Os 30 Anos de Desastres No Brasil 1991 - 2020

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A p&dc e os

30 anos
de desastres
no Brasil
(1991 – 2020)
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL
SECRETARIA NACIONAL DE PROTEÇÃO E DEFESA CIVIL (SEDEC)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA (UFSC)
CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM ENGENHARIA E DEFESA CIVIL (CEPED)

A p&dc e os
30 anos
de desastres
no Brasil
(1991 – 2020)
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
Presidente da República
Jair Messias Bolsonaro

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL – MDR


Ministro
Rogério Simonetti Marinho

SECRETARIA NACIONAL DE PROTEÇÃO E DEFESA CIVIL – SEDEC


Secretário
Alexandre Lucas Alves

DEPARTAMENTO DE ARTICULAÇÃO E GESTÃO – DAG


Diretora
Karine da Silva Lopes

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC


Reitor
Prof. Ubaldo Cesar Balthazar, Dr.

CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM ENGENHARIA E DEFESA CIVIL – CEPED


Coordenador Geral
Prof. Amir Mattar Valente, Dr.

Coordenadora do Projeto
Profa. Ana Maria Bencciveni Franzoni, Dra.

Coordenador Técnico
Rafael Schadeck

FUNDAÇÃO DE ESTUDOS E PESQUISAS SOCIOECONÔMICOS – FEPESE


Presidente
Mauro dos Santos Fiuza
Apresentação
Uma efetiva gestão de riscos de desastres ICHARM), “a gestão de desastre não pode
tem como ponto de partida um profundo aguardar por dados perfeito”. A gestão de
conhecimento acerca dos riscos aos quais riscos e desastres é um trabalho urgente e
a população está exposta. Além dos es- interminável, que por não pode aguardar,
forços de diversas instituições parceiras sendo necessário aproveitar o máximo de
nos trabalhos de mapeamento de áreas de qualquer dado disponível. A abertura des-
risco e monitoramento de ocorrências, o tes dados à comunidade é um esforço para
registro histórico de desastres é um dado melhor aproveitar tudo que temos, permitir
fundamental na compreensão dos padrões que mentes criativas a gestores públicos de-
de ocorrência, recorrência e consequên- dicados possam tirar proveito destes dados
cias destes eventos. em benefício da população.
Reconhecendo a importância deste O lançamento desta publicação, no
conhecimento, em 2015 o Marco de Sen- Dia Nacional da Defesa Civil, representa
dai para Redução de Risco de Desastre um compromisso da Secretaria Nacional
definiu a compreensão do risco como sua de Proteção e Defesa Civil, com a divul-
primeira prioridade, pois entende que gação irrestrita dos dados de desastres
este conhecimento permite que a gestão no país, fornecendo subsídios para insti-
pública priorize ações de prevenção e ges- tuições parceiras que muito contribuem
tão de riscos com base dados objetivos, com a gestão de riscos e desastres no Bra-
tornando estas ações mais efetivas e per- sil, acadêmicos e instituições de pesquisa
mitindo um melhor aproveitamento dos que desenvolvem conhecimento técnico-
escassos recursos destinados a este fim. -científico sobre desastres e, por último,
Nas palavras do professor Dr. Toshio mas não menos importante, reforçando a
Koike (Diretor do Centro Internacional de transparência das ações de todo Sistema
Gestão de Riscos relacionados à Água – Nacional de Proteção e Defesa Civil.

Alexandre Lucas Alves


Secretário Nacional de
Proteção e Defesa Civil
Lista de siglas
CEMADEN Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais

Cobrade Classificação e Codificação Brasileira de Desastres

CODAR Codificação de Desastres, Ameaças E Riscos

Ecosoc Conselho Econômico e Social

DIRD Década Internacional para Redução dos Desastres Naturais

UNISDR (United Nations Office for Disaster Risk Redution – em inglês)


Escritório das Nações Unidas para Redução de Risco de Desastres

EIRD Estratégia Internacional de Redução de Desastres

Avadan Formulário de Avaliação de Danos

FIDE Formulário de Informações do Desastre

Funcap Fundo Especial para Calamidades Públicas

Geacap Grupo Especial para Assuntos de Calamidades Públicas

Idap Interface de Divulgação de Alertas Públicos

MAH (Hyogo Framework for Action – HFA, em inglês) Marco de Ação de Hyogo 2005-2015

ONU (United Nations – UN, em inglês) Nações Unidas

ODS Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

OMS Organização Mundial da Saúde

IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change – em inglês)


Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas

PNA Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima

PNDC Política Nacional de Defesa Civil

PNPDEC Política Nacional de Proteção e Defesa Civil

P&DC Proteção e Defesa Civil

RRD Redução de Risco de Desastres

RSI Regulamento Sanitário Internacional

S2ID Sistema Integrado de Informações sobre Desastres

Sinpdec Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil


Sumário

10
08
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
Proteção e defesa civil no
Brasil e a construção da
Introdução política nacional

CAPÍTULO 3 CAPÍTULO 4
Panorama dos 30 anos de Desafios e o futuro da P&DC

57
desastres no Brasil

26
Introdução
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Introdução

A proteção e defesa civil engloba as ações de os resultados de 30 anos de registros de


prevenção, mitigação, preparação, resposta desastres no Brasil, conforme a estrutura
e recuperação voltadas para a redução dos apresentada a seguir:
efeitos decorrentes de desastres, de modo Inicialmente, são apresentados os prin-
a tornar a sociedade resiliente e, quando ne- cipais marcos nacionais e internacionais
cessário, restabelecer a normalidade. relacionados com a evolução da proteção e
Para tanto, diferentes mecanismos fo- defesa civil e a construção da política na-
ram desenvolvidos e aplicados, passando cional, identificando cronologicamente, por
por atualizações de conceitos e metodo- meio de uma linha do tempo, os principais
logias. Essas mudanças, em sua maioria, marcos históricos relacionados ao tema. [9]
foram motivadas pela ocorrência de even- Em seguida, a análise histórica dos 30
tos extremos. Dessa forma, percebe-se a anos de desastres no Brasil é apresentada
correlação entre o conhecimento dos de- em conjunto com a linha do tempo que mar-
sastres e a evolução das ações de prote- ca os 15 eventos de maior destaque.
ção e defesa civil. Por fim, apresenta-se um ensaio sobre
Nesse sentido, o estudo do histórico os desafios e o futuro da Proteção e
dos desastres permite compreender os Defesa Civil com base nas análises
fatores que compõem o risco (ameaça, históricas desenvolvidas e nas
exposição e vulnerabilidade), para tornar ações esperadas para a ges-
as cidades resilientes e aumentar sua ca- tão de riscos de desas-
pacidade de enfrentamento, sendo, assim, tres no Brasil.
possível a mitigação dos impactos oriun-
dos de desastres futuros.
Em vista disso, essa publicação apre-
senta o histórico nacional e internacional da
Proteção e Defesa Civil (P&DC), bem como
Proteção e defesa civil
no Brasil e a construção
da política nacional
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Proteção e defesa civil no Brasil e a construção da política nacional

Ao longo da história, diversos mecanismos foram desenvolvidos para


proteção das comunidades em relação aos desastres. De modo geral, eles
surgiram de forma reativa, como resposta aos grandes eventos. Nesse
contexto, este capítulo apresenta o histórico nacional e internacional de
construção da Proteção e Defesa Civil.

A temática de desastres e, por conse- Proteção e Defesa Civil no Brasil e in-


quência, o trabalho de gestão de riscos ternacionalmente, aspectos da evolução
de desastres realizado pela Defesa Civil conceitual e seus reflexos nas mudanças
nacional passou, nos últimos 30 anos, legislativas e de gestão relacionadas com
por significativas mudanças, incluindo a P&DC, e considerações sobre a Política
mudanças conceituais, aperfeiçoamento Nacional de Proteção e Defesa Civil, o Sis-
do modelo e da estrutura de governança, tema Nacional de Proteção e Defesa Civil,
modernização tecnológica, bem como o a Secretaria Nacional de Proteção e Defe- [11]
aprofundamento das discussões interna- sa Civil, bem como, um resumo dos acor-
cionais sobre redução do risco de desas- dos internacionais ratificados pelo Brasil.
tres (RRD), que estabeleceram tendências
e construíram uma série de marcos legais
importantes, que representam hoje a O aprofundamento das discussões
nova realidade brasileira. internacionais sobre redução do risco de
Para maior compreensão deste con-
texto, apresentamos neste capítulo uma
desastres (RRD) estabeleceu tendências
linha do tempo dos principais marcos e construiu uma série de marcos legais
históricos relacionados à Proteção e De- importantes, que representam hoje a
fesa Civil (P&DC). Ela está dividida entre nova realidade brasileira
o estabelecimento de acordos interna-
cionais, na parte inferior, e o histórico da
gestão brasileira, na parte superior, com Paralelamente, inclui-se ainda uma
o objetivo de criar um panorama que nos breve apresentação da modernização
permita ampliar a visão em perspectiva dos aspectos de governança atualmente
sobre os últimos anos da P&DC e a gestão empregados e um resumo dos principais
de desastres no Brasil e no mundo. instrumentos básicos de P&DC (Cobrade,
Ao longo do texto, apresentamos tam- S2ID, Avadan, Codar, FIDE e outras legis-
bém uma discussão mais detalhada dessa lações relacionadas) e seus impactos na
linha do tempo, que inclui o histórico da realidade brasileira.
1946
Conselho de Segurança Nacional
Decreto nº 9.775: criação do Conselho de
Segurança Nacional e extinção do Serviço
de Defesa Passiva

