antes de ingerir. Com certeza a convivência entre pessoas é algo
estranho a se discutir.
— Oh, se não é a noiva — um tom de provocação soou atrás de
mim. Me virei para os olhos cor de mel. Seu rosto estava vermelho do lado
direito.
Eu quis negar o título, mas percebi que não faria diferença para ele.
— Devo me preocupar com suas aparições?
— Só se você achar que deve.
Estreitei o olhar em desconfiança e Nikolai me jogou uma
piscadela. Eu realmente gostaria de investigar mais sobre essa sua volta
repentina, pois não gostava nada de como ele estava sempre nos mesmos
lugares que eu. Principalmente depois de descobrir seu envolvimento
forçado com Polly.
— Relaxa, gata, eu também gostaria de estar fazendo várias outras
coisas ao invés de estar aqui.
— E o que te impede? — rebati e ele sorriu sacana. — Lembro de
alguma fala sobre “ficar mais longe o possível da hipocrisia de Bash”.
— Okay, você me pegou. Talvez eu goste de ser o centro das
atenções… Ou apenas testar os nervos alheios.
Seus olhos brilharam e o receio encheu meu estômago. Ainda
assim, me mantive neutra. Ele era só mais um filho da elite dourada. Tentei
me apegar a isso.
— Testar os nervos dos Phillips, no caso? — alfinetei, ganhando
um arquear surpreso.
— Então, a notícia já está se espalhando? — Algo perverso brilhou
em seus olhos.
— Notícia ruim se espalha rápido.
Nikolai não se abalou e apenas balançou a cabeça, rindo e dando de
ombros.
— Algumas decisões são impossíveis de serem revertidas — soou
sincero e analisei seu perfil. Minha amiga estava sofrendo e ele era o
culpado.
Ou seu maldito pai.
Uma ideia maldosa passou pela minha cabeça e decidi testá-lo. Se
ele não soubesse de nada, não veria problema. Recordei a sua fácil
disponibilidade em provocar Dominic no passado e sorri quando sua
atenção estava em algo atrás de mim.
— Ainda tem culhões para acompanhar uma noiva em um passeio?
Nikolai franziu o cenho, analisando a minha fala.
— Um passeio ao trampolim da morte, senhorita? — riu sem graça.
— Um pouco de adrenalina não faz mal a ninguém.
— Percebo que a minha honra está sendo usada em benefícios que
não me envolvem — soou diplomático e arqueei as sobrancelhas. — Quero
dizer que gosto de ser avisado quando sou usado.
— Infelizmente, temos um impasse sobre a sua honra.
Nikolai se animou.
— Justo.
— Então, vai me acompanhar?
Desafio brilhou em seus olhos.
— Tudo depende do tamanho da recompensa.
Oh, a diversão me inundou.
— Está me dizendo que você tem um preço?
— Todos nós temos um preço, só basta descobrir qual. E, bom…
Estamos falando de provocar alguém que eu não gostaria de topar.
Arqueei as sobrancelhas, curiosa.
— Eu gosto dos seus pensamentos, apesar de não querer pensar no
que isso implica.
Hesitei por alguns instantes, já pensando em várias possibilidades.
— Mais algum apontamento, senhor?
— Só peço que meu lindo rostinho fique intacto, e se isso for
preciso para conquistar a sua confiança, farei.
— Justo. — Assenti, divertida. Mas eu não podia prometer nada, e
ele sabia. Eu não tinha controle algum sobre que rumo o clima poderia
tomar. Ainda mais se tratando de Dominic. — E, aliás, por acaso tem
andado com o rosto virado só de um lado para o sol? — Indiquei a pequena
marca em seu rosto que estava se apagando.
Nikolai sorriu com diversão sombria.
— Leves consequências de um ato de amor.
Nikolai não prestava, anos se passaram e ele era o mesmo.
— Oh, isso vai ser divertido. — Eu sabia que meus olhos estavam
brilhando.

***

A quarta chukka já havia iniciado, e claro que fui para mais perto
para assistir. Encontrei Ella debruçada sobre o encosto de madeira, que
protegia as beiradas da pequena tenda elevada, que ficava em um ponto
estratégico do campo. Seu olhar de surpresa foi nítido quando percebeu a
minha presença.
Ofereci meu binóculo.
— Os detalhes também são importantes — eu disse, cerrando os
olhos para onde ela olhava.
Minha irmã mais nova pegou o objeto e logo se envolveu no jogo,
me dispensando.
Eu também poderia me concentrar nos detalhes, se estivesse em um
dia bom. Mas resolvi fazer algumas coisas mais importantes, como:
entrelaçar meus braços no de Nikolai e ficar conversando sobre qualquer
coisa que nos deixássemos em constante contato.
Extrair dele toda informação que precisava.
Eu era uma verdadeira cadela provocadora, porque em todo
momento eu sabia que estava sendo observada. Não só pelo público curioso
que morria para saber o que estava acontecendo comigo, mas por Dominic
em específico. Ele sempre via tudo, mesmo em cima de um cavalo a metros
de distância.
Depois de mais três chukkas a partida acabou, e quando o apito
soou, desci a curta escadinha de madeira. Iria parabenizar os jogadores pela
vitória.
Fui a passos largos ao vestiário, estava animada.
Mas antes de atravessar as portas duplas, dei de cara com Zaki na
porta, que me recebeu com o semblante fechado e nada feliz.
— Você não vai passar aqui — disse firme e lhe dei um sorriso
como resposta.
— É claro que eu vou. E você vai deixar — ameacei.
— Hoje não, gatinha Gus — barrou minha entrada e colocou o taco
que estava em mãos encostado no portal. Zaki ainda estava com a roupa do
time e os equipamentos.
— Tem algo aí que eu não possa ver?
Ele abriu a boca duas vezes e se calou.
— Tem algo aqui que ele não gostaria de ver.
— Desde quando virou seu guarda-costas? — impliquei.
— Desde que as suas ações impliquem significativamente em um
jogo importante.
Sorri mais ainda.
— Eu não me importo.
— Devia. — Ele olhou atrás de mim. — Olha, sei que
provavelmente o meu comentário não irá fazer nenhuma diferença, mas não
acho uma boa ideia isso que está prestes a fazer.
— Realmente, eu não me importo.
— Mas, novamente, eu tenho que tentar, então estou disposto a
manter a paz e o restante do humor de Dominic por hoje. — Sua voz era
firme, como se estivesse frustrado por algo.
— Oh, então o capitão está de bom humor?
Zaki semicerrou os olhos me medindo.
— Você não vai estragar o clima, Augusta.
— Eu não quero estragar nada, eu só preciso…
— Me ver? — Algo se mexeu dentro de mim com a sua voz. E por
um segundo, segundos, a minha coragem falhou.
— Dominic. — Forcei o meu melhor sorriso ao me virar para
encarar o seu rosto.
Dominic não estava dentro do vestiário, ele tinha acabado de
chegar. E ainda estava vestido com os equipamentos do jogo. Não me
importei de analisar cada objeto que o comportava: estribos, bota de
montaria, uma calça branca, o cinto com a fivela desenhada, blusa verde
império, cotoveleiras, o taco na mão esquerda e o capacete na mão direita…
Cheguei ao seu rosto e…
Eu odiava essa parte, era quase doloroso.
— Augusta — ele não se importou em despejar amargura no meu
nome. Depois me analisou de cima a baixo, também fazendo um check-up
completo.
— É bom te ver aqui. — Desprezo cercava minha voz.
— Eu sempre estou aqui, e não, eu não acho bom te ver — soou
rude.
— Isso foi indelicado da sua parte, Dominic.
— Eu não me importo.
— Dia ruim?
— Pessoa ruim — soou amargurado e dobrou a cabeça para o lado,
me analisando calmamente. — Veio dar os parabéns ao seu noivo? —
provocou. Cínico. — Tenho um jeito perfeito de você me agradar…
Mas eu vi o seu sorriso desmanchar em seus lábios quando notou a
mão masculina deslizar em meu ombro.
Então, a expressão dos seus olhos mudaram. E o vi contar
mentalmente alguma sequência numérica. Ansiedade me tomou.
Sorri, mostrando os dentes.
— Sim, vim lhe parabenizar pelo jogo. Como você pediu!
— Eu gosto de pensar que você gosta das suas mãos — Dominic
ameaçou Nikolai, trazendo um clima tenso ao ambiente.
Mas Nikolai não soltou, olhei sua expressão tranquila.
— Gosto das minhas mãos — respondeu sem medo.
— Augusta — chamou e não tinha percebido que minha respiração
estava presa, até cometer a burrada de olhar em seus olhos. Um olhar de
desafio e, em instantes, suas íris escuras transbordaram centenas de
promessas.
Então, ele sorriu.
Um sorriso louco que transbordava frieza.
— Está ficando previsível, bruxa, tente de novo — arrogância
pingava de seus lábios. — E dessa vez, traga alguém digno de uma batalha.
Não ratos.
Abri a boca para rebater, mas desisti. Dominic já não estava em seu
lugar, tinha entrado no vestiário.
Dominic tinha me dado as costas.
Dominic tinha ignorado a minha ação.
Incrédula com o seu controle, cerrei os punhos.
As ações de Dominic estavam ficando imprevisíveis, e isso era
péssimo. Instável. Ele estava fazendo de novo.
A diversão foi trocada pela raiva, e senti meu rosto hiperventilar.
Merda, eu não tinha conseguido. Ele ainda estava na frente.
Olhei para Zaki que se mantinha calado, ele também ainda estava
equipado, só que suas mãos estavam livres do taco. Bufei alto com raiva.
— Fique longe dela, você não vai querer entrar nessa — foi a
última coisa que ouvi antes de sair às pressas.
Eu estava com raiva por não ter conseguido deixar Dominic com
raiva.
Cínico. Idiota. Babaca. Eu estava o odiando naquele momento e
sentia meu corpo em fogo. Frustrada, quis revidar.
Andei por um bom tempo debaixo do sol, e quando percebi, estava
no estacionamento. Eu poderia esperar por Apolline aqui, ou até mesmo
chamar um carro pra ir embora…
Fechei os olhos e encostei as mãos no vidro de um carro preto. Era
o Jeep preto. Semicerrei os olhos para o adesivo prata na lateral.
Curiosa, puxei a maçaneta dianteira. Babaca. Nada surpresa com
esse deslize, pois sabia que isso acontecia com frequência, encontrei dentro
do carro alguns equipamentos de jogo, um terno pendurado na alça e dois
tacos espalhados no banco.
Idiota do caralho.
A amargura me tomou, e eu só percebi de fato o que fiz quando o
alarme do Jeep disparou.
Eu havia estourado o vidro do carro de Dominic Clifford.
MANSÃO WILLIANS

— Te vejo à noite, querida. Se comporte como uma noiva.


Se comporte como uma noiva.
Mas que caralhos era isso?
Ficava cada vez mais frustrada comigo mesma e como as coisas
estavam desandando. Eu sabia quem era, e claro que eu ia me comportar
bem. Bem como uma perfeita dama que não devia satisfação a ninguém.
Ainda estava remoendo a cena na sala de reunião, sentia-me
enojada de sua atitude e tentava montar peças de um quebra-cabeça que há
muito tempo havia se perdido.
Sabia que provavelmente os presentes naquela mesa tiraram suas
próprias conclusões com a nossa hipotética ideia de paz. Nunca tivemos paz
e ver Dominic sendo tão baixo me fez perceber que talvez tínhamos ido
longe demais. Talvez estivéssemos definitivamente no fim.
O ar fresco da noite soprou meus cabelos quando os saltos tocaram
o caminho de pedras que levava à entrada da mansão Willians. Era a noite
da inauguração oficial do palácio e gostava de pensar que com novos
ambientes viriam novas lembranças.
Fico feliz por não ter um amontoado de pessoas na entrada da
mansão, isso significava que boa parte dos convidados da noite já teriam
chegado. Desfaço do meu sobretudo preto e entrego a uma das hostess que
me saúda no saguão. Solto o ar dos meus pulmões e aprumo a coluna,
entrando deslumbrada com a decoração magnífica por dentro.
Os bailes de gala eram sagrados para nós, e desde pequena havia
aprendido a amar cada pedacinho que eles compunham. Era tudo sobre
glamour, encontros, planos, vestimentas excepcionais, elegância, poder…
A noite poderia durar horas, e muitas vezes ia até a manhã seguinte.
Gostava de como a decoração dourada sugava toda a nossa essência
e brilhava expondo tudo que havia de mais belo em nós. Era sobre charme,
conquista e um pouco de sensualidade. Era prazeroso poder ver sorrisos
disfarçados e olhares trocados no meio do salão, ver como poderíamos
colocar um vestido bonito e ser a nossa versão mais áspera sem ter
verdadeiramente alguém para te julgar.
Porque os bailes tinham essa magia, nos teletransportar para a parte
bela da sociedade, nos fazer flutuar em máscaras douradas que cada um
escolhia pôr.
Era uma sensação viciante.
Senti olhares pesados e sorri satisfeita com o impacto da minha
presença. Havia uma boa quantidade de pessoas ali, e sorrisos discretos e
abaixar de cabeças foram recebidos por mim em cumprimentos de longe.
Alimentei o meu ego com suas admirações silenciosas, sabia que tinha
chamado atenção ao passar pelo portal decorado.
Saudei-os antes de adentrar o espaço com a pesada sensação de
estar sendo observada.
A mansão estava linda, a decoração dourada do salão foi
transpassada para a casa, o que pareceu valorizar cada pedacinho do lugar.
Como um grande palácio cor de ouro. Os lustres brilhantes, a grande escada
central com enormes flores no mesmo tom, transbordando do corrimão,
tapetes bordados com o símbolo da AAB, as grandes cortinas nas janelas, o
teto, os pilares e até as janelas e portas de vidro desenhadas… Percebi que o
primeiro andar todo estava disponível e decorado, e que tinham deixado as
escadas restritas aos andares de cima.
A sala estava cheia, muitos rostos conhecidos, alguns falavam mais
alto e outros apenas cochichavam em busca de serem discretos. A primeira
sala de entrada, a maior da mansão, tinha se transformado em um salão de
recepção perfeito, no segundo cômodo que fazia ligação com a sala tinha
duas grandes mesas compridas, ladeando a passagem e os portais largos que
faziam ligação entre as salas.
Vi algumas carinhas conhecidas sentadas na mesa posta, entre eles
o meu pai e a minha mãe ao lado do senhor Bash. Sorri amarelo, acenando
quando me chamaram e fingi não ter entendido. Tinham muitas pessoas ao
nosso redor, como ia saber que era comigo?
Adiando o encontro com a minha família, continuei pelo andar
movimentado. Eu me sentia em um verdadeiro palácio. Havia mais duas
salas um pouco menores abertas e coligadas, o que me fez lembrar um
pequeno labirinto. Tinha muitas portas e saídas ali, dando um total conforto
e acesso de movimentos a quem estava circulando.
Meu coração saltou quando voltei para a primeira sala e vi o
instrumento de cauda ao lado dos pés da escada. Havia um piano, isso
realmente era belo. Eu amava tocar, participava da orquestra principal da
cidade e era muito satisfeita por ser o instrumento destaque.
Uma música agitada tocava ao fundo, e estava pegando a minha
primeira taça de champanhe quando um corpo másculo, revestido de calça
social preta e uma camisa clara com os primeiros dois botões abertos,
entrou no meu campo de visão.
— Tenho para mim que como seu noivo, e o único homem a quem
pertence, deveria lhe dar os devidos elogios — provocou com olhos
divertidos e nada inocentes. Travei o maxilar.
Eu tinha o visto seguir os meus passos com os olhos enquanto eu
cumprimentava as pessoas e recebia elogios e comentários como: “Parabéns
pelo salão!”, “Soube da nova!”, “Você deve estar tão feliz!”, “Vocês
formam um casal lindo”. Fiz um verdadeiro esforço para não ranger os
dentes e ser mal-educada.
Cerrei a mandíbula nada contente com a sua presença ao meu lado,
a raiva da sua cara cínica não tinha passado. Entretanto, não fiquei
amargurada com as suas palavras grotescas por ter me colocado como
propriedade. Apenas sorri, falsa. Eu tinha acabado de conseguir o que
queria para essa noite.
— É claro que eu iria vir com a minha melhor roupa, eu não queria
decepcionar o meu noivo e não estar a altura — provoquei e ganhei um
olhar duro. Eu sabia que Dominic já tinha varrido todo meu corpo antes
mesmo dos meus dois pés tocarem completamente o mármore de entrada.
Um vestido preto abraçava cada curva do meu corpo até o calcanhar
em um estilo mid, um pouco das minhas costas estavam de fora, pois a
única alça grossa circulava o meu pescoço, segurada por um broche no
centro da garganta. Eu o classificaria como comportado, sem motivos para
grandes alvoroços, se não fosse a grande abertura na frente, que começava
pelo broche, indo até meus quadris, deixando à mostra minha barriga e
parte dos meus seios.
Não hesitei em pôr a prova o seu controle essa noite, pois sabia que
o meu corpo chamava atenção, e sabia mais ainda o quanto Dominic
reagiria quando visse o meu vestido. Ele podia ser um completo babaca e
sem noção com as situações, mas eu ainda conseguia as minhas coisas
quando queria.
Ainda sabia onde cutucar e receber uma resposta imediata. E tinha
decidido que poderia fazer desse tempo o melhor.
Não que estivesse contente com o rumo da minha bagunça, mas
tinha conversado comigo mesma hoje de manhã, tinha colado um adesivo
rosa nos meus pedaços soltos e decidido que, por ora, eu poderia sorrir e
acenar ao lado da pessoa que um dia jurei amar infinitamente.
Não havia como negar o peso que fomos um para o outro, nem fugir
da nossa história. Não que eu quisesse, pois as próprias pessoas que nos
rodeavam faziam o favor de me relembrar como já fomos um belo casal e
como sabiam que tudo ia ocorrer bem.
Patético.
Eu não sabia o que mais mexia comigo, se a certeza de acharem que
íamos nos resolver algum dia ou o destino rindo da minha cara pela ironia
de estarmos em título, juntos.
Dominic riu pelo nariz, mas seu sorriso perverso não combinava
com o brilho dos seus olhos. Claro que eu sabia que meu corpo mexia com
ele. Eu adorava isso.
— Não gostou do meu vestido? — Abri o meu melhor sorriso e
sabia que ia vir algo baixo de sua boca. Mal tinha colocado os pés no salão
e o nosso embate havia começado.
Dominic pesou o olhar em mim.
— Gosto desse vestido em você — tranquilidade soava em sua voz.
— Me faz pensar que qualquer um pode te admirar, mas, ainda assim, só eu
posso tocá-la.
Meu sangue esquentou e foi impossível não querer esganar o seu
pescoço. Arrogância pingava de sua boca e eu sabia que era ele querendo
me marcar.
Idiota do caralho.
Sabia que meus orbes teriam furado sua pele se fosse possível.
Dominic balançou a cabeça e vesti minha melhor armadura para
entrar. Hoje eu estava pronta.
Por um momento, senti o meu corpo vibrar.
Era quente, provar a sua essência era extremamente quente. Eu
consegui sentir o gosto de menta em meus lábios. Era quase impossível não
sentir cada camada ser afetada e desmanchada pela ligação. Era quase
impossível não querer me afundar no rio turvo e secreto dos seus olhos.
— Posso garantir um bom espetáculo — provoquei em um
sussurro.
— Você subestima a minha capacidade de controle, bruxa.
— Você provou a sua capacidade de controle quando foi o primeiro
a vir a mim, querido.
Um empate de olhar e várias promessas se quebrando.
— Eu gosto de pensar que estou apenas acompanhando a minha
noiva, em um gesto simpático de não deixá-la sozinha. — Sua voz era
calma e franzi o cenho, desconfiada.
— Eu não estou sozinha.
Estudo seu rosto e ele o meu. A nostalgia ameaça meus
pensamentos e vejo por segundos sua hesitação. Sua língua fez um estalo e
um garçom veio rapidamente ao seu comando quando sua mão foi erguida.
Todos estavam ali o servindo.
— Você sabe o que implica em estarmos noivos? — pontuou sem
intenção.
— Que agora vou ser muito bajulada? — zombei.
— Que agora somos um casal, e casais andam juntos, casais se
tocam. Inclusive, respondem às mensagens um do outro — alfinetou.
— Oh, pare de me mandar mensagens, você sozinho está
sustentando a operadora.
— Eu gosto de pensar que alguém está sendo beneficiado com isso.
— A falência começa pelo descontrole.
— O descontrole é bom.
— Pare.
Dominic arqueou as sobrancelhas grossas.
— O que quer? — exigi.
Dominic não fazia nada sem segundas intenções, e agora não seria
diferente. Observei o seu gesto quando pegou a taça da minha mão, ainda
cheia, depositando em uma bandeja, depois pegou um copo, despejando o
líquido âmbar da garrafa de vidro, e pegou uma taça com um líquido
familiar, me entregando.
Bebi, apreciando o Salvatore’s Legacy na minha língua, sentindo o
gosto de laranja e do licor doce. Comecei a dar passos devagar pelo
ambiente, a acústica não estava tão alta quanto as conversas ao nosso redor.
— Fale, Dominic. — Senti sua presença atrás de mim.
— Precisamos entrar em um acordo.
— Não vamos entrar em um acordo — falei, simples. Para mim,
esse noivado estava muito claro, famílias com ótimas potências se unindo e
construindo a nova era empreendedora de Bash. Só. Por enquanto.
Conversei comigo mesma sobre isso hoje de manhã, e havia criado
até alguns planos sobre como sobreviver a ele novamente. Sim, eu estava
me preparando para a derrota. Pois, após passar a semana toda em uma
busca cega pelo investigador que o meu pai jurou que Dominic tinha, me
afundei na decepção cruel de não ter achado nada.
Não houve um dia em que não surtei, deixando todos ao meu redor
tensos, pois eu não podia acreditar que havia uma singela possibilidade
desse noivado acontecer.
Então, depois de 24 horas em total estresse, decidi qual era o
melhor plano a seguir: seguiria com o noivado e me apegaria aos mínimos
detalhes de Dominic, não deixaria nada passar, pois se fosse verdade o que
meu pai disse, algo tinha que aparecer uma hora e eu simplesmente tinha
que estar pronta para reconhecer o meu fim.
— Nós vamos entrar em um acordo. — Cerrei os olhos para o tom
insistente e mandão, e por um lapso de memória, lembrei-me da nossa
primeira noite juntos.
Fiz uma careta, expulsando as lembranças da minha mente.
— Que tipo de acordo quer fazer? Não venha me dizer que quer
fingir algo na frente de alguém. Não precisamos provar nada a ninguém,
Dominic. Ainda podemos seguir nossas próprias vidas solteiras. Ninguém
liga para o que tem por trás dos números.
Dominic riu pelo nariz, como se algo fosse muito engraçado.
— Por que esse tipo de acordo passou pela sua cabeça? Por acaso
está interessada em me agarrar na frente de todos?
— Claro que não — me exaltei rápido demais, lhe arrancando um
arquear de sobrancelhas novamente.
Bufei e ameacei lhe dar as costas.
— Não, espera — bebi mais da bebida doce, aguardando. — É da
ciência de todos que ainda não posso tomar por direito a minha cadeira, não
sem antes o contrato nupcial ser assinado — começou rápido, me
impedindo de partir. — Ter bons aliados ainda não é o suficiente para
mudar algo dentro da AAB
— O que eu tenho a ver com isso?
Dominic sorriu forçado, como se tivesse que explicar o óbvio.
— Digamos que estou com planos de fazer algo que não vai
agradar algumas pessoas. E que um voto influente facilitaria as coisas para
o meu lado. Um apoio que poderia ganhar muitas vantagens em cima do
meu sobrenome por somente concordar em mudar algumas políticas no
contrato empresarial.
— E o que eu tenho a ver com isso? — repeti, cínica.
— É válido lembrar que tenho uma noiva com uma opinião muito
influente, e que eu poderia alcançar meus objetivos se ela apoiasse minha
solicitação.
— Uma solicitação para eu assinar mais rápido o contrato nupcial.
Você quer antecipar a coroação.
— É só um contrato, bruxa.
Trinquei o maxilar e respirei fundo.
— Está pensando em se rebelar? — disse irônica, desfazendo de
suas palavras.
— Eu estava pensando em mais uma mudança radical de algumas
pessoas do conselho — ele foi sincero e me perguntei com que poder ele
faria isso.
— Quem você quer pôr para dentro?
Dominic não pensou muito antes de falar:
— Fabian.
— Está louco? Você não vai conseguir mexer com essa estrutura, a
Coolp é independente, eles têm o seu próprio jeito de administrar a
produção rural. Na verdade, o plano de tabelas deles é incrível, duvido
aceitarem as regras.
— Você deveria ser a primeira a concordar com Fabian entrando
para AAB, já que parte das terras Tangáaras são dele e o interesse pela
expansão petrolífera já não é mais segredo.
Parece que meu pai estava comentando aos ventos sobre o projeto
Savana.
— Não importa, Fabian está disposto a entrar, ele quer um lugar na
mesa. E um acordo de terras pode ser conversado se você mostrar simpatia
pela ideia.
Fabian era uma verdadeira mina, era o agrícola mais rico da região,
o sistema de controle de suas fazendas era surreal de bom, produziam,
vendiam e comiam em suas próprias terras com um custo baixíssimo de
imposto.
Dominic tinha sido criado em sua fazenda antes de vir para Bash, e
tinha ganhado um certo carinho da família quando esteve lá, então era óbvio
que qualquer coisa ligada a Fabian, ele estaria a seu favor. Ele era um
homem experiente, muitos comentavam de sua bondade e inteligência.
O que não impediu que discutíssemos algumas vezes por causa de
produção e espaço, ele afirmava que a Stilk estava roubando seus
produtores e sujando seus pastos. Eu tentei avisar sobre lugares muito
próximos a terras petrolíferas, mas o seu orgulho lutava em deixar uma
mulher ter razão.
— Obrigada, mas não, estou feliz com o meu título. Que, aliás, eu
deveria agradecer por fazer parte da primeira geração de Bash? Acho que
devia agradecer pela coroa.
— Augusta — disse sério e parei meus passos. — Eu sei que não
irá conversar comigo sobre essa merda toda, nem estou pedindo isso. —
Levantou as mãos. Essa merda ele queria dizer a minha negação sobre o
noivado. Ou sobre nosso passado. Dava na mesma. — Você é uma pessoa
influente e o seu apoio é forte, e se concordarmos em algo, você pode
conseguir o que quiser me apoiando.
— Acho que chegou meio atrasado com isso, não acha? Ou devo
me preocupar com segundas surpresas essa noite? — Queria mesmo era
dizer como me senti enojada com a cena na Stilk, mas para chegar até isso,
precisaria avançar em um diálogo com ele que não estava disposta.
Dominic passou a mão livre em seus fios pretos, isso significava
que estava ficando impaciente.
— Eu falei sério sobre a sua posição, e talvez eu também queira
tirar uma ou duas pessoas do conselho.
Dominic tinha influência o bastante para não precisar de opiniões
terceiras, para não precisar de mim.
— E por que não esperar até a coroação?
— Por que alcançar o poder depois se podemos tê-lo agora?
Então, aí estava. Poder. Tinha me perguntado o porquê insistia em
um noivado com a pessoa que devia manter distância. Com a pessoa que
tinha o machucado. E bom, aí estava a resposta. Não era só sobre se casar
comigo, me contradizendo e fazendo da minha vida um inferno.
Era sobre casar com a mulher que odeia para obter um poder
supremo.
Era uma armadilha, eu sabia. Ele tentava arrancar a verdade de mim
há meses e eu sabia que não podia confiar em suas intenções primárias.
Entretanto, talvez tenhamos também uma ou duas coisas em comum
além do recíproco sentimento amargo. Ambição. Ambição por ter a chance
de ter algum tipo de poder. Talvez eu pudesse concordar só um pouquinho
com ele.
Se Dominic quer me dar a sua cabeça, quem sou eu para negá-la?
— E o que exatamente ganho com isso?
Seus olhos se iluminaram:
— Parece que vai haver uma barganha entre nós — Dominic se
animou e meus pensamentos voaram. Era claramente mais uma de suas
armadilhas. — O que quiser — disse simples, e meu sorriso cresceu rápido
demais e a sua resposta veio rápido demais também, junto a uma carranca:
— Contanto que não atrapalhe e nem desfaça o nosso contrato matrimonial.
Jogar com Dominic nunca era bom, sempre tinha segundas
intenções escondidas em cada vírgula de palavras. Ele estava tranquilo e sua
expressão não o entregava.
Talvez eu pudesse mudar um pouco o meu jogo. Porque mesmo que
Dominic estivesse blefando, enfeitando palavras falsas com doces
coloridos, o que poderia perder? Mesmo que fosse uma barganha falsa e
Dominic tivesse outros objetivos por trás, não havia nada que ele pudesse
me tirar além de doces mentiras.
— O que preciso fazer? — estalei a língua.
Seu rosto se abriu e um sorriso diferente brotou em seus lábios.
Franzi o cenho, eu não conhecia esse sorriso.
— Por hoje, somente aceitar o nosso título da noite.
— O quê? — me exaltei.
— Esqueci e acabei deixando de contar que agora temos algo a
cumprir — sua voz soou provocativa e cheia de segredos. — Se anime,
bruxa, as obrigações da coroa estão mais perto do que imagina!
Paralisei no lugar enquanto Dominic exercia um brilho
desconhecido no olhar. Ele estava aprontando algo, tinha que estar. Talvez
ele já tenha descoberto sobre tudo e tenha iniciado uma cruel vingança
contra mim.
Isso fazia sentido? Mordi os lábios com meus neurônios fritando.
Bufei de raiva.
— Não nascemos grudados, você pode ser gentil e sair do meu pé
agora — disse, querendo espaço, eu iria procurar as minhas amigas para
falar mal dos meus sentimentos.
— Gentileza é outra palavra que aprendeu? — Ele continuou ao
meu lado.
— Preciso respirar um ar que não está contaminado por você, e isso
só é possível com você a bons passos de distância. Está atrapalhando meus
movimentos.
— Você pode ir embora se quiser — sugeriu.
Semicerrei os olhos, com os seus olhando para qualquer lugar no
meu corpo, menos para o meu rosto.
Diverti-me:
— A minha presença te afeta tanto que teria coragem de deixar a
sua própria noiva ir embora?
Sua resposta foi um semblante sem emoções e o maxilar travado.
— Vou aceitar isso como um elogio.
Continuei meus passos devagar e coloquei as mãos para trás, em
uma postura segura.
A noite corria magicamente através dos meus olhos, e a música
vibrava em um tom perfeito depois que fui até o pianista dar algumas dicas
de notas. Fui até o meu pai, que me presenteou com meia hora de discussão
sobre novas escavações. As minhas amigas vieram até mim e alinhamos
pontos sobre o QueenKey.
E tudo isso aconteceu com o cão de guarda ao meu lado. Revirei os
olhos quando nos afastamos de mais um grupo de Cheffts do norte.
— Fique perto de mim — Dominic disse rígido, parando os passos
depois de um tempo em silêncio.
— Da última vez que verifiquei no espelho, não havia nenhuma
coleira em meu pescoço.
— Eu posso te pôr uma, se quiser. — Seu tom era de provocação,
mas completamente enfadonho.
— Que bom que ainda tem senso de humor — respondi azeda,
incomodada com seu olhar sério que não deixou as minhas costas.
Então segui a direção dos seus olhos, encontrando os apoiadores da
família Clifford vindo em nossa direção.
Cerrei a mandíbula, engolindo a respiração. Franzi o cenho,
lembrando que não estava só, e fitei Dominic que parecia esperar por eles
com um semblante sério, mas decidido. E ao voltar a atenção para os
homens que já estavam à nossa frente, algo dentro de mim se incomodou, e
precisei firmar mais as pernas no chão para não ir embora.
Davis, Hernandez, Garcia, Gonzales e Martinez, todos vestidos com
um perfeito terno e com a aparência já madura. Foi impossível não sentir
olhares pesados em mim. Ou no meu decote. Sorri, irônica. Ao contrário de
Dominic, que arrumou a postura e deu um passo à frente. Fuzilei sua nuca
querendo que saísse laser dos meus orbes para provocar um buraco em sua
pele.
Dei mais um passo também, ficando ao seu lado. Jurei ter ouvido
um grunhido.
— Boa noite, Dominic — Martinez deu a voz, e com um leve
inclinar de cabeça, veio o meu cumprimento também. — Augusta.
— Boa noite — desgosto pingava da voz de Dominic e me
perguntei o porquê da sua chateação. Eles eram os mais próximos de
Dominic pela pirâmide.
— A aliança entre as suas famílias é muito bem-vinda por nós,
tenho certeza que Bash está em festa por vocês — uma cabeleira loira disse,
Davis, e eu soube que sua fala era verdadeira. Não que eles estivessem
felizes, mas a cidade em si.
Como disse, não havia escapatória para fatos, a nossa união
matrimonial levaria Bash para novos números no gráfico econômico do
estado.
Havíamos tomado proporção dessa informação assim que
começamos a ser vistos juntos quando éramos mais novos, mas estávamos
cegos demais um pelo outro pra perceber o que de fato significava ter
sentimentos na alta sociedade de Bash.
— Acredito que nos próximos dias a gestão deva entrar em conflito
pela mudança solicitada. — A voz de Gonzales, o homem que parecia o
mais velho do grupo, foi direcionada a mim. Arqueei as sobrancelhas,
intrigada. — Mas se mantenha firme, não os deixe te intimidar. Estaremos
aqui.
— A presença de uma mulher sempre foi um dilema questionável
— Hernandez complementou, acho que ele me suportava, para não dizer
coisa pior. — Não que não achemos suas opiniões válidas, mas sabe como
é?
Eu não sabia como era. Continuei calada. Porque temia as minhas
palavras contra eles.
— Confesso que estou animado com essa mudança — Davis disse
animado. — Dominic sempre nos tirando da nossa área de conforto — eles
riram como se houvesse algo escondido entre eles. Mas estava apegada
demais às suas últimas palavras para tentar decifrar. E estática demais com
toda a interação educada.
— É claro que ficamos com medo de não dar certo, sentimentos às
vezes podem ser muito voláteis. Mas que bom que estão juntos agora. —
Martinez levantou a taça em um brinde e engoli o caroço que havia se
formado em minha garganta com a ameaça do seu tom seco nos saudando.
Ele brindou sozinho. — Vida bela ao rei e a rainha.
— Mal posso esperar — sorri amarelo enquanto os via partir depois
de trocar breves palavras com Dominic sobre a sua agenda da semana.
Mas que merda?
Consolo não era algo que eu esperava ouvir de suas bocas. Nem a
disposição de uma mudança que por tantos anos foi rígida entre eles, e
somente entre eles: os homens.
Cerrei meus olhos para Dominic, que tinha a expressão neutra
observando o G5 se afastar de nós. O nó em minha garganta ainda estava
ali, e poderia vomitar a qualquer momento se tivesse que continuar olhando
para os homens que não me tinham como uma das pessoas favoritas de suas
vidas.
— Por que sinto que deveria saber de algo?
Dominic arqueou as sobrancelhas em um gesto zombeteiro, mas
totalmente sem graça. Algo dentro de mim se agitou.
— Porque deveria — falou simples e naquele momento ele não
pareceu a pessoa que eu tinha construído em minha cabeça nos últimos
meses.
Isso me deixou incomodada, porque era um ataque diferente.
Abri a boca pra começar uma discussão sobre o que estava
escondendo de mim, mas já era tarde. Dominic tinha me abandonado no
meio do salão, me deixando mais confusa sobre o que realmente estava
havendo entre nós.
CASAL DE HONRA

Eu não era verdadeira com os meus sentimentos. Mentia e me


escondia nos cantos mais escuros da minha mente. Estava tão afundada em
minhas negações e mentiras que esquecia quem realmente éramos. Quem
Dominic, de fato, é. E apesar dos nossos combates diários, admitia que
nunca deixava de doer, e que nunca era mais suportável olhar para nossos
cacos e só encontrar resquício de uma essência que jamais seria encontrada.
Tínhamos uma história, uma marca, uma cicatriz que eu escondia a
sete chaves dentro de uma caixinha verde no fundo do meu guarda-roupa,
na quarta porta do segundo andar. Tínhamos algo a lembrar sempre que
chegamos perto demais um do outro.
Fazia nove meses que eu tinha trancado a pequena caixa. Nove
meses. Nove meses que eu não sabia o que era ser sincera comigo. Nove
meses que tinha escolhido não lutar. Nove meses que o tinha destruído.
Nove meses do começo do nosso fim. Nove meses que havia posto o espaço
entre nós.
Tinha virado expert em driblar a dor e me esconder atrás de
palavras vazias e sentimentos covardes. Porque encarar os nossos pedaços
era tornar real o meu calvário, assumir uma verdade que andei escondendo
nos últimos meses.
Então, ver Dominic com planos que me destruiriam, incomodou-
me. E eu tinha que fazer algo sobre isso. Eu tinha que afastá-lo de novo
para que conseguisse seguir nessa nova linha que traçamos em busca da
coroa.
Logo, alcancei Miriam e Ella, que estavam sentadas na mesa oposta
que nossos pais estavam, elas conversavam baixinho. Meu coração se
encheu ao vê-las.
— Vocês deveriam estar dançando, não aqui fofocando.
As duas levantaram a cabeça na mesma hora e me saudaram com
sorrisos abertos.
— Eu gostaria de não ter que ir a um baile para ver a minha própria
irmã — Ella cutucou minhas costelas, me alfinetando. E sentei na cadeira
ao seu lado.
— A sua irmã tem mais o que fazer.
— Aham. — Miriam levantou as sobrancelhas em um comentário
de duplo sentido. — Estávamos vendo bem há poucos minutos.
Franzi o cenho e mirei o olhar para onde ela estava olhando.
— Já deveriam saber o diagnóstico da loucura de Dom Clifford. —
Ele estava com o corpo virado para nós três, com seus amigos ao seu redor
o bajulando. Seus olhos passeavam aqui vez ou outra. — Ele tem uma
mania obsessiva.
— Deve ser a convivência. — Deu de ombros, como se fosse óbvio
o motivo.
Tombei minha cabeça para o lado, pensando na última semana.
— Dominic está tramando algo. — Recebi uma revirada de olhos
de minhas irmãs quase ao mesmo tempo. — Ele está perturbando o meu
espaço. Ele passou a semana inteira na Stilk — me derramei em frustração,
algo que tinha me atormentado a semana toda.
— Pelo que me lembre, Dominic tem um certo favoritismo pelo
bloco de reuniões do prédio, sua presença deixou de ser estranha há algum
tempo — Ella comentou confusa, como se estivéssemos dizendo coisas
óbvias. — Não é normal que ele esteja lá de vez em quando?
— Exato, de vez em quando, não todos os dias da semana. — Tomei
da minha taça que agora tinha água. Bufei. Não era por causa da sua
presença constante que a minha frustração vinha, era sobre ele estar
chegando perto demais.
— Ele tem uma empresa para cuidar e insiste em ficar na minha. A
desculpa da vez é sobre adicionar as cláusulas do contrato nupcial. Todos os
dias há um batalhão entrando por nossas portas.
— Pense que agora vocês têm uma desculpa para estarem juntos no
mesmo ambiente — a minha irmã mais velha alfinetou. — Não sei como
esse jogo esquisito entre vocês funciona.
— Não quero desculpas para estar no mesmo ambiente que
Dominic. — Minha voz saiu aguda, mas o arquear de suas sobrancelhas
permaneceu. — Eu não…
— Dorme em paz, pequeno Pinóquio. — Ella apenas levava sua
cabeça para um lado e para o outro, acompanhando nossa implicância. —
Ninguém realmente liga para as suas guerras internas.
Suspirei. Fechei o semblante, ficando um pouco emburrada. Minhas
irmãs nunca foram boas em estarem do meu lado.
— Acredita que quase escrevi uma carta pra você? Acho que as
mensagens on-line que te enviei a semana toda não chegaram até você.
— Não seja dramática, Miriam, só não tive tempo pra voltar pra
casa ainda.
— Você quer discutir sobre drama? — Fechei os olhos. Ela não ia
parar, ela era mestre. — Aliás, como vai o grande dia? Estamos
empolgadas. Ops, esqueci que ninguém foi avisado, inclusive suas irmãs de
sangue.
— Você deveria ser a primeira a saber que isso tudo não é de
verdade. O pai está forçando essa merda.
— Você fala do seu casamento com Dominic? — Ella disse alto e
praguejei por ouvir essa frase.
Balancei a cabeça.
— Poderíamos ignorar um pouco esse fato?
— Está em negação? — Minha irmã mais velha se divertiu e eu
quis sair no tapa com ela.
— Não.
— Oh! — Diversão enchia seus olhos. — Está emburrada por não
contribuirmos com as suas mentiras?
Trinquei o maxilar, sentindo meu coração palpitar frustrado.
Poderia falar que senti um pouco de raiva pelo total de zero importância
para o meu drama, embora soubesse que o sentimento não tinha nada a ver
com as minhas mentiras e sim com o fato de Dominic estar tão disposto a
destruir todas as minhas tentativas de mantê-lo longe.
— Então, o quê? — A voz de Miriam tinha amaciado e senti a
mudança em seu tom. Rápido demais, meu escudo estava aberto, com ela
era sempre assim. — Qual o obstáculo da vez?
Franzi o cenho, ainda chateada.
— É sério que vocês não veem nada de estranho em um noivado
entre duas pessoas com sintomas destrutivos? Duas pessoas que deveriam
ficar o mais longe possível uma da outra e não criar um laço para o resto da
vida?
Uma sinceridade peculiar saiu de meus lábios e fiquei um pouco
tensa, porém, aliviada por ter falado o que comia os meus pensamentos
desde que o noivado foi anunciado. Às vezes, era impossível não deixar
escapar pela minha boca o que tanto minha mente tentava esconder.
— Não quando são vocês dois — Ella soou leve e gostaria de ter a
sua leveza naquele momento.
Bufei.
— Não deveria pelo menos ser vergonhoso?
O arquear de sobrancelhas das duas sincronizou-se novamente.
— Augusta, o papai deixou de ter ordens sobre você há muito
tempo. Ele só foi corajoso o suficiente para meter a colher no meio da sua
bagunça. Acho que quase estamos gratos. — A sinceridade de Miriam me
cortou e quase me sufoquei na minha própria respiração.
Minha irmã mais velha com certeza sabia me pôr no meu lugar.
— Vocês não deveriam estar… Tristes por mim?
As duas riram. Elas riram da minha cara. Abri a boca.
— Acredite quando digo que tristeza é a última coisa que iremos
sentir com o seu casamento.
— Ow, não precisam dizer como me querem longe de suas vidas.
— Triste eu vou ficar quando o papai decidir ignorar as minhas
birras — Miriam pensou alto. — Já pensou, eu tendo que casar com alguém
que não conheço?
— O papai não vai fazer isso.
— Está vendo? Você tem uma autonomia, e se algo está te levando,
é porque quer. Não há o que achar estranho. Somente… Confuso. — Ela
franziu o cenho. E embora soubesse de toda história e não concordasse em
nada com ela, seus sentimentos falavam mais alto quando eu pedia socorro.
Mordi os lábios, tentando mais uma vez.
— Não soa maníaco? — Os olhos das duas me pegaram mais uma
vez. — Quer dizer, esse noivado não parece sem sentido quando nem
mesmo conseguimos ficar no mesmo cômodo sem nos ofendermos? Não
acha que já estamos saturados? Não é loucura prolongar algo que já devia
ter terminado há meses?
Perguntei sincera e aguardei uma resposta sincera também.
Precisava dela, precisava ouvir com meus próprios ouvidos o que
éramos e me pôr em meu lugar.
Eu reconhecia o ciclo vicioso que me colocava todas as vezes que
me sentia ameaçada. Era quase como uma reação automática. E sabia
também que Dominic tinha uma reação automática a mim, uma mania
doentia de tentar me salvar. O que me levava ao ponto de desconfiar de
cada pequena ação diferente que ele tinha sobre mim. Como poucos
minutos atrás.
— Estranho seria ele não lutar por você — alfinetou e me calei.
Miriam nunca pegava leve comigo, nunca me negava a verdade,
nunca fazia questão de contribuir com as minhas mentiras. Essa era ela,
sempre verdadeira com ela mesma e com as pessoas ao seu redor.
Então, aceitei sua verdade, mesmo sabendo que as minhas ações
não honrariam meus sentimentos. E foi o bastante. O bastante para saber
que ele estava tentando de novo e eu não deveria me enganar.
O silêncio se fez presente entre nós, abrindo portas para conversas
altas e um acústico ambiente invadir meus tímpanos. Enchi a minha taça
com um suco de laranja que foi servido.
— Lembre-se de mim no final da noite, gostaria de tirar uma foto
com as minhas meninas. — Fui presenteada com o seu perfume familiar
quando minha mãe apareceu do meu lado, acariciando meus cabelos.
Olhei de relance para ela, sabendo que tinha fugido do seu encontro
mais cedo. Seu cabelo estava em um coque baixo, com uma trança
embutida dos dois lados, e uma presilha prata com pedrinhas delicadas
brilhava combinando com suas luzes loiras.
Minha mãe e eu éramos muito parecidas, na verdade, nós quatro
tínhamos o rosto muito parecido. O formato arredondado, rastros de sardas
na bochecha e no nariz, os olhos grandes, as sobrancelhas grossas, a boca
cheia e os cabelos castanhos eram todos herdados da minha mãe.
A genética de altura na nossa família foi abundante, o que mudava
mesmo entre nós era que Miriam e Ella tinham a cor dos cabelos muito
mais claros que os meus e os da mamãe, herdando o tom quase loiro do
meu pai.
— Se a senhora não esquecer de mim no final da festa, quem sabe?
— brinquei, mas me arrependi de ter comentado na mesma hora.
— Está sem carro? — minha mãe perguntou sem pestanejar e vi
minhas irmãs prestarem mais atenção na nossa conversa. Curiosas.
Dei de ombros, fazendo pouco caso.
— Hoje sim.
Bebi mais um pouco do suco de laranja.
— Então, vai para casa hoje?
— Uhum.
Minha mãe me olhou como se soubesse todos os meus segredos e
fiquei tensa por um instante. O meu pai poderia me pôr no lugar quando eu
surtasse, ou poderia quebrar a minha crista quando eu achasse que tinha o
rei na barriga. Mas era ela quem colocava ordem em nós somente com o
olhar. Eu nunca me enganei com o rosto e a voz simpática de Marcella
Vendetta, a mulher tinha pulso para sustentar um conflito quando a coisa
ficava feia.
Inclusive dar uma ordem sobre limites através do olhar.
— Se atente às regras. — E foi tudo antes de alisar meus cabelos
com as mãos e partir.
Acho que ouvi um leve suspiro da boca de Ella.
— Então, vai para casa hoje? Interessante… — Miriam provocou,
mas Ella pulou, me abraçando.
— Vamos dormir nós três juntinhas. — Apertou o meu pescoço e o
de Miriam com seus braços finos. — Levará Oscar? — Seus olhos
brilharam.
— Claro, não existe Augusta sem Oscar.
Pensei nele dormindo no apartamento de McCall, passaria para
buscá-lo assim que saísse daqui. Ella se exultou e sorri de leve, provando da
sua alegria.
— Estou realmente feliz em não precisar ter usado o meu super
poder de irmã mais nova.
Uma voz ao microfone se destacou, e percebi que havia um homem
nas escadas falando algo. O som parou, deixando que todos ouvissem os
cumprimentos da noite.
— Boa noite, espero que estejam tendo uma noite agradável. —
Enruguei a testa, ouvindo o que parecia ser a voz enjoativa do prefeito. —
Está oficialmente aberta a mansão Willians para eventos locais! Todos
sabem que há tempos queríamos reabri-la e transformar o que era velho em
novo, foi uma reforma demorada e cheia de surpresas, com todas as
burocracias locais e papelada. Respeitamos as memórias da casa, e
tentamos manter quase tudo igual, com toques mais modernos, é claro. —
Algumas risadas foram ouvidas. — No entanto, espero que estejamos juntos
nesse novo ciclo, essa casa é nossa e espero honrar a tradição da cidade e
permitir que novas memórias felizes sejam criadas a partir de agora —
continuou e palmas foram ouvidas, eu estava feliz por termos ganhado mais
um espaço. — E ah… — exultou alegre, mas não pude saber o porquê, não
conseguia vê-lo. Mas a minha curiosidade foi sanada assim que o prefeito
terminou a sua saudação. — Parece que temos algo a cumprir, uma tradição
não é tradição sem a parte mais importante da noite, certo? Sejam gentis
com o nosso casal de honra e abram o salão, porque a primeira valsa é
deles!
Se tivesse com algo na boca, com certeza teria cuspido tudo para
fora. Merda. Olhei alarmada para as minhas irmãs que franziram o cenho,
não entendendo.
Um silêncio estranho começou a se instalar quando ninguém se
levantou ou se mexeu. Não quando quem devia fazer isso era eu.
Desejei que pudesse queimar alguém somente com os olhos quando
a cabeleira preta ameaçou se aproximar da nossa mesa. Seus olhos me
procuraram e me acharam sem nenhuma dificuldade, e uma expressão
perversa sombreava seus olhos e seus lábios.
Éramos o casal de honra da noite e, de certa forma, eu tinha que
iniciar uma valsa com Dominic. Que merda tinham na cabeça por acharem
isso uma boa ideia? Um silêncio incômodo rasgou a sala, e sabia que os
olhares ao nosso redor estavam esperando por uma reação nossa.
Uma reação minha.
Porque Dominic estava de pé e eu ainda estava sentada, nada
disposta a me levantar. Pude sentir a tensão se formando ao nosso redor.
Isso era o que nós dois causávamos. O misto infinito de surpresas. As
pessoas esperavam e aguardavam pela nossa interação pública. Porque já
havia visto mais de uma vez rostos curiosos e ansiosos quando o assunto se
tornava Dominic e Augusta.
Me imaginei levantando da cadeira, com um sorriso nos lábios, com
passos firmes, e saindo pela outra porta e deixando Dominic ali sozinho,
deixando todos ali. Eu poderia fazer isso, poderia mesmo. E poderia até
afirmar que Dominic sabia disso pelo olhar que me presenteou.
A sua expressão de desafio atiçava o incômodo e uma raiva genuína
dentro de mim, era como se ele zombasse de mim, me instigando a fazer
tudo ao contrário. Me desafiando a dar a eles um espetáculo.
Babaca, queria derramar o restante do meu suco de laranja em sua
cabeça por despertar um sentimento que nublava a minha razão e me fazia
querer entrar em seu joguinho perverso.
— Levante a bunda daí e faça algo — Miriam ralhou e encarei seu
rosto, acho que sua vontade era de me dar alguns tapas. Eu era o centro das
atenções, e estava perto dela, o que significava que a sua imagem também
estava sendo observada. Levantei minha bunda da cadeira.
E jurei, jurei mesmo, ter ouvido suspiros e murmúrios.
Há um certo segredo de comportamento entre os bailes de gala de
Bash, uma certa cobrança e regra não intencionada que ao não identificá-
las, estaria facilmente perdida no fluxo diário que os eventos da cidade
apresentavam.
Lembro-me da minha mãe a ralhar conosco sobre sermos mais
atentas aos detalhes, sobre aprendermos mais com as ações dos outros. E
não foi à toa que ela criou três crianças extremamente curiosas e atrevidas.
Ela nos levava a bailes desde de muito novas, querendo que entendêssemos
sobre coreografias, gestos, como se portar, usar nossos dons, de como falar
e se impor diante do inesperado.
Então era esperado que eu lidasse com a merda de uma valsa sem
que tivesse sido antecipada e devidamente comunicada. Olhei no rosto das
minhas irmãs uma última vez, vendo que seus olhos me observavam
atentamente. Um pouco de admiração e incentivo.
Eu poderia fazer isso. Franzi o cenho enquanto dava passos
precisos, me atentando ao meu vestido nada apropriado para uma dança.
Isso não iria dar certo.
Caminhei na frente de Dominic, guiando-o para o centro, ele me
encarou, provavelmente imaginando a minha vontade de abandonar essa
formalidade. Ele não esboçou nenhuma reação diante de mim e soube que
tinha que dar o primeiro passo. Tinha que lhe dizer o que fazer.
Virei-me de costas para ele quando os acordes iniciais tomaram
forma e uma roda se formou ao nosso redor. Nos esperando. Enchi meus
pulmões de ar acalmando meus nervos.
Eu não estava nervosa ou tímida, nem com vergonha de fazer
alguns passos que poderia sair errado na frente daquelas pessoas, longe
disso. Eu não era assim, não tinha uma bola de preocupação sobre o que a
sociedade iria achar de mim ou das minhas atividades. Mas estava com
certeza receosa pela aproximação entre nossos corpos que logo viria. Quase
preocupada, na verdade, com o quão perto ficaríamos.
Um misto de emoções assolou meu estômago quando senti a mão
de Dominic em meu braço esquerdo, encarei seu gesto desconfiada
enquanto ele levava o dorso da minha mão à sua boca e depois rodou o meu
corpo, deixando que somente nossas mãos direitas ficassem coladas na
altura de nossos rostos.
Suspirei.
Encarei seu ombro, não olhando nada mais ao meu redor. Meu
corpo entrou em conflito com a minha mente, dando início a cansativa luta
contra a nossa proximidade.
— Lembra de alguma coreografia fácil? — Sua voz era baixa e me
atentei às notas do piano, tentando identificar.
— Dar meia-volta e ir embora é fácil.
— E perder uma foto na capa da Dior?
Começamos a rodar com as mãos grudadas quando reconheci You
Are The Reason, foi impossível não esticar os meus dedos que estavam
soltos. Tocar era muito mais agradável do que dançar.
Encarei seu rosto com a mente ciente das nossas mãos suspensas.
— Não achei que ligasse para uma revista de fofoca.
— Eu não ligo. — Deu de ombros, me rodando e deixando que
ficássemos lado a lado, com uma de suas mãos em minha cintura e a outra
segurando meu braço esticado e colado em seu peito. — Mas vou estar com
você, e eu verdadeiramente ligo em posar ao seu lado como noivo.
Demorei poucos segundos para entender o que estava dizendo.
Fuzilei seus olhos quando Dominic me rodou, deixando meu corpo leve
com passos simples de troca de braços. Não vestia algo rodado que pudesse
voar livre no meu corpo e provocar alguma entrada de ar em minhas pernas.
Sentia que algo estava se formando dentro de mim, talvez um pouco
de adrenalina por querer saber como terminaríamos essa noite.
— Uma foto não diz nada e não marca nada em mim — fui rude.
— Talvez não para você, mas para eles…
Dominic me rodou novamente e dessa vez juntou nossos corpos,
apoiando meu braço esquerdo com o dele e sustentando o direito com a sua
mão esquerda. Eu estava ciente do seu corpo.
— Eu ainda não sei o porquê de ainda não terem te amarrado em
uma camisa de força.
Começamos a rodar pelo salão, com passos firmes, o que me
deixava segura em relação a movimentos rápidos demais. Algo eu tinha que
admitir em certo momento, o que me deixava parcialmente irritada,
Dominic sabia me segurar, e odiava como ele tinha ciência disso e
aproveitava da brecha para me alfinetar.
— Talvez o manicômio não seja páreo para mim.
Ficamos alguns segundos nos encarando e fui em busca de um
conflito em seus olhos, e não achei. Os olhos de Dominic naquele momento
não me diziam nada, mas um puxar de lábios enfeitava sua cara.
— Do que está rindo?
— Estou lembrando quando aprendemos essa coreografia. —
Franzi o cenho. — Não venha me dizer que não foi engraçado, éramos o
pior casal debutando.
— Talvez.
Dei duas voltas soltas antes de voltar para os seus braços
novamente. Dominic tinha sido o meu par quando participei pela primeira
vez do QueenKey. Uma das últimas etapas era a dança romântica, tínhamos
que convidar alguém especial para debutar, e é claro que a minha primeira
opção tinha sido ele.
A nostalgia ameaçou me comer, fazendo meu coração tropeçar em
um passado não muito distante. Dançar com Dominic nunca era bom, não
quando com o mínimo contato entre nós, os meus sentimentos ameaçavam
transbordar, me dizendo o quão patética eu era por afastá-lo.
Olhei desconfiada, querendo saber aonde ele queria nos levar.
— Não podemos negar que se a sua pontuação dependesse de mim,
você teria perdido — alfinetou.
— Eu teria ganhado do mesmo jeito se a minha pontuação
dependesse de você.
Ele arqueou as sobrancelhas e me rodou, parando nossos corpos em
uma posição frontal, depois rodou à minha volta e olhou para baixo. Para as
minhas pernas. Meu coração e ventre se comunicando rapidamente com a
expectativa de ter as mãos de Dominic em mim. Engoli em seco querendo
apertar qualquer parte do seu corpo. Minhas unhas afundando na minha
palma.
— Não se atreva — ralhei antes que fizesse o próximo passo,
querendo queimar suas mãos.
Assim, Dominic uniu nossas mãos com nossos braços cruzados, e
fizemos a troca de lugar, para a frente e para trás, para a frente e para trás,
rodei debaixo dos seus braços e paramos poucos passos na frente um do
outro, me deixando um pouco tensa. Porque, de repente, seus olhos estavam
queimando ardentemente minha pele desnuda. Ele estava olhando
fixamente para a abertura do meu vestido.
Algo tinha ficado quente e soltei o ar pela boca, regulando a
respiração.
— Tenho uma péssima informação pra te dar — murmurei quando,
ainda com uma das mãos ligadas, abrimos os braços em um passo leve,
repetindo três vezes o movimento antes de Dominic me rodar novamente e
me enrolar dentro dos seus braços, dessa vez, ficando com o rosto muito
próximo ao dele.
Prensei os lábios, tomando mais ciência do seu corpo.
— Acho que sou bom com péssimas notícias — ele sussurrou e
demos alguns passos naquela posição, com a frente aberta. Passei o olhar à
nossa volta, percebendo que ainda éramos o foco, ninguém tinha
desgrudado de suas posições e um flash brilhou em algum lugar.
Seus olhos me capturaram de novo e sua mão, que estava segurando
somente meus braços, passou de leve na minha pele exposta. Mordi minhas
bochechas, começando a sentir meu corpo inquieto.
Recuperei o fôlego me desenrolando e rodando, levando meu braço
esticado enquanto contornei seu tronco, passando os dedos por seus
ombros. Eu tinha que fazer algo antes que meu corpo vencesse a minha
razão.
— Parece que não estou sendo clara o suficiente e algo dentro de
mim me diz que está acontecendo novamente. — Minha voz saiu firme e
baixa. Dominic ficou quieto, e dei mais uma volta mirando seu rosto. —
Pare o que está tentando fazer agora mesmo, Dominic. Eu não sei o que
acha que vai conseguir com esse noivado, mas espero que esteja disposto a
falhar novamente.
— Eu não estou fazendo nada — um pingo de ironia sussurrava de
seus lábios.
Aprumei minha coluna, colocando meus dois braços em seus
ombros, recebendo de imediato o arrepio na espinha quando seus braços
rodearam minha cintura em um aperto firme. Começamos a andar em
passos mais lentos pelo espaço. Rodando levemente.
— Você sabe o que estou dizendo.
— Eu não sei sobre o que está dizendo
A raiva ameaçou se instalar por ele estar negando. Fechei os olhos.
— Você sabe do que estou falando.
— Não.
Dominic levou a dança novamente e começamos com a troca de
mãos, comigo passando por baixo do seu braço estendido, que segurava
uma das minhas mãos livres. Fizemos esse passo algumas vezes antes de
cruzarmos nossas mãos e braços na altura de nosso rosto e eu ser girada,
voltando para posição inicial de valsa.
Mas dessa vez, seus braços estavam amarrados em minhas costas e
sua mão segurava a minha com os braços mais estendidos. Como se ele
quisesse me ter o mais exposta para ele naquele momento.
— Quantas vezes vou ter que destruí-lo para entender que não
quero que você tente.
Seus olhos me pegaram novamente e me mantive neles.
— Eu não sei do que está falando — disse, sem nenhum peso ou
culpa.
E continuou a levar meu corpo pelo salão, me rodando diversas
vezes e provocando a minha pele com suas mãos ásperas. Inspirei pesado e
acalmei o meu peito, deixando-me levar.
Nos últimos meses, Dominic tinha desenvolvido um certo
mecanismo de ataque em relação a mim. Ele havia obsessivamente se
adaptado às minhas crises emocionais e criado formas maníacas de me fazer
baixar a guarda.
Na primeira vez, eu achei fascinante o seu esforço em me trazer de
volta, porque tinha algo dentro de Dominic que me despertava, fazia me
querer viver. E ele trabalhou nisso, mexendo com meus sentimentos e me
desestruturando, abrindo brechas no muro que lapidei com rochas sólidas,
feitas na mais singela dor.
Eu quase desejei poder deixar as barreiras caírem, mas no último
segundo, a covardia foi mais forte e eu não pude deixá-lo entrar. Não
quando o medo assombrava meus pensamentos, me deixando volátil a tudo
que chegasse perto demais.
Então iniciamos um ciclo vicioso de autodestruição, ele apertando a
minha mente e tentando atravessar o meu orgulho com jogos baixos e
perigosos, e eu destruindo as suas esperanças que eram mascaradas com
atitudes cruéis em uma tentativa vã de me arruinar, tentativas de penetrar os
muros construídos ao redor das minhas mentiras.
Aprendemos a ser assim, quebrados e defeituosos com nossos
sentimentos, tornando feio e inabitável o que um dia fora o mais belo
jardim.
Porque isso era tudo o que nos restava.
Os passos ficaram um pouco mais rápidos, mas ainda dentro do
perfeito ritmo do acústico do piano. Fizemos novamente a troca de braço e
passei as duas mãos por seus ombros e pescoço, mas dessa vez com os
dedos mais leves, arrancando de Dominic uma reação corporal, dei
passinhos pequenos para o seu lado direito, deixando minhas mãos
escorregarem em seu dorso.
Ainda de frente para o seu corpo, deixei que apenas nossos ombros
encostassem e segurei com firmeza seu corpo com uma mão, deixando que
a outra ficasse livre. Ele copiou meu gesto, mas sua pegada era mais intensa
dessa vez também. Sorri um pouco comigo mesma, aproximando nossos
corpos, e respirei perto do seu pescoço, percebendo que ele tinha ficado
tenso.
— Você está sentindo, Dominic? — sussurrei enquanto o final da
música nos embalava, apertei seu corpo contra o meu mais um pouco antes
de me soltar e, segurando apenas sua mão, dando outra volta no mesmo
lugar e voltando a ficar com meus braços ao seu redor, aproximei mais
nossos corpos. Seu rosto estava atento e totalmente focado nas minhas
ações. — Pare de tentar me achar — sussurrei mais uma vez. — Pare de
tentar me comprar com títulos — engoli em seco quando seu agarre
aumentou em minha cintura. — Pare de tentar me salvar.
E sem pensar nas consequências que o meu ato poderia causar, me
aproximei do seu ouvido e gemi baixinho, vendo os pelinhos da sua nuca se
arrepiarem. Seu agarre em meus braços quase me fundiu com sua pele e a
ânsia em meu estômago aumentou, liquefazendo meu sangue. Desejando
destruir minhas barreiras por alguns segundos.
— O poder me excita, mas…
Vi seu pomo de Adão descer e aproximei meus lábios dos seus,
sentindo seu hálito gostoso em minha boca. Rocei meu lábio inferior no
canto da sua boca, sentindo arrepios me atacarem e uma eletricidade vibrar
em minha pele.
Então, meu coração pulou ao sentir que ele estava chegando perto
demais. Quente demais. Ele estava revidando.
Passei minhas mãos nos seus fios curtos da nuca e seus olhos se
fecharam em reflexo, sorri com a sua reação, e cheguei mais perto, ouvindo
meu coração retumbar cada vez mais forte. Senti a maciez da sua boca,
fazendo a minha encher de água.
— A minha capacidade de te provocar ainda é maior do que a sua
de se controlar, amor.
Então, saí do seu encanto, dando dois passos para trás, a música
havia acabado e aplausos estouraram ao nosso redor. Eu podia sentir outros
casais entrando no círculo para começar a próxima valsa.
Mas meus olhos estavam vidrados no nosso momento, na nossa
energia desastrosa. Vi exatamente quando seus olhos se abriram e a
percepção do momento caiu em seu entendimento.
A raiva brilhou em seus orbes, entendendo o joguinho baixo que eu
havia me colocado. Algo se mexeu dentro de mim quando um sorriso sujo
pintou seus lábios e Dominic balançou a cabeça, como se admirasse algo.
Meu sangue correu mais rápido, esquentando meu corpo e transbordando
excitação.
Porque eu sabia que estava ferrada, e tinha um grande palpite que
estava adorando isso.
EQUIPE

15º Academia Dell Marshall — Distrito da cidade de Bash


7 anos atrás

— Sua letra é horrível.


Dominic abriu a boca horrorizado e não pude deixar de rir. A letra
dele era realmente deplorável, tinha que ser sincera.
Era quinta-feira à noite, e estávamos novamente naquela árvore.
Mas agora no meio dela, onde os troncos se encontravam, deixando que
pudéssemos nos apoiar melhor e escorar nossas costas, ou me ajoelhar atrás
de um Dominic que estava sentado virado para o tronco e se mantinha
concentrado em sua missão.
Dominic tinha me explicado que a árvore era um tipo de gameleira,
o que fazia sentido por ser tão grande. E agora podia entender o que
realmente podia se fazer em cima de uma árvore.
Acho que ali tinha virado algum tipo de esconderijo, já que era a
terceira semana consecutiva que nos encontrávamos depois do toque de
recolher. As minhas inseguranças em relação aos meus sentimentos? Foram
por água abaixo. Eu tinha certeza que estava encrencada quando esperava
ansiosamente para as aulas acabarem para nos encontrarmos. Fora que
estávamos cada vez mais próximos durante o dia, pois em cada intervalo ou
atividade que fazíamos juntos, estávamos trocando piadinhas internas e
flertes descarados que faziam minhas bochechas esquentarem.
— Então ter uma letra bonita faz parte dos requisitos para ser parte
da elite?
Ri pelo nariz com o tom de brincadeira. Dominic fazia várias
piadinhas e comparações cinematográficas quando eu dizia ou explicava
algo sobre a política de Bash.
— Nunca se sabe quando precisará expor seus dotes de escrita.
— Não é para isso que servem os textos digitais?
— Isso parece um tanto preguiçoso. — Inclinei meu corpo para a
frente, iluminando com a lanterna a parte da árvore que Dominic tentava
furar com uma pequena faca que furtou da cozinha.
Os seus ombros balançaram e inclinei meu corpo mais um pouco
por cima deles, querendo ver seu rosto.
Ele tinha um sorriso zombeteiro nos lábios. Levei a luz até sua boca
e seus olhos se fecharam em reflexo do brilho forte.
— O que há de tão engraçado?
— Você quer que nossas iniciais gravadas em uma árvore saiam
perfeitas.
— Sim, qual o problema?
Seus olhos brilharam sob a luz da lua e seu semblante era um tanto
divertido quando levantou os braços em rendição.
— Faça melhor então. — Apontou para o buraco raso que tinha
começado a fazer no tronco. Era a sua terceira tentativa, as outras duas
tinham sido deploráveis. Risquei com a faca no instante em que ele
terminou de tão torto que havia ficado.
Arqueei as sobrancelhas, claro que ia fazer melhor.
Afastei meu corpo para que trocássemos de lugar, pois a árvore não
favorecia muito os movimentos. Mas Dominic somente afastou seu corpo
um pouquinho para trás, deixando um espaço minúsculo para que eu
enfiasse minha bunda. Lancei-lhe um olhar de indignação e ele somente
abriu os braços, com o sorriso inabalável, indicando que iria me segurar
enquanto eu passava por cima dele.
Soltei o ar pela boca, mordendo os lábios. Idiota. Balancei a cabeça
e segui com cuidado, levantando-me, passando minhas pernas para a sua
frente, me sentando de costas para ele.
Estiquei minha mão para trás, levando a pequena lanterna para que
trocássemos os objetos.
Apesar de não estar tão escuro, Dominic repetiu a minha ação
anterior e iluminou outro lugar no tronco quando segurei a pequena faca
com firmeza e comecei a raspar o tronco, tentando formar a primeira letra.
A casca era grossa, o que tornava um pouco difícil enfiar a ponta cega, mas
quando consegui fazer a primeira curva da letra A tomei mais cuidado para
não partir a casca toda, e ela sair inteira.
Estava concentrada, era como se eu tivesse que ter força suficiente
para furar o tronco, firmeza para a faca não escapulir da mão e delicadeza
para o corte não abrir muito e perder o formato.
Arrepiei-me quando Dominic soprou minha nuca, fazendo com que
meu corpo se arrepiasse inteiro.
— Isso me parece um jogo sujo — repreendi em um tom baixo,
enquanto fazia a outra perninha do A.
— Cada um usa as armas que tem.
— Engraçadinho. — Cutuquei-o com o cotovelo de leve, enquanto
fazia a letra desenhada. Eu tinha uma letra bonita, e mesmo que o lugar
fosse horrível de escrever, eu daria o meu melhor.
Enquanto me concentrava em fazer um A perfeito, Dominic se
concentrava em mexer no meu cabelo e soprar atrás da minha orelha. E não
preciso dizer como minha respiração ficava cada vez mais pesada quando
suas mãos faziam carinho na minha coluna.
— Eu não estava te atacando na sua vez.
— Mas eu não tinha uma letra bonita na minha vez.
Cerrei os olhos, olhando para trás e lhe entregando minha
desaprovação. Dominic apenas deu de ombros como se fizesse sentido.
Voltei a me concentrar nas linhas que agora tinham uma coloração
mais clara e atentei-me a cada movimento que Dominic fazia com suas
mãos. Agora estava fazendo o D.
— Você vai para casa esse final de semana? — perguntou, distraído
com alguns dos meus cachos.
Fiquei tensa por um momento antes de lembrar que Dominic
observava minhas costas.
— Ainda não sei. — Eu sabia que não ia, mas quis saber aonde iria
a sua pergunta. — Você vai?
Sua resposta demorou a vir.
— Vai ser a primeira vez que irei para casa depois que entrei no
Instituto.
— Você quer ir?
— Quero ver o meu irmão.
— Oh, sim — mordi minhas bochechas. — Acho que esse final de
semana devo passar dentro da segurança de Dell Marshall — brinquei, lhe
dando uma piscadela.
Raspei a faca na árvore novamente e alguns segundos de silêncio
depois, sua voz soou um pouco incerta.
— E vai ser a minha apresentação. — Oh, parei meus movimentos.
— Eu queria que você fosse.
Virei minha cabeça para encará-lo e seus olhos estudavam minhas
costas, depois alcançaram meu rosto. Eles estavam me dizendo algo,
estavam me convidando para fazer parte desse momento com Dominic.
Tinha algo ali que me fez amolecer, porque me lembrei que talvez ele nunca
tivesse ido a um baile. E de repente os meus problemas diminuíram com o
seu pedido.
Mordi meus lábios um tanto receosa, mas balancei a cabeça e lhe
dei um sorriso sem dentes.
— Não precisa implorar, vou ver se tem um espaço na minha
agenda — brinquei, quebrando a tensão, e vi um sorriso brotar em seus
lábios. Meu peito se enchendo com a visão do seu rosto relaxado.
Desviei meus pensamentos de casa e como seria meu final de
semana, focando em finalizar o D lindamente. Passei as mãos sobre a
protuberância, sentindo as letras marcadas na árvore.
Tinha ficado muito bom, mil vezes melhor do que o que Dominic
fez.
Ri com meu pensamento, trazendo a atenção dele para a marca.
— Isso ficou bom.
— Claro que ficou, fui eu que fiz.
— Somos uma boa equipe.
Arqueei as sobrancelhas.
— Não me olhe assim, se eu não tivesse te proporcionado bons
estímulos, você não estaria tão inspirada. Foi um trabalho em dupla.
Abri a boca para argumentar o meu lindo trabalho, porque tinha
feito isso sozinha, mas Dominic selou sua boca na minha, me dando um
selinho, me calando e despertando as borboletas que estavam dormindo.
Apoiei minha mão desocupada no tronco onde estava sentada e virei meu
corpo, ficando de frente para ele.
— Você estava me atrapalhando, não me ajudando. E desde quando
somos uma equipe? — Cheguei minha bunda para trás para escorar no
tronco que tinha marcado com nossas iniciais, e Dominic aproveitou o
momento para chegar seu corpo mais perto do meu, enrolando nossas
pernas como sempre fazíamos.
— Você está me ajudando nas minhas matérias enquanto eu estou te
ajudando a ser uma aluna aplicada em física disciplinar — um sorriso
travesso pintou seus lábios. Não tínhamos essa matéria, mas ele dizia que
nossas caminhadas depois do toque de recolher era uma aula extracurricular
para nossos corpos. — É como matemática, um mais um é igual a uma
equipe formada por Augusta e Dominic.
Não pude deixar de rir e estremecer o corpo quando suas mãos
encontraram meus cabelos. Pensando assim, realmente fazia sentido, já que
nos últimos dias tinha me esforçado para ser didática e passar para Dominic
os conteúdos atrasados que ele tinha perdido.
Fiquei um pouco surpresa quando realmente se dispôs a aprender
matemática, e brinquei no dia seguinte, no pátio de refeição, que estava
cobrando o nosso acordo. Mas Dominic estava atrasado em algumas
matérias, ele tinha me contado ali, pois o ensino que tinha antes de se
mudar para Bash era muito inferior, e estava disposto a enfiar conteúdo em
sua cabeça e tentar acompanhar a sua turma. Então, tentava sugar todas as
fórmulas que achava importante para que tivesse um bom desempenho.
Estava me esforçando para que ele realmente conseguisse ser o melhor.
— Seus argumentos não fazem sentido nenhum.
Ele também riu.
— Não precisa fazer, somente aceitar.
Balancei a cabeça, rindo, enquanto suas mãos encontraram as
minhas. Meu coração bobo errando cada batida enquanto Dominic beijava
meu nariz e minhas bochechas.
— Você é linda, Augusta. — Mordi meus lábios sem resposta, o rio
petróleo esquentando cada molécula do meu corpo. Estava tão ferrada, acho
que meu coração soletrava seu nome mais vezes do que me dava conta. —
E é a minha melhor equipe.
Então, Dominic me beijou até que eu admitisse em voz alta que
éramos uma boa equipe.

— Aconteceu alguma coisa no Instituto? — Miriam alisou meu


cabelo enquanto passava o pequeno pincel sobre as pálpebras, havia
escolhido um tom laranja para combinar com o batom, e tinha esfumado
bastante para não ficar marcado nem forte.
— Não? — selei meus lábios, espalhando o batom mate que logo
secaria.
— Essa cor é linda, a mamãe vai amar vê-la usando.
Sorri para minha irmã mais velha pelo reflexo do espelho. Quando
cheguei ontem à noite, na sexta, havia uma sacola vermelha com três
paletas da nova coleção da Mave. Desde muito pequenas, os nossos
brinquedos eram as maquiagens da nossa mãe, crescemos no meio de
paletas e batons, e quando completamos quinze anos, cada uma de nós
ganhamos uma penteadeira abastecida de maquiagens e uma linha de
cosméticos com nossos próprios nomes.
— Apenas estava com saudades de casa — disse simples,
recebendo um olhar desconfiado. Ela sabia que era mentira, mas não queria
explicar ou pensar muito sobre.
— Como está indo o último ano? — sua mudança de assunto foi
bem-vinda e meu semblante se transformou em uma careta com um misto
de ansiedade e expectativas.
— Um pouco ansiosa para vir para a sede de Bash, talvez? —
Espremi os olhos. — Acho que vou lidar melhor com o ambiente urbano.
Por mais que parecesse divertido estar trancada em uma escola
interna de segunda a sexta, estava mais animada por poder estar em um
ambiente mais favorável, onde poderia ir para casa todos os dias. No último
ano do Instituto, o quarto, iríamos para a base na cidade, onde colocaríamos
à prova tudo que aprendemos nos últimos três anos.
Miriam riu da minha careta e me virei, levantando do puff bege,
procurando sapatos confortáveis. Tinha uma parte no closet somente para
sandálias e botas, e apesar de ainda não estar completamente confortável
em usar saltos, pois sentia que poderia tropeçar em meus próprios pés a
qualquer momento, cobria-os em plataformas baixas e bonitas, combinando
sempre com o vestido escolhido.
— Tenho certeza que está ansiosa para fugir da água gelada e um
quarto conjunto — minha irmã zombou, ganhando de mim um rosto
sofrido.
— Tenho saudades da minha cama. — Eu realmente tinha saudades
da privacidade do meu quarto e o conforto de lençóis macios.
Ela riu e suas sobrancelhas dançaram em diversão quando um olhar
malicioso pintou seu rosto.
Miriam arrastou a voz:
— Garotos?
Normalmente rolava os olhos e fazia pouco caso da sua provocação.
Minha irmã sabia que eu era péssima com garotos e os afastava mais do que
ficava animada em me aproximar. Porém, desviei os olhos para a prateleira
de bolsas quando meus pensamentos voaram para Dominic, escondendo
qualquer sinal diferente que o meu rosto poderia entregar.
— Espera… — Miriam se aproximou de mim e colocou o rosto
bem pertinho do meu, diminuindo os olhos enquanto eu afastava seu corpo
para longe.
— Sai, Miriam — ralhei, segurando seu ombro, mas ela apenas
abriu a boca e arregalou os olhos, provocando surpresa.
— Augusta Vendetta, você tem um crush?
— Não — a resposta veio rápido demais, junto com um tom
quebrado que me fez fechar os olhos.
Miriam se animou, batendo palminhas.
— Finalmente vamos falar de garotos! Adeus, Arturo Toscanini! —
Tampei o rosto com as mãos quando Miriam citava um dos maestros que
amava. — Oh, oh, oohh, ele vai estar hoje no baile? — Abri a boca, mas a
fechei no mesmo instante. Estava sem reação. — Eu conheço? Ele está
estudando com você? — disse eufórica. — Estou tão animada! Augusta
apaixonada é um evento! Esperei tanto, já estava na hora, quase dezoito
anos e sem nenhum drama amoroso? — Bateu palminhas, sorrindo para
mim.
Mordi as bochechas achando graça da sua felicidade, não querendo
pensar realmente nas suas palavras. Então, apenas desisti e caí na
gargalhada enquanto Miriam fazia uma fanfic baseada na sua imaginação
sobre como estava sendo meu comportamento no Instituto.
Miriam era assim, amava qualquer que fosse o indício de um
romance ou aventura à sua frente. Acho que seus livros de romance davam
asas e combustível para sua imaginação fértil.
Rolei os olhos enquanto ela tentava arrancar informações de mim e
eu apenas ria de sua curiosidade. Mas logo nos calamos quando nossa mãe
apareceu na porta do closet nos chamando para ir, fazendo com que Miriam
fosse o caminho todo, me lançando olhares divertidos enquanto eu rolava os
olhos, esperando que nossos pais não a escutassem.

