Entre Desejos e Mentiras - Um Be - M. Neves, Paula
Entre Desejos e Mentiras - Um Be - M. Neves, Paula
Entre Desejos e Mentiras - Um Be - M. Neves, Paula
Sinopse
Nota da Autora
Playlist Oficial
Prólogo – Henrique
01 - Henrique
02 - Alice
03 - Henrique
04 - Alice
05 - Henrique
06 - Alice
07 - Henrique
08 - Alice
09 - Henrique
10 - Alice
11 - Henrique
12 - Alice
13 - Henrique
14 - Alice
15 – Henrique
16 – Alice
17 – Henrique
18 – Alice
19 - Henrique
20 - Alice
21 – Henrique
22 - Alice
23 - Henrique
24 - Alice
25 - Henrique
26 - Alice
27 - Henrique
28 - Alice
29 - Henrique
30 - Alice
31 - Henrique
32 - Alice
33 - Henrique
34 - Alice
35 - Henrique
36 - Alice
37 - Henrique
38 - Alice
39 - Henrique
40 - Alice
41 - Henrique
42 – Alice
43 - Henrique
44 - Alice
45 - Henrique
46 - Alice
47 - Henrique
48 - Alice
49 – Henrique
50 - Alice
51 - Henrique
52 - Alice
53 - Henrique
54 - Alice
55 - Henrique
56 - Alice
57 - Henrique
58 - Alice
59 - Henrique
60 - Alice
61 - Henrique
62 - Alice
63 - Henrique
Epílogo 1 - Alice
Epílogo 2 - Henrique
Notas finais
Bônus EPC
Copyright © 2024 | Paula M Neves
Todos os direitos reservados.
1ª edição, 2024.
Leitura Beta:
Beks, Lara, Fábia, Lud, Déborah, Samara (Sasa), Samara (Sam), Rafaela,
Ivy, Jessy, Jell, Lena, Elly,Dani, Eme e Laysa.
Projeto Gráfico e Diagramação:
Paula M Neves
Capa:
Paula M Neves
Ilustrações:
Sofia Gomes - @ilustrai.art
Oi, bonecas!
Sejam bem-vindas de volta à Santa Consolação!
Finalmente, chegou a hora de contar a história do nosso rendido
preferido.
Henrique e Alice foram uma experiência que, sem dúvida alguma,
me fez crescer muito como autora. Escrevê-los foi algo tão, mas tão fácil, e,
ao mesmo tempo, complexo, de um jeito que eu acho que não consigo
explicar direito para vocês. Só posso dizer que eu amei CADA SEGUNDO,
e que se pudesse voltar no tempo, só para sentir tudo de novo, eu voltaria
sem nem hesitar.
Durante os vinte dias em que eles me acompanharam (na primeira
escrita), eu ri, chorei, surtei, me irritei e, no final, senti como se tivesse
conseguido criar algo lindo.
De antemão, já digo: tenham paciência com a Alice. Ela é cheia de
feridas incuradas, que moldam muito do seu comportamento, sem que ela
consiga lutar contra. Ela não conhece o amor, não sabe o que é uma família
ou um relacionamento saudável e, com exceção da sua melhor amiga, foi
maltratada e tirada proveito a vida inteira.
E isso faz com que ela demore um pouco para conseguir se abrir
completamente para um amor tão intenso como o do Henrique.
Porque, se tem uma palavra que poderia definir o nosso mocinho é
justamente essa: intenso.
Henrique se entrega para a Alice de um jeito que até me assustou
em um primeiro momento. Eu tentei controlá-lo, tentei fazer com que ele
fosse um pouquinho menos entregue, mas não consegui. Ele brigou comigo,
bravamente, e me fez aceitá-lo exatamente como ele é: perfeito.
Sabe quando as autoras dizem que os personagens sussurram no
ouvido delas?
Eu pensava que isso era bobagem, até começar a escrever. Nos
meus livros anteriores, experimentei algo nesse sentido e entendi que era
verdade, sim.
Só que o Henrique me elevou a um patamar diferente.
A personalidade dele é tão forte, que se destacou até quando ele era
um mero coadjuvante, lá na história da Bianca. E aqui, então? Meu Deus, eu
espero que vocês estejam prontas.
Entre Desejos e Mentiras é, hoje, o meu maior orgulho. E eu espero
que vocês se apaixonem pelo nosso casal fofo e romântico assim como eu e
as minhas betas nos apaixonamos. Meninas, eles estão no mundo,
finalmente!
Acho importante enfatizar que o livro contém alguns gatilhos:
relacionamento familiar tóxico, abandono parental, ataque de pânico e
ansiedade.
Do mais, eu torço para que a leitura traga um sorriso no rosto de
cada uma de vocês, e que, ao final, ele se torne um dos seus favoritos, para
ser relido quantas vezes for necessário sentir aquele quentinho no coração.
Obrigada por estar aqui!
Se estiver lendo isso por qualquer meio fora do Kindle Unilimited
ou da Amazon, por favor, pare. Isso é pirataria, me prejudica e é crime.
Tenha respeito com o fruto do meu trabalho e de todo o meu esforço.
Aproveite a leitura!
Com muito amor,
Paula M. Neves
Playlist Oficial
Eu estou surtando.
Minha menstruação sempre foi absurdamente regular, tipo um
reloginho.
Todo dia 6 o meu humor começa a se alterar, me deixando irritadiça e
sempre com muita, mas muita fome. Lá pelo dia 9, uma manada dos mais
enormes e pesados elefantes faz morada no meu ventre, sapateando como se
estivessem em um maldito número de circo. E, religiosamente, no dia 11, a
minha menstruação desce.
Eu costumo até sair de casa já usando absorvente, para me prevenir,
porque sempre, sempre desce nesse dia.
Hoje é dia 22 e nada.
Há pouco mais de três semanas, eu tive aquele encontro com o
moreno gostoso no aniversário da Carina. Quando acordei naquela cama de
motel, nua e sozinha, só pensei no quão ressacada e destruída eu estava, e
tratei de sair logo dali, indo curar meu porre com muito brigadeiro e pipoca
em uma tarde de meninas na casa da minha amiga, depois que ela me
resgatou da minha caminhada da vergonha.
Em momento algum eu cogitei que o sexo esquecido daquela noite
tinha sido tão irresponsável a ponto de eu estar aqui, sentada no meu sofá
velho, segurando um teste de gravidez nas minhas mãos, pensando em como
eu me enfiei numa merda tão grande como essa.
Meu Deus do céu, eu não posso estar grávida.
Não tem a menor condição de uma coisa dessa acontecer, não dá.
Eu não tenho como cuidar de uma criança, de jeito nenhum. Não
consigo nem cuidar de mim mesma, morando nesse muquifo cheio de mofo
e infiltração.
Isso poderia fazer mal pro bebê, né?
Cala a boca, Alice!
Não tem bebê nenhum!
É estresse. Só isso.
Minha menstruação não desceu porque eu estou absurdamente
estressada esses dias.
Por favor, que seja só isso...
Meu celular apita e eu observo o visor, sentindo meu coração doer ao
ler o conteúdo da mensagem que pisca na tela.
Mamãe: Oi, Alice. O dinheiro desse mês ainda não caiu. Tô
precisando pagar as contas. O que aconteceu? Sabe que contamos com isso,
não pode falhar.
Nenhum cumprimento, nenhuma pergunta sobre como estou, muito
menos um sentimento de saudade, nada.
Apenas a cobrança do dinheiro que eu mando todo mês.
Meus olhos ameaçam transbordar com mais essa, mas eu pisco, não
me permitindo pensar nisso agora, porque eu tenho coisas muito mais
importantes para lidar.
Tipo o fato de eu talvez estar carregando um bebê na minha barriga.
Meu Deus, minha mãe e minha avó irão surtar se isso for verdade.
— Cadê? Já fez? — Me assusto com a voz histérica da minha melhor
amiga quando ela entra no meu apartamento como um foguete, os olhos
arregalados de um jeito quase maníaco, e olha de mim para a caixinha em
minhas mãos.
— Ainda não — sussurro. — Eu tô com medo, Carina...
— Oh, Ali. — Ela se senta ao meu lado, apertando o meu ombro e
depois afagando minhas costas. — Vai dar tudo certo, amiga, você não tá
sozinha. Seja qual for o resultado, a gente vai resolver isso juntas, tá? E você
não fez esse bebê sozinha, a gente vai achar aquele moreno gostoso nem que
eu tenha que fuçar cada cidade desse país.
Solto uma risada misturada com lágrimas e balanço a cabeça, porque
sei que ela fala sério. Ela não vai me deixar, não vai soltar a minha mão, de
jeito nenhum.
— Eu acho que tenho que fazer xixi, né? — pergunto, e ela acena.
— Sim. Vai lá fazer xixi, quer ajuda? — Rio, negando, e me levanto,
indo até o banheiro.
Entro no cômodo minúsculo e só consigo pensar em como vou
colocar uma banheira de bebê aqui dentro.
— Meu Deus do céu, por favor, que dê negativo, que dê negativo —
rezo, enquanto abro a caixinha e pego a tirinha de plástico.
Nunca tive tanta dificuldade para urinar, parece até que a minha
bexiga também está com medo do resultado e não quer colaborar.
Quando finalmente consigo, deixo o palitinho na borda da pia e me
limpo, lavando as mãos e olhando as instruções da caixa para ver quanto
tempo preciso esperar.
— E aí? Quer um copo de água? — Escuto minha amiga bater na
porta, agoniada do lado de fora.
Deixo ela entrar e nós duas ficamos olhando o palitinho, até que duas
tiras rosas bem fininhas aparecem na ponta, selando o meu destino.
— Puta que pariu, Ali — Carina sussurra, e eu não consigo nem
responder.
Só fico encarando a minha nova realidade ali, naquela pia.
Meu Deus.
Meu Deus.
Ai, meu Deus.
— Alice, respira.
Escuto a voz da minha amiga, ao longe, mas a minha visão está meio
turva e meus ouvidos estão zumbindo, um peso enorme se instalando no meu
peito, ameaçando me sufocar, e então eu sinto os primeiros soluços tomando
conta do meu corpo.
— Oh, amiga.
Sou envolvida em um abraço e me permito desabar ali, chorar, me
desesperar, porque eu simplesmente não faço a menor ideia do que fazer
agora.
Eu estou grávida.
Estou grávida.
Meu Deus, eu estou grávida.
Vou ter um bebê.
Um bebezinho.
Minha garganta arde, tamanha a força dos meus soluços, e minha
amiga afaga meus cabelos, apenas estando ali, em silêncio, e me permitindo
surtar.
— Eu vou ter um bebê, Carina... — soluço, e ela me aperta ainda
mais, me dando o apoio que eu preciso agora. — O que vai ser da minha
vida? Eu não posso criar um bebê, meu Deus, eu não consigo nem cuidar de
mim.
— Alice. — Ela se afasta, segurando meu rosto com as mãos. —
Você precisa respirar. Vamos, pra dentro e pra fora. Inala pelo nariz e solta
pela boca, igual na aula, vamos.
Tento seguir a sua orientação, soluçando um pouco entre as
respirações, até que eu sinto meu peito começar a se acalmar, minha mente
ficando um pouco mais clara.
— O que vai ser de mim, Cá?
Carina acaricia meu rosto, me dando um sorriso tão suave que traz
uma nova onda de lágrimas aos meus olhos.
— Nós duas vamos sentar ali fora e conversar sobre os próximos
passos. Nós duas vamos decidir o que você vai fazer, quando, como e onde.
Nós duas vamos fazer isso dar certo, me ouviu? Você não vai fazer nada
sozinha, Alice. Nada. Eu tô aqui, com você.
Aceno para ela, agradecendo silenciosamente ter conhecido essa
mulher.
Minha amiga já me salvou diversas vezes. Minha mente, meu
coração, minha saúde. Ela já fez por mim mais do que qualquer pessoa já fez
nessa vida.
Deus me fez filha única, mas compensou trazendo essa ruiva para a
minha vida.
— Eu vou ter um bebê, Carina — sussurro, mais uma vez, ainda
tentando assimilar a ideia. É surreal e assustador, e causa um taquicardia
cada vez que eu penso a respeito.
— Você vai ter um bebê, amiga — repete, em um tom calmo. —
Você vai ter um bebê e vai dar tudo certo. Ok?
Puxo a respiração de novo e me forço a acreditar nela.
Vai dar tudo certo.
Tem que dar.
— Ok.
07 - Henrique
Eu já tentei disfarçar,
Mas quando estou olhando para você
Eu não consigo ser forte
Porque você faz o meu coração disparar
One Thing – One Direction
Faz pouco mais de vinte e quatro horas que a minha mãe chegou e eu
já estou a ponto de enlouquecer.
Henrique foi para a aula de Muay Thai, assim que chegamos da
Editora, depois de muita insistência minha, porque não queria me deixar
sozinha com ela.
Ele já percebeu o quão tóxica e maldosa ela pode ser, então não me
espanta a sua vontade de me proteger dela. Aliás, desde ontem à noite, com
toda a história do apelido e depois aquele beijo na testa, Henrique vem
ferrando ainda mais com o meu juízo.
Essa madrugada mesmo, acordei em um momento, com vontade de ir
ao banheiro, e me deparei com nós dois abraçados como um casal de
verdade, um embolado de braços e pernas que quase não me deixou sair da
cama para ir me aliviar.
Graças a Deus, ele não acordou e não percebeu o nosso estado, e
quando eu retornei, me deitei o mais afastada dele possível, aproveitando
cada centímetro da cama king size.
Nunca vou confessar o quanto demorei para dormir de novo, longe
dele.
— O que vai ter pro jantar, hoje? — Fecho os olhos, puxando uma
respiração forte antes de me virar e responder a minha mãe.
— Bife acebolado. — Ela bufa, balançando a cabeça e se encostando
na bancada, os braços cruzados na frente do corpo. — O que foi, mãe?
— Nada... — responde, debochada. — Só me espanta o quanto tu
consegue ser burra.
— Como é? — pergunto, largando a cebola e a faca e me virando
para ela.
— Olha onde tu tá, Alice! Olha esse apartamento, o carro daquele
homem, a quantidade de dinheiro que ele tem! E tu fica aí, esquentando a
barriga no fogão, enquanto ele vai pra academia? — Seu tom de crítica
nunca esteve tão explícito. — Deixa de ser otária, garota. Tu tem esse
homem na palma da tua mão, ele falta lamber o chão que tu pisa, e tu não
sabe aproveitar nada! Idiota, merece viver na merda mesmo.
— O Henrique é meu noivo, mãe. Não meu banco e muito menos o
meu caixa eletrônico — respondo. — Nunca que eu vou me aproveitar dele.
Não tem problema nenhum de eu cozinhar algo pra gente comer, o que
custa?
— O que custa? — exclama. — Se tu estalar os dedos esse homem
contrata uma equipe de chefs de cozinha pra trabalhar pra ti. Ainda mais
grávida! Mas não, a santinha não sabe aproveitar a oportunidade que tem.
Deus não dá asas a cobras mesmo, não é possível. Se fosse eu no seu lugar...
— Você nunca ia conseguir um homem como o Henrique. — Não sei
de onde a coragem surge, já que eu nunca a enfrentei assim, mas a mera
sugestão de me aproveitar do homem que tem feito tanto por mim me irrita
de um jeito único. — Ele é um homem bom, justo, companheiro, que me
mima e faz por mim tudo que está ao seu alcance. Eu jamais vou me
aproveitar da sua bondade pra lucrar, pra viver uma vida de luxo desregrado,
até porque não é isso que eu quero pra minha vida. Eu quero alguém que me
ame e que me respeite, que cuide de mim, coisa que eu nunca tive!
