Física Filosófica e Moderna

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Física filosófica e moderna: um panorama

histórico, por Padre Álvaro Calderón [Parte 1]

Tradução: Victor Amorim Mesquita

[Texto extraído do livro La naturaleza y sus causas, p. 118 a


128]

Panorama histórico [nota 1]

É impossível resumir em um curto espaço as várias abordagens


da Filosofia Natural ao longo da história. Concentraremos nossa
atenção em alguns deles que tiveram especial relevância no
passado.

1ª Cosmologia Grega e Medieval

A origem da ciência e da filosofia deu-se inicialmente no campo


da Física, desviando-se rapidamente para a Metafísica. A
primeira etapa da Filosofia da Natureza, nascida na Grécia
antiga, é constituída pelos pré-socráticos, também chamados de
naturalistas ou físicos devido ao seu interesse pelos problemas
da natureza. Entre eles era debatido um conjunto de questões
sobre o mundo físico, em que se misturavam abordagens físicas
e metafísicas (por exemplo, a procura dos primeiros elementos
da natureza).
Com Sócrates e Platão, predominaram os temas antropológicos,
éticos e estritamente metafísicos, embora Platão tivesse uma
doutrina sobre o mundo corpóreo, que influenciou Aristóteles.

A física grega culminou em Aristóteles, que assumiu as


preocupações dos “naturalistas”. O conhecimento científico da
natureza constituía para ele um único gênero de ciências, a
Física ou a Filosofia Natural, em que a abordagem filosófica
subjacente se concatenava com as análises das ciências
particulares. Aristóteles concebeu um plano de estudo da
natureza, no qual partia das questões mais gerais para as
particulares. O exame filosófico predomina em sua obra Física,
para os seres naturais em geral, e em Sobre a Alma para os seres
vivos. O estudo mais especializado dos setores do universo físico
encontra-se em outras obras, como o tratado Do Céu (sobre as
estrelas), Geração e Corrupção (estudo da constituição dos
corpos terrestres, semelhante a uma química),
o Metereologicos (sobre fenômenos atmosféricos), bem como
outros escritos biológicos e psicológicos.

Embora a doutrina de Aristóteles, ligada a uma cosmologia


imponente e completa, tenha encontrado grande difusão e se
tornado patrimônio comum da Idade Média cristã, ela foi desde
o início acompanhada e às vezes confrontada com doutrinas que
enfatizavam a estrutura quantitativa das coisas, como o
atomismo, que procurou dar uma explicação material e
determinística de todos os processos.
Arquimedes (287–212 a.C.), por exemplo, e mais tarde
Ptolomeu (100–170), desenvolveram uma explicação
matematizada das questões físicas e cosmológicas, semelhante à
da física moderna. Na escola de Alexandria, o matemático
Diodoro explicou a distinção entre a matemática aplicada à
natureza e a filosofia da natureza da seguinte maneira: << a
matemática estuda as circunstâncias concomitantes das
substâncias e examina de onde vem a escuridão, por exemplo, e
como elas são produzidas, enquanto a Filosofia indaga de que é
composta a substância do sol >>. Santo Tomás vai introduzir a
expressão de scientia media para designar estas ciências que
nascem da união entre a Física e a matemática.

Em todo caso, o domínio posterior do platonismo e sua


disseminação na Idade Média diminuíram o interesse pelos
assuntos naturais. Em algumas tendências extremas,
combinadas com o maniqueísmo, a matéria era considerada o
princípio do mal.O cristianismo teve indiretamente repercussões
na consideração da natureza. A Revelação Cristã sempre levou a
reconhecer o valor positivo do mundo corpóreo. Ao mesmo
tempo, produziu a queda de algumas ideias errôneas da
cosmologia grega (eternidade da matéria, necessidade absoluta
do mundo, animação dos astros e seu determinismo em relação
à liberdade humana), o que facilitou o nascimento de
fundamentos da ciência moderna [nota 2].

Da mesma forma, a influência do cristianismo facilitou a


contemplação da natureza como obra de um Deus criador
infinitamente inteligente e a admissão da capacidade do homem
– criado à imagem e semelhança de Deus – de conhecer a ordem
racional da natureza. Estas convicções, amplamente difundidas
na Idade Média graças à doutrina cristã, favoreceram um clima
de confiança nas pesquisas filosóficas e científico-experimentais
sobre a natureza [nota 3]

A entrada do aristotelismo no Ocidente no século XIII despertou


a atenção para a natureza. Testemunho significativo desse
fenômeno são os trabalhos naturais de Santo Alberto Magno e os
estudos físicos nas universidades européias a partir do século
XIII (Oxford, La Sorbona, Pádua, Salamanca). São Tomás aceita
a Filosofia Natural de Aristóteles, com os acréscimos dos
filósofos árabes, e a incorpora em sua própria síntese, ao mesmo
tempo em que elimina as falsas interpretações que se opunham
à fé cristã.

