200 Anos Da Batalha Do Vimeiro
200 Anos Da Batalha Do Vimeiro
200 Anos Da Batalha Do Vimeiro
Desde 1793 que Portugal lutava contra franceses. Na II Guerra Global Portuguesa1 tivemos portugueses a combater
nas cinco partes do Mundo, do Brasil até Macau, da Ilha de Malta até à Rússia, foram 25 anos em Guerra que só
terminou em 1817. No ano da Batalha do Vimeiro, em 1808, a Guerra iniciaria a sua fase mais cruel e decisiva:
invadidos, humilhados, pilhados, violentados. Mas foi a Nação, forte e coesa, que se levantou em armas para
defender o sagrado chão de Portugal.
No ano anterior, em 1807, depois de Napoleão ter vencido os mais fortes da Europa - Austríacos, Prussianos, Russos -
e de ter controlado quase todo o Continente, que podíamos nós fazer contra mais uma ofensiva franco-espanhola2?
Inteligentemente mudámos a sede do governo para o Rio de Janeiro, salvámos a nossa forte Marinha de Guerra e
esperámos por um sinal do nosso tradicional aliado britânico para poder recuperar o país. A Grã-Bretanha, por sua
vez, esperava para ver a determinação de Portugal. Não foi preciso esperar muito.
As Forças Desarmadas
O General Francês Andoche Junot entrou e ocupou Portugal em Novembro de 1807. Em Dezembro a população de
Lisboa revoltou-se contra o hastear da bandeira francesa no Castelo de S. Jorge. No princípio de 1808 continuaram os
indícios da revolta nas Caldas da Rainha, em Mafra, em Évora, etc., e Napoleão dá ordens a Junot para que este
desarme rapidamente o País e mande sair do território nacional o Exército de Portugal. Assim, em Maio de 1808 já
não tínhamos Exército: tinha partido para França (re)organizado na denominada Legião Portuguesa e o muito pouco
que restava tinha sido desarmado e mandado para casa.
Também as Milícias e Ordenanças, verdadeira espinha dorsal da defesa do território nacional, foram desarmadas e
desfeitas. Os melhores comandantes militares tinham partido para França ou para o Brasil. Era assim muito difícil
resistir contra a poderosa França reforçada em Portugal com 3 divisões espanholas mas, felizmente, a Espanha
mudou de posição em Maio e, ao revoltar-se, abandonou o nosso território. Estavam criadas as condições para
retomar o nosso País.
Bragança3, Vila Real, Chaves, Miranda, Torre de Moncorvo, Ruivães, Porto, Braga, Trancoso, Viana do Castelo, todo o
norte se levantou contra o invasor. Os poucos (pouquíssimos) líderes capazes4 surgem nos primeiros dias da revolta:
Sepúlveda em Bragança, Francisco da Silveira em Vila Real, Luís do Rego em Viana, Manuel de Mariz no Porto, etc.
Junot percebe que não conseguirá controlar Portugal inteiro sem reforços e a reacção inicial francesa foi o de garantir
as linhas de comunicação com as restantes forças em Espanha. Loison segue para Almeida com 4 000 homens, Avril
Para debelar a rebelião no Porto, Junot envia a 17 de Junho de Almeida o General Loison o Maneta com 2 600
homens bem armados e equipados, mas este nunca lá chegará. Na primeira grande batalha contra os portugueses,
armados com o que podiam , às ordens do Coronel Silveira (futuro conde de Amarante), os franceses são derrotados
nas alturas de Teixeira e Régua. Em síntese foi esta a história da primeira vitória na Península Ibérica contra os
Franceses - a Batalha de Teixeira (ou dos Padrões de Teixeira e Régua)5:
A Infantaria Ligeira de Loison atacara o centro do dispositivo português e à medida que avançava contra os mal
armados 10 000 portugueses encontrava cada vez mais combatentes incluindo algumas peças de artilharia. Loison,
ferido, sofrera baixas severas e fora obrigado a retirar. É também informado que no Porto se estão a formar
rapidamente Regimentos de Linha 6 e assim decide voltar a Almeida.
Pela primeira vez, os «gloriosos conquistadores da Europa» fugiam 7
No regresso dos franceses para Almeida são praticadas por estes as maiores barbaridades que iriam aumentar a
triste fama do maneta : dos 1 000 a 3 000 mortos portugueses registados nesta campanha de Almeida - Teixeira -
Almeida a grande maioria são cidadãos pacíficos e desarmados ( ) queimou searas, casas e celeiros, matou
homens, mulheres, crianças e velhos 8. Loison por seu lado perdera mais de 300 homens, quase toda a sua bagagem
e pelo menos duas peças de artilharia.
