AUGUSTA
AUGUSTA
AUGUSTA
XOXO,
Theo
Ao meu pai, por achar que o único jeito de resolver problemas é gritando
conosco. Pai, você pode ter razão nas coisas que o senhor diz, mas quando
nos agride verbalmente, todas as suas falas se tornam erradas, e palavras
uma vez ditas, não tem como ser engoli-las pelas boca.
E esse foi o nosso erro, achar que algum de nós iria quebrar.
Porque já estávamos despedaçados, e não se quebra algo que já está em
estilhaços.
Assembleia: Reunião de pessoas que têm algum interesse comum,
com a finalidade de discutir e deliberar sobre temas determinados.
— Uau, isso realmente ficou bom — Fran sorriu para sua arte. —
Devíamos pôr alguma câmera escondida, uma grana a mais sempre é bem-
vinda.
Nós três estávamos na área estritamente proibida para mulheres:
acampamento masculino. A divisão da Academia era clara: meninos do
lado de fora e meninas do lado de dentro. Nessas horas, eu realmente
agradecia por ter nascido mulher, não imaginava como era ter que dormir
sempre em alerta e abraçada pelo mato. Não que os nossos quartos tivessem
algum tipo de luxo, considerando que tínhamos um colchão para cada uma,
o resto era tudo dividido aqui.
Senti um arrepio cortante em minha espinha, verifiquei a porta mais
uma vez. Ninguém vinha. Suspirei. Mas ainda mantive meus olhos em
alerta. Ao meio-dia era nossa melhor hora para pegar os quartos vazios,
segundo Polly, era quando os meninos tinham que fazer o exercício de rota
antes de se sentarem para comer, levava em média quarenta minutos a
corrida ao redor do lago, e contando com os que andavam mais rápido ou
trapaceavam, podia diminuir até dez, o que nos dava trinta minutos para
entrar, fazer a nossa travessura e sair.
Era o horário perfeito, pois todos os garotos eram obrigados a
cumprirem com a rota, do contrário, não tinham direito a comida. E eu não
me dignei a perguntar como sabia exatamente cada minuto que tínhamos e
qual tenda era especificamente a dele.
Eu estava nervosa, esse não era meu ambiente, e por mais metódica
e forte que eu parecia ser por fora, sentia-me uma manteiga derretida por
dentro. Então, tentava convencer o meu cérebro que isso era apenas mais
uma experiência positiva para o meu futuro de sucesso.
Eu era uma piada.
Com medo de a qualquer momento um professor aparecer, observei
mais cautelosamente por entre as tendas grudadas umas as outras…
— PRONTO — Polly se animou, assustando-me.
— Shiii… — murmurei, alarmada.
— Toma essa, cara de bunda, quero ver o que seus manos acham de
uma pele marcada.
Ouvi a risada de Fran.
— Cuidado, aqui também coloquei uma armadilha.
— Oh, oh, espera, espera, tenho outra ideia. Quantos minutos
temos, gatinha Gussie?
Olhei no relógio de pulso.
— Temos três minutos antes de entrarmos em risco.
— Mais do que suficiente.
Polly riu, e depois ouvi barulho de durex sendo arrancado.
Depois de dois minutos inteiros, Fran chamou:
— Qual a nossa nota de proficiência, professora?
Obriguei meus pés a darem passos e entrarem na tenda, cautelosos.
Em dois anos, nunca tinha chegado a entrar em um repouso masculino, pois
geralmente a entrada era meu limite. O lugar tinha um cheiro forte e
balancei meus ombros. Homens eram tão nojentos.
Entrando mais um pouco na tenda, o braço de Fran interrompeu
meus passos.
— Chão.
Paro e olho a linha quase transparente na altura dos meus joelhos.
Então, analiso o local. Varrendo por alto, tudo parecia normal aos meus
olhos: uma verdadeira bagunça com roupas no chão, cobertas mal
arrumadas, livros e papéis espalhados pelas camas… Eu não tinha perdido
nada em nunca ter vindo aqui.
Fran apontou para os filetes de linhas quase invisíveis esticadas, e
apontou para cima, para as barras de ferro que seguravam a lona, onde tinha
algumas pequenas bolinhas beges que eu não soube identificar o que é. Fran
apontou para o travesseiro, para os vidros violados e outros pontos
específicos da tenda, onde qualquer passo em falso alguém estaria ferrado.
— Como conseguiram colar tudo isso em tão pouco tempo? —
murmurei em aprovação. Estava realmente impressionada com a habilidade
das duas.
— Faço tanta coisa em menos tempo que ficaria surpresa — Polly
provocou e revirei os olhos.
Eu ainda era a única das três que não tinha tido relações tão íntimas
com garotos. Beijos e algumas mãos bobas pelo jeans não contavam.
— Aprovado? — Fran sussurrou.
Olhei no rosto das duas, rostos ansiosos que esperavam minha
aprovação. Eu ainda não sabia como me sentir em relação a elas sempre
arranjarem um jeito de me incluir em tudo que faziam. Mesmo que suas
ações não tivessem nada a ver comigo.
— Parem de me olhar assim, vocês são umas putas fodonas.
— Nós somos fodonas — Polly corrigiu e nós três rimos. — Agora,
vamos lá, estou pronta para o meu primeiro exercício do dia.
— Não sei como não te expulsaram.
— Como assim? — sorriu maliciosamente. — Eu cumpro todas as
lições direitinho.
— Acho que temos visões diferentes, Polly — Fran me empurrou
levemente para que eu seguisse um caminho oposto do que tínhamos vindo.
Começamos a andar por trás das tendas. — Vamos evitar confusão, não
quero receber lições desnecessárias.
Continuamos nossa caminhada silenciosa pela terra, entre a cortina
de cipós, galhas e folhas verdes derramadas pelas grandes árvores ao redor
das tendas. Normalmente, estamos tão ocupadas com os exercícios de
escalas e estudando que mal tínhamos tempo para apreciar a beleza verde
que cercava a academia.
Durante o mês, éramos realocados duas vezes em dormitórios
diferentes, tudo dependia da sua escala do mês e qual função iria realizar.
Toda a comida que comíamos, os lugares limpos que usávamos, os
“mimos” que recebíamos, dependia somente de nós. Da nossa própria mão
de obra.
Todo o luxo que tínhamos durante toda a vida, desde nosso berço,
ali era apagado. Ninguém tinha mais do que ninguém naquele lugar. Tudo
era conquistado. O condicionamento das nossas mentes eram testados a
todo momento.
Esbarrei no ombro de Polly quando ela parou de repente. Fiquei
tensa.
— O quê? — sussurrei, mas a mão de Fran tampou minha boca.
Direcionei minha atenção para onde elas estavam olhando. Senti
meu coração disparar com um sentimento desconhecido. Era um garoto,
estava sentado em um tronco e fazia alguns desenhos indecifráveis na terra.
Ele estava de cabeça baixa, o que deixava seus cabelos pretos balançarem
mais livremente com os movimentos mínimos que fazia com a cabeça.
Depois de alguns minutos, inclinou a cabeça para o céu, dando-nos a vista
do seu rosto.
— Oh, oh, é o novato misterioso — Fran se animou e observamos o
garoto por um tempo.
— Como vamos passar sem sermos vistas? Ele vai escutar nossos
passos — cochichei. — E eu não estou a fim de est-
— Estragar seu currículo perfeito — Fran cortou, zoando-me.
Depois piscou o olho e riu. — Entre nós, só há uma pessoa que gosta de
punições, Gussie.
— Vão à merda — Polly ralhou e voltamos a olhar o garoto. — Ele
é um gatinho.
— Um estrago para minha concentração em sala de aula — Fran
suspirou, e depois de alguns segundos, estalou a língua, como se uma ideia
tivesse despertado ela. — Tão sozinho… — As duas se encararam e franzi
o cenho.
— Oh, sim, parece meio perdido, não?
— Não? — falei incerta.
Mas as duas riram baixinho e algo nos olhos de Polly se iluminou
quando me encarou, e eu tremi quando as duas me olharam sugestivamente
— Eu tenho um plano.
Quando minhas amigas resolveram que eu seria o melhor plano
para distrair um garoto para que elas passassem despercebidas?
Sinceramente, queria saber qual o sentido desse plano falho.
— Eu ainda não entendi por que eu? Por que não tiramos no
jokenpô? — OK, eu podia estar um pouco nervosa e desesperada. Mas não
era justo elas terem decidido por mim, sem eu saber que estavam decidindo
algo.
— Eu me ofereci para ser guia dele mais cedo, ele não vai acreditar
que sou novata aqui. E ainda mais que estou perdida.
— Eu também — Polly se apressou a dizer. — Ele não vai acreditar
que estou perdida. Estou de faixa amarela hoje. — Olhei indignada em sua
direção, ela nem se importava em mascarar a mentira deslavada que saía de
seus lábios. Ela estava dormindo hoje de manhã, pelo amor de Deus! Sua
tarefa na cozinha já havia se encerrado há muito tempo.
— E se formos vistas juntas, vão desconfiar — Fran continuou. —
Mas se for só você, ele estará tão concentrado em seu corpo que nem notará
a mentirinha que sair dos seus lábios.
— Esse é um plano horrível — murmurei. — Eu sou a pior de todas
aqui, essa confiança em mim é questionável.
— Aaah, shiii, seu melhor ano de todos começa agora, gatinha
Gussie. — Polly empurrou meus ombros, me instigando a dar os malditos
passos para a morte.
— Você é a melhor, confiamos em você!
— Eu odeio vocês — murmurei enquanto caminhava
distraidamente para o centro das tendas. Esse era um plano horrível,
horrível!
Já um pouco longe do lugar onde estávamos escondidas, arrastei
meus pés pela terra seca e folhas sujas, fazendo minha presença ser notada.
Estava nervosa, não tinha confiança em mim o suficiente para esse
tipo de interação. Não quando se tratava de garotos, então não sabia o que
esperar e como reagir. Não lidava muito bem com o desconhecido.
Sempre via minhas amigas se dando melhor no quesito garotos e
provocações, então apenas observava suas artimanhas e joguinhos,
imaginando que talvez não achasse tão divertido assim. Na verdade, tinha
até tentado entrar nessa vibe um tempo atrás… Beijei alguns carinhas
legais… mas nada que me despertasse a fantasia de ficar falando sobre ele
dia e noite. Então, estava tudo bem em ficar de fora, não me sentia
confortável em flertar. Eu gostava do meu lugar de espectadora.
Ou talvez eu só não tivesse uma obsessão suficiente para ativar esse
meu lado. Aarrg, esse pensamento era tão idiota. Francesca sempre estava
me atormentando com ideias sobre meninos, podia ouvi-la em looping.
Jogando no agora ou nunca, deixei a covardia de lado e empinei o
rosto para observar à frente.
Quase perdi o fôlego.
Gelei meus pés no mesmo instante, sentindo uma palpitação
diferente no peito. Minha respiração acelerou, e sem entender como, fui
sugada pela imensidão escura de seus olhos, e por um momento ali parecia
o lugar perfeito.
Embora sua fisionomia fosse relaxada, sobrancelhas grossas, lábios
cheios, fios pretos e desarrumados. Não casavam com as expressões faciais.
Eles exploravam algo mais além.
Um arrepio me atingiu quando firmei minha atenção em seus olhos.
E senti-me consumida pelo desconhecido e por incrível que parecesse,
aquilo não me assustou, minha pele estava queimando, sentia-me quente.
Uma nuvem de calor pairava acima de mim, nublando sentidos, tampando
meus ouvidos, me inundado e deixando cega. Meu sangue corria e corria
rápido em minhas veias. Era quase excitante.
Era viciante.
Eu não conseguia me desgrudar.
Petróleo.
Olhos petróleo.
Seus olhos me queimando.
Olhos inflamáveis.
— Perdida? — sua voz me tirou do torpor e gostaria de saber
quantos minutos perdi o secando. Passei a língua pelos lábios e sorri
genuinamente.
Talvez agora eu quisesse ter uma obsessão por um garoto.
OSCAR
— Para de encarar.
— Eu não estou encarando.
— Então por que a única pessoa em que seus olhos estão focando é
Dominic Clifford?
Parei de olhar o dono do redemoinho de cabelos negros e foquei na
dona dos cabelos longos e dourados.
— O quê?
Ela me deu um sorrisinho zombeteiro, como se estivesse me
pegando no pulo.
— Quando vai falar com ele?
Fiquei em silêncio, não iria admitir que, desde o dia que fomos na
ala masculina, minha obsessão por esse garoto tinha aumentado em
proporções altíssimas. Fiz o meu dever de casa, pesquisando sobre o novo
príncipe de Bash, e digamos que agora sabia de quase todos os passos que
ele dava no Instituto, até os recentes quartos que estava frequentando
secretamente.
Não iria admitir que fui pega tão fácil por olhos perdidamente
escuros.
Fran me olhou divertida.
— Ou ainda está procurando algum defeito para poder desistir antes
de tentar?
Fiz uma careta. Eu já achei, e nem isso me fez parar.
— Não estou interessada — forcei um sorriso. — Você sabe,
garotos não são meu lance, números e estratégias, sim.
Estávamos sentadas no refeitório, uma de frente para outra.
Francesca estudou meu rosto e desviei os olhos para a mesa retangular à
nossa frente, onde testosteronas ambulantes almoçavam. Observei
atentamente quando uma garota ruiva sentou ao seu lado, e o abraçou. Acho
que o quarto dela era três depois do meu.
— Não vai me contar o que está tramando?
— Não estou tramando nada.
— Claro que está, já peguei você o cercando várias vezes. Eu sei
como age e sei que tem algo rolando.
Revirei os olhos. Ela não ia desistir.
— Talvez, só talvez, eu esteja curiosa, ou entediada o suficiente
para ficar perdendo meu tempo o observando.
Fran me olhou um pouco horrorizada. E depois gargalhou.
— Amiga, sinto dizer que você pode estar qualquer coisa aqui
dentro, menos entediada.
Dei de ombros. Parecia que se eu admitisse toda a loucura da minha
cabeça pareceria mais patético do que tendia a ser.
Ela continuou me perscrutando:
— Não… é mais do que isso… Já peguei você observando vários
caras, mas sempre desiste. E já tem algumas semanas que você o tem
cercado — ela falou. — Você está jogando?
— Não.
— Você sabe que só é possível jogar quando as duas partes estão
cientes, certo?
Me calei novamente, não iria admitir que esperava que ele me
notasse e sacasse o que estava acontecendo ao seu redor sem pistas óbvias.
Queria testá-lo, ver a sua reação.
— Então, vai me dizer que você não tem nada a ver com os casos
das garotas que foram parar na enfermaria devido a uma misteriosa alergia
na pele?
Olhei para ela de esgueira, semicerrando os olhos.
Não disse nada. Ela gargalhou.
— Você é a pior, achava que Apolline era vingativa, mas olha você
com dotes incríveis de possessividade
— Não sei do que está falando.
— Dominic está tão ferrado.
Riu mais alto ainda.
— Cala a boca, não há nada rolando.
— Isso é o que mais me assusta.
Revirei os olhos.
Poderia ser coisa da minha cabeça, mas eu era observadora demais
para não notar que ele também me olhava de esgueira. Notava quando eu
passava em sua frente, ou percebia a sutileza do clima mudando a cada vez
que a gente se encontrava pelos corredores do Instituto, nas alas de serviço.
Seu olhar intrigante sempre me prendia e sentia uma vontade enorme de me
aproximar.
Dominic passou a ser a primeira pessoa que eu reparava em
qualquer lugar e que fazia "questão" de ser notada.
Eu não sabia o que tanto me atraía nele, mas queria muito descobrir.
A curiosidade tinha gosto de adrenalina, fazia meu coração saltar e criar
cenas imaginárias que provavelmente nunca sairiam da minha mente.
Bufei.
Eu estava ficando louca. Era uma possibilidade. Mas se ele não
tomasse uma atitude e viesse falar comigo primeiro, desistiria e iria fingir
que nada tinha acontecido.
Afinal, por que eu daria uma importância maior para ele sem
receber qualquer coisa em troca?
— Errado — engasguei-me com o suco que já estava no meio da
garganta. Quase cuspi. Meus olhos lacrimejaram.
Pisquei rapidamente, não querendo crer que a minha imaginação
tivesse materializado um Dominic Clifford sentado ao meu lado e com o
cenho franzido, mexendo a boca para formar alguma frase que não
entendia.
Meu Deus, Dominic veio conversar comigo? Ou eu também tinha
ficado surda, além de estar levando a sério demais as fics com o garoto
novato?
— Entendeu? — Continuou. E a sua voz era grossa, mas suave. Ele
estava sendo delicado?
— O quê?
— Terra chamando Augusta! — Ouvi estalos de dedos e olhei para
uma Francesca com os olhos brilhantes de excitação. — Dominic estava
perguntando qual era o nosso toque de recolher.
Analisei a pergunta e revezei o olhar entre Francesca e Dominic.
Isso só podia conter duplo sentido, já que o toque de recolher tinha o
mesmo horário para todos.
Com certeza ia rolar algo clandestino.
— Não, você disse outra coisa. — Concentrei-me em seu rosto.
Suas sobrancelhas estavam arqueadas e seu olhar tinha um ar de desafio.
Eu tinha perdido algo.
Ele molhou os lábios.
— Disse?
Então, ele mexeu os lábios novamente.
… segunda fase?
Concentrei-me no seu sorrisinho nada discreto me perdendo por
alguns segundos ali , fascinada pela expectativa. Semicerrei os olhos para
minha amiga, que acompanhava atentamente nossa interação.
Balancei a cabeça, não acreditando no que estava rolando.
Dominic me lançou uma piscadela antes de voltar ao seu covil.
— Vão com calças e botas, não se sabe o que pode encontrar em
uma mata à noite.
Abri um sorriso largo nos lábios.
— Parece que finalmente vamos jogar.
E… Caralho! Ele finalmente veio falar comigo!
Polly modelo top 10: Espero que tenha chegado porque estou
furiosa.
Polly modelo top 10: Você não vai acreditar o que descobri.
Polly modelo top 10: Prepare meu caixão, pois Bash não terá a
honra de me ver nas passarelas nos próximos dias.
Polly modelo top 10: Eu odeio homens.
Noiva.
Uma realidade distorcida que nos levaria para a morte.
Uma vez eu sonhei com esse dia, Dominic me pedindo em
casamento e nós sendo reverenciados como a nova família real que
construiria o maior império de Bash. Éramos bons juntos, e eu faria
qualquer coisa por ele.
Esse sonho, no entanto, havia sido destruído e uma parte da nossa
história havia sido rasgada em pedaços, deixando o puro e pavoroso rancor.
Uma gargalhada baixa me tomou e os olhos dispersos da mesa em
que estávamos sentados me encontraram curiosos.
Cerrei os olhos para o homem ao meu lado que despertava o meu
pior, suas esferas brilharam de expectativa esperando a minha reação.
Então, naquela noite, eu olhei firme para o meu pesadelo e sorri.
Porque se o senhor Clifford sabia das intenções do casamento, ele também
sabia. Ele queria brincar comigo de novo.
Os olhos atentos se arregalaram levemente quando me levantei da
mesa.
Dominic parecia extasiado ao meu lado, seus orbes tinham um
brilho conhecido e me perguntei o que mais lhe agradava: a surpresa das
pessoas ou me ver como centro das atenções.
Todos aguardavam a minha primeira reação. E eu não poderia ser
menos fria.
Porque minha voz já não valia de nada naquele momento. E o meu
pai sabia disso, pois não se importou quando o fuzilei furiosa pronta para
desmanchar toda essa merda.
Um sorriso orgulhoso brotou nos lábios de Dominic e a raiva
crepitou amarga em mim. Ele não estava nem aí para a minha reação ou
para o que eu achava do noivado forçado. Ele apenas observava diabólico
os murmúrios que explodiam ao seu redor. Adorando o caos.
Saboreando a confirmação da coroa que, em breve, assentaria em
sua cabeça. Porque era isso que ele queria. A coroa que conseguiria através
do casamento.
Travei o maxilar pisando duro quando afastei a cadeira e segui para
qualquer lugar que não fosse o centro.
Eu tinha que respirar.
Fui para sala que tinha como minha e a tranquei. Encarei o grande
quadro que tinha atrás da mesa. Dominic e Augusta em seu primeiro baile
de debutantes. Por que merda aquele quadro ainda estava ali?
Fechei os olhos, atordoada. Meu celular apitou em mais mensagens
que eu não queria ver. Mensagens que me atormentavam como um maldito
pesadelo.
Fuzilei a foto registrada anos atrás. A maçaneta da porta mexeu e
rangi os dentes quando ela abriu sem nenhuma dificuldade. Cabelos pretos
atravessaram para dentro junto com uma frieza inabalável.
Dominic era o anfitrião, ele tinha todas as chaves. Engoli em seco
quando a sala diminuiu de tamanho com a sua presença.
— Você não pode entrar aqui.
Um sorriso maldoso.
— Eu já entrei, bruxa.
O trinco da porta mexeu novamente, dessa vez trancando nós dois
para dentro. Cerrei os punhos, as unhas machucando minha palma.
— Por que está aqui?
— Minha noiva não pode estar sozinha.
— Não estamos noivos.
— Claro que estamos.
— Por acaso a loucura chegou mais cedo? — debochei e seus
passos felinos se aproximaram. Medi a distância perigosa entre nós. Estava
encostada na mesa e ele a bons cinquenta centímetros de mim. — Por que
está fazendo isso? O quão louco ficou com essa história toda?
A loucura era a única resposta que eu encontrava.
— Desde quando você sabia disso?
— Eu não sabia.
— Mentiroso da porra.
Seu sorriso rugiu diabólico.
— Aprendi com a melhor.
A fúria me consumiu, despertando todos os meus sentidos.
— Eu sinceramente achei que os genes eram hereditários, seu avô
parecia tão inteligente. Mas esse seu cérebro parece ter a capacidade de
raciocínio igual a um mer-
— Augusta — disse sombrio e explodi.
— Agora está me repreendendo? Você não vê o quão babaca se
torna a cada dia que passa? Eu não sei o que vi na sua cara quando me
apaixonei por você! — Avancei e levantei a mão para empurrar seu corpo
da minha frente. — Pare de jogar comigo!
— Para! — Dominic segurou meus pulsos com força. Não me
deixando sair.
— Parar? — Parar? Puxei minhas mãos das suas e aproximei meu
rosto do seu com fúria. — Quer saber? Tem razão, temos que parar, isso foi
longe demais. Eu vou acabar com isso agora mesmo!
Decidida, mergulhei em suas íris escuras querendo despejar fúria
dentro dele, querendo arrancar a sua reação mais selvagem. Estava
fervendo. Não aguentava mais. Ele só poderia estar louco, todos estavam
loucos. Então, apertei meus punhos e segurei o baque. Mesmo sem saber se
estava preparada para as consequências.
Tentei me manter firme e não cair quando me senti sendo invadida,
quando Dominic não me poupou nada, me entregou tudo dentro do seu
abismo infinito. Perdi o fôlego quando sua mão alcançou o meu pescoço,
me devolvendo para a mesa e me prendendo com o seu corpo.
Seus olhos me consumiram, me deixando presa. Fazendo com que
lembranças do passado ameaçasse quebrar a barreira de mentiras que tinha
construído entre nós.
E foi como uma avalanche, todas as informações estavam ali, puras,
selvagens. Senti minhas pernas fraquejarem com a ciência da nossa
proximidade. Meu coração batia descontrolado e respirava agora o ar fresco
de menta que saía pelos seus lábios entreabertos.
Fechei os olhos, não podia perder o foco.
Agora não. Não podia deixar isso acontecer.
— Tá se queimando no seu próprio fogo, pequena bruxa?
Seu sorriso era diabólico, e senti minhas entranhas se remexerem.
Não. Abri os meus olhos para encontrar raiva e malícia nos seus, ele me
olhava atentamente.
— Você age como se fosse a porra de uma vítima, mas quer saber?
— Sua voz reverberou por todo meu corpo. Rude e grosso, rompendo
barreiras frágeis demais. — Está surtando à toa. Porque você poderia ter
negado o noivado na frente de todos que ninguém iria se impor contra a sua
fala. Você é a herdeira mais cobiçada de Bash, amor, e sabe que nem
mesmo seu pai poderia ir contra sua recusa. — Uma risada sensual soou
arrepiando todos os pelinhos do meu corpo. — Então, sabe por que não
negou a imposição? — O aperto em meu pescoço aumentou e senti meu
coração disparar. — Porque você quer isso, bruxa, quer isso tanto quanto
eu. Você adora a sensação de adoração, adora ser o centro. Você não é a
vítima, bruxinha, então me agradeça pela coroa.
Meus olhos lacrimejaram de raiva e os dedinhos do meu pé se
contorciam de excitação. Porra, estava completamente embriagada.
— Desde quando você sabia disso? — sussurrei atordoada, ainda
paralisada em seu aperto.
— Eu não sabia.
— Para de brincar comigo, Dominic. O cacete que você não sabia.
— Engoli em seco para dizer as próximas palavras: — Essa é uma péssima
ideia porque corações machucados não sabem o querem.
— Eu não me importo.
— Não somos bons. — Senti sua respiração mais perto do meu
rosto. Estava pronta para despejar toda nossa merda no ar. — Cada loucura
dura o suficiente para nos manter sãos.
Dominic vacilou por segundos antes de falar:
— Lembra da nossa primeira festa no Instituto?
— Não.
Eu não queria relembrar o passado. Balancei a cabeça negando.
— Presta atenção — falou firme, então puxou os fios de cabelo da
minha nuca, e fez com que eu respirasse todo o ar que ele exalava. Puxando
minha cabeça, fazendo meus olhos prestarem atenção em cada maldita
palavra de sua boca. — Foi uma das noites mais insanas da minha vida. —
Sentia meu mundo girar com a lembrança. — Foi a nossa terceira aposta.
Eu nunca me esqueci, porque foi quando tive certeza que você estava por
trás de tudo. Sempre. Foi quando te vi e tive a certeza de que, o que
estivesse acontecendo naquele momento, era para sempre. A nossa loucura
era para sempre, e depois que entramos por aquela porta, nada seria igual.
Nosso mundo nunca seria igual ao dos outros.
Seus olhos eram fatais, me desafiavam a lembrar de coisas que eu
tinha guardado a sete chaves. Porque eram momentos, os melhores.
