Enriquecimento Ambiental em Aves de Rapina
Enriquecimento Ambiental em Aves de Rapina
Enriquecimento Ambiental em Aves de Rapina
Ambiental em
Aves de Rapina
Diurnas
Francisco Gomes Pedra Moreira Ramos
Mestrado em Ecologia e Ambiente
Departamento de Biologia
2022
Orientador
Nuno Monteiro, Professor Auxiliar Convidado,
FCUP e CIBIO/InBIO
Coorientador
Hugo Oliveira, Engenheiro Zootécnico,
Parque Biológico de Gaia
Todas as correções determinadas pelo
júri, e só essas, foram efetuadas.
O Presidente do Júri,
Porto, ________/________/________
ii
“It’s surely our responsibility to do everything within our power to create a planet that
provides a home not just for us, but for all life on Earth”.
Sir David Attenborough
iii
Declaração de Honra
Eu, Francisco Gomes Pedra Moreira Ramos, inscrito no Mestrado em Ecologia e
Ambiente da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto declaro, nos termos do
disposto na alínea a) do artigo 14.º do Código Ético de Conduta Académica da
U.Porto, que o conteúdo do presente relatório de estágio reflete as perspetivas, o
trabalho de investigação e as minhas interpretações no momento da sua entrega.
Ao entregar este relatório de estágio, declaro, ainda, que o mesmo é resultado do meu
próprio trabalho de investigação e contém contributos que não foram utilizados
previamente noutros trabalhos apresentados a esta ou outra instituição.
Mais declaro que todas as referências a outros autores respeitam escrupulosamente
as regras da atribuição, encontrando-se devidamente citadas no corpo do texto e
identificadas na secção de referências bibliográficas. Não são divulgados no presente
relatório de estágio quaisquer conteúdos cuja reprodução esteja vedada por direitos de
autor.
Tenho consciência de que a prática de plágio e auto-plágio constitui um ilícito
académico.
Francisco Ramos,
Agradecimentos
A conclusão deste trabalho deve-se ao apoio de diversas pessoas que ao
longo de todo este período de realização do mesmo, foram ajudando de diferentes
maneiras, daí o meu tão grande obrigado a todas elas.
Assim, em primeiro lugar agradeço ao meu orientador e professor Doutor Nuno
Monteiro e ao meu coorientador Eng. Hugo Oliveira por toda a orientação,
acompanhamento, disponibilidade, apoio, motivação e ensinamentos que foram
essenciais para me guiar e concluir este trabalho. O meu obrigado também a todos os
meus professores que ao longo destes dois anos de estudo na Faculdade de Ciências
da Universidade do Porto (FCUP), contribuíram, de uma forma direta ou indireta, para
a realização deste trabalho.
Um agradecimento aos funcionários do Parque Biológico de Gaia e em
especial a toda a equipa do Setor Veterinário e Zootécnico, por se mostrarem sempre
disponíveis em ajudar-me, pelos seus conselhos, pela informação disponibilizada e
pela simpatia. A experiência de estágio não teria sido a mesma sem o acolhimento
fantástico que me proporcionaram. Foi um prazer trabalhar e aprender convosco.
Agradeço aos meus pais e à minha irmã, por ouvirem todas as minhas dúvidas
e questões em torno do estudo, por me terem apoiado incondicionalmente e por me
tentarem ajudar e dar o seu contributo em tudo o que podiam.
À Luana, por acreditar e confiar em mim, por me dar ânimo, pela presença
constante, em todos os momentos, ao longo de toda esta jornada, por toda a paciência
e por sempre ter-me apoiado, obrigado amor.
Em quinto lugar, uma palavra amiga aos meus colegas de curso, pois foram
importantes nos momentos de partilha de conhecimento, de troca de ideias e de
colaboração. Também destaco e agradeço aos meus colegas estagiários do Parque,
nomeadamente ao João e à Joana, pela entreajuda ao longo desses meses. Essa foi
fundamental no decorrer de todo o processo de desenvolvimento do estudo.
Por fim, agradeço também a toda a minha família e amigos que, de diferentes
formas, ajudaram durante todo este percurso.
v
Resumo
Atualmente, são ainda diversas as causas que ameaçam a manutenção da
biodiversidade, obrigando, não raras vezes, e com o objetivo da sua conservação, à
necessidade de manutenção de espécies longe do seu habitat natural. A manutenção
de animais em cativeiro implica, no entanto, a provisão de condições que assegurem o
seu bem-estar. O bem-estar animal é, muitas vezes, garantido com recurso a um
conjunto de processos denominado “Enriquecimento Ambiental” (EA). Curiosamente,
tendo simultaneamente em conta a sua relevância no funcionamento dos
ecossistemas e a sua notoriedade junto da sociedade, existe ainda um défice de
informação sobre as melhores práticas de EA para aves de rapina diurnas.
Neste estágio, realizado no Parque Biológico de Gaia, foram estudadas, em
condições de cativeiro, quatro espécies de rapinas diurnas: águia-cobreira (Circaetus
gallicus), grifo (Gyps fulvus), búteo (Buteo buteo) e águia-calçada (Hieraaetus
pennatus). Para as mesmas, foram elaborados etogramas e desenvolvidas diferentes
técnicas de EA, distribuídas por três categorias: EA físico, alimentar e sensorial. O
principal objetivo com a aplicação do EA foi a diminuição do tempo de inatividade das
espécies estudadas. O trabalho dividiu-se em três fases principais: 1) construção dos
etogramas e reconhecimento dos comportamentos apresentados pelos indivíduos; 2)
observação e registo dos comportamentos dos indivíduos sem qualquer tipo de
intervenção (período de ausência de enriquecimento), durante 2 semanas, seguido da
aplicação das diversas técnicas de enriquecimento, durante outras 2 semanas; 3)
análise de dados.
Após o estudo, os reportórios comportamentais das quatro espécies
aumentaram. Em todas elas, houve uma diminuição do tempo de descanso com a
presença de EA, ainda que diferenças significativas apenas tenham sido obtidas nas
águias-cobreiras. Em geral, as técnicas de enriquecimento alimentar foram mais
eficazes do que as técnicas de enriquecimento sensorial. Contudo, apenas 2 técnicas
se apresentaram como potencialmente mais eficazes para o propósito pretendido.
Tendo em conta os resultados obtidos, e com vista à generalização dos resultados a
outros animais em cativeiro, a aplicação de 8 técnicas de enriquecimento é
desaconselhada (devido à sua pouca eficácia) enquanto que as restantes técnicas
testadas (aquelas que se mostraram mais promissoras), devem ser testadas,
futuramente, preferencialmente em grupos maiores de aves que, ao contrário daquelas
presentes no Parque, não apresentem historiais clínicos capazes de potencialmente
influenciar a diversidade das respostas comportamentais.
vi
Abstract
Currently, there are still several causes that threaten the maintenance of
biodiversity, forcing, not infrequently, and with the objective of its conservation, the
need to maintain species far from their natural habitat. Keeping animals in captivity
implies, however, the provision of conditions that ensure their welfare. Animal welfare
is often guaranteed using a set of processes called “Environmental Enrichment” (EE).
Interestingly, considering their relevance in the functioning of ecosystems and broad
recognition in our societies, there is still a lack of information on best EE practices for
diurnal birds of prey.
In this internship, carried out in Parque Biológico de Gaia, four species of
diurnal birds of prey were studied under captive conditions: short-toed eagle (Circaetus
gallicus), griffon vulture (Gyps fulvus), buzzard (Buteo buteo) and booted eagle
(Hieraaetus pennatus). For them, ethograms were elaborated and different EE
techniques were developed, distributed by three categories: physical, food and
sensorial EE. The main objective with the application of EE was to decrease the
downtime of the species studied. The work was divided into three main phases: 1)
construction of ethograms and recognition of behaviours presented by individuals; 2)
observation and recording of the behaviour of individuals without any type of
intervention (no enrichment period), for 2 weeks, followed by the application of the
different enrichment techniques, for another 2 weeks; 3) data analysis.