O Exército Operacional Português podia ter sido enviado para França, mas com base na organização secular de
milícias, ordenanças e nas poucas forças de 1ª linha que restavam, um novo Exército, uma força popular, uma nação
em armas, renascia de forma incrivelmente rápida9. Mas não bastava a vontade pois faltava tudo: armas, uniformes,
dinheiro, comandantes, cavalos, doutrina, táctica, treino!
Depois do Norte foi o Algarve10 e a revolta espalhou-se por todo o território nacional: Coimbra, Leiria, Nazaré, Mafra,
Sines, Setúbal, etc. Junot sabia que não podia lutar contra todo o país e mandou concentrar as suas forças ao redor
de Lisboa e na manutenção das linhas de comunicação com Espanha, especialmente no Alentejo. Morreram milhares
de portugueses na defesa do impossível11 mas a verdade é que no início de Agosto, os franceses apenas controlavam
Lisboa, parte do centro do país e o eixo Lisboa-Alentejo. As principais fortalezas estavam ou nas mãos dos
portugueses ou encontravam-se sitiadas pelas nossas forças. Portugal garantia bastantes portos seguros, áreas
libertadas, uma população decidida e um Exército em formação 12 . Os britânicos podiam então desembarcar,
tranquilamente e com toda segurança, o seu Exército bem armado, equipado, treinado e devidamente comandado.
Em pouco mais de um mês a revolta estendera-se a quase todo o território português. Restava a capital e os seus
arredores ocupados pelo exército francês. 13
Já antes de Wellington (ainda Wellesley) pôr o pé em terra a revolta libertara nove décimos do país .14
A França teve três momentos na sua grande estratégia para tentar conquistar a hegemonia na Europa: uma
estratégia indirecta inicial Napoleão decide que pode vencer a Inglaterra conquistando o Levante, na sequência da
campanha vitoriosa de Itália. A campanha do Egipto de 1798 ( ) fracassada esta primeira abordagem, Napoleão
regressa a França ( ) 15; de seguida pensou no ataque directo à Grã-Bretanha O imperador instaura a partir de
1804 um gigantesco acampamento ao longo do canal da Mancha ( ) cerca de 200.000 mil homens da Grande Armée 16
mas para isso precisava do controlo do canal da Mancha que a derrota naval de Trafalgar em 1805 veio impedir, o
que levou a decidir-se pela terceira fase da sua estratégia: o domínio terrestre do continente europeu.
Com as vitórias de Austerlitz em 1805, Iena e Auerstad em 1806 e Eylau e Friedland em 1807, Napoleão Bonaparte
tinha derrotado as maiores potências continentais da Europa: Áustria, Prússia e Rússia. Faltava por isso controlar a
potência marítima, a Grã-Bretanha. Para cortar o acesso dos britânicos ao continente europeu, tinha Portugal no
caminho17, pelo que a estratégia para a Península Ibérica se baseava em:
Impedir o acesso da GB à linha de costa, negar o controlo dos portos principais da Península Ibérica Junot para
Lisboa18, Soult para a Corunha e Dupont para Cádiz 19; como afirma o Professor Borges de Macedo, o bloqueio
continental decretado por Napoleão está intimamente relacionado com a estratégia marítima e é, em si mesmo, uma
parte da guerra atlântica;
Em 1808 os Franceses eram considerados invencíveis. A missão de ocupação de Portugal foi dada ao 1º corpo de
observação da Gironda, mais tarde renomeado Armée du Portugal, comandado pelo General Andoche Junot e
composto por 3 divisões sob o comando dos Generais Loison, Delaborde e Travot e a Cavalaria sob o comando do
General Kellerman, num total de 24 918 homens21. A maior parte das unidades eram francesas mas havia também
dois batalhões suíços, 1 italiano e 1 Hanoveriano.
O sistema francês baseava-se em Exércitos compostos por corpos de exército a quem era atribuído uma área
geográfica específica - o Corpo da Gironda, Armée du Portugal, seria mais tarde, em Outubro de 1808, transformado
no 8º Corpo do Exército de Espanha. Os corpos de exército eram normalmente divididos em 3 a 4 divisões, cada
divisão em várias brigadas e cada brigada em 3/4 batalhões.
