Trecho Poema-Piada - Breve Antologia Da Poesia Engracada
Trecho Poema-Piada - Breve Antologia Da Poesia Engracada
Trecho Poema-Piada - Breve Antologia Da Poesia Engracada
BREVE
ANTOLOGIA
DA
POESIA
ENGRAÇADA
GREGÓRIO
DUVIVIER
(ORG.)
PREFÁCIO
À primeira vista, o poeta e o humorista pertencem a mun-
dos diversos. O poeta-albatroz vê o mundo como o Google
Earth: do alto do satélite ou da torre de marfim. O céu é
do poeta — como o chão é do humor.
O humorista, ao contrário, vive na lama — ou na sar-
jeta. Mendigo, bêbado ou caipira, o humorista tradicional
é aquele que enxerga o mundo sem qualquer transcen-
dência ou metafísica. Tudo merece, pra ele, a mesma
quantidade de falta de respeito. Entre transcendência e
imanência, nuvens e sarjeta, céu e chão, a poesia e a pia-
da não se encontrariam nunca, como duas retas paralelas.
Mas pra isso é preciso entender poesia de uma for-
ma muito estrita – pra não dizer chata. A ideia de que a
poesia fala de temas mais nobres que a prosa, ou de que
o poeta é um ser iluminado (ou, pra usar um termo atual:
diferenciado), acabou junto com a tuberculose. A torre de
marfim deu lugar a uma quitinete na praça Roosevelt.
A graça, por sua vez, deixou de ser sinônimo de dis-
tração e passou a ser pensada, cada vez mais, como
“cosa mentale”, um exercício de inteligência — como as
outras artes. Ainda há, claro, quem ache que a poesia
humorística é um gênero menor — “sorte a nossa”, dizia
o Antonio Candido sobre a crônica, “assim ela fica mais Passei a perseguir, obstinadamente, essa interseção
perto da gente”. das paralelas: a poesia que faz rir e o humor que faz pen-
Por aqui, nossos maiores poetas nunca tiveram esse sar, a piada melancólica e o poema humorístico, a comé-
preconceito. Sempre trataram a piada como um ofício, e dia triste e o drama engraçado. Mais que uma coletânea,
não como uma atividade paralela. Os poemas que você esse livro acabou se tornando uma homenagem a todos
encontra aqui não são o hobby de poetas canônicos — os que dedicam a vida a fabricar o encontro dessas retas.
mas o próprio cânone, nossa produção mais celebrada, la Foram meses de pesquisa — a pesquisa mais prazerosa
crème de la crème do nosso pré-sal. Da minha parte, só que eu poderia imaginar. Na busca, me deparei com um
tenho a agradecer — se não fosse a piada, nunca teria me livro especialmente precioso: Forças e formas, do Wil-
interessado pelo poema. berth Salgueiro, sobre a poesia brasileira dos anos 70 em
Criança, penava pra ler os romances intermináveis diante (onde descobri, entre outras coisas, a poeta Leila
de José de Alencar e achava que poesia era aquilo que Míccolis). Escrevi pro Wilberth, à procura de mais poetas,
escrevia o meu tataravô simbolista: sonetos cheios de e descubro ninguém menos que o próprio autor. Wilberth
palavras como “plenilúnio” e “porciúncula”. Não tinha assinava Bith na juventude, até que largou o heterôni-
muito interesse pelo assunto, como é de se imaginar. mo e virou professor da UFES. A esta antologia devo o
Tinha uns dez anos de idade quando a Quadrilha do reencontro. Um salve especial, também, à Alice Ruiz e ao
Drummond me deixou perdidinho: “Isso aqui também Paulo Henriques Britto, que me indicaram poetas e poe-
chama poesia?” perguntei ao professor Miguel. “Então mas que estavam escapando a um primeiro radar. Ainda
eu gosto”. Percebendo meu apreço pelo gênero, o pro- muitos escaparão. Espero que esteja faltando muita coi-
fessor me apresentou aos modernistas e, entre eles, um sa, como em toda antologia que se preze.
poeta que tinha sido seu colega de faculdade, o Bith — Por sorte, o poema não obedece às regras da geome-
de quem nunca mais ouvi falar, mas por sorte aprendi tria e nele as paralelas volta e meia se esbarram — espe-
alguns poemas de cor: “Não sei se vou ou fico/ tudo o cialmente no Brasil, país que não respeita nem as regras
que a vida me dá/ sinuca de bico”. do trânsito, quanto mais as da geometria. Sorte a nossa.