Nos séculos XIV e XV, o aristotelismo latino averroísta, numa


linha paganizante, apegou-se muito literalmente à concepção
aristotélica do universo e à ciência antiga, causando o descrédito
do peripatetismo nos meios intelectuais onde a nova ciência
estava nascendo. Aristóteles tornou-se uma autoridade científica
absoluta para os averroístas, o que os levou a não aceitar novos
progressos científicos. Essa mesma razão os fez separar
drasticamente a fé cristã da razão (que eles acreditavam ser
representada pelo Estagirita).

2º Fim da Idade Média


Essa perspectiva começa a mudar no final da Idade Média. As
especulações dos “antigos”, como são chamados os autores do
século anterior, o XIII, são criticadas por considerá-las muito
abstratas; o conhecimento se volta para o concreto experiencial;
a própria teologia é orientada para a experiência mística.
Começou o que foi chamado de “via moderna”, que, com alguns
antecedentes do início do século XII, foi formalmente
estabelecido com o ockamismo.

Guilherme de Ockam (1290–1350), um lógico brilhante, baseado


no fato de que só existem indivíduos, negou a existência do
universal, que não pode ocorrer nem mesmo na mente. Existem
apenas indivíduos indicados por termos com “suposição”
universal, ou seja, indicam assuntos semelhantes entre si. Desta
forma, ao atacar a especulação filosófica abstrata, ele voltou seu
interesse para a realidade individual. Ao mesmo tempo, ao
identificar a substância corpórea com a quantidade extensa, ele
inclinou as mentes para uma interpretação quantitativa da
realidade, já proposta no século anterior, como veremos a
seguir.

Os ockamistas preocupavam-se em investigar o mensurável,


especialmente no campo da dinâmica. Thomas Bradwardine
(1290–1349) estudou a velocidade dos móveis, bem como
trabalhos lógicos e matemáticos. Juan Buridán (1295–1360),
lógico e psicólogo, rejeitou a teoria aristotélica de que o
movimento dos projéteis se deve ao empurrão do agente no ar
que impulsiona o móvel: a experiência indica que não é assim;
Na verdade, o agente dá ao projétil um “ímpeto”, que é uma
força motriz que vai enfraquecendo gradativamente devido à
resistência do ar e ao peso do móvel até que a gravidade o faça
cair. Ele definiu o “ímpeto” como uma qualidade, mas o expôs
como uma relação entre a velocidade e a quantidade de matéria
do móvel [nota 4].

Nicolás de Oresme (1310–1382) também estudou o movimento


de projéteis; Defendeu a noção de «Impetu» mas afirmando que
o móvel adquire essa qualidade no seu movimento; ele também
ensinou a relatividade dos movimentos com relação aos seus
termos de referência; reduziu o movimento uniformemente
acelerado à sua média e representou a variação de intensidade
por coordenadas retangulares. Alberto de Sajonia (1315–1390),
lógico e físico, investigou a natureza do <<Impetu>>,
considerando-o uma qualidade que se determina como a relação
entre matéria, espaço e tempo; vislumbrou a noção de
gravitação; com Oresme, afirma que o peso de um corpo pode
ser reduzido ao seu centro de gravidade e que a Terra gira em
torno de seu eixo.

3° O Renascimento

A Renascença, com seu culto à natureza, inclinou ainda mais o


pensamento europeu para o mundo físico. Em primeiro lugar, os
“filósofos naturais” antiaristotélicos aparecem com certa
influência platônica; eles tentaram não apenas conhecer, mas
dominar a natureza; seus experimentos estavam em
continuidade com os realizados pelos medievais e careciam de
instrumentos adequados; preocupavam-se com o aspecto causal
e qualitativo (como o aristotelismo) sem atender ao quantitativo.
Em uma segunda instância, a linha experimentalista é retornada
e os resultados da experimentação são tratados
matematicamente.