À data da 1ª Invasão Francesa a Portugal, cada regimento de linha francês era composto por 3 batalhões de linha e
um de depósito. A partir de 18 de Fevereiro de 1808 passou para 5 batalhões (4 + 1). Cada batalhão de linha estava
organizado numa companhia de granadeiros, uma de voltigeurs (infantaria ligeira) e 4 companhias de fuzileiros. As
companhias tinham 140 homens. O total teórico de cada regimento era de 3 908 homens (78 Oficiais).
A cavalaria francesa em Portugal era constituída unicamente pelo 26º Regimento de Cavalaria ligeira e
destacamentos de 6 regimentos de dragões (caçadores a cavalo). Junot reorganizou depois os regimentos de dragões
para 600 homens cada pela confiscação que fez à desfeita cavalaria portuguesa.
A artilharia de Junot foi constituída a partir de várias unidades e não atingia a proporcionalidade proposta por
Gribeauval22 de 4 peças por cada 1 000 homens. Haveria cerca de 45 peças para a artilharia de Junot e presentes na
Batalha do Vimeiro registam-se 23 peças contra as 16 do Exército anglo-luso.23
A Grã-Bretanha também evoluiu na sua estratégia, primeiro tentou em 1793 a entrada no continente através dos
Países Baixos, sofrendo o exército aliado (britânicos e austríacos), comandados pelo Duque de York, uma pesada
derrota que o forçou a regressar à Albion - esta linha estratégica nunca obteve grandes resultados, tentarão de novo
em 1809 mas apenas terão resultados a partir de 1813.
A grande estratégia naval/expedicionária terrestre britânica tem o apogeu com a vitória naval de Trafalgar em 1805.
Esta baseava-se na conquista dos territórios dispersos em três continentes, as colónias francesas, a negação do
acesso das passagens do canal da Mancha e Mediterrâneo e o envio de corpos expedicionários para áreas de
importância geopolítica, como o Mediterrâneo, Egipto, Península Itálica, América Espanhola, incluindo também alguns
dos territórios portugueses como Madeira, Moçambique, Goa e Macau.
Foi também evidente a estratégia de controlar possíveis oponentes navais como assim o demonstram as vitórias
britânicas do Almirante Duncan sobre os Holandeses na Batalha de Camperdown em 1797, sobre os Espanhóis na
Batalha do Cabo S. Vicente no mesmo ano, a destruição da esquadra dinamarquesa em Copenhaga em 1801 e em
180724 e a italiana em Nápoles em 1801.
Em 1808, impedidos de atacar pelo norte da Europa, a confrontação terrestre traduziu-se na tardia definição da
estratégia da Grã-Bretanha25 para a Península Ibérica, agora senhora dos mares (potência marítima, uma vez
derrotadas as esquadras francesas e espanholas), e que pode ser resumida nos seguintes objectivos:
Garantir o seu território santuário (Portugal) como principal base logística para apoiar as campanhas militares em
Espanha e depois em França;
Atrair as forças francesas à Península Ibérica para fragilizar os exércitos franceses nos restantes teatros de
operações europeus (Áustria, Prússia, Rússia, Itália, etc)26;
Obrigar à dispersão dos exércitos franceses na Península para poder atacar por partes, fazendo para isso uso e
As forças do General Wellesley, que comandaria as forças inglesas no Vimeiro, vinham de regiões muito diferentes -
Inglaterra, Irlanda e Malta - e, como tal, tinham diferentes graus de experiência, sendo os mais experientes os
oriundos da Ilha de Malta. Para a grande maioria, a expedição a Portugal era a primeira experiência militar. Mas ao
contrário das forças francesas, a disciplina era muito melhor tendo como resultado mais visível o muito menor grau
de violações e pilhagens e a grande firmeza das linhas britânicas debaixo de fogo e a enorme capacidade de fogo
produzida27.
As forças britânicas estavam desde Agosto de 1808 organizadas em brigadas, cada brigada em 2 ou 3 batalhões. Os
Regimentos britânicos eram de efectivos muito menores que os franceses, organizados a 3, 2 ou mesmo 1 batalhão.
Cada Batalhão estava organizado a 10 companhias incluindo 1 de granadeiros e as restantes de infantaria ligeira.
Toda a táctica britânica se desenvolvia em torno dos batalhões. Apenas tinha um esquadrão de dragões ligeiros e,
nas batalhas da Roliça e Vimeiro, a artilharia era composta apenas por duas baterias num total de 16 peças.