Cruzei a porta do Salão Dourado, preenchendo meus ouvidos com


uma música monótona horrível e conversas altas.
— Parece que todos de Bash estão aqui. — Miriam cutucou minhas
costelas, estancando na minha frente com uma taça na mão. Pensei nos
Cosmopolitan que tinha visto na mão de uma moça com um vestido
elegante, eu devia ir atrás de um, já que não podia beber nada que continha
álcool publicamente, ainda.
Balancei a cabeça concordando, realmente. Apesar dos bailes
estarem sempre cheios e movimentados, hoje parecia que todos tinham sido
intimados a marcarem presença.
Miriam começou a andar pelo salão e eu acompanhei seus passos,
seguindo-a. Seus passos eram firmes em cima do salto prateado, seu vestido
rosé abraçava seus quadris largos, radiando uma elegância admirável. Eu a
admirava, ela era um dos meus exemplos de força, e por mais que ralhasse
por odiar toda essa formalidade e sobre a falsidade estampada em muitos
rostos pelo salão, seu comportamento era metódico.
Ela agia e fazia tudo em perfeita ordem, não deixava que seus
pensamentos e sentimentos interferissem em suas ações. Ela sabia lidar com
mudanças, e sorrir e acenar quando era necessário.
— Achei que não ia vir. — Virei-me, encontrando um Dominic de
blusa social azul-bebê e uma calça preta. Segurei a respiração por alguns
segundos antes de soltar e encher meus pulmões com um perfume
amadeirado. Dominic estava lindo, roupas sociais lhe caíam bem para
caramba.
Abri um sorriso verdadeiro, feliz por encontrá-lo.
— Não poderia te deixar sozinho com os leões.
Rimos baixinho, senti seu olhar percorrer meu corpo e meu rosto
ficou quente.
— Acho que laranja é a minha cor favorita.
Revirei os olhos e mexi meus pés indo para o seu lado. Meu vestido
era um salmão e não tinha certeza se sabia lidar com um elogio mais direto,
então desviei o assunto e apontei para a minha irmã que tinha um olho
curioso em nós.
— Essa é minha irmã, Miriam. — Dominic pegou em sua mão,
beijando-a e revirei os olhos quando Miriam arqueou as sobrancelhas. —
Miriam, esse é Dominic.
— Olá, Miriam, fico feliz em conhecê-la — Dominic disse.
— Eu que fico feliz em conhecê-lo, Dominic. — Ela abriu um
sorriso. E mordi a língua para não mandá-la cuidar da sua vida. — Isso vai
ser interessante, juízo, crianças. — Revirei os olhos quando Miriam jogou
beijinhos, me provocando.
— Está aqui há muito tempo? — Puxei Dominic para o segundo
piso do salão, querendo ir atrás de alguma coisa para beber.
— Tenho quase certeza que fui o terceiro a chegar.
Dobrei meu pescoço em sua direção, sua expressão estava tranquila,
não parecia estar chateado.
— Isso me parece ruim.
— Também acho que conheço quase todos que estão aqui —
Dominic zombou e não pude não rir novamente. — Fred disse para ser
receptível e tentar me ambientar, fazendo com que me conheçam. Disse que
eu receberia muitas perguntas sobre onde morava e por que me mudei para
Bash.
— E como está indo essa missão de conhecer o máximo de pessoas
possível? — inquiri curiosa, era sua apresentação na sociedade, então era de
se esperar que seu avô fizesse com que todos do meio o conhecessem.
— Nada mal, eu tenho uma boa memória, em alguns anos posso
verdadeiramente saber o nome de cada pessoa.
— Isso me parece confortável, se não tivesse me dito que era seu
primeiro evento, diria que está praticamente em casa. Não te vejo querendo
fugir.
— Não me julgue por ser bom em controlar meus instintos —
brincou e estudei seu rosto que não me dizia nada. Talvez com os anos eu
também aprenderia sobre suas expressões. Dominic falou em um tom mais
baixo: — Mas em caso de dúvidas, talvez eu precise tomar um ar mais
tarde, e você poderia me acompanhar, já que tenho certeza que conhece
aqui melhor do que eu.
Ri, empurrando seu ombro, e chegamos a uma estreita mesa de
vidro, onde tinham algumas frutas enfeitando e ponche em uma jarra de
vidro.
— O que mais aconteceu enquanto eu não estava?
— Ah, eu acho que fui convidado para entrar no time de Cow —
Dominic se inclinou para o meu ouvido, rindo baixo. — E tenho a terrível
sensação de não saber exatamente o que isso é.
Ri do seu gesto de querer esconder algo.
— Isso me parece importante — admirei e balancei as
sobrancelhas. — Parece que há um jogador de polo entre nós.
Dominic cerrou os olhos e alguns segundos depois eles saltaram.
— Ok, acho que preciso de um reforço daquela aula particular sobre
como sobreviver em Bash versão resumida.
Não pude deixar de rir da sua empolgação quando cruzou nossos
braços e me puxou com ele enquanto fazia o que seu avô tinha lhe pedido.
Dominic era bom, aprendia rápido e sabia administrar a surpresa
quando algo que não conhecia era falado. Eu o acompanhei em suas
conversas pelo salão, ajudando sua memória quando seus olhos me pediam
ajuda sobre algo que não fazia ideia. Eu estava admirada, quase orgulhosa
de como ele lidou com uma situação que nunca tinha vivido, se adaptando e
aprendendo sem medo de errar.
Alguns minutos depois, seu avô lhe chamou e observei como seu
olhar ficou perdido enquanto Frederico Clifford enfeitava belas palavras
sobre Dominic, sobre como agora as coisas seriam diferentes e como seu
herdeiro honraria seu sobrenome daqui para a frente. Mas bastou um breve
momento para que seus lábios tomassem um sorriso lindo quando seus
olhos me encontraram.
Eu não queria me iludir achando que fiz alguma diferença no seu
dia, já que Dominic tinha aparentado lidar tão bem com o desconhecido,
mas seus sorrisos travessos e olhares quentes enquanto ouvia publicamente
sobre seu futuro fizeram coisas dentro de mim voarem. Mexerem comigo.
Era tarde demais, estava definitivamente apaixonada por Dominic
Clifford, e não saber como explicar que estava politicamente
comprometida, aterrorizou meus pensamentos.
ALIADO

— Outro chip?
Dei de ombros, apoiando o celular na mesa e usando um palito para
fazer a troca de número no meu celular.
Zaki observava atentamente o meu movimento, enquanto Charles e
Christoph tinham os olhos vidrados em algo que estava acontecendo no
campo verde à nossa frente.
O dia estava quente para um caralho, e a tenda não parecia fazer o
serviço de tampar a merda de nossas cabeças, já que sentia o inferno comer
minha pele. Bash não costumava ser tão quente, o clima era mais fresco e
baixo em dias normais, o que significava que provavelmente iria chover em
algum momento.
— Augusta me bloqueou.
Zaki franziu o cenho, provavelmente criando várias teorias para o
meu comentário. Ele tinha essa péssima mania de estar julgando as pessoas
por atitudes imprudentes ou fora do eixo que elas tomavam. Como a merda
de um juiz.
Dei de ombros, eu realmente devia estar sustentando a merda da
operadora. Depois de configurar meu número, observei o jogo que estava se
desenrolando no extenso gramado.
O polo estava tão enraizado na tradição da cidade que era quase
impossível alguém em Bash não saber o básico que envolvesse o esporte.
Em épocas de campeonatos locais, ou até mesmo em outros lugares, a
cidade se enchia de propagandas anunciando o jogo.
Como as apostas no jockey club em cavalos de corridas, era quase
uma tradição estar com as bundas grudadas nas arquibancadas apostando
rios de dinheiro.
A última chukka acabou e depois de um tempo, três moleques ainda
equipados correram para debaixo da nossa tenda, eufóricos.
— Hora dos autógrafos — Charles zombou.
— Pelo menos tenho quem gosta de mim.
— Ai — Zaki dramatizou, colocando a mão no peito. — Poderia ter
dormido sem essa cara.
Christoph gargalhou do irmão, nos fazendo rir também.
— Meu público alvo é diferente — Charles se defendeu, e os
moleques que nos beiravam, esperando que eu os olhasse, se aproximaram
da mesa de madeira redonda que estávamos escorados.
— Bom trabalho, rapazes, foi um bom jogo — elogiei, mas vi seus
rostos murcharem.
Franzi o cenho não entendendo.
— Sabemos que fomos péssimos — o mais baixo do trio respondeu,
mal-humorado. — Não precisamos de consolo.
— É, precisamos de bons macetes para sermos tão bons como
vocês. — Havia admiração no tom, mas a chateação em seus rostos fez com
que nós nos entreolhássemos.
— Cara, todo mundo é péssimo antes de se tornar bom — Chris
interveio, apaziguando, e o olhei horrorizado querendo rir. Que merda? Os
garotos pareciam do mesmo jeito. — Você acha que nascemos montados em
cavalos? Claro que não, somos bons porque treinamos, e vocês estão indo
bem... É claro que temos aquele dom natural de... — Cerrei os olhos,
calando-o e ele limpou a garganta.
— O que o babaca quer dizer é que estão no caminho certo. Não há
ganho sem dor — Chuck tomou a frente enquanto entrava em uma guerra
de implicância com seu irmão gêmeo, e os garotos prestaram atenção. — É
óbvio que vão errar o gol até pegarem o jeito com o taco, mas é normal.
Continuem treinando em grupo e testando em quais posições se dão melhor.
— Minha camisa é igual à sua. — Um dos garotos virou as costas
para mim, apontando o número "01"
— Temos um atacante em potencial aqui? — vibrei pela sua
animação e conversamos com os moleques até dar o horário de também
entrarmos em campo.
Eram moleques, provavelmente entre quinze e dezessete anos, se
divertindo em cima de cavalos e errando todas as bolas. Lembrei-me de
quando era eu ali, aprendendo as regras do jogo pela primeira vez. Eu
sempre amei cavalos, e quando me vi no meio de animais que eu havia
crescido, não soube explicar como agradeci aos céus por ter no meio de
tanta estranheza um momento de conforto.
Porque era por isso que era tão apaixonado pelo polo, me lembrava
casa e conforto. Provavelmente era por lembrar a minha mãe, e trazer-me
lembranças de quando era somente nós. A saudade moía meu peito e
tentava sufocá-la em coisas que sei que ela gostaria de me ver fazendo.
Então, era verdadeiramente apaixonado pelo esporte, sentia-me
livre ali e conseguia resgatar as minhas melhores partes, esfriando a cabeça
e me concentrando em ser bom e preciso nos comandos em campo.
O polo consistia em quatro jogadores por time, dois atacantes, eu e
Christoph; um meio de campo, Charles; e um defensor, Zaki. Éramos uma
equipe dentro e fora de campo. O objetivo era marcar o maior número de
gols com um taco, sendo o jogo dividido em seis chukkas a cada partida.
Cada chukka dura sete minutos e é feito um intervalo de três em
cada uma delas, devido aos cavalos. E temos que fazer a troca dos animais a
cada uma das pausas. O jogo se torna muito estressante para o animal, e se a
condição física deles forem julgadas ruim, eles são eliminados do jogo,
podendo voltar ao esporte somente depois da alta dos veterinários de
plantão.
Todos os animais são rigorosamente acompanhados.
Desde que decidi me esforçar para ingressar nessa política, temos
nos destacado no time de Cow que representava a cidade no esporte. Não
que o jogo fosse tão valorizado, ou seja, não é uma modalidade de esporte
em Olimpíadas, mas ainda tinha cidades vizinhas com as mesmas tradições,
e era um bom hobby para me lembrar de quem eu, de fato, era.
Porque às vezes era fácil esquecer que um dia eu já estive do lado
de fora.
Era grato por ter esses caras ao meu lado, por mais babacas que
fossem, eles eram leais e faziam acontecer. Era até engraçado pensar em
quão unidos nos tornamos, se levar em conta que no meu terceiro mês no
Instituto entrei na minha primeira briga porque Zaki não sabia perder e
decidiu tirar satisfação.
O que não deu muito certo quando os gêmeos entraram para separar
e todos levamos porradas uns dos outros.
E trocamos socos mais quatro vezes naquele ano. Acho que só nos
aproximamos mesmo quando fomos estudar no Instituto em Bash e
montamos um time oficial de polo. Tínhamos achado um gosto em comum:
cavalos. A troca de socos persiste até hoje, pois não deixamos os problemas
de hoje ficarem para amanhã. E acho que isso tem fortalecido cada vez mais
o laço contra as merdas que rondam ao nosso redor.
O apito foi ouvido e a última chukka havia encerrado, meu
companheiro trotou para fora de linha e desci da sela, alisando seu pelo
suado pelo esforço de minutos atrás. Os cavalos atingem altas
quilometragens dentro do campo, e por isso a necessidade de troca de
animal a cada tempo, a exaustão os corroem rapidamente ao correr pelo
extenso campo.
— Meu garoto — Martinez me saudou animado quando estava a
caminho para o vestiário para trocar de roupa e tomar uma ducha. Sentia os
equipamentos grudados em minha pele por cima do tecido.
Franzi o cenho, era difícil suas visitas ao campo, mas não deixavam
de ser boas.
— Martin.
— Precisamos conversar — disse um pouco incerto e franzi o
cenho, tentando adivinhar o que era.
Provavelmente era sobre o contrato, o G5 estava pegando no meu
pé nas últimas semanas, pois não tinha mais o que esperar para tomar posse
por completo dos bens da família, para que eu tenha por fim a palavra de
peso na mesa.
A hierarquia em Bash era muito específica, e por mais que a
política pública influenciasse nas decisões estruturais da cidade, os
sobrenomes fundadores e um pacto muito antigo prevalecia acima de tudo.
Não que fôssemos donos da cidade e pudéssemos mudar o que queríamos
nas regras, mas uma palavra bem desenvolvida e estruturada poderia mudar
o percurso de muita coisa.
No final, o poder e influência tinha mais peso do que ter uma conta
cheia no banco.
— Claro, só vou me trocar.
Gostava de Martinez, ele foi quem me ensinou boa parte do que eu
sei hoje. Ele foi ganhando a minha confiança com o tempo e hoje eu o
considero também um membro da família, sabia que podia confiar nele
todas as minhas coisas. Não foi fácil mudar meus ciclos de amizades
quando me mudei, mas ele fez parte das coisas boas que chegaram.
Mesmo que envolvesse muita dor de cabeça.
Sempre me foi falado como agir e como me portar, e até como
devia falar em determinado lugar. Não que eu tivesse raiva de alguma coisa
ou de alguém, na verdade, era mais grato pelo conhecimento do que
realmente incômodo. Mas chegou um momento que ouvi tanto sobre o que
ia me tornar que acabei acreditando.
E poder era uma merda tentadora do caralho, era quase impossível
dizer não. E eu queria muito dizer sim. Estava ansioso para isso.
Por muito tempo, o meu avô teve esse papel na AAB por sermos a
única família da primeira geração — como as famílias fundadoras eram
chamadas. Ele tinha o voto de peso nas discussões políticas de Bash, e eu
tinha trabalhado duro para segui-lo. Aprendi tudo que pude e tirei todos os
proveitos que o meu sobrenome me deu quando cheguei.
Não foi fácil, foi mais doloroso do que posso admitir, porque estar
nessa posição exigia muita dedicação mental, e por muitas vezes foi
cansativo ter que quebrar as minhas próprias barreiras para expandir a
mente. Para aprender de verdade o que números e gráficos significam.
Aprender sobre algo que um dia pareceu existir somente em outro mundo.
Mas eu fiz, fiz por mim, pela minha mãe e pelo meu irmão, principalmente.
Porque ele merecia e fazia valer a pena cada suor.
— Quer ir conversando enquanto passo na Stilk? Posso te deixar no
caminho. — Já propriamente arrumado, Martinez pareceu surpreso quando
o encontrei na porta do vestiário.
— As cláusulas ainda não foram fechadas?
— Augusta ainda não assinou nenhuma página. — Meu olhar subiu
para a recente cicatriz acima da sua sobrancelha. E não soube identificar sua
expressão. — Na verdade, nem sequer está abrindo os e-mails.
Martinez titubeou.
— Se ela não assinar e ler os termos rubricados, não há casamento.
Não importa se há um noivado exposto na mídia.
— Eu sei disso.
— Talvez um pouco de pressão? — falou como se fosse uma ideia
brilhante e quase ri. Quase, porque sabia que pressão para Martinez tinha
um significado diferente.
Não o respondi, caminhando para o carro.
O casamento, o maldito contrato nupcial, pensar nisso fazia meu
sangue esquentar de raiva. Porque às vezes tudo se resumia a essa merda.
Ter um bom sobrenome e garantir alianças e um império próspero. Carregar
uma maldição.
— Tem encontrado Augusta esses dias?
Claro, nunca deixava de vê-la.
— Não. — Menti, sem receio de que Martinez acreditasse ou não.
Não importava se ele acreditava.
Ele cerrou os olhos e fingi não ver sua cara feia. Martinez não
gostava de ser contrariado, e eu amava o contrariar. Não ligava mesmo para
os seus murmúrios.
Entrei no Jeep aguardando a porta do carona ser fechada para dar
partida no carro.
— Ainda acha que ela está escondendo algo de você? — Apertei as
mãos no volante, esse era um assunto que arrancava tudo de mim. Martinez
achava que eu não conseguia largar o osso por não ser capaz de aceitar o
fim do nosso namoro. Talvez ele estivesse coberto de razão. — Não quero
que perca tempo com coisas que não vão dar em nada, já tem meses, precisa
dar um fim.
— Quer que eu desista do contrato?
— Claro que não, mas talvez da pessoa, sim — sempre direto.
Suspirei, engrenando o carro.
Outra coisa, a pressão pela coroa envolvia os Chefft da AAB me
empurrando suas filhas de qualquer modo, mesmo eu afirmando que já
estava com o contrato pronto, mesmo que nenhuma página ainda tenha sido
assinada por ela. E Martinez fazia questão de lembrar disso, lembrar das
minhas opções. Mas não era bem assim que as coisas funcionavam, não
comigo.
Semanas atrás, quando meu avô me trouxe a transferência que
aconteceria em breve, não pude deixar a bela oportunidade passar quando
usei do interesse do senhor Vendetta com o meu avô para firmar um
desastroso noivado com sua filha do meio.
Desastroso porque tudo que nos envolvia sempre resultava em
frustrações e uma bela rodada de ofensas criativas.
Eu podia admitir ter sido um pouco babaca por fazer com que ela
soubesse na frente de todos que iríamos retomar um acordo matrimonial
que um dia ambos tínhamos ansiado, e que hoje era nosso martírio. Mas eu
também não ligava muito, não por pressioná-la.
— Eu não vou me casar com outra pessoa. — Uma tranquilidade
excessiva pintava minha voz. Essa era uma decisão que eu tinha muito clara
na minha mente, por mais que parecesse um suicídio estar no mesmo
ambiente que ela.
— E prefere alimentar uma obsessão por uma pessoa que te deixou?
— alfinetou sem dó, e fuzilei-o, querendo jogá-lo do carro.
Eu quase fiz isso. Quase.
Quase porque gostava da sua companhia e ainda podia suportá-lo.
— Você sabe minha opinião sobre isso, não preciso lembrá-lo.
Ouvi um bufar alto.
Porque não era a distância com Augusta que me faria procurar
outros rostos a não ser o dela. Mesmo que ela tivesse nos ferido tão
profundamente alguns meses atrás. Mesmo que o ódio e raiva me
consumissem tão intensamente que cegavam minha razão e limite, me
transformando em um verdadeiro masoquista.
Augusta me partiu, e eu não negava em nenhum momento esse fato.
Eu também não estava em negação com meus sentimentos, na verdade, era
muito claro sobre eles. Sobre meus objetivos. Mesmo que eles não fossem
tão bons quanto os que desejei. E não era que não sentia ou não ligava para
as coisas que tinham nos acontecido. Eu só aceitei.
Ainda que em todas as noites as chamas consumissem meus
pesadelos e o barulho do meu coração se partindo ecoasse em todo canto do
meu corpo, me assombrando, ainda era sincero e verdadeiro com o que
sentia. Ou com o que queria, especificamente.
— Essa sua obsessão irá te matar.
Revirei os olhos.
Talvez matasse.
Mas tinha passado por merda demais para poder me dar ao luxo de
viver em negação ou fugir das minhas próprias verdades. E vê-la fazendo
exatamente o contrário do que prometemos nunca fazer, alimentou algo em
mim que desconhecia. Eu não podia acreditar em suas palavras, não depois
de tudo.
Um verdadeiro masoquista.
Depois daquela noite, meu chão ruiu, e ver meu apoio ir embora me
fez perder a cabeça e tomar medidas das quais não me orgulhava. Mas
também não deixava de realizar, porque em parte deixava a raiva me
consumir, deixava a decepção me guiar e a perversidade tomar minhas
palavras em defesa de algo que um dia foi partido.
Nosso mundo era ganancioso demais e eu tinha aprendido da pior
forma que não se deve brincar de casinha em terras onde castelos eram
construídos.
Então, eu a pressionava, e não estava nem um pouco culpado por
isso. Não me sentia culpado por tentar desmascarar as suas mentiras, que
um dia eu deixei que construísse.
— Talvez esteja sendo pouco pressionada. — Cerrei os olhos pelo
tom que foi despejado de sua boca. Era um tom seco e amargo. — Ou
talvez seja um sinal para não levar para a frente. Augusta é inconstante, não
sei como ainda a deixam na frente de uma empresa...
— Chega — cortei.
Sabia que Martinez não era fã número um de Augusta. O que não
era uma surpresa, já que quase nenhum homem na AAB simpatizava pela
mulher que ocupava o lugar de controle da Stilk. E digamos que o seu pai
não se importava quando sua filha fazia o que queria com as rédeas da
empresa.
Mas acreditava que Martinez a suportava somente por mim, sempre
foi assim.
— Augusta irá assinar quando quiser. — Sabia que só de estarmos
publicamente noivos as coisas ao nosso redor ruiriam.
Inclusive, as máscaras que eu ansiosamente esperava cair.
Meu avô tinha me avisado que era um caminho perigoso a seguir,
mas eu não me importava, ainda estava disposto a lutar. Mesmo que
perdesse tudo.
Estava sendo pressionado a tomar a coroa, meu avô estava fazendo
questão como nunca, e eu temia saber a sua motivação por trás. Porque algo
ainda não estava certo, e não era só sobre a recusa de Augusta em assinar o
contrato, tinha algo a mais. Eu podia sentir no clima e nas reuniões
semanais na AAB.
— Quem avisa amigo é, garoto. — Sua voz tinha cautela e tentei
ligar isso ao seu desgosto pela situação. Ele também tinha presenciado cada
caco que foi partido quando o fogo inundou a casa que morávamos. — Eu
só espero que saiba o que está fazendo.

Fabian, uma das pessoas que confiava minha vida, me esperava na


sala presidencial do banco central de Bash, com seu costumeiro chapéu
preto e a merda de um palito na boca. Ele se escorava tranquilo em uma
poltrona preta, franzindo o cenho para o seu celular.
Meus passos ocos anunciaram minha presença e sua atenção foi
captada rapidamente para mim.
— Já faz um tempo, amigo — o saudei respeitoso e um largo
sorriso se abriu.
— Já faz muito tempo, porra — Fabian levantou, me dando a merda
de uma abraço caloroso. Achei graça quando deu tapas fortes nas minhas
costas.
Era um costume intrínseco abraçar um amigo, mas aqui onde vivia,
um aperto de mão era o bastante.
— As coisas da cidade realmente deviam ser mais interessantes —
disse de uma forma grossa e abri um sorriso cheio de dentes.
— Com certeza, sim.
Fabian grunhiu, achando graça, e sentou na poltrona novamente,
colocando os pés em cima da minha mesa. Cerrei os olhos, apontando o
dedo, mandando tirá-los dali.
Ele só riu, cruzando os braços e mastigando o palito.
Os traços em evidência em seu rosto denunciavam a exaustão do
trabalho. Ele era um homem já maduro, cabelos pretos e a pele amaldiçoada
pelo sol não deixava dúvidas do seu esforço árduo durante anos.
Mesmo que mantivéssemos um contato por linha telefônica, não me
lembrava quando o tinha visto pela última vez.
— Já encontrou com ela? — perguntei curioso, relaxando na
poltrona larga e confortável que era nomeada como minha.
— Sim — disse mal-humorado e não segurei uma risada. — Acho
que fui indiretamente enxotado de sua sala.
— Você foi até a MV makeup? — Meus olhos se encheram de
diversão.
— Claro. — Cerrei os olhos em diversão. — Eu tinha que dizer que
estava na cidade — disse, despreocupado.
— Eu disse para vir direto para o banco. — Minha voz não
conseguia conter o quão engraçado achava da situação.
— Mas eu precisava perguntar se ela tinha interesse na nova
colheita de lírios.
Cerrei os olhos novamente e Fabian bufou rindo. Miriam Vendetta
era seu pesadelo e ele adorava irritá-la.
Explodi em gargalhada.
— Foi atrás da única filha que faz questão de manter distância da
Stilk para falar de campo? — gargalhei abertamente. Era um idiota mesmo.
— Precisava conferir se ainda continuava ardilosa, porque se vou
mesmo entrar nessa loucura toda, preciso ter momentos de glória.
— Você sabe que precisa ganhar sua confiança, não irritá-la, certo?
— Fabian apenas deu de ombros, como se isso não fosse muita coisa.
Eu não disse mais nada, não seria louco de palpitar em qualquer
coisa sobre as irmãs. Mas o assunto logo se foi e uma carranca debochada
brotou em seu rosto.
— No entanto, ainda estou curioso para saber como consegui o
apoio da outra irmã. Nunca achei que receberia um e-mail dessa mulher.
— Charme — me gabei.
— O garoto que criei não tinha um ego tão grande assim.
— O garoto que você criou não imaginava que um sobrenome
custava tão caro assim.
Fabian espalmou as mãos na mesa e seu semblante, que há pouco
estava divertido, tomou uma incerteza e apreensão.
— Eu sinto muito. — A sinceridade de suas palavras me
confortaram. E senti que, verdadeiramente, dessa vez nada me impediria de
concluir os meus objetivos.
— Eu também.
Há nove meses o nosso desastre aconteceu, e desde então cada dia
tem sido uma batalha. Eu não tenho medo de falar como fui destruído por
palavras que assombram meu sono até hoje.
No começo eu me fechei, não suportava a ideia de tê-la perdido.
Não daquele jeito. Sempre fomos sinceros e confidentes um com outro, e
ver um muro se construir entre nós me quebrou.
Augusta diz que provocou o incêndio que quase nos matou, ela
escolheu nos destruir de uma forma cruel e dolorosa. Mas ela se esqueceu
que a dor não me assusta, a morte menos ainda.
— Então? O garotinho da cidade não consegue resolver suas
próprias merdas?
Ri amargo, cruzando as mãos na mesa cheia de papéis.
— O garotinho da cidade se meteu em uma grande merda.
— Briga de gente grande? — Cerrou os olhos, instigado.
— Briga antiga de pessoas idiotas.
Fabian ficou sério, e respirou fundo antes de relaxar na cadeira
novamente.
— E aquela investigação?
Quase chiei de decepção. Tinha comentado por alto sobre os
últimos meses, pois precisava de um norte. E uma visão de fora era o que
precisava. Uma visão confiante e que não me esconderia nada além da
verdade. Fabian poderia não viver conosco e com nossas políticas fodidas,
mas com certeza tinha um senso justiceiro.
E eu confiava nele.
— Foi tão fadada quanto as outras três antes, nada. Não sei o que
acontece que eles simplesmente desistem.
Fabian franziu o cenho, provavelmente juntando alguma merda de
informação.
— Mas tenho uma última tentativa.
Eu tinha uma nova pessoa investigando nosso passado. Uma nova
pessoa porque as últimas cinco haviam sumido ou desistido do caso, dando
desculpas esfarrapadas que a minha mente não conseguia acreditar.
Não quando o que seus olhos me diziam eram o suficiente.
Então dessa vez tinha resolvido não contar a ninguém, nem mesmo
a Martinez. Ele provavelmente arrancaria minhas bolas por estar gastando
tempo em algo que, para ele, era fútil.
— Acha que é alguém próximo? — perguntou.
— Acho que pode ser um membro especificamente.
— Desconfia de alguém?
Respirei fundo, pensando.
— Várias pessoas poderiam estar tentando nos matar, mas em uma
visão fria, a pessoa teria que estar muito perto de nós para passar sem ser
percebido.
— Posso perguntar como tem tanta certeza que o ceifador está
próximo?
— Eu não sei — disse simples. — Atingirei todo mundo, o primeiro
que pedir socorro será executado.
Fabian riu, negando com a cabeça.
— Não tem medo de perder um reinado? — Sua voz era como um
corte fino, testando suas barreiras mais grossas.
— Eu já perdi meu castelo, não me importo com as aldeias.
— Um rei não despreza seu povo.
— O seu povo não deveria querer matar o rei.
— Certo, e a sua relação com ela? — Quase gargalhei pela palavra
relação.
— É complicado. — Não me daria ao trabalho de explicar como eu
e Augusta funcionávamos, se nem nós sabíamos. Éramos, em essência, um
imprevisto. Fabian arqueou as sobrancelhas.
— Em que pé estamos?
— No pior, me sinto vendado, por mais que as cartas estejam
abertas na minha mesa.
— Me dê um desconto, não entendo palavras difíceis.
— Uma coroa, um casamento e vários suspeitos que a rondam.
— Não, você não tem nada disso. Tem no máximo uma lista. —
Mesmo com o rosto sério, Fabian alfinetou. E ri pelo nariz.
A lista ladeava nomes que estavam envolvidos com os Clifford e os
Vendettas há anos, como possíveis sobrenomes que queriam usurpar a
cadeira máxima da associação. O casamento dependia totalmente de uma
assinatura.
E a coroa eu só teria depois do casamento.
O casamento parecia ser a chave para todos os problemas.
Uma ideia saborosa passou por meus lábios quando me lembrei
qual era o último passo a dar antes de subirmos a um altar. Mas antes, tinha
que seguir com a linha de raciocínio contra o ceifador que cercava meu
sobrenome.
— Bem, isso terei que solucionar depois. Agora temos que nos
preparar para você assumir o novo cargo de conselheiro do rei.
Fabian se animou.
CLÁUSULAS

— Sabe quem está voltando? — Fanny me perguntou enquanto eu


aguardava o café expresso preencher o meu copo.
A máquina apitou com o aviso e beberiquei, soprando o líquido.
Observei o corpo relaxado na poltrona marrom que tínhamos ali no
pequeno cômodo onde era usado para a pausa do café.
— Quem?
Seus olhos brilharam.
— Aleksander.
— Tio Alek está na Stilk?
— Ainda não, mas ouvi que ele está para chegar a qualquer
momento.
Aleksander Vendetta era irmão do meu pai. Ele é o mais novo dos
irmãos Vendetta, e o advogado oficial da Stilk. Ele também prestava serviço
para AAB quando era solicitado.
Franzi o cenho, desconfiada, ele estava vindo prestar assistência ao
contrato nupcial que estava sendo feito. O contrato que estava me tirando a
paz. Só essa semana, tinha recebido 39 e-mails de Dominic com o assunto
CLÁUSULAS NUPCIAIS. Eu não abri nenhum, não precisava lê-lo de
novo.
— Esse a qualquer momento me soa como “fique preparada, pois
longos dias estão por vir” — brinquei e Fanny riu, balançando a cabeça.
— Oh, está mais para “fique preparada, pois os dias divertidos
virão”.
Foi minha vez de balançar a cabeça e rir. Não queria pensar no que
divertidos implicava. Eu sabia que o tio Alek tinha uma fama, por mais que
parecesse sério e reservado para pessoas de fora, a sua educação e simpatia
em tratar as mulheres, e como sempre havia alguém para falar bem dele, era
de se admirar. Para não falar estranho.
— Augusta. — Levantei a cabeça, encontrando meu pai na estreita
porta. Ele acenou em um chamado silencioso e retirou-se do mesmo modo
que chegou, silenciosamente.
Fui rápida em dar um último gole no café.
— Que venha os dias tenebrosos, então — disse.
Fanny sorriu para mim e fez uma falsa careta.
— Boa sorte com o chefe.
— Vou precisar.
Não demorei a alcançar meu pai na porta do elevador. O botão do
vigésimo quinto andar brilhava.
— O tio Alek chega quando?
— Essa é uma boa pergunta.
— Por que ele não diz onde está de uma vez? Parece que sempre
quer chegar de surpresa.
— Talvez seja de família não querer deixar rastros — meu pai me
alfinetou e tombei a cabeça.
— O que quer dizer?
Aguardei com paciência, mas ele não respondeu, e ficou em
silêncio até chegarmos em sua sala.
Movi meus pés até o vidro que cobria a lateral por completo. Bash
era cercada por duas montanhas rochosas que podiam ser vistas de qualquer
ponto alto da cidade, era como uma marca de Bash. Quando a temperatura
descia, as montanhas eram as primeiras a darem sinal de como o tempo iria
mudar, enfeitando-se de uma neblina densa que rapidamente flutuava pelos
cantos da cidade.
O vidro da sala do meu pai parecia uma televisão gigante, porque
além da bela vista da montanha, conseguia ver os prédios e as avenidas que
cruzavam o centro.
— Chegou cedo — falou, sentando na poltrona atrás da sua mesa
que comportava um macbook, muitas pastas, um porta-canetas, uma xícara
e muitos papéis espalhados.
— Tenho uma reunião às nove com Leonardo Tavares.
Meu pai franziu o cenho.
— Ele sabe que é uma mulher que estará à sua frente?
Dei de ombros, com um sorrisinho travesso.
— Espero que ele não fique magoado pela confusão de sobrenome.
Talvez eu tenha colocado no e-mail somente Vendetta.
Ele arqueou as sobrancelhas e sabia que viria uma reprimenda.
Então, me apressei a justificar:
— Não se preocupe, às vezes eu também sei ser meio grosseira.
Meu pai bateu os dedos na mesa, me medindo, mas então balançou
a cabeça e se desfez do assunto. No momento seguinte, ele virou a tela do
computador e pude visualizar o último e-mail recebido.
— Por que diabos Fabian está me mandando agradecimentos e
honras por e-mail?
— Fabian é rápido — pensei alto.
— O que você fez?
— Mostrei simpatia.
— E até onde isso dura?
— Até quando nos vermos?
Seus dedos alcançaram a ponte de seu nariz e saboreei a sensação
de saber que seus neurônios estavam fritando com a confusão que fiz.
— O que não estou sabendo?
— Dominic disse que Fabian está disposto a negociar as terras
Tangáaras, desde que eu estivesse inclinada a apoiar suas mudanças.
A expressão de surpresa do meu pai não passou despercebido.
Um dos motivos de Fabian não receber o convite para estar na AAB
era a hostilidade entre nós. O meu pai tinha uma opinião de peso na mesa, e
não arriscaria trazer um conflito entre membros, mesmo que fosse
financeiramente favorável. Então se eu — a Stilk — mostrasse simpatia ao
seu acordo de terras, a ideia de um convite poderia ser aceita.
— E desde quando faz acordos com Dominic?
— Ele quer mexer na estrutura — expliquei. — Ele vai tirar todos
do lugar.
— Ele te contou isso? — disse desconfiado.
— Sim.
Suas sobrancelhas dançaram para cima e um tipo de compreensão o
atingiu, pois seu único movimento foi um gesto rápido em seus cabelos
castanhos.
— Ele quer Fabian na Associação?
— Sim.
Meu pai gargalhou alto em um rompante e o olhei horrorizada.
— Esse garoto é genial.
Havia um brilho esquisito em suas íris e eu só pude assistir,
perguntando-me o que diabos estava passando em sua cabeça.
Trinquei o maxilar.
— Era para ser um incentivo?
— Uma oportunidade — disse, ainda com um ar risonho e dobrei a
cabeça, indignada. — Dominic está pondo o tabuleiro em suas mãos.
Um misto de ansiedade me atingiu, eu sabia disso, mas ainda estava
me negando a acreditar. Primeiro a coroa, depois uma posição, agora a falta
de estabilidade na AAB? O que ele pensa que pode fazer me dando tudo
isso?
— Dominic está procurando brechas — estalei a língua, nada feliz.
— Está tentando chegar a mim de alguma forma.
— Ele é um Clifford querendo vingar seu sobrenome, e você cruzou
o seu caminho, não deveria ficar surpresa com sua sede por respostas.
Mordi a língua, pensando nas minhas palavras. Odiava essa merda,
sentia tudo queimar dentro de mim.
— Bom, há mais alguma coisa que queira me falar? — perguntou,
concentrado no computador.
Dobrei a cabeça, eu tinha muitas coisas.
— Acho que não. — Movi os ombros, tentando soar inocente.
— Então a retirada de 50 mil reais na conta da Stilk não foi você?
— Oh, isso me parece um bom dinheiro — fingi uma falsa surpresa,
que não deu muito certo, pois recebi um olhar duro. — Acha que estamos
sendo roubados?
Suspirei, desviando os olhos para minhas unhas.
— Ou talvez alguma enfermeira tenha tirado férias antecipadamente
na segunda? — sugeri.
Sua face se manteve intacta e a ironia oscilou entre nós.
— Vai lidar com as coisas assim, agora? Comprando todos e os
mandando embora de Bash para te cobrir?
— Pelo menos alguém está sendo feliz.
Então, travamos uma batalha ali, a sua preocupação novamente
tomando conta do espaço e mordi a bochecha quando o medo ameaçou se
instalar. Engoli em seco, travando o maxilar.
Meu pai olhou nos meus olhos, como se quisesse que eu vacilasse.
Era cruel ser testada sempre, mas continuei firme.
— Porque fez isso? — Seu tom não havia espaço para desculpas
esfarrapadas.
— O ceifador soube do novo investigador, e eu não queria correr o
risco de mais alguém ser machucado.
Meu pai observou cada milímetro de movimentos que a minha
respiração pesada provocou no meu rosto e me esforcei para não vacilar.
Seu aviso soando muito claro em minha cabeça: ao menor sinal de perigo,
eu irei interromper.
— São nove meses, Augusta, uma mentira não deveria durar tanto
tempo.
— O senhor sabe bem, hum?
Desviei o olhar, fazendo pouco caso do assunto. Ele não disse mais
nada sobre.
— Acho que já está na minha hora.
Caminhei para a saída e meu pai não me proibiu. Apenas me olhou
com um olhar de aviso, que recebi bem.
— Não esqueça de ler as cláusulas e assiná-las.
Fechei a porta.

Subi para o andar de reuniões, encontrando Leonardo Tavares


escorado em um dos vidros. Ele estava usando uma calça e camiseta social,
seu pouco cabelo ruivo estava penteado para trás, evidenciando as suas
entradas, e uma pasta transparente grossa estava pendurada entre seu corpo
e braço.
— Leonardo — chamei sua atenção e ele me encarou curioso, me
analisando de cima a baixo.
Esperei que seus olhos encontrassem os meus e ele logo abriu um
sorriso falso.
— Augusta Vendetta.
— A própria — lhe devolvi o sorriso falso. — Vamos? — Mostrei a
sala à frente e caminhei, esperando que me seguisse.
— Aceita algo? Uma água, café?
— Uma água.
— A jarra está ali, fique à vontade. — Indiquei com a mão.
O homem franziu o cenho e vi seu rosto vacilar enquanto segui para
a minha mesa. Parecendo confuso, ele andou em passos arrastados até o
aparador e encheu um copo para si, adicionando cubos de gelo em seguida.
— O senhor Vendetta não está? — Sua voz soou crítica.
— Sim, está.
— Ele não pode estar conosco?
— Não é preciso.
Caminhando com lentidão, vi sua mente trabalhar, observando
quando escorei uma mão na mesa e com a outra indiquei a cadeira ao meu
lado.
— Sente-se, vamos começar.
Vi seu sorriso morrer quando me sentei na cadeira presidencial e
esperei que o homem à minha frente ocupasse o lugar na mesa que havia
indicado.
Incerto de seus passos, ele sentou e se acomodou, apoiando o copo
de água e sua pasta na mesa.
Só havia nós dois ali e tinha quase certeza que isso o incomodava.
O fato de ser uma mulher representando uma empresa de grande porte.
— Não sabia que estava na frente do setor financeiro da Stilk.
Relaxei na cadeira e estalei a língua, dando de ombros.
— Estou onde é necessário, não há uma regra específica na minha
empresa.
O homem aprumou a coluna e balançou a cabeça, concordando.
Logo abriu a pasta, retirando alguns papéis.
— Então?
Coçou a garganta antes de falar:
— Estava conversando com o senhor Vendetta pelo e-mail e ele me
disse para trazer-
— Fui eu mesma que mandei os e-mails — lhe corrigi e recebi uma
cara não tão boa.
Mas Leonardo logo aprumou a coluna e enfeitou seu rosto com uma
simpatia falsa, abrindo um sorriso que não conhecia, mas sabia que não
tinha boas intenções.
— Certo. — acenou com a cabeça para as folhas em suas mãos. —
Creio que gostaria de ver os documentos da propriedade, então.
— Claro.
Folheei as páginas grampeadas, lendo e analisando as longitudes e
latitudes do local. Estava escrito a antecedência dos proprietários,
documentos legais, inscrições de venda e algumas fotos recentes em preto e
branco.
— É uma boa localização — comentei.
— Oh, sim! — um curioso brilho passou por seus olhos. — O
terreno está sendo valorizado, acredito que em dois anos esteja valendo o
dobro.
Arqueei as sobrancelhas.
— Ow, isso parece bom.
— É uma ótima localização — afirmou, exaltando o lugar e franzi o
cenho.
— Qual o valor?
— Setecentos mil.
Prensei meus lábios para não rir.
O centro de Bash era um pouco agitado, trazia pessoas de todo tipo.
O que também poderia ser perigoso, porque não tínhamos controle sobre
quem passava ali, mas ainda era o lugar mais movimentado por conta da
alta concentração de edifícios e estabelecimentos, o que tornava os terrenos
valiosos e bons investimentos.
O terreno oferecido para venda ficava na ponta leste, próximo ao
centro, o que aumentava um pouco o valor. A via que atravessava o centro
indo para o leste tinha uma péssima fama. O leste de Bash era uma área de
baixas, já que os malandrinhos da cidade tinham um certo domínio por essa
área. Era a parte feia, onde eram escondidos os ratos da cidade.
Tínhamos bastante interesse no terreno, eu tinha, gostava da área e
o acesso era rápido. Colocando um posto ali, com certeza levaríamos mais
movimento à via.
No entanto, o terreno não valia tanto, e com certeza não dobraria de
preço daqui a dois anos.
— Não está muito caro? Parece valer menos — tentei soar mansa.
Seu sorriso não vacilou.
— Você é muito jovem, ainda não tem noção do mercado que te
cerca. Mas confie em mim, aqui estão os dados do terreno. É um ótimo
lugar, eu poderia colocar um preço muito maior do que vale, mas estou
sendo bom e te oferecendo o melhor.
— Oh, sim! — Cerrei os olhos, estalando a língua, e batuquei as
unhas na mesa pensativa.
Eu sabia sobre o que ele falava de mulheres fazendo negócios, eu
tinha feito algumas pesquisas. Ele achava que a maioria de nós não tinha
cérebro e que éramos alvos frágeis.
— Quanto tempo demorou para decorar o mapa da cidade? —
Soltei as folhas na mesa e me concentrei em seu rosto. — O senhor é
corretor, certo? É o seu dever saber cada canto de Bash.
Ele tinha um ar arrogante, e me deu um sorriso estranho.
— Um mês ou mais? É uma pergunta difícil quando se vive em
uma cidade que cresce vários quilômetros todo mês.
Respirei, controlando minha voz.
— Eu demorei uma semana e revejo o mapa quase sempre — fui
direta. — Tenho tabelas e uma boa memória sobre cada lugar que estou
interessada em comprar.
Ele arqueou as sobrancelhas e sabia que isso era dúvida. Mas não
me abalei.
— Então, por que acha que não sei o valor de cada imóvel
disponível para compra nesta região?
— Eu sou corretor há dez anos, minha jovem, tenho certeza que sei
sobre o que estou vendendo. Estou te oferecendo um preço justo.
— Por acaso está tentando fazer a minha pessoa de idiota, senhor?
Seus olhos arregalaram.
— Por acaso acha que só porque sou mulher, sou burra e não sei o
quanto vale um terreno de seiscentos metros quadrados?
— Eu não estou…
— Não me subestime, senhor, não sou eu que estou precisando
vender algo — o cortei, querendo que o aviso explícito em meu tom fosse
recebido.
Vi o seu pomo de Adão descer e seus punhos se fecharem.
Então, o encarei com olhos firmes, sem desviar a atenção.
Despejando todo meu desprezo por homens como ele.
Mas Leonardo não baixou a guarda, apenas respirou, fechou os
olhos alguns segundos e colocou outro sorriso falso nos lábios.
— Perdoe-me, senhorita — soou cínico, e não desfiz minha postura.
— Acho que me lembro de ter mencionado algo ao seu pai sobre fazer um
melhor preço na propriedade…
Passei mais quarenta minutos discutindo valores e condições com
Leonardo Tavares sobre a propriedade. Eu sabia que ele não daria o braço a
torcer em nenhum momento, sabia que não admitiria derrota. E eu gostei
disso, da sua insistência em me driblar, mesmo que todas as vezes eu
desfizesse seus argumentos e mostrasse que era ele que precisava de mim.
Quando voltei para minha sala, havia um pequeno post-it escrito em
uma letra horrível:
Jantar hoje às 19:30
CAIXINHA DE VELUDO

Eu odeio Dominic Clifford.


Cada célula do meu corpo gritava isso.
Por alguns segundos, desejei que fosse ele me entregando o buquê
de lírios que o florista gentilmente colocou em minhas mãos com um
sorriso aberto. Com certeza o entregador achou que era um gesto romântico.
O que não era. Eu odiava flores.
Gostaria de ter esfregado essas flores na sua cara, fazendo-o comer
toda raiva que me fazia passar.
Amassei o bilhete escrito com letras impressas e joguei no lixo no
canto da minha sala, onde vários outros tinham tomado o mesmo rumo.
— Isso me parece bastante coisa — Apolline se divertiu, sentada na
minha cadeira.
Acho que a minha mesa era o único lugar salvo na minha sala, uma
vez que havia vários arranjos de flores de todo tipo por todo chão.
Depois que voltei da reunião com Leonardo, a cada trinta minutos
chegava um novo arranjo de flores, que eu odiava, e um bilhete dentro de
uma caixinha de veludo enrolado e pregado em um pequeno broche
redondo com as iniciais DC.
Na primeira vez que recebi, me perguntei se ele tinha feito broches
de ouro com seu nome, pois o brilho do objeto polido parecia muito ser uma
peça de valor. Mas na segunda e terceira vez que recebi outros bilhetes
ridículos com o mesmo broche, deixei de me importar.
Eu tinha passado o dia fora da minha sala, querendo ficar o mais
longe possível, o que não resolveu a fuga dos malditos presentes, pois os
floristas me procuravam em qualquer buraco de sala que eu estava. E
quando Polly disse que estava na Stilk, imaginei que a perturbação de
Dominic em me entregar flores havia parado, pois já eram quase oito da
noite.
Ledo engano, a minha sala não só havia vasos de flores horríveis e
milhares de caixinhas de veludo vermelha por todo canto, havia post-its
pregados em toda parede com diversas ofensas à minha moral que não
prestei meio minuto para ler. Aquilo não me atingia facilmente, nossas
ofensas já chegaram a ser bem piores.
O que me deixou uma pilha de nervos e raiva foi quando, passando
os olhos por outra parede que também havia um post-it, estava escrito em
palavras curtas descrições sexuais e frases possessivas, cujo tom podia
ouvir nitidamente em minha cabeça.
E, claro, foi somente eu entrar pela sala para a porta bater
novamente segundos depois com mais uma delicada frase de ameaça. Já
estava ficando cheia dessa brincadeira ridícula.
— Dominic está garantindo que eu vá encontrá-lo hoje à noite. —
Revirei os olhos, vendo suas sobrancelhas arquearem curiosas. — Ele
acredita que se me deixar irritada o suficiente, irei ceder e ir encontrá-lo
para esbofetear a sua cara.
O que eu poderia realmente fazer, o dia cansativo de reuniões e
cobranças traziam uma carga estressante para as minhas emoções.
Seus olhos se arregalaram levemente, mas seus lábios ainda
continham diversão:
— Isso não seria ruim? Você não está indo porque quer.
— Para Dominic, isso não faz diferença.
Polly riu abertamente enquanto meu sangue esquentava de
impaciência. Eu não iria, mesmo que os seus bilhetinhos ridículos me
irritassem cada vez mais.
— Se não posso trazê-la de boa vontade, então a trarei com raiva
— citei um dos recados que havia recebido. Fechei os olhos, vagamente me
lembrando de alguns.
“Não pense por um segundo que irá fugir de mim”. “Devia ler os
meus e-mails e vir me encontrar”. “Raiva é um bom combustível para se
chegar na hora certa do nosso jantar”. “Jantar…”. “Hoje é sexta, sabe o
que isso significa?”
— E por que não vai?
— Não é uma boa ideia.
Não consegui esconder a dureza nas minhas palavras. E não era
mesmo, eu tinha decidido ignorar seu recado antes mesmo de terminar de
ler as letras ridículas que marcavam os post-its.
O que fez Apolline apenas balançar a cabeça e me olhar
mortalmente, como se quisesse dar dois tapas na minha cara. Eu não a
julgava, muitas vezes queria fazer isso comigo mesma, e não duvidava que
metade de Bash um dia já sonhou em fazer o mesmo.
Por mais que compartilhasse tudo com a minha melhor amiga, tinha
uma pequena parte dentro de mim que escondia algumas atitudes dos
últimos meses. Sabia que ela não iria me julgar por ter sobrevivido, mas
duvido que deixaria eu continuar com a minha farsa no minuto seguinte que
descobrisse a verdade.
Ela fingia que não tinha nada acontecendo, enquanto eu fingia que
as minhas mentiras não estavam me afastando das pessoas que amo.
Porque mentiras fazem isso, afastam pessoas.
Quebrei o contato, pondo os arranjos na sacada, poderia jogá-los do
alto se lá embaixo não houvesse pessoas circulando sem parar.
— O que aconteceu com a moça que te ajudava? — Apolline
indicou a bagunça de papéis na mesa.
Dobrei o pescoço, franzindo o cenho.
— Dominic a levou.
— De novo?
Dei de ombros, suspirando alto.
— É por isso que desisti, eu as ensino o trabalho perfeitamente para
que ele as pegue. — Isso era tão ridículo. — Dominic acha que sou seu
serviço de RH.
— Não há uma multa por isso? Quebra de contrato entre
funcionário e empresa?
— Ele paga todas.
— Isso parece ruim. — Olhei-a como se dissesse “jura?”
Mas Apolline somente levantou as mãos, em rendição.
— Devia contratar um garoto, aposto que ele não ficaria tão
animado para levá-lo.
Lutei para controlar o impulso de revirar os olhos.
— Fiz isso uma vez, mas ele o pegou na segunda semana. O garoto
tinha um fanatismo por Dominic, acho que ficou sabendo que era um louco.
— Devia fazer o mesmo, então, lhe roubar seus funcionários.
A ideia era boa, mas…
— Já pensei nisso, mas creio não ser tão generosa quanto.
Apolline me encarou por alguns segundos e depois caiu na
gargalhada.
— Creio não poder discordar. — Abri uma expressão fingida
enquanto ela listava meus defeitos.
— Desculpe por não ter o dom de ser simpática.
— Você é quando quer!
Fiz pouco caso da sua provocação, sentando-me na poltrona branca
que tinha ao lado da sacada. Tinha desistido de arrumar qualquer bagunça.
Poderia facilmente mudar de sala.
— O que aconteceu com aquele assunto? — Voltei a atenção para
os seus problemas. Sabia que um dos motivos de seu sumiço na última
semana era o seu pai lhe azucrinando com a ideia de um acordo nupcial.
— Não te contei da última? — Seu tom era azedo e triste.
Balancei a cabeça, negando, receosa com suas próximas palavras.
— Bom, ao que parece, o candidato perfeito para mim tem acesso
aos nossos jantares de família agora.
— Você tá brincando comigo?
— Eu queria estar — suspirou alto e algo dentro de mim se
incomodou com esse fato.
Nikolai Reaper tinha acesso à casa dos Phillips.
A minha amiga pareceu cansada, e por um minuto inteiro minha
mente tentou juntar informações vazias que tinha sobre, mas nenhuma
solução pareceu saudável.
— E sabe qual é o pior?
— O quê?
— Ontem eu senti que, de alguma forma, ele também não queria
isso tanto quanto eu. Mas acho que estou ficando doida, a minha mente
deve estar criando recursos para não me sentir sozinha nisso.
— Por que você fala isso?
— O seu pai, ele estava lá também. E não acho que eles tenham
uma boa relação.
— Sério? — disse surpresa.
— Mas não importa, ele fará tudo que o pai pedir.
Mordi os dentes. Realmente. Sentia repulsa sempre que ouvia o
nome dele.
Engoli em seco, tentando não pensar muito. Então mudei o rumo da
conversa.
— Como isso é possível? Tenho certeza que seu pai não é burro,
Nikolai não é o melhor cara para se casar.
Os olhos de Polly me encontraram e seus segredos vibraram em um
sorriso sem brilho.
— Acho que ele não se importa mais.
Não lhe respondi, era coisa demais para querer salvar.
— Ele está me cozinhando em molho quente, me fazendo encontrá-
lo de propósito. Fazendo-me odiá-lo.
— E o que está impedindo de finalizar o contrato?
— Parece que o seu noivado está mais interessante no momento —
Polly estalou a língua. — Pelo menos posso usar isso a meu favor. E não
estou nem um pouco culpada, se quer saber.
Não pude deixar de rir pelo nariz.
— Me use como quiser, Polly Pocket. — Ela revirou os olhos para
o apelido.
— Pelo menos uma de nós faz o que quer.
— Ou consegue o que quer com um sobrenome importante —
devolvi a alfinetada, cortando minha pele com minhas próprias palavras
— Estou ansiosa para isso — brincou, mas Apolline sabia que não
era tão simples.
Ela também esteve lá e viu a nossa ruína.
A porta bateu outra vez e meus olhos queimaram a madeira de onde
vinha o som. Esperei alguns segundos.
— Não vai abrir?
— Não quando sei exatamente o que me espera. — Deixaria a porta
bater até que quem quer que estivesse ali, desistisse.
Os olhos de Polly remediaram entre mim e a porta, e lhe lancei um
olhar em um aviso claro. Mas ela era curiosa demais e estava disposta a
deixar o caos nos inundar. Eu vi isso quando seu sorriso ampliou.
Cerrei os dentes quando a minha cobra amiga levantou-se da sua
cadeira e caminhou até a porta, abrindo-a de imediato. Tombei a cabeça
para trás, não querendo enxergar o que tinha chegado.
A raiva ameaçando se instalar no meu âmago, se houvesse mais
flores horríveis iria fazê-lo comer todas.
Dobrei a cabeça quando uma Apolline silenciosa ainda estava na
porta, estagnada.
O que Dominic havia aprontado desta vez? Arrastei meus pés até a
entrada, querendo saber o que tinha de errado.
Incredulidade me encheu junto com uma faísca perigosa de raiva
queimando meu corpo.
O corredor estava interditado e, por cima de um dos arranjos que
estava na porta, havia uma foto de Oscar em uma polaroide recente, em
frente a uma torre antiga que conhecia bem demais.
“Se quiser Oscar, terá que buscá-lo comigo agora. Ou não haverão
mais bons-dias feitos de lambeijos”
Respirei fundo, lendo o papel três vezes. Eu podia ignorá-lo e
enfrentar as próximas semanas dolorosamente sem Oscar. Não duvidei que
ele faria isso, pois como eu já tinha o sequestrado por semanas, ele também
já havia feito. E era uma merda. O que me fez bobear na minha decisão foi
a falta de paciência em saber que ele não pararia.
Então, calculando provavelmente a minha derrota, fui ao encontro
do motivo que Dominic havia interditado a porra do meu corredor, de
caixinhas de veludo vermelhas e lírios-roxos.

A raiva era uma perigosa emoção a experimentar quando se está


prestes a assassinar alguém. O tempo no carro tinha feito estragos nos meus
pensamentos.
— Eu espero que o que esteja armando, seja muito importante
porque eu juro, Dominic, eu juro que o seu rosto não vai estar tão perfeito
em alguns minutos — foi a primeira coisa que despejei quando pulei do
carro e o encontrei na larga calçada com um olhar desafiador. Bati os dedos
em seu peito, nervosa.
Ele estava me esperando, o idiota estava me esperando. Claro que
estava. Respirei fundo, me preparando para enfrentá-lo. Meu coração
retumbando em meus ouvidos. Meu sangue correndo quente pela
expectativa do embate.
— Que bom que chegou, bruxa. — Mas havia algo em seu tom que
me fez parar.
Hesitei por alguns segundos enquanto observava seu rosto e tentava
entender em que pé estávamos.
— O que caralhos acontece com a sua cabeça?
— Gostaria que jantássemos juntos — disse simples e controlei
minhas mãos para não voarem em seu rosto cínico.
— E onde está escrito que o que você quer, é o que eu quero?
Dominic molhou os lábios, fazendo pouco caso das minhas
perguntas:
— Por que ainda não leu os meus e-mails?
— Cadê o Oscar?
— O seu carro está estacionado de um modo ridículo — acusou, me
ignorando novamente.
E fechei os olhos, não querendo surtar. Em seguida, o encarei com
uma calma fingida.
— Hoje é um ótimo dia para eu não me importar.
— Ele vai ser rebocado — continuou o assunto e cerrei meus olhos,
medindo-o.
Jantar com Dominic poderia dar tão errado.
Abri um sorriso falso e bati a chave em seu peito:
— Ótimo dia para ser um Clifford.
Então, quando sua mão foi de encontro à minha, que estava apoiada
nele segurando a chave do carro, soltei-a, lhe dando as costas e caminhando
para dentro do grande portal que tinha como recepcionista uma moça ruiva
com um uniforme vermelho-vinho.
Suspirei alto ao entrar no restaurante, impossibilitada de deixar que
a raiva atrapalhasse toda minha minuciosa admiração que suspirava sempre
que cruzava as portas de um dos meus lugares favoritos em Bash.
BellRios era um dos restaurantes nomeados e criteriosos no centro
da cidade, e sua estética clássica era uma extensão do imenso teatro que
havia ali agregado. Era um lugar bonito, com o teto desenhado em vidros e
lustres no tom ambiente, trazendo um certo conforto. Nas paredes, grandes
obras estavam expostas em quadros retangulares, com bordas trançadas
combinando com todas as molduras bordadas em cada canto do lugar.
Não estava muito cheio, o que me levava a pensar que alguma
apresentação ainda estava acontecendo ao lado. Eu era uma fã do espaço, e
sempre que era possível dedicava todo meu tempo e dinheiro às perfeitas
sinfonias que se faziam presente no palco.
A ópera era uma boa atração para se ver em Bash, como os
concertos ou musicais de ballet. Lembrei-me de quantas vezes tinha feito
essa mesma programação, e como a energia caótica do restaurante surgia
após sairmos extasiados e sem fôlego de uma apresentação recente.
Era uma experiência única assistir algo no Teatro BellMonte. E eu
era suspeita para falar, pois era um dos meus lugares favoritos em Bash. Era
uma paixão.
A presença forte de Dominic invadiu meu lado esquerdo e a
calmaria que estava começando a se instalar foi embora em um rompante,
deixando que a rispidez tomasse as rédeas dos meus sentidos, lhe
presenteando como meu melhor olhar “faça alguma merda e ateio fogo em
você”.
O que com certeza não mudava em nada seus possíveis planos para
essa noite.
Ainda não sabia porque tinha me infernizado para estar aqui, havia
tantas possibilidades… Eu sabia que poderia ser difícil estar em um dos
meus lugares favoritos com Dominic, mas não achava que seria perigoso
seguir o seu roteiro até entender em que pé estávamos.
Atacar sem saber o alvo era um tiro no pé.
Suas sobrancelhas arquearam, como se tivesse entendido minha
linguagem, e o movimento dos seus lábios em um repuxar perverso e cheio
de segundas intenções me confidenciaram seus próximos passos.
— Não se atreva — rispidez abraçava minha voz, e me apressei a
procurar uma mesa vazia para sentar. Dominic não ia encostar em mim.
Logo uma hostess veio ao meu encontro, informando que havia
uma mesa separada para nós, e não me censurei em lançar vários olhares de
morte para Dominic enquanto caminhava entre elas que estavam cobertas
com forros nas cores branca e dourada. Passei pelos dois degraus que
separavam outro piso mais reservado, até chegar às mesas embutidas que
tinham estofados conjuntos, mais afastadas da entrada.
Agradeci a moça gentilmente — com ela eu poderia ser muito
gentil — e logo Dominic ofereceu o banco à sua frente, indicando para que
eu me sentasse. O fuzilei com os olhos. Nem a pau.
Em desafio, sentei-me no banco oposto, que era um conjunto
estofado ao invés de lugares particulares. Eu não ficaria de costas para
surpresas futuras.
O que pareceu um grande erro quando me dei conta do que tinha
feito.
Dominic sorriu e empurrou meu corpo para o lado, para que ficasse
na ponta, me fechando. Minhas unhas afundaram nas palmas. Tentei
empurrá-lo para que saísse.
— Você pode se sentar do outro lado, há lugares suficientes. —
Travei o maxilar, sentindo sua perna queimar a minha. — Ou saia da minha
frente que irei mudar de lugar.
— Está com medo de ficar tão próxima? — O tom era provocativo,
e o seu sorriso estava longe de ser amigável.
Sim.
— Saia — eu disse.
— Estou bem confortável aqui
— Eu não estou confortável aqui!
— Esse problema é inteiramente seu.
Sentia meu sangue quente, minha respiração estava acelerada e quis
me bater por ter sido tão burra. Mas eu o esganaria primeiro, com certeza.
A moça que nos recepcionou retornou com uma garrafa de vinho
em um balde de gelo e duas taças. Ela nos serviu com tamanha gentileza
que quase a expulsei da mesa de tanta lentidão.
— Anda, e saia do meu lado. Não vamos ficar no mesmo lugar.
— Eu não te forcei a sentar aí.
— E eu não falei que você poderia sentar aqui!
— Fatalidades da vida. — Deu de ombros.
— Dominic, estou lhe avisando, não irá sobrar nenhum dente se não
trocar de lugar!
Mas seu olhar cínico me disse que ele não estava nem aí para minha
ameaça.
Respirei fundo, enchendo meu peito. Se ele não saísse, eu iria sair.
Eu não podia ficar aqui à sua mercê. Não depois de tê-lo provocado na
mansão Willians. Era certo que ele daria o troco. Porque era o que eu faria
se fosse ele. É o que faço quando ele me aperta.
Levantei-me, ficando um pouco inclinada, porque o espaço entre o
estofado e a mesa era curto, e recebi um arquear curioso de Dominic, que
pareceu ficar estático me observando. O lugar não estava tão cheio, e ali
onde estávamos era mais afastado de olhares curiosos. Meus movimentos
passariam imperceptíveis.
Eu podia fazer isso.
Dando mais uma olhada ao redor, virei-me de costas para a mesa.
— Idiota — sussurrei alto quando seu corpo relaxou no encosto, me
dizendo que assistiria de graça a palhaçada que estava me submetendo. Mas
era melhor do que ficar aqui presa pelo seu corpo à sua mercê.
Com a mão estendida para baixo, preparada para arrumar a minha
saia midi, caso levantasse, passei uma perna cuidadosamente por cima da
direita dele e não olhei para baixo quando senti suas pernas se mexendo,
abrindo mais. Ele estava tentando dificultar minha passagem, mas eu ia
passar de qualquer jeito.
Mesmo que a proximidade de nossos corpos começasse a trazer um
calor involuntário às minhas pernas, quase podia sentir sua palma próxima a
minha pele, queimando.
Com as duas pernas por dentro das dele, fingi que não senti ou vi
suas mãos se abaixando para me cercarem também. Segurei um fôlego e
tentei me equilibrar para não correr o risco de cair direto em seu colo. Isso
seria terrível. Só mais uma perna e estaria livre. Fácil. Não arrisquei olhar
para o seu rosto, não queria provar do seu olhar ameaçador ou perverso.
Não queria perder o compasso do coração e perder a atitude ao me deparar
com os orbes escuros.
Deslizei mais uma perna, ficando com a sua esquerda entre as
minhas. Perfeito. Quase lá.
— Da próxima vez que me mandar lírios, irei te fazer comer toda
terra de seus vasos idiotas — alfinetei quase comemorando a minha vitória.
Levantei devagar a outra perna para que nada fosse comprometido.
Perfeito. Tinha conseguido. Estava livre da prisão corporal de Dominic. Lhe
presenteei com um sorriso forçado. Poderia ir até embora e deixar o idiota
aqui, se enchesse demais minha paciência. Enchi o peito, preparada para lhe
mandar se ferrar.
Mas cantei vitória cedo demais.
Dominic agarrou minhas duas coxas, pois ainda estava perto o
suficiente, fazendo um arquejo sair por meus lábios. Arregalei os olhos. O
lugar pegou fogo e meu coração deu um pulo, estava quase sendo derrubada
pela gravidade para cima dele, e algo perverso passou por suas íris, fazendo
com que minhas pernas colassem uma na outra. Tentei controlar a
respiração.
— Gosta de estar por cima? — Suas mãos desceram para trás dos
meus joelhos e os balancei involuntariamente, na tentativa que elas
soltassem. Seu aperto era firme, não o suficiente para machucar. Ainda
assim, me senti presa pela força.
— O que está fazendo?
— Quantas ameaças vazias sairão da sua boca até que perceba que a
única ameaça aqui é você?
Meu rosto nublou em confusão e balancei minhas pernas para me
afastar. Seu aperto se manteve.
— Dominic, o que-
Meu coração dava galopadas fortes.
— Me diga o valor de suas ameaças e o quão insignificante foi
descartar uma pessoa inocente por estar no seu caminho? Ou melhor, quem
ceifa seus pesadelos, bruxa?
Como um corte afiado na espinha. Como um mergulho em águas
congeladas. Como álcool em uma ferida feia e infeccionada. Meu coração
estava batendo forte por vários motivos e nenhum deles era pela
sobrevivência.
Eu tinha entendido rápido demais a sua insinuação.
— Eu não sei sobre o que está falando — engoli em seco.
De repente, todo o meu corpo estava ciente demais do espaço entre
nós, e o era muito pequeno para nós dois.
Precisava fugir.
Dominic se aproveitou do momento em que minha mente paralisou
todos os meus movimentos de surpresa e dedilhou minhas pernas expostas,
comendo o meu orgulho com os olhos. Me desnudando. Cretino da porra.
Ele estava falando das enfermeiras que eu paguei, e no momento
não sabia até que ponto ele iria. Ou que ele sabia. Ele estava jogando verde?
— Lábios mentirosos. — Seu tom era ameaçador, o que causou
arrepios por todo meu corpo. Não era medo, nunca, era expectativa e
excitação.
Fui nocauteada para o estofado novamente, Dominic me sentou ao
seu lado esquerdo.
Ainda estava um pouco paralisada. Não esperava por esse golpe.
Não esperava que ele tivesse optado por ser tão aberto. Eu não conhecia
esse jogo. Ele estava me expondo e esperava que eu o ajudasse.
Senti a raiva queimar minha garganta e uma súbita queimação se
fez em meu estômago. Algo estava se quebrando dentro de mim.
Com uma força que não tinha, tentei me levantar, mas o cretino,
ainda com as mãos em minhas coxas, me segurou. Travei o maxilar e
iniciamos uma batalha silenciosa. Seus olhos me desafiando a atravessá-lo
enquanto eu lutava miseravelmente para manter minhas barreiras.
— Me deixe ir — eu poderia facilmente ter rosnado como um cão
raivoso.
— Não.
Mordi minhas bochechas, engolindo toda amargura que havia se
esticado entre nós.
— Por que estamos aqui?
Mas o seu semblante, ainda sério, despejou:
— Vamos comemorar.
— Comemorar a data do seu velório?
— Comemorar. Apenas… Comemorando — havia algo não dito.
Quando tentei me mexer para tentar afastar o milímetro de espaço
entre nós, Dominic passou o braço atrás das minhas costas e grudou nossos
corpos, apenas para depois esticar o outro braço e levar uma taça, que ainda
estava cheia, aos lábios.
Como se a sua falta de educação com o meu espaço não fosse nada.
Queria fazê-lo engasgar com seu próprio vinho.
Estava acuada.
E antes que a minha imaginação começasse a discorrer várias
respostas mal-educadas para lhe presentear e iniciar outra tentativa para sair
dali, dois rostos idênticos entraram pelo arco da entrada, com passos
relaxados, acompanhados de uma cabeleira loira.
Ótimo, combate ao fim do mundo.
Fiquei rígida enquanto esperava nossos amigos se aproximarem, e
não fiz nenhum movimento para lhes cumprimentar quando chegaram até
nós.
O que, claro, causou olhares curiosos e divertidos em nossa direção.
Já que Dominic também não se levantou para fazer seus honrosos apertos
de mão. Dominic não ia correr o risco de me soltar e eu ir embora. Então
quis queimá-lo por inteiro com meus olhos por estarmos nos prestando a
esse papel ridículo.
Chuck me lançou um sorriso divertido enquanto Christoph
balançava as sobrancelhas em um gesto totalmente zombeteiro.
— Meu casal favorito — veneno escorria da boca de Christoph.
— O nosso. — Zaki pôs a mão no peito, como se estivesse
ofendido.
— Muito piadista, vocês — lhes dei um sorriso falso. — Calem a
boca.
Chris levou a mão ao peito, como se tivesse doído a minha fala, e
foi o último a sentar, jogando-me uma piscadela e ficando na minha frente.
— Estou todo arrepiado — Zaki disse sério, chamando minha
atenção.
Gostava de como Christoph tinha virado um bom amigo, mesmo
com piadinhas escrotas, elogios indecentes e a mania incessante de dar em
cima de qualquer pessoa que não estivesse ao seu alcance. Ele era essa
pessoa que não tinha papas na língua.
Seu irmão e Zaki sentaram ao seu lado, ambos com o semblante em
completa diversão, quase podia ouvir suas gargalhadas altas e horrorosas.
Então revirei os olhos, não podendo ficar com a cara amarrada por
tanto tempo. Por mais estranho que Dominic e eu estivéssemos, por mais
distantes e completamente machucados e magoados que estivéssemos, eles
ainda eram nossos amigos, e não mereciam minha amargura. Porque tinha
um grande carinho por eles, ainda que fossem meio babacas.
Como agora.
— O que há de tão engraçado? — disse ríspida, desistindo,
chamando a atenção dos três à minha frente.
— A vida é muito engraçada. — Zaki deu de ombros e dobrei o
rosto para Dominic, que mantinha o semblante sem expressão. Seus braços
firmes ao meu redor.
— Muito engraçada — Chuck concordou e levantou a mão,
chamando o garçom.
Estreitei os olhos entre os quatro.
— Eu espero mesmo que a piadinha interna não tenha meu nome no
meio.
— Isso é quase impossível, gata. — Chris balançou as
sobrancelhas. — Esqueceu que somos obcecados por vocês? — zombou.
— Vocês são péssimos mentirosos.
— Não pior que vocês — Zaki alfinetou e não me prestei ao
trabalho de procurar o que queimava o lado direito do meu rosto.
Tentava não pensar muito em como minhas costas estavam quentes
ou em como suas mãos estavam relaxadas demais em mim. Tentei consertar
meu corpo, afastando alguns centímetros, com o pensamento de que ele
estava atento a outras coisas… Meus movimentos pararam antes mesmo de
se concretizarem. Um palmo de distância para o lado e fui puxada
novamente.
Um jovem rapaz, que também usava um uniforme vinho, anotou
nossos pedidos. E as risadas silenciosas não pararam.
— Vocês vão falar agora — exigi e todos se calaram, olhando para
Dominic, que não falou nada. — Todos agora ficaram mudos?
Chris abriu a boca e sorriu, me olhando.
— Temos um apaixonado entre nós — ele disse sorridente e Zack o
olhou, horrorizado.
— Não ficou sabendo? — Chuck divertiu-se e aproximei-me mais
da mesa, curiosa.
— Zack está namorando?
— Por que seria eu? — Zack ralhou com uma cara fechada.
— Você foi o único que disparou um olhar de morte.
— Eu não tenho nada a dizer — finalizou o assunto.
— Um dia vamos conhecê-la? — perguntei, esperando que fosse
uma boa garota.
Então Chris e Chuck explodiram em risadas e revisei os olhos entre
os dois machos.
— Vocês estão brincando comigo? O que há de errado com vocês?
Mas todos, de repente, se calaram e eu vi por milésimos de
segundos, milésimos, cada olhar desviar rapidamente para minha direita.
Eu havia entendido o recado. Uma ordem.
— Ficou sabendo do novo membro da Speak? — Chris fugiu do
assunto e cerrei meus olhos, fuzilando-o.
Era sempre essa palhaçada, jogavam a bomba e fingiam que estava
tudo bem. Encostei meu corpo no estofado, me esquecendo do braço de
Dominic. Voltei a posição ereta ao mesmo tempo.
— Ele é lindo, vai ser nossa aposta esse ano. Espero que o nosso
Jockey faça bom uso.
Speak era o jockey club da região, ficava a alguns quilômetros da
cidade e tinha como sócios fiéis os cavaleiros na mesa.
— Precisamos de bons músculos para o Turfe esse ano. — A voz de
Dominic sou firme e percebi que ele não havia falado em nenhum momento
até agora.
— Um lindo puro-sangue inglês — Zaki admirou.
— Acho que há uma certa obsessão por animais com quatro patas
— impliquei. — Devo me preocupar com a falência de vocês?
— Ninguém está julgando o valor absurdo que você leiloou em uma
bolsa de quinze centímetros há algumas semanas.
— Bolsas são investimentos — me defendi.
— Cavalos também são investimentos — Chuck afirmou, ajudando
o amigo.
— Vocês estão comparando corridas de cavalos com bolsas?
Ouvi um murmurar baixo ao meu lado.
— Você já viu alguma bolsa precisar de manutenção? Enquanto a
minha bolsa de quinze centímetros está dobrando de preço com os anos, os
seus cavalos gastam metade do seu valor em menos de um ano — expliquei
sucinta e ganhei quatro reviradas de olhos.
Nesse momento, um verdadeiro banquete foi posto na mesa, e
fiquei observando enquanto olhos atentos brilhavam e davam olhadas
generosas para o decote das duas moças que nos serviam. Eu não merecia
isso. Bufei, dobrando a cabeça para esquerda e encontrando Dominic
mexendo no celular. Uma espiadinha…
Seus olhos encontraram os meus, me queimando, e desviei o rosto.
O clima mudou para um rumo sobre apostas, competições e jogos
com cavalos. Era o assunto que mais rendia brincadeiras e perda de dinheiro
entre eles. Então começamos a comer enquanto eu caía em uma espiral de
pensamentos sem respostas, a qual refazia meus passos até o momento, me
perguntando o que Dominic sabia. Já tinha entendido o recado sobre o
convite da noite, ele queria me confrontar e ver o que tiraria de mim. E eu
até me senti fraca em sua presença, o seu olhar mexendo comigo e me
deixando sentir o que várias vezes tentava esconder.
Ao dar o último gole na taça de vinho, percebi que Dominic já não
estava mais me prendendo. Minhas pernas e corpo estavam livres.
Olhei para minha direita, espiando seu rosto. Seu maxilar
movimentando-se em lentidão, o pomo de Adão subindo e descendo com as
goladas do líquido vermelho, os lábios pressionados numa vã tentativa de
não dar crédito a alguma baboseira que seus amigos idiotas disseram.
— Seu carro está no estacionamento — falou sem olhar pra mim.
Poderia ouvir aquilo como uma ofensa por ele estar me
dispensando, mas o sentimento de alívio correu pelo meu corpo. Dominic
deve ter reparado em meu olhar pesado sobre seu rosto. E quase ri comigo
mesma, porque, no final, ele também não suportava ir até o fim. Era
demais.
Quebrando meu contato com seu rosto, revirei os olhos e levantei.
Por hoje era só. Chegaria em casa o mais rápido possível e pensaria com
clareza nos meus próximos passos.
Sem muitas despedidas, deixei-os para trás, seguindo para onde eu
quis ir à noite toda: ao teatro. Não sabia se havia acontecido alguma
apresentação, já que o clima do restaurante se manteve estável, mas não me
apeguei a isso, só desejava entrar no meu lugar favorito.
Assim que empurrei as portas do teatro, meus orbes seguiram para o
teto, como sempre. Observei com calma os desenhos, redecorando os
detalhes que tanto amava. Apesar das portas destrancadas, não tinha uma só
pessoa além de mim; o que não era uma reclamação.
Caminhando pelo chão forrado em um tapete crespo rubi, fui
adentrando a enorme estrutura que abrigava os melhores talentos de Bash.
Eu tocava algumas vezes na semana junto à orquestra local, ou
sozinha quando conseguia me encaixar em suas grades. Não importava o
que me acontecia, não conseguia deixar a música, ela era como um ar fresco
em uma queimadura muito feia. E andar pelo teatro me trazia uma espécie
de paz. Quase podia ouvir sinfonias e acordes vibrando através das paredes.
Quando cruzei a porta do auditório, onde ficava o palco principal,
um frio na espinha me embalou e atentei-me a ouvir algum barulho
diferente. Não parecia ter ninguém aqui, e embora o teatro fosse um lugar
seguro, não era ingênua para achar que estava salva de qualquer maldade
entre a sociedade de Bash.
Desci os curtos degraus acarpetados que levavam para o palco
abaixo. Era um corredor estreito e longo, e não me impedi de caminhar.
Estar sozinha aqui me causava pequenos calafrios. A mistura de estranheza
e felicidade contornou meu corpo
A nostalgia me embalou quando atingi os últimos degraus. Acho
que também tinha uma certa fascinação por concertos, pois conseguia
imaginar a minha posição no palco.
Então fiquei alguns minutos ali sozinha, com a cabeça pensando
muito mais do que dava conta.
Respirando fundo, eu sabia que estava na hora de ir embora, não
queria ser acusada por estar invadindo locais alheios. Mesmo que
considerasse como casa, sabia que tinha que ter autorização para estar aqui.
E poderia ficar presa se alguém decidisse ir embora sem conferir se tinha
mais alguém no teatro.
Mas quando estava subindo, ouvi o barulho de algo sendo arrastado
e então passos apressados. Fiquei estática, tentando ouvir mais, meu corpo
entrando em alerta. Franzi o cenho olhando para trás e tive que piscar duas
vezes para me convencer do que estava vendo.
O meu cachorro estava no meio do teatro sentado e com a boca
aberta.
Paralisei por alguns segundos, assustada, imaginando se poderia ser
outro animal. Mas a coleira dourada com um strass de letras específicas e
desenhadas em prata A e D o marcava.
Seu latido ecoou pelo teatro, me tirando do transe, e desci os
degraus que tinha subido e preparei-me para receber o baque do seu pulo
quando o vi correr em minha direção.
— O que está fazendo aqui? — Abaixei para acariciá-lo e
perguntei, mesmo sabendo que não ia ter alguma resposta.
Com certeza tinha dedo de Dominic nisso, e estava curiosa e
intrigada em saber o motivo do surto dele para trazer um cachorro a um
teatro. Mas que merda? De todo modo, levaria Oscar para casa.
Ele se entranhou em mim, quase me derrubando.
Segurei sua coleira, impedindo de rolar para cima de mim e algo em
sua coleira me chamou atenção, na parte de baixo, uma pequena embalagem
de veludo branco. Puxei-a de Oscar, tateando para saber o que tinha ali
antes de abrir.
Era outra caixinha de veludo.
Rolei os olhos, sério isso?
Logo percebi que não estávamos sozinhos, e um Dominic quieto
aguardava do lado direito, perto do palco, de onde Oscar havia saído
decerto.
Ele tinha um olhar sombrio, e querendo acabar com sua
provocação, abri a caixinha para ver o que tinha escrito dessa vez.
Meu sangue esquentou e uma raiva genuína me atingiu em cheio ao
perceber o que estava acontecendo quando a joia brilhou com o reflexo da
luz acima de nós e um pedaço de post-it grudado na parte superior chamou
minha atenção.
“Você não vai fugir de mim”
Era a porra de um anel de noivado.
Dominic estava me pedindo em casamento e eu não sabia o quanto
eu tinha me ferrado.
ANEL(AR)

Eu devia ter imaginado que algo bom não viria dessa noite.
— O quê…? — Queria externar todo o horror que passava pela
minha mente, sentia minhas mãos gélidas e engoli em seco, tentando afastar
o nó que se formava ali. Palavras fugiram da minha boca.
— Aposto que não é burra para me perguntar o que um anel de
noivado significa, bruxa.
Cerrei os punhos e permiti que a raiva inundasse cada poro, cada
célula do meu corpo.
— Não.
— Pelo menos nisso concordamos, porque sabemos que um cérebro
burro não faz perguntas óbvias.
— Não.
Dominic arqueou as sobrancelhas.
— Não?
— Não.
Algo estalou em seus olhos e seu semblante não era nada menos
que cruel. Dominic gargalhou. Depois deu três passos largos em minha
direção.
— Acho que temos que rever o QI do seu cérebro. Achei que
tínhamos concordado.
Bufei, ventilando raiva.
— Minha resposta ainda é não.
— Você vai aceitar.
— Eu não sou obrigada a aceitar.
Dominic gargalhou novamente.
— Não faça isso consigo mesma.
— Podemos assinar o contrato nupcial sem precisar usar um anel.
— Eu faço questão.
— Eu posso viver sem isso. — Agora eu estava tratando a joia
como algo que me queimaria se eu ousasse encostar muito.
A joia ainda estava aberta na palma da minha mão e a vontade de
jogá-la longe me assolou. Dominic deu um passo em minha direção e senti
Oscar se agitar em meus pés.
— Coloque o anel.
— Não.
— Me dê sua mão para que eu coloque, então.
— Não. — E assim como uma criança que esconde doces, lancei
minhas mãos nas costas e fechei a caixinha dentro da palma.
Senti o focinho de Oscar xeretar entre meus dedos.
— Não torne isso difícil, bruxa, eu não me importo de enfiar esse
anel no seu dedo de qualquer modo.
Mais alguns passos dele e meu coração pulou em ansiedade pelo
que estava por vir. Ele estava próximo demais. Engoli em seco, sentindo seu
perfume em meus poros. Odiava ter sempre as mesmas reações diante dele.
Odiava me trair quando se tratava dele.
— Pelo que me lembro, os meus dedos ainda são meus — batalhei,
hoje não era um dia de perdas. Sempre que ele se aproximava demais,
conseguia arrancar algo de mim e não estava disposta a lhe dar o que
queria. Não depois de sua insinuação mais cedo no BellRios.
— Se não me der a sua mão, Augusta, eu não vou me importar de
pegar a porra do anel e enfiar na porra do seu dedo anelar. Eu não me
importo com o que saia da sua boca mentirosa, só me importo que esse anel
esteja colado em seu dedo.
— Vou arrancá-lo antes que isso aconteça.
— Isso me parece um desafio.
— Isso me parece uma rejeição que você não está lidando muito
bem.
Sua língua estalou e algo dentro de mim tremeu. Soltei uma longa
respiração, sentindo meu coração bater em todas as partes do meu corpo.
Nos encaramos e decidi que não iria ceder, mesmo que o meu corpo
traíra reagisse às suas provocações mais rápido que meu cérebro.
— Você quer que eu me ajoelhe? — Um tom perverso ainda tocava
seus lábios, e tudo começou a ruir lá fora. Me remexi inquieta,
impossibilitada de sair do lugar. Eu não conseguia me deslocar, os olhos de
Dominic me aprisionaram e a cena dele ajoelhado diante de mim me fez
hesitar alguns instantes. E ele me leu. Os lábios abriram e depois se
prensaram, contendo algum sorriso que ele não quis me dar: — Parece que
tenho algo a fazer.
— Não se atreva — quase rosnei com o coração alcançando minha
garganta.
— Eu não me importo de me ajoelhar se é isso que você quer, amor.
— O tom parecia doce, mas as intenções não tinham nada disso. Era
perverso, maldoso e vil. — De novo. — Sorriu sacana.
— Dominic…
Era tarde demais para mim e eu soube disso no instante em que seu
joelho direito foi ao chão e um brilho cruel assombrou seus olhos. Os meus
estavam arregalados e o meu corpo tentava se mexer, sem sucesso. Estava
vidrada, não conseguia desviar os olhos do homem à minha frente. Não
conseguia não trazer o passado à tona quando já tinha imaginado essa cena
tantas vezes e nenhuma tinha doído tanto. Tinha me ferido tanto.
Porque não era sobre amor, era sobre vingança.
Era sobre a minha covardia de ter desistido de nós.
Ainda atordoada, encarei seus olhos que me diziam que ainda
ajoelhado, era ele quem estava por cima, era ele quem estava ganhando.
Dominic não tinha medo de mexer com seu orgulho, não tinha medo de
expor a verdade mais dura, em busca de qualquer resquício de mim. E isso
o fazia ganhar todas as batalhas. Nada o atingia.
— Gosta de me ver assim?
Brasa se alastrou em minha pele quando duas mãos grossas
seguraram minhas coxas e minha respiração engasgou ao perceber quão
perto estávamos. Um risco desnecessário e um ato amador. O veludo
queimava em minhas mãos e a raiva me encheu de frustrações e amarguras.
— Não me admira que, mesmo depois de eu tê-lo quebrado, ainda
goste de se ajoelhar para mim — ataquei, tentando buscar um resquício de
orgulho.
Esperei que o seu sorriso vacilasse, mas a minha fala pareceu só
despertar mais ainda a perversidade em seus olhos.
— Corações partidos batem mais forte do que você imagina.
Como álcool em uma ferida aberta. Nada era sobre como ele tinha
se machucado, mas, sim, sobre como eu o tinha machucado.
Dominic era cruel, usava sua dor para me atingir porque sabia que
ao menor sinal eu fugiria. Ele estava aberto a superar, e isso fazia com que
ele fosse melhor em suas artimanhas, já eu, não. Ao menor sinal de
sentimentos mal resolvidos, eu fugia.
E era o que eu iria fazer.
Em um estalo de segundos, dei um passo para trás, despertando do
êxtase.
Se não pode vencer, fuja.
E foi o que fiz, em um instante, estava parada encarando suas mãos
que grudavam minhas coxas, em outro, estava jogando a caixinha em seu
colo e dando passos largos para longe dali. Quase correndo.
Sem olhar para trás, subi a passadas largas os pequenos degraus
acarpetados que me levavam para saída do auditório, e não me arrisquei a
olhar para trás.
E apenas uma gargalhada alta e nada divertida foi ouvida. Meu
ventre pesou com a adrenalina e meu coração saiu pela boca.
Oscar latiu atrás de mim, mas não me virei para saber se estava me
seguindo ou não.
Meus passos eram firmes e até considerei tirar os saltos para caso
precisasse realmente correr. Eu me sentia a pessoa mais ridícula, correndo
pelo teatro após ser pedida em casamento. Seria cômico, se não fosse
trágico. E eu até riria por meio ano se não fosse menos covarde.
Porra, eu o tinha deixado, por que merda ele ainda insistia nessa
maluquice toda?
Por que merda ele ainda queria casar com a pessoa que tinha partido
seu coração?
Me apressei, despertando meus pensamentos confusos. Eu teria que
dar um basta nisso. Não tinha mais tempo de descobrir o que Dominic sabia
sobre a noite do incêndio, não tinha tempo para brincar de apagar pistas
enquanto Dominic me sufocava com sua presença.
Quando estava próxima das duas longas portas que dava saída para
rua, ouvi Dominic de longe, ele estava cantando meu nome em um tom
irônico. A minha respiração engatou.
Levei as duas mãos para abrir passagem para a liberdade. Correria
para o carro e aceleraria com toda velocidade para casa. Quase podia sentir
o alívio em meu peito. Fugir é melhor que ficar.
Dei um longo suspiro quando cheguei ao hall, então empurrei a
porta pesada para fora, ar puro e liberdade… Meu coração disparou quando
ela não se mexeu. Empurrei o outro lado e tentei puxá-la para trás. Talvez
ela abrisse dos dois lados. Nada. O pânico me tomou. Balancei a porta,
provocando um leve estremecer da madeira polida, mas nada, nem um sinal
de que abriria.
Não, não, não, não. Ele não tinha feito isso.
Eu senti mais do que ouvi a presença densa de Dominic atrás de
mim.
— Não consegue sair, amor?
Engoli em seco e desejei ter super força para derrubar aquela merda
de porta. A raiva preenchendo cada poro.
— Está tão desesperado assim que precisa me prender para garantir
que eu use uma porcaria de anel?
— Assim você me insulta — disse com uma voz ofendida, fingida.
E não me arrisquei a olhar para trás, olhar para a madeira me dava mais
coragem. — De forma alguma, eu precisaria te prender para enfiar um anel
no seu dedo.
O cheiro amadeirado misturado com menta e canela me inundou, e
soube que estava a poucos passos das minhas costas. Cerrei os punhos,
tentando controlar os batimentos.
— Mas, talvez… — sua respiração estava próxima do meu pescoço.
Soltei o ar pela boca, querendo desesperadamente que o meu corpo me
ouvisse. — Talvez eu precise te prender para outras coisas, já que sabemos
que você tem algumas manias de fuga.
Eu estava lutando para me manter em pé. Mas sabia que não duraria
muito. Eu nunca durava. E odiava isso.
Então, de novo, eu tentei fugir, escapulir para longe dele. Rumei
para o corredor em busca de espaço, poderia ficar circulando o teatro a
noite toda, se fosse para não ficar perto de Dominic. Mas não fui rápida o
suficiente, ele me pegou no quarto passo, só para me prensar no corredor
largo, e segurar minhas mãos perto da minha cabeça. Seu rosto estava tão
perto que as nossas respirações se mesclavam. E um brilho perverso
transpassou seus olhos. Tentei soltar minhas mãos, mas o agarre era firme.
Estava presa.
— Estou começando a achar que seus movimentos querem me dizer
algo.
— Ir embora é um deles.
Vi o vislumbre de Oscar no hall de entrada, Dominic devia ter dado
ordem para ele ficar, pois estava deitado com as patas cruzadas. Encarei
seus olhos de forma felina, pronta para atacar e tentar me soltar. Se eu não
fosse embora, as coisas não terminariam bem. Pelo menos, não para o
restante estilhaçado do meu coração.
— Ainda não sabe que quem procura demais acha? Não tem medo
do que pode encontrar aqui? — despejei toda raiva que estava
transbordando do meu peito. — Talvez a sua busca maníaca por algo que
não vai encontrar esteja fadada ao fracasso.
— Minha bruxinha, eu nunca terei medo do que posso encontrar. —
Levou o dedo ao queixo. — Eu nunca terei medo de te desnudar por inteira.
Tentei mexer meus braços, mas estavam firmes na parede. Minhas
pernas balançaram inquietas, e meu fôlego foi se perdendo eventualmente
por causa das expectativas de nossos próximos passos.
— Me deixa ir — rangi os dentes, com o sangue liquefazendo.
— Não — sussurrou, abrindo os lábios e soprando os meus com seu
hálito de menta. — Vamos jogar.
Meu coração tropeçou nas batidas.
— Não — me desesperei.
— Está com medo, pequena bruxa?
— Não.
Dominic abaixou o rosto, ficando na minha altura, seu corpo agora
me cobria todo. Suas mãos estavam presas na parede segurando meus dois
pulsos, então ele só tinha os lábios para me tentar.
— Então, o quê? Quer que eu comece a te interrogar sobre a
quantidade absurda de dinheiro que anda saindo da sua conta? Ou podemos
ir mais longe com as suas mentiras?
Sentia que nossas vozes carregavam mais peso que o necessário.
— Invasão de privacidade é crime.
— Causar um incêndio também é crime, e vejamos, nenhum de nós
está atrás das grades.
Dominic soprou meus lábios, me fazendo engolir em seco. Podia
sentir seu gosto em minha boca, a maciez dos seus lábios molhados e a sua
língua áspera lambendo cada pedacinho de mim. Apenas segundos depois,
reparei em minha língua deslizando pelo lábio inferior para umedecê-lo de
modo inconsciente. Dentro das minhas sandálias, meus dedos se escolheram
em união assim que seu nariz se enfiou no meu pescoço, me cheirando,
fazendo arrepiar todo o meu corpo.
Engolindo em seco com a ansiedade, me comendo.
Dominic estava alerta aos movimentos do meu corpo, como se
estudasse as minhas reações e decorasse todas em uma parte secreta em sua
cabeça.
— Vamos fazer assim, eu vou colocar esse anel no seu dedo de
qualquer jeito, mas posso te dar uma escolha de como iremos atuar. —
Havia animação em seu tom e meu ventre se contraiu com as
possibilidades. Me atentei aos seus lábios convidativos. — Vou contar até
vinte e seis e vou dar a chance que se esconda, se eu não te achar em cinco
minutos, abrirei a porta e te deixarei partir…
Me remexi inquieta. A ansiedade criando cenários eróticos na
minha mente onde os seus lábios molhados encontrariam os meus. Mesmo
que soubesse que isso não aconteceria, não enquanto eu não pedisse, essa
era a regra. E eu não ia pedir.
— … mas se eu a encontrar… — Meu coração estava em todas as
partes do meu corpo. — Espero que jogue fora todos os anéis da sua mão,
pois o diamante será a única peça que brilhará no seu dedo.
Colei uma perna na outra, querendo criar algum atrito. Com certeza
a minha calcinha estava estragada, poderia até sentir meu líquido escorrer.
Meus pés se remexeram inquietos.
Dominic se aproximou do meu rosto novamente, cheirando meu
pescoço mais uma vez. Soprou o meu ouvido e ficou alguns segundos preso
ali, enquanto eu me embriagava em seu perfume e cruzava as pernas de
inquietação.
— Augusta? — sussurrou no meu ouvido.
— Sim?
— Corre.
Então, eu corri.