— Ora, sua... — Seu xingamento é interrompido pelo barulho da
porta, e logo Henrique aparece, com a sua bolsa esportiva no ombro e uma
sacolinha de papel nas mãos.
— Boa noite — cumprimenta, olhando desconfiado entre nós duas.
— Tudo certo por aqui? — pergunta, deixando as chaves e a sacola na
mesinha da entrada e se aproximando, enlaçando a minha cintura e deixando
um beijo na minha testa.
— Tudo certo, vida — murmuro, aproveitando um pouco do contato
para me recompor. Acho que tomou banho lá no CT, porque seu cheiro
permanece a mesma mistura de cítrico e amadeirado que eu passei a
reconhecer como dele.
— Huuum, bife, é? — me pergunta, olhando para o fogão.
— Sim, vou jogar as cebolas pra finalizar já, já. Com fome? —
Ignoramos completamente a minha mãe, permanecendo abraçados no meio
da cozinha, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Eu posso até mesmo sentir o meu corpo inteiro relaxando, certo de
que o perigo não está mais presente, porque agora ele está aqui para me
defender.
— Faminto, o treinador tava pro crime hoje — responde, sorrindo. —
Vou guardar a bolsa e colocar a roupa suja pra lavar, tá? Já venho.
Ele dá mais um beijo na minha testa antes de se afastar, dando um
aceno para a minha mãe e indo na direção da suíte.
Me viro para o fogão, jogando as rodelas de cebola na frigideira e
ignorando a presença dela, que ainda me olha com uma expressão julgadora.
Eu sei que Henrique faria de tudo por mim, e nós nem estamos juntos
de verdade.
Mas morreria antes de me aproveitar dele, como ela deseja.
Essa maçã aqui caiu muito longe da árvore, graças a Deus.
*
— Pensei que ela não ia se deitar nunca — Henrique resmunga,
quando entramos no nosso quarto, mais tarde naquela noite.
Depois do nosso jantar “mixuruca”, o qual a minha mãe comeu e
repetiu, ela decidiu se prostrar na sala, convidando meu chefe para dividir
uma garrafa de vinho.
Sim, isso mesmo.
A cara de pau pediu para tomar um dos vinhos caríssimos do
Henrique, vinhos esses que ele mesmo quase não toma, porque estava
vontade de saber o gosto de um vinho fino de verdade.
Pude ver a forma como ele ficou contrariado, mas, sendo o homem
incrível que é, abriu a sua adega e pegou um vinho tinto espanhol,
oferecendo uma taça para a minha mãe. E apenas uma.
Mesmo diante da sua explícita irritação, Henrique insistiu que esse
tipo de vinho era para ser apreciado e não para se embriagar. Então uma taça
era o suficiente para provar e não precisava de mais do que isso.
— Ela consegue ser bastante inconveniente quando quer —
respondo. — Você vai tomar outro banho? — pergunto e ele nega. — Então
vou tomar uma ducha rápida, só pra tirar o suor da cozinha.
— Tá bem, te espero. — Assente.
Entro no banheiro da suíte, depois de pegar um pijama no closet, e
retiro a minha roupa, prendendo os cabelos no alto da cabeça e aproveito
alguns minutos de tranquilidade debaixo daquele chuveiro maravilhoso.
Eu vou sentir muita falta disso quando voltar para o meu
apartamento.
A pressão da água lá é horrível e, dependendo da hora do dia, eu
preciso tomar banho com a água da pia, me molhando com uma tigelinha,
porque não tem força suficiente para subir água para o chuveiro.
Lavar os cabelos é uma verdadeira tortura.
Me enxugo, colocando meu pijama de algodão, escovo os dentes, e
faço o meu skin-care noturno, massageando o rosto com os meus tônicos e
cremes anti-idade.
Desde que fiz vinte e cinco, tenho esse cuidado, apesar de usar
apenas produtos baratinhos de farmácia. Mas percebi a forma como a minha
pele ficou mais viçosa e macia depois que comecei, então não parei mais.
— Tenho que comprar um creme para estrias logo, logo — divago,
pousando uma mão na minha barriga ainda inexistente.
Completo sete semanas hoje, e vez ou outra me pego na frente do
espelho, tentando ver se já existe algum sinal de que o bebê está aqui.
— Claro que não, né, amor? — murmuro. — Você é muito
pequenininho ainda, meu grãozinho de arroz.
Baixei um aplicativo de acompanhamento da gestação e, na
notificação de hoje, disseram que o bebê está com cerca de seis milímetros
de comprimento, ou seja, do tamanho de um grão de arroz.
Tem noção?
Tipo, ele tem cabeça, tronco, braços e pernas, mas é tão pequeno
quanto um grãozinho de arroz.
É incrível.
Apago a luz do banheiro e volto para o quarto, encontrando Henrique
de costas para mim, mexendo em alguma coisa na mesinha de cabeceira.
— O banheiro tá livre — anuncio.
— Vou escovar os dentes, já, já, — responde — mas antes...
Ele se vira e eu arquejo, emocionada.
Pensei que ele tinha esquecido, mas aparentemente não.
— Henrique... — sussurro.
Ele sorri, se aproximando com o pequeno cupcake, de chocolate
dessa vez, e uma vela branca em cima. Então era isso a sacolinha de papel
que trouxe consigo.
— Não podemos deixar passar em branco o semanassário do bebê —
fala, como se não fosse nada, e coloca o bolinho na minha frente. — Vamos,
você sabe como funciona. Faz um pedido e assopra, pelo bebê.
Eu sorrio, sentindo meus olhos ameaçarem transbordar e então os
fecho, mentalizando o mesmo pedido de antes, com ainda mais ênfase.
Por favor, que nenhum de nós saia machucado dessa história.
27 - Henrique
— Não acredito que você é amigo desse hétero top escroto, Henrique
— Carina resmunga, me fazendo arregalar os olhos.
— E eu não acredito que a sua melhor amiga é essa riponga
fedorenta, cunhada — Pedro retruca, inabalado. — Espero que você também
não goste daqueles incensos fedidos senão meu amigo tá lascado.
— Mas que porra? — É Henrique quem sai do transe primeiro,
perguntando o que diabos está acontecendo.
— Essa é a minha vizinha bruxa, irmão! A que adora acender velas
super cheirosas na varanda, fazendo a fumaça descer toda pro meu
apartamento! — explica, olhando para Carina como se ela fosse seu pior
inimigo. — Além das músicas instrumentais super agradáveis — completa,
com deboche.
— Claro, porque você tem um excelente gosto musical né, ô
pancadão? — minha amiga responde à altura, o ranço visível em seu rosto.
— Quando não é uma sinfonia belíssima de funk proibidão, são aquelas
batidas insuportáveis de eletrônico. Você não escuta nada que tenha letra de
verdade porque tem dificuldades de interpretação? Não ia conseguir
entender direito a música, né, coitado? — provoca, cruzando os braços na
frente do corpo.
Eu e Henrique ficamos olhando de um para o outro, como dois
expectadores atônitos de um show de horrores, até que eu pisco e tento me
recompor.
— Espera, o seu Pedro é o teu vizinho? — pergunto para a minha
amiga. — Aquele de quem você sempre reclama?
— Esse mesmo, minha amiga. E o seu noivinho acabou de perder
todos os pontos comigo só por andar com esse ser insuportável.
— Ei! — Henrique reclama. — Eu não escuto proibidão e nem sou
hétero top. Diz pra ela, boneca.
Reviro os olhos e olho para Carina, que ainda encara Pedro como se
pudesse matá-lo só com um olhar.
— Vamos almoçar? — peço, tentando evitar mais confusão.
— Vamos, sim — ela responde. — Ficar perto desse indivíduo tá
desalinhando todos os meus chacras.
— Há! Pois vá mesmo — Pedro retruca. — Deus me livre você
começar a acender velas aqui pra realinhar esses seus chacras podres.
Carina não responde, apenas segura a minha mão e me puxa, mal me
deixando me despedir de Henrique.
— Amiga, espera — peço, quando acabo tropeçando na calçada, na
sua pressa de ir embora.
— Eu não acredito que esse infeliz vai me perseguir até aqui, agora
— resmunga, destravando o carro. Nós entramos e ela continua reclamando,
inconformada. — Não tinha outra pessoa pra ser amiga do seu noivo, não?
Que merda, Alice, esse cara vai estar na minha vida agora por culpa sua!
— Ei! — exclamo. — Dá pra parar de surtar? — Ela bufa, colocando
o carro em movimento. — Seu Pedro é muito legal comigo, sempre me
tratou bem, não tem porque essa implicância toda.
— Legal? Legal? — Seu olhar até me assusta agora, de tão maníaco.
— Se eu te contar a quantidade de vezes que eu já perdi o meu sono por
causa daquele infeliz! Sempre levando mulheres escandalosas pro
apartamento, infernizando a minha vida, simplesmente existindo! O cara é
um nojento, porco, a perfeita definição de macho escroto, e agora, graças ao
seu digníssimo noivo, ele vai ser tio postiço do meu afilhado!
— Deixa de ser doida, Carina — respondo. — Primeiro que o
Henrique não é meu noivo de verdade, é apenas uma farsa! — Se olhares
matassem, eu estava morta e enterrada agora. — Segundo, — continuo,
ignorando-a — que tio, você pirou? Henrique não é o pai do meu bebê!
Semana que vem minha mãe vai embora e essa história toda vai acabar, você
vai ver.
— Ah, conta outra, Alice. — Bufa. — Ou melhor, boneca. — Agora
debocha. — Você e o seu chefe dormindo de conchinha todo santo dia, de
apelidinhos e tudo, e você vem me dizer que é tudo uma farsa? Me poupe,
né. Vai enganar quem não te conhece.
— Carina... — Suspiro.
— Não, Alice. — Estaciona na frente do restaurante e desliga o
carro, virando para mim. — Você pode não gostar, mas eu sou a voz da sua
consciência e tô te dizendo: você e o seu chefe estão juntos! Só falta um de
vocês tomar vergonha na cara e dar o último passo. Deixa de ser trouxa!
Não respondo, me limitando a remover o cinto e abrir a porta do
carro, escutando o seu bufar de indignação quando me segue.
Nós entramos e achamos uma mesa mais afastada, e uma garçonete
nos entrega o cardápio com um sorriso.
— Não precisa, meu bem, — Carina o devolve para ela — eu vou
querer o escondidinho de batata-doce com shimeji e a minha amiga...
— Eu vou querer o bowl de legumes com creme azedo — completo.
— E uma torta de banana de sobremesa, por favor.
A garçonete anota tudo e nos deixa sozinhas, e então Carina me
encara, pronta para continuar com a conversa.
— Podemos não falar sobre isso? — peço.
— Qual o seu medo, Ali? — ela pergunta. — Ele tá te forçando a
alguma coisa que você não quer? Tá sendo inconveniente de algum jeito?
— Não, de jeito nenhum. — Não preciso nem pensar para responder.
— O Henrique é gentil de um jeito que eu só vi em livros, Carina. Eu não
consigo nem te explicar.
— Então qual é o problema? Porque, amiga, — se inclina mais para a
minha direção — aquele homem é doido por ti, você não pode negar isso. É
burrice.
Solto um suspiro, incapaz de responder.
Minha amiga apenas espera, me olhando com compreensão, e logo
eu coloco as mãos no rosto.
— Eu não consigo entender, Carina — começo. — Como é que eu
nunca vi isso? Como deixei uma coisa dessas passar? O jeito que ele me
trata, parece que eu sou a coisa mais preciosa da vida dele. É de uma
intensidade assustadora, eu não posso mentir...
— E você?
— O que tem eu?
— O que você sente por ele?
A pergunta de um milhão de dólares.
— Aí é que tá, amiga. Eu não sei. — Solto um suspiro. — Eu
sinceramente não sei o que eu sinto por ele. Ele me confunde, sabe? Nunca
parei pra enxergar ele como algo além do meu chefe e agora...
— Agora ele é teu noivo.
— Falso, Carina — completo. — Noivo falso, eu não posso me
esquecer disso.
— Por que, Alice? — questiona de novo. — Se ele quer e você quer,
por que não tornar isso algo real? Não digo o noivado, porque é loucura tão
cedo assim. Mas sei lá, o que custa conhecer melhor o cara, ver se não dá
certo.
— Ele é meu chefe — explico. — Eu tô grávida e ele é meu chefe.
— Você acha que ele vai te demitir se não der certo?
Não acho.
Não acho, de verdade.
Porque Henrique não é assim.
Ele é justo, é correto, honesto. E principalmente, ele é bom. Sei que
não me deixaria desempregada com um filho nos braços só porque não
demos certo.
Mas a questão é: e eu, iria querer continuar perto dele, cinco vezes na
semana, oito horas por dia, se as coisas dessem errado?
Além de tudo, ainda tem o meu bebê.
Como iniciar um relacionamento nessas condições? Com o filho de
outro na barriga? Outro que nem sabe da existência desse neném, que eu
sequer sei onde está, em que buraco vive.
Como é que eu começo um namoro, ou seja lá o que for, com um
homem, se eu tenho um laço eterno com outro?
— É complicado demais, Carina. Intenso demais, difícil demais. Tem
variáveis demais, riscos demais. É tudo demais — respondo, meus olhos
umedecendo.
— Você tem medo — minha irmã de alma constata, sem eu precisar
falar.
— Pavor — sussurro. — Não tem como dar certo, amiga. É muito
fantasioso. Esse tipo de coisa só acontece nos livros, nos filmes. Não dá pra
sonhar com algo assim na vida real. — Minha amiga me olha, compadecida,
e estica a mão para apertar a minha. — Na minha realidade, eu vou ser mãe
solo, porque não sei onde o pai desse bebê está, e não posso sonhar que, do
nada, meu chefe milionário vai nos assumir como seus, e tudo vai ter um
final feliz perfeito.
— Você não disse que ele é um cara incrível?
— Ser incrível não significa aceitar tudo, Carina — murmuro. —
Uma hora ou outra, a verdade vai pesar. Quando perguntarem porque o bebê
não parece com ele, porque não vai, você sabe.
O cara com quem eu me envolvi é negro, então tem 50% de chances
de o bebê puxar a ele, e ninguém acreditaria que Henrique, com seu cabelo
loiro e olhos verdes, é o pai de verdade. Sabemos muito bem como o
preconceito funciona nesse país, haveria comentários maldosos, eu tenho
certeza.
— E aí você vai deixar escapar a chance de ficar com um cara legal
por medo? — me pergunta.
— Eu não posso pensar só em mim. Não existe só eu nessa equação
— explico. — E se o Henrique se apegar demais ao bebê? Carina, ele
comemora o semanassário dele!
Ela sorri, balançando a cabeça, e eu correspondo.
— Ainda acho que você devia dar uma chance — complementa. —
Não pode deixar o medo ditar a sua vida, Alice.
— Não sei... — murmuro.
— Mas, enfim, como está a visita da jararaca? — Muda de assunto,
me fazendo rir e gemer ao mesmo tempo.
— Ela é terrível, amiga. Vive pedindo as coisas, é espaçosa, tomou
conta do quarto de hóspedes como se fosse dela, ontem até sugeriu pintar de
uma cor mais “alegre”. — Faço até as aspas para completar.