Guardei-os para manter minha sanidade a salvo, e eu não estava disposta a
lembrar com ele o que a gente tinha perdido.
Todo o clima agitado tinha ido embora, o sangue quente que corria
de raiva pela situação, agora corria em brasa pela proximidade.
Ele tinha avançado as barreiras.
— Desfaça esse noivado — sussurrei e meu coração quase saiu pela
boca quando seu hálito soprou meus lábios.
— Isso é impossível, bruxa.
— Dominic…
— Não — ele soou amargo. — É impossível te deixar ir embora,
você não entende?
Molhei meus lábios. Minha mente estava confusa, com raiva, mas
queria respostas, queria saber o porquê insistia nesse noivado, e ainda tinha
que lidar com meu corpo traidor querendo ceder.
Por um tempo fomos bons… Não, na realidade, éramos perfeitos
juntos. Onde um começava o outro terminava. Éramos uma extensão um do
outro. Até que um dia não fomos mais, e éramos egoístas demais para
deixar o outro ir. Eu era egoísta demais. Como um maldito cão que não
consegue largar o osso. Então começamos com os joguinhos mentais, o
partir de corações e feridas passadas sendo abertas cada vez mais.
— Pare. Eu preciso que paremos com isso.
— Eu não estou fazendo nada, amor. — Seus olhos brilharam em
malícia, e saltei para o lado. Sabia o que iria fazer. Mas ele avançou
novamente, entrando no meu espaço. Eu senti a mesa em meus quadris.
— Não… — Dominic ia jogar com a tensão, dispersar meus
sentidos e tentar jogar meu objetivo para longe, precisava me manter
afastada.
Pelo menos por ora, até eu ficar longe o suficiente.
— É humanamente impossível estar no mesmo cômodo que você e
não querer te tocar.
— Eu te odeio — disse entredentes, e ele apenas esticou seus lábios
fechados.
— Quantas maneiras você pensa em me matar antes de me querer
grudado em suas costas?
Dominic estava jogando baixo.
— Cala a boca.
Ele abriu um sorriso sem dentes e procurei seus olhos em completo
desespero, e encontrei tudo aquilo que me foi prometido um dia: a mais
bela e genuína raiva, misturado com toda dor que um dia sentimos.
Uma grande onda estava se formando, ameaçando destruir o
resquício de força que ainda tinha. Eu sabia que em algum momento tudo
viria à tona e teria que pôr todos os pingos nos is, e todo jogo doentio entre
nós teria um fim. Tínhamos contas demais em atraso, e talvez ainda não
estivesse pronta para pagá-las. Não sozinha.
Então riu amargo, sem humor, ele estava me provocando.
— Jogue comigo uma última vez, bruxa, e talvez a ideia de te
deixar em paz comece a parecer interessante.
— Não.
Mas ele não parou, continuou avançando. E sentia a mistura de
raiva com adrenalina, queria sair daqui, mas também queria enfrentá-lo.
Havia pura fúria entre nós.
— Dominic... — engoli em seco, tentando uma última vez.
Mas ele somente me olhou com aquele semblante fechado,
bloqueando tudo que eu estava procurando.
— Eu não posso fazer isso com a gente — uma tranquilidade
assustadora o embriagava.
— Isso não vai ficar assim — desafiei.
— Estou contando com isso.
Então, antes que eu percebesse, sinto minha mão sendo puxada
junto do meu corpo, e sou empurrada para o centro do quarto.
— Dominic — chamo, percebendo sua intenção. — Não se atreva.
— É como nos velhos tempos — disse loucamente e meu coração
saltou desesperado.
Merda.
Luto para tirar minha mão da dele, mas é tarde demais para isso
também, meu corpo está muito ciente do seu. Todos os meus sentidos são
nublados e nós estamos tão colados um no outro que sinto seu corpo
musculoso me enlaçando. Sinto minhas pernas fraquejarem e o ar sair com
dificuldade dos meus pulmões quando sua mão faz um caminho tortuoso de
conhecimento pelas minhas costas.
— O que está fazendo?
— Dançando com a minha noiva.
Ele estava louco.
— Pare com isso — ameacei e ele ignorou. — Não estamos noivos.
— Você tem bons meses para aceitar a coroa, bruxa.
— Eu não vou usar uma coroa — quis ser firme, mas tudo pareceu
doer fisicamente quando a frase teve um gosto amargo na minha língua.
Sua mão, que segurava meu cabelo com possessão, ficou firme,
trazendo minha atenção novamente.
— Um dia, quando parar de mentir, verá que um trono será a única
coisa que te restará.
— Você está louco.
Então, ele sorriu loucamente.
— Eu vou te perder de qualquer jeito, por que não me assegurar de
que você terá seu inferno para sempre?
Engoli em seco, o arrepio perpassando todo meu corpo.
A nossa ruína estava próxima, não aguentaríamos outra batalha.
Armaduras gastas nunca prometiam uma boa defesa.
Elas eram falhas. Meu celular tremeu no meu bolso e rangi os
dentes.
Então, eu jogaria. E, quando tudo terminasse, deixaria todos
destruídos.
QUENTE E FRIO
Okay, talvez o meu melhor talento não seja correr. Apesar das
atividades físicas do Instituto, e ter uma média de boas notas altas, o quesito
físico deixava a desejar quando tinha que pôr à prova.
Os jogos de esquadrias às quintas eram exemplos vivos, pois
fazíamos uma série de atividades físicas em um perímetro quadricular de 20
mil metros e eu não era uma das primeiras a concluir as tarefas. Não que eu
me orgulhasse dessa parte, mas estava feliz com meu intelecto e sentia que
não seria relevante no meu futuro alguns tipos de esportes.
O que no momento era completamente irônico, eu precisar fugir e
essa agilidade não combinava comigo. Tendo então que optar pela
criatividade, já que assim eu seria mais útil. Pelo menos em parte, já que
meus objetivos de me esconder haviam mudado.
Eu pensei em desistir de me esconder, estava disposta a abandonar
o que nem tinha começado pelo simples fato de estar com medo. Era
estranho sentir adrenalina no sangue sem realmente precisar fazer algo
radical. Sentimento parecia algo perigoso.
Se antes eu estava obcecada sem nem mesmo ter um diálogo com
Dominic, e agora? Não confiava nas minhas emoções, e mantê-lo longe era
a melhor opção. Então, repeti que era apenas um joguinho irrelevante e que
não era nada de mais esse disparar de coração.
O que também não deu muito certo porque, quando estava a
caminho do meu quarto, desisti, e decidi que eu poderia seguir as minhas
emoções por esta noite e somente esta. Afinal, era somente uma noite, e eu
não teria outra chance de estar tão perto dele de novo.
Então, recostei-me no tronco, à espreita, pois o jeito era procurar
um lugar que me tirasse do seu campo imediato de visão.
Pensei em subir em um pinheiro por ser mais alto, mas eu teria que
ter o senso de humor muito grande para escalar a árvore em poucos
segundos. Então, eu estava completamente esticada e deitada em cima de
um dos troncos de uma árvore grande e cheia que encontrei a poucos
metros, ela se entrelaçava com outras que tinham galhos mais finos, mas as
suas várias ramificações de troncos grossos e cheios de folhas me deram
segurança para tentar me camuflar nela.
Tentava ficar o mais parada possível, querendo prender a respiração
para não denunciar a minha presença. Evitei a todo custo olhar para baixo,
era alto demais.
Enquanto imaginava em que momento aprendi a escalar uma
árvore, a rigidez tomou meu corpo ao me atentar no som de passos
quebrando galhos no chão. Fiquei rígida ao ouvi-los arrastando a terra. Eu
não tinha certeza, mas achava que haviam se passado eternos trinta minutos.
Soltei o ar pela boca.
Era um sentimento estranho, toda essa expectativa de querer ser
encontrada, mas, ao mesmo tempo, não querer ser pega. Ansiedade zumbia
meus ouvidos, deixando que o meu coração fosse ouvido em todo meu
corpo. Os meus sentidos estavam aflorados, conseguia sentir o vento gélido
que soprava por cada fio do meu corpo e tudo parecia mais intenso. Até a
noite pareceu mais escura e a lua mais brilhante daqui de cima, ela estava
tão perto, como se eu pudesse tocá-la e guardá-la somente para mim.
Fechei os olhos por alguns segundos, tentando manter o equilíbrio
que o meu coração descontrolado não tinha.
Estava sendo caçada, meus pelinhos se arrepiaram e uma ânsia
gostosa preencheu meu íntimo.
Não queria pensar em como vim parar nessa situação, nem no que
isso implicava. Porque todo o sentimento da espera, do desconhecido, da
incerteza… Chegava a ser excitante. Mordi meus lábios tentando controlar
minhas mãos.
Eu odiava esperar, mas esperar por Dominic parecia valer a pena.
Ouvi mais passos e uma voz soprou um pouco longe, mas ainda
assim audível. Relembrei todo meu corpo de não se mexer.
— Eu sei que está por aqui. — Os passos se arrastaram e parei um
pouco de respirar. Queria vê-lo. — Quero te dizer que te dei mais de vinte e
seis segundos — riu sozinho. — Fiquei feliz por não ter te encontrado em
nenhum dormitório. — O barulho de folhas cessou. — Porque eu fui até lá.
Estava de bruços no tronco, então inclinei minha cabeça um pouco.
Dominic ainda não estava no meu campo de visão.
— O que significava que você estava aqui fora, e isso me animou…
— continuou falando e revirei os olhos. Sua voz estava mais próxima, mas
ainda não conseguia vê-lo, e tinha receio de me inclinar mais e ser vista, ou
até mesmo cair. — Saber que você poderia estar em qualquer lugar, e isso
me soava instigante, na companhia do escuro e ninguém mais por perto —
soou provocativo e sabia que ele tinha se aproximado, sua voz estava mais
clara. Era quase como se estivesse do meu lado. Dominic devia estar
debaixo da árvore onde estava.
— Isso soa bom para você também, Augusta? — Não sabia que o
meu nome poderia soar tão bem, era quase melódico saindo de sua boca. —
Porque, para falar a verdade… — Fiquei mais estática do que já estava e
quis arrancar meus próprios lábios por saber que um sorriso estava
crescendo. Meu coração estava disparado de ansiedade e queria realmente
saltar da árvore e acabar com essa aflição. — Para falar a verdade, me soa
mais como quente olhando daqui. — Meu coração parou ao ouvir a sua voz
perto demais de mim, virei o rosto como reflexo e quis lhe socar a cara pelo
susto. Me remexi rapidamente, sentando no tronco.
Dominic estava atrás de mim, sentado no tronco do meio da mesma
árvore que eu estava.
— Puta que pariu. Quer me matar?
Estalou a língua.
— Você estava concentrada demais no barulho dos meus pés.
Meu coração ainda estava acelerado pelo susto e sabia que estava
longe de acalmar quando Dominic se mexeu e sentou no mesmo tronco que
eu estava. Estávamos montados nele, um de frente para o outro, e mordi os
lábios quando nossas pernas encostaram. Minhas emoções se misturaram
em um bolo colorido, o susto se transformando em excitação.
Encarei suas infinitas íris e elas me presentearam com calor. E já
não sentia mais necessidade de esfregar as mãos para afastar o frio.
Soltei a respiração pela boca. Ansiedade me cutucando. Queria
chegar mais perto dele, então reuni coragem suficiente para arrastar minha
bunda e colocar as minhas pernas por cima das dele. Dominic segurou
minhas mãos, cruzando nossos dedos, e colocou-as no meu colo. Eu
gostaria que ele falasse meu nome novamente.
— Você queria ser encontrada?
— Eu queria ser encontrada — soltei em suspiros, satisfeita em
falar o que estava me atormentando nos últimos minutos.
Dominic sorriu, agora muito perto do meu rosto, podia sentir a sua
respiração se mesclando com a minha. Será que as batidas do meu coração
eram audíveis? Eu as ouvia fortemente em meus tímpanos.
Sem desgrudar nossas mãos, ele roçou seu nariz no meu, e as
malditas borboletas voaram sem a minha permissão. Seu toque em meu
rosto era delicado e fechei os olhos automaticamente. Estava sendo levada
por ele, não sentia somente meus pés flutuando, mas todo o meu corpo. Eu
queria que Dominic me beijasse. Queria me afundar em seu perfume
inebriante e abraçá-lo como nunca quis. Era diferente, a maldita expectativa
me causava pensamentos ansiosos e toda a minha pele o chamava. Queria
ser tocada por suas mãos.
— Pronta para procurar seu tesouro? — sussurrou e fiquei um
pouco frustrada pela quebra do momento.
— O que tem em mente? — Abri os olhos e Dominic estava
concentrado no meu rosto. Tinha um leve sorriso nos lábios e eu
desconfiava que a minha voz não tinha saído mais animada.
— Eu tenho uma ideia. — Seus olhos brilharam em malícia e algo
no meu ventre se remexeu.
— É serio isso, porra? Vocês não têm outro lugar para fornicar a
não ser no meu apartamento?
Ouço murmúrios em meus ouvidos e abro os olhos, dando de cara
com Zaki McCall com uma colher na mão, levantando uma calcinha fio
dental na cor vermelha na frente do meu rosto. Bocejo, não entendendo
nada do que foi dito.
— Fornicar? De onde saiu isso? — bocejei novamente, abrindo os
olhos
— Isso é fetiche? — reclamou de novo e me espreguicei no sofá,
procurando pelo meu celular.
— O quê?
Ele bufou e eu franzi o cenho, não entendendo o porquê da
irritação. Olho a tela do celular vendo que estou quinze minutos atrasado,
meu avô iria me matar. Odiava perder a hora. Comecei a fazer a rota
mentalmente até a mansão, com sorte teria um copo de café me esperando.
— Incrível o poder de uma boceta — ralhou e empurrei sua mão
para longe de mim, me sentando.
— Cala a boca, estamos atrasados. O trânsito deve estar uma merda.
— Atrasado pra onde?!
— Porra, pra onde? Bebeu? Eu que estou com delay e você que não
sabe que tenho que me encontrar com meu avô às seis?
Zaki tombou a cabeça para o lado e abriu a boca rindo da minha
cara. Mostrei-lhe o dedo do meio.
— Cara, que porra aconteceu com a sua mente? Que viagem louca é
essa?
Levantei o dedo médio da outra mão.
— Hoje é sábado, e pelo que me lembre, suas responsabilidades
terminaram há duas horas.
Peguei o celular novamente, notando que tinha olhado errado as
horas, e que não eram seis da manhã, mas sim seis da tarde. Porra. Desde
que voltei a morar com meu avô, ele estava se esforçando bem para
preencher todo o meu tempo livre, deixando somente que a função respirar
sobrepusesse na minha cabeça fodida.
Bem no estilo velho rabugento de ser.
Bufei, voltando a me deitar no sofá. Tinha perdido o treino também,
puta merda. Eu nunca faltava a nenhum treino. Balancei a cabeça. Tinha
valido a pena. Sorri vitorioso. Meu ego agradecia pela noite passada. Me
lembrei dos seus lábios carnudos ao redor do meu pau. Ela era perfeita de
todas as formas.
Tentei me lembrar se tinha anotado o número que peguei no seu
telefone quando ainda dormia.
— Dominic está sorrindo, iihh.
— Vai se foder! — Fechei os olhos, me lembrando o que tinha para
fazer hoje. — Por que me acordou?
— Cara, sério? Eu desisto. Porra!
— Se não me acordou de manhã que era extremamente necessário,
por que agora à noite eu teria algo importante para ir? Nunca marco
compromisso pra noite.
— É definitivo, mulher faz mal à sua mente!
— Cara, vai se foder.
Estava longe de ficar irritado, mas minha paciência não era muito
longa. Não para isso.
— Primeiro, eu tinha que te acordar porque aqui não é a sua casa, e
você tem que ir embora em algum momento. — Revirei os olhos. Como se
isso fosse verdade. — E segundo, não temos cabelos castanhos, mas você
também tem um compromisso com seus brothers, e temos que compartilhar
as novas.
Isso significava beber e encher o saco um do outro até o dono do
lugar nos expulsar. Franzi o cenho. Eu não tinha nada de novo na minha
vida, que merda eles inventaram agora? Dei de ombros, avisando que tinha
que ir em casa.
Distrações caíam bem no momento, mas tinha que passar na casa do
meu avô de qualquer maneira. Precisava contar a ele o que tinha
descoberto. Agora, eu tinha um número para ir atrás. Dois, na verdade.
Enquanto procurava minhas chaves e carteira pelo apartamento,
sentia o olhar curioso de Zaki.
Bufei.
— O que foi dessa vez?
— Cara, você tá bem!?
— Por que eu não estaria? — Franzi o cenho.
— Porque você está… Tipo noivo?
Ah! Isso. Augusta. Merda. Agora faz sentido a sua esquisitice. Eu
sabia que tudo mudaria, que as perguntas viriam e rostos de desconfianças
seriam frequentes. Eu estava preparado para isso, e pretendia contar de
alguma forma, não tudo, mas o suficiente. Ele entenderia.
Mas, por enquanto, fiz pouco caso.
— O que tem?
— O que tem? Cara, depois de quinta-feira você sumiu, não deu
mais notícias, e depois te encontro no meu apartamento às cinco da tarde
dormindo e fedendo a sexo. Cara, se os papéis aqui estiverem invertidos,
você tem que me avisar, só um de nós pode sofrer.
Bati a mão na testa. Era só o que me faltava. Os papéis não tinham
sido invertidos, seu caso era muito diferente do meu. Zaki não sofria de
amor, ele sofria porque não deixavam ele viver o amor, a princesinha
intocável que ele desejava nunca estaria ao seu alcance. Pelo menos, não
enquanto sua família a protegesse.
Me solidarizei com seu sofrimento. Balancei a cabeça, decidindo
que tinha que tomar um banho antes de sair.
— Cadê eles?
— No saguão, esperando o princeso.
Me apressei no banheiro para encontrar meus amigos.
— Por que Zaki está com cara de bunda? — Chris quis saber assim
que sentamos os quatro no bar.
— Porque não liberei informação da sua amada — diverti-me,
provando o novo whisky que tinham trazido especialmente para mim,
segundo os irmãos Nkosi. O gosto do álcool era mais suave.
— Zaki não desencanou até hoje? Achei que isso era assunto
passado. — Chuck batucou os dedos na mesa. — Uma obsessão assim não
é saudável, irmão.
— Não com alguém que não pode ter — pontuei.
— Você poderia me ajudar! — bradou novamente, repetindo o
mesmo repertório de sempre desde que viu a joia escondida dos Vendettas.
— Está sempre em sua casa.
— Eu não me meto com as irmãs, uma por si só me dá bastante
trabalho — Dei de ombros.
— Poderia me dar dicas de como conquistar Marllon Vendetta,
então — idealizou, como se fosse a melhor ideia do mundo. — O pai dela te
adora!
— E vai deixar de me adorar quando souber que estou apoiando
isso.
— E não está?
— Depende de quanto isso irá me beneficiar.
Zaki revirou os olhos e eu sorri satisfeito.
— Poderia falar com Augusta, aposto que ela adoraria saber que
você quer foder sua irmã mais nova — Chris gargalhou alto, zombando da
própria fala. Tive que acompanhar, porque era a hipótese mais fodida que já
tinha ouvido até agora.
Zaki fez uma careta.
— Não é bem assim.
— Você poderia tentar, eu acho uma boa ideia — sugeri e Zaki me
olhou horrorizado, como se doesse uma parte do próprio corpo.
Provavelmente doeria se ela descobrisse.
— Você acha que sou doido? — bufou alto e coçou a cabeça. —
Sinto calafrios só de pensar em Augusta descobrindo uma coisa dessas.
— Pense que se passar por ela, conseguira conquistar Marllon —
Chris disse como se realmente fosse uma hipótese boa e balancei a cabeça
— Ele tem razão, passe pela irmã do meio e o caminho estará livre.
— Eu não acredito que isso realmente é uma possibilidade. —
Chuck fez uma careta nada feliz. — Você irá morrer, meu amigo, desista
enquanto ainda dá tempo. Nada de mexer com o Cristal.
— Obrigado pelo incentivo — murmurou Zaki sem ânimo nenhum.
Mas logo revirou os olhos bufando alto, como se descartasse todas as ideias
de sua mente, então nos encarou firme e apontou o dedo para ninguém em
específico: — Um dia eu me sentarei junto com Dominic na mesa dos
Vendettas, aí saberão que venci na vida!
Revirei os olhos e imaginei a cena.
— Quando isso acontecer, eu não estarei do seu lado, amigo, será
você contra Marllon. Não me peça ajuda em momento nenhum.
— Você é um grande amigo, cara — debochou e dei de ombros.
— Cada um tem a cadeira que merece.
— No caso, a sua não é uma cadeira, é um trono, mané — Chris
zombou, rindo abertamente, e sorri sem mostrar os dentes.
— Bom, é o que esperamos até o fim do ano. — Tentei não pensar
em toda burocracia que teria que desenrolar até a coroação chegar. Revirei
os olhos internamente. Que merda de monarquia.
— Mas agora não é só marcar a data da cerimônia? — Chuck
perguntou sério.
— Augusta ainda precisa assinar o contrato nupcial.
Os rostos dos meus amigos se estreitaram em uma careta.
— Bom, cara, agora eu que te desejo boa-sorte — Zaki devolveu o
sorriso maldoso. — Eu realmente não queria estar na sua pele.
Revirei os olhos, não querendo pensar nela naquele momento.
— Entretanto, estamos aqui para comemorar
— De novo — Chris riu da piada interna e revirei os olhos.
— Esperamos que seja o seu último noivado, pois não beberemos
como da primeira vez, cara.
Bem, isso era o que íamos ver.
Os grandes pinheiros na entrada da mansão eram famosos por
chamarem atenção em alguns pontos da cidade.
Lembro-me bem quando cheguei nesse mundo, tinha perdido a
minha mãe e a responsabilidade pesou como nunca, pois eu só não tinha um
irmão para cuidar. Eu tinha uma posição a zelar.
Parei o carro em qualquer lugar do jardim e subi depressa as
escadas que levavam à entrada da mansão. Tinha escurecido, então já
conseguia ver o chafariz e o gramado longo bem iluminado que regava a
entrada.
Subi às pressas para chegar logo ao meu quarto.
A casa estava silenciosa, e culpei isso por já ser noite. A mansão era
diurna, todas as suas atividades se davam com a clareza do sol, pois
nenhuma das duas pessoas que moravam nessa casa se davam bem com o
anoitecer. Grunhi. Eu deveria ter estado aqui mais cedo, deveria não ter me
arriscado mais uma vez. Mas, às vezes, a mente não tem o controle de tudo.
E eu precisava vê-la.
Parei em frente à porta aberta, com o coração apertado, vendo
Damian arrastar os dedos pelas teclas do piano, fazendo sons distintos e
sem sentido, mas com um grande sorriso no rosto. Imaginava que ele estaria
em seu quarto, não tão ativo como agora. Me repreendi. Ele estava me
esperando. Tentei não ficar tão culpado por não dar toda a atenção que ele
merecia.
Damian sempre sorria, e gostava de observá-lo às vezes na tentativa
falha da sua inocente alegria me contagiar.
— Olha ele, a responsabilidade bateu na porta — a voz rouca do
meu avô cortou o silêncio e Damian notou nós dois. Ele levantou as mãos
me chamando e fiz um gesto de espera com as minhas, mostrando que iria
até ele em breve. Ele sorriu e mostrou-me o piano.
— Eu não fui embora. — Dei-lhe as costas indo para o meu antigo
quarto, que tinha voltado a habitar recentemente. Podia ter ido morar em
um dos apartamentos no centro da cidade, mas parecia errado voltar a
morar sozinho.
— Pensei que não ia dar conta do recado. — Tranquei a mandíbula
e ele continuou: — Posso falar que fiquei surpreso por todos os talheres na
mesa terem ficado intactos?
Comecei a desabotoar a camisa, não querendo pensar na noite de
quarta.
— Eu dou conta do recado.
— É o que veremos, você sabe que Augusta tem tendências a
atitudes radicais
— Eu. Dou. Conta. Do. Recado.
Odiava que falassem dela, seja uma vírgula sequer, ela era problema
meu e ninguém tinha o direito de intervir. Não se eu não quisesse.
Com passos devagar, meu avô sentou na beirada da cama, e
observou enquanto eu me livrava das roupas e ia para o banho.
Eu tinha uma boa relação com Frederico, ele e Damian eram a
minha única família. A mudança foi boa para mim, novos ares, novas
distrações, novos ciclos de amizade… Eu era grato por tudo o que ele tinha
feito por nós, principalmente por Damian, já que todo o cuidado e atenção
com ele era pouco.
Mas tudo parecia ruim nos últimos anos, tudo que eu amava e tinha
aprendido a gostar estava cobrando um lado meu que não tinha certeza se
ainda estava vivo.
Eu amava meu avô, ele me ensinou tudo que eu precisava para
sobreviver, mas sentia que dessa vez eu não poderia lhe dar o que ele pedia.
Tudo tinha mudado.
Quando voltei do banho, ele ainda estava sentado na minha cama
me esperando. Senti um aperto no peito por ter sido rude, mas não podia ser
menos do que isso quando se tratava dela.
— Se quiser conversar ainda consigo pensar racionalmente, estou
velho, mas minha memória é boa.
Eu sabia que era, Frederico Clifford era o que chamávamos de vaso
ruim não quebra nunca. Me arrastei para o closet, me vestindo para não
precisar olhar para ele.
— Não quero conversar, este noivado é só a ponta do iceberg.
Temos que temer os próximos dias. Preciso de planos, Augusta não vai
aceitá-lo tão fácil assim, eu a conheço.
— E o que pretende fazer para convencê-la? — perguntou curioso,
com os olhos baixos e cansados pela idade. Suas íris eram tão pretas quanto
as minhas.
Fiquei em silêncio, sem querer revelar nada. Meu avô desistiu
rápido, sabendo que não ia conseguir nada de mim.
— Conseguiu a resposta que queria? — mudou a pergunta e o olhei,
cerrando os olhos.
— Sim, o noivado foi a confirmação. Gonzales veio falar comigo
novamente sobre escolher outra pessoa para me casar e sua cara não foi das
melhores quando Martinez anunciou.
— Então, está mesmo disposto a mexer com o G5 — constatou o
fato que eu batia na tecla há meses.