© ALICE RUIZ “[que viagem…]” e “[falta de sorte…]”, Navalhanaliga, 1980 / Códice Asensio-Cunha v. 3, 2013 | © GREGÓRIO DUVIVIER “No dia
“[tem os que passam…]”, Vice-versos, 1988 / “[era uma vez…]”, Quase seguinte ao big bang”, Ligue os Pontos, 2013 | HILDA HILST © herdeiros
duelo de quase amor, 2011 | © ALICE SANT’ANNA “[quando faltou luz…]”, da autora “A rainha careca”, Da noite, 1992 | JOSÉ PAULO PAES ©
Dobradura, 2008 | © ANDRÉ DAHMER “[amor é assim…]”, A coragem do Dorothéa Costa Paes da Silva “Ménage à trois” e “Acima de qualquer
primeiro pássaro, 2015 | © ANGÉLICA FREITAS “february mon amour”, suspeita”, A poesia está morta mas juro que não fui eu, 1988 | JUÓ
Rilke shake, 2007 | BITH © Wilberth Salgueiro “[um homem…]”, Digitais, BANANÉRE “Versos” e “Sogramigna”, La Divina Increnca, 1915 | © LEILA
1990 | © BRUNA BEBER “Romance em doze linhas”, Rua da padaria, 2013 | MÍCCOLIS “Posição”, Sangue cenográfico, 1997 | © MANO MELO “Sui
© BRUNO BRUM “Dez minutos”, Mastodontes na sala de espera, 2011 | generis”, O lavrador de palavras, 1999 | MARIO QUINTANA © Elena
CACASO © herdeiros do autor “Jogos florais”, Grupo escolar, 1974 / Quintana “Poeminho do Contra” e “Relógio”, Caderno H, 1973 | MILLÔR
“Happy end”, Beijo na boca, 1975 / “Indefinição”, Segunda classe, 1975 / FERNANDES © Ivan Rubino Fernandes “Poeminha ego-elucidativo”,
“Lar doce lar” e “Vida e obra”, Na corda bamba, 1978 | © CHACAL “[vai ter “Diante de um automóvel 1958”, “Poesia de incompreensão infantil”,
uma festa…]”, Muito prazer, Ricardo, 1971 / “Meio assim”, Murundum, “Poesia com lamentação de local de nascimento” e “Na discussão
2013 | © EDUARDO KAC “Filosofia”, 1981 | © EUDORO AUGUSTO “Despertar”, (nasce a luz?)”, Essa cara não me é estranha e outros poemas, 2014 |
Olhos de bandido, 2001 / “A exceção e a regra”, Um estrago no OSWALD DE ANDRADE © herdeiros de Oswald de Andrade “3 de maio”
paraíso, 2008 | © FRANCISCO ALVIM “Argumento” e “Irani, manda Gilson e “Pronominais”, Pau Brasil, 1925 / “Adolescência”, Primeiro caderno
embora”, Elefante, 2000 | © GERALDO CARNEIRO “Pequenas ocupações do aluno de poesia Oswald de Andrade, 1927 / “Erro de português”,
da poesia”, Pandemônio, 1993 / “blasfêmea para uma infanta em Poemas menores (s/d) | PAULO LEMINSKI © herdeiros do autor “[eu tão
êxtase” e “por ocasião de um incêndio que quase levou a amada desta isósceles…]”, Caprichos & relaxos, 1983 / “[não discuto…]”, não fosse
para melhor”, Lira dos cinquent’anos, 2002 / “O elogio das índias isso e era menos não fosse tanto e era quase, 1981 / “[um homem
ocidentais”, Balada do impostor, 2006 | © GLAUCO MATTOSO “Soneto com uma dor…]”, La vie em close, 1991 / “Incenso fosse música”,
bizarro”, Paulisseia ilhada – sonetos tópicos, 1999 / “Soneto do decoro Distraídos venceremos, 1987 | © PEDRO ROCHA “Ao Passo”, Chão
parlamentar”, Poética na política, 2004 | GREGÓRIO DE MATOS fragmentos inquieto, 2010 | VINICIUS DE MORAES © VM Cultural “Não comerei
poema “Contra outros satirizados de várias penas, que o atribuíam da alface a verde pétala”, Para viver um grande amor, 1962 | © ZUCA
ao Poeta, negando-lhe a capacidade de louvar”, Poemas atribuídos, SARDAN “Shen Hsiu”, 26 poetas hoje, 1976
© Gregório Duvivier, 2017
© Ubu Editora, 2017
Ubu Editora
Largo do Arouche 161 sobreloja 2
01219 011 São Paulo SP
[11] 3331 2275
ubueditora.com.br