After the study, the behavioural repertoires of the four species increased. All
species decreased the resting time with the presence of EE, although significant
differences were only obtained in short-toed eagles. In general, food enrichment
techniques were more effective than sensory enrichment techniques. However, only 2
techniques were potentially more effective for the initially proposed goal. Taking our
results into account, aiming at generalizing our results to other animals in captivity, the
application of 8 enrichment techniques is not recommended (due to their low
effectiveness) while the remaining techniques tested (those that proved to be more
promising), should be tested in the future, preferably in larger groups of birds that,
unlike those present in the Parque Biológico de Gaia, do not have clinical histories
capable of potentially influencing the diversity of behavioural responses.
Índice
1. Enquadramento ..................................................................................................... 1
2. Introdução.............................................................................................................. 2
3. Metodologia ........................................................................................................... 9
6. Conclusão............................................................................................................ 72
8. Anexos ................................................................................................................ 83
x
Índice de figuras
Figura 1 – Exemplar de águia-cobreira (Circaetus gallicus). ....................................... 10
Figura 2 - População de grifos (Gyps fulvus) do PBG. ................................................ 13
Figura 3 - Exemplar de búteo (Buteo buteo) ............................................................... 17
Figura 4 - Exemplar de águia-calçada (Hieraaetus pennatus)..................................... 20
Figura 5 - Cepo ........................................................................................................... 32
Figura 6 – Indivíduo a interagir com o monte de pedras ............................................. 32
Figura 7 - Pintos escondidos em ramos de pinheiro-bravo ......................................... 33
Figura 8 - Carne picada dentro de casca de banana .................................................. 34
Figura 9 - Alimento embrulhado em folhas de couve .................................................. 35
Figura 10 - Fardo de feno no habitat das águias-cobreiras ......................................... 36
Figura 11 - Blocos de sangue congelado .................................................................... 36
Figura 12 - Cepos e troncos agrupados ...................................................................... 38
Figura 13 - Alimento em blocos de gelo ...................................................................... 39
Figura 14 - Carne de gamo dentro de abóboras ......................................................... 39
Figura 15 - Pernas de cabra-anã ................................................................................ 40
Figura 16 – Perna de cabra-anã pendurada por corda de sisal................................... 41
Figura 17 - Couves num cepo do habitat dos grifos .................................................... 42
Figura 18 - Ramos de árvores que funcionam como poleiros naturais ........................ 43
Figura 19 - Búteo em contacto com o tronco concavo ................................................ 44
Figura 20 - Búteo a interagir com o espécime de ligustro (à esquerda) e exemplar de
ligustro (à direita) ........................................................................................................ 44
Figura 21 - Rocha ....................................................................................................... 45
Figura 22 - Laranja com pintos no interior ................................................................... 45
Figura 23 - Carne picada em pinha ............................................................................. 46
Figura 24 - Espelho junto ao cercado do búteo ........................................................... 47
Figura 25 - Couves com penas espetadas .................................................................. 47
Figura 26 - Espécimes de sabugueiro (à esquerda) e ligustro (no centro e à direita) no
recinto das águias-calçadas........................................................................................ 48
Figura 27 - Árvore no recinto das águias-calçadas ..................................................... 49
Figura 28 - Blocos de sangue congelado no habitat das águias-calçadas .................. 50
Figura 29 - Frequência média de ocorrência de comportamentos da população de C.
gallicus nas fases Sem enriquecimento e Com enriquecimento.................................. 52
Figura 30 - Frequência média de ocorrência de comportamentos da população de G.
fulvus nas fases Sem enriquecimento e Com enriquecimento .................................... 56
Figura 31 - Frequência média de ocorrência de comportamentos de B. buteo nas fases
xi
Índice de tabelas
Tabela 1 – Águias-cobreiras: Caraterísticas dos indivíduos. ....................................... 12
Tabela 2 - Grifos: Caraterísticas dos indivíduos. ......................................................... 16
Tabela 3 - Búteo: Caraterísticas do indivíduo ............................................................. 19
Tabela 4 – Águias-calçadas: Caraterísticas dos indivíduos......................................... 22
Tabela 5 - Etograma Circaetus gallicus (Águia-cobreira) ............................................ 24
Tabela 6 - Etograma Buteo buteo (Búteo)................................................................... 25
Tabela 7 - Etograma Hieraaetus pennatus (Águia-calçada) ........................................ 26
Tabela 8 - Etograma Gyps fulvus (Grifo) ..................................................................... 27
Tabela 9 - Calendarização de aplicação dos enriquecimentos nas águias-cobreiras. . 37
Tabela 10 - Calendarização de aplicação dos enriquecimentos nos grifos. ............... 42
Tabela 11 - Calendarização de aplicação dos enriquecimentos no búteo. .................. 48
Tabela 12 - Calendarização de aplicação dos enriquecimentos nas águias-calçadas. 50
Tabela 13 - Valores de descanso da população de águias-cobreiras. ........................ 53
Tabela 14 - Resumo dos resultados dos enriquecimentos para C. gallicus................. 55
Tabela 15 - Valores de descanso da população dos grifos. ........................................ 56
Tabela 16 - Resumo dos resultados dos enriquecimentos para G. fulvus ................... 58
Tabela 17 - Valores de descanso do búteo. ................................................................ 60
Tabela 18 - Resumo dos resultados dos enriquecimentos para B. buteo .................... 62
Tabela 19 - Valores de descanso da população de águias-calçadas. ......................... 64
Tabela 20 - Resumo dos resultados dos enriquecimentos para H. pennatus .............. 65
xiii
Lista de abreviaturas
AZA Association of Zoos and Aquariums
CERAS Centro de Estudos e Recuperação de Animais Selvagens
DENR Department of Environment and Natural Resources
EA Enriquecimento Ambiental
EAA Enriquecimento Ambiental Alimentar
EAS Enriquecimento Ambiental Sensorial
EAZA European Association of Zoos and Aquariums
IUCN International Union for Conservation of Nature
LPN Liga para a Proteção da Natureza
LC Least Concern
MVBIO Museu Virtual da Biodiversidade
NT Near Threatened
PBG Parque Biológico de Gaia
PNP Gerês Parque Nacional Peneda-Gerês
RIAS Centro de Recuperação e Investigação de Animais Selvagens
WAZA World Association of Zoos and Aquariums
WWF World Wildlife Fund
FCUP 1
Enriquecimento Ambiental em Aves de Rapina Diurnas
1. Enquadramento
O presente documento consiste no relatório de estágio elaborado para a
obtenção do grau de Mestre em Ecologia e Ambiente, pela Faculdade de Ciências da
Universidade do Porto. A proposta de estágio, disponibilizada pela Câmara Municipal
de Gaia, consoante o pedido do Engenheiro Hugo Oliveira, responsável técnico pelo
Setor Veterinário e Zootécnico do Parque Biológico de Gaia (PBG), consistiu no
“Desenvolvimento de Enriquecimento Ambiental para Aves de Rapina Diurnas”. O
estágio decorreu, por isso, no PBG, entre outubro de 2021 e maio de 2022, sob a
supervisão/orientação do Eng. Hugo Oliveira e orientação científica do Professor Nuno
Monteiro.
Consoante o acordado e pré-estabelecido pela empresa acolhedora do estágio,
ficaram definidos os seguintes objetivos principais, a serem cumpridos ao longo do
período do mesmo:
• Criação de um etograma para cada uma das quatro espécies: águia-calçada
(Hieraaetus pennatus), águia-cobreira (Circaetus gallicus), búteo (Buteo buteo)
e grifo (Gyps fulvus).