— Alguém terá que falar uma hora ou outra, mentiras não duram
tanto assim — fui rude e não me senti culpado pelo tom de voz usado. Meu
avô firmou os olhos em mim. Era uma ordem.
— Marllon Vendetta está próximo, não podemos perder essa
oportunidade. Ele e a filha escondem coisas, você sabe. Não tente protegê-
la. Ela não teve consideração quando te expulsou da vida dela
Travei o maxilar, a raiva querendo se fazer presente em cada poro
do meu corpo.
— Acha que ele sabe quem é o ceifador?
— Tem boas chances dos dois saberem, o pai e a filha. Mas são só
hipóteses. — Sua voz era ácida. — Temos que trabalhar com tudo se
quisermos dar fim a uma maldição.
Engoli em seco, fatigado com toda a situação. Eu odiava meu
sobrenome e o estrago que ele tinha causado em minha vida.
— Eu sempre gostei da sua determinação, Dominic, isso sempre me
deixou satisfeito — meu avô divagou antes de me olhar com seus olhos
fundos. — A sua garra me fez querer te dar muito mais do que dava conta
naquela época, porque sabia que não importava o desafio, você ia passar, ia
derrubar e saltar até chegar aos seus objetivos. Eu nunca errei nesse quesito,
você deu conta do recado. — Sua voz ficou mais rouca pelo esforço, e
aguardei paciente suas próximas palavras.
No início, foram anos doloridos, fui ao meu máximo e nunca pensei
que poderia ficar tão satisfeito com meu resultado. Testar meus limites
nunca foi tão satisfatório.
— Mas agora é diferente — ele falou mais baixo, e comecei a
interromper a sua fala, não querendo ouvir as próximas palavras. — Não,
deixa eu falar — me calou. — Agora é diferente, seus limites mudaram e
temo pelo resultado final. Estou velho, mas eu me lembro de tudo,
Dominic, sei que isso vai mexer com você, e quero que me diga quando não
der mais conta. Porque eu não vou parar. Não agora.
Os últimos meses passaram como um borrão na minha mente e a
mais genuína raiva me transpassou. Eu iria até o fim. Não me arriscar não
era uma opção.
— Ela merece isso, e vou dar o meu melhor para o pior acontecer.
ALINHAMENTOS
***
A quarta chukka já havia iniciado, e claro que fui para mais perto
para assistir. Encontrei Ella debruçada sobre o encosto de madeira, que
protegia as beiradas da pequena tenda elevada, que ficava em um ponto
estratégico do campo. Seu olhar de surpresa foi nítido quando percebeu a
minha presença.
Ofereci meu binóculo.
— Os detalhes também são importantes — eu disse, cerrando os
olhos para onde ela olhava.
Minha irmã mais nova pegou o objeto e logo se envolveu no jogo,
me dispensando.
Eu também poderia me concentrar nos detalhes, se estivesse em um
dia bom. Mas resolvi fazer algumas coisas mais importantes, como:
entrelaçar meus braços no de Nikolai e ficar conversando sobre qualquer
coisa que nos deixássemos em constante contato.
Extrair dele toda informação que precisava.
Eu era uma verdadeira cadela provocadora, porque em todo
momento eu sabia que estava sendo observada. Não só pelo público curioso
que morria para saber o que estava acontecendo comigo, mas por Dominic
em específico. Ele sempre via tudo, mesmo em cima de um cavalo a metros
de distância.
Depois de mais três chukkas a partida acabou, e quando o apito
soou, desci a curta escadinha de madeira. Iria parabenizar os jogadores pela
vitória.
Fui a passos largos ao vestiário, estava animada.
Mas antes de atravessar as portas duplas, dei de cara com Zaki na
porta, que me recebeu com o semblante fechado e nada feliz.
— Você não vai passar aqui — disse firme e lhe dei um sorriso
como resposta.
— É claro que eu vou. E você vai deixar — ameacei.
— Hoje não, gatinha Gus — barrou minha entrada e colocou o taco
que estava em mãos encostado no portal. Zaki ainda estava com a roupa do
time e os equipamentos.
— Tem algo aí que eu não possa ver?
Ele abriu a boca duas vezes e se calou.
— Tem algo aqui que ele não gostaria de ver.
— Desde quando virou seu guarda-costas? — impliquei.
— Desde que as suas ações impliquem significativamente em um
jogo importante.
Sorri mais ainda.
— Eu não me importo.
— Devia. — Ele olhou atrás de mim. — Olha, sei que
provavelmente o meu comentário não irá fazer nenhuma diferença, mas não
acho uma boa ideia isso que está prestes a fazer.
— Realmente, eu não me importo.
— Mas, novamente, eu tenho que tentar, então estou disposto a
manter a paz e o restante do humor de Dominic por hoje. — Sua voz era
firme, como se estivesse frustrado por algo.
— Oh, então o capitão está de bom humor?
Zaki semicerrou os olhos me medindo.
— Você não vai estragar o clima, Augusta.
— Eu não quero estragar nada, eu só preciso…
— Me ver? — Algo se mexeu dentro de mim com a sua voz. E por
um segundo, segundos, a minha coragem falhou.
— Dominic. — Forcei o meu melhor sorriso ao me virar para
encarar o seu rosto.
Dominic não estava dentro do vestiário, ele tinha acabado de
chegar. E ainda estava vestido com os equipamentos do jogo. Não me
importei de analisar cada objeto que o comportava: estribos, bota de
montaria, uma calça branca, o cinto com a fivela desenhada, blusa verde
império, cotoveleiras, o taco na mão esquerda e o capacete na mão direita…
Cheguei ao seu rosto e…
Eu odiava essa parte, era quase doloroso.
— Augusta — ele não se importou em despejar amargura no meu
nome. Depois me analisou de cima a baixo, também fazendo um check-up
completo.
— É bom te ver aqui. — Desprezo cercava minha voz.
— Eu sempre estou aqui, e não, eu não acho bom te ver — soou
rude.
— Isso foi indelicado da sua parte, Dominic.
— Eu não me importo.
— Dia ruim?
— Pessoa ruim — soou amargurado e dobrou a cabeça para o lado,
me analisando calmamente. — Veio dar os parabéns ao seu noivo? —
provocou. Cínico. — Tenho um jeito perfeito de você me agradar…
Mas eu vi o seu sorriso desmanchar em seus lábios quando notou a
mão masculina deslizar em meu ombro.
Então, a expressão dos seus olhos mudaram. E o vi contar
mentalmente alguma sequência numérica. Ansiedade me tomou.
Sorri, mostrando os dentes.
— Sim, vim lhe parabenizar pelo jogo. Como você pediu!
— Eu gosto de pensar que você gosta das suas mãos — Dominic
ameaçou Nikolai, trazendo um clima tenso ao ambiente.
Mas Nikolai não soltou, olhei sua expressão tranquila.
— Gosto das minhas mãos — respondeu sem medo.
— Augusta — chamou e não tinha percebido que minha respiração
estava presa, até cometer a burrada de olhar em seus olhos. Um olhar de
desafio e, em instantes, suas íris escuras transbordaram centenas de
promessas.
Então, ele sorriu.
Um sorriso louco que transbordava frieza.
— Está ficando previsível, bruxa, tente de novo — arrogância
pingava de seus lábios. — E dessa vez, traga alguém digno de uma batalha.
Não ratos.
Abri a boca para rebater, mas desisti. Dominic já não estava em seu
lugar, tinha entrado no vestiário.
Dominic tinha me dado as costas.
Dominic tinha ignorado a minha ação.
Incrédula com o seu controle, cerrei os punhos.
As ações de Dominic estavam ficando imprevisíveis, e isso era
péssimo. Instável. Ele estava fazendo de novo.
A diversão foi trocada pela raiva, e senti meu rosto hiperventilar.
Merda, eu não tinha conseguido. Ele ainda estava na frente.
Olhei para Zaki que se mantinha calado, ele também ainda estava
equipado, só que suas mãos estavam livres do taco. Bufei alto com raiva.
— Fique longe dela, você não vai querer entrar nessa — foi a
última coisa que ouvi antes de sair às pressas.
Eu estava com raiva por não ter conseguido deixar Dominic com
raiva.
Cínico. Idiota. Babaca. Eu estava o odiando naquele momento e
sentia meu corpo em fogo. Frustrada, quis revidar.
Andei por um bom tempo debaixo do sol, e quando percebi, estava
no estacionamento. Eu poderia esperar por Apolline aqui, ou até mesmo
chamar um carro pra ir embora…
Fechei os olhos e encostei as mãos no vidro de um carro preto. Era
o Jeep preto. Semicerrei os olhos para o adesivo prata na lateral.
Curiosa, puxei a maçaneta dianteira. Babaca. Nada surpresa com
esse deslize, pois sabia que isso acontecia com frequência, encontrei dentro
do carro alguns equipamentos de jogo, um terno pendurado na alça e dois
tacos espalhados no banco.
Idiota do caralho.
A amargura me tomou, e eu só percebi de fato o que fiz quando o
alarme do Jeep disparou.
Eu havia estourado o vidro do carro de Dominic Clifford.
MANSÃO WILLIANS
— Outro chip?
Dei de ombros, apoiando o celular na mesa e usando um palito para
fazer a troca de número no meu celular.
Zaki observava atentamente o meu movimento, enquanto Charles e
Christoph tinham os olhos vidrados em algo que estava acontecendo no
campo verde à nossa frente.
O dia estava quente para um caralho, e a tenda não parecia fazer o
serviço de tampar a merda de nossas cabeças, já que sentia o inferno comer
minha pele. Bash não costumava ser tão quente, o clima era mais fresco e
baixo em dias normais, o que significava que provavelmente iria chover em
algum momento.
— Augusta me bloqueou.
Zaki franziu o cenho, provavelmente criando várias teorias para o
meu comentário. Ele tinha essa péssima mania de estar julgando as pessoas
por atitudes imprudentes ou fora do eixo que elas tomavam. Como a merda
de um juiz.
Dei de ombros, eu realmente devia estar sustentando a merda da
operadora. Depois de configurar meu número, observei o jogo que estava se
desenrolando no extenso gramado.
O polo estava tão enraizado na tradição da cidade que era quase
impossível alguém em Bash não saber o básico que envolvesse o esporte.
Em épocas de campeonatos locais, ou até mesmo em outros lugares, a
cidade se enchia de propagandas anunciando o jogo.
Como as apostas no jockey club em cavalos de corridas, era quase
uma tradição estar com as bundas grudadas nas arquibancadas apostando
rios de dinheiro.
A última chukka acabou e depois de um tempo, três moleques ainda
equipados correram para debaixo da nossa tenda, eufóricos.
— Hora dos autógrafos — Charles zombou.
— Pelo menos tenho quem gosta de mim.
— Ai — Zaki dramatizou, colocando a mão no peito. — Poderia ter
dormido sem essa cara.
Christoph gargalhou do irmão, nos fazendo rir também.
— Meu público alvo é diferente — Charles se defendeu, e os
moleques que nos beiravam, esperando que eu os olhasse, se aproximaram
da mesa de madeira redonda que estávamos escorados.
— Bom trabalho, rapazes, foi um bom jogo — elogiei, mas vi seus
rostos murcharem.
Franzi o cenho não entendendo.
— Sabemos que fomos péssimos — o mais baixo do trio respondeu,
mal-humorado. — Não precisamos de consolo.
— É, precisamos de bons macetes para sermos tão bons como
vocês. — Havia admiração no tom, mas a chateação em seus rostos fez com
que nós nos entreolhássemos.
— Cara, todo mundo é péssimo antes de se tornar bom — Chris
interveio, apaziguando, e o olhei horrorizado querendo rir. Que merda? Os
garotos pareciam do mesmo jeito. — Você acha que nascemos montados em
cavalos? Claro que não, somos bons porque treinamos, e vocês estão indo
bem... É claro que temos aquele dom natural de... — Cerrei os olhos,
calando-o e ele limpou a garganta.
— O que o babaca quer dizer é que estão no caminho certo. Não há
ganho sem dor — Chuck tomou a frente enquanto entrava em uma guerra
de implicância com seu irmão gêmeo, e os garotos prestaram atenção. — É
óbvio que vão errar o gol até pegarem o jeito com o taco, mas é normal.
Continuem treinando em grupo e testando em quais posições se dão melhor.
— Minha camisa é igual à sua. — Um dos garotos virou as costas
para mim, apontando o número "01"
— Temos um atacante em potencial aqui? — vibrei pela sua
animação e conversamos com os moleques até dar o horário de também
entrarmos em campo.
Eram moleques, provavelmente entre quinze e dezessete anos, se
divertindo em cima de cavalos e errando todas as bolas. Lembrei-me de
quando era eu ali, aprendendo as regras do jogo pela primeira vez. Eu
sempre amei cavalos, e quando me vi no meio de animais que eu havia
crescido, não soube explicar como agradeci aos céus por ter no meio de
tanta estranheza um momento de conforto.
Porque era por isso que era tão apaixonado pelo polo, me lembrava
casa e conforto. Provavelmente era por lembrar a minha mãe, e trazer-me
lembranças de quando era somente nós. A saudade moía meu peito e
tentava sufocá-la em coisas que sei que ela gostaria de me ver fazendo.
Então, era verdadeiramente apaixonado pelo esporte, sentia-me
livre ali e conseguia resgatar as minhas melhores partes, esfriando a cabeça
e me concentrando em ser bom e preciso nos comandos em campo.
O polo consistia em quatro jogadores por time, dois atacantes, eu e
Christoph; um meio de campo, Charles; e um defensor, Zaki. Éramos uma
equipe dentro e fora de campo. O objetivo era marcar o maior número de
gols com um taco, sendo o jogo dividido em seis chukkas a cada partida.
Cada chukka dura sete minutos e é feito um intervalo de três em
cada uma delas, devido aos cavalos. E temos que fazer a troca dos animais a
cada uma das pausas. O jogo se torna muito estressante para o animal, e se a
condição física deles forem julgadas ruim, eles são eliminados do jogo,
podendo voltar ao esporte somente depois da alta dos veterinários de
plantão.
Todos os animais são rigorosamente acompanhados.
Desde que decidi me esforçar para ingressar nessa política, temos
nos destacado no time de Cow que representava a cidade no esporte. Não
que o jogo fosse tão valorizado, ou seja, não é uma modalidade de esporte
em Olimpíadas, mas ainda tinha cidades vizinhas com as mesmas tradições,
e era um bom hobby para me lembrar de quem eu, de fato, era.
Porque às vezes era fácil esquecer que um dia eu já estive do lado
de fora.
Era grato por ter esses caras ao meu lado, por mais babacas que
fossem, eles eram leais e faziam acontecer. Era até engraçado pensar em
quão unidos nos tornamos, se levar em conta que no meu terceiro mês no
Instituto entrei na minha primeira briga porque Zaki não sabia perder e
decidiu tirar satisfação.
O que não deu muito certo quando os gêmeos entraram para separar
e todos levamos porradas uns dos outros.
E trocamos socos mais quatro vezes naquele ano. Acho que só nos
aproximamos mesmo quando fomos estudar no Instituto em Bash e
montamos um time oficial de polo. Tínhamos achado um gosto em comum:
cavalos. A troca de socos persiste até hoje, pois não deixamos os problemas
de hoje ficarem para amanhã. E acho que isso tem fortalecido cada vez mais
o laço contra as merdas que rondam ao nosso redor.
O apito foi ouvido e a última chukka havia encerrado, meu
companheiro trotou para fora de linha e desci da sela, alisando seu pelo
suado pelo esforço de minutos atrás. Os cavalos atingem altas
quilometragens dentro do campo, e por isso a necessidade de troca de
animal a cada tempo, a exaustão os corroem rapidamente ao correr pelo
extenso campo.
— Meu garoto — Martinez me saudou animado quando estava a
caminho para o vestiário para trocar de roupa e tomar uma ducha. Sentia os
equipamentos grudados em minha pele por cima do tecido.
Franzi o cenho, era difícil suas visitas ao campo, mas não deixavam
de ser boas.
— Martin.
— Precisamos conversar — disse um pouco incerto e franzi o
cenho, tentando adivinhar o que era.
Provavelmente era sobre o contrato, o G5 estava pegando no meu
pé nas últimas semanas, pois não tinha mais o que esperar para tomar posse
por completo dos bens da família, para que eu tenha por fim a palavra de
peso na mesa.
A hierarquia em Bash era muito específica, e por mais que a
política pública influenciasse nas decisões estruturais da cidade, os
sobrenomes fundadores e um pacto muito antigo prevalecia acima de tudo.
Não que fôssemos donos da cidade e pudéssemos mudar o que queríamos
nas regras, mas uma palavra bem desenvolvida e estruturada poderia mudar
o percurso de muita coisa.
No final, o poder e influência tinha mais peso do que ter uma conta
cheia no banco.
— Claro, só vou me trocar.
Gostava de Martinez, ele foi quem me ensinou boa parte do que eu
sei hoje. Ele foi ganhando a minha confiança com o tempo e hoje eu o
considero também um membro da família, sabia que podia confiar nele
todas as minhas coisas. Não foi fácil mudar meus ciclos de amizades
quando me mudei, mas ele fez parte das coisas boas que chegaram.
Mesmo que envolvesse muita dor de cabeça.
Sempre me foi falado como agir e como me portar, e até como
devia falar em determinado lugar. Não que eu tivesse raiva de alguma coisa
ou de alguém, na verdade, era mais grato pelo conhecimento do que
realmente incômodo. Mas chegou um momento que ouvi tanto sobre o que
ia me tornar que acabei acreditando.
E poder era uma merda tentadora do caralho, era quase impossível
dizer não. E eu queria muito dizer sim. Estava ansioso para isso.
Por muito tempo, o meu avô teve esse papel na AAB por sermos a
única família da primeira geração — como as famílias fundadoras eram
chamadas. Ele tinha o voto de peso nas discussões políticas de Bash, e eu
tinha trabalhado duro para segui-lo. Aprendi tudo que pude e tirei todos os
proveitos que o meu sobrenome me deu quando cheguei.
Não foi fácil, foi mais doloroso do que posso admitir, porque estar
nessa posição exigia muita dedicação mental, e por muitas vezes foi
cansativo ter que quebrar as minhas próprias barreiras para expandir a
mente. Para aprender de verdade o que números e gráficos significam.
Aprender sobre algo que um dia pareceu existir somente em outro mundo.
Mas eu fiz, fiz por mim, pela minha mãe e pelo meu irmão, principalmente.
Porque ele merecia e fazia valer a pena cada suor.
— Quer ir conversando enquanto passo na Stilk? Posso te deixar no
caminho. — Já propriamente arrumado, Martinez pareceu surpreso quando
o encontrei na porta do vestiário.
— As cláusulas ainda não foram fechadas?
— Augusta ainda não assinou nenhuma página. — Meu olhar subiu
para a recente cicatriz acima da sua sobrancelha. E não soube identificar sua
expressão. — Na verdade, nem sequer está abrindo os e-mails.
Martinez titubeou.
— Se ela não assinar e ler os termos rubricados, não há casamento.
Não importa se há um noivado exposto na mídia.
— Eu sei disso.
— Talvez um pouco de pressão? — falou como se fosse uma ideia
brilhante e quase ri. Quase, porque sabia que pressão para Martinez tinha
um significado diferente.
Não o respondi, caminhando para o carro.
O casamento, o maldito contrato nupcial, pensar nisso fazia meu
sangue esquentar de raiva. Porque às vezes tudo se resumia a essa merda.
Ter um bom sobrenome e garantir alianças e um império próspero. Carregar
uma maldição.
— Tem encontrado Augusta esses dias?
Claro, nunca deixava de vê-la.
— Não. — Menti, sem receio de que Martinez acreditasse ou não.
Não importava se ele acreditava.
Ele cerrou os olhos e fingi não ver sua cara feia. Martinez não
gostava de ser contrariado, e eu amava o contrariar. Não ligava mesmo para
os seus murmúrios.
Entrei no Jeep aguardando a porta do carona ser fechada para dar
partida no carro.
— Ainda acha que ela está escondendo algo de você? — Apertei as
mãos no volante, esse era um assunto que arrancava tudo de mim. Martinez
achava que eu não conseguia largar o osso por não ser capaz de aceitar o
fim do nosso namoro. Talvez ele estivesse coberto de razão. — Não quero
que perca tempo com coisas que não vão dar em nada, já tem meses, precisa
dar um fim.
— Quer que eu desista do contrato?
— Claro que não, mas talvez da pessoa, sim — sempre direto.
Suspirei, engrenando o carro.
Outra coisa, a pressão pela coroa envolvia os Chefft da AAB me
empurrando suas filhas de qualquer modo, mesmo eu afirmando que já
estava com o contrato pronto, mesmo que nenhuma página ainda tenha sido
assinada por ela. E Martinez fazia questão de lembrar disso, lembrar das
minhas opções. Mas não era bem assim que as coisas funcionavam, não
comigo.
Semanas atrás, quando meu avô me trouxe a transferência que
aconteceria em breve, não pude deixar a bela oportunidade passar quando
usei do interesse do senhor Vendetta com o meu avô para firmar um
desastroso noivado com sua filha do meio.
Desastroso porque tudo que nos envolvia sempre resultava em
frustrações e uma bela rodada de ofensas criativas.
Eu podia admitir ter sido um pouco babaca por fazer com que ela
soubesse na frente de todos que iríamos retomar um acordo matrimonial
que um dia ambos tínhamos ansiado, e que hoje era nosso martírio. Mas eu
também não ligava muito, não por pressioná-la.
— Eu não vou me casar com outra pessoa. — Uma tranquilidade
excessiva pintava minha voz. Essa era uma decisão que eu tinha muito clara
na minha mente, por mais que parecesse um suicídio estar no mesmo
ambiente que ela.
— E prefere alimentar uma obsessão por uma pessoa que te deixou?
— alfinetou sem dó, e fuzilei-o, querendo jogá-lo do carro.
Eu quase fiz isso. Quase.
Quase porque gostava da sua companhia e ainda podia suportá-lo.
— Você sabe minha opinião sobre isso, não preciso lembrá-lo.
Ouvi um bufar alto.
Porque não era a distância com Augusta que me faria procurar
outros rostos a não ser o dela. Mesmo que ela tivesse nos ferido tão
profundamente alguns meses atrás. Mesmo que o ódio e raiva me
consumissem tão intensamente que cegavam minha razão e limite, me
transformando em um verdadeiro masoquista.
Augusta me partiu, e eu não negava em nenhum momento esse fato.
Eu também não estava em negação com meus sentimentos, na verdade, era
muito claro sobre eles. Sobre meus objetivos. Mesmo que eles não fossem
tão bons quanto os que desejei. E não era que não sentia ou não ligava para
as coisas que tinham nos acontecido. Eu só aceitei.
Ainda que em todas as noites as chamas consumissem meus
pesadelos e o barulho do meu coração se partindo ecoasse em todo canto do
meu corpo, me assombrando, ainda era sincero e verdadeiro com o que
sentia. Ou com o que queria, especificamente.
— Essa sua obsessão irá te matar.
Revirei os olhos.
Talvez matasse.
Mas tinha passado por merda demais para poder me dar ao luxo de
viver em negação ou fugir das minhas próprias verdades. E vê-la fazendo
exatamente o contrário do que prometemos nunca fazer, alimentou algo em
mim que desconhecia. Eu não podia acreditar em suas palavras, não depois
de tudo.
Um verdadeiro masoquista.
Depois daquela noite, meu chão ruiu, e ver meu apoio ir embora me
fez perder a cabeça e tomar medidas das quais não me orgulhava. Mas
também não deixava de realizar, porque em parte deixava a raiva me
consumir, deixava a decepção me guiar e a perversidade tomar minhas
palavras em defesa de algo que um dia foi partido.
Nosso mundo era ganancioso demais e eu tinha aprendido da pior
forma que não se deve brincar de casinha em terras onde castelos eram
construídos.
Então, eu a pressionava, e não estava nem um pouco culpado por
isso. Não me sentia culpado por tentar desmascarar as suas mentiras, que
um dia eu deixei que construísse.
— Talvez esteja sendo pouco pressionada. — Cerrei os olhos pelo
tom que foi despejado de sua boca. Era um tom seco e amargo. — Ou
talvez seja um sinal para não levar para a frente. Augusta é inconstante, não
sei como ainda a deixam na frente de uma empresa...
— Chega — cortei.
Sabia que Martinez não era fã número um de Augusta. O que não
era uma surpresa, já que quase nenhum homem na AAB simpatizava pela
mulher que ocupava o lugar de controle da Stilk. E digamos que o seu pai
não se importava quando sua filha fazia o que queria com as rédeas da
empresa.
Mas acreditava que Martinez a suportava somente por mim, sempre
foi assim.
— Augusta irá assinar quando quiser. — Sabia que só de estarmos
publicamente noivos as coisas ao nosso redor ruiriam.
Inclusive, as máscaras que eu ansiosamente esperava cair.
Meu avô tinha me avisado que era um caminho perigoso a seguir,
mas eu não me importava, ainda estava disposto a lutar. Mesmo que
perdesse tudo.
Estava sendo pressionado a tomar a coroa, meu avô estava fazendo
questão como nunca, e eu temia saber a sua motivação por trás. Porque algo
ainda não estava certo, e não era só sobre a recusa de Augusta em assinar o
contrato, tinha algo a mais. Eu podia sentir no clima e nas reuniões
semanais na AAB.
— Quem avisa amigo é, garoto. — Sua voz tinha cautela e tentei
ligar isso ao seu desgosto pela situação. Ele também tinha presenciado cada
caco que foi partido quando o fogo inundou a casa que morávamos. — Eu
só espero que saiba o que está fazendo.
Eu devia ter imaginado que algo bom não viria dessa noite.
— O quê…? — Queria externar todo o horror que passava pela
minha mente, sentia minhas mãos gélidas e engoli em seco, tentando afastar
o nó que se formava ali. Palavras fugiram da minha boca.
— Aposto que não é burra para me perguntar o que um anel de
noivado significa, bruxa.
Cerrei os punhos e permiti que a raiva inundasse cada poro, cada
célula do meu corpo.
— Não.
— Pelo menos nisso concordamos, porque sabemos que um cérebro
burro não faz perguntas óbvias.
— Não.
Dominic arqueou as sobrancelhas.
— Não?
— Não.
Algo estalou em seus olhos e seu semblante não era nada menos
que cruel. Dominic gargalhou. Depois deu três passos largos em minha
direção.