Eu gostava de conhecer o teatro, gostava de saber para onde ir sem


precisar pensar muito.
Porque pensar era a última coisa que estava fazendo naquele
momento, era puro instinto. E isso era uma terrível escolha, porque me fazia
esquecer dos meus limites e planos.
Deixei que a adrenalina corresse solta no meu sangue enquanto
tentava me convencer de que as coisas não tinham voltado ao normal e que
eu ainda era uma traidora de merda.
Fui para os bastidores, onde sabia ter camarins e armários de roupa.
Podia me esconder lá. E não foi estranho andar pelo prédio vazio, estava tão
concentrada em não ouvir os passos de Dominic atrás de mim que o
ambiente escuro passou a ser um simples borrão.
Bufei de raiva. Odiava que Dominic fizesse isso, me sentia uma
adolescente tola correndo no pique-esconde com o garoto que implicava.
Mas era impossível não entrar na sua pilha, não ceder aos seus jogos. Lá, no
fundo, sabia que somente nesses momentos eu ainda poderia resgatar um
pouco de nós. E era egoísta demais para aceitar que estávamos fadados ao
fracasso.
Resolvi tirar os saltos e deixá-los no corredor, buscaria na volta. Por
mais que o piso não fizesse barulho devido ao tapete que o cobria, ainda
assim poderia ser um sinal de denúncia. E se fosse me esconder, faria
direito.
Depois de ter subido as escadas e virado dois corredores, encontrei
a porta que me levava aonde parte da Orquestra se preparava para subir no
palco. O cômodo não era grande, era confortável, tinha um grande espelho
grudado na parede oposta à porta, com uma extensa penteadeira.
Havia luzes rodeando todo espelho, suportes de pincéis e um vaso
de flores falsas enfeitavam o espaço. Tinha pequenos quadros nas paredes,
trazendo coloração ao lugar, muitos puffs e um sofá grande do lado
esquerdo. As araras de roupas com casacos bem arrumados tampavam a
estreita porta branca que tinha na parede direita, onde estava o armário.
Ao entrar, comecei a contar minha respiração, querendo acalmar
meu coração para que ele não denunciasse minha presença.
Olhei as horas no celular, contando quantos minutos tinham se
passado. Exatamente uma e vinte e seis da manhã. Tinham se passado
quatro minutos. Aguardei o tempo se arrastar enquanto nenhum barulho era
ouvido do lado de fora.
Era excitante a espera, meu coração não cabia na boca. Ficava
tentando ouvir barulhos e ruídos baixos que poderiam denunciar sua
presença.
Então, esperei.
Nada.
Bufei frustrada e balancei a cabeça. Abri a porta do armário para
ver se ele estava ali.
Nada. Sorri feliz. Idiota. Saí do armário, sete minutos haviam se
passado, eu tinha ganhado.
Mas tudo estava silencioso, e os meus sentidos me alertavam que
ainda não tinha acabado. Porque a merda do perfume de Dominic exalava
por todo cômodo. Ele havia passado por ali.
Cerrei os olhos, vendo se tinha algo diferente na sala e demorei
alguns segundos antes de abrir a porta sorrateiramente. Fui pega antes de
dar mais um passo para fora, pega e prensada com todo seu corpo de volta
para dentro do cômodo.
Arquejei surpresa, levando minhas mãos ao seu peito. O coração na
boca.
— Te pegar de surpresa sempre me garante vitória. — Sua voz era
baixa e a inquietação em meu ventre voltou a pulsar.
— Passou cinco minutos, eu ganhei. — Tentei escapar.
— Mas eu te peguei.
— Você está roubando
— Você sempre mente para mim, e nem por isso deixa de perder. —
Em um movimento rápido, suas mãos agarraram meus pulsos.
— Me solta — ameacei.
Seu sorriso se ampliou.
— Não.
— Porco
— Mentirosa.
Dominic se abaixou, soprando meu pescoço, e senti toda minha
determinação derreter. Minha respiração estava quente, se mesclava com a
sua e eu já não sabia qual parte do corpo prestar mais atenção. Se eram
minhas mãos presas, meu pescoço em chamas, ou minhas pernas que
estavam sendo abertas pelo seu joelho direito.
— Está parecendo um maníaco atrás da minha mão.
— O que posso fazer se estou extremamente determinado a pôr um
anel no seu dedo?
Segurei um pouco mais do fôlego quando uma de suas mãos
soltaram meus pulsos, e agora somente sua esquerda me prendia, enquanto
a outra descia pelo meu rosto e encontrava a pele sensível do meu pescoço
que o sopro dos seus lábios tinha deixado. Engoli em seco, fechando os
olhos automaticamente. As sensações me engolindo.
— Por que fez eu me esconder se não pretendia me deixar?
— Depois de anos ainda não aprendeu? É muito mais gostoso
quando todos os seus sentidos estão ativos.
Meu corpo estava entregue quando Dominic pintou dois dedos
sobre minha garganta e os arrastou pelo meu colo exposto. Seus dedos eram
uma ameaça ao meu equilíbrio. Abri os olhos, sendo pega de uma só vez
pelo rio petróleo. Era selvagem como seus olhos me comiam e tiravam todo
o meu ar sem culpa alguma. Intenso demais, sufocante demais. Me sentia
sem fôlego.
— Ainda se lembra do que prometi? — sussurrou na minha pele.
Os dois dedos de Dominic, que serpenteavam meu colo, desceram
pela minha lateral, despertando cada célula por cima do cetim. Meu corpo
estava estático, aguardando ansiosamente cada movimento, como se
dependesse do seu toque para respirar nos próximos segundos.
Queria desviar os olhos para saber onde a sua mão estava indo, mas
Dominic beijou meu pescoço enviando ondas de eletricidade violentas para
o meu baixo ventre. Meus pés descalços se encolheram e meu corpo
sobressaltou com o contato. Eu teria fraquejado se as suas mãos não
tivessem me mantido no lugar.
Minhas pernas se mexeram e senti meu líquido escorrer nas minhas
dobras. Queria esfregar as pernas uma na outra para aliviar a tensão, mas
sua perna direita impediu antes que eu começasse a expelir seu corpo para
longe. Desviei os olhos para cima, mordendo a língua.
— Há algo te incomodando?
Sim, muito.
— Preciso ir embora.
— Tão orgulhosa… Não consegue admitir que deseja aliviar toda
essa tensão em meus dedos?
— Precisamos parar.
— Boca mentirosa.
Ainda no limite, fui empurrada para o precipício quando seus dedos
pincelaram por cima do meu ventre. Minhas pernas se fecharam de
imediato e foram presas agora por seu corpo, ele era mais forte e conseguia
tudo que queria. E naquele momento, não estava mesmo ligando. Estava
quase, quase cedendo. Seus dedos eram como uma carícia direta ao meu
ponto de prazer, onde meus músculos sabiam exatamente o que esperar das
suas mãos.
Com toda minha atenção presa em seus movimentos, minha
respiração tremeu quando seus dedos tocaram minhas coxas, subindo mais a
minha saia, que já estava bem acima da coxa pela tentativa falha de fechar
as pernas. Meu coração estava batendo em cada parte da pele que Dominic
tocava. Sentia seu cheiro misturado com o meu e o ar parecia mais quente a
cada segundo.
Mordi os lábios, evitando falar. Eu não podia falar, se dissesse algo
ou pedisse, ele venceria. Mesmo que o meu corpo estivesse gritando em
alto e bom som como o desejo havia me tomado.
Minha saia estava em meus quadris, e tenho certeza que o
sorrisinho satisfeito e cruel fora resultado do meu arregalar de olhos e da
visão da minha calcinha branca. Como se aprovasse a peça e o estado que
ela estava.
Eu queria alívio, queria que a sua mão fizesse tantos estragos em
mim como tinha feito em todas as vezes que eu havia cedido, mas hoje não
ia ter. Porque sabia que para isso precisava falar, pedir. E eu não estava
disposta. Não hoje. Tremi de frustração, porque poderia gozar somente com
o leve toque dos seus dedos por cima da minha calcinha.
— Eu poderia ser bom com você hoje, amor. Poderia te dar passe-
livre por estar motivado a conseguir o que quero — um sussurro em meus
ouvidos, como um gatilho para o meu corpo. — Você sabe como esse jogo
funciona, você fala e eu faço. Não tem como adivinhar qual parte do seu
corpo dói mais e qual pede mais por mim… — soprou nos meus lábios: —
Se você não me falar…
Fechei os olhos com força, tirando proveito das sensações que seus
dedos me causavam por cima do tecido fino que cobria minha boceta. Eu
poderia aproveitar os últimos segundos…
— Mas estou me lembrando de algo, bruxa. — Sua voz também
estava pesada, e eu queria pensar que ele não tinha domínio nenhum sobre
seu controle e que seus dedos escorregariam para dentro do pequeno pano
que impedia minha felicidade.
Tive raiva do seu autocontrole. Tive raiva porque eu não tinha nada
disso, não sabia dizer não quando meu corpo só faltava implorar para ser
tocado por ele.
— Estou me lembrando do porquê não consegui ter uma boa noite
de sono depois de uma certa valsa.
Engoli em seco quando seus dedos ameaçaram a borda, e senti
quando mais do meu líquido escorreu, molhando-os, agora que tinha
afastado minha calcinha. Só um pouquinho para cima…
— Estou me lembrando que devo lhe dar um motivo por ter gemido
em meu ouvido no meio de uma plateia inteira — pontuou com a voz
carregada de luxúria. — E como não pude te mostrar como gemidos
verdadeiros são muito mais gostosos que falsos.
Senti um gosto metálico em minha boca pela força que prendia
meus lábios. Estava me afogando, minha pele clamava pelo seu toque. Mas
eu não iria falar. Se não tivesse controle do meu corpo, da minha boca eu
teria.
— Orgulhosa do caralho.
Então, Dominic cumpriu com o que prometeu, pois seus próximos
passos foram certamente calculados. Assim que soltou meus punhos da sua
mão e passou por cima da minha calcinha, arrepiando o meu corpo todo.
Seus dedos ameaçaram entrar e faziam carinho nas minhas dobras
molhadas.
Dominic puxou a minha calcinha para baixo e os meus batimentos
cardíacos estavam desenfreados. Seus olhos me alcançaram sedutores e
perversos, então ele chegou perto até que nossos narizes se encostassem, e
passou o nariz por todo meu rosto, depois meu colo. Meu pescoço.
Sentia meu corpo vibrar.
Seus dedos voltaram a passear com lentidão perto da minha boceta,
arrepiando toda minha pele apenas com a intenção. Passaram por cima da
minha pélvis e alisaram os meus lábios sensíveis. Tão devagar que estava a
um passo de revirar os olhos profundamente. Arfei, levando minhas mãos
abertas para o seu ombro, buscando equilíbrio.
Quis morder algo quando eles brincaram com a minha
sensibilidade, os dedos dos meus pés se espremiam e me levantavam do
lugar cada vez mais. Um braço passou ao meu redor enquanto me
concentrava em prestar atenção em cada mínima ação da sua mão.
Eu precisava de mais. Muito mais. Precisava do seu corpo inteiro
para me aliviar. Precisava ser invadida.
Então, enquanto eu segurava seu corpo, me apoiando, sua mão
agarrou meu pulso esquerdo, levantando-o novamente. E algo brilhou em
seus olhos. Algo perverso. Franzi o cenho, querendo entender o que tinha
acontecido quando seus movimentos pararam e seus olhos focaram em meu
rosto.
Meu coração deu batidas fortes quando sua mão abandonou minha
boceta e lentamente subiu para encontrar a outra que segurava minha
esquerda.
Estava tão concentrada nos movimentos e em não perder a batalha
que não previ seu outro passo. Meu reflexo em cerrar os punhos veio tarde
demais, pois a mão que me segurava entrelaçou as minhas, e o agarre
aumentou enquanto sentia a joia queimar pelo meu dedo anelar.
— Te vejo no nosso jantar de noivado, amor.
Dominic tinha conseguido pôr o anel de noivado no meu dedo.
Novamente.
As minhas mentiras estavam me deixando confusa, eu já não
conseguia mais identificar o que era eu e o que era ela.
A mentira.
Estava perturbada, sem rumo e sem saída. Sentia-me sufocada.
Sufocada por mim mesma. Sufocada pelas minhas mentiras.
Eu não queria mentir. Eu não queria fingir. Eu não queria ter criado
essa confusão toda dentro de mim.
Mas, às vezes, mentir era questão de sobrevivência. Porque mentir
naquele momento era o que eu fazia de melhor.
Porque eu também não queria encarar os fatos.
Os fatos que ela, a verdade, estava rasa demais. Perto demais.
Lá, no fundo, eu sabia que aquela Augusta que amava, que cuidava,
que sorria, que não suportava qualquer tipo de mentira estava pedindo
socorro.
Sabia também que em algum momento as máscaras cairiam e só
sobraria a mais pura e dolorosa verdade.
Mas a verdade ainda doía e eu ainda era egoísta demais.
Era egoísta demais com os meus próprios sentimentos.
Então, não, eu ainda não podia salvá-la
Continuaria a mentir, até que tudo acabasse.
Gosto de pensar que existem tipos de estágios emocionais quando
uma pessoa enfrenta um trauma psíquico. Eu li uma vez sobre traumas,
estava tão desesperado por uma solução que era capaz de ler a Bíblia inteira
se soubesse que ela me traria uma resposta imediata. Porque eu queria uma
cura imediata, doía saber o quão desastroso poderia ser o processo de uma
alma machucada.
Mas a verdade é que não há uma solução imediata para confusões
emocionais, não tem uma chavinha onde apenas desligamos as lembranças
ruins e superamos o que nos machucou. Porque tudo acaba se resumindo ao
maldito tempo.
Tempo para digerir.
Tempo para processar.
Tempo para entender.
Tempo para superar.
Tempo para reconhecer que você tem uma longa vida pela frente e
que ainda não acabou.
Tempo. Tempo. Tempo. Tempo.
O maldito tempo.
Mas tudo bem, eu sou paciente.
Tenho que ser.
Eu podia ser por nós dois.
Por enquanto.
Todos se calaram quando sua magnitude atravessou o palco, e com
delicadeza, afastou o pequeno estofado e se sentou em frente à orquestra,
ficando parcialmente de costas para nós.
A plateia do teatro estava lotada, todos ansiosos para ouvi-la tocar.
Fazer magia com seus longos dedos.
Eu estava na cadeira dezesseis da primeira fila.
Sabia que era proposital o horário que ela escolhia para tocar ali,
sabia também que ela não tinha compromisso e obrigação alguma em ser a
estrela da noite. Essa era uma das vantagens de ser ela. Poder transbordar
em notas aquilo que não conseguia em palavras.
Eu fazia questão que ela pudesse viver isso.
Ela vinha sempre na parte da manhã, onde deduzia que teria menos
gente na plateia e não atrapalharia a rotina dos músicos. Mas as pessoas
falam, e as notícias, infelizmente, correm rápido demais na cidade de Bash.
Então, ela sempre tinha espectadores assíduos e fiéis que não perdiam uma
oportunidade para vê-la derramar todo seu êxtase musical.
Hoje ela usava um vestido azul-claro que estava muito colado ao
corpo, para minha alegria cobria todo o colo em uma gola alta e ia até
abaixo dos joelhos. Mas, em contrapartida, à parte do seu corpo coberta, as
suas costas estavam desnudas, e eu conseguia ver suas lindas curvas com
perfeição.
Eu amava o seu corpo. Era a obra de arte mais linda que eu havia
apreciado na minha vida e continuaria com honra a adorando pelo resto
dela.
Observei com cuidado seus longos dedos, eles passaram com
delicadeza pelas cordas e depois apoiou a queixeira entre o pescoço e o
ombro. Ela fechou os olhos, abriu levemente a boca e os mordeu.
Então, passou a vareta nas cordas e começou a tocar, e foi
inevitável não sentir a pontada aguda em meu peito. Como um vulcão em
erupção, senti o meu coração sangrar, jorrando todas as lembranças que
aquela canção nos trazia. A minha garganta estava seca.
A porra de um masoquista, era o que eu me tornava.
Eu tinha decorado cada nota da canção de ninar. E mesmo sabendo
o que viria nos próximos seis minutos e quarenta e oito segundos, eu não
pude deixar de sentir cada segundo.
Eram pequenas agulhas perfurando meu peito, enquanto tentava
respirar um ar que vinha poluído de fumaça e fogo.
Doía.
Doía muito.
Meus olhos ardiam e o meu coração se quebrava mais uma vez por
todas as últimas vezes que tínhamos perdido. Era demais.
O sentimento me puxava para baixo e a vontade de me deixar levar
me embriagava. Eu só queria parar.
Fechar os olhos.
Desistir.
Vê-la se machucando fazia meu coração sangrar mil vezes mais.
Era demais. Eu só queria parar.
Desistir…
Não.
Eu não podia desistir.
Eu não podia me afundar.
Éramos mais do que esse momento.
Os minutos foram passando e as notas foram ficando mais pesadas
e fortes.
Era como se ela estivesse tocando sozinha, em seu próprio mundo,
enquanto outros instrumentos presentes apenas saudavam complementando
seus tons.
Todos estavam em silêncio, fascinados enquanto a ouvia tocar, pois
era naquele momento que a sua alma ficava mais exposta e vulnerável. As
lágrimas em seus olhos eram perceptíveis, a dor em seu rosto era
angustiante e o som produzido por seus dedos era a melodia mais
encantadora da porra do mundo todo.
Ali, naquele palco, não tinha mentiras, não tinha escudos e nem
máscaras. Não tinha desculpas.
Era ela em sua mais pura essência. Todos os seus pedaços estavam
ali, expostos para rostos desconhecidos, que não faziam ideia. Seus
sentimentos espalhados em suas mãos sobre as cordas que eram
transformados em uma obra sinfônica perfeita, mas que fazia doer cada
parte do meu ser.
Eu quis ser o seu ar naquele momento. Quis ser a nuvem que
juntaria todos os seus retalhos. Quis ser aquele que lhe devolveria o pedaço
da sua alma que lhe foi arrancada. Mas eu não podia, porque eu não podia
salvá-la. Não dela mesma.
Então, eu a assisti, eu assisti seu desastre iminente e as suas
emoções confusas transbordando em cima de notas musicais.
Em cima de uma canção de ninar.
A música parou e aplausos foram ouvidos, e muitos suspiros e
lágrimas de emoção derramados. Por fora, era lindo, mas por dentro, era
impossível contar quantos destroços haviam se quebrado novamente.
Ela se levantou e fez reverência à plateia, suas lágrimas ainda
estavam no rosto e ela não fez questão de limpá-las.
Ninguém esperava que ela dissesse algo. Então, ela esperou sozinha
enquanto todos se despediam.
E o final foi como sempre: eu fui o último a sair da plateia, ela foi a
última a sair do palco.
Ela gritou silenciosamente com os olhos.
Eu esperei por ela.
Ela saiu do palco sem olhar para trás.
E eu fui embora mais uma vez, esperando pelo seu retorno.
GERAÇÕES

— Você tinha razão


Essas foram as primeiras palavras para o meu avô assim que
cheguei em casa e o encontrei ao lado de Damian no piano.
Sentia-me perturbado, eufórico pelo embate com Augusta e com
raiva por ela ainda resistir tanto.
Fred apenas me olhou com aquele olhar baixo, que tinha uma
firmeza, que dizia que ele não se incomodava, ou não precisava se esforçar
nem um pouco para ser respeitado.
Então saiu andando a passos lentos até o nosso escritório no térreo,
ao mesmo tempo em que eu me preparava para uma conversa cansativa.
— Vai chorar? Precisa me dizer por onde vamos começar hoje. —
Sua voz fraca e rouca cortou o silêncio e me juntei a ele na poltrona de três
lugares.
Meu avô não tinha começado da melhor forma, pois eu já estava
sendo atacado por suas palavras.
— O senhor sabe que não choro.
Sua risada sem nenhum pingo de graça me fez travar a mandíbula.
— Então devia aprender, não há nada melhor que um banho de
lágrimas para lavar a alma.
— O senhor quer que eu chore? — Estava sem paciência, mas não
podia fazer nada a não ser ouvir. Ele ainda era o mais velho ali na sala.
— Se tirar essa sua cara de coração partido, sim.
Fechei os olhos, massageando meu semblante. Frederico Clifford
habitava um corpo velho, mas a sua língua continuava afiada.
Desisti da batalha antes mesmo de começar, entregando meus
sentimentos como ele gostava de ver. Frederico nunca aceitou que eu
escondesse qualquer coisa dele, nem mesmo meus vários corações partidos.
— O quão ruim estou?
— Não está pior do que da primeira vez, e está melhor do que a
última.
Fred tossiu, limpando a garganta. Passei a mão nos cabelos e fui até
a mesinha de encosto, enchendo o copo de whisky.
— Eu odeio essa merda. — O líquido desceu como fogo,
inflamando a dor que me corroía de dentro para fora. — Nem perder minha
mãe doeu tanto, cacete. Eu odeio perder Augusta e continuar encontrando-a.
Eu odeio o que ela está fazendo. Eu odeio essa merda.
Olhei para o enorme quadro que tinha atrás da mesa central, era
uma foto de Frederico Clifford sentado em uma poltrona dourada, como um
rei que tinha acabado de usurpar o poder. Me perguntava quando teria a
minha foto ali.
— Como suporta?
— O ódio é bom quando é bem direcionado, e eu não suporto,
apenas sou velho demais para lutar por mim.
— E quer que eu lute por mim e pelo meu irmão quando nem ao
menos sei qual inimigo enfrentar.
— Todos — enfatizou. — Eu disse que todos eram nossos inimigos.
Uma lufada de descrença me invadiu. Fechei os olhos, a raiva
batendo na porta, querendo fazer estrago, querendo novamente invadir o
espaço que há um bom tempo tinha criado morada. Encarei seus olhos, que
estavam direcionados a mim. Pretos, iguais aos meus.
Os Cliffords eram a última família viva, por enquanto, porque todas
as outras tinham sido mortas pelo ceifador que jurou exterminar a nossa
família e todos aqueles que eram escolhidos pelo sangue. Anos atrás a
promessa de prosperidade entre os fundadores havia sido quebrada quando
um dos membros declarou traição depois de extraviar parte dos bens que
eram exportados do país.
O comércio foi fechado e com os anos a localização foi perdida
quando o ceifador prometeu dar fim a todas as linhagens das famílias
fundadores. Depois de alguns anos, foi descoberto um padrão entre as
mortes, desde então vivíamos sobre o pacto e proteção dos fundadores.
Pagávamos com nosso sangue o ódio nascido há muito tempo. Eu
nunca compreendi porque diabos o ceifador levaria a promessa de morte
por tantos anos ou se de fato buscava vingança pelo passado.
— O que há de tão precioso que alguém mataria para conseguir? —
pensei alto, chamando atenção do meu avô que parecia estar com a cabeça
tão aérea quanto a minha. — Porque esses anos todos, não consigo achar
motivo suficiente para um rancor ser tão profundo para atravessar gerações.
— Às vezes, não precisamos saber de tudo, mas o suficiente para
nos mantermos vivos.
— Saber que sempre teremos um alvo nas costas é realmente
reconfortante, vovô — disse ácido.
— O poder tem um preço, já devia saber disso.
— Um preço alto demais
— Não escolhemos nosso destino.
— Destino ou maldição? — ri amargo e estressado, sabendo que
não chegaria a lugar nenhum. Meu avô escolhia muito bem que
informações oferecer, e se soubesse de qualquer coisa a mais, não parecia a
hora certa de me contar.
— Já conversamos sobre isso, não seja injusto com seu avô e o
acuse de coisas que não estão sob meu controle.
— E você acha que era uma boa ideia trazer Damian e eu para seu
império para que pudéssemos nos casar e seguir com o legado da família —
alfinetei, mas me arrependi no mesmo instante.
A frustração me consumia e me fazia querer odiar todo mundo
pelas merdas que não tinha controle nenhum. Algumas dúvidas também
foram sanadas quando perguntei o porquê do meu pai nunca ter me
procurado, ou o porquê tinha largado minha mãe. Eu obviamente estava
cheio de raiva quando perguntei isso, e lembro-me bem de Frederico
Clifford dizendo que nunca havia conhecido a minha mãe, e que seu único
filho tinha morrido em um acidente de carro, pelo que parece, na mesma
época que mamãe tinha engravidado.
— Em minha defesa, eu era um homem sozinho, e não tinha muita
perspectiva de vida antes de encontrar as cartas da sua mãe para o seu pai.
Balancei a cabeça e tomei quase a metade do copo inteiro de uma
vez.
— É insano alguém estar constantemente com um alvo nas costas
sem saber ao menos quem é.
Frederico se remexeu na poltrona, sua voz mais baixa que o normal.
— Eu achei que a vingança tinha parado em mim, as coisas estavam
mornas, e ninguém tinha tentado contra a minha vida. Então o acidente do
seu pai, não tinha nenhuma prova que dissesse que foi um atentado.
Sinceramente, achei que estavam seguros.
— Até o incêndio.
Meu avô se calou, ele não poderia negar. O nosso histórico familiar
não ajudava em nada. E apesar de tudo, eu não poderia ser ingrato, nunca.
Nunca seria grato o suficiente ao que Frederico fez por mim e por Damian.
— Desculpa, só é… difícil. Às vezes, mal consigo respirar.
Meu avô apenas balançou a cabeça e passamos alguns minutos em
silêncio. Perto dele, eu realmente me sentia um garoto dramático, como ele
falava que era. Mas pelo menos ele me escutava, o único que continuava
ouvindo as minhas lamúrias e tentando achar sentido no meu coração em
pedaços.
Ao que parece, Fred não tinha nenhum suspeito que desconfiasse ao
ponto de me contar, mas ainda assim ficava cada vez mais afastado da
sociedade, como se de alguma forma o medo tivesse o pegado dessa vez.
Quando me mudei para Bash, ouvi comentários sobre a frieza de
Frederico Clifford, embora em casa, ele tentasse sempre estar presente e
fazer com que eu não me sentisse sozinho. Foi sutil o modo que nos
aproximamos e criamos um vínculo familiar, quase como se fôssemos neto
e avô a vida toda, não só depois dos meus dezoito anos.
Augusta também começou a frequentar mais a nossa casa, e parecia
que o homem frio que todos temiam, tinha se tornado um avô orgulhoso que
comemorava as mínimas conquistas do neto.
Então tudo aconteceu, e tinha certeza que o incêndio o perturbou de
uma forma irreparável.
— A reunião está marcada?
— Sim, eu solicitei a inserção de Fabian como Chefft na
Associação — relatei, já que meu avô não ia mais a eventos sociais desde o
anúncio do noivado. — Augusta participará.
— Você está colocando ela no meio deles.
— Só assim verei quem a observa.
— Marllon não vai gostar de saber que está usando a posição para
expô-la.
— Talvez ela esteja sendo ameaçada.
— Se ela estivesse sendo ameaçada, ela já tinha entregado as
informações. Augusta tem tudo aos seus pés, não seria uma ameaça que a
pararia.

— Se ele quer tanto proteger a filha, não entra na minha cabeça o


porquê esconder quem é o ceifador. Sendo que poderíamos desmascará-lo
juntos.
— E voltamos para o local de partida — meu avô murmurou
pensativo. — Depois da reunião, algumas coisas poderão ficar esclarecidas.
Podemos não saber quem são nossos inimigos, mas saber quem é nosso
amigo é importante.
— Eu espero.
— Trazer Fabian foi uma boa ideia para bagunçar seus sentidos.
Qual foi a reação deles ao saberem que uma mulher estará lá?
— Acham que estou louco, mas não podem fazer nada — Meu avô
riu pelo nariz — O G5 não está feliz, Martinez tentou me convencer do
contrário e Gonzales disse que eu era burro por me casar com uma
Vendetta.
— Gonzales nunca suportou Marllon — disse mal humorado.
— Nenhum dos Vendettas, na verdade.
Meu avô se calou por um instante e quis acreditar que ele não
esconderia informações que nos mataria de alguma forma.
Eu não queria pensar que Gonzales poderia ser o ceifador, apesar da
sua implicância com tudo, eu tinha crescido com ele no meu ouvido me
dizendo tudo que eu tinha que saber. Todo o G5.
Ri amargo, enchendo mais uma vez o copo e me queimando de
dentro para fora.
— Eu preciso saber quem está ameaçando Augusta, depois disso,
caçarei o culpado por tirá-la de mim.
Porque era isso que pensava e era por isso que estava mexendo com
todos ao meu redor. Sabíamos que tinha um ceifador à espreita do nosso
sobrenome.
— Como anda nossas provas? — perguntou, resgatando uma
lembrança que fez seu rosto se contorcer.
— Estão sendo montadas.
— Espero que a pessoa não fuja dessa vez. — Sua voz tinha dúvida.
Mas não arriscaria dizer que eu também tinha minhas dúvidas, provas eram
essenciais para derrubarmos quem estivesse por trás de tudo.
— Não duvide da minha capacidade de ir até o fim, meu avô.
— Não duvido, só espero não ter que te enterrar primeiro.
— Até agora eu fiz tudo que prometi, não?
— Teremos essa conversa novamente?
Respirei fundo e aquietei-me, pois com certeza suas palavras
ficaram mais afiadas com o tempo. Como ele nunca me deixou esquecer: o
pensamento tinha que ser cada vez mais ágil, lúcido e astuto.
— O investigador está tentando identificar o número anônimo que
estava mandando mensagem para Augusta.
— Devo me preocupar em como conseguiu acesso à privacidade do
seu celular?
— Eu não clonei, se é nisso que está pensando, violar seus dados no
banco foi a única vez que fiz isso. Augusta só nunca trocou a senha do seu
celular e uma vez que ainda estava dormindo, percebi que ela ainda não
tinha apagado a mensagem anônima da noite anterior.
Em minha defesa, Augusta também pegava meu celular e não se
importava de vasculhar-ló na minha frente. Parte de mim se quebrava
quando pensava realmente onde estávamos e como o incêndio tinha nos
mudado, mas sabia que ela precisava disso, e eu podia dar isso a ela, e não
me importava de apaziguar internamente suas inseguranças que sabia
aflorar quando me via perto de outra mulher.
— Parece que o nome laranja, que está por trás do contato, está
marcado em várias outras cenas. Por exemplo, em uma busca ativa de
evidência em nome da polícia civil, três dias depois do incêndio.
— Estavam buscando provas.
— Ou um contrato.
Fred me olhou sem entender.
— Eu ainda acho que alguém esteve com ela antes da casa pegar
fogo.
— Você investigou isso e não chegou a nada, eu acredito em você,
mas sem provas não temos nada, você sabe.
— Malditas provas. — A pressão do casamento com Augusta tinha
sido a primeira forma de atrair quem quer que fosse para mais perto de nós,
porque com certeza tentariam intervir, pois o meu matrimônio sempre foi a
chave para o início ou o fim dessa guerra.
Eu tinha esperança que a farsa que cobria as mentiras de Augusta
fossem desmascaradas quando a pressão sobre a verdade fosse ameaçada.
Alguém estava a pressionando, e eu sabia que era pelo meu sobrenome, mas
eu só não sabia o porquê do motivo dela lutar tanto para esconder o
culpado.
— Se Augusta tivesse assinado o contrato no passado, teria sido
aberta uma investigação na mesma hora pelas leis dos fundadores.
— Mas ela não sabe disso. — Tínhamos conversado sobre a história
de Bash várias vezes quando andávamos pela mansão, e ela nunca citou
alguma rixa entre as famílias. — Na verdade, duvido que saiba. Ela e
Marllon podem até saber sobre a maldição, mas não teria como saber da
proteção. Ela não leu o contrato, ele foi queimado antes de assinar.
Encarei a pasta amarela com os nomes dos membros da AAB que
meu avô também encarava. Ali regia a linhagem das famílias fundadoras.
Todos os contratos eram baseados nesse documento.
— Bom, então nos resta uma única dúvida: o que os Vendettas estão
escondendo?

ADD COMPLEMENTO
FUNDADORES

15º Academia Dell Marshall — Distrito da cidade de Bash


7 anos atrás

— Já disse pra ele? — Pisquei, focando minha atenção na loira que


brotou do meu lado. Quase gritei, agarrando seu pescoço.
— O que está fazendo aqui?
— É um baile de apresentação, todos deviam vir — Fran disse
sugestivamente e cerrei os olhos, querendo identificar a intenção por trás.
— O que aconteceu com “os muros ao nosso redor me parecem
bem confortáveis”? — provoquei, querendo tirar a sua verdade.
— Acho que estava com saudades — informou e eu apertei ainda
mais as pálpebras, desconfiada, não tinha muitas semanas que estávamos
brindando o Ano-Novo em um baile tão elegante quanto esse. Fran revirou
os olhos, confessando: — E Max não parava de encher o meu saco.
Prensei os lábios para não rir alto. Os dois irmãos Martino viviam
em pé de guerra para saber quem mandava mais no outro. Apesar da minha
amiga ser mais nova e de estrutura corporal mais baixa, não deixava nada
intimidá-la, nem mesmo o carrancudo Maximillian De Martino.
— Que bom que veio, Polly me trocou por uma câmera.
— Pelo menos ela está ganhando dinheiro.
Rimos como tolas e Fran puxou meu braço, dizendo que iríamos
atrás da nossa amiga. Dei mais uma olhadinha em Dominic, vendo que
engatava uma conversa animada com Martinez.
— Então, já admitiram que gostam um do outro ou ainda estão na
fase do queropassarmeutempotodocomvocêmasnãogostodevocê?
— Quê? — Não pude guardar a gargalhada.
Francesca revirou os olhos.
— Já disse para Dominic que gosta dele?
Abri a boca para tentar explicar os meus pensamentos, mas a fechei
no mesmo instante.
— Estava pensando nisso quando você chegou.
— Não me diga que ainda tem dúvida de alguma coisa, vocês
vivem juntos no Instituto. Não sei por que ainda não estão dormindo na
cama um do outro.
Senti minhas bochechas arderem com essa possibilidade.
Os beijos de Dominic eram terrivelmente tentadores, e sentia-me
queimar só com o toque dos seus dedos. Eu gostaria de ser dele por inteira,
mesmo que tivesse que vencer um pouco das minhas inseguranças comigo
mesma. Mordi os lábios, não tínhamos falado sobre sexo, por mais que o
clima já tivesse ficado quente muitas vezes, sempre havia um limite. Ou
estávamos em algum lugar péssimo para amassos ou tinha o toque de
recolher e as regras de convivência. E eu não me achava radical o suficiente
para passar a noite no seu quarto.
— Não é isso… — Senti meu estômago embrulhando com a
possibilidade. — Estava pensando nos nossos sobrenomes.
Francesca franziu o cenho.
— O que tem a ver? Pelo que sei, ainda somos livres para ficarmos
com quem quisermos.
Fiz uma careta nada satisfeita com o rumo da conversa.
— Eu tenho uma péssima mania de ouvir atrás da porta…
— Isso não é segredo — cantarolou.
Hesitei alguns segundos, mordendo os lábios, Francesca pareceu
notar e paramos quando o céu coberto de estrelas surgiu em nossas cabeças.
No segundo piso, um degrau abaixo no principal, tinha uma claraboia no
centro, era redonda e havia leds nas bordas do gesso.
Olhei por alguns segundos para cima antes de dobrar o pescoço,
admitindo meus medos.
— Acho que estamos comprometidas e isso está me corroendo.
As sobrancelhas de Fran arquearam de curiosidade e em um pico de
coragem, resolvi despejar os pensamentos assombrosos que me comiam.
— Em um dos finais de semana que estive em casa, ouvi sobre
nossos sobrenomes e acordos nupciais, fiquei tão abismada que não soube
como digerir. Eu sei como os negócios funcionam, mas não deixa de ser
difícil. Eu não quero me casar com qualquer pessoa que não seja quem eu
escolher. Merda, só temos dezessete anos, não quero me casar, isso é
absurdo. Eu não quero me casar com seu irmão.
Nada surpresa, Francesca também fez uma careta, como se algo
azedo pintasse seus lábios. Ela inspirou alguns segundos e estalou a língua,
resmungando algo inaudível.
— Merda, não queria que você soubesse assim.
— Soubesse sobre…?
— Não me assusta o fato de sermos meros arranjos nas mãos dos
nossos pais, já superei isso. — Superar significava não fazer nada que lhe
era mandado. Uma perfeita rebelde. — Mas me assusta o rumo como
possivelmente os nossos caminhos podem se cruzar.
— Não entendi.
Francesca tomou outro fôlego e senti sua dor antes mesmo de suas
palavras se formarem.
— Estou bem ciente das exigências do meu pai, estou bem ciente
sobre o que ele quer que eu faça. — Sua voz tinha cautela quando
continuou: — Há uma discussão de contratos não só entre você e Max, mas
entre mim e Clifford.
Algo congelou minha espinha e fiquei estática.
— Eu achei que você ia comentar alguma coisa sobre o último final
de semana que foi para casa, fiquei louca esperando um surto. Mas você
não havia falado nada sobre, então achei que ainda não tinha chegado até
você e estava pensando em um jeito de te dizer sem te magoar.
Engoli em seco. Ok, por essa eu não esperava.
— E também você estava tão feliz com Dominic que eu não quis
ser a responsável por atrapalhar isso. Desculpa ter escondido essa
informação — Francesca respirou fundo como se tivesse retirado um peso
de si. — Eu me odeio por estar tendo que dizer isso para você.
— Eu não sei o que pensar.
Acho que quero ir embora.
— E não tem o que pensar, porque não vou me unir a Dominic, de
jeito nenhum. E não só por sua causa, é por mim também. Você sabe que
nunca aceitaria um absurdo desse, e não ia ser agora que isso ia mudar.
Tomei uma longa respiração, não conseguia juntar pensamentos
racionais. Havia somente um enorme branco e receio. Merda. Francesca e
Dominic? Acho que eu estava me partindo. Era pior do que estar
comprometida politicamente.
— Ei, não é para ficar assim. — As mãos de Fran cobriram minhas
bochechas e me perguntei quão azedo meu rosto estava. — Somos mais do
que apenas sobrenomes.
Somos mais do que apenas sobrenomes. Tentei enfiar isso na minha
cabeça.
— Eu não sou um empecilho no meio de vocês dois, você me
entende? Nunca pense isso. Nunca.
Eu realmente não sabia o que pensar sobre essa questão, mas sabia
que confiava na minha amiga. Confiava nas suas palavras porque a
conhecia e sabia que era verdade. Mas… merda.
— Antes de Dominic chegar ao Instituto eu fui avisada, meu pai
tentou plantar merda na minha cabeça.
Cerrei os olhos.
— Você me jogou para cima dele.
— Você precisava de uma distração. — Deu de ombros sem um
pingo de culpa.
— Me usando como desculpa.
— Vocês deram certo, não?
Encarei seu rosto fino, uma expressão tranquila banhava seus olhos
claros. Eu não conseguia me sentir mal. Não conseguia pensar que faria
diferente. Francesca sabia que se unisse nós dois, a probabilidade de sair
dessa enrascada que seu pai havia lhe posto era grande.
— E o seu irmão? — Mesmo que conseguisse driblar seus pais, era
seu irmão que tomava conta dos dois na maior parte do tempo, seus pais
viajam muito e Max era seu responsável. E digamos que ele não era uma
pessoa fácil.
— Max não pode me forçar a nada, mesmo que seja meu
responsável legal, eu o mataria antes de me arrumar um casamento idiota.
Naquele momento eu invejei a sua força.
— Queria ser como você, forte.
— Você pode ser igual a mim, só precisa ligar aquela chavinha —
sorriu gentil, balançando as sobrancelhas. — E realmente Dominic não faz
o meu tipo, tudo bem que aqueles olhos são uma perdição. Mas, amiga,
você já me viu com alguém? Dominic parece ser romântico demais. — Fez
uma careta e ri com ela.
Eu gostava de coisas românticas, ou pelo menos estava descobrindo
que sim. Os números eram legais, mas beijar na boca era realmente divino.
Suspirei, com a esperança soprando meus medos.
— O meu pai não vai achar uma boa ideia — pensei alto. — Vou
acabar com isso, não posso deixá-lo traçar meu futuro.
Francesca sorriu.
— É isso aí, nada de seguir regras de antepassados. Que se foda
toda politica de merda.
Não pude segurar uma risada audível.
Eu sempre fui imparcial quando meu pai me dizia sobre
responsabilidades e decisões, ouvia tudo calada e concordava com suas
decisões, porque não sentia vontade de retrucá-lo ou tomar uma decisão que
não fazia diferença. Talvez fosse obediente demais, ou tinha medo demais
das consequências. Mas diante de algo que eu não queria que acontecesse,
ou soubesse que me atingiria e faria diferença, algo em mim despertou. E eu
não gostei do sabor azedo que essa sensação me trazia.
Observei minha amiga tão forte e destemida, ela que tinha se
desprendido das regras há muito tempo, ela e Apolline, e viviam me
atiçando para que eu fizesse o mesmo. Que a vida era melhor quando você
tinha o controle sobre ela, ou em certos casos, nenhum.
Voltamos a andar pelo salão, dessa vez estava mais atenta ao meu
redor, querendo captar o máximo de estímulos que pude. Entre vários
rostos, encontrei o dele. E abri um sorriso aberto quando sua mão me
chamou para perto.
Talvez eu realmente pudesse tomar as rédeas do meu destino.
Meu coração trovejava tão alto que pensei ser capaz de escutá-lo, e
não tinha certeza se mais alguém poderia também. Ele batia muito alto. E
rápido. Como as asas de um passarinho.
Achei que vomitaria.
Segurei a respiração e tomei coragem para sair de trás da porta do
escritório do meu pai. Estava ali há meia hora, senão meio ano.
Estava nervosa. Ansiosa.
O medo comia minha coragem pouco a pouco. Era inevitável.
Tomar decisões causavam danos, senão morais, com certeza físicos.
Em um pico de loucura, choquei as juntas da mão na madeira,
provocando um som horrível para os meus ouvidos.
— Entra, Augusta.
E eu entrei. De mansinho.
— Por que está parecendo um gatinho acuado? — Meu pai estava
com os cotovelos apoiados na mesa, esperando que eu me aproximasse. —
O que há de errado?
As palavras pesaram em minha boca e meu estômago estava
conturbado. Eu não tinha medo do meu pai, não era por isso que sentia meu
corpo doente de ansiedade, muito pelo contrário, admirava-o bravamente.
Ele que lutava pela minha honra, ele que tomava as melhores decisões para
nossas vidas. Mas agora…
Engoli o nó que se formava na garganta.
— Temos que conversar sobre o meu futuro — soltei um pouco
ofegante.
Meu pai arqueou as sobrancelhas, curioso. Sua expressão relaxada
me dizia que somente eu estava uma pilha naquela sala.
— O que você quer dizer com isso, minha filha? — A voz suave me
fez relaxar um pouquinho. Mas não perdi a coragem.
Hora de verbalizar o discurso. Quanto mais adiar, menos coragem
teria.
— Não posso estar politicamente comprometida. — Suas
sobrancelhas se uniram mais ainda, o que me fez pensar novamente nas
minhas palavras antes de soltá-las. — Eu entendo que há uma regra, o
pacto, eu sei que há algo sobre acordos nupciais entre famílias nomeadas,
mas não posso me casar, pai. — Acho que desespero abraçava minhas
palavras. Mas não parei. — Não posso fazer parte disso, ouvi você dizendo
meu nome e falando sobre um acordo em breve, e sei o que isso significa,
eu não posso fazer parte. Eu não posso fazer parte de algo que não quero.
Eu sei que conversamos sobre isso, e que o senhor me explicou tudo que eu
precisava saber. Mas não posso fazer parte disso, não posso estar envolvida
com alguém que não seja do meu interesse.
Meu pai ouvia tudo em silêncio, enquanto eu despejava eufórica a
minha indignação. E não importava quão bravo fosse ficar com a minha
intromissão, não deixaria meu futuro em outras mãos que não fossem as
minhas.
Respirei, enfiando todo ar que me faltava para dentro dos pulmões.
Esperei. Hoje estava tomando a primeira decisão de peso da minha vida, e
não importava o rumo que o meu coração escolhesse, eu lutaria para seguir
o meu orgulho.
Encarei seu rosto, que não me dizia nada. Mordi as bochechas,
nervosa.
Ele poderia me castigar por estar ouvindo atrás da porta. Por tirar
conclusões precipitadas por algo que talvez eu nem sabia. Mas eu não
conseguia evitar, saber de tudo era mais forte do que eu.
Senhor Marllon deu um grande suspiro.
— Ouça com atenção, Augusta. — Seu tom era manso, calmo,
carinhoso. Mas me atentei fixamente. Sempre quando ele usava esse tom,
vinha uma lição em seguida. E estava pronta para receber as consequências.
— Não faz bem ficar ouvindo atrás da porta, uma hora irá ouvir o que não
gosta ou interpretar errado uma mensagem que não era para ser ouvida.
Lembre-se de quem procura demais sempre irá achar algo que não deveria
ser encontrado. E admiro a sua coragem, apesar de que jamais te forçaria a
fazer algo que não queira.
Acho que meu sorriso rasgava meu rosto. Meu pai se levantou de
sua poltrona e sentou no sofá de dois lugares, me chamando para sentar
com ele.
O espelho dos seus olhos refletindo uma Augusta ansiosa.
— Quando você completou 15 anos e te chamei para nossa primeira
conversa, esperei que entrasse em pane.
Rimos juntos porque me lembrava como meu pai montou uma
reunião formal me mostrando de verdade o que éramos e o que fazíamos.
Acho que foi ali que me apaixonei pelos números.
— Mas não, você foi simplesmente você. — Senti um leve toque de
orgulho, o que me deixou feliz. Lavou todo medo e insegurança que tinha
criado até ali. — Eu tenho orgulho da filha que tenho e da sua coragem em
lutar pelo que quer. E para o desencargo da sua consciência, há uma certa
regra a ser cumprida antes de um acordo nupcial ser assinado em ambas as
partes.
Quase podia ouvir meu corpo relaxar na cadeira. Toda minha
agitação sendo acalmada.
Eu não estava comprometida.

— Aonde estamos indo? — Dominic perguntou curioso enquanto


puxava sua mão, guiando o caminho pela larga calçada de pedrinhas.
— Já estamos chegando. — Senti um aperto firme de sua mão na
minha e fiquei feliz pelo voto de confiança.
Assim que saí do escritório do meu pai, fui até a mansão Clifford na
esperança de encontrar meus olhos favoritos ali. Eu não tinha seu número
de celular para mandar uma mensagem, no Instituto estávamos sempre tão
perto e sempre em contato que não tinha sentido falta de aparelhos
eletrônicos. Mas ali fora, sem nenhum meio de comunicação para encontrá-
lo, tive que optar pelo modo antigo.
A mansão Clifford ficava em um bairro afastado, rodeado por
reservas, onde a distância entre uma residência e outra dava bons
quilômetros. Eu nunca tinha ido até lá, e fiquei aliviada por não precisar
esperar muito quando toquei o interfone e chamei por Dominic.
Descemos do carro no centro da cidade, dizendo ao motorista que
ficaríamos por ali. Meu pai não gostaria de saber por onde eu andava, e
tinha certeza que Keven — o motorista — iria comunicar todos os lugares
por onde eu pisasse.
— Você está animada hoje, há algo que queira compartilhar? — Um
sorriso malicioso brotou em seus lábios.
— Talvez? — Levantei os ombros, tentando parecer indiferente.
Tentando. Porque não conseguia parar de pensar que estávamos sozinhos.
Era inusitado estar fora dos muros do Instituto com Dominic, era
como se a liberdade fizesse cócegas na minha barriga me dizendo que
poderíamos fazer o que quiséssemos e ninguém poderia impedir.
Tentei não pensar muito no fato de que estávamos pela primeira vez
sozinhos, sem nenhum risco de sermos pegos ou interrompidos.
Dominic passou o braço direito pelo meu ombro e juntou nossos
corpos enquanto nossos passos ficavam mais devagar.
— Estou ansioso — sussurrou no meu ouvido e tentei esconder
minhas bochechas quando seus lábios molhados a beijaram.
Caminhamos mais alguns metros pelo quarteirão sem vizinhança.
Era um longo perímetro de parede branca que cercava a mansão Willians. A
residência antiga, ainda que ficasse em um lugar movimentado da cidade,
expulsava qualquer movimento comercial com seus longos quarteirões, não
deixando visível muitas casas por perto.
— Estamos chegando. — Avistei o portão de grade desenhado, o
abandono marcando uma forte presença na pintura.
Espiei os dois lados da rua em busca de alguma presença, parecia
estar somente nós dois. A rua estava sem movimento.
— Achei que íamos tomar sorvete — especulou enquanto me
aproximei do portão fechado, espiando lá dentro também. — Mas percebo
que fui raptado e levado com boa vontade para algum esquema de
vandalismo.
Encarei seu rosto que tinha um leve puxar divertido nos lábios, de
zombaria.
— Nós estamos tomando sorvete.
Dominic gargalhou, mas seu olhar cerrado me esquentou antes de
suas próximas palavras.
— Ok, então, ansioso para provar os sabores desse sorvete.
Virei-me, escondendo meu rosto, e medi os espaços entre as grades
para pôr o pé. Ia ser um salto rápido e limpo, esperava não cair de bunda do
outro lado.
— Para quem não gostava de subir em árvore…
E vi os olhos curiosos de Dominic queimarem minhas costas
enquanto pulava a grade da mansão. A grade era baixa, então facilitava
meio mundo, mas tive que tomar cuidado com as pontas em flecha que
desenhavam um arco acima. Tomei fôlego antes de olhar para trás,
encontrando um Dominic muito concentrado em minhas ações.
— Você não vem? — Algo divertido pintou seu rosto e logo ele
pulou a grade, com muito mais agilidade.
Trocamos sorrisos significativos quando a ciência real de estarmos
dentro da propriedade nos atingiu momentaneamente. Dominic tinha me
seguido sem pestanejar o caminho todo, não perguntou para onde iríamos
ou tentou opinar em alguma rua diferente para virarmos. Somente me
seguiu, e acho que esse fato recaiu em seus ombros, pois algo iluminou seu
rosto enquanto seu braço novamente tomou meus ombros, nos juntando.
Ele era alto e agradeci aos céus por isso, eu também tinha uma
estrutura alta e forte, então ver que seu corpo poderia cobrir o meu fazia
minhas inseguranças silenciarem.
— Devo me preocupar com tendências a invadir casas
abandonadas? — sussurrou no meu ouvido e caminhamos pela grama alta.
— Isso te faz querer fugir? — provoquei e me atentei a guardar os
detalhes da mansão enquanto caminhávamos em direção à entrada.
— Duvidosamente, não. Estou mais curioso.
— Eu também — concordei. Eu sempre quis ir à mansão Willians,
mas por sempre estar com um pé atrás ou não ter a oportunidade, ou motivo,
suficiente, deixava esse desejo de lado.
Era bons metros de distância do portão até lá. Conseguia ver de
longe uma larga fonte de pedras à esquerda, provavelmente seca pela falta
de cuidado. Já ouvi histórias e planos o suficiente para saber que aquele
lugar estava longe de ser restaurado.
— Espero que isso não se transforme em um filme de terror —
sussurrou e ri quando passamos a andar nas pedras que faziam caminho até
a entrada.
Junto com a grama sem corte, algumas árvores sem poda forravam
o chão com folhas verdes e secas. As estações claramente estavam passando
e nenhum reparo estava sendo dado. O jardim — ou o que era para ser —
estava sujo, os bancos de cimento estavam com a cor apagada e a fonte que
tinha avistado estava seca.
Ela estava abandonada, mas ainda era linda. A estrutura externa
continuava majestosa e cumprindo o papel de uma das construções mais
antigas da cidade. Subindo os pequenos degraus de pedra, tentei empurrar a
porta dupla principal, ouvindo o barulho de correntes se mexendo pelo lado
de dentro. Cerrei os olhos para fechadura.
— Tenho que dizer que estou feliz que a porta esteja trancada, seria
muita bizarrice se encontrássemos ela aberta.
— Eu gostaria de encontrar ela aberta.
— Isso soaria como uma armadilha para ladrões.
Franzi o cenho.
— Ninguém ousaria roubar nada aqui dentro, é como se fosse um
pecado, nem a ralé de Bash se atreve a ser tão ousada. A casa é antiga, aqui
foi onde grandes acordos foram selados, é tipo um território neutro em
Bash. Geograficamente, fica no centro.
— Então por que há trancas se ninguém vai roubar nada?
— Precaução?
Dei de ombros, saindo da entrada coberta e rodeando a casa pelos
fundos. Devia ter algo ali, uma janela talvez.
— Está decidida mesmo a entrar aqui. — O tom de Dominic me
acompanhava enquanto testava algumas janelas.
— Não gosto de ter meus planos atrapalhados.
— Então há um plano para nós?
Não precisei me virar para decifrar um rosto radiante, diante da sua
resposta. Mordi um pequeno sorriso que pintou instantaneamente.
— Talvez.
Depois de mais três janelas em vitrais coloridos, uma cedeu, e abriu
para dentro, revelando um cômodo clareado somente pela fresta aberta por
mim.
Sorri, balançando as sobrancelhas para Dominic, que tinha um
semblante curioso e atento.
— A nossa aventura acaba de começar.
Coloquei as mãos no beiral da janela me preparando para usar força
nos braços e pular, sentando minha bunda na beirada. Mas as mãos de
Dominic me alcançaram antes e arrepiei os pelinhos da nuca quando sua
respiração me pegou por trás, congelando meus braços.
— Deixa eu te ajudar. — Não pestanejei quando suas mãos foram
para minha cintura e meu coração quase saltou da boca quando calor
envolveu minhas pernas. — Se apoia em mim.
Obedeci, catatônica. Apoiei meu pé em suas mãos em concha,
pegando impulso para sentar no beiral e passar as pernas para dentro. A
altura da janela no cômodo era muito menor que por fora. Logo Dominic
pulou a janela também e ficamos nos encarando, as nossas ações caindo
drasticamente. Dei de ombros, saindo do cômodo que parecia um pequeno
quarto. Não havia móveis ali, somente um armário de madeira empoeirado.
Passei longe para não espirrar.
Do lado direito do corredor largo, havia várias outras portas abertas,
formando quase um círculo em cômodos. Cerrei os olhos para o lado
esquerdo, avistando luzes e reflexos no final do corredor.
Dominic me puxou para dentro dos seus braços novamente, nos
guiando pelo corredor. Não deixava nada passar de minhas vistas, a
construção era diferente e antiga, pelo barulho do piso em que andávamos e
as paredes em cores surradas que observamos. Pensei na quantidade de
cômodos que tinha para cima, se aqui embaixo já havia esse emaranhado de
quartos e portas, imagina nos três andares superiores?
Um salão espaçoso nos recebeu, e parecia que estávamos em outro
século, muitos vitrais e lustres com teias de aranha. O chão e o teto
coloridos, ainda que forrados com poeira. Tinha poucos móveis, e os que
tinham estavam com forros já amarelados e antigos.
— Isso é incrível — Dominic admirou e concordei.
Realmente, era algo inusitado. Lindo. Muito lindo.
— Como um tesouro escondido sob os pés de Bash — sussurrei,
porque parecia errado falar em um tom alto.
Estava silencioso e somente o som de aves do lado de fora era
ouvido.
Andamos pelo salão, levantando os forros para ver os móveis
antigos, tinha uma cadeira-balanço toda estofada e muito bem conservada.
Dominic ameaçou sentar e revirei os olhos.
— Não sabe que não deve mexer em nada quando está invadindo
uma casa?
Mas ele apenas riu e cobriu novamente o objeto.
— Sem nenhum rastro, entendido.
Havia uma larga escada de granito em caracol grudada à parede,
com a lateral de grade desenhada em preto e dourado. Não demorei três
segundos para subir. Segurei a mão de Dominic, puxando-o para cima, mas
parei na metade do caminho quando quatro quadros chamaram minha
atenção.
— Quem são? — Dominic perguntou um degrau abaixo e dobrei o
pescoço, relembrando os nomes que um dia fora me apresentado.
Cerrei os olhos.
— Preparado para uma aula de história?
Dominic arqueou as sobrancelhas.
— Estou sempre pronto.
— Lembra de algo que te disse na última semana sobre nossas
famílias?
— Se estávamos na árvore, eu não lembro de nada. — Revirei os
olhos. — Ei, eu tinha algo mais interessante para pensar.
— Estou percebendo.
— Mas eu tenho uma boa memória, me provei digno ontem à noite.
— Ah, claro, me perguntar a cada minuto se a informação estava
certa é um ótimo sinal de segurança
Dominic gargalhou, tirando um suspiro admirado de mim.
— Ok, então, o que vamos aprender hoje, professora? — Cerrei os
olhos pela provocação.
— Sobre as famílias fundadoras de Bash.
— Ow, isso parece interessante.
— É uma das minhas histórias favoritas — a animação me tomou.
Encarei o quadro retangular que cobria boa parte da parede
manchada. Tinha quatro homens em pé segurando uma taça na mão direita.
Estavam com o semblante sério e trajavam camisetas claras, blazers cinza e
uma gravata vinho.
Dominic me puxou para ele, colocando as mãos em minha cintura.
— Na década de setenta, quatro homens irlandeses decidiram sair
pelo mundo dispostos a gastarem todo dinheiro que possuíam em conta —
lembrei-me da história, já surrada entre os cidadãos de Bash. — Haviam
trabalhado duro para encherem suas poupanças durante anos, e em um
plano juvenil juraram descobrir o que o mundo tinha de mais prazeroso a
lhes dar.
— Isso parece um jeito divertido de viver a vida.
Olhei em seus olhos que prestavam atenção em mim.
— Em uma noite, quando estavam perto da costa, nos limites do
Uruguai, ficaram sabendo de um pequeno vilarejo que era como uma ilha
do outro lado da fronteira, ao sul.
— Estavam bem longe de casa — Dominic pensou e balancei a
cabeça, concordando.
Realmente, eles estavam gastando todo seu dinheiro, não tinham
noção de quanto era para fazer viagens tão longas nessa época.
— Dizem que eles ficaram por três semanas na pequena ilha,
gastaram com tudo que queriam e nem isso os fez diminuírem os bens que
tinham. Seus sobrenomes ficaram famosos pelas bandas e depois de um
mês, estavam com fazendas bem formadas em um vilarejo perto,
começaram com exportação de ouro pouco depois. Pareciam ter encontrado
uma verdadeira mina.
— Uma mina de verdade?
Balancei a cabeça. Eu tinha ouvido essa história desde criança.
— Então, há uma mina em Bash?
Meus lábios se abriram.
— Dizem que sim, mas há tempo que não se fala mais nisso. Houve
um tempo que Bash estava infestada de pesquisadores loucos atrás de uma
história antiga.
— Então, você acha que é falsa a história da mina?
— Passei minha infância ouvindo essa história, então já pensei em
várias possibilidades. Acho que de fato houve um lugar onde extraíram suas
riquezas, mas talvez não aqui. A história tem muitas vírgulas, muitas
pessoas contam ela de formas diferentes. Mas essa é a essência, quatro
homens que encontraram riqueza e fizeram o pacto de aliança.
— São eles no quadro?
— Sim, Beneditt Clifford, Andreas Jones, Santiago Torres e Hélio
Franco — Dominic arqueou as sobrancelhas e ri. — Não me diga que ainda
não sabia que seu sobrenome era de uma família fundadora? — zombei.
— Não, não é isso. — Pensou por alguns segundos. — Martinez
está me ajudando na adaptação, me contando tudo que precisava saber. Só
achei que éramos a única família fundadora.
— Mas é, todos estão mortos. Menos os Clifford.
Algo assombrou seu rosto, e senti seu corpo tenso.
— O pacto são os casamentos?
— Tem feito a lição de casa? — zombei, mas algo em meu peito se
contorceu. — A associação é para preservar a promessa dos fundadores,
porque dizem que prometeram manter a fortuna sempre em seus nomes,
porém, ainda há uma certa burocracia.
— E eu, como último herdeiro Clifford, devo fazer aliança com
outra família — não foi uma pergunta.
Abri a boca para falar algo, mas as palavras fugiram. Engoli em
seco e resolvi terminar de subir as escadas. Não queria mesmo pensar sobre
isso. Eu não deveria pensar sobre isso. Não tínhamos nada sério, certo? Só
passávamos muito tempo juntos por causa do Instituto e tinha começado a
gostar muito dele. Quase obcecadamente.
Tentei e falhei colocar isso na minha cabeça.
— Martinez me disse sobre isso ontem, sobre alianças. — Sua voz
me alcançou enquanto arrastava meus pés pelos degraus.
Não queria saber sobre o que conversaram, provavelmente não
conseguiria esconder minha cara de merda.
— E o que acha sobre?
— Acho que tivemos nosso primeiro desentendimento.
Antes de alcançar o topo da escada, espiei Dominic por cima do
ombro. Seus olhos me alcançaram no mesmo instante. Deixei que
visualizasse o ciúme horrível estampado no meu rosto. Eu sentia que
Dominic era meu, e tentava não pensar no que faria se ele me dissesse que
estava comprometido.
Eu era uma vaca, estava há poucas horas discutindo com meu pai
sobre isso. Francesca tinha me falado dessa possibilidade. Meu estômago se
afundou imaginando se um possível casamento entre eles fosse oficializado.
Dominic apertou minha mão e arqueou as sobrancelhas, como se
me desafiasse a compartilhar meus pensamentos.
Apenas dei de ombros. Tinha que reformular meus pensamentos
antes de externá-los. Ter ele como posse no Instituto era algo, fora dos
muros parecia que as coisas seriam muito mais reais.
O próximo andar era um corredor largo, e também havia várias
portas. Entrei em um dos cômodos e abri a larga janela, deixando ar puro
entrar.
Procurando algo para sentar, peguei um forro branco e manchado
para limpar uma parte do chão amadeirado. Pelo menos tirar um pouco da
poeira, porque era isso que tinha ali, nada além de poeira pelo tempo sem
visitas.
Sentei-me no chão, pondo o lado do forro interno para cima. Logo
Dominic imitou a minha ação, e seu braço alcançou meus ombros, nos
aproximando. Sua mão foi para minha nuca e meus olhos tremeram ao se
fechar. Seus lábios molhados beijaram minhas bochechas, depois meu nariz,
meu queixo, acima de minha boca. Seu nariz tocou o meu e respiramos o
mesmo ar.
— O que te incomoda?
Abri os olhos, encontrando o rio petróleo, então terminei de me
deitar no forro. Iria me preocupar com a sujeira depois.
Dominic apoiou um cotovelo no chão para segurar seu peso e
cobriu meu corpo com o seu, soprando meus lábios e passando a língua por
eles, pedindo passagem. As borboletas voaram soltas.
Ainda com nossos olhos conectados, sua boca encontrou a minha,
beijando cada cantinho dela. Seu hálito de menta me fez salivar quando me
sentia sugada por ele, que despertava todas as minhas moléculas com
apenas leves toques. Leves, suaves, apenas lábios com lábios, como se me
provar fosse a coisa mais gostosa do mundo. Senti todo meu ser vibrar
quando sua mão encontrou minha barriga, fazendo carinho. Queria chupar
seus lábios e não mais parar. Queria agarrá-lo e sugar tudo para mim.
— Eu gosto de você — confessou e pisquei aturdida. Seus olhos
dançaram em uma canção perfeita e meu coração disparou querendo
acompanhar.
— Eu também gosto de você — sussurrei, sentindo minha boca um
pouco inchada.
Dominic se afastou, escaneando meu rosto.
— Achei que isso já estava claro entre nós.
— Isso o quê? — Franzi o cenho.
— Sobre nós.
Fiquei calada.
— Eu te vejo, Augusta. — Suas mãos encontraram as minhas. — E
não sou muito de fazer joguinhos quando se trata do que quero.
Meu coração pulou em galopadas rápidas.
— Então, você é do tipo sincero?
— Sou do tipo que fala o que quer — sussurrou no meu ouvido e
meu corpo reagiu numa velocidade impressionante.
Senti seus lábios molhados abaixo da linha da orelha. Apertei sua
mão na minha, usando-o como âncora.
— E o que você quer?
Sua risada baixa me estremeceu.
— Você.
A boca de Dominic encontrou a minha novamente, e dessa vez o
meu medo foi embora. Seus lábios macios chuparam os meus com vontade,
enquanto sua mão fazia carinhos em minha barriga, arrepiando-me. Senti
sua língua procurar a minha, me saboreando e incitando-me a acompanhar
seus movimentos. Pedindo. Não tive paciência antes de enfiar minhas mãos
em seu cabelo e abraçá-lo com meu corpo, desesperada por mais.
Sua boca era tão gostosa, seus lábios eram divinos, sua língua era
perfeita. Sentia-me beijada pelo corpo todo. Avancei bravamente, fazendo
os mesmos movimentos que ele, beijando-o como se dependêssemos disso
para viver. Era gostoso demais. O movimento das nossas bocas molhadas
me incendiava. Disparava cargas por todo meu corpo, incitando-o a se
mexer, pedindo mais. Sempre mais. Os beijos de Dominic faziam isso
comigo, me levavam à loucura. E eu esquecia de tudo.
Quando nos afastamos brevemente para tomar ar, Dominic
continuou beijando minha pele. Seu aperto tinha ficado mais firme, como se
quisesse me manter naquele lugar. Seu corpo dominava o meu, como posse.
Me reivindicando como sua. E eu sentia tudo. Queria tudo.
— Mas eu sei esperar — sussurrou em meu ouvido enquanto
distribuía beijos pelo meu pescoço e colo. — Eu percebo suas fugas sempre
que as coisas esquentam. — Minhas bochechas deviam estar pegando fogo.
As coisas estavam quentes e eu ainda não tinha nos parado.
Sua boca encontrou a minha em um leve carinho, e seus olhos me
confortaram com um brilho intencional.
— E tudo bem, eu sou paciente, não preciso de sexo para querer
estar com você. Porque gosto de você, não só porque é uma bela amante,
mas porque é minha amiga.
Meu peito se encheu e abracei o seu corpo. Eu sentia que Dominic
era meu, de verdade. Aspirei seu cheiro delicioso, querendo me fundir com
ele, querendo ficar guardada ali dentro para sempre.
— E não estou muito inclinado a te deixar passar. — Levantei a
cabeça, encontrando novamente seus olhos. Havia um pouco de diversão e
malícia.
— Então temos, tipo, uma coisa séria?
Dominic arqueou as sobrancelhas.
— Namorados, Augusta, quero que sejamos namorados. Não tenho
medo dessa palavra. Achei que estava claro o quanto eu já estou na sua.
Ri pelo nariz e sei que meus olhos estavam brilhando. Como os
dele.
— Eu também estou muito na sua.
Sorri feliz.
Eu estava namorando Dominic Clifford.
NOIVADO

Olhava furiosamente para o anel com uma enorme pedra em cima


da minha cama. Cercava-o como um animal enjaulado, como se a ideia de
uma ameaça estivesse bem à minha frente, pronta para atacar.
Estava obcecada por observar a joia, quase que com medo que ela
criasse pernas próprias e se alojasse em meu dedo.
Podia sentir o descontrole rir da minha cara me dizendo que eu não
tinha condições nenhuma de domá-lo e que eu falharia.
Era sempre assim, desde que declarei fim a nós dois, viramos essa
bagunça de sentimentos e humilhações. Incansável, Dominic buscava o
motivo para eu ter nos afastado, e eu lutava para esconder a verdade que
visitava meus pesadelos diariamente.
Me sentia fraca, tinha vergonha de mim mesma.
Vergonha da minha covardia.
Vergonha de admitir que a cada vez que Dominic se aproximava, eu
deixava ele me despir, sendo egoísta demais para afastá-lo. Egoísta demais
para não cumprir com a minha palavra, porque sabia que a qualquer
momento as coisas poderiam ruir.
Eu me tornava uma verdadeira cadela no cio e não tinha vergonha
de admitir. Não, eu tentava me enganar dizendo para mim mesma que
poderia resistir e ser forte.
Um espírito de raiva me queimou e me senti indefesa.
Eu não tinha forças para afastá-lo, ele tinha ficado bom demais em
me enganar nas minhas próprias mentiras. Ele estava cada vez mais perto, e
isso me dava medo. Medo por ele. Medo do que ele veria. Porque tudo
agora era feio e amargo.
A cada vez que Dominic agia assim, um pouco de mim se desfazia
e mais forte os meus sentimentos vinham à tona, mostrando para mim que
eu não era totalmente forte e que não conseguia lidar com as coisas do meu
jeito.
Que não conseguiria fugir por tanto tempo.
Mordi os lábios e fui até o meu celular em cima da cômoda que
tinha dentro do closet. Queimei-o com os olhos ao pegá-lo e visualizar a
mensagem desconhecida mais uma vez antes de apagá-la:

Desconhecido: Um noivado? Imagina como fiquei surpreso com a


notícia do ano.
Desconhecido: Espero que não esteja desistindo por ser fraca
demais.
Desconhecido: Está com medo? Aposto que sim, o que seu noivo
fará quando descobrir o que você planeja? Ele ficará decepcionado ou
mais louco ao saber que planeja a morte do rei?

Respirei fundo. Sabia que a partir de agora as coisas se tornariam


mais difíceis, as minhas mentiras não sustentariam a minha máscara. Uma
máscara que tão dolorosamente tinha construído. Uma máscara que me
lembrava dia após dia como tinha sido capaz de destruir as partes mais
bonitas de mim.
Eu era culpada. Culpada. Tinha provocado o incêndio que nos
destruiu e escondido as provas que me condenariam. E eram essas provas
que Dominic procurava. Ele estava atrás dos meus rastros. Atrás das provas
que exporiam minhas mentiras.
Atrás dos pesadelos que visitavam meus sonhos todos os dias.
O pesadelo tinha pernas, voz, usava terno e tinha um poder em
mãos quase impenetrável. Era difícil não recordar das promessas
mentirosas que fiz. Que pintei. O pesadelo estava cobrando sua dívida e eu
ainda não estava pronta para abrir mão de mim. Os meses tinham passado e
ao invés de ficar mais fácil dizer adeus, tornou-se uma tarefa árdua.
Abri a gaveta pela qual era obcecada desde que saí do hospital, o
objeto de aço brilhou me dizendo que estava pronta para fazer o seu pior e
lembrei-me de todas as aulas de tiro ao alvo que tive no Instituto. Soltei um
longo suspiro, e me perguntei se terei coragem para matar o meu pesadelo
como ele fez comigo.
Fechei a gaveta, dizendo a mim mesma que eu poderia esperar mais
um pouco, e poderia ser uma vadia mentirosa mais um pouco.
Peguei a joia brilhante que queimou em minhas palmas, e a guardei,
não tendo coragem de pôr em meus dedos. Eu não tinha arriscado nenhuma
vez. Não me sentia digna. Não dele.
Cadela egoísta, era o que eu me transformava ao terminar de alisar
meu cabelo perfeitamente, não deixando nenhuma ondulação pelas mechas
castanhas. Passei as mãos pelo vestido branco, sorrindo para o espelho que
refletia a imagem de uma mulher que tentava se esconder atrás de um
maxilar travado, um rosto oval, lábios cheios e agora pintados de um
vermelho-escuro, sobrancelhas feitas, olhos um pouco cerrados e uma
seriedade que me perguntava: quando foi que tinha me transformado nessa
mulher?
O vestido branco era sustentado por alças de argolas prateadas que
compunham um curto corpete que amassava meus seios, as argolas também
fechavam a costura do lado direito do meu corpo, começando abaixo dos
meus seios e indo até a metade da coxa, no qual uma enorme fenda se abria
seguindo o comprimento do vestido até o chão.
Me apressei para seguir o horário certo, mas encontrei meu pai
antes de sair, ele estava no escritório e eu precisava falar com ele
— Finalmente resolveu sair do quarto? — Ele mexia apressado em
papéis que estavam em cima de sua mesa.
— Estou noiva, vim atrás das minhas respostas.
Ele cerrou os olhos.
— O que quer saber?
— A localização da mina.
— Eu não vou te dar essa resposta agora, você sabe.
Cruzei os braços, com a minha garganta secando. Suspirei. Teria
mesmo que assinar a merda do contrato.
— Ele acha que não vou cumprir com a minha palavra e vou
desistir.
Meu pai tensionou sério.
— E você vai cumprir?
Meus olhos arderam e pisquei rápido, pensando nas minhas
palavras que não iriam sair. Meu pai guardou os papéis em uma pasta e a
enfiou debaixo do braço.
— Você não pode usar seu poder de pai agora?
— Seria muito fácil me culpar pelas suas escolhas — soou amargo
e mordi a língua. O momento que temia havia chegado.
— Algum progresso com o mapa?
Meu pai sorriu, e arqueei as sobrancelhas, curiosa.
— Um problema de cada vez.
Bufei, seguindo para o corredor.
Eu tinha um noivado para ir.
O meu noivado.

Cheguei à mansão Willians em poucos minutos, sendo presenteada


por cumprimentos saudosos, sorrisos contidos e um leve arregalar de olhos.
Sorri instantaneamente. A última reação eu diria ser pelo meu vestido
ousado e nada formal para uma noiva.
Coloquei meus pés a se moverem pelo salão, parando mais vezes do
que gostaria, sendo parabenizada como se eu tivesse acabado de inaugurar
meu novo império. Como se agora eu realmente fosse ganhar
reconhecimento pelas coisas que eu fiz por ter um sobrenome importante ao
meu lado. Sentia minha pele pinicar ao sufocar o incômodo que a situação
fazia em mim.
Saindo da sala principal, cruzei o portal em arco que dava para a
segunda sala, agora com uma grande mesa. Estavam todos ali, todos os
meus amigos e familiares. Senti meu peito se partir em uma dor antecipada.
A ansiedade me comendo, me afogando da forma mais cruel possível.
A primeira pessoa que meus olhos procuraram foi o dele. O olhar
da morte, o olhar da coerção. O olhar dos meus pesadelos. Eu o odiava com
todas as minhas forças e todo o meu ser. Tinha nojo. Repulsa. Um dia o
inferno o comeria e eu agradeceria de joelhos.
Mas esse dia infelizmente não era hoje, porque hoje ele ainda estava
aqui na mesma sala que eu, na mesma sala que Dominic. O terror ainda
estava aqui, cobrando minhas palavras que há nove meses lhe ofereci. Lhe
prometi. Porque hoje eu ainda testaria sua paciência ganhando tempo para o
meu coração.
Era uma merda a hipocrisia das pessoas ao nosso redor, como
aparentavam saber de tudo da nossa vida, mas não sabiam o necessário.
Não sabia a coisa mais importante: o caráter. Quem a pessoa era por trás do
dinheiro, por trás do poder. Por trás de um sobrenome.
Como um terno bonito poderia cobrir tanta podridão?
Desviei meus olhos rapidamente, não demorando mais que cinco
segundos, eu tinha entendido seu recado, tinha recebido sua mensagem.
Engoli em seco para sufocar a vontade de me dopar em qualquer álcool que
encontrasse pela frente.
Chegando mais perto da mesa, meu pai foi a segunda pessoa que
meus olhos escanearam. E eu soube que minhas feições não eram as
melhores quando um semicerrar de olhos me interrogaram.
E a terceira pessoa… Abri meu melhor sorriso quando cabelos
pretos apontaram e um sorriso diabólico pintou seus lábios. Havia uma
semana que não nos encontrávamos, desde que ele tinha me deixado
plantada no camarim do teatro, tornando os dias longos e conflituosos.
Eu demorei um tempo para sair do transe, demorei para perceber
que tinha que dar comandos para que minhas pernas encontrassem a saída e
depois meu carro. Não encontrei ninguém pelo caminho, e a primeira coisa
que fiz quando cheguei em casa foi atirar longe a joia que queimava não só
meu anelar, mas meu cérebro com meus pensamentos mais secretos.
Mudei o peso do meu corpo de perna, a ansiedade querendo dar
sinal, incomodando o meu coração.
No entanto, não me apressei a seguir o destino da noite, e uma
quarta pessoa chamou minha atenção quando, no canto afastado da parede,
o homem de trajes peculiares saboreava o belo bourbon que encarava em
uma mão, e na outra segurava o copo com a bebida. Ele parecia estar lendo
o rótulo.
— Parece que está se adaptando bem — chamei a atenção de
Fabian, que me olhou surpreso, e logo deixou o vidro na estreita estante que
compunha outras bebidas alcoólicas.
Fabian era um homem alto, de olhos verdes e tinha uma estrutura
muscular forte e muito bem definida. Conseguia ver o cordão preto com
uma cruz prateada na abertura dos dois primeiros botões que a camiseta
preta de cetim deixava. A calça também era preta, com um cinto preto de
metal que brilhava como se estivesse sido esculpido.
Ele era um homem bonito para caramba.
— Noite de caridade? — Empertiguei o queixo, arqueando as
sobrancelhas.
— Estou me sentindo piedosa com os fracos.
Fabian me olhou divertido, o que foi estranho. Observou algo em
meu rosto e riu. Uma risada de verdade, como se eu fosse a própria graça.
— Devo me sentir honrado?
— Certamente— respondi, dobrando o pescoço. — Quanto tempo
vai ficar?
— Está querendo me mandar embora? — diversão corria da sua
boca — Dessa vez não estou na sua casa para me expulsar.
— Está bem-humorado, isso é um sinal de rendição? Devo me
preparar para tomar mais terras suas?
— Tomar terras minhas te faria feliz?
— Muito.
— Então encontre felicidade em outro lugar — alfinetou com um
tom grosso, e bebeu mais um pouco do líquido que segurava em mãos.
Senti que minhas palavras estavam sendo cuidadosamente
analisadas. De burro Fabian não tinha nada.
— Qual a probabilidade de Dominic desistir do noivado? — testei.
Fabian riu.
— Qual a probabilidade de algum membro da AAB sair e eu entrar?
Cerrei os olhos, querendo decifrar suas palavras. Fabian era seu
aliado, a pessoa que ele confiava de olhos fechados.
— Vocês acreditam mesmo nisso? — alfinetei.
— Com toda nossa fé.
Estalei a língua e arqueei as sobrancelhas, sorrindo mais que o
necessário. Fabian fez uma careta.
— Acho que posso ser gentil e te dar o meu voto — afirmei
simples, embora o meu voto fosse casado com o de Dominic, e não valeria
de nada sozinho.
— Está levando mesmo a sério sobre fazer caridade? — debochou.
— Não pense um segundo que estou te fazendo um favor.
— Homens grandes nunca me intimidaram.
— Está avisado — sorri falsamente e não me importei em me
despedir porque logo fui alcançar o único lugar na mesa que me cabia.
Sentei-me com elegância sem desviar os olhos da taça que foi preenchida
por um líquido vermelho.
Seria uma longa noite.

A minha mão foi a primeira coisa que ele olhou quando ocupou o
lugar à minha esquerda.
— Precisa de uma super bonder? — Sempre tão amável.
— Não ia usar uma coisa horrenda daquelas. — Veneno e escárnio
encharcaram minhas palavras, querendo feri-lo com algo que sabia ser
importante para ele. A joia era importante pra ele. Ou deveria ser, já que
uma expressão perversa e nada bondosa tomou seu rosto.
— Achei que preferia pedras pequenas e de alto valor.
— Está enganado, gosto de pedras grandes e valiosas.
Dominic arqueou as sobrancelhas e abri a mão em sua frente,
revelando a peça que estava cravada dentro do meu punho esquerdo.
— Mas essa dá para o gasto. — Ofereci-lhe a joia, que queimava
minhas mãos, e Dominic não demorou dois segundos para pegá-la e
deslizar no meu anelar. Minhas mãos estavam trêmulas e frias, mas ele não
disse nada sobre. Levantei a mão esquerda: — Feliz?
— Satisfeito.
Fugindo de um embate com Dominic, desviei do seu olhar analítico,
porque ainda precisava de tempo para articular meus próximos passos da
noite. Então, dei atenção à minha taça que logo ficou vazia, me atentando
aos nossos amigos que nos rodeavam, nos presenteando com grandes
sorrisos divertidos.
Oh, sim, nossos próprios amigos foram os primeiros a entrarem
nessa psicopatia toda.
Eu tinha um palpite que eles estavam amando, na verdade.
Em alerta, percebi que Ella escapuliu da cadeira ao meu lado e
rodeou a mesa, se sentando à minha frente, ao lado de Zaki e Christian. O
seu gêmeo estava do lado de Dominic. Polly estava no extremo direito,
conversando animada com nossas garotas, e avistei Miriam em outra mesa
com nossos pais.
Puxei minhas mãos para o colo quando notei o movimento
inconsciente que meus dedos começaram a fazer na mesa.
Sentia-me ansiosa.
Uma voz alta e aguda me chamou a atenção e me concentrei na
conversa à minha frente. Seu vestido era ousado, um azul-marinho
decorado, com pérolas no corpete. Estreitei os olhos para o fino colar de
pérolas que rodeava seu pescoço. Agucei meus sentidos em curiosidade.
A garota que estava com as mãos em Dominic era a mesma que
estava debutando no QueenKey. Karen. Mas ela não pareceria nenhuma
garota, olhando-a assim, suas expressões eram cansadas e o tom maduro do
seu rosto me pegou.
— Você devia tentar, é realmente algo que toda mulher devia fazer
pelo menos uma vez na vida.
— Eu aposto que sim — Dra. Janine soou incerta quando olhou a
mulher de pérolas com cautela, tinha um vislumbre de julgamento em suas
íris.
Olhei a cena com mais curiosidade, Janine Greenwood era uma das
médicas mais conceituadas da cidade, alta, de pele negra, cabelos pretos e
extremamente lisos, eu a considerava uma mulher séria e de poucas
palavras.
A Dra. ouvia atentamente a mulher de azul, balançando a cabeça
algumas vezes e em outras somente escutando. Seu corpo estava rígido,
mantinha a taça em sua mão na altura dos seus seios, e não se mexeu em
nenhum momento até que depois de minutos a sua postura relaxou. E um
vislumbre de um sorriso manchou seus lábios. Uma mão delicada tocou
seus ombros. Era a sua esposa, a Dra. Melissa.
Então, voltei minha atenção para a mulher que tinha me chamado a
atenção, incomodada. Assim, nessa posição, ela parecia muito mais velha
do que quando estava debutando entre as QueenKey no salão. Havia um
boato que ela dormia com homens por dinheiro, e não gostei de saber disso.
As minhas damas não podiam ter essa reputação. Fiz uma careta
inconsciente. Ela era a garota que rondava Dominic.
Seus tons de voz diminuíram, e acompanhei com o olhar seus
passos sumirem de vista.
Minha taça foi enchida novamente e tomei todo o líquido.
Engolindo a enxurrada de sentimentos. Merda. Respirei fundo.
— Ouvir conversa alheia é o seu novo esporte favorito?
Quase bati a coxa na mesa ao sentir uma mão quente na minha pele,
por um momento, quase havia me esquecido quem estava ao meu lado.
Quase. Porque meu corpo era bom em identificar quem estava por perto.
Olho pra minha esquerda, vendo sua cara lavada também concentrada nas
conversas à nossa frente. Provavelmente ouvindo as mesmas coisas que
acabei de ouvir.
— Não precisa ouvir, é só me perguntar. Posso te falar todos os
detalhes de como ela é.
O quê? Travei meu olhar em seu rosto, tentando não voar em seu
pescoço.
— Você dormiu com ela?
— Agora gostaria de saber sobre a minha vida?
— Achei que prostitutas não fossem o seu lance. — Senti que
minha voz subiu alguns tons, e não me importei em verificar se alguém
estava prestando atenção em nós.
Seus olhos se estreitaram em minha direção, depois abriu os braços,
confortável demais, ignorando meu ataque.
— Calma, bruxa, não precisa disso tudo. — Seu tom malicioso
pingava deboche. Senti meu rosto quente, meu coração já começando seu
trabalho favorito. Calor ferveu em minha perna e travei o maxilar. Seu rosto
impassível.
— Tira a mão da minha coxa — falei sorrindo, entredentes.
— Você é minha noiva, é meu dever verificar se está bem. — Deu
de ombros, como se a ação fosse algo corriqueiro. — Você pode perguntar,
não precisa me apalpar. — Balancei a perna para que sua mão fosse
embora.
— Eu sou do tipo que precisa sentir para crer.
— Tira — disse em um tom baixo para que somente ele escutasse,
tentando puxar suas mãos com a minha. Nada aconteceu. — Tira a porra da
mão. — Sinto sua mão apertar mais forte a minha coxa. Filho da puta.
Esbravejo e tento levantar da cadeira, o que não dá muito certo com
o peso da sua mão em mim. E ficamos nesse embate, eu tentando me
levantar sem parecer desastroso e Dominic agarrando minha cintura para
que eu permaneça na mesa. Eu poderia até rir da cena se o babaca não fosse
tão convencido em achar que conseguiria me controlar.
Parei meus movimentos quando ele soltou irônico:
— Você parece ansiosa, amor, precisa de ajuda em algo?
— Eu preciso que você tire essas mãos porcas de mim!
— Agora minhas mãos são porcas?
Cerrei os olhos pela ousadia de sua boca, e estava decidida a
esganar seu pescoço bem ali e agora. A ansiedade me comia de dentro para
fora e o estresse mexia com minha percepção. Eu podia chamá-lo para um
embate lá fora, e talvez descontasse toda a minha raiva nessa cara bonita,
exalando um sorriso que aparentava saber exatamente o que eu queria.
De repente, o peso do nosso último encontro se fez presente no ar e
a minha respiração falhou quando sua mão quente na minha coxa exposta,
espalhou calor pelo resto do meu corpo. Naquele momento, eu podia muito
bem deixar me levar pelas minhas emoções, sentir o seu toque em mim e
me embriagar nos seus beijos molhados, que deixavam marcas tão
profundas nas minhas memórias que meu ventre se contraía e meus pés se
remexiam inconscientemente em busca de mais contato.
A raiva que engolia todas as minhas outras emoções ameaçou dar
voz aos meus hormônios.
Lutar contra mim mesma era cansativo e estava a um pico de
mandar tudo a merda mais uma vez. Só mais uma vez, era o que eu pensava
quando ele estava muito perto. Só mais uma vez, era o que eu falava
comigo mesma quando Dominic pedia para que eu cedesse. Só mais uma
vez antes de ser a última e ele descobrir tudo e me mandar embora de vez.
O brilho em seus olhos me disse que ele sabia o que estava
pensando. Babaca. Eu nunca fui muito boa em guardar meus desejos para
mim mesma, e Dominic sempre foi muito bom em decifrar meu corpo
primeiro que eu. Porque eu sempre estava em uma luta constante com a
minha mente, e pensar demais, às vezes, era demais.
Ainda mergulhada em seu rio petróleo, mexi a coxa vendo que sua
mão estava firme ali no meio, despertando cada fibra possível. Cruzei as
pernas, incomodada, sua mão adentrando mais. Acho que mais alguns
centímetros e Dominic sentiria a minha calcinha. Os dedinhos dos meus pés
se espremeram no salto.
Suspirei, sem paciência nenhuma.
O tilintar de uma taça fez todos se calarem e percebi que não ouvia
esse barulho externo. O meu coração já não bombeava de ansiedade por
pensar demais, ele bombeava de expectativas em estar com Dominic.
— Boa noite! — Era a voz de Martinez, engoli em seco quando
obrigava meus olhos a olhar para o portal em arco. — Tomando as palavras
do senhor Clifford, estamos muito contentes com essa noite, é uma dádiva
estar finalmente começando essa nova etapa no nosso meio. Sabemos que
foram longos anos de espera, e Dominic que o diga — risadinhas baixas
foram ouvidas. Um pouco tensa pelas palavras, franzi o cenho, ingerindo
mais vinho. Agora era um ótimo momento para banquetear o jantar que
estava sendo servido.
— No entanto, aqui estamos nós, contemplando a união de duas
família fortes, a construção de um império novo. E de um novo chamado
que a AAB irá abraçar. Antes de passar a palavra para os noivos, adianto
que sejam breves — uma risadinha o cobriu e travei o maxilar. — Já que
temos o nosso rito para cumprir e estamos muito ansiosos — mais
risadinhas e foi impossível não revirar os olhos. — Pois bem, não queremos
prolongar mais, certo? Noivos, as palavras são suas.
Se eu já estava incomoda com a palavra noivos antes, ela desceu
como fel, amargando e queimando meu interior naquele momento. De
repente, algo primitivo gritou dentro de mim e soube que naquela noite eu
estaria decidindo nosso futuro mais uma vez.
A minha primeira opção era destruir esse noivado, dar um fim ao
nosso sofrimento e expor toda merda enraizada ali, mas talvez, só talvez,
ainda não estivesse pronta para deixá-lo, e levar meus pesadelos para morte
parecia muito mais apetitoso do que deixar que a morte me levasse sozinha
sem nenhuma barganha para ficar.
Então, mais uma vez, ou a última, optei pelo sentimento mais fácil.
Pela emoção menos complicada de lidar, pelo caminho egoísta de achar que
ainda poderia ter tudo que queria. Fingir mais uma vez, como tinha feito
nos últimos meses.
Optei por achar que ainda tinha algum controle, porque ainda era
uma cadela egoísta que gostava de brincar com fogo, gostava de pintar os
escudos do meu ego, o tornando impenetrável.
Uma última vez. Depois levaria à morte para debaixo da terra. E, no
final, pegaria a minha coroa.
RITO

O formigamento na espinha era uma das primeiras reações


fisiológicas que tinha quando seu perfume me atingia.
Porra.
Eu já devia ter me acostumado, devia mesmo. Tipo, de verdade.
Porque era uma merda desgraçada sentir cada molécula dentro de mim se
agitar ao observar seus passos firmes e decididos a adentrar a mansão.
Como uma rainha cruel.
Porra.
Naquele momento, eu queria não ter aprendido a observar tão bem
o ambiente à minha volta, gostaria de não ter notado cada olhar direcionado
a ela. Cada vírgula de olhar.
Gostaria mesmo de ser só mais um leigo ali presente.
Os primeiros cumprimentos vieram, fazendo-a parar algumas vezes,
distribuindo facetas diferentes para cada qual que a intervia. Analisei calmo
e curioso, viciado em apreciar as reações causadas por aquela rainha.
Porque era óbvio como a sua presença fazia o ar girar diferente. E ficava
aliviado por não ser o único afetado pelo magnetismo da sua expressão
corporal impecável, mesmo que os motivos fossem diversos.
Ela dizia não saber ser simpática, mas carregava uma legião de
admiradores. Os seus escudos não deixavam ela perceber o efeito que
causava nas pessoas, ou às vezes sabia e se fingia de tola. Apesar de tola
não ter nada.
Tomei mais um gole do meu whisky, aceitando de bom grado o
líquido queimar minha garganta. Aliviador. Troquei o copo vazio por outro
que foi me oferecido por uma bonita moça que servia a mansão naquela
noite. Lhe presenteei com um sorriso antes de continuar meus distraídos
passos de espectador.
Um espectador faminto que era obcecado por cada maldito passo
que ela dava.
Dobrei o pescoço, ainda atento, e mais outro segundo seus passos
encontraram Fabian. Arqueei as sobrancelhas, curioso.
Essa mulher criava um mistério a cada dia, superava todas as
expectativas que eu criava para os seus próximos passos e destruía as
barreiras do meu autocontrole que lutava todos os dias para montar. Ela
mexia com meu ego, balançava-o de uma forma cruel e perversa, fazendo-
me entrar em um espiral maníaco de busca só para poder estar mais alguns
segundos perto da energia sedutora dela.
Saboreei o líquido em minha boca antes de ele queimar minha
garganta novamente. Estava com sede.
Sede dela.
Augusta.
A mulher que me quebrou em estilhaços e que não estampava um
único indício de arrependimento. A mulher que não demonstrava nada, não
se eu não a pressiona-se. O que eu fazia com uma perversa vontade. Mesmo
que isso me destruísse um pouco, porque ver os seus olhos contradizendo
sua boca me rachava de novo. Me comia vivo. Fazia a raiva florescer em
um desespero genuíno de perda. De descontrole. De ódio.
Eu odiava isso, odiava o lugar que ela tinha nos colocado. Odiava a
forma como Augusta nos fazia remar em um mar de ondas violentas em que
não havia nenhum resquício de terra à vista.
E eu não podia fazer nada. Não por enquanto.
Então esperei mais uma vez, outra vez, enquanto ela pintava e
bordava no seu reino de mentiras. Brincava com nossos sentimentos e fugia
quando sua máscara ameaçava cair. Porque eu não me importava com a
merda das suas palavras mentirosas, mesmo que cortasse mais um pouco do
fio que nos restava.
Ou pelo menos eu não devia me importar, porque quando Augusta
me deu sua mão para que eu pusesse o anel no seu dedo, a maldita luz
vermelha apitou em minha cabeça. Algo tinha mudado, seu olhar manso me
avisou.
Ouvi Martinez nos parabenizar e sabia o que viria a seguir. Eu tinha
me preparado. Tinha ensaiado palavras saudosas e significativas que
alfinetariam quem quer que fosse que estava por trás de tudo. Eu só não
esperava que ela também estivesse.
Porra.
Imparcial, arrastei a cadeira para me levantar, não olhando duas
vezes para minha direita quando Augusta fez o mesmo. Ela não era de ficar
calada, mas também não esperava que agradecesse por algo que, em suas
palavras, ela repudiava e se negava a aceitar até a morte.
E foi o gesto em seus lábios e a posição da sua mão que me
antecedeu que ela ia dizer algo. E foi aí que a luz vermelha fez sentido.
Se Augusta quisesse acabar com esse noivado, ela não teria
nenhuma dificuldade. Não precisava de plateia ou de um show. Augusta
tentava se enganar tomando atitudes diferentes em busca de justificar algo
que tentava a todo custo esconder. Algo que eu tentava a todo custo
descobrir.
Mas ela ainda era uma mulher com um orgulho muito grande, eu
sabia bem disso, então isso seria pouco. Destruir um noivado assim era
pouco. Novamente tinha algo mais.
E aquele momento foi mais um entre muitos em que eu quis saber
exatamente o que aconteceria a seguir. Porque teria poupado a minha cara
de idiota quando palavras doces demais eram despejadas de seus lábios
carnudos.
— Boa noite, amigos! — Seus lábios se repuxaram em um sorriso
fácil e seus olhos procuraram os meus, uma piscadela suspeita enfeitou seus
olhos claros antes de sua atenção voltar para as pessoas presentes ali. —
Creio que essas palavras seriam de Dominic, certo? — Seria, mas ninguém
ia falar isso. Não quando continuei quieto, esperando. Esperando ansioso
como sua boca nos condenaria de alguma forma. — Espero que estejam
curtindo nosso evento, pois ele acontecerá apenas uma vez.
Risadinhas foram ouvidas, identificando o duplo sentido das
palavras. Arqueei as sobrancelhas, cerrando os olhos para a mulher ao meu
lado. Ousada. Augusta estava profetizando que nenhum de nós dois iria
noivar novamente. Apertei os lábios para não emitir nenhum barulho. Ela
era pior.
Me vi apegado a cada palavra que saía de sua boca.
— Estou feliz que estejam aqui nos honrando e presenciando a
união dos nossos impérios. Sei que esse momento foi sonhado não só por
nós dois, mas por vocês também, vocês fizeram parte de nós e do nosso
amadurecimento dentro da sociedade. Acompanharam nossos passos desde
que decidimos ficar juntos, desde que o anúncio foi feito, e digo com
clareza que os anos de espera valeram a pena. Valeram porque não há outro
homem no mundo que gostaria de dividir isso. Dividir a minha vida.
Construir um novo império que será tão glorioso quanto o que já temos, um
império incapaz de ruir. E claro… — Seus lábios se abriram e decorei cada
segundo. — Quem tentar contra ele, vai se afundar. Porque digo com
certeza que esse vai ser o maior casamento que Bash já viveu. Brindamos
em nossa honra!
Então, levantou sua taça já cheia.
E em nenhum momento sua voz vacilou.
Queria saber em qual parte parei de respirar.
Porra.
Acreditei em todas as suas palavras, principalmente as últimas que
trouxe ofegos altos e burburinhos extasiados.
Porra.
Magnífica. Ninguém ousou contestar. E um olhar interrogativo me
fez limpar a garganta e pintar um sorriso cruel nos lábios.
Eu não tinha nada a acrescentar, estava impressionado com suas
palavras e não era louco de contradizê-la. Não. Mas isso não importava,
porque ainda estavam esperando a minha voz. O meu sim.
Saboreei o álcool, deixando que ele agisse como arma em meu
organismo. Aprumei o corpo em uma posição dominante, espreitando a
mulher que também esperava uma resposta minha.
— Sabemos do peso de nossos sobrenomes, mas não seremos
subjugados por ele. — Me direcionei à mulher que mantinha uma posição
impecável. Seu olhar e sua expressão corporal sempre falaram melhor que
sua boca. — Não há outra pessoa que escolheria para dividir a minha vida.
E que o ano comece e termine em abundância!
— E afortunados sejam aqueles mais astutos, que produzem em
rocha sem deixar o outro cair — todos responderam sem vacilar.
Palmas foram ouvidas e mais algumas palavras de honra foram
ditas por Martinez.
E quando não éramos mais o centro, segurei seu olhar por alguns
segundos, esquecendo os burburinhos ao nosso redor. A temperatura
subindo drasticamente. As palavras ditas ganhando peso e nos assustando
como um bicho-papão debaixo da cama.
Pelo menos, me assustando, porque trinquei o maxilar quando
Augusta desfez o momento e empertigou o queixo, trazendo aquela ironia
ardilosa que seus olhos despejavam quando algo não saía como ela queria.
— Preciso de um ar.
E eu concordei quando ela disse que iria até o jardim.
É claro que eu concordei.
Concordei porque também precisava de um ar.
Precisava muito.
Não levei muitos minutos para alcançar o labirinto de galhas vivas
que tinha sido reformado na lateral da mansão. O corredor verde estava
iluminado por arandelas e postes médios, que conferiam uma iluminação
bonita ao jardim.
Augusta estava sentada na borda do chafariz, que tinha no meio do
labirinto, e passava os dedos por cima da água iluminada por leds que
enchiam o círculo de pedra.
Parei por um momento antes de meus passos serem notados.
— Gostou do meu discurso? — Sua voz melódica me alcançou.
— Poderia ter dito que estava apaixonada.
— Você gostaria de ter ouvido isso?
Era um jogo, seu discurso me disse que eu teria que ter muito
cuidado com as minhas próximas palavras, porque elas seriam decisivas
para o rumo da nossa interação.
— Não.
Augusta arqueou as sobrancelhas, moldando um perfeito rosto
cheio de deboche.
— Uma resposta inteligente.
— Paixão é muito raso — provoquei.
— Então, até os sentimentos têm que ser dignos de serem sentidos
por você? — Diversão escorria de seus lábios cheios. E uma memória
distante, dos seus lábios em mim, me atravessou.
Cerrei os olhos. Perigo gritava entre nós, e mandei a
autopreservação se lascar. Foda-se, estava sedento fazia semanas. Semanas
que Augusta provocava, mas não cedia. E semanas era muito tempo. Muito
mesmo.
— Estamos em paz hoje?
— Não sei, me diz você. — O brilho de desejo salpicou seus olhos,
bombardeando sangue diretamente para o meu pau. — Qual bandeira
devemos levantar?
Repensei minhas palavras. Estava muito fácil. Nossos embates
nunca eram fáceis, o processo de levá-la para cama sempre foi o mais
demorado. Quando disse que sabia o tamanho do seu orgulho, eu sabia
mesmo. Porque Augusta era teimosa e não cedia. Não quando uma guerra
extensa era travada.
— Que tal a bandeira da verdade? — provoquei. Se Augusta estava
disposta a ceder tão fácil, algo devia estar errado.
Sua cara amarga logo se transformou em uma carranca.
— Está deixando uma oportunidade passar?
— Oportunidade de te ter? — ri divertido, recebendo um olhar
desafiador.
— Sim? — Dobrou o pescoço como se estivesse dizendo o óbvio.
— Está escolhendo as palavras erradas, Nic.
— Eu sempre achei que as verdades deveriam ser mais valorizadas
— alfinetei, me aproximando mais.
— Qual a cor dessa bandeira? — perguntou, levantando o rosto
para me encarar melhor.
— Vermelha. — Com um pequeno laço branco na frente, quis
completar.
— Essa não é a cor da guerra?
— Verdades e guerras podem causar o mesmo estrago.
— Está indo para o caminho errado, volte três casas — estalou a
língua e se levantou, fazendo menção de partir.
Mas segurei seu braço quando seu corpo atravessou o meu. Não me
importei de fechar os olhos e saborear a presença que fazia todo o meu
corpo formigar. Puta que pariu, que merda do caralho.
— Eu acho que estou cruzando o caminho certo — sussurrei na
lateral do seu rosto e vi seu corpo ficar tenso. E o meu corpo maldito amou
isso.
— Dominic.
— Augusta.
Então entramos em um jogo mortal, onde tudo que eu procurava
estava ali, bem ali na minha frente e eu só precisava... Tirar. Saber. Ouvir.
Ter a certeza.
Mas ela não me daria isso e eu ainda não sabia o porquê. Era a
merda do jogo infinito que nunca acabava.
— O que mudou?
— Sobre?
— Você deseja a coroa.
Eu podia ver em seus olhos um novo desafio. Ela estava disposta.
Augusta sabia que eu ainda esperava uma explicação, mesmo que a
razão pesasse em proporções gigantescas para deixá-la todas as vezes. Mas
eu não conseguia... Simplesmente não conseguia. E era nesse momento que
deixava o ódio me embalar. Porque era melhor ter seu ódio e suas palavras
afiadas do que não ter nada.
Em um cerrar de olhos, suas palmas me empurraram para tomar o
lugar onde ela estava há poucos segundos. E não me importei em sentar na
borda da pedra que rodeava a fonte do jardim. Sabia muito bem até onde
podíamos ir. E mesmo sabendo que tinha um aviso de perigo ali, estava
animado para descobrir aonde iríamos e o que faríamos.
Muito animado. Sentia-me pesado, e meu sangue corria somente em
um sentido. Buscando uma coisa. Ela.
— Você ainda está tentando me salvar? — Suas mãos alcançaram
meus ombros e suas pernas rodearam as minhas, me colocando entre elas.
Seu vestido subiu com a posição do seu corpo, e antes que minhas mãos
alcançassem suas coxas, seu olhar foi muito claro. Não se atreva. E meu
sangue correu como nunca quando Augusta montou em minhas pernas e o
calor das suas dobras me fez trincar o maxilar.
Não tinha pano ali.
Augusta estava sem a maldita calcinha.
Engoli em seco.
Apertei a pedra gelada em minhas mãos.
— Estou. — Desviei a atenção da sua pele descoberta, encarando
seu rosto. Seus lábios cheios ainda pintavam deboche. Eu queria pintá-los
de porra.
— Desista.
Augusta se ajeitou em meu colo, chegando mais perto, sentando em
cima do meu pau, me provocando. Suas unhas me apertaram por cima da
camisa.
Meu coração queria sair pela boca.
Talvez se ele saísse tudo pararia de ruir.
— Estou chegando perto?
Eu queria muito pôr minhas mãos nela, quase podia sentir a pele
macia escorrendo em minhas palmas. Minhas palmas de encontro a sua pele
macia. Porra. Isso parecia um caralho de bom.
— Desista.
Ainda em cima do meu colo, Augusta raspou o nariz em meu
pescoço, arrepiando minha pele. O maldito efeito. Suas unhas estavam
firmes em meus ombros e lutei contra minhas próprias mãos para não
agarrá-la e marcá-la com elas. Porra, eu gostaria muito disso. Gosto mesmo
de marcá-la, como ela sempre faz.
Mantive as mãos firmes na pedra.
Era o nosso jogo, quando um começava o ataque o outro tinha que
manter a posição, pois se você revidasse, estaria entregando jogo. Mostrava
que era fraco. Que não conseguia resistir. E eu conseguia, tinha um
autocontrole muito bom. Pelo menos em tese, ou quando estávamos em
público.
Augusta era boa em não mostrar fraquezas e eu tinha aprendido
muito bem a procurar onde ela as escondia.
Como a porra de um maníaco. Um maníaco que sabia como receber
um ótimo boquete no final da noite. Porque era assim que terminávamos
quando ninguém estava vendo. Era nosso segredo sujo que ela amava
esconder. É divertido, mordi os lábios com a sua voz na minha cabeça.
Ela não podia falar, e eu não podia tocar.
Regras do caralho.
Regras que eu gostava demais.
Regras que me levavam para dentro dela.
Augusta aproveitou do meu momento de distração e beijou abaixo
da minha orelha. Não me importei em abrir os olhos. Porra. Poderia me
enfiar nela bem ali…
— Vai para o McCall hoje — ordenei com a voz rouca o nosso
código secreto. Estava embriagado dela, sentia seu perfume doce por toda
parte.
— Para outro interrogatório?
— Não é um interrogatório quando uma das partes não responde.
Abri os olhos, sendo presenteado pelas íris cor de mel que estavam
escuras pela falta de luz.
Augusta estudou meu rosto, e devagar soprou minha boca, seu
hálito quente roçando meus lábios sedentos. Esperei. Seu cheiro me
embriagava e a expectativa de seus próximos passos deixava minhas bolas
pesadas. Quase podia sentir o gosto da sua boca.
Quase.
Engoli em seco quando seus lábios rastejaram pela minha bochecha,
por cima da minha barba recém-feita, abaixo novamente da minha orelha,
minha nuca. Rastros molhados esquentavam meu pescoço. Estava em
chamas. Augusta balançou os quadris, roçando a boceta no meu pau
coberto.
Eu gozaria ali sem problemas, não me importaria de entrar para o
recorde de orgasmos mais rápidos só porque uma maldita mulher estava me
provocando e eu não podia tocá-la.
Só porque todos os meus sentidos estavam concentrados no meu
pau, e na sua língua molhada que castigava lentamente a minha pele. Porra.
Merda do caralho. Não voltaríamos para o rito, pouco me importava as
regras idiotas que Augusta tinha criado…
Sua boca beijou meu queixo, seus olhos salpicados de desejo e
trapaça. Fechei os olhos na esperança falha de beijar a sua boca.
— Te vejo no rito, amor, vamos fazer um bom show.
E fácil assim, me deixou no meio do jardim, sentado na beirada do
chafariz, esperando pela sua boca que não veio.
E que por muito tempo nunca viria.