Em 1807, Portugal militar não era o pior da Europa apenas estava, devido ao turbilhão político, às pressões
internacionais, aos efeitos de uma derrota militar da Guerra das Laranjas e ao tradicional desatender das forças
armadas, sem condições de se opor sozinho ao maior e melhor exército da Europa - o Exército de Napoleão,
reforçado pelo exército do nosso vizinho - a Espanha. Tínhamo-nos iniciado na moderna infantaria ligeira, possuíamos
uma organização militar em três escalões, linha, milícias e ordenanças, alguns (poucos) bons quadros e uma nação
determinada mas profundamente dividida. Em 1808, com o desarmar do país e o envio da Legião para França
ficámos virtualmente a zero em forças organizadas, armas e equipamentos.
Portugal tinha por isso, forçosamente, de adaptar a sua estratégia às estratégias dominantes francesa e britânica e,
face à invasão francesa, a reactiva estratégia portuguesa pode então ser definida como:
Garantir a posse da esquadra naval e manter a iniciativa legitimadora da acção governativa, transferindo a corte e
a armada para o Brasil e aceitando a ocupação francesa para evitar a repressão;
Alinhar, depois do claro levantamento popular, com uma das potências, a Grã Bretanha, e unir grande parte das
suas forças num Exército aliado sob mando britânico;
Evitar os combates decisivos com as forças francesas preferindo organizar a defesa das populações e conduzir
operações militares nas suas retaguardas e linhas logísticas28;
Manter a participação portuguesa no Exército aliado para garantir a libertação da Espanha e combater na própria
França para valorizar Portugal e a própria aliança e assim fazer parte dos vencedores nos tratados finais.
O segredo da força emergente no Verão de 1808 reside nas tradicionais forças portuguesas das milícias e ordenanças.
Só assim se explica que do nada tivessem aparecido tantas forças 29 e, embora praticamente desarmadas,
razoavelmente enquadradas e coordenadas, porque, desde a fundação de Portugal, as forças armadas sempre foram
as de uma nação, um povo e um Rei, ao contrário do que sucedia e sucedera em outras áreas da Europa com os seus
pequenos exércitos privados, feudais e regionais.
Os portugueses de uma forma geral apresentaram-se nas suas antigas unidades de 1ª linha, milícias e ordenanças.
Uma das primeiras unidades a ser reorganizada foi o Batalhão de Caçadores do Porto. Os improvisados militares
portugueses não tinham nem experiência nem bons quadros para os comandar (estavam na sua esmagadora maioria
ou no Brasil ou em França) por isso seria impossível oporem-se sozinhos às forças experientes e treinadas francesas.
O comandante das improvisadas e renascidas forças armadas portuguesas, General Bernardim Freire de Andrade,
apelou a donativos e conseguiu ainda assim juntar algumas armas, equipamentos e peças de artilharia e concentrou
o melhor dos equipamentos para apoiar Wellesley30.
Objectivo Lisboa
Decidiu juntar as suas forças perto de Lisboa para poder concentrar e combater possíveis desembarques ingleses.
Desistiu definitivamente do Norte e Algarve, mandou Loison regressar de Almeida, Kellerman do Alentejo e manteve
apenas uma pequena guarnição no centro estratégico de Portugal - Abrantes. Fundamental para os franceses, para
além da posse da capital - Lisboa, continuava a ser a liberdade de movimentos com a Espanha e para isso concentrou
os seus esforços numa única direcção para Espanha - Alentejo.
Assistiu-se então à pior e mais selvática operação francesa. O ataque dos 10 000 de Loison a Évora a 29 de Julho de
2008.
Foi enorme o esforço de defesa em Évora, as 3 000 forças portuguesas31 e espanholas do General Francisco da Paula
Leite depois de resistirem a dois ataques gerais fora da muralha foram derrotadas, mas a luta continuou feroz dentro
das muralhas: rua a rua, casa a casa, até ao último homem, até à última mulher. Os que não morreram a lutar seriam
cobardemente mortos, violentados, pilhados - 8 000 mortos e incontáveis feridos portugueses (e espanhóis que
tinham vindo reforçar as forças portuguesas) para apenas 100 mortos e cerca de 200 feridos franceses. As forças
portuguesas aprendiam à custa de muito sangue que não era pela defesa de posições fixas que se podia vencer os
franceses. Iriam saber aplicar estas lições aprendidas de forma magistral nos anos seguintes32.