Cornelius Agrippa de Nettesheim (1486–1535), “filósofo


natural”, astrólogo e mágico, sustentava que o cosmos, criado
por Deus, depende do mundo celestial dos anjos, demônios,
deuses pagãos e “poderes”; a matéria é inerte e seu movimento
se deve às forças espirituais; o homem é um microcosmo, um
reflexo do macrocosmo que se anima; tudo é regido por leis
mecânicas influenciadas pela magia. Theophrasto Bombast
“Paracelsus” (1493–1541), médico, alquimista e mágico, também
ensinava que o homem é um microcosmo, imagem do universo;
a alma do mundo se manifesta por forças vivas que já estavam
antes da criação na matéria contida em Deus e que depois da
criação se manifestam; portanto, todo o universo é governado
pelas mesmas leis. Bernardino Telesio (1509–1588), médico,
fundador da Academia Calabresa de Ciências, opôs-se ao
aristotelismo e à magia; ele sustentou que a vida do universo
vem do “espírito universal”; a matéria é inerte, mas se move
devido ao calor; do calor vêm as almas; o mundo deve ser
estudado “segundo seus próprios princípios”, por experiência e
não por noções universais. Giordano Bruno (1548–1635),
dominicano apóstata, pitagórico, cabalista e panteísta, opôs-se
ao “materialismo” aristotélico, que teria sustentado que tudo
procede da “matéria-prima”; o universo foi criado por Deus e é
sua manifestação visível; Deus é transcendente ao mundo e
imanente nele; tudo é regido por idênticas leis naturais
influenciadas pela magia. Tomás Campanella (1538–1635),
dominicano calabresa, agitador político anti-espanhol,
astrólogo, ensinou que a alma do mundo foi criada por Deus:
tudo é animado, o espaço é vivo e tudo é regido pelas mesmas
leis.

Esses “filósofos naturais” – juntamente com muitos outros,


como Girolamo Francastoro (1483–1553), Giovanni della Porta
(1535–1615), Robert Fludd (1574–1637) ou Mercurio van
Helmont (1618–1690) – tiveram a mérito de ter estudado
fenômenos naturais experimentalmente, mesmo quando seu
interesse estava voltado para as qualidades; rejeitavam a
duplicidade da matéria: para os antigos, os corpos celestes
teriam uma matéria incorruptível, pois seu aparente movimento
circular revelaria sua perfeição (o círculo descrevia o movimento
perfeito); em vez disso, o mundo sublunar era corruptível.
Embora fosse positivo afirmar que todo o universo é regido pelas
mesmas leis, eles erraram ao admitir que a unidade da matéria
exigiria a unidade da forma, eles, portanto, admitiam, como no
platonismo, uma “alma cósmica” que se manifestaria por meio
de “forças ocultas” controláveis por magia.

4° A nova ciência

As ciências modernas (física, química, biologia) desenvolveram-


se vigorosamente desde os séculos XVI e XVII, graças ao avanço
do método experimental e à aplicação da matemática ao estudo
dos fenômenos físicos. Mas não surgem repentinamente, mas
sim em continuidade com as pesquisas físico-matemáticas do
século XIV e, portanto, com a tradição científica greco-medieval.
Além disso, a ciência experimental moderna nasceu no âmbito
de uma filosofia cristã e graças ao seu impulso, como se verifica
nos textos dos grandes cientistas da época (Kepler, Galileu,
Newton) [nota 5]

Já no século XIII Roberto de Grosseteste (1170–1253) havia


proclamado a necessidade de recorrer à matemática para
compreender o mundo físico, experimentando-o no campo da
ótica. Não teve muito sucesso, embora alguns físicos seguissem
sua linha: assim Roger Bacon (1210–1295) e Witelo (1220–
1270); depois os ockamistas citados anteriormente.