O rito era mais uma brincadeira que se tornou tradição nos últimos
tempos.
Nos tempos antigos, havia um rito sagrado em que durante uma
temporada, algumas mulheres cortejavam o príncipe, mostrando seus dotes,
valores, criatividade e atividade em prol de provar que eram dignas de um
bom casamento. Patético.
Hoje, essas atividades são inteiramente voltadas para o QueenKey,
a garota que levará a chave da cidade por um ano.
Entretanto, com a evolução dos tempos, graças ao Pai, a
modernidade de trazer alguma disputa antes de algum casamento
permaneceu. Mesmo que não fosse verdadeiramente uma disputa, mas sim
sobre o quanto os noivos se conheciam. Excitante.
Os burburinhos animados soaram pelo salão enquanto um acorde
animado soava do piano. Fui até os gêmeos, que cochichavam animados
com Zaki na base das escadas.
Cerrei os olhos quando pude ouvir as palavras por cima do barulho.
Como estava vindo por uma das portas laterais da mansão, eles estavam de
costas para mim e não me viram.
— Vocês só provam a idiotice de vocês apostando assim. — Era a
voz de Zaki.
— Seria burrice não apostar — Chris se defendeu e caminhei
preguiçosamente, parando em uma das estantes que ficava encostada na
parede, para colocar bebida em meu copo. Virei de costas enquanto o
enchia de bourbon e tentava ouvir a conversa dos babacas.
— Você sabe que Dominic vai saber que é ela, mesmo se tivesse
todos os sentidos tapados — Charles desdenhou, provavelmente revirando
os olhos.
— E você precisaria convencê-la de que precisa vencer uma aposta
para que ela faça Dominic perder — Zaki soltou a ideia, divertindo-se.
— Isso não é um problema — Christoph se defendeu de novo.
Chuck e Zaki gargalharam.
— Tudo bem, irmão, nós entendemos suas limitações cerebrais e te
acolhemos. — A voz de Zaki se elevou e soube que nada do que estavam
falando era para se levar a sério.
Os babacas riram mais e aguardei mais um pouco para revelar
minha presença.
— Vocês estão com inveja que eu sou o preferido dela — Chris se
defendeu com convicção nas palavras.
— Está mais louco do que imaginava se acha que Augusta nutre
sentimentos bonitos por nós. Ela nos suporta, é diferente. — Eu podia
facilmente concordar com Chuck.
— Mas não falei que ela gosta de nós, disse que gosta de mim. E
outra, tenho certeza que se eu pedisse para ela...
Revirei os olhos, não querendo ouvir um monólogo de Christoph
Nikosi.
— Como preferido dela, não devia gastar tanta saliva se defendendo
— cortei a conversa que já estava indo longe demais.
Ignorei seus olhos arregalados.
— Essa obsessão de vocês é questionável — ofereci a garrafa que
levava em mãos e eles aceitaram de bom grado.
— Só mais um item para uma longa lista — Zaki cantou e tomou o
vidro da minha mão, despejando o líquido nos copos vazios.
— Pronto para provar o que todo mundo está cansado de saber? —
Chris provocou, apertando meus ombros em um gesto encorajador.
Ri pelo nariz, dando de ombros.
— Não posso evitar.
— É claro que não — murmurou e me empurrou para o centro do
salão.
O líquido que enchia meu copo desceu queimando, acionando cada
partícula de adrenalina no meu corpo.
Fui para onde uma cadeira com estofado branco estava posicionada.
Os burburinhos eram altos e não fiz questão de prestar atenção sobre o que
falavam, apenas me acomodei no lugar que tinha braçadeiras douradas.
Estiquei os braços por cima da madeira, depois afundei meus dedos na
mesma, firmando o corpo. Me sentia ansioso com a expectativa.
Não estava nervoso pelo risco de errar, mas sim de provar que nem
mesmo com os olhos fechados deixaria de reconhecê-la.
Isso me deixava animado para caralho.
Uma breve explicação foi dada, dizendo que era só uma brincadeira
de distração. Mas todos ali sabiam que era muito mais que apenas uma
dinâmica.
Era mais sobre desafio e posse. Já vi homens pagarem para que não
deixassem eles errarem, ou que dessem dicas discretas para que sua honra
permanecesse intacta.
Eu não tinha pagado ninguém, e isso não passou despercebido para
os homens ali presentes. Quase podia ouvir o tom zombeteiro de suas
apostas.
— Pronto? — A voz feminina me despertou, era Alana, uma das
amigas de Augusta.
Balancei a cabeça afirmando, e dando uma última olhada nas
pessoas ao meu redor, deixei que vendasse meus olhos. Não tentei enxergar
através de alguma fresta, ou mexi o rosto para que a venda se ajustasse
mais. Ao invés disso, investi nos meus outros sentidos, principalmente no
olfato.
Porque eu ia identificá-la, era quase um instinto corporal, senti a
eletricidade de sua pele em contato com a minha, e digamos que não
precisava tocá-la para saber que era ela, então era quase impossível errar.
Porém, entrei na brincadeira, ainda com os olhos vendados, sorri
abertamente sabendo que todos os meus movimentos eram observados. Que
os meus gestos eram significativos.
A primeira mão veio. Ter unhas grandes não era identidade, embora
o sabor de ter as pontiagudas unhas de Augusta em contato com a minha
pele fosse algo totalmente saboroso, não podia identificá-la assim. Soltei a
mão macia e gelada, com nenhum tipo de joia presente.
— Não — disse simples, e a próxima veio.
A segunda mão tinha dedos finos e era quente, o seu perfume me
era familiar, porém, meu trabalho ali não era adivinhar de quem a mão era,
era identificar qual era a dela.
A terceira mão era um pouco mais grossa, e mesmo com a maciez
de uma mão feminina, sentia pequenos calos na palma. A quarta mão era
gelada e pequena, na quinta tentaram se aproveitar do momento e uma mão
masculina foi me oferecida. Dei um belo apertão e logo risadas estouraram
pelo salão.
Foram treze mãos no total, e nenhuma era de Augusta.
— Está pronto para escolher?
— Ainda não.
— Está com dúvidas? — zombou. Não consegui identificar a voz
masculina, poderia ser de um dos Cheffts que ajudavam na organização.
— Nenhuma dessas mãos é de Augusta.
Não obtive resposta, e sabia que alguém estava rodeando a cadeira
que estava sentado, rindo da dinâmica. Como todos ao nosso redor.
Para eles era divertido, para mim era caça. Relaxei no banco. Tinha
todo tempo.
— Comece de novo, e dessa vez com a minha noiva, por favor.
Então novamente o tato pela mão certa começou. Fiz questão de
estudar todas as mãos, sentir cada pegada. Algumas mãos fugiam rápido do
meu toque, outras tremiam, outras se aproveitavam. Mas sabia que
nenhuma delas era ela. Nenhuma tinha o seu perfume.
Na nona mão, eu tomei o meu tempo. Os dedos estavam sem anéis
e as unhas curtas. Uma risada baixa saiu de meus lábios em diversão. Senti-
a macia e seus dedos longos e gelados. Passei os meus em cada dobra dos
seus, em cada junta e linha, e em uma pequena cicatriz que se amontoava na
parte de cima. Havia passado tempo suficiente com as nossas mãos
grudadas para não identificar o fio de reconhecimento que o calor de nossas
palmas trazia.
Em um passo cego, abracei o corpo na minha frente, trazendo-o
para o meu colo. Um suspiro alto saiu de seus lábios.
— Minha noiva.
Palmas soaram com alguns assobios que desconfiava ser dos nossos
amigos. Tirei a venda, sendo saudado por uma carranca.
— Babaca — sussurrou. — Não poderia entrar na brincadeira?
— Não quando você está em jogo.
— É só uma brincadeira. — Augusta revirou os olhos, fazendo
menção de levantar.
— Uma brincadeira que te fez cortar as unhas só para não ser
identificada?
— Achei que um obstáculo deixaria as coisas mais legais.
— Não há obstáculos que eu não pule quando se trata do que quero
— tentei soar significativo, calmo. Para que minhas palavras entrassem
como uma faca certeira.
— Ridículo.
Prendi meus braços ao seu redor, recebendo um olhar mortal.
— Me deixa sair. Já acabou.
Adorei seu rosto, percebendo que algumas sardas ainda davam sinal
por baixo da maquiagem.
— Não.
— Não é hora disso.
— Somos oficialmente noivos, podemos estar apaixonados —
provoquei, recebendo um maxilar travado.
Mas ironia pintou seus lábios em um sorriso fácil. Aguardei ansioso
por suas palavras. A ansiedade comendo a raiva que ameaçava se instalar.
— A sua cegueira irá te matar.
— Talvez mate. — Seus olhos me encararam. E mergulhei no mel
assombroso que eles despejavam. — Está sem calcinha.
Um sorriso diabólico pintou seus lábios.
— Estou.
Travei o maxilar.
— Não queria ter ouvido isso.
— Eu não quero muitas coisas, e nem por isso…
— Devia pôr uma calcinha.
— Não.
Subi minhas mãos mais pra cima, e segurei seu quadril quando ela
tentou se levantar.
— Devia pôr uma calcinha.
— Se não o quê? Vai levantar o meu vestido para que todos
saibam?
Sorri perverso, deixando que ela visse todas as minhas intenções
através dos meus olhos.
— Claro que não.
Augusta estremeceu.
— Eu vou me enfiar dentro de você para que todos saibam o quão
molhada a sua boceta está apenas por estar sentada no colo do seu noivo.
As coxas de Augusta se fecharam fortemente e aproximei meu rosto
do seu, inalando mais do seu cheiro gostoso.
— Você não é louco — rangeu os dentes e passei minhas mãos por
sua coxa, exposta pela fenda.
— A gente pode testar a minha sanidade e ver quantas pessoas
ficariam na sala ao notar minha mão dentro de você.
Sua respiração ficou pesada.
A minha também.
A minha ereção cutucando o tecido grosso da calça, me irritando
por me deixar levar por situações como essa. Porra. Eu a queria. Porra,
queria muito estar dentro dela. A pré-sensação me deixava louco.
— Dominic…
— Augusta…
Ódio brilhou em suas íris claras e uma satisfação genuína me
abraçou. Perfeito. Augusta engoliu em seco, travando o maxilar. Nossos
olhos em um combate eterno.
— Está concentrado demais no que não pode ter e está se
esquecendo do que realmente importa.
— O que realmente importa?
Observei seu rosto vidrado, ansioso pelo veneno que sairia da sua
boca.
— Eu sou a vilã da sua história, Nic, e vilãs não merecem ser
salvas. Não quando ela quer colocar em jogo a cabeça do rei.
O COMEÇO

6 anos atrás

— Está nervosa?
— Um pouco.
Eu estava na casa de Dominic pela primeira vez, e uma sensação
estranha me cutucava, fazendo-me ficar cautelosa com cada passo. O nosso
ano havia acabado e estávamos de férias, um mês longe dos muros do
Instituto, e no próximo ano não voltaríamos para o distrito, já
começaríamos outro semestre aqui mesmo em Bash.
Estava empolgada, sei que tudo mudaria, a rotina, a convivência
com a minha família, principalmente com um namorado ao meu lado. E não
estava reclamando, na verdade, estava amando!
O que não impediu que eu criasse ideias na cabeça antes de saber
que o lugar que Dominic queria me levar era a sua casa. Estamos na
primeira semana de férias, e quando recebi uma mensagem sua, foi
impossível não pensar demais nos porquês.
A mansão Clifford era linda, linda mesmo. Tinha uma extensa
entrada rodeada por árvores grandes e perfeitamente podadas no formato
redondo. Estávamos no hall de entrada e Dominic segurava minhas mãos
com firmeza, como se quisesse me passar toda a confiança do mundo. E eu
a aceitei.
— Não fique nervosa, você já conhece Fred, e você não tem nada a
temer com meu irmão.
— Eu conheço de vista, nunca conversei com Frederico —
expliquei, cortando-o. Já tinha visto seu avô em alguns eventos, até mesmo
já o vi saindo do escritório do meu pai. Mas era diferente, não me sentia
obrigada a conversar ou algo do tipo, ele só estava ali, e agora… bem, o
velho não poderia ser tão ruim assim, certo?
— Mas não há nada o que temer, vem… — Fui arrastada para uma
escadaria em caracol.
— Você diz isso porque não é você. — Apertei sua mão quando
chegamos a um corredor largo. Podia se ver uma grande janela de vidro no
final.
— Quando for a minha vez, espero receber palavras de conforto.
— Quer ir na minha casa?
— Você não quer que eu vá?
— Nunca pensei muito sobre isso. — Na verdade, tinha pensado,
sim, muito aliás. Todas as vezes que sentava na mesa de jantar imaginava
como seria ter Dominic ao meu lado.
— Mentirosa — cantou e ri quando paramos em uma porta fechada.
Dominic apontou para os ouvidos e agucei os meus para ouvir o que vinha
atrás da porta.
Era o acústico de um piano, sorri. Era o meu som favorito.
Ele bateu na porta levemente, e entramos no cômodo, sendo
recebidos por um largo sorriso de um menino sentado no estreito banco do
piano. Sorri em reflexo, Dominic tinha me falado de seu irmão com tanto
entusiasmo que sentia que já o conhecia, sem nem mesmo trocar uma
palavra.
— Oi, Damian! — Acenei com a mão, mas Dominic me empurrou
para dentro do cômodo, fechando a porta atrás de nós.
— Levante, Damian, vem abraçar Augusta. — Era uma voz de
ordem, mas incrivelmente carinhosa, como se fosse um tom certo que seu
irmão acatou rapidamente.
Observei atenta a interação dos irmãos à minha frente, porque antes
de Damian me abraçar, ele abraçou carinhosamente o mais velho.
— Damian ama abraços — Dominic me disse antes de seu irmão
mais novo estudar meu rosto atentamente, apertar minhas bochechas e
abraçar meus ombros apertados. Não contive a risada, e fiquei feliz pelo
carinho.
— Você é bonita, a namorada do meu irmão é bonita.
Arqueei as sobrancelhas.
— Então, Dominic esteve falando sobre mim?
— Ele fala muito sobre você, Augusta — disse em uma fala
arrastada, balançando a cabeça e seus olhos brilharam. — Ele disse que
você também toca. Toca piano.
Cerrei os olhos para um Dominic observador.
— Eu toco só um pouco.
— Um pouco profissional — Dominic replicou, provocando, e
revirei os olhos.
— Pare com isso, quando eu estiver na minha própria orquestra me
diga isso — brinquei e fui para a banqueta que ficava em frente ao piano.
— Posso me sentar?
Damian balançou a cabeça e senti que estava apreensivo. Limpei a
garganta, espelhando meu melhor sorriso, pois não queria que ele se
sentisse desconfortável em seu próprio lar.
— Me mostre o que você sabe e eu te acompanho — dei a sugestão
que logo foi acatada por um Damian sorridente.
Dominic tinha me contado sobre a condição de seu irmão, e eu
fiquei feliz em ouvir a paciência em sua voz e o quão por dentro ele parecia
estar no assunto. Eu não sabia muito sobre a Síndrome de Down, só sabia o
que mostrava a pesquisa rápida do Google. O que não tinha me ajudado
muito, pois passar a tarde com Damian tinha sido bem diferente.
Acompanhei os irmãos em uma breve rotina e fiquei mais do que feliz em
ver como Damian buscava bastante autonomia para fazer as coisas sozinho.
Era até engraçado ver a pequena briga deles.
E quando seus longos dedos começaram a dedilhar rápido nas teclas
do piano, não pude deixar de elogiá-lo e ficar feliz com seu esforço.
Damian irradiava uma felicidade genuína e gostosa de presenciar.
Dominic havia me contado que quando se mudaram para Bash, a
evolução cognitiva de seu irmão foi gritante. E eu entendia que era por
causa dos melhores tratamentos e especialistas que foram contratados para
se dedicar a ele. E eu fiquei feliz por eles, porque os irmãos emanavam paz,
e a paz era sempre bem-vinda.
— Acho que foi a canção mais linda que ouvi — Dominic
sussurrou, e virei meu rosto para encontrar seus olhos petróleos sorrindo
para mim.
Estávamos em seu quarto, deitados lado a lado em sua cama. E
sentia-me incrivelmente confortável em estar nos braços dele.
— Era só Avicii.
— Quero que toque para mim para sempre.
Ri pelo nariz.
— Então, devia me ouvir tocar Tiersen ou Beethoven, não que
esteja me gabando, mas ficará ainda mais vidrado!
Dominic riu e acompanhei seu movimento. Seus braços me
aconchegaram e dedilharam os meus em um carinho distraído.
— Acho que está tarde. — E estava, minha mãe já havia me ligado
falando sobre o horário de voltar para casa.
— Sim, está.
Mas nenhum de nós deu o primeiro passo e se levantou. Então,
aproveitei mais alguns minutos embriagada em seu cheiro gostoso, e no
prazer de ter alguém do meu lado. Ou como Dominic sempre dizia: um
time, o prazer de ter um time e poder contar com ele.
— Um dia dormiremos juntos, e não terá ninguém para nos
atrapalhar. — Balancei a cabeça, concordando. Acreditava nisso.
Dominic era resolvido com as suas vontades, e é claro que não nos
poupou de uma conversa vergonhosa sobre sexo. — Pelo menos para mim,
porque as vezes Dominic não tinha muito tato nas palavras. E quando digo
conversa vergonhosa, não ouso dizer ser pelo ato em si, mas sim todas as
questões que se davam através do ato.
Por exemplo, eu nunca tinha conversado sobre menstruação com
outra pessoa que não fosse minhas irmãs e minha mãe, e ter um Dominic
interessado em como aliviar minhas cólicas menstruais foi estranho.
Depois de alguns minutos, descemos. Me despedi de Damian e
estava prestes a chamar o motorista para me levar para casa quando
Frederico Clifford apontou no hall. Ainda não o tinha visto, e tinha
agradecido bastante por isso. Não que tivesse medo ou algo contra ele, só
ainda não me sentia… à vontade em sua presença. Essa era uma colocação
perfeita.
— Augusta Vendetta, que prazer tê-la em nossa casa — ele foi
rápido e logo se apressou a chegar mais perto.
— Também estou feliz por ter vindo — respondi e apertei com
força a mão de Dominic.
— Estive com seu pai esses dias — continuou animado e franzi o
cenho. Frederico Clifford estava puxando assunto?
— Ah, certo… — limpei a garganta, me forçando a ir embora. —
Vou dizer que te vi, ele deve gostar.
— Oh, sim, diga que mandei abraços.
— Claro…
E em um simples e animado aperto de mão, o avô de Dominic se
despediu e apressei-me a procurar meu rumo de casa.
— Não foi um bicho de sete cabeças — Dominic sussurrou.
— Mas foi estranho — respondi.
Dominic beijou minha bochecha, me puxando mais para si, a
medida que andávamos para o hall. Já tinha mandado uma mensagem para
Keven e ele dizia estar por perto. Então, esperamos pelo motorista.
— Já decidiu o que vamos fazer nas férias?
Sorri, eu tinha começado a montar um cronograma do que faríamos.
— Talvez. — Balancei os ombros de um jeito divertido.
Mas antes de cruzarmos a porta, um homem grisalho e de olhos
grandes e claros nos saudou. Eu já tinha o visto em alguns eventos, muitas
vezes estava acompanhando o senhor Clifford.
— Olá, crianças — falou em uma voz forte, e Dominic o
cumprimentou com um aceno de cabeça.
— Martinez, deve conhecer Augusta — disse animado, e sorri.
Dominic gostava desse homem, e fiquei feliz por ele ter mais uma
pessoa que o auxiliasse nesse meio.
— Olá, Augusta! — Martinez acenou com a cabeça e me olhou de
um modo analítico. — Bem-vinda à família.
Tentei não me mexer, mamãe tinha me falado sobre expressões
corporais na semana passada, e como se mexer em um momento como esse
diria tudo sobre você. E ninguém precisava saber como ainda era insegura.
Então, mantive o sorriso leve e apertei a mão de Dominic.
— Obrigada. — Fui sucinta.
Eu sabia que Dominic tinha contado à sua família que estávamos
namorando, e não fiquei surpresa pela sua fala. Só que foi estranho.
Balancei a cabeça.
Acho que conhecer sua família me fez realmente perceber que
tínhamos algo sério. Me despedi de Dominic quando o carro chegou e sorri
para a tela do celular após alguns minutos. Ele havia me mandado um print
da página do YouTube onde estava escutando Beethoven.
“Não é tão mal quanto imaginei”, era a mensagem logo abaixo da
imagem.
Ri comigo mesma, minha irmã tinha dito que finalmente minhas
obsessões haviam mudado… Mas acho que tinha sorte de poder ter as duas
coisas ao mesmo tempo. Sorri feliz.
Eu tinha o melhor namorado do mundo.
COLAR

— Isso me parece caro — Zaki palpitou por cima do meu ombro


enquanto eu folheava a revista com fotos das joias que seriam leiloadas
nesta noite.
Eu concordava com ele, eram joias caras e raras que faziam parte de
gerações de valores e tradições.
Estávamos de volta ao Salão Dourado, porém, com uma nova
estética. O lugar parecia menos espaçoso, e diria ser culpa dos painéis
enormes e cortinas brancas que usaram para fazer uma breve separação de
movimentos. Também havia algo como uma baixa plataforma retangular
encostada em uma das paredes, como um palco.
Todo ano, as garotas que estavam fazendo parte do QueenKey
ajudavam no evento beneficente que promovia uma alta quantia de dinheiro
vivo em poucas horas. Era um leilão de joias onde garotas eram expostas
em lindos colares enquanto homens mal-intencionados davam lances.
Perverso e nojento. Mas era o melhor jeito de ter dinheiro fácil.
— Deixa eu ver — Fabian tomou a revista das minhas mãos sem
aviso e fez uma careta ao contar a quantidade de zeros em cada peça. —
Puta merda, vocês não brincam em serviço.
Os idiotas dos meus amigos riram e fizeram piadinhas sobre brincar
em serviço. Claro que fizeram.
Revirei os olhos um pouco irritado, tinha dias que a minha
paciência não era das melhores. E hoje era um dia desses.
Fabian parecia se enturmar muito fácil com os meninos, e agradeci
por isso. Não poderia escolher entre um e outro. É como escolher entre
passado e presente, e eu não achava certo. Achava que os dois tinham que
se complementar, não causar discórdia.
— Para de balançar essa perna, porra — Chuck chiou, ele estava
sentado na banqueta alta de frente para um balcão improvisado, que
continha diversas bebidas.
— Agora não posso mais me expressar?
— Ele está nervosinho — Zaki zombou.
— O meu punho também fica bastante nervoso quando está em
ação. — Revirei os olhos, bebericando o copo.
— Ele está nervosinho — Christoph copiou Zaki, afinando a voz.
Bufei e concentrei-me na porta dupla que entravam e saíam pessoas demais.
— O que perdi? — Fabian perguntou curioso, desfazendo da
revista.
— Não sabe? — Zaki fez suspense, alterando a voz novamente.
Eu não tinha amigos.
— Deixa eu te pôr a par, amigo. — Chuck se animou, colocando o
braço nos ombros de Fabian, que arqueou as sobrancelhas curioso. —
Certo, hipoteticamente, você não perdeu nada, porque na cabeça deles não
há nada.
— Deles? — Fabian me olhou e desviei os olhos, nem um pouco
incomodado com o tom interrogatório.
— Eles mesmos — Zaki mostrou os dentes como se ele se
preparasse para dizer a novidade do momento. — O nosso casal que fala
que não é casal, mas agora são definitivamente um.
— E…? — Fabian provavelmente ainda tentava entender. Não fiz
questão de ajudar a explicar, eles já iriam cavar minha cova de qualquer
maneira.
— Essa é a parte divertida — Zaki gargalhou.
— Eles fingem que não tem — Christoph afirmou, se juntando a
Zaki que parecia muito satisfeito em me expor. — Mas já encontrei peças
de roupas suficientes onde não devia.
— Como sabe que é de Augusta? — perguntei, querendo realmente
saber.
— Está nos falando que outra mulher está visitando a sua cama? —
Zaki interrogou com seus olhos julgadores.
— Não coloque palavras em minha boca.
— Enfim, praticamente eles se pegam, mas fingem que não.
Fabian cerrou os olhos curiosos. Ninguém além deles sabia, porque
meus amigos eram piores que esposas galinhas, eles eram obcecados em
saber o que o outro estava aprontando.
— Então, quando diz que sua relação com Augusta é complicada,
está se referindo a isso?
— Quando ele diz que é complicada, ele quer dizer que eles são
duas pessoas que fingem que não estão juntos por seis anos e agem como
completos opostos na frente de todos — Chuck alfinetou com um sorriso
satisfeito. Bufei.
Fabian arqueou as sobrancelhas, provavelmente juntando
informações que eu tinha lhe oferecido com a dos meus “amigos” presentes.
— E por que ele está nervosinho?
— Alguém aqui não teve um encontro romântico às escondidas. —
Chuck balançou as sobrancelhas.
Fabian sorriu abertamente.
— Estão me dizendo que eles agem como dois adolescentes?
Revirei os olhos, pra que inimigos? Claro que eles riram. Muito.
Gargalharam, na verdade. O jeito que Fabian trazia essa situação parecia
ridícula.
E eu não estava irritado pela noite passada não termos nos
encontrado, mas porque fazia semanas que Augusta estava fugindo.
— E não vamos falar das mensagens… — Christoph começou e
levantei-me do banco.
— Ok, já podem parar de falar sobre mim, entretenimento
suficiente. Essa é minha deixa. Hora dos negócios.
E é claro que caíram em uma gargalhada mista. Revirei os olhos,
ainda irritado, e puxei Fabian para longe, levando-o para perto de uma
estante decorada. Com ele, eu ainda não tinha terminado de conversar.
Tinha mais o que fazer do que ficar lamentando a minha falta de
sexo.
— Você não me disse isso — Fabian brincou com o copo
caminhando ao meu lado.
— O quê?
— Que não estavam juntos.
Parei abruptamente, colocando a mão livre em seu ombro direito.
Estávamos afastados da muvuca, mas não escondidos.
— Mas não estamos, é só um contrato. — Olhei em seus olhos com
firmeza e ele balançou a cabeça sério. Estávamos sendo observados, então
chamar atenção para um assunto assim não era o objetivo. Por mais que a
cidade soubesse o que nos tinha acontecido, ainda não sabiam a verdade.
Os jornais e websites do dia 14 de agosto de 2022 foram os mais
vendidos e vistos do ano. Uma lamentável tragédia, Bash está em luto por
vocês. A frase que fazia meu sangue ferver. Eu queria ter posto fogo na
gráfica também.
A memória de uma Augusta ensanguentada e coberta pelo fogo, na
nossa antiga casa, também em chamas, foi o que me fez viver nos últimos
meses. Porque as suas palavras dizendo “a culpa é minha, a culpa é minha”
não me ajudaram a ser coerente e analisar o que estava acontecendo naquele
momento. Eu só queria tirá-la dali. Queria tirar sua dor, mesmo que isso
fosse impossível naquela altura do campeonato.
Eu não acreditei quando disse que era culpada por nos tirar a
felicidade, que era culpada por nos destruir. Mas acreditei quando disse que
queria morrer, que precisava sumir. E eu não podia deixar. Porque eu faria
de tudo por ela. Faria de tudo para ela. Inclusive, viver uma relação
quebrada que ela se recusava a consertar.
E foi quando percebi que ela era boa em guardar as coisas e
esconder segredos. A sua recuperação me disse tudo o que seus lábios não
disseram. Suas ações sempre gritando mais alto que seus pensamentos.
Eu comecei com as perguntas e ela com as mentiras. Seus exames
sumiram, como móveis e objetos queimados em nossa casa. Augusta não
tinha causado o incêndio e eu sabia disso. Ela estava escondendo algo,
porque a minha intuição gritava dentro do meu corpo, embora não tivesse
evidência alguma.
Porque logo Augusta, que não gostava de nada escondido, escondia
até mesmo o mínimo sorriso.
Pisquei aturdido, desviando meus pensamentos pesados demais para
um Fabian que balançava a cabeça como se entendesse algo.
— Ok…
Abri a boca, buscando uma resposta coerente que fizesse sentido
para estarmos emocionalmente quebrados e carnalmente necessitados.
Porque era isso que explicava quando estava no mesmo local que ela, não
importava a merda que estivesse rolando.
Eu realmente não ligava em admitir que era fascinado pelo sexo
com Augusta, mas não sabia se Fabian queria ouvir isso.
Depois de alguns segundos, ele levantou as mãos em rendição.
— Então, qual o plano hoje?
Sorri perverso.
— Extrair informações.
— Como?
— Junte dois inimigos e verá a verdadeira amizade florescer.
Fabian gargalhou. Muito. Também tive que rir, porque era ridículo.
Mas eu conhecia Augusta demais.
— O que te faz pensar que ela irá me considerar um aliado? Ela não
devia ter você como um?
Dei de ombros.
— Ela já tem e todos sabem disso.
— Ainda não respondeu à pergunta do como eu serei seu aliado?
Fabian estava mesmo indignado. Quase desacreditado. Mas eu
confiava em seu bom coração, mesmo que suas palavras afiadas
machucassem muito mais do que poderia.
— Lealdade — disse simples, voltando para o centro, onde as
pessoas já se organizavam para o leilão.
— Jura?
— Ficará surpreso quando descobrir quem são suas melhores
amigas.
Fabian cerrou os olhos como se tentasse lembrar das vezes que viu
Augusta com alguém. Ri pelo nariz.
— Então, acha que ela me verá como aliado e irá confiar em mim
todos os seus segredos?
— Não, mas você pode ser uma boa desculpa para quando ela
precisar acusar alguém.
— Eu sou a moeda de troca?
— Sim.
— Obrigado por avisar, amigo — zombou.
— Temos que aproveitar a oportunidade. Agora, vamos que nossa
missão acabou de chegar. — Empurrei seu ombro, deixando nossos copos
em uma das bandejas de prata.
Caminhamos até o hall de entrada onde uma pequena comoção de
pessoas se agitava. Uma voz ao microfone sobrepôs a música agitada que
embalava o lugar, anunciando o começo do leilão.
Esperei alguns segundos.
E não esperei muito.
Porque lá estava ela, trajando um vestido com mangas longas preto
que cobria seu corpo até os joelhos, com uma gola larga, que mostrava os
ombros. O único problema era que a porra do vestido era praticamente
transparente, via sua pele quase toda. Engoli em seco, secando cada
centímetro de pele exposta.
Certo… Eu não a odiava, pelo menos não tanto. Pelo menos não
quando ela nos afastava. Pelo menos não quando vestia um vestido que
mostrava mais do que o necessário de sua pele beijada pelo sol.
Eu queria beijá-la também. Como o sol, em todas as partes de seu
corpo. As marquinhas brancas e finas em seu ombro me fizeram cerrar o
punho, imaginando como estaria embaixo.
Em momentos como esse, eu deixava a raiva de lado e apreciava
deliciosamente o êxtase que sua proximidade me trazia.
— Escorreu um pouco de baba aqui, irmão. — Fabian indicou o
canto da boca e empurrou meu ombro.
Inferno.
Augusta portava um largo sorriso, como se tivesse o mundo em
suas mãos. E talvez tivesse mesmo, porque eu daria a ela.
Nos aproximamos.
Vislumbrei a mão esquerda cheia de anéis cumprimentando alguém
que não me importei em ver. Faltava uma joia no seu anelar.
Estava enganado, ainda sentia raiva sim. Raiva porque não podia
tomá-la bem aqui.
— Se soubesse que seria tão bem recebida no hall, tinha demorado
mais — esse foi o seu cumprimento sutil para Fabian, que não se abalou,
apenas a olhou distraído.
— Achei que era um bom momento para começarmos o nosso
trabalho. — Augusta franziu o cenho, dobrando o pescoço. Depois me
direcionou seus afiados olhos, ignorando Fabian.
— Agora estamos trabalhando juntos? — Seu tom era irônico, e
estava banhado em ácido. Não demorei muito encarando seu rosto, não
queria me lembrar o porquê tinha ficado extremamente irritado e frustrado
por meus planos não terem seguido conforme tinha planejado.
Seria só mais uma frustração à enorme lista.
— Temos um acordo. — Me mantive impassível, sem dar nenhuma
brecha ao meu descontentamento. Augusta gargalhou e não se importou em
nos deixar para trás, Fabian me olhou divertido e acenou indo para outro
rumo. — Três cabeças pensam melhor que uma. — Acompanhei seus
passos com agilidade.
— Minha cabeça pensa melhor que três. — Augusta não me olhou,
mas sabia que tinha revirado os olhos, desfazendo do assunto.
— Concordamos em pôr Fabian.
— Não estou a fim de ver a cara de vocês mais do que sou
obrigada. — Virou o rosto para o lado me presenteando com um sorriso
falso.
— Você concordou — afirmei.
— Concordei, mas não disse que iria fazer parte. Eu só preciso estar
na reunião e dizer sim, certo?
Seus olhos foram como adagas e virei seu corpo, deixando-nos
frente a frente. Inspirei seu perfume gostoso e subi minhas mãos para sua
cintura, puxando-a para junto de mim. Esmagando nós dois em uma
proximidade que apenas sussurros eram suficientes.
— Cadê o seu anel?
— Acho que esqueci em casa.
Augusta cerrou os olhos, finalmente me encarando. O calor dos
seus olhos foi bem-vindo, como o repuxar perverso nos seus lábios. Meu
aperto foi mais forte, pois senti sua respiração falhar. Seu rosto estava longe
de sentir algum pingo de culpa, e o sentimento amargo da raiva se
apoderava dentro de mim, pelo vazio que inundou seus olhos, jogando para
fora o resquício de razão que me mantinha são.
— Quer algo grande o suficiente?
Minha pergunta a fez franzir o cenho por segundos e aguardei
paciente os seus lábios vermelhos me presentearem com o pior deles.
Mas ela não respondeu, apenas pegou a taça cheia que lhe foi
oferecida, e sorriu diabolicamente.
— Me marque como sua.
O lugar já estava bastante cheio e Augusta tinha sumido, não me
prestei a procurá-la porque sabia que logo a encontraria. Eu sempre a
encontrava.
E eu precisava de um tempo.
As tabelas de valores iniciais sobre as joias também já tinham sido
anunciadas e pelo que tinha entendido, só estavam esperando uma das
modelos chegarem. — Foi o que me disseram quando fui saber o porquê da
demora da merda do evento começar.
O burburinho de reclamação já estava chegando aos meus ouvidos e
sabia que a última coisa que os investidores presentes gostavam era da
demora. Então fiz o que pude para apaziguar o estresse; dei uma ordem
direta e grossa para que arrumassem qualquer pessoa, pois não tinha tempo
para enrolação e atrasos.
Eu tinha um pequeno palpite que ouviria muito sobre o modo como
tratei as organizadoras do evento. Sendo que elas eram amigas e escudeiras
fiéis de Augusta e provavelmente a minha situação com ela não melhoraria,
pelo menos não hoje.
Mas eu tinha resolvido o meu problema, porque após alguns
segundos, a voz grave de Alana no microfone anunciou o início do leilão.
Perfeito. Cerrei os olhos quando vi a cena mais bizarra possível, o
maldito Nikolai com a mão firme no pulso de Apolline. Não pensei dois
segundos antes de falar.
— Está tudo bem aqui?
Olhos arregalados me saudaram e Nikolai debochou com um
assovio baixo.
— Chegou quem não devia.
Franzi o cenho.
— Atrapalho algo?
— Sim.
— Não.
Falaram juntos e olhei para Polly em busca de respostas. Não era
porque não gostava do seu ex, chato, que não me importava em como o seu
futuro estava indo de mal a pior. Era como trocar seis por meia dúzia, com
uma pequena diferença de validade.
Eu estava sabendo sobre o possível acordo nupcial entre as duas
famílias, e isso não me fez feliz. Apolline era uma amiga querida que não
merecia ser fadada a tão pouco por seu pai.
Nikolai e eu tínhamos nos desentendido vezes o suficiente no
Instituto, e não fazíamos questão de esconder quão incomodados ficávamos
quando nos encontrávamos.
Estalei a língua.
— Não gosto de te ver rondando o meu espaço.
Nikolai riu em deboche.
— O salão é para todos, pelo que eu saiba.
Foi a minha vez de rir.
— Todas as pessoas que eu permitir entrar.
— Cuidado para não deixar entrar pessoas demais — debochou.
— Você devia ter cuidado onde pisa, Nikolai. Eu não me importo
quem é o seu pai.
Estalou a língua em outro deboche:
— Vejo que o reinado subiu rápido à cabeça.
— Você não sabe como…
— Ok, isso pode parar por aqui. — A voz de Apolline Phillips
quebrou a tensão, e desviei os olhos para um rosto trincado. — Não preciso
de um defensor e muito menos de um marido — a última palavra foi
direcionada a Nikolai, como se fosse parte de alguma discussão recente. O
mesmo se manteve imparcial.
— Vou me certificar de que algumas coisas não se repitam. —
Tentei ser o mais ácido possível.
— É claro que vai.
Apolline bufou alto e deu um passo para trás, se esquivando. Ela era
uma mulher alta, diria que um pouco mais do que Augusta, e pouquíssimo
menor que eu.
— Ah! Façam-me o favor! Cuidem de suas próprias coisas!!
E com isso partiu, como um furacão. Sem dizer mais nada. Eu sabia
que ela podia se cuidar, mas isso não significava que ninguém podia ajudar.
Nikolai, ainda sorrindo em deboche, apontou para a frente, onde o
leilão rolava a todo vapor.
— Devia mesmo cuidar das suas coisas.
Travei o maxilar, querendo descobrir o sentido da frase, o que não
demorou muito quando cerrei os olhos, sentindo meu sangue ferver quando
a iluminação do palco me mostrou o que realmente estava acontecendo.
Cerrei os punhos.
Porra.
Augusta estava no maldito palco com a porcaria de uma joia no
pescoço, pronta para ser a próxima mulher com o lance mais caro da noite.
Fechei os olhos, engolindo uma profunda respiração.
Uma risada vazia preencheu meus lábios.
Essa era a sua resposta. É claro que Augusta ainda estava jogando,
ela tinha acabado de declarar isso.
Ela queria ser marcada.
Sabia que meus passos estavam sendo observados, como minhas
próximas reações.
Eu gostaria muito de arrancá-la dali de cima, fazer um grande show,
agir como um homem das cavernas e rugir com quem tinha deixado isso
acontecer. Com quem tinha deixado a minha noiva subir naquela merda de
palco para acabar de vez com o meu juízo. Eu gostaria de colocar a culpa
em alguém pelas suas atitudes. Isso era muito mais fácil do que engolir que
essa cena era algum tipo de vingança e provocação. Eu soube disso no
momento que bati meus olhos nela.
Provavelmente entraríamos em uma espiral de disputa eterna e não
estava muito apto a compartilhar esse lado de Augusta. E eu até poderia
puni-la, como levantar a porra do seu vestido e lhe dar várias palmadas na
bunda.
Talvez eu não fosse tão evoluído assim.
Porra.
Eu queria mesmo seguir meus pensamentos. Queria mais ainda
terminar algo que estava inacabado há dias.
Ainda assim, me obriguei a manter cautela.
Peguei um novo copo com líquido transparente pela metade,
levando meu tempo até me aproximar do palco de fato.
— Não sabia que estava disposta a usar uma coleira.
Eu sabia que ela tinha ouvido, seu arquear de sobrancelhas me disse
isso. O repuxar de seus lábios foi um aviso.
— Talvez eu esteja a procura de uma.
Sorri.
— Se eu soubesse que preferia uma coleira a um anel, tinha
invertido os papéis.
— Talvez eu não esteja apta a compartilhar meus segredos mais
sujos.
Trinquei o maxilar.
— O que está fazendo aí?
— Expondo uma bela joia — veneno puro saía dos seus lábios.
— Desce daí.
— Não.
— Augusta-
— Você mandou que qualquer pessoa substituísse a modelo que
não pode vir — alfinetou e prendi os lábios
Porém, não parei.
— Devo levar isso como resposta? Porque eu não vou parar da
próxima vez. E eu vou lhe arrancar tudo.
Augusta ficou calada, e vi sua respiração acelerar. Suas mãos
cerraram em punhos e sabia que estava pensando.
Eu podia tirá-la dali, podia mesmo acabar com o evento e mandar
todos para casa. Primeiro porque o salão era meu, e por isso éramos sempre
os anfitriões, cedíamos há décadas o espaço para eventos do nosso meio,
mas a propriedade não deixava de ser nossa. E segundo, eu não me
importava de ligar o modo surtado e pegar o que queria.
Mas eu quis dar rédeas de um controle que não tinha para minha
querida noiva que não usava a porra do anel.
— É só comprar o colar.
Sorri sem mostrar os dentes
Compraria o colar e a foderia com ele.
LANCE DE OURO

Eu sabia exatamente onde estava me metendo quando me ofereci


para ser a substituta e usar um dos colares mais caros da noite. Sabia dos
riscos e que provavelmente seria outra atitude merda que tomaria. Sabia
mesmo. Mas eu já estava em um estágio que não ligava muito para as
consequências e só pensava no aqui e agora.
Estava pensando muito no agora. Muito mesmo.
Como agora que sentia todo o meu corpo em chamas e a minha
cabeça pensava em qualquer coisa, menos em ser coerente. Menos em ser a
mulher que tinha colocado uma faca no pescoço do rei.
Queria receber tudo o que Dominic me prometia a cada plaquinha
de lances que não era ele que levantava.
Eu senti o seu ódio, senti o que estava prometido desde o maldito
noivado. Senti que daquela vez ele não me pouparia. E estava feliz com
isso, porque era exatamente o que desejava. Era exatamente o que
procurava.
Merda, eu devia parar, devia ficar quieta e seguir o plano. Devia
ficar longe e manter a minha boca fechada porque era sempre um risco ficar
perto demais dele. Mas eu não conseguia resistir. Não conseguia não o
provocar. Não conseguia não testar seus sentimentos por mim.
Dominic não deu o primeiro lance.
Nem o segundo.
Na verdade, os lances sobre o colar que usava subiam rapidamente
e eu não me assustava com isso. Eu tinha noção do que era ter a
oportunidade de ter mais do que três minutos na minha presença, porque a
chance de um parceiro ou um investimento sempre batia na porta, o que não
deveria me incomodar.
Mas me incomodou.
Eu não queria que outra pessoa desse lance, não mesmo. Na
verdade, isso me irritou exageradamente. Dominic não estava dando
nenhum lance, ele estava somente ali sentado na banqueta alta, me
observando com plena atenção enquanto vários lances eram dirigidos ao
colar que eu usava, o colar que a sua noiva usava.
Merda, eu era sua noiva, por que ele não estava fazendo nada?
Agora eu também estava com raiva. Muita, na verdade. Sentia-me
borbulhando. Raiva porque Dominic não estava comprando o maldito colar
que estava em meu pescoço. Era para ele estar com raiva. Idiota prepotente.
Merda.
Esperei mais um lance, quase trezentos mil pelo colar de pérolas.
Todos pareciam muito animados e alheios à minha guerra interna. Alheios
ao cão de guarda que tinha plantado uma cadeira no centro do salão, quase
encostado na plataforma que estávamos. Mudei o peso do meu corpo de
perna. Ansiosa. De repente, estava ansiosa para que tudo acabasse logo.
A plaquinha de um novo lance foi levantada e curiosa para ver
quem era, franzi o cenho para um Nikolai que olhava fixamente para
Dominic, que já não tinha o sorriso sarcástico nos lábios.
Agora Dominic não parecia ser tão evoluído assim, porque sua
expressão tinha mudado e algo bom não viria. Engoli em seco quando a
ansiedade me comeu e a última plaquinha de lance foi dada. Aplausos e
murmúrios surpresos se espalharam. Ele acabou com o jogo.
Dominic tinha dado o último lance.
Um lance de quinhentos mil.
Merda. Eu não estava tão certa quanto às minhas ações de segundos
atrás, não mesmo. O olhar de promessa que recebi quando Dominic subiu
ao palco para receber a peça me disse isso. Um sorriso largo banhou seu
rosto e meu pescoço pegou fogo quando seus dedos rasparam a pele por
baixo do colar.
— É um belo colar, espero que sirva como uma boa coleira, já que
um simples anel de noivado não é suficiente.
Engoli em seco, meus olhos estavam vidrados nos seus
movimentos. No leve roçar dos seus dedos em meu pescoço. Eu estava tão
fodida.
Mantive-me parada, enquanto meu noivo agradecia pela joia. Eu
podia fazer isso, ficar alguns minutos parada pensando nos meus próximos
passos. Parecia uma atitude inteligente.
Alana logo anunciou o valor arrecadado e agradeceu aos
representantes pelas joias doadas. Dominic tomou o lugar à minha direita,
amassando meus quadris com os seus, e permaneci parada, ouvindo as
lindas palavras de Alana, que me pareceram muito mais interessantes do
que encarar o problema ao lado. Um problema que eu mesma tinha criado.
O que não deu muito certo. Os dedos de Dominic apertaram minha
cintura e mantive meus olhos no público. Eu ainda não estava pronta para
descer da plataforma. Ainda não podia. E Dominic notou isso.
— Uma hora vai ter que descer daqui — sussurrou no meu ouvido,
e senti seus lábios molhados demorando ali. — E quando descer… — sua
risada foi ácida. — Vou estar esperando.
E eu acreditei nele.

— Acha que isso vai funcionar para sempre?


— Para sempre não, mas o suficiente.
Polly terminou de colocar as identificações nas últimas duas
caixinhas que portavam umas das joias leiloadas na noite.
— É em momentos como esse que temo pela nossa sociedade.
— Não estou fazendo nada de mais.
Cerrei os olhos, desviando a atenção da última joia que ainda não
estava embalada para encarar o seu rosto divertido. O que ela achava
bagunçado, eu achava perigoso.
— Pelo menos não sou eu que fico me escondendo do meu próprio
noivo nos bastidores do evento — continuou.
— Eu não estou me escondendo, estou guardando as joias.
Poderia ter solicitado para qualquer uma das meninas fazer isso,
mas me pareceu uma ótima oportunidade de sair do palco e ter que guardar
as peças leiloadas. Eu tinha um rumo e tinha que cumpri-lo. Não ia ficar à
mercê de ser abordada a qualquer momento.
E, bem, embalá-las para serem entregues aos seus donos não estava
sendo ruim, só a que estava usando que não tinha guardado, pois, bem… Eu
era a dona.
— E precisa de mim?
— Duas pessoas trabalham melhor que uma.
— Admite que estou como escudo humano. — Eu não sabia se ter
Polly ali adiantaria alguma coisa, mas já era uma distração para um escape
rápido se eu precisasse fugir de abordagens desagradáveis de pessoas que
não queria ver agora. Principalmente depois do pequeno show que demos.
Eu sabia que a conta ia chegar.
— Eu odeio você. — Apontei o indicador em acusação, e foi a vez
de Polly revirar os olhos. — Ok, agora podemos ir.
Tranquei a sala que era mantida como um espaço privado e vigiei
mais uma vez o corredor antes de seguir para o salão, onde ainda se ouvia
um número considerável de pessoas.
— Vou ficar com a chave da sala onde as joias estão, mande me
procurar para que eu faça a retirada.
— Sim, senhora — debochou e coloquei a chave por dentro do
decote. — Estou dispensada dos meus serviços de segurança?
— Engraçadinha. — Entrelacei nossos braços, Apolline ainda era
alguns centímetros mais alta do que eu, e como os saltos no pé eram
recorrentes, nossa altura sempre entrava em harmonia.
Uma música ambiente nos saudou no segundo piso e logo alcancei
a localização do meu intitulado noivo. Dominic estava conversando com
uma mulher de vestido vermelho brilhante e saltos agulha, arqueei as
sobrancelhas para a interação íntima demais.
Karen Smith. Amargura encheu minha boca, e travei a mandíbula
tentando amaciar meu coração que começava a disparar em ansiedade. Uma
atitude de merda para uma cena de merda era o que eu faria. Idiotas do
caralho. Cerrei os punhos, deixando a raiva me dominar.
Estalei a língua me virando para Polly:
— Na verdade, tenho mais um serviço para essa noite.
Surpresa, por eu continuar um assunto que já deveria ter passado, a
fez cerrar os olhos desconfiada quando mirou o meu foco.
— O que está pensando?
Fingi um sorriso inocente:
— Apenas fale para Dominic que estou esperando por ele na sala de
recepção.

Esperar não fez bem para minha imaginação, muito menos para
minha raiva. Imaginei perversas formas de afogar Dominic na pia do
banheiro. Acho que não tinha se passado mais de cinco minutos que vi
Polly falando com Dominic, mas ele não precisava mais do que isso para
me encontrar. Que merda.
Do lado de dentro do banheiro privado, que estava no mesmo
corredor que a sala onde tinha colocado as joias há pouco, onde também
tinha mais três portas destinadas à recepção e salas reservadas, eu escutava
com atenção os barulhos do corredor. Me sentia uma criança fazendo arte.
Suspirei. Foda-se o que estava parecendo, queria esganar Dominic.
Um leve arrastar de passos me fez entreabrir a porta. Lá estava ele.
Esperei que entrasse no cômodo para seguir o plano. Eu até tinha pensado
em trancar e deixá-lo ali até que tudo acabasse, mas sabia que ele também
tinha as chaves, então não resolveria muita coisa. Resolvi ir para o meu
segundo plano, provavelmente o mais falho, mas que iria me satisfazer, por
ora.
Dominic entrou e segui logo atrás. Seus olhos logo me captaram
quando fechei a porta atrás de mim. Não tinha muitos móveis; apenas um
armário de madeira que cobria uma parede, sofá branco de três lugares, dois
puffs, e uma mesa de vidro. Eram salas usadas para uma reunião rápida, um
lugar de recepção ou descanso, não tinha uma função específica.
— Você chama e eu venho — estalou a língua.
Arqueei as sobrancelhas em uma acusação.
— Demorou.
— Estava contando os minutos?
— Você não? — Foi a vez dele arquear as sobrancelhas. — Ou
estava ocupado demais?
E não demorou muito para Dominic perceber sobre o que eu estava
insinuando. Um sorriso nada amigável pintou seus lábios.
— Isso é algum tipo de ataque?
— Por que seria?
Dominic caminhou a passos distraídos para uma cadeira que estava
perto do sofá, sentando. Arrastei meus pés para perto, diminuindo o espaço
entre nós.
— Está sempre armando algo.
Estalei a língua, sorrindo
— Eu só gosto de relembrar algumas coisas. — Mordi o lábio
inferior, apoiando minhas mãos em seus ombros.
— Quais coisas? — Seus olhos eram fatais, e me senti anestesiada
por receber sua intensidade direto no ventre.
— Algumas coisas sobre tocar em corpos alheios.
Dominic engoliu em seco, e dessa vez sussurrou:
— Eu preciso que seja mais clara.
Sorri diabolicamente.
— E eu preciso que entenda que se não for eu, ninguém tocará em
você.
A sua risada baixa fez meus pés se encolherem. Nossos rostos
estavam muito perto, e sua mão foi ágil em me puxar para baixo. Para o seu
colo.
— É?
Minha respiração ficou pesada. Balancei a cabeça, sendo presa pela
intensidade do rio petróleo, que fazia minhas pernas se esfregarem uma na
outra.
— Isso me soa um pouco possessivo — sussurrou.
— Eu não me importo — soprei seus lábios e senti suas mãos
serpentearem em minha cintura, depois minhas coxas.
— Isso é um sim?
— Você vai descobrir.
E suas mãos não perderem tempo, senti seus dedos dedilharem
minhas costas e a tensão se acumulou no meu ventre. Queria me esfregar
em Dominic sem pudor, sem nada. Queria montá-lo e dar fim a agonia que
já ameaçava transbordar no meio das minhas pernas.
— Mas você sabe as regras — sussurrei com dificuldade e logo
suas mãos deixaram meu corpo. Meus lábios repuxaram em um sorriso
malicioso. — Vamos brincar…
Beijei seu pescoço, sua nuca, suas bochechas, e me levantei devagar
passando minhas mãos por seus braços que tentavam ficar estáticos. Passei
a mão por eles, levando-os para trás do seu corpo.
Dominic cerrou os olhos para o meu movimento, mas não disse
nada, apenas observou atento enquanto amarrava seus pulsos com uma
gravata que tinha achado no armário. Sabia que não seguraria Dominic, mas
devia ser o suficiente para o conter por alguns segundos. O tecido podia ser
fraco, mas o nó era perfeitamente bom.
Passei minhas mãos por seus quadris, pela sua ereção, suas coxas, e
subi raspando as unhas em sua barriga. Rebolei em seu colo e Dominic
fechou os olhos quando lambi toda a extensão do seu pescoço, provocando
arrepios e uma ereção que cutucava descaradamente minha bunda. Soprei
sua boca e passei a língua por cima dos seus lábios.
— Gosta da sensação, noivo? — Coloquei a mão sobre o seu pau e
o apertei. Seu sorriso sacana foi a resposta. — Gostaria da minha boca nele?
— Dominic grunhiu arrepiando os pelinhos do meu braço.
Os orbes pretos pegaram fogo.
— Me chupa — era um tom de ordem, e eu faria como uma boa
moça se não estivesse com raiva. — Me mostra como essa boca mentirosa
pode ser boa, bruxa.
As batidas do meu coração doeram e trinquei o maxilar com fúria.
— Eu podia fazer isso, amor. Seria tão bom — sussurrei, lambendo
o seu maxilar. — Eu provaria tudo como uma boa garota.
— Faça.
Passei o polegar por seus lábios molhados e sorri.
— Da próxima vez que pensar em querer outra mulher, ficará sem o
pau.
Então saí do seu colo e me apressei a abrir a porta. Segundos.
Segundos para ele perceber que não íamos finalizar. Segundos para ele abrir
os olhos e me prometer coisas que não sabia explicar, somente sentir direto
na minha boceta.
Dominic não demorou a arrastar sua cadeira e se livrar do nó, mas
eu já estava fechando a porta na sua cara. Sabia que não ia conseguir trancar
como tinha pretendido, mas ele ficaria doido e eu me retiraria, deixando que
surtasse sozinho.
Saí depressa, indo direto para o meu lugar de origem por falta de
tempo, mas não consegui fechar a porta do banheiro quando um sapato
masculino impediu o movimento.
Dominic tinha corrido? Arregalei os olhos.
— Por acaso está correndo de mim, bruxa?
Sua voz estava mais rouca que o normal, e perceber isso fez com
que segundos fossem o suficiente para Dominic adentrar o banheiro.
— Por que eu correria de você? — Percebi que a minha voz estava
falha, como o meu coração acelerado que avançava em uma expectativa
fodida.
— Talvez porque tentou me trancar em alguma sala vazia?
Engoli em seco, tomando ciência do espaço entre nós. Dominic
fechou a porta. Estávamos sozinhos, trancados em um banheiro.
Inspirei inconscientemente o seu perfume.
— Pense o que quiser.
Dominic riu, uma risada sem som e encharcada de intenções. O
meu coração corria em um desenfrear incontrolável, e de repente semanas
de promessas e provocações pesaram, eu soube que não podia correr, não de
Dominic.
Não da sensação de querer estar perto e me consumir por inteira. E
percebi novamente que queria demais isso. Deixar o corpo dominar a mente
e afogar-me nele o suficiente para não precisar ser coerente.
Ergui o queixo.
— Então me foder em um banheiro será o suficiente?
Sua risada reverberou e ali eu soube que o meu corpo pegaria fogo
ao menor toque de seus dedos. Era sempre assim, não importava quanto
tempo passasse, o meu corpo ainda era totalmente rendido por ele.
— Claro que não, mas…
Engoli em seco, muito concentrada em seus passos. O banheiro não
era tão grande assim, na verdade, agora ele parecia muito pequeno. Muito
mesmo.
— Mas não consegue deixar passar uma boa oportunidade. — E eu
não queria que ele deixasse.
Então novamente Dominic riu e tive que me esforçar para não
apertar minhas coxas uma na outra. Porra, eu iria arrancar esse maldito
sorrisinho.
— Ainda está fugindo… — cantou, estalando a língua.
Inconscientemente, meus passos foram para trás e a pedra fria recebeu meus
quadris. Apertei com força o mármore. Maldita expectativa.
— E você ainda está correndo atrás. — Seu corpo estava muito
perto do meu, seus braços me prenderam e não tentei fugir. Hoje eu não
queria fugir, mas poderia fingir por mais alguns minutos.
— Perdeu a coragem?
Engoli em seco e sua respiração mesclava junto à minha.
Minha respiração estava pesada, e Dominic não teve dó quando
apertou meus quadris. Não mesmo, pois senti o seu aperto não só na minha
cintura, mas diretamente no meio das minhas pernas.
— Não me fale que perdeu a língua também… Ela é tão boa.
Mordi os lábios, prestando muita atenção em cada palavra que saía
de sua boca.
— Já jogamos a noite toda, ainda quer continuar? — As mãos de
Dominic vagaram pelo meu corpo, traçando as minhas costas cobertas pelo
tule preto. Arquejei pelo contato, a respiração cada vez mais alta e
dificultosa.
— Talvez — sussurrei e senti que por pouco a minha voz não saía.
— Talvez eu ainda esteja decidindo…
Dominic enfiou a mão em meus cabelos, direcionando meu rosto
para o seu. Engoli em seco.
— Então é melhor decidir rápido, porque não temos muito tempo
amor.
E sem qualquer aviso, tomou minha boca, me deixando sem reação.
A sua língua passou pelo meu lábio inferior, acariciando cada
molécula existente no meu corpo. Fazia tempo. Tanto tempo. Eu fugia dos
beijos de Dominic, fugia da vontade iminente de querer me afogar neles,
porque seus beijos molhados e quentes faziam qualquer barreira dentro de
mim ruir. Quebrar. Estilhaçar. Derreter.
Eu estava derretendo, o carinho da sua língua estava sendo sentido
em cada maldito átomo do meu corpo.
Eu estava em chamas.
Retribuí o beijo, descontando cada frustração que tinha se
acumulado durante a semana. Beijar seus lábios era gostoso pra caralho, a
maciez me fazia salivar por mais, e a ânsia em devorar cada pedacinho que
era cedido a mim me deixava tonta. Porque eu queria mais e mais e mais.
Estava me perdendo em seus lábios. Me perdendo dentro do sabor de casa
que a sua língua me trazia, cada vez que um canto da minha boca era
explorado.
Suspirei quando Dominic mordeu meus lábios inchados.
Senti o aperto em meu cabelo mais forte e esfreguei minhas pernas
em reflexo. Sua ereção se fazendo notar. A mão livre de Dominic levantou
meu vestido e arfei em sua boca.
— Que beijo gostoso, pequena bruxa — sua voz sussurrada fez
meus pelinhos arrepiarem. — Será que a sua boceta é tão gulosa quanto a
sua boca?
Balancei minhas pernas, inquieta, a sua mão serpenteava meus
quadris, provocando meus sentidos e me levando à loucura. Eu queria seus
dedos dentro de mim, não fora me provocando.
— Não vai falar nada? — Um tom divertido pintava sua voz, e
quase bufei quando seus dedos passaram por cima da minha calcinha.
— Não estou com paciência para… — Dominic afastou a calcinha,
lambuzando dois dedos na minha vagina molhada. Enfiei minhas unhas sem
dó em seus braços — provocações.
— Então, hoje seremos produtivos? — O tom de afronta não
abandonou sua voz e Dominic não encontrou resistência quando afastei
mais minhas pernas para que ele entrasse sem nenhuma dificuldade.
Eu queria falar, mas temia pela minha voz, estava embriagada o
suficiente para dizer ou fazer qualquer coisa que ele pedisse. E ele sabia
disso. Sabia tanto que seu sorriso perverso brilhou no meu íntimo e senti as
minhas entranhas entrarem em colapso.
— Poderíamos ser produtivos se você falasse menos — Dominic
riu. Merda, ele estava rindo enquanto eu queria um orgasmo. Fechei os
olhos. Suas mãos me seguravam de todas as formas possíveis. Ele sempre
me segurava.
— Eu tenho dívidas a cobrar, amor. — Sua voz rouca se infiltrou
em mim, do mesmo jeito que a sua maldita mão provocava entrar.
— E eu tenho lugares a aliviar. — Minha voz quase não saiu. —
Então, eu peço que pegue essas dívidas e enfie elas no meio do seu-
Arfei quando Dominic calou a minha boca com a sua novamente, e
dois dedos invadiram sem dó a minha boceta. Não sabia dizer onde mais me
afligia. Se nos seus dedos entrando cada vez mais em mim, fazendo-me
pingar e queimar por mais, ou na sua boca que me tirava o ar, sugava tudo
de mim, inclusive meus pensamentos.
Porque tudo que eu era, era ele. Dele. De Dominic. Dominic
Clifford.
Com apenas um toque todo o meu mundo colidia, liquefazia, como
um toque psíquico, onde todo meu ser se derretia ao menor contato. Porque,
no fundo, eu sabia, sabia que Dominic não faria nada menos que o que eu
queria. O que nós queríamos.
Sentia a minha boceta latejar quando seu polegar pressionava meu
clitóris, apertando tudo em mim. Inclusive a minha mente.
Com Dominic introduzindo mais um dedo, gemi em seus lábios,
rebolando e esfregando na sua mão, buscando com afinco minha libertação.
Queria o seu pau, não a sua mão, mas no momento estava perdida pela
possessão do seu corpo contra o meu.
Os beijos de Dominic desceram pelo meu colo, subindo na minha
garganta e parando no meu ouvido.
— Quero te ver somente com esse colar no corpo.
Eu também queria.
Dominic desceu a gola do tule, e o tecido chiou com a pressão.
— Meu vestido…
— Seu vestido já cumpriu sua missão de me deixar louco.
Mas Dominic entendeu que não seria tão simples arrancar a roupa
de mim, e seus olhos cerraram em uma malícia descarada.
— Mas posso lidar com isso mais tarde quando você não precisar
de uma roupa para ir embora.
Ele apertou meus seios por cima do tule, e quase gritei desesperada
quando mordeu a pele que não estava coberta pelo corpete. Seus dedos
cruéis torceram dentro de mim, me tirando espasmos e gemidos.
Eu estava perto, muito perto do abismo de prazer que pegava fogo e
queimava meu corpo dos pés à cabeça. Enfiei minha mão no cabelo de
Dominic, apertando com força sua nuca, tentando me segurar em algo
concreto. Porque o meu ser estava caindo e flutuando cada vez mais alto.
Dominic não reclamou quando minhas unhas deixaram marcas no seu
bíceps, ou quando mordi a sua mão no meu pescoço que me paralisava no
lugar.
Seus dedos tentando conter minha respiração e minhas unhas
tentando contra sua pele, que ficará vermelha e marcada com toda certeza.
Então bateram na porta e quase gritei novamente. Porra.
— Dominic? — O próprio mordeu meus lábios e apertou meu
corpo contra si, paralisando por completo sua mão na minha boceta. Apertei
minhas pernas. — Dominic? — chamou de novo e esfreguei as pernas,
buscando atrito.
— Sim? — Uma voz rouca e firme soou, e fuzilei seus olhos em
uma ordem clara. Era para ele calar a merda da boca e continuar o serviço.
Então seu polegar circulou lentamente o meu clitóris e os dedinhos dos
meus pés retorceram.
— Que bom que está aqui. — A voz era familiar, mas não me
esforcei para identificar. — Acho que a sua noiva foi embora, e precisamos
entregar as joias. E como você tem todas as chaves, pensei se poderia abrir
para nós.
A chave. Merda.
— Ah, claro, claro. Só um minuto que já irei.
— Um minuto? — sussurrei e tenho certeza que saiu como um
grito. Mas Dominic voltou a movimentar seus dedos e a onda potente que
ameaçava me engolir fez tremer o meu corpo todo.
— Sem problemas, estarei esperando aqui.
— O QUÊ? — Dominic tampou minha boca com a mão que não
estava dentro de mim e tentei morder sua palma quando diversão perpetuou
pelos seus olhos petróleos. Eu já estava ficando irritada. Irritada por não
conseguir a merda do orgasmo.
— Shiii! — Fez sinal com o dedo indicador sobre os lábios e fuzilei
esse dedo que estava me mandando calar a boca. Algo em seu rosto brilhou.
— Lembre-se de que há alguém nos escutando…
Com o coração batendo forte e acelerado, observei Dominic arrastar
sua mão livre pelo meu pescoço, descendo pelo meu corpo e parando na
minha coxa. Engoli em seco quando seus joelhos foram ao chão, e paralisei
fascinada pelos seus olhos que me diziam quão gostoso estava, e quão
faminto Dominic se sentia pelo meu corpo. Faminto por me tomar tudo. E
eu daria para ele.
Dominic terminou de tirar a minha calcinha, e apertei minhas
pernas de modo inconsciente, buscando atrito quando sua mão me
abandonou. Fui repreendida com um tapinha na minha intimidade, e logo
ele soprou a pele sensível.
Estava gotejando, sentia meu líquido escorrendo pelas minhas
pernas e só mais um pouco transbordaria.
Fiquei feliz que ele não brincou comigo e lambeu toda a minha
intimidade, causando colapsos no meu organismo por ter a melhor boca tão
perto de mim. E fiquei ainda mais feliz quando seus dedos castigaram mais
ainda minha boceta molhada e faminta.
Dominic chupou minha boceta e senti como se estivesse chupando
minha boca. E do jeito que apertava minha coxa, podia provar seu desejo de
engolir e devorar cada maldita parte do meu corpo. Porque eu queria o dele.
Queria chupá-lo e beijá-lo até que estivesse exausta. Até que nada e nem
ninguém assombrasse a minha mente.
Era gostoso, intenso e via meu mundo girando e girando e girando.
Todo meu corpo tremeu e eu precisava de apoio, mordi com
intensidade a minha mão quando me sentia torcer por sua língua gostosa.
Meu fôlego estava indo embora e tudo se tornou distorcido.
Gemi seu nome e o seu aperto me jogou do precipício.
Uma ânsia violenta de prazer me atingiu, e eu soube que estava
caindo. Me despedaçando. O êxtase me embriagou, me arrastando em uma
nuvem leve e feliz.
Parecia paz. Quase. Isso era o céu.
Ainda com cada fibra do meu corpo tremendo e sensível, Dominic
continuou me acariciando com a sua língua. Depois beijou todas as minhas
dobras, o interior das minhas coxas e cheirou a minha pele.
Um brilho de vitória lampejava seus olhos quando meu noivo
visitou todas as partes do meu corpo e chegou até a minha boca, me
beijando, me deixando totalmente mole e fraca.
— Que gostoso, bruxa — sussurrou nos meus lábios, sorrindo
satisfeito, então pegou minha calcinha e pôs dentro do bolso. — Isso fica
comigo.
Engoli em seco, ainda anestesiada da sua boca. Sua expressão era
tranquila e nenhum rastro do Dominic cruel que tinha criado estava ali.
Eu quis abraçá-lo. Quis afundar meu rosto em seu peito e pedir
desculpas por destruir seu coração. Estava com saudades. Porque por mais
que nossos corpos estivessem juntos, nossas almas estavam mais distantes
do que nunca.
Então a raiva me embalou. E não soube identificar se estava brava
por ter deixado Dominic ir embora ou por ter pensado que o momento
duraria para sempre.
APRESENTAÇÃO

5 anos atrás

— Você tem certeza que quer fazer isso?


Dominic encarou meus olhos, me dando uma última chance. Franzi
o cenho e passei os dedos por suas sobrancelhas, também franzidas.
— Pelo amor de Deus, pare com isso, não estamos indo roubar
nenhum banco.
Dominic levantou as mãos em rendição, desistindo de vez.
— Você que manda. — Caminhei na frente, decidida a pôr em
prática tudo que a minha mãe reclamava no meu ouvido sobre postura.
Hoje seríamos o entretenimento da noite, todos os olhares estariam em nós.
É claro que eu queria fazer isso, esperei malditos anos por esse
momento e estava ansiosa por ter um namorado ao meu lado. Ansiosa para
um caralho. Era a primeira vez que íamos nos apresentar como um casal,
pelo menos, oficialmente, já que nunca nos desgrudamos nos bailes.
Já estávamos na metade do ano letivo, e as coisas estavam mais…
intensas. Para não dizer loucas. Dominic acompanhava a turma com rapidez
e sempre estudamos juntos. Ele não tinha medo de ir atrás de respostas. Eu
gostava disso. Gostava da sua persistência e coragem para encarar tudo sem
medo de errar.
Aos dezenove anos, tínhamos idade suficiente para beber
socialmente, já podíamos estar em grupos sociais de adultos. Isso
significava que nenhum adulto teria filtro em suas conversas ou palavras,
não sei se isso me assustava ou deixava feliz por não precisar fingir que não
tinha ouvido determinadas conversas atrás da porta. Antes de completarmos
dezoito anos, éramos crianças, agora somos adultos. Ou em parte. Isso
soava estranho, em comparação não via nenhuma mudança em mim
mesma.
Ao contrário de Dominic, que a cada tempo que passava, me
apaixonava novamente por cada detalhe diferente. Ele estava se tornando
realmente um homem e isso fazia minhas bochechas aquecerem cada vez
mais, e deixava minha mente viajar pela ideia de nós dois juntos.
Para infelicidade ou felicidade das minhas amigas, ainda era
virgem. Isso não me incomodava, Dominic não me pressionava e sentia que
poderia manter para sempre nossa relação sem sexo que ela nunca esfriaria.
Mas muitas, muitas vezes não conseguia não me deixar levar. Éramos
quentes. Beijar Dominic era quente, e não podíamos evitar mãos bobas e
salientes rolando entre nós. Então, pensamentos de nós dois juntos
começaram a ser frequentes, meu desejo por mais era frequente.
Eu estava pronta, mas não sabia como falar.
Agarrei a mão de Dominic, esperando que nossas mãos ficassem
assim pelo resto da noite, e entramos no Salão Dourado que estava
impecável com seus lustres gigantes, pintura elegante e uma organização
dos deuses.
— Sinistro — Dominic sussurrou no meu ouvido e apertei sua mão
quando fomos saudados pelo prefeito, Wilson. Sua esposa apertou meus
ombros, me desejando boa-sorte.
— Eu diria diferente.
— Nossos significados de diferente são diferentes — Dominic riu
no meu ouvido e o arrepio delicioso na nuca foi bem-vindo. — Mas
certamente nunca irei me acostumar com isso.
— A gente se acostuma com tudo, com coisas boas e ruins. E tenho
certeza que ser a pessoa mais importante da festa é definitivamente uma das
coisas boas.
— Mas não deixa de ser estranho — sussurrou e concordei com um
leve sorriso.
— Meus pombinhos apaixonados — Martinez veio até nós e
seguimos seus passos, depois de ele ter acenado com a cabeça para uma
mesa com mais dois casais. Os dois homens eram também membros da G5
Martinez exercia muitas vezes o papel de tutor de Dominic, apesar
de seu avô fazer questão de estar presente em grande parte das atividades do
neto, o homem sempre arranjava um jeito de estar mais presente. Eu ficava
feliz por Dominic ter alguém que o orientasse, apesar de ele querer de
forma intensa que eu fizesse parte dessa orientação.
Para infelicidade dele e minha alegria, eu tinha uma mãe presente,
então grande parte das coisas que ele me dizia, saía pelo outro ouvido.
Sentia que às vezes Martinez queria me controlar, e a minha mãe estava me
fazendo uma mulher que buscava pelo controle. Era difícil aceitar mais do
que a ordem dos meus genitores. Meus pais que não me ouçam, mas era
parcialmente grata pela dureza na nossa criação.
— Vejo que está se ambientando e se moldando cada dia mais aqui.
Não tem outra palavra a não ser orgulho. — Garcia, um homem careca e já
na casa dos quarenta, sorriu.
— Eu faço o que posso — Dominic, com sua fala humilde,
respondeu. E arqueei as sobrancelhas, encarando os quatro rostos que nos
observavam atentamente.
— Dominic é brilhante em tudo que faz — completei com um doce
sorriso para o meu namorado, que olhou para mim com os olhos também
brilhando.
— Com a melhor ao meu lado, não há como errar — sua declaração
fez algumas sobrancelhas arquearem, como se uma conversa interna fosse
revelada. Meu coração saltou e apertei as mãos de Dominic, tensa.
— Com certeza você tem uma muralha ao seu lado, Dom —
Gonzales disse rindo, insinuando algo que não consegui pegar.
— Uma Vendetta pode ser uma pedra no seu sapato ou a sua melhor
chance de uma noite agradável — Martinez poderia estar falando da minha
mãe, e nojo me embalou, me despistando da minha concentração na nossa
conversa.
Ninguém liga se os seus sentimentos estão sendo feridos, a voz da
minha mãe ecoa, e o nó na minha garganta se desenrola.
— É o peso de ser uma Vendetta — forço um sorriso e as mãos de
Dominic apertam as minhas, me dizendo que ele está ali.
Mas eles ignoram a minha apreensão e uma mulher ao lado de
Gonzales, Clara, de cabelos escuros e olhos grandes, despeja seus planos
em cima de nós:
— Esse final de semana seria perfeito para receber vocês em nossa
casa, deviam aproveitar que é feriado.
— Isso é uma ótima ideia, Clara — Martinez sorriu para nós,
querendo nossa aprovação.
— Sim, aposto que Francesca gostaria de ter você lá. — Ela era tia
de Fran e não me lembrava da última vez que a minha amiga tinha falado
sobre ela.
— Isso é perfeito, irei providenciar logo a chegada de vocês —
Martinez se empolgou, tomando nossa decisão, e algo amargo encheu
minha boca.
Então, em um rompante, a nossa presença já estava mais do que
marcada sem termos dito nada. Franzi o cenho. Aposto que seria bom
passar o fim de semana com Dominic na casa do lago. Mas eu não era
muito adepta a ordens, e Martinez parecia querer exercer isso sempre que
nos via.
— A gente não vai. — Tentei ser simpática. Tentei.
A cara dele não foi muito boa, e quase me senti mal por Dominic.
Que, por sinal, se mantinha calado e observando tudo. Pelo menos estava ao
meu lado, esperava.
— Como?
— Tenho um concerto nesse final de semana e a minha mãe não me
deixaria perder por nada. — Isso foi horrível. Mas não era uma mentira,
meus pais não me deixavam viajar sozinha. Minha casa, minhas regras,
palavras deles. Não que isso me impedisse de sair e fazer as minhas coisas,
mas pareceu a desculpa perfeita no momento.
Martinez zombou.
— Não se preocupe com isso, irei conversar com Marcella e tenho
certeza que vocês irão fazer uma ótima viagem-
— Não se incomode, mando notícias antes de quinta.
Pronto. Arrastei Dominic para longe, assim que seus passos
cederam ao meu lado. Ser arrastada por um primeiro convite não estava nos
meus planos.
— Uau, posso ter um segundo para anotar esse passo?
— Não seja ridículo — suspirei audivelmente. O nervosismo
passando assim que estávamos fora de alcance. — Desculpa, eu fui
horrível, Martinez é sua família e-
— Ei, não precisa se explicar — e ali estava, aquele tom doce que
eu tinha aprendido a amar. Sua mão passou por minhas bochechas. — Tudo
bem, às vezes eu também me irrito com ele.
A culpa ameaçou se instalar. Não queria ser um empecilho em suas
relações.
— Mas aposto que não se exalta na frente de qualquer pessoa ou é
mal-educado — falo um pouco rabugenta e um sorriso cresce.
— Não pode me culpar por eu ser uma pessoa genial sobre o
controle de emoções.
— Você devia me ajudar nas minhas emoções, somos mãos duplas,
esqueceu?
— Ah, claro que não, como poderia esquecer das nossas mãos
duplas? — Seu tom de malícia não passou batido e seus olhos me
prenderam por segundos. E fácil assim, eu ficava quente, esquecia dos meus
problemas, bastava seu olhar para tudo ficar bem.
Limpei a garganta, querendo ao mesmo tempo falar que estava
pronta para o nosso próximo passo e prolongar a conversa sobre como a
situação me incomodava.
Fui pelo caminho mais fácil.
— Não sei, algo me incomoda sempre que suas ordens chegam até
nós. — Passei meus braços pelos dele e iniciei uma caminhada lenta pelo
salão. Avistei meus pais logo à frente e meu coração bateu mais vezes que o
necessário. Isso era tão estranho, eu com um garoto e eles no mesmo lugar.
— Consegue me dizer o que exatamente?
— Não. — Estava um pouco frustrada, era como um sexto sentido.
— Então, quando souber me conta, estarei aqui para te escutar —
seu sorriso abriu o enxame em meu estômago.
— Ok — sussurrei, sabendo que ele ouviu. A poucos passos já
poderíamos ouvir o que meus pais conversavam.
— Então temos um concerto esse final de semana? — Dominic
continuou o assunto e ri pelo nariz.
— Se passar algumas horas dentro do meu quarto de música valer
— zombei. — Então, sim.
O máximo que poderia fazer parecido com a desculpa que dei era o
que sempre fazíamos: passar algumas horas sozinhos ao som dos meus
compositores favoritos.
— Eu adoraria te ver tocar para mim.
— E eu amaria poder tocar para você.
Algo implícito e silencioso nos sondou, seus olhos me estudando e
traduzindo um milhão de indiretas que minha boca queria soltar. Queria
tanto beijá-lo. Queria que a sua boca beijasse todos os pedaços do meu
corpo. Suspirei quando seu sorriso mudou. Não era inocente e nem gentil.
Tinha algo perverso que fez meu ventre se contrair. Minha respiração
engatou e pisquei saindo do transe dos seus olhos. Não sei como, mas senti
que ele sabia da minha decisão.
— Senhor e senhora Vendetta — Dominic cumprimentou meus pais
e a minha mãe beijou a minha bochecha.
— Dominic — meu pai abriu um largo sorriso para o meu
namorado depois de beijar a minha testa. Lá vamos nós.
— Senhor.
— Me chame de Marllon, já conversamos sobre isso.
— Claro, claro, irei me atentar.
— Fizeram uma boa entrada. — Esse era o seu jeito de dizer que
estávamos indo pelo caminho certo. Pelo menos, a minha recente falta de
educação ainda não estava circulando pelo salão.
— É mais fácil quando estamos atrás dos holofotes.
— Com certeza.
— Como andam as tarefas? Seguiu o que disse sobre organizar os
nomes fantasias separados da razão social?
— Sim, com certeza ficou mais fácil procurar clientes com o
modelo de planilha que me passou.
— Augusta também usava essa tabela para decorar geograficamente
os pontos de Stilk, não é, filha?
Sorri por falta do que falar. Dominic tinha conquistado meu pai e
não podia fazer nada a respeito. Não que eu quisesse, porque isso com
certeza tinha que servir para algo futuramente. Quando ele foi até minha
casa para anunciarmos nosso namoro, achei que ia ter um infarto.
Ele estava nervoso e nossos papéis foram trocados, suas emoções
estavam afloradas enquanto as minhas permaneciam decididas. Eu já estava
namorando Dominic, meus pais me viam com ele e era suficiente para tirar
suas próprias conclusões, então assumir para eles era mais simbólico do que
uma verdadeira permissão, nada mudaria.
Mas Dominic levou essa parte muito a sério, disse que tinha que
ganhar a minha honra pelo meu pai, e que era importante ganhar sua
confiança. Eu achei fofo, mas apressei o jantar o mais rápido possível e fiz
um comunicado digno de Oscar.
E, desde então, Dominic fazia questão de coisas bobas e simples
quando se tratava de mim, e por mais que meu pai nunca admitisse, ele
estava atento a tudo e, de certa forma, fazia com que uma aliança natural se
formasse.
— ... É claro, se o senhor deixar.
Interrompi meus pensamentos quando senti o olhar pesado do meu
pai. Ele estava me perguntando algo e eu não sabia o que era. Merda, sobre
o que eles estavam conversando? Franzi o cenho, tinha perdido algo. Algo
grande. Porque Dominic sorria alegremente como se a própria Beyoncé
estivesse lhe dando um beijo.
— Desculpa? — Os olhos do meu pai estavam à espera e um aperto
na minha mão me alertou que era algo importante.
— Dominic estava me dizendo que gostaria de levá-la a Tangáaras.
— Suas sobrancelhas arquearam. — Você gostaria de ir?
Ai, merda, como perdi essa conversa? Ele não estava duvidando do
convite de Dominic, estava duvidando do meu querer ir. Limpei a garganta.
Eu não era muito fã de roça.
— Eu tenho cara de que gostaria de ir? — Arqueei as sobrancelhas
e um repuxar de lábios do meu pai me disse que estava no caminho certo.
Dominic, que somente esperava minhas próximas palavras, tinha um olhar
cuidadoso. — Porém, adoraria e não negaria jamais conhecer o lugar que
Dominic cresceu. Mesmo que tenha que usar repelentes a cada dez minutos.
Dominic riu ao meu lado e sua risada ecoou dentro do meu coração.
— Prometo não fazer nada que estrague sua experiência no campo.
Dessa vez foi a vez dos meus pais rirem e eu soube que a última
coisa que ele estava pensando era que eu estaria um final de semana sozinha
com Dominic. Com certeza ele sabia a filha que tinha.
— Eu espero ser recompensada por isso — brinquei, já fazendo
mentalmente minhas malas com tudo que iria precisar. Podia sentir a
empolgação e toda aventura derramar pelo meu corpo. Iria passar o final de
semana sozinha com Dominic e isso bastava.
— Você vai, eu prometo.
E eu acreditei em suas palavras como nunca.
INFERNO

Se existia um inferno, eu estava nele.