— Acho que temos que rever o QI do seu cérebro. Achei que
tínhamos concordado.
Bufei, ventilando raiva.
— Minha resposta ainda é não.
— Você vai aceitar.
— Eu não sou obrigada a aceitar.
Dominic gargalhou novamente.
— Não faça isso consigo mesma.
— Podemos assinar o contrato nupcial sem precisar usar um anel.
— Eu faço questão.
— Eu posso viver sem isso. — Agora eu estava tratando a joia
como algo que me queimaria se eu ousasse encostar muito.
A joia ainda estava aberta na palma da minha mão e a vontade de
jogá-la longe me assolou. Dominic deu um passo em minha direção e senti
Oscar se agitar em meus pés.
— Coloque o anel.
— Não.
— Me dê sua mão para que eu coloque, então.
— Não. — E assim como uma criança que esconde doces, lancei
minhas mãos nas costas e fechei a caixinha dentro da palma.
Senti o focinho de Oscar xeretar entre meus dedos.
— Não torne isso difícil, bruxa, eu não me importo de enfiar esse
anel no seu dedo de qualquer modo.
Mais alguns passos dele e meu coração pulou em ansiedade pelo
que estava por vir. Ele estava próximo demais. Engoli em seco, sentindo seu
perfume em meus poros. Odiava ter sempre as mesmas reações diante dele.
Odiava me trair quando se tratava dele.
— Pelo que me lembro, os meus dedos ainda são meus — batalhei,
hoje não era um dia de perdas. Sempre que ele se aproximava demais,
conseguia arrancar algo de mim e não estava disposta a lhe dar o que
queria. Não depois de sua insinuação mais cedo no BellRios.
— Se não me der a sua mão, Augusta, eu não vou me importar de
pegar a porra do anel e enfiar na porra do seu dedo anelar. Eu não me
importo com o que saia da sua boca mentirosa, só me importo que esse anel
esteja colado em seu dedo.
— Vou arrancá-lo antes que isso aconteça.
— Isso me parece um desafio.
— Isso me parece uma rejeição que você não está lidando muito
bem.
Sua língua estalou e algo dentro de mim tremeu. Soltei uma longa
respiração, sentindo meu coração bater em todas as partes do meu corpo.
Nos encaramos e decidi que não iria ceder, mesmo que o meu corpo
traíra reagisse às suas provocações mais rápido que meu cérebro.
— Você quer que eu me ajoelhe? — Um tom perverso ainda tocava
seus lábios, e tudo começou a ruir lá fora. Me remexi inquieta,
impossibilitada de sair do lugar. Eu não conseguia me deslocar, os olhos de
Dominic me aprisionaram e a cena dele ajoelhado diante de mim me fez
hesitar alguns instantes. E ele me leu. Os lábios abriram e depois se
prensaram, contendo algum sorriso que ele não quis me dar: — Parece que
tenho algo a fazer.
— Não se atreva — quase rosnei com o coração alcançando minha
garganta.
— Eu não me importo de me ajoelhar se é isso que você quer, amor.
— O tom parecia doce, mas as intenções não tinham nada disso. Era
perverso, maldoso e vil. — De novo. — Sorriu sacana.
— Dominic…
Era tarde demais para mim e eu soube disso no instante em que seu
joelho direito foi ao chão e um brilho cruel assombrou seus olhos. Os meus
estavam arregalados e o meu corpo tentava se mexer, sem sucesso. Estava
vidrada, não conseguia desviar os olhos do homem à minha frente. Não
conseguia não trazer o passado à tona quando já tinha imaginado essa cena
tantas vezes e nenhuma tinha doído tanto. Tinha me ferido tanto.
Porque não era sobre amor, era sobre vingança.
Era sobre a minha covardia de ter desistido de nós.
Ainda atordoada, encarei seus olhos que me diziam que ainda
ajoelhado, era ele quem estava por cima, era ele quem estava ganhando.
Dominic não tinha medo de mexer com seu orgulho, não tinha medo de
expor a verdade mais dura, em busca de qualquer resquício de mim. E isso
o fazia ganhar todas as batalhas. Nada o atingia.
— Gosta de me ver assim?
Brasa se alastrou em minha pele quando duas mãos grossas
seguraram minhas coxas e minha respiração engasgou ao perceber quão
perto estávamos. Um risco desnecessário e um ato amador. O veludo
queimava em minhas mãos e a raiva me encheu de frustrações e amarguras.
— Não me admira que, mesmo depois de eu tê-lo quebrado, ainda
goste de se ajoelhar para mim — ataquei, tentando buscar um resquício de
orgulho.
Esperei que o seu sorriso vacilasse, mas a minha fala pareceu só
despertar mais ainda a perversidade em seus olhos.
— Corações partidos batem mais forte do que você imagina.
Como álcool em uma ferida aberta. Nada era sobre como ele tinha
se machucado, mas, sim, sobre como eu o tinha machucado.
Dominic era cruel, usava sua dor para me atingir porque sabia que
ao menor sinal eu fugiria. Ele estava aberto a superar, e isso fazia com que
ele fosse melhor em suas artimanhas, já eu, não. Ao menor sinal de
sentimentos mal resolvidos, eu fugia.
E era o que eu iria fazer.
Em um estalo de segundos, dei um passo para trás, despertando do
êxtase.
Se não pode vencer, fuja.
E foi o que fiz, em um instante, estava parada encarando suas mãos
que grudavam minhas coxas, em outro, estava jogando a caixinha em seu
colo e dando passos largos para longe dali. Quase correndo.
Sem olhar para trás, subi a passadas largas os pequenos degraus
acarpetados que me levavam para saída do auditório, e não me arrisquei a
olhar para trás.
E apenas uma gargalhada alta e nada divertida foi ouvida. Meu
ventre pesou com a adrenalina e meu coração saiu pela boca.
Oscar latiu atrás de mim, mas não me virei para saber se estava me
seguindo ou não.
Meus passos eram firmes e até considerei tirar os saltos para caso
precisasse realmente correr. Eu me sentia a pessoa mais ridícula, correndo
pelo teatro após ser pedida em casamento. Seria cômico, se não fosse
trágico. E eu até riria por meio ano se não fosse menos covarde.
Porra, eu o tinha deixado, por que merda ele ainda insistia nessa
maluquice toda?
Por que merda ele ainda queria casar com a pessoa que tinha partido
seu coração?
Me apressei, despertando meus pensamentos confusos. Eu teria que
dar um basta nisso. Não tinha mais tempo de descobrir o que Dominic sabia
sobre a noite do incêndio, não tinha tempo para brincar de apagar pistas
enquanto Dominic me sufocava com sua presença.
Quando estava próxima das duas longas portas que dava saída para
rua, ouvi Dominic de longe, ele estava cantando meu nome em um tom
irônico. A minha respiração engatou.
Levei as duas mãos para abrir passagem para a liberdade. Correria
para o carro e aceleraria com toda velocidade para casa. Quase podia sentir
o alívio em meu peito. Fugir é melhor que ficar.
Dei um longo suspiro quando cheguei ao hall, então empurrei a
porta pesada para fora, ar puro e liberdade… Meu coração disparou quando
ela não se mexeu. Empurrei o outro lado e tentei puxá-la para trás. Talvez
ela abrisse dos dois lados. Nada. O pânico me tomou. Balancei a porta,
provocando um leve estremecer da madeira polida, mas nada, nem um sinal
de que abriria.
Não, não, não, não. Ele não tinha feito isso.
Eu senti mais do que ouvi a presença densa de Dominic atrás de
mim.
— Não consegue sair, amor?
Engoli em seco e desejei ter super força para derrubar aquela merda
de porta. A raiva preenchendo cada poro.
— Está tão desesperado assim que precisa me prender para garantir
que eu use uma porcaria de anel?
— Assim você me insulta — disse com uma voz ofendida, fingida.
E não me arrisquei a olhar para trás, olhar para a madeira me dava mais
coragem. — De forma alguma, eu precisaria te prender para enfiar um anel
no seu dedo.
O cheiro amadeirado misturado com menta e canela me inundou, e
soube que estava a poucos passos das minhas costas. Cerrei os punhos,
tentando controlar os batimentos.
— Mas, talvez… — sua respiração estava próxima do meu pescoço.
Soltei o ar pela boca, querendo desesperadamente que o meu corpo me
ouvisse. — Talvez eu precise te prender para outras coisas, já que sabemos
que você tem algumas manias de fuga.
Eu estava lutando para me manter em pé. Mas sabia que não duraria
muito. Eu nunca durava. E odiava isso.
Então, de novo, eu tentei fugir, escapulir para longe dele. Rumei
para o corredor em busca de espaço, poderia ficar circulando o teatro a
noite toda, se fosse para não ficar perto de Dominic. Mas não fui rápida o
suficiente, ele me pegou no quarto passo, só para me prensar no corredor
largo, e segurar minhas mãos perto da minha cabeça. Seu rosto estava tão
perto que as nossas respirações se mesclavam. E um brilho perverso
transpassou seus olhos. Tentei soltar minhas mãos, mas o agarre era firme.
Estava presa.
— Estou começando a achar que seus movimentos querem me dizer
algo.
— Ir embora é um deles.
Vi o vislumbre de Oscar no hall de entrada, Dominic devia ter dado
ordem para ele ficar, pois estava deitado com as patas cruzadas. Encarei
seus olhos de forma felina, pronta para atacar e tentar me soltar. Se eu não
fosse embora, as coisas não terminariam bem. Pelo menos, não para o
restante estilhaçado do meu coração.
— Ainda não sabe que quem procura demais acha? Não tem medo
do que pode encontrar aqui? — despejei toda raiva que estava
transbordando do meu peito. — Talvez a sua busca maníaca por algo que
não vai encontrar esteja fadada ao fracasso.
— Minha bruxinha, eu nunca terei medo do que posso encontrar. —
Levou o dedo ao queixo. — Eu nunca terei medo de te desnudar por inteira.
Tentei mexer meus braços, mas estavam firmes na parede. Minhas
pernas balançaram inquietas, e meu fôlego foi se perdendo eventualmente
por causa das expectativas de nossos próximos passos.
— Me deixa ir — rangi os dentes, com o sangue liquefazendo.
— Não — sussurrou, abrindo os lábios e soprando os meus com seu
hálito de menta. — Vamos jogar.
Meu coração tropeçou nas batidas.
— Não — me desesperei.
— Está com medo, pequena bruxa?
— Não.
Dominic abaixou o rosto, ficando na minha altura, seu corpo agora
me cobria todo. Suas mãos estavam presas na parede segurando meus dois
pulsos, então ele só tinha os lábios para me tentar.
— Então, o quê? Quer que eu comece a te interrogar sobre a
quantidade absurda de dinheiro que anda saindo da sua conta? Ou podemos
ir mais longe com as suas mentiras?
Sentia que nossas vozes carregavam mais peso que o necessário.
— Invasão de privacidade é crime.
— Causar um incêndio também é crime, e vejamos, nenhum de nós
está atrás das grades.
Dominic soprou meus lábios, me fazendo engolir em seco. Podia
sentir seu gosto em minha boca, a maciez dos seus lábios molhados e a sua
língua áspera lambendo cada pedacinho de mim. Apenas segundos depois,
reparei em minha língua deslizando pelo lábio inferior para umedecê-lo de
modo inconsciente. Dentro das minhas sandálias, meus dedos se escolheram
em união assim que seu nariz se enfiou no meu pescoço, me cheirando,
fazendo arrepiar todo o meu corpo.
Engolindo em seco com a ansiedade, me comendo.
Dominic estava alerta aos movimentos do meu corpo, como se
estudasse as minhas reações e decorasse todas em uma parte secreta em sua
cabeça.
— Vamos fazer assim, eu vou colocar esse anel no seu dedo de
qualquer jeito, mas posso te dar uma escolha de como iremos atuar. —
Havia animação em seu tom e meu ventre se contraiu com as
possibilidades. Me atentei aos seus lábios convidativos. — Vou contar até
vinte e seis e vou dar a chance que se esconda, se eu não te achar em cinco
minutos, abrirei a porta e te deixarei partir…
Me remexi inquieta. A ansiedade criando cenários eróticos na
minha mente onde os seus lábios molhados encontrariam os meus. Mesmo
que soubesse que isso não aconteceria, não enquanto eu não pedisse, essa
era a regra. E eu não ia pedir.
— … mas se eu a encontrar… — Meu coração estava em todas as
partes do meu corpo. — Espero que jogue fora todos os anéis da sua mão,
pois o diamante será a única peça que brilhará no seu dedo.
Colei uma perna na outra, querendo criar algum atrito. Com certeza
a minha calcinha estava estragada, poderia até sentir meu líquido escorrer.
Meus pés se remexeram inquietos.
Dominic se aproximou do meu rosto novamente, cheirando meu
pescoço mais uma vez. Soprou o meu ouvido e ficou alguns segundos preso
ali, enquanto eu me embriagava em seu perfume e cruzava as pernas de
inquietação.
— Augusta? — sussurrou no meu ouvido.
— Sim?
— Corre.
Então, eu corri.
ADD COMPLEMENTO
FUNDADORES
A minha mão foi a primeira coisa que ele olhou quando ocupou o
lugar à minha esquerda.
— Precisa de uma super bonder? — Sempre tão amável.
— Não ia usar uma coisa horrenda daquelas. — Veneno e escárnio
encharcaram minhas palavras, querendo feri-lo com algo que sabia ser
importante para ele. A joia era importante pra ele. Ou deveria ser, já que
uma expressão perversa e nada bondosa tomou seu rosto.
— Achei que preferia pedras pequenas e de alto valor.
— Está enganado, gosto de pedras grandes e valiosas.
Dominic arqueou as sobrancelhas e abri a mão em sua frente,
revelando a peça que estava cravada dentro do meu punho esquerdo.
— Mas essa dá para o gasto. — Ofereci-lhe a joia, que queimava
minhas mãos, e Dominic não demorou dois segundos para pegá-la e
deslizar no meu anelar. Minhas mãos estavam trêmulas e frias, mas ele não
disse nada sobre. Levantei a mão esquerda: — Feliz?
— Satisfeito.
Fugindo de um embate com Dominic, desviei do seu olhar analítico,
porque ainda precisava de tempo para articular meus próximos passos da
noite. Então, dei atenção à minha taça que logo ficou vazia, me atentando
aos nossos amigos que nos rodeavam, nos presenteando com grandes
sorrisos divertidos.
Oh, sim, nossos próprios amigos foram os primeiros a entrarem
nessa psicopatia toda.
Eu tinha um palpite que eles estavam amando, na verdade.
Em alerta, percebi que Ella escapuliu da cadeira ao meu lado e
rodeou a mesa, se sentando à minha frente, ao lado de Zaki e Christian. O
seu gêmeo estava do lado de Dominic. Polly estava no extremo direito,
conversando animada com nossas garotas, e avistei Miriam em outra mesa
com nossos pais.
Puxei minhas mãos para o colo quando notei o movimento
inconsciente que meus dedos começaram a fazer na mesa.
Sentia-me ansiosa.
Uma voz alta e aguda me chamou a atenção e me concentrei na
conversa à minha frente. Seu vestido era ousado, um azul-marinho
decorado, com pérolas no corpete. Estreitei os olhos para o fino colar de
pérolas que rodeava seu pescoço. Agucei meus sentidos em curiosidade.
A garota que estava com as mãos em Dominic era a mesma que
estava debutando no QueenKey. Karen. Mas ela não pareceria nenhuma
garota, olhando-a assim, suas expressões eram cansadas e o tom maduro do
seu rosto me pegou.
— Você devia tentar, é realmente algo que toda mulher devia fazer
pelo menos uma vez na vida.
— Eu aposto que sim — Dra. Janine soou incerta quando olhou a
mulher de pérolas com cautela, tinha um vislumbre de julgamento em suas
íris.
Olhei a cena com mais curiosidade, Janine Greenwood era uma das
médicas mais conceituadas da cidade, alta, de pele negra, cabelos pretos e
extremamente lisos, eu a considerava uma mulher séria e de poucas
palavras.
A Dra. ouvia atentamente a mulher de azul, balançando a cabeça
algumas vezes e em outras somente escutando. Seu corpo estava rígido,
mantinha a taça em sua mão na altura dos seus seios, e não se mexeu em
nenhum momento até que depois de minutos a sua postura relaxou. E um
vislumbre de um sorriso manchou seus lábios. Uma mão delicada tocou
seus ombros. Era a sua esposa, a Dra. Melissa.
Então, voltei minha atenção para a mulher que tinha me chamado a
atenção, incomodada. Assim, nessa posição, ela parecia muito mais velha
do que quando estava debutando entre as QueenKey no salão. Havia um
boato que ela dormia com homens por dinheiro, e não gostei de saber disso.
As minhas damas não podiam ter essa reputação. Fiz uma careta
inconsciente. Ela era a garota que rondava Dominic.
Seus tons de voz diminuíram, e acompanhei com o olhar seus
passos sumirem de vista.
Minha taça foi enchida novamente e tomei todo o líquido.
Engolindo a enxurrada de sentimentos. Merda. Respirei fundo.
— Ouvir conversa alheia é o seu novo esporte favorito?
Quase bati a coxa na mesa ao sentir uma mão quente na minha pele,
por um momento, quase havia me esquecido quem estava ao meu lado.
Quase. Porque meu corpo era bom em identificar quem estava por perto.
Olho pra minha esquerda, vendo sua cara lavada também concentrada nas
conversas à nossa frente. Provavelmente ouvindo as mesmas coisas que
acabei de ouvir.
— Não precisa ouvir, é só me perguntar. Posso te falar todos os
detalhes de como ela é.
O quê? Travei meu olhar em seu rosto, tentando não voar em seu
pescoço.
— Você dormiu com ela?
— Agora gostaria de saber sobre a minha vida?
— Achei que prostitutas não fossem o seu lance. — Senti que
minha voz subiu alguns tons, e não me importei em verificar se alguém
estava prestando atenção em nós.
Seus olhos se estreitaram em minha direção, depois abriu os braços,
confortável demais, ignorando meu ataque.
— Calma, bruxa, não precisa disso tudo. — Seu tom malicioso
pingava deboche. Senti meu rosto quente, meu coração já começando seu
trabalho favorito. Calor ferveu em minha perna e travei o maxilar. Seu rosto
impassível.
— Tira a mão da minha coxa — falei sorrindo, entredentes.
— Você é minha noiva, é meu dever verificar se está bem. — Deu
de ombros, como se a ação fosse algo corriqueiro. — Você pode perguntar,
não precisa me apalpar. — Balancei a perna para que sua mão fosse
embora.
— Eu sou do tipo que precisa sentir para crer.
— Tira — disse em um tom baixo para que somente ele escutasse,
tentando puxar suas mãos com a minha. Nada aconteceu. — Tira a porra da
mão. — Sinto sua mão apertar mais forte a minha coxa. Filho da puta.
Esbravejo e tento levantar da cadeira, o que não dá muito certo com
o peso da sua mão em mim. E ficamos nesse embate, eu tentando me
levantar sem parecer desastroso e Dominic agarrando minha cintura para
que eu permaneça na mesa. Eu poderia até rir da cena se o babaca não fosse
tão convencido em achar que conseguiria me controlar.
Parei meus movimentos quando ele soltou irônico:
— Você parece ansiosa, amor, precisa de ajuda em algo?
— Eu preciso que você tire essas mãos porcas de mim!
— Agora minhas mãos são porcas?
Cerrei os olhos pela ousadia de sua boca, e estava decidida a
esganar seu pescoço bem ali e agora. A ansiedade me comia de dentro para
fora e o estresse mexia com minha percepção. Eu podia chamá-lo para um
embate lá fora, e talvez descontasse toda a minha raiva nessa cara bonita,
exalando um sorriso que aparentava saber exatamente o que eu queria.
De repente, o peso do nosso último encontro se fez presente no ar e
a minha respiração falhou quando sua mão quente na minha coxa exposta,
espalhou calor pelo resto do meu corpo. Naquele momento, eu podia muito
bem deixar me levar pelas minhas emoções, sentir o seu toque em mim e
me embriagar nos seus beijos molhados, que deixavam marcas tão
profundas nas minhas memórias que meu ventre se contraía e meus pés se
remexiam inconscientemente em busca de mais contato.
A raiva que engolia todas as minhas outras emoções ameaçou dar
voz aos meus hormônios.
Lutar contra mim mesma era cansativo e estava a um pico de
mandar tudo a merda mais uma vez. Só mais uma vez, era o que eu pensava
quando ele estava muito perto. Só mais uma vez, era o que eu falava
comigo mesma quando Dominic pedia para que eu cedesse. Só mais uma
vez antes de ser a última e ele descobrir tudo e me mandar embora de vez.
O brilho em seus olhos me disse que ele sabia o que estava
pensando. Babaca. Eu nunca fui muito boa em guardar meus desejos para
mim mesma, e Dominic sempre foi muito bom em decifrar meu corpo
primeiro que eu. Porque eu sempre estava em uma luta constante com a
minha mente, e pensar demais, às vezes, era demais.
Ainda mergulhada em seu rio petróleo, mexi a coxa vendo que sua
mão estava firme ali no meio, despertando cada fibra possível. Cruzei as
pernas, incomodada, sua mão adentrando mais. Acho que mais alguns
centímetros e Dominic sentiria a minha calcinha. Os dedinhos dos meus pés
se espremeram no salto.
Suspirei, sem paciência nenhuma.
O tilintar de uma taça fez todos se calarem e percebi que não ouvia
esse barulho externo. O meu coração já não bombeava de ansiedade por
pensar demais, ele bombeava de expectativas em estar com Dominic.
— Boa noite! — Era a voz de Martinez, engoli em seco quando
obrigava meus olhos a olhar para o portal em arco. — Tomando as palavras
do senhor Clifford, estamos muito contentes com essa noite, é uma dádiva
estar finalmente começando essa nova etapa no nosso meio. Sabemos que
foram longos anos de espera, e Dominic que o diga — risadinhas baixas
foram ouvidas. Um pouco tensa pelas palavras, franzi o cenho, ingerindo
mais vinho. Agora era um ótimo momento para banquetear o jantar que
estava sendo servido.
— No entanto, aqui estamos nós, contemplando a união de duas
família fortes, a construção de um império novo. E de um novo chamado
que a AAB irá abraçar. Antes de passar a palavra para os noivos, adianto
que sejam breves — uma risadinha o cobriu e travei o maxilar. — Já que
temos o nosso rito para cumprir e estamos muito ansiosos — mais
risadinhas e foi impossível não revirar os olhos. — Pois bem, não queremos
prolongar mais, certo? Noivos, as palavras são suas.
Se eu já estava incomoda com a palavra noivos antes, ela desceu
como fel, amargando e queimando meu interior naquele momento. De
repente, algo primitivo gritou dentro de mim e soube que naquela noite eu
estaria decidindo nosso futuro mais uma vez.
A minha primeira opção era destruir esse noivado, dar um fim ao
nosso sofrimento e expor toda merda enraizada ali, mas talvez, só talvez,
ainda não estivesse pronta para deixá-lo, e levar meus pesadelos para morte
parecia muito mais apetitoso do que deixar que a morte me levasse sozinha
sem nenhuma barganha para ficar.
Então, mais uma vez, ou a última, optei pelo sentimento mais fácil.
Pela emoção menos complicada de lidar, pelo caminho egoísta de achar que
ainda poderia ter tudo que queria. Fingir mais uma vez, como tinha feito
nos últimos meses.
Optei por achar que ainda tinha algum controle, porque ainda era
uma cadela egoísta que gostava de brincar com fogo, gostava de pintar os
escudos do meu ego, o tornando impenetrável.
Uma última vez. Depois levaria à morte para debaixo da terra. E, no
final, pegaria a minha coroa.
RITO
O rito era mais uma brincadeira que se tornou tradição nos últimos
tempos.
Nos tempos antigos, havia um rito sagrado em que durante uma
temporada, algumas mulheres cortejavam o príncipe, mostrando seus dotes,
valores, criatividade e atividade em prol de provar que eram dignas de um
bom casamento. Patético.
Hoje, essas atividades são inteiramente voltadas para o QueenKey,
a garota que levará a chave da cidade por um ano.
Entretanto, com a evolução dos tempos, graças ao Pai, a
modernidade de trazer alguma disputa antes de algum casamento
permaneceu. Mesmo que não fosse verdadeiramente uma disputa, mas sim
sobre o quanto os noivos se conheciam. Excitante.
Os burburinhos animados soaram pelo salão enquanto um acorde
animado soava do piano. Fui até os gêmeos, que cochichavam animados
com Zaki na base das escadas.
Cerrei os olhos quando pude ouvir as palavras por cima do barulho.
Como estava vindo por uma das portas laterais da mansão, eles estavam de
costas para mim e não me viram.
— Vocês só provam a idiotice de vocês apostando assim. — Era a
voz de Zaki.
— Seria burrice não apostar — Chris se defendeu e caminhei
preguiçosamente, parando em uma das estantes que ficava encostada na
parede, para colocar bebida em meu copo. Virei de costas enquanto o
enchia de bourbon e tentava ouvir a conversa dos babacas.
— Você sabe que Dominic vai saber que é ela, mesmo se tivesse
todos os sentidos tapados — Charles desdenhou, provavelmente revirando
os olhos.
— E você precisaria convencê-la de que precisa vencer uma aposta
para que ela faça Dominic perder — Zaki soltou a ideia, divertindo-se.
— Isso não é um problema — Christoph se defendeu de novo.
Chuck e Zaki gargalharam.
— Tudo bem, irmão, nós entendemos suas limitações cerebrais e te
acolhemos. — A voz de Zaki se elevou e soube que nada do que estavam
falando era para se levar a sério.
Os babacas riram mais e aguardei mais um pouco para revelar
minha presença.
— Vocês estão com inveja que eu sou o preferido dela — Chris se
defendeu com convicção nas palavras.
— Está mais louco do que imaginava se acha que Augusta nutre
sentimentos bonitos por nós. Ela nos suporta, é diferente. — Eu podia
facilmente concordar com Chuck.
— Mas não falei que ela gosta de nós, disse que gosta de mim. E
outra, tenho certeza que se eu pedisse para ela...
Revirei os olhos, não querendo ouvir um monólogo de Christoph
Nikosi.
— Como preferido dela, não devia gastar tanta saliva se defendendo
— cortei a conversa que já estava indo longe demais.
Ignorei seus olhos arregalados.