1979
1967 Criação da Secretaria Especial de Defesa
Civil (Sedec)
Criação do Ministério do Interior
Criado após as cheias do Sudeste para
assistência da população atingida por
calamidade pública no país 1988
Sistema Nacional de Defesa Civil (Sindec)
Decreto nº 97.274: criação do SINDEC com
1969 marcante atuação em ações de resposta
Regulamentação do Fundo Especial para
Calamidades Públicas (Funcap)
1989
1942 Resolução 44/236
Brasil cria a Defesa Passiva Antiaérea em
função da 2ª Guerra Mundial
1970 Elaboração da Política Nacional de Defesa
Civil (PNDC)
Grupo Especial para Assuntos de
Calamidades Públicas (Geacap)

1980
1940

1988
1960
1946
1950

1970

1989
1979
1942

1971
1967
1969

Década de 1960 1971


Ocorrência de diversos desastres de alto Escritório das Nações Unidas de Assistência a
impacto que culminaram na adoção de Desastres United Nations Disaster Relief Office
resoluções por parte da ONU para auxílio a (UNDRO)
comunidades atingidas
2012
Lei nº 12.608/12, estabelece o Sinpdec e a
PNPDEC vigentes

2010 2013 2020


1ª Conferência Nacional de Defesa Civil e 2ª Conferência Nacional de Proteção Decreto nº 10.593, de 24 de dezembro
Assistência Humanitária e Defesa Civil
2000

2005

2020
2012

2015
2010
1990

2013
1999
1997
1994

Década de 1990 1999


Década Internacional para a Redução do 1994 Estratégia Internacional de Redução de
Risco de Desastres I Conferência Mundial sobre Redução Desastres (EIRD)
de Desastres Naturais
Estratégia e Plano de Ação de Yokohama
para um Mundo Mais Seguro

2005
1997 Marco de Hyogo
Protocolo de Quioto Marco de Ação de Hyogo 2005-2015

2015
Marco de Sendai
Marco de Sendai para Redução de Risco de
Desastres 2015 – 2030
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Proteção e defesa civil no Brasil e a construção da política nacional

Contexto e Acordos Internacionais


O período de 1960 a 1969 foi marcado pela
ocorrência de desastres de alto impacto
em todo o mundo. Pode-se citar, em 1962,
o terremoto Buyin-Zara, que atingiu o Irã
e resultou em mais de 12.000 óbitos; em
1963, o terremoto em Skoplje, na Iugoslávia,
que ocasionou mais de 1.200 mortes; tam-
bém em 1963, o Furacão Flora, que atingiu
a região do Caribe, principalmente os países
de Cuba e Haiti, o que resultou em cerca de
8.000 óbitos; e, por fim, em 1968, um novo
terremoto (Dasht-e Bayaz) atingiu o Irã, [14]
com mais de 10.000 óbitos registrados.
Nesse contexto, em 7 de dezembro de
1965, a Assembleia Geral da ONU1 , por
meio da Resolução 2034: Assistência em
casos de desastre natural, solicita aos Esta-
dos-membros que:

“...ao oferecerem assistência de emergência


em casos de desastres naturais, informem
e façam uso do instrumento apropriado
já estabelecido nos países afetados, e Trecho da Resolução 2816 de 14 de dezembro de 1971
informem o Secretário-Geral sobre o tipo
de assistência emergencial que estão em como o planejamento institucional pré-desas- 1. A Assembleia Geral tem a
posição de oferecer”. tre e as ações relacionadas à pesquisa cientí- representação de todos os
Estados-membros das Nações
UN. General Assembly (1966). fica e aplicação de tecnologias, buscando o Unidas, sendo o principal
fortalecimento da cooperação internacional órgão deliberativo da ONU.
Apesar dos avanços relacionados à as- relacionada ao entendimento das causas de- Seu objetivo é definir as
políticas da Organização e é
sistência aos atingidos por desastres natu- flagradoras de desastres e ao desenvolvimen- o único órgão da ONU com
rais, as ações durante a década de 60 eram to de sistemas de alerta precoces. representação universal.
construídas com base em resposta técni- Ainda no mesmo ano, a Resolução
ca aos eventos adversos, principalmente 2816 (Figura acima) indicou ao Secretário
àqueles de grande impacto. Geral a nomeação de um Coordenador de
Em 1971, por meio da Resolução 2717, Assistência a Desastres, criando o Escri-
foi fortalecido o planejamento voltado para tório das Nações Unidas de Assistência a
ações de mitigação dos efeitos dos desastres, Desastres (UNDRO).
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Proteção e defesa civil no Brasil e a construção da política nacional

Na década de 80, após a ocorrência de de citar a relação inerente entre a manuten-


sucessivos desastres de alto impacto, como ção do meio ambiente e as ações de redu-
as inundações no Sudão e Bangladesh, tu- ção de riscos e de desastres, o documento
fões nas Filipinas, furacões na América La- estabeleceu um Plano de Ação que tinha
tina e no Caribe, infestações de gafanhotos como objetivo principal salvar vidas huma-
na África, secas no Afeganistão e na Etiópia, nas e proteger o patrimônio físico, social e
entre outros, a Assembleia Geral da ONU econômico. Ele foi desenvolvido com base
reconheceu a necessidade de reduzir o im- em 18 pontos centrais, que ressaltavam a
pacto dos desastres naturais e os pedidos prevenção como um instrumento essencial
para desenvolver um quadro de ação. Em para a redução de desastres, além de incen-
1989 foi estabelecido o Dia Internacional tivar o fortalecimento das capacidades de
para Redução de Risco de Desastres (13 de recursos humanos e materiais relacionadas
outubro). No mesmo ano, na Assembleia Ge- com o enfrentamento aos desastres e o de-
ral realizada em 22 de dezembro, por meio senvolvimento de pesquisas interdisciplina-
da Resolução 44/236 foi definido que ano res, de abrangência internacional e regional,
de 1990 marcaria o início da Década Inter- para ampliar o conhecimento acerca das [15]
nacional para Redução dos Desastres Natu- causas e efeitos dos desastres.
rais (DIRD), tendo como principal objetivo:

“... reduzir, por meio de uma ação


internacional planejada, especialmente
nos países em desenvolvimento, a perda
de vidas, os danos à propriedade e as
perturbações sociais e econômicas
causadas por desastres naturais".
UN. General Assembly (1989).

Para isso, foi criada a Secretaria da DIRD,


para garantir a implementação do Quadro
de Ação definido na Resolução 44/236.
A Década de 90 foi marcada por mo-
vimentos internacionais relacionados ao
meio ambiente e ao desenvolvimento sus-
tentável. Como consequência, foi criado o
Protocolo de Quioto, que entrou em vigor Estratégia e Plano de Ação de Yokohama para um
no ano de 2005, sendo expirado em 2012. Mundo Mais Seguro

O movimento de manutenção do clima glo-


bal, apesar de não ter como objetivo direto O Plano de Ação de Yokohama foi o primei-
a redução do risco de desastres, apoia indi- ro marco internacional desenvolvido com foco
retamente as ações de RRD no mundo. no fortalecimento das ações relacionadas à
Voltado para a Gestão de Riscos e de Redução de Riscos de Desastres e, nele, foi re-
Desastres, em 1994 foi realizada a I Con- forçada a responsabilidade que cada país tem
ferência Mundial sobre Redução de De- de proteger sua população e patrimônio frente
sastres Naturais, em Yokohama, no Japão. à ocorrência de desastres. Seu desenvolvimen-
Como resultado, foi publicada a “Estratégia to foi essencial para o fortalecimento de ações
e Plano de Ação de Yokohama para um e o aumento da consciência relacionada aos
Mundo Mais Seguro” (Figura ao lado). Além impactos decorrentes de desastres naturais.
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Proteção e defesa civil no Brasil e a construção da política nacional

Com o fim da Década Internacional para cidade de Kobe, em Hyogo, no Japão. Ao


Redução dos Desastres Naturais e a cres- longo da conferência foram discutidos di-
cente preocupação da comunidade inter- versos assuntos relacionados à RRD, ha-
nacional com os impactos decorrentes de vendo uma mudança significativa do foco
desastres, em 1999 a Secretaria da DIRD adotado em relação ao primeiro Plano de
fez o Fórum do Programa DIRD. Ao longo Ação desenvolvido em 1995. O Marco de
do evento foram abordadas diversas temá- Ação de Hyogo 2005-2015 (MAH, Hyogo
ticas em apoio à prevenção de desastres Framework for Action – HFA, em inglês) ti-
naturais, o que resultou na deliberação da nha como principal objetivo:
Resolução Ecosoc 1999/63 de 30 de julho
de 1999, que considerava os arranjos su- “...aumentar a resiliência das nações e
cessores para a Década Internacional para das comunidades frente aos desastres
Redução de Desastres Naturais. Além disso, ao alcançar, para o ano de 2015, uma
a resolução reforçava que: redução considerável das perdas que
ocasionaram os desastres, tanto em
“...a promoção do crescimento econômico termos de vidas humanas quanto aos [16]
e do desenvolvimento sustentável bens sociais, econômicos e ambientais”.
não pode ser alcançada sem medidas EIRD (2007)
adequadas para prevenir e reduzir o
impacto dos desastres naturais e que Dessa forma, ao contrário da linha de
existem ligações estreitas entre as pensamento apresentada em 1995, voltada
perdas devido aos desastres naturais e a para a resposta e recuperação, o novo mar-
degradação ambiental”. co apresentou uma abordagem relacionada
Resolução Ecosoc 1999/63 de 30 de a ações de prevenção aos riscos. Por meio
julho de 1999 dele foram estabelecidas cinco Prioridades
de Ação, listadas a seguir:
Ainda, citou-se a necessidade do forta-
lecimento das ações de RRD e da organiza-
ção da comunidade internacional para dar
continuidade às ações iniciadas ao longo
da DIRD, requerendo a formação de uma
1. Garantir que a redução de risco de
desastres (RRD) seja uma prioridade
nacional e local com uma sólida base
força-tarefa e um secretariado interagên- institucional para sua implementação;
cias voltado para atuação na redução de
risco de desastres.
No ano seguinte, considerando os re-
sultados da Década de 90 e atendendo a
2. Identificar, avaliar e observar de
perto os riscos dos desastres, e
melhorar os alertas prévios;
Resolução do Conselho Econômico e So-
cial (Ecosoc), a Assembleia Geral publicou
a Resolução 54/219, de 3 de fevereiro de
2000. Por meio dela foi requerida a forma-
3. Utilizar o conhecimento, a inovação e
a educação para criar uma cultura de
segurança e resiliência em todos os níveis;
ção do secretariado interagências das Na-
ções Unidas da Estratégia Internacional
de Redução de Desastres (EIRD), focado
na redução dos impactos dos desastres.
4. Reduzir os fatores fundamentais
do risco;