Estava queimando amargamente.
Na verdade, acho que podia sentir no meu físico os pecados sendo
expurgados. Ou a falta deles, no caso. Porque eu queria muito cometer um
pecado mortal, tipo assassinato, pois estava a ponto de pegar fogo.
Quente, eu realmente me sentia queimar ao ponto de sair fumaça, e
nem era pelo sol escaldante que tentava penetrar minha pele exposta, mas
sim pela maldita vista que fazia metade da arquibancada suspirar.
Merda.
Eu devia fazer algo.
Devia fazer algo com urgência. Era meu noivo, merda. O meu
maldito noivo em cima do seu cavalo favorito chamando mais atenção do
que no campo de corrida onde deveríamos depositar toda a nossa
concentração. Mas, naquele momento, não fazia diferença nosso dinheiro
rodar em cima de quatro patas.
Não para metade das mulheres ali presentes.
Cerrei o punho. Terminei de beber toda a minha água com gás.
Soltei um longo suspiro.
— Eu odeio cavalos. — Minha voz saiu baixa, mas ainda assim
clara, pois minhas duas amigas viraram seus pescoços em minha direção.
Era domingo e estávamos no Speak Jockey Clube, eu tinha decidido
que seria uma manhã diferente, por isso, nada melhor do que garotas
apostando em cavalos. Era divertido e gostava da animação da
arquibancada, a torcida sobre qual animal levaria a melhor. Mas, de novo,
hoje parecia quente demais e a ideia inicial escorria de minhas mãos, pois
essa visão horrorosa não estava nos meus planos.
— Deveríamos tomar mais água — Chiara respondeu sem dar
importância para a minha fala, e indicou o quiosque que ficava no mesmo
piso da arena. Alana franziu o cenho para mim. — O clima parece que vai
piorar.
Só estávamos nós três aqui em cima, as outras meninas ainda não
tinham chegado.
— Pelo amor de Deus, não. — Alana abanou o rosto com a mão. —
Como é possível um outono fazer tanto calor? Ainda faltam meses para o
verão.
— Provavelmente irá chover, Bash tem o clima mais estranho do
mundo. — Dei de ombros.
— Concordo. — Chiara piscou para mim. — Mas não é disso que
estou falando.
Alana seguiu seu olhar, e eu segui o dela. Dominic.
— Oh, agora entendi. — Seus olhos caramelos me instigaram com
diversão. — Devia ir lá.
— E dar esse gostinho a ele? Nem pensar.
— Mas isso não é surpresa para ninguém, amiga, então ninguém
ligaria de você ir — pontuou, colocando de volta seus óculos de sol verde,
que combinava com seu look do dia. Ao contrário de Apolline, que gostava
de cores extremamente vivas, Chiara optava muitas vezes por cores pastéis
e mais neutras. Ou que casavam com o ambiente em si.
— O que não é surpresa? — Franzi o cenho para as duas, que
trocaram sorrisinhos significativos, sem se importarem se eu iria
compreender ou não.
Intimidade era uma coisa fodida.
— O porquê de você ir lá, óbvio.
Alana deu de ombros como se não tivesse nada a discordar da fala
de Chiara. Bufei. Se não era surpresa para ninguém eu querer me intrometer
na proximidade de Dominic com outra mulher, por que diabos elas se
aproximavam? Por acaso não sabiam que ele era noivo?
— E por que não é surpresa eu ir lá?
Alana revirou os olhos.
— Perguntas idiotas recebem respostas idiotas, Augusta.
Levantei as mãos em rendição. Estava enrolando. Não precisava de
um motivo para ir atrás de Dominic, mas ainda estava… Mexida. Às vezes,
minha consciência era minha pior inimiga, pois o despertar de memórias
causadas por ele me fazia baixar a guarda. E isso era péssimo, porque eu
não podia baixar a guarda. Se eu bambeasse por alguns segundos, seria
pega no mesmo momento. E eu não podia ser pega.
E estar com Dominic me deixava vulnerável. Bufei, irritada. Estar
com Dominic me causava raiva. Raiva porque eu não podia estar com ele.
Não ainda.
Eu não estava com raiva por Dominic não ter me procurado depois
da cena no banheiro do Salão Dourado, nem por não ter me mandado
nenhuma mensagem provocativa. Só achava inconveniente não respeitarem
a porra de um noivado entre duas pessoas. Porra. E daí que não estava
usando o maldito anel? Eu não precisava de um anel para provar alguma
coisa.
Eu não precisava de um contrato.
— Um desperdício — Alana chiou e cerrei os olhos para onde ela
estava olhando. Arqueei as sobrancelhas.
Fabian estava de costas.
— Sério?
— Ele parece meio bruto, mas não posso negar que é um colírio.
Quase ri. Não estava surpresa com a reação, Fabian realmente era
um homem bonito, mas…
— Não perca seu tempo, o homem é uma parede para
relacionamentos. É mais fácil nevar em Bash do que esse homem ser gentil
com alguém.
Uma vez Dominic me contou sobre Fabian, na intenção de
amenizar a rixa entre nós e nos aproximar amigavelmente. Não adiantou,
ser grosso com as pessoas não tinha justificativa.
— Mas quem está falando em relacionamento sério? Cruzes —
Chiara abriu um leque branco que tinha trazido dentro da bolsa e franzi o
cenho, estranhando o objeto. — E não duvido que neve em Bash, da última
vez que fez tanto calor assim choveu granizo.
Isso era verdade, o clima estranho da cidade nos fazia ficar espertos
com qualquer clima exagerado. Dizem que uma vez nevou em Bash, eu
acho que é um mito, pois nunca vi, e achava difícil um dia isso acontecer,
por mais que o clima pudesse mudar drasticamente.
— Acho que as meninas chegaram — disse sem ter nenhuma
certeza. — Vamos nos reunir na tenda lá embaixo para que elas façam
águas de coco chegarem a nós com frequência.
— E aonde você vai?
— Resolver algumas pendências antes.
— Parece que nosso domingo acabou de melhorar. — Chiara bateu
palminhas e fiz cara feia para as minhas duas amigas que ficaram para trás,
não se importando em me acompanhar.
Pus-me a andar decidida a eliminar um dos pensamentos que tinha
me acordado logo cedo.
— Já te indicaram terapia de casal? — foi a primeira coisa que
Fabian falou.
— Faltamos na primeira sessão.
— Isso explica muita coisa.
— Só não o fato de você querer se intrometer tanto em assuntos que
não são seus — eu disse.
Mas Fabian não se abalou, e um repuxar de lábios me disse que ele
estava pronto para qualquer alfinetada que eu pudesse dar.
Então a mudança de assunto foi esperada.
— Já pensou no que vamos falar amanhã?
— Era para eu pensar? Achei que o interessado aqui era você.
— Veja bem, agora que estamos do mesmo lado, posso ser legal e
escutar o que diz.
— Agora está interessado no que eu digo?
— Um pouco.
— Devo me preocupar?
— Talvez.
Arqueei as sobrancelhas em desafio e Fabian ficou atento, notei que
ele parecia interessado nas minhas palavras. Era um amigo leal, isso eu
nunca poderei discordar. Então, por hoje eu poderia ser… simpática. Essa
era uma palavra muito boa, eu poderia ser um poço de simpatia.
— Veja bem… Acha mesmo que pode convencê-los a te deixar
entrar?
— Eu só preciso de uma brecha.
Amanhã teríamos uma reunião com os Cheffts, e era a oportunidade
perfeita para indicarmos Fabian. Ou pelo menos apoiar a ideia. Eu sabia o
peso das minhas palavras como herdeira e posição principal na Stilk, depois
do meu pai, mas não acreditava muito que convenceria qualquer um da
AAB a apoiar uma ideia que já foi recusada uma vez. Mas, bem, Dominic
acredita que poderia fazer isso.
— Acha que pode ir contra eles? — Diversão pintou meus lábios.
— Eu não sou burro a esse ponto.
— Mas, então? O que é importante o suficiente para que você esteja
se jogando na cova dos leões de propósito?
— Algumas guerras são vencidas sem nem mesmo terem
começado… E, bem… Se não pode ir contra seus inimigos, se junte a eles.
Um bolo invisível desceu queimando minha garganta, e respirei
devagar para que lágrimas não se fizessem presentes. Meus olhos arderam e
trinquei o maxilar.
Soltei o ar pela boca.
— Você lembra do que eu disse? Não está em vantagem pisando em
terrenos desconhecidos.
— Pois bem, pense comigo, eu tenho a melhor aliada que alguém
poderia sonhar.
Franzi o cenho.
— Quem?
Seu sorriso foi estranho e algo como família pousou em seu
semblante.
— Você.

— Não há uma regra para homens comprometidos ficarem


perambulando por aí como se fossem solteiros?
Cruzei os braços, esperando alguma resposta do homem que descia
do cavalo e entregava as rédeas para o funcionário que cuidava dos
estábulos.
Dominic estava paramentado com as vestes de montaria, e passeei
meus olhos por bons segundos pelo seu corpo. Lindo, não tinha como não
prestar atenção e não suspirar com ele trajando essa merda de roupa.
Poderia colocar fogo nela, se não gostasse tanto da visão.
— É sempre bom lembrar os bons modos. Bom dia, minha bela
noiva, já tomou café da manhã?
Dominic pegou a curta sombrinha amarela que eu usava para tapar
o sol e segurou, colocando nós dois dentro de um casulo pequeno.
— Devia ter lembrado dos modos quando deixava aquelazinhas
subirem em cima de você — alfinetei sem medo, querendo que ele soubesse
que estava assistindo ao show grátis que dava para metade da arquibancada
ver.
— Estavam me perguntando sobre a sociedade e como funcionava.
— E não tinha outra pessoa?
Mas Dominic não respondeu, apenas deu de ombros como se isso
não importasse, e continuou caminhando cumprimentando algumas pessoas
que passavam.
— Falou com Fabian?
Não respondi de imediato, esperando que seus olhos encontrassem
os meus.
— Falei com ele.
— E?
— Por que sinto que está forçando nossa proximidade de novo?
— Somos uma equipe, equipes são próximas.
— Você entendeu o que eu disse, Dominic.
Dominic não respondeu.
— Não era só um maldito “concordo”? — perguntei novamente. —
Achei que você tinha dito algo parecido. Inclusive, já posso cobrar a minha
parte do acordo?
Seus lábios se repuxaram em malícia e mordi a língua para não
mencionar algo sobre a noite do leilão. Eu não queria, na realidade, lembrar,
já que foi difícil o suficiente recuperar minha dignidade depois que
Dominic a colocou no bolso e me deu as costas.
Eu não queria lembrar que tive que redobrar a atenção para ver se a
minha fuga com Dominic no banheiro não tinha sido vista por ninguém.
— Você pode cobrar quando quiser.
— Não sei se isso me conforta. Ainda não decidi o que tirarei de
você, mas me parece um pouco arriscado, contando que farei minha parte
amanhã.
Dominic não se abalou, seus olhos petróleo estavam intensos e não
consegui desviá-los quando sua língua molhou seus lábios
— Não há muita coisa que eu não faria por você, você sabe.
Mas também não respondi, porque sabia amargamente desse fato. E
eu não tinha pensado em nada, por enquanto estar dentro dos seus planos
era o suficiente. Estar perto era suficiente.
Parei no caminho e me virei para o meu intitulado noivo, o guarda-
chuva fazendo um casulo no meio daquele sol rachando.
— Vocês são meio suicidas?
— Meio não.
— Você, eu entendo o porquê disso tudo, mas ele? Por acaso ele
acha que é uma viagem para Disney?
— Fabian sabe onde está se metendo.
— Se metendo em algo que não é assunto dele, só porque alguém
que ele gosta pediu?
— É o que as famílias fazem.
Eu não queria admitir, mas tinha medo por eles. Não tinha muita fé
no que fosse que estivessem aprontando. Eu conhecia o pior lado, e sabia
que não era simples, e depositar um ato de fé em algo invisível era suicídio.
Era matar não só eu, mas eles também.
Eu já tinha tudo que precisava e não tinha mais motivos para ficar
perto. Mas, infelizmente, e mais uma vez, tinha sido fraca, estava quase
cedendo de novo, e jurava que dessa vez não ia conseguir subir as minhas
barreiras. Eu estava ficando cansada.
Então, por mais que não confiasse nadinha em Fabian e Dominic,
permiti que mais um dia fosse bom para mim e resolvi deixar os problemas
de amanhã para amanhã.
— Estou curiosa para a reunião, recebi o e-mail do convite.
Confesso que fiquei surpresa, sua classe masculina deve estar soltando fogo
por terem uma mulher presente.
— Não posso evitar ser o preferido.
— Não acho que truques psicológicos possam dar esse nome.
— Acha que usei truques para convencê-los?
— Não tenho dúvidas.
Era hora de ir embora, tinha dito o que queria e estava tudo bem.
Virei meu corpo, parando nossa caminhada.
— Espero que tenha avisado a Fabian sobre os leões.
— Está preocupada com ele?
— Não distorça minhas palavras. Eu não quero ser a causa de mais
uma atitude mal pensada.
— Não seja má, há pessoas que fazem pior e nem ao menos sentem
remorsos.
Dominic não esperou minha resposta, pois no próximo segundo,
seus passos já não estavam mais junto dos meus e o aperto cruel no coração
dilatou como a maldita ferida aberta que era.
Raiva me encheu. Dominic havia me deixado mais uma vez como
uma lembrança amarga de que o meu orgulho não iria ganhá-lo. Fitei as
minhas amigas, que conversavam animadas em um quiosque, dando
orientação para nossas debutantes que passariam o dia conosco hoje.
A amargura quis ditar as regras dos meus próximos passos, e eu
deixei.
Cerrei os punhos, andando apressada em direção à garota de
cabelos castanhos, que mexia no celular ao invés de estar na roda com as
outras debutantes. Seus orbes verdes me alcançaram antes que a distância
encurtasse entre nós.
Sorri.
— Karen Smith.
— Augusta Vendetta. — Seus lábios se puxaram falsamente e sua
voz era baixa.
— Algum problema? Você parece preocupada com o celular. —
Apontei o objeto.
— Tudo bem por aqui.
Cruzei as minhas mãos, rodando o anel de noivado no meu dedo.
— Gosta de estar entre as minhas damas?
Seus olhos cerraram e sua postura ficou rígida.
— Gosto.
— Gosta de estar perto de Dominic Clifford também?
Ela se calou, me observando com atenção.
— As minhas amigas falaram que você perguntaria sobre ele. —
Suas sobrancelhas arquearam e eu vi um toque de diversão em seu rosto. —
Isso é uma briga por homem?
Ri falsamente.
— Antes fosse. Quero dizer que você vacilou. Sabe quantas
mulheres chegam perto de Dominic assim?
— Muitas? — zombou.
— Somente uma.
Ela sorriu sem dentes.
— Parece que algo está sendo desvendado — me desafiou, se
levantando e guardando o celular na bolsa pequena. Suas vestimentas nada
elegantes e totalmente casuais. Prontas para um embate ou uma fuga rápida.
Karen era a maldita mulher que tentava desvendar meus segredos.
Merda, queria pôr a mão nessa mulher há eras e tinha a
oportunidade perfeita. Mesmo que fosse para amaciar o meu ego. Mesmo
que fosse a oportunidade errada.
— Vai me matar igual a todos que tentaram te expor? — zombou,
se entregando fácil.
Estreitei os olhos. Ela queria ser descoberta?
— Eles foram embora quando chegaram perto demais da verdade.
Mas isso não a amedrontou, pois sua resposta foi rápida, deixando-
me satisfeita.
— Eles eram fracos.
Arqueei as sobrancelhas
— E você é forte o suficiente?
— Estou motivada.
— Não é apenas um trabalho, então? — sondei curiosa.
— Quer roubar os meus segredos também?
Estalei a língua.
Eu não tinha sumido com os outros investigadores que tentavam ir
atrás do passado Clifford, eu só chegava tarde demais sabendo que Martinez
já tinha dado um fim neles.
— Você tem um ponto.
— Eu tenho vários, Senhorita Vendetta. Eu só preciso de um tempo.
Sua expressão era tranquila, e algo me dizia que ela queria que eu a
perguntasse. Como se eu tivesse caído em sua armadilha.
— Eu vi a gravação do dia 14 — o tom da sua voz havia mudado e
cerrei os olhos com o coração engasgado.
A sua fala me pegando desprevenida.
— Qual gravação?
— Eu consegui recuperar o vídeo armazenado na nuvem do
condomínio. Ele tinha sido apagado, mas a magia da internet faz coisas
surreais.
— O que tinha nesse vídeo? — Um arrepio percorreu minha pele.
Seus olhos me fitaram e eu vi aquele sentimento que havia
decorado nos rostos desconhecidos em todos os primeiros meses, depois
que saí do hospital.
— Eu vi como ele te machucou.
Engoli em seco com a respiração dolorosa.
— Não quero a sua pena — rangi os dentes com raiva.
— E não terá.
— Então por que está me falando isso?
A mulher que estava investigando o passado Clifford se calou
novamente.
— Eu sinto muito.
Eu também sentia. Mas isso não importava. Não naquele momento.
Mordi os dentes com as palavras entaladas.
— Como fez a primeira dama te colocar entre as minhas
debutantes?
A mulher à minha frente titubeou me dando a resposta fácil demais
novamente.
— O prefeito me devia um favor
O senhor Wilson poderia mesmo dever favor para metade da
cidade. Mas isso não poderia acontecer de novo. Não era qualquer pessoa
que entrava no meu ciclo.
— O quanto está disposta a lutar pela sua vida?
Um sorriso ladino me saudou.
— O suficiente.
— Bom, então é hora da gente ter uma conversinha, amiga. Você
acabou de ganhar um precioso tempo comigo.
O PRIMEIRO SINAL

4 anos atrás

O problema de ultrapassar a barreira do sexo com seu namorado era


que depois da primeira vez, nada é igual. E isso quer dizer que sempre que
havia uma brecha, estávamos grudados um no outro. Literalmente,
grudados.
Como esperei tanto tempo por isso?
Os beijos de Dominic pareciam mais quentes do que nunca,
incendiando a minha pele e me marcando da forma mais profunda possível.
Isso era incrível. Sexo com Dominic era incrível. Acho que tinha outra
coisa favorita na vida. A mistura de sentimentos com prazer era
fodidamente fantástica.
Tive que morder minha própria mão quando passos pesados foram
ouvidos de longe, estava vindo alguém. E esse alguém não parecia feliz.
Não quando praticamente derrubou a porta do quarto de Dominic com o
punho, pois achei que a porta iria cair.
Minha boca foi tampada com agilidade por sua mão quando uma
risada alta quis sair dos meus lábios.
— Não fala nada — sussurrou, alcançando um lençol e jogando
atrás de suas costas, nos cobrindo em um casulo. Eu queria rir. Mas
Dominic mexeu os quadris, arrancando-me um suspiro e um gemido ao
mesmo tempo. Seu pênis encaixado dentro de mim com precisão. Agora
não estava mais engraçado.
Mais um gemido abafado saiu dos meus lábios quando Dominic
beijou meu pescoço, molhando e lambendo aquela região, e encarou meus
olhos, nos conectando.
Mordi sua mão querendo liberdade.
— Você devia atender — conversamos em sussurros, ignorando o
fato da sua cama ficar muito próxima da porta.
— Você acha que sou louco?
— Um pouco.
Dominic passou a língua nos meus lábios, me aquecendo ainda
mais. Seus beijos eram tão gostosos, ficaria o beijando a vida toda.
No final de semana, que era para eu ter passado todos os dias no
lugar onde Dominic foi criado, passamos os dois primeiros no seu quarto e
dois na fazenda. Eu não me sentia culpada por ter dito meias verdades para
a minha mãe, foi por uma boa causa.
Eu duvidava dela não saber o que estávamos fazendo quando
passávamos algumas horas juntos fora dos olhares de qualquer um deles. E
acho que parte da sua preocupação era sanada por ter Dominic todo tempo
debaixo do seu teto. Se essa preocupação existisse, já que ela fez o favor de
ter a maldita conversa sobre sexo quando eu tinha ainda 15 anos.
— Porra, amor, você é perfeita, eu amo você.
Amor, eu simplesmente era apaixonada em como ele me chamava.
Escreveria uma composição inteira com essa palavra. Sorri feliz, beijando o
seu queixo.
— Eu também amo você, Nic.
Dominic levantou para descartar a camisinha e fiquei olhando a sua
bunda redondinha, a intimidade que havíamos criado às vezes me
assustava. Em especial, quando se tratava do meu corpo, já que ele sempre
foi um dos motivos que me fazia retesar quando imaginava a possibilidade
de qualquer homem me ver nua.
Meu corpo nunca foi igual ao das minhas amigas, ou da maioria das
meninas da minha idade, e várias vezes precisava me policiar sobre meus
próprios pensamentos maldosos comigo mesma. Em uma sociedade onde a
estética era o seu carro chefe, é difícil não se deixar influenciar pelas más
línguas.
Mas com Dominic era fácil, simples assim, ele amava tudo que eu
tinha, inclusive os meus excessos. E não tinha restrição de falar sobre saúde
e atividades físicas frequentes. Eu particularmente odiava acordar cedo e ter
que exercitar meus músculos doloridos pela rotina.
A minha mãe amava, e me acompanhava arrastando minhas irmãs.
— Te espero lá embaixo — Dominic beijou minha bochecha e foi
atrás do motivo da insistência em sua porta. Me deixando com as bochechas
quentes depois de ter me limpado e beijado todo o meu corpo.
Tomei um banho e coloquei roupas limpas, e me lembrei da
primeira vez que ele insistiu para que tomássemos banho juntos. Eu não
gostava, mas ele fazia questão de lavar meu cabelo, então eu acabava
cedendo depois de barganhar sobre algo que queria fazer e ele não.
Borrifei algumas vezes o perfume que Dominic usava pós-banho
em mim, me embriagando no cheiro gostoso que era, querendo senti-lo por
mais tempo. Aproveitei e vesti seu moletom que estava jogado no chão.
Ótimo. Parti em passos rápidos, querendo chegar logo a Dominic. Íamos a
um recital.
A mansão era enorme e andar por esses corredores ainda era
estranho, pois uma sensação de vazio me inundava sempre que passava
pelas portas fechadas. Dominic tinha me dado um tour completo na
primeira vez que vim aqui, e de todos os cômodos, o escritório com um
grande cofre era o que mais tinha chamado atenção.
Bem… ele tinha me levado ali e havíamos nos beijado em cima da
mesa do seu avô. Eu não me orgulho disso, porém, também não me
arrependo. Fiquei dias pensando como seria estar no escritório do meu pai
com ele.
Quando comecei a descer o último lance de escadas para chegar
finalmente ao térreo, meu coração palpitou ao ouvir vozes próximas, talvez
fosse Dominic que estivesse me esperando. Às vezes, ele fazia isso, ficava
ali plantado me observando descer as malditas escadas, eram muitos
degraus e eu não podia pegar o elevador de acesso.
Tinha feito uma aposta com Dominic sobre usar as escadas a meu
favor, e se caso usasse o elevador como vantagem, teria que lhe dar algo…
e bem, não pretendia perder. Então iria subir e descer os infinitos degraus
Apressei o passo, faltando menos de dez degraus para chegar ao
térreo.
— Você tem certeza que as coordenadas falam somente isso?
Parei de repente, não era a voz de Dominic.
— Sim, a latitude e longitude são os mesmos dados. É um mapa
cego. Como se entregasse exatamente os mesmos passos, não importa a
direção.
As vozes eram conhecidas, mas não conseguia identificar. Era um
tom de raiva, mas baixo.
— Estranho, David disse que estava perto. Como se tivesse achado
o lugar e ele parecia ter falado a verdade depois de engolir o próprio
sangue.
Arregalei os olhos com a respiração presa, meu coração acelerando
enquanto tentava entender o contexto grotesco da fala. A dor cortando meu
peito e sangrando novamente pelas lembranças de Francesca em prantos.
Mal podia respirar ao ver seu rosto transbordando de dor.
Saber que seus pais tinham sido vítimas de uma invasão à fábrica, e
ouvir alguém falando tão normalmente sobre eles, fez meus pelinhos se
arrepiarem. Foi uma tragédia, a fábrica de fármacos pegou fogo depois de
um curto-circuito, matando sessenta e sete pessoas que estavam
trabalhando, inclusive os pais de Francesca.
Não poderia ser o mesmo David, pois o que eu conhecia havia
morrido em um incêndio, e o que eles estavam falando parecia que tinham
visto morrer e não feito nada a respeito.
— Não fala alto, se alguém te ouve tripudiar com a morte dele,
pode desconfiar.
— Não seja tolo.
— Então não seja tão confiante.
— Tanto faz. Solicitou a planta das propriedades mais antigas de
Bash? Talvez nos ajude.
— Já está sendo providenciado.
— Pelo menos para isso vocês prestam.
Uma pausa, fiquei dividida entre terminar de descer as escadas ou
subir novamente e mandar uma mensagem para Dominic perguntando onde
ele estava. A certeza que não devia estar ouvindo essa conversa me
amedrontou. Eu certamente não queria saber de nada daquilo; uma coisa
que tinha aprendido era que saber demais te dava uma vantagem muito boa
em um jogo ou te matava. Eu não estava jogando e com certeza não queria
morrer.
Eu ouvia, sim, muitas conversas alheias atrás da porta, isso não
negava, mas parecia diferente. Uma vontade de chorar me apertou e antes
que eu pudesse subir novamente as escadas, uma nova voz mais fraca soou:
— E a execução da coroa? Sabe que mesmo encontrando o tesouro,
ainda não tem direito sobre ele.
Algo em mim gelou, todos os meus músculos se contraíram.
— Essa coroa é minha, e ninguém vai tomá-la. Nem mesmo o novo
principezinho que Bash tanto ama.
— Já tem algo em mente? Ele está cada dia mais forte e influente
dentro da AAB.
— Eu ainda acho arriscado.
— Ela é minha por direito. Então vamos continuar a porra do
legado que nos foi deixado, entendeu?
— Você não cansa? Há anos estamos fazendo a mesma coisa,
limpando a grama do nosso sapato. — Uma voz grave e baixa demais, disse
pela primeira vez.
— Eu já disse, eu quero o que é meu por direito e ninguém vai-
— Amor, estava te procurando. — Pulei de susto quando braços
familiares me cercaram. Meu coração quase saindo pela boca e as vozes no
fim da escada sumindo. — Achei que ainda estava lá em cima.
Sorri nervosa com seu beijo na minha bochecha.
— Eu também estava te procurando.
Dominic segurou minha mão e terminamos de descer as escadas
com meu coração desenfreado de medo, me lembrando do que tinha ouvido
minutos atrás. Provavelmente tinham parado de falar por ter ouvido
Dominic me chamar. O que me fez ficar ainda mais receosa ao imaginar
que poderiam ter ouvido a minha voz.
Não havia ninguém lá embaixo e por um momento pensei poder ser
uma ilusão. Embora a voz não me fosse estranha, não sabia quem estava no
final da escada.
— Meu avô quer conversar com nós dois — Dominic sorriu, me
puxando para a sala.
— Sobre o quê? — inquiri, curiosa. Ainda era estranho Frederico
Clifford me incluir em seus assuntos.
— Acho que tenho um baile para planejar, e você vai ser a anfitriã
mais gostosa de Bash — sorriu sacana e revirei os olhos.
— Não jogue suas responsabilidades para mim, espertinho —
zombei, porque amava planejar festas e nunca negaria um pedido seu.
— Todo rei precisa de uma rainha, hum? Estamos só
compartilhando o peso da coroa.
Ri das palavras simples, mas que, no fundo, tinha um peso
complexo demais para levarmos a sério naquele momento.
— Se isso foi um pedido de socorro, tenho que te dizer que ele foi
péssimo — gargalhei, mas Dominic encarou meu rosto deslumbrado.
— Você aceita ser a minha rainha, Augusta?
Eu não estava mais rindo, a intensidade de Dominic tinha me
atingido de novo. Droga, eu o amava demais. Todo meu coração era seu. Eu
faria qualquer coisa por ele.
— Será um prazer desfrutar os mais belos prazeres da coroa, meu
rei.
Dominic cerrou os olhos, empurrando-me para deitar no sofá, e
cercou-me com seus braços que ficavam cada dia mais fortes. Entrar para o
time de polo estava mexendo com a minha cabeça e hormônios. Então,
beijando meu pescoço e bochecha, molhou meus lábios com a língua, e
sussurrou-me que eu poderia ser tudo, inclusive rainha de Bash se eu
quisesse.
E eu amaria ser sua rainha.
Durante dias quis contar ao meu pai ou a Dominic sobre o que tinha
ouvido, mas do que adiantaria? Eu não sabia quem era, e eu não tinha o
poder de acusar alguém sem sair impune. Perguntei a Dominic quem estava
na casa dele naquele dia, e ele só me disse os de sempre. E eu com certeza
ainda não era louca de acusar alguém do seu círculo de algo que não fazia
ideia.
Comecei a pensar no tio David com mais frequência, tentando
assimilar as informações. Até reli as notícias e sondei por alto sobre o que
as pessoas achavam, para ver se algo fazia sentido. Então perguntei a
Francesca sobre a morte de seus pais, e insisti para mexermos nas coisas da
sua família. Eu devia ter enlouquecido, quase tinha a perdido com a
tragédia, e estava procurando algo sem saber o que era, machucando-a no
processo.
Por ora, deixei a questão à parte e, nos meses que se seguiram, foi
como se nunca tivesse ouvido a conversa. O que foi uma surpresa pra mim
quando a mesma voz que ouvi bateu na minha porta, cobrando algo que eu
não fazia ideia de como havia me metido.
REI E RAINHA

Um caminho de mentiras é um caminho perigoso. Ele te corrói de


dentro para fora, como uma erva daninha se infiltrando nas raízes do seu
ser, te mudando e te coagindo a tudo aquilo que um dia você prometeu
nunca fazer.
Eu estava cansada. Novamente, estava no meu limite, mas a
diferença era que ninguém podia me puxar de volta. Nem mesmo Dominic.
As minhas mentiras tinham me corrompido de uma forma perversa, me
levando a duvidar se ainda poderíamos ter um fim.
Então as suas palavras de ataque viraram poeira, eu já não era mais
capaz de controlar parte das minhas ações inconsequentes.
Dois toques na porta me dispersaram, tinha pedido para Fanny me
chamar quando todos tivessem chegado. Seria uma longa tarde.
— Entra, Fanny.
A porta se abriu.
E não era Fanny.
Quem me dera! Porque até o maldito Leonardo, que não desistiu de
aumentar o valor do imóvel, era mais desejável no momento.
Aprumei a coluna e soltei o ar devagar.
Sem brechas.
O meu maldito pesadelo estava na minha sala.
Um sorriso falso.
— Andou sumida. — Sua voz não tinha emoção, e o homem à
minha frente não pediu licença para entrar.
Somente caminhou a passos lentos em um modo arrogante, como se
contasse os passos até a cadeira à minha frente, que chiou quando foi
empurrada. Seus braços se abriram em uma posição confortável ao se
sentar. Como se fosse a porra do dono.
— Estou onde é necessário. — Minha voz emanava tédio, embora
esperasse que o meu coração acelerado não saísse pela minha boca.
— Se trancar no banheiro com Dominic é necessário?
— Eu não sei do que está falando.
— Não sei se lembra, mas temos um acordo, ou Augusta Vendetta
não é mais uma mulher de palavra? Estar fodendo com Dominic frita seus
miolos?
— Cala a boca, verme.
— Agora a rainha tem garras?
Revi minhas palavras.
Meus braços, que estavam apoiados na mesa, pesaram, e minhas
mãos pareciam nuas e ridículas diante da sua análise rápida. Contorci as
unhas dentro da minha palma, sentindo-me encurralada. Seus olhos frios
estavam à procura do mínimo resquício de medo. O ceifador farejava em
busca de uma mínima reação errada.
— E covarde demais para usar o anel também pelo que vejo.
— E ainda continua saindo merda da sua boca — a firmeza das
minhas palavras fizeram seus olhos brilharam com algo que revirou meu
café da manhã.
— Então você estará hoje na reunião, conseguiu o que queria, hum?
Um lugar na mesa. Deve estar orgulhosa.
— Talvez. — Dei de ombros, não querendo afirmar nada. Ainda
com medo do que poderia sair de sua boca. Mesmo que as minhas reações
corporais lutassem para dizer o contrário.
— Então é verdade? — Sua pergunta foi longe, podendo cobrir
qualquer coisa.
— Muitas coisas são verdade. — Encostei minhas costas na cadeira
e escondi o punho cerrado por baixo da mesa.
— Não seja burra, o idiota caipira quer um lugar na mesa?
Cerrei os olhos. O seu tom demonstrando um interesse que
desconhecia a razão.
— Não é você que sabe de tudo?
Sua risada foi cruel quando se inclinou para a frente, despejando
mais verdades.
— Eu sei de tudo, isso inclui você ainda não ter dado um fim na
puta que ronda Dominic.
— Você poderia fazer isso.
— Mas não seria tão divertido quanto ver você se afogar no seu
próprio desespero.
Engoli em seco, tomando goladas necessárias para manter as
minhas mãos e as minhas pernas quietas. Se não pode ir contra, desvie.
— Tem medo do caipira ganhar? — voltei ao assunto principal,
querendo tempo para pensar nos meus próximos passos.
— Claro que não, mas vai ser interessante vê-lo falhar.
Cerrei os olhos.
— Acha que um caipira não dá conta do recado?
— Eu não acho, eu tenho certeza.
— Talvez ele só precise de uma pessoa que saiba empunhá-lo.
Uma risada forçada e alta irrompeu a sala.
— E quem seria essa pessoa? Você? — Desafio traçou seus olhos
claros. — Não acho que seja burra para pensar que pode me desafiar de
novo. Você não pode salvá-lo e peço que tire essa ideia ridícula de achar
que por ser uma Vendetta pode empunhar qualquer pessoa.
Ele tinha raiva de mim
Não era novidade que a raiva que direcionava a mim tinha um
motivo, ou melhor, nome e sobrenome. Dominic Clifford. Porque tirei
Dominic dele, tirei Dominic do controle constante que ele tentava impor em
nós. Então, ele achava que a minha má influência era como uma mão
treinada que empunharia qualquer lâmina a fazer o mais perfeito corte.
Eu não o respondi, e isso foi a sua deixa.
— Mas nada disso importa, nenhum de vocês vai estar aqui para
contar a história. — Seu tom foi amargo e ouvi a cadeira protestar quando
seu pé afastou a madeira. — E eu só espero que esteja ciente de que seu
tempo tá acabando… — Mandei mais goles de ar para dentro, tendo plena
ciência que poderia a qualquer momento desmaiar se prendesse meus
pulmões por mais alguns segundos. — Eu não me importo com a merda que
você está fazendo na cabeça de Dominic, eu não me importo com qualquer
coisa relacionado a vocês, eu só quero o que é meu.
Algo frio subiu pelas minhas costas e afundei minhas unhas na
palma não querendo expor as minhas mãos trêmulas. A minha frequência
cardíaca aumentando em proporções absurdas. O que esse homem poderia
fazer comigo aqui? Alguém o viu entrar?
— O que você quer? — perguntei temerosa.
— Você sabe.
— Eu sei, então não preciso que me recorde. — Ri pelo nariz, sem
uma resposta exata do que fazer, com uma verdadeira vontade de virar a
mesa em cima dele. Ele estava cobrando a minha maldita promessa.
— Exatamente porque você sabe que estou me perguntando o
motivo de não estarmos agindo.
— Ainda estou dentro do prazo.
— Sim, mas você também está deixando rastros, pare de encontrá-
lo e faça o que foi mandado. — Raiva encharcou suas palavras.
— Tem medo de que seu precioso Dominic descubra? — Arrisquei
um mero deboche, que não foi bem recebido.
— Medo? — Uma risada sombria pintou seu rosto maduro e
familiar. — Uma hora ou outra essa negação de que pode ficar perto dele e
não contar a verdade pode se tornar uma coisa perigosa, bela Augusta, e
não, não queremos ver o que faço quando as coisas não saem do meu jeito.
O gosto amargo da culpa por ainda pintar mentiras que estavam me
levando para longe de Dominic se misturava em uma névoa densa de medo,
onde sentia minhas mãos frias e trêmulas.
— Você não vai machucá-lo — fraquejei a voz em um pedido.
— E estou cumprindo com a minha palavra, não vê?
Cerrei os punhos.
Era mentira. Meu pesadelo nunca me deixaria livre, e
provavelmente me mataria no baile. Suas palavras eram como as minhas
mentiras, varias peneiras tentando tapar o sol. Postergando algo inevitável
enquanto a verdade queimava viva a pele exposta.
— Tic tac tic tac, não há lugar para dois reis nesta cidade, e o tempo
não perdoa quem faz más escolhas na hora errada.
O pesadelo que assombra meus sonhos sorriu pra mim, antes de se
levantar e partir para a sala que eu também estaria em alguns minutos.
Porra, porra, porra.
Eu sempre odiei ordens, e não era hoje que o maldito iria me dar
uma.

Tenho certeza que o meu rosto demonstrava tudo aquilo que eu não
ia falar, na verdade, o silêncio da sala era quase ensurdecedor quando entrei.
Eu não sabia se esperavam algo a mais ou se estavam falando de mim e por
isso pararam de falar. Mas eu segui o meu próprio protocolo de entrada, e
não demonstrei estar perdida ou curiosa com o clima do ambiente.
Os longos minutos que percorri da minha sala até aqui foram
significativos, voltei atrás na minha própria decisão mais vezes do que
podia admitir. Não gostava de sentir inseguranças nas minhas escolhas e
odiava ter que me questionar.
Sentei-me ao lado de Dominic, que me olhou intrigado quando selei
seus lábios com os meus. Sorri, mostrando que hoje não seria um dia fácil.
— Podemos começar? — Todos os pescoços giraram em minha
direção assim que minha voz firme chegou em seus ouvidos. Em seguida,
foi uma grande mistura de mãos, papéis e iPads se movendo para todo lado
até que estivessem prontos para me acompanhar.
— Trigésima reunião da Associação Aristocrática de Bash aberta
— Martinez começou sem muito interesse, mas seguiu religiosamente o
protocolo da reunião. — Nenhum voto requisitado poderá ser revogado ou
mudado e nenhuma pauta aberta poderá ser postergada. Sendo assim, temos
até o final para eleger ou aceitar qualquer cláusula presente, sem chance de
qualquer influência, ou votos terceiros, reforçando que toda decisão antes
tomada será obrigatoriamente discutida.
— Acordado — todos nós falamos.
— E lembrando que hoje, como foi decidido por prévia, Dominic
terá o voto em peso desde que sua futura esposa Augusta entre em
consenso. Sabemos que esse tipo de voto é dado somente depois do
casamento, mas como os termos já foram assinados entre ambos por lei
declarada nessa associação, será aceito a opinião e revogação de ambos
desde que estejam coerentes e corretos quanto ao assunto.
A velocidade que o meu pescoço girou diria que me causaria um
grande torcicolo mais tarde. Mas a tranquilidade que Dominic harmonizava
em seu rosto me calou antes mesmo que meus pensamentos tomassem
forma.
Eu não tinha assinado a merda do contrato ainda. Na verdade,
estava realmente me perguntando o porquê do meu pai ter parado de insistir
nas últimas semanas… Franzi o cenho. Ele não faria isso. Não mesmo. Não
teria como assinarem por mim de alguma forma.
Senti um braço quente nos meus ombros quando endireitei a coluna,
e preferi não olhar novamente para o meu intitulado noivo. Pois sabia que
meus olhos diriam coisas demais e estávamos em público.
Observei todos na mesa, éramos pelo menos vinte. Todo o G5
estava aqui, o prefeito Wilson, o tenente Sullivan, alguns executivos
regionais e dez Cheffts representantes. De mulher, só havia eu e duas
executivas. Fred não estava, e provavelmente por isso eu fui uma boa
desculpa para poder estar com Dominic aqui.
— Que a reunião comece — Dominic afirmou.
Soltei o ar lentamente dos pulmões, abrindo o arquivo de pautas que
tinha sido enviado junto ao e-mail de notificação da reunião.
— Pois bem, vamos à primeira pauta. Terminais polidutos. — Claro
que seria. — As novas bombas não foram computadas e a transportação
ainda não está dentro do nosso regulamento.
— Isso não seria assunto empresarial? — cortei antes que Garcia
seguisse com o pensamento alto. Dentro do seu regulamento significava
dentro das suas vistas.
Meu pai tinha me dito sobre isso. Eu entendia que éramos uma
associação e que dependíamos uns dos outros, mas não tínhamos que estar
dentro diretamente da empresa uns dos outros. A Stilk crescia cada vez
mais durante os anos, e os olhos cobiçosos andavam juntamente querendo
adentrar nosso patrimônio.
O estado por si só já tinha uma grande parcela nos nossos
empreendimentos, e a presidência que hoje era ocupada pelo meu pai era
cada dia mais observada. Eu sabia que eles queriam mudar a política secular
que existia na nossa família, mas só não sabia o quanto.
— Não quando o território que vocês usam é de nosso domínio —
Davis, o mais velho do grupo, contrapôs. E cerrei a mandíbula.
— Então posso contar com vocês para o balanço no final do ano,
certo? Já que estão tão interessados para onde está sendo enviado nosso
produto. Vocês vão contribuir com o balanço territorial? Bash ficaria feliz
em ver suas mãos saírem dos seus bolsos cheios.
Seus olhos me desafiaram e me mantive firme, quando se tratava de
disponibilizar recurso, o G5 era sempre péssimo nisso. Eles só queriam
ganhar e nunca, jamais, dar.
— A Stilk está em dia com a associação, mas solicitarei um técnico
para os terminais — Dominic cortou o clima e eu o fuzilei. Ninguém iria
vistoriar a minha verdade.
Mas Dominic ignorou meu olhar, mantendo sua posição implacável.
Se já na primeira cláusula estamos em desacordo, como será a última?
Peguei o copo com água que tinha visto Dominic colocar para mim.
— Segunda pauta, parece que temos uma nova indicação?
Olhei para Fabian pela primeira vez, ele estava como executivo na
mesa, embora o polo que representasse não estivesse dentro da cidade de
Bash, por ser um pequeno distrito. Mas Dominic tinha assinado um termo
de autorização para ele, e bem… Dominic, mesmo sem um contrato
nupcial, tinha peso nas decisões pelo seu sobrenome.
— Apresente-se — Martinez falou e meu estômago revirou quando
um olhar de malícia foi direcionado a Fabian. Qualquer palavra errada e ele
estaria fora da sala.
Fabian limpou a garganta e torci silenciosamente para que ele não
vacilasse.
— Fabiano Honorio, representante da Coop e requerente à posição
de Chefft dentro da Associação Aristocrática de Bash — Fabian falou firme
e cruzei as mãos sobre a mesa, interessada. — Como está no artigo 76 dos
termos em anexo, ainda tenho direito a revogar a minha recusa desde que
tenha votos maiores que nove.
— Pedido de fala concedido — Dominic responde com uma voz
forte e firme, e remexo no meu assento inquieta, quando sinto sua mão
roçar a minha coxa.
Fabian olha pra mim, depois para todos na mesa, e ali vejo algo que
me faz respeitá-lo mais. Ele não está com medo e sei que não irá vacilar,
seu olhar é puro desafio e soberba, como se soubesse que iria ganhar antes
mesmo de começar sua defesa. Ele era ótimo quando não estava utilizando
isso contra mim.
— Bem, quero esclarecer que o motivo da minha recusa no
primeiro convite foi inteiramente ligada ao benefício das minhas terras. Eu,
como gestor principal da Coop, tive que priorizar uma boa produção, então
me desculpem por não pedir desculpas ao escolher o meu povo. Entretanto,
vi como uma boa escolha, agora que estamos estruturados. Temos gráficos
suficientes para não sofrermos alterações com o conjunto.
— Por que iria querer fazer parte de uma associação se,
hipoteticamente, já tem a sua?
— Um homem de negócios nunca está satisfeito com um caminho
só. Possibilidades, é claro.
— Estaria disposto a ceder terras para a senhorita Vendetta? —
Martinez provocou, e soube que isso era um teste. Fabian me negou isso
todas as vezes que quis investir nas suas terras, e todos da AAB sabiam
disso.
— Eu estaria disposto a negociar com Marllon e Augusta Vendetta.
Olhei para Dominic que se mantinha concentrado em Fabian,
depois seus olhos me acharam e me disseram o que eu tinha formulado
alguns dias atrás. Fabian faria de tudo por Dominic, inclusive mexer na sua
maior riqueza para poder dar o que ele quisesse.
— Justificativa aceita — meu noivo declarou, e desviei o olhar
quando ele destampou a pequena garrafa que estava à nossa frente e encheu
novamente meu copo de água com gás.
Ele me queria a qualquer custo.
— E vamos à votação — Hernandez chamou e o clima tenso foi
rapidamente substituído por agitação, e com certeza não esperávamos a
próxima cena a seguir.
Porque, como se quisessem se livrar de uma praga, começaram
rapidamente a falar vários “não”, um seguido do outro, como pequenos
botões apertados estourando todos ao mesmo tempo, até que toda mesa
tivesse expressado seu desgosto.
Sorri. Não que eu esperasse nada menos que uma negativa.
Só faltavam eu e Dominic para votar e claramente tínhamos perdido
a batalha se considerássemos a regra que uma vez dito o voto, ele não
poderia ser revogado. Mas ainda assim éramos dois e felizmente ainda
pensávamos igual, pois seu corpo relaxado e a mão idiota se infiltrando
entre as minhas coxas, me disse isso.
Dobrei o cotovelo, passando as mãos no cabelo. A ansiedade me
dando boas-vindas com o medo do rumo que a reunião poderia tomar.
— Acha que um voto meu fará diferença? — Dominic disse.
E cerrei os olhos com o coração na boca, surpresa quando sua mão
fez carinho na minha coxa coberta pelo tecido, me pegando totalmente
desprevenida. Engoli em seco. Eu usava uma saia midi que ia até a canela, e
contava com isso para me salvar dos seus dedos.
— Eu gosto de pensar em segundas chances — disse,
complementando sua fala.
— Isso é uma afronta conosco, não importa se há alguma regra. É a
nossa honra. — A voz de Davis sobressaiu entre os murmúrios.
— Eu acho interessante você falar de honra quando faz sua esposa
conviver com a sua amante bem debaixo da própria casa, Davis — Dominic
atacou e eu quis estapear sua cara; esse, com certeza, não era o melhor
caminho quando se quer um sim de alguém.
— Estamos trazendo assuntos pessoais? — Martinez bradou em
desafio.
— É claro que não — arrisquei apaziguar. — Só acreditamos que
Fabian seria um bom aliado financeiramente para nós.
— Não sei se lembra, mas o caipira nos disse um grande não — um
dos Cheffts apontou. Caio, se não me engano.
— E agora está oferecendo seu ouro, e sua justificativa foi acatada
— defendi nosso ponto.
— Dominic aceitou porque é seu amigo, não porque foi coerente.
— Está discutindo a minha palavra, Martinez? — Dominic
perguntou arisco.
— De forma alguma. Porém, como membro mais próximo, peço
que nos ouça primeiro.
— Irei escutar a minha esposa primeiro — minha respiração
estagnou por um segundo antes que meus pensamentos se formassem para a
defesa de Fabian.
Eu não iria olhá-lo. Merda, não. Não estava casada com Dominic,
mas se eu tivesse hipoteticamente assinado o termo, em lei poderíamos
estar.
Respira, Augusta, não olhe para ele. Não olhe para o seu pesadelo,
quando você tem que levantar argumentos válidos para o melhor amigo do
seu… marido? Meu Deus, isso era confuso. Merda, merda, merda. Não
tinha noção do peso da palavra até Dominic proferi-la.
Limpei a garganta, que não precisava ser limpa.
— Fabian trouxe argumentos válidos e não há motivos para negar
seu pedido, vendo que já havíamos feito o convite uma vez e o seu não, não
foi arquivado em ata ou documento legível. Eu olhei seus gráficos e a sua
produção está muito acima da média que pedimos para um representante,
então o meu voto é sim.
Mesmo que eu dissesse sim, ainda precisaríamos de um dos
membros do G5 ou uma boa porcentagem dos Chefft para que Dominic
tivesse uma escolha. Então, a menos que nove representantes revogassem
seu não, Fabian não entraria.
— Mais alguém? — Dominic perguntou e essa seria a bendita hora
que poderíamos ter a chance de pôr Fabian para dentro. Mas alguns minutos
se passaram e ninguém ousou voltar atrás. A baixa risada de Dominic
estremeceu meu corpo, seus lábios roçaram minhas bochechas.
Ele não estava feliz, Dominic estava pronto para revidar, sua calma
fingida despertou cada molécula do meu corpo. Da última vez que ele não
conseguiu o que queria, a cidade de Bash quase entrou em crise após
Dominic bloquear todas as transações de moeda virtual.
— Bem, vocês têm muito azar em não terem retrocedido com a
perfeita justificativa de Augusta.
— Não somos obrigados a concordar só porque você não gostou da
decisão geral — um dos Chefft arriscou, e eu o achei corajoso.
— Concordo com você, Laion.
Concorda? Olhei para Fabian, que parecia tão calmo quanto seu
amigo.
— Mas como intitulado maior em hierarquia, posso nomeá-lo ao
G5.
Cabeças rolam para lá e para cá, inclusive a minha. Que porra
Dominic estava fazendo?
— Você não pode nomear um apoiador só porque tem um contrato
nupcial — ralhou Martinez e prendi a respiração. — E caso não se lembre,
a regra do G5 são cinco membros, não seis. Então, você ainda não pode
nomear alguém.
— Eu sei disso, e por isso estou expulsando Gonzales por traição —
a fala veio simples, como um pedido por um copo d’água.
O quê? Vários arquejos se deram na mesa, e todos os olhares se
voltaram para Gonzales. Que porra Dominic estava fazendo?
— Do que está falando, Dominic? — Gonzales perguntou tranquilo,
com uma calma que duvidava ter, mas ele ainda tinha que manter o tom
baixo e a civilidade. Soltei o ar pela boca quando seu olhar me cortou.
Dominic então encostou na cadeira e pôs a mão no colo, como se
fosse explicar algo longo e sem nenhuma complexidade, enquanto todos
aguardavam suas próximas palavras para o rumo final da reunião.
Como a porra de um rei.
— Gonzales está fora do G5 por roubar dados e vendê-los a
terceirizados. Não somos inimigos, mas não é aceitável compartilhar dados
de nenhum cliente com empresas fronteiriças, ainda mais quando se vende
em benefício próprio. E como está no pacto da AAB, nenhum membro
estará fora das punições escritas na ata de regulamento oficial. Exceto se
vocês queiram contestar fatos comprovados. E se tiverem a fim de acobertar
um roubo descarado, vão em frente e estão todos fora da AAB.
Merda, merda, merda. O quê? Dominic estava atacando. A minha
respiração ficou presa enquanto ouvia as palavras decisórias que
antecipavam nosso final.
— Veja bem, eu realmente não gostaria de estar trazendo esse
assunto na mesa, mas situações drásticas pedem medidas à altura.
— Você não está falando sério, só porque não aceitamos o caipira,
está desfazendo o grupo? — Martinez bufou de raiva e eu senti tudo o que
ele poderia fazer de agora em diante.
— Estou fortalecendo vocês, ninguém é digno de estar cem por
cento no poder a vida toda, uma hora a roda tinha que girar. E, bem, ela
acabou de rodar.
E com essa fala, Dominic deixa a sala, como se não tivesse
despejado várias merdas secretas na frente de todos. Porra, tínhamos
acabado de colocar Fabian como membro oficial do G5, e nem estávamos
casados.
Tudo iria desmoronar.
E a mensagem que apitou no meu celular quando saí da sala, me
disse exatamente isso.
Pesadelo: Um contrato assinado?
Pesadelo: Parece que vamos eliminar um rei mais cedo. Seu tempo
acabou.
POR FAVOR

— O que você fez? — A raiva exalava em cada poro do seu rosto,


sua respiração pesada e o seu maxilar travado me mostrava que hoje eu não
iria vencer essa guerra.
Relaxei na cadeira, comendo seu corpo com os olhos, seu peito
subia e descia pela posição favorável em que estava, com as costas
inclinadas e os braços firmes. Estreitei os olhos quando seus lábios
torceram, formando um bico que queria muito morder.
— Do que exatamente estamos falando? — Eu não devia fazer esse
tipo de pergunta, não quando as sardas salpicadas em seu rosto estavam
mais evidentes do que o normal. A coloração me lembrava da sua pele pós-
orgasmo.
— Não finja. — A raiva retumbava por cada letra, me aquecendo de
uma forma sádica.
— Quer uma brecha? — Eu poderia lhe dar uma trégua, apesar do
seu rosto querer tudo, menos paz.
— Uma brecha — afirmou, balançando a cabeça e ofereci a cadeira
ao seu lado com uma mão estendida
— Ok. Então senta.
Augusta se sentou e engoli a surpresa da rapidez em que ela acatou
o pedido. Algo estava prestes a acontecer, sua resposta rápida me lembrou o
primeiro dia em que ela saiu do hospital.
Segui seu olhar quando repousou no pequeno quadro em cima da
minha mesa. Duas pessoas jovens demais, que ainda não conheciam o quão
amarga a vida poderia ser.
— Eu não assinei nenhum contrato. — Sua voz era controlada e
percebi que ela tinha começado pelo mais fácil.
— Eu sei.
— Então por que na merda da reunião Martinez disse que eu tinha?
— Porque ele acha que você assinou.
Augusta franziu o cenho, pensamentos que nunca seriam
compartilhados comigo passando em sua mente.
— Ah, claro, porque você não precisa provar que assinei algo sendo
que não assinei.
— Não.
A minha resposta fez seus olhos encontrarem os meus. E ali eu vi. E
a vi. Augusta parecia machucada, e não podia fazer nada. Não podia porque
ela não deixava. Observei seu corpo rígido, que expressava uma dureza que
naquele momento ela não tinha. Ela parecia frágil e o seu olhar perdido me
disse que a sua falta de palavras seria nossa morte. Augusta buscava as
palavras certas para nos machucar novamente. Mais uma vez.
— Me conte o que você fez.
— Eu não fiz nada, os papéis estavam na mesa o tempo todo, só não
tiveram a curiosidade de abrir.
— Está me dizendo que só porque falou que estava assinado,
Martinez aceitou sem olhar nada?
— Eu não disse que estava assinado, disse apenas que os papéis
estavam na mesa e não neguei nada quando ele afirmou que você tinha
assinado os papéis.
Uma respiração e Augusta tomou seu tempo, achei que alívio tinha
pintado seu semblante, mas seus olhos se fecharam por segundos antes de
abri-los e florescer outra onda de raiva. E dessa vez parecia destruir ainda
mais seu lindo rosto.
— Porque ninguém ia questionar se você estava falando a verdade.
— Seu tom continha veneno e esperei em silêncio, deixando que ela
concluísse seus próprios pensamentos.
Augusta sempre foi assim, entrava com certa frequência em uma
espiral de pensamentos que a fazia muitas vezes parar, mas eu era paciente.
Gostava de ver suas engrenagens a todo vapor, calculando cada palavra
proferida por seus lábios carnudos.
— Você deveria ser a primeira a saber que ninguém me questiona,
bruxa.
Arqueei as sobrancelhas, querendo tirar dela tudo que conseguisse,
mesmo sabendo que ela não compartilhava mais nada comigo como fazia
antes.
Seus olhos queimaram cada molécula exposta do meu rosto e vi a
máscara prateada cobrir o seu em uma dureza questionável.
— Precisa de uma distração?
— Não.
— Então por que veio até mim?
— Hoje foi um dia difícil e eu ainda sou uma cadela porque a única
pessoa que desejo contar sobre o meu dia é você. — Sua voz parecia
sofrida, embora eu soubesse que todas as suas palavras eram muito bem
intencionadas.
— Você pode falar.
— Uma ordem?
— Se for preciso para tirar as mentiras da sua boca.
Uma risada fraca escapou por seus lábios, chamando a minha
atenção para eles.
— Eu não devia estar aqui. — Augusta pareceria cansada, mesmo
que o seu tom não fraquejasse por um segundo.
— Você está onde quer, porque ninguém lhe diz aonde você pode ir
— provoquei, com um tom um pouco mais duro, cheio de segundas
intenções. — Eu te dei tudo.
— Você me deu tudo e ainda assim não é o suficiente — soou
sincera.
Arrancar a verdade de Augusta era como querer passar entre
paredes de pedra, impossível. Eu gostava de pensar que uma parte daquela
menina ainda estava ali, em algum lugar, talvez pedindo por ajuda
silenciosamente, ou talvez se fechando cada vez mais por achar que era
melhor assim.
Teimosa, Augusta era uma mulher teimosa, que não se importava
em pagar as consequências dos seus atos.
— Eu pensei em uma coisa.
— Você sempre está pensando em algo.
— Não, eu pensei em uma coisa que você pode me dar. Você me
prometeu tudo e estou pronta para cobrar o meu pedido. Quero você.
Não pude esconder a surpresa, realmente não estava esperando por
isso. Algo denso cobriu os seus olhos e a garota por quem tinha me
apaixonado uma vida atrás apareceu. Me remexi inquieto. Tentei não pensar
muito no que suas palavras significavam.
— Você não quer isso.
— Eu quero, como o ar que respiro.
Minha respiração ficou pesada, absorvendo todas as intenções do
seu olhar. Porra, eu poderia colocá-la de quatro em cima dessa mesa e tirar
tudo dela. Eu sabia, no entanto, que suas palavras não eram de toda
verdade, eram da boca para fora. Augusta estava fugindo. Eu a conhecia
bem demais.
No entanto, uma ideia maníaca passou por meus lábios.
— Você vai me dizer a verdade hoje?
— Eu posso te dizer uma.
— Qualquer uma?
— Qualquer uma.
— Então, vamos fazer isso — desafiei, certo das minhas palavras,
me levantando e ficando ao seu lado. Meu olhar firme e decidido
transformando o ar em algo pesado e fatal. Se não fosse por suas mentiras,
eu também poderia arrancar as suas roupas bem ali, nada importava.
A boca de Augusta se separou em um arquejo surpreso, e suas
sobrancelhas arquearam, seus olhos queimando minha mão estendida.
— Agora? — saiu mais como um sussurro.
— Sim. Qual lugar mais seguro para fazer sexo do que dentro de
um banco?
Augusta olhou ao seu redor como se estivesse calculando algo.
Uma risada sem graça abandonou seus lábios. E ela se levantou, me
olhando desconfiada. Segurei suas duas mãos, pousando-as na mesa, na
mesma posição que ela chegou alguns minutos atrás.
— Já desistiu? — Curvei seus ombros, para que a posição ficasse
perfeita. Amava vê-la de costas.
— Você quer que eu desista? — sua voz não era mais um sussurro,
havia algo como incerteza e curiosidade.
— Você devia ser a última pessoa a me questionar sobre querer
você — sussurrei no seu ouvido, e Augusta remexeu inquieta, fechando os
olhos sem sair da posição que eu tinha a colocado. — Eu a foderia sem
problema nenhum aqui nessa mesa, e garantiria que seria muito bom.
E poderia ser um dia fodidamente bom, se não fosse por sua
obediência rápida.
— Estou pensando — vacilou.
— Quer que eu a convença? — sorri malicioso.
— Não!
Tsc, tsc, resposta rápida.
— Então não quer?
— Quero.
Tsc, tsc.
Uma risada baixa saiu por meus lábios, a diversão e malícia se
afogando no poço amargo de traições e mentiras. Afastei as duas cadeiras
que estavam atrás da mesa, sentando em uma e relaxando o corpo.
— Você está com muita dúvida, amor, sente-se, não conversamos
por igual quando um está em pé.
Augusta não pensou muito e fez o que pedi novamente, ainda com a
cabeça longe e os movimentos muito rápidos. Estudei seu rosto sem pressa.
O que tínhamos nos tornado? Era a pergunta que mais me fazia. Estava tudo
errado. Cada maldita frase.
Então esperei que ela falasse, porque por mais cruel que ela esteja
sendo com nós dois, não consigo negá-la. Não consigo não estar aqui para
ela. Não consigo não fazer tudo por ela. Porque Augusta é a bendita mulher
que suga todo meu ar, e arranca todas as minhas estruturas, não importa o
tempo que passe
Ela, que sempre me questionou do meu bom autocontrole, mal sabe
que, quando se trata dela, nada importa.
Porque era tudo por ela.
— Eu sinto saudades. — Sua voz era fraca e o meu coração deu um
salto ao perceber por onde sua mente vagava. — Às vezes, sinto que não
consigo respirar o suficiente e ainda estou na nossa casa. Acho que nunca
conseguirei tirar da memória o meu sangue. E água nenhuma será o
suficiente para limpá-lo das minhas mãos.
— Você não teve culpa.
— Eu tive — implorou, e eu odiava que ela fizesse isso. Odiava
quando ela se afundava em culpa e tomava toda amargura, julgando ser
merecedora da dor. Eu odiava essa merda. Odiava que ela estivesse fazendo
novamente isso com a gente.
Então, com um suspiro que fez todo meu interior latejar, eu deixei.
Abri mão do resquício de autopreservação e deixei que a mulher que ainda
amava me partisse de novo. Porque era isso que ela ia fazer. Me partir ao
meio.
— Tem sido uma grande confusão desde que fui parar naquele
hospital, desde que perdi o nosso filho. Eu sinto muito por não ter sido justa
com você, mas eu… — um suspiro sem graça saiu junto com uma risada
nasalada. — Sinceramente? Não me arrependo, sou egoísta ao ponto de não
me arrepender por ter roubado de você o direito de ir embora.
— Augusta…
— Por favor, só me deixe… Falar.
— Não há como devolver palavras uma vez que são ditas.
— Eu sei, e é por isso que estou aqui.
— Outro término?
Mas ela não me respondeu, ao invés disso, molhou os lábios e
mergulhou nos meus olhos.
Eu vi verdade neles, e algo estava se partindo dentro de mim.
De novo.
Meu coração estava se partindo de novo.
Porque ela estava fazendo errado, de novo.
— Eu sinto muito por ter te puxado para a minha bagunça. Porque
depois que saí do hospital, eu só queria… você. Mas não era direito meu tê-
lo, não depois que eu também tirei algo de você. O que me leva a lembrar
quão ruim fomos nesse jogo. Preciso reconhecer, é difícil não queimar no
fogo quando você está tão perto da beira. Mas eu estava sufocando de novo,
mesmo longe do fogo. Mesmo longe de casa. Mesmo longe de você. Eu fui
ruim, mas não me arrependo de ter te levado à minha ruína, porque você
parece lidar muito melhor com os desastres do que eu.
Era verdade, acabamos caindo no jogo vicioso entre nos machucar e
fingir que nada estava acontecendo. Nas primeiras semanas, quando
Augusta fez suas malas e foi para casa do seu pai, fingi aceitar que ela só
precisava de um tempo para digerir a tragédia, já que não tinha nada que eu
não faria para arrancar a dor nos seus olhos sempre que a pegava me
olhando.
Na segunda semana, quando pensei que ela voltaria para mim,
parou de responder minhas mensagens e começou a me evitar a todo custo.
Na terceira, o primeiro escândalo saiu, sua foto com outro homem
jantando em um restaurante qualquer desencadeou a nossa primeira briga
feia, quando apareci no mesmo lugar e a arranquei de lá como um maldito
homem das cavernas.
Na quarta, eu já tinha me embebedado de raiva, as palavras
venenosas que eram despejadas de sua boca entravam como veneno no meu
coração, sempre que nos encontrávamos. Então, comecei a atingir direto no
seu orgulho, fazia com que ela quisesse algo, desejar algo, só para tirar de
suas mãos e tomar. Grande parte das nossas ações em comum foram jogadas
no lixo.
Eu não tinha limite, e Augusta muito menos. Não quando se tratava
de ferirmos um ao outro, era o que nos sustentava.
E foi na quinta semana, quando estivemos no nosso primeiro baile
aberto, que as coisas desandaram de vez. Ouvimos sinto muito mais vezes
do que qualquer pessoa aguentaria. E a gente já não estava mais pensando
no incêndio, porque entre nós, não se tratava de sentimento, e sim de quem
iria ceder primeiro. Quem iria se partir primeiro.
E esse foi o nosso erro, achar que algum de nós iria quebrar. Porque
já estávamos despedaçados, e não se quebra algo que já está em estilhaços.
— Foi minha escolha.
— Não, eu não te dei escolhas. Eu exigi de você algo que não
estava te dando.
Augusta achava que só ela precisava disso, de ter a certeza que
ainda podíamos ser um do outro. Mas o que ela não aceitava, era que eu
também precisava me alimentar do nosso caos para me manter são, para
manter o restante das nossas metades.
— Na noite do incêndio, antes de você ir para o banco, eu tinha
assinado o nosso contrato nupcial. — Sua voz se quebrou, e os seus olhos,
que eram sempre duros e famintos, replicaram a vermelhidão das duas
sardas. Minha garganta queimou antes dos meus olhos também arderem.
— E cadê esse contrato?
— Queimou junto com a casa.
— Por que está me dizendo isso?
— Porque quero que pare.
— Parar com o quê, exatamente?
Augusta me olhou. E o mel doce e atrevido que vivia ali tinha ido
embora. Eu podia ouvir os estilhaços trincados entre nós novamente, podia
tocar fisicamente o resto dos nossos corações que estavam sendo
derramados pelo chão.
— Pare de tentar me achar, porque você não vai gostar do que irá
encontrar.
— E se eu não parar?
Augusta trincou o maxilar e eu soube que o pior viria.
— Esses últimos onze meses foram horríveis, mas não posso culpar
outra pessoa que não eu. Porque fui eu, foram minhas escolhas. Não posso
deixar que continue com isso, que se afunde mais nisso quando a culpa é
toda minha. Eu não posso dizer como começou o fogo, mas eu poderia ter
feito algo mais rápido, saído mais rápido da nossa casa. Eu sinto muito,
Dominic.
Agora foi a minha vez de soltar o ar pelo nariz. Me sentia cansado.
Quase farto demais para sentir os meus membros protestarem pela posição
estática que havia ficado desde que Augusta tinha começado a falar.
— Por que você não quer falar a verdade?
— Porque não há verdades há contar.
— Está me dizendo que estou louco? Está me dizendo que tudo que
vivemos e todas as palavras trocadas eram falsas? Está me dizendo que
estou atrás de nada? Me explica por que escondeu seus exames de mim, me
explica por que nossa casa pegou fogo com os protetores ligados? Me
explica por que não pude te ver no hospital? Me explica por que passamos a
ser nada depois de eu ter te pedido em casamento dias antes do incêndio?
Com uma lufada de ar, senti suas mãos pegarem as minhas, seus
olhos imploravam por algo silencioso. E eu senti o corte de suas palavras
em todo lugar do meu corpo.
— Eu o matei, Nic. E não há o que procurar. Eu só estava
envergonhada demais para olhar no seu rosto e ter que admitir que não fui
forte para salvá-lo. Desculpe, por ser egoísta demais e não conseguir deixar
você ir embora quando eu deveria ser a primeira a ter partido. Desculpe, por
não ser o suficiente para você. Eu sinto muito, Dominic, eu sinto muito por
ter demorado tanto para te libertar. Desculpe, por não ter sido suficiente e
salvado nosso filho.
Engoli em seco, travando o maxilar e fechando os olhos. Essa porra
não estava acontecendo. Porra.
Novamente, aquele sentimento de que algo está errado demais me
engoliu, tomando meus sentidos. Ela estava mentindo, porra. Eu precisava
de ar. Precisava sair. Precisava de ar no meu cérebro. A fumaça entrava em
cada poro do meu corpo, liquefazendo minhas estruturas e me
entorpecendo.
Era demais, sempre demais. Augusta não pegava leve, não quando
se tratava de destruir.
Balancei a cabeça, me livrando das suas mãos. Minha voz saiu um
fiasco cheio de névoa cinza.
— Você não tá fazendo isso de novo, porra.
Lutei para manter minha voz, mas o tom firme não a fez recuar.
Nunca fez.
— A dor é menor quando se arranca o band-aid de uma vez.
Meus ouvidos zumbiram.
— Que porra de band-aid, Augusta? Que porra estamos arrancando
quando uma ferida nunca foi fechada? Você não quis fechar essa ferida, e
ela está fedendo. Fedendo como as malditas mentiras que saem da sua boca.
— Não vou implorar para que acredite em mim, mas essa é a
verdade.
— Verdade?
Uma risada de desespero me levou. Fechei os olhos, vendo somente
a porra do fogo no meu organismo.
— Você quer a verdade? — Uma nuvem de raiva adentrava o
espaço. E eu permiti ser inundado por esse sentimento cruel, que drenava
todas as minhas forças. Que sugava a minha própria sanidade.
— Não. — Augusta limpou o rosto, se levantando. Eu estava no
meio da sala, então para ir embora, ela tinha que passar por mim.
Porra, ela estava se levantando para ir embora.
— Covarde demais para ouvir.
— Eu nunca disse que era corajosa o suficiente para te ouvir falar.
Meu coração dava galopadas fortes, e quando Augusta se
aproximou, senti o nosso ar indo embora. Junto com sua respiração
acelerada que fazia seu peito subir e descer.
— Então é assim? — Encarei seus olhos, desvendando mais
mentiras. O ar esquentando e arrancando cada gota saudável da minha pele.
— Vai desistir?
— Sim. — A respiração de Augusta estava pesada, e seus lábios
entreabertos me disseram que respirar pelo nariz não era suficiente para
acalmar seu coração. — Mas dessa vez não haverá volta, eu me certificarei
disso.
— Ok — sussurrei para os meros trinta centímetros que nos restava.
— Ok? — Sua voz fraquejou, engolindo em seco.
— Você está fazendo uma péssima escolha.
— Provavelmente. — Seus olhos estavam na minha boca e cerrei os
punhos antes de avançar minha mão em seus cabelos, infiltrando meus
dedos em suas mechas, deixando seu rosto perfeitamente alinhado com o
meu.
— Eu não quero uma despedida — sussurrei.
— Não é uma despedida.
Péssimas decisões são frutos de desespero, e quando se tratava de
Augusta, eu entrava em desespero. Ela era meu ar. A minha melhor amiga.
A pessoa que sempre esteve aqui por mim. Eu duvidava que isso mudaria,
mas algo fazia com que ela distorcesse suas promessas, julgando-nos fracos
e insuficientes.
E eu sabia ser a porra de um egoísta por trocar uma respiração por
um beijo dela, trocar o meu coração pela vida dela. Eu era obcecado por
essa mulher, e nada me faria ir embora. Não importava o quanto ela
fechasse a porta na minha cara.
— Me diga quantas mentiras saíram da sua boca, bruxa, e eu direi
quantas delas você pagará o preço.
Então avancei em sua boca, arrancando todos os suspiros quentes
dos seus lábios carnudos.
O beijo com Augusta sempre era diferente, não importava o tempo
que passasse, ele tinha sabor de lar, era doce, me dava água na boca só por
saber que devoraria cada canto gostoso da sua alma.
Puxei feroz seus lábios, chupando e provando cada mentira formada
ali. Augusta protestou quando puxei sua língua, chupando-a e a deixando
sem ar. Eu queria tudo dessa mulher. Até mesmo o nada.
Agarrei sua cintura com o braço livre, não desgrudando a outra mão
dos seus cabelos, e empurrei seu corpo junto com o meu para a mesa que
estávamos poucos minutos atrás. Separei nossas bocas, puxando seu lábio
inferior e o mordendo. Provar de sua boca nunca seria suficiente, eu queria
sempre mais e mais e mais.
Encarei os seus olhos castanhos, totalmente derretidos e entregues.
— Fala.
Por mais louco de desejo que eu estivesse por ela, Augusta ainda
tinha que dar sinal verde. Eu não queria que isso se tornasse algo sujo. Foi a
nossa promessa, por mais raivosos que estivéssemos um com outro, nunca
ultrapassaríamos esse limite. Por pior que tudo se transformasse, ainda
estaríamos nos amando enquanto fodia cada molécula de Augusta.
— Eu quero isso.
— As palavras certas.
Augusta engoliu em seco, e sua respiração falha tremeu seu corpo, e
apertei mais meu punho em seu cabelo, para que ela não desviasse o olhar.
E se caso qualquer resquício de dúvida aparecesse, eu veria, então tudo
acabaria.
— Você ama ver meu ego indo para o lixo.
— Amo.
Um brilho de desafio a cobriu, e o doce dos seus olhos se misturou
ao sensual, a luxúria preenchendo cada expressão do seu rosto.
— Eu odeio você — sussurrou.
— Eu amo te ver me odiar. — Virei seu corpo, deixando que sua
bunda sentisse o quanto eu a queira. Que ela sentisse o quão duro estava só
por imaginar a sua boceta esmagando o meu pau. — Está pronta para dizer?
Abri o zíper na lateral direita do seu vestido, expondo metade do
seu corpo, e todo meu corpo se animou com a ideia de lamber cada
pedacinho dela. Augusta era gostosa e passaria minha vida toda a adorando.
Magnífica.
Subi o vestido devagar por suas pernas, expondo sua bunda e quase
babando na visão sensual que ela entregava. A calcinha de hoje era um
pedaço de renda azul.
Engoli em seco. Era minha cor favorita.
— Por que sempre faz isso? — Sua voz era falha, prova de que as
minhas mãos ágeis pelo seu corpo surtiam efeito. Levantei mais o vestido e
apalpei sua bunda, apertando e ameaçando vagar pelo caminho mais
estreito.
Seu corpo respondeu rápido quando suas pernas inquietas
balançaram, e sua cabeça quis sair do controle da minha mão quando
terminei de passar o vestido por ela.
— Só quero lembrar a nós dois que isso é real.
— Eu odeio você.
— Não me culpe por querer nos salvar das nossas próprias merdas.
Augusta se inclinou, sustentando-se nos seus dois braços sobre a
mesa.
— Dominic — miou, e alcancei a fina alça da sua calcinha,
puxando-a para baixo, deixando-a na metade das pernas. Porra, uma visão
perfeita. A foderia bem assim. Passei os dedos pelo fecho do sutiã,
querendo arrancá-lo dali também.
— Sim, amor?
— Por favor… — Sua voz era falha e meu pau correspondia a cada
tom desesperado e ansioso que proferia.
— Por favor, o quê, amor?
Augusta xingou algo inaudível, e virei seu rosto para trás, para que
eu pudesse ver a verdade nele.
— Canalha.
— Essas não são as palavras certas.
Outro xingamento, e alcancei novamente suas nádegas,
provocando-a sem provar ainda da sua boceta que eu sabia que estava
molhada. Porra, estava testando minha sanidade. Abri o fecho do seu sutiã,
liberando seus seios perfeitos. Minha boca salivou. Gostosa da porra.
Augusta estava nua e de costas para mim, e dedilhei as minhas
mãos pelas suas costas, cóccix, na parte da frente das suas coxas, sua
barriga, entre os seus seios, seu pescoço… Provocando arrepios por todo
seu corpo. Meus movimentos eram lentos e suas pernas mexiam inquietas.
Porra, estava quente, queria me libertar. Queria tirar tudo e me enfiar nela
profundamente até que as malditas proteções do banco ruíssem com seus
gritos de prazer.
Augusta aproveitava cada maldito segundo que minhas mãos a
adoravam. Ela estava saboreando o misto de sensações que os meus dedos
lhe davam sem ao menos estar dentro dela. Augusta devia estar tão
molhada, porra, porra, porra. Se essa mulher não falasse as malditas
palavras, eu iria enlouquecer.
— Eu odeio você — sussurrou quando abriu os olhos com um
brilho decidido.
— Eu não me importo de ser odiado por você, desde que ao final do
dia, esteja gozando lindamente no meu pau. — Quase podia sentir seu gosto
na minha língua. — Está pronta para dizer?
— Vá para o inferno, merda — Augusta ralhou quando decidi ser
mais ousado e dedilhar meus dedos entre suas dobras, próximo da sua
boceta.
— A visão do inferno parece boa daqui. Deliciosa, na verdade.
Então um toque perverso saudou o mel e apertei sua bunda quando
seus lábios repuxaram as malditas palavras que sempre me destruíam.
— Me fode, Dominic. Eu quero ser fodida por você, merda.
Engoli em seco, nunca era igual ouvir essa palavra da sua boca.
Quase me tirava o ar. Porra. Apertei seu corpo contra o meu, querendo me
fundir a ela de qualquer jeito.
— Vamos fazer um bom trabalho aqui, amor.
O coração palpitava e quase estava gozando nas calças, então fiz
um ótimo serviço em tirar as minhas próprias roupas com a velocidade da
luz. Eu queria muito me enfiar logo nela, mas a vontade de provar seu gosto
gritou mais alto quando alcancei sua boceta por trás, inchada e faminta, tão
escorregadia.
Meus dedos não tiveram empecilho algum para me afundar ali e
provar o quão pronta ela já estava. Augusta estava pingando sem termos
realmente começado.
— Porra! — Inclinei mais o corpo de Augusta, querendo uma visão
completa da sua boceta. Apertei sua cintura, ajoelhando atrás dela. Um
banquete. Augusta era meu banquete, que eu devoraria.
Mas uma lufada alta me fez olhar para cima, e Augusta tinha o
semblante um pouco irritado, suas sardas mais evidentes.
— Eu não quero que me chupe, porra, quero que me foda. Quero
ser fodida, Dominic. Forte. Eu preciso disso agora.
Passei meus dedos por dentro da sua bunda, recebendo um leve
tremor. Augusta estava se contendo.
— Quando vai aprender que as coisas não são do seu jeito? — ri
nasalado. — Amor, lá fora você pode se sentar na minha cadeira se quiser,
mas aqui — uma risada rouca me tomou. — Aqui, são as minhas regras, e
você goza quando eu quiser.
— Vá para o inferno! — Sua voz irritadiça me animou, fazendo-me
ir com mais sede ao pote.
— A visão do inferno continua boa.
Acho que Augusta ia continuar reclamando e bufando alto, mas um
grito agudo saiu por seus lábios quando alcancei seus lábios molhados com
a minha boca. Caralho, porra, melhor, muito melhor que a maldita
expectativa.
Afastei mais suas pernas quando ela inclinou mais o corpo, ficando
totalmente aberta pra mim, seus seios provavelmente colados nos papéis
bagunçados da minha mesa. Notas marcadas pelo calor do seu corpo.
Eu estava faminto. E devorava sua boceta molhada e quente, me
lambuzando e sendo embriagado no seu líquido que parecia nunca me
deixar satisfeito. Porque sempre queria mais e mais e mais e mais. Com
uma mão livre, comecei a me masturbar, imaginando suas paredes quentes e
apertadas cobrindo todo meu pau, molhando-o e o engolindo gostoso,
roubando a porra do meu equilíbrio.
— Porra.
Augusta estava rebolando na minha língua, e podia ouvir seus
xingamentos e gritos contidos ecoando pela sala. Eu queria que ela se
libertasse e gritasse.
— Dominic…
— Sim, amor?
— Mais.
O pedido da minha mulher era uma ordem. Introduzi três dedos em
Augusta, arrancando-lhe gritos mais altos. Música para os meus ouvidos.
Augusta rebolou, rebolou e rebolou. Em movimentos desesperados, ela
estava em busca do seu prazer quase transbordando. Perfeito.
Levantei do chão, ainda masturbando meu pau e com os dedos
dentro dela. Mas diminuí a velocidade, sentindo que suas paredes internas
apertavam cada vez mais.
Comi seu corpo com os olhos, suas costas salpicadas com sardas e
perfeitamente sensuais me deixavam louco, amava vê-la assim, disposta e
entregue a qualquer coisa que eu quisesse fazer.
Puxei a mão de dentro dela, saindo com eles completamente
molhados.
— Você não fez isso! — gritou com raiva, me olhando com todo o
ódio possível no rosto.
— Ainda não aprendeu?
— Dominic… — ameaçou, pronta para se virar e provavelmente
me agredir.
Mas firmei seu corpo na minha frente, apertando sua cintura.
— Shii, fica quietinha, amor, não queremos interromper esse
momento tão importante.
— Que porra de momento, Dominic? Seu…! Aahh!
Enfiei meu pau todo em sua boceta, fechando os olhos e apertando
seu corpo contra o meu. Caralho, caralho, caralho. Seu canal vaginal
apertando meu pau, me fazendo sentir as ondulações presentes. Porra,
porra, porra. Meu pau estava sendo massacrado.
Eu estava no paraíso.
— Esse momento — sussurrei no seu ouvido, beijando sua nuca,
ainda sem me mexer. Precisava de um momento. — Está sentindo, amor?
Meu pau inteiro dentro de você? Consigo sentir suas paredes se alargando
para recebê-lo.
Sua respiração irregular estava alta. Augusta estava de olhos
fechados, e apalpei seus peitos com uma mão, cravando a outra na sua
cintura. Queria ela assim, bem colada ao meu corpo. Não queria nenhum
espaço entre nós.
— Porra! — Augusta me olhou e a luxúria e amor transbordaram.
Porra, eu poderia chorar com essa visão.
— Está pronta? — Apertei o bico do seu peito, castigando-o, e
tirando lentamente meu pau de dentro dela. Eram movimentos mínimos,
estava matando as saudades de estar dentro dela.
— Se você não se mexer, vai me matar antes de me fazer gozar.
Linda e gostosa.
Mordi seu ombro, rodeando meu braço na sua cintura, e
escorregando a mão na sua boceta, sentindo meu pau bem entalado ali.
Perfeito.
— Sempre com pressa… Se segure, amor, eu não pretendo parar
até que verdades saiam da sua linda boca.
Eu não esperei que Augusta falasse algo, ou ao menos reagisse.
Naquele momento, eu só queria devorá-la.
Enganchei meus dedos em seus cabelos, abaixando seu tronco
novamente, suas mãos ansiosas agarraram a borda da mesa. Sorri. Era bom
mesmo ela se segurar, porque não tive dó quando comecei os movimentos
fortes dentro dela.
Augusta conteve boa parte dos seus gemidos no começo, mordendo
a mão, ou tapando a boca. Com os anos, percebi que não podia tirar isso
dela, porque ela se soltava aos poucos. Seus gritos e gemidos vinham aos
poucos, na mesma medida que seu controle ia para os ares. Sempre assim. E
eu amava assistir. Amava vê-la lutar contra suas próprias reações. Contra
seus próprios gritos de prazer.
Augusta me consumia, e eu me deixava ser consumido. Me deixava
afogar em cada gota de prazer que ela me dava.
Meu pau ia fundo, conquistando e marcando todo lugar possível.
Queria foder ela toda, todos os lugares possíveis. Passei os dedos na sua
outra entrada, sentindo seu corpo responder a pequenos solavancos
enquanto ia buscar sem dó o nosso prazer, ali era um bom lugar. Me enfiaria
ali também.
Augusta não protestou quando introduzi um dedo no seu ânus,
embora eu não tivesse dando-lhe tempo de respirar, com todo bom trabalho
que estava fazendo ela gritar, agora sem nenhum pudor.
Augusta gemia e rebolava forte, arrebitando a bunda e nos levando
a outra profundidade dentro dela. Deliciosa da porra. Ela estava toda aberta
para mim. Essa mulher era minha, só minha. Eu a levaria para o altar nem
que fosse a última coisa que fizesse nessa Terra. Colocaria uma coroa na
cabeça dela e a foderia todos os dias da nossa vida.
— DOMINIC!
— Sim, amor?
Eu estava suado para caralho, minha bolas estavam pesadas e eu
sentia que ia explodir a qualquer momento. Eu queria explodir dentro dela.
Queria que Augusta e eu explodíssemos juntos. Porra. Mas ainda queria sua
outra entrada.
Augusta soluçava e eu me alimentava do seu prazer. Meus gemidos
se misturando com os dela.
— Merda, eu vou gozar. Porra, Nic.
Augusta me empurrava querendo libertação. E fiz o meu melhor,
levantando mais sua bunda, acelerando mais os movimentos e vendo meu
pau entrando e saindo de sua boceta pingando. Visão do paraíso.
— Eu posso te dar isso, amor.
Levei a mão para sua barriga, sentindo-a contraída, igual à minha, e
desci, apertando seu clitóris, arrancando mais gritos de Augusta. Foder
dentro de um banco tinha suas vantagens, o lugar mais seguro, o lugar que
ninguém ouvia você falar. O lugar perfeito para fazer sua mulher gritar.
— Ai, meu Deus.
O corpo de Augusta tremia, e a segurei quando seu corpo ameaçou
ir de encontro com a mesa. Seus espasmos a fazendo fechar as pernas e
encolher o corpo, com seu gozo sendo derramado no meu pau.
Aproveitei o momento para beijar suas costas e tirei lentamente
meu pau ainda duro pra caralho de dentro dela. Augusta recobrava os
sentidos aos poucos, gemendo e miando meu nome e dizendo que eu era
seu inferno.
Ri pelo nariz, pincelando a ponta do meu pau na sua bunda. A
entrada totalmente receptiva por sua posição, me convidando a provar um
pedaço do paraíso poucas vezes visitado.
— Dominic. — Sua voz tinha um toque de pergunta, como se
soubesse a resposta, mas tinha receio de perguntar.
— Sim?
— Você não gozou.
— Não.
Uma pausa.
Um gemido.
— Inferno, homem. Eu odeio você.
Ri nasalado, massageando suas nádegas, seu corpo completamente
ativo, respondendo a cada mínimo toque.
— Você perdeu a nossa aposta, esqueceu?
— Como poderia? — Seus olhos fatais pós-orgasmo me
encontraram. Suas sardas vermelhas, como me lembrava.
— E você ainda não disse a nossa verdade
— Verdade?
— Sim — desafiei, me posicionando na sua bunda, louco para
meter fundo.
— Você tá brincando comigo? — Um vislumbre de raiva passou
por seus olhos, ameaçando transformar seu rosto, e sorri quando vi seus
punhos cerrados.
— Sim.
Seus olhos pegaram fogo.
Perfeito.
Prendi a respiração ao sentir tudo em mim ser apertado quando me
enfiei sem dó dentro de Augusta. Porra, era demais. Eu com certeza ia
gozar com qualquer movimento.
Seus olhos destilaram ódio em resposta.
— Pegar você com raiva sempre vai ser a minha melhor arma.
— Idiota do caralho! — Fiquei alguns segundos parados, até que
sua raiva passasse e eu pudesse fazer os movimentos necessários. Puta
merda, provavelmente eu morreria se ficasse quieto sentindo meu pau ser
tão apertado assim.
Mas ainda assim, era sobre ela, não podia ultrapassar limites. Se
Augusta me recusasse, não poderia fazer nada a não ser recolher meu pau e
gozar na minha própria mão.
Engoli em seco.
— Amor?
— Você é um idiota! — Eu quis rir, mas fiquei com medo de gozar
se relaxasse qualquer milímetro.
— Posso ser um idiota me mexendo?
Augusta me presenteou com um olhar mortal e, puta que pariu, eu
iria gozar com esse olhar. Ia mesmo.
Respirei fundo e enrosquei meu braço em sua cintura, deixando-a
parada, e fui ao encontro do seu clitóris, rodando meu polegar lentamente.
Uma jogada arriscada, mas que valia a pena. Meu pau estava
pedindo arrego, coitado.
Augusta tentou balançar o quadril e firmei mais o meu braço, então
ela arfou e mordeu os lábios, gemendo baixinho. Sua resposta, mas eu ainda
gostava de vê-la falar.
— Fica quietinha assim, amor, não queremos incidentes
desnecessários.
— Qual o maior incidente do que me abrir por inteira? — Eu quis
rir, mas novamente o movimento era arriscado demais para o meu pau.
— Você se sente assim? — Soprei sua pele. — Você me sente te
rasgar por inteira?
Meus movimentos em seu clitóris aumentaram, a deixando sem ar.
— Porra, sim, sim, sim. Eu sinto você em todo lugar. Porra, sim…
— arquejou manhosa.
— Amor? — provoquei.
— Amor é o ca-caralho, Dominic! Mexa-aa-se merda, eu vou
morrer.
Isso era bom, saber que ela morreria de prazer com o meu pau
enterrado nela.
— Vamos morrer juntos, linda.
Comecei novamente com movimentos de vai e vem, mas dessa vez,
mais lento e com cuidado. Augusta estava chamando pelo meu nome
novamente, e parecia mais desesperada. Eu ficava feliz em saber que não
era só eu que estava ficando louco com o nosso sexo.
Dei-lhe tapas que ficariam marcados, e ver sua bunda vermelha
com os meus dedos gravados, fez algo dentro de mim rugir.
Que se foda.
— Se for demais pra você, grite, amor.
Meti forte e firme na sua bunda, arrancando gritos dela e gemidos
meus. Isso era insano. Porra. Eu estava pegando fogo de prazer, sentia o
clima nos envolver a níveis máximos, queimando e nos deixando à flor da
pele.
Porra, porra, porra.
Augusta estava gozando novamente, e dessa vez, ela não impediu
nenhum grito ou gemido dentro de si. Puta que pariu, eu amava ouvi-la.
Augusta rebolava no meu pau, como se tivesse uma missão a cumprir, e não
consegui resistir nem mais um minuto quando sua boca começou a falar.
— Porra, Dominic, isso é muito gostoso, porra, porra, porra. Eu
amo você, eu amo…
Eu estava gozando, forte e quente.
Bombiei até que meu pau ficasse mole, até que tudo em mim
desmoronasse. Até que não restasse nada, somente ela. Augusta terminou
de deitar sobre a mesa e tirei meu pau dela, vendo minha porra derramar
pela sua bunda.
Exausto.
Estava exausto, mas faria exatamente tudo de novo. Eu faria. A
foderia de novo. Só precisava de alguns segundos.
Segundos preciosos.
Segundos que poderiam mudar tudo.
Que tinha mudado. Eu a observei, seu corpo lindo, brilhando, me
convidando a beijá-lo até que nossos problemas tivessem sido resolvidos.
Mas não seria o suficiente. Não hoje.
No primeiro minuto, eu ouvi sua respiração falhar. No segundo, seu
arrastar de pés procurando suas roupas.
Me sentia vazio. Oco.
Augusta estava na minha frente, seus olhos procurando os meus.
Sua mão indo ao encontro do meu rosto.
— Nic. — Esse tom era horrível em sua boca. Quase azedo.
— Não fala.
— Eu não mudei de opinião.
Eu sabia que não, ela nunca havia mudado em todos esses meses
que ficamos separados, e não era agora que mudaria. Não agora que ela
tinha tudo.
Eu não queria deixar a raiva me invadir, mas ainda estava
inflamado pelo nosso sexo. Ainda estava embriagado pelo seu cheiro, e
receber sua recusa novamente me fez partir.
Eu estava partindo no meio. De novo. A ferida estava infeccionada.
— Saia! — Minha voz foi dura e fatal, queria machucá-la como
estava sendo machucado. Augusta estava partindo mais uma vez. Quantas
vezes ela iria embora antes de verdadeiramente ficar?
— Nic. — Seus olhos esperaram por mais e travei o maxilar.
— Você tem até a coroação para resolver as suas merdas.
— Nic.
— E reze para eu não te achar antes, bruxa, porque da próxima vez,
você não vai embora.
Não consegui encarar seus olhos e virei o rosto. Não querendo
esconder o quão magoado eu estava. E foi o suficiente para sua covardia.
Porque antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, a mulher que
mais uma vez tinha quebrado o meu coração, foi embora, deixando a nossa
aliança em cima da mesa. Deixando novamente o anel que tinha dado para
ela, uma semana antes do incêndio.
O ar denso me embalou, tirando minha racionalidade e deixando o
mais puro instinto primitivo de sobrevivência.
A porta se fechou com um baque.
Augusta tinha ido embora mais uma vez, tinha me colocado para
fora da sua vida mais uma vez. Respirei fundo, estava farto disso. Dessa
camada densa e misteriosa que assombrava minha cabeça sempre que
tentava esclarecer.
Uma raiva genuína envenenou meu sangue, tirando meu ar,
deixando-me respirar somente pela sobrevivência. Augusta tinha levado
meu ar novamente. Porra.
Eu precisava pensar. O ar tinha ido embora.
Fechei os olhos, buscando uma solução. Revisando todas as armas
que ainda tinha. O ar sensual transformando-se em guerra, o cheiro de sexo
se misturando ao perfume da dor.
Soquei a mesa, estremecendo os objetos ainda restantes, objetos
que sobreviveram à loucura de Augusta.
Merda.
Alguém bateu na porta
Ainda pelado, andei atrás de uma calça e blusa, e fui até a porta,
recebendo uma carta amarela sem remetente.
Encarei o envelope sem saber muito o que pensar, curiosidade e
apreensão me tomando ao mesmo tempo.
Rasguei a ponta do papel grosso e tirei um branco todo escrito à
mão com letras bagunçadas. Franzi o cenho, lendo o primeiro parágrafo.