• Desenvolvimento de técnicas de enriquecimento ambiental para cada uma das
espécies, de forma a reduzir o tempo de inatividade.
• Verificação e avaliação do efeito de cada uma dessas técnicas, em cada
espécie.
Este relatório teve como principal objetivo a apresentação de todo o trabalho
desenvolvido no Parque, onde foi possível aplicar, de forma prática, em várias
atividades desempenhadas, conhecimentos adquiridos ao longo do curso. Desde a
criação de técnicas de enriquecimento ambiental para aves de rapina diurnas em
cativeiro, avaliando posteriormente a eficácia de cada técnica de enriquecimento
consoante o objetivo do mesmo (diminuição do tempo de descanso), ao desempenho
de outras tarefas no Parque Biológico, a “Ecologia” esteve sempre presente.
FCUP 2
Enriquecimento Ambiental em Aves de Rapina Diurnas
2. Introdução
Atualmente, inúmeras causas, como desflorestação, poluição, caça, tráfico de
animais, aquecimento global ou incêndios, destabilizam e prejudicam os ecossistemas,
pondo em risco a manutenção da biodiversidade. Segundo Barnosky et al. (2011),
devido a estas ameaças ambientais, causadas maioritariamente por ações antrópicas,
a extinção de espécies ocorre a uma velocidade extrema. Muitas vezes as populações
de certas espécies animais são fortemente reduzidas, comprometendo a sua
sustentabilidade e resultando em extinções, não sendo suficientes os esforços de
conservação in situ (conservação no local de origem da espécie (EAZA, 2013)). Assim,
surgiu a necessidade da conservação ex situ, que, segundo a EAZA (2013), consiste
na manutenção e gestão de populações saudáveis de animais em cativeiro, fora do
seu habitat natural, por um longo período. A conservação ex situ ajuda a garantir a
viabilidade da existência da espécie, contribuindo para a manutenção da variabilidade
genética da mesma, acabando por funcionar como um stock biológico (WAZA, 2005;
EAZA, 2013). Este tipo de estratégia pode complementar, ou mesmo substituir,
estratégias de conservação in situ (WAZA, 2005; Primack, 2006).
No entanto, a manutenção de animais em cativeiro implica a provisão de
necessidades específicas. Mellor et al. (2015), referem que o fornecimento de
necessidades fisiológicas (abrigo, água-potável e condições sanitárias), de cuidados
veterinários e de segurança representam apenas uma parte dos requisitos
fundamentais para a sobrevivência do animal. Para além do cumprimento das
necessidades “básicas” e obrigatórias, no dever ético, todas as instituições que
mantêm animais em condições de cativeiro, como parques zoológicos, quintas de
produção animal ou órgãos ambientais, têm de suprir as necessidades sociais, a
estimulação mental e oferecer a possibilidade de escolha, tendo sempre como foco o
bem-estar animal (Mellor et al., 2015; Garcia, 2021; Azevedo, 2022).
O bem-estar animal traduz-se no estado físico e mental, que se modifica a
partir de experiências positivas e negativas em relação ao seu ambiente, nutrição,
saúde, comportamento e interações inter e intraespecíficas (Mellor, 2016). O conceito
de bem-estar também é conhecido como modelo dos cinco domínios, desenvolvido
por Mellor (2016), que se divide em quatro domínios físicos/funcionais (nutrição,
ambiente, saúde e comportamento) e um domínio mental, em que quantas mais
experiências positivas o animal contar em cada um desses domínios, maior será o
nível de bem-estar (Azevedo, 2022).
Em estado selvagem, os animais deparam-se com desafios constantes como a
procura de alimento, a busca e competição por parceiros sexuais, a fuga a predadores
FCUP 3
Enriquecimento Ambiental em Aves de Rapina Diurnas
muitas das vezes, este é fornecido sempre nos mesmos locais e pronto a ingerir,
criando-se uma rotina. Isto leva a que por vezes surja a “antecipação pré-
alimentação”, uma das principais causas para o desenvolvimento de comportamentos
estereotipados (Hosey et al, 2013; Loureiro, 2013). O enriquecimento alimentar
procura combater essa rotina e facilidade de acesso ao alimento, baseando-se na
alteração dos períodos de alimentação e na introdução de algum grau de dificuldade
de obtenção dos itens alimentares, promovendo a caça e a procura de alimento
(Hosey et al, 2013). Isto faz com que os animais invistam um maior período na procura
do alimento e na alimentação, mantendo-os ocupados mais tempo do seu dia (EAZA,
2013). Recorrendo ao enriquecimento alimentar, há uma diminuição da frequência de
comportamentos estereotipados, com consequente aumento de comportamentos
naturais para obtenção de alimento, tal como se verificaria em estado selvagem
(Wagman, 2015). Quando o animal assume um comportamento de procura e
exploração do habitat em busca de recursos alimentares, estamos perante um dos
indicadores de bem-estar do mesmo (Garcia, 2021). Este tipo de enriquecimento é
considerado o mais importante e o mais frequentemente utilizado, devido à sua fácil
aplicação e à sua eficácia quase imediata (Hoy et al., 2010; Hosey et al, 2013).
O enriquecimento cognitivo é um enriquecimento que desafia o animal a
resolver um problema para obter algum tipo de alimento ou outra recompensa (Young,
2003; Clark, 2017). A maior parte das técnicas de enriquecimento que se enquadram
nesta categoria necessitam de ser reforçadas com alimento ou treino, pois como há
um grande investimento de tempo para resolver o enriquecimento cognitivo, é
necessário algo para motivar o animal a fazê-lo (Clark, 2017).
O enriquecimento físico está relacionado com a estrutura física do recinto e
com os elementos que pretendem recriar o habitat natural da espécie. Mais importante
do que o espaço disponível, é a qualidade e os componentes do espaço. Diferentes
tipos de substratos, locais de descanso e de refúgio, vegetação, estruturas para
escalar (como troncos, rochas, cordas ou plataformas) e outro tipo de materiais que
permaneçam no recinto a longo-prazo fazem parte do enriquecimento físico, tornando
o habitat mais complexo (Cirpeste et al. 2021).
Com enriquecimento sensorial procura-se estimular os cinco sentidos dos
animais (Young, 2003). O olfato, a audição e a visão são bastante utilizados e
importantes no mundo animal para a comunicação intra e interespecífica, para a
identificação de outros animais, para encontrarem alimento ou para detetarem
ameaças (como o fogo ou o humano, por exemplo) (Wells, 2009; EAZA, 2015). Em
estado selvagem, os animais deparam-se constantemente com novos estímulos para
os sentidos. Como, em cativeiro, os animais encontram-se num ambiente controlado, o
FCUP 6
Enriquecimento Ambiental em Aves de Rapina Diurnas
número de novos estímulos é mais reduzido, tornando-se necessário o uso deste tipo
de enriquecimento para responder à falta dos mesmos. Assim, é possível fornecer:
estímulos olfativos (odores de alimentos, de presas ou predadores ou de indivíduos da
mesma espécie através de fezes ou pelo e de plantas), estímulos auditivos (música,
sons ou vocalizações de animais da mesma ou de outras espécies), estímulos visuais
(espelho, imagens ou objetos móveis), estímulos táteis (itens diferentes para o animal
manipular) e estímulos gustativos (sabores diferentes daqueles a que o animal está
acostumado) (Wells, 2009; Cirpeste, 2021).