Em janeiro de 2005 ocorreu a II Con-


ferência para Redução de Desastres, na 5. Fortalecer a preparação em desastres
para uma resposta eficaz a todo nível.
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Proteção e defesa civil no Brasil e a construção da política nacional

A criação e publicação do MAH levou à popularização dos processos e conceitos que envol-
vem a Redução de Risco de Desastres, envolvendo tanto organizações internacionais como os
estados, a sociedade civil, a academia e as organizações privadas no papel de redução dos riscos.

Em 2015, dez anos após o Marco de


Ações de Hyogo, ocorreu a III Conferência
Mundial das Nações Unidas sobre Redu-
ção do Risco de Desastres. Nela, a experi-
ência e aprendizados com a gestão de desas-
tres da última década foram determinantes
para a criação do Marco de Sendai para Re-
dução de Risco de Desastres 2015-2030
(Figura ao lado). Nele são reconhecidos os
esforços ao longo dos últimos dez anos para
redução do risco de desastres, seja a nível
local, regional, nacional ou mundial. Ainda, [17]
destaca-se a relação entre as ações de RRD
e o desenvolvimento sustentável.
Marco de Sendai para Redução de Risco de No entanto, também é reconhecida a
Desastres 2015-2030. permanência dos impactos decorrentes
dos desastres, que afetam o bem-estar e
segurança de pessoas, comunidades e países. Nesse contexto, o Marco de Sendai traz
como urgente a necessidade de:

“...antecipar, planejar e reduzir o risco de desastres para proteger de forma mais efetiva
as pessoas, comunidades e países, seus meios de subsistência, saúde, cultura, ativos
socioeconômicos e ecossistemas, e assim fortalecer sua resiliência”.
UNISDR (2015)

Nesse contexto, foram definidas quatro áreas prioritárias de ação, com o objetivo de
focar a atuação do Estados em relação à Redução de Risco de Desastres, sendo elas:
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Proteção e defesa civil no Brasil e a construção da política nacional

Além das quatro ações prioritárias, de forma mais específica e com o objetivo de apoiar a
avaliação do progresso global da implementação do Marco de Sendai, foram estabelecidas
as Sete Metas Globais relacionadas com ações de RRD, listadas a seguir:

a) Reduzir substancialmente a mortalidade


global por desastres até 2030; e) Aumentar substancialmente o
número de países com estratégias
nacionais e locais de redução do risco de

b) Reduzir substancialmente o número de


pessoas afetadas globalmente até 2030;
desastres até 2020;

f) Melhorar substancialmente a

c) Reduzir as perdas econômicas diretas por


desastres em relação ao produto interno
cooperação internacional com os países
em desenvolvimento para a implementação
bruto (PIB) global até 2030; do Marco de Sendai até 2030;

d) Reduzir substancialmente os danos


causados por desastres à infraestrutura g) Aumentar substancialmente a
disponibilidade e o acesso a sistemas [18]
crítica e a interrupção dos serviços básicos, de alerta precoce de múltiplos perigos
inclusive por meio do desenvolvimento de sua e informações e avaliações de risco de
resiliência até 2030; desastres para as pessoas até 2030. 2. A metodologia completa
de medição dos indicadores
pode ser acessada por meio
Conforme indicado pela Resolução 69/284 de 3 de junho de 2015, a Assembleia do relatório aprovado pelo
Geral estabeleceu um grupo de trabalho de especialistas intergovernamentais para o OIEWG.
desenvolvimento de um conjunto de indicadores2 para acompanhamento de cada uma
das sete metas definidas.
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Proteção e defesa civil no Brasil e a construção da política nacional

Histórico da Gestão Brasileira


Em relação ao contexto brasileiro, as pri- ano também que o então Estado da Guana-
meiras estruturas de resposta a desastres bara foi o primeiro estado brasileiro a orga-
que que surgiram estão relacionadas ao nizar uma Defesa Civil Estadual.
desenvolvimento da Primeira e da Segun- Já entre o início da década de 1970 e
da Guerra Mundial, uma vez que impactos fins dos anos de 1980, pouca movimenta-
extrapolaram as bases militares e chega- ção houve nas discussões conceituais, mas
ram aos civis. Em resposta a esses impactos, a criação da Secretaria Especial de Defesa
foi sancionado o Decreto nº 9775, de 6 de Civil, em 1979, trata-se de um importante
setembro de 1946, que criou o Conselho marco ao sistema nacional, pois represen-
de Segurança Nacional e de seus órgãos ta o que hoje se conhece por Sedec. Já em
complementares. Daí por diante, as estru- 1988 um novo marco legal tomou corpo,
turas se ampliaram, a exemplo do período com a organização do Sistema Nacional de
entre o final da década de 1960 e início da Defesa Civil, ainda com marcante atuação [19]
de 1970, quando houve a criação do Minis- em ações de resposta.
tério do Interior, com atribuições de assis- Dando início ao período específico des-
tência às populações atingidas por calami- ta publicação, foi no fim da década de 1990
dade pública em todo o território nacional; que os processos de elaboração conceitual
a regulamentação do Fundo Especial para e seus reflexos práticos na gestão começa-
Calamidades Públicas (Funcap), por meio ram a se intensificar. Assim, em paralelo à
do Decreto-Lei nº 950, de 13 de outubro publicação da Resolução 44/236, o Brasil
de 1969, e a criação do Grupo Especial para elaborou sua primeira Política Nacional de
Assuntos de Calamidades Públicas (Gea- Defesa Civil, conhecida como PNDC.
cap). Todo esse movimento tem relação di- A construção do documento foi lide-
reta com as cheias e escorregamentos que rada por um grande entusiasta do tema
atingiram diversas cidades da Serra do Mar e referência histórica no Brasil, o Ge-
(região Sudeste), no ano de 1967. Foi nesse neral Antônio Luiz Coimbra de Castro.
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Proteção e defesa civil no Brasil e a construção da política nacional

Formatada como um plano nacional, a Junto às indicações internacionais e à


PNDC continha metas e programas deli- grande comoção nacional que a sequência
neados para cumprimento até o ano 2000, de desastres provocou, teve início, na dé-
construídos dentro de quatro pilares: pre- cada de 2010, movimentos de maior mobi-
venção, preparação, resposta e recons- lização social, a exemplo da 1ª e 2ª confe-
trução. General Castro trabalhou intensa- rências nacionais, organizadas em 2010 e
mente no detalhamento de sua proposta, 2013/2014, respectivamente. O movimen-
organizando os Manuais de Defesa Civil, to iniciado com a primeira conferência cul-
material até hoje amplamente referenciado. minou no primeiro ato legal em proteção
A década seguinte representou o início de e defesa civil brasileiro oriundo do poder
uma grande mudança de paradigma para as legislativo. Até então, os atos legais vinham
ações da então defesa civil. Se anteriormen- do poder executivo na forma de decretos,
te a ênfase dos processos estava na resposta, portarias e medidas provisórias, o que evi-
começou-se a esboçar uma maior atenção às dencia que o Congresso Nacional jamais
ações de prevenção, com vistas à redução havia participado das discussões sobre a te-
dos riscos de desastres. Assim foi que, nos mática com instalação de Comissões na Câ- [20]
anos 2000, a movimentação internacional co- mara dos Deputados e no Senado Federal
meçou a ser refletida nos espaços brasileiros. (Cartagena, 2015). As diretrizes da primei-
As discussões passaram a ser mais com- ra conferência, portanto, serviram para ba-
partilhadas com as gestões municipais e lizar essas discussões, que culminaram na
estaduais, a exemplo do Seminário Inter- promulgação da Lei Federal nº 12.608/12,
nacional de Defesa Civil, organizado pela marco legal vigente no país.
Secretaria Nacional de Defesa Civil anual-
mente, entre 2005 e 2009. O evento tinha a
proposta de integração dos diversos sabe- O movimento iniciado com a primeira
res existentes na sociedade para a constru- conferência culminou no primeiro ato
ção de comunidades mais seguras, por meio
do fortalecimento das ações de prevenção
legal em proteção e defesa civil brasileiro
e participação social. Outra característica oriundo do poder legislativo.
da década é discutida por Cartagena (2015),
que discorre sobre a correlação entre o
aumento dos registros de desastres (com Entre as inovações da Lei nº 12.608/12,
alta de 168%) e o aumento dos atos legais está a inclusão do termo proteção junto à
(107%), indicando que os números revelam defesa civil e a padronização do ciclo de ges-
não somente mais ocorrências, mas, sobre- tão ao modelo global, que passou a ser com-
tudo, um movimento de ampliação dos pro- posto por cinco fases: prevenção, mitiga-
cessos de gestão. ção, preparação, resposta e recuperação;
A década de 2000 se encerrou e deu- alinhando o Sistema e a Política Nacional
-se início ao período seguinte, com uma de Proteção e Defesa Civil ao contexto in-
sequência de graves ocorrências de de- ternacional. Além disso a lei passou a definir
sastres. O primeiro ocorreu no final de com maior rigor as responsabilidades dos
2008, no estado de Santa Catarina, segui- entes federados, reforçando a orientação
do por inundações em Alagoas e Pernam- de dar prioridade às ações de prevenção e
buco, em 2010, e deslizamentos no estado mitigação, e de determinar uma integração
do Rio de Janeiro, no início de 2011. de políticas públicas.
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Proteção e defesa civil no Brasil e a construção da política nacional