— Essa obsessão de vocês é questionável — ofereci a garrafa que
levava em mãos e eles aceitaram de bom grado.
— Só mais um item para uma longa lista — Zaki cantou e tomou o
vidro da minha mão, despejando o líquido nos copos vazios.
— Pronto para provar o que todo mundo está cansado de saber? —
Chris provocou, apertando meus ombros em um gesto encorajador.
Ri pelo nariz, dando de ombros.
— Não posso evitar.
— É claro que não — murmurou e me empurrou para o centro do
salão.
O líquido que enchia meu copo desceu queimando, acionando cada
partícula de adrenalina no meu corpo.
Fui para onde uma cadeira com estofado branco estava posicionada.
Os burburinhos eram altos e não fiz questão de prestar atenção sobre o que
falavam, apenas me acomodei no lugar que tinha braçadeiras douradas.
Estiquei os braços por cima da madeira, depois afundei meus dedos na
mesma, firmando o corpo. Me sentia ansioso com a expectativa.
Não estava nervoso pelo risco de errar, mas sim de provar que nem
mesmo com os olhos fechados deixaria de reconhecê-la.
Isso me deixava animado para caralho.
Uma breve explicação foi dada, dizendo que era só uma brincadeira
de distração. Mas todos ali sabiam que era muito mais que apenas uma
dinâmica.
Era mais sobre desafio e posse. Já vi homens pagarem para que não
deixassem eles errarem, ou que dessem dicas discretas para que sua honra
permanecesse intacta.
Eu não tinha pagado ninguém, e isso não passou despercebido para
os homens ali presentes. Quase podia ouvir o tom zombeteiro de suas
apostas.
— Pronto? — A voz feminina me despertou, era Alana, uma das
amigas de Augusta.
Balancei a cabeça afirmando, e dando uma última olhada nas
pessoas ao meu redor, deixei que vendasse meus olhos. Não tentei enxergar
através de alguma fresta, ou mexi o rosto para que a venda se ajustasse
mais. Ao invés disso, investi nos meus outros sentidos, principalmente no
olfato.
Porque eu ia identificá-la, era quase um instinto corporal, senti a
eletricidade de sua pele em contato com a minha, e digamos que não
precisava tocá-la para saber que era ela, então era quase impossível errar.
Porém, entrei na brincadeira, ainda com os olhos vendados, sorri
abertamente sabendo que todos os meus movimentos eram observados. Que
os meus gestos eram significativos.
A primeira mão veio. Ter unhas grandes não era identidade, embora
o sabor de ter as pontiagudas unhas de Augusta em contato com a minha
pele fosse algo totalmente saboroso, não podia identificá-la assim. Soltei a
mão macia e gelada, com nenhum tipo de joia presente.
— Não — disse simples, e a próxima veio.
A segunda mão tinha dedos finos e era quente, o seu perfume me
era familiar, porém, meu trabalho ali não era adivinhar de quem a mão era,
era identificar qual era a dela.
A terceira mão era um pouco mais grossa, e mesmo com a maciez
de uma mão feminina, sentia pequenos calos na palma. A quarta mão era
gelada e pequena, na quinta tentaram se aproveitar do momento e uma mão
masculina foi me oferecida. Dei um belo apertão e logo risadas estouraram
pelo salão.
Foram treze mãos no total, e nenhuma era de Augusta.
— Está pronto para escolher?
— Ainda não.
— Está com dúvidas? — zombou. Não consegui identificar a voz
masculina, poderia ser de um dos Cheffts que ajudavam na organização.
— Nenhuma dessas mãos é de Augusta.
Não obtive resposta, e sabia que alguém estava rodeando a cadeira
que estava sentado, rindo da dinâmica. Como todos ao nosso redor.
Para eles era divertido, para mim era caça. Relaxei no banco. Tinha
todo tempo.
— Comece de novo, e dessa vez com a minha noiva, por favor.
Então novamente o tato pela mão certa começou. Fiz questão de
estudar todas as mãos, sentir cada pegada. Algumas mãos fugiam rápido do
meu toque, outras tremiam, outras se aproveitavam. Mas sabia que
nenhuma delas era ela. Nenhuma tinha o seu perfume.
Na nona mão, eu tomei o meu tempo. Os dedos estavam sem anéis
e as unhas curtas. Uma risada baixa saiu de meus lábios em diversão. Senti-
a macia e seus dedos longos e gelados. Passei os meus em cada dobra dos
seus, em cada junta e linha, e em uma pequena cicatriz que se amontoava na
parte de cima. Havia passado tempo suficiente com as nossas mãos
grudadas para não identificar o fio de reconhecimento que o calor de nossas
palmas trazia.
Em um passo cego, abracei o corpo na minha frente, trazendo-o
para o meu colo. Um suspiro alto saiu de seus lábios.
— Minha noiva.
Palmas soaram com alguns assobios que desconfiava ser dos nossos
amigos. Tirei a venda, sendo saudado por uma carranca.
— Babaca — sussurrou. — Não poderia entrar na brincadeira?
— Não quando você está em jogo.
— É só uma brincadeira. — Augusta revirou os olhos, fazendo
menção de levantar.
— Uma brincadeira que te fez cortar as unhas só para não ser
identificada?
— Achei que um obstáculo deixaria as coisas mais legais.
— Não há obstáculos que eu não pule quando se trata do que quero
— tentei soar significativo, calmo. Para que minhas palavras entrassem
como uma faca certeira.
— Ridículo.
Prendi meus braços ao seu redor, recebendo um olhar mortal.
— Me deixa sair. Já acabou.
Adorei seu rosto, percebendo que algumas sardas ainda davam sinal
por baixo da maquiagem.
— Não.
— Não é hora disso.
— Somos oficialmente noivos, podemos estar apaixonados —
provoquei, recebendo um maxilar travado.
Mas ironia pintou seus lábios em um sorriso fácil. Aguardei ansioso
por suas palavras. A ansiedade comendo a raiva que ameaçava se instalar.
— A sua cegueira irá te matar.
— Talvez mate. — Seus olhos me encararam. E mergulhei no mel
assombroso que eles despejavam. — Está sem calcinha.
Um sorriso diabólico pintou seus lábios.
— Estou.
Travei o maxilar.
— Não queria ter ouvido isso.
— Eu não quero muitas coisas, e nem por isso…
— Devia pôr uma calcinha.
— Não.
Subi minhas mãos mais pra cima, e segurei seu quadril quando ela
tentou se levantar.
— Devia pôr uma calcinha.
— Se não o quê? Vai levantar o meu vestido para que todos
saibam?
Sorri perverso, deixando que ela visse todas as minhas intenções
através dos meus olhos.
— Claro que não.
Augusta estremeceu.
— Eu vou me enfiar dentro de você para que todos saibam o quão
molhada a sua boceta está apenas por estar sentada no colo do seu noivo.
As coxas de Augusta se fecharam fortemente e aproximei meu rosto
do seu, inalando mais do seu cheiro gostoso.
— Você não é louco — rangeu os dentes e passei minhas mãos por
sua coxa, exposta pela fenda.
— A gente pode testar a minha sanidade e ver quantas pessoas
ficariam na sala ao notar minha mão dentro de você.
Sua respiração ficou pesada.
A minha também.
A minha ereção cutucando o tecido grosso da calça, me irritando
por me deixar levar por situações como essa. Porra. Eu a queria. Porra,
queria muito estar dentro dela. A pré-sensação me deixava louco.
— Dominic…
— Augusta…
Ódio brilhou em suas íris claras e uma satisfação genuína me
abraçou. Perfeito. Augusta engoliu em seco, travando o maxilar. Nossos
olhos em um combate eterno.
— Está concentrado demais no que não pode ter e está se
esquecendo do que realmente importa.
— O que realmente importa?
Observei seu rosto vidrado, ansioso pelo veneno que sairia da sua
boca.
— Eu sou a vilã da sua história, Nic, e vilãs não merecem ser
salvas. Não quando ela quer colocar em jogo a cabeça do rei.
O COMEÇO
6 anos atrás
— Está nervosa?
— Um pouco.
Eu estava na casa de Dominic pela primeira vez, e uma sensação
estranha me cutucava, fazendo-me ficar cautelosa com cada passo. O nosso
ano havia acabado e estávamos de férias, um mês longe dos muros do
Instituto, e no próximo ano não voltaríamos para o distrito, já
começaríamos outro semestre aqui mesmo em Bash.
Estava empolgada, sei que tudo mudaria, a rotina, a convivência
com a minha família, principalmente com um namorado ao meu lado. E não
estava reclamando, na verdade, estava amando!
O que não impediu que eu criasse ideias na cabeça antes de saber
que o lugar que Dominic queria me levar era a sua casa. Estamos na
primeira semana de férias, e quando recebi uma mensagem sua, foi
impossível não pensar demais nos porquês.
A mansão Clifford era linda, linda mesmo. Tinha uma extensa
entrada rodeada por árvores grandes e perfeitamente podadas no formato
redondo. Estávamos no hall de entrada e Dominic segurava minhas mãos
com firmeza, como se quisesse me passar toda a confiança do mundo. E eu
a aceitei.
— Não fique nervosa, você já conhece Fred, e você não tem nada a
temer com meu irmão.
— Eu conheço de vista, nunca conversei com Frederico —
expliquei, cortando-o. Já tinha visto seu avô em alguns eventos, até mesmo
já o vi saindo do escritório do meu pai. Mas era diferente, não me sentia
obrigada a conversar ou algo do tipo, ele só estava ali, e agora… bem, o
velho não poderia ser tão ruim assim, certo?
— Mas não há nada o que temer, vem… — Fui arrastada para uma
escadaria em caracol.
— Você diz isso porque não é você. — Apertei sua mão quando
chegamos a um corredor largo. Podia se ver uma grande janela de vidro no
final.
— Quando for a minha vez, espero receber palavras de conforto.
— Quer ir na minha casa?
— Você não quer que eu vá?
— Nunca pensei muito sobre isso. — Na verdade, tinha pensado,
sim, muito aliás. Todas as vezes que sentava na mesa de jantar imaginava
como seria ter Dominic ao meu lado.
— Mentirosa — cantou e ri quando paramos em uma porta fechada.
Dominic apontou para os ouvidos e agucei os meus para ouvir o que vinha
atrás da porta.
Era o acústico de um piano, sorri. Era o meu som favorito.
Ele bateu na porta levemente, e entramos no cômodo, sendo
recebidos por um largo sorriso de um menino sentado no estreito banco do
piano. Sorri em reflexo, Dominic tinha me falado de seu irmão com tanto
entusiasmo que sentia que já o conhecia, sem nem mesmo trocar uma
palavra.
— Oi, Damian! — Acenei com a mão, mas Dominic me empurrou
para dentro do cômodo, fechando a porta atrás de nós.
— Levante, Damian, vem abraçar Augusta. — Era uma voz de
ordem, mas incrivelmente carinhosa, como se fosse um tom certo que seu
irmão acatou rapidamente.
Observei atenta a interação dos irmãos à minha frente, porque antes
de Damian me abraçar, ele abraçou carinhosamente o mais velho.
— Damian ama abraços — Dominic me disse antes de seu irmão
mais novo estudar meu rosto atentamente, apertar minhas bochechas e
abraçar meus ombros apertados. Não contive a risada, e fiquei feliz pelo
carinho.
— Você é bonita, a namorada do meu irmão é bonita.
Arqueei as sobrancelhas.
— Então, Dominic esteve falando sobre mim?
— Ele fala muito sobre você, Augusta — disse em uma fala
arrastada, balançando a cabeça e seus olhos brilharam. — Ele disse que
você também toca. Toca piano.
Cerrei os olhos para um Dominic observador.
— Eu toco só um pouco.
— Um pouco profissional — Dominic replicou, provocando, e
revirei os olhos.
— Pare com isso, quando eu estiver na minha própria orquestra me
diga isso — brinquei e fui para a banqueta que ficava em frente ao piano.
— Posso me sentar?
Damian balançou a cabeça e senti que estava apreensivo. Limpei a
garganta, espelhando meu melhor sorriso, pois não queria que ele se
sentisse desconfortável em seu próprio lar.
— Me mostre o que você sabe e eu te acompanho — dei a sugestão
que logo foi acatada por um Damian sorridente.
Dominic tinha me contado sobre a condição de seu irmão, e eu
fiquei feliz em ouvir a paciência em sua voz e o quão por dentro ele parecia
estar no assunto. Eu não sabia muito sobre a Síndrome de Down, só sabia o
que mostrava a pesquisa rápida do Google. O que não tinha me ajudado
muito, pois passar a tarde com Damian tinha sido bem diferente.
Acompanhei os irmãos em uma breve rotina e fiquei mais do que feliz em
ver como Damian buscava bastante autonomia para fazer as coisas sozinho.
Era até engraçado ver a pequena briga deles.
E quando seus longos dedos começaram a dedilhar rápido nas teclas
do piano, não pude deixar de elogiá-lo e ficar feliz com seu esforço.
Damian irradiava uma felicidade genuína e gostosa de presenciar.
Dominic havia me contado que quando se mudaram para Bash, a
evolução cognitiva de seu irmão foi gritante. E eu entendia que era por
causa dos melhores tratamentos e especialistas que foram contratados para
se dedicar a ele. E eu fiquei feliz por eles, porque os irmãos emanavam paz,
e a paz era sempre bem-vinda.
— Acho que foi a canção mais linda que ouvi — Dominic
sussurrou, e virei meu rosto para encontrar seus olhos petróleos sorrindo
para mim.
Estávamos em seu quarto, deitados lado a lado em sua cama. E
sentia-me incrivelmente confortável em estar nos braços dele.
— Era só Avicii.
— Quero que toque para mim para sempre.
Ri pelo nariz.
— Então, devia me ouvir tocar Tiersen ou Beethoven, não que
esteja me gabando, mas ficará ainda mais vidrado!
Dominic riu e acompanhei seu movimento. Seus braços me
aconchegaram e dedilharam os meus em um carinho distraído.
— Acho que está tarde. — E estava, minha mãe já havia me ligado
falando sobre o horário de voltar para casa.
— Sim, está.
Mas nenhum de nós deu o primeiro passo e se levantou. Então,
aproveitei mais alguns minutos embriagada em seu cheiro gostoso, e no
prazer de ter alguém do meu lado. Ou como Dominic sempre dizia: um
time, o prazer de ter um time e poder contar com ele.
— Um dia dormiremos juntos, e não terá ninguém para nos
atrapalhar. — Balancei a cabeça, concordando. Acreditava nisso.
Dominic era resolvido com as suas vontades, e é claro que não nos
poupou de uma conversa vergonhosa sobre sexo. — Pelo menos para mim,
porque as vezes Dominic não tinha muito tato nas palavras. E quando digo
conversa vergonhosa, não ouso dizer ser pelo ato em si, mas sim todas as
questões que se davam através do ato.
Por exemplo, eu nunca tinha conversado sobre menstruação com
outra pessoa que não fosse minhas irmãs e minha mãe, e ter um Dominic
interessado em como aliviar minhas cólicas menstruais foi estranho.
Depois de alguns minutos, descemos. Me despedi de Damian e
estava prestes a chamar o motorista para me levar para casa quando
Frederico Clifford apontou no hall. Ainda não o tinha visto, e tinha
agradecido bastante por isso. Não que tivesse medo ou algo contra ele, só
ainda não me sentia… à vontade em sua presença. Essa era uma colocação
perfeita.
— Augusta Vendetta, que prazer tê-la em nossa casa — ele foi
rápido e logo se apressou a chegar mais perto.
— Também estou feliz por ter vindo — respondi e apertei com
força a mão de Dominic.
— Estive com seu pai esses dias — continuou animado e franzi o
cenho. Frederico Clifford estava puxando assunto?
— Ah, certo… — limpei a garganta, me forçando a ir embora. —
Vou dizer que te vi, ele deve gostar.
— Oh, sim, diga que mandei abraços.
— Claro…
E em um simples e animado aperto de mão, o avô de Dominic se
despediu e apressei-me a procurar meu rumo de casa.
— Não foi um bicho de sete cabeças — Dominic sussurrou.
— Mas foi estranho — respondi.
Dominic beijou minha bochecha, me puxando mais para si, a
medida que andávamos para o hall. Já tinha mandado uma mensagem para
Keven e ele dizia estar por perto. Então, esperamos pelo motorista.
— Já decidiu o que vamos fazer nas férias?
Sorri, eu tinha começado a montar um cronograma do que faríamos.
— Talvez. — Balancei os ombros de um jeito divertido.
Mas antes de cruzarmos a porta, um homem grisalho e de olhos
grandes e claros nos saudou. Eu já tinha o visto em alguns eventos, muitas
vezes estava acompanhando o senhor Clifford.
— Olá, crianças — falou em uma voz forte, e Dominic o
cumprimentou com um aceno de cabeça.
— Martinez, deve conhecer Augusta — disse animado, e sorri.
Dominic gostava desse homem, e fiquei feliz por ele ter mais uma
pessoa que o auxiliasse nesse meio.
— Olá, Augusta! — Martinez acenou com a cabeça e me olhou de
um modo analítico. — Bem-vinda à família.
Tentei não me mexer, mamãe tinha me falado sobre expressões
corporais na semana passada, e como se mexer em um momento como esse
diria tudo sobre você. E ninguém precisava saber como ainda era insegura.
Então, mantive o sorriso leve e apertei a mão de Dominic.
— Obrigada. — Fui sucinta.
Eu sabia que Dominic tinha contado à sua família que estávamos
namorando, e não fiquei surpresa pela sua fala. Só que foi estranho.
Balancei a cabeça.
Acho que conhecer sua família me fez realmente perceber que
tínhamos algo sério. Me despedi de Dominic quando o carro chegou e sorri
para a tela do celular após alguns minutos. Ele havia me mandado um print
da página do YouTube onde estava escutando Beethoven.
“Não é tão mal quanto imaginei”, era a mensagem logo abaixo da
imagem.
Ri comigo mesma, minha irmã tinha dito que finalmente minhas
obsessões haviam mudado… Mas acho que tinha sorte de poder ter as duas
coisas ao mesmo tempo. Sorri feliz.
Eu tinha o melhor namorado do mundo.
COLAR
Esperar não fez bem para minha imaginação, muito menos para
minha raiva. Imaginei perversas formas de afogar Dominic na pia do
banheiro. Acho que não tinha se passado mais de cinco minutos que vi
Polly falando com Dominic, mas ele não precisava mais do que isso para
me encontrar. Que merda.
Do lado de dentro do banheiro privado, que estava no mesmo
corredor que a sala onde tinha colocado as joias há pouco, onde também
tinha mais três portas destinadas à recepção e salas reservadas, eu escutava
com atenção os barulhos do corredor. Me sentia uma criança fazendo arte.
Suspirei. Foda-se o que estava parecendo, queria esganar Dominic.
Um leve arrastar de passos me fez entreabrir a porta. Lá estava ele.
Esperei que entrasse no cômodo para seguir o plano. Eu até tinha pensado
em trancar e deixá-lo ali até que tudo acabasse, mas sabia que ele também
tinha as chaves, então não resolveria muita coisa. Resolvi ir para o meu
segundo plano, provavelmente o mais falho, mas que iria me satisfazer, por
ora.
Dominic entrou e segui logo atrás. Seus olhos logo me captaram
quando fechei a porta atrás de mim. Não tinha muitos móveis; apenas um
armário de madeira que cobria uma parede, sofá branco de três lugares, dois
puffs, e uma mesa de vidro. Eram salas usadas para uma reunião rápida, um
lugar de recepção ou descanso, não tinha uma função específica.
— Você chama e eu venho — estalou a língua.
Arqueei as sobrancelhas em uma acusação.
— Demorou.
— Estava contando os minutos?
— Você não? — Foi a vez dele arquear as sobrancelhas. — Ou
estava ocupado demais?
E não demorou muito para Dominic perceber sobre o que eu estava
insinuando. Um sorriso nada amigável pintou seus lábios.
— Isso é algum tipo de ataque?
— Por que seria?
Dominic caminhou a passos distraídos para uma cadeira que estava
perto do sofá, sentando. Arrastei meus pés para perto, diminuindo o espaço
entre nós.
— Está sempre armando algo.
Estalei a língua, sorrindo
— Eu só gosto de relembrar algumas coisas. — Mordi o lábio
inferior, apoiando minhas mãos em seus ombros.
— Quais coisas? — Seus olhos eram fatais, e me senti anestesiada
por receber sua intensidade direto no ventre.
— Algumas coisas sobre tocar em corpos alheios.
Dominic engoliu em seco, e dessa vez sussurrou:
— Eu preciso que seja mais clara.
Sorri diabolicamente.
— E eu preciso que entenda que se não for eu, ninguém tocará em
você.
A sua risada baixa fez meus pés se encolherem. Nossos rostos
estavam muito perto, e sua mão foi ágil em me puxar para baixo. Para o seu
colo.
— É?
Minha respiração ficou pesada. Balancei a cabeça, sendo presa pela
intensidade do rio petróleo, que fazia minhas pernas se esfregarem uma na
outra.
— Isso me soa um pouco possessivo — sussurrou.
— Eu não me importo — soprei seus lábios e senti suas mãos
serpentearem em minha cintura, depois minhas coxas.
— Isso é um sim?
— Você vai descobrir.
E suas mãos não perderem tempo, senti seus dedos dedilharem
minhas costas e a tensão se acumulou no meu ventre. Queria me esfregar
em Dominic sem pudor, sem nada. Queria montá-lo e dar fim a agonia que
já ameaçava transbordar no meio das minhas pernas.
— Mas você sabe as regras — sussurrei com dificuldade e logo
suas mãos deixaram meu corpo. Meus lábios repuxaram em um sorriso
malicioso. — Vamos brincar…
Beijei seu pescoço, sua nuca, suas bochechas, e me levantei devagar
passando minhas mãos por seus braços que tentavam ficar estáticos. Passei
a mão por eles, levando-os para trás do seu corpo.
Dominic cerrou os olhos para o meu movimento, mas não disse
nada, apenas observou atento enquanto amarrava seus pulsos com uma
gravata que tinha achado no armário. Sabia que não seguraria Dominic, mas
devia ser o suficiente para o conter por alguns segundos. O tecido podia ser
fraco, mas o nó era perfeitamente bom.
Passei minhas mãos por seus quadris, pela sua ereção, suas coxas, e
subi raspando as unhas em sua barriga. Rebolei em seu colo e Dominic
fechou os olhos quando lambi toda a extensão do seu pescoço, provocando
arrepios e uma ereção que cutucava descaradamente minha bunda. Soprei
sua boca e passei a língua por cima dos seus lábios.
— Gosta da sensação, noivo? — Coloquei a mão sobre o seu pau e
o apertei. Seu sorriso sacana foi a resposta. — Gostaria da minha boca nele?
— Dominic grunhiu arrepiando os pelinhos do meu braço.
Os orbes pretos pegaram fogo.
— Me chupa — era um tom de ordem, e eu faria como uma boa
moça se não estivesse com raiva. — Me mostra como essa boca mentirosa
pode ser boa, bruxa.
As batidas do meu coração doeram e trinquei o maxilar com fúria.
— Eu podia fazer isso, amor. Seria tão bom — sussurrei, lambendo
o seu maxilar. — Eu provaria tudo como uma boa garota.
— Faça.
Passei o polegar por seus lábios molhados e sorri.
— Da próxima vez que pensar em querer outra mulher, ficará sem o
pau.
Então saí do seu colo e me apressei a abrir a porta. Segundos.
Segundos para ele perceber que não íamos finalizar. Segundos para ele abrir
os olhos e me prometer coisas que não sabia explicar, somente sentir direto
na minha boceta.
Dominic não demorou a arrastar sua cadeira e se livrar do nó, mas
eu já estava fechando a porta na sua cara. Sabia que não ia conseguir trancar
como tinha pretendido, mas ele ficaria doido e eu me retiraria, deixando que
surtasse sozinho.
Saí depressa, indo direto para o meu lugar de origem por falta de
tempo, mas não consegui fechar a porta do banheiro quando um sapato
masculino impediu o movimento.
Dominic tinha corrido? Arregalei os olhos.
— Por acaso está correndo de mim, bruxa?
Sua voz estava mais rouca que o normal, e perceber isso fez com
que segundos fossem o suficiente para Dominic adentrar o banheiro.
— Por que eu correria de você? — Percebi que a minha voz estava
falha, como o meu coração acelerado que avançava em uma expectativa
fodida.
— Talvez porque tentou me trancar em alguma sala vazia?
Engoli em seco, tomando ciência do espaço entre nós. Dominic
fechou a porta. Estávamos sozinhos, trancados em um banheiro.
Inspirei inconscientemente o seu perfume.
— Pense o que quiser.
Dominic riu, uma risada sem som e encharcada de intenções. O
meu coração corria em um desenfrear incontrolável, e de repente semanas
de promessas e provocações pesaram, eu soube que não podia correr, não de
Dominic.
Não da sensação de querer estar perto e me consumir por inteira. E
percebi novamente que queria demais isso. Deixar o corpo dominar a mente
e afogar-me nele o suficiente para não precisar ser coerente.
Ergui o queixo.
— Então me foder em um banheiro será o suficiente?
Sua risada reverberou e ali eu soube que o meu corpo pegaria fogo
ao menor toque de seus dedos. Era sempre assim, não importava quanto
tempo passasse, o meu corpo ainda era totalmente rendido por ele.
— Claro que não, mas…
Engoli em seco, muito concentrada em seus passos. O banheiro não
era tão grande assim, na verdade, agora ele parecia muito pequeno. Muito
mesmo.
— Mas não consegue deixar passar uma boa oportunidade. — E eu
não queria que ele deixasse.
Então novamente Dominic riu e tive que me esforçar para não
apertar minhas coxas uma na outra. Porra, eu iria arrancar esse maldito
sorrisinho.
— Ainda está fugindo… — cantou, estalando a língua.
Inconscientemente, meus passos foram para trás e a pedra fria recebeu meus
quadris. Apertei com força o mármore. Maldita expectativa.
— E você ainda está correndo atrás. — Seu corpo estava muito
perto do meu, seus braços me prenderam e não tentei fugir. Hoje eu não
queria fugir, mas poderia fingir por mais alguns minutos.
— Perdeu a coragem?
Engoli em seco e sua respiração mesclava junto à minha.