O enriquecimento social consiste na promoção de interações intra ou
interespecíficas que podem ser fomentadas dentro de um habitat, juntando elementos
da mesma ou de outras espécies que, em estado selvagem, possam estar
naturalmente associados (Hosey et al., 2013). Este tipo de enriquecimento ambiental é
particularmente importante para espécies que vivem em grupos, podendo também ser
benéfico para espécies que são naturalmente solitárias, desde que tomadas as
necessárias precauções, (“apresentando-os” adequadamente, de forma a garantir o
futuro sucesso da junção de vários indivíduos, no mesmo espaço) (Garcia, 2021).
Nos últimos 50 anos, o uso de diferentes tipos de EA tem vindo a aumentar e a
tornar-se numa prática padrão, devido aos potenciais benefícios. Assim, começou-se a
investigar, empiricamente e cientificamente, a eficácia das práticas de enriquecimento
em prol do aumento do conhecimento relacionado com a ciência do bem-estar animal
(Young, 2003; Slater & Hauber, 2017). Para a avaliação da eficácia dessas práticas,
os estudos requerem o recurso à análise do comportamento animal (etologia), obtendo
dados sobre a eficácia de cada enriquecimento aplicado. Nos últimos anos, houve um
aumento exponencial de publicações de artigos sobre enriquecimento, o que indica
que é um campo de estudo em crescimento (de Azevedo et al., 2007).
Em inúmeras espécies de animais frequentemente encontrados em cativeiro, o
uso de EA (de diferentes categorias, consoante os trabalhos) foi capaz de aumentar os
niveis de atividade [e.g., leões (Panthera leo) (Powell, 1995), jaguares (Panthera onca)
(Boccacino, et al., 2018), pinguins-de-Humboldt (Spheniscus humboldti) (Fernandez et
al., 2021; Razal & Miller, 2021), araras-azuis-e-amarelas (Ara ararauna) (James et al.,
2021) e pecaris-de-colar (Dicotyles tajacu) (de Faria et al., 2022)], aumentar o tempo
despendido em comportamentos exploratórios [e.g., lobos-guará (Chrysocyon
brachyurus) (Cummings, et al, 2007), jaguares (Boccacino, et al., 2018) e pecaris-de-
colar (de Faria et al., 2022)], aumentar o tempo despendido em comportamentos
relacionados com a alimentação [e.g., lobos-ibéricos (Canis lupus signatus) (Loureiro,
2013), jaguares (Boccacino, et al., 2018), leões-asiáticos (Panthera leo persica) (Finch
et al., 2020), araras-azuis-e-amarelas (James et al., 2021)], aumentar o reportório
FCUP 7
Enriquecimento Ambiental em Aves de Rapina Diurnas
realizam algum tipo de migração anual sazonal motivada principalmente pela variação
na oferta de alimento (Ferguson-Lees & Christie, 2001; Bildstein, 2006).
Geralmente, as rapinas diurnas posicionam-se nos níveis tróficos mais
elevados das cadeias alimentares, sendo consideradas predadores de topo. Todas as
espécies são carnívoras, predando desde mamíferos, aves, peixes e também alguns
invertebrados (White et al., 1994).
Para que o EA seja eficaz junto das aves de rapina, é necessário o
desenvolvimento de estudos dedicados a este grupo, pois o estabelecimento de
diretrizes de implementação de EA com base em trabalhos realizados com outros
grupos animais poderá levar a resultados subótimos. Então, o propósito do presente
trabalho no Parque Biológico de Gaia foi o desenvolvimento de um estudo preliminar
que pretendeu responder à falta de informação sobre EA com aves de rapina diurnas,
testando técnicas que, não interferindo negativamente com o bem-estar, possam ser
eficazes para a redução do tempo de descanso.
FCUP 9
Enriquecimento Ambiental em Aves de Rapina Diurnas
3. Metodologia
3.1. Local de estudo: Parque Biológico de Gaia
Criado pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia em 1983, o Parque
Biológico de Gaia é considerado o primeiro centro permanente de Educação Ambiental
do país. Tendo aberto inicialmente com apenas 2 hectares, atualmente este abrange
uma área agroflorestal de 35 hectares e situa-se no Vale do Rio Febros, um afluente
da margem esquerda do Rio Douro (Município de Gaia, 2018).
Reconhecido como uma pequena reserva natural de fauna e flora ibérica, o
Parque Biológico de Gaia acolhe cerca de 700 espécies de fauna (dados de dezembro
de 2009), encontradas em cativeiro e estado selvagem, sendo algumas delas
endémicas da região como o ruivaco (Achondrostoma oligolepis) e a salamandra-
lusitânica (Chioglossa lusitanica). Quase todos os animais que se encontram em
cativeiro são irrecuperáveis, não podendo ser devolvidos à natureza, sendo que os
restantes foram adquiridos de outros parques, onde já nasceram em cativeiro. Ainda,
cerca de 40 espécies de aves selvagens nidificam no Parque e outras apenas o usam
como local de paragem durante as migrações (Município de Gaia, 2018).
Estas espécies animais distribuem-se pelos quatro grandes habitats presentes
no PBG: florestas de folhosas, campos agrícolas, vegetação ripícola e matos. No
entanto, a vegetação atual do Parque é dominada por bosques de carvalho-alvarinho
(Quercus robur). Este tem um viveiro que produz anualmente milhares de plantas, de
mais de 300 espécies, destinadas ao próprio Parque e aos espaços verdes públicos
distribuídos pelo concelho de Vila Nova de Gaia.
Ao longo de um percurso de, aproximadamente, três quilómetros (Anexo 1),
que atravessa o Parque, são integrados os habitats com os animais em cativeiro,
exposições, casas rurais, moinhos e lagos, sempre acompanhados de informações
sobre variados temas, tendo como objetivo principal a educação ambiental. Estas
informações pretendem fazer com que os visitantes compreendam a paisagem da
região, incluindo todos os seus componentes (flora, fauna, clima, arquitetura rural,
usos e costumes, hidrografia, etc.) e o contraste entre essa paisagem agroflorestal,
que se preserva no Parque, e a envolvente urbana (Turismo de Portugal, 2013).
No Parque, existe ainda um Centro de Recuperação Animal, que tem como
objetivo recuperar animais que são encontrados feridos na natureza. A ele também
são entregues animais que se encontram ilegalmente em cativeiro ou em apreensões
de tráfico animal. Outras infraestruturas que compõem o PBG são um centro de
acolhimento de visitantes, uma hospedaria, um parque de autocaravanas, um
auditório, salas de formação, um bar/restaurante e um parque de merendas (C. M.
FCUP 10
Enriquecimento Ambiental em Aves de Rapina Diurnas
Gaia, 2022).
Distribuição:
Com distribuição predominante Paleártica, C. gallicus ocorre desde o Sudoeste
e Centro da Europa, Noroeste de África, Médio-Oriente e India (del Hoyo et al., 1994;
Sacchi et al., 2004). Em Portugal, distribui-se de Norte a Sul do país, embora, de uma
forma geral, seja mais comum na zona do Alentejo e em regiões interiores. É uma
espécie estival, que permanece no país entre os meses de março a outubro (Martins
et al., 2016; Elias, 2020; MVBIO, 2022).
Habitat:
C. gallicus habita numa grande variedade de biomas, preferencialmente com
temperaturas quentes e ocorre maioritariamente em florestas, campos e matagais
arborizados (Martins et al., 2016; IUCN, 2022d). Mesmo habitando em zonas bastante
florestadas, necessitam de áreas abertas onde praticam a caça (Cabral et al., 2005).
Alimentação:
As principais fontes de alimento são répteis, nomeadamente cobras, que
podem compor 95% da sua dieta (Gil & Pleguezuelos, 2001). Procuram alimento em
áreas de campo aberto e quando o fazem, costumam voar ou pairar entre 15 e 30
metros acima do solo ou usam poleiros. Quando localizam a presa, mergulham em
direção ao solo verificando a posição exata da presa e, em seguida, agarram-na (del
Hoyo et al., 1994; Martin & Katzir, 1999; Martins et al., 2016).