— E quanto tempo essa visita vai durar?
— Não sei, Cá. — A moça traz os nossos pedidos e nós começamos a
comer. — Eu espero muito que semana que vem ela vá embora, de verdade.
Mas você sabe que da mamãe não dá pra duvidar de nada.
— Ela nunca vai parar, Ali, a não ser que você dê um basta.
Eu sabia disso.
— Eu sei. Mas não sei se tenho forças.
Passar a vida inteira ouvindo que eu tenho que sempre honrar a
família, que ela e a minha avó são as únicas que sempre estarão ali, que eu
preciso devolver tudo o que ela já fez por mim, que preciso agradecer por ela
ter abandonado todos os sonhos para me criar, tudo isso pesa de um jeito
quase sufocante na minha cabeça, e eu não consigo seguir com a ideia de
colocar um ponto final.
A culpa me corrói por dentro, só de imaginar os desaforos que eu
escutaria, só de pensar em escutar de algum parente que elas estão passando
necessidades.
— Lembra o seu discursinho de agora a pouco sobre o seu chefe? —
Carina pergunta. — De como você não está mais sozinha, que o bebê tem
que estar na equação e não sei o que mais? — Assinto. — Usa essa mesma
filosofia pra sua mãe. Você não está mais sozinha, Alice. Esse bebê precisa
ser a sua prioridade, e viver esse inferno que é a relação de vocês, com essas
cobranças unilaterais, essas ofensas, tudo isso não faz bem nem pra você e
nem pro bebê.
— Eu sei...
— Pois não parece — retruca. — Até quando você vai deixar essa
mulher pisar em você? Alice, ela não age como sua mãe. Nunca agiu.
Quando é que você vai enxergar isso? Agora você também é mãe, cara. Por
acaso você faria o que ela faz com você com esse bebê?
— Nunca — respondo, imediatamente.
— Porque você, sim, é mãe. Você, sim, ama esse bebê. — Aponta o
garfo para mim. — Chega de abaixar a cabeça e deixar ela fazer o que
quiser. Ter te colocado no mundo e te alimentado não dá o direito de ela
acabar com a sua autoestima e sugar tudo o que pode da sua vida. Chega,
Ali.
Eu sei que a minha amiga tem razão.
A grande questão era, eu sou capaz?
Penso no meu bebezinho inocente e no quanto eu o amo, mesmo ele
tendo o tamanho de um grãozinho de arroz.
Como eu posso ter me enganado tanto a vida toda? Como eu posso
ter me deixado levar pelo discurso que enfiaram na minha cabeça e me
permitir ser usada e abusada pelo meu próprio sangue?
E como eu conseguirei me livrar de tudo isso?
29 - Henrique
— A gente tem que voltar pra empresa, cara, não tinha outra hora pra
você resolver fazer isso, não? — pergunto, seguindo Pedro pelos corredores
do shopping.
— Ah, a gente tava aqui do lado, Henrique, não custa nada —
responde, revirando os olhos. — Eu tô enrolando há meses pra trazer esse
relógio pra limpar, calhou de a gente estar aqui perto e ele estar no carro.
— A empresa de papel vai estar na Lacerda daqui a uma hora —
resmungo.
— E nós vamos estar lá pra receber eles, cara, relaxa — devolve. —
É rapidinho, não vou esperar, vou vir buscar depois. Só tenho que assinar o
termo e pronto. Já tenho até cadastro aqui, então é só dar meu CPF.
Reviro os olhos, porque não adianta insistir.
Eu e Pedro viemos no centro almoçar com um de nossos autores mais
enjoados para tratar da campanha de marketing do seu próximo lançamento.
O cara é um mané metido a cult e sempre se recusa a fazer reuniões formais,
querendo encontrar a gente nos mais variados restaurantes da cidade.
Claro, são os otários aqui que pagam a conta, como cortesia.
Fizemos isso na primeira vez que conversamos com ele e se provou
um erro terrível, porque o espertinho agora se aproveita disso para exigir o
mesmo todas as vezes.
E o pior de tudo, o filho de uma puta é um dos nossos campeões de
vendas.
Ele escreve aquele tipo de livro de autoajuda que ninguém assume
que gosta, mas, quando lança, é o primeiro a esgotar das prateleiras.
Se não fosse isso, eu já tinha mandado ele tomar no cu e encerrado o
contrato há muito tempo.
Hoje, o restaurante da vez foi uma churrascaria nova, que inaugurou
bem no centro da cidade, na qual um prato individual de filé custa a bagatela
de cento e quarenta e cinco reais. E esse é o prato mais barato do cardápio.
Claro que o coach de araque não escolheu esse.
— Temos que ver com o jurídico pra inserir uma cláusula no contrato
de renovação desse cuzão pra exigir que ele participe das reuniões na
empresa — resmungo, quando entramos na relojoaria preferida do meu
amigo. — Mais de setecentos reais em um jantar pra três pessoas é um
absurdo, Pedro. Não dá mais pra aceitar um negócio desses.
Uma vendedora se aproxima de nós, sorrindo para Pedro.
— Boa tarde, senhores, no que posso ajudar? — pergunta.
O idiota ao meu lado abre o maior sorriso do munda para a moça, se
inclinando no balcão, pronto para jogar aquele charme barato dele.
E funciona.
— Boa tarde, querida — responde, piscando. — Eu preciso dar um
grau nesse meu relógio de platina aqui. — Puxa o relógio que eu lhe dei de
aniversário há uns dois anos do bolso. — É um dos meus preferidos, mas tá
bastante sujo e desgastado. Sei que vocês conseguem deixá-lo como novo.
Ele aumenta o sorriso e joga uma encarada completamente descarada
para a moça que, infelizmente, cai na lábia do filho da puta e cora como uma
garotinha envergonhada.
— Claro, senhor — afirma, pegando o relógio de sua mão. — Nosso
serviço de limpeza é bastante rigoroso, garanto que ficará novinho em folha
— completa, sorrindo para ele.
— Vou acreditar em você, hein, docinho — o pilantra joga, traçando
os dedos na mão da moça.
— Vou só precisar do seu CPF pra encontrar o seu cadastro — ela
pede, e Pedro dita os números, ainda olhando para ela como se ela fosse o
pedaço suculento de bife que ele acabou de devorar no almoço. —
Prontinho, senhor, pode vir buscá-lo daqui três dias úteis.
— Perfeito, meu bem — responde, sorrindo tanto que quase parece
que ele quer que ela examine toda a sua arcada dentária. E aposto que é isso
que quer. De preferência com a língua. — Só pra eu saber, — se inclina
novamente sobre o balcão, aproximando o rosto dela e baixando o tom de
voz — que horas a loja fecha?
Ela franze o cenho, confusa.
— Às oito da noite, senhor.
— Então, digamos que, — o desgraçado leva dos dedos até a mecha
de cabelo que cai sobre o ombro da vendedora, enrolando-os em um cacho
— se eu vier buscar o meu relógio na terça, por volta das sete e quarenta,
talvez eu consiga te oferecer uma carona para casa?
A moça fica mais vermelha que um tomate, e olha rapidamente para
trás, para conferir se não vem ninguém da parte interna da loja.
— Eu tenho meu próprio carro, senhor — responde.
— Ah é? — Pedro não se faz de rogado e ousa mais, acariciando a
bochecha da moça. — Eu sugiro você vir de Uber na terça, docinho.
Coroa o pedido com uma piscada e se levanta, dando mais um sorriso
para ela antes de se despedir, fazendo sinal para que saiamos da loja.
— Olha — começo, balançando a cabeça. — Você deveria dar
cursos, sabia? Como conquistar uma mulher em cinco segundos. Puta que
pariu.
Ele sorri, dando um tapa no meu ombro.
— Você viu que gostosa? — comenta. — Ah, meu amigo, terça à
noite a minha mão vai fazer um colar perfeito naquele pescocinho lindo. —
Ele até esfrega as mãos, de tanta empolgação.
Eu só balanço a cabeça, sorrindo, porque ele é assim e sempre foi.
Pedro é um conquistador nato e, quando coloca os olhos em um alvo,
não há nada nesse mundo que o pare antes de conseguir a sua conquista.
Nada além de um não explícito, né, graças a Deus, porque meu
amigo não é nenhum babaca machista e aproveitador.
Se a mulher dá corda, ele puxa até se enforcar. Ou melhor, até
enforcar ela.
Mas se ela diz não, é não.
O mínimo, claro.
Senão eu já tinha enfeitado a cara dele com um olho roxo.
— Bom, já conseguiu limpar o seu relógio e ainda descolar uma
foda, podemos ir? — pergunto, recebendo um aceno em meio a uma revirada
de olhos.
— Vamos, vamos, eu hein — resmunga. — Chato pra caralho.
Não respondo, me limitando a andar em direção à saída do shopping,
olhando o relógio e vendo que temos quarenta minutos para chegar.
Só que, passando pelos corredores abarrotados de lojas, algo chama a
minha atenção e eu travo, encantado.
— Que foi, porra? — Pedro pergunta, enquanto eu fico hipnotizado
pelo que está na minha frente. — Ah, não, Henrique, você não vai...
Ignoro seu protesto e sigo para dentro da loja e encontrando uma
vendedora disponível.
— Boa tarde, senhor, em que posso ajudar? — questiona, sorrindo.
— Eu gostaria de ver aquele sapatinho branco que tá na vitrine, por
favor — peço. — O de crochê.
Ela assente e pede um minuto, se afastando de nós. Olho em volta,
completamente apaixonado pelas centenas de opções de roupas, pelúcias e
outras coisinhas de bebê, das mais lindas, imaginando como cada uma
ficaria no bebê da Alice.
— Cara, sério? — Pedro segura meu ombro, me fazendo olhar para
ele. — Você não tá levando essa história longe demais, não?
— Pedro — começo, suspirando. Quando que ele vai entender? —
Enfia uma coisa na sua cabeça. Eu amo a Alice. E eu amo o bebê dela. E se
ela permitir, eu vou enfiar uma aliança de verdade no dedo dela, e vou
colocar meu sobrenome nela e naquela criança, foda-se o DNA e a merda
toda. E se isso acontecer, ah, meu amigo... aí você vai ver eu comprar essa
loja inteira se eu quiser.
Meu amigo assente, entendendo as minhas palavras, mas me
direciona um olhar sério, preocupado.
— E quando isso vai acontecer? — pergunta. — Quando ela vai
decidir aceitar você e tudo isso? Porque ela já tá morando contigo há quase
três meses e nada, cara. Até quando você vai esperar ela se decidir?
— O tempo que for preciso — decreto, escutando um bufar. — Eu
não vou pedir que você entenda, Pedro, porque sei que não vai. Não sem
experimentar isso. E não, — interrompo-o, antes que ele fale — eu não estou
rogando praga. O amor é lindo, mas se você não quer viver isso, beleza,
direito seu. Mas eu peço, por favor, que respeite o fato de que eu quero viver
isso. Eu quero ficar com a Alice, e vou esperar o tempo que for pra isso.
Você não faz ideia do quanto só ir pra casa com ela, pra ficar no sofá
assistindo besteira e conversando sobre nada, e depois ir pra cama, me deitar
ao lado dela e ver aqueles cabelos espalhados pelo meu travesseiro... ah,
irmão, você não faz ideia do quanto isso já me preenche da mais profunda
felicidade.
— Eu só não quero te ver magoado... essa história toda tem potencial
de te destruir se der merda... — ele responde.
— Eu sei. — Assinto. — Mas também tem potencial de me fazer o
homem mais feliz do mundo e é nisso que eu me agarro, Pedro. Torce por
mim, torce pra dar certo.
— Você sabe que eu torço, irmão. — Ele aperta o meu ombro e eu sei
que sim. Sei que Pedro teme porque me ama e quer o meu bem. Sei que quer
o melhor para mim.
— Aqui, senhor. Eu trouxe também as luvinhas e o gorrinho, que
fazem o conjunto da coleção. — A vendedora retorna, colocando o sapatinho
nas minhas mãos.
— Olha o tamanho disso, Pedro — comento, encantado. — Tão
pequenininho, meu Deus. — É uma coisinha de nada. Cabe o meu polegar.
O pé do bebê é do tamanho do meu polegar. — Você sabia que a médica
disse na terça que ele tá com o tamanho de um pêssego. Tem noção? A porra
de um pêssego, irmão.
A vendedora sorri das minhas palavras e eu devolvo, feliz.
— E vocês já sabem o sexo? — meu amigo pergunta.
— Se souber, temos outras opções de cores disponíveis. Verde, azul,
rosa, lilás, amarelo — a moça complementa.
— Não, ainda não — respondo. — Ela fez o exame ontem, parece
que o resultado sai amanhã. — O rapaz do laboratório disse que o resultado
demorava três dias, então amanhã à tarde já pode estar pronto. — Vou levar
o branco mesmo. Os sapatos e o gorrinho, por favor. — Ela assente, se
afastando para preparar o meu pedido.
— Por que não as luvas? — Pedro pergunta.
— Ah, eu tava lendo que pode prejudicar o desenvolvimento do bebê
— respondo. — É importante ele tocar e sentir as texturas, e ter uma melhor
noção das coisas.
Meu amigo me encara em silêncio por um momento, antes de sorrir.
— Você tá todo pai babão mesmo, né? — provoca.
— Ah, cara. — Solto um suspiro. — O tanto que eu amo aqueles
dois, eu não sei nem explicar...
Ele assente, apertando os meus ombros.
— Eu espero que dê certo, irmão. De verdade. Espero que vocês
formem uma família linda, como você sempre sonhou.
— Eu também, Pedro — concordo. — Eu também.
38 - Alice
Não faz nem quarenta e oito horas que eu estou longe de Alice e já
me sinto prestes a enlouquecer.
É possível morrer de abstinência de uma pessoa?
Eu tenho quase certeza de que sim, porque é exatamente desse jeito
que me sinto.
Cheguei no hotel há mais de uma hora, depois de jantar com um
investidor interessado na Lacerda, e meu corpo se recusa a desligar e
descansar.
Minha cabeça fica martelando sem parar: será que a Alice comeu
direitinho? O bebê fez alguma coisa diferente hoje? E se ela tiver voltado a
sentir enjoos? Será que ela está sentindo a minha falta do mesmo jeito que eu
sinto a dela?
Parte de mim grita para eu deixar de ser um otário, porque ela
demonstrou muito claramente o que eu significo para ela domingo à noite,
quando disse com todas as letras que aquele infeliz que era o pai do bebê.
Essa parte específica de mim está muito, mas muito puta com ela,
magoada, ferida.
Mas a outra parte, que infelizmente (ou não) é bem maior e mais
teimosa, só consegue pensar nos seus olhinhos tristonhos quando eu saí do
apartamento ontem de manhã.
Essa parte, emocionada e burra, ainda tem esperanças de que tudo
não passou de um mal entendido, e que ela estava apenas confusa e
magoada, que estava triste por causa de toda a situação com aquele pau no
cu, que não teve a intenção de dizer aquilo, e que me ama na mesma medida
que eu a amo.
E é essa parte que me faz pegar o celular e buscar pelo contato dela,
tentando decidir se vale a pena ligar ou não.
Nós ainda não nos falamos desde que saí do apartamento.
Ela me mandou uma mensagem, no meio da manhã, ontem, pedindo
que eu avisasse se tinha chegado bem. Eu apenas respondi, dizendo que já
estava no congresso, e ela agradeceu, me desejando boa sorte.