Paralelamente, os processos de governança também foram se solidificando. Hoje, o


Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID) é referência nacional em ges-
tão e viabilização de políticas públicas do governo federal para estados e municípios.
Além disso, houve revisão de processos e formulários, a exemplo da substituição do anti-
go Formulário de Avaliação de Danos (Avadan) pelo atual Formulário de Informações do
Desastre (FIDE). Também houve o alinhamento da nomenclatura de desastres à tendência
internacional, com a aprovação da nova Classificação e Codificação Brasileira de Desastres
(Cobrade) em substituição à Codificação de Desastres, Ameaças e Riscos (CODAR). Por fim,
destaca-se a utilização da Interface de Divulgação de Alertas Públicos (Idap), por meio qual
qualquer cidadão brasileiro pode se cadastrar para receber alertas por SMS.
A década de 2010 encerrou-se com novos atos legais que regulamentaram e atualiza-
ram a legislação vigente, tanto em termos de decretação de situação de anormalidade na
ocorrência de desastres, como em relação à transferência de recursos da União e ao próprio
Sinpdec e à PNPDEC. Veja detalhes no quadro abaixo.

[21]
INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 36, DE 4 DE DEZEMBRO DE 2020

Estabelece procedimentos e critérios para o reconhecimento federal e para declaração de situação


de emergência ou estado de calamidade pública pelos municípios, estados e pelo Distrito Federal.

PORTARIA Nº 3.033, DE 4 DE DEZEMBRO DE 2020

Define procedimentos a serem adotados pela Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil para
as transferências de recursos da União aos órgãos e entidades dos estados, Distrito Federal e
municípios para a execução de ações de prevenção em áreas de risco de desastres e de recuperação
em áreas atingidas por desastres.

PORTARIA Nº 3.036, DE 4 DE DEZEMBRO DE 2020

Estabelece procedimentos para análise técnica da prestação de contas final, pela Secretaria Nacional
de Proteção e Defesa Civil, dos recursos transferidos pela União aos órgãos e entidades dos estados,
Distrito Federal e municípios para a execução de ações de resposta em áreas atingidas por desastres,
disciplinadas pela Lei nº 12.340, de 1º de dezembro de 2010, e respectiva regulamentação.

PORTARIA Nº 3.040, DE 4 DE DEZEMBRO DE 2020

Regulamenta a utilização do Cartão de Pagamento de Defesa Civil (CPDC).

PORTARIA Nº 3.027, DE 4 DE DEZEMBRO DE 2020

Define procedimentos para o envio de alertas à população sobre a possibilidade de ocorrência de


desastres, em articulação com os órgãos e entidades estaduais, distritais e municipais de proteção e
defesa civil, e para utilização do sistema Interface de Divulgação de Alertas Públicos para envio de
alertas via mensagem de texto (SMS), televisão por assinatura ou plataforma de avisos públicos.

DECRETO Nº 10.593, DE 24 DE DEZEMBRO DE 2020

Dispõe sobre a organização e o funcionamento do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil e do


Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil e sobre o Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil e o
Sistema Nacional de Informações sobre Desastres.
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Proteção e defesa civil no Brasil e a construção da política nacional

Aspectos de destaque
na evolução histórica
Como se observou na linha do tempo da gestão em P&DC, o Brasil tem passado por inten-
sas mudanças de paradigmas de forma semelhante e alinhada ao contexto internacional. É
válido, portanto, discutir mais profundamente alguns dos principais aspectos sobre o atual
estágio do Brasil. Uma análise dos contextos e desafios nos permite trabalhar também algu-
mas perspectivas de futuro da proteção e defesa civil no Brasil.

Abordagem climática
Conforme identificado pelo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáti-
cas (Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC, em inglês), as mudanças climáticas [22]
estão aumentando a frequência de eventos extremos, como chuvas intensas, ciclones tropi-
cais, ondas de calor e secas severas. Dessa forma, destaca-se a necessidade do desenvolvi-
mento de ações correlacionando a manutenção do clima e a redução do risco de desastres.
Nesse sentido, o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, instituído por meio
da Portaria nº 150, de 10 de maio de 2016, tem como objetivo:

“Promover a gestão e redução do risco climático no País frente aos efeitos adversos associados
à mudança do clima, de forma a aproveitar as oportunidades emergentes, evitar perdas e
danos e construir instrumentos que permitam a adaptação dos sistemas naturais, humanos,
produtivos e de infraestrutura”. 3. Adaptação à mudança do
Portaria nº 150 clima relaciona-se ao processo
de ajuste de sistemas naturais
e humanos ao comportamento
Essas e outras medidas, como a adoção à campanha mundial Construindo Cidades Resilien- do clima no presente e no
tes, mostram a existência da movimentação do Brasil em relação ao tema. Entretanto, muitos futuro (IPCC, 2014).

desafios setoriais ainda precisam ser vencidos para, de fato, existir a implementação de ações
que configurem resultados efetivos relacionados com a adaptação à mudança climática³.
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Proteção e defesa civil no Brasil e a construção da política nacional

Construção social do risco


Ao longo do tempo, por meio das pesquisas e Portanto, para compreender o conceito
dos esforços de especialistas, a área da ges- de construção social do risco é preciso consi-
tão de riscos de desastres avançou muito na derar que os desastres podem ocorrer partir
busca pelo entendimento dos aspectos de de ameaças naturais e que essas associadas
ameaças, vulnerabilidades, exposição, risco, ao uso e ocupação da terra, bem como aos
entre outros. Foi a partir desse aprofunda- processos de expansão urbana, determinam
mento que o conceito “construção social a construção social do risco. Ou, como afir-
do risco” passou a fazer parte da agenda da ma um grupo de pesquisadores:
redução de riscos de desastres. Trata-se de
uma forma atualizada de compreender os “Os desastres envolvem muito mais do
processos que desencadeiam os riscos e os que eventos deflagradores delimitados
desastres, para além de causas diretas. espacialmente e demarcados
Esta abordagem vem ganhando força, temporariamente. Em vez disso, os [23]
mas ainda figura como um desafio prag- desastres são sistêmicos, processos que
mático para gestores públicos, visto que se desdobram ao longo do tempo. Suas
quebra paradigmas fortemente instala- causas estão profundamente arraigadas
dos na história da proteção e defesa civil na história da sociedade, em sua estrutura
brasileira e mundial. Sobretudo, o desafio e organização, incluindo as relações
está em perceber os riscos e os desastres – entre humanos e meio ambiente [...]
e assim agir politicamente – dentro de um Na realidade, o histórico de vida de um
processo sistêmico que considere tam- desastre começa antes da aparição de um
bém causas raciais, sociais, econômicas, evento específico”.
políticas, de gênero e culturais. (OLIVER-SMITH et al, 2017)
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Proteção e defesa civil no Brasil e a construção da política nacional

Comunicação de risco
A abordagem da comunicação de risco é algo Como marco histórico, podemos citar o
relativamente recente, tendo surgido na Regulamento Sanitário Internacional (RSI)
área de saúde pública. Chegou, portanto, à da Organização Mundial da Saúde (OMS)
área da gestão de risco de desastres com en- de 2005 que destaca comunicação dos ris-
foques de políticas de saúde em situações de cos como intervenção sanitária e indica aos
emergências sanitárias, e tem ampliado sua Estados-Membros da OMS que a desenvol-
área de atuação para situações de prepara- vam como capacidade essencial.
ção e redução de riscos de desastres.

Assim, para a OMS:

“Comunicação dos riscos é a troca de informação, aconselhamento e opiniões em tempo


real entre peritos, líderes comunitários, funcionários e as pessoas que estão em risco, [24]
sendo parte integrante de qualquer resposta de emergência [...] uma comunicação dos
riscos eficaz permite às pessoas em risco compreenderem e adoptarem comportamentos
de proteção. Permite também às autoridades e peritos auscultarem e darem resposta às
preocupações e necessidades das pessoas, para que o aconselhamento que prestam seja
relevante, confiável e aceitável”
(OMS, 2017).

