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Filariose Linfática
(Wuchereria bancrofti)
A filariose linfática é uma doença bastante peculiar causada
principalmente pelo nematelminto Wuchereria bancrofti. Esse parasita pertence ao grupo das filárias, vermes delgados e delicados que não liberam ovos, mas sim embriões (microfilárias). Esses parasitas habitam os vasos sanguíneos e linfáticos, assim como tecido subcutâneo, cavidade peritoneal e mesentério. A fêmea desses parasitas é nitidamente maior e mais espessa que o macho, sendo vivípara. O macho possui a extremidade distal enrolada. A microfilária, ou embrião, por sua vez, é microscópica, apresenta capacidade de movimentação e possui uma bainha protetora. A W. bancrofti, especificamente, é totalmente dependente da ação de um vetor para seu parasitismo, o mosquito Culex quinquefasciatus (pernilongo, muriçoca…).
Ciclo biológico
O ciclo da Wuchereria bancrofti é heteroxênico, sendo realizado no ser
humano (hospedeiro definitivo) e no mosquito supracitado (vetor). A fêmea do mosquito, ao realizar o repasto sanguíneo em seres humanos infectados, ingere microfilárias do parasita. As microfilárias perdem suas bainhas, penetram o estômago do mosquito e, em seu interior, sofrem mudas sucessivas, se transformando em larvas L1, L2 e, finalmente, L3 (formas infectantes para humanos). Quando o mosquito infectado realiza um novo repasto sanguíneo em um ser humano, ele deposita as larvas na lesão de pele criada pela picada. As larvas L3, então, penetram a ferida e adentram nos vasos linfáticos e linfonodos, onde permanecem até se transformarem (após alguns meses) em vermes adultos. Após a cópula, as fêmeas do parasita liberam as microfilárias, que migram para a corrente sanguínea, e lá ficam até serem ingeridas por um outro mosquito. A única forma de transmissão da doença é pela picada de seu vetor infectado, e o homem é o único reservatório da W. bancrofti.
Patogenia e Sintomas
A filariose linfática pode se apresentar de diversas formas clínicas,
desde assintomática até como uma condição incapacitante extremamente grave e irreversível, a elefantíase. As manifestações possíveis da filariose são: ● Quadro agudo: O quadro agudo da filariose é gerado pela resposta inflamatória no interior dos vasos linfáticos e linfonodos frente à presença de vermes adultos nesses locais, aos seus produtos do metabolismo e aos seus restos mortais. Nesse quadro, quando sintomático, é perceptível a inflamação dos vasos linfáticos (linfangite), que às vezes pode ser observada na pele, acompanhando o trajeto do vaso. Além disso, pode-se perceber a inflamação dos linfonodos afetados (linfadenite), que pode ser palpável. Observam-se ainda sintomas sistêmicos gerais (febre, cefaleia, astenia e mialgia). Em casos de maior carga parasitária (ou se ocorrer obstrução mecânica dos vasos linfáticos pelos vermes), pode ocorrer extravasamento de linfa nos vasos que drenam a pele, podendo gerar um linfedema agudo e temporário, especialmente nos MMII, seios e genitália. Por fim, em casos assintomáticos, pode apenas ocorrer uma linfangiectasia subclínica (proliferação e dilatação dos vasos linfáticos), sem grandes sinais inflamatórios. ● Quadro crônico: Cerca de 30% dos infectados avançam para a forma crônica da filariose linfática. Isso se deve a fatores individuais, infecções bacterianas secundárias, alta carga parasitária ou exposição ao vetor e consequentes reinfecções. Na fase crônica, a presença do verme por longos períodos promove profunda obstrução dos vasos linfáticos, situação piorada pela inflamação dos vasos e linfonodos pelos motivos explanados anteriormente. Essa obstrução prolongada promove estase linfática (não circulação da linfa), linfangiectasia e, eventualmente, linforragia (extravasamento da linfa do vaso). A linforragia promove um edema subcutâneo crônico (linfedema, por conta tanto do extravasamento quanto pelos prejuízos na drenagem linfática), especialmente nos membros inferiores. Nos homens, esse edema pode ocorrer entre os testículos e o saco escrotal, gerando a hidrocele, uma situação bastante perigosa e desconfortável. Além disso, pode ocorrer liberação de linfa na urina (quilúria), bem como danos aos vasos linfáticos no interior do sistema excretor, gerando proteinúria e possível hematúria. ● Elefantíase: Em quadros crônicos muito prolongados (+10 anos), a obstrução linfática do parasito, juntamente com a inflamação linfática por ele induzida e a eventuais infecções bacterianas secundárias podem levar a um quadro de elefantíase. O mecanismo de gênese da elefantíase é o seguinte: A inflamação nos vasos (linfangite) e linfonodos (linfadenite) promove, concomitantemente com a obstrução mecânica do parasita, a proliferação e dilatação dos vasos linfáticos (linfangiectasia). Eventualmente, todos