Se você recebeu isso, algo aconteceu comigo e fui descoberta.


Você me avisou que eu estaria em perigo e sendo observada, pois
bem, acho que entrei sem querer na cova dos lobos.
Primeiro, quero que saiba que são três cartas, dividi as
informações.
Segundo, os registros de entrada e saída do seu condomínio foram
trocados naquele dia, então, sim, isso quer dizer que alguém esteve em sua
casa antes do incêndio.
Terceiro, consegui o resultado dos exames deletados, o incêndio
não foi causador do aborto, o bebê morreu antes da casa entrar em
combustão.
E quarto, esqueça Gonzales, Martinez troca mensagens com
Augusta há quase um ano.
E, tarde demais, eu percebi algo, Augusta não tinha perguntado de
ninguém mais sobre o contrato. Somente sobre Martinez. Porra, eu não
poderia acreditar nessa merda.
De fato, Augusta tinha dito alguma verdade. Ela tinha entregado
nossos corações para o inimigo e não se arrependia disso.
LINGUAGEM CORPORAL

PASSADO

— Sabe uma coisa sobre o tango? — Dominic chamou minha


atenção, me tirando dos meus pensamentos.
Estávamos muito perto, sua mão na minha lombar e minha mão
direita com a sua esquerda, esticadas em um passo tradicional da dança.
Estávamos ensaiando para o baile final do aniversário da cidade, onde uma
debutante seria coroada a QueenKey do ano.
Eu tinha ganhado o último ano com Dominic, então esse ano
seríamos nós a abrir a pista para as debutantes. Estava animada, amava
dançar com ele.
— Hum? — Encarei seus olhos atentos, que sugavam cada
pedacinho de mim.
— Você tem que confiar completamente no seu parceiro — o
sorriso de Dominic era provocante, como um galanteador querendo levar
sua dama para cama.
Arqueei as sobrancelhas, aceitando o desafio.
— Ah, é? E quem te disse isso?
— Bom. — Sua mão, que estava na minha lombar, desceu,
apalpando a minha bunda e fazendo nossos corpos grudarem mais. Seu
sorriso aumentou e fiquei deslumbrada com a visão. — Eu andei lendo
algumas coisas sobre linguagem corporal.
— Você anda lendo bastante nos últimos dias — soprei, quase em
um sussurro, sentindo o clima gostoso que Dominic trazia.
— Eu preciso estar por dentro de tudo. — Piscou e beijou minha
bochecha, sem perder o ritmo dos nossos pés.
— Ah, eu sei — brinquei. — Você quer estar por dentro de tudo,
não é?
Dominic gargalhou, me fazendo rir também.
— O que posso fazer se eu tenho a namorada mais gostosa e linda
do mundo?
Arqueei as sobrancelhas.
— Você não tem medo da morte, né?
— Se eu preciso morrer para estar dentro de-
— Dominic — reclamei, calando sua boca com a minha.
Ele riu e mordeu meus lábios, acariciando meu cabelo.
— Vai se arrepender de não ter perdido para mim antes, quando eu
ganhar a aposta.
Dominic provocou meus lábios, passando a língua por eles e os
chupando. Arfei, querendo mais.
— Você não vai ganhar — disse firme. Nem a pau ia ceder.
— Uma hora você vai ceder — riu, como se lesse meus
pensamentos e passou a mão pelo meu pescoço, inclinando minha cabeça
para cima. — E eu já disse que sou paciente.
Meu ventre se contraiu, meus dedinhos ciscando dentro do sapato.
Amava como Dominic mexia comigo e desfazia meu corpo somente com
algumas palavras e toques.
— Um safado incurável — sussurrei nos seus lábios e Dominic me
beijou, sugando todo meu ar. — Mas agora fiquei curiosa, sobre o que o
meu corpo diz.
— Está curiosa?
Um sorriso travesso brotou nos seus lábios, e dobrei o pescoço,
querendo saber. Ele estava muito engraçadinho nos últimos dias, cheio de
sorrisos e abraços. Não reclamava nunca.
— Claro — e estava mesmo. Queria lhe contar algumas coisas
sobre o meu corpo, mas não sabia como dizer.
— Fala.
— Precisa me prometer que não vai sair correndo
— Para onde eu iria se o único lugar que quero estar é aqui?
Seu semblante era doce, e quis beijar cada expressão do seu rosto,
cada pedacinho. Dominic era lindo, e me apaixonava por ele a cada vez que
o olhava.
— Dominic?
— Tão apressada.
Ele sorriu e olhou seriamente nos meus olhos, como se segurasse o
mundo nas mãos e quisesse me dar.
— Pronta?
Balancei a cabeça, nada preparada para suas próximas palavras.
— Eu amo você, Augusta, amo como seu corpo responde a cada
singelo toque dos meus dedos, amo que suas palavras de amor possam curar
todas as minhas feridas, amo que o seu olhar preenche cada vazio que a
minha alma grita, amo que você não tem medo de defender o nosso amor, e
amo principalmente que o seu corpo agora está transbordando o nosso
amor.
Lágrimas salpicaram meus olhos e mal pude respirar com todas as
emoções explodindo de uma só vez. Algo quente se espalhava pelo meu
peito, me acalmando e, ao mesmo tempo, me agitando. Como ele…?
— Não vai falar nada?
— O que você quer que eu diga? — Arregalei os olhos, um pouco
desesperada.
— Que me ama também?
— Você quer que eu fale que te amo?
Meus olhos corriam desesperadamente pelas suas feições, em busca
de uma simples rejeição e falhando em todas as vezes, pois Dominic parecia
ainda mais doce com seu sorriso largo e olhos brilhando. Que merda ele
estava pensando? Por que estava tão feliz?
— Bem, essa não é a palavra que desejava ouvir hoje, mas se ainda
não estiver pronta para admitir para nós, está tudo bem pra mim.
— Por que sinto que está radiante?
— Porque estou.
— Não está assustado?
— Não.
Dominic ainda mantinha nossos corpos juntos e seus braços agora
me rodeavam em um casulo.
— Estamos falando sobre a mesma coisa?
Meu coração tinha disparado. Fazia duas semanas que estava
tentando digerir essa notícia, e em nenhum momento tinha me sentindo
feliz por mim, mas, incrivelmente patética, estava começando a ficar feliz
por Dominic.
Dominic arqueou as sobrancelhas e me abraçou, deixando que meus
ouvidos escutassem seu coração, enquanto suas mãos vagavam livres pelo
meu corpo, até pararem sobre minha barriga. Meu coração acelerado dava
cambalhotas… ok, ok, estávamos falando sobre o mesmo assunto.
— Escute nossos corações — sussurrou e as lágrimas, que só
ameaçavam, caíram uma a uma, borrando minhas inseguranças. — Agora
eles batem como um só. Não há nada nesse mundo que me faça ficar longe
de vocês, amor. Estamos nessa juntos. Pra sempre.
As comportas se abriram e me senti fraca, estava chorando pelas
duas semanas que passei me repreendendo e dizendo para mim mesma que
tinha falhado comigo mesma, e quando pensei que ia cair, Dominic estava
lá, me abraçando e sendo meu mundo.
Me esperando dizer as duas palavras que mudariam nossas vidas
por completo.

Dominic tinha ido ao seu quarto buscar uma surpresa, eu arriscava


a dizer que ele queria me dar um tempo. Estava um poço de sensibilidade.
Então, aguardei-o voltar e quando pensei em me levantar para
bisbilhotar, ele voltou.
— Ok, você foi muito rápido, duvido que foi pelas escadas —
zombei quando escutei a porta sendo fechada novamente. Virei-me da
poltrona, querendo vê-lo. Duvidava mesmo que em tão pouco tempo ele
tivesse ido ao seu quarto e voltado. — Ou você realmente está empenhado
em-
Calei a minha boca, não era Dominic ali.
— Martinez? Achei que também estava viajando.
O homem caminhou pelo escritório e permaneci sentada, curiosa
para saber qual a próxima merda que iria ditar. Ultimamente nossa
comunicação era a base de ordens e revirar de olhos. Ele claramente
tentando me intimidar e eu claramente revirando os olhos e fazendo tudo ao
contrário. Às vezes, o via rindo de algo que falei, outras só balançando a
cabeça como se eu fosse uma criança cansativa, mas nenhuma das vezes
achava que suas reações eram por gostar de mim. E estava tudo bem, eu
aqui e ele o mais longe possível.
— Estava.
— E o que o fez voltar? Espera, tenho que te falar que todos nós
gostaríamos que sua viagem durasse mais.
— Dois pirralhos loucos por um momento sozinhos, achei que
usasse seu tempo melhor, você parecia mais esperta.
— Não me chame de burra por querer passar o tempo com o meu
namorado.
— Você não é burra por isso.
Abri a boca indignada.
— Está mesmo me chamando de burra?
— Bem, aparentemente não, já que se observarmos a posição que
seu pai está te colocando na Stilk não diria isso, porque uma coisa na vida
que sei é que Marllon não é burro. Então, algo em você ele viu, agora a
pergunta é, você vê algo em você? Ou é burra o suficiente para não
enxergar o óbvio?
Eu não queria cair em mais das suas conversas chatas cheias de
terceiras intenções que não me levariam a nada, mas me convenci que
Dominic iria entrar por aquela porta a qualquer momento e me tiraria desse
pesadelo.
— Martinez, não enrola, não tenho paciência para falas de duplo
sentido. E não estou a fim de decifrar suas palavras.
— Uma mente preguiçosa também?
— Eu não me importo — estava ficando chato isso. — Fale o que
tem para falar e siga seu caminho, tenho mais o que fazer.
Martinez riu e peguei na minha barriga por instinto.
— Tenho uma proposta para você.
— Tem? Sou todo ouvidos — debochei. — Mas você sabe ouvir
não, certo?
Martinez coçou a barba.
— Bem, eu não costumo receber nãos, mas seria uma experiência
interessante de ouvir.
— Pois bem, então prepare-se para o seu primeiro. — Relaxei no
banco, contando os minutos para Dominic entrar por aquela porta. Eu iria
procurá-lo se nos próximos minutos Martinez continuasse enchendo meu
saco.
— Eu andei te observando, garota, e observando com quem falava
nos últimos meses. Você vacilou.
— Sobre o que está falando?
— Você fez muitas perguntas sobre os pais da sua amiga.
Franzi o cenho.
— Como assim?
— Sei que era você que estava na escada naquele dia, e bem, fiquei
um pouco surpreso por não abrir a boca para a primeira pessoa que
encontrou.
Meu Deus, a lembrança me cortou como uma faca. Eu tinha
desistido do que eu tinha imaginado ouvir. Nunca mais ouvi nada sobre, e
olha que tinha me atentado bastante para ouvir conversas de duplo sentido.
Um sorriso nojento se abriu, fazendo meu estômago se revirar.
A voz familiar, como não pensei nisso antes?
Algo metálico inundou minha língua. Era ele na escada.
— O que você fez com o pai de Francesca?
— Acreditaria em mim se eu dissesse que estou surpreso por não
negar que estava ouvindo conversas que não devia?
— Não sou do tipo que esconde as coisas.
— Espero que não fique decepcionado consigo mesma quando
perceber que esconder coisas poderá salvar sua vida.
Arqueei as sobrancelhas.
— Está me ameaçando?
— De forma alguma ameaçaria a herdeira mais cobiçada de Bash.
— Então que merda está falando? Se queria que eu soubesse que
sabe que ouvi sua conversa, por que demorou tanto tempo para me
procurar?
— Uma coisa que tenho de sobra é paciência, e não estava no
momento certo.
— Momento certo? Esperou o momento certo para vir me
confirmar que tinha matado o pai de Francesca?
— Eu não matei, David.
— Então dizer que o viu engolir o próprio sangue e não ter feito
nada não é matá-lo?
— Você tem um ponto.
— Eu tenho vários pontos — desafiei. — E acredito que esteja aqui
para me oferecer algo em troca do sigilo da informação, hum?
— Tem algo que eu possa te oferecer em troca do seu sigilo? —
perguntou cuidadoso.
Pensei querendo fazer suspense, mas, no fundo, ele e eu sabíamos
que nada me compraria, eu já tinha tudo que precisava.
— Foi o que pensei — concluiu.
— Então o que vai fazer? Me matar também?
— Tenho algo melhor em mente.
Martinez titubeou, me oferecendo silêncios e dúvidas.
— Fale logo o que quer, Martinez.
— Case-se comigo.
— O quê?
Acho que ia vomitar, e nem era pela gravidez.
— Devemos discutir sobre sua surdez?
Pisquei repetidas vezes, querendo enxergar as palavras despejadas.
— Acho que acabei de ouvir o maior absurdo da minha vida. — Eu
iria vomitar na sua cara. Ri de nervoso.
— Normal entrar em choque quando uma proposta dessa aparece,
não se sinta envergonhada pela notícia.
A última coisa que estava era com vergonha, porra, queria despejar
meu almoço todo ali. Precisava sair dali, estava ficando louca. Eu não era
burra, era louca. Isso fazia muito mais sentido.
— O meu sigilo não devia me beneficiar? Por que iria me casar se a
única com vantagem aqui sou eu?
— Acho que irá repensar quando perceber que o seu sigilo não
significa nada para mim, mas seu nome…
Eu estava ficando tonta, precisava sair daqui.
— Você não tem uma esposa? — Ameacei levantar, mas senti
minhas pernas fracas. A ameaça de cair e Martinez ter que me pegar me
assombrou. O cenário pareceu mudar drasticamente.
— Pessoas são descartáveis.
— Trocaria sua esposa por mim?
— Não trocaria por você, mas, sim, por qualquer uma que
encurtasse o meu caminho.
Algo martelou no fundo da minha mente e não soube identificar o
quê.
— Nada do que você falou faz sentido, vou fingir que isso nunca
aconteceu e você pode ir embora agora mesmo.
Martinez riu novamente, agora mudando de posição e sentando na
mesa que há pouco tempo Dominic ocupava.
— Achar suas ações burras não significa que não consegue
identificar uma boa oportunidade.
— Você se casaria com uma mulher burra, então? — Decidi que só
precisava de tempo para que ele acabasse com sua ladainha e fosse embora.
— Eu me casaria com qualquer pessoa se ela me desse acesso ao
poder. Mas você poderia se casar com o meu filho, se te fizesse feliz.
Eu ainda estava no escuro, Martinez despejava informações
enquanto eu apenas tentava escapar. Perguntar e saber mais, não era a
melhor escolha, mas eu precisava saber o porquê dessa loucura toda. Ele
não me odiava? Porra.
— Acho que vai ter que ser mais claro, a minha linha de sucessão
não substitui a primeira família, eu não sou uma família fundadora. E até
onde entendi, você quer poder, e eu não posso te dar isso.
Seu querer por controle total em Dominic começava a fazer sentido.
A vida toda esteve tentando controlar a vida dos Clifford, sempre perto
demais.
— E como disse, eu não sou importante. Meu sangue é tão impuro
quanto o seu.
— Bem, não se você estiver carregando um sangue Clifford na
barriga.
Porra…?
Eu senti cada fibra se partir em mim, meu corpo gelando e a visão
deturpando aos poucos. Não, ele não poderia saber. Ninguém sabia.
Dominic desconfiava e confirmou isso agora há pouco, mas ele não
iria contar para qualquer pessoa, somente suposições… Mas Martinez não
era qualquer pessoa para ele.
— Engraçado como as coisas mudam em segundos, e como
estamos finalmente falando a mesma língua, tenho que te alertar de algo,
um Clifford só vive o suficiente para me manter entretido, e creio que não
vá querer que esse bebê na sua barriga morra antes mesmo de ver a luz do
dia.
Dor, eu estava sentindo dor. Mal podia respirar. Martinez não estava
me ameaçando, estava ameaçando o meu… filho.
Eu mal tinha parado para aceitar a notícia da gravidez quando
Martinez ameaçava tirá-lo de mim.
Loucura é muito pouco para o meu estado mental colapsar. Nunca
quis tanto chorar na minha vida.
— Não tem mais respostas afiadas? — riu, uma risada seca e
maldosa. — Imaginei.
— Acha que se casando comigo e sendo pai de um Clifford, terá
direito à linha direta de Bash? Você nunca será rei.
Isso não o abalou, pois algo maldoso nublou suas palavras
seguintes:
— Eu só quero o que é meu por direito. O que há muito tempo os
Clifford tiraram de mim.
Minha respiração estava engasgada e silêncio foi tudo que consegui
emitir.
— Pense, criança, porque logo o ceifador virá cobrar a dívida que
as suas palavras desesperadas irão sussurrar.
Então, Martinez saiu pela porta, me deixando totalmente sem chão.
Que porra tinha acontecido? Porra, porra, porra.
Quase gritei quando a porta se abriu de novo, achando que era
Martinez. Mas era somente Dominic, com um sorriso sereno e cheio de
desculpas.
— Amor? Está tudo bem? Está pálida. Precisa de algo? Desculpa a
demora, Martinez chegou e me pediu para levar algumas pastas suas ao seu
quarto.
Sua voz soou preocupada demais, e meu estômago embrulhou por
todos os motivos possíveis, menos pelas palavras que proferi no segundo
seguinte.
— Amor?
— Estou grávida.
ENCRUZILHADA

Raiva. Eu a sentia penetrar em cada poro do meu corpo, nublando a


minha visão e fazendo a minha racionalidade ir para o lixo. Tudo parecia ter
ido para os ares, como uma grande explosão, espalhando cacos fatais onde
você tentava correr para não ser acertado e falhava em todas as vezes.
Meu avô me avisou que não seria bonito, ele me falou que poderia
ser um jogo perigoso. Porra. Mas nunca deixava de doer.
Alguém tinha estado na nossa casa no dia do incêndio. Tinha outra
pessoa na nossa casa além de Augusta. Augusta tinha omitido informações
da noite do incêndio. Alguém esteve com Augusta antes do incêndio.
Martinez.
Porra.
Martinez.
A lembrança do fogo castigou minha pele, me fazendo lembrar que
tudo era real, e que a perda ainda me comia vivo todos os dias.
Porra, as palavras escritas não saíam da minha cabeça. Martinez?
Ele estava ameaçando Augusta? Martinez era o ceifador? Eu não conseguia
respirar.
As informações se embaralhavam perdidas em minha mente,
tentando encaixar peças de um quebra-cabeça incompleto, um quebra-
cabeça que parecia mais extenso a cada merda de dia.
As informações de Karen eram vagas demais, isso com certeza era
um teste de paciência. Um teste que havia se prolongado por quase um ano.
Se Augusta não perdeu o bebê no incêndio, o que porra tinha
acontecido? Eu sabia que as palavras de que ela tinha causado o incêndio e
matado o nosso bebê, eram de culpa. Uma culpa que era alimentada
somente por ela no meio das mentiras que me contava, porque eu nunca a
culpei por nada, Augusta nunca teve culpa de nada.
Mesmo que ela tivesse me dito que eu nunca a perdoaria pelo que
fez.
Mas ela também nunca me disse o que fez.
Ela nunca me disse o que verdadeiramente aconteceu.
— Acha que vai conseguir resolver tudo com as próprias mãos? —
Fabian apontou amargurado, lendo a carta que eu tinha recebido há três
noites.
Três fodidas noites.
Eu desconfiava que alguém a estava pressionando, ainda mais que
tinha plena ciência que tudo isso tinha acontecido por causa do meu
sobrenome.
As palavras do meu avô soavam cada vez mais fortes, e o nome de
Martinez passava como lâmina. Martinez seria o culpado por tudo que tinha
nos acontecido?
Porra. Eu sabia que Gonzales estava com planos fora da AAB, e um
dos nossos planos era derrubá-lo, e possivelmente achar nosso traidor. O
que tinha parecido dar certo quando Karen trouxe informações sobre ele e
de que ele estava jogando em dois tabuleiros.
Mas ver o nome de Martinez? Algo ruía dentro de mim em
descrença. Meu avô assim que viu seu nome na carta se retirou, disse que
precisava pensar. Eu gostaria de saber no que ele estava pensando, nessas
horas sua cabeça funcionava melhor do que a minha.
Então, a única coisa que sabia fazer era olhar fixamente para as
letras miúdas no papel já amassado. Porra, eu ia ficar louco. Se já não
estava.
— As minhas mãos parecem ótimas e prontas para fazerem o que
eu quiser.
Fabian revirou os olhos, desfazendo do meu nervosismo, e a raiva
borbulhou mais ainda no meu sangue.
— Você não vai matar ninguém hoje, Dominic. Na verdade, nem
hoje, nem amanhã.
A sua frieza me fez querer estourar e jogar todas as merdas
possíveis em cima dele. Porra, Fabian estava testando minha paciência?
— Como você quer que eu fique, porra? Eu te falei a merda que
poderia ser! Eu te contei sobre a minha mãe e a maldição de sempre estar na
mira fatal do poder! Porra, por que você está tão calmo?
Apertei as duas mãos na nuca, tentando passar um ar calmo para
meus pulmões. Caralho. Eu sempre fui bom em controlar meus impulsos,
mas quando se tratava de Augusta… Porra. O que tinha acontecido naquela
noite que a assustou tanto? Eu queria falar com ela e obrigá-la a responder a
todas as minhas perguntas de vez, sem mais tempo para jogos.
Eu fui paciente, esperei, aguardei enquanto ela pintava e bordava
em cima dos nossos corações. Porque queria que ela me dissesse o que
estava planejando todo esse tempo, queria que ela tivesse confiança o
suficiente para contar comigo. Mas porra, seu medo assombrava seus olhos
mais vezes do que poderia contar. E nenhuma das vezes tive coragem de
forçá-la a me dizer mais do que estava pronta. Mas porra, doía saber que ela
parecia nunca estar pronta. Ela tinha desistido de vez de nós?
Porra, Martinez? Tinha crescido e aprendido a ter ele no meu
círculo íntimo. Meu avô confiava nele. Eu confiava nele.
Estávamos em um fodida encruzilhada. Quando comecei com as
investigações, tive que explicar sempre em que pé estávamos, que
investigar o acidente de Augusta era também investigar nosso inimigo.
Porque ao mesmo tempo que o incidente com Augusta poderia cruzar com
o do meu pai, ainda estávamos falando sobre uma ameaça que percorria a
família há anos, e que de alguma forma foi despertada quando Augusta
entrou em nossas vidas.
Porra, meu coração sangrava. Precisava vê-la. Precisava saber onde
ela estava. Porque mesmo distantes, nunca deixei de vê-la, nunca deixei
meus olhos irem para longe demais dela.
— Porra, não acredito que Karen está morta.
Pensei alto, chamando atenção de Fabian, que agora parecia muito
interessado na pasta amarela que estava na mesa.
— Como sabe que ela está morta?
— Acho que as cartas não teriam chegado até mim se ela ainda
estivesse viva. E Karen também não responde minhas mensagens nem
ligações.
— Ela pode estar ocupada em alguma missão, se ela tivesse morta,
seu corpo teria aparecido.
— E por que as cartas chegaram até mim assim? Por que bem no
dia que ela me entregaria as provas de quem estava por trás das ameaças,
ela some?
— Cara, ela é uma profissional que sabe o que faz.
Balancei a cabeça negativamente. Por que Fabian estava tão calmo?
— A polícia me disse que como ela faz parte da equipe, isso segue
sendo um procedimento interno e não pode me dar mais detalhes sobre sua
busca. Mas, pelo menos, me disseram que estão cientes do seu
desaparecimento.
— E isso fez você pensar que ela está morta?
— Foi a primeira resposta que tive ao saber que tinha desaparecido.
Para mim, é o que mais faz sentido — bufei fadigado. — Ou eu devo estar
ficando louco.
— Hum — Fabian voltou a ler mais e mais o documento em sua
mão. Estava ficando irritado com a sua calma. — Isso porque todos os
investigadores que você contratou sumiram misteriosamente. E essa não
seria surpresa também, certo?
Balancei a cabeça, concordando, lendo por cima do seu ombro o
que tanto lhe interessava. Era a pasta amarela onde regia a linhagem das
famílias fundadoras. Todos os contratos eram baseados nesse documento.
— Você disse antes que Augusta que estava fazendo isso?
Meu peito doeu com a menção de seu nome e a lembrança do nosso
último encontro. Estava doido para ir atrás dela para acabarmos de vez com
esse mistério, tinha lhe dado tempo para que arrumasse sua própria
bagunça, e agora iria puxá-la completamente do embaralhado de mentiras
que ela mesma tinha criado.
Porque eu faria isso, logo desmancharia cada nó que Augusta tinha
criado entre a gente e confirmaria o que nós dois sempre soubemos.
— Sim.
— E por que não seria ela novamente? Augusta poderia muito bem
tê-la subornado novamente para esconder o culpado — Fabian disse
indiferente, como se Augusta fosse realmente a vilã.
Fiquei calado, todas as vezes que eu chegava perto demais da
verdade algo acontecia, e por muito tempo achei que poderia ser coisa da
minha cabeça em achar que poderia ter um possível vilão quando era
somente Augusta querendo distância. Que ela tinha sido machucada demais
com a perda do nosso bebê e que não conseguia continuar com nós.
E eu até entenderia por outra visão, talvez, a sua rejeição. Se o
histórico de tragédia não rondasse os Cliffords. Mas acontece que todas as
vezes que estávamos juntos ela me dizia tudo, menos que queria distância
de mim. E isso me machucava para um caralho.
— Karen não parecia uma mulher que poderia ser subornada —
pensei alto.
— Todo mundo pode ser subornado, basta ter um preço.
Ri nasalado, sem nenhum pingo de graça.
— Acho que já não sei mais o que pensar. Eu só preciso de
respostas, e sempre que estou muito perto, ela é tirada de mim — passei a
mão no cabelo, bagunçando-o, e tentando misturar meus pensamentos para
ver se algum poderia fazer sentido.
— Por que Augusta insiste tanto em não deixar que desmascaremos
o seu ameaçador? Ou melhor, ela sabe quem é Martinez? — alfinetou,
trazendo a informação que estava me corroendo desde que recebi a carta de
Karen.
— Porque se Martinez realmente tiver algo a ver com tudo isso,
como ela suportaria estar sempre no mesmo ambiente que ele e não surtar?
— continuou, trazendo outra pergunta que martelava em minha cabeça.
— Sinceramente? Nada mais faz sentido nessa merda. A noite do
incêndio ainda é um mistério, pois não sabemos o que aconteceu de fato. E
a única pessoa que pode nos falar luta amargamente para esconder.
— Acha que Martinez pode ter ameaçado sua vida?
Esse pensamento era uma completa loucura, mas o ponto de Fabian,
por mais que fosse doloroso, era algo a se pensar. Mesmo que eu não
conseguisse assemelhar seu nome a toda essa merda. Eu não duvidava, mas
uma parte de mim ainda lutava em negação por achar que ele seria capaz de
algo contra mim.
— A única coisa que tenho certeza é que preciso saber o quanto
Martinez está envolvido, e quem está envolvido com ele. Preciso saber se
todos do G5 são seus cúmplices. Porque as coisas estão prestes a ficar
muito feias.
A raiva pintou e bordou antes que eu soltasse uma longa respiração.
Parecia que eu tinha andado para trás e não para frente com as minhas
dúvidas.
— O que você disse mesmo sobre as famílias fundadoras? Sobre as
uniões de poder e o pacto? — Fabian perguntou, fechando a pasta com um
W na capa. Ali também estavam as primeiras cláusulas regidas por nossos
familiares, como as regras nupciais que seguíamos.
— Você fala o poder de peso? — Fabian acenou com a cabeça e
franzi o cenho. — Para haver mudança nupcial do contrato original é
preciso dois sangues reais. Mas o que isso tem a ver com o incêndio?
— Só estou tentando entender alguma merda de motivação que não
estamos vendo.
— Desista, já pensei em todas as possibilidades, nunca consegui
achar o motivo real por trás das ameaças.
Ele bufou.
— Então voltamos para o início, o que fez Augusta ficar com tanto
medo que a fez esconder quem esteve com ela na noite do incêndio?
O gosto amargo de fúria inundou minha boca
— Eu ainda não sei, mas irei descobrir. E quando descobrir,
ninguém irá me parar. Nem mesmo a porra do Martinez.
A minha pele fervia por me sentir cego.
Fabian se calou, mas depois de alguns segundos em silêncio, seu
semblante relaxou, me fazendo cerrar os olhos.
— E achou que trazer um caipira que nem eu ia te ajudar em algo?
— ele não zombava, mas a voz provocativa era nítida. Eu sabia que ele
queria aliviar o clima.
— Eu precisava de alguém que me fosse familiar, e que não
mentisse para mim.
Fabian arqueou as sobrancelhas, nada crente.
— Você só queria incomodar Augusta de alguma forma e falhou.
Dei de ombros.
— Dá na mesma.
A presença de Fabian nunca foi para um fim contratual, não que ele
fosse uma pessoa menos importante do que qualquer um de nós, pois diria
que sua conta bancária é tão recheada quanto qualquer uma das nossas.
Fabian tinha sua própria cooperativa, lucrava e beneficiava rios de dinheiro
em sua própria terra sem nenhum serviço terceirizado.
A AAB ganharia mais com sua presença do que o próprio Fabian.
— Você sabe que nunca daria minhas terras para uma Vendetta, né?
Revirei os olhos sem paciência para suas inimizades sem
fundamentos, eu não entraria nessa discussão de novo. Uma Vendetta já era
o suficiente para ocupar todo meu tempo e preocupações.
Meu celular apitou com a nova mensagem.
Era de casa.
A segunda carta que Karen tinha me dito havia chegado. Levantei
rapidamente do meu assento.
— Onde está indo? — Fabian perguntou, curioso com a minha
repentina movimentação.
— Outra carta.
Então apenas peguei meu casaco e saí.
Cheguei em casa em tempo recorde.
Era um pen drive.
O maldito pen drive.
Eu queria destruir o pen drive.
Porra. Eu ia matar Martinez.
A raiva salpicou mais uma vez em um milhão de pedaços.
Porra. Eu iria caçá-lo.
Peguei meu casaco. Mas não fui muito longe, porque meu avô
apareceu no final do corredor.
A raiva salpicou cada fibra molecular. Minha garganta se fechando
e o meu coração se dilacerando mais uma vez em um milhão de pedaços.
— Precisamos conversar
Então ouvi, e o restante de esperança que bombeava dentro do meu
coração foi destruído.
PADRINHO

PASSADO

— Cara, você não vai acreditar — anunciei eufórico, sem esperar


um cumprimento, louco para despejar toda a informação que por semanas
desconfiava.
— Fala — Fabian respondeu animado, compartilhando da minha
felicidade sem ao menos saber do que se tratava.
— Puta que pariu, cara, eu queria fazer suspense mas não consigo
segurar a droga da informação…
— Dominic, diga de uma vez caralho, está correndo com meu
tempo, o sol não dá trégua a ninguém, nem mesmo ao principezinho que
insiste-
— Eu vou ser pai!
— Caralho, o quê?
— Augusta está grávida.
— O quê?
— Vou ser PAI, Augusta está grávida e não sei muito bem se a
minha reação está certa mas nesse momento sinto meu coração explodindo
não sei muito bem se ainda consegui diretrizes mas penso-
— Dominc, para e respira caralho, não estou entendendo nada —
sua voz era alta e percebi que também estava gritando. Olhei ao meu redor,
vendo Augusta sentada no sofá me observando.
— Cara, parabéns, não acredito. Sério, você vai ser o melhor pai do
mundo
Respirei fundo e sorri para a mulher que amava, seu rosto
concentrado, provavelmente tentando adivinhar o que Fabian falava no meu
ouvido. Ultimamente, pegava ela me observando constantemente.
— Acho que eu precisava ouvir isso — continuei a conversa pelo
telefone. — Ser pai ainda parece uma coisa muito irreal.
Fabian riu alto e acompanhei sua risada.
— Daqui uns dia será tão normal quanto respirar, você verá! — o
entusiasmo em sua voz me fez vibrar novamente. — Porra cara, você vai
ser PAI! Estou feliz pra caralho por você, irmão!
— Não comemore cedo, tem mais uma coisa.
— Gêmeos?
— Não, quer dizer, nem sei se isso é possível.
— O que é então, fala de uma vez!
— Você vai ser nosso padrinho, quer dizer, padrinho do nosso bebê!
— Caramba, acho que meu coração parou. Augusta está sabendo
disso?
— Claro que sim — revirei os olhos, eles não tinham se dado muito
bem desde quando Augusta confirmou ser a herdeira da Stilk, a empresa
que queria suas terras.
— Você esta falando sério? Eu preciso ouvi-la dizer sim, duvido
que a sua mulher tenha aceito uma coisa dessas.
— Não seja dramático.
— Não estamos falando da mesma pessoa.
Revirei os olhos novamente e me aproximei de Augusta, que agora
tinha um olhar curioso sobre o meu celular. Coloquei a chamada no viva-
voz e acenei para que ela falasse.
Augusta fez careta ao cerrar os olhos para mim, mostrando que não
queria falar.
— Alô? Tem alguém ainda?
Augusta respirou fundo e me sentei ao seu lado, rindo em seu
cabelo e colocando o celular em sua mão.
— Tem — sua voz brava me tirou uma gargalhada e deitei no sofá,
puxando seu corpo para frente do meu, abraçando ela de lado. Respirei o
perfume do seu cabelo recém lavado por mim. — O que Dominic não pode
falar que precisa de mim?
A ligação calou.
— Augusta?
— Esse ainda é o meu nome.
— Você está no viva-voz — falei mais alto, rindo da cara de
Augusta. Beijei seu pescoço delicioso.
— Dominic, seu filho da puta, o que pensa está fazendo me
colocando de frente com o diabo?
— Eu ainda estou ouvindo — Augusta reclamou e cerrou
novamente os olhos pra mim. — É assim que deseja conquistar um dos
postos mais importante na vida do meu filho?
— Merda — Fabian ralhou e enfiei a mão dentro da blusa de
Augusta, fazendo carinho na sua barriga e passando os dedos por cima do
bojo do seu sutiã. — Então, Dominic não está louco?
— A decisão foi nossa, queremos você como padrinho do nosso
filho.
A ligação ficou muda e os olhos de Augusta me alcançaram, eles
estavam leves e seu sorriso completou a alegria que seu rosto estampava.
Augusta era tão linda, me apaixonava por ela novamente toda vez que
chegava perto.
— Não me culpe por estar radiante agora, merda, meu Deus, eu
quero muito ser o padrinho. Caralho, isso realmente está acontecendo. Não
sei o que dizer.
— Era só dizer um sim — Augusta afirmou e sua voz não tinha
desprezo ou qualquer coisa do tipo. Ela queria isso tanto quanto eu,
havíamos conversado horas sobre, e ninguém era mais perfeito que Fabian.
Miriam, sua irmã mais velha, seria nossa madrinha.
Essa escolha foi uma decisão totalmente arriscada, levando em
conta que nossos amigos iriam surtar ao saber que nenhum deles seria
escolhido.
— Eu estou dizendo sim!
Gargalhei alto da sua resposta, trazendo Augusta para mais perto de
mim e soltando sua mão do celular.
— Ótimo, que bom que agora estamos todos resolvidos — falei, me
despedindo. — Mas agora os pais do bebê têm assuntos de pais para
resolver, e estamos nos despedindo. Fica com De-
— Não! Espera.
— O quê? Estamos felizes que você aceitou mas precisamos
desligar, tenho certeza que você não quer ouvir nossa conversa-
Augusta me beliscou, me repreendendo.
— É importante.
— Cinco segundos.
Eu ia desligar na primeira palavra que ele falasse.
— Quem é a madrinha?
Sua voz ecoou na sala e Augusta arqueou as sobrancelhas.
— Não se preocupe, a madrinha do nosso filho será o menor dos
seus problemas, devia se preocupar com a mã- — Augusta me beliscou
novamente e encerrei a ligação, não conseguindo ouvir o que Fabian tinha
falado por último.
— Ai, esse realmente doeu — passei a mão pelo braço que ela
havia beliscado.
— É para você parar de falar demais.
— E desde quando eu falo demais? — arqueei as sobrancelhas em
um sorriso travesso, provocando-a.
— E quando foi que não? — sua expressão desafiadora fazia efeito
diretamente no meu pau.
Levei meus braços ao seu redor, abraçando seu corpo, trazendo ela
para mais perto de mim. Estávamos os dois deitados e enrolados no sofá da
nossa casa.
Nossa casa.
— Está feliz? — Augusta se remexeu, arrumando seu corpo de
lado, e passou as mãos pelo meu rosto. Beijei seus dedos e suas mãos.
Augusta balançou a cabeça e sorriu, também me abraçando.
— Muito.
Respirei seu perfume mais uma vez, me embriagando no seu cheiro
doce e viciante. Augusta pegou minha mão esquerda e cruzou nossos dedos.
— Muito ao ponto de brilhar? — beijei seu nariz, depois suas
sardas.
— Estou feliz ao ponto de não saber onde começa ou termina.
Estou embriagada de felicidade.
Sorri feliz e beijei sua boca gostosa. Amava beijar Augusta, isso era
uma das minhas coisas favoritas da vida. Levei a mão à sua barriga, fazendo
carinho ali. Estava perdidamente apaixonado pela ideia e sensação de ter
um filho meu na barriga de Augusta. Chegava a ser inacreditável. Como
uma realidade muito boa que não queria acordar nunca.
Porra, seria pai.
Me pegava diariamente obcecado em cuidar dela e ninar o seu
corpo até que ela se sentisse bem. Virei maníaco em adorá-la. Como uma
devoção diária, em que ela era a primeira pessoa do dia a qual conversava e
a última na qual sonhava.
Descobri que era muito mais apaixonado por Augusta quando
começamos a morar juntos, a ideia de compartilhar uma vida com ela me
deixava excitado.
Essa mulher me deixaria louco.
Augusta ficou muito assustada quando soube que estava grávida, e
eu me esforcei para ser a pessoa que ela precisava. A pessoa que diria a ela
as palavras certas, e não deixaria dúvidas referente ao nosso futuro.
Me esforcei, esperando que ela não sentisse o peso de fazer parte da
família Clifford.
Eu havia sentido esse peso assim que Augusta chorou nos meus
braços me perguntando se não éramos novos demais para ser pais. E talvez
não éramos de fato novos demais para ser pais, mas talvez éramos novos
demais para pagar por erros que não eram nossos.
Então, disse que não, disse que éramos as duas pessoas mais
abençoadas por termos gerado uma vida, era o que minha mãe diria. E foi o
que o meu avô me falou quando eu lhe contei entusiasmado, esperando
meus “parabéns” que descobri depois que nunca viria.
Meu avô, é claro, previu meu destino.
Tentei tranquilizar seu coração, dizendo que éramos um só, e era
assim que ela devia se sentir. Por que eu me sentia assim, completo.
Augusta me completava. E ela me disse que eu a completava também.
Então nada mais importava.
Nem as palavras severas do meu avô me alertando.
As malditas palavras.
Ele me disse que agora eu tinha cruzado uma linha perigosa, tinha
cruzado a linha perversa que era gerar outro Clifford.
E eu briguei com ele porque não queria ouvi-lo, não queria acreditar
em suas palavras. Não queria acreditar na ideia de que não poderíamos ser
um casal normal.
Mas meu avô sabia mais do que eu, e infelizmente paguei pra ver
quando quis proteger Augusta da minha própria família.
Um dia éramos uma linda história de amor, mas no outro, era
somente eu, e o maldito sobrenome que carregava.
FERIDA

Parada na soleira do quarto de Miriam me encontrava refém das


minhas palavras.
— O que aconteceu?
— Eu fiz de novo — murmurei, chorosa. — Eu sou um monstro,
Mi.
— Vem cá, deita comigo — essas palavras foram o suficiente para o
meu desabamento final.
Dentro do quarto de Miriam, enfiei-me debaixo das suas cobertas
por minutos ou horas, deixando que ela me abraçasse e mexesse no meu
cabelo. Sentia lágrimas salgadas descerem pelo meu rosto.
Minhas bochechas ardiam, minha garganta queimava, e meu peito
doía se apertando cada segundo mais. Era quase insuportável respirar.
— A gente sempre soube que uma hora ia dar errado — ela
sussurrou, alisando minha cabeça.
Tinha acabado de sair do banco com Dominic, e sentia tudo e nada
ao mesmo tempo. A vontade de desabar todas as verdades em seu colo
sendo demolida pela sede de vingar o próprio orgulho. Uma cadela
mentirosa e cruel.
Dói perceber que tinha me tornado a pessoa horrível que tanto
temia. Ter me tornado a pessoa cega que só pensava em destruir sem me
importar com os danos emocionais. Com o meu próprio emocional. Porque
era eu a primeira pessoa que queria machucar.
Nunca foi fácil encontrá-lo e ter que dizer adeus ao mesmo tempo.
Olhar em seus olhos e perceber que não era digna do seu coração por ter
feito péssimas escolhas, e mesmo assim não ter indício de querer voltar
atrás.
— Eu não consigo parar.
Seus olhos eram dóceis quando me acharam depois de tempos em
silêncio.
— Eu não consigo parar de mentir, porque as mentiras são tudo que
tenho.
Pensar que depois da verdade poderia não ter nada me partia. Há
tanto tempo estava montada em um trono falso que temia encontrar o vazio
que tinha construído ao longo dos meses.
Eu tinha mentido para Dominic
Eu tinha mentido para o meu pesadelo.
Eu tinha mentido para minha família.
Eu tinha mentido para mim mesma.
Eu estava viciada.
Viciada na sensação de que mentindo eu não teria que enfrentar a
dor real. Que mentindo não teria que lembrar que era vazia, oca, podre. Não
teria que lembrar que tinha perdido um bebê e isso me assustava mais do
que deveria.
— Se eu parar de mentir vou perdê-lo — era o que eu achava.
Porque Dominic iria embora quando visse o coração amargo que tinha
dentro de mim.
— Não, se você parar de mentir você vai viver, Augusta.
— Como tem tanta certeza que vou viver ?
— Tem um ano que você está afastando todos que te amam porque
acha que não merece tê-los. Você não tem mais para onde ir. Não tem mais
o que destruir quando o nada te sobra.
Respirei dolorosamente, me sentando na cama. Funguei.
Outra mentira, sempre tinha algo para destruir. Sempre teria um
coração para se partir. Como o dela naquele momento. Miriam era
verdadeira e eu era mentirosa.
— Vocês nunca se deram um verdadeiro tempo de respirar. Nunca
pararam para realmente falar sobre seu acidente. Talvez o fim seja o ideal
para vocês. Ninguém pode recomeçar uma história pela metade. Ela tem
que ser escrita de novo. Não dá para viver uma história quebrada, Augusta.
Não assim. Vocês precisam de tempo.
Então aqui estava a falsa verdade. Miriam sabia do aborto, sabia
que eu mentia para Dominic para afastá-lo. Sabia que estava atrás de um
culpado. Mas não sabia o principal, que o vilão ali não era ele que me
pressionava e partia a minha alma todas as vezes que me via.
Era eu.
Ao contrário do que minha irmã pensa, eu que nunca deixei
Dominic respirar. Eu que batia em sua porta toda vez que achava que ele
estava farto de mim e tinha desistido de lutar. Eu que tinha o abandonado e
não deixava ele partir.
Miriam pegou as minhas mãos.
— Eu odeio te ver assim — suas palavras eram firmes. — Talvez
esteja na hora de parar. Você não precisa estar no controle de tudo.
Engoli em seco, prevendo o rumo da nossa conversa.
— Eu gosto de onde estou — suspirei as palavras, o clima choroso
indo embora.
Sua mandíbula cerrou, e vi que ela queria soltar suas palavras
amargas como toda vez fazia. Não era a primeira vez que me lamentava
pelos meus desastres. E não era a primeira que ela me via afogar nas minhas
mentiras.
Mas um longo suspiro se deu quando uma risada baixa e sem graça
saiu por seus lábios.
— Você e o papai precisam parar — sussurrou. — Você precisa
parar. Você consegue ver o quanto nem confia em si mesma? Consegue ver
que é incapaz de dar um passo para frente sem dar quatro para trás?
— Eu não posso desistir.
— Se não está disposta a desistir então não lamente. Não faça da
sua perda seu mundo quando seu coração bate por vingança, não por culpa.
— Miriam…
— Pare.
— Eu não vim aqui para ser acusada — engoli em seco, ela nunca
teve pena de jogar verdades na minha cara.
— Veio aqui para que eu apoiasse suas mentiras? Eu já te falei, isso
não vai acontecer. Se estivesse tão partida não continuaria com essa merda
de vingança.
— Você não entende que…
— Você perdeu uma criança! Caramba, Augusta! Você perdeu algo
e ao invés de querer trabalhar isso, usa isso para machucar as pessoas. Está
em negação achando que não te afeta, achando que pode ter o controle
sobre isso.
— Não é bem assim — meus lábios tremeram e tudo em mim ardia.
— Você faz isso com a gente, você faz isso com Dominic, achando
que tem controle sobre seus sentimentos. Você faz isso com as pessoas ao
seu redor. Você as usa. Usa uma dor que não quer sentir.
— Mi — as lágrimas estavam de volta.
— Você nem consegue falar sobre, Augusta. Você nem consegue
pensar. Isso precisa parar, a sua negação precisa sumir, porque só assim
conseguirá fazer as pazes com a verdade. Com a sua verdade.
Mais lágrimas desceram e o meu peito sangrava.
— Tenho medo dele desistir de mim.
— Mas ele está no seu direito, você não pode ser egoísta a esse
ponto.
Mas eu era.
— Acha que depois do fim há o quê?
Suas semelhantes íris me acolheram, toda a muralha sumindo como
poeira.
— Acho que você vai ter que andar mais alguns passos para
descobrir.
Mas então todas as lágrimas se foram quando meu pai apontou no
quarto com o semblante duro. Seus orbes escaneando a nossa posição na
cama.
— Ainda quer a localização da mina?
Isso era ele perguntando se eu tinha desistido.
Engoli o bolo na minha garganta, construindo a minha muralha
mais uma vez. Miriam aguardou minha resposta.
Partida.
Eu sentia que parte de mim tinha sido arrancada sem qualquer
aviso.
De novo.
Merda.
Tinha sido pior do que eu imaginava, muito pior, sair por aquela
porta, tinha doído muito mais do que eu poderia suportar. Muito mais do
que planejei segurar. Eu tinha feito errado de novo.
As minhas palavras ecoavam agressivas na minha cabeça, como
uma risada maldosa que tem intenção perversa de me fazer quebrar.
Porque tinha acontecido de novo. Só que dessa vez a carga das
minhas mentiras eram tão explícitas que cortava. Queimava. Jogava veneno
nas feridas abertas que apodreciam sem nenhuma chance de cura.
Sem nenhuma chance de esperança.
Dominic tinha razão, não tinha como arrancar o band-aid de uma
ferida podre que nunca foi lavada.
A ferida que era eu, a ferida que se chamava Augusta. Eu podia
reconhecer a gravidade das minhas ações, mesmo que ainda não estivesse
disposta a voltar atrás.
Dominic durante meses passou ao lado da verdade, e por mais que
minha boca e o meu coração gritassem para despejar o rio de segredos que
eu escondia, não conseguia. Não conseguia abrir mão de uma perfeita
chance de o destruir.
De destruir o meu pesadelo.
Só por isso que aceitei toda essa merda, era somente por isso que
castigava impiedosamente nossos corações. Eu tinha uma chance, e
agarraria ela com todas as minhas forças.
E nada entraria no meu caminho.
Nada.
Nem mesmo o meu coração em frangalhos que sangrava a cada
batida errada provocada naquele momento.
— Sim.
DIA DOS PAIS

Há um ano…

DOMINGO, 14 de AGOSTO

Olhava para a minha mão constantemente, intrigada e desacreditada


que tinha dito sim para Dominic Clifford e iria mesmo me casar com a
pessoa que amava. Não alguém aleatório que o meu pai tinha escolhido por
causa de negócios, mas uma pessoa que eu estava apaixonada.
Senhor, eu estava noiva e mal podia conter a alegria dentro do meu
peito. Eu iria casar. CASAR. Estaria casada em alguns meses.
Suspirei, acariciando minha barriga.
Eu ia casar e estava grávida.
Aos vinte e três anos.
Sem pressão. Não era como se eu tivesse quize anos e estivesse na
pré- adolescência, mesmo que me sentisse uma. O que as pessoas iriam
pensar? Porra. Sem pressão.
A minha gravidez já não era segredo, e por mais que tivéssemos
tentado manter a informação entre família até que nosso contrato nupcial
fosse reconhecido, Bash inteira já estava sabendo. Os olhares sobre mim e
Dominic tinham mudado. Sobre mim, especificamente.
Minha família, os Vendettas, sempre teve uma influência muito
grande pelos olhos da mídia, no entanto, nunca saímos das vistas da
sociedade. Mas agora estávamos falando dos Cliffords, uma das últimas
famílias fundadoras que estava prestes a aumentar o seu legado.
Eu iria dar conta.
Sorri para a caixinha verde que tinha guardado secretamente por
uma semana. Queria fazer uma surpresa para Dominic, aproveitar o seu
primeiro domingo de Dia dos Pais para revelar que nosso bebê seria um
lindo menino, já que ele descobriu a minha gravidez primeiro que eu.
Inclusive, esse era um assunto que sempre discutíamos, sobre quem
percebeu primeiro que eu estava grávida.
Dominic sempre querendo estar dois passos na minha frente, até
com o meu próprio corpo. Mas no fundo, depois do meu orgulho, eu
admitia que ele percebeu a mudança do meu corpo primeiro que eu. Porque
ele sempre foi bom demais em me desvendar apenas me observando.
Olhei para o contrato que Dominic tinha deixado em cima da
escrivaninha depois de ter me explicado os termos regentes. Era o nosso
contrato nupcial, o contrato que me faria oficialmente Clifford. O contrato
que parecia ter um peso invisível em minhas mãos.
Rodei o anel no dedo, lendo as últimas cláusulas do contrato de
vinte sete páginas.
Já tínhamos conversado diversas vezes sobre essa decisão, pois ela
não abrigava somente uma coroa e uma vida regada a privilégios. Ela exigia
comportamentos específicos, posições irredutíveis e uma linha emocional
inabalável.
Eu seria a primeira família, e tinha ouvido histórias demais da nossa
cidade para não saber onde estava pisando.
Eu não queria pensar nos últimos meses, pois a ameaça explícita de
Martinez fez meus miolos fritarem para entender o que raios ele estava
fazendo. Eu não ia negar que fiquei assustada para caralho com a situação,
principalmente depois que ele possivelmente confessou sobre o tio David.
Merda, Francesca não conversava comigo fazia dias, depois que ela
foi embora de Bash tudo parecia estranho demais. Porque já não éramos
três, éramos somente duas e um luto. Eu queria poder lhe dar amanhã
felicidade, arrancar a sua dor que parecia consumir toda sua vida ao ponto
de não querer estar nos mesmo lugares que os seus pais estiveram.
Francesca não queria mais estar em Bash, e eu não poderia, nem se
tivesse esse poder, proibi-la de viver o luto da maneira que quisesse.
Mesmo que fosse longe de nós. Longe de tudo que tinha crescido. Respirei
com o peito apertado, algumas vezes tinha me sentido culpada por tudo na
minha vida parecer estar prosperando quando ela tinha acabado de perder
tudo.
Eu tentei falar com ela sobre Martinez, mas um peso de culpa
arrastava seu rosto sempre que passava perto do assunto que era seus pais.
O que me fez resguardar mais uma vez o assunto, que comia meus
pensamentos vezes demais. Eu pensava que a atitude de Martinez não fosse
nada além de medo de perder seu garoto de ouro, e que o seu ódio por mim
se dava a algum desentendimento entre minha família e ele. Uma coisa que
eu não tinha nada a ver e não procuraria saber. Porque já tinha
entretenimento demais na minha vida para buscar brigas do passado.
O que não impediu que depois daquele dia na casa de Dominic, no
escritório, achasse realmente que Martinez poderia me matar no dias
seguintes, e eu até tinha evitado ir até a mansão Clifford para não encontrá-
lo, pois eu realmente tinha ficado assustada e com medo com sua conversa.
Perguntei algumas vezes a Dominic sobre o que ele achava de Martinez,
mas sua resposta era sempre muito positiva e talvez eu tenha errado em me
retrair e não contar sobre a ameaça.
Porque aquilo tinha sido uma ameaça, disso eu não tinha dúvidas, e
olhar para esse contrato nupcial me faz perceber que um detalhe como esse
não pudesse ser deixado de lado.

§Fica resguardado também toda vida que tiver entrelaçada ao


sobrenome Clifford como sinônimo de proteção e precaução por todo abuso
de poder que não deverá ser regido diante as pautas citadas no artigo 23.

Essa era a última cláusula. Dominic tinha razão em querer assegurar


seu sobrenome, mesmo que ele não tivesse ideia do que já havia acontecido.
Então, ali no quartinho do nosso esperado filho, eu decidi que
contaria o que tinha acontecido mesmo que doesse saber que a sua própria
família tinha ameaçado seu filho.
Mandei-lhe uma mensagem perguntando que horas chegaria em
casa.
Essa sensação era boa, nossa casa, tudo parecia se encaixar em seu
devido lugar. A minha alma estava completa com a de Dominic.
A campainha tocou e estranhei o barulho, não era Dominic pois ele
tinha acabado de me responder por mensagem e não estava esperando
ninguém. O condômino que nossa casa ficava era fechado, então eu também
era avisada sempre que tínhamos visita. Fechei a porta do quarto do bebê e
desci as escadas largas, indo até a porta.
Ainda não tínhamos decorado o quarto, era apenas um cômodo
vazio com uma cômoda de madeira, mas adorávamos passar horas ali,
sonhando acordados com o nosso futuro.
A casa não tinha ninguém, as duas mulheres que tinha contratado
para ajudar na organização da casa estavam de folga, e também tínhamos
almoçado na casa dos meus pais e Dominic tinha ido até a casa do seu avô
levar Damian, que também havia passado o início do dia conosco. Sorri
feliz lembrando do seu rosto quando contamos sobre o bebê, o seu sorriso
puro e verdadeiro fizeram-me perceber como ele seria amado.
Abri a porta.
Meu coração saltou de surpresa.
Era Martinez.
O que ele estava fazendo aqui?
— Martinez?
Então ele sorriu como um diabo que estava prestes a cobrar uma
dívida.
— Boa noite bela Augusta
— O que está fazendo aqui? — fui rude.
— Bom, estava passando por perto e achei que seria uma boa ideia
visitar a realeza e desejar feliz Dia dos Pais ao nosso amado rei.
Fiquei na soleira da porta em uma tentativa de bloquear a entrada
com o corpo, o que não era algo possível já que a porta era quatro de mim,
mas esperava que ele entendesse a mensagem de que eu não iria convidá-lo
para entrar na minha casa.
— Você não foi avisado na portaria — me mantive firme,
mostrando que não iria ceder a nenhuma ameaça. — E como Dominic não
está aqui para recebê-ló, não é bem-vindo na minha casa.
— Sempre tão espinhenta — zombou de mim, e vislumbrei a rua
atrás dele, ninguém passava por lá.
— Não faço questão de ser educada e boa com quem me ameaça e
acha que pode mandar na minha vida.
— Oh, então a memória está fresca, hum? Achei que precisaria
relembra-lá.
— Como esquecer algo tão mesquinho? Tem certeza que ama
Dominic? Isso não me parece amor.
Ele riu, despreocupado.
— Você não contou para seu pai, contou? Da nossa conversinha.
Não respondi.
Talvez eu ainda esteja em negação pelo ocorrido e não queira
acreditar no fato de que Martinez tenha ameaçado nosso bebê. Esse cara era
louco? Mas eu iria contar. Pois, apesar de três semanas terem se passado,
nada de estranho tinha me ocorrido quando nos encontramos no Salão
Dourado.
E talvez a minha felicidade excessiva com a mudança de casa,
noivado e ser mãe tenha me distraído para pistas óbvias que não me
atentaram que algo estava para acontecer.
— O que quer aqui, Martinez?
— Precisamos conversar novamente, acho que você não entendeu
bem o meu aviso.
A raiva trovejou em mim. Quem ele pensava que era? Queria-o fora
daqui, não toleraria ameaças contra meu filho.
— Pena que você não é bem-vindo aqui — eu realmente não me
importava em bater a porta em sua cara. Ligaria para Dominic e para
segurança do lugar. Que merda é essa que estava acontecendo? Meu celular
estava em cima da cômoda no quarto do nosso bebê. Eu só precisava
despachar Martinez.
Fui ao gancho da porta de madeira para fechá-la sem nenhuma
culpa no ato. Minha próxima missão seria tirar Martinez do seu posto de
apoiador. Seu reinado acabaria logo.
— Uma noite infeliz para você, Martinez!
Quase respirei aliviada quando a porta quase se fechou.
Merda. Quase.
Porque o pé de Martinez interrompeu a ação e uma força do outro
lado empurrou meu corpo para trás, abrindo a porta totalmente de novo.
Quê?
A ação foi rápida demais para meus olhos desprevenidos, pois
quando me dei conta de que Martinez tinha barrado a porta, seu corpo já
estava dentro da minha casa e a minha respiração estava muito acelerada
pela pressão das suas mãos em meu pescoço.
— O que pensa que está fazendo? — horrorizada, tentei tirar a sua
mão de mim. — Tira as mãos de mim seu porco!
— Estou reforçando meu aviso, vadia — Martinez apertou com
mais força, e senti o ar dos meus pulmões faltar. Que porra estava
acontecendo?
Analisei rápido a posição dos seus pés, e com um fôlego, apertei
minhas unhas em seus braços e chutei sua barriga com meu joelho.
Seu aperto soltou de imediato.
Coloquei a mão no coração e na barriga em um modo de proteção e
saí de perto dele, tossindo. Minha preocupação se estendendo não só por
mim, mas pelo meu filho também.
Então eu entendi porque estudávamos naquela merda de escola de
base militar quando Martinez veio para cima de mim querendo me derrubar
e meu reflexo corporal me desviou para outro lado novamente. Deixando
meu corpo alerta do perigo à frente.
— Por acaso está louco? — gritei, o fôlego sendo cortado quando
minha atenção era multiplicada para diversos pontos da casa.
Martinez bloqueava a passagem, e eu poderia correr para o fundo e
sair para rua ou subir em busca do meu celular e chamar socorro. Eu não
era nem louca de enfrentar um homem sozinha. Por mais que tivesse aulas
de defesa pessoal. Isso era loucura. Tudo ainda parecia uma loucura que não
conseguia explicar ou digerir.
Minha cabeça lutava a milhões para tentar entender a merda que
estava acontecendo.
— Eu só estou aqui para reparar mais um erro do destino, criança
— sua voz não tinha emoção, e algo me disse que reparar um erro tinha
tudo ligado com tirar a minha vida. Ele ia me matar.
Porra, Martinez tinha vindo me matar, provavelmente sabia que não
encontraria Dominic aqui.
Fui para trás do sofá, querendo distância, e Martinez avançou, ainda
mais rápido que eu. Empurrando meu corpo e me jogando contra a mesa de
vidro, que bateu com tudo no meu quadril, fazendo-me chiar de dor.
— Você é um merda que está tentando ser Deus — cuspi com raiva,
não conseguindo levantar a tempo quando Martinez acertou o primeiro
murro no meu rosto, atingindo meu olho e nariz, me deixando tonta,
sangrando meu nariz e fazendo tudo queimar quando colocou o pé no meu
pescoço, me imobilizando.
Tentei tirar o seu pé de mim, sem sucesso.
Comecei a engasgar com o ar restrito aos meus pulmões
novamente, e arregalei os olhos quando a força do seu pé em mim
aumentou, e o corpo de Martinez abaixou. Ele estava investindo sem dó.
— Vadia desgraçada, se tivesse pegado o meu aviso de primeira,
isso nunca estaria acontecendo.
— Vai se foder.
Tentei usar a força dos meus braços, sem sucesso novamente. Meu
coração saía pela boca por meu desespero e medo.
— Alguém tem que pagar quando as coisas não saem do meu jeito.
Eu ainda não conseguia entender sua motivação.
— Isso tudo é por causa do pai de Francesca? — ele não me mataria
só porque ouvi sua conversa, certo?
Martinez riu sem ceder o pé, e flexionei minha perna para chutá-lo.
— Não é motivo suficiente? Afinal, posso estar encrencado se
decidir abrir a boca.
— Então irá matar todo mundo que entrar no seu caminho?
— Isso não me parece ruim.
Martinez levantou a cabeça, e eu previ que ele iria me chutar.
— Está cometendo um erro, Martinez — respirei com dificuldade.
— O seu erro foi não ter me ouvido antes, vadia.
— Não, o meu erro foi nunca ter pensado em te tirado da AAB
antes.
Martinez gargalhou zombando, e aproveitei seu impasse para força
das minhas pernas para me livrar do seu agarre, chutando o meio das suas
pernas, desequilibrando-o.
O que pareceu pegá-lo de surpresa.
— Desgraçada.
Adrenalina corria por todo meu corpo, me fazendo agir sem pensar
muito, porque a única coisa que queria era distância dele. Precisava sair
daqui.
Então corri para a cozinha em busca de algo para acertá-lo. Eu
também poderia sair correndo e ir até a guarita pedir ajuda. Isso parecia
perfeito. Levei a mão na maçaneta para abri-la.
Ela não abriu.
Minha fuga não durou muito, a mão grosseira alcançou meu cabelo,
me fazendo tropeçar para trás e derrubar as panelas que estavam no balcão
enquanto tentava me equilibrar.
Martinez tentou socar meu rosto novamente, mas fui mais rápida e
levei a minha mão em punho para acertá-lo primeiro, com a faca que tinha
alcançado. Eu não era tão ágil assim, mas acontece que para salvar a nossa
vida nos tornamos o que menos esperamos ser.
Meu pulso doeu.
A parte direita do rosto de Martinez sangrou.
Minha respiração engrenou em um sopro de sobrevivência.
— Assassino — gritei, desesperada. E fugi para cima, para procurar
socorro. Ligaria para portaria, não tinha tempo para pensar onde a chave
estava.
Eu estava com medo, estava assustada. Queria correr o mais longe
possível. Porque eu não era forte o suficiente para tudo o que me
aconteceria a seguir.
Porque eu só queria fugir.
Fugir parecia uma palavra aliviadora.
Fugir era a última palavra que me socorreria agora.
Subi as escadas correndo, indo em busca do meu celular. Isso não
podia estar acontecendo. Merda. Meu pulso doía, minha mão doía, minhas
pernas tremiam e eu sabia que tinha que ser forte não só por mim. Mas por
ele. Pelo meu bebê.
Mas o último degrau não foi o último que eu pisei, pois uma mão
grosseira segurou meu tornozelo me fazendo cair com tudo para frente, sem
dar tempo para meus reflexos segurarem meu corpo. Merda. Martinez
chutou meu corpo e puxei minha perna do seu aperto, rolando para frente,
vendo o vislumbre da sua boca cortada. Um sorriso horrendo pintou ali, me
dizendo que ele não ia parar. Ele não ia parar enquanto não me matasse.
E naquele momento eu tive certeza que iria morrer.
Eu iria morrer sem contar para Dominic que nosso bebê era um
menino.
Eu iria morrer sem Dominic saber que, em papel, estávamos
casados.
Se eu morresse, nosso bebê morreria.
O desespero me embalou e corri até o final do corredor, mas os
passos fortes de Martinez estavam na minha cola. Toda distância que eu
corria não era suficiente para me livrar dele.
— Garota burra, onde pensa que vai? Você não tem saída.
Eu sabia disso, e essa ciência me perturbou.
— Por que está fazendo isso? Por que matou o tio David? Eu não
tenho provas nenhuma contra você, eu perderia antes mesmo de tentar —
minha voz era fraca, e meu cérebro exigia informações. — Qual o motivo
disso?
Martinez pareceu pensar antes de rir diabolicamente. Desgraçado.
— Bom, pessoas mortas não contam história, não é mesmo?
Ele já estava contando com a minha morte. Olhei para o quarto
intacto do bebê, se eu pulasse a janela provavelmente me machucaria muito
mas chegaria viva, eram dois andares. Cerrei os punhos, provavelmente
também colocaria em risco a vida do bebê.
Ficar aqui não só colocaria a vida de nós dois em risco, como
estaríamos mortos.
Minha respiração estava pesada, sentia as batidas do meu coração
por todo meu corpo.
Voltei a encará-ló, seus passos estavam mais próximos.
— Você quer saber por que está morrendo?
Trinquei o maxilar.
— Saber o motivo é importante para não cometer o mesmo erro de
novo... Ou não.
— Você é um assassino.
— Eu cumpro promessas.
— Promessas? — meu coração acelerado me dava ânsia. Todo meu
corpo repudiava o misto de emoções que embalavam no meu estômago. —
Me matar é uma promessa?
— Você foi um pequeno efeito colateral — ele pareceu pensar em
algo antes de dar mais passos em minha direção. Eu estava em pé, mas era a
mesma sensação de estar no chão. Me sentia pesada e exausta. A adrenalina
comia toda minha energia.
— Há um certo detalhe a se observar sobre os Clifford, não? —
voltou a dizer e avistei a vela que tinha deixado acesa. Uma luz, eu
precisava de uma luz. — Ou acha que eles são os únicos sobreviventes por
uma dádiva?
— Do que você está falando? — sussurrei.
— Não me decepcione, Augusta, pense comigo. Você sabe a
história das famílias fundadoras, hum? Não deve ser difícil.
Eu não estava entendendo. O que Martinez tinha a ver com os
fundadores? Tentava lembrar de algo que pudesse fazer sentido, por que
eles seriam os únicos sobreviventes? Eu não sabia como tinha sido o fim
das outras famílias fundadoras, mas não seria Martinez a matar todos, seria?
Isso não fazia sentido. Por qual motivo?
Minha cabeça doía.
— Está me dizendo que é um ceifador do sangue real? — arrisquei
a dizer um pensamento totalmente sem sentido para mim. Pois já não estava
conseguindo identificar o que era loucura e o que era real. Porque tudo
parecia um maldito pesadelo.
Mas consegui ver algo brilhar em seus olhos, como um despertar.
— Isso me parece certeiro.
— O quê?
Horror me invadiu.
— Você está me dizendo que tem um plano maldito em matar todo
os fundadores dessa cidade?
— Quando você põe assim não me soa divertido.
Fechei os olhos, tentando juntar as informações que tinha.
— Tio David não era de família fundadora, por que o matou?
— Ele tinha algo que eu queria — disse simples.
— O que seria tão valioso que você não tem?
Isso era curioso e eu poderia tentar adivinhar se a pressão pela
minha vida não vibrasse com tanto fervor. Pisquei rápido me lembrando de
coordenadas.
— Tio David estava com algo seu? — minha cabeça latejou. — Por
que você precisaria de uma mala?
Mas Martinez não me respondeu, e afastei meus passos, entrando
no quarto ainda não decorado.
— Fim de papo — recuei mais ainda, chegando a poucos passos da
janela. Ele estava me cercando.
— Me diz! — esganicei a voz, querendo arrancar mais tempo. — O
que o tio David tinha que precisou morrer por isso?
Martinez cerrou os punhos e eu soube que ele partiria em direção a
minha morte sem nenhuma piedade.
Eu estava com medo. Merda. Eu só queria sair daqui.
Martinez respirou pesado e passou a mão no corte que não parava
de sair sangue. Isso ficaria uma horrorosa cicatriz.
— O querido David escondia debaixo das asas uma importante
informação por anos e nunca pensou em revelar o mapa que levava ao meu
tesouro, então... — seu sorriso não chegou aos olhos. — Bem, ele teve o
fim que mereceu.
— Tesouro?
— Mora em Bash há tanto tempo e não sabe qual foi nossa
principal fonte de exportação?
— As minas de ouro? — o quê?! Não podia ser, tudo isso por causa
de localizações?
Merda, localizações onde possivelmente estava uma mina recheada
de ouro e artigos históricos.
Não consegui completar meu raciocínio, os passos de Martinez me
ameaçaram e avancei para janela sem saber como seria meu fim. Só sabia
que não podia ficar aqui.
— Reze para morrer garota.
E eu rezei, não para morrer, mas por uma segunda chance.
Por uma segunda chance para me vingar.
Porque agora.... Agora tudo que eu sentia era uma necessidade
absurda de correr.
Eu vi a morte na minha frente e ela parecia terrivelmente
assustadora.
Meu estômago embrulhava e a ânsia subia querendo me liquefazer.
Era tudo ou nada.
Martinez viu o que eu ia fazer então riu. Ele riu da minha fuga.
Bati minha perna na parede desesperada para passar pela janela um
pouco alta, e quando vi a rua em uma altura nada agradável… gritei de dor.
Tudo tinha acabado de se tornar nada.
Meu coro cabeludo doeu pelo puxão, e me defendi arranhando seu
rosto e braços. Não tinha força para chutá-lo de novo porque minha perna
estava pendida do outro lado.
Gritei para que me soltasse e ele riu novamente, como se meus
esforços não fossem nada. Martinez puxou meu cabelo para baixo e por
causa da dor, fui para cima da sua mão querendo libertação. Mas foi o
suficiente para que eu caísse no chão novamente e começasse a lutar pela
minha vida.
Esperneei, criando distância, chutando sua mão, braço, tudo que via
pela frente, e comecei a jogar tudo que estava ao meu redor nele.
Derrubando tudo que pudesse me dar segundos de distância.
Louco, Martinez era louco. Ele não parou.
Derrubei a cômoda nele, deixando cair o contrato assinado e a
caixinha verde.
Fui para porta novamente e me senti como um animal refém de um
predador selvagem.
Derrubei a vela quando passei e pensei que isso poderia causar um
estrago na casa.
Mas eu não tinha tempo. Tinha milésimos antes que Martinez
colocasse as mãos em mim novamente.
O que foi um pensamento completamente antecipado, porque
percebi que ele era muito mais forte, mesmo machucado. Mesmo com o
rosto sangrando e provavelmente com o corpo dolorido pelas minhas ações.
Ele ainda era mais forte. Eu nunca pensei que venceria na força com ele,
por isso tentei fugir... Por isso tinha tentado ao máximo evitar os próximos
passos.
Porque sabia que não sairia viva.
Não depois de não correr o suficiente, não gritar o suficiente, não
ter força o suficiente.
Eu estava cansada.
Tão cansada.
Martinez socou o meu rosto pela última vez, e dessa vez quando
caí, senti pavor e as lágrimas já não tinham controle.
O medo me consumia.
Tudo doía, até as malditas lágrimas doíam.
Levei a mão à barriga quando previ sua próxima ação.
Um chute no meu rosto, um chute nas minhas costelas.
Um chute na minha barriga.
E depois, todos os movimentos novamente e repetidamente até que
tudo que eu respirasse era sangue. E as minhas lágrimas eram tudo que eu
conseguia ver. Tudo que eu podia sentir.
Então a cena que nunca mais sairia da minha mente se formou,
dilacerando todo meu coração, arrebentando todas as minhas amarras,
machucando e destruindo tudo que um dia eu pensei ser.
Eu vi sangue novamente. Um sangue diferente. O meu sangue. O
meu sangue escorria pelas minhas pernas e inundava o chão.
O ar estava indo embora, o vácuo estava me preenchendo. Eu tinha
desaprendido a respirar.
Tudo doía. Absolutamente tudo.
Eu estava sendo partida viva. Eu estava vendo a minha própria
imagem se partir.
Dobrei o meu corpo querendo me proteger, querendo proteger o
meu bebê. Porque o meu bebê era tudo que importava. Era tudo que eu
respirava.
Tudo doía tanto. Tanto. Tanto.
Respirava pela boca um ar que não chegava aos meus pulmões.
— Eu desejo a sua morte, Martinez — minha voz era engasgada,
grogue. Eu já não tinha tanta certeza se sobreviveria. Mas sabia que o meu
pesadelo ainda estava ali. Uma luz forte vislumbrou no canto do meu olho.
— Eu vou matá-lo.
Então eu soube o que era a luz forte no fundo da minha vista
embaralhada. Porque o fedor de fumaça preencheu o quarto. Mais lágrimas
desceram pelo meu rosto. Os meus soluços já não eram audíveis, pois
minha voz tinha ido embora, e tudo que sobrava eram sussurros quebrados.
— Eu sinceramente espero que morra, pois não vai querer
sobreviver a mim, Augusta.
E ali eu realmente queria morrer, nunca tinha desejado tanto a
morte como naquele dia. Eu não sabia dizer onde a dor começava ou
terminava. Eu não sabia dizer quais as partes do meu corpo sentia.
Meu choro ardia, rasgava, arranhava tudo que existia dentro de
mim. Eu estava sufocando.
Então tudo ficou preto, e a última coisa que me lembro foi do rio
petróleo repleto de luz me dizendo que tudo ficaria bem.
ANCESTRAIS

Poucas coisas me deixavam com medo na vida, poucas coisas me


assustavam.
Porque eu já tinha passado pelo meu maior medo na adolescência,
que foi perder a minha mãe. Eu tinha a perdido e a saudade moía meu peito
todos os dias.
Mas naquele dia, o medo e o pavor foram tudo que eu conseguia
sentir. Foram tudo que eu conseguia digerir.
Vinte e seis ligações não atendidas e um pressentimento ruim.
Um aperto no coração e mais trinta e oito ligações perdidas.
Eu não soube dizer como eu tinha chegado até lá, eu não sabia dizer
como tinha conseguido ficar de pé ao deparar com tanto fogo.
A nossa casa estava pegando fogo. Ela estava em chamas. O calor
exultante queimava minha pele a poucos metros de distância.
Uma sirene.
Ela parecia longe demais. Atrasada demais.
Eu que devia estar atrasado por não ter chegado antes.
A nossa casa estava pegando fogo.
Uma última ligação, uma última chance, então, tudo que eu via era
fogo.
Fogo.
O maldito fogo.
E agora eu sentia o fogo correr pelo meu sangue como naquele dia.
Como naquele maldito dia!
Porra.
Meus olhos queimavam a tela.
A primeira respiração foi engasgada, doída. Tudo em mim estava se
partindo de novo. Eu não podia acreditar no que estava vendo.
A segunda respiração foi pesada. Agoniante. Eu estava lá de novo.
Estava vendo Augusta desmaiada de novo. Eu mal conseguia respirar
enquanto a imagem que tinha acabado de receber em um pen drive rodava
em looping na tela do computador.
Ânsia.
Raiva.
A confirmação da imagem fez o meu sangue gelar.
— Isso é algum tipo de brincadeira?
— Acha que brincaria com você sobre esse tipo de situação?
— Então por que merda parece que estamos caminhando para trás?
Meu avô se calou e eu lhe mostrei o vídeo que tinha recebido da
entrada da nossa casa, Martinez empurrando a porta quando Augusta tentou
fechar.
Porra, por que ela tinha escondido isso esse tempo todo? Martinez
era o culpado pelo incêndio? Martinez era o culpado pela morte do nosso
filho?
Porra, sentia-me enjoado. Traído. Eu mal conseguia identificar qual
sentimento me destruía mais.
— Nic — meu avô me chamou, e continuei encarando fixamente a
tela pegando cada detalhe da cena, decorando cada expressão. Como um
maldito maníaco obecado. — Dominic!
Olhei para ele, esperando seu comando.
— Você não vence nada assim.
Ri amargo.
— Vencer o quê? Eu não tenho o que vencer.
— Dominic — o seu tom me repreendendo me irritou e me esforcei
para não elevar o tom, mas foi quase impossível.
Eu estava com raiva. Raiva porque me sentia um maldito impotente.
— O quê?! Estávamos atrás de um culpado? Achamos o culpado. E
bem, agora basta saber por que caralho Augusta senta à mesa com o maldito
traidor.
Amargura encheu a minha boca. Porra.
As provas chegaram até mim, todas de uma vez. As gravações
perdidas da noite do incêndio, os laudos médicos dizendo sobre o aborto
agressivo, e o nome de um dos destinatários das mensagens que ela recebia.
Ver tudo doeu mais do que eu poderia imaginar, feriu mais do que eu
poderia suportar. Porque também chegaram outras informações, a imagem
de Augusta em encontros fechados com Martinez estava ali.
E posso dizer que as últimas imagens me machucaram mais do que
devia, porque era como se ela soubesse de tudo e mesmo assim decidiu
esconder.
Me sentia desolado, a garganta seca e o coração sangrando.
— Não sabemos o que de fato está acontecendo, só temos
suposições — meu avô tentou apaziguar. Mas ri amargo, desacreditado. Ele
sempre fazia isso, tentava criar soluções para os meus problemas.
Principalmente agora, ele tinha tomado as minhas dores, as dores
que senti com a perda de Augusta.
Passamos meses atrás de pistas que ligavam Augusta ao incêndio,
mas sempre batíamos de frente com um belo muro que ela própria
construía. Porque seu nome estava em todos os rastros, todas as transações,
tudo que envolvia o acidente ela tinha tomado a frente, como se realmente
não tivesse outra pessoa na casa. Como se Martinez não tivesse entrado na
nossa própria casa.
Que porra de sangue frio era esse?
Porra, que merda era essa que a sugava para esse buraco sujo e sem
vida? Eu sabia que nada de bom vinha de onde ela estava, porque tudo que
envolvia a AAB era podre e sujo, tínhamos aprendido isso muito novos, e
acreditava que ela não tinha esquecido as lições do instituto.
Porra, ela estava metida em um buraco cheio de urubus e carnes
podres.
— Preciso saber se entendeu o que eu disse — meu avô voltou a
falar. — É uma linha, precisamos segui-la para conseguirmos a resposta.
Preste atenção.
Seu tom brando me fazia salpicar de raiva, porque ele continuava
tentando explicar o seu ponto que para mim não fazia sentido. Tudo só
virava uma grande bola de neve. Mas merda, sua lucidez parecia melhor
que a minha.
Balancei a cabeça, meus pensamentos não indo muito longe. A
imagem de Augusta machucada fixada na minha cabeça. Martinez a tinha
machucado. Porra. O que merda eles estavam fazendo? Que merda Augusta
estava fazendo? Isso martelava alto na minha cabeça.
— Sobre o ceifador? Bem, nada mais me assusta. E pensar que uma
fixação pelo poder atravessa gerações não me deixa mais animado. Me
deixa a impressão de loucura.
A histórias dos fundadores ia muito além do que exportações e
pactos de sangue, pois não só tínhamos um ceifador vingativo, como
também uma possível obsessão por uma mina abandonada. Isso era o que
meu avô tinha complementado.
Na história dos fundadores, há uma quinta pessoa que não é citada,
é a pessoa que prometeu vingar todos os malditos fundadores por causa de
uma traição. Eu nunca encontrei relatos desse acontecimento nos arquivos,
mas meu avô, que ouviu do seu pai, repassa relatos muito claros sobre esse
quinto fundador ter tentado usurpar toda a região que estava acontecendo a
escavação, causando atrito entre a população na época.
E por causa disso o lugar foi escondido em um mapa cego, onde
somente a uma pessoa foi confiado o segredo: à irmã mais nova de Hélio
Franco. E desde então esse quinto fundador tenta achar a mina perdida,
passando seu próprio legado para os seus filhos e netos.
— Não é poder, é um legado de anos que nunca foi desvendado —
falou sério, sem nenhuma brecha. Como um contador de histórias.
— Isso me parece patético — e realmente parecia. Augusta tinha
me contado a história dos fundadores, e passamos tempo suficiente na
mansão Willians para criar hipóteses que não passavam de histórias de
adolescentes.
Passei a mão nos cabelos, me esforçando para prestar atenção em
suas palavras, minha cabeça querendo saber onde Augusta estava.
— E dizer que nossas vidas correm perigo frequentemente por
causa de historiadores zangados é quase como uma afronta.
— É por isso que existem os contratos nupciais, é por isso que
somos tão rigorosos quando se trata da união de um sangue real.
Ri nasalado.
— Ainda continua sendo irreal e não fazendo sentido.
Eu não era um incrédulo, acreditava fielmente em Deus e tinha os
meus momentos de oração, mas dizer que uma vingança poderia atravessa
séculos de gerações parecia história de terror contada para crianças que
faziam arte.
Era como se contos folclóricos se tornassem reais.
— Mas isso justificaria as ações de Augusta — meu avô foi direto
roubando toda a minha atenção, levando a conversa muito mais longe.
— Como? — parecia que ele tinha finalmente chegado ao ponto
onde queria, depois de me relembrar de toda história de Bash.
— As ações dela, por qual motivo ela estaria trabalhando com
Martinez? Ou isso não é o ponto que estamos querendo chegar? Ou
realmente acha que ela é a vilã da história?
Cerrei o maxilar, franzindo o cenho. O assunto correndo para outros
lados.
— Acha que ela estaria atrás de uma mina escondida? Isso não me
parece algo que ela faria. Ela é fã de histórias, mas não ao ponto de ser uma
historiadora fanática — ela nunca negou sua paixão pelas histórias de Bash,
afinal, tinha crescido ouvindo e se moldando a elas. Mas eram só histórias.
Histórias que agora estavam ditando o nosso futuro, porra.
— E ainda não consigo entender a ligação entre o incêndio e a
vingança de Martinez contra os fundadores. Se é realmente ele que está por
trás do rosto ceifador, por que Augusta se encontraria com seu agressor? E
como não poderíamos saber quem era ele desde sempre? Como você não
poderia saber?
Meu avô engoliu em seco.
— Há mais coisas ocultas em nossos bailes do que poderei dizer,
Dominic, e eu nunca tive a oportunidade de ter um neto antes, com certeza
a presença de Augusta provavelmente ativou algum gatilho que o fez se
sentir atacado.
Isso era loucura, uma grande merda alucinante.
Eu acreditei quando ele disse que nossos pescoços estariam sempre
na ponta da faca, acreditei quando disse que o incêndio de Augusta poderia
ter algo a ver com nosso sobrenome, mas achava que era pelo poder, pela
coroa. Mas não, é tudo por causa de uma maldita localização e histórias mal
resolvidas.
— E o que motiva Martinez, ou quem quer que esteja por trás, a
achar que ainda há algo para ser encontrado três séculos depois?
— Enquanto tiver um De Martino vivo, o segredo será velado.
— Está me dizendo que David e Leonara De Martino morreram por
carregarem um segredo hereditário? — arqueei as sobrancelhas.
— Não só porque carregavam um segredo hereditário, mas porque
possuíam o mapa com as localizações geográficas da mina.
— Então tudo isso é por causa de uma mina perdida?
— Não uma qualquer, é a mina de ouro que os fundadores de Bash
exportaram.
Meu avô me olhava atento, esperando a minha reação, mas a minha
cabeça estava cheia e preocupada demais para ir mais além.
— Mas ainda não faz sentido nenhum do porque ela nunca o
entregou. Augusta sabia que acreditaríamos nela sem nenhuma prova. Ela
não precisava de provas. Porra, por que merda Augusta está metida nisso?
Um silêncio incômodo nos saudou.
Queríamos uma resposta, mas não propriamente a verdade. A
ansiedade comia minha respiração, fazendo meu coração disparar.
— Ou... — sua voz foi falha, chamando minha atenção, como se
pensasse alto. — Ela pode não estar o acobertando. Pode ter algo que não
estamos pegando, algo não está sendo contado
Pensei nas minhas palavras, se ela ainda não tivesse o mundo em
seus pés, eu compraria para ela.
— Acha que Augusta sabe sobre as histórias? Acha que ela pode
saber algo sobre a mina?
Minha boca amargou. Não conseguia assimilar tudo isso. Não
conseguia assimilar as imagens da câmera com seu sorriso falso e sua
melhor postura nos bailes.
Eu odiava estar por fora da sua vida, odiava estar por fora dos seus
pensamentos. Augusta realmente tinha se tornado a rainha das mentiras,
como uma vez tinha me dito.
Meu avô ficou em silêncio e uma maldita palavra pairou entre nós.
Seus olhos cansados me alcançaram novamente. Algo se partiu dentro de
mim.
O que realmente tinha acontecido na noite do incêndio? A
impotência me arrastou, a raiva salpicando cada molécula da minha pele. O
ar lutava em meu pulso.
Fitei o senhor que tinha muita mais idade que eu, mas que também
tinha muito mais sabedoria.
— Eu penso... Eu penso que alguém muito maior está por trás da
verdade. Alguém que a está ajudando talvez. Sabemos que o seu pai a
acoberta em muitas coisas. Mas ainda sim ela teria que ter um
conhecimento muito específico para saber o que procurar. Um
conhecimento que só os antigos têm. O que vem outra questão, como
Marllon sabe?
— Augusta sempre gostou de histórias — tentei justificar algo que
não sabia.
— Mas essa não é qualquer história — seu tom abrandou e levantei
meus olhos para onde meu avô olhava. O mesmo quadro que tinha na
mansão Willians tinha aqui, em um formato menor. O quadro original. — É
a história de Bash. É a história de Augusta.
Encarei o quadro que tinha os quatro homens que diziam ter
fundado Bash. A vida pode ser uma bela merda quando ela quer. Uma
merda capaz de te levar de volta para o abismo de confusões que você tanto
lutava para sair.
Meses de dúvida, meses esperando por uma resposta que parecia
estar na minha cara o tempo todo.
Todos os últimos meses passavam pela minha cabeça. Eu achava
que nosso inimigo estava perto, mas não debaixo da minha casa e jantando
na mesma mesa que eu. Porrra.
Eu estava amargurado.
Eu sempre soube que eles não tinham se dado bem, mas não que
Martinez seria capaz de fazer mal à Augusta por causa de um passado
distante.
Martinez também estava envolvido na morte do meu pai?
Porra.
Porra.
Porra, Martinez? Seu nome soava amargo na minha boca.
Algo maldoso me embalou, eu tinha um plano para Martinez, e o
faria pagar por machucar quem eu amo. Por matar vidas que não eram dele
por direito. Desmascarar seu reinado seria minha vitória. Comigo ele não
teria vez, não importava o que Augusta planejava, isso teria que parar. Eu
não deixaria que ela se afunda-se nisso.
Mas, primeiro tinha que arrumar uma bagunça que por tempo
demais deixei se estender.
Augusta tinha entrado em uma briga que não era dela, eu não sabia
como ela se encontrou nesta encruzilhada, mas sabia que tinha que buscá-la.
Eu a tiraria de lá. Se ela não quisesse vir por bem, eu a forçaria a sair de
onde quer que estivesse.
Porque ela não se esconderia por muito tempo.
Eu ia achá-la.
E depois a levaria para casa
PESADELO

PASSADO

O teto branco foi a primeira coisa que vi. Depois me senti presa nos
braços. Então, a consciência me pegou primeiro que a minha percepção.
Viva. Eu estava viva.
Sentia dores em todos os lugares possíveis, sentia minha pele
superaquecer e pontadas vivas despertarem no meu ventre.
Merda, eu estava viva.
Minha respiração doía, minha boca estava seca. Sentia a respiração
entrar e sair rasgando dos meus pulmões, como lâminas afiadas. Eu não
queria respirar. Eu não podia estar viva.
O medo me assombrou
A lembrança me atacou.
A intensidade do meu pavor fez o barulho da máquina ao meu lado
apitar.
Merda. Eu estava viva.
O desespero me sobressaltou quando ouvi meus próprios
batimentos cardíacos na máquina. Um batimento. O meu batimento. Um
batimento. Respirar estava difícil.
Tentei levantar minhas mãos, elas estavam presas. Merda.
Eu sentia dores, minha barriga estava doendo. Meu ventre estava
doendo. Todo meu corpo estava pulsando e eu não sabia onde doía mais.
Martinez tinha me chutado, eu tinha sangrado. Minha respiração
doeu mais ainda. Havia tanto sangue… Eu estava embargada no meu
próprio sangue. Quanto tempo tinha se passado?
Eu queria sentir o meu bebê. Eu queria sentir qualquer coisa que
não fosse o vazio infinito que ameaçava me engolir.
A merda do barulho da máquina não parou de apitar, e eu queria
arrancar todos os fios que me ligavam ao aparelho barulhento. Aquele
barulho tinha que parar. Eu tinha que sair. Eu queria ver a minha imagem.
Queria ver o restante da Augusta que tinha sobrado.
Fechei os olhos com as lágrimas ardendo meu rosto sensível. Meu
coração doía pra caralho, o choro descia como milhões de agulhas na
garganta.
A porta se abriu e a primeira enfermeira veio me ver. Eu só ouvia o
meu batimento cardíaco. A enfermeira sorriu para mim.
Eu tinha perdido o meu bebê, ela não precisou me dizer. As
lágrimas mancharam a imagem do seu rosto.
Fiquei calada enquanto ela conferia as máquinas, e logo depois
soltava minhas mãos presas. O anel ainda estava ali na minha mão
avermelhada com um cateter preso. As lágrimas voltaram a descer e dessa
vez não impedi os soluços. Tudo queimava como o inferno dentro de mim.
Me sentia desamparada.
A enfermeira disse que o meu namorado estava louco para me ver, e
eu acreditei nela. Porque estava louca para vê-lo. Estava louca para contar
tudo a ele porque mal conseguia respirar com toda cena martelando na
minha cabeça. Eu só queria Dominic, eu só queria que ele me dissesse que
tudo ficaria bem. Porque tudo que eu queria era tê-lo por perto, mesmo que
as coisas não estivessem nada bem. Não importava, eu o queria. Eu queria
respirar o mesmo ar que ele. Dominic faria isso por mim, deixaria que eu
respirasse seu ar por alguns minutos até que o meu pulmão enchesse
completamente.
Então ela se foi, e a porta se abriu.
E não foi Dominic que entrou por aquela porta.
As lágrimas caíram dos meus olhos antes mesmo que sua boca
despejasse ameaças contra mim. Contra Dominic novamente. Porra, não era
para ele estar aqui, esse momento não era dele, nunca devia ter sido.
Porra, eu precisava do meu ar e ele foi tirado de mim. Outra vez.
Martinez foi implacável, e dessa vez ele não precisou me tocar para
fazer um estrago na minha alma, para rasgá-la de uma forma perversa e
vingativa. Naquele dia, quando ele me disse que eu me arrependeria de ter
sobrevivido, eu acreditei.
E naquele dia, somente naquele dia, eu acreditei em todas as suas
palavras, acreditei porque quase tinha morrido por suas mãos, as minhas
mãos trêmulas não paravam de tocar a minha coxa de medo. E eu desejei,
só naquele dia, ter morrido, porque sentia que tinha entrado em algo muito
maior do que tinha planejado.
Eu tinha entrado em uma guerra com a morte.
Tinha entrado na toca do lobo sem querer. Tinha me tornado a
ovelha acuada que esperava sem saber o dia do seu abate.
Naquele dia, Martinez tinha se tornado meu pesadelo.
Naquele dia, por questão de minutos entre uma visita e outra, eu
tinha mudado a minha decisão. Porque a morte tinha entrado por aquela
porta de uma forma diferente e eu já não sabia mais em quem acreditar.
Naquele dia, tudo mudou. Passado e presente em uma mesma sala
causando sensações desafiadoras capazes de destruir qualquer coração
cheio de esperança.
Naquele dia, diante do medo, eu decidi que Martinez seria o
culpado e ele precisava pagar. Eu o faria pagar.
Então, a sala ficou vazia.
Então, Dominic finalmente entrou, e a coragem que eu achei que
tinha havia ido para o ralo. De repente, eu só sabia chorar.
Chorar porque ele era a pessoa que eu mais amava na vida.
Chorar porque eu nunca esconderia nada dele.
Chorar porque não poderia dar a ele a honra de ser mãe de um filho
dele.
Chorar porque ele era a pessoa mais incrível que tinha conhecido na
vida.
Chorar porque eu tinha sido destruída.
Chorar porque teria que nos destruir da forma mais perversa
possível.
Chorar porque de alguma forma, eu me sentia suja.
Chorar porque talvez eu não fosse merecedora dele.
Chorar porque tinha começado uma contagem regressiva para o
nosso fim.
Chorar porque, para ficar com ele, teria que pôr a merda do espaço
entre nós.
Chorar porque quando ele perguntou o que tinha acontecido, eu tive
que mentir pela primeira vez e isso me destruiu.