Reprodução:
A águia-cobreira nidifica na Europa, Norte de África, Ásia Central e India
(Martin & Katzir, 1999). Reproduz-se maioritariamente em campos aberto e áridos ou
em áreas arborizadas dispersas (Svensson, 2017) e constroem os ninhos em zonas
baixas das árvores (del Hoyo et al., 1994; Martins et al., 2016).
Peso Data de
Local de
Sexo Idade (última chegada Lesões
origem
pesagem) ao PBG
Águia-
cobreira 1, 65 kg
♂ Adulto 31/07/2009 X - Anisocoria
(Circaetus (2009)
gallicus) 1
Águia-
- Amputação
cobreira 1,75 kg Castelo
♀ Adulto 18/10/2010 da asa
(Circaetus (2017) Branco
esquerda
gallicus) 2
Águia- RIAS
cobreira 2,05 kg (proveniente
♀ Adulto 18/11/2010 Nenhuma
(Circaetus (2010) de cativeiro
gallicus) 3 ilegal)
Águia- - Amputação
cobreira 1,55 kg da asa direita
? Adulto 29/07/2013 X
(Circaetus (2013) ao nível do
gallicus) 4 úmero
Águia-
cobreira 1,65 kg
? Adulto 20/09/2016 X Nenhuma
(Circaetus (2017)
gallicus) 5
FCUP 13
Enriquecimento Ambiental em Aves de Rapina Diurnas
encontram em descanso, assumem uma postura em que reduzem a área exposta sem
penas (pescoço e pernas) de 32% para 7%, conseguindo economizar energia e
manter a temperatura corporal (Bahat & Kaplan, 1995). Procuram alimento em
conjunto e reproduzem-se em colónias, de 10 a 20 casais, junto de penhascos
(Svensson, 2017), sendo uma espécie bastante mais social em comparação a outras
espécies de abutres e de aves de rapina diurnas (Vulture Conservation Foundation,
2022).
Tal como outros abutres, os grifos desempenham um papel fundamental na
manutenção e funcionamento de um ecossistema, prevenindo a transmissão de
doenças infeciosas ao consumir as carcaças em pouco tempo, regulando o número de
carcaças e dispersando nutrientes pelo solo. Estes serviços de ecossistema mantêm
os ecossistemas estáveis e protegem a saúde humana e os meios de subsistência
(Markes, 2017; Pirastru, et al., 2021).
Segundo o BirdLife International (2021c), a nível global, é uma espécie com um
estatuto de conservação Pouco Preocupante (LC) e que tem vindo a aumentar a sua
população nos últimos anos (IUCN, 2022c). Estima-se que, no mundo, existam entre
69 mil e 89 mil indivíduos (BirdLife International, 2021c). A nível nacional, G. fulvus
tem um estatuto de Quase Ameaçado (NT) (Cabral et al, 2005).
Distribuição:
Esta espécie é residente na Europa, incluindo Portugal, embora tenha algumas
pequenas populações que migram para África, Península Arábica e India, após o
período reprodutor (del Hoyo et al., 1994). Preferem zonas de elevada altitude, já
tendo sido avistados a mais de 10 mil metros de altura (Cabral et al., 2005; Orta, et al.,
2015; IUCN, 2022c).
Habitat:
O grifo habita uma grande variedade de habitats, incluindo matagais,
pastagens e zonas rochosas e montanhosas. Normalmente, descansam em falésias
em elevadas altitudes, onde encontram correntes de ar quente que usam para ajudar a
levantar o seu corpo pesado e planarem sobre terrenos abertos, minimizando os
gastos de energia durante o voo ((del Hoyo, et al., 1994).
Alimentação:
O grifo é uma ave necrófaga, alimentando-se principalmente dos tecidos mais
macios das carcaças de animais mortos, como os músculos e as vísceras. O seu
longo e depenado pescoço permite-lhe entrar dentro das carcaças para obter alimento,
sem sujar as suas penas e sem ficar preso dentro do esqueleto.
FCUP 15
Enriquecimento Ambiental em Aves de Rapina Diurnas
Reprodução:
Gyps fulvus é uma espécie geralmente monogâmica que atinge a maturidade
sexual aos cinco anos de idade. Apresenta uma área de nidificação alargada na
Europa (Cabral et al., 2005). Fazem ninho em regiões montanhosas e saliências de
escarpas, sendo raro nidificarem em árvores (Svensson, 2017). As posturas são de 1
a 2 ovos, sendo eles incubados durante 56 dias (Global Raptor Information Network,
2016). Após o nascimento das crias, os progenitores alimentam-nas por regurgitação e
elas efetuam o primeiro voo aos 4 meses de vida (Badoca, 2022).
Tabela 2 - Grifos: Caraterísticas dos indivíduos. Legenda: ♂ - Macho; ♀ - Fêmea; X - Não há informação
Peso Data de
Local de
Sexo Idade (última chegada Lesões
origem
pesagem) ao PBG
Grifo
9,5 kg
(Gyps ♀ Adulto 07/07/2002 X Nenhuma
(2016)
fulvus) 1
Grifo
8,5 kg
(Gyps ♀ Adulto 19/11/1997 X Nenhuma
(2016)
fulvus) 2
Grifo
9,5 kg
(Gyps ♀ Adulto 18/07/1998 X Nenhuma
(2016)
fulvus) 3
- Asa
Grifo esquerda com
8,6 kg
(Gyps ♀ Adulto 09/12/2008 X alteração da
(2016)
fulvus) 4 articulação
úmero/cubital
Grifo - Fratura no
8,45 kg
(Gyps ♀ Adulto 09/12/2008 X ombro
(2016)
fulvus) 5 esquerdo
Grifo - Fratura no
7,36 kg PNP
(Gyps ♀ Adulto 11/09/2015 rádio/cúbito
(2016) Gerês
fulvus) 6 direito
Grifo - Luxação da
6,99 kg
(Gyps ♂ 6 anos 25/07/2019 CERAS articulação do
(2019)
fulvus) 7 cotovelo direito
Distribuição:
O búteo tem uma área de distribuição bastante alargada, sendo a rapina mais
numerosa da Europa (Svensson, 2017). É possível encontrar, em abundância,
populações residentes na Europa e na Ásia, e populações migratórias em certos
países do continente africano (BirdLife International, 2021a). É uma das aves de
rapina mais comuns em Portugal e apesar de se distribuir praticamente por todo o
país, é particularmente abundante no Alto Alentejo e no Ribatejo (Catry, et al., 2010).
Habitat:
FCUP 18
Enriquecimento Ambiental em Aves de Rapina Diurnas
De acordo com a sua vasta área de distribuição, o búteo ocupa uma grande
variedade de habitats, desde montanhas, planícies e áreas urbanas, embora necessite
de condições específicas para nidificar (Pinheiro, 2013). Prefere habitats de borda das
florestas onde encontra cobertura vegetal e poleiros para nidificar, e áreas abertas
para caçar, satisfazendo assim as necessidades de nidificação e alimentação (del
Hoyo et al., 1994; Nemcek, 2013).
Alimentação:
Esta espécie é classificada como carnívora, com uma dieta à base de
pequenos mamíferos. No entanto, esta pode ser complementada com répteis, aves e
invertebrados (Nemcek, 2013; Svensson, 2017). Tal como H. pennatus, B. buteo é
considerado um predador generalista pois apresenta uma dieta bastante variada e
não-especializada que reflete as variações sazonais e locais das populações de
presas (Zuberogoitia et al., 2006).