Foi estranho falar com ela de forma tão seca, tão fria.
Eu sequer a chamei de boneca.
Ela tentou me ligar ontem à noite, antes de dormir, mas eu acabei não
vendo, pois estava no banho e não atendi. Respondi um tempo depois, em
uma mensagem, só explicando e desejando boa noite, e ela me respondeu de
madrugada, me fazendo pensar em mil possibilidades que me deixaram
agoniado.
Será que ela teve um pesadelo? Porque estava acordada naquela
hora?
Lutei contra mim mesmo para não ligar de manhã cedo, e apenas
mandei uma mensagem de bom dia, sem comentar sobre a sua resposta tão
tarde.
Ela respondeu logo em seguida, cedo demais para o que ela está
acostumada a acordar, só aumentando a minha preocupação, mas eu não
mandei mais nada, não querendo escutar algo que me fizesse voltar correndo
para ela.
Só que aqui estou eu, lutando comigo mesmo para mandar apenas
uma mensagem de novo, ignorando a necessidade quase física de ouvir a sua
voz doce.
Não foi eu que disse que achava importante esse espaço entre nós?
Ligar para dar boa noite não significa espaço, Henrique!
Antes que eu consiga tomar uma decisão, contudo, meu coração
dispara ao me deparar com a notificação sua para uma chamada de vídeo.
Me ajeito na cama e aperto o botão, seu rosto perfeito preenchendo a
tela do meu celular e quase me fazendo levantar daqui e dirigir duas horas,
só para vê-la de perto.
— Oi... — murmura, me dando um tchauzinho tímido, um sorriso de
canto preenchendo seus lábios. — Pensei em ligar pra dar boa noite.
Atrapalho?
Eu balanço a cabeça, antes de conseguir responder, hipnotizado
demais pela sua imagem, linda, de rosto limpo, deitada de lado, na minha
cama.
Será que se eu fretar um helicóptero, eu chego lá em menos de vinte
minutos?
— Você nunca atrapalha, Alice — respondo, em um tom baixo. —
Como vocês estão? — pergunto, me virando de lado e colocando o telefone
apoiado no outro travesseiro.
Quase dá para fingir que ela está aqui, deitada comigo.
Patético.
— Estamos bem — murmura. — Como tá sendo o congresso?
— Muito interessante, na verdade — replico. — Fiz contato com
alguns fornecedores que eu não conhecia e que podem ajudar muito nessa
nova fase da Lacerda. Jantei com um investidor interessado hoje. Ele ficou
de olho nos nossos planos de expandir pra fora do Brasil.
— Que bom, Henrique! Isso vai ser incrível pra empresa, tenho
certeza — responde. — Lá na Editora tá tudo tranquilo também... a equipe
de design conseguiu fechar a capa do lançamento do Rodrigo e acho que
agora vão conseguir terminar a diagramação.
— Graças a Deus, já tava me estressando com esse cara. —
Fechamos contrato com um autor novo, há alguns meses, e ele depois de
atrasar duas vezes a entrega do manuscrito final, o cara passou semanas
recusando todas as ideias de capas que a equipe de design propunha.
E o pior, o infeliz sequer sabia direito o que queria, para dar uma luz
aos nossos designers, e só sabia dizer que ainda não tinha tido o feeling
necessário para saber que era a capa certa.
Feeling do meu cu, só se for.
— O seu Pedro também tava por um fio com ele — continua. —
Porque a equipe só consegue iniciar a campanha com a capa escolhida, né?
— Sim, ele me disse... vou falar com o jurídico pra dar uma ajustada
no contrato desse cara — afirmo. — Não dá pra ele continuar fazendo a
gente de besta assim.
Alice assente e suspira, e eu fico impressionado com a forma que as
suas íris negras são capazes de tocar o fundo da minha alma mesmo através
de uma tela.
Há um silêncio que eu não sei dizer se é desconfortável ou não entre
nós, até que ela coça a garganta.
— Essa cama é grande demais sem você, sabia? — comenta, num
tom baixinho, quase receoso, e meu peito retumba, descontrolado, com as
palavras.
— É? — pergunto, sem saber mais o que dizer, porque as coisas não
ficaram normais entre nós e eu não sei o quanto mais quero me expor nesse
momento.
— Uhum — responde, e se não a conhecesse, poderia até jurar que
está fazendo manha. — Não consigo arrumar uma posição confortável pra
dormir.
Não faz isso comigo, amor.
— Essa cama aqui não tá nem um pouco convidativa também,
boneca — murmuro em resposta, vendo a forma como ela sorri, tímida.
— Você chega que horas na sexta-feira? — pergunta.
— A última conferência termina às quatro. Se eu não tiver mais nada
marcado com nenhum fornecedor ou investidor, já vou deixar a mala no
carro pra ir direto pra estrada. Devo chegar perto das seis e meia em casa,
talvez.
— Tá bem, vou preparar um jantar pra gente — começa, desviando o
olhar um pouco sem jeito. — Temos que conversar, né?
Seus dedos brincam com o seu anel de noivado, me fazendo girar o
meu próprio, em um gesto inconsciente.
— É, Alice, nós realmente temos... — Não é mais possível adiar essa
conversa.
Eu dei tudo de mim, me entreguei e fiz o que pude e o que não pude
para fazê-la me enxergar e retribuir os meus sentimentos. Não há mais nada
que eu possa fazer. O nosso futuro está nas mãos dela e isso me apavora de
um jeito que é muito difícil de lidar.
Ela me encara, em silêncio, e eu também não digo nada, ficando nós
dois ali, parados, trocando um olhar que poderia significar mil coisas e me
deixa ainda mais confuso do que já estou, querendo entrar na sua cabeça e
ler seus pensamentos, entender seus sentimentos a nosso respeito.
— Eu nunca quis te magoar — murmura.
As palavras carregam uma incógnita que me deixa aflito.
Isso significa o que?
Que ela não quis me magoar, por não ter tido intenção de me iludir
sobre algo que nunca vai acontecer?
Ou que ela não quis me magoar porque se importa comigo e apenas
estava confusa?
Meu coração bobo teima que é a segunda opção.
— Eu sei que não quis — respondo, em um sussurro.
Ela morde o lábio, indecisa, e suspira, fechando os olhos.
— Eu sinto a sua falta, Henrique — fala baixinho, sem me encarar,
como se temesse a minha reação.
Reação essa que é de puro júbilo, porque saudade é sinônimo de
carinho, não é? De amor, talvez? Meu Deus, boneca, você vai me
enlouquecer.
— Eu também, Alice — respondo, e ela abre os olhos, me fitando. —
De vocês dois. Muita saudade.
Seus lábios se curvam levemente, um tiquinho, quase de nada, e seus
olhos se fecham de novo, como se saboreasse as minhas palavras.
Ela vai me matar.
Vai fazer picadinho do meu coração.
E eu vou deixar.
— Volta logo pra casa, tá? — pede, em mais um sussurro rouco que
arrebenta com o meu juízo e me faz querer sair correndo daqui até ela.
Eu sou rico, será que consigo contratar um nerd para criar um
teletransportador para mim em menos de dez minutos?
— O mais rápido que eu conseguir, boneca — prometo, ganhando
mais um sorriso lindo e enlouquecedor.
— Boa noite, Henrique — murmura.
— Boa noite Alice — respondo. — Boa noite, pessegozinho.
— Ele já tem quase dezessete semanas, não tem mais o tamanho de
um pêssego. Agora ele é uma laranjinha — replica, com uma expressão
divertida, e eu devolvo o seu sorriso, porque a amo demais para fazer
qualquer outra coisa.
— Então, — suspiro — boa noite, laranjinha.
— Boa noite. — Seus olhos me dizem que ela quer dizer mais, mas
se segura, não sei se por ainda ter dúvidas ou pela distância e a quantidade
de coisas mal resolvidas entre nós.
De novo, o meu coração tolo insiste em acreditar na segunda opção.
A tela do telefone fica preta, e eu preciso de mais dela, então abro a
galeria e abro uma das mil fotos dela que eu tirei, a maioria escondido,
nesses últimos meses.
Na imagem, Alice está distraída, assistindo alguma coisa no sofá de
casa, os cabelos arrumados em um coque frouxo, e suas bochechas rosadas
pela sorriso que desponta em seus lábios.
É uma das minhas preferidas, porque ela parece tão leve, tão feliz,
tão... em casa.
Como se ela pertencesse ali, naquele sofá, com as pernas em cima do
meu colo, vestindo um pijama de algodão e comendo a sua nojenta pipoca
com ketchup.
Se eu fechar os olhos, quase consigo fingir que estou lá, junto dela, e
essa é uma noite como das tantas que passamos juntos ultimamente.
Torço para que sexta seja uma dessas noites.
Que a nossa conversa seja boa o suficiente para que, ao invés das
pernas, ela toda esteja no meu colo, confortável, feliz e minha.
Só minha.
Para sempre minha.
Assim como eu já sou dela.
46 - Alice
E até hoje, eu jurei a mim mesma que estava contente com a solidão
Porque nada nunca valeu a pena o risco
Mas você é a única exceção
The Only Exception - Paramore
Perfeita.
Não há outra palavra para descrever a Alice, aqui, esparramada na
minha cama, toda ofegante e com os lábios inchados pelos meus beijos, as
íris que já são negras ainda mais escuras, nubladas de um desejo profundo,
que também inflama o meu corpo.
O som da sua voz proferindo aquelas três palavrinhas ainda ecoa em
meus ouvidos e eu acabo de descobrir que quero que ela repita, de novo e de
novo, enquanto eu a amo da forma que venho sonhando nos últimos dois
anos.
— Henrique — arfa meu nome, quando desço os lábios para o seu
pescoço, mordiscando a sua pele alva e delicada, cheirosa e viciante, e
minhas mãos apertam a carne da sua cintura.
— Tão linda... — murmuro, hipnotizado, me sentindo até meio tonto,
sem saber nem por onde começar na lista infinita de coisas que eu quero
fazer com essa mulher. — Tão linda e perfeita, minha boneca... — Minhas
mãos adentram a minha camisa, acariciando o seu lado e subindo até chegar
ao contorno dos seus seios macios e pesados, sorrindo contra a sua pele
quando ela solto um lamento sofrido.
— Por favor — clama, suas unhas arranhando as minhas costas por
cima do tecido da minha camisa social quando fecho a palma em cima do
seu seio direito, se contorcendo toda embaixo de mim.
— Tudo bem, minha linda... — sussurro em seu ouvido, traçando o
contorno do seu mamilo com a ponta dos dedos e adorando a forma como
ela revira os olhos, arqueando a coluna e gemendo profundamente.
Seguro a barra da camisa que esconde o seu corpo de mim e encontro
seus olhos, em uma pergunta silenciosa, sorrindo quando ela acena, quase
que desesperada, me ajudando a remover o tecido e jogá-lo por cima do meu
ombro.
Eu sempre imaginei como seria vê-la assim, nua.
Nos meus sonhos mais secretos, eu criei uma imagem detalhada do
seu corpo, pensei em cada minúcia com cuidado, para compor a minha
melhor fantasia, que me acompanhou durante esse tempo todo.
Só que a realidade é ainda melhor.
Aliás, melhor é até uma ofensa para o quão surreal é essa mulher.
Sua pele é delicada, com algumas pintinhas escuras no topo dos seus seios,
que parecem até mesmo um caminho até os mamilos de um tom
amarronzado, com biquinhos pontudos que me chamam, implorando pelas
minhas mãos e boca.
Claro que eu obedeço.
Seguro o esquerdo com a mão, sentindo o quão pesado está, e
massageio a carne, concentrando os esforços na pontinha do mamilo ereto,
usando o indicador e o polegar para estimulá-lo do jeito que sei que a
deixará pronta para mim.
Ela choraminga, fechando os olhos e entreabrindo a boca,
empurrando o corpo para cima, pedindo por mais, e então eu aproximo os
lábios do seio direito, primeiro atiçando com a minha respiração, vendo a
pele se arrepiar com o contato, e depois colocando a língua para fora e
contornando o bico.
— Henrique! — exclama, suas duas mãos se infiltrando nos meus
cabelos, com o intuito de segurar a minha cabeça ali, toda mandona, e eu
apenas me rendo, molhando a extensão ao redor do mamilo antes de fechar
os lábios, mamando-a com fome, usando a outra mão para espalmar as suas
costas e trazê-la para mais perto de mim, erguendo o seu corpo da cama.
Apoio um joelho entre as suas pernas, pressionando a minha coxa no
seu centro e sentindo o calor que emana dali, quase sendo capaz de molhar a
minha calça, de tão encharcada. Ela chora, geme, ofega, arqueja, misturando
uma série de palavras sem conexão alguma, seu corpo tremendo inteiro
quando alterno entre os seios, lambendo o outro e chupando com o mesmo
vigor.
Li que os seios se tornam ainda mais sensíveis com a gravidez e
calculo o quão difícil seria fazê-la gozar apenas assim, estimulando seus
mamilos.
Aparentemente, não muito, pelo jeito que os seus gemidos se tornam
cada vez mais altos e suas mãos começam a puxar os meus cabelos com
mais força, como se precisasse se firmar em algo para aguentar o prazer que
lhe preenche.
Decido aceitar o desafio e afasto a minha coxa do seu centro,
sorrindo com a forma que ela reclama, e intensifico o meu trabalho nos seus
peitos gostosos, com a mão e os lábios, com a língua e os dentes, resvalando
a carne que já está avermelhada com o contato com a minha barba.
Sei que quando a penetrar, não vou durar nada, então quero vê-la se
desmanchar para mim pelo menos umas duas vezes antes de colocar meu
pau para o jogo.
O coitado implora, apertado nos confins da minha calça, mas eu não
lhe dou atenção, preocupado demais com a mulher em meus braços e em lhe
dar o maior prazer da sua vida, assim como sei que irei sentir daqui a pouco.
Continuo o meu assalto e percebo o exato momento que ela começa a
gozar, porque ela trava por uns dois segundos, apertando meus cabelos até o
ponto de o meu couro cabeludo arder com o ataque, e então suas costas se
curvam, a cabeça pendendo para trás, com os cabelos formando uma cascata
em cima do travesseiro branco, o meu nome ecoando de seus lábios como
um mantra, enquanto seu corpo treme inteiro, a pele arrepiada.
Ela fica assim por alguns segundos, e eu continuo os meus estímulos,
querendo prolongar o seu clímax pelo máximo possível, até que cai
novamente sobre o colchão, ofegante e sensível, se contorcendo para escapar
dos meus lábios, que ainda deixam beijos suaves nos seus seios.
Eu aproximo o meu rosto do seu, adorando a forma como ela está
toda bagunçada, meio aérea, como se não lembrasse nem do seu próprio
nome, um biquinho lindo nos lábios, o corpo ainda soltando pequenos
espasmos.
— Você consegue ficar ainda mais linda gozando... — murmuro, e
ela fica ainda mais vermelha, envergonhada, me arrancando um sorriso.
Seus dedos brincam com o colarinho da minha camisa por um
segundo, até que ela começa a desabotoá-la, o tempo todo mantendo os
olhos nos meios, de um jeito que é sexy demais para o meu pobre juízo, que
no momento está se segurando por um fio.
Quando termina o último botão, afasta o tecido para os lados,
esfregando as palmas das mãos no meu peito, concentrando-se no meu
abdome, e mordendo o lábio, com uma expressão pecaminosa.