Nicolau de Cusa (1401–1464) interpretou o universo


matematicamente em um sentido neoplatônico. Mas o primeiro
cientista moderno é Leonardo da Vinci (1452–1519), engenheiro,
arquiteto, pintor e escultor, pois concebeu a ciência no sentido
atual do termo. “A ciência – explica – é filha da experiência,
não da observação vulgar, mas guiada por regras e realizada
com o auxílio de instrumentos apropriados; assim se
descobrem as leis da natureza, que devem ser demonstradas
com a linguagem matemática”. Francis Bacon (1561–1625) não
está localizado nesta linha; embora analisasse os métodos
experimentais enunciando as famosas regras da indução
científica, ele não usava a matemática e acreditava que o
objetivo da ciência é descobrir o “schematismus latens” (ou
essência individual) das coisas.
Galileu Galilei (1564–1642), matemático, físico e astrônomo,
deu à ciência seu novo status. A ciência – disse – é o verdadeiro
conhecimento da natureza; não se baseia nem na autoridade
de Aristóteles, mas na experiência; sua certeza vem da
demonstração que só pode ser matemática, pois a quantidade é
a propriedade típica do mundo corpóreo. A experiência
matematizada conduz a uma lei que tem o caráter de hipótese
até que novas experiências a comprovem; É assim que a
verdade científica é obtida. A “nova ciência” surgida nos séculos
XVI e XVII acabou por rejeitar a filosofia aristotélica da
natureza. Erros manifestos na Física de Aristóteles foram
expostos e uma nova imagem do mundo apareceu, com o sol no
centro do universo. Outra das principais refutações a Aristóteles
foi a medição da velocidade de queda dos corpos, que não
correspondia aos pressupostos aristotélicos.

Galileu, como Kepler e outros, estava convencido de que “o livro


da natureza foi escrito na linguagem da matemática” e que,
portanto, somente com eles poderiam ser encontradas respostas
claras. Mas essa nova ciência não foi acompanhada de uma
compreensão adequada de seus próprios métodos e, às vezes, foi
apresentada erroneamente como uma nova Filosofia Natural
para substituir a antiga. Muitos elementos intervieram na
polêmica com o aristotelismo: não se distinguia a diversidade de
métodos; alguns peripatéticos não conseguiram se livrar de uma
concepção já ultrapassada do universo físico. Ao mesmo tempo,
a ciência clássica não raro esteve ligada a concepções filosóficas
inadequadas, como o mecanismo [nota 6], que mais tarde seria
alvo de críticas.
5º A era moderna

Na filosofia moderna destes séculos, a visão mecânica e


matemática do mundo físico justifica a transição para o
subjetivismo transcendental da crítica kantiana, onde as
conquistas da nova Física são interpretadas a partir de
categorias a priori do pensamento e perdem seu sentido.

René Descartes (1596–1650), filósofo, físico e matemático,


sustentava que a essência dos corpos é a extensão geométrica;
portanto, não há qualidades nem nada que não seja outra coisa
que quantidade; cor, cheiro, sabor, não existem exceto em
pensamento. A “Nova Física” negava o que havia sido o foco da
atenção dos físicos antigos e medievais: as formas, causas e
essências dos corpos. Descartes também tentou interpretar os
seres vivos à maneira das máquinas.

Essa linha levará ao mecanicismo e deste ao materialismo, como


se vê nas obras de Thomas Hobbes (1588–1679). Ele colocou
toda a sua energia na construção de um novo sistema mundial,
aproveitando a teoria de Copérnico. Em oposição direta a
Aristóteles, Hobbes introduziu uma fratura entre pensamento e
realidade: nosso conhecimento deve seguir as leis da lógica, mas
estas não permitem nenhum acesso à realidade. As categorias
dos seres, determinadas por Aristóteles, nada mais são do que
uma determinação verbal; estão longe de significar uma
classificação irredutível das realidades da natureza. Na mesma
linha seguem John Locke (1632–1704), David Hume (1711–
1776), Etienne de Condillac (1715–1780), Julien de La Mettrie
(1709 -1751) e Paul Thiry D’Holbach (1723–1789).

Por sua vez, Immanuel Kant (1724–1804) estabelecerá que a


ciência não pode ir além do reino dos fenômenos, como já dizia
Hume, sem atingir a própria coisa. Isaac Newton (1642–1727)
seguiu o atomismo e desenvolveu o método axiomático, no qual
os axiomas permitem conhecer o comportamento dos corpos,
mas não podem ser deduzidos de outros teoremas, senão que
encontram sua confirmação na percepção. Newton acreditava
que todos os fenômenos naturais poderiam ser expressos em
termos de uma mecânica matematizada, embora ainda seja um
empirista, que pensa que as equações matemáticas devem seguir
experimentos. Nesse sentido, ele diz que as equações que
estabelece não são hipóteses, senão que se baseiam em fatos.
Dedicou-se à elaboração de fórmulas matemáticas relativas à
gravitação, mas evitou questões relativas à natureza dessa força.
Segundo Newton, essas forças não eram qualidades ocultas, mas
leis gerais da natureza. Sua descoberta da lei da gravidade
causou grande impressão, pois com aquela única lei ele podia
explicar tanto os movimentos dos corpos celestes quanto os dos
corpos na superfície da terra, como a queda de pedras, o curso
dos rios e até as marés. Com Newton, entramos na ciência
natural moderna, embora ele ainda dê a sua grande obra o título
de Philosophiae naturalis principia mathematica, onde retoma
muitos pontos de vista anteriores.