Reprodução:
B. buteo alcança a maturidade sexual entre os 2 e os 3 anos de idade. Inicia a
sua época de reprodução entre março e abril, nidificando em terrenos arborizados ou
povoamentos florestais mistos, construindo ninho nas bifurcações de ramos em
grandes árvores. A sua época de reprodução pode-se estender até julho. As posturas
são de 3 a 4 ovos, sendo que o período de incubação dura cerca de 40 dias. Os
cuidados parentais são partilhados entre o macho e a fêmea e o macho também
participa na incubação dos ovos (apesar que por menor período). Após a eclosão dos
ovos, as crias demoram, aproximadamente, cerca de 1 mês e meio a realizar o
primeiro voo (del Hoyo et al., 1994; Catry, et al., 2010).
Peso Data de
Local de
Sexo Idade (última chegada Lesões
origem
pesagem) ao PBG
Búteo
14
(Buteo ? X ? Cativeiro Nenhuma
anos
buteo) 1
Distribuição:
A águia-calçada é, principalmente, migratória. Esta ave de rapina passa o
inverno na África Austral e regressa aos seus locais de nidificação (a Península
Ibérica, o sul da Europa e o este da Ásia) entre março e abril (Orta & Boesman, 2013).
Em Portugal, é uma espécie nidificante estival e ocorre maioritariamente nas regiões
de Trás-os-Montes, Beira interior e Alentejo (Martins, et al., 2016).
Habitat:
Apesar de ser encontrada em charnecas e estuários, habita principalmente em
zonas florestais de mata aberta onde repousa, dorme e nidifica. Embora seja uma
espécie tipicamente florestal, é encontrada também em terrenos de cobertura vegetal
escassa onde caça habitualmente (Iribarren & Rodríguez-Arbeloa, 1988; Cabral et al.,
2005; Martínez, et al., 2007). Na Península Ibérica ocorre desde os povoamentos de
resinosas das zonas montanhosas, a galerias ribeirinhas, e montados de sobro e
azinho que são o seu habitat preferencial nesta região (Rufino, 1989).
Alimentação:
H. pennatus é considerada uma espécie carnívora, como todas as aves de
rapina diurnas, e que caça sozinha ou em pares (Cramp, 1980). A componente mais
FCUP 21
Enriquecimento Ambiental em Aves de Rapina Diurnas
importante da sua dieta são as aves de pequeno e médio porte, embora também se
alimente de pequenos mamíferos e répteis (Cramp, 1980; Martínez, et al., 2007).
Reprodução:
Quando regressa aos locais de nidificação, H. pennatus inicia as primeiras
posturas no mês de abril, que se podem prolongar até junho. Os ninhos são
construídos em árvores e são feitos de galhos e folhas secas, costumando ser
reutilizados a cada ano (Cramp, 1980; Orta & Boesman, 2013). É realizada apenas
uma postura anual, composta por 2 ovos, em que estes são incubados durante 30 a
40 dias. Após a eclosão dos ovos, as crias realizam o primeiro voo a partir dos 50 dias
de vida. A águia-calçada é uma espécie monogâmica, de duração sazonal, e ambos
os progenitores cuidam das crias (Iribarren & Rodríguez-Arbeloa, 1988).
Peso Data de
Local de
Sexo Idade (última chegada Lesões
origem
pesagem) ao PBG
- Fratura no
cúbito direito
ao nível
Águia- articular;
calçada Quiaios - Luxação no
950 g
(Hieraaetus ♀ Adulto 08/11/2010 (Figueira cotovelo
(2010)
pennatus) da Foz) direito;
1 - Presença de
chumbos nas
asas e no
abdómen.
- Hifema
bilateral mais
pronunciado
no olho
Águia-
esquerdo;
calçada
720 g - Fratura distal
(Hieraaetus ♀ Adulto 18/07/2018 X
(2018) do rádio
pennatus)
esquerdo;
2
- Chumbo ao
nível do
tibiotarso
direito.
espécies Circaetus gallicus e Gyps fulvus. Foi definido um desenho experimental, com
base em Plowman & Park (2009), de 1 semana de observação sem enriquecimento, 2
semanas com enriquecimento e mais 1 semana sem enriquecimento, ficando com um
total de registos de 10 dias sem enriquecimento e 10 dias com enriquecimento, para
cada uma das espécies.
As observações foram feitas entre o dia 17 de janeiro de 2022 e o dia 11 de
fevereiro de 2022, de segunda a sexta-feira. Para Circaetus gallicus, as observações
da manhã tiveram início entre as 9h45min e as 10h15min e as da tarde entre as
14h15min e as 14h30min. Em G. fulvus, as observações tiveram lugar após as
observações junto de C. gallicus, começando da parte da manhã entre as 11h e as
12h e da parte da tarde entre as 15h30min e as 15h45min. A realização das
observações nestes períodos permitiu avaliar dois momentos diferentes do dia: a
alimentação e o descanso. Os enriquecimentos foram aplicados sempre no período da
manhã, começando a observação após a introdução dos mesmos no recinto e foram
recolhidos no final do período da observação da tarde.
Um mês depois do término das observações das águias-cobreiras e dos grifos,
a experiência foi repetida, entre o dia 7 de março de 2022 e o dia 1 de abril de 2022,
para as espécies Buteo buteo e Hieraaetus pennatus. A única alteração ao protocolo
experimental foi a realização de duas semanas seguidas sem enriquecimento e duas
semanas com enriquecimento.
Figura 5 – Cepo
• Alimento em casca de banana (Figura 8) – esta técnica foi escolhida para ser
utilizada para os dias de alimentação com carne picada. Como as águias
caçam com as garras, quando a carne picada é colocada nos cepos, elas
tentam agarrá-la, mas com pouco sucesso pois esta passa-lhes entre os dedos
e não conseguem transportá-la sem que esta se vá perdendo pelo recinto.
Para combater isso, de forma a facilitar o maneio, o transporte da carne e
evitar o desperdício da carne que fica dispersada pelo habitat, insere-se a
carne picada dentro de uma casca de banana. Baseando-me no seu principal
FCUP 34
Enriquecimento Ambiental em Aves de Rapina Diurnas
Para o grupo da espécie Gyps fulvus apenas foi feita uma alteração dentro do
habitat. Por se tratar de uma espécie de maiores dimensões e, consequentemente,
com um habitat com uma área bem superior comparativamente à das outras rapinas, o
enriquecimento físico para esta não foi tão fácil de colocar. Com a ideia de se formar
um novo monte rochoso (para além do já existente no espaço), mas sem meios para o
fazer, decidiu-se juntar alguns troncos para tentar criar algo semelhante (Figura 12).
Tive como objetivo criar mais um local de repouso, porque no monte rochoso apenas
foram vistos, no máximo, 4 grifos em simultâneo, pois este não oferecia espaço
suficiente para mais. Daí, a criação de um novo local semelhante iria permitir a
distribuição dos 7 indivíduos de G. fulvus entre esses dois pontos.
FCUP 38
Enriquecimento Ambiental em Aves de Rapina Diurnas
• Grande pedaço de carne com pelo ou penas (Figura 15) – fornecer um animal
morto ou uma parte do mesmo é uma boa forma de manter os grifos ocupados
a trabalhar o seu alimento, extraindo os órgãos e os tecidos mais macios dos
ossos e da pele, tal como fariam em estado selvagem (Potaufeu, 2014). Para
além disso, o alimento com penas ou pelos também representa uma importante
fonte de proteína e ajuda à limpeza do papo (Soni, 2017).