Eu demorei a sair do hospital, fiquei internada quase um mês por


conta da minha lenta recuperação e péssimas respostas emocionais. Nada
ajudava, estava me corroendo de dentro para fora, estava me afogando aos
poucos em uma depressão sem saída, na qual a cada vez que buscava
respostas dignas das minhas perguntas só me sentia mais perdida.
Minhas perguntas não estavam sendo respondidas. Meus
sentimentos estavam confusos e eu sentia me afogar me afogar e me afogar.
Então eu me afoguei, me remoendo em culpa e dizendo para mim
mesma que não era capaz de sobreviver, eu experimentei a amargura mais
profunda de perder um filho. Porque a dor não era só física, e não era só
sobre os riscos que tinha corrido e a pequena cirurgia que tive que fazer. Era
sobre impotência, vazio. Eu me sentia perdida nos meus próprios
sentimentos.
Nada parecia fazer sentido e apenas uma palavra assombrava meus
pensamentos.
E eu relutei durante um mês.
Um mês que tinha impedido qualquer pessoa de entrar no meu
quarto de hospital. Isolada e sozinha por um mês. Eu não queria ver
ninguém, eu não queria receber lamentos ou ter que explicar coisas que nem
eu mesma tinha respostas. Eu não queria aceitar que eu teria que mudar.
Então o ciclo fechou e os meus globos melhoraram, e eu saí do
hospital com a decisão que mudaria tudo.
Na primeira semana, eu fui atrás de informações, eu fui atrás do
passado que pareceria muito vivo entre nós. Porque tinha que entender
porque ficar perto do sobrenome Clifford tinha se tornado a minha morte.
Na segunda semana, tudo piorou, eu não parava de pensar naquela
noite pois estava completamente obcecada pela minha dor. E foi quando
esbarrei com Martinez pela primeira vez depois que ele tinha ido ao
hospital que percebi que não estava com medo dele. Estava com medo de
mim, do que poderia ter me tornado. Eu tinha que saber de tudo, então eu
fui atrás dele com uma ameaça.
Na terceira semana, eu me destruí. Descobri que Martinez tinha
uma longa lista de mortes em suas mãos e não estava nada disposto a se
arrepender. Foi quando percebi que ele ia fazer de novo, de novo e de novo.
Então na quarta semana eu entendi Para destruí-lo eu teria que me
destruir junto, eu teria que ferir os meus próprios sentimentos.
E tudo começou quando o primeiro investigador começou a farejar
e eu tive que provar o quão longe estava disposta a lidar com a verdade.
Porque o meu melhor jeito de lidar com a verdade foi contando belas
mentiras em torno da vingança lenta que estava construindo ao redor de
Martinez.
Porque eu poderia até morrer com esse desejo de vingança, mas eu
faria o favor de levá-lo junto comigo.
PASTA AMARELA

Juntei as mãos em cima da mesa quando o homem de chapéu preto


se sentou na mesa de um restaurante popular que ficava centralizado no
centro de Bash.
— Dominic está te procurando — reto e grosso.
— Mentira.
Dominic não estava me procurando, dele eu só recebia silêncio
desde que deixei seu escritório, e isso estava me perturbando. O nosso
último encontro dilatava cada corte que as minhas próprias palavras
causaram.
— E você não se importa com o sofrimento dele?
— Ele não pode ficar perto de mim.
Seu arquear de sobrancelhas foi claro, sua expressão desacreditada
acompanhando suas palavras. Fabian era expressivo demais.
— Bem que desconfiei que o lado tóxico da relação sempre tinha
sido você — balancei a cabeça incrédula pelo desaforo.
— Sério isso? Essas são as primeiras palavras que saem da sua boca
quando me vê?
— Você mente e eu odeio pessoas mentirosas.
Fabian não cedeu um segundo usando todas as palavras para me
atacar. Arqueei as sobrancelhas, pensando se me arrependeria ou não dessa
decisão.
— Já estou arrependida de estar aqui — alfinetei sincera
— A mensagem dizia para não contar a Dominic, e isso me cheira a
mentira. Uma que não vou participar.
— Contou a ele que mandei mensagem? — perguntei tensa. Foi um
risco mandar mensagem para Fabian, um risco enorme dele trazer Dominic
até aqui e tudo ir por água abaixo. Eu ainda não podia vê-lo, pois sabia que
ele me arrancaria todas as verdades, porque eu não negaria a ele.
E eu ainda não podia arriscar ser descoberta por Martinez.
Mas ainda assim o receio me comia, ele era fiel a Dominic, não a
mim. E mesmo se fosse, nunca o faria escolher entre a verdade e a mentira.
— Se eu tivesse contato ele estaria aqui, hum? — seu tom ácido me
fez retesar.
— Você contou ou não?
Fabian bufou.
— Ele não me perguntou nada então eu não disse nada — respirei
um pouco mais devagar. — Mas não pense que não irei contar a ele.
Eu sabia disso, mesmo assim valia a pena arriscar. Fabian era um
bom aliado.
— E não é como se você tivesse me mandado mensagem em algum
momento da vida. Aliás, fiquei muito surpreso. Acho que essa é a primeira
mensagem que recebi de Augusta Vendetta na vida.
Algo doeu em mim. Uma lembrança. Merda, eu nunca tinha lhe
mandado alguma mensagem, mas nunca iria esquecer da sua mensagem
enquanto estava internada.
Limpei a garganta.
— Supere isso.
— Estou superando, sou ótimo nisso, devia aprender comigo, aliás.
Cerrei os olhos
— Vai à merda.
— Me chamou aqui para distribuir xingamentos gratuitos?
Bufei. Nunca teríamos uma conversa normal. E isso me faria rir em
outras circunstâncias se eu não tivesse pressa em arrumar a minha bagunça.
Retomei o tom sério e direto.
— Claro que não
— Então?
Tomei um último fôlego antes de começar a dizer, pois sabia que
ele não ia facilitar para mim.
— Como se fosse fácil — resmunguei baixo, sabendo que Fabian
tinha ouvido.
— Pode começar falando por que está sumida e por que deixa
Dominic doido e não permite ele te ajudar nas suas merdas. Ele não devia
ser o amor da sua vida?
— É mais complicado do que parece.
— Agora nada parece complicado, você está aí e tudo que vejo é
alguém tentando fugir e se afogando em mentiras.
Apertei minhas mãos uma na outra, não querendo me arrepender de
ter chamado ele. Soltei uma risada da minha própria desgraça. Eles eram
iguais.
— Já pensou que fugir pode sempre ser a melhor opção? As pessoas
morrem porque tentam ser heróis.
Mas Fabian me olhou incrédulo, balançando a cabeça.
— Eu sempre apostei minhas fichas que você não era do tipo que
fugia dos problemas — desafiou, falando sobre tudo que aconteceu depois
do incêndio. Ele lembrava da minha constante fuga em esconder a verdade
de Dominic. Porque ele sabia de tudo, Dominic tinha contado a ele.
Então eu quis rir da situação, porque era uma merda a se pensar que
bastava alguém acertar um ponto exato para desmanchar toda sua muralha.
— Eu não sou tão forte assim — soei sincera. Porque eu não era,
era uma medrosa tentando amargamente ser forte e falhando todas as vezes.
— É ou não quer?
— Não te chamei para falar sobre meus medos.
— Então me chamou para quê? Para saber como Dominic está? —
Fabian estava atacando de forma cruel com suas palavras. Mas decidi que
não iria cair nessa pilha. Eu precisava de algo.
— Não, eu preciso que pegue a pasta amarela para mim. Está no
escritório de Dominic. E leve na coroação. Vamos fazer uma troca.
— E por que eu faria isso? Pegue você mesma.
— Não posso.
— Que pena.
— Eu não posso vê-lo
— Acha que ele vai te pressionar a falar?
Não era isso.
Mas naquele momento senti o meu coração claro para meu
emocional. Faltavam cinco dias para o dia quatorze, e eu sabia que não teria
como escapar desta data. Não teríamos como evitar, e eu previa que seria
tão avassalador como um ano atrás.
— Ou melhor, acha que Dominic não sabe sobre Martinez?
Arqueei surpresa, não. Ainda não, merda. Como…
Karen. Maldita.
Merda. Ela tinha dado informações antes de eu entregá-la?
Talvez por isso seu silêncio absurdo. Dominic sabia sobre Martinez.
O quanto ele sabia?
Não que Dominic fosse obrigado a me mandar mensagem, mas era
como um conforto ter as malditas mensagens que abalavam meu dia. Era
como um sinal que ele ainda estava tentando.
Significa que ele não tinha desistido.
Encostei na cadeira tomando um fôlego. Se Dominic sabia de
Martinez, então sabia que ele esteve em nossa casa na noite do incêndio.
Minha respiração doeu e senti meu peito se partindo em pedaços
minúsculos incapazes de serem restaurados. Era uma dor intocável.
Merda. O desespero me assolou querendo destruir o resto de
controle que ainda tinha.
Dominic não iria me procurar, não quando ele já sabia de tudo. Não
quando ele já sabia quem tinha me machucado. Não quando sabia que eu
sabia que era meu agressor e mesmo assim não delatei.
— O que Dominic sabe? — minha voz era branda, quase falha.
Com medo de ouvir suas palavras. — O que Karen disse?
Fabian me olhou e analisou meu rosto que provavelmente estava em
frangalhos. Uma risada baixa vinda dele deixou-me atenta.
— Como sabe dela? — perguntou em um tom baixo, não era
curiosidade, era mais como preocupação. E percebi o meu erro.
— Eu apenas sei, não peça mais que isso.
Foi a vez dele cerrar os olhos.
— Você a matou? — soltei um suspiro pelo nariz, o clima tenso se
quebrando.
— Seria muito ruim se eu tivesse?
Fabian deu de ombros aliviando sua postura.
— Acho que tiraria seu posto de medrosa.
Batuquei os dedos na mesa como uma mania ansiosa. Algo parecia
ter mudado ali.
Um dia Dominic me disse que não sabia explicar o sentimento que
tinha por Fabian, não sabia explicar o quão familiar ele tinha se tornado ao
ponto de querer confiar a proteção do nosso filho. De confiar um
sacramento que era tão importante para ele.
Então naquele momento eu entendi, era o mesmo que eu sentia com
as minhas irmãs. Um sentimento fraternal que não tinha como explicar. Não
importava a raiva que você sentia daquela pessoa, você tinha aprendido a
amar e a proteger ela independente dos seus erros.
Fabian queria fazer isso comigo.
— Você pode fazer a troca?
— Você vai voltar para casa?
Engoli em seco.
— Eu vou voltar para casa — disse firme, porque era uma coisa que
queria. Porém, no entanto... — Eu vou voltar para casa depois que vingar e
honrar a minha casa.
Então ele apenas acenou e não disse mais nada.
E não precisava.
Fabian tinha conseguido mexer com eles, o que tinha ficado muito
feliz e satisfeita por saber que ele estava lidando bem com isso. Com a
ameaça de Gonzales fora, Fabian se infiltrou exatamente como Dominic
planejava. Porque eles se recusaram a ter um novo membro, e isso fazia
com que os apoiadores perdessem força, o que automaticamente me
beneficiava porque Martinez já não tinha tanta força dentro da AAB.
E sem força política, ele não era nada.
Eu juntei amargamente cada dia após Martinez ter entrado pela
porta da minha casa, contei e engoli cada desaforo, cada ameaça. Cada
olhar. Eu aprendi minha lição da forma mais dolorosa possível e machuquei
o meu coração mais vezes que suportei. Eu me tornei um muro, uma lápide
afiada que sabia muito bem quais armas usar.
Martinez não só tinha ameaçado a vida de Dominic e matado o meu
filho, ele tinha entrado na minha casa e roubado a minha honra. Roubado
um sonho que ansiava viver.
Um sonho que custaria caro para ele.
Tão caro quanto sua fé de que iria encontrar a maldita mina que
estava enterrada em Bash há séculos.
Eu não quis acreditar quando os fatos sobre a família fundadora
chegaram aos meus olhos. O fato de que essa cidade tinha sido construída
em cima de sangue e mortes, e que alguém sentia o direito de tirar uma vida
por causa de uma crença implantada em gerações.
Porque era nisso que Martinez acreditava, em uma crença de que
seus antepassados tinham sido enxotados de suas próprias histórias.
Então tinha decidido que também tiraria os sonhos dele, mesmo que
eu também perdesse um pouco de mim no caminho. Porque valeria a pena,
valeria a pena ver tudo que ele um dia acreditou estava sendo destruído.
Eu iria destruir a maldita mina e deixaria Bash saber o quanto
sangue poderia ser derramado por uma única lágrima.
Um ano. Foi um ano vivendo nas sombras das mentiras.
Um ano do início do meu desastre.
Eu não tinha feito as melhores escolhas, muito menos os melhores
caminhos. Escolhi as mentiras ao meu coração, escolhi me esconder ao
invés de trazer à tona tudo que tinha vivido.
Escolhi que não iria apenas sobreviver.
Depois que acordei naquele hospital tinha tomado a decisão mais
dolorosa da minha vida. Um coração em troca de uma vida.
Eu não me considerava rancorosa ou qualquer coisa do tipo, mas
confesso que a amargura de estar rodeada por um mar de sangues e
vinganças me equilibrou. Me fez perceber que o meu coração não estava
blindado o suficiente e que eu não era suficiente para me proteger, quem
diria proteger Dominic.
E por mais que sentisse que ele pudesse me dar o mundo na hora
que eu quisesse, eu tinha que fazer isso não só por ele, mas por mim
também.
Então tomei a decisão por mim, por nós. Porque eu não poderia
viver à mercê de um passado que se sentia no direito de ditar as regras do
futuro. Que se sentia no direito de matar e ameaçar quem amava apenas
porque era conveniente.
Eu estava sendo moldada, e bem, estava pronta para destruir a
maldita mina.
SEGREDOS

A primeira regra das mentiras era que você tinha que ser a primeira
a acreditar nelas. Você tinha que ser a primeira a comprová-la e arriscar
tudo que tinha para provar um ponto que não existia.
Bem, isso me parecia fácil, ou deveria ser depois de tantos meses
ensaiando as mesmas palavras. As mesmas ações. Não importando o que
acontecia ou quem se machucava, você tinha que se manter forte. E
chegava um momento que tudo explodia, e que nada e nem ninguém
poderia te ajudar, a não ser você mesmo.
Ainda assim, tinha decidido mentir uma última vez, como um vício
que te sobrecarregava sugando todas as verdade que você detinha.
Esperando por um fim certeiro que te arrancaria de lá a qualquer instante.
Eu tinha que ser mais uma vez a vítima do pesadelo que achava ter
direito sobre a minha vida.
— Suas mentiras irão te matar — sua voz era afiada, como uma
lâmina pronta para fazer seu melhor corte. E naquele momento eu admirei
sua coragem, porque ela parecia estar tranquila.
— Acha que eu ligo pra isso? — respondi irônica.
— Eu acho que você liga para muitas coisas, mas é uma vaca
medrosa.
— Bem, pelo menos não sou eu que estou presa porque fui burra o
suficiente para meter o nariz onde não devia, Karen — seu queixo tremeu e
sorri satisfeita. — E pessoas burras morrem cedo.
Mas isso não a amedrontou, pois sua resposta foi rápida, deixando-
me satisfeita.
— Como eu iria saber que me convidar para um drink seria um jeito
de entregar a minha cabeça? Isso não pareceu um bom jeito de começar
uma amizade.
Seu nariz empinado não abaixou, e cerrei os olhos para seus punhos
fechados. Sua boca machucada dizia completamente o contrário do seu
corpo. Ela estava presa naquela merda de cadeira há alguns dias, e mesmo
assim tentava manter uma posição calma e tranquila.
Cerrei os olhos atenta às suas palavras, batucando os dedos na mesa
na qual estava escorada.
— Está com medo?
— Eu tenho cara de que estou com medo?
Ri nasalado.
— Devia tomar cuidado com suas palavras — minha voz saiu
firme, como um aviso. E travei o maxilar quando ouvi a trinca da porta
estalar.
O maldito abriu a porta, deixando o ambiente tenso.
Cacete. Cerrei os punhos controlando a respiração, o meu coração
querendo dar sinais desesperados que eu não poderia entregar. Nenhuma
quantidade de mês seria suficiente para me acostumar com a sua presença.
O fogo, a raiva, a dor, tudo virava um montinho que eu mal conseguia
controlar.
Era quase impossível respirar perto de Martinez. Era como estar
com a morte. Era como sucumbir ao terror gravado em minha mente.
Eu odiava vê-lo. Odiava estar no mesmo ambiente que ele. Eu
preferia a morte cem vezes ao encarar seu rosto monstruoso. Porque era isso
que ele era pra mim, um monstro. Um monstro que tentava me matar todos
os dias. Um monstro que eu tinha nojo e queria correr.
— Conhecendo melhor nossa amiga? — Martinez perguntou rígido.
Olhos de Karen arregalaram, ela tinha toda razão para contrair o seu
corpo. O meu estava a um passo do colapso.
— Vai matá-la? — perguntei, olhando para a investigadora.
— Você quer a vadia morta? — riu maldoso sem responder de fato
minha pergunta, e também não me dei ao trabalho de contrapor.
Não queria olhá-lo, temia vomitar.
— Como se eu decidisse alguma merda — ri sem um pingo de
graça.
— O que faz aqui, Augusta?
— Queria vê-la.
— Queria ver a sua debutante? — debochou, me fazendo trincar o
maxilar. — Ficaram amigas agora? Ou veio fazer o serviço sujo?
— Queria saber por que cartas estão chegando para Dominic.
Eu devia calar a minha boca, mas eu precisava que Martinez
soubesse
— Que tipo de cartas? — sua voz soou alarmada, e eu soube que o
destino de Karen não era bonito.
— Dominic sabe que você tentou me matar porque cartas dela estão
o incomodando — acusei, jogando a culpa para Karen.
Ainda não tinha digerido essa informação. Saber que não existia
mais nenhum segredo que nos afastava me perturbou.
— Você ainda está despejando mentiras, espiã?
— Não é mentira quando se tem provas para revelar o merda que
você é — Karen cuspiu as palavras, e uma pequena diversão saudou seus
lábios.
Eu diria que ela era uma mulher de grande coragem. Mas nem
sempre a coragem te salvava.
— O que estava escrito na carta?
— Não sei, se eu soubesse não estaria aqui nessa imundice.
Eu vi o semblante de Martinez mudar, e sabia que tinha atingido
algo ao implantar imprevistos em sua cabeça. Ponto.
— Saia — sua raiva espumou e eu não pensei duas vezes antes de
partir.
— De qualquer jeito, ela não é da minha conta e eu não me importo,
só queria avisar que Dominic sabe.
Poderia ser uma grande mentira, mas não era. Porque quanto mais
você era machucada, menor as coisas ao seu redor tinham importância.
Eu era uma vadia por deixar ela ser machucada, mas não era como
se eu pudesse fazer algo por ela. Porque fazia parte do plano colocar ela
perto de Martinez e. bem, tinha feito a minha parte.
Eu tinha entregado Karen para Martinez como tinha combinado
com a própria antes dela entrar no bar e ser levada por homens a mando
dele.
Deixei-me convencer quando ela me disse que se eu a colocasse
perto do meu pesadelo, me daria o que eu queria. Porque a espiã tinha um
plano muito bem elaborado para me contar quando nos encontramos, e eu
me perguntei qual era a sua real motivação com Martinez. Ou melhor, como
sabia o que eu queria.
Eu já tinha tudo que precisava, e ela era apenas uma pessoa
querendo antecipar meu caminho, ameaçando contar tudo a Dominic antes
dele realmente precisar saber. Ou pelo menos estar preparada, já que
Dominic saber a verdade significava meu fim. Significava que não teria
mais nada entre nós e ele poderia me deixar.
Porque a verdade uma hora chegaria, e eu só precisava estar pronta
o suficiente para encará-la.

Então ela me disse que manteria a boca fechada desde que eu a


entregasse. E isso foi uma tarefa fácil demais, dar mais munição a Martinez
deixando que ele achasse que nada o pararia.
Ela era uma investigadora que estava disposta a lutar e eu era uma
mulher que gostava de tirar proveito.
Karen de alguma forma sabia da história de Bash, e isso me
assombrou por alguns dias. O que devia explicar por que ela ainda estava
viva. Então barganhei os meus segredos por sua própria morte, porque era
isso que ela estava fazendo se enfiando na podridão de Martinez.
Saí depressa, abandonando a sala que a espiã estava, sem culpa
nenhuma. Não dava para salvar todo mundo, principalmente quando não
conseguia salvar nem a mim mesma.
Manti os passos firmes sabendo quem encontraria no final do
corredor. A casa velha que demorei a encontrar ficava distante do centro de
Bash, estava na parte leste, onde provavelmente havia mais pessoas como
ele do que gostaria.
Aquela região fedia a podridão, e não me sentia à vontade em
nenhum segundo por andar por essas ruas.
O barulho dos meus saltos foi o aviso da minha chegada à sala
composta por uma mesa grande no meio e várias cadeiras ao redor.
— Gostou do que viu? — Gonzales perguntou, não se dando o
trabalho de levantar os olhos para mim.
Não respondi, apenas passei o olho nos papéis que eles mexiam em
cima da mesa. Estava regendo cláusulas e tinha gráficos com uma grande
quantidade de zeros.
— Ou já está pronta para sair correndo e contar para o papai? —
Gonzales voltou a me importunar. — Eu aposto que você gostaria de contar
a ele — insinuou amargurado, e eu sabia que ele estava fazendo de
propósito, testando minha paciência e os meus pontos fracos.
Havia mais dois homens que eu desconhecia o nome, mas conhecia
bem demais os rostos. Gonzales armava com Martinez, e isso me deixou
perturbada ao saber que essas pessoas eram do círculo íntimo de Dominic, e
eu me senti muito mal e enjoada ao saber que não poderia fazer nada.
Não até a coroação.
Ainda me perguntava como tinha chegado aqui, e o quão podre
tinha me tornado para fazer sala com os urubus. Embora tivesse a resposta
na ponta da língua todas as vezes.
Destruí-los.
— Eu realmente gostaria de saber como seria ver sua bunda sendo
lixada da Associação... Oh espere, você não está mais na associação —
lembrei-o da última reunião e o seu maxilar travou.
— Cuidado com suas palavras, criança — era uma ameaça clara,
como tudo que saía de sua boca.
Só mais uma para a saca enorme que tinha acumulado durante os
meses.
— Estou tendo — abri um sorriso sem dentes.
— Bem, não parece, pois novamente estamos limpando um deslize
seu.
Ri pelo nariz sem um pingo de graça. Estavam falando de Karen.
Porque tudo de errado que acontecia era minha culpa.
— Não me importo.
Rodiei a mesa, parando na soleira da porta que dava para o hall
principal. Já tinha feito tudo que precisava e estava pronta para partir. Ainda
tinha que encontrar meu pai.
— Pois devia, você andou sumida e Martinez não está feliz com o
resultado da mesa.
— Não é culpa minha se Dominic trouxe à mesa seu segredinho
sujo — que eu tinha amado, ver a cara de Gonzales foi impagável. Mesmo
que outra pessoa poderia sofrer as consequências por deixá-lo infeliz.
— Mas é culpa sua não fazer nada para impedi-lo — a voz de
Martinez saltou na entrada que vinha do corredor, a mesma que eu tinha
passado.
O leve tremor do meu corpo passou despercebido quando cruzei os
braços, minhas unhas arranhando a pele por cima da manga.
— Acha que tenho controle sobre ele?
— Não é você que fode com ele?
— Não.
— Devia começar a acreditar mais nas suas mentiras, garota, talvez
algo começasse a dar certo — Martinez desfez das minhas palavras
sentando na mesa e abrindo o notebook.
Cerrei o punho e mordi a língua.
— Bom, deve estar feliz agora que não há mais ameaças.
O homem à minha frente sorriu enquanto eu despejava meu humor
amargo em cima dele sem nenhum remorso.
— Você sabe o que me fará feliz.
— Então eu devo morrer antes que eu me rebaixe ao seu
sobrenome.
Ele me olhou com desdém, e eu não cedi minha postura. Me
transformando em um muro sólido e vazio, onde a última coisa que me
importava era se as minhas palavras estavam machucando alguém.
Na verdade, naquele momento, eu queria mais do que tudo que ele
fosse machucado. Ele era louco, eu nunca me casaria com um porco.
Respirei lentamente, sem medo ou receio do que minhas palavras
poderiam me causar.
— Fiz tudo que você pediu, me devolva meus exames.
— Fez?
— Os documentos das propriedades de Bash também estão todos aí.
— Estão?
— Não tente jogar comigo novamente, Martinez, você não vencerá.
Seu sorriso diabólico me fez trincar o maxilar.
— Vencer algo que já está ganho? Me admira você achar que ainda
há alguma guerra para vencer.
— Não vou discutir, só quis avisar que Dominic sabe, e agora não
tenho mais controle sobre nada.
— Você nunca quer discutir, hum?
— Não me trate como se fôssemos amigos, porque não somos.
— Sempre com pressa.
— Sempre querendo distância de você.
— Tsc — estalou a língua e seu corpo escorou na cadeira relaxado,
como se quisesse prolongar um assunto que eu já achava ter terminado. —
Mas você assinou o contrato, e isso não estava no nosso combinado. Ou
esqueceu o que me prometeu?
Ri sem graça, sem querer dar muitas respostas, mas ainda assim
desejando muito ver sua cara ao descobrir a verdade.
— Eu não assinei nada — disse simples, precisando que ele
soubesse disso também. — Ou se esqueceu que o único contrato que assinei
você queimou junto comigo?
Essas palavras doíam como fel, porque eram a prova de que só uma
parte de mim tinha sobrevivido. Martinez cerrou os olhos como se quisesse
detectar uma mentira minha. Fiquei tensa, querendo ir embora o mais
rápido possível.
Não importava quanto tempo passasse, o medo daquela noite era
muito maior que a raiva e o nojo que se acumulava em cada parte do meu
corpo.
Eu desejava a morte para Martinez.
— Devia ler os papéis que passa pela sua mão — arrisquei um
deboche, que foi muito bem-vindo pelas minhas mãos nervosas que
coçavam em busca de ação.
Mas Martinez não me respondeu, preferindo não tentar discutir que
provavelmente Dominic tinha o feito de palhaço. Mas não importava.
Seu silêncio me confirmou que provavelmente algo tinha passado
de sua vista, e ele não iria ser idiota para me admitir isso. Mesmo que eu
tivesse insinuado.
— Falta a pasta amarela — pontuou pensativo e cerrei os punhos.
— Não tem como.
— Eu quero a pasta amarela.
— Busque-a.
Martinez fechou os olhos, espalmando a mão na mesa. Todos me
observavam. Todos esperando a garota ser queimada novamente.
— Traga a pasta amarela para mim, é uma ordem.
Engoli em seco, tudo se rasgando dentro de mim mais uma vez.
Tudo se despedaçando.
Mais um dia. Até a coroação.
— E ainda não terminamos, ou esqueceu que você tem uma
promessa a cumprir? — sorriu maldoso.
Silêncio.
Um suspiro.
Outra ameaça.
A minha partida nunca foi tão rápida.
O medo ainda tão vivo quanto um ano atrás.
Sem responder, me virei, deixando mais uma vez a toca do lobo.
Há guerras que não há como perdê-las, ou você ganha ou você
morre.
E dessa vez, eu não queria morrer.
MEIA-NOITE

Dominic sabia da verdade.


Dominic sabia sobre Martinez.
Dominic não me procurou.
Dois dias para o baile final e um total silêncio do outro lado da
linha.
Isso estava acabando comigo, sentia-me sozinha mais do que nunca.
E a única culpada por isso era eu mesma. Talvez ele tenha cansado de
esperar.
Talvez nada disso valesse a pena.
— Você não devia sair — Apolline tentou me convencer do
contrário, seu tom de preocupação pesando mais que as últimas quinhentas
vezes.
— Eu preciso sair — minha resposta era simples, e aproveitei o
espelho para passar um batom escuro, marcando bem meus lábios. Uma
perfeita máscara. Saí do closet procurando meus sapatos, provavelmente
meus pés estariam destruídos amanhã pela escolha de salto.
Mas naquele momento eu não ligava. A dor parecia uma droga
tentadora que eu ansiava experimentar naquela noite.
— Amiga, você não pode sair assim.
— Não só posso como vou.
— Augusta.
— Esse ainda é o meu nome.
— Você não vai sair.
— Que dia ótimo para reforçar que em mim ninguém manda —
cantarolei a última palavra, e conferi meu rosto, irreconhecível por mim. Eu
não era essa mulher, mas estava pouco me fodendo.
Estava pouco me fodendo para qualquer coisa hoje. Nada importava
o suficiente.
Hoje não.
Apolline respirou fundo e vi pelo reflexo do espelho ela passar a
mão no rosto e olhar para o teto.
— Francesca te prenderia até seu juízo voltar — sua resposta não
foi bem-vinda por mim, porque meu peito já estava doendo demais para
uma perda, agora lembrar de duas?
— Oh que peninha, ela não está! Olha que maravilha, abandonadas
pela melhor amiga sem direito a satisfação. Olha outra coisa que eu não me
importo — minha voz ácida fez ela bufar e tentei lembrar a última vez que
tinha falado com Francesca. Ela provavelmente estava enfiada em algum
barco no meio do nada à beira mar. É o que ela falou que faria antes de
partir meses atrás.
Ri amarga, os pais de Francesca mortos era outra merda que eu
tinha me enfiado. O que todos fariam ao descobrir que nossos lutos foram
inválidos? Eu realmente era uma cadela traidora.
— Ok, já entendi, está impossível de conversar com você agora —
Apolline saltou da minha cama e ajeitou o vestido dourado no corpo. —
Você venceu. Onde está pensando em ir?
Eu queria ir para qualquer lugar que não fosse a minha própria
cabeça. Eu queria ir para qualquer lugar que não me lembrasse a sensação
de estar sufocando. Porque ela viria.
Então sorri para minha própria imagem no espelho.
— Vamos para o centro de Bash.

****
O lugar cheio era uma boate qualquer, sentia meu corpo quente e a
abertura nas costas do meu vestido não parecia suficiente para diminuir o
calor que incendiava meu corpo. Merda, sentia minha cabeça zonza com o
som alto e o grave infinito da música que não parava um só segundo.
Estava eufórica.
Mas isso era bom.
Não tinha bebido muito, mas os drinks tinham sido suficientes para
que minha mente voasse para longe, me tirando do chão, me levando para
longe onde ninguém conseguiria me alcançar.
Remexi meu corpo sendo levada para o meio do salão, sendo
engolida por rostos desconhecidos na esperança de parar qualquer resquício
de dor que ameaçava se instalar.
Faltavam duas horas.
Alana veio dançar comigo e me acompanhou quando busquei mais
um drink. Depois Chiara chegou junto com Isla, e vi Nina de braços
cruzados com Polly. Ela tinha chamado as meninas para me fazer
companhia, porque eu disse a ela que ainda me sentia sozinha e ela me
abraçou. Acho que só eu estava bebendo.
Talvez eu nunca me sentisse completa de novo.
Sentia saudades de Francesca.
Eu não estava bêbada o suficiente.
Uma hora.
Eu estava dançando de novo, muito mais eufórica dessa vez. A pista
também estava mais cheia e a minha respiração entrecortada tirava todo
meu fôlego.
Estava sendo amassada, corpos desconhecidos colados ao meu. Eu
não ligava para nada disso. Eu só não queria sentir.
Porque me sentia a pessoa mais miserável ali. A pessoa mais
impotente.
Eu era feia por dentro, tinha apodrecido junto com as minhas
mentiras.
Então continuei a dançar e o balanço do meu corpo chamou
atenção, eu sentia olhos desconhecidos em mim, olhos com más intenções.
Olhos que não eram os dele. Eu estava o perdendo.
Balancei a cabeça, acompanhando o grave da música, e passei a
mão pelo meu corpo totalmente embriagada pelo momento.
Estava perdendo.
Perdi as minhas amigas de vista no meio da multidão, mas não parei
de dançar.
Um rosto estranho estava se mexendo na minha frente, franzi o
cenho, mas não parei de dançar. Ele estava dançando comigo e eu não me
importei. Porque nada importava. E as consequências daquela brecha logo
vieram preencher todo o vazio dentro de mim.
Aquela pessoa estranha me ofereceu um copo de bebida e um
sorriso bonito, eu neguei com um balançar de cabeça. Mas não foi o
suficiente, ele me ofereceu de novo e dessa vez fiz questão de bater a mão
no copo e derramar o líquido no chão, sem paciência alguma de ficar
recusando macho.
Mas o homem não desistiu, e se aproximou mais de mim com o
mesmo sorriso bonito. Ele era loiro, alto e parecia ter um ótimo porte físico.
Cerrei os olhos, parando de dançar. Curiosa com suas próximas ações. E o
homem quase cumpriu o que queria. Quase. Porque eu sabia que ele ia
tentar me beijar.
E segundo…
— É serio isso, porra?
Dominic estava ali. Ou uma versão muito zangada, porque seu olhar
era impiedoso comigo, como se estivesse gritando em seus pensamentos.
Parei eufórica, ansiosa por suas ações. Meu coração corria
acelerado e a minha respiração saía pela boca.
— Saia.
Gelo. Sua voz estava gelada. O estranho saiu, seu olhar me castigou
e eu senti que poderia cair ali mesmo.
— Continue dançando — ordenou e o crepitar agudo acendeu meu
corpo novamente.
Então continuei dançando porque poderíamos ser duas pessoas
distantes, mas ele ainda continuava sendo a pessoa que mais confiava no
mundo. E ele seria a única pessoa que eu confiaria nessa noite.
Dominic continuou parado me olhando, sem me tocar ou falar.
Somente ali, me segurando com o olhar. Meu mundo tinha sido reduzido, e
eu não consegui traduzir suas expressões, ele estava distante e eu sabia
exatamente a causa disso.
Continuei dançando, o calor inebriando cada fibra, fazendo-me
saltar e gritar de ansiedade. Meu coração acelerado tentando acompanhar
toda a confusão de sentimentos que estava prestes a estourar.
— Que horas são? — perguntei alto, provavelmente gastando todas
as minhas cordas vocais.
Dominic levantou o pulso e cerrou os olhos para os pequenos
ponteiros. Seu olhar atento me prendeu novamente
— Meia-noite — seus lábios gesticularam.
Minha garganta queimou, a onda de sentimentos me pegando
desprevenida e fazendo doer cada pedacinho em mim.
Meia-noite.
Meio-noite já era o dia que ele tinha morrido.
Meia-noite e já fazia um ano desde que meu coração tinha sido
destruído.
Meio-noite e Dominic estava bem ali na minha frente, me
segurando.
Meia-noite e eu ainda sentia meu peito se abrir e arder e rasgar e
queimar e sangrar e lutar contra a fumaça que lutava para entrar.
Merda, ainda estava doendo para caralho.
Merda, Dominic estava bem aqui na minha frente, assistindo a parte
mais feia e frágil se esparramar em frangalhos. Então olhei em seus olhos, e
o rio escuro me esquentou, acolhendo tudo em mim, inclusive a minha
fragilidade que ameaçava se esparramar pelo chão.
Eu precisava disso. Precisava dele. Só por hoje. Não importava que
ele me mandasse embora depois.
— Ainda está doendo — gritei alto para um Dominic que ainda
estava com os braços cruzados na minha frente, me observando, sem se
incomodar com as pessoas nos empurrando. Sem se importar em estarmos
em um lugar tão sujo como esse. — E eu quero mais drinks!
Uma dose de álcool parecia a resposta certa.
Dominic ofereceu sua mão direita que aceitei instantaneamente,
então ele saiu me puxando e abrindo caminho para que passássemos até
chegar ao bar do outro lado. Dominic me sentou no banco estreito.
— Qual você quer? — perguntou sério, atento a cada detalhe meu,
como se quisesse absorver cada nó que estava sendo torcido dentro de mim.
E ali senti uma tensão que fez minha respiração falhar. Ele não estava
sorrindo.
— Qualquer um.
— Uma dose de whisky, por favor — falou para o barman que
acatou seu pedido rapidamente. Arqueei as sobrancelhas.
— Eu não gosto de whisky.
— Não é para você gostar.
Então percebi que ainda estava muito sã, pois a raiva queimou meu
peito por ter Dominic tão perto e tão grosso.
A bebida ficou pronta.
— Bebe tudo.
Ele mandou e engoli em seco, piscando rápido e engolindo todo
líquido que me foi oferecido. Era horrível, queimou tudo dentro de mim,
quis cuspir no chão o ácido que queimava minha boca e fazia amargo o
doce que os drinks tinham me proporcionado.
— Horrível — fechei os olhos com meus ouvidos zunindo pela
música muito alta. Abri os olhos e Dominic me encarava profundamente. —
Você não vai beber?
— Eu bebo de você — sua voz era impassível, não deixava brechas
para brincadeiras e atropelava tudo e todos que ameaçavam chegar muito
perto. Ele estava chateado.
Ele estava chateado e mesmo assim estava aqui.
— Como? — abri um sorriso nada sincero, mas cheio de maldade.
Iria testá-lo porque era o que fazia de melhor. — Da sua boca.
A frase saiu como uma promessa.
— Para isso você teria que me beijar, e você não vai me beijar —
apontei frustrada.
Mas Dominic não me respondeu, então pediu novamente ao barman
para que colocasse mais whisky no meu copo já vazio.
— Bebe.
— Vai me embebedar? — alfinetei, pegando o copo e bebendo de
novo.
Horrível pra porra, mas dessa vez quis cuspi menos. Virei o
pescoço, procurando minhas amigas na pista, e ainda conseguia enxergar
elas com perfeição. Tudo ainda parecia normal.
— Você disse que queria álcool, estou apenas te dando.
— Eu falei que queria drinks!
— Drinks são leves demais.
Cerrei os olhos. O desafio claro. O desafio que eu queria pagar para
ver. E novamente percebi que não importava com o que ele me desse, nunca
seria o suficiente para me fazer esquecer. Mas hoje eu queria tentar.
— Não me dê banho — avisei brava e isso fez seus lábios abrirem
para um sorriso finalmente.
— Estou anotando seus pedidos, não se preocupe, sou ótimo com
memória.
Então seu rosto sério foi se transformando em um rosto sacana
cheio de segundas intenções no decorrer da noite.
Pelo menos para mim parecia que seu rosto estava relaxado. Ou eu
que deveria estar mais relaxada.
Porque Dominic me deu mais outro copo.
E depois mais outro.
E outro.

Ele me deu limão com sal, e franzi o cenho percebendo que isso era
muito bom.
Depois tomei duas garrafinhas de água.
Acho também que bebi água de coco, mas isso não fazia sentido
nenhum. Minha mente estava embaraçada e não sabia mais o que estava
bebendo.
As minhas amigas vieram para perto de mim, então todas nós
estávamos debruçadas no balcão rindo muito. Sequer lembrava o motivo.
Mas lembrava de ter meu corpo muito quente e uma vontade constante de
enfiar as mãos no cabelo de Dominic, que não se deslocava um segundo do
meu lado ouvindo todas as merdas que saíam da minha boca.
Estava feliz e tudo era leve. Tudo tinha se tornado simples e sem
drama.
— Eu preciso ir ao banheiro — cochichei e Dominic assentiu,
segurando minha cintura e me guiando.
Estava tão aérea que só depois de muito andar que reparei no fato
de que era Dominic quem estava abrindo caminho entre as pessoas
dançando até pararmos numa porta preta escrita “restrito funcionários”.
— Por que estamos aqui?
— Eu não consigo te ver no banheiro feminino.
Ver era igual ajudar. Ele queria ver se eu não me espatifaria sem o
seu braço forte me segurando.
Dei de ombros.
— Não sabia que conhecia aqui.
— Eu não conheço. Só paguei para que pudéssemos usar um
banheiro que não estivesse cheio de gente.
— Isso faz muito sentido.
Apertei seu braço quando tudo ficou escuro depois que a porta se
fechou, nos deixando para dentro. Dominic ligou a lanterna do seu celular e
me perguntei onde estaria o meu.
— Onde está meu telefone? — procurei no meu decote, não
encontrando nada.
— Está comigo. Precisa dele agora?
— Pode ficar com você.
Quis falar que a única pessoa que ligaria estava bem aqui, mas
mordi os lábios. Depois de andarmos por um estreito corredor, Dominic
parou em frente a uma portinha branca.
— Acho que é aqui.
— Você vai entrar comigo? — abri um sorriso forçado tirando uma
risada dele.
— Estamos na fase engraçadinha agora?
— Estou apenas conferindo
— Conferindo se ainda lembro do seu pedido?
Não respondi e entrei no pequeno quadrado para fazer xixi.
Abri a porta alguns minutos depois.
— Preciso de ajuda — virei meu corpo, deixando que ele visse o
zíper do vestido aberto, mostrando toda minha coluna, inclusive a minha
calcinha.
Prendi a respiração quando seus dedos tocaram minha pele sensível,
procurando o zíper e subindo-o lentamente. Minha pele parecia sempre
sensível ao toque dos seus dedos, podia senti-lo em todo meu corpo, como
uma carícia na alma, delicada, leve e completamente erótica.
— Esse vestido é novo.
E ele era.
— Não, eu só o usei poucas vezes.
Dominic riu e eu ainda estava de costas para ele, sua mão travada
nas minhas costas.
— Eu não perguntei, amor.
Dei um passo para frente.
— Vamos voltar.
Dominic não protestou e fizemos o mesmo caminho de volta, seu
braço nunca me deixando.
A música voltou a estourar nossos tímpanos
— Quer voltar a beber? — perguntou no meu ouvido, e ignorei os
arrepios por todo meu corpo.
— Não, eu quero voltar a dançar.
Dominic assentiu e soltou meu braço testando meu equilíbrio, e
observei atenta a inspeção que ele fez no meu corpo antes de colocar as
mãos no bolso e seguir fielmente ao meu lado, enquanto eu começava a me
mexer novamente para dentro da pista.
Eu sabia que ele não iria embora, e eu também não queria que
fosse. Então deixei que o álcool alcançasse todo meu organismo enquanto
mexia meus quadris no ritmo da música.
Mãos nos quadris, mãos nas coxas, mãos nos cabelos, mãos na
barriga. Movimentos constantes.
Quadris para direita e esquerda. Subindo e descendo. Rebolando e
dançando.
Tudo isso sob o olhar de Dominic.
Me sentia quente.
Eu não sabia a situação dos meus pés, mas não arriscaria olhar para
eles, porque olhar para cima estava muito mais lindo. Sim, ah, as luzes
neons, as luzes vermelhas, luzes azuis.
A mistura do ambiente com a música me deixava em êxtase. O
olhar de Dominic me deixava em êxtase.
Estava excitada e queria que ele beijasse todo meu corpo, até que
tudo em mim fosse saciado.
Então, continuei dançando.
Pulando.
Liberando tudo que estava dentro de mim sem precisar abrir a boca.
Pelo menos, não agora. Porque quando abrisse, a última coisa que sairia
seria palavras.
O ritmo havia mudado para uma batida eletrônica. Procurei minhas
amigas mas nenhuma delas estava mais lá. Acho que tinha perdido noção
do tempo.
Minha boca estava seca, e quando pedi por mais bebidas, Dominic
me fez ingerir a mesma quantidade de água quanto tinha tomado de álcool
enquanto dançava loucamente sob seu olhar.
— Cadê Apolline? — gritei, mas sentia minha voz rouca.
— Foi embora com Alana.
Assenti, isso era bom. Ela não tinha ido sozinha.
— Que horas são?
— Quatro e dezesseis.
Arregalei os olhos, e virei o pescoço percebendo que tinha menos
pessoas do que quando cheguei.
Muito menos.
Dominic percebeu meu olhar.
— Hoje é segunda-feira, a maioria das pessoas precisam trabalhar.
Já era segunda. Ainda tínhamos um dia todo pela frente até ele
acabar.
— Eu não quero ir embora, Nic — minha voz saiu desesperada, e
os movimentos do meu corpo cessaram. Dominic se aproximou do meu
corpo com cautela, diminuindo a distância segura que estávamos.
Sua mão me alcançou, segurando meu pescoço com posse e
olhando nos meus olhos.
— Eu não estou te chamando para ir embora.
— Mas não podemos ficar aqui — minha voz saía manhosa e
totalmente rendida pelo cansaço. Cansada de fugir.
— Para onde você quer ir?
Mordi os lábios, meu coração falando mais alto que minha razão.
Fazia um ano.
— Eu quero ir pra casa — sussurrei. — Estou com saudades de
casa.

O caminho não era longe, e as ruas tão conhecidas por mim fizeram
meu estômago se revirar cada vez que chegava mais perto. Não sabia muito
o que pensar, e o silêncio dentro do carro de Dominic me corroía cada vez
que uma lembrança de nós dois nesse mesmo banco me atingia.
Eu não devia ter entrado no seu carro.
Não devia ter aceitado sua mão.
Mas me sentia tão cansada que, por hoje, tinha decidido que não me
importaria em ser a Augusta de um ano atrás. Mesmo que doesse. Mesmo
que a saudade me comesse.
Porque ele também tinha perdido alguém.
Não era só eu. E eu não podia ser egoísta. Não com ele.
No entanto, Dominic não entrou onde achei que íamos. Ele não
entrou no nosso antigo condomínio, ele seguiu reto, pegando uma rota
diferente.
— Aonde estamos indo? — sussurrei no meio do silêncio, já tinha
amanhecido o suficiente para o carro ser invadido pela luz do dia. Seu rosto
estava tenso.
— Não se cura uma alma onde ela foi machucada.
Respirar tinha se tornado difícil. Confiava cegamente nele, e não
queria destrinchar sua frase tão certeira. Porque a noite tinha acabado, e
com ela todo encanto que tinha tentado derramar nas minhas mentiras. A
verdade estava batendo na porta sem pedir licença.
Dominic sabia, seus olhos me disseram isso a noite toda. Seus
olhos que sempre me esquentaram e arrancaram o melhor de mim, estavam
frios. Decepcionados. Seu sorriso não chegava aos seus olhos. As suas
palavras não faziam jus aos seus pensamentos.
Ele estava sofrendo por minha causa, e isso me destruiu.
Tê-lo distante me destruiu.
Eu não tinha deixado ele viver o luto depois do incêndio, não tinha
deixado que a informação assentasse em nossos corações. Porque eu fui a
cadela que o arrastou para confusão de sentimentos que tinha me tornado.
Pensando que se eu não lembrasse, seria como não existir. Seria como
esquecer a dor.
O nosso bebê era uma ferida aberta.
Uma ferida aberta que foi inflamada por um ano e que estava
prestes a sangrar.
Dominic parou o carro, e a casa era completamente diferente da que
tínhamos construído. Era bem menor, estreita, como se estivesse sendo
espremida. Havia degraus de madeira e um grande vidro que fazia a divisão
da casa.
— Quer entrar? — sua voz firme e decidida não tinha receio, fiquei
feliz por não pisar em ovos comigo.
— Quero.
Então descemos do carro e entramos na casa em silêncio. Uma
familiaridade desconhecida me atingiu. Engoli em seco, com vontade de
chorar.
— Está dormindo aqui? — perguntei depois de alguns minutos. O
silêncio ecoando dolorosamente.
— Não. É a primeira vez que entro também.
— Então que lugar é esse?
Dominic demorou alguns segundos para responder.
— É uma herança que recebi em troca de uma dívida.
Balancei a cabeça, ainda aérea com a situação. Sentia meu
estômago embrulhar e provavelmente o mal estar me comeria pelo resto do
dia. Estava cansada da noite mas ainda não queria dormir. Parecia injusto
deixar o tempo passar. Parecia injusto não sentir.
Latidos fortes ecoaram atrás de mim, e um Oscar agitado correu até
mim, lambendo todo meu rosto quando me abaixei para recebê-lo. Sentei no
chão, aproveitando para descansar meus pés, e Oscar apoiou as patas na
minha barriga. Terminei de deitar, pegando sua pata e brincando com seu
focinho.
Oscar tinha sido um presente de Dominic quando saí do hospital, eu
sabia que ele estava arrasado pela nossa perda, sabia que estava ainda mais
arrasado quando travei a nossa batalha. Mas, mesmo assim, ele estava lá
com o coração sangrando, dizendo que Oscar seria uma boa companhia e
não queria que eu ficasse sozinha.
Então, mesmo com a faca no pescoço, eu fiz Oscar ser nosso, não
meu. Porque também estava desesperadamente atrás de um resquício nosso.
Oscar deitou no meu peito depois que alisei seu pelo macio. Olhei
para o teto que não tinha nada familiar mas que, ao mesmo tempo, me trazia
conforto saber que outra pessoa também estava ali.
Engoli em seco.
Não importava onde estávamos, ele sempre seria minha casa.
— Quer subir? — sua voz me chamou.
— Quero.
— Vou te mostrar a casa — Dominic estendeu as mãos para que eu
levantasse do chão e caminhou na minha frente.
Oscar passou por mim para cheirar a mão dele e dei um sorriso
fraco. Ainda parecíamos os mesmos, mesmo que tudo tivesse mudado
desastrosamente.
Então subimos as escadas estreitas, e a dor começou a ruir e
atravessar a barreira que o álcool tinha criado. Me sentia fraca. Meu pés
doíam.
A cada degrau, sentia meu coração sangrar mais um pouco. Eu não
sabia o motivo mas sabia que a minha ruína estava próxima, a casa não
tinha nenhuma semelhança com a outra, mas sentia como se estivesse
naquele dia.
O corredor tinha saída para quatro portas e minha respiração travou
quando paramos em frente a uma de madeira.
— Quer tomar um banho?
Dominic girou a maçaneta, era um banheiro.
— Quero — tinha me tornado um robô, replicando suas ações.
Dominic foi na frente novamente e segui seus passos. O banheiro
não era tão grande, mas tinha uma banheira e um chuveiro espaçoso.
Esperei.
A torneira da banheira foi aberta.
— Entra na banheira.
Olhei para mão de Dominic, que estava apoiada na alavanca. Meus
olhos começaram a lacrimejar. Cansados. Doloridos. Eu queria respirar.
Dominic ligou a torneira e a água espirrou com velocidade para
dentro da banheira.
Quando estivermos só nós dois não haverá jogo.
Minha garganta estava apertada, e meus olhos começavam a
escorrer lágrimas soltas que ardiam.
— Abre o zíper para mim.
Virei meu corpo para Dominic, que ainda mantinha o rosto sério.
Respirei fundo, fungando e tentando manter os pedaços que estavam
ameaçando cair. Fechei os olhos.
Seus movimentos não tinham malícia, e os dedos delicados, que
mais cedo arrepiaram minha pele, dessa vez me confortaram. O toque era
gentil e me aqueceu da forma mais íntima possível.
— Pronto
E eu entrei.
E as lágrimas já não eram gotas, eram uma enxurrada explodindo a
barreira das memórias. Destruindo e afundando toda a sanidade que tanto
lutava para manter.
Eu estava sendo partida novamente. De novo, de novo, e de novo.
Quase não podia respirar. Doía pra caralho. O meu peito estava sangrando.
— Eu não consigo respirar — solucei.
Então Dominic entrou comigo na banheira.
E eu corri em direção ao seu corpo.
Dominic me abraçou dentro da água, com roupa e tudo.
Sua respiração estava colada com a minha. Dominic estava me
emprestando seu ar, ele estava respirando por nós dois. Porque a cada
puxada de ar que preenchia meu peito, seu perfume me embalava, e as
lágrimas que não paravam de escorrer já não doíam tanto. Era quase
suportável.
— Não me deixe afogar.
— Nunca.
E em nenhum momento me senti sozinha. Porque Dominic estava
ali, e isso para mim bastava.
EU ODEIO VOCÊ

— Tenho um presente para você — a voz mansa me fez despertar


por completo do sono profundo que tinha entrado, depois de dormir nos
braços de Dominic.
O clima seco e totalmente sem graça me abraçou, e eu fiquei
agradecida por dores de cabeça não martelarem meu cérebro.
Já era noite, provavelmente tinha dormido o dia todo, logo depois
de Dominic ter me lavado, me vestido e me posto para dormir. Senti meu
estômago doer.
— Por que está me dando presentes?
— Ainda é segunda-feira. Ainda estamos em trégua.
— E por que está me dando presentes?
— Não preciso de um motivo específico para querer te dar
presentes.
Cerrei os olhos, e me remexi na cama, estava apenas de calcinha e
blusa. Meus cabelos eram um ninho de cachos. Passei os olhos pelo quarto.
A leve estranheza de estar em um lugar diferente mas ao mesmo tempo
confortável.
Sentei na beirada da cama estendendo a mão, e ele me entregou
uma caixinha quadrada.
— Espero que sejam chocolates — disse um pouco mal-humorada,
lembrando que Dominic sempre me presenteava com chocolates. E também
estava com fome, não lembrava de ter comido antes de sair da casa do meu
pai.
Analisei a caixinha quadrada que ocupava as minhas duas palmas.
Dominic esperou que eu abrisse o presente.
Era um globo de cristal em miniatura.
Franzi o cenho, lendo o nome de todos os países e continentes em
destaques.
— Não entendo o motivo de um globo — olhei para Dominic,
esperando uma resposta. O objeto era lindo, e eu apreciei quão delicado era.
Seus olhos frios e duros relaxam o suficiente para fazer meu
coração acelerar.
— Colocarei o mundo em suas mãos toda vez que achar que ele irá
te devorar, amor.
Encarei o globo, minha garganta apertando e dando sinais que
minhas emoções não deixariam passar o simples ato. Meus olhos se
encheram de água, minha boca tremeu e a avalanche que achei ter cessado
estava logo ali à espreita.
Seus passos cuidadosos chegaram até mim, e me senti como um
cristal trincado. A cama afundou com seu peso, mãos gentis seguraram meu
queixo e enxugaram minhas lágrimas.
— Não faça isso, meu amor, não se torture tanto — o carinho em
sua voz me partiu. As lágrimas escorreram novamente, mas com um peso
completamente diferente.
Encarei seus olhos, querendo me envolver completamente em seu
colo. Não tinha outro lugar que eu desejava estar e sabia o que tinha que
fazer.
— Que horas são? — sussurrei.
— Sete.
Balancei a cabeça, procurando as palavras, e seus olhos
acompanharam a inquietação dos meus dedos envolta do cristal. Ele estava
esperando, desde o momento na boate ele estava esperando que eu falasse.
— Podemos ser Augusta e Dominic até o fim da noite? — a minha
pergunta tirou dele uma longa respiração. Ele poderia interrogar agora e eu
não iria ter como negar as respostas. Mas o medo ainda gritava mais alto e
eu tinha que juntar coragem o suficiente para olhar para a verdade.
A verdade que nos afastaria.
Mas sua posição relaxada continuava lá, o semblante concentrado e
os olhos atentos, como se previsse o meu pedido.
— Está com fome? — perguntou, e balancei a cabeça, estava
faminta. — Fique aqui, vou buscar algo.
Então ele se levantou e eu esperei que voltasse. E quando voltou,
saboreei toda a comida que ele tinha trazido em silêncio. Seus olhos atentos
a cada mastigada e os meus a cada mínimo movimento que sua boca dava.
Ainda sentia frieza do seu lado, o gelo de seus olhos não tinha
derretido, o silêncio que odiava permanecia reinando, e isso começava a me
incomodar. Porque tê-lo ali naquela maneira não estava sendo fácil. Era
como ver e não poder pegar.
— Eu não tenho presentes para você — passei a mão no cabelo, e
coloquei a bandeja na mesinha ao lado da cama.
— Você não precisa me dar nada — e eu sabia disso. E não me
sentia obrigada a devolver qualquer coisa que fosse, porque nunca foi
assim.
A noite passada não pesava, parecia ser um evento distante de duas
almas pedindo socorro. Dominic chorou quando fomos deitar, essa
lembrança fez meu coração sangrar, pois suas lágrimas se misturaram com
as minhas, e um peso vivo era dividido entre nós.
Porém, agora sentia meu coração vazio e a minha pele fria. Eu o
queria perto, queria respirar o mesmo ar que ele novamente. Eu sabia que
ainda existia um abismo entre nós. Sabia que enquanto não cedesse, nunca
teríamos a chance de voltar para quem éramos. Havíamos nos machucado
demais no último ano.
Mas, naquele momento, esses fatos não pareceram suficientes para
que meus sentimentos se aquietassem e deixassem minha razão falar mais
alto. Pois ele estava com raiva de mim, e isso provavelmente seria uma
péssima ideia.
Mas eu o queria mais que tudo. Uma última vez.
Arrastei meus pés descalços pelo quarto, indo até o batente da porta
onde ele estava, indo atrás de algo que sabia exatamente onde encontrar. E
seus olhos acompanharam atentamente meus passos. Me seguindo. Me
devorando. Me adorando. Sentia calafrios de expectativas por todo meu
corpo.
— Mas eu quero te dar, amor.
Os olhos de Dominic escureceram, algo feroz tomando conta do seu
semblante antes frio. Luxúria. Desejo. Fome. Seu olhar selvagem causando
efeitos desastrosos diretamente na minha boceta. Soltei a respiração pela
boca. Isso não era uma guerra.
— E o que você quer me dar? — sua voz sensual arrepiou meus
pelinhos, aflorando meu desejo e incendiando toda minha pele.
Aproximei de Dominic, seus braços ainda cruzados, em uma pose
defensiva, mas ainda podia ver as veias saltadas pelo esforço que devia
estar fazendo. Peguei sua mão, desmanchando sua postura, e trazendo ela
para o lado esquerdo do meu peito.
Sua mão era grande, cobria todo meu coração. Meu coração estava
em suas mãos.
Suspirei baixinho, inalando seu cheiro gostoso, querendo fechar os
olhos e me embriagar no sabor de casa que sua presença me dava.
Dominic subiu a mão pelo meu pescoço, indo para a nuca, e me
puxando para perto do seu rosto. Seus olhos escuros me comiam de
pertinho.
— E o que você quer me dar, amor? — sua voz não tinha
delicadeza, havia mais desejo do que sentimento. Porque a sua mágoa
estava explícita ali, como se mesmo querendo sair por aquela porta e me
deixar, não conseguisse resistir.
Ele ia ser mal comigo, e essa ciência afetou todo meu sistema de
uma forma perversa e sensual.
Soltei o ar pela boca.
— Amor — sussurrei quase implorando, não sabendo decifrar se era
um pedido ou uma resposta.
O que pareceu ser suficiente para Dominic, já que suas mãos
subiram para meus cabelos, entrelaçando-os nos seus dedos. E desceu seu
rosto até meu pescoço, cheirando-o dolorosamente e depois beijando todo
meu colo.
Respirava pesadamente, sentindo seus lábios quentes e molhados
fazerem estragos bem no meu centro.
— Já que quer tanto me dar algo, amor, eu também quero algo —
os dedinhos do meu pé dobraram, enquanto meu ventre se contraiu com a
imagem de nós dois pela casa. Merda. Estava molhada.
Dominic estava me estragando novamente, com toda sua devoção e
sensualidade. Eu nunca tive olhos para outra pessoa a não ser ele. Porque
sempre foi ele. Dominic.
— O que quer? — arrisquei, estava ansiosa para beijá-lo.
Meu coração disparou quando um sorriso sacana brotou em seus
lábios.
— Vamos testar uma coisa.
Observo atentamente seus passos cautelosos, como um predador,
puxando minha mão e me levando para dentro do closet que eu ainda não
havia arriscado entrar. Não era grande e fiquei tentada a abrir as gavetas e
descobrir o que tinha ali.
Respirei pesado, a expectativa pesando cada centímetro do meu
corpo.
— O que está procurando? — Dominic abriu algumas gavetas,
procurando algo.
— Algo novo… — cerrei os olhos quando ele alcançou uma
pequena gaveta branca.
— O que há dentro dessa gaveta?
Dominic abriu um largo sorriso, tirando da gaveta o objeto
vermelho em formato oval. Estreitei os olhos.
— Transformou a gaveta num mini sexshop? — seus olhos
brilharam. — Achei que nunca tinha entrado aqui. — alfinetei.
— E nunca tinha entrado, só fui até a porta para deixar Oscar ontem
— Dominic elaborou um largo sorriso que fez o meu sangue esquentar. —
Não preciso entrar para saber o que quero dentro, linda.
Era um desafio, seu sorriso traiçoeiro me dizia para testá-lo.
— Você não vai por um vibrador em mim, Dominic — a rapidez da
minha resposta e firmeza me condenaram.
— Por que não? — arqueou as sobrancelhas, curioso. — Te deixa
irritadinha, pequena bruxa? — seu deboche fez meu rosto queimar. Merda.
Tinha ficado extremamente irritada e furiosa da última vez que ele
tinha colocado um vibrador em mim.
— Nic…
— Está me negando algo? — Dominic fez bico com seus lábios
carnudos, e meu coração deu um salto ao perceber que seus passos estavam
se arrastando devagar. Como um leão espiando seu cordeiro.
Afastei meus pés para trás, esbarrando na parede do closet. Tinha
ficado encurralada. Meu coração disparou, todo o meu corpo ciente demais
do nosso espaço. Da nossa falta de espaço. Porque Dominic agora estava
colado em mim, seus dois braços me cercaram, me prendendo entre o
espelho do closet e o seu corpo.
Inclinei a cabeça para cima, prendendo seus olhos nos meus, meu
coração querendo sair pela boca e toda minha pele se arrepiando, sensível e
sedenta por um toque seu. Então abri um sorriso selvagem, cheio de malícia
e segundas intenções
— Vá para o inferno, amor.
Dominic riu baixo, descendo seus olhos para meus lábios, e
enrolando seus dedos no meu cabelo. Molhei os lábios, apertando minhas
coxas umas nas outras. Seus lábios rasparam os meus, lambendo e me
instigando a abri-los. Estava salivando de desejo.
— Deixa eu te mostrar como o gosto do inferno pode ser bom,
pequena bruxa.
Então, em um arquejo, Dominic atacou a minha boca, beijando,
marcando e delineando cada pedaço do meu ser com sua língua. A outra
mão tinha descido para minha bunda, me apertando contra seu corpo, me
mostrando como ele me queria.
Arqueei, gemi, praguejei, suspirei.
O beijo de Dominic era tão bom. O aperto em meu cabelo era firme,
possessivo. Mostrando que ele não ia me largar, não ia me deixar ir embora
enquanto não tirasse tudo de mim.
E eu daria a ele. Daria tudo a Dominic. Ele era o ar que eu
respirava, era a textura onde eu pegava, era a voz que eu ouvia, era tudo.
Sentia Dominic em todas as partes do meu corpo com somente um beijo.
Um beijo. Seu beijo era minha ruína.
Dominic era minha ruína.
E eu me arruinaria mil vezes só para poder beijá-lo novamente.
Quando nossos pulmões pediram por ar, seus beijos desceram para
meu pescoço, chupando-o e mordendo a pele sensível.
Minha respiração falhava e a minha boceta latejava em ânsia pelos
seus beijos. Sua mão ágil afastou minhas pernas, que lutavam uma com a
outra em busca de atrito, e arrastou para baixo a minha calcinha que se
encontrava em um estado deplorável.
— Tão molhada — sussurrou ao lambuzar os dedos na minha
boceta, me fazendo gemer. Seus olhos alcançaram os meus, me mostrando
que ele não teria pressa, e sua boca veio para perto da minha, sussurrando
como o cafajeste que era. — Eu vou fazer ser bom, amor — seus olhos
brilharam e demorei dois segundos para entender o que ele estava fazendo.
— Merda, Dominic — gemi alto, mordendo os lábios ao sentir a
merda do vibrador no meu clitóris. Levei minhas duas mãos aos seus
ombros, apertando e afundando minhas unhas em sua blusa que já estava
toda amassada por mim.
A mão que estava em meus cabelos firmou meu corpo no espelho,
suas mãos me segurando totalmente. Eu estava presa.
— Merda, odeio você, Nic — a minha fala o fez sorrir, e ele levou o
vibrador para dentro de mim, aumentando as vibrações. A porra do objeto
terminava de desestruturar o que Dominic tinha começado. Merda, me
sentia balançada em todo lugar. Mordi os dentes para não gritar.
Fechei os olhos com meu corpo esquentando, minhas pernas
dobrando e tentando achar mais atrito para aliviar o que tanto me
incomodava. Tombei a cabeça, saboreando todo meu corpo entrar em
combustão. Os dedos de Dominic não me deixaram, e levantei os braços o
ajudando a tirar minha blusa.
Estava completamente nua.
E sedenta.
— Linda — o brilho nos olhos de Dominic fazia meu coração
disparar. — Você é perfeita, amor. Perfeita para mim.
Então Dominic levou os dedos molhados à boca, chupando e me
deixando com água na boca, mas depois ele levou os mesmos dedos à
minha boca, fazendo com que eu os chupasse igual. Espremi meus dedos
dos pés quando o objeto tremendo dentro de mim me trouxe espasmos que
fazia a minha pele arrepiar. Porra. Eu o queria tanto.
— Quero que chupe meu pau assim — sua voz não era mais um
sussurro e o seu sorriso diabólico terminou de quebrar toda a sanidade que
tentava manter. Minha respiração falhava miseravelmente. — Agora —
ordenou.
E eu obedientemente me ajoelhei, salivando quando puxava seus
shorts para baixo, liberando toda sua extensão grossa e cheia de veias.
Merda. Dominic era tão gostoso, eu também queria devorá-lo por inteiro,
do mesmo jeito que ele fazia comigo.
Mordi os lábios quando mais um espasmo arrepiou meu corpo por
inteiro, me avisando que estava muito perto de um orgasmo. Olhei pra cima
cheia de expectativas e tesão, pegando seu pau e bombeando com a mão
lentamente.
Observei o rosto de Dominic tenso, seu maxilar estava travado e
sabia que ele estava segurando seu controle em um fio que, a qualquer
momento, se romperia.
Passei a língua na cabeça do seu pau, rodeando meus lábios e
soprando onde seu líquido pré-enjaculatório ameaçava derramar. Lambi ali,
sem pressa, delicadamente, provando seu gosto e mostrando que eu o queria
tanto quanto ele. Tive que apertar suas coxas, afundando minhas unhas em
sua pele interna quando mais outro tremor tomou meu corpo.
— E nem pense em gozar ainda, bruxa — sua voz mandona me fez
cerrar os olhos em um brilho raivoso quando suas mãos puxaram meus
cabelos para trás, enrolando-os nas mãos firmes, e obrigando minha cabeça
a ficar posicionada novamente na frente do seu pau, quase enfiando dentro
da minha boca.
Lancei um olhar de morte. Dominic sempre querendo mandar em
tudo.
Ignorei sua provocação, voltando a apertar seu pau, fazendo com
que um grunhido alto saísse da sua boca, então sorri passando meus lábios
molhados por toda extensão, lambendo suas veias, raspando os dentes, antes
de abocanhar por completo o pedaço de carne que sempre fazia estragos
terríveis dentro de mim.
O aperto no meu cabelo se intensificou, como as vibrações dentro
de mim, então cada vez que sentia que meu corpo ia chegando perto do
limite, chupava Dominic com mais gosto. Mais intensidade. Queria devorá-
ló, pegar tudo dele, como ele sempre pegava de mim. Minha saliva
lambuzava seu pau, e eu me esforçava para que conseguisse provar todas as
partes de sua extensão.
Sedenta, queria mais, mais e mais. Sentia meu corpo quente,
dolorido, necessitado. Meus olhos lacrimejaram quando Dominic se perdeu
no momento e prensou minha cabeça na porta do closet, estocando sem dó
na minha boca. Então recebi tudo que podia sem reclamar, porque em parte
estava louca para saciar algo em mim, e na outra, estava tão perdida em
meio ao tesão que já não sabia qual era meu limite.
Dominic gemeu alto, apertando mais meus cabelos, e pensei que ele
iria gozar quando tirou o pau da minha boca, levando minha cabeça para
cima, abrindo o sorriso safado e perverso que tanto amava.
— Gulosa, devorando todo meu pau, amor — eu sabia que meu
rosto estava vermelho, provavelmente minhas sardas estavam
completamente salpicadas e expostas pelo momento. Apertei suas coxas
automaticamente quando a pressão no meu ventre ameaçou a rachar. Eu iria
gozar a qualquer momento.
Dominic puxou meu corpo para cima, levando meu rosto bem
pertinho do seu. Minha respiração irregular tremeu entre nós dois quando
Dominic puxou meu lábio inferior, respirando o ar que eu respirava, e
sussurrando na minha boca.
— Eu amo como te deixo vermelha não importa quanto tempo
passe.
Mas eu já não tinha noção das minhas próprias ações, e estava
desesperada para matar o desejo crescente dentro de mim.
— Dominic… — solucei o seu nome, começando a ficar irritada. A
raiva crepitando em minha pele e fazendo meu sangue correr mais quente
pela adrenalina. — Eu preciso de você.
Gemi quando mais um espasmo me atingiu, roubando meu ar.
— Se você não fizer algo agora, eu vou fazer — o aviso de raiva em
minha voz fez seus olhos amaciarem. Pois seus lábios chuparam os meus
antes das suas mãos virarem meu corpo, me colocando de frente para o
espelho.
— Estamos quase lá, amor — o sussurro da sua voz em meu ouvido
arrepiou meu corpo todo, e vislumbrei a minha imagem no espelho.
Eu realmente estava vermelha, meu cabelo desordenado e minha
boca inchada.
— Coloca a mão na parede — relutei com meu próprio corpo que
implorava para responder aos estímulos. — As duas.
Obedeci sua ordem e fechei os olhos, tombando a cabeça para
baixo. Humilhada.
Humilhada e excitada.
Ele fazia questão de quebrar o meu ego, destruir a minha soberania
antes de me dar o que queria.
— Por que fechou o olho? Abra-o, quero que veja tudo. Quero que
veja quão entregue está.
Olhei para ele de imediato, desesperada. Sentia meu líquido
escorrer pelas minhas pernas. Eu era uma negação. Odiava saber que quanto
mais era calada, mais excitada ficava. E ele sabia disso.
— Oh está aí, esse olhar — sorriu sacana. — Não me negue nada,
eu quero tudo. Até os olhares de ódio. Eu os amo mais que qualquer coisa.
Com o coração na boca, segurei os tremores que percorriam meu
corpo. A leve vibração agora fazia mais estragos que nunca. Mordi os
lábios.
— Eu odeio você, quero te estrangular.
— Eu amo você, quero fodê-la.
Lancei um olhar de morte. Eu sabia que não podia vencer essa
batalha, e amava perder. Mas não significava que deixaria as coisas fáceis
para ele.
— Dominic… — choraminguei, me entregando. — Por favor…
— Sempre é um prazer te ver implorar, amor.
Dominic passou os dedos por minhas costas, minha coluna, e ia me
inclinando na medida em que afastava minhas pernas.
— Deixei me ver… — então enfiou os longos dedos em mim,
puxando o objeto de lá, e com ele um suspiro alto e sofrido meu. Porra,
tudo apertava. Queria Dominic dentro de mim. Não sabia como estava
aguentando tanto, com mais um toque desmoronaria bem aqui. — Isso me
parece bem molhado, amor, acho que vou precisar ver de perto…
Dobrei os dedinhos do pé quando senti o ar quente da sua boca na
minha boceta. Merda, eu iria gozar antes dele entrar todo em mim. E eu o
queria muito dentro de mim. Como respirar.
Querer Dominic era como respirar.
— Eu prometi que ia ser bom, amor, não posso te decepcionar.
— Dominic — minha voz era falha, e eu não consegui terminar
meu raciocínio porque a boca dele estava em mim, nos meus lábios, na
minha boceta, em todo lugar. Engoli em seco, mordendo os lábios, minhas
pernas tremendo. Estava caindo. E tive certeza que minhas pernas não se
dobraram em exaustão porque Dominic apertou minhas coxas, com o rosto
no meio delas, provando e chupando todo gozo que saía de mim.
— Merda, Dominic — encostei a testa no espelho fechando os
olhos. Tudo em mim estava quente, e eu era puro sopros e gemidos e
xingamentos e manhas. Meu corpo todo tremia em espasmos arrepiantes
que fazia toda minha coluna arquear.
Meu Deus. Dominic continuou me chupando enquanto meus
neurônios tomavam ciência da avalanche de emoções que tinha provado.
Abri os olhos. Dominic estava no meio das minhas pernas,
observando minha imagem pelo espelho. Seu olhar de adoração fez meu
coração retumbar alto.
— Mulher linda, mulher gostosa, mulher completamente minha.
Dominic beijou a parte interna das minhas coxas, depois subiu para
minha coluna, passeando as mãos pelas minhas curvas e apertando tudo em
mim. Então sua boca sussurrou no meu ouvido, como um segredo sujo e
totalmente obsceno.
— Melhor segurar firme, amor — e esse foi seu aviso totalmente
atrasado, porque Dominic agarrou minha perna direita e rodeou meu
pescoço com a mão esquerda, se enfiando completamente duro e forte
dentro de mim, esticando minhas paredes internas.
Gemi alto.
Merda.
Sentia Dominic por inteiro. Grosso e gostoso, acertando
diretamente onde incomodava. Onde coçava, onde pedia para ser explorado.
Merda, isso era tão bom. Eu queria chorar.
— Dominic — gemi seu nome, tentando recuperar o fôlego.
Mas ele não me deu tempo, pois, pelo nosso reflexo no espelho, vi o
brilho perverso do seu olhar no meu corpo, ele estava observando seu pau
entrar na minha boceta como um sádico feliz, que assistia encantado a uma
obra perfeita esculpida unicamente para ele.
Eu deveria ser isso para ele, porque Dominic era para mim. A obra
mais linda que já tinha visto em toda minha vida.
Estava perdendo o equilíbrio, os solavancos fortes e rápidos fazia
minha mente mergulhar nas nuvens, poderia voar a qualquer momento.
— Dominic — disse manhosa e alcancei sua mão que estava no
meu pescoço, querendo apoio. Encontrei seus olhos pelo espelho, não
conseguindo raciocinar palavras suficientes, pois minha voz era somente
gemidos e manhas em seu nome.
Seus movimentos diminuíram a velocidade, agora ele entrava e saía
lentamente, causando arrepios por toda minha pela pela lentidão e
intensidade que senti seu pau dentro de mim.
Meu ventre se contraía e espremia meus dedos no chão, engasgando
com meu próprio ar, querendo me segurar e tentando apertar qualquer coisa
que podia. O fio da minha racionalidade estava se perdendo novamente.
Era um movimento gostoso para caramba. E as minhas paredes
internas se apertavam ainda mais quando rebolava em busca de mais atrito.
Minha respiração descia pela minha traqueia completamente
falhada.
Dominic então parou os movimentos, e gemi em protesto.
— O que você vai fazzz- aaah…
Dominic virou o meu corpo, sorrindo diabolicamente, e veio para
cima de mim, me devorando com seus olhos ferozmente. Seus lábios
beijando minhas bochechas.
— Eu preciso te adorar mais um pouco antes que tudo acabe.
E ele fez exatamente isso.
Nos virando de lado para o espelho, Dominic sustentou minha
perna novamente, mas dessa vez eu estava vendo a minha própria boceta
melada, brilhando e inchada.
— Olha como somos perfeitos, amor — sussurrou no meu ouvido e
me mostrou como éramos perfeitos juntos.
Engoli em seco, sentindo e vendo ele entrar todo e completo em
mim novamente. Era demais, iria gozar de novo bem ali, vendo seu pau
enterrado em mim. Gemi alto com a velocidade aumentando, todo meu
corpo se espremendo e lutando contra algo que me demoliria a qualquer
instante.
Suspirei com a imagem erótica e com o aperto que sentia na minha
boceta.
Quente, forte, rápido, gostoso.
Gritei quando seus lábios alcançaram os meus, mordendo e
chupando minha alma.
Meu corpo tremeu e minhas pernas vacilaram quando senti o
líquido quente bombear dentro de mim.
Eu estava gozando.
Dominic estava gozando.
Éramos um completo caos de desespero e respirações falhas, e eu
não sabia onde um pensamento começava ou terminava. Porque tudo que eu
era, era Dominic naquele momento. Sensível, carnal e completamente
vulnerável. Eu o amava mais que tudo na vida, eu era dele por completo, e
faria um milhão de escolhas ruins se no final do dia pudesse vê-lo
novamente. Mesmo que fosse através de destilação de ódio e um muro
influenciável de pedras.
Dominic era um pedaço da minha alma, e não há nada que não faria
para que ela permanecesse viva.
SE ESQUIVAR

Sua pele era macia como seda, sua respiração lenta fazia subir e
descer os seus ombros nus que estavam um pouco avermelhados. Rastejei
os dedos por suas costas expostas, encaixando a minha mão na curva da sua
bunda.
Linda para caralho. As sardas em suas costas faziam com que o
desenho do seu corpo se tornasse perfeito. Eu amava seu corpo, amava o
encaixe perfeito que ele era junto com o meu.
Continuei rastejando os dedos por sua pele nua, salpicada de sardas
e brilhante, chegando ao seu cabelo desgrenhado e cheio de cachos. Limpei
seu rosto dos fios soltos, colocando eles para trás para olhar seus lábios
cheios e vermelhos, as sardas salpicadas que amava e olhos que insistiam
em estar fechados.
Augusta já estava acordada, mas fingia dormir com um rosto sereno
que me fazia querer beijá-la para sempre. Fomos dormir tarde, exaustos,
sedentos por um descanso, mas ambos com medo do último suspiro.
— Há quanto tempo está acordado? — sua voz rouca pelo sono
despertou o silêncio que o quarto se encontrava pela manhã.
— Há alguns minutos — respondi enquanto observava sua
respiração subir e descer. Seus olhos ainda fechados.
— Mentiroso, você não dormiu.
Ri nasalado.
— Você tem razão, eu não dormi. Fiquei esperando quando iria
embora.
O silêncio que previ da sua parte veio, e fiquei observando
enquanto Augusta abria os olhos por inteiro, colocando as duas mãos
debaixo do rosto.
— E funcionou?
— Você ainda está aqui.
— Eu ainda estou aqui.
Seu rosto estava relaxado, com um brilho que me lembrava quando
estávamos na faculdade, e me perguntei se hoje ela também iria fugir.
— Até quando?
— Isso você decidirá — sussurrou e dei uma risada amarga, me
sentando. Augusta copiou meus movimentos e levantou da cama,
completamente nua, em busca de uma blusa.
Pelo jeito, iríamos começar sem café da manhã.
Observei seu corpo, completamente hipnotizado enquanto ela
passava minha blusa pelos braços, e depois ia atrás da sua calcinha no
closet.
— Então me levar para cama não foi mais um jeito de fugir? —
indaguei quando ela copiou a mesma posição que eu estava no batente da
porta na noite passada.
Continuei na mesma posição, sentado com o lençol enrolado na
cintura, sem me incomodar de estar pelado para a conversa que viria.
— Não — Augusta mordeu os lábios. — Na verdade, nunca foi. E
eu nunca quis fugir, não de verdade.
— Então agora não precisa mais fugir? — eu sabia que meu tom
não estava sendo amigável, apesar de manter a voz baixa e controlada.
Merda. Naquele momento eu não me importava em demonstrar
quão puto estava com a situação. Porque queria resolver toda essa merda,
mas temia que ela fugisse novamente. Como em todas as outras vezes
Augusta fitou meus olhos e vi algo se quebrar ali, seus orbes não
tinham a dureza que há tantos meses ela tentou estampar. E sim apreensão
pelo resultado das suas palavras que viriam.
— Estou aqui para me redimir. Sem mentiras.
Ri amargo.
— Sem mentiras? Me explica em que pé estamos, está difícil de
acompanhar toda essa merda.
Mas Augusta não vacilou em suas palavras, o desafio e a coragem
estampados em seus olhos. Eu a queria mais que tudo, queria derrubar o
pilar de mentiras que existia entre nós. E não desistiria até que todos os
pontos tivessem sido amarrados. Mas ainda o peso de palavras afiadas e
ações mal pensadas se infiltrava em meu peito, me dizendo que não seria
fácil derrubar essa muralha.
— Eu não posso dizer em que pé estamos quando a errada da
história sou eu, eu não posso dizer que está tudo bem quando eu fiz a única
coisa que você me pediu para não fazer. Eu não posso dizer em que pé
estamos quando segredos ainda me sobrecarregam.
Fiquei em silêncio, eu também perguntaria um milhão de coisas se
isso nos fizesse ficar bem, mesmo que soubesse a maioria das respostas.
Mas, naquele momento, precisava ouvi-la, ela tinha que me dizer.
— Só me diz, valeu a pena?
Seu rosto franziu em dúvida mas vi seus lábios tremerem com uma
resposta que estava estampada em seus olhos.
— Sim.
Minha respiração engatou em um sopro forte. Meu sangue
esquentando rapidamente fazendo com que todo meu corpo endurecesse.
Ela não se arrependia de nada. Algo amargo inundou a minha boca.
— Então o que mudou? Se não se arrepende por que ainda está
aqui? O dia treze já acabou e acho que não precisa mais de mim.
Minhas palavras rasgaram o ambiente, e o clima mudou
drasticamente. Não era mais um jogo, agora tratávamos da verdade. Pura e
feia.
— Eu não estava mais te sentindo — sussurrou e ri amargo,
completamente desarmado.
Eu nunca quis machucá-la e nunca faria algo do tipo na minha vida,
mas não consegui parar meus pensamentos quando a raiva crepitou em
mim.
— E agora você está me sentindo? É por isso que sempre cedia? É
por isso que sempre me dizia sim sabendo que não era o melhor caminho?
Por que queria me sentir?
— Eu não estou falando que estou certa.
— Então qual a justificativa, cacete? — inquiri.
— Não há justificativas, há somente uma pessoa egoísta que não
queria que você fosse embora — sua voz era sincera, e uma coisa que sabia
muito bem era que ela não tinha medo de falar o que sentia ou queria.
Mas isso ainda não era nada, porque eu queria tudo dela.
— E por que eu iria embora?
Seus olhos ganharam um brilho natural e um sorriso de canto de
boca irônico.
— Você não vai facilitar, né? — perguntou em um suspiro.
— Você dá conta — respondi em desafio e Augusta descruzou os
braços, desistindo da posição, e caminhou até mim, ficando em pé e
totalmente exposta.
— Você quer tudo?
— Tudo.
— Sem mentiras?
— Me mostre seu lado mais feio e eu direi quais partes de mim
resistiram.
Augusta se sentou na cama ao meu lado, nos igualando e dobrando
as pernas em uma posição vulnerável. Então chamou meus olhos e por
alguns segundos, ela mergulhou em pensamentos, abrindo duas vezes a
boca antes de finalmente falar:
— Eu ouvi algo que não deveria e quando percebi o meu erro, já era
tarde demais — sussurrou, encarando as próprias mãos abertas que estavam
em suas coxas. Depois as fechou em punhos, levando o olhar para mim
novamente, e esse olhar cortou o meu coração. — Não tarde demais para te
contar, mas tarde demais para não querer dar a minha vida pela sua sem
pensar duas vezes.
Travei o maxilar.
— O que você fez?
— Eu fui uma pessoa ruim, Nic, não consegui ter o coração bom
como o seu e deixar que o tempo curasse minhas feridas. Não consegui ver
o veneno disfarçado de vinho em uma taça bonita e não provar. Eu não
consegui ver Martinez querer te matar e não querer matá-lo primeiro.
Engoli em seco, ela tinha dito o nome do merda do Martinez, e
aquela raiva que achei que tinha controlado salpicou no meu sangue,
fazendo as batidas do meu coração acelerarem. Algo estava se partindo de
novo e os olhos de Augusta me disseram que ela não iria parar, ela iria
terminar de rasgar os nossos corações.
Como uma luta oculta de quem seria mais cruel e quem conseguiria
sobreviver a mais uma queda. Merda. Estávamos afogando.
— Eu nunca te pedi para morrer por mim — a amargura degustou
cada palavra.
— Você queria que eu te assistisse morrer e chorasse no seu
velório? — alfinetou.
— Não seja tão radical, isso nunca aconteceria.
— Radical? — sua voz subiu cheia de raiva. Então uma risada
maldosa cobriu seus lábios. — Me pergunte o que aconteceu na noite do
incêndio.
— Agora vai me contar? Um ano depois? — ironia enxergava o ar e
me perguntei onde iríamos terminar se nossos corações estavam cheios de
mágoas guardadas. A raiva salpicava nossas palavras de uma maneira cruel.
Eu queria mais que tudo saber o que tinha acontecido com ela, mas
de repente, todas as palavras tornaram-se erradas e sem sentido.
— Me pergunte — desafiou, querendo me quebrar, a distância entre
nós curta demais para um acesso de raiva. Mas nenhum de nós também
parecia querer ir para outro lugar.
— Por que Martinez estava na nossa casa antes dela pegar fogo?
— Ele foi la para me matar — meu coração estava sangrando e
respirar ardia como fogo. Porra caralho, a raiva nublando cada ponto cego.
Engoli em seco.
— E ele conseguiu?
Seus olhos tremeram e a raiva parecia não ser suficiente para afiar
suas palavras. Minha respiração irregular avisava que estar na ponta do
precipício era um ato de loucura, não coragem.
— Você está sendo cruel — sussurrou mas eu não parei, tínhamos
que rasgar o véu da mentira.
— Ele conseguiu?
— Dominic…
— Conseguiu?
— Não — seus olhos eram cheios de fogo quando responderam: —
Ele não conseguiu me matar, cacete.
Augusta se calou, e por mais que tivéssemos milhões de coisas para
pôr na mesa, o ressoar de batidas fracas de nossos corações ainda sobrevivia
à guerra das nossas próprias palavras.
— Está doendo? — perguntei exigente, com raiva, chamando seus
olhos. Querendo que ela visse todo o estrago que éramos. Querendo que ela
viesse todo o estrago que eu era sem ela. O estrago que ela tinha causado.
— Idiota — murmurou cheia de raiva também, com o olhar fatal e a
respiração irregular.
— Está doendo? — eu precisava ouvir, mesmo que seus olhos
transbordassem o líquido amargo que era nossos corações. — Me diz o
quanto dói, Augusta!
— Sim — trincou a mandíbula, desfazendo tudo. Derramando tudo
que era. — E não seria capaz de dizer onde começa ou termina a dor, ainda
que admitisse mil vezes quais partes doem mais. Então você não vai
conseguir me afastar assim. Hoje eu não vou embora.
Augusta engoliu em seco, a mágoa passando por seus olhos e
inundando o nosso ar. Mas ainda assim não desistiu da batalha.
A mulher mais forte que já tinha visto na vida.
— Então agora me diz como sobreviveu ao meu sobrenome. E
depois veremos o que sobra — o meu tom ácido não deixou que o clima
leve se assentasse.
Ainda estávamos na defensiva, nossos corações estavam correndo
em direções opostas.
— Martinez precisava de um ano — começou sem nenhuma
restrição, seus olhos eram firmes quando sua voz quebrou o ar.
— Um ano longe de mim? — ironizei, com a raiva crepitando.
— Ele precisava de um ano para matar toda família Clifford — seu
tom era quebrado e carregado de amargura, suas palavras fortes demais para
uma simples frase. Seus olhos me acharam.
— E por que um ano?
— Porque só depois de um ano outro ataque contra a família
fundadora não seria considerado caso direto para uma investigação.
Cerrei os olhos, prestando atenção em cada palavra.
— Eu disse que tinha assinado o contrato, mas eu também o li
naquela tarde quando me contou que não seria leve o peso da coroa.
— Mas foi queimado — disse ríspido, querendo lembrá-la do nosso
último encontro no banco.
Seus queixo tremeu, a coragem escapulindo.
— Mas eu não precisava assinar um contrato para estar sob os olhos
dos fundadores.
Cerrei os olhos, algo se partindo ali naquele quarto. Porra, todo meu
sangue fervia de impotência. Não precisava de um contrato quando ela
carregava a porra do meu sangue. Seus olhos machucados e prontos para
travarem uma batalha subiram um escudo de emoções, me atacando e
mostrando que não ligava o quão ruim toda merda era, ela continuaria a
cavar a cova dos nossos corações.
— Você estava esperando um filho meu.
— Estava.
— E havia provas no hospital quando você foi internada.
— Tinha.
Uma respiração dolorosa expandia meus pulmões. Abaixei a
cabeça, encarando minhas mãos. Merda. A ferida aberta doendo demais
para que qualquer um de nós respirasse direito. A confusão nublou minha
mente, eu parecia saber nada e tudo ao mesmo tempo. Me sentia perdido. O
coração sangrando e estilhaçando todas as partes bonitas que a mentira
tinha pintado.
— Eu te contarei tudo, Nic, confessarei todo o meu egoísmo e o
quão suja posso ter me tornado em busca de uma vingança. Porque foi isso
que fui atrás, vingança.
Sua voz se estilhaçou, e senti sua mão na minha, colocando-a em
cima do seu peito como tinha feito na noite passada.
— Todas as minhas ações durante o último ano foram frutos da
raiva que sentia toda vez que te olhava e via que eu daria mil vezes a minha
vida pela sua, mesmo que isso significasse ter o seu olhar de raiva. Eu
preferia isso mil vezes a te ver em um caixão.
Ainda estava com semblante fechado, e a informação de meses
estava ali sendo jogada, como uma poeira velha. Vingança. O tempo todo
era isso.
Então, ela fez algo que não esperava, ainda com minha mão em seu
coração, Augusta se ajoelhou na minha frente, e eu vi o seu coração se
partir pelos seus olhos. Ela estava arrancando seu coração e me dando,
como fiz todas as vezes no último ano.
Lágrimas encheram meus olhos, desmanchando todo meu corpo,
fazendo-me uma merda líquida. Eu não era merecedor dela. Eu não era
merecedor de Augusta quando ela, sem medo nenhum, desnudou a sua
alma. Porra.
Sua alma transparente demais. Sua alma machucada demais. Sua
alma linda para um caralho. Sua alma que mesmo machucada ainda tinha
força para ir à batalha. Sua alma totalmente despida aqui na minha frente
porque estava cansada de lutar.
— Então te pedirei desculpas por todas as vezes que parti o seu
coração, Nic, eu pedirei desculpas por todas as vezes que achei que daria
conta sozinha. Eu pedirei desculpas por ter sido a pior noiva do mundo, eu
pedirei mil desculpas e passarei por cima do meu orgulho se isso fizer você
não sair do meu lado, mas… só não me peça para pedir desculpas por trocar
o meu coração pela sua vida. Porque é isso que você é, Nic, minha vida, e
eu faria qualquer coisa por você.
Seus olhos me sugaram em uma intensidade muito bem conhecida
por mim, fazendo nossos mundos colidirem e se mesclarem como dois
laços infinitos. Porra. Estávamos nos afundando juntos.
Então, uma coisa que tinha visto somente uma vez brilhou em seu
rosto. Mãe, Augusta tinha se tornado mãe e isso tinha sido tirado dela. Era a
vingança de uma mãe, não de uma mulher, e naquele momento eu vi que
nada seria suficiente para explicar como a perda do bebê tinha lhe mudado.
E eu não poderia de forma alguma culpá-la por querer se vingar de algo que
foi lhe tirado.
O cansaço me venceu, e uma respiração pesada estremeceu todo o
meu corpo. Peguei sua mão que estava em meu coração e a levei aos meus
lábios.
Minha Augusta, minha namorada, minha noiva, minha mulher, a
mãe do meu filho. Eu daria minha vida por ela mil vezes sem precisar saber
quais pecados cometeu.
— Vem aqui — sussurrei e lágrimas desceram desesperadamente de
seus olhos. Puxei seu corpo, sentando ela no meu colo. Respirei seu
perfume e limpei seu rosto vermelho. Sua pele estava quente.
— Nic, não vá embora — chorou, desmoronando tudo que eu era.
— Porque se você se for, nada valerá a pena.
Sua respiração era falha e me parti novamente por ser a pessoa que
estava a fazendo sofrer.
— Eu não vou, amor — sussurrei em seus lábios, arrumando seu
cabelo. — Sempre estarei aqui.
As lágrimas voltaram aos seus olhos e abracei seu corpo até que
todos os tremores fossem embora.