— Como é que eu moro com você há mais de dois meses e nunca te
vi sem camisa antes? — pergunta, em tom baixo, admirando os contornos do
meu tanquinho.
Modéstia à parte, eu sou um puta gostoso.
— Não queria correr o risco de você me atacar e depois usar os
hormônios como desculpa, sabe — respondo, vendo a forma que ela sorri em
resposta. — Você tinha que se apaixonar por mim, por inteiro, e não só pelo
meu corpinho delicioso.
Ela gargalha, enquanto empurra a minha camisa pelos meus ombros
e eu a ajudo, me afastando para desabotoar os punhos e terminar de me
despir, jogando a peça no chão do quarto. Mas quando ela se espicha para
mexer no meu cinto, ameaçando retirar a minha calça, eu seguro suas mãos e
balanço a cabeça, negando.
— Mas...
— Se você encostar em mim eu não vou durar dois segundos, e ainda
te quero desmanchando pra mim pelo menos duas vezes antes de me enterrar
em você — explico.
Ela arregala os olhos, engolindo seco, e eu desço o corpo para beijá-
la mais uma vez, enfiando a minha língua na sua boca, segurando seu
pescoço e deixando escapar um gemido gutural.
Alice corresponde o meu desespero, suas mãos livres para arranhar a
pele das minhas costas sem o tecido para atrapalhar. Desço os lábios de volta
para o seu pescoço, fazendo caminho para baixo e parando para lamber os
mamilos entumecidos novamente, antes de continuar o percurso até o meu
destino.
— Meu Deus — ela ofega quando lambo logo abaixo do seu umbigo,
no cós do seu short de algodão, o qual seguro, levantando o olhar só para
receber um aceno desesperado, pedindo que eu continue.
Abaixo o tecido, juntamente com a calcinha ensopada, sentindo
minha respiração falhar com a visão da sua boceta lisinha e brilhante,
pulsando, ansiosa por alívio.
Antes, porém, não consigo ignorar o pequeno montinho onde
descansa o nosso bebê, que parece muito maior agora, de perto, e sinto meus
olhos marejando de emoção.
Acaricio a pele, pousando os lábios em um beijo casto, mas cheio de
sentimento, antes de levantar a cabeça e encontrar seus olhos tão
emocionados quanto os meus, e um sorriso trêmulo em seus lábios.
— Eu amo você, Henrique — ela repete aquelas palavras que quase
me derrubaram mais cedo, e não escondo o quanto me afetam, permitindo
que uma lágrima desça pela minha bochecha, devolvendo o seu sorriso.
— E eu amo você, minha boneca — respondo, depositando mais um
beijo em seu ventre.
O seu cheiro logo invade as minhas narinas, me lembrando que ela
está ali, toda pronta para mim, e não me faço de rogado, descendo o rosto e
enfiando-o em suas dobras molhadas, fazendo-a arquejar de surpresa.
É afrodisíaco.
O cheiro de Alice é ainda melhor do que eu sonhei, uma mistura de
algo doce, como ela, e um cítrico que me deixa louco, e não perco tempo
antes de traçar o seu comprimento, da entrada até o seu clitóris, em uma
lambida que me deixa até meio tonto.
— Perfeita... — murmuro, em um lamento, antes de abocanhar a sua
carne endurecida, contornando a pontinha com língua e dando leves
batidinhas, que a deixam desnorteada, fincando os dedos nos meus cabelos
novamente, arrancando um grunhido de mim.
Desço novamente até a sua entrada, penetrando-a com a minha
língua e sorvendo o seu gosto maravilhoso, enquanto o meu polegar trabalha
no clitóris inchado.
Alice se contorce, reclama, pede, geme, perdendo o controle e
encharcando ainda mais o meu rosto à medida que fica mais excitada e
pronta para mim. Ela puxa e arranha o meu couro cabeludo, mas não cedo,
segurando-a pela bunda e levantando o seu quadril em direção à minha face,
me perdendo ali, como se fosse um banquete feito especialmente para mim e
eu estivesse há anos, faminto, sedento.
Porque é exatamente isso.
Há anos eu espero por isso aqui, por essa conexão, essa entrega, esse
desejo, e agora que ela está aqui, em minhas mãos, eu só quero me fundir a
ela, de corpo e de alma, porque ela me tem por completo, sem ressalvas, sem
mentiras, sem receios.
Subo a língua de volta para o seu clitóris, alternando entre lamber e
chupar, enquanto meus dedos massageiam seus lábios menores até encontrar
a sua entrada e preenchê-la, com dois de uma vez, me fazendo gemer com o
quão apertada ela é.
— Henrique! — ela grita meu nome, seu corpo se desprendendo da
cama, a cabeça pendendo para trás, quando começa a espasmar contra mim,
caindo em um orgasmo que perdura por longos segundos, e que eu
aproveito, sorvendo cada gota, me deliciando com cada gemido, cada tremor
que ela me dá.
Quando ela cai sobre os lençóis, a respiração pesada, não dou trégua,
retirando meus dedos apenas para substituí-los com a minha língua,
preenchendo-a novamente, fincando meus dedos na curva do seu quadril,
prendendo-a para que não fuja.
— Meu Deus, Henrique, é demais... — reclama, tentando se desfazer
do meu toque, mas eu não permito, sabendo muito bem que posso arrancar
mais um dela, o que se prova verdade quando, poucos minutos depois, sinto
suas paredes espasmando contra a minha língua, e seu gosto ficando ainda
mais intenso, seu líquido preenchendo a minha boca faminta.
Continuo até que reste apenas pequenos tremores, e ela ofega, como
se tivesse corrido uma maratona, quando eu me afasto, deixando um beijo no
topo da sua boceta, em cima do seu clitóris, e me afasto, enxugando o rosto
com as costas da mão.
Desafivelo o meu cinto, abrindo o botão e o zíper da calça, me
levantando do colchão para descê-la por minhas pernas, libertando o meu
pau, que nunca esteve tão duro e dolorido, furioso comigo por ter o ignorado
por tanto tempo, louco para se perder naquele calor que eu acabei de provar
de perto.
Subo na cama novamente, fechando os dedos ao redor da minha
extensão rígida e batendo uma punheta leve, apertando a carne para impedir
o gozo iminente, enquanto deixo ela se recuperar um momento.
Seus olhos, que estavam fechados desde seu último orgasmo, se
abrem preguiçosamente, encontrando os meus antes de descer lentamente
pelo meu corpo, até encontrar a minha mão em movimento.
Ela arfa, afetada com a visão do meu comprimento, e eu me
aproximo, me encaixando entre as suas pernas e descendo o meu corpo para
encontrar seus lábios novamente, em um beijo cheio de desejo e de amor.
— Posso te comer agora? — pergunto, alinhando meu pau na sua
entrada e me lambuzando com o seu líquido viscoso ali presente, gemendo
com o contato.
Ela não responde verbalmente, apenas assente, arreganhando mais as
pernas e empurrando a pelve contra mim, me fazendo escorregar a cabeça
para dentro do seu canal apertado.
— Puta merda... — resmunga, fechando os olhos, e eu correspondo o
seu xingamento, porque, meu Deus, como ela me esmaga, de um jeito que é
quase enlouquecedor.
Preencho-a devagar, e cada centímetro é uma tortura, para nós dois,
porque nossos gemidos de dor e de prazer se misturam no ar e, quando meu
quadril se encontra com o dela, nossos corpos totalmente conectados, preciso
pousar a testa no seu ombro para recuperar algum resquício de sanidade
antes de começar a me mover.
— Deus do céu — lamento, quando me afasto e arremeto novamente,
sentindo o meu abdome se contrair de prazer, e o gozo ameaçar mais cedo do
que eu gostaria.
— Misericórdia, Henrique, o quão grande você é? — reclama,
quando me movimento bem lentamente, testando os nossos limites. Ela me
aperta, quase me fazendo perder o juízo, e eu gemo baixinho.
— Depois eu te dou uma trena pra você medir, agora não lembro
nem o meu nome — respondo, arrancando-lhe uma risada que só termina de
me foder, porque ela fica ainda mais apertada, e minhas bolas pesam com o
orgasmo que insiste em vir precipitadamente. — Boneca, eu não vou durar
nada, me desculpa — murmuro, envergonhado, afundando o rosto no seu
pescoço.
— Henrique — diz, acariciando meus cabelos antes de puxá-los, me
forçando a encontrar os seus olhos. — Você já me fez gozar três vezes. A
gente vai ter a vida inteira pra fazer amor... por hoje, — começa, rodeando
meu quadril com as pernas — só me fode.
Reviro os olhos quando suas paredes me comprimem e então eu a
obedeço, metendo nela com mais velocidade, ainda tendo cuidado com o seu
desconforto, mas chegando cada vez mais perto do meu ápice, com os seus
gemidos chorosos me ajudando a enlouquecer.
— Ah, Alice! — resmungo, sentindo o exato momento em que tudo
se torna demais, e eu me esvazio em seu interior, mordendo o seu ombro
para abafar o grito.
Gozo tanto, mas tanto, que escorre para fora antes mesmo que eu saia
de dentro dela, meu corpo inteiro tremendo feito louco, a minha pele
arrepiada, e o coração faltando sair pela boca, de tão fortes os batimentos.
Despenco sobre o seu corpo, tomando cuidado para não a amassar
demais, principalmente o seu ventre, e tento me recuperar do que acabou de
acontecer.
Alice, finalmente, é minha.
Inteira.
Corpo, alma e coração.
E quando me afasto, me retirando dela e deitando ao seu lado,
puxando o seu corpo para cima de mim, a forma como nós nos encaixamos
só me deixa ainda mais contente e certo de que isso aqui é a coisa mais
perfeita que eu já experimentei na minha vida.
Nossos olhos se conectam, o silêncio da noite dizendo mil palavras, e
eu sinto como se enfim, depois de muito tempo, eu finalmente conseguisse
respirar.
50 - Alice
— A Isabel é sua vovó, ela é muito boazinha, tem uma voz suave e
canta bem, você vai adorar. — Acordo lentamente, escutando a voz de
Henrique bem baixinha. — E também tem a Lúcia, ela tem uma cara de
braba, mas é muito fofa e sempre faz os melhores doces pra gente comer,
sabia? Vou te ensinar a minha cara de cachorro pidão, não tem erro, ela
nunca consegue brigar quando eu faço ela.
Abro um sorriso, antes mesmo de abrir os olhos, porque esse homem
é uma coisa de outro mundo, não dá pra acreditar.
— Você já tá querendo corromper o nosso filho, Henrique? —
pergunto, a garganta um pouco seca, e escuto sua risada.
— Só tô ensinando uns macetes pra ele, minha linda — responde.
Logo ele surge do meu lado, se sentando na poltrona de acompanhante, com
nosso menino no colo. — Oi, como você tá se sentindo?
— Como se eu tivesse parido um bebê de três quilos.
— Três quilos, cento e cinquenta gramas, me respeita, mamãe —
replica, com uma vozinha infantil, segurando a mão do bebê. — Eu sou um
menino grandão, igual ao meu papai.
— É mesmo — murmuro, sorrindo. — Eu dormi muito tempo? Que
horas são?
Lucca nasceu às sete e dezessete da noite, e eu passei as primeiras
horas alternando entre admirar seu rostinho lindo e amamentá-lo.
Depois da nossa primeira hora juntos, as enfermeiras os levaram para
fazer algumas checagens e limpá-lo, colocando a roupinha que separamos
para o primeiro dia.
Quando eu disse que não tínhamos nenhuma roupa pra colocar no
bebê, Henrique anunciou, com a maior cara de orgulho do mundo, que
deixou a minha bolsa da maternidade escondida na mala do nosso carro, por
precaução, já que, segundo ele, eu sou uma teimosa que insistiu em trabalhar
até o último dia e que poderia parir no meio da Lacerda, se dependesse de
mim.
Ele me ajudou a me limpar, depois, no banheiro, e logo eu estava no
leito trocado, com meu neném nos braços, e o homem da minha vida nos
observado, com uma cara de bobo.
— Já passa das seis da manhã, ele dormiu por algumas horas direto
— responde.
Eu dei a última mamada perto das três da manhã, então ele tinha
conseguido dormir mais de três horas seguidas.
— E você? Não descansou nada? — pergunto, pegando o meu bebê
nos braços.
— Dei alguns cochilos sim, não se preocupa — explica, se
inclinando para beijar minha testa. — Agora que você acordou, eu vou tomar
um banho rápido ali e ligar pro Benjamin. Ele e a Isabel estão tentando
segurar todo mundo pra não invadir esse hospital desde ontem.
Solto uma risada, porque consigo imaginar perfeitamente a cena.
Bianca emburrada, seu Afonso ansioso, Lúcia puta da vida, e Benji e
Isabel tentando apaziguar os ânimos.
— Que horas começa a visita? — pergunto.
— A partir das nove, mas não me espantaria eles chegarem aqui duas
horas antes e tentarem subornar as enfermeiras pra entrar — ele responde,
balançando a cabeça.
Logo se tranca no banheiro do meu quarto, me deixando sozinha com
o meu pequeno pedacinho de amor.
— Essa sua família é cheia de malucos, meu amorzinho — murmuro,
afagando seus cabelos. — E ainda tem os seus padrinhos, que com certeza
vão brigar pra ver quem consegue te agradar mais. — Ele solta um pequeno
fungar, suspirando contra a minha pele. É a sensação mais gostosa dessa
vida. — Mas o que importa é que você é rodeado de tanto amor, minha
riqueza. Todos a sua volta estavam ansiosos te esperando e te amam demais.
Você vai ser muito mimado, paparicado, cuidado, e o que não vão faltar são
braços pra te acalentar e te ninar.
Quando descobri essa gravidez, um dos primeiros pensamentos que
me invadiu foi justamente a falta de um sistema de suporte além da minha
melhor amiga. Eu pensava no quão solitário seria, no quão difícil seria
cuidar desse bebê sem uma família, sem um marido, sem avós amorosos,
sem tios, primos, sem ninguém além de mim e da Carina.
Jamais poderia imaginar a quantidade de amor que nos envolveria
nesse momento.
Tanto por aquele homem incrível que está a poucos metros de nós,
quanto pela sua família maravilhosa, que nos acolheu sem nem pensar duas
vezes, e que seriam a melhor rede de apoio do mundo.
— Você veio pra mudar a minha vida, meu pequeno amuleto da sorte
— sussurro, beijando sua cabecinha cheirosa.
Quando descobri sua existência, jamais poderia pensar que o medo
que me invadiu se transformaria em tanto amor.
Ele é o meu pequeno pedaço de milagre.
*
— Tá bom, Bibi, deixa eu segurar ele um pouco agora — Benjamin
pede, pela terceira vez, já que a caçula dos Lacerda se recusa a soltar o meu
menino.
— Você quer ir com esse barbudo feioso, meu amor? — ela pergunta,
com uma voz aguda. — Não, não quer, né? Quer ficar no colo da sua tia
preferida, eu sei que sim, eu sei que sim, bebê.
Benjamin bufa, cruzando os braços, irritado, e eu solto uma risada.
— Ele é tão lindo, meus filhos — seu Afonso comenta, olhando para
o seu neto.
— Claro que é, né, pai — meu noivo replica. — Olha pro pai dele,
que gato. Não tinha como vir outra coisa senão um galã de cinema.
Reviro os olhos, dando um tapinha em seu braço, que envolve a
minha cintura.