Tabela 10 - Calendarização de aplicação dos enriquecimentos nos grifos. Legenda: EA - Enriquecimento Ambiental;
EAA - Enriquecimento Ambiental Alimentar; EAS - Enriquecimento Ambiental Sensorial
FCUP 43
Enriquecimento Ambiental em Aves de Rapina Diurnas
Figura 20 - Búteo a interagir com o espécime de ligustro (à esquerda) e exemplar de ligustro (à direita)
FCUP 45
Enriquecimento Ambiental em Aves de Rapina Diurnas
• Rocha (Figura 21) – útil para a limpeza do bico e o desgaste das garras.
Figura 21 – Rocha
• Couve com penas (Figura 25) – foi colocada uma couve com penas de várias
aves (ex.: grifo, pavão ou galinha doméstica) espetadas nela. Este
enriquecimento envolve os sentidos dos carnívoros ligados à caça e permite-
lhes despertar os comportamentos de investigação, exploração e destruição
(WildThink, 2022).
Figura 26 - Espécimes de sabugueiro (à esquerda) e ligustro (no centro e à direita) no recinto das águias-calçadas
FCUP 49
Enriquecimento Ambiental em Aves de Rapina Diurnas
• Tronco côncavo – colocado para ser um local onde é possível dispor o alimento
em cima ou esconder o alimento dentro da concavidade, semelhante ao do
búteo.
• Rochas – úteis para a limpeza do bico.
• Poleiros naturais (Figura 27) – mudança de posição de árvore que já se
encontrava no recinto (no chão), colocando-a de pé, retirando os ramos frágeis
e deixando apenas os que seriam úteis como poleiros.
4. Resultados e discussão
4.1. Águia-cobreira (Circaetus gallicus)
No decorrer do presente estudo, houve um aumento da descrição do reportório
comportamental do grupo de águias-cobreiras. A partir do período de aplicação dos
enriquecimentos, o reportório comportamental aumentou em três comportamentos:
“correr”, “vigiar em movimento” e “tomar banho”.
De um ponto de vista geral, a aplicação de diferentes técnicas de
enriquecimento alimentar e sensorial junto de C. gallicus teve um impacto positivo.
Estas fizeram diminuir comportamentos associados ao descanso, em 5%, e à vigia,
em 2% (Figura 29). Em sentido contrário, a frequência da locomoção duplicou durante
as duas semanas de aplicação de EA, passando de 3%, sem enriquecimento, para
6%, com enriquecimento (Figura 29).
50%
40%
30% 22% 20%
20%
10% 6% 6% 6%
3% 3% 3%
2% 2% 1% 1% 0% 0% 0% 2% 0% 0%
0%
Categoria de comportamentos
Figura 29 - Frequência média de ocorrência de comportamentos da população de C. gallicus nas fases Sem
enriquecimento e Com enriquecimento
Dia da
semana 2ª feira 3ª feira 4ª feira 5ª feira 6ª feira
Alimento
Alimento Alimento Bloco de
Fardo embrulhado
EA escondido
de feno
no interior sangue
em folhas de
em ramos de banana congelado
couve
40%
30%
20% 17%
16% 12% 14%
10% 4% 6% 6%
3% 5% 4%
0% 0% 0% 1% 0% 0% 1% 1% 0% 1% 0% 0%
0%
Categoria de comportamentos
Figura 30 - Frequência média de ocorrência de comportamentos da população de G. fulvus nas fases Sem
enriquecimento e Com enriquecimento
Tabela 15 - Valores de descanso da população dos grifos. Em cada célula é apresentada a média do registo do
descanso no respetivo período. Em baixo desse valor, são indicadas as contagens altas significativas (à esquerda) e as
FCUP 57
Enriquecimento Ambiental em Aves de Rapina Diurnas
contagens baixas significativas (à direita). As contagens significativas são indicadas a vermelho, por números <100.
Legenda: Ctrl - Ausência de enriquecimento; EA – Enriquecimento Ambiental; M – Período da manhã; T – Período da
tarde
Dia da
semana
2ª feira 3ª feira 4ª feira 5ª feira 6ª feira
Alimento
Alimento Bloco de Alimento
em gelo /
EA Alimento
Couves dentro de sangue com pelos
abóbora congelado ou penas
pendurado
20%
15% 13%
9% 9%
10% 8%
7% 6% 6%
5%
4% 4% 3% 4%
5%
0% 0% 0%
0%
Categoria de comportamentos
Figura 31 - Frequência média de ocorrência de comportamentos de B. buteo nas fases Sem enriquecimento e Com
enriquecimento
FCUP 60
Enriquecimento Ambiental em Aves de Rapina Diurnas
Tabela 17 - Valores de descanso do búteo. Em cada célula é apresentada a média do registo do descanso no respetivo
período. Em baixo desse valor, são indicadas as contagens altas significativas (à esquerda) e as contagens baixas
significativas (à direita). As contagens significativas são indicadas a vermelho, por números <100. Legenda: Ctrl -
Ausência de enriquecimento; EA – Enriquecimento Ambiental; M – Período da manhã; T – Período da tarde
Dia da
semana
2ª feira 3ª feira 4ª feira 5ª feira 6ª feira
Ctrl M 10 16 9 17 8
(551 | 576) (446 | 654) (891 | 174) (75 | 954) (840 | 257)
Ctrl T 11 21 32 11 23
(936 | 107) (816 |249) (10 | 995) (983 | 36) (110 | 925)
Alimento
Couve
Alimento Alimento embrulhado
EA em laranja
Espelho
em pinha
com
em folhas de
penas
couve
EA M 15 17 11 7 7
(59 | 968) (270 | 810) (664 | 451) (919 | 149) (878 | 203)
EA T 13 20 10 21 14
(539 | 575) (511 | 582) (969 | 58) (75 | 954) (522 | 591)
60%
50%
40%
30% 24% 24%
20%
10% 2% 3% 4% 4%
1% 2% 0% 0% 0% 1% 0% 0%
0%
Categoria de comportamentos
Figura 32 - Frequência média de ocorrência de comportamentos do grupo de H. pennatus nas fases Sem
enriquecimento e Com enriquecimento
Tabela 19 - Valores de descanso do grupo de águias-calçadas. Em cada célula é apresentada a média do registo do
descanso no respetivo período. Em baixo desse valor, são indicadas as contagens altas significativas (à esquerda) e as
contagens baixas significativas (à direita). As contagens significativas são indicadas a vermelho, por números <100.
Legenda: Ctrl - Ausência de enriquecimento; EA – Enriquecimento Ambiental; M – Período da manhã; T – Período da
tarde
Dia da
semana
2ª feira 3ª feira 4ª feira 5ª feira 6ª feira
Ctrl M 80 86 82 80 74
(465 | 578) (246 | 788) (488 | 556) (574 | 472) (799 | 236)
Ctrl T 88 76 93 88 85
(360 | 679) (860 | 168) (268 | 767) (465 | 583) (585 | 461)
Alimento
Bloco de Couve
Alimento Alimento embrulhado
EA em laranja
sangue
em pinha
com
em folhas de
congelado penas
couve
EA M 71 80 77 89 75
(768 | 270) (402 | 641) (621 | 419) (135 | 888) (689 | 353)
EA T 83 83 80 74 96
(449 | 596) (497 | 553) (701 | 342) (881 | 145) (98 | 920)
(Dama dama), corços (Capreolus capreolus) e javalis (Sus scrofa) (que apesar de
serem omnívoros, estavam incluídos na mesma rota).
Figura 33 - Ninho de chapim-real (Parus major) com 7 ovos e 1 cria (à esquerda); caixa-ninho na árvore (à direita)
a vegetação aquática é mais abundante (Filipe et al., 2017). P. clarkii tem associado à
sua presença em Portugal vários impactos ecológicos com efeitos negativos
relacionados com algas, invertebrados, anfíbios, qualidade da água e interrupção das
taxas de decomposição (Pereira, 2019). Considerado uma praga nos arrozais
portugueses, estima-se que P. clarkii represente perdas de 1 milhão de euros por ano,
interferindo ao destruir as mudas de arroz, fazendo escavações e atrair predadores
que podem pisotear os arrozais (Anastácio et al., 2019).