Minha respiração estava pesada, e Dominic não teve dó quando
apertou meus quadris. Não mesmo, pois senti o seu aperto não só na minha
cintura, mas diretamente no meio das minhas pernas.
— Não me fale que perdeu a língua também… Ela é tão boa.
Mordi os lábios, prestando muita atenção em cada palavra que saía
de sua boca.
— Já jogamos a noite toda, ainda quer continuar? — As mãos de
Dominic vagaram pelo meu corpo, traçando as minhas costas cobertas pelo
tule preto. Arquejei pelo contato, a respiração cada vez mais alta e
dificultosa.
— Talvez — sussurrei e senti que por pouco a minha voz não saía.
— Talvez eu ainda esteja decidindo…
Dominic enfiou a mão em meus cabelos, direcionando meu rosto
para o seu. Engoli em seco.
— Então é melhor decidir rápido, porque não temos muito tempo
amor.
E sem qualquer aviso, tomou minha boca, me deixando sem reação.
A sua língua passou pelo meu lábio inferior, acariciando cada
molécula existente no meu corpo. Fazia tempo. Tanto tempo. Eu fugia dos
beijos de Dominic, fugia da vontade iminente de querer me afogar neles,
porque seus beijos molhados e quentes faziam qualquer barreira dentro de
mim ruir. Quebrar. Estilhaçar. Derreter.
Eu estava derretendo, o carinho da sua língua estava sendo sentido
em cada maldito átomo do meu corpo.
Eu estava em chamas.
Retribuí o beijo, descontando cada frustração que tinha se
acumulado durante a semana. Beijar seus lábios era gostoso pra caralho, a
maciez me fazia salivar por mais, e a ânsia em devorar cada pedacinho que
era cedido a mim me deixava tonta. Porque eu queria mais e mais e mais.
Estava me perdendo em seus lábios. Me perdendo dentro do sabor de casa
que a sua língua me trazia, cada vez que um canto da minha boca era
explorado.
Suspirei quando Dominic mordeu meus lábios inchados.
Senti o aperto em meu cabelo mais forte e esfreguei minhas pernas
em reflexo. Sua ereção se fazendo notar. A mão livre de Dominic levantou
meu vestido e arfei em sua boca.
— Que beijo gostoso, pequena bruxa — sua voz sussurrada fez
meus pelinhos arrepiarem. — Será que a sua boceta é tão gulosa quanto a
sua boca?
Balancei minhas pernas, inquieta, a sua mão serpenteava meus
quadris, provocando meus sentidos e me levando à loucura. Eu queria seus
dedos dentro de mim, não fora me provocando.
— Não vai falar nada? — Um tom divertido pintava sua voz, e
quase bufei quando seus dedos passaram por cima da minha calcinha.
— Não estou com paciência para… — Dominic afastou a calcinha,
lambuzando dois dedos na minha vagina molhada. Enfiei minhas unhas sem
dó em seus braços — provocações.
— Então, hoje seremos produtivos? — O tom de afronta não
abandonou sua voz e Dominic não encontrou resistência quando afastei
mais minhas pernas para que ele entrasse sem nenhuma dificuldade.
Eu queria falar, mas temia pela minha voz, estava embriagada o
suficiente para dizer ou fazer qualquer coisa que ele pedisse. E ele sabia
disso. Sabia tanto que seu sorriso perverso brilhou no meu íntimo e senti as
minhas entranhas entrarem em colapso.
— Poderíamos ser produtivos se você falasse menos — Dominic
riu. Merda, ele estava rindo enquanto eu queria um orgasmo. Fechei os
olhos. Suas mãos me seguravam de todas as formas possíveis. Ele sempre
me segurava.
— Eu tenho dívidas a cobrar, amor. — Sua voz rouca se infiltrou
em mim, do mesmo jeito que a sua maldita mão provocava entrar.
— E eu tenho lugares a aliviar. — Minha voz quase não saiu. —
Então, eu peço que pegue essas dívidas e enfie elas no meio do seu-
Arfei quando Dominic calou a minha boca com a sua novamente, e
dois dedos invadiram sem dó a minha boceta. Não sabia dizer onde mais me
afligia. Se nos seus dedos entrando cada vez mais em mim, fazendo-me
pingar e queimar por mais, ou na sua boca que me tirava o ar, sugava tudo
de mim, inclusive meus pensamentos.
Porque tudo que eu era, era ele. Dele. De Dominic. Dominic
Clifford.
Com apenas um toque todo o meu mundo colidia, liquefazia, como
um toque psíquico, onde todo meu ser se derretia ao menor contato. Porque,
no fundo, eu sabia, sabia que Dominic não faria nada menos que o que eu
queria. O que nós queríamos.
Sentia a minha boceta latejar quando seu polegar pressionava meu
clitóris, apertando tudo em mim. Inclusive a minha mente.
Com Dominic introduzindo mais um dedo, gemi em seus lábios,
rebolando e esfregando na sua mão, buscando com afinco minha libertação.
Queria o seu pau, não a sua mão, mas no momento estava perdida pela
possessão do seu corpo contra o meu.
Os beijos de Dominic desceram pelo meu colo, subindo na minha
garganta e parando no meu ouvido.
— Quero te ver somente com esse colar no corpo.
Eu também queria.
Dominic desceu a gola do tule, e o tecido chiou com a pressão.
— Meu vestido…
— Seu vestido já cumpriu sua missão de me deixar louco.
Mas Dominic entendeu que não seria tão simples arrancar a roupa
de mim, e seus olhos cerraram em uma malícia descarada.
— Mas posso lidar com isso mais tarde quando você não precisar
de uma roupa para ir embora.
Ele apertou meus seios por cima do tule, e quase gritei desesperada
quando mordeu a pele que não estava coberta pelo corpete. Seus dedos
cruéis torceram dentro de mim, me tirando espasmos e gemidos.
Eu estava perto, muito perto do abismo de prazer que pegava fogo e
queimava meu corpo dos pés à cabeça. Enfiei minha mão no cabelo de
Dominic, apertando com força sua nuca, tentando me segurar em algo
concreto. Porque o meu ser estava caindo e flutuando cada vez mais alto.
Dominic não reclamou quando minhas unhas deixaram marcas no seu
bíceps, ou quando mordi a sua mão no meu pescoço que me paralisava no
lugar.
Seus dedos tentando conter minha respiração e minhas unhas
tentando contra sua pele, que ficará vermelha e marcada com toda certeza.
Então bateram na porta e quase gritei novamente. Porra.
— Dominic? — O próprio mordeu meus lábios e apertou meu
corpo contra si, paralisando por completo sua mão na minha boceta. Apertei
minhas pernas. — Dominic? — chamou de novo e esfreguei as pernas,
buscando atrito.
— Sim? — Uma voz rouca e firme soou, e fuzilei seus olhos em
uma ordem clara. Era para ele calar a merda da boca e continuar o serviço.
Então seu polegar circulou lentamente o meu clitóris e os dedinhos dos
meus pés retorceram.
— Que bom que está aqui. — A voz era familiar, mas não me
esforcei para identificar. — Acho que a sua noiva foi embora, e precisamos
entregar as joias. E como você tem todas as chaves, pensei se poderia abrir
para nós.
A chave. Merda.
— Ah, claro, claro. Só um minuto que já irei.
— Um minuto? — sussurrei e tenho certeza que saiu como um
grito. Mas Dominic voltou a movimentar seus dedos e a onda potente que
ameaçava me engolir fez tremer o meu corpo todo.
— Sem problemas, estarei esperando aqui.
— O QUÊ? — Dominic tampou minha boca com a mão que não
estava dentro de mim e tentei morder sua palma quando diversão perpetuou
pelos seus olhos petróleos. Eu já estava ficando irritada. Irritada por não
conseguir a merda do orgasmo.
— Shiii! — Fez sinal com o dedo indicador sobre os lábios e fuzilei
esse dedo que estava me mandando calar a boca. Algo em seu rosto brilhou.
— Lembre-se de que há alguém nos escutando…
Com o coração batendo forte e acelerado, observei Dominic arrastar
sua mão livre pelo meu pescoço, descendo pelo meu corpo e parando na
minha coxa. Engoli em seco quando seus joelhos foram ao chão, e paralisei
fascinada pelos seus olhos que me diziam quão gostoso estava, e quão
faminto Dominic se sentia pelo meu corpo. Faminto por me tomar tudo. E
eu daria para ele.
Dominic terminou de tirar a minha calcinha, e apertei minhas
pernas de modo inconsciente, buscando atrito quando sua mão me
abandonou. Fui repreendida com um tapinha na minha intimidade, e logo
ele soprou a pele sensível.
Estava gotejando, sentia meu líquido escorrendo pelas minhas
pernas e só mais um pouco transbordaria.
Fiquei feliz que ele não brincou comigo e lambeu toda a minha
intimidade, causando colapsos no meu organismo por ter a melhor boca tão
perto de mim. E fiquei ainda mais feliz quando seus dedos castigaram mais
ainda minha boceta molhada e faminta.
Dominic chupou minha boceta e senti como se estivesse chupando
minha boca. E do jeito que apertava minha coxa, podia provar seu desejo de
engolir e devorar cada maldita parte do meu corpo. Porque eu queria o dele.
Queria chupá-lo e beijá-lo até que estivesse exausta. Até que nada e nem
ninguém assombrasse a minha mente.
Era gostoso, intenso e via meu mundo girando e girando e girando.
Todo meu corpo tremeu e eu precisava de apoio, mordi com
intensidade a minha mão quando me sentia torcer por sua língua gostosa.
Meu fôlego estava indo embora e tudo se tornou distorcido.
Gemi seu nome e o seu aperto me jogou do precipício.
Uma ânsia violenta de prazer me atingiu, e eu soube que estava
caindo. Me despedaçando. O êxtase me embriagou, me arrastando em uma
nuvem leve e feliz.
Parecia paz. Quase. Isso era o céu.
Ainda com cada fibra do meu corpo tremendo e sensível, Dominic
continuou me acariciando com a sua língua. Depois beijou todas as minhas
dobras, o interior das minhas coxas e cheirou a minha pele.
Um brilho de vitória lampejava seus olhos quando meu noivo
visitou todas as partes do meu corpo e chegou até a minha boca, me
beijando, me deixando totalmente mole e fraca.
— Que gostoso, bruxa — sussurrou nos meus lábios, sorrindo
satisfeito, então pegou minha calcinha e pôs dentro do bolso. — Isso fica
comigo.
Engoli em seco, ainda anestesiada da sua boca. Sua expressão era
tranquila e nenhum rastro do Dominic cruel que tinha criado estava ali.
Eu quis abraçá-lo. Quis afundar meu rosto em seu peito e pedir
desculpas por destruir seu coração. Estava com saudades. Porque por mais
que nossos corpos estivessem juntos, nossas almas estavam mais distantes
do que nunca.
Então a raiva me embalou. E não soube identificar se estava brava
por ter deixado Dominic ir embora ou por ter pensado que o momento
duraria para sempre.
APRESENTAÇÃO
5 anos atrás
4 anos atrás
Tenho certeza que o meu rosto demonstrava tudo aquilo que eu não
ia falar, na verdade, o silêncio da sala era quase ensurdecedor quando entrei.
Eu não sabia se esperavam algo a mais ou se estavam falando de mim e por
isso pararam de falar. Mas eu segui o meu próprio protocolo de entrada, e
não demonstrei estar perdida ou curiosa com o clima do ambiente.
Os longos minutos que percorri da minha sala até aqui foram
significativos, voltei atrás na minha própria decisão mais vezes do que
podia admitir. Não gostava de sentir inseguranças nas minhas escolhas e
odiava ter que me questionar.
Sentei-me ao lado de Dominic, que me olhou intrigado quando selei
seus lábios com os meus. Sorri, mostrando que hoje não seria um dia fácil.
— Podemos começar? — Todos os pescoços giraram em minha
direção assim que minha voz firme chegou em seus ouvidos. Em seguida,
foi uma grande mistura de mãos, papéis e iPads se movendo para todo lado
até que estivessem prontos para me acompanhar.
— Trigésima reunião da Associação Aristocrática de Bash aberta
— Martinez começou sem muito interesse, mas seguiu religiosamente o
protocolo da reunião. — Nenhum voto requisitado poderá ser revogado ou
mudado e nenhuma pauta aberta poderá ser postergada. Sendo assim, temos
até o final para eleger ou aceitar qualquer cláusula presente, sem chance de
qualquer influência, ou votos terceiros, reforçando que toda decisão antes
tomada será obrigatoriamente discutida.
— Acordado — todos nós falamos.
— E lembrando que hoje, como foi decidido por prévia, Dominic
terá o voto em peso desde que sua futura esposa Augusta entre em
consenso. Sabemos que esse tipo de voto é dado somente depois do
casamento, mas como os termos já foram assinados entre ambos por lei
declarada nessa associação, será aceito a opinião e revogação de ambos
desde que estejam coerentes e corretos quanto ao assunto.
A velocidade que o meu pescoço girou diria que me causaria um
grande torcicolo mais tarde. Mas a tranquilidade que Dominic harmonizava
em seu rosto me calou antes mesmo que meus pensamentos tomassem
forma.
Eu não tinha assinado a merda do contrato ainda. Na verdade,
estava realmente me perguntando o porquê do meu pai ter parado de insistir
nas últimas semanas… Franzi o cenho. Ele não faria isso. Não mesmo. Não
teria como assinarem por mim de alguma forma.
Senti um braço quente nos meus ombros quando endireitei a coluna,
e preferi não olhar novamente para o meu intitulado noivo. Pois sabia que
meus olhos diriam coisas demais e estávamos em público.
Observei todos na mesa, éramos pelo menos vinte. Todo o G5
estava aqui, o prefeito Wilson, o tenente Sullivan, alguns executivos
regionais e dez Cheffts representantes. De mulher, só havia eu e duas
executivas. Fred não estava, e provavelmente por isso eu fui uma boa
desculpa para poder estar com Dominic aqui.
— Que a reunião comece — Dominic afirmou.
Soltei o ar lentamente dos pulmões, abrindo o arquivo de pautas que
tinha sido enviado junto ao e-mail de notificação da reunião.
— Pois bem, vamos à primeira pauta. Terminais polidutos. — Claro
que seria. — As novas bombas não foram computadas e a transportação
ainda não está dentro do nosso regulamento.
— Isso não seria assunto empresarial? — cortei antes que Garcia
seguisse com o pensamento alto. Dentro do seu regulamento significava
dentro das suas vistas.
Meu pai tinha me dito sobre isso. Eu entendia que éramos uma
associação e que dependíamos uns dos outros, mas não tínhamos que estar
dentro diretamente da empresa uns dos outros. A Stilk crescia cada vez
mais durante os anos, e os olhos cobiçosos andavam juntamente querendo
adentrar nosso patrimônio.
O estado por si só já tinha uma grande parcela nos nossos
empreendimentos, e a presidência que hoje era ocupada pelo meu pai era
cada dia mais observada. Eu sabia que eles queriam mudar a política secular
que existia na nossa família, mas só não sabia o quanto.
— Não quando o território que vocês usam é de nosso domínio —
Davis, o mais velho do grupo, contrapôs. E cerrei a mandíbula.
— Então posso contar com vocês para o balanço no final do ano,
certo? Já que estão tão interessados para onde está sendo enviado nosso
produto. Vocês vão contribuir com o balanço territorial? Bash ficaria feliz
em ver suas mãos saírem dos seus bolsos cheios.
Seus olhos me desafiaram e me mantive firme, quando se tratava de
disponibilizar recurso, o G5 era sempre péssimo nisso. Eles só queriam
ganhar e nunca, jamais, dar.
— A Stilk está em dia com a associação, mas solicitarei um técnico
para os terminais — Dominic cortou o clima e eu o fuzilei. Ninguém iria
vistoriar a minha verdade.
Mas Dominic ignorou meu olhar, mantendo sua posição implacável.
Se já na primeira cláusula estamos em desacordo, como será a última?
Peguei o copo com água que tinha visto Dominic colocar para mim.
— Segunda pauta, parece que temos uma nova indicação?
Olhei para Fabian pela primeira vez, ele estava como executivo na
mesa, embora o polo que representasse não estivesse dentro da cidade de
Bash, por ser um pequeno distrito. Mas Dominic tinha assinado um termo
de autorização para ele, e bem… Dominic, mesmo sem um contrato
nupcial, tinha peso nas decisões pelo seu sobrenome.
— Apresente-se — Martinez falou e meu estômago revirou quando
um olhar de malícia foi direcionado a Fabian. Qualquer palavra errada e ele
estaria fora da sala.
Fabian limpou a garganta e torci silenciosamente para que ele não
vacilasse.
— Fabiano Honorio, representante da Coop e requerente à posição
de Chefft dentro da Associação Aristocrática de Bash — Fabian falou firme
e cruzei as mãos sobre a mesa, interessada. — Como está no artigo 76 dos
termos em anexo, ainda tenho direito a revogar a minha recusa desde que
tenha votos maiores que nove.
— Pedido de fala concedido — Dominic responde com uma voz
forte e firme, e remexo no meu assento inquieta, quando sinto sua mão
roçar a minha coxa.
Fabian olha pra mim, depois para todos na mesa, e ali vejo algo que
me faz respeitá-lo mais. Ele não está com medo e sei que não irá vacilar,
seu olhar é puro desafio e soberba, como se soubesse que iria ganhar antes
mesmo de começar sua defesa. Ele era ótimo quando não estava utilizando
isso contra mim.
— Bem, quero esclarecer que o motivo da minha recusa no
primeiro convite foi inteiramente ligada ao benefício das minhas terras. Eu,
como gestor principal da Coop, tive que priorizar uma boa produção, então
me desculpem por não pedir desculpas ao escolher o meu povo. Entretanto,
vi como uma boa escolha, agora que estamos estruturados. Temos gráficos
suficientes para não sofrermos alterações com o conjunto.
— Por que iria querer fazer parte de uma associação se,
hipoteticamente, já tem a sua?
— Um homem de negócios nunca está satisfeito com um caminho
só. Possibilidades, é claro.
— Estaria disposto a ceder terras para a senhorita Vendetta? —
Martinez provocou, e soube que isso era um teste. Fabian me negou isso
todas as vezes que quis investir nas suas terras, e todos da AAB sabiam
disso.
— Eu estaria disposto a negociar com Marllon e Augusta Vendetta.
Olhei para Dominic que se mantinha concentrado em Fabian,
depois seus olhos me acharam e me disseram o que eu tinha formulado
alguns dias atrás. Fabian faria de tudo por Dominic, inclusive mexer na sua
maior riqueza para poder dar o que ele quisesse.
— Justificativa aceita — meu noivo declarou, e desviei o olhar
quando ele destampou a pequena garrafa que estava à nossa frente e encheu
novamente meu copo de água com gás.
Ele me queria a qualquer custo.
— E vamos à votação — Hernandez chamou e o clima tenso foi
rapidamente substituído por agitação, e com certeza não esperávamos a
próxima cena a seguir.
Porque, como se quisessem se livrar de uma praga, começaram
rapidamente a falar vários “não”, um seguido do outro, como pequenos
botões apertados estourando todos ao mesmo tempo, até que toda mesa
tivesse expressado seu desgosto.
Sorri. Não que eu esperasse nada menos que uma negativa.
Só faltavam eu e Dominic para votar e claramente tínhamos perdido
a batalha se considerássemos a regra que uma vez dito o voto, ele não
poderia ser revogado. Mas ainda assim éramos dois e felizmente ainda
pensávamos igual, pois seu corpo relaxado e a mão idiota se infiltrando
entre as minhas coxas, me disse isso.
Dobrei o cotovelo, passando as mãos no cabelo. A ansiedade me
dando boas-vindas com o medo do rumo que a reunião poderia tomar.
— Acha que um voto meu fará diferença? — Dominic disse.
E cerrei os olhos com o coração na boca, surpresa quando sua mão
fez carinho na minha coxa coberta pelo tecido, me pegando totalmente
desprevenida. Engoli em seco. Eu usava uma saia midi que ia até a canela, e
contava com isso para me salvar dos seus dedos.
— Eu gosto de pensar em segundas chances — disse,
complementando sua fala.
— Isso é uma afronta conosco, não importa se há alguma regra. É a
nossa honra. — A voz de Davis sobressaiu entre os murmúrios.
— Eu acho interessante você falar de honra quando faz sua esposa
conviver com a sua amante bem debaixo da própria casa, Davis — Dominic
atacou e eu quis estapear sua cara; esse, com certeza, não era o melhor
caminho quando se quer um sim de alguém.
— Estamos trazendo assuntos pessoais? — Martinez bradou em
desafio.
— É claro que não — arrisquei apaziguar. — Só acreditamos que
Fabian seria um bom aliado financeiramente para nós.
— Não sei se lembra, mas o caipira nos disse um grande não — um
dos Cheffts apontou. Caio, se não me engano.
— E agora está oferecendo seu ouro, e sua justificativa foi acatada
— defendi nosso ponto.
— Dominic aceitou porque é seu amigo, não porque foi coerente.
— Está discutindo a minha palavra, Martinez? — Dominic
perguntou arisco.
— De forma alguma. Porém, como membro mais próximo, peço
que nos ouça primeiro.
— Irei escutar a minha esposa primeiro — minha respiração
estagnou por um segundo antes que meus pensamentos se formassem para a
defesa de Fabian.
Eu não iria olhá-lo. Merda, não. Não estava casada com Dominic,
mas se eu tivesse hipoteticamente assinado o termo, em lei poderíamos
estar.
Respira, Augusta, não olhe para ele. Não olhe para o seu pesadelo,
quando você tem que levantar argumentos válidos para o melhor amigo do
seu… marido? Meu Deus, isso era confuso. Merda, merda, merda. Não
tinha noção do peso da palavra até Dominic proferi-la.
Limpei a garganta, que não precisava ser limpa.
— Fabian trouxe argumentos válidos e não há motivos para negar
seu pedido, vendo que já havíamos feito o convite uma vez e o seu não, não
foi arquivado em ata ou documento legível. Eu olhei seus gráficos e a sua
produção está muito acima da média que pedimos para um representante,
então o meu voto é sim.
Mesmo que eu dissesse sim, ainda precisaríamos de um dos
membros do G5 ou uma boa porcentagem dos Chefft para que Dominic
tivesse uma escolha. Então, a menos que nove representantes revogassem
seu não, Fabian não entraria.
— Mais alguém? — Dominic perguntou e essa seria a bendita hora
que poderíamos ter a chance de pôr Fabian para dentro. Mas alguns minutos
se passaram e ninguém ousou voltar atrás. A baixa risada de Dominic
estremeceu meu corpo, seus lábios roçaram minhas bochechas.
Ele não estava feliz, Dominic estava pronto para revidar, sua calma
fingida despertou cada molécula do meu corpo. Da última vez que ele não
conseguiu o que queria, a cidade de Bash quase entrou em crise após
Dominic bloquear todas as transações de moeda virtual.
— Bem, vocês têm muito azar em não terem retrocedido com a
perfeita justificativa de Augusta.
— Não somos obrigados a concordar só porque você não gostou da
decisão geral — um dos Chefft arriscou, e eu o achei corajoso.
— Concordo com você, Laion.
Concorda? Olhei para Fabian, que parecia tão calmo quanto seu
amigo.
— Mas como intitulado maior em hierarquia, posso nomeá-lo ao
G5.
Cabeças rolam para lá e para cá, inclusive a minha. Que porra
Dominic estava fazendo?
— Você não pode nomear um apoiador só porque tem um contrato
nupcial — ralhou Martinez e prendi a respiração. — E caso não se lembre,
a regra do G5 são cinco membros, não seis. Então, você ainda não pode
nomear alguém.
— Eu sei disso, e por isso estou expulsando Gonzales por traição —
a fala veio simples, como um pedido por um copo d’água.
O quê? Vários arquejos se deram na mesa, e todos os olhares se
voltaram para Gonzales. Que porra Dominic estava fazendo?
— Do que está falando, Dominic? — Gonzales perguntou tranquilo,
com uma calma que duvidava ter, mas ele ainda tinha que manter o tom
baixo e a civilidade. Soltei o ar pela boca quando seu olhar me cortou.
Dominic então encostou na cadeira e pôs a mão no colo, como se
fosse explicar algo longo e sem nenhuma complexidade, enquanto todos
aguardavam suas próximas palavras para o rumo final da reunião.
Como a porra de um rei.
— Gonzales está fora do G5 por roubar dados e vendê-los a
terceirizados. Não somos inimigos, mas não é aceitável compartilhar dados
de nenhum cliente com empresas fronteiriças, ainda mais quando se vende
em benefício próprio. E como está no pacto da AAB, nenhum membro
estará fora das punições escritas na ata de regulamento oficial. Exceto se
vocês queiram contestar fatos comprovados. E se tiverem a fim de acobertar
um roubo descarado, vão em frente e estão todos fora da AAB.
Merda, merda, merda. O quê? Dominic estava atacando. A minha
respiração ficou presa enquanto ouvia as palavras decisórias que
antecipavam nosso final.
— Veja bem, eu realmente não gostaria de estar trazendo esse
assunto na mesa, mas situações drásticas pedem medidas à altura.
— Você não está falando sério, só porque não aceitamos o caipira,
está desfazendo o grupo? — Martinez bufou de raiva e eu senti tudo o que
ele poderia fazer de agora em diante.
— Estou fortalecendo vocês, ninguém é digno de estar cem por
cento no poder a vida toda, uma hora a roda tinha que girar. E, bem, ela
acabou de rodar.
E com essa fala, Dominic deixa a sala, como se não tivesse
despejado várias merdas secretas na frente de todos. Porra, tínhamos
acabado de colocar Fabian como membro oficial do G5, e nem estávamos
casados.
Tudo iria desmoronar.
E a mensagem que apitou no meu celular quando saí da sala, me
disse exatamente isso.
Pesadelo: Um contrato assinado?
Pesadelo: Parece que vamos eliminar um rei mais cedo. Seu tempo
acabou.
POR FAVOR
PASSADO
PASSADO
Há um ano…
DOMINGO, 14 de AGOSTO
PASSADO
O teto branco foi a primeira coisa que vi. Depois me senti presa nos
braços. Então, a consciência me pegou primeiro que a minha percepção.
Viva. Eu estava viva.
Sentia dores em todos os lugares possíveis, sentia minha pele
superaquecer e pontadas vivas despertarem no meu ventre.
Merda, eu estava viva.