Não adiantou as enfermeiras recomendarem apenas duas pessoas por
vez no quarto. A família Lacerda chegou em peso, há uma hora, e se
recusaram a revezar para ver o novo membro da família.
A sorte é que meu sogro é amigo pessoal do diretor do hospital, e não
fizeram confusão por superlotarem o meu quarto.
As vantagens de ser milionário.
— Ele é a cara da Alice, isso sim, porque se puxasse a você seria feio
demais, tadinho — minha cunhada provoca, mostrando a língua para o
irmão.
— Teu problema é a tua inveja, pintora de rodapé — Henrique
responde. — Aproveita pra segurar ele agora, porque não dou dois meses pra
ele estar mais alto que você, e aí não vai dar mais conta de pegá-lo.
Ela mostra o dedo, emburrada, e Benjamin aproveita a briga dos dois
para intervir.
— Chega, me dá meu sobrinho aqui — ordena, ignorando os
protestos da irmã e pegando Lucca nos braços, sorrindo para ele. — Oi,
Lucca... é o tio Benji, é sim.
— Ah, pelo amor de Deus, Benjamin, voz de bebê não combina
contigo não, chega a ser bizarro — Henrique reclama, fazendo todos nós
rirmos, porque é verdade.
Não combina em nada com o primogênito dos Lacerda.
Mas ele não se abala, apenas continua conversando com o bebê.
— Ignora eles, neném, essa família é meio maluca, mas eu ajudo
você a aguentar todos eles, tá bom? — murmura, embalando-o.
É meio engraçado ver o meu cunhado, geralmente sério e retraído,
tão relaxado assim com um bebê nos braços.
Me pergunto se ele nunca quis ser pai.
Tenho certeza de que seria um pai fenomenal para qualquer criança.
— Cadê meu afilhado lindo?! — a voz da minha melhor amiga
invade o meu quarto e logo o furacão Carina entra, acompanhada do seu
namorado.
Sim.
Isso mesmo.
O ranço todo virou amor e agora os padrinhos do meu filho estão
juntos e super apaixonadinhos.
— Demoraram, hein? — Henrique comenta. — Estavam
encomendando um priminho pro Lucca?
— Henrique! — Dou um tapa no seu braço, balançando a cabeça.
— Tivemos que esperar a moça que toma conta da Michele chegar,
pra poder sair — Pedro explica.
— Eu disse pra ela vir, mas ela não quis. Disse que conhece o Lucca
depois. Agora eu quero ver meu bebezinho perfeito, oi, coisa linda da
madrinha, é muito perfeito, né, muito perfeito! Me dá ele? — Carina pede,
arquejando quando Benji nega.
— Nem pensar, esperei quase uma hora pra segurar ele, senta e
espera a tua vez — responde, apontando para uma cadeira. — É muito
abuso, né, amiguinho, chegar assim e achar que tem preferência. Olha só, o
absurdo — murmura, balançando o bebê.
Rio da expressão indignada da minha melhor amiga, que faz drama
para o namorado.
Ele a abraça, beijando os seus cabelos e sorrindo, e eu suspiro com a
cena.
Quem viu esses dois há alguns meses, brigando feito cão e gato,
jamais imaginaria vê-los assim, tão fofinhos.
Isabel se aproxima da cama, segurando minha mão e me dando um
olhar meio maternal, enquanto observamos Carina tentar convencer
Benjamin a entregar o bebê a ela.
— Como você tá se sentindo, minha filha? — pergunta.
Solto um suspiro, sorrindo.
— Como se meu coração estivesse batendo fora do peito, agora —
respondo, e ela sorri.
— Eu imagino, querida — murmura. — Nunca vivi essa experiência,
infelizmente, mas pude sentir um pouquinho do que é ser mãe depois de me
casar com Afonso, principalmente em relação à Bianca, que ainda era
pequena.
— Você foi uma segunda mãe pra todos nós, Bebel,
independentemente da idade — Henrique responde, sorrindo para a sua
madrasta.
— E você será um pai maravilhoso pra esse bebê, meu filho —
replica. — Porque a ligação de vocês é muito mais forte que sangue e
biologia. É uma conexão de almas, e ninguém, jamais, vai poder dizer o
contrário.
Henrique se emociona, deixando um beijo nos cabelos de Isabel,
antes de ela se afastar e voltar para o lado do marido.
— Ela tem razão — murmuro. Henrique me encara, uma expressão
suave em seu rosto, e sorri. — Você é o melhor pai que o Lucca poderia ter,
e nós dois somos muito sortudos em te ter conosco.
Meu filho, graças a Deus, nasceu a minha cópia, e eu espero que
cresça assim, sem qualquer resquício do filho da puta que doou o esperma.
E mesmo que puxe alguns traços do infeliz, eu sei que nada disso
importará, porque é esse homem ao meu lado que será a sua figura paterna,
que o acompanhará por toda a sua vida, e é nele que vai se espelhar.
Já prevejo os dois fazendo mil traquinagens e me deixando de
cabelos em pé, mas eu mal vejo a hora. Porque isso aqui vai muito além de
qualquer coisa que eu poderia sonhar. E eu não preciso de mais nada.
Aqui, rodeada da família que me acolheu, nos braços do meu amor e
olhando para o meu menino, eu me sinto completa.
E repleta da mais profunda gratidão.
61 - Henrique
Porque eles dizem que lar é onde o seu coração está firmado
É para onde você vai quando está sozinho
É onde você vai descansar os ossos
Home – Gabrielle Aplin
Nada me preparou
Para o privilégio que seria
Ser sua
Turning Page – Sleeping at Last
Capítulo 01 - Bianca
Nunca pensei que estar grávida pudesse ser tão desconfortável.
Às trinta e nove semanas e cinco dias de gestação, eu sinto como se
fosse explodir.
Deixa eu te contar uma coisa sobre ser uma mulher de um metro e
meio, grávida de um cara que poderia competir com o Pé Grande, de tão alto
e forte: não é nadinha divertido.
A genética do Joaquim é potente o suficiente para que o nosso filho
seja um bebê mutante gigante, de quase três quilos e setecentos gramas e
mais de cinquenta centímetros. Aparentemente, quando a sua porra é forte o
bastante para driblar um DIU de cobre, também é forte para criar um super
bebê.
Talvez eu odeie o meu noivo só um pouquinho por causa disso.
Mas só um pouquinho mesmo, afinal, aqui, deitada na nossa cama
quentinha, com a nossa menininha de dez anos aninhada em meus braços,
assistindo a Maribel dançar e cantar, torcendo para finalmente ser agraciada
com o seu dom, eu me sinto mais feliz do que algum dia já senti na minha
vida.
— Mamãe? — meu pedacinho de amor me chama, levantando a
cabeça para me olhar. — O Dudu tá quietinho, né? Nem me chutou hoje…
— comenta, acariciando a minha barriga.
Abro um sorriso, pousando a minha mão em cima da dela.
— Ele tá dormindo, bonequinha — murmuro. — Tá aproveitando os
últimos dias nessa barriga quentinha antes de vir conhecer a gente.
Cada dia mais perto do nascimento, Angélica fica ainda mais
animada e ansiosa com a ideia de ser irmã mais velha. Respondo um zilhão
de perguntas, todos os dias, e não posso dizer que não vou sentir falta desses
momentos.
Meu parto está marcado para daqui três dias, e estamos todos
empolgados com a ideia de finalmente ter o mais novo membro da família
entre nós.
Dona Ilda já lavou e passou todas as roupinhas dele umas três vezes,
de ansiedade, e o meu pai e a Isabel ligam de meia em meia hora, querendo
saber se alguma coisa incrível e diferente aconteceu.
Spoiler, não.
Mesmo sendo extremamente desconfortável, a reta final da gravidez
é, na verdade, bem monótona.
O bebê já fez tudo o que tinha que fazer, nós já descobrimos tudo o
que era possível descobrir, então só nos resta esperar o tempo certo de
terminar de cozinhar essa fofura, antes que ele venha bem saudável para nós.
Apesar de que, nos últimos dois dias, venho experimentando mais
contrações de treinamento do que o normal, e cada vez mais longas e
dolorosas.
No início da trigésima sexta semana, tomamos um susto, achando
que tinha chegado a hora, quando eu comecei a sentir um pouco de cólica e o
meu ventre mais duro do que o normal. Corremos para o hospital, mas a
obstetra plantonista nos tranquilizou, dizendo que se tratavam de contrações
de treinamento, e que eu saberia quando elas se tornassem verdadeiras.
— Até parece que quando ele nascer não vai dormir o tempo todo —
Angélica replica, sabichona, aproximando o rosto da minha barriga. —
Deixa de ser preguiçoso, maninho. Fica só no bem bom aí. Quando você
nascer, eu vou te fazer cosquinha quando quiser dormir demais.
Solto uma risada, afagando os seus cabelos, enquanto ela sorri, me
mostrando aquela banguelinha linda de sorriso.
Como eu amo essa criança, meu Deus.
Confesso que tive um leve surto quando descobri a minha gravidez,
há alguns meses. Tinha muito medo de ser uma mãe ruim, e chorei feito um
bebê no colo do Joaquim, dizendo que eu provavelmente iria matar o nosso
filho afogado na primeira vez que fosse dar banho nele, de tão
destrambelhada que sou.
Mas aí o meu noivo me lembrou de um detalhe bem importante.
Mesmo que naquela época ela ainda não me chamasse de mãe, eu já
vinha desempenhando esse papel na vida da nossa anjinha desde que
assumimos o nosso relacionamento, e estava me saindo muito bem, modéstia
à parte.
Quando percebi isso, meu coração se tranquilizou, apesar de ainda
me sentir um pouco em pânico com a ideia de ser responsável pela vida de
alguém tão frágil e dependente.
Angélica já é grande, quando sente algo ruim ela é capaz de falar.
O bebê não. Ele dependeria única e exclusivamente da minha
capacidade de detectar algo errado e de prover o necessário para deixá-lo
confortável.
É um pouco assustador.
Mas não vejo a hora dele chegar.
— Quando ele se esgoelar de chorar no seu ouvido, por ter
interrompido a sonequinha dele, quero ver a senhorita se arrepender da
graça, mocinha — provoco, fazendo cosquinhas na sua barriga e arrancando-
lhe uma gargalhada gostosa.
Só que, em poucos segundos, o clima leve e divertido entre nós se
torna um silêncio tenso e assustador quando nós duas sentimos o colchão
molhado.
— Mamãe? — Angélica pergunta, visivelmente nervosa, e eu preciso
me controlar para não me desesperar.
— Parece que o seu irmão quer vir mais cedo do que o previsto,
bonequinha — murmuro, tentando sorrir e transmitir uma tranquilidade que
eu não sinto. — Pega o telefone e liga pro seu pai, tá? Diz pra ele que a
minha bolsa estourou e ele precisa vir o mais depressa possível — oriento,
tentando me levantar.
— Tá bem, mamãe — ela responde, pegando o aparelho na mesinha
de cabeceira e procurando o número do confeiteiro.
Eu me sento na beira da cama, começando a fazer os exercícios de
respiração que a minha obstetra me ensinou, para manter a cabeça no lugar.
Estou sozinha nessa casa com a minha filha e, definitivamente, não posso me
desesperar.
Já passa das três da tarde e eu sei que o meu noivo deve estar saindo
da livraria agora, então não deve demorar nadinha para que ele apareça aqui.
Dona Ilda foi para a sua aula de hidroginástica, e deve retornar só perto das
cinco, e a moça que cuida da limpeza já terminou o seu expediente e se
despediu de nós há mais de meia hora.
Só mais alguns minutos.
Já, já o Joaquim chega e tudo vai ficar bem.
*
Eu vou matar aquele confeiteiro de uma figa!
— Mamãe, o papai ainda não atendeu! — Angélica diz, a sua voz
ficando mais nervosa a cada segundo que o seu pai não atende as vinte e
cinco malditas ligações que já fizemos nos últimos quinze minutos!
— Tenta ligar pro tio Benji de novo, bonequinha — peço, puxando a
respiração quando uma contração me atinge. — O papai deve estar ocupado.
Sim.
Ocupado enfiando o telefone no cu!
Cadê esse infeliz e por que decidiu sumir no mundo justo na hora que
eu mais preciso dele?
— Ele também não atende, mamãe — ela me informa, me olhando
com uma expressão assustada e olhinhos marejados. — O Edu vai nascer
aqui em casa?
Ah, mas nem por um caralho!
— Não, amorzinho, claro que não — tranquilizo-a. — Seu irmão vai
nascer lá no hospital, bem seguro e quentinho, cheio de médicos e
enfermeiras que vão cuidar muito bem de nós dois, tá bem?
E com muita, mas muita anestesia, porque esse caralho dói demais!!!
— Tá bom — murmura. — Vou ligar pro papai de novo.
— Isso, liga pro seu pai, princesa. A mamãe vai no banheiro
rapidinho, tá? — digo, esboçando um sorriso para disfarçar a careta de dor
que quero fazer nesse momento.
Angélica assente, discando mais uma vez o número do seu finado
pai, enquanto eu sigo para o banheiro.
Isso mesmo, você não leu errado.
Finado pai.
Porque a hora que eu colocar as mãos nesse desgraçado eu vou matá-
lo!
E depois vou ressuscitá-lo só pra matá-lo de novo!
Filho da puta!, xingo, me curvando na frente da pia e segurando-a
com força.
Pau no cu, arrombado, infeliz, cretino, desgraçado!!
Meu Deus, como isso dói!
— Oh, meu amorzinho, não tinha outra hora pra você vir nesse
mundo, não? — murmuro, segurando a minha barriga. — De preferência
quando eu estivesse no hospital, com anestesia na veia e um monte de gente
pra me paparicar?
Engulo o choro e tento respirar mais uma vez.
Vai dar certo. Vai dar tudo certo.
Capítulo 02 - Joaquim
A Bianca vai me matar.
Quando eu estava saindo da livraria, a moça que está substituindo ela
e a Amanda na administração me chamou para tentar resolver uma questão
sobre o atraso na entrega de alguns lotes de livros.
Deixa eu te dizer o que eu sei sobre lotes de livros: PORRA.
NENHUMA.
Matheus voltou a trabalhar há quase dois meses, graças a Deus,
depois de tirar trinta dias para ficar junto da Amanda e da sua menininha
recém-nascida, mas ela ainda tem mais um mês inteiro de licença-
maternidade antes de retornar, em meio período, para a livraria.
Por isso, ela e a Bianca decidiram contratar uma moça, também
formada em administração, para assumir a gerência do lugar durante esse
período em que nenhuma das duas estaria aqui.
Com muito esforço, consegui convencer a Bianca a se afastar da
livraria em tempo integral pouco antes de ela completar oito meses de
gravidez, porque a rotina de subir as escadas para o seu escritório e de cuidar
de toda a burocracia que envolve gerir esse lugar estavam deixando ela
cansada demais.
Porra, ela é a dona desse caralho.
Se ela não puder dizer o momento certo de se afastar, pelo seu bem e
do nosso menino, então de que serve mandar em toda essa bosta?
Claro que a teimosa ainda veio algumas vezes, ver como estava a
adaptação da Edith, cuidando da gerência, mas eu tentei evitar ao máximo
que se estressasse e prejudicasse a gravidez.
Me saí muito bem nesse papel, durante os últimos nove meses.
Até agora.
— Caralho, ela vai me matar — resmungo, ao manobrar o carro na
garagem de casa.