De forma mais específica para o contex- Entretanto, o processo de comunica-


to da gestão de riscos de desastres, a comu- ção de risco vem ganhando espaço lenta-
nicação de risco é considerada uma estra- mente, sendo mais um desafio a ser supe-
tégia de apoio à construção da resiliência. rado pelas administrações públicas, para
Atua, portanto, sob diversos aspectos como, fortalecê-la como capacidade essencial.
por exemplo, por meio da divulgação cientí- Nesse sentido é preciso investir para “su-
fica em contraponto ao movimento de fake perar a cientificidade de seus métodos e
news; pelo fortalecimento das fontes ofi- popularizar seus discursos, [uma vez que]
ciais para geração de credibilidade e a indi- a comunicação de risco, junto, com a in-
cação dos processos de transparência; pelo tersetorialidade, participação popular e
uso como ferramenta de pertencimento e planejamento participativo tem enorme
corresponsabilidade das populações; pela potencial de superar as práticas fragmen-
atuação direta de construção de conheci- tadas dos problemas coletivos que sur-
mento sobre riscos, perigos e prevenção. gem” (LORENA, 2015).
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Proteção e defesa civil no Brasil e a construção da política nacional

Perspectivas futuras
Por tudo que se viu do movimento histórico acordos internacionais e tendências concei-
da proteção e defesa civil, quer no contexto tuais para redução de riscos de desastres e
internacional, quer pelas especificidades fortalecimento da resiliência.
brasileiras, presenciamos nos últimos 30 Sobretudo, a compreensão das questões
anos muitas mudanças de paradigmas que climáticas como intrínsecas à gestão de risco
paulatinamente vão sendo incorporados às e articuladas aos desafios de compreensão
práticas de proteção e defesa civil. Ilusório do risco como construção social tem o poder
seria imaginar que as mudanças conceituais de deslocar a gestão de risco e de desastres
fossem imediatamente aderidas às políticas para um espaço de domínio técnico mais am-
públicas e às práticas locais de gestão de plo, fortalecendo a atuação sistêmica e de
risco. Trata-se de um processo de constru- integração setorial. Faz das perspectivas fu-
ção histórica, cujos resultados vão sendo turas para a proteção e defesa civil brasileira,
colhidos ao longo do tempo. portanto, um alinhamento prático aos acor- [25]
Vislumbramos, portanto, grandes pers- dos internacionais, uma ampliação da visão
pectivas futuras que implementem no coti- climática e da construção social do risco, e o
diano da prática de proteção e defesa civil fortalecimento das abordagens participati-
as discussões técnicas que hoje embasam vas por meio da comunicação de risco.
Panorama dos 30
anos de desastres
no Brasil
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

A percepção do risco é um dos fatores que influencia no aumento ou


redução da vulnerabilidade. Além disso, conhecer os desastres e seus
impactos decorrentes permite o desenvolvimento de ações de Redução
de Risco de Desastres efetivas. Nesse sentido, a seguir são apresentados
os resultados de 30 anos de registros de desastres no Brasil.

Nos últimos 20 anos, a ocorrência mundial Com o objetivo de aprofundar e permitir


de desastres¹ relacionados ao clima dobrou. o estudo e conhecimento do risco de desas-
Além dos impactos decorrentes desses tres no âmbito nacional, este capítulo apre-
eventos, esse aumento intensifica as desi- senta uma análise histórica da ocorrência e 1. Desastre é uma
gualdades internas e externas dos países dos impactos decorrentes de desastres dos grave perturbação do
funcionamento de uma
mais afetados (UNDRR, 2021). últimos 30 anos no Brasil. comunidade ou sociedade
A ocorrência de um desastre depende da Para isso, os registros feitos pelos em qualquer escala devido
interação entre eventos perigosos e a exis- municípios e estados foram extraídos do a eventos perigosos que [27]
interagem com as condições
tência de agentes expostos e vulneráveis, que Sistema Integrado de Informações sobre de exposição, vulnerabilidade
não apresentam capacidade de resistir aos Desastres (S2ID) e tratados para corre- e capacidade, levando a um ou
impactos ocasionados pelo evento. Com isso, ção de inconsistências. Como resultado, mais dos seguintes: perdas e
impactos humanos, materiais,
o aumento da desigualdade e, consequente- 63.643 ocorrências de desastres foram econômicos e ambientais
mente, da vulnerabilidade desses países, re- validadas e 5.182 municípios apresenta- (UNDRR, 2014).
presenta um aumento potencial do risco. ram pelo menos um registro.
Além disso, com as mudanças climáticas No total, foram contabilizadas
previstas recentemente pelo relatório do Pai- 7.865.416 pessoas desabrigadas e desa-
nel Intergovernamental sobre Mudanças Cli- lojadas, 4.307 óbitos e mais de 3 milhões *Lista dos doze grupos de
máticas (Intergovernmental Panel on Climate de habitações destruídas ou danificadas. desastres definidos para análise.

Change – IPCC, em inglês) e o consequente Além disso, os danos materiais e prejuízos Estiagem e Seca
agravamento dos eventos extremos, como resultaram em uma média de R$ 18,26 bi- Enxurradas
secas e inundações, é necessário que as ações lhões por ano. Inundações
de Redução de Risco de Desastres sejam apli- A seguir, apresenta-se a linha do tempo Chuvas Intensas
cadas de forma eficaz, para evitar o aumento dos principais desastres registrados no Bra- Alagamentos
dos impactos decorrentes de desastres. sil no período de 1991 a 2020. Posterior- Movimento de Massa
Nesse contexto, torna-se imprescin- mente, para considerar as especificidades Vendavais e Ciclones
dível o conhecimento sobre o risco de de- de cada evento, foram definidos doze gru- Granizo
sastres e seus fatores desencadeantes. A pos de desastres* para avaliação dos resul- Incêndio Florestal
Prioridade de ação 1 do Marco de Sendai: tados obtidos com o tratamento dos dados. Erosão
Compreendendo o risco de desastres (ver Por fim, são expostos os principais impac- Onda de Frio
capítulo anterior) determina que: tos decorrentes da Pandemia da Covid-19. Tornado

“As políticas e práticas de gestão de risco de desastres devem ser baseadas na


compreensão do risco de desastres em todas as suas dimensões de vulnerabilidade,
capacidade, exposição de pessoas e ativos, características de perigo e meio
ambiente. Esse conhecimento pode ser aproveitado para fins de avaliação de
risco pré-desastre, para prevenção e mitigação e para o desenvolvimento e
implementação de preparação apropriada e resposta eficaz a desastres”.
UNISDR (2015)
Inundações em Pernambuco
Municípios afetados: 67
Pessoas afetadas: 740.001
Desabrigados e desalojados: 105.984
Furacão Catarina Número de óbitos: 20
Municípios afetados: 38 Danos e prejuízos: R$ 3,4 bilhões
Pessoas afetadas: 250.000
Desabrigados e desalojados: 26.443
Número de óbitos: 10
Danos e prejuízos: R$ 211.4 milhões

Deslizamento na
Região Serrana (RJ)
Inundações no Vale do Municípios afetados: 16
Pessoas afetadas: 319.696
Itajaí (SC) Desabrigados e desalojados:
Municípios afetados: 37 300.000
Pessoas afetadas: 559.959 Número de óbitos: 1.192
Desabrigados e desalojados: 107.455 Danos e prejuízos:
Número de óbitos: 135 R$ 4,78 bilhões
Danos e prejuízos: R$ 4 bilhões
2000

2004

2008
2005

2009

2012
2010

2010

2011

2011
Estiagem na Seca no Semiárido
região Sul Inundações em Alagoas Municípios afetados: 1.181
Municípios afetados: 739 Municípios afetados: 35 Pessoas afetadas: 5.084.138
Pessoas afetadas: Pessoas afetadas: 76.485 Danos e prejuízos: R$ 2,6 bilhões
21.000.000 Desabrigados e desalojados: 69.379
Danos e prejuízos: R$ Número de óbitos: 25
4,23 bilhões Danos e prejuízos:
R$ 441 milhões

Inundação no Rio Acre


Municípios afetados: 10
Pessoas afetadas: 165.975
Desabrigados e desalojados: 32.600
Número de óbitos: 1
Danos e prejuízos: R$ 255 milhões
Inundações na Bacia Amazônica
Municípios afetados: 52
Pessoas afetadas: 386.336
Desabrigados e desalojados: 197.151
Número de óbitos: 6 Derramamento de
Danos e prejuízos: R$ 491 milhões Óleo no litoral do NE
Municípios afetados: 130
Extensão: 3.600 km de costa

Incêndio na Boate Kiss


Municípios afetados: 1
Pessoas afetadas: 680
Número de óbitos: 242

Rompimento da
barragem de Mariana
Municípios afetados: 38
Pessoas afetadas: 1.000.000
Desabrigados e desalojados: 1.360
Número de óbitos: 25
Danos e prejuízos: R$ 333 milhões

2020
2012

2015

2021
2013

2013

2017
2014

2019

2019
Inundações no
Espírito Santo
Municípios afetados: 78
Pessoas afetadas: 3.000.000
Desabrigados e Rompimento da barragem
desalojados: 60.000 de Brumadinho
Número de óbitos: 24 Municípios afetados: 17
Danos e prejuízos: Pessoas afetadas: 33.529
R$ 635 milhões Desabrigados e desalojados: 198
Número de óbitos: 270
Danos e prejuízos: R$ 560 milhões

Pandemia de COVID-19
Municípios afetados: 4411
Casos confirmados: 21.909.298
Número de óbitos: 610.036
Registros de SE/ECP: 22.522
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

Estiagem e Seca
Segundo a Cobrade (2012), a estiagem, iden- de forma que mais de uma ocorrência é re-
tificada pelo código 1.4.1.1.0, é um período gistrada por evento.
de “baixa ou nenhuma pluviosidade, em que a Também é possível observar recorrên-
perda de umidade do solo é superior à sua repo- cia significativa na região Sul (16%), princi-
sição”, enquanto a seca (1.4.1.2.0) “é uma es- palmente nos estados de Santa Catarina e
tiagem prolongada, durante o período de tempo Rio Grande do Sul. Para essa região, nor-
suficiente para que a falta de precipitação pro- malmente os eventos ocorrem em períodos
voque grave desequilíbrio hidrológico”. mais curtos, não sendo comum mais de um
No Brasil, segundo a Instrução Norma- registro por evento.
tiva nº 01, de 24 de agosto de 2012, Os principais impactos decorrentes da
estiagem e seca estão relacionados com os
“O prazo de validade do Decreto que prejuízos privados nos setores de agricultu-
declara a situação anormal decorrente ra e pecuária, assim como os prejuízos pú- [30]
do desastre é de 180 dias a contar de sua blicos nos setores de água, saúde e esgoto.
publicação em veículo oficial do município
ou do estado”.