Minha respiração doía, minha boca estava seca. Sentia a respiração
entrar e sair rasgando dos meus pulmões, como lâminas afiadas. Eu não
queria respirar. Eu não podia estar viva.
O medo me assombrou
A lembrança me atacou.
A intensidade do meu pavor fez o barulho da máquina ao meu lado
apitar.
Merda. Eu estava viva.
O desespero me sobressaltou quando ouvi meus próprios
batimentos cardíacos na máquina. Um batimento. O meu batimento. Um
batimento. Respirar estava difícil.
Tentei levantar minhas mãos, elas estavam presas. Merda.
Eu sentia dores, minha barriga estava doendo. Meu ventre estava
doendo. Todo meu corpo estava pulsando e eu não sabia onde doía mais.
Martinez tinha me chutado, eu tinha sangrado. Minha respiração
doeu mais ainda. Havia tanto sangue… Eu estava embargada no meu
próprio sangue. Quanto tempo tinha se passado?
Eu queria sentir o meu bebê. Eu queria sentir qualquer coisa que
não fosse o vazio infinito que ameaçava me engolir.
A merda do barulho da máquina não parou de apitar, e eu queria
arrancar todos os fios que me ligavam ao aparelho barulhento. Aquele
barulho tinha que parar. Eu tinha que sair. Eu queria ver a minha imagem.
Queria ver o restante da Augusta que tinha sobrado.
Fechei os olhos com as lágrimas ardendo meu rosto sensível. Meu
coração doía pra caralho, o choro descia como milhões de agulhas na
garganta.
A porta se abriu e a primeira enfermeira veio me ver. Eu só ouvia o
meu batimento cardíaco. A enfermeira sorriu para mim.
Eu tinha perdido o meu bebê, ela não precisou me dizer. As
lágrimas mancharam a imagem do seu rosto.
Fiquei calada enquanto ela conferia as máquinas, e logo depois
soltava minhas mãos presas. O anel ainda estava ali na minha mão
avermelhada com um cateter preso. As lágrimas voltaram a descer e dessa
vez não impedi os soluços. Tudo queimava como o inferno dentro de mim.
Me sentia desamparada.
A enfermeira disse que o meu namorado estava louco para me ver, e
eu acreditei nela. Porque estava louca para vê-lo. Estava louca para contar
tudo a ele porque mal conseguia respirar com toda cena martelando na
minha cabeça. Eu só queria Dominic, eu só queria que ele me dissesse que
tudo ficaria bem. Porque tudo que eu queria era tê-lo por perto, mesmo que
as coisas não estivessem nada bem. Não importava, eu o queria. Eu queria
respirar o mesmo ar que ele. Dominic faria isso por mim, deixaria que eu
respirasse seu ar por alguns minutos até que o meu pulmão enchesse
completamente.
Então ela se foi, e a porta se abriu.
E não foi Dominic que entrou por aquela porta.
As lágrimas caíram dos meus olhos antes mesmo que sua boca
despejasse ameaças contra mim. Contra Dominic novamente. Porra, não era
para ele estar aqui, esse momento não era dele, nunca devia ter sido.
Porra, eu precisava do meu ar e ele foi tirado de mim. Outra vez.
Martinez foi implacável, e dessa vez ele não precisou me tocar para
fazer um estrago na minha alma, para rasgá-la de uma forma perversa e
vingativa. Naquele dia, quando ele me disse que eu me arrependeria de ter
sobrevivido, eu acreditei.
E naquele dia, somente naquele dia, eu acreditei em todas as suas
palavras, acreditei porque quase tinha morrido por suas mãos, as minhas
mãos trêmulas não paravam de tocar a minha coxa de medo. E eu desejei,
só naquele dia, ter morrido, porque sentia que tinha entrado em algo muito
maior do que tinha planejado.
Eu tinha entrado em uma guerra com a morte.
Tinha entrado na toca do lobo sem querer. Tinha me tornado a
ovelha acuada que esperava sem saber o dia do seu abate.
Naquele dia, Martinez tinha se tornado meu pesadelo.
Naquele dia, por questão de minutos entre uma visita e outra, eu
tinha mudado a minha decisão. Porque a morte tinha entrado por aquela
porta de uma forma diferente e eu já não sabia mais em quem acreditar.
Naquele dia, tudo mudou. Passado e presente em uma mesma sala
causando sensações desafiadoras capazes de destruir qualquer coração
cheio de esperança.
Naquele dia, diante do medo, eu decidi que Martinez seria o
culpado e ele precisava pagar. Eu o faria pagar.
Então, a sala ficou vazia.
Então, Dominic finalmente entrou, e a coragem que eu achei que
tinha havia ido para o ralo. De repente, eu só sabia chorar.
Chorar porque ele era a pessoa que eu mais amava na vida.
Chorar porque eu nunca esconderia nada dele.
Chorar porque não poderia dar a ele a honra de ser mãe de um filho
dele.
Chorar porque ele era a pessoa mais incrível que tinha conhecido na
vida.
Chorar porque eu tinha sido destruída.
Chorar porque teria que nos destruir da forma mais perversa
possível.
Chorar porque de alguma forma, eu me sentia suja.
Chorar porque talvez eu não fosse merecedora dele.
Chorar porque tinha começado uma contagem regressiva para o
nosso fim.
Chorar porque, para ficar com ele, teria que pôr a merda do espaço
entre nós.
Chorar porque quando ele perguntou o que tinha acontecido, eu tive
que mentir pela primeira vez e isso me destruiu.
A primeira regra das mentiras era que você tinha que ser a primeira
a acreditar nelas. Você tinha que ser a primeira a comprová-la e arriscar
tudo que tinha para provar um ponto que não existia.
Bem, isso me parecia fácil, ou deveria ser depois de tantos meses
ensaiando as mesmas palavras. As mesmas ações. Não importando o que
acontecia ou quem se machucava, você tinha que se manter forte. E
chegava um momento que tudo explodia, e que nada e nem ninguém
poderia te ajudar, a não ser você mesmo.
Ainda assim, tinha decidido mentir uma última vez, como um vício
que te sobrecarregava sugando todas as verdade que você detinha.
Esperando por um fim certeiro que te arrancaria de lá a qualquer instante.
Eu tinha que ser mais uma vez a vítima do pesadelo que achava ter
direito sobre a minha vida.
— Suas mentiras irão te matar — sua voz era afiada, como uma
lâmina pronta para fazer seu melhor corte. E naquele momento eu admirei
sua coragem, porque ela parecia estar tranquila.
— Acha que eu ligo pra isso? — respondi irônica.
— Eu acho que você liga para muitas coisas, mas é uma vaca
medrosa.
— Bem, pelo menos não sou eu que estou presa porque fui burra o
suficiente para meter o nariz onde não devia, Karen — seu queixo tremeu e
sorri satisfeita. — E pessoas burras morrem cedo.
Mas isso não a amedrontou, pois sua resposta foi rápida, deixando-
me satisfeita.
— Como eu iria saber que me convidar para um drink seria um jeito
de entregar a minha cabeça? Isso não pareceu um bom jeito de começar
uma amizade.
Seu nariz empinado não abaixou, e cerrei os olhos para seus punhos
fechados. Sua boca machucada dizia completamente o contrário do seu
corpo. Ela estava presa naquela merda de cadeira há alguns dias, e mesmo
assim tentava manter uma posição calma e tranquila.
Cerrei os olhos atenta às suas palavras, batucando os dedos na mesa
na qual estava escorada.
— Está com medo?
— Eu tenho cara de que estou com medo?
Ri nasalado.
— Devia tomar cuidado com suas palavras — minha voz saiu
firme, como um aviso. E travei o maxilar quando ouvi a trinca da porta
estalar.
O maldito abriu a porta, deixando o ambiente tenso.
Cacete. Cerrei os punhos controlando a respiração, o meu coração
querendo dar sinais desesperados que eu não poderia entregar. Nenhuma
quantidade de mês seria suficiente para me acostumar com a sua presença.
O fogo, a raiva, a dor, tudo virava um montinho que eu mal conseguia
controlar.
Era quase impossível respirar perto de Martinez. Era como estar
com a morte. Era como sucumbir ao terror gravado em minha mente.
Eu odiava vê-lo. Odiava estar no mesmo ambiente que ele. Eu
preferia a morte cem vezes ao encarar seu rosto monstruoso. Porque era isso
que ele era pra mim, um monstro. Um monstro que tentava me matar todos
os dias. Um monstro que eu tinha nojo e queria correr.
— Conhecendo melhor nossa amiga? — Martinez perguntou rígido.
Olhos de Karen arregalaram, ela tinha toda razão para contrair o seu
corpo. O meu estava a um passo do colapso.
— Vai matá-la? — perguntei, olhando para a investigadora.
— Você quer a vadia morta? — riu maldoso sem responder de fato
minha pergunta, e também não me dei ao trabalho de contrapor.
Não queria olhá-lo, temia vomitar.
— Como se eu decidisse alguma merda — ri sem um pingo de
graça.
— O que faz aqui, Augusta?
— Queria vê-la.
— Queria ver a sua debutante? — debochou, me fazendo trincar o
maxilar. — Ficaram amigas agora? Ou veio fazer o serviço sujo?
— Queria saber por que cartas estão chegando para Dominic.
Eu devia calar a minha boca, mas eu precisava que Martinez
soubesse
— Que tipo de cartas? — sua voz soou alarmada, e eu soube que o
destino de Karen não era bonito.
— Dominic sabe que você tentou me matar porque cartas dela estão
o incomodando — acusei, jogando a culpa para Karen.
Ainda não tinha digerido essa informação. Saber que não existia
mais nenhum segredo que nos afastava me perturbou.
— Você ainda está despejando mentiras, espiã?
— Não é mentira quando se tem provas para revelar o merda que
você é — Karen cuspiu as palavras, e uma pequena diversão saudou seus
lábios.
Eu diria que ela era uma mulher de grande coragem. Mas nem
sempre a coragem te salvava.
— O que estava escrito na carta?
— Não sei, se eu soubesse não estaria aqui nessa imundice.
Eu vi o semblante de Martinez mudar, e sabia que tinha atingido
algo ao implantar imprevistos em sua cabeça. Ponto.
— Saia — sua raiva espumou e eu não pensei duas vezes antes de
partir.
— De qualquer jeito, ela não é da minha conta e eu não me importo,
só queria avisar que Dominic sabe.
Poderia ser uma grande mentira, mas não era. Porque quanto mais
você era machucada, menor as coisas ao seu redor tinham importância.
Eu era uma vadia por deixar ela ser machucada, mas não era como
se eu pudesse fazer algo por ela. Porque fazia parte do plano colocar ela
perto de Martinez e. bem, tinha feito a minha parte.
Eu tinha entregado Karen para Martinez como tinha combinado
com a própria antes dela entrar no bar e ser levada por homens a mando
dele.
Deixei-me convencer quando ela me disse que se eu a colocasse
perto do meu pesadelo, me daria o que eu queria. Porque a espiã tinha um
plano muito bem elaborado para me contar quando nos encontramos, e eu
me perguntei qual era a sua real motivação com Martinez. Ou melhor, como
sabia o que eu queria.
Eu já tinha tudo que precisava, e ela era apenas uma pessoa
querendo antecipar meu caminho, ameaçando contar tudo a Dominic antes
dele realmente precisar saber. Ou pelo menos estar preparada, já que
Dominic saber a verdade significava meu fim. Significava que não teria
mais nada entre nós e ele poderia me deixar.
Porque a verdade uma hora chegaria, e eu só precisava estar pronta
o suficiente para encará-la.
****
O lugar cheio era uma boate qualquer, sentia meu corpo quente e a
abertura nas costas do meu vestido não parecia suficiente para diminuir o
calor que incendiava meu corpo. Merda, sentia minha cabeça zonza com o
som alto e o grave infinito da música que não parava um só segundo.
Estava eufórica.
Mas isso era bom.
Não tinha bebido muito, mas os drinks tinham sido suficientes para
que minha mente voasse para longe, me tirando do chão, me levando para
longe onde ninguém conseguiria me alcançar.
Remexi meu corpo sendo levada para o meio do salão, sendo
engolida por rostos desconhecidos na esperança de parar qualquer resquício
de dor que ameaçava se instalar.
Faltavam duas horas.
Alana veio dançar comigo e me acompanhou quando busquei mais
um drink. Depois Chiara chegou junto com Isla, e vi Nina de braços
cruzados com Polly. Ela tinha chamado as meninas para me fazer
companhia, porque eu disse a ela que ainda me sentia sozinha e ela me
abraçou. Acho que só eu estava bebendo.
Talvez eu nunca me sentisse completa de novo.
Sentia saudades de Francesca.
Eu não estava bêbada o suficiente.
Uma hora.
Eu estava dançando de novo, muito mais eufórica dessa vez. A pista
também estava mais cheia e a minha respiração entrecortada tirava todo
meu fôlego.
Estava sendo amassada, corpos desconhecidos colados ao meu. Eu
não ligava para nada disso. Eu só não queria sentir.
Porque me sentia a pessoa mais miserável ali. A pessoa mais
impotente.
Eu era feia por dentro, tinha apodrecido junto com as minhas
mentiras.
Então continuei a dançar e o balanço do meu corpo chamou
atenção, eu sentia olhos desconhecidos em mim, olhos com más intenções.
Olhos que não eram os dele. Eu estava o perdendo.
Balancei a cabeça, acompanhando o grave da música, e passei a
mão pelo meu corpo totalmente embriagada pelo momento.
Estava perdendo.
Perdi as minhas amigas de vista no meio da multidão, mas não parei
de dançar.
Um rosto estranho estava se mexendo na minha frente, franzi o
cenho, mas não parei de dançar. Ele estava dançando comigo e eu não me
importei. Porque nada importava. E as consequências daquela brecha logo
vieram preencher todo o vazio dentro de mim.
Aquela pessoa estranha me ofereceu um copo de bebida e um
sorriso bonito, eu neguei com um balançar de cabeça. Mas não foi o
suficiente, ele me ofereceu de novo e dessa vez fiz questão de bater a mão
no copo e derramar o líquido no chão, sem paciência alguma de ficar
recusando macho.
Mas o homem não desistiu, e se aproximou mais de mim com o
mesmo sorriso bonito. Ele era loiro, alto e parecia ter um ótimo porte físico.
Cerrei os olhos, parando de dançar. Curiosa com suas próximas ações. E o
homem quase cumpriu o que queria. Quase. Porque eu sabia que ele ia
tentar me beijar.
E segundo…
— É serio isso, porra?
Dominic estava ali. Ou uma versão muito zangada, porque seu olhar
era impiedoso comigo, como se estivesse gritando em seus pensamentos.
Parei eufórica, ansiosa por suas ações. Meu coração corria
acelerado e a minha respiração saía pela boca.
— Saia.
Gelo. Sua voz estava gelada. O estranho saiu, seu olhar me castigou
e eu senti que poderia cair ali mesmo.
— Continue dançando — ordenou e o crepitar agudo acendeu meu
corpo novamente.
Então continuei dançando porque poderíamos ser duas pessoas
distantes, mas ele ainda continuava sendo a pessoa que mais confiava no
mundo. E ele seria a única pessoa que eu confiaria nessa noite.
Dominic continuou parado me olhando, sem me tocar ou falar.
Somente ali, me segurando com o olhar. Meu mundo tinha sido reduzido, e
eu não consegui traduzir suas expressões, ele estava distante e eu sabia
exatamente a causa disso.
Continuei dançando, o calor inebriando cada fibra, fazendo-me
saltar e gritar de ansiedade. Meu coração acelerado tentando acompanhar
toda a confusão de sentimentos que estava prestes a estourar.
— Que horas são? — perguntei alto, provavelmente gastando todas
as minhas cordas vocais.
Dominic levantou o pulso e cerrou os olhos para os pequenos
ponteiros. Seu olhar atento me prendeu novamente
— Meia-noite — seus lábios gesticularam.
Minha garganta queimou, a onda de sentimentos me pegando
desprevenida e fazendo doer cada pedacinho em mim.
Meia-noite.
Meio-noite já era o dia que ele tinha morrido.
Meia-noite e já fazia um ano desde que meu coração tinha sido
destruído.
Meio-noite e Dominic estava bem ali na minha frente, me
segurando.
Meia-noite e eu ainda sentia meu peito se abrir e arder e rasgar e
queimar e sangrar e lutar contra a fumaça que lutava para entrar.
Merda, ainda estava doendo para caralho.
Merda, Dominic estava bem aqui na minha frente, assistindo a parte
mais feia e frágil se esparramar em frangalhos. Então olhei em seus olhos, e
o rio escuro me esquentou, acolhendo tudo em mim, inclusive a minha
fragilidade que ameaçava se esparramar pelo chão.
Eu precisava disso. Precisava dele. Só por hoje. Não importava que
ele me mandasse embora depois.
— Ainda está doendo — gritei alto para um Dominic que ainda
estava com os braços cruzados na minha frente, me observando, sem se
incomodar com as pessoas nos empurrando. Sem se importar em estarmos
em um lugar tão sujo como esse. — E eu quero mais drinks!
Uma dose de álcool parecia a resposta certa.
Dominic ofereceu sua mão direita que aceitei instantaneamente,
então ele saiu me puxando e abrindo caminho para que passássemos até
chegar ao bar do outro lado. Dominic me sentou no banco estreito.
— Qual você quer? — perguntou sério, atento a cada detalhe meu,
como se quisesse absorver cada nó que estava sendo torcido dentro de mim.
E ali senti uma tensão que fez minha respiração falhar. Ele não estava
sorrindo.
— Qualquer um.
— Uma dose de whisky, por favor — falou para o barman que
acatou seu pedido rapidamente. Arqueei as sobrancelhas.
— Eu não gosto de whisky.
— Não é para você gostar.
Então percebi que ainda estava muito sã, pois a raiva queimou meu
peito por ter Dominic tão perto e tão grosso.
A bebida ficou pronta.
— Bebe tudo.
Ele mandou e engoli em seco, piscando rápido e engolindo todo
líquido que me foi oferecido. Era horrível, queimou tudo dentro de mim,
quis cuspir no chão o ácido que queimava minha boca e fazia amargo o
doce que os drinks tinham me proporcionado.
— Horrível — fechei os olhos com meus ouvidos zunindo pela
música muito alta. Abri os olhos e Dominic me encarava profundamente. —
Você não vai beber?
— Eu bebo de você — sua voz era impassível, não deixava brechas
para brincadeiras e atropelava tudo e todos que ameaçavam chegar muito
perto. Ele estava chateado.
Ele estava chateado e mesmo assim estava aqui.
— Como? — abri um sorriso nada sincero, mas cheio de maldade.
Iria testá-lo porque era o que fazia de melhor. — Da sua boca.
A frase saiu como uma promessa.
— Para isso você teria que me beijar, e você não vai me beijar —
apontei frustrada.
Mas Dominic não me respondeu, então pediu novamente ao barman
para que colocasse mais whisky no meu copo já vazio.
— Bebe.
— Vai me embebedar? — alfinetei, pegando o copo e bebendo de
novo.
Horrível pra porra, mas dessa vez quis cuspi menos. Virei o
pescoço, procurando minhas amigas na pista, e ainda conseguia enxergar
elas com perfeição. Tudo ainda parecia normal.
— Você disse que queria álcool, estou apenas te dando.
— Eu falei que queria drinks!
— Drinks são leves demais.
Cerrei os olhos. O desafio claro. O desafio que eu queria pagar para
ver. E novamente percebi que não importava com o que ele me desse, nunca
seria o suficiente para me fazer esquecer. Mas hoje eu queria tentar.
— Não me dê banho — avisei brava e isso fez seus lábios abrirem
para um sorriso finalmente.
— Estou anotando seus pedidos, não se preocupe, sou ótimo com
memória.
Então seu rosto sério foi se transformando em um rosto sacana
cheio de segundas intenções no decorrer da noite.
Pelo menos para mim parecia que seu rosto estava relaxado. Ou eu
que deveria estar mais relaxada.
Porque Dominic me deu mais outro copo.
E depois mais outro.
E outro.
Ele me deu limão com sal, e franzi o cenho percebendo que isso era
muito bom.
Depois tomei duas garrafinhas de água.
Acho também que bebi água de coco, mas isso não fazia sentido
nenhum. Minha mente estava embaraçada e não sabia mais o que estava
bebendo.
As minhas amigas vieram para perto de mim, então todas nós
estávamos debruçadas no balcão rindo muito. Sequer lembrava o motivo.
Mas lembrava de ter meu corpo muito quente e uma vontade constante de
enfiar as mãos no cabelo de Dominic, que não se deslocava um segundo do
meu lado ouvindo todas as merdas que saíam da minha boca.
Estava feliz e tudo era leve. Tudo tinha se tornado simples e sem
drama.
— Eu preciso ir ao banheiro — cochichei e Dominic assentiu,
segurando minha cintura e me guiando.
Estava tão aérea que só depois de muito andar que reparei no fato
de que era Dominic quem estava abrindo caminho entre as pessoas
dançando até pararmos numa porta preta escrita “restrito funcionários”.
— Por que estamos aqui?
— Eu não consigo te ver no banheiro feminino.
Ver era igual ajudar. Ele queria ver se eu não me espatifaria sem o
seu braço forte me segurando.
Dei de ombros.
— Não sabia que conhecia aqui.
— Eu não conheço. Só paguei para que pudéssemos usar um
banheiro que não estivesse cheio de gente.
— Isso faz muito sentido.
Apertei seu braço quando tudo ficou escuro depois que a porta se
fechou, nos deixando para dentro. Dominic ligou a lanterna do seu celular e
me perguntei onde estaria o meu.
— Onde está meu telefone? — procurei no meu decote, não
encontrando nada.
— Está comigo. Precisa dele agora?
— Pode ficar com você.
Quis falar que a única pessoa que ligaria estava bem aqui, mas
mordi os lábios. Depois de andarmos por um estreito corredor, Dominic
parou em frente a uma portinha branca.
— Acho que é aqui.
— Você vai entrar comigo? — abri um sorriso forçado tirando uma
risada dele.
— Estamos na fase engraçadinha agora?
— Estou apenas conferindo
— Conferindo se ainda lembro do seu pedido?
Não respondi e entrei no pequeno quadrado para fazer xixi.
Abri a porta alguns minutos depois.
— Preciso de ajuda — virei meu corpo, deixando que ele visse o
zíper do vestido aberto, mostrando toda minha coluna, inclusive a minha
calcinha.
Prendi a respiração quando seus dedos tocaram minha pele sensível,
procurando o zíper e subindo-o lentamente. Minha pele parecia sempre
sensível ao toque dos seus dedos, podia senti-lo em todo meu corpo, como
uma carícia na alma, delicada, leve e completamente erótica.
— Esse vestido é novo.
E ele era.
— Não, eu só o usei poucas vezes.
Dominic riu e eu ainda estava de costas para ele, sua mão travada
nas minhas costas.
— Eu não perguntei, amor.
Dei um passo para frente.
— Vamos voltar.
Dominic não protestou e fizemos o mesmo caminho de volta, seu
braço nunca me deixando.
A música voltou a estourar nossos tímpanos
— Quer voltar a beber? — perguntou no meu ouvido, e ignorei os
arrepios por todo meu corpo.
— Não, eu quero voltar a dançar.
Dominic assentiu e soltou meu braço testando meu equilíbrio, e
observei atenta a inspeção que ele fez no meu corpo antes de colocar as
mãos no bolso e seguir fielmente ao meu lado, enquanto eu começava a me
mexer novamente para dentro da pista.
Eu sabia que ele não iria embora, e eu também não queria que
fosse. Então deixei que o álcool alcançasse todo meu organismo enquanto
mexia meus quadris no ritmo da música.
Mãos nos quadris, mãos nas coxas, mãos nos cabelos, mãos na
barriga. Movimentos constantes.
Quadris para direita e esquerda. Subindo e descendo. Rebolando e
dançando.
Tudo isso sob o olhar de Dominic.
Me sentia quente.
Eu não sabia a situação dos meus pés, mas não arriscaria olhar para
eles, porque olhar para cima estava muito mais lindo. Sim, ah, as luzes
neons, as luzes vermelhas, luzes azuis.
A mistura do ambiente com a música me deixava em êxtase. O
olhar de Dominic me deixava em êxtase.
Estava excitada e queria que ele beijasse todo meu corpo, até que
tudo em mim fosse saciado.
Então, continuei dançando.
Pulando.
Liberando tudo que estava dentro de mim sem precisar abrir a boca.
Pelo menos, não agora. Porque quando abrisse, a última coisa que sairia
seria palavras.
O ritmo havia mudado para uma batida eletrônica. Procurei minhas
amigas mas nenhuma delas estava mais lá. Acho que tinha perdido noção
do tempo.
Minha boca estava seca, e quando pedi por mais bebidas, Dominic
me fez ingerir a mesma quantidade de água quanto tinha tomado de álcool
enquanto dançava loucamente sob seu olhar.
— Cadê Apolline? — gritei, mas sentia minha voz rouca.
— Foi embora com Alana.
Assenti, isso era bom. Ela não tinha ido sozinha.
— Que horas são?
— Quatro e dezesseis.
Arregalei os olhos, e virei o pescoço percebendo que tinha menos
pessoas do que quando cheguei.
Muito menos.
Dominic percebeu meu olhar.
— Hoje é segunda-feira, a maioria das pessoas precisam trabalhar.
Já era segunda. Ainda tínhamos um dia todo pela frente até ele
acabar.
— Eu não quero ir embora, Nic — minha voz saiu desesperada, e
os movimentos do meu corpo cessaram. Dominic se aproximou do meu
corpo com cautela, diminuindo a distância segura que estávamos.
Sua mão me alcançou, segurando meu pescoço com posse e
olhando nos meus olhos.
— Eu não estou te chamando para ir embora.
— Mas não podemos ficar aqui — minha voz saía manhosa e
totalmente rendida pelo cansaço. Cansada de fugir.
— Para onde você quer ir?
Mordi os lábios, meu coração falando mais alto que minha razão.
Fazia um ano.
— Eu quero ir pra casa — sussurrei. — Estou com saudades de
casa.
O caminho não era longe, e as ruas tão conhecidas por mim fizeram
meu estômago se revirar cada vez que chegava mais perto. Não sabia muito
o que pensar, e o silêncio dentro do carro de Dominic me corroía cada vez
que uma lembrança de nós dois nesse mesmo banco me atingia.
Eu não devia ter entrado no seu carro.