Entretanto o objectivo era claro para Franceses e Ingleses - Lisboa! Para os primeiros a garantia do controlo político33,
para os segundos como plataforma de penetração na Península Ibérica. Desde as notícias das revoltas em Portugal
que os líderes políticos ingleses, Lord Castlereagh e o Duque de York, tinham preparado uma força para desembarcar
na Península Ibérica, nomeadamente cerca de 10 000 homens que anteriormente estavam destinados a uma
expedição à América do Sul.
Saíram com destino à Península Ibérica, a 12 de Julho de Cork, Irlanda, enquanto o TenCor Brown coordenava já no
nosso país, no Porto, a futura manobra britânica com o Bispo do Porto e o comando militar português. As informações
disponibilizadas pelos portugueses apontavam para uma força operacional francesa de Junot com cerca de 15 000
efectivos.
A 19 de Julho os espanhóis do General Castaños triunfam sobre os franceses do General Dupont na célebre Batalha
de Baylen o que deu grande motivação aos aliados. Depois da vitória de Silveira sobre Loison em Teixeira em 22 de
Junho esta segunda vitória vinha de novo mostrar que os franceses não eram invencíveis.
Os portugueses tinham criado todas as condições de segurança para o tranquilo desembarque inglês. A 27 de Junho
as forças do corpo académico comandadas por Bernardo Zagalo tinham conquistado a Figueira da Foz e capturado
aos franceses o forte de Santa Catarina e a meio de Julho este foi reforçado com 400 fuzileiros britânicos34.
A 1 de Agosto os ingleses iniciam o desembarque de 8 700 homens na praia de Lavos junto ao forte de S. Catarina. A
5 de Agosto desembarcam mais 5 400 homens do Major General Spencer e a 8 de Agosto o desembarque está
concluído, incluindo 24 peças de artilharia, bagagens e provisões. Total na Figueira da Foz: 14 300 homens, 24 peças
de artilharia e rações para 18 dias35.
Com todas as limitações conhecidas, Bernardim Freire de Andrade cumpre o que promete: cedeu ao comandante
Inglês, metade das suas poucas forças e com as restantes garantiu a separação das forças francesas - cercou as duas
principais fortalezas na fronteira com Espanha, Almeida38 e Elvas, e mandou avançar sobre a cidade de Abrantes com
as forças de Trás-os-Montes e da Beira sob o comando do Capitão Manuel de Castro Lacerda.
A 8 de Agosto o Exército anglo-luso está em Alcobaça, Loison retira então para Tomar e Delaborde sai em
reconhecimento com cerca de 6 000 homens.
A 15 de Agosto o Exército anglo-luso dirige-se às Caldas da Rainha, e depois segue na direcção Óbidos - S. Mamede -
Roliça.
A conquista portuguesa de Abrantes a 17 de Agosto39 impede a retirada dos franceses pelo Tejo e atrasa a reunião
das forças de Loison com Delaborde.
Junot tentava juntar as suas forças e os aliados tentavam impedi-lo; assim, Delaborde decide dar combate aos aliados
para permitir ao seu comandante o tempo suficiente para concentrar forças. A 17 de Agosto o Exército anglo-luso
vence a sua primeira batalha em Portugal, na Roliça e Columbeira40. Delaborde perde cerca de 600 homens e 3 peças
de artilharia mas consegue retardar o avanço aliado. Os aliados empenharam apenas 4 700 homens neste combate e
tiveram 70 mortos, 335 feridos e 74 desaparecidos num total de 479 baixas (a grande maioria inglesas, apenas se
registaram 7 baixas entre os portugueses).
Três grandes lições para Wellesley nesta Batalha: a rapidez da manobra francesa, a grande disciplina e bravura
inglesa e a falta de experiência, comando e treino das forças portuguesas. Importante para a grande batalha que se
iria seguir.
A Batalha do Vimeiro
A 18 de Agosto estavam perto de Peniche mais 1 300 homens da Brigada de Acland e 2 700 da Brigada de Anstruther
prontos a desembarcar. Wellesley marcha em direcção ao Vimeiro para proteger o desembarque das forças na praia
de Porto Novo, controlada por portugueses. Foi um desembarque difícil mas a 20 de Agosto Wellesley contava com
um reforço de 4 000 homens que Junot desconhecia.
Junot queria atacar Wellesley o mais rapidamente possível para evitar que este continuasse a receber reforços e para
poder voltar a concentrar os seus esforços contra o Portugal entretanto já libertado. Dispunha de 14 600 homens41,
24 peças de artilharia organizadas nas divisões de Loison, Delaborde e a cavalaria de Kellerman e Margaron.