Dessa forma, por se tratar


de um desastre gradual, no
qual a ocorrência de um úni-
co evento pode durar mais de
um ano, os registros de uma
seca ou estiagem muitas ve-
zes são duplicados, de modo
a manter a validade do de-
creto durante todo o período
de anormalidade ocasionado
pelo desastre.
Com isso em mente, per-
cebe-se que os registros rea- Ocorrências
lizados no período de 1991 a
2020 para esse tipo de evento
representam uma quantidade
elevada de ocorrências, com
36.060 registros acumula-
dos. Ainda, ocorrem de forma
mais expressiva no semiárido
brasileiro, clima predominan-
te da região Nordeste, que
acumula 69% das ocorrências.
Nessa região é comum ocor-
rer longos períodos de seca,
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

[31]
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

Enxurradas
Conforme determinado pela Cobrade O Brasil registrou 9.015 ocorrências
(2012), as enxurradas são definidas como durante o período de 1991 a 2020. Per-
o “escoamento superficial de alta velocidade e cebe-se número mais significativo de ca-
energia, provocado por chuvas intensas e con- sos na região Sul, que acumula 43% de
centradas, normalmente em pequenas bacias todas as ocorrências do período. Dentre
de relevo acidentado”, e recebem o código de os principais impactos decorrentes do
identificação 1.2.2.0.0. desastre, pode-se citar o elevado número
De forma complementar, o Cemaden de pessoas afetadas de modo geral, com
(2016) ressalta que esse tipo de evento grande quantidade de óbitos, desabri-
pode durar minutos ou horas. Ainda, a força gados e desalojados registrados. Além
das águas, além de arrastar veículos, pesso- disso, tem-se grande valor de danos ma-
as ou animais, pode provocar o rolamento teriais relacionados aos setores de habi-
de blocos de pedras, arrancar árvores, des- tações e infraestrutura. [32]
truir edificações e causar corrida de massa.
Nesse sentido, observa-se diferentes
entendimentos sobre a identificação das
enxurradas entre as regiões do
país. Em muitos casos, even-
tos de corrida de massa são
registrados como enxurra-
das, intensificando os impac-
tos contabilizados para esse
desastre. Ainda, não são
raros os eventos de inunda-
ção que, por apresentarem
rápido fluxo em função do
escoamento natural do rio,
também são classificados
como enxurradas.
Ocorrências
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

[33]
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

Inundações
De acordo com a Cobrade (2012), as inun- A região Sudeste (35%) é a que apre-
dações (1.2.1.0.0) são a “submersão de áreas senta maior incidência desse tipo de
fora dos limites normais de um curso de água evento, seguida pela Nordeste (22%). Em
em zonas que normalmente não se encontram relação aos impactos, percebe-se elevado
submersas”. De modo geral, pode-se dizer valor de desabrigados e desalojados. Para
que uma inundação ocorre quando há o as perdas, os principais valores estão rela-
transbordamento de um curso d’água, seja cionados aos danos materiais nos setores
ele um rio, um lago, uma lagoa ou o mar. de infraestrutura e habitações, e nos pre-
Durante o período de 1991 a 2020, o Bra- juízos privados para o setor de agricultura.
sil registrou 5.462 ocorrências de inundações.

[34]

Ocorrências
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

[35]
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

Vendavais e Ciclones
Esse conjunto de tipologias caracteriza-se O Brasil registrou 3.458 ocorrências
por dois grandes grupos: os ciclones e as de vendavais e ciclones durante o perío-
tempestades locais/convectivas. O primeiro do de 1991 a 2020. A região Sul (68%) é
engloba a ocorrência de ventos costeiros ou a que apresenta maior recorrência desse
mobilidade de dunas (1.3.1.1.1) e de marés de tipo de evento, seguida pela região Su-
tempestade ou ressaca (1.3.1.1.2). Esses dois deste (20%). Os principais impactos de-
eventos são resultado da ocorrência de um correntes estão relacionados aos danos
ciclone, caracterizado como um fenômeno at- materiais nos setores de habitações e
mosférico em que os ventos giram em sentido infraestrutura e nos prejuízos privados
circular, tendo no seu centro uma área de bai- no setor de agricultura. Entretanto, é um
xa pressão. Para o segundo grupo, as tempes- dos desastres que mais causa prejuízos
tades, englobam-se as tempestades de raios relacionados à geração e distribuição de
(1.3.2.1.2) e de vendavais (1.3.2.1.5). energia elétrica no Brasil. [36]

Ocorrências
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

[37]
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

Chuvas intensas
As chuvas intensas, identificadas pelo có- siderando o FIDE e a codificação da Cobrade.
digo 1.3.2.1.4, são definidas pela Cobrade O Brasil registrou 2.697 ocorrências
(2012) como “chuvas que ocorrem com acu- de chuvas intensas durante o período de
mulados significativos, causando múltiplos 2012 a 2020.
desastres”. Esses desastres representam As regiões Sul (35%) e Sudeste (22%)
inundações, alagamentos, enxurradas, mo- são as que apresentam maior recorrência
vimentos de massa, entre outros que são desse tipo de evento. Os principais impac-
desencadeados pelo excesso de chuvas. tos decorrentes estão relacionados aos pre-
A tipologia de chuvas intensas teve o início juízos privados, com destaque para o setor
de seu registro ao longo do ano de 2012, com de agricultura, e para os danos materiais,
a publicação da Portaria MI nº 526, de 06 de com infraestrutura. Destaca-se, ainda, a
setembro de 2012 e a Instrução Normativa quantidade total de afetados diretamente
nº 01, de 24 de agosto de 2012, quando os re- pelo desastre, que é elevada considerando [38]
gistros de desastres passaram a ser feitos con- o menor período de registro da tipologia.

Ocorrências
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Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

[39]
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

Granizo
Segundo a Cobrade (2012), o granizo carac- Brasil registrou 1.644 eventos de granizo.
teriza-se por “precipitação de pedaços irre- Sua ocorrência é predominante na re-
gulares de gelo” e é identificado pelo código gião Sul do país, que acumula 85% dos re-
1.3.2.1.3. Ainda, conforme especificado pelo gistros. As regiões Norte, Nordeste e Cen-
Inmet (2022), apenas pedaços maiores de tro-Oeste contabilizaram menos de 3% das
cinco milímetros são considerados granizo. ocorrências. Os principais impactos decor-
Pedaços menores são classificados como rentes do desastre estão relacionados aos
bolas de gelo, bolas de neve, ou granizo mole. danos materiais no setor de habitações e
Durante o período de 1991 a 2020, o aos prejuízos privados na agricultura.

[40]

Ocorrências
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

[41]
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

Alagamentos
Conforme determinado pela Cobrade (2012), No Brasil, foram registradas 1.351 ocor-
os alagamentos são a “extrapolação da capaci- rências de alagamentos durante o período
dade de escoamento de sistemas de drenagem de 1991 a 2020. A região Sudeste (40%) é a
urbana e consequente acúmulo de água em ruas, que apresenta maior recorrência desse tipo
calçadas ou outras infraestruturas urbanas, em de evento, principalmente na região litorâ-
decorrência de precipitações intensas”. nea. Apesar de representar um baixo valor de
Dessa forma, ao contrário do estabele- registros, os desastres de alagamentos estão
cido para as inundações, que estão relacio- tornando-se mais recorrentes, com 73% das
nadas com o transbordamento de corpos ocorrências registradas na última década. Os
d’água, os alagamentos dependem da efi- principais impactos decorrentes do evento
ciência dos sistemas de drenagem urbanos. estão relacionados aos danos materiais, com
Nesse sentido, ações relacionadas ao pla- os setores de habitações e infraestrutura.
nejamento urbano das cidades influenciam Ainda, pode-se destacar a quantidade eleva- [42]
diretamente na ocorrência desse desastre. da de desabrigados e desalojados.

Ocorrências
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

[43]
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

Incêndio florestal
O incêndio florestal, conforme determina 1991 a 2020. Os últimos dois anos apresen-
a Cobrade (2012), é qualquer “propagação tam elevado crescimento de registros, que
de fogo sem controle, em qualquer tipo de ve- acumula mais de 74% das ocorrências. A
getação”. Aqueles que ocorrem em áreas le- região que apresenta predominância des-
galmente protegidas recebem a codificação se evento é a Centro-Oeste (52%), seguida
1.4.1.3.1. Já os que ocorrem fora dessas áreas, pela região Sudeste (21%). Os principais im-
a Cobrade os identifica com o código 1.4.1.3.2. pactos decorrentes do desastre estão rela-
O Brasil registrou 1.298 ocorrências cionados aos prejuízos privados, que englo-
de incêndio florestal durante o período de bam os setores de agricultura e pecuária.

[44]

Ocorrências
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

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HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

Movimento de massa
O conjunto de tipologias denominado rências, concentradas na região Sudeste,
Movimento de Massa engloba fenôme- que apresenta 69% desse total. Os princi-
nos naturais de origem geológica que pais impactos decorrentes desse desastre
podem ocasionar: corridas de massa estão relacionados com os danos mate-
(1.1.3.3.1/1.1.3.3.2); subsidências e colap- riais nos setores de habitações e infra-
sos (1.1.3.4.0); deslizamentos (1.1.3.2.1); e estrutura, além de ser o segundo evento
quedas, tombamentos e rolamentos (1.1.3 com maior número de óbitos registrados
.1.1/1.1.3.1.2/1.1.3.1.3/1.1.3.1.4). no Brasil. Ainda, é possível perceber uma
Os registros realizados no Brasil du- intensificação das perdas nos últimos dois
rante o período de 1991 a 2020 para esse anos, que representa 48% de todo valor
tipo de evento acumularam 1.146 ocor- contabilizado no período.