Não devia ter aceitado sua mão.
Mas me sentia tão cansada que, por hoje, tinha decidido que não me
importaria em ser a Augusta de um ano atrás. Mesmo que doesse. Mesmo
que a saudade me comesse.
Porque ele também tinha perdido alguém.
Não era só eu. E eu não podia ser egoísta. Não com ele.
No entanto, Dominic não entrou onde achei que íamos. Ele não
entrou no nosso antigo condomínio, ele seguiu reto, pegando uma rota
diferente.
— Aonde estamos indo? — sussurrei no meio do silêncio, já tinha
amanhecido o suficiente para o carro ser invadido pela luz do dia. Seu rosto
estava tenso.
— Não se cura uma alma onde ela foi machucada.
Respirar tinha se tornado difícil. Confiava cegamente nele, e não
queria destrinchar sua frase tão certeira. Porque a noite tinha acabado, e
com ela todo encanto que tinha tentado derramar nas minhas mentiras. A
verdade estava batendo na porta sem pedir licença.
Dominic sabia, seus olhos me disseram isso a noite toda. Seus
olhos que sempre me esquentaram e arrancaram o melhor de mim, estavam
frios. Decepcionados. Seu sorriso não chegava aos seus olhos. As suas
palavras não faziam jus aos seus pensamentos.
Ele estava sofrendo por minha causa, e isso me destruiu.
Tê-lo distante me destruiu.
Eu não tinha deixado ele viver o luto depois do incêndio, não tinha
deixado que a informação assentasse em nossos corações. Porque eu fui a
cadela que o arrastou para confusão de sentimentos que tinha me tornado.
Pensando que se eu não lembrasse, seria como não existir. Seria como
esquecer a dor.
O nosso bebê era uma ferida aberta.
Uma ferida aberta que foi inflamada por um ano e que estava
prestes a sangrar.
Dominic parou o carro, e a casa era completamente diferente da que
tínhamos construído. Era bem menor, estreita, como se estivesse sendo
espremida. Havia degraus de madeira e um grande vidro que fazia a divisão
da casa.
— Quer entrar? — sua voz firme e decidida não tinha receio, fiquei
feliz por não pisar em ovos comigo.
— Quero.
Então descemos do carro e entramos na casa em silêncio. Uma
familiaridade desconhecida me atingiu. Engoli em seco, com vontade de
chorar.
— Está dormindo aqui? — perguntei depois de alguns minutos. O
silêncio ecoando dolorosamente.
— Não. É a primeira vez que entro também.
— Então que lugar é esse?
Dominic demorou alguns segundos para responder.
— É uma herança que recebi em troca de uma dívida.
Balancei a cabeça, ainda aérea com a situação. Sentia meu
estômago embrulhar e provavelmente o mal estar me comeria pelo resto do
dia. Estava cansada da noite mas ainda não queria dormir. Parecia injusto
deixar o tempo passar. Parecia injusto não sentir.
Latidos fortes ecoaram atrás de mim, e um Oscar agitado correu até
mim, lambendo todo meu rosto quando me abaixei para recebê-lo. Sentei no
chão, aproveitando para descansar meus pés, e Oscar apoiou as patas na
minha barriga. Terminei de deitar, pegando sua pata e brincando com seu
focinho.
Oscar tinha sido um presente de Dominic quando saí do hospital, eu
sabia que ele estava arrasado pela nossa perda, sabia que estava ainda mais
arrasado quando travei a nossa batalha. Mas, mesmo assim, ele estava lá
com o coração sangrando, dizendo que Oscar seria uma boa companhia e
não queria que eu ficasse sozinha.
Então, mesmo com a faca no pescoço, eu fiz Oscar ser nosso, não
meu. Porque também estava desesperadamente atrás de um resquício nosso.
Oscar deitou no meu peito depois que alisei seu pelo macio. Olhei
para o teto que não tinha nada familiar mas que, ao mesmo tempo, me trazia
conforto saber que outra pessoa também estava ali.
Engoli em seco.
Não importava onde estávamos, ele sempre seria minha casa.
— Quer subir? — sua voz me chamou.
— Quero.
— Vou te mostrar a casa — Dominic estendeu as mãos para que eu
levantasse do chão e caminhou na minha frente.
Oscar passou por mim para cheirar a mão dele e dei um sorriso
fraco. Ainda parecíamos os mesmos, mesmo que tudo tivesse mudado
desastrosamente.
Então subimos as escadas estreitas, e a dor começou a ruir e
atravessar a barreira que o álcool tinha criado. Me sentia fraca. Meu pés
doíam.
A cada degrau, sentia meu coração sangrar mais um pouco. Eu não
sabia o motivo mas sabia que a minha ruína estava próxima, a casa não
tinha nenhuma semelhança com a outra, mas sentia como se estivesse
naquele dia.
O corredor tinha saída para quatro portas e minha respiração travou
quando paramos em frente a uma de madeira.
— Quer tomar um banho?
Dominic girou a maçaneta, era um banheiro.
— Quero — tinha me tornado um robô, replicando suas ações.
Dominic foi na frente novamente e segui seus passos. O banheiro
não era tão grande, mas tinha uma banheira e um chuveiro espaçoso.
Esperei.
A torneira da banheira foi aberta.
— Entra na banheira.
Olhei para mão de Dominic, que estava apoiada na alavanca. Meus
olhos começaram a lacrimejar. Cansados. Doloridos. Eu queria respirar.
Dominic ligou a torneira e a água espirrou com velocidade para
dentro da banheira.
Quando estivermos só nós dois não haverá jogo.
Minha garganta estava apertada, e meus olhos começavam a
escorrer lágrimas soltas que ardiam.
— Abre o zíper para mim.
Virei meu corpo para Dominic, que ainda mantinha o rosto sério.
Respirei fundo, fungando e tentando manter os pedaços que estavam
ameaçando cair. Fechei os olhos.
Seus movimentos não tinham malícia, e os dedos delicados, que
mais cedo arrepiaram minha pele, dessa vez me confortaram. O toque era
gentil e me aqueceu da forma mais íntima possível.
— Pronto
E eu entrei.
E as lágrimas já não eram gotas, eram uma enxurrada explodindo a
barreira das memórias. Destruindo e afundando toda a sanidade que tanto
lutava para manter.
Eu estava sendo partida novamente. De novo, de novo, e de novo.
Quase não podia respirar. Doía pra caralho. O meu peito estava sangrando.
— Eu não consigo respirar — solucei.
Então Dominic entrou comigo na banheira.
E eu corri em direção ao seu corpo.
Dominic me abraçou dentro da água, com roupa e tudo.
Sua respiração estava colada com a minha. Dominic estava me
emprestando seu ar, ele estava respirando por nós dois. Porque a cada
puxada de ar que preenchia meu peito, seu perfume me embalava, e as
lágrimas que não paravam de escorrer já não doíam tanto. Era quase
suportável.
— Não me deixe afogar.
— Nunca.
E em nenhum momento me senti sozinha. Porque Dominic estava
ali, e isso para mim bastava.
EU ODEIO VOCÊ
Sua pele era macia como seda, sua respiração lenta fazia subir e
descer os seus ombros nus que estavam um pouco avermelhados. Rastejei
os dedos por suas costas expostas, encaixando a minha mão na curva da sua
bunda.
Linda para caralho. As sardas em suas costas faziam com que o
desenho do seu corpo se tornasse perfeito. Eu amava seu corpo, amava o
encaixe perfeito que ele era junto com o meu.
Continuei rastejando os dedos por sua pele nua, salpicada de sardas
e brilhante, chegando ao seu cabelo desgrenhado e cheio de cachos. Limpei
seu rosto dos fios soltos, colocando eles para trás para olhar seus lábios
cheios e vermelhos, as sardas salpicadas que amava e olhos que insistiam
em estar fechados.
Augusta já estava acordada, mas fingia dormir com um rosto sereno
que me fazia querer beijá-la para sempre. Fomos dormir tarde, exaustos,
sedentos por um descanso, mas ambos com medo do último suspiro.
— Há quanto tempo está acordado? — sua voz rouca pelo sono
despertou o silêncio que o quarto se encontrava pela manhã.
— Há alguns minutos — respondi enquanto observava sua
respiração subir e descer. Seus olhos ainda fechados.
— Mentiroso, você não dormiu.
Ri nasalado.
— Você tem razão, eu não dormi. Fiquei esperando quando iria
embora.
O silêncio que previ da sua parte veio, e fiquei observando
enquanto Augusta abria os olhos por inteiro, colocando as duas mãos
debaixo do rosto.
— E funcionou?
— Você ainda está aqui.
— Eu ainda estou aqui.
Seu rosto estava relaxado, com um brilho que me lembrava quando
estávamos na faculdade, e me perguntei se hoje ela também iria fugir.
— Até quando?
— Isso você decidirá — sussurrou e dei uma risada amarga, me
sentando. Augusta copiou meus movimentos e levantou da cama,
completamente nua, em busca de uma blusa.
Pelo jeito, iríamos começar sem café da manhã.
Observei seu corpo, completamente hipnotizado enquanto ela
passava minha blusa pelos braços, e depois ia atrás da sua calcinha no
closet.
— Então me levar para cama não foi mais um jeito de fugir? —
indaguei quando ela copiou a mesma posição que eu estava no batente da
porta na noite passada.
Continuei na mesma posição, sentado com o lençol enrolado na
cintura, sem me incomodar de estar pelado para a conversa que viria.
— Não — Augusta mordeu os lábios. — Na verdade, nunca foi. E
eu nunca quis fugir, não de verdade.
— Então agora não precisa mais fugir? — eu sabia que meu tom
não estava sendo amigável, apesar de manter a voz baixa e controlada.
Merda. Naquele momento eu não me importava em demonstrar
quão puto estava com a situação. Porque queria resolver toda essa merda,
mas temia que ela fugisse novamente. Como em todas as outras vezes
Augusta fitou meus olhos e vi algo se quebrar ali, seus orbes não
tinham a dureza que há tantos meses ela tentou estampar. E sim apreensão
pelo resultado das suas palavras que viriam.
— Estou aqui para me redimir. Sem mentiras.
Ri amargo.
— Sem mentiras? Me explica em que pé estamos, está difícil de
acompanhar toda essa merda.
Mas Augusta não vacilou em suas palavras, o desafio e a coragem
estampados em seus olhos. Eu a queria mais que tudo, queria derrubar o
pilar de mentiras que existia entre nós. E não desistiria até que todos os
pontos tivessem sido amarrados. Mas ainda o peso de palavras afiadas e
ações mal pensadas se infiltrava em meu peito, me dizendo que não seria
fácil derrubar essa muralha.
— Eu não posso dizer em que pé estamos quando a errada da
história sou eu, eu não posso dizer que está tudo bem quando eu fiz a única
coisa que você me pediu para não fazer. Eu não posso dizer em que pé
estamos quando segredos ainda me sobrecarregam.
Fiquei em silêncio, eu também perguntaria um milhão de coisas se
isso nos fizesse ficar bem, mesmo que soubesse a maioria das respostas.
Mas, naquele momento, precisava ouvi-la, ela tinha que me dizer.
— Só me diz, valeu a pena?
Seu rosto franziu em dúvida mas vi seus lábios tremerem com uma
resposta que estava estampada em seus olhos.
— Sim.
Minha respiração engatou em um sopro forte. Meu sangue
esquentando rapidamente fazendo com que todo meu corpo endurecesse.
Ela não se arrependia de nada. Algo amargo inundou a minha boca.
— Então o que mudou? Se não se arrepende por que ainda está
aqui? O dia treze já acabou e acho que não precisa mais de mim.
Minhas palavras rasgaram o ambiente, e o clima mudou
drasticamente. Não era mais um jogo, agora tratávamos da verdade. Pura e
feia.
— Eu não estava mais te sentindo — sussurrou e ri amargo,
completamente desarmado.
Eu nunca quis machucá-la e nunca faria algo do tipo na minha vida,
mas não consegui parar meus pensamentos quando a raiva crepitou em
mim.
— E agora você está me sentindo? É por isso que sempre cedia? É
por isso que sempre me dizia sim sabendo que não era o melhor caminho?
Por que queria me sentir?
— Eu não estou falando que estou certa.
— Então qual a justificativa, cacete? — inquiri.
— Não há justificativas, há somente uma pessoa egoísta que não
queria que você fosse embora — sua voz era sincera, e uma coisa que sabia
muito bem era que ela não tinha medo de falar o que sentia ou queria.
Mas isso ainda não era nada, porque eu queria tudo dela.
— E por que eu iria embora?
Seus olhos ganharam um brilho natural e um sorriso de canto de
boca irônico.
— Você não vai facilitar, né? — perguntou em um suspiro.
— Você dá conta — respondi em desafio e Augusta descruzou os
braços, desistindo da posição, e caminhou até mim, ficando em pé e
totalmente exposta.
— Você quer tudo?
— Tudo.
— Sem mentiras?
— Me mostre seu lado mais feio e eu direi quais partes de mim
resistiram.
Augusta se sentou na cama ao meu lado, nos igualando e dobrando
as pernas em uma posição vulnerável. Então chamou meus olhos e por
alguns segundos, ela mergulhou em pensamentos, abrindo duas vezes a
boca antes de finalmente falar:
— Eu ouvi algo que não deveria e quando percebi o meu erro, já era
tarde demais — sussurrou, encarando as próprias mãos abertas que estavam
em suas coxas. Depois as fechou em punhos, levando o olhar para mim
novamente, e esse olhar cortou o meu coração. — Não tarde demais para te
contar, mas tarde demais para não querer dar a minha vida pela sua sem
pensar duas vezes.
Travei o maxilar.
— O que você fez?
— Eu fui uma pessoa ruim, Nic, não consegui ter o coração bom
como o seu e deixar que o tempo curasse minhas feridas. Não consegui ver
o veneno disfarçado de vinho em uma taça bonita e não provar. Eu não
consegui ver Martinez querer te matar e não querer matá-lo primeiro.
Engoli em seco, ela tinha dito o nome do merda do Martinez, e
aquela raiva que achei que tinha controlado salpicou no meu sangue,
fazendo as batidas do meu coração acelerarem. Algo estava se partindo de
novo e os olhos de Augusta me disseram que ela não iria parar, ela iria
terminar de rasgar os nossos corações.
Como uma luta oculta de quem seria mais cruel e quem conseguiria
sobreviver a mais uma queda. Merda. Estávamos afogando.
— Eu nunca te pedi para morrer por mim — a amargura degustou
cada palavra.
— Você queria que eu te assistisse morrer e chorasse no seu
velório? — alfinetou.
— Não seja tão radical, isso nunca aconteceria.
— Radical? — sua voz subiu cheia de raiva. Então uma risada
maldosa cobriu seus lábios. — Me pergunte o que aconteceu na noite do
incêndio.
— Agora vai me contar? Um ano depois? — ironia enxergava o ar e
me perguntei onde iríamos terminar se nossos corações estavam cheios de
mágoas guardadas. A raiva salpicava nossas palavras de uma maneira cruel.
Eu queria mais que tudo saber o que tinha acontecido com ela, mas
de repente, todas as palavras tornaram-se erradas e sem sentido.
— Me pergunte — desafiou, querendo me quebrar, a distância entre
nós curta demais para um acesso de raiva. Mas nenhum de nós também
parecia querer ir para outro lugar.
— Por que Martinez estava na nossa casa antes dela pegar fogo?
— Ele foi la para me matar — meu coração estava sangrando e
respirar ardia como fogo. Porra caralho, a raiva nublando cada ponto cego.
Engoli em seco.
— E ele conseguiu?
Seus olhos tremeram e a raiva parecia não ser suficiente para afiar
suas palavras. Minha respiração irregular avisava que estar na ponta do
precipício era um ato de loucura, não coragem.
— Você está sendo cruel — sussurrou mas eu não parei, tínhamos
que rasgar o véu da mentira.
— Ele conseguiu?
— Dominic…
— Conseguiu?
— Não — seus olhos eram cheios de fogo quando responderam: —
Ele não conseguiu me matar, cacete.
Augusta se calou, e por mais que tivéssemos milhões de coisas para
pôr na mesa, o ressoar de batidas fracas de nossos corações ainda sobrevivia
à guerra das nossas próprias palavras.
— Está doendo? — perguntei exigente, com raiva, chamando seus
olhos. Querendo que ela visse todo o estrago que éramos. Querendo que ela
viesse todo o estrago que eu era sem ela. O estrago que ela tinha causado.
— Idiota — murmurou cheia de raiva também, com o olhar fatal e a
respiração irregular.
— Está doendo? — eu precisava ouvir, mesmo que seus olhos
transbordassem o líquido amargo que era nossos corações. — Me diz o
quanto dói, Augusta!
— Sim — trincou a mandíbula, desfazendo tudo. Derramando tudo
que era. — E não seria capaz de dizer onde começa ou termina a dor, ainda
que admitisse mil vezes quais partes doem mais. Então você não vai
conseguir me afastar assim. Hoje eu não vou embora.
Augusta engoliu em seco, a mágoa passando por seus olhos e
inundando o nosso ar. Mas ainda assim não desistiu da batalha.
A mulher mais forte que já tinha visto na vida.
— Então agora me diz como sobreviveu ao meu sobrenome. E
depois veremos o que sobra — o meu tom ácido não deixou que o clima
leve se assentasse.
Ainda estávamos na defensiva, nossos corações estavam correndo
em direções opostas.
— Martinez precisava de um ano — começou sem nenhuma
restrição, seus olhos eram firmes quando sua voz quebrou o ar.
— Um ano longe de mim? — ironizei, com a raiva crepitando.
— Ele precisava de um ano para matar toda família Clifford — seu
tom era quebrado e carregado de amargura, suas palavras fortes demais para
uma simples frase. Seus olhos me acharam.
— E por que um ano?
— Porque só depois de um ano outro ataque contra a família
fundadora não seria considerado caso direto para uma investigação.
Cerrei os olhos, prestando atenção em cada palavra.
— Eu disse que tinha assinado o contrato, mas eu também o li
naquela tarde quando me contou que não seria leve o peso da coroa.
— Mas foi queimado — disse ríspido, querendo lembrá-la do nosso
último encontro no banco.
Seus queixo tremeu, a coragem escapulindo.
— Mas eu não precisava assinar um contrato para estar sob os olhos
dos fundadores.
Cerrei os olhos, algo se partindo ali naquele quarto. Porra, todo meu
sangue fervia de impotência. Não precisava de um contrato quando ela
carregava a porra do meu sangue. Seus olhos machucados e prontos para
travarem uma batalha subiram um escudo de emoções, me atacando e
mostrando que não ligava o quão ruim toda merda era, ela continuaria a
cavar a cova dos nossos corações.
— Você estava esperando um filho meu.
— Estava.
— E havia provas no hospital quando você foi internada.
— Tinha.
Uma respiração dolorosa expandia meus pulmões. Abaixei a
cabeça, encarando minhas mãos. Merda. A ferida aberta doendo demais
para que qualquer um de nós respirasse direito. A confusão nublou minha
mente, eu parecia saber nada e tudo ao mesmo tempo. Me sentia perdido. O
coração sangrando e estilhaçando todas as partes bonitas que a mentira
tinha pintado.
— Eu te contarei tudo, Nic, confessarei todo o meu egoísmo e o
quão suja posso ter me tornado em busca de uma vingança. Porque foi isso
que fui atrás, vingança.
Sua voz se estilhaçou, e senti sua mão na minha, colocando-a em
cima do seu peito como tinha feito na noite passada.
— Todas as minhas ações durante o último ano foram frutos da
raiva que sentia toda vez que te olhava e via que eu daria mil vezes a minha
vida pela sua, mesmo que isso significasse ter o seu olhar de raiva. Eu
preferia isso mil vezes a te ver em um caixão.
Ainda estava com semblante fechado, e a informação de meses
estava ali sendo jogada, como uma poeira velha. Vingança. O tempo todo
era isso.
Então, ela fez algo que não esperava, ainda com minha mão em seu
coração, Augusta se ajoelhou na minha frente, e eu vi o seu coração se
partir pelos seus olhos. Ela estava arrancando seu coração e me dando,
como fiz todas as vezes no último ano.
Lágrimas encheram meus olhos, desmanchando todo meu corpo,
fazendo-me uma merda líquida. Eu não era merecedor dela. Eu não era
merecedor de Augusta quando ela, sem medo nenhum, desnudou a sua
alma. Porra.
Sua alma transparente demais. Sua alma machucada demais. Sua
alma linda para um caralho. Sua alma que mesmo machucada ainda tinha
força para ir à batalha. Sua alma totalmente despida aqui na minha frente
porque estava cansada de lutar.
— Então te pedirei desculpas por todas as vezes que parti o seu
coração, Nic, eu pedirei desculpas por todas as vezes que achei que daria
conta sozinha. Eu pedirei desculpas por ter sido a pior noiva do mundo, eu
pedirei mil desculpas e passarei por cima do meu orgulho se isso fizer você
não sair do meu lado, mas… só não me peça para pedir desculpas por trocar
o meu coração pela sua vida. Porque é isso que você é, Nic, minha vida, e
eu faria qualquer coisa por você.
Seus olhos me sugaram em uma intensidade muito bem conhecida
por mim, fazendo nossos mundos colidirem e se mesclarem como dois
laços infinitos. Porra. Estávamos nos afundando juntos.
Então, uma coisa que tinha visto somente uma vez brilhou em seu
rosto. Mãe, Augusta tinha se tornado mãe e isso tinha sido tirado dela. Era a
vingança de uma mãe, não de uma mulher, e naquele momento eu vi que
nada seria suficiente para explicar como a perda do bebê tinha lhe mudado.
E eu não poderia de forma alguma culpá-la por querer se vingar de algo que
foi lhe tirado.
O cansaço me venceu, e uma respiração pesada estremeceu todo o
meu corpo. Peguei sua mão que estava em meu coração e a levei aos meus
lábios.
Minha Augusta, minha namorada, minha noiva, minha mulher, a
mãe do meu filho. Eu daria minha vida por ela mil vezes sem precisar saber
quais pecados cometeu.
— Vem aqui — sussurrei e lágrimas desceram desesperadamente de
seus olhos. Puxei seu corpo, sentando ela no meu colo. Respirei seu
perfume e limpei seu rosto vermelho. Sua pele estava quente.
— Nic, não vá embora — chorou, desmoronando tudo que eu era.
— Porque se você se for, nada valerá a pena.
Sua respiração era falha e me parti novamente por ser a pessoa que
estava a fazendo sofrer.
— Eu não vou, amor — sussurrei em seus lábios, arrumando seu
cabelo. — Sempre estarei aqui.
As lágrimas voltaram aos seus olhos e abracei seu corpo até que
todos os tremores fossem embora.
FIM.
Se eu nunca achei que escreveria notas iniciais, um agradecimento
é o auge para quem desistiu de cada capítulos no mínimo dez vezes antes de
escrevê-lo.
Escrever esse livro não foi fácil, foi mais difícil do que esperava.
Porque não era só sobre escrever várias palavras em um dia e estava
satisfeita com o que me propus a entregar. Era lutar contra a minha própria
mente, lutar contra as minhas próprias críticas comigo mesma. Era sobre ser
menos maldosa comigo e me dar mais crédito naquilo que almejava.
Então publicar esse livro é muito mais do que um sonho, é provar
para uma garota de quinze anos que tudo valeu a pena. Que ela ainda
continua viva, que ela ainda pode conquistar o mundo.
Primeiro eu gostaria de dedicar um parágrafo inteiro a Deus, eu sou
uma pessoa movida pela fé, e não poderia deixar de agradecer imensamente
todas as maravilhas que Ele tem feito na minha vida nos últimos meses.
Antes de voltar a escrever e decidir de fato que iria me arriscar e
fazer a minha primeira publicação em 2024, eu tive que abrir mão de
muitas coisas para que eu percebesse que esse era o melhor caminho que eu
deveria tomar.
E bem, abrir mão e dizer não muitas vezes me feriu. Me perguntava
se tudo que estava passando valeria a pena, se eu me valeria.
Eu sou muito grata e feliz pelas minhas escolhas, e acredito que
Deus está sempre ali pertinho de mim me dando toda força e ânimo que eu
preciso para conquistar todas as coisas que quero.
Segundo é um parágrafo todinho para minha mãe… Jesus, o que eu
seria sem essa mulher maravilhosa que me apoia nas minhas pequenas
batalhas? Eu tenho certeza que nada seria igual se eu não tivesse o seu sim,
se eu não tivesse as suas palavras de conforto e incentivo me dizendo que
eu poderia sim continuar. Acho que é imensurável o que essa mulher tem
feito por mim nos últimos meses. Obrigada mãe, por ser a melhor mãe do
mundo!
E claro, não poderia deixar de escrever algumas linhas
especialmente para meus irmãos. Eu amo tanto vocês, vocês são tudo para
mim, eu amo ser amada por vocês e amo ainda mais ser irmã de vocês.
Obrigada por me fazerem felizes e serem o meu respiro fresco.
Para minhas leitoras do wattpad! Foi uma das experiências mais
incríveis que tive. Vocês foram essenciais para o meu processo de
descoberta e aceitação de que eu poderia talvez ser boa com as palavras.
Obrigada por serem a luz no meu dia, obrigada por me falarem palavras de
conforto, obrigada por terem paciência comigo em longos dois anos de
bloqueio criativo e insegurança, obrigada por me deixarem ser a autora
favorita de vocês!
Esse com certeza é a maior conquista para um autor, perceber que a
sua obra pode mexer com as suas emoções e ver que de alguma forma
aquele texto pode te mudar.
Um agradecimento especial a Yasmin, obrigada amiga por ter feito
tanto por mim. Obrigada por ter falado que meu paragrafo estava ruim e
que eu precisava melhorar.
Obrigada Evelyn por estar comigo nesses últimos dias e cuidar do
meu livro com tanto carinho.
As minhas lindas amigas, Leonor, Yasmin e Isadora, eu amo vocês
e amo tudo que a gente é. Obrigada por me apoiarem e serem a minha
equipe. Obrigada por serem as minhas pessoas.
Um carinho especial a minha design, as minhas parceiras
maravilhosas e a todas aquelas que fizeram de alguma forma, parte desse
lançamento.
Estou orgulhosa de mim, estou orgulhosa do que conquistei até
aqui. E bem, se você leu até o último capítulo, sabe que isso não é uma
despedida, e sim um em breve.