Objectivo: destruir os aliados onde se encontravam, neste caso, no Vimeiro. Devido à importância que dava à posse
da capital, deixara em Lisboa um grande efectivo de 6 500 homens distribuídos por 7 batalhões.
Divisão do Tenente General Sir John Hop, constituída pelas brigadas Acland e Ferguson;
Divisão do Tenente General Lord Paget, constituída pelas brigadas Spencer (Bowes?44) e Nightingale;
A 20 de Agosto Wellesley escolhe cuidadosamente as suas posições no Vimeiro. Nos pontos mais altos coloca as
brigadas de Fane e Anstruther; os portugueses de Trant ficaram em reserva a norte, por detrás do Vimeiro prontos a
reforçar as referidas brigadas. As restantes brigadas, comandadas respectivamente por Hill, Bowes, Craufurd,
Nightingall, Acland e Ferguson, foram dispostas de oeste para este nas alturas do Vimeiro. A cavalaria anglo-lusa de
500 cavaleiros foi colocada em reserva junto ao rio Maceira (Alcabrichel). A artilharia foi dividida em 6 peças para a
Brigada Anstruther, 8 nas alturas a sudoeste do Vimeiro e 4 em reserva. Mas embora as posições de Wellesley
fossem cuidadosamente escolhidas o seu plano era o de marchar rapidamente para Mafra e assim cortar a Junot a
sua ligação a Lisboa. Entretanto tinha chegado um novo comandante Inglês, Sir Harry Burrard e este não autorizou o
movimento. Para o novo comandante inglês era mais prudente esperar pelos 12 000 homens de Moore que vinham a
caminho. Burrard ficou a bordo do navio, Wellesley voltou para o Vimeiro e mandou estar alerta/prontos a marchar a
partir das 03.00 da madrugada do dia 21 de Agosto.
Mas os franceses marcharam de Vila Facaia toda a noite para chegar rapidamente à posição aliada e foram avistados
pelo reconhecimento a cerca de 5 km a sul do Vimeiro. Esta fora a posição escolhida por Junot para os seus homens
descansarem algumas horas antes de lançarem o ataque na madrugada seguinte. Às sete horas da manhã foram
avistadas as primeiras forças francesas a chegarem perto do Vimeiro.
Marchavam com uma pequena força de cavalaria de reconhecimento na frente, duas grandes colunas a oeste e este
da estrada e com os granadeiros, a artilharia e a cavalaria em reserva. Junot decidiu então dividir a força e atacar em
duas áreas distintas: no centro do dispositivo aliado no Vimeiro e a nordeste da posição, a alguns quilómetros do
Vimeiro no flanco esquerdo da posição aliada pela Ventosa .
Os aliados perante esta opção francesa, e verificando que o seu flanco direito estaria relativamente seguro fazem
movimentar para a sua esquerda as forças de Ferguson, Nightingale e Bowes seguido depois de outro movimento
para a mesma direcção pelas forças Craufurd e Trant que ficaram na linha Ribamar-Pragança. Estas forças iriam
combater as forças destacadas de Junot comandadas pelo General Brenier (com 1 regimento de dragões e 4
batalhões de infantaria) reforçadas de seguida pelas de Solignac (mais 3 batalhões de infantaria). Na direita do
dispositivo Inglês ficou apenas a brigada de Hill no planalto de Portelas com a missão de vigiar a estrada de Torres
Vedras e Mafra.
Junot ficava assim com 8 batalhões de infantaria e 3 regimentos de cavalaria para atacar o centro do dispositivo
aliado, no Vimeiro. Vamos descrever primeiro o ataque no centro do dispositivo:
Junot manda então colocar 8 peças de artilharia mais na frente e avançar a reserva constituída pelo 2º Regimento
de Granadeiros (2 batalhões sob o comando do coronel Saint-Clair). Os franceses que tinham sobrevivido no primeiro
ataque receberam ordem para apoiar e reforçar este ataque na mesma direcção e sobre as mesmas posições aliadas.
Os aliados abriram fogo com a sua artilharia fazendo uso das novas munições Shrapnel (anti-pessoal) de
fragmentação. Junto com o fogo intenso dos Reg. 52 e 97 as baixas foram imensas entre os franceses. Junot insiste e
manda avançar a sua última reserva: os 2 batalhões do coronel Maransin do 1º Regimento de Granadeiros. O
comando deste ataque final foi entregue ao general Kellerman.