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Ocorrências
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Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

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HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

Erosão
A erosão é o desgaste da superfície terres- a 2019. Ao analisar a distribuição anual, é
tre que, segundo a Cobrade (2012), pode ser possível perceber um aumento gradual no
dividido entre as erosões costeira/marinha número de registros a partir do ano de 2007,
(1.1.4.1.0), de margem fluvial (1.1.4.2.0) e com a última década representando 64% do
continental (1.1.4.3.3/1.1.4.3.1/1.1.4.3.2). total de ocorrências. O setor de habitações,
Para esse evento, o Brasil registrou 561 com danos materiais, representa o principal
ocorrências ao longo do período de 1991 impacto decorrente desse desastre.

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Ocorrências
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Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

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Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

Onda de frio
O desastre de onda de frio é composto pe- última década. As regiões Norte e Nordes-
las tipologias de friagem (1.3.3.2.1), geada te não apresentaram nenhum registro do
(1.3.3.2.2) e frente fria/zona de conver- evento. Entre as outras regiões, a Sul (54%)
gência (1.3.1.2.0). acumula o maior número de ocorrências. O
Durante o período de 1991 a 2020, o principal impacto decorrente da onda de
Brasil registrou 113 ocorrências de onda frio está relacionado ao prejuízo privado no
de frio. Desses, mais de 75% ocorreram na setor da agricultura.

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Ocorrências
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Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

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HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

Tornado
De acordo com a Cobrade (2012), o torna- nado no Brasil, sendo 75 delas na região
do (1.3.2.1.1) é uma “coluna de ar que gira de Sul (86%). Isso ocorre devido à localização
forma violenta e muito perigosa, estando em geográfica dessa região, que está inserida
contato com a terra e a base de uma nuvem de na segunda maior área em incidência de
grande desenvolvimento vertical”. tornados no mundo. A ocorrência desse
Durante o período de 1991 a 2020, desastre impacta principalmente nos seto-
foram registradas 87 ocorrências de tor- res de habitações e agricultura.

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Ocorrências
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Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

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HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

Pandemia covid-19

31 de dezembro
Aumento de casos de pneumonia na cidade
de Wuhan (República Popular da China)

11 de março
A COVID-19 é caracterizada pela
OMS como uma pandemia

17 de março
Confirmada a primeira morte no Brasil
em decorrência de COVID-19, no
estado de São Paulo
[54]

7 de janeiro 31 de dezembro
Autoridades chinesas confirmaram Brasil encerra o ano com 194.949
a identificação de um novo óbitos registrados
coronavírus (SARS-CoV-2)
2019

2020

2020

2020

2020

2020

2021

2021
26 de fevereiro 17 de janeiro
Ministério da Saúde confirma o primeiro Início da campanha de vacinação
caso do novo coronavírus no Brasil

31 de dezembro
Brasil encerra o ano com mais
de 616 mil óbitos registrados
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Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Em junho de 2020, com pelo menos


Mundial da Saúde (OMS) foi informada so- 1.400.000 casos confirmados, 59.000 óbitos
bre um significativo aumento de casos de e média de novos óbitos superior a 1.000
pneumonia na cidade de Wuhan, província óbitos por dia, o país anunciou os primeiros
de Hubei, na República Popular da China. acordos relacionados com a aquisição de va-
No dia 7 de janeiro de 2020, as autoridades cinas. A campanha de vacinação iniciou-se
chinesas confirmaram a identificação de no dia 17 de janeiro, em São Paulo. Foram
um novo tipo de coronavírus, sendo esse priorizados, inicialmente, as pessoas reco-
nomeado como SARS-CoV-2, responsá- nhecidas como grupo de risco. No dia 26 de
vel por causar a doença COVID-19. Com o fevereiro de 2021, um ano após o primeiro
constante avanço do número de casos pelo caso registrado, o país contava com cerca
mundo todo, no dia 11 de março de 2020, de 6 milhões de vacinados com pelo menos
a COVID-19 foi caracterizada pela OMS a primeira dose. De acordo com os dados do
como uma pandemia. Ministério da Saúde, até dezembro de 2021
No Brasil, o Ministério da Saúde confir- foram aplicadas 315.180.274 doses, entre
mou o primeiro caso do novo coronavírus no primeira e segunda dose ou dose única. [55]
dia 26 de fevereiro de 2020, correspondente Em 2020, a partir do período compreendi-
a um homem de 61 anos que havia retornado do entre Natal e Ano Novo, os registros apre-
de viagem da Itália. No dia 17 de março, foi sentaram aumento até abril de 2021, quando
confirmada a primeira morte no Brasil em houve a máxima histórica da pandemia no
decorrência de COVID-19, no estado de São país, com registro de 4.249 óbitos em apenas
Paulo. No dia 26 de março, exatamente um 24 horas. Com o avanço da campanha de vaci-
mês após o primeiro caso confirmado, o país nação, houve redução significativa do número
já acumulava 2.915 registros de casos e ainda de óbitos, passando a não exceder, a partir de
77 óbitos em decorrência da doença. outubro, a marca de 500 óbitos ao dia.

Registro diário de óbitos (25 de janeiro de 2020 a 10 de novembro de 2021).


Fonte: Secretarias Estaduais de Saúde.
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Panorama dos 30 anos de desastres no Brasil

No contexto da gestão de riscos de desastres, a COVID-19 no Brasil esteve inserida nas


declarações de anormalidade municipais, tanto como Situação de Emergência (SE), quanto
como Estado de Calamidade Pública (ECP).

A Situação de Emergência indica um cenário em que o município está com a sua capacidade
de resposta parcialmente comprometida, enquanto o Estado de Calamidade Pública indica
o cenário em que o município está com a sua capacidade de resposta substancialmente
comprometida.

Conforme a Cobrade, tais declarações de anormalidade são registradas como doenças


infecciosas virais, as quais aumentaram de três registros em 2019 para mais de 4 mil regis-
tros em 2020 e mais de 3 mil em 2021.

[56]

Decretos de Situação de Emergência e Estado de Calamidade Pública por ano de ocorrência (2019 – 2021).

De acordo com os dados obtidos a partir do Sistema Integrado de Informações sobre


Desastres (S2ID), 4.411 municípios brasileiros decretaram pelo menos uma vez ou Situa-
ção de Emergência ou Estado de Calamidade Pública entre 2020 e 2021 por conta da CO-
VID-19, totalizando aproximadamente 80% do total de municípios estabelecidos no territó-
rio nacional. A região Nordeste apresentou maior número de registros por município, com
pelo menos um decreto por município, enquanto a região Norte apresentou menor número,
tendo 62% dos seus municípios com pelo menos um decreto reconhecido.
Desafios e o futuro
da Proteção e
Defesa Civil
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Desafios e o futuro da P&DC

Observar o percurso histórico de 30 anos, reconhecendo as


transformações nos processos de gestão e as principais ocorrências
de desastres é importante para compreender as condições em que os
desastres ocorrem e as ferramentas disponíveis para lidar com eles.

Os dados até aqui apresentados, portanto, compreensão do risco, com a formulação


servem de base para construir reflexões so- de políticas públicas, com o planejamento
bre os atuais desafios e o futuro da proteção e priorização das ações de prevenção, com
e defesa civil brasileira. É certo, porém, que há temáticas de desenvolvimento sustentável,
muitos outros aspectos que interferem nessa mudanças climáticas, construção social do
dinâmica e cuja abordagem não se esgota nes- risco, comunicação de risco e a busca por
ta publicação. São, por exemplo, aspectos re- cidades mais resilientes.
gionais, dada a diversidade brasileira em ques- Conforme a análise histórica de desas-
tões socioeconômicas, culturais e geográficas. tres apresentada anteriormente, é possível [58]
Nesse contexto, apresentamos aqui um identificar que o Brasil, devido a sua ex-
ensaio sobre os desafios que estão por vir tensão, posição geográfica e diversidade
e as ações esperadas para a gestão de ris- climática e geológica, apresenta ocorrência
cos de desastres no Brasil nas suas relações de desastres climatológicos, hidrológicos e
com a importância dos dados históricos na meteorológicos de forma recorrente.
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Desafios e o futuro da P&DC

Em relação aos desastres climatológi- Ainda, em relação aos eventos registra-


cos, observa-se que para a seca e estiagem dos, identifica-se para o Brasil o predomínio
a maioria das ocorrências foram registradas de desastres recorrentes, que apresentam
na região Nordeste, que engloba o semiári- alta probabilidade de ocorrência e, de modo
do brasileiro, seguida pela região Sul. Para geral, com potencial de impacto reduzido.
as duas, os impactos associados estão rela- Para esse tipo de evento, os efeitos decor-
cionados majoritariamente com os prejuízos rentes são intensificados principalmente
privados em agricultura e pecuária e o preju- pelo aumento da vulnerabilidade, que está
ízo público de distribuição de água potável. associada a características como pobreza,
Para os principais eventos hidrológicos educação, segurança hídrica e alimentar,
(enxurradas, inundações e chuvas inten- moradia, percepção do risco, capacidade de
sas), os registros são mais recorrentes nas adaptação e resiliência.
regiões Sudeste e Sul, que acumulam 65% O conhecimento e a avaliação do histó-
dos casos. Para esses eventos, são notáveis rico de ocorrências de desastres permitem
os impactos relacionados aos diretamente que o planejamento das ações de gestão
afetados, assim como as perdas nos setores de riscos e de desastres seja desenvolvido [59]
1. Prevenção - medidas
de habitações e infraestrutura. de forma eficaz e orientada. No Brasil, his- prioritárias destinadas a
Sobre os desastres meteorológicos mais toricamente observa-se a implementação evitar a conversão de risco em
significativos, os vendavais e ciclones apre- dessas ações de forma reativa, ocorrendo desastre ou a instalação de
vulnerabilidades.
sentam maior recorrência na região Sul. Os ciclicamente no modelo de desastre-recu-
principais impactos estão relacionados com peração-preparação, para retornar à ocor-
os danos materiais em habitações e os pre- rência de um novo desastre. 2. Mitigação - medidas
destinadas a reduzir, limitar
juízos privados em agricultura. Também me- Entretanto, nos últimos anos, perce- ou evitar o risco de desastre
rece destaque no que tange à infraestrutura be-se a valorização das ações de preven- (decreto 10.593).
pública, considerar os prejuízos relaciona- ção¹ e mitigação², tanto nacional como
dos à geração e distribuição de energia. internacionalmente.
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Desafios e o futuro da P&DC