esses fatores culminam no derramamento de linfa nos tecidos, especialmente nos membros inferiores e genitália (linforragia). Essa linforragia, aliada à perda da drenagem linfática, gera acúmulo de líquido entre as células dos tecidos, incluindo o subcutâneo (linfedema). Eventualmente, a perda da drenagem da pele, aliada a infecções bacterianas facilitadas pela perda da circulação de linfa (estase linfática) geram fibrose intensa da derme (esclerose da derme), que pode ser acompanhada de hipertrofia da epiderme. Esses fatores, associados ao aumento de volume do órgão acometido, geram as manifestações clássicas da elefantíase. Essas manifestações ocorrem principalmente nos membros inferiores e na bolsa escrotal. A depender do nível de fibrose tecidual, a elefantíase pode ser irreversível, provocando dor intensa, perda de mobilidade e funcionalidade e, muitas vezes, pode exigir a amputação total do membro acometido. ● Eosinofilia Pulmonar Tropical: Em pacientes com quadros agudos (principalmente), há uma grande circulação de microfilárias no sangue. Em alguns casos, é possível observar uma hipersensibilidade aos antígenos das microfilárias, o que gera alguns acometimentos importantes no pulmão (e em alguns outros órgãos, como rins e articulações), manifestados como uma alveolite com aspecto eosinofílico, que culmina em tosse, dispneia e desconforto respiratório. Em quadros mais crônicos, essa reação pode culminar em fibrose intersticial crônica nos pulmões, gerando um quadro mais grave. Em pacientes sem essa hipersensibilidade, todavia, as microfilárias não aparentam gerar patogênese importante.
Alguns trabalhos científicos revelaram a importância de bactérias do
gênero Wolbachia para a patogênese da filariose. Essas bactérias são endossimbiontes obrigatórias das filárias, sendo essenciais para a sobrevivência desses parasitas. Quando as filárias morrem no interior dos vasos linfáticos, essas bactérias são liberadas, juntamente com seus antígenos (LPS). Como se trata de uma bactéria, a resposta imune Th1 é desencadeada, com a produção de IFN-γ e TNF-β, potencializando o dano tecidual induzido pela morte do parasita. Esse mecanismo pode ser importante para descrever a evolução da filariose para um quadro inflamatório linfático tão exagerado quanto a elefantíase. Na fase aguda da doença, há a ação de ambas as imunidades mediadas por Th1 e Th2, com perfil predominante Th2 (IL-5, IL-10 e IL-4), com ação de eosinófilos e IgE. A resposta Th1 está envolvida com o recrutamento de células, formação de granulomas e cicatrização. Na fase crônica, há um predomínio da resposta Th2, com fibrose intensa e queratose do epitélio.
Diagnóstico
Além dos critérios clínicos, na fase aguda, pode ser realizada a
pesquisa de microfilárias no sangue periférico. Esse sangue deve ser colhido à noite, entre 22-23h, coincidindo com o pico da microfilaremia (que é nesse horário pois coincide com os hábitos do vetor). Existem algumas técnicas específicas, como o método de concentração e o de Knott, que são mais sensíveis e podem ser utilizados como controle de cura. Além disso, em pessoas com infecções ativas, é possível realizar a detecção do antígeno filarial circulante (CFA), no soro sanguíneo ou outros líquidos biológicos, por métodos de ELISA ou testes rápidos. Esses testes podem permanecer positivos por vários anos após a eliminação dos parasitas. Exames de imagem também podem ser utilizados para o diagnóstico, especialmente a ultrassonografia, onde é possível verificar os movimentos dos vermes adultos no interior dos vasos linfáticos, especialmente nos vasos linfáticos escrotais. Quanto à sorologia, na fase crônica, pode-se realizar a detecção de IgG anti-Wuchereria. Entretanto, essa técnica possui baixa especificidade e não é recomendada como método de afunilar as hipóteses diagnósticas. Quanto à elefantíase, a clínica é extremamente característica, podendo, na maioria dos casos, ser suficiente para o diagnóstico.
Tratamento
O tratamento antiparasitário da filariose é complexo, já que a
eliminação dos parasitas pode, inicialmente, piorar o quadro clínico do paciente. Logo, deve ser feito com acompanhamento e muita cautela. O tratamento recomendado é Dietilcarbamazina (DEC) + Albendazol ou Ivermectina + Albendazol. Por fim, é importante o tratamento sintomático das lesões, especialmente as da elefantíase, com repouso, fisioterapia, drenagem linfática, higiene e tratamento de infecções bacterianas/fúngicas secundárias. Profilaxia
Consiste basicamente no controle do vetor e tratamento dos doentes.
No Brasil, o tratamento empírico em áreas afetadas reduziu drasticamente o número de casos de filariose linfática, que está encaminhada para sua erradicação do país, restando-se apenas alguns casos na região metropolitana de Recife. A notificação de casos é compulsória.