Kellerman decide por não atacar de forma frontal e tenta um pequeno envolvimento sobre as forças de Fane na
esquerda do dispositivo aliado. Quando chegaram defronte da Igreja do Vimeiro os ingleses abriram fogo intenso de
ambos os lados do caminho. Anstruther que tinha percebido o movimento de Kellerman manda avançar o Reg. 43
(que ainda não tinha sido empenhado) e este ocupa o pátio (elevado) defronte da Igreja e abrem fogo sobre os
franceses. Os franceses nem podiam subir o muro do pátio nem tornear esta posição e simultaneamente sofriam o
fogo dos dois lados do caminho. Acland movimentou então 4 companhias para atacar o flanco da força francesa a
Junot põe então todas as esperanças no outro lado do campo de batalha, para norte de Ventosa, onde Brenier
tentava o ataque envolvente:
Brenier e Solignac tomam caminhos diferentes para chegar à Ventosa. Cortando caminho , Solignac que vinha
reforçar Brenier, chega primeiro à Ventosa e dispõe as suas forças no sopé do monte avistando uma linha de forças
inglesas no topo do mesmo monte. O que não podia ver eram as restantes linhas de 3 brigadas aliadas (Ferguson,
Nightingale e Bowes) As forças de Acland e Craufurd estavam também a menos de 2 quilómetros na direcção oeste.
Quando Solignac iniciou o seu avanço contra as forças aliadas e se deu conta dos 3 300 ingleses dispostos em linha
já não podia recuar. A 100 metros de distância os aliados abriram fogo desbaratando a linha avançada de voltigeurs e
ferindo o próprio Solignac. Os aliados recarregaram as armas e avançaram. Os franceses dispersaram e iniciou-se a
perseguição. Foram capturadas 3 peças de artilharia e feitos muitos prisioneiros.
Num outro monte na direcção nordeste, as forças de Brenier avistaram a retirada francesa e imediatamente foi
dada a ordem para os 4 batalhões e as duas companhias de dragões atacarem os Regimentos Ingleses 71 e 82 que
perseguiam as forças de Solignac. Os ingleses pararam a sua perseguição mas a chegada quase simultânea do Reg.
29 permitiu que os 3 regimentos formassem em linha e atacassem em boa ordem. Entretanto as reservas de
Craufurd e Trant marchavam rapidamente na mesma direcção para reforçar este ataque mas já não foram
necessárias, os franceses debandavam do campo de batalha.
Era o meio-dia do dia 21 de Agosto de 1808. A luta durara duas horas e meia. Os franceses batiam em retirada. O
novo comandante Inglês, Sir Harry Burrard que apenas chega ao Vimeiro no final da batalha, decide não explorar o
sucesso e deixa os franceses retirarem tranquilamente.
As baixas francesas atingiram as 1 800, 13 peças de artilharia e muitos cofres de munições; as aliadas atingiram as
720 (apenas 9 eram portuguesas).
Na manhã do dia 21 de Agosto comandava as forças aliadas o General Wellesley, a partir do meio-dia tinha tomado o
comando o General Burrard e na manhã do dia 22 de Agosto, passadas apenas 20 horas, os aliados conhecem o seu
terceiro comandante, Sir Hew Dalrymple. Vai ser este terceiro comandante que vai negociar as tréguas com os
franceses.
Os portugueses não serão sequer ouvidos na denominada Convenção de Sintra . Libertados mas humilhados. Os
franceses foram autorizados a regressar ao seu país com muito do que haviam saqueado e sem qualquer
indemnização a pagar aos portugueses. Pior ainda, para o desespero dos muitos militares que combatiam às ordens
de Napoleão na denominada Legião Portuguesa, não foi sequer negociado o regresso do Exército Português à sua
pátria! Real-politik! Os grandes da Europa tinham-se entendido entre si.
Portugal renascido
A Campanha de 1808 não tinha começado na Roliça e terminado no Vimeiro! Tinha começado na primeira revolta
contra os franceses em Lisboa em Dezembro de 1807 e terminara com a vergonhosa convenção de Sintra. Foi uma
nação que se levantou em armas e lutou em todo o território nacional, libertando sozinhos nove décimos do país
antes da chegada dos aliados ingleses. Foi a mesma nação que em outras partes de Portugal, na Madeira,
Moçambique, Goa e Macau e fundamentalmente no Brasil, se preparou para a defesa e iniciou importantes ofensivas
contra os adversários franceses.
Aos milhares de portugueses que tinham morrido pela libertação de Portugal juntavam-se na Roliça e Vimeiro,
No Vimeiro começava a dura vitória dos aliados que teriam ainda de lutar por mais 7 anos.