Essa mudança foi marcada pela Déca- possível a aplicação dos indicadores rela-
da Internacional para Redução dos Desas- cionados ao Marco de Sendai.
tres Naturais (DIRDN), em 1990, que tinha Em todo o caso, quando se observam os
como uma de suas metas: acordos internacionais e as tendências atu-
ais, percebe-se o quanto a atuação de for-
“Melhorar a capacidade de cada país para ma planejada e com visão de longo prazo é
mitigar os efeitos dos desastres naturais importante para estabelecer processos de
de forma rápida e eficaz, prestando gestão sólidos e duradouros.
atenção especial à assistência aos países A formulação de políticas públicas é,
em desenvolvimento na avaliação do nesse sentido, um dos principais desafios a
potencial de danos causados por desastres ser vencido no Brasil. É preciso investir em 3. Desastres graduais:
e no estabelecimento de sistemas de planejamentos integrativos e com visão sis- caracterizam-se por evoluírem
por meio de etapas de
alerta precoce e estruturas resistentes aos têmica que, independentemente da gestão agravamento progressivo.
desastres quando e onde necessário”. de governo, estabeleçam metas e critérios (Ex. seca, estiagem, erosão,
UN. General Assembly (1989) de atuação permanentes. entre outros).

As áreas da saúde e da assistência social [60]


Nacionalmente, o estabelecimento da mostram como é possível investir em um sis- 4. Desastres súbitos:
DIRDN resultou na criação da Política Na- tema único (SUS e SUAS, respectivamente), caracterizam-se pela
velocidade com que o processo
cional de Defesa Civil (PNDC), desenvolvida com direcionamento e integração nacional evolui e, normalmente, pela
com base nas ações de prevenção, mitigação, de dados e práticas de gestão. Na área de violência dos eventos adversos
preparação, resposta e recuperação. Tendo proteção e defesa civil, já foi implementado causadores dos mesmos.
(Ex. enxurradas, inundações,
isso em consideração, o entendimento dos o S2ID, sistema que unifica os registros de vendavais, entre outros).
tipos de desastres, das suas áreas de ocor- desastres no Brasil. No entanto, há a neces- Secretaria Especial de Políticas
rência e dos impactos decorrentes permite sidade de fortalecimento do Sistema Nacio- Regionais (1998)

identificar os setores com maior necessida- nal de Proteção e Defesa Civil (Sinpdec), que
de de investimentos, bem como compreen- apresenta desafios em sua implementação.
der os fatores desencadeantes dos diversos As especificidades existentes para os dife-
desastres que ocorrem no país. rentes tipos de desastres e regiões do país
Nesse contexto, o Marco de Sendai, dificulta a criação de mecanismos de aten-
apoiado pelas Sete Metas Globais, tem dimento unificado, tanto para as ações de
como principal objetivo prevenir a instala-
ção de novos riscos e reduzir os existentes.
Em conjunto, têm-se os indicadores desen- Em todo o caso, quando se observam os
volvidos de cada meta, que permitem a me- acordos internacionais e as tendências
dição do progresso de aplicação do Marco
de Sendai. No entanto, para a realidade bra-
atuais, percebe-se o quanto a atuação de
sileira, é necessário atentar-se à existência forma planejada e com visão de longo prazo
de desastres graduais³ e desastres súbi- é importante para estabelecer processos de
tos4, ambos recorrentes no país. gestão sólidos e duradouros.
As especificidades de evolução de
cada um desses tipos de desastres fazem
com que os impactos registrados não resposta, como para as demais fases do ciclo.
sejam comparáveis entre si. Com isso, Há ainda os desafios que novas aborda-
torna-se necessária a construção de um gens integrativas propõem, como a constru-
tratamento padronizado dos dados de re- ção social do risco que orienta a atuação a
gistros de desastres no país, para que seja partir de uma perspectiva mais ampla que
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Desafios e o futuro da P&DC

trabalhe nas causas históricas do risco, e não no Nacional de Adaptação à Mudança do


apenas nas ameaças deflagratórias diretas. Clima (PNA), que surge com o objetivo de
O grande desafio desse tipo de aborda- apoiar a redução da vulnerabilidade nacio-
gem está na necessidade de construir equi- nal à mudança do clima e realizar a gestão
pes multidisciplinares com foco de atuação do risco associada a esse fenômeno.
a longo prazo, com objetivo de reverter Por tudo que vê é possível perceber que
aspectos causais históricos como pobreza, ainda existe um longo caminho a ser percor-
desigualdade de gênero, ocupação inade- rido, não sem as conquistas que já marcam a
quada da terra e investir em ações como caminhada. Novos desafios aparecem inad-
percepção e comunicação de risco. vertidamente e os processos de preparação
No mesmo caminho, segue a busca por em proteção e defesa civil devem trabalhar
cidades mais resilientes, que, para que se também nessa direção, incluindo ações im-
efetive, passa necessariamente por pro- portantes como análise de risco, sistemas
cessos de mudanças culturais, ampliação de monitoramento e alerta, comunicação
do conhecimento técnico, valorização do de risco, fontes de informação e público
conhecimento empírico, fortalecimento da que tendem a adaptar-se diante deste tipo [61]
credibilidade e divulgação científica e inú- de ocorrência.
meras outras atuações não estruturais em Nesse sentido, em comum com qualquer
proteção e defesa civil. desastre, pode-se dizer que a pandemia Co-
Essa busca, no entanto, está associada vid-19 expõe as fragilidades de um sistema
de forma intrínseca ao clima. Nesse senti- que, em situações de normalidade, estão
do, é previsto que os extremos climáticos menos perceptíveis ou propositalmente
deflagradores dos principais desastres esquecidos. E também como em qualquer
registrados no Brasil, como o excesso ou desastre, as ações de recuperação são uma
a escassez de chuvas, ocorram com maior oportunidade de fazer melhor que antes,
frequência. Com isso, tem-se a importân- seguindo a recomendação da Prioridade 4
cia dos 17 Objetivos de Desenvolvimento do Marco de Sendai:
Sustentável (ODS) e sua relação com os de-
sastres, que, além de promoverem a redu- “Aumentar a preparação para desastres para uma resposta
ção da vulnerabilidade social e ambiental, eficaz e “reconstruir melhor” na recuperação, reabilitação
incentivam a manutenção do clima. Ainda, e reconstrução”.
no contexto brasileiro, destaca-se o Pla- UNISDR (2015)
HISTÓRICO DE 30 ANOS DE DESASTRES NO BRASIL
Desafios e o futuro da P&DC

Segundo Joaquín Toro, Coordenador Regional para Gerenciamento de Riscos de Desas-


tres para a América Latina e Caribe, hoje começamos a entender que os desastres não são
“naturais”, pois têm relação direta com a falta de planejamento na ocupação humana e com a
construção de infraestrutura em áreas sujeitas a desastres. Como resultado, os riscos têm
crescido exponencialmente e podemos afirmar que desastres irão ocorrer, só não sabemos
exatamente quando.
A correta avaliação de riscos pode minimizar danos, pois permite que esforços sejam
alocados em ações mais efetivas, principalmente para evitar que novos riscos sejam criados,
uma vez que não há recursos financeiros que permitam a solução de todos os problemas do
dia para noite. O correto entendimento permite a melhor compreensão do risco e a dimen-
são de um potencial desastre, possibilitando um planejamento adequado para as ações de
preparação e resposta.
Por fim, ressalta-se que a Gestão de Risco de Desastres no Brasil é um tema complexo
que ainda necessita de critérios de análise mais adequados e precisos. Assim, para ampliar
a compreensão da realidade brasileira é necessário investir mais recursos na determinação
do estado atual da infraestrutura, bens e capacidades das pessoas em um contexto de risco, [62]
com base em quatro pilares: a compreensão do risco, o investimento para sua mitigação, a
preparação adequada para resposta e a reconstrução resiliente. Esses pilares podem con-
tribuir na identificação de estratégias e lacunas em recursos, regulamentações e conheci-
mentos para enfrentar os impactos dos desastres.
Referências
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e políticas públicas na gestão de risco de REGIONAIS. Ministro do Planejamento
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Disponível em: https://unric.org/pt/
orgaos-da-onu/. Acesso em: 07 dez. 2021.
Ficha técnica
EQUIPE TÉCNICA REVISÃO TÉCNICA
(CEPED/UFSC) (SEDEC/MDR)

Diego Borges Lidiane Natalie de Souza


Giuliano Marcus Bianco Loiane Ferreira de Souza
Gustavo Bourdot Backn Lucas Mikosz, Me.
João Francisco Maués Araujo Luís Felipe Lopes de Lima Lins
Juliane Vargas Nunes Reinaldo Soares Estelles, Me.
Leticia Dalpaz de Azevedo
Lucas Denir Espíndola
[64]
Maíra Woloszyn
Manoela de Souza
Rafael Schadeck
Sarah Marcela Chinchilla Cartagena

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