Eu não estava surpreso por suas palavras, apesar das possibilidades


me dizendo sempre que Augusta fazia o que fazia porque queria, não por
estar sendo coagida. Mas algo ainda não se encaixava.
Augusta me espiou atrás do balcão com os olhos estreitos e
ansiosos. Descemos para tomar café da manhã depois que lavamos o seu
rosto inchado. Os movimentos dela tinham se tornado cuidadosos, e eu
odiei por ela ter se colocado nessa posição. Como se pisasse em ovos.
Esperei que mastigasse o biscoito para o nosso segundo round.
— Se Martinez não podia me matar, por que continuou longe? —
sussurrei, querendo entender. Esse sempre foi o ponto de tudo, esse sempre
foi o porquê do motivo das nossas brigas e provocações infinitas. — Por
que ainda continua se esquivando?
Augusta mordeu os lábios e a única coisa que vi em seu rosto foi a
cruel e pura sinceridade de uma alma ferida.
— Porque por mais que fosse tentador estar com você, por mais que
doesse cada fibra do meu coração ficar longe de você, eu não poderia fazer
isso comigo mesma. Não se tratava mais de nós, Nic, eu tinha que fazer isso
por mim. Porque quando Martinez matou o nosso filho, ele também me
matou. Ele matou a nossa família.
Engoli em seco, respirando pesadamente.
— Eu senti tanto medo… — sussurrou, contando. — Eu senti o
pavor comer o meu sangue naquela noite, e quando vi seus olhos
desesperados me encontrarem no hospital, me senti impotente. Senti que
nunca seria o suficiente. Martinez nunca pararia.
— Então uniu-se ao inimigo? — estremeci, com medo da resposta.
— Porque tudo que ainda vejo é que não fui o suficiente para você. Como
se eu não fosse acreditar em qualquer coisa que você falasse! Iríamos nos
casar, e não sei se lembra mas nos casamos somente com quem estamos
dispostos a dar a vida.
Eu sabia que não estava dando trégua, mas ainda não conseguia
aceitar essa merda toda.
— Eu lhe ofereci um acordo — murmurou.
— O quê? — a surpresa me pegando desprevenido.
— Eu precisava saber o que ele escondia, então dei-lhe meus
exames de gravidez se me deixasse fazer parte do que quer que ele estivesse
fazendo. Meu exame era o contrato que tinha sido queimado.
— Augusta… — meu peito ardeu. Porra, isso era uma merda
fodida. Não podia acreditar.
— Então ele exigiu só uma coisa.
— Que ficasse longe? — a loucura tinha me atingido pois uma
risada amarga gritava pedindo socorro.
— Sim — balançou a cabeça, receosa.
— Porra. Isso não faz sentido!
Augusta dobrou a cabeça, mexendo no prato vazio.
— E não faz mesmo, mas por meses pensei que esse pedido seria
somente para que ele não saísse perdendo ou algo assim. Já que eu o tinha
praticamente ameaçado.
— E você não viu mal em se separar de mim? — disse ácido, não
conseguindo controlar meu tom. — Não viu mal em nos partir?
— Eu nunca disse que tinha uma justificativa plausível.
Cerrei a mandíbula e ela continuou falando:
— Ele precisava que estivéssemos separados até a noite dos
fundadores.
— Por quê? — eu realmente estava curioso para saber, porque todas
as informações que tinha não pareciam valer de alguma coisa.
Seus olhos abaixaram um pouco, como se temesse dizer as
próximas palavras.
— Por que não podíamos ficar juntos? — insisti, dando a volta no
balcão e parando na sua frente. Ela ainda estava sentada no banco alto, e vi
sua respiração engatar. E diria em outro momento que ela estava
envergonhada.
— Por alguns meses, pensei que na cabeça dele não teria como eu
engravidar novamente se estivesse longe de você.
Seus olhos me encontraram como se buscassem apoio. Nunca mais
falamos sobre isso, apesar de nunca termos transado com camisinha desde
que ela tinha ficado grávida. Eu sabia que ela não tomava remédio ou algo
do tipo, como tinha ciência que éramos únicos um do outro mesmo com a
distância. Isso nunca pareceu um problema para mim.
— Então? — falei em um tom mais baixo.
— Então me lembrei que ele tinha feito o mesmo pedido no dia em
que conversamos pela primeira vez sobre eu estar grávida.
Não tinha sido só uma vez que Martinez a ameaçou, e essa
percepção partiu a porra do meu coração novamente. Merda. Fechei os
olhos por alguns segundos.
— Ainda continua uma merda tudo isso — procurei seus olhos. —
Onde isso tudo para? Quais são as verdades e quais são as mentiras? O
barco só afunda.
Augusta não me respondeu e o silêncio me disse que ela não se
arrependia de não ter me contado qualquer merda que tivesse acontecido.
— É o que venho tentando descobrir há meses. E não há muito mais
que você já não saiba. Eu sei que andou muito bem informado — sua voz
saiu irônica na última frase, fazendo-me arquear as sobrancelhas.
Cerquei seu corpo com os meus braços, segurando a borda do
balcão e fazendo seus olhos me encontrarem. Seus olhos tinham desafios.
Me desafiavam a chegar mais perto.
— Onde está Karen?
— Essa não é uma boa hora para perguntar de outra mulher,
Dominic — murmurou azeda.
— Por que não? Preciso saber se ela está viva.
Augusta balançou a cabeça.
— Não é uma boa hora quando ainda estou lutando para ser a única
mulher aqui. E sim, ela está viva.
Raspei o nariz no seu pescoço, inalando seu cheiro.
— Você nunca precisa lutar, você sabe — sussurrei no seu ouvido
segurando cabelo. — Eu te mostrei ontem que você é a única mulher que se
ajoelha para me matar.
Augusta suspirou pela boca, fechando os olhos, sua testa
encostando no meu peito nu.
— Ainda assim, não há nada arrumado aqui — sua voz baixa
soprou no meu peito. — Eu não estou conseguindo arrumar a minha
bagunça.
Segurei seu pescoço para encontrar seus olhos.
— Quem está te ajudando? — perguntei e ela ficou pálida, seus
olhos escapando dos meus. Levei minha mão para trás da sua nuca,
entranhando em seus cabelos. — Mais mentiras?
— Não é uma mentira — suspirou baixo, como se quisesse me
contar um segredo e cerrei os olhos. — Essa informação pode mudar o
rumo das nossas histórias completamente.
Fiquei calado, estudando seu rosto.
— Mas, como disse, sem mentiras. Você saberá tudo que descobri
nos últimos meses. Sem mais espaços entre nós.
— Você acha que ainda temos salvação? — sussurrei cansado, não
queria mais discutir.
Eu estava com raiva, e sabia que as batidas do meu coração estavam
sangrando a cada maldita respiração. Provavelmente estávamos mais
quebrados do que poderíamos dizer, o olhar machucado, a voz sussurrada, a
posição defensiva. Tudo isso nos dizia que mesmo que as verdades
estivessem sendo expostas, a recuperação de um coração não era costurado
com desculpas.
E Augusta também viu como o buraco que tínhamos cavado estava
fundo demais.
Um longa respiração, depois de alguns segundos em silêncio.
— Sim — sussurrou como um segredo.
— Então eu preciso que me mostre o quão ruim foi todos esses
últimos meses, e depois, vamos ao baile dos fundadores coroar a rainha de
Bash.
TRONO

Martinez tinha matado meu pai.


Martinez tinha matado meu filho.
Martinez tentou matar Augusta.
Martinez queria matar meu avô.
Martinez iria me matar.
Martinez era o ceifador.
Tudo sangrava, desde a minha primeira respiração até a última
batida do meu coração.
Eu tinha alimentado a raiva para o ceifador dia após dia desde que
soube da existência da maldição, mas saber quem era, e como ele tinha
machucado as pessoas que amo, parecia pior. Me lembrava de todas as
vezes que ele tinha sido meu amigo. Todas as vezes que tinha substituído o
meu pai.
A raiva crepitou me cegando. O gosto da traição era amargo. A sua
traição era amarga. Ela doía. Porque Martinez era parte da minha família.
Ele era minha família. Tudo se tornava pior quando me lembrava que todas
as informações que precisava eu dava. Eu lhe dei acesso a tudo que eu
amava. Eu dei-lhe acesso a Augusta.
Travei o maxilar com os punhos cerrados. Porra.
— Vai matá-lo? — embora a pergunta tenha sido pacífica, o tom de
Fabian me dizia que ele concordava com qualquer coisa que eu propusesse.
— Acho que preciso apaziguar alguns demônios que atormentaram
os meus últimos meses.
A raiva acumulada de meses crepitava no meu sangue, como um
combustível inflamável.
— Acha que só Martinez que está por trás disso?
— Sinceramente? Hoje eu não me importo com quem a feriu, todos
eles irão pagar. Eu só quero que isso acabe.
E era o que eu mais desejava, vê Augusta mais cedo inflamou a
mais genuína raiva dentro de mim. Nada importava a não ser ela. E isso
terminaria essa noite.
— Então o que você está pensando especificamente para essa noite?
— Não podemos sujar nossas mãos, então deixaremos que ele se
enforque sozinho. Sabemos que muitos Cheffts ainda o apoiam, então
convencê-los do contrário seria impossível. Vemos isso na última reunião
da AAB.
— Então? — inquiriu, impaciente.
— Martinez vai tentar me virar contra os Cheffts, alegando que eu
menti sobre o contrato com Augusta e usei o poder para mexer na
hierarquia. Isso seria prova suficiente para que eu não mereça a coroa. E
como meu avô estaria sem sucessor, um regente teria que usurpar o trono. E
Martinez teria sua chance perfeita.
— E não foi o que você fez? — zombou divertido. — Enganou
eles?
— Eu não enganei ninguém — Fabian arqueou as sobrancelhas,
mas não prossegui com sua dúvida explícita. Continuei: — Então usaremos
a sua própria ganância contra ele mesmo e teremos menos um pião na
jogada.
— Acha que vai ser fácil?
— Mexer em séculos de tradição é como declarar loucura, mas
acredito que mexer com o G5 é algo. Não sei se todos estão apoiando
Martinez.
Era o que pensava, já que essa maldição era por causa da loucura do
poder. Ou melhor, da ilusão. Porque ninguém obtinha o poder para ele
sozinho, sempre haveria uma segunda ou terceira pessoa para influenciar na
tomada de decisão.
E também não era só a maldita perseguição ao sobrenome, era sobre
destruir uma vida que não tinha nada a ver com toda essa merda. Como o
meu pai, embora nunca tenha sentido uma ligação com ele, eu podia fazer
isso pela minha mãe.
Eu podia fazer isso pelo meu sangue.
— E depois? Iniciaremos a caça ao tesouro?
— Se isso for realmente verdade, quem sabe? Não temos nada a
perder. — coloquei só mais um pouquinho do líquido âmbar para aumentar
a coragem. — Augusta vai chegar em alguns minutos e poderemos dar
início ao rito.
A ansiedade moía meu coração, tinha deixado ela na casa do seu pai
antes de partir com a promessa de nos encontrarmos no baile. Bem, ela não
me deixou buscá-la e não posso dizer que não fiquei chateado com a
negativa. Apesar das desculpas, ainda tinha algo muito frágil que nos
ligava.
Estávamos contratualmente casados, então eu poderia assumir o
posto do meu avô.
— Aliás, onde ela está? Vocês não deviam ficar sempre colados
depois da reconciliação?
Reconciliação, quase ri com a palavra. O nosso encontro estava
muito mais para uma batalha de corações partidos do que união de paz.
— Só porque falamos a verdade não significa que está tudo bem.
Meu avô me encarou com a merda das suas sobrancelhas grossas
julgadoras. Mas somente Fabian se arriscou.
— Então ainda estamos na parte delicada da história?
— Estamos na parte eliminar o inimigo e depois vemos o que vai
sobrar dos restos.
Era o que tinha ficado explícito depois dela me contar os planos de
Martinez. Fabian cerrou os olhos, nada satisfeito.
— Ainda acha que ela esconde algo?
— Não — falei sincero, porque sabia que Augusta tinha sido
sincera quando me disse antes de partirmos que não havia nada mais que eu
já não soubesse. — Mas tenho medo quando ela diz que não pensaria duas
vezes antes de dar a sua vida.
— Ah certo, isso. Qual o problema de pessoas apaixonadas,
dispostas sempre a darem sua vida?
— Ninguém vai dar a vida por ninguém aqui.
Eu esperava que ela tivesse entendido essa parte.
— E a pasta amarela? Por que Augusta queria ela?
Sorri.
— Para Martinez ou algo assim.
— Ela deu a pasta para ele?
— Irá entregar.
— E estamos bem com isso?
— Sim.
— Sim? Cacete! Estamos de volta com as respostas curtas? — se
irritou.
Revirei os olhos.
Meu avô limpou a garganta.
— Isso foi uma ação inteligente? — sua voz rouca e baixa tinha
dúvidas.
— Provavelmente, não.
O seu olhar de dúvida se transformou em cautela, e eu soube que
iria ouvir.
— E por que Augusta está com essa pasta? — continuou com os
olhos em mim
— Não foi eu que a entreguei — dei de ombros, fugindo, e Fabian
arqueou as sobrancelhas.
— Então agora a culpa é minha?
— Eu nunca disse isso.
Fabian cerrou os olhos, desconfiado.
— Por que ela me pediu para pegar a maldita pasta se poderia ter
pegado?
— Um ato de confiança? — disse sugestivo e os dois homens na
sala cruzaram os braços, curiosos. O clima antes pesado se transformando
em algo mais subjetivo.
Fabian tinha que entregar a pasta para Augusta, não eu. Porque
pelas minhas mãos ela sairia corrompida, segundo Martinez. E ele tinha
total razão. Augusta estava sendo vigiada, então se Martinez a visse se
encontrar comigo provavelmente tiraria Augusta do quer que fosse que ela
tinha se envolvido.
Aliás, esse esquema tinha sido a primeira coisa que tínhamos
conversado, porque eu não aceitava de jeito nenhum que ela permanecesse
nisso. Ela teria que romper com essa loucura imediatamente, não importava
que tipo de vingança estava planejando.
— Vocês estão de segredos — afirmou o meu amigo, desconfiado, e
ri nasalado. Era um bom ponto.
— Vocês? — inquiri, desviando.
— Não finja que não entendeu, você e Augusta, há algo.
Sorri malicioso.
— Eu diria que essa conversa já está abatida também.
Meu avô riu, o que chamou minha atenção. Seus olhos bem atentos
a mim. Mas Fabian não insistiu, só me olhou com aquele rosto sério e sem
paciência. Fiquei pensando que se fosse Zack, ele extrairia tudo até saber o
horário que tinha saído de casa.
— Nessa altura do campeonato e ainda estamos de segredo? —
Fabian inquiriu, mas eu sabia que era só uma provocação.
— Nunca estivemos de segredo — respondi sem paciência e meu
avô ficou calado, apenas observando.
— Então essa noite será como? Executar o inimigo e depois? Final
feliz?
— Essa são boas palavras — ri nasalado. — Mas, sinceramente? Eu
acho que só saberei essa resposta depois de hoje. Não quero construir
esperanças que não tenho certeza que serão sanadas.
O silêncio invadiu o clima e pensei no dia de merda que tinha tido.
Eu não estava chateado e nem com raiva dela, embora o amargo das
suas ações doesse em cada parte do meu corpo. Eu sabia que ainda teríamos
longas conversas até que tudo que sobrasse fosse o rio de sentimentos sem
nenhuma sombra traiçoeira dos últimos meses.
Porque em palavras estava tudo bem entre mim e Augusta, mas em
ações? Eu não sabia dizer. Augusta não ia desistir da sua vingança mesmo
que isso a destruísse, e naquele momento, eu não poderia fazer nada a não
ser pegar a sua mão e ir tão longe nisso quanto ela precisava.
Então, quando digo que sem esperanças, eu digo que a dúvida sobre
como seremos depois do rito é um total mistério.
Meu celular apitou, e a mensagem com seu nome brilhou na tela.
— Augusta chegou — avisei, me preparando para ir ao seu
encontro. Fabian assentiu e meu avô encarou a porta fechada.
— Dominic, antes de ir, quero conversar com você a sós.
Fabian nos deixou. Olhei para ele desconfiado.
— Sente-se aqui — mandou.
— O que o senhor quer? Deseja me falar novamente que a sua vida
não tem valia?
Fred não riu dessa vez, o seu rosto sério me fez bufar e desistir.
Sentei-me na poltrona à sua frente.
— Sim?
— Já ouviu que vaso ruim não quebra? — arqueei as sobrancelhas,
sempre pensei nessa frase mas nunca achei que o meu avô a diria.
— Agora estamos falando em ditos populares?
— Há muito tempo que estou na mira deles, Dom — seu tom era
sério e cerrei a mandíbula, tenso.
— Eu devia ficar tranquilo?
— Quero que não tema pela minha vida e deixe as coisas correrem
como devem ser.
— Eu não estou ouvindo isso — me indignei. — Isso de novo? Está
tão disposto a morrer assim?
Quando contei parte da conversa com Augusta e os planos para nós
essa noite, ele tinha ficado quieto. Como se quisesse aceitar a informação.
— Sei que não está feliz com toda a situação
— Está falando para eu deixá-lo morrer? É isso?
— Eu não vou morrer, Dominic, pare com isso — sua voz rouca
estava irritada. — Está com medo da morte?
— Não.
— Então por que a teme?
Cerrei os olhos.
— Por que você não a teme? — devolvi a pergunta e ele bufou,
como se tivesse cansado. E talvez ele realmente estivesse.
Um longa respiração veio dele.
— Eu já vivi o suficiente, Dominic, não posso cobrar do destino
mais do que ele pode me dar.
— Eu espero que essa merda não seja uma despedida — falei
ríspido e Frederico balançou a cabeça.
— Ainda há muita coisa para vivermos, garoto. Não será agora que
vou morrer, ainda quero ver se realmente consegue segurar o peso da coroa
— riu amargo, mas não conseguia ver graça nas suas palavras.
Então o silêncio veio e os meus pensamentos foram diretos para
Augusta.
A noite de hoje era um mistério que estava ansioso para desvendar.
Eu não sabia como seria o final, mas com certeza sabia que terminaria
partido como toda essa loucura começou um ano atrás.
— Você não disse muito sobre sua conversa com Augusta —
quebrou o silêncio por fim e passei a mão nos cabelos, querendo descontar
a frustração.
— Não tenho muito o que dizer — nada que os relacionava era
necessário dizer. Outra respiração longa do meu avô. Uma risada nasalada.
— Não precisa me contar — pensou alto, não olhando nos meus
olhos. — Eu só peço que… Não desista, Dominic.
— E eu desistiria de que, exatamente? — desafiei, não querendo
trazer o assunto Augusta.
— Quer um conselho?
— Tenho escolha?
— Não lamente pela história de vocês, filho. Encare-a de frente,
sem medo. Uma das únicas coisas que não podemos comprar é um novo
coração, ou apagar da memória o nosso passado. Mas podemos fazer
recomeços, podemos decidir nos dar uma nova chance. E vocês podem
fazer isso, passaram por coisas suficientes para deixar tudo acabar assim. E
serão a peça principal da Associação em algumas horas. — suspirou se
levantando e colocando a mão no meu ombro. — Então não lamente.
As palavras do meu avô moeram o meu peito e fiquei em silêncio
enquanto todas as possibilidades giravam em minha mente. Saí do cômodo
médio que tinha no térreo da mansão sem lhe responder.
A raiva era uma emoção crescente, estava perturbado e a
insegurança do que sobraria de nós me comia. Eu a amava, e por pior que
tenhamos sido um com o outro no último ano, ainda estávamos dispostos a
continuar. Era o que tínhamos combinado quando saímos de casa.
A ansiedade por vê-la quase me comeu antes de olhares curiosos se
voltarem para a porta central. Engoli em seco com a visão.
Augusta estava em um vestido vinho marcando todas as suas
curvas. Delineando toda minha razão e loucura por saber que ela era minha.
Seu rosto estava impassível, e toda a muralha que havia usado comigo em
todos os últimos meses tinha se tornado uma máscara perfeita. Porque já
não era uma mentira, era a sua armadura. Então ali eu vi a mulher por quem
era apaixonado. Vi a garota que tinha despertado todos os meus sentidos
anos atrás. A minha Augusta. A minha rainha.
Bem, Augusta tinha chegado e daríamos fim ao nosso pesadelo.
FIM DE JOGO

Ser burra tinha o deixado vivo durante um ano.


Não que eu achasse que Martinez não fosse realmente matá-lo a
sangue frio igual tinha tentado fazer comigo. Mas, há muitas formas de
machucar alguém antes de realmente o destruir. E há muitas formas de
destruir alguém sem ao menos tocá-ló.
Eu sabia que tinha ferido Dominic, e não tinha ideia de como
refazer a nossa história.
Eu não sabia como seria nosso fim, não sabia se sobreviveríamos
até o final da noite. Pois por mais que tivéssemos mergulhado no caminho
da verdade, as sequelas das mentiras eram feias
Seja minha rainha hoje a noite, amor.
A mensagem brilhou no celular e um frio na barriga me embargou
enquanto o carro parava em frente à mansão Willians. Guardei o celular na
bolsa sabendo que ela não seria revistada.
Uma última jogada. Uma última mentira. Eu tinha lhe prometido.
Um sorriso falso.
Encarei a entrada como se ela fosse um monstro, olhares curiosos
sempre me observando.
— Nunca achei que seria negado pelo meu próprio sangue — a voz
masculina e familiar me assustou, e virei-me para encarar o homem que há
alguns meses não via.
— Meu Deus, tio Alek! — quase gritei surpresa, vendo o homem
alto de cabelos castanhos cruzar os braços. — Não sabia que tinha chegado.
Eu realmente estava surpresa, pensei que viria para o fim do ano ou
Natal.
— Se tivesse presente na Stilk essa semana, saberia — provocou e
não pude retribuir o sorriso que me deu. Eu sabia que era um comentário
inocente, mas esse comentário me partiu, porque tudo ainda parecia normal
enquanto todo o meu mundo ruía aos poucos.
— Tinha coisas mais importantes a fazer.
— Imagino — Aleksander Vendetta arqueou as sobrancelhas em
uma clara descrença. Mas ele sabia que não ia me explicar, então me
ofereceu o braço esquerdo em um convite. — Ainda sou bom nisso.
— Em tentar xeretar a vida alheia?
Tio Alek riu.
— A vida da minha sobrinha não é alheia, e não, ainda sou bom em
ser um ótimo cavaleiro.
Cerrei os olhos, divertida.
— Devo esperar seu nome na lista de acompanhantes ano que vem?
— Quando tiver uma dama a minha altura, quem sabe — zombou,
mas eu o fuzilei no mesmo instante.
— Difícil alguma das minhas damas chegarem à sua altura quando
elas precisariam descer vários degraus.
Sorri satisfeita recebendo um entortar de boca, nada feliz.
— Ei, ainda sou o mais velho aqui — ralhou. — E o seu tio!
— Não fale algo se não dá conta da resposta, eu nunca o deixaria
brincar com minhas garotas.
— Pelo menos algo não mudou por aqui — sua resposta foi seca e
não ousei olhá-lo. Apenas segui seus passos enquanto era guiada para o
centro do salão.
Às vezes era fácil esquecer que Aleksander era meu tio e não um
amigo rabugento mais velho.
— Então, como está a chegada do advogado oficial da AAB?
— Você também saberia se estivesse na empresa essa semana.
— Eu não vou ser perdoada pelo meu sumiço?
— Claro que não — disse sério, querendo passar uma braveza que
comigo não tinha vez. — Uma CEO nunca abandona sua cadeira!
Revirei os olhos.
— Como está o Canadá?
Paramos no meio do salão e os murmúrios que antes eram baixos,
aumentaram. Senti os olhares pesados em mim, e diria que o homem à
minha frente seria o segundo alvo a ser comentado da noite.
Vi que seus pensamentos vagaram antes de responder à pergunta
simples:
— Quente.
Arqueei as sobrancelhas
— Achei que odiasse o calor.
— Foi por isso mesmo que fui embora.
— O frio em Bash só chega daqui três meses — comentei, curiosa
com suas desculpas.
— Não faça perguntas difíceis, sobrinha.
Arqueei as sobrancelhas, divertida.
— Tio Alek, está de rolo?
— Tios não contam sua vida para seus sobrinhos — me cortou e eu
me senti diretamente motivada a descobrir o que escondia.
E tinha até montado uma resposta que o deixaria irritado, mas o
silêncio gerado ao meu redor foi nítido demais para não perceber a
mudança de clima.
Tio Alek arqueou as sobrancelhas para algo atrás de mim, e eu sabia
bem o que tinha causado esse efeito no salão.
Ou melhor, quem.
— Acho que o dono da festa chegou — zombou sem me olhar, e
desisti de resistir a qualquer coisa que ainda me prendia para buscá-lo do
outro lado do salão com meus olhos.
Não foi difícil achá-lo.
Nunca era.
Seus orbes petróleo me acharam primeiro, e seus passos
acompanharam sua decisão precisa. Dominic estava vindo até mim. E o
maldito frio na barriga estava ali, arrepiando toda minha espinha e fazendo
a merda da minha respiração engasgar.
Merda, estava com saudades disso. Saudade da sensação de
primeiro encontro que ele me trazia sempre que o via. Dominic era lindo e
não conseguia deixar de suspirar baixinho todas as vezes que o encontrava.
Seus passos pararam a poucos centímetros, e seus olhos devoraram
cada pedaço de mim. Estava aquecida em todas as partes do corpo.
— Augusta — meu nome soou como uma oração em seus lábios e
soltei a respiração pela boca.
— Dominic — respondi, suspirando quando seu braço passou ao
redor da minha cintura, me pegando de surpresa. Engoli em seco olhando
em seus olhos.
— Pronta para conquistar o mundo mais uma vez, amor? — sua voz
era sensual e cheia de malícia.
Empertiguei o queixo, sorrindo sem mostrar os dentes.
— Não é uma má ideia — sussurrei em tom de desafio e um limpar
de garganta soou atrás de mim.
— Fico encantado que vocês ainda curtem esse show público — tio
Alek ralhou mal-humorado, e virei o rosto arqueando as sobrancelhas.
— Não era você que tinha dito que a minha vida era da sua conta?
— Acabei de decidir que não é mais.
Tentei afastar Dominic mas o seu braço continuou firme em mim,
sua mão em contato diretamente com minhas costas nua. Olhei para o seu
braço que me prendia, mas seu olhar já não estava em mim.
— Aleksander Vendetta — seu tom cortês arrancou uma risada
sincera do do meu tio.
— Nosso amado, Dom — tio Alek retribuiu o tom e ambos riram de
seus cumprimentos.
— Isso me soa formal.
— Você me disse que eu teria que ser formal quando esse dia
chegasse — Tio Alek zombou. — Já posso parabenizá-lo pela coroa?
Mordi a língua evitando formalizar meus pensamentos, e fiquei os
longos minutos ali pensando como seria realmente péssimo se virássemos
exs. Revirei os olhos para meus próprios pensamentos.
Eu não sabia dizer quando essa afinidade começou, se levarmos em
conta que Dominic havia conquistado a minha família toda quando
começamos a namorar. Engoli em seco, respirando dolorosamente. A minha
família tinha virado a sua família. E uma coisa que nunca poderia controlar
era o afeto que os Vendettas tinham por Dominic.
Eu uma vez pensei que por meu pai não ter tido um filho homem, a
sua obsessão por um filho tivesse passado para ele. Porque fazia muito
sentido a facilidade em que Dominic se familiarizou com os irmãos
Vendetta.
— É realmente legal vê como vocês se gostam — ironizei,
interrompendo a conversa. Dei um sorriso falso. — Mas eu gosto de seguir
cronogramas, então se me dão licença
Vi que o tio Alek não tinha entendido o porque tinha interrompido
sua conversa para me despedir, sendo que eu poderia apenas sair como fazia
toda vez que estava farta de um lugar. Mas eu tinha que avisar para que eu
fosse solta do aperto de posse na minha cintura.
Dominic não queria me largar porque ele sabia aonde eu iria.
Então seu olhar foi mortal quando dei um passo para frente e seu
braço caiu ao lado do seu corpo. Eu ainda não tinha desistido, e por alguns
segundos fiquei com medo da nossa conversa mais cedo não ter sido
suficiente.
Um frio na barriga me embargou quando seu olhar emitiu calor para
todo o meu corpo com uma profundidade quente e sensual.
— Rapazes — disse antes de sair e deixar mais uma vez Dominic
para trás.
A última vez, prometi.
Avistei meus pais de longe, que mantiveram o semblante neutro ao
me verem. Os olhos do meu pai demoraram segundos a mais que o da
minha mãe, e esperei que me chamasse. Mas ele se manteve quieto ao lado
dela. Sem mais conselhos. Era somente eu.
Suspirei mais uma vez, enchendo-me de coragem, mirei a escadaria
vazia que levava ao segundo andar, a qualquer momento Martinez
apareceria e eu teria que lhe entregar a pasta amarela colocando em prática
nosso plano. Estava ansiosa e queria que os minutos passassem mais rápido.
Mas enquanto reunia coragem para seguir para o segundo andar, um
Fabian distraído apareceu do meu lado, cerrando os olhos para onde eu
mirava.
— O nosso rei não está ali — me alfinetou — Ou está procurando
outra pessoa?
Analisei sua postura relaxada, mas ainda sem olhar seu rosto, e
voltei minha atenção para o baile dançante que acontecia.
Estreitei os olhos e dobrei o pescoço olhando para ele.
— Há algo que você gostaria de falar?
Fabian levantou as mãos.
— Longe de mim, só estou interpretando meu papel.
— De conselheiro do rei?
— Bom queria mesmo estar, mas as coisas não parecem ser tão
práticas assim.
— Já se passaram três semanas, Gonzales não abandonou seu
posto?
Eu sabia que o G5 não tinha mexido uma vírgula de suas bundas,
mas a curiosidade me pegou ao ver Fabian inquieto.
— O problema não é esse, o problema é que parece que o hiato
chega para todos. E não tem G5 quando somente um está disponível. Pelas
regras, não há conselho se não tiver três ou mais presentes ou inscritos.
Fabian despejava as informações rápido demais.
— Espera — franzi o cenho querendo entender o que tinha ouvido.
— Você está me dizendo que não há mais G5?
— Algo assim.
— Não vai me dizer?
— Uma informação por outra.
Ri pelo nariz.
— Você despeja informações assim, e eu quero algo em troca?
— Só estava te inteirando sobre as últimas notícias já que não vem
à sociedade há alguns dias.
— Então fique com suas informações.
— Cadê o espírito de curiosidade?
— Morreu.
Fabian me olhou indignado e mantive o rosto sério.
— Gonzales se recusa a assinar a ata final. E está forçando todos os
Cheffts a levantarem uma nova pauta para que seja perdoado.
Franzi o cenho.
— Foi marcado uma nova reunião?
— Estão esperando a coroação. Por mais que o G5 insista, a palavra
do senhor Clifford ainda os assusta. Eles esperam pela aprovação.
— Bom, acho melhor sermos perfeitos essa noite.
Fabian assentiu e ficou calado.
— Eu preciso saber de uma coisa — disse suave, finalmente
despejando o que o atormentava.
— O que quer?
Encarei seus olhos que não me diziam nada.
— Por que me escolheu para ser padrinho?
Eu poderia negar e simplesmente sair, mas algo me cortou, uma
lembrança em que Fabian ia até a nossa casa me atingiu. Ele foi nos visitar
quando Dominic contou que eu estava grávida, Dominic já o considerava
padrinho do nosso filho sem nem ao mesmo sabermos o sexo.
Fabian foi me visitar na casa do meu pai, quando tinha saído do
hospital.
— Você criou Dominic, e eu não pensaria em outra pessoa para
cuidar e educar tão bem do meu filho se não sobrevivêssemos — Fabian
engoliu em seco e pensei nas palavras que havia dito.
Era verdade e estava satisfeita com isso. Por mais que as coisas
tivessem dado tão errado para mim, ainda era feliz com a decisão de o ter
chamado para fazer parte da minha família.
— Obrigado — ele disse, e o olhei surpresa pela palavra. Não era
algo que eu estava acostumada a ouvir de sua boca.
Acenei com a cabeça em uma singela despedida.

— Apolline está mal — fui interrompida pela segunda vez na noite


enquanto esparava o maldito ceifador chegar. Já estava ficando irritada com
a espera. Todos os cenários desastrosos já passavam pela minha cabeça
incessantemente enquanto as expectativas ameaçavam comer a minha
coragem.
Olhei para Nina, que tinha me dito que Polly estava no banheiro do
terceiro andar, e fui atrás da minha amiga para saber o que tinha lhe
acontecido.
Mas nada me preparou para encontrá-la sentada no chão totalmente
bêbada. O seu olhar partiu o meu coração quando sua cabeça pendeu para o
lado em um gesto de derrota.
— Quantas taças bebeu?
— Esssa é uma perguunta interessaaante — Polly falava
pausadamente olhando para suas mãos cheias de anéis.
— O suficiente pelo visto — franzi o cenho. Não me lembrava de
ter visto ela assim há muito tempo. Polly não gostava de bebidas alcoólicas
e dificilmente ficava alterada. Acho que essa era a segunda vez na vida que
tinha visto ela assim. A primeira foi quando os irmãos De Martini nos
deixou.
— Se eeeu tivesse bêba-da não estaria em cima de um salto de
quinzzee ceeentímetro — ela tentou se levantar, mas empurrei seu corpo
para se sentar de novo. Havia algo errado.
— Apolline? — inquiri. — O que aconteceu?
Ela riu sem graça e aguardei que sua mente lenta pelo álcool
formasse algo coerente. A resposta veio amarga e sem rodeio:
— Está marcado — levantou os olhos para mim. — A porra do
casamento foi marcado. Daqui dois meses — choramingou e seus olhos me
procuraram desesperada.
— Ah merda.
Durante os últimos meses havia ficado desatenta à sua história,
embora ela também não tivesse me reclamado de nada. Achei que a história
com Nikolai tinha cessado. Eu não tinha ouvido ninguém do meio
comentar. Deveria ser algo em segredo. O que não fazia sentido. Por que
logo agora?
— Você ficou sabendo agora?
Balançou a cabeça negativamente.
— Tem algumas horas — murmurou chorosa. — Martinez estava
com o meu pai a tarde toda. E o contrato foi assinado entre nossas famílias.
Eu achei que poderia fazer isso, ser forte igual a você e olhar na cara de
Nikolai. Mas não consigo. Não consigo estar no salão agora. Eu odeio o
meu pai.
Fiquei tensa. Merda. Martinez estava agindo. Merda. Meu coração
disparou e tentei acalmá-lo respirando pela boca.
— Fique aqui, vou procurar algo para colocarmos na sua corrente
sanguínea e depois darei um jeito na sua bagunça.
Apolline fez um barulho estranho com a boca e franzi o cenho para
sua situação. A verdade sobre casamentos de conveniência na nossa
sociedade nunca nos foi escondido, mas viver isso parecia mais amargo do
que deveria. Por isso, apesar de geralmente funcionar, algumas pessoas
yentam escapar disso com afinco. Como Polly. Afinal, os sentimentos eram
a única coisa válida que tínhamos, já que tudo podia ser comprado.
— Espera — sua voz grogue me parou na porta. — Chama a Alana.
— Está trocando sua melhor amiga? — brinquei, mas ela não
respondeu de imediato. Franzi o cenho, esperando sua resposta.
Apolline bufou revirando os olhos.
— Quer que eu minta ou fale a verdade? — seus olhos se fecharam
e ela encostou a cabeça na parede.
Cerrei os olhos desconfiada.
— A verdade.
Um longo suspiro saiu de seus lábios e eu diria que sua mente
estava passeando em caminhos passados.
— Eu acho que você tem algo mais importante a fazer hoje à noite e
não acho que mereça as reclamações de uma amiga solitária. Eu só me
sinto… sozinha. Parece que perdi vocês duas de uma vez e às vezes não
consigo lidar com isso.
Seus olhos se abriram e uma tristeza que não soube explicar estava
ali. Não era sobre estar se casando forçado, era outra coisa.
Voltei a me aproximar e seus olhos acompanharam meus passos
como um gato acuado.
— Desculpa por ter te deixado sozinha todo esse tempo — soei
sincera. Porque também sentia que tinha a abandonado.
— Tudo bem, a gente pode consertar isso — um bocejo a pegou no
meio da palavra e seus olhos ficaram baixos, fixados novamente em suas
mãos. Ela sempre olhava para os dedos cheios de anéis. — Eu tenho
saudades de como éramos antes, tenho saudades de como era fácil, tenho
saudades dele. — engoli em seco, escutando. — Acho que ver você e
Dominic juntos de novo me fez lembrar de como era antes deles partirem.
Desculpa, não é culpa de vocês, eu só…
E o meu coração se partiu ao ver seu sofrimento. Porque sabia qual
era aquela sensação, e não ficava feliz por ela me dizer que nada tinha sido
superado. Então eu dei a ela o mesmo abraço que Dominic tinha me dado
algumas horas atrás. Um abraço de casa. Um abraço de que tudo ficaria
bem por mais defeituosos que fôssemos.
Então fiquei mais alguns minutos antes de mandar uma mensagem
para as meninas em um “help” gigante no grupo que tínhamos de
mensagem. Cuidaria de Polly e depois procuraria Martinez para acabar com
tudo. Não poderia ser mais refém dos seus ataques.
Martinez estava avisando que destruiria as pessoas que amo. Enchi-
me de raiva enquanto marchava pelo corredor, fúria consumia meus passos
com pressa. Eu poderia fazer isso. Poderia confrontá-lo.
O corredor largo estava vazio, e os meus saltos estavam mastigando
o assoalho. Ouvi o estalo de uma porta se abrindo, e o meu coração soltou
prevendo o perigo. Meus passos foram cautelosos para o rumo da escada.
Mas antes que eu percebesse, uma mão masculina tapou a minha boca, me
puxando para um cômodo escuro e fechado, me deixando totalmente sem
reação.
COROAÇÃO

Estava escuro e ouvi o barulho da tranca quando a mão abandonou


minha boca e desceu para base do meu pescoço. Merda, não não não não,
meu coração já pulava desesperado por uma saída, desesperado por estar
coberta pelo breu escuro e ter sido pega de surpresa. Merda.
Mas quando levantei os braços para me defender, seu perfume
chegou ao meu sistema, me paralisando, e merda, eu não sabia se isso era
pior ou melhor que algum estranho tentando me estrangular.
— Dominic — sussurrei e um suspiro aliviado abandonou meu
peito. — Merda, Nic, o que está fazendo? Está louco?
Sua respiração estava no meu rosto e a minha própria estava pesada.
Não fazia ideia de onde ele estava, mas senti seus olhos me queimando.
Quase podia sentir meu rosto pegar fogo.
— Eu preciso de um minuto — sussurrou rouco e inclinei meu
pescoço para o lado quando seu nariz passou por ele, me inalando. O aperto
da sua mão na minha garganta fez meu ventre contrair e todos os pelinhos
do meu corpo lhe darem boas-vindas. — Você demorou aqui em cima —
beijou o meu pescoço, me arrancando um suspiro.
— Acho que também preciso de um tempo — sussurrei, fechando
os olhos, mesmo com a escuridão nos abraçando. Adorando a sensação de
tê-lo tão perto. Senti o seu peito no meu.
— Você estava indo confrontá-lo — afirmou
— Eu te falei que iria entregar a pasta para Martinez hoje.
— Você ficará sozinha com ele — seu tom duro me cortou. — Não
quero que encontre com ele.
Suspirei, inalando seu cheiro gostoso.
— Eu preciso. Eu preciso fazer isso — mantive minhas palavras
firmes e Dominic passou a mão pelo meu rosto.
— Eu sei, mas isso não melhora em nada as minhas aflições.
Então, por um momento deixei-me ser fraca, porque com ele eu
poderia ser. Com Dominic eu poderia ser quem eu quisesse, pois ele me
aceitaria de todas as formas. As feias e as bonitas.
— Me sinto fraca e burra por ter ficado longe por tanto tempo —
sussurrei ainda baixo, confortada pelo momento. Então lembrei de mais
cedo — Tenho medo de não ficarmos juntos depois de tudo. Tenho medo de
não ter valido a pena. Tenho medo de fracassar. Tenho medo de Martinez
vencer.
Dominic ficou em silêncio por alguns segundos, antes de encostar
sua testa na minha e sussurrar como uma sinfonia doce e cheia de agudos,
fazendo meus olhos encherem de água.
— Eu odeio o que você fez todos esses meses, amor, e não posso
dizer que foi a melhor escolha na nossa vida…
Então a luz do cômodo se acendeu, machucando meus olhos, e
percebi que tinha sido ele a ligar. Seus olhos me encontraram pela primeira
vez na noite e uma mistura de emoções embolaram no meu ventre. Sua mão
agarrou minha nuca me mantendo firme ali. Meu coração saltava pela boca.
— No entanto… Você não é fraca por sentir medo ou querer desistir
quando até o meu coração pede para que corremos daqui e deixemos tudo
para trás sem nenhum receio. Você não é fraca por sobreviver. E sim forte
demais por ter coragem de levar a sua honra até o fim. Você é a pessoa mais
corajosa que conheço, linda. E eu não tenho dúvidas que será implacável.
— Nic — minha garganta queimou e a minha respiração disparou
contra as batidas do meu coração.
— E não há outra pessoa mais perfeita para ser a rainha de Bash, eu
nunca escolheria outra pessoa, amor. — beijou as minhas bochechas. —
Então você vai voltar para aquela porra de baile, vai dançar comigo, vai
fingir que está tudo normal, vai sorrir para quem te machucou, vai dar a
cartada final e quando essa noite terminar, eu vou te levar para casa e você
não vai embora nunca mais.
Seus olhos sorriram e um sopro leve espantou todo meu receio.
Ainda éramos Dominic e Augusta. Mesmo com partes quebradas, ainda
éramos nós.
E uma certeza se acentuou em meu peito. Poderíamos ter sido as
piores pessoas uma para outra nos últimos meses, mas isso não significava
que deixaríamos de ser nós. Não significava que não gostaríamos de
continuar sendo o pior um para o outro.
Experimentamos o amor mais puro, mas também o mais feio, e a
certeza de que mesmo conhecendo o pior lado um do outro ainda queríamos
ficar, era assustador. Porque eu o amava de todo meu coração e não
conseguia imaginar qualquer futuro sem ele.
Eu não queria um futuro sem ele.
Eu acreditava que precisava ficar longe dele para que nenhuma
merda o atingisse. Eu não queria que ele visse quão feia eu era por dentro.
Não queria que Dominic se casasse com a pior versão da mulher que um dia
ele tinha amado.
Mas não teve jeito, eu o transformei na minha pior versão e trouxe o
pior de nós dois quando tentei nos separar.
Então agora eu sabia, precisei de um ano para perceber que nem o
mais terrível desastre ficaria entre nós. Nem mesmo a dor. Nem mesmo as
mentiras. Éramos Dominic e Augusta, e nada ficaria no nosso caminho.
Então marchei em direção à morte, e dessa vez ela não ia me pegar.

Estava no salão principal, e dessa vez todos os olhares estavam em


mim sem nenhum pudor. Cada movimento era observado, cada gesto, cada
fala. Eu era o centro das atenções naquela noite.
Eu e Dominic.
O casal de honra desde que decidimos que podíamos ser bons
juntos.
— Quero saber a cor da sua calcinha no final da noite, bruxa —
Dominic disse baixinho no meu ouvido enquanto fuzilava a roda que ia se
formando ao nosso redor.
Avistei meu pai ao lado do senhor Clifford, ele estava em uma
posição impassível, que dizia que aquele não era o melhor momento de
falar com ele.
— Ficará decepcionado ao perceber que não terá nada a ser
descoberto no final da noite — Dominic franziu o cenho em dúvida, mas
depois cerrou o maxilar, fechando completamente o semblante.
— Você está sem? — perguntou horrorizado.
— Você sabe que não gosto que meus vestidos fiquem marcando.
Meu noivo rangeu os dentes, fuzilando meu corpo, desacreditado.
Como se tentasse ver através do pano.
— Vamos logo com esse rito então — sussurrou mal-humorado e
comprimi os lábios para não rir.
Sua mão pegou a minha com posse e acompanhei seus passos até
ficarmos ao lado de Frederico. Martinez não estava ali, e entendi a posição
do meu pai quando sua voz soou alta e mortal dando início ao rito de
coroação.
Meu pai estava sendo a voz do senhor Clifford naquela noite. Ele
era o familiar mais próximo masculino por causa do contrato entre nossas
famílias.
Lembrei-me da vez que Dominic tinha sido apresentado à sociedade
pela primeira vez, como o príncipe, e como agora estava sendo nomeado
como rei. E eu estava ali novamente. Registrando mais um momento.
Senti meus ombros tensos e a pressão dos acontecimentos da noite
comer cada resquício de tranquilidade que tentava buscar.
Meu pai começou a ler o documento oficial da Associação
Aristocrática de Bash:
— Pelas regras estabelecidas no pacto de fundadores, é elegível que
se passe a coroa para o próximo herdeiro legítimo desde que ele tenha um
contrato pré estabelecido com outro sobrenome legítimo ou passível de
negociação matrimonial. É elegível também que siga tradicionalmente os
ritos familiares a partir de um contrato selado…
Uma longa e extensa cláusulas de contratos foram lidas, pois toda
vez que se mudava algo na hierarquia de Bash, todo o livro dos fundadores
tinha que ser dito em voz alta para todos ouvirem. Para que todos
concordassem.
Cantamos o hino oficial da cidade logo em seguida e juramos a
bandeira.
Frederico Clifford foi o primeiro a ir até a base das escadas, onde a
torre da bandeira estava, e fez reverência à sua pátria colocando a mão no
peito e a outra na barra.
Depois foi Dominic, depois Damian, depois eu.
E assim seguiu os representantes de cada degrau na pirâmide com
suas famílias. Demorou quase uma hora para que todos fizessem o
juramento.
— O poder é justo, entretanto exigente. Não há espaço para
arrependimentos, uma vez jurado, uma vez comprometido. Então se abre
espaço para terminar um legado e se iniciar um novo.
Dominic se pôs ao lado do seu avô no centro, e Fred estendeu sua
mão direita colocando no ombro esquerdo de Dominic.
Era um gesto simples, mas que arrancou uma atenção meticulosa de
todos ali. O legado estava sendo passado. Depois dali Frederico não seria
mais o primeiro na linha, todos a partir daquele momento se portariam a
Dominic e somente a ele.
— Você é o meu herdeiro, Dominic — Frederico disse. — Tudo que
é meu, é seu, inclusive o meu trono.
Um silêncio respeitoso os saudou, e em um modo figurado eu diria
que aquela era a hora perfeita para se pôr uma coroa dourada em sua
cabeça.
— Agora vamos às promessas — meu pai continuou, nos guiando
perante o livro dos fundadores. Fui até o centro onde antes estava Fred,
ficando no seu lugar. Dominic pegou as minhas mãos geladas. — O poder
só é tomado quando dois impérios estão dispostos e uma vez que o contrato
nupcial for assinado, o selo da promessa será derramado. Assim, pelo poder
instituído nas leis dos fundadores, é justo que se comprometa com o sangue
real, abdicando-o em razão de estar ligado à proteção dos fundadores. Se
apresentem.
Um frio na barriga me saudou quando os olhares curiosos me
acharam. Expirei pela boca, querendo acalmar meu coração. Procurei os
olhos de Dominic que me aqueceram, me deixando menos nervosa. Suas
mãos apertaram as minhas e me senti quente.
Meu pai, que guiava o rito, esticou em sua mão o contrato nupcial
reconhecido pelo conselho nos últimos dias.
— Augusta Vendetta Ashilla, pela promessa de sangue, você
reivindica o seu nome para se tornar única e exclusiva, dedicando sua vida
ao sobrenome Clifford?
A busca pelo controle da minha respiração foi a fio. A adrenalina
me sugou, me deixando agitada. Dominic me olhava atentamente, e não
ousei escapulir do rio que me confortava.
— Prometo — disse firme. Afastando todos os meus medos. Estava
realmente acontecendo.
— Pelo poder instalado no livro dos fundadores, e pela prova
contratual reconhecida pelas duas assinaturas presentes, Dominic Clifford
ocupa a maior cadeira na mesa. Vida longa ao rei e rainha de Bash — meu
pai disse em um rompante alto. — Que os afortunados sejam os mais
astutos!
— E que produzem em rocha sem deixar o outro cair — a plateia
presente foi como um coral.
Então em um singelo gesto, eu vi um leve inclinar de cabeças de
todos ali. E todos os pelinhos do meu corpo se arrepiaram.
Devoção.
Respeito.
Meu coração parecia sair pela boca.
Eu estava vidrada em suas ações. Deslumbrada.
— Vê amor? — Dominic sussurrou no meu ouvido e eu não tive
coragem de desviar o olhar das pessoas na nossa frente. — Vê como o
mundo é todo seu, minha rainha?
Dobrei o pescoço, me deparando com a expressão no seu rosto que,
arriscava a dizer, era a mesma da minha.
Adoração.
Excitação.
Queria beijá-lo.
Eu iria beijá-lo.
Sua mão encontrou a minha me puxando para a valsa. E eu fui.
Porque era dele. Era completamente entregue a ele. Eu o amava e faria
qualquer coisa por ele. Dominic era meu ar. E não há nada que eu não faria
por ele.
Juntei nossos rosto me embriagando no seu cheiro. Seu braço me
segurando no lugar. Me mostrando que o meu lugar era ali, perto do seu
coração.
Então mais uma vez e a última, eu tive que ser arrancada dali para
marchar em direção a morte, quando o ceifador chegou cobrando sua
dívida.
EXILADO

Subi as escadas determinada, encontraria o meu pesadelo e tudo


acabaria. Eu estava pronta para isso, tinha o peso de um ano cobrando uma
dívida grande demais. E a ansiedade me comia enquanto os degraus se
desenrolaram e a minha bolsa pesou.
— Cadê a pasta? — Martinez perguntou sem rodeios quando
atravessei a soleira da porta.
Adentrei o cômodo cautelosa, odiava todas as vezes que tinha que
olhar para sua cara e lembrar que ele tinha tentando me matar a sangue frio.
Cerrei os olhos ao redor da sala quase vazia, tendo somente uma estante de
madeira que ocupava toda uma parede com livros antigos.
— Aqui — estendi a ata revestida por um plástico amarelo e
Martinez olhou desconfiado, pegando o objeto de brochura. — O que vai
fazer com ela?
— Não é da sua conta — disse ríspido. — Está pronta para ver o rei
morto?
— Farei o que me foi pedido e nada mais — mantive a posição
firme, sem tremer as mãos ou vacilar com a respiração acelerada.
Martinez dobrou o pescoço e sorriu maldoso. Percebi seus passos
lentos em minha direção que logo pararam.
— Não brinque comigo, você irá perder — ameaçou. — Não pense
por um segundo que está um passo à frente, porque não é verdade. E se
pensa em fazer alguma coisa contra mim, desista.
Trinquei o maxilar com a raiva consumindo toda minha pele. Estava
farta dos seus joguinhos.
— O que te faz pensar que iria te enganar? Pelo que me lembro,
você me fez mentir. Você que tentou me matar. Você está jogando, eu só
quero a minha liberdade. Eu quero Dominic vivo como prometeu.
Martinez estalou a língua como se parecesse decepcionado.
— Você me decepciona assim, bela Augusta.
O nojo das suas palavras fez meu estômago embrulhar.
— Estou farta, só quero que me deixe em paz. Foi um ano sendo
cúmplice das suas artimanhas.
— Um ano se passou e você ainda continua viva — debochou
amargo. — É uma dádiva, não?
— Está admirado?
— Eu diria curioso, achei que tentaria me matar nesse um ano.
Acho que criei uma expectativa falha, porque vi o quão fraca você continua
sendo.
— Eu sou fraca por não tentar te matar nesse um ano? — ri amarga.
— Uau, isso realmente me fez pensar sobre a minha inteligência —
ironizei.
— Você jogou meu tempo fora. Acha que estar perto dos seus
inimigos te levou a algo? Achei que você enlouqueceria ao ponto de deixar
que Dominic morresse só pelo sabor da revanche. Mas você ainda não fez
nada, e tenho que dizer que estou terrivelmente decepcionado.
— Eu nunca me misturaria com a podridão. Nunca seria como
você.
Martinez soltou uma risada sem nenhum pingo de graça.
— Acha que não sei o que pensou esse tempo todo? Você queria
buscar um ponto fraco meu e falhou de novo Augusta, eu te dei uma chance
de ser igual a mim e você a negou todas as vezes que se recusou a sujar suas
mãos. Você é tão suja quanto eu, você se acha melhor sendo que mentiu
esse tempo todo como uma covarde de merda.
A raiva crepitou no meu âmago e mordi a língua com um olhar
mortal. A respiração irregular querendo me desestabilizar. Martinez estava
querendo me desestabilizar. Mexer com o meu psicológico como tinha feito
todos esses meses.
Hoje não. Hoje ele não ia me destruir.
— Você está enganado, Martinez, eu não tentei ser melhor do que
você. Eu não tentei ser uma coisa que eu já sou. Você não é nada, é somente
um homem solitário que tenta se apegar ao passado atrás de um lugar que
não existe. Se eu sou fraca por não sujar as minhas mãos, você é um tolo
por acreditar que um lugar escondido resolverá todos os seus problemas.
Ele gargalhou.
— Ah criança… Você não aprendeu nada! No final dessa noite vou
matar você e Dominic como fiz com o bebê de vocês um ano atrás —
minha espinha gelou quando despejou veneno puro, inflamando minhas
feridas e fazendo minha respiração falhar. — E você novamente não fará
nada, porque é uma covarde.
Uma raiva obscura me encheu, cegando-me de uma forma infernal.
Dei um passo para trás me sentindo em chamas, eu iria destruí-lo essa noite,
não importava o que sobraria de mim, eu iria vingar as minhas feridas.
Então percebi que dar o que ele queria não seria o suficiente, ele
queria corrigir o erro de meses atrás. O erro de me deixar viva. Ele queria
um embate. Ele queria que eu reagisse a tudo que ele tinha me tirado.
Porque eu não o tinha dado nada, ele não merecia nada, nem minha raiva,
nem minhas lágrimas, nem o meu confronto. Em todos esses meses, eu só
lhe dei frieza. Eu fui a sua vítima perfeita.
Com uma voz fria e totalmente diferente que estava acostumada a
brandar, empertiguei-me nas palavras amargas:
— Sabe por que esperei por tanto tempo para reagir?
— Covardia? — zombou.
— Você quer a coroa que eu ganhei sem muito esforço, você quer a
devoção que as pessoas têm por mim. Você é uma nada, Martinez —
despejei toda a fúria que tinha. — Espero que seja feliz dentro de um
caixão.
— Vai me matar?
— Eu não sujaria minhas mãos com você.
— Fraca. Decepcionante. Patética.
Martinez riu e algo se partiu dentro de mim. Eu queria despejar
tudo. Eu precisava disso. Eu sempre soube que sua intenção não era me
manter viva, na verdade, ele nunca quis manter nenhum de nós dois vivos, e
a troca da localização era só uma forma de me manter por perto enquanto
seu momento chegasse.
— Não. Eu só fiquei perto de você por achar que ia conseguir algo
que valesse a pena, que valesse o meu tempo. Só que por você ser um
grande merda Martinez, não vale o risco. Você não merece nada que venha
de mim! Mas ao contrário de você, eu sim consigo o que quero. E descobri
exatamente o que estava procurando.
— Você não sabe de nada — seu tom vacilou..
— Não? Acha que sou burra para não saber que ainda procura a
maldita mina? Acha que me esqueci das suas malditas palavras quando
estava correndo atrás de mim para me matar?
— Você sabe onde está a mina? — sorri sem dentes. — Por que está
falando isso agora? São palavras vazias.
— Por que escolhi esse dia para te falar isso? Porque queria que
você visse que eu tenho tudo que você nunca vai ter. Uma coroa. Uma
cidade. Uma família. Você é sozinho, Martinez, tornar-se ceifador te deixou
solitário. Nem o seu filho te suporta.
Mas ao contrário da raiva que esperava explodir dele, recebi um
brilho maldoso no olhar. Como se estivesse gostando de ser atacado, e isso
fez meu estômago embrulhar.
— Bom, estou feliz que tenha mostrado suas garras, bela Augusta,
isso me mostra que vai conseguir provar sua coragem no final da noite.
Meu olhar de horror não passou despercebido, e engoli em seco,
atônita.
— Eu não me importo com suas ameaças vazias, eu não me importo
se agora resolveu agir. Você ainda me deve uma promessa e eu não vou
parar enquanto ela não for cumprida. Eu não vou parar até que o último
Clifford esteja morto.
Como um milhão de facas. Foi pior do que planejei. Suas palavras
amargas cortando todo meu peito, tentando invalidar todas as minhas
esperanças.
— Eu quero a cabeça de Frederico Clifford ao final da noite, e você
vai me dar ela — ordenou, fazendo meu estômago embrulhar. — Só assim
não matarei Dominic, foi o nosso acordo. Você fez um acordo com a morte.
Mas Martinez não sabia que as mentiras eram tudo que eu tinha, e
eu não tinha nada mais a oferecer senão elas. E eu não me importava em
quebrar promessas. Eu não me importava em ser uma mentirosa.
Então decidi que não poderia esperar até o final da coroação, não
poderia deixar que ele tentasse mais uma vez matar a minha família para só
assim intervir. Eu não poderia deixá-lo ir embora mais uma vez com a falsa
vitória. Eu não poderia esperar pela sua sentença.
— Eu não vou matar Frederico Clifford, e isso acaba aqui. Não irei
mais ouvir as suas ameaças. Se quiser, faça você mesmo, como fez com
todos os outros Clifford. Como fez com o tio David na fábrica.
— É um péssimo momento para agir, Augusta, não é porque a
mansão está cheia que não posso tentar te matar de novo. Como você
mesmo sabe, eu deveria corrigir esse meu erro trágico. Te deixar viver foi
um erro.
Mas em uma ação rápida, alcancei a minha bolsa:
— Você tem razão, Martinez, não é porque a mansão está cheia que
não posso te matar. E não, me deixar viver não foi um erro. Foi a sua morte.
Então estendi a arma que tinha guardado comigo há uma ano, a
arma que tinha tirado as perguntas mais inquestionáveis de mim. Que tinha
arrancado a minha coragem, me pressionando se eu teria mesmo coragem
de matá-lo.
Os passos de Martinez vacilaram para trás e eu avancei dois,
atingida pela cegueira, sentindo todo meu corpo em equilíbrio com a minha
mente. Eu queria isso. Eu queria matá-lo.
A minha mão não tremeu. E a dureza do meu braço inflamou a
minha coragem. Um fôlego. Mordi os dentes. Todo sangue perdido
encharcando a minha razão. Ouvia os meus próprios gritos. Ouvia o meu
próprio desespero.
— Você não merece viver, Martinez.
Seu olhar foi cuidadoso. Ele parecia não estar com medo, pois se
manteve quieto, aguardando que eu atirasse.
— Vai me matar? — sua voz não emitia emoção.
— Vou — e as minhas palavras eram tudo que eu tinha.
Então eu senti que tinha tudo nas mãos, apesar de Martinez
demonstrar uma posição imponente, quem estava com a morte era eu. A sua
soberba em achar que eu não ia reagir o cegou. O levou para longe dos
meus objetivos. Martinez estava encurralado. Eu estava no controle.
— Sem negociações dessa vez?
A raiva salpicou minha língua selvagem.
— Você me deu escolha quando matou o meu bebê?
Seu pescoço dobrou e eu me perguntei se o seu olhar tinha ido até a
porta. Seus passos vacilaram.
— Então agora você é igual a mim? — as palavras cheias de
veneno não me atingiram.
— Não, agora você está igual a mim. Correndo como um rato.
Martinez soltou uma gargalhada forçada. E talvez eu estivesse
atordoada demais para notar qualquer reação diferente do seu corpo em
defesa.
— Eu duvido que atire, são ameaças vazias. Como a localização da
maldita mina que você não sabe. Está blefando. Como tudo que faz. Está
mentindo.
Destravei a arma e o barulho estalou entre nós.
— Ainda duvida?
Martinez ficou quieto e aquele era o momento perfeito. Todas as
lembranças me arrebataram, e eu me vi realizar o desejo que tanto reguei ao
longo dos meses. Martinez estava ali, eu podia arrancar dele a mesma coisa
que fez comigo. A vida. Ele tinha tirado uma vida de mim sem pestanejar.
Senti a raiva nascer genuína e fatal no meu âmago. Eu poderia fazer
isso.
Mas depois…
Tudo era nada. Matar Martinez tinha se transformado em nada.
Porque ele iria deixar esse mundo com todas as mortes que tinha acumulado
para trás. Depois da sua morte, tudo que sobraria era nada. Eu iria ficar sem
nada. Eu apodreceria.
Travei o maxilar ainda com a mão muito firme.
Eu não podia matá-lo, eu não queria me tornar como ele. A
vingança não iria me tomar. Eu iria domá-la. E eu poderia ser pior, matá-lo
não era suficiente. Eu tinha que tirar tudo dele. Como ele tentou fazer
comigo.
Então, eu abaixei a arma.
Martinez riu em deboche.
— Viu? Patética. Tem tudo em mãos e está jogando a oportunidade
fora novamente. Como fez todo o último ano. Esteve perto da morte e não
quis pegá-la. Você me decepciona, Augusta. Você não é uma Vendetta,
porque os Vendettas não se acovardam. Eles vão até o fim.
Eu não tinha mais nada para falar. O vazio me abraçou, me
devastando. Era o fim.
Então fiquei estática quando seus passos vieram para a minha
direção, e eu me senti como um ano atrás. Como uma lembrança. Como um
pesadelo Prendi a respiração. Martinez marchou pisando duro. O meu
coração disparou, agitando todo meu corpo. Eu achei que ele iria me tocar.
Mas a porta já estava aberta, com policiais fardados prontos para
levarem Martinez. Karen Smith estava ali.
— Como ousam… — mas as suas mãos já estavam algemadas. —
Tirem a mão de mim!
— Martinez Reaper, você está sendo condenado — Karen puxou
um pergaminho preto, lendo: — Cláusula quatro, parágrafo dezesseis. Todo
aquele que tentar contra o sangue real tomará para si a punição mortal do
pacto de fidelidade.
O rosto de descrença de Martinez foi o que precisava para dar
singelos passo para fora do quarto. Dominic estava ali parado, encarando
Martinez com uma expressão indecifrável.
— Vocês não podem fazer isso — Martinez tentou se soltar mas foi
levado. A confusão estampada em seu rosto. E eu vi quando seu olhar
encontrou Dominic, e foi como se algo se partisse bem ali.
Dominic se manteve estático, totalmente impassível. E o meu
coração sangrou. Martinez era sua família. Dominic estava sendo partido de
novo e isso me machucou.
Acompanhei com os olhos eles descerem as escadas no final do
corredor. O peso invisível da dor ainda presente entre nós quando eu me
aproximei de Dominic. Busquei seu rosto com medo do que iria encontrar
ali, porque a verdade estava sendo exposta. Sua mão alcançou o meu
pescoço, no mesmo movimento que tinha feito minutos atrás.
— Tudo bem? — perguntei.
“Tudo bem” eu li em seus lábios. Mas não estava tudo bem. Todos
os seus pedaços estavam ali. Todos os nossos pedaços estavam ali, prontos
para se partir de novo.
— Está pronta? — perguntou e engoli em seco. Balancei a cabeça.
— Vamos fazer isso.
Dominic pegou minha mão e andamos pelo corredor atrás do
movimento, e o burburinho incessante disparou em algum lugar do salão no
final da escada. A minha conversa com Martinez havia sido exposta,
enquanto ele proferia palavras de ameaças, todos no salão ouvia. Martinez
estava sendo exposto.
Ninguém nunca soube o que de fato havia acontecido comigo, mas
em um rompante a cidade inteira estava sabendo. A cidade inteira estava
sabendo que Martinez havia tentando matar Augusta. Martinez tinha
matado o nosso filho.
Todos olhavam o para o ceifador contido pelos policiais. Sua
expressão rompia em raiva.
— Traidor! — a primeira voz desconhecida cortou o silêncio
acusatório, fazendo meu coração disparar.
— Mataram o filho da rainha!
— Martinez, o traidor!
E várias vozes em coro começaram a apontar seu erro. Minha
garganta secou, o choro querendo derrubar a barreira dura que tinha
construído nos últimos meses, que estava por um fio.
Três rostos decepcionados surgiram no meio da roda que tinha se
formado ao redor de Martinez. Era Davis, Hernandez e Garcia, seus rostos
impassíveis e sem expressão. Então apenas balançaram suas cabeças, sem
dizerem uma palavra e viraram as costas. Observei o rosto de Martinez que
pareceu mais furioso.
— Você acha que isso acabou, Augusta? — a sua raiva foi
direcionada a mim, arrancando-me um suspiro. — Você é muito burra em
achar que me tirando dará fim a séculos de trabalho. Isso não é um fim —
ameaçou, sem se importar quem ouvia.
— Eu não me importo se é um fim ou não, o meu objetivo era te
destruir, mas eu não iria pôr as minhas mãos em você. Não quando posso
deixar você me ver usurpar tudo o que você um dia quis.
Seus olhos me prometeram vingança. Mas ele não ia ter. Estava
tudo terminado.
Então um silêncio absurdo se deu enquanto ele era carregado para
fora da mansão.
Martinez tinha recebido como punição a morte.
A verdade tinha sabor de casa.
E casa tinha sabor de Dominic.
Suspirei baixinho quando sua mão alcançou a minha, levando aos
lábios. Ele estava dirigindo enquanto eu adorava a cidade através do vidro
escuro do seu Jeep e sorri ao pensar que manusear o seu carro era uma das
coisas que ele não abria mão. Ele não era muito fã de motoristas guiando
seu caminho.
Dominic mantinha um semblante sério e concentrado no trânsito e
eu admirava cada pedacinho do seu rosto que era iluminado por alguns
reflexos externos.
— Você está amargo — acusei, porque sua cara não era das
melhores há alguns dias.
— Eu não gosto de termos que sair de casa.
Estreitei os olhos, desconfiada.
— Por que não quer sair de casa? — não me lembrava de Dominic
ser tão caseiro. Na verdade, ele sempre gostou de estar em lugares
diferentes.
— Quer que eu liste?
— Por favor, futuro marido.
O sorriso de Nic expandiu e prensei os lábios, satisfeita por desfazer
sua carranca.
— Bom, depois da coroação, me sinto sem tempo, eu realmente não
acreditei que teria minha bunda alugada por tantas horas. Meu avô está
adorando me ver lutar com os Cheffts
— Você estava ansioso para isso, não reclame. Abrace a coroa
enquanto ela ainda é leve. E segundo?
Dominic cerrou os olhos para minha resposta quando paramos no
último sinal antes de chegarmos ao salão dourado.
— Eu achei que ao voltarmos a morar juntos te veria mais, mas
você está sempre sendo tirada dos meus braços. Isso é a pior parte. Estou
terrivelmente decepcionado e com saudades — disse, emburrado. — Não
estamos conseguindo ter nossos encontros.
— Não seja mimado, Nic, estamos todas as noites na mesma cama.
E temos tempo, sim. Estamos saindo toda semana para um lugar diferente
desde que me convidou para ter encontros — zombei a última palavra,
arrancando um fuzilar de olhos petróleo.
Estávamos tendo encontros românticos há alguns meses porque
Dominic disse que tínhamos que nos reconquistar. Eu não contrapus em
nenhum momento, eu amava cada detalhe nosso e estava me apaixonando
cada vez mais pela nossa nova versão. Dominic cuidava e amava cada
momento que tínhamos, e ficava mais disposta a amá-lo e cuidar dele.
O estrago que tínhamos feito um no outro era algo, e estavamos
trabalhando para curar as nossas feridas.
— Amor, temos um casamento em andamento. Tudo que menos
temos é tempo.
— Eu me sinto cheia de tempo, isso é falta de organização —
acusei e Dominic me olhou horrorizado.
— Está me dizendo que suas tarefas na Stilk estão fáceis?
— Eu sou uma pessoa organizada.
Chegamos ao salão dourado onde iria ocorrer o noivado de Polly.
— Estou dizendo que a organização é a chave de tudo.
— Tudo bem, senhora organizada — Dominic saiu do carro
primeiro, abrindo a porta para mim em seguida, e aceitei sua mão sendo
guiada para o saguão dourado.
Tiramos uma foto juntos marcando nossa presença, e aceitamos as
boas-vindas das recepcionistas sorridentes. Não deveríamos dar
cumprimentos a ninguém, pois éramos o rei e a rainha, tínhamos que ser
saudados, não o contrário. Então caminhamos para nossos acentos
marcados sem sermos interrompidos.
O salão estava incrivelmente cheio, não sabia de onde havia surgido
tantos convidados em tão pouco tempo de preparo. Mas eu previa que
metade daquelas pessoas não eram seus parentes reais, e só estavam ali por
um motivo: negócios. Assistindo mais um império sendo feito.
Nessa noite a família honrada era de Polly, então sua mãe, seu pai e
Nikolai, que já estavam ali, ocupariam as cadeiras próximas ao centro.
Abri o aplicativo de mensagem lendo os oito recados que Polly
tinha mandado no último minuto. Ela estava bufando de raiva pelo seu
noivado. E eu me encontrava um poço de frustração por não conseguir fazer
nada. Seu pai estava sendo irredutível nos últimos meses.
— Polly terá um infarto — sussurrei para Dominic, que montou
uma posição dominante em sua cadeira, com os cotovelos apoiado no braço.
— Seu destino para homens não é muito bom — se inclinou para
cochichar no meu ouvido e fechei a cara quando ele beijou minha bochecha.
— E não venha me dizer que gostava de Maximillian. Um frouxo que se
acovardou quando as coisas ficaram feias.
— Ele é um bom irmão — tentei defender, mesmo que de forma
falha.
— Os irmãos De Martino não são exemplos de fraternidade, amor.
Arqueei as sobrancelhas, a mesa sendo preenchida rapidamente
depois que sentamos. Dominic aceitou o copo que foi servido pela metade
com whisky.
— Mas só estou trazendo fatos — continuou depois que não o
respondi. — E pelo que me lembre, vocês poderiam estar casados hoje. Já é
motivo para eu não gostar dele.
Revirei os olhos, o assunto antigo demais para dar importância.
— Ele é melhor que Nikolai.
— Qualquer pessoa é melhor que um Reaper.
O peso do sobrenome pairou entre nós e Nic desviou a atenção,
sendo entretido por Carl, que começava destrinchar um assunto sobre a
AAB.
Martinez foi exilado, mas isso não significava que Polly estava livre
do seu destino. Nikolai, que parecia aéreo a toda situação, pediu
condolências depois que Dominic tinha proibido sua entrada no salão
dourado. O que tinha me causado uma grande surpresa.
A pedido de Carl Phillips, Dominic teve que aceitar sua volta aos
bailes, pois não havia nada que o impedisse de frequentar os eventos. E
Dominic era rei, não podia proibir sem uma pauta concreta só porque
queria. Suas ações eram frequentemente monitoradas. Apesar disso, não
fazia metade das ordens que lhe eram dirigidas.
Nikolai tinha negado saber sobre todo plano arquitetado do seu pai,
e diante do conselho seu pedido foi aceito pois seu histórico era limpo. Ele
parecia sincero, apesar de estar destruindo a vida da minha amiga.
O G5 agora tinha virado G3, Gonzales não conseguiu sua
restituição e Martinez estava preso. A data do seu julgamento ainda não
tinha sido marcada, e isso era muitas vezes motivo de discussão na AAB.
O tio Alek tinha chegado em um bom momento, ele sabia, pois a
saída de dois apoiadores mexeu com a Associação, e as águas foram
divididas, pois alguns Cheffts se afastaram. E vimos a influência que
Martinez tinha entre eles.
Um aperto na minha coxa direita roubou a minha atenção, e notei
que a nossa mesa já estava cheia.
Meu coração se partiu quando uma Polly silenciosa sentou à mesa
não olhando para ninguém. A maquiagem em seu rosto não escondeu suas
bochechas inchadas e olhos fundos. Eu queria fazer algo, qualquer coisa.
Mas eu não podia. Não conseguia. Interferir em um casamento estava além
do meu alcance.
Então Dominic levantou, fazendo os primeiros cumprimentos.
Saudando os noivos presentes e dizendo como éramos fortalecidos pelo
pacto nupcial. Eram palavras bonitas, e eu amava ouvi-lo falar. Amava seus
discursos e não perdia um. Mas naquela noite tudo parecia ruim. Tudo
parecia errado. As suas palavras não pareciam verdadeiras.
Polly estava vazia e isso me perturbava.
Assim que Dominic apresentou os noivos oficializando o
compromisso, um silêncio absurdo pesou sobre o salão e, como uma
manada, todos os olhares foram em direção ao saguão.
Os de Nic me encontraram e arqueei as sobrancelhas, querendo
saber o que tinha acontecido, e levantei da cadeira para seguir o seu olhar.
Suspiros altos.
Então uma risada.
Uma risada que por muito tempo achei que não ia mais ouvir.
Uma figura alta e loira se prostrou na porta do salão, e ouvi cada
um de nós perder o fôlego. De longe também consegui ver um sorriso
perverso, com mil intenções para cada um de nós. Uma vingança dolorosa e
particular para cada um que ajudou a foder a sua vida.
— Eu tenho uma pergunta — ele caminhou alguns passos, entrando
no salão. Todos os olhares atentos. — Não é errado uma pessoa se casar
duas vezes?
E ninguém ousou respondê-lo. Maximilian De Martini estava ali…
bem, acho que o nosso inferno estava realmente começando. Porque onde
Max estava, Francesca também estava. E que Deus nos ajudasse, a cidade
de Bash estava prestes a enfrentar o maior furacão da Costa.

FIM.
Se eu nunca achei que escreveria notas iniciais, um agradecimento
é o auge para quem desistiu de cada capítulos no mínimo dez vezes antes de
escrevê-lo.
Escrever esse livro não foi fácil, foi mais difícil do que esperava.
Porque não era só sobre escrever várias palavras em um dia e estava
satisfeita com o que me propus a entregar. Era lutar contra a minha própria
mente, lutar contra as minhas próprias críticas comigo mesma. Era sobre ser
menos maldosa comigo e me dar mais crédito naquilo que almejava.
Então publicar esse livro é muito mais do que um sonho, é provar
para uma garota de quinze anos que tudo valeu a pena. Que ela ainda
continua viva, que ela ainda pode conquistar o mundo.
Primeiro eu gostaria de dedicar um parágrafo inteiro a Deus, eu sou
uma pessoa movida pela fé, e não poderia deixar de agradecer imensamente
todas as maravilhas que Ele tem feito na minha vida nos últimos meses.
Antes de voltar a escrever e decidir de fato que iria me arriscar e
fazer a minha primeira publicação em 2024, eu tive que abrir mão de
muitas coisas para que eu percebesse que esse era o melhor caminho que eu
deveria tomar.
E bem, abrir mão e dizer não muitas vezes me feriu. Me perguntava
se tudo que estava passando valeria a pena, se eu me valeria.
Eu sou muito grata e feliz pelas minhas escolhas, e acredito que
Deus está sempre ali pertinho de mim me dando toda força e ânimo que eu
preciso para conquistar todas as coisas que quero.
Segundo é um parágrafo todinho para minha mãe… Jesus, o que eu
seria sem essa mulher maravilhosa que me apoia nas minhas pequenas
batalhas? Eu tenho certeza que nada seria igual se eu não tivesse o seu sim,
se eu não tivesse as suas palavras de conforto e incentivo me dizendo que
eu poderia sim continuar. Acho que é imensurável o que essa mulher tem
feito por mim nos últimos meses. Obrigada mãe, por ser a melhor mãe do
mundo!
E claro, não poderia deixar de escrever algumas linhas
especialmente para meus irmãos. Eu amo tanto vocês, vocês são tudo para
mim, eu amo ser amada por vocês e amo ainda mais ser irmã de vocês.
Obrigada por me fazerem felizes e serem o meu respiro fresco.
Para minhas leitoras do wattpad! Foi uma das experiências mais
incríveis que tive. Vocês foram essenciais para o meu processo de
descoberta e aceitação de que eu poderia talvez ser boa com as palavras.
Obrigada por serem a luz no meu dia, obrigada por me falarem palavras de
conforto, obrigada por terem paciência comigo em longos dois anos de
bloqueio criativo e insegurança, obrigada por me deixarem ser a autora
favorita de vocês!
Esse com certeza é a maior conquista para um autor, perceber que a
sua obra pode mexer com as suas emoções e ver que de alguma forma
aquele texto pode te mudar.
Um agradecimento especial a Yasmin, obrigada amiga por ter feito
tanto por mim. Obrigada por ter falado que meu paragrafo estava ruim e
que eu precisava melhorar.
Obrigada Evelyn por estar comigo nesses últimos dias e cuidar do
meu livro com tanto carinho.
As minhas lindas amigas, Leonor, Yasmin e Isadora, eu amo vocês
e amo tudo que a gente é. Obrigada por me apoiarem e serem a minha
equipe. Obrigada por serem as minhas pessoas.
Um carinho especial a minha design, as minhas parceiras
maravilhosas e a todas aquelas que fizeram de alguma forma, parte desse
lançamento.
Estou orgulhosa de mim, estou orgulhosa do que conquistei até
aqui. E bem, se você leu até o último capítulo, sabe que isso não é uma
despedida, e sim um em breve.

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