No Parque Biológico de Gaia, há registada a presença P. clarkii no lago que se
encontra dentro do cercado das águias-cobreiras, onde já habitava há alguns anos
uma população desta espécie exótica invasora. Em fevereiro, procedi ao controlo e à
captura dos espécimes aí existentes (Figura 35). Com o recurso a duas armadilhas de
captura de crustáceos colocadas nos dois pontos de saída de água do lago para o
exterior, o lago foi esvaziado de forma à maioria dos indivíduos se deslocarem em
direção às armadilhas pelo movimento da água. Os restantes indivíduos que não
foram capturados pelas armadilhas, ficaram no fundo do lago, junto com alguns
sedimentos, e foram capturados com uma pá e um camaroeiro. Mais tarde, todos eles
foram utilizados nos planos alimentares de animais do Parque. Desta forma,
contribuiu-se para o controlo de uma população e o impedimento da proliferação de
uma espécie exótica invasora presente no PBG.
Figura 35 - Lago do habitat das águias-cobreiras (à esquerda) e P. clarkii que foram capturados no balde (à direita)
desenvolvimento do ser humano pois esta “(…) deve ajudar a desenvolver uma
consciência ética sobre todas as formas de vida com as quais o ser humano
compartilha este planeta, respeitando os seus ciclos vitais e impondo limites à
exploração dessas formas de vida pelos seres humanos” (WWF, 2000).
Nos dias de hoje, a educação ambiental tornou-se uma ferramenta fundamental
no combate à destruição do ambiente no qual todos os seres vivos estão inseridos e é
cada vez mais utilizada no ambiente escolar, dando a conhecer às crianças e aos
jovens toda a vida existente neste planeta e todas as questões relacionadas com o
meio ambiente, ajudando-os a desenvolver uma visão crítica em torno do tema e
sensibilizando-os para uma convivência saudável com a natureza (Lima, 2004;
Loureiro, 2019).
No dia 4 de março de 2022 tive a oportunidade de dinamizar a atividade
“Encontro com o Cientista”, na Escola Ciência Viva, com o tema “Enriquecimento
Ambiental em Aves de Rapina Diurnas” (Figura 36). Após o convite feito pela
professora Rita Peixoto desafiando-me a orientar a atividade com duração de 2 horas,
tinha como objetivo dar uma palestra para uma turma do 4º ano (1º ciclo), sobre
enriquecimento ambiental e apresentar o trabalho que estava a desenvolver ao longo
do estágio.
Assim, o plano da atividade consistiu numa apresentação sobre “O que é o
enriquecimento ambiental e para o que este serve”, sendo tema introdutório para
depois as crianças entenderem melhor em que consistia o meu estudo e qual o
conceito de “Enriquecimento Ambiental”. Adequando o discurso à faixa-etária do
público e ligando o conteúdo do tema a questões do quotidiano para facilitar a
aprendizagem, fui intercalando a apresentação com perguntas e jogos para tornar a
palestra mais dinâmica e interessante. Após a apresentação teórica, inquiri-os se
queriam experimentar a construção de uma técnica de enriquecimento, havendo um
unânime interesse. Após desenvolverem uma técnica de enriquecimento ambiental, os
alunos acompanharam-me para dentro do Parque e até ao habitat das águias-
cobreiras e dos grifos e testemunharam a introdução nos habitats dessa técnica
construída por eles e a reação dos indivíduos à mesma. O interesse demonstrado pelo
grupo de alunos foi constante ao longo de toda a sessão e as respostas dadas pelos
alunos quando estes eram inquiridos ao longo da atividade foram acertadas, obtendo
um feedback positivo em relação à partilha da mensagem, aquisição de novos
conhecimentos e à atenção do grupo. Desta forma, dei o meu contributo para a
educação ambiental daquelas crianças sobre um tema relacionado à conservação de
espécies (nomeadamente, o enriquecimento ambiental).
FCUP 71
Enriquecimento Ambiental em Aves de Rapina Diurnas
6. Conclusão
No estudo desenvolvido no Parque Biológico de Gaia, no contexto de estágio
curricular, pretendeu-se desenvolver diferentes técnicas de enriquecimento ambiental
para aves de rapina diurnas em cativeiro, devido à falta de bibliografia sobre este tema
neste grupo específico de aves. No entanto, sobretudo devido às particularidades dos
grupos (e.g., grupos muito pequenos, por vezes formados por um ou dois indivíduos;
historial clínico relevante), os resultados obtidos devem ser interpretados com o
cuidado necessário antes de qualquer esforço de aplicação das técnicas testadas em
grupos mais alargados de aves em distintas condições físicas.
Em relação aos etogramas das quatro espécies, todos estes aumentaram
comparativamente aos etogramas inicialmente obtidos, tendo sido atualizados após o
estudo (Anexos 6 a 9). O grupo dos grifos foi o que apresentou um reportório
comportamental mais extenso, em claro contraponto com o das águias-calçadas.
Ao longo dos oito meses de estágio, não foram avistados quaisquer
comportamentos estereotipados nas aves. Apesar dos animais do estudo se
encontrarem em cativeiro, estes estão inseridos num meio que se quis aproximado
aquele que serve de habitat natural das espécies (com limitações, obviamente), e são
continuamente estimulados por outros animais selvagens presentes no Parque,
nomeadamente passeriformes, micromamíferos, répteis e invertebrados que
conseguem entrar nos cercados. Todos estes fatores ajudam a fomentar um meio de
cativeiro mais estimulante, o que poderá justificar a aparente ausência de
estereotipias. Ainda assim, quando iniciei o meu trabalho no Parque, apenas o búteo
assumia um comportamento claro de antecipação à hora de alimentação. No entanto,
com treino e paciência, este comportamento desapareceu em fevereiro, conseguindo
iniciar as observações para o estudo, em março, sem a ocorrência deste.
Em geral, ainda que de forma subtil, houve uma diminuição do tempo de
inatividade das quatro espécies com a presença do EA. Apesar disso, só apenas
alguns dos enriquecimentos é que parecem ter contribuído de forma mais clara para
esta diminuição. Após a avaliação, verificou-se que as técnicas de enriquecimento
alimentar foram mais eficazes do que as técnicas de enriquecimento sensorial.
Contudo, com a aplicação dos enriquecimentos, não houve nenhuma reação de fuga
por parte dos indivíduos. Estes, apenas demonstraram indiferença, interesse ou
alguma interação com o EA colocado no recinto. Isto significa que, aparentemente,
nenhum dos enriquecimentos, mesmo aqueles que não foram eficazes para o fim
pedido pelo Parque, interferiram negativamente no bem-estar animal. Em relação às
técnicas de enriquecimento cujos resultados foram inconclusivos, estes devem ser
FCUP 73
Enriquecimento Ambiental em Aves de Rapina Diurnas
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8. Anexos
Anexo 1 – Mapa do Parque Biológico de Gaia
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Enriquecimento Ambiental em Aves de Rapina Diurnas
Enriquecimento aplicado:
Comportamento/Tempo (min) 0 1 2 3 4 5 6 7 … 58 59 60
Descansar
Dormir
Bocejar
Espreguiçar
Vigiar parado
Voar
Caminhar
Saltar
Preening
Limpar o bico
Defecar
Coçar a cabeça
Sacudir
Apanhar sol
Comer
Vocalizar
Explorar
Fugir
Bater as asas
Interação com enriquecimento
Novo comportamento ( )
Observações:
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