Com o romantismo e a filosofia idealista, a natureza é vista como


um todo orgânico e vital, em oposição ao mecanismo
newtoniano (por exemplo, Goethe, Schelling, Hegel). Essa
atitude, por vezes mais poética do que filosófica, levou a
interpretações fantasiosas e arbitrárias do conhecimento
científico, e levou a um distanciamento da filosofia dos homens
de ciência (uma consequência dessa atitude pode ser
encontrada, por exemplo, na filosofia marxista da natureza de
Engels, ou em evolucionismos vitalistas como o de Spencer).
Contra esses excessos, se observa no século passado uma reação
contrária nos meios científicos, cristalizada no positivismo
(Comte, Stuart Mill, Spencer) e no cientificismo (Renan).
Somente as ciências experimentais poderiam estudar
validamente a natureza. A filosofia é vista como um
empreendimento ilusório fadado ao fracasso. O único método
científico é descrever matematicamente fenômenos regulares
(fenomenismo), e contentar-se em propor hipóteses explicativas,
sem valor ontológico.

Para Augusto Comte (1778–1854), a humanidade passou por


três “etapas” sucessivas: a “teológica” em que os fenômenos do
mundo físico foram atribuídos à divindade, a “metafísica” em
que são atribuídos a entidades abstratas (naturezas, essências) e
o “positivo” em que os fenômenos são explicados por outros
fenômenos antecedentes.

Depois de um grande boom, o positivismo começou a sofrer uma


crise mortal no final do século passado: os cientistas
entenderam que a ciência não poderia resolver todos os
problemas da vida humana, como Ernest Renan (1823–1892)
afirmou, por exemplo, em O futuro da ciência (1848). Outros
positivistas como John Stuart Mill (1806–1873) argumentaram
que as ciências não podem chegar a conclusões universalmente
válidas: a indução apenas sintetiza a experiência passada sem
poder ser estendida a casos não experimentados. Herbert
Spencer (1820–1903) viu a insuficiência do conhecimento
científico reduzida ao fenomenal e experiencial; admite a
filosofia, mas seu objeto seria o “incognoscível”. O sábio alemão
Emil du Bois Reymond (1815–1896) admitiu que existem no
mundo enigmas insolúveis para a ciência, como a natureza da
matéria e da energia, a origem do movimento, da vida, da
consciência, da inteligência, da liberdade.

6º período contemporâneo

Quando o Cardeal Mercier organizou, no final do s. XIX, os


estudos filosóficos em Lovaina, insistiram na importância das
ciências naturais, as únicas que – disse ele – podem nos dar um
verdadeiro conhecimento da realidade material. As Lições de
Filosofia da Natureza, em número muito limitado, destinavam-
se sobretudo a explicar os conceitos e métodos utilizados
(matéria e forma, lugar e tempo), permitindo a reflexão sobre os
resultados da investigação nas ciências naturais (Désiré Nys;
Fernand Rendirte). Assim como São Tomás se abriu ao
conhecimento aristotélico da natureza, a neoescolástica teve de
se abrir às aquisições da ciência moderna. Outros, como P.
Hoenen, introduziram um grande número de contribuições
científicas na Filosofia da Natureza para adequá-la às novas
descobertas.
Mas no século XX, tornaram-se mais evidentes as dificuldades
das ciências naturais quanto ao valor real de seus
conhecimentos e da imagem mecanicista do mundo. Na França,
Emile Boutroux (1845–1921) enfatizou que a ciência pressupõe
em suas leis que tudo acontece de forma determinista; porém no
mundo físico tudo é contingente. Emile Poincaré (1854–1912)
sustentou que a evidência experimental só é inteligível com base
em suposições que são convencionais. Pierre Duhem (1861–
1916) afirmou que a ciência é um sistema de proposições
matemáticas que não tenta explicar, mas sim representar um
conjunto de leis experimentais. Edmund Husserl (1859–1938)
escreve que os especialistas em ciências naturais não veem
muito mais do que os pressupostos que utilizam, pois as ciências
velam – segundo ele – a experiência direta da realidade. Henri
Bergson (1859-1941) viu na ciência o trabalho da inteligência
que classifica e sintetiza com esquemas conceituais estáticos o
que é útil para a vida sem atingir a realidade, cognoscível pela
intuição que origina a filosofia, cujo centro é a Metafísica; ele
também criticou duramente o positivismo.