Tentando ajudar a Edith e o Matheus a resolver a bronca toda com a
remessa atrasada, não percebi que o meu telefone ainda estava conectado aos
fones de ouvido, e que esses estavam no meu bolso, desde a hora que saí da
cozinha.
Ou seja, não escutei nenhuma das trinta e duas ligações que ela e a
anjinha fizeram para mim.
Sim, trinta e duas.
Quase tive um infarto quando peguei o telefone e vi as notificações,
bem a tempo de mais uma chamada surgir e eu atender, ouvindo a voz
assustada da minha filha me informando que a bolsa tinha estourado há
quase meia hora e ninguém atendeu o telefone para ir ajudar.
Nem eu, nem o Benjamin, nem o Henrique, nem o seu Afonso.
Estamos todos fodidos nessa merda.
Ela vai fazer picadinho de cada um de nós.
— Anjinha?! — chamo, assim que entro em casa, já subindo os
degraus de dois em dois, correndo até a nossa suíte. — Anjinha? Princesa?
— Abro a porta de supetão, vendo a minha filha parada na porta do banheiro,
olhando a minha noiva sentada na banheira, respirando ritmadamente.
— Papai! — ela exclama, correndo até mim e puxando a minha mão,
para que eu me aproxime. — A mamãe disse que ficar de molho é bom pra
dor, mas ela tá sentindo muita, muita dor!
Olho para a minha loirinha, toda vermelha de tanto esforço, e sinto o
meu coração apertar.
— Nós vamos pro hospital e já, já a mamãe vai tomar um remedinho
pra ajudar a passar a dor, tá bem? — explico, afagando os seus cabelos e
tentando acalmá-la.
— Eu tô bem, meu amor — Bianca sorri, tentando transmitir
tranquilidade para a nossa filha. — Você foi muito corajosa e eu tô muito
orgulhosa de você, amor. Mas agora o papai tá aqui e vai ficar tudo bem, ok?
— Angélica assente, sorrindo para a mãe. — Você pode pegar um copo de
água pra mim, por favor? — ela pede, e a nossa menina assente rapidamente,
saindo do quarto.
Eu me aproximo, me ajoelhando ao seu lado e tirando os cabelos do
seu rosto.
— Oi, minha princesa… desculpa ter demorado, eu… — Sou
interrompido quando ela segura a gola da minha camisa, me puxando para
perto e me dando um olhar digno daqueles personagens possuídos de filme
de terror.
— Onde você se enfiou, seu desgraçado?! — exclama, perdendo toda
a tranquilidade e paciência de minutos atrás. — Enfiou o celular no cu, por
acaso? Eu aqui, me cagando de dor, e você, que é o culpado de tudo, junto
desse teu pau demoníaco, achou uma boa ideia sumir no mundo? Filho da
puta, infeliz, pau no cu do caralho, eu vou te matar!
Pisco algumas vezes, um pouco atordoado, antes de conseguir reagir.
— Você tá falando palavrão? — pergunto, incrédulo.
Em quase dois anos de relacionamento, essa mulher nunca falou um
palavrão sequer.
Nunca.
E sempre foi chacota dos irmãos, pela forma que costuma xingar de
uma forma bem fofa, todas as vezes que se irrita.
— Experimenta ter que empurrar uma melancia pela boceta pra ver
se você não vai chamar palavrão também, seu arrombado do caralho! —
rebate, soltando um grito no final, quando mais uma contração forte lhe
atinge.
Ok.
Quem é esse caminhoneiro e o que ele fez com a minha mulher?
— Tudo bem, princesa, você tá certa, me desculpa — murmuro,
porque, se no seu estado normal eu já não gosto de irritar essa criatura, que
dirá parindo a porra de uma melancia, como ela bem disse. — Eu chamei a
babá da Angélica, ela tá chegando já, vai ficar até a dona Ilda chegar. Vamos
sair dessa banheira e vestir uma roupa pra ir pro hospital, tá?
Ela assente, segurando a minha mão e apertando os dedos com força,
enquanto respira pesadamente.
— Você nunca, nunca, nunca mais vai enfiar esse pau maldito em
mim, ouviu? — resmunga, me olhando com uma expressão de puro ódio. —
Eu quero arrancar ele e te fazer engolir, inferno! — exclama, se curvando
para suportar mais uma onda de dor.
— Você pode fazer o que quiser, minha princesa — respondo, como
um bom pau mandado. — Vamos mudar de roupa, vamos? Já, já você vai
receber uma anestesia e vai dar tudo certo.
*
Então.
Meio que não deu certo.
Primeiro, pegamos um leve congestionamento na rua principal de
acesso ao centro da cidade, onde fica a maternidade.
Foram vinte minutos de gritos, gemidos e muitos, mas MUITOS
palavrões da minha mulher. Quem diria que uma criatura tão pequena
pudesse se tornar tão violenta durante o trabalho de parto?
Quando finalmente conseguimos chegar no hospital, demorou mais
uns bons minutos até conseguirem acomodá-la em um quarto, porque não
havia nenhum individual disponível no sistema naquele momento, e ela disse
que se recusava a arreganhar as pernas em um quarto com outras pessoas e
mostrar a boceta para um mundaréu de gente.
Sim. Com essas palavras.
Então Bianca ficou em uma cadeira de rodas, na recepção do
hospital, berrando para os quatro ventos que ia parir sentada ali se ninguém
fizesse nada, e que ia processar o hospital e quem quer que aparecesse na sua
frente.
Não demorou nadinha para aparecer um quarto livre, e logo começou
outra confusão, porque a sua obstetra não tinha chegado ainda. Eu tentei
acalmar a fera, dizendo que a pobre mulher tinha trabalhado um plantão de
trinta e seis horas e estava dormindo quando eu liguei para avisar sobre o
parto, mas que já estava a caminho, e recebi de resposta que eu era um cuzão
por ficar do lado da médica.
E que, como eu jamais a comeria de novo, podia fugir com a obstetra
e fazer um milhão de bebês gigantes nela, lá na puta que pariu.
E agora estou aqui, apenas pedindo desculpas e dizendo que ela tem
razão, enquanto enxugo a sua testa com uma toalha molhada e rezo para que
o meu menino não demore muito para nascer.
Tenho esperanças de que a sua chegada funcione como um
exorcismo para expurgar o demônio que tomou conta do corpo da minha
noiva desde o segundo que a sua bolsa estourou.
— Eu odeio você — ela murmura, ofegante, depois que uma
contração bem forte a atinge. — Odeio você, odeio o seu pau mutilador de
DIU, odeio tudo! Ah, meu Deus, porque essa anestesia é tão fraca? — grita,
apertando os meus dedos com força o suficiente para quase quebrá-los.
— Parece que temos um bebê muito ansioso pra nascer aqui, não é,
papais? — a médica finalmente aparece, com um sorriso no rosto, e Bianca
desaba sobre o leito, o peito subindo e descendo com o esforço de respirar, e
o suor escorrendo pela sua testa. — Vamos examinar pra ver como estamos
avançados? — pergunta, vestindo um par de luvas. — Bianca, vou tocar em
você, tudo bem?
— Você pode enfiar até o braço todo, desde que essa porra pare de
doer! Caralho! — grita, se curvando para suportar mais uma contração.
— O intervalo está em quantos minutos? — ela pergunta para
enfermeira.
— Menos de dois, doutora — informa.
— E pelo que vejo, — murmura, examinando a minha mulher —
estamos com a dilatação certa para iniciarmos os trabalhos. Aplicaram a
epidural? — pergunta, e a enfermeira assente.
— Eu acho que tinha água no lugar daquela merda, porque não fez
efeito nenhum, essa porra dói demais! — choraminga, algumas lágrimas
escapando dos seus olhos.
— Tá acabando, minha princesa. Já vai acabar… — murmuro,
enxugando o seu rosto.
— Cala a boca! Nunca mais, Joaquim. Eu espero que você goste de
bater punheta, porque você nunca mais vai me comer. Ouviu? Nunca mais,
seu confeiteiro desgraçado! — exclama, me fuzilando com o olhar.
— Tudo bem, meu amor, o que você quiser, tudo bem… — Apenas
concordo, porque eu tenho amor à minha vida, e vejo a médica abrindo um
sorriso de canto de boca.
— Bianca, o bebê já está coroando, ok? Isso significa que na próxima
contração, eu preciso que você empurre. Tá bem? — pergunta, e a Bianca
arregala os olhos.
— Eu não vou conseguir. Não vai dar certo, tá muito cedo, ele tem
que ficar aí dentro mais tempo… — Ela começa a se desesperar, os seus
olhinhos azuis banhados em lágrimas. — Meu filho, a mamãe não tá pronta,
fica aí mais um pouquinho, por favor…
— Princesa. — Seguro o seu rosto, chamando a sua atenção. — Vai
dar tudo certo, meu amor. O Eduardo tá pronto pra nascer e nós dois estamos
prontos pra recebê-lo. A anjinha tá ansiosa pra conhecer o irmão. Seus
irmãos, seu pai, suas cunhadas, tá todo mundo doido pra ver o nosso menino.
Traz ele pra nós, minha linda. Você consegue…
Ela pisca, fazendo uma careta de dor e nervoso e balança a cabeça.
— Você nunca mais vai encostar em mim, nunca mais… — murmura
baixinho, antes de puxar a respiração. — Tá bem, tô pronta…
— Ótimo, Bianca… vai dar tudo certo… na próxima, empurre!
Não demora nem cinco segundos e a loirinha aperta os meus dedos
com força, começando a empurrar e gritar ao mesmo tempo, fazendo um
esforço descomunal para trazer o nosso filho a esse mundo.
Se eu já não a amasse tanto, me renderia agora.
— Quase lá, Bianca, mais uma vez, empurra! — a médica orienta, se
ajeitando para segurar o meu filho.
São segundos, mas que parecem horas intermináveis, e então o grito
da Bianca é substituído por outro, mais agudo, mais estridente, mas tão, tão
lindo, que quase me derruba de joelhos. É o som mais perfeito desse mundo,
e eu sinto o meu coração se inundar do mais profundo amor.
— Ele nasceu, amor… — Bianca ofega, chorando, enquanto as
enfermeiras e a médica arrumam o bebê no seu peito.
— Conheçam o seu menino lindo, Bianca e Joaquim… — a médica
anuncia, antes de se afastar, com um sorriso.
— Oi, Eduardo… — eu sussurro, traçando o seu rostinho com os
meus dedos, sentindo as lágrimas escorrendo pelo meu rosto. — Oi, meu
filho… é o papai… lembra de mim? A gente conversou bastante nos últimos
meses…
Meu menino para de chorar e mexe a cabeça, apertando os olhinhos e
abrindo e fechando a boquinha, como se buscasse a origem da minha voz, e
é a coisa mais perfeita desse mundo.
— Ele reconheceu você, amor… — Bianca murmura, emocionada.
— Claro que reconheceu… é o meu garotão, né? — digo, sentindo
um bolo na minha garganta. — Obrigado, princesa. Você acabou de realizar
mais um sonho que eu nem sabia que tinha… — murmuro, me inclinando
para beijar a sua testa. — Eu amo você.
— Eu também te amo, meu amor… obrigada por me dar uma família
tão linda… — responde, sorrindo para mim.
Fico abobalhado, observando os dois, enquanto ela cantarola para o
nosso filho, uma melodia bem suave.
Eu sinto como se, nesse momento, eu pudesse conquistar o mundo
todo.
É, com certeza, um dos dias mais especiais da minha vida inteira.
Capítulo 03 – Bianca
— Ele é tão perfeito, né, amor? — pergunto, admirando o meu
menino.
Faz algumas horas desde o seu nascimento e, exceto pelo momento
em que as enfermeiras o levaram para tirar as medidas e fazer alguns
exames, eu não desgrudei do Eduardo desde que ele chegou a esse mundo.
Deixei o Joaquim pegá-lo no colo por um tempo, claro, mas logo o meu bebê
chorou, querendo mamar, e eu o tomei de volta.
Agora ele está dormindo, todo encaixadinho nos meus braços,
soltando pequenos suspiros fofos, que estão me deixando toda boba.
Tão lindo!
— Ele puxou à mãe… — meu noivo responde, sentado na beira da
cama, olhando para nós dois.
Ele não está errado.
Eduardo puxou os meus cabelos loiros e olhos azuis, mas a sua boca
mais cheinha é toda do pai.
Meu menino é a perfeita junção de nós dois e eu não poderia estar
mais feliz.
Eu sorrio para o meu noivo, adorando a forma como os seus olhos
castanhos parecem brilhar ao nos observar, e acho que nunca vi o meu
confeiteiro tão feliz.
— Ligou pra anjinha? — pergunto, ajeitando o montinho no meu
colo.
— Liguei — aquiesce. — Perguntei se ela realmente não queria uma
foto do irmão, mas ela disse que não. Que quer ver ele pessoalmente, e não
quer spoiler.
Solto uma risada, sendo acompanhada pelo confeiteiro, e depois
suspiro, feliz. Parece que eu levei uma surra, estou dolorida em pedaços do
meu corpo que eu nem sabia que existiam, mas nunca me senti tão realizada
antes na minha vida.
— Como você está se sentindo? — meu noivo questiona, acariciando
a minha coxa.
— Um pouco dolorida, mas bem… — respondo. — Feliz por ter sido
um parto saudável e tranquilo. Tinha muito medo de parto normal, mas até
que foi menos traumatizante do que eu imaginava…
Eduardo nasceu com três quilos e quatrocentos gramas e cinquenta e
dois centímetros. Um bebê bem grande, como estava previsto nas medições
do pré-Natal, e bastante forte e saudável. Todos os exames até agora foram
positivos, e o meu menino está exatamente como deveria estar.
Segundo a médica, depois de amanhã já devemos ir para casa, se
tudo continuar do jeito que está.
— Falei com o seu pai e com o Benji. Eles vão vir amanhã de manhã
conhecer o bebê. Seu irmão vai passar lá em casa pra pegar a dona Ilda e a
Angélica — Joaquim explica, enquanto faz carinho no nosso bebê. —
Henrique disse que vai chegar um pouquinho mais tarde, porque precisa ir
na Editora assinar um contrato antes de buscar a Alice e vir também. É o
tempo que a babá chega.
Meu irmão do meio é o que mais sabe como será a nossa vida daqui
para frente, tendo uma criança de um ano e dois meses em casa. Aquela
coisinha fofa me ajudou muito a me preparar para a rotina com um bebê,
porque eu sempre sequestrava para a minha casa, com a desculpa de que
precisava praticar. Meu irmão reclamava, mas sei que adorou cada uma das
horas livres que eu proporcionei sendo babá.
Agora eu espero uma retribuição à altura, no mínimo.
— E aí? O demônio realmente foi exorcizado? — Joaquim pergunta,
me fazendo franzir o cenho, confusa.
— Como assim? — pergunto.
— A Bianca caminhoneira foi embora? Ou ainda corro o risco de ser
xingado até a minha última geração? — questiona, e eu sinto o meu rosto
esquentar de vergonha.
— Bobo… — murmuro, desviando o olhar, e ele solta uma risada.
— Quem diria que só precisava da dor do parto pra fazer você xingar
de verdade, hein, dona Bianca? — debocha. — Aliás, eu não sabia que uma
criatura tão pequena pudesse ficar tão violenta assim. Você me assustou pra
caramba, viu?
Dou um tapa no seu braço, resmungando baixinho, e balanço o meu
bebê, quando o escuto choramingar.