No Vimeiro a Grã-Bretanha provava o valor do seu Exército, a organização da sua logística, a capacidade de fazer
operações conjuntas com a sua Marinha e mostrava ao mundo um grande General, o futuro Duque de Wellington.
Portugal criara as condições da vitória ao vencer a primeira grande batalha contra os franceses nos Padrões de
Teixeira e Régua, ao segurar dois terços (ou como afirma VPV nove décimos ) do país, portos para desembarcar as
forças expedicionárias e garantira cercos aos pontos de passagem para Espanha: Almeida e Elvas. Participara
timidamente nas duas batalhas mas provara que queria combater e estava determinado a tudo para vencer. No
Vimeiro, Portugal renascia.
Bibliografia
AAVV, GENEALOGIA DOS CORPOS DO EXÉRCITO, LISBOA, Direcção do Serviço Histórico Militar, 1991
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1 Em vez das habituais designações de Guerra Peninsular ou Invasões Francesas, denominamos assim esta Guerra
para poder efectivamente abranger todo o período em que combatemos os franceses e seus aliados - desde 1793
com a Campanha do Roussilhão até 1817 com a retirada das forças de ocupação portuguesas da Guiana Francesa.
Denomina se II porque entendemos ser a I Guerra Global Portuguesa a que geralmente é denominada como
Campanhas da Restauração (1640 1668) onde também combatemos não só na Península Ibérica como também no
Brasil, Angola, Ceilão, etc.
2 A primeira ofensiva foi a conhecida Guerra das Laranjas em 1801. Nessa Guerra as forças francesas do General
Leclerc, embora preparadas junto à nossa fronteira, não chegaram a entrar em Portugal mas foi a França a principal
instigadora dessa tentativa de invasão a que o Professor António Pedro Vicente denominou de A Primeira Invasão
Francesa .
3 Um bom exemplo de como a revolta se fez foi em Bragança: No dia 11 o general Sepúlveda, Governador das
Armas da província ( ) aclamou o Príncipe Regente e chamou às armas os transmontanos. Logo organizou alguns
regimentos de milicianos, estabeleceu relações com os generais espanhóis das províncias limítrofes, tratou da defesa
da província e criou, à imitação do que se fizera em Espanha, uma junta do Governo ( ) in António Pedro Vicente, A
resposta política na Península Ibérica, Respuestas ante una invasión, pág. 81.
4 quase invariavelmente ( ) foi o «povo» que tomou a iniciativa. Mas no meio deles aparece o ocasional alferes,
tenente ou capitão de ordenanças ou milícias, o ocasional religioso ( ) Em Trancoso é um tenente coronel de
milícias que assume a responsabilidade da insurreição in Vasco Pulido Valente (VPV), Ir Pró Maneta, pág. 14, 16.
5 Chartrand, Vimeiro, pág. 25.
6 Chartrand, pág. 27.
7 VPV, pág. 67.
8 VPV, pág. 67 e 68.
9 o esforço essencial das juntas consistiu em recompor as forças armadas portuguesas VPV, pág. 40.
10 Com a colaboração de espanhóis: Olhão deu o sinal do levantamento no dia 16 de Junho ( ) armados com
espingardas que a Junta de Ayamonte lhes fornecera, fizeram prisioneiros entre os ocupantes (os habitantes de Faro
( ) aprisionaram o próprio governador, o general Maurin. No dia 21 nomeou se uma Junta governativa ( ) tendo
como presidente o conde de Castro Marim ( ) adoptou providências para defender o Algarve, organizando tropas,
fortificando algumas localidades e mandando emissários a Sevilha, Ayamonte e Gibraltar onde se adquiriram um
grande número de espingardas e bastante pólvora in António Pedro Vicente, A resposta política na Península Ibérica,
Respuestas ante una invasión, pág. 85.
11 as grandes derrotas e aos grandes massacres de 1808 (Em Évora e Beja, Tomar ou Leiria, por exemplo) VPV, Ir
Pró Maneta, pág. 7.
12 Como conceber que, uma vez ele destruído e dissolvido o exército, a oposição nascesse das ruínas? E como
conceber uma oposição sem o Estado e o exército que não se destinasse a reconstituí los? Mesmo os rebeldes
espanhóis, quando a luta se iniciou no Dos de Mayo, tinham 100 000 homens de forças regulares ( ) In VPV, IR PRÓ
MANETA, pág. 61.
13 in António Pedro Vicente, pág. 86.