A descoberta da energia quântica, com o nascimento da física


quântica e o desenvolvimento da teoria da relatividade,
derrubou a concepção que se tornara clássica de espaço, corpos
e determinismo. Ficou claro que a teoria atômica não passava de
uma representação simbólica e não da própria realidade. Hoje é
quase universalmente aceito que as teorias utilizadas nas
ciências naturais oferecem apenas um modelo hipotético para
explicar os fenômenos, que fornecem uma imagem do mundo
graças a um certo número de suposições que não se baseiam
apenas em fatos, mas também são fruto de imaginação.

Tudo isso tem provocado certo renascimento do interesse pela


Filosofia da Natureza, sobretudo pela necessidade de
considerações substanciais sobre os conhecimentos adquiridos.
Os próprios físicos têm se aventurado cada vez mais no campo
da especulação filosófica, como A.S. Eddington, A. Einstein, M.
Planck, Niels Bohr, L. de Broglie, W. Heisenberg, embora neste
contexto se fale mais de «Filosofia da ciência» e não de Filosofia
da natureza, já que se estudam os problemas de ordem bastante
epistemológica que as novas ciências naturais apresentam, como
a possibilidade de conhecer a realidade, a ligação entre o
conhecimento adquiridos por instrumentos e percepção direta,
as hipóteses usadas como a cognoscibilidade do universo e o
princípio da causalidade, o significado dos conceitos usados
(átomo, elétron, campo, força, raio), a gama de teorias.
Juntamente com esta reflexão epistemológica, introduz-se
também especulações filosóficas de várias origens, como a
negação da causalidade de Heisenberg, que não vem da
percepção científica, mas sim das teses kantianas. Não se pode
deixar de manter uma atitude muito crítica sobre as digressões
dos físicos que saem de seu campo.

A renovação do tomismo trouxe consigo uma revitalização da


filosofia natural aristotélico-tomista (Maritain, de Tonquédec,
de Konink). Deixando de lado aspectos científicos ultrapassados,
muitos tratadistas perseguiram o objetivo de mostrar que os
princípios filosóficos naturais de inspiração aristotélica têm uma
validade perene capaz de responder aos problemas filosóficos
levantados em nossos dias (Hoenen, Selvaggi). Mas a tarefa está
longe de ser concluída.

Notas:

Nota 1: Tomamos este ponto de M. Artigas, J.J. Sanguineti,


Filosofia da Natureza, 3ª ed. EUNSA, Pamplona 1993, p. 29–34;
G. E. Ponferrada, Filosofia da Natureza, UC@LP, 2004, p. 35–
41; Léon Elders SVD, La philosophie de la nature de Saint
Thomas d’Aquin, Tequi, Paris 1994, p. 14–34. Retocamos
algumas declarações conforme entendemos.

Nota 2: Cf. P. Duhem, Le systeme du Monde, Hermann, t. II, p.


408.

Nota 3: Cf. S. Jaki, The Road of Science and the Ways to God,
The University of Chicago Press, Chicago 1978. Jaki ilustra
amplamente sua tese de que a ciência experimental nasceu
sistematicamente no século XVII graças à “matriz cultural
cristã” que deu ela forneceu os pressupostos filosóficos
necessários, enquanto nas várias culturas pagãs houve
sucessivos “abortos” das ciências experimentais em germe. Cf.
também do mesmo autor, Science and Creation, Scottish
Academic Press, Edimburgo 1974.

Nota 4: Alguns atribuem a esse esboço do princípio da inércia de


Buridán o descrédito em que caía a ciência natural aristotélica,
pois ainda explicava o movimento dos corpos celestes por um
impulso inicialmente recebido.

Nota 5: O conflito de Galileu com a Igreja, mesmo sem


minimizá-lo, foi muito exagerado e às vezes explorado
ideologicamente. A tese heliocêntrica já havia sido proposta pelo
padre polonês Copérnico, em sua obra De revolutionibus
orbium caelestium (1543), dedicada ao Papa Paulo III, que a
recebeu bem (essa obra, por outro lado, foi duramente criticada
por Lutero). Galileu só foi convidado a ensinar essa tese como
uma hipótese. Sua alegada desobediência a essa prescrição levou
à sua condenação em 1633.

Nota 6: 1 Cf. S. Jaki, The Relevance of Physics, The Univ. of


Chicago Press, Chicago 1966, cap.II.

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