— Mentiroso, nem foi tanto assim — retruco, tentando disfarçar, e
ele aumenta o sorriso.
— Não? — pergunta. — Princesa, você ameaçou a pobre da
recepcionista até ela quase chorar… a coitada se tremia toda.
Levanto o queixo, virando a cabeça para o lado.
— Arrumaram um quarto rapidinho, não foi?
— Não duvido que tenham expulsado alguém do hospital só pra
liberar esse quarto pra você — ele responde, provocando. — Acho que se
procurarmos pela rua, vai ter algum morimbundo com o acesso na veia
ainda, esperando a morte o levar depois de o hospital o abandonar.
— Deixa de ser ridículo, confeiteiro — reclamo, batendo mais uma
vez no seu braço, e ele se sacode todo em uma gargalhada.
— Eu deveria ter filmado — murmura, sorrindo. — Seus irmãos
nunca vão acreditar que você me mandou tomar no cu e me chamou de
arrombado do caralho.
Sinto minhas bochechas ruborizadas e desvio o olhar, constrangida.
— Eu não disse isso — nego, tentando me esquivar.
— Ah, disse. Mas disse muito, senhorita. Disse mais de uma vez,
inclusive — responde, com uma expressão provocadora e eu reviro os olhos,
fazendo bico.
— Eu tava sentindo muita dor, sabia?
— Eu sei princesa. Tudo culpa minha e do meu pau demoníaco, né?
— replica, soltando mais uma risada e me fazendo bufar. — Inclusive, se eu
vou viver de punheta agora, como você vai gozar? Vou poder, pelo menos te
chupar? Ou tá proibido também? — continua atiçando.
— Se eu me irritar demais com você, nem se tocar você vai, porque
eu vou amarrar suas mãos nas costas, de castigo. — Ele ri, balançando a
cabeça.
— Agora você não consegue falar nem punheta? Vai, fala aí? PU-
NHE-TA. Anda. — Empurra o meu ombro com cuidado, e eu me esquivo,
revirando os olhos de novo.
— Deixa de ser bocó, confeiteiro.
— Bocó não, cuzão. Vai, diz que eu sou cuzão… — pede, que nem
uma criança travessa.
— Seu papai tá doido pra dormir no sofá, meu filho. Olha só. Vamos
ficar com aquela cama enorme só pra nós dois… — murmuro para o meu
menino, ignorando o confeiteiro maldito.
— Ela não teria coragem de fazer isso comigo, campeão. Ela adora
dormir de conchinha com o papai. Foi numa dessas que a gente fez você,
inclusive.
— Joaquim! — resmungo, e ele sorri. — Gostava mais de você
quando era o confeiteiro rabugento que nunca ria de nada.
— Mentirosa… — murmura, se inclinando e tomando os meus lábios
em um beijo suave. — E a culpa é toda sua. Foi você que me desmontou
todo e me transformou nesse bobalhão.
— Eu não fiz nada… — respondo baixinho, lutando contra o sorriso.
— Fez sim, mocinha… — retruca, afagando os meus cabelos. — Me
fez o homem mais feliz desse mundo… Como é que eu fico rabugento com
tanta alegria na minha vida? Tanta cor, tanta luz? Você transformou a minha
vida, Bianca Lacerda. Transformou a minha família em algo ainda mais
lindo, e eu vou te amar pra sempre por isso.
— Eu também te amo, meu confeiteiro… — Sorrio, emocionada, me
sentindo mais completa do que jamais senti antes na vida. — Você também
mudou a minha vida pra melhor. Me deu um lar, uma filha linda, e agora
essa coisinha perfeita aqui… — Nós dois olhamos para o nosso bebê e
sorrimos. — Obrigada por realizar todos os meus sonhos… até os que eu
nem sabia que tinha…
Ele me beija mais uma vez e se senta ao meu lado, abraçando os
meus ombros e nos colocando em uma bolha cheia de amor e paz.
Eduardo suspira mais uma vez, esfregando o rostinho no meu colo, e
eu sorrio, apoiando a cabeça no ombro do meu noivo.
Realmente, eu nunca me senti tão feliz.
Capítulo 04 - Joaquim
— Pronta pra conhecer o seu irmão, filha? — pergunto, segurando
nos seus ombros, parado na porta do quarto da Bianca.
Seu Afonso, Isabel, dona Lúcia, dona Ilda e Benjamin ficaram na sala
de espera, aguardando esse primeiro encontro entre os dois irmãos, antes de
vir conhecer o mais novo membro da família.
— Sim! Será que ele vai gostar de mim? — ela questiona, em um
misto de animação e medo, me fazendo sorrir.
— Ele vai amar você mais do que tudo no mundo, minha vida —
respondo, sendo sincero. — Vocês dois vão ser melhores amigos, e vão se
divertir muito enquanto ele cresce, descobrindo esse mundo com a sua ajuda.
Aposto que vocês vão aprontar o suficiente pra deixar eu e a sua mãe de
cabelos em pé.
Ela solta uma risadinha sapeca e eu aperto os seus ombros mais uma
vez, antes de abrir a porta com cuidado, incentivando-a a entrar.
— Olha quem veio conhecer você, meu amor… — Bianca sussurra
para o bebê, sorrindo na direção da nossa filha. — Vem pra mais perto,
bonequinha, vem ver como o seu irmão é a coisa mais linda do mundo.
Angélica olha para mim, por cima do ombro, e eu pisco para ela,
empurrando-a com delicadeza para mais perto do leito, onde Bianca a
espera.
Minha menina arfa, encantada, ao se deparar com o irmão todo
embrulhado em uma manta azul-bebê, e eu a ajudo a se sentar do lado da
mãe, deixando-a ainda mais próxima da sua nova pessoa favorita no mundo.
Eu perdi esse posto depois de conhecer a Bianca, e agora a minha
noiva também foi desbancada por essa criaturinha minúscula.
A derrota nunca foi tão gostosa.
— Ele é tão pequeno, mamãe… — exclama, em um tom baixinho,
para não assustar o bebê.
Bianca me olha com uma expressão divertida, antes de balançar a
cabeça e afagar os cabelos da nossa filha.
— Ele é muito frágil ainda, bonequinha, e vai precisar de muitos
cuidados. Você vai ajudar a mamãe, né? — pergunta, e Angélica quase
desloca o pescoço, de tanto balançar a cabeça.
— Claro que sim, mamãe. Eu treinei bastante, vou ajudar muito
você. Até trocar fralda a tia Alice me ensinou — informa, toda orgulhosa.
Ter outra criança pequena na família ajudou muito durante toda a
gravidez da Bianca. Tanto pelo fato de ela e Alice trocarem figurinhas sobre
a gestação, quanto pelas vezes que nós nos oferecemos para ser babá e
treinar um pouco, para quando o nosso pequeno chegasse.
Apesar de ter sido muito participativo quando a anjinha nasceu, já
que a sua genitora era uma relapsa e nunca demonstrou interesse real pela
filha, isso já faz anos, e eu me sentia meio inseguro em relação a cuidar de
um bebê novamente.
Graças a Deus, dessa vez, além de ter uma mãe de verdade para o
meu filho, ainda terei a ajuda da dona Ilda e de toda a família da Bianca, e
tenho certeza que a experiência de cuidar de um recém-nascido será muito
mais gostosa dessa vez, como tudo tem sido desde que disse sim para esse
mulher linda.
Fico sentado na cadeira de visita, observando as três pessoas mais
importantes da minha vida se conhecendo, e me sinto como o homem mais
sortudo e poderoso deste mundo, porque aqui, nesse exato segundo, eu sinto
que posso conquistar qualquer coisa nessa vida.
Não sei quanto tempo se passa até que eu escuto uma batida suave na
porta, e logo a cabeça da minha mãe postiça aparece, receosa e ansiosa, e só
então eu me lembro que existe uma multidão na sala de espera, doidos para
entrar aqui e conhecer Eduardo.
— Licença, meus filhos, eu tentei esperar, mas tô quase morrendo
sentada ali fora — dona Ilda confessa, com um sorriso um tanto
constrangido. — Posso entrar pra conhecer esse bebê?
— Claro, mãe, desculpa… eu acabei esquecendo de vocês —
explico, me levantando.
— Olha como o meu irmão é lindo, vovó! — anjinha exclama, toda
sorridente, com aquela banguela linda.
Dona Ilda abre a porta e entra, mas logo descubro que ela não está
sozinha, quando mais quatro Lacerdas muito ansiosos entram no quarto,
junto de dona Lúcia, transformando tudo em uma algazarra.
— Cadê meu netinho? — seu Afonso pergunta, já visivelmente
emocionado, e se aproxima da filha, espichando a cabeça para observar o
neto.
— Conheçam o mais novo membro da família, pessoal — Bianca
anuncia, virando um pouquinho o bebê em seus braços, para deixá-lo visível
a todos.
— Minha filha, ele é tão lindo — Isabel murmura, encantada. — É a
sua cara, olha esse cabelinho tão loirinho.
Minha noiva sorri, orgulhosa, e transfere o bebê para o colo da minha
mãe, deixando-a toda boba.
— Eu tô na fila, depois da dona Ilda, hein — Henrique anuncia,
esfregando as mãos em empolgação.
— A ordem de prioridade é por idade, seu besta. Não vem furar a
fila, não. Você é o último — Benjamin retruca, dando um safanão na cabeça
do irmão.
— Mas isso é injusto, eu tenho prioridade, porque já sou pai e sei
segurar um bebê, você que fica por último — retruca, cruzando os braços, e
eu reviro os olhos.
Esses dois quando se juntam só sabem se provocar.
— Se ficarem de gracinha, nenhum dos dois vai pegar no meu filho,
seus chatões — Bianca resmunga, arrancando o arquejo ofendido do irmão
do meio.
— Nem vem, toco de amarrar onça. Eu te deixei brincar de babá da
minha cria todo esse tempo, você me respeite — argumenta, ofendido.
— Querem parar, vocês dois? — dona Lúcia reclama, se
aproximando para pegar Eduardo nos braços.
— Mas olha só a cínica. — Henrique estreita os olhos. — A gente
aqui brigando e ela se aproveitando pra furar a fila. É muito sonsa mesmo.
— Vem tirar ele de mim, vem? Eu te desafio — a senhorinha
provoca, sabendo muito bem que todos eles morrem de medo dela, e dito e
certo, o meu cunhado solta um muxoxo, fazendo até bico, como o belo
homem de quase trinta e cinco anos e pai de família que é.
Angélica se encosta nos braços da mãe, que a acolhe, sorrindo para a
família toda, que passa o bebê de mão em mão pelos próximos vinte
minutos, até que uma enfermeira entra no quarto, nos pegando no flagra.
— Mas que bonito, hein. Ninguém me convidou pra festa, vou ficar
magoada desse jeito — debocha, colocando a mão na cintura. — Vocês
sabem o que significa dois por vez?
— Dois? — Henrique pergunta, fazendo cara de inocente. — Ah, a
gente entendeu doze! Olha só, que confusão, não é mesmo?
Disfarço uma risada com uma tosse, porque ele realmente é uma
criança, e a enfermeira estreita os olhos para ele, que se encolhe, com medo.
— Mais quinze minutos. Nem um segundo a mais — informa,
apontando o dedo para nós. — Eu venho fiscalizar, hein. Não me façam tirar
todos daqui pelas orelhas…
— Pode deixar, você não vai nem lembrar da gente, prometo.
O infeliz até cruza e beija os dedos, selando a promessa, fazendo a
enfermeira revirar os olhos antes de sair do quarto.
— Esse seu tio é uma figura, Eduardo — Benjamin murmura, com o
bebê nos braços.
— Eu vou ser o tio preferido, isso sim — retruca, se aproximando. —
Inclusive, já deu a sua hora, bora, passa o bebê pra cá antes que eu tome uma
atitude drástica — ameaça, praticamente tomando o meu filho dos braços do
irmão.
Se eu já não tivesse visto com os meus próprios olhos o quanto esse
maluco é um pai incrível, eu teria me assustado.
— Você pode até ser o tio preferido, bocó, mas o Benji vai te ganhar
nessa — Bianca comenta, me olhando de esguelha, e eu crispo os lábios, já
esperando o surto.
— Como assim?
— Eu e o Joaquim decidimos que o Benji e a Amanda serão os
padrinhos do Eduardo. — Antes mesmo que ela termine de falar, Henrique
arregala os olhos teatralmente enquanto Benjamin solta uma gargalhada,
apontando o dedo em deboche para o irmão.
— Toma essa, otário! — o mais velho dos Lacerda exclama, se
aproximando. — Ouvi, Edu? Eu sou seu padrinho! O mais legal de todos, e
vou ser seu melhor amigo, prometo.
— Conspiração… — Henrique murmura. — Trairagem das brabas.
Um absurdo… eu empresto a minha prole pra ela treinar, e ela me apunhala
pelas costas… você ouviu isso, bebê? Sua mãe é uma traidora sanguessuga
dissimulada.
— Deixa de drama, Henrique — Bianca reclama. — Você vai ser
padrinho do próximo, tá?
— Fala com a minha mão, miniatura de Judas — o dramático
responde, virando de costas e colocando uma mão para trás, ignorando a
irmã.
Minha filha ri, se levantando e se aproximando para consolar o tio
preferido, e eu me aproximo, tomando o seu lugar, ao lado da minha
loirinha.
— Próximo, é? — pergunto, bem baixinho. — Pensei que eu estava
proibido de encostar meu pau demoníaco em você.
Bianca cora, me dando um soquinho nas costelas, e eu rio, abraçando
os seus ombros. Ela suspira, se aconchegando em mim, enquanto
observamos a nossa família.
— Eu tô tão feliz, amor… — murmura, enchendo o meu coração da
mais perfeita paz.
— Eu também, minha princesa — respondo, beijando os seus
cabelos. — Acho que nunca estive tão feliz na minha vida.
Quando conheci essa garota, vestida naquela jardineira rosa, mais
parecendo uma adolescente, jamais poderia sonhar que, dois anos depois,
estaria aqui, comemorando o nascimento do nosso filho, rodeado de tantas
pessoas maravilhosas.
Uma vez eu disse a ela o quanto eu era grato por ela ter entrado na
minha vida e transformado tudo, com o seu jeito fofo e a sua leveza e cor.
Aqui, rodeado de tanto amor, eu só consigo pensar novamente no
quanto eu sou abençoado.
Bendita a hora que eu ganhei de presente essa família linda.
[1] Soco dado com o braço que está na frente, que tem como alvo o queixo do adversário. [2]
Equipamento utilizado para absorver os impactos dos golpes durante o treino de Muay Thai. [3] Golpe
que visa atingir a lateral da face do adversário. [4] Cumprimento típico da arte tailandesa. [5] Postura
de yoga, de reverência. [6] Postura do cadáver. [7] Cumprimento/saudação típico do sul da Ásia, que
significa “eu saúdo você”. [8] Exercício de respiração no yoga. [9] Trope literária que envolve um
relacionamento falso entre os protagonistas. [10] Gênero de romance em que os protagonistas são
recém-adultos, na faixa dos 18 aos 25 anos. [11] Música: Essa tal liberdade – Grupo Só Pra Contrariar.
[12] Trope literária na qual os personagens principais vivem um relacionamento falso. [13] Cobertor de
tricô, feito artesanalmente. [14] Referência ao filme Uma Linda Mulher, de 1990. [15] Referência a uma
cena do filme Shrek 2.