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Uma Apologia Pagã

Por Nogueira Sousa

Rebatendo algumas afirmações que tentam contrariar um reconstrucionismo


politeísta

- As pessoas devem seguir a religião da sua família, pois essa é a tradição e a


religião é parte da identidade dos povos:

Pode até ser parte da identidade, mas se as pessoas devem seguir a religião
transmitida pela família por tradição, então os cristãos são anti-tradicionais por
excelência, pois negaram a religião ancestral dos antigos pagãos e falam
constantemente em "conversão". Eles que promoveram a primeira ruptura. E dentro
do próprio cristianismo promoveram mais rupturas ainda. Além disso, aceitar o que
as gerações anteriores transmitem só por aceitar, dificulta muito o trabalho de
mudança da sociedade e gera conformismo, pois se concordamos que o mundo
hoje está errado e deveria ser mudado, então deveríamos romper com o
pensamento que nos foi transmitido de que ele é o melhor, que nossa geração é
sempre a correta e de que temos que simplesmente aceitar o que nos foi passado
anteriormente por mera “tradição”, sem qualquer reflexão.

- Não existe mais continuidade no culto pagão, não faz sentido reconstruí-lo

Curiosamente, eu já vi gente comentar de "se converter ao catolicismo por motivos


pagãos", pois no catolicismo e nas suas festas populares ainda sobrevive um
residual de antigas festividades e costumes politeístas. Sendo assim, então não
houve exatamente uma quebra da continuidade, pois os costumes continuam, o que
houve foi uma cristianização deles, uma subversão de sua essência. Houve
realmente uma quebra da religião de estado, mas os cultos privados e populares ou
sobreviveram ou foram cristianizados, tanto é que as festividades maiores cristãs
quase sempre coincidem com alguma festividade politeísta antiga. Então o
politeísmo hoje deveria buscar o significado original desses costumes. Além disso,
para nós politeístas, o tempo é diferente. Para os cristãos faz sentido falar de tempo
linear e falar em quebra da continuidade e a impossibilidade de reconstruir antigas
crenças e costumes, pois de alguma forma a Providência realiza a sua vontade no
mundo e na história, já que esta culminará num apocalipse, numa tribulação, na
volta do Messias e no triunfo final de Deus. Para nós não, pois vemos o tempo como
um ciclo, há um eterno retorno das forças criadoras e divinas e uma contínua
renovação do cosmos, os deuses estão acima do tempo, não obstante, o divino
irrompe em nosso cosmos, não se destaca num mundo transcendente inalcançável.
Não acreditamos num apocalipse, numa salvação e nem nada do tipo. Portanto, não
há problema em tentar um resgate das antigas religiões, aliás, resgatar as antigas
religiões é resgatar nossa própria espiritualidade que se perdeu no tempo.

- Mas sem uma autoridade, não dá para construir uma religião


O antigo politeísmo não era dogmático como a crença moderna de que toda religião
deva ser dogmática, não havia um livro sagrado, uma suma autoridade que afirmava
uma só verdade a respeito dos deuses e perseguia as demais como uma forma de
heresia. As autoridades existiam sim nos cultos de estado como as pessoas mais
capacitadas para liderar uma comunidade religiosa, mas nos cultos privados havia
certa liberdade, apesar de que também haviam obrigações legais relacionadas ao
culto privado, pois a família, os clãs e os seus deuses eram a base das antigas
sociedades, portanto fazia sentido preservá-los. Podemos não ter uma grande
autoridade politeísta hoje, mas temos diversas obras que chegaram até nós que
foram escritas por autoridades politeístas. Entretanto, devemos fazer um contraste
entre o dogmatismo abraâmico e a liberdade de culto politeísta, pois mesmo que
tenhamos essas obras, não deveríamos tomá-las como uma espécie de Bíblia, pois
elas foram escritas por homens a partir de suas experiências religiosas, não por
"Santos". Na antiguidade praticamente inexistem guerras religiosas e debates como
vemos na era medieval, isso é evidência de que os pagãos insistiam não na
ortodoxia e no dogma, mas na ortopraxia, nos costumes e na tradição. E mesmo
assim conhecemos escolas filosóficas diversas da antiguidade com diferentes
visões sobre os deuses, não havia condenações por “heresias”, no máximo,
condenações por impiedade em relação à tradição. Você deveria respeitar o culto
de seu povo de origem, pois o indivíduo não podia simplesmente se separar de sua
etnia, o antigo homem tradicional politeísta era um homem de raízes, não um
indivíduo atomizado pela modernidade, mas ainda poderia cultuar outros deuses.
Além disso, como os próprios críticos afirmam, a antiga religião politeísta é resultado
das experiências dos antigos com a natureza. E se assim é, então com o nosso culto
hoje, podemos produzir uma nova forma de culto a partir de nossas próprias
experiências, recriando assim uma tradição orgânica. O politeísmo não tem
pretensões de exclusividade e nem universalistas, qualquer um que estuda a
antiguidade clássica verá que os politeístas viam os deuses dos outros povos
interpretados a partir dos seus, e muitos deuses estrangeiros eram também
assimilados. Creio que é importantíssimo num contexto moderno, em que a religião
é um assunto muito pessoal e difícil de ser discutido, pois não há critério objetivo
para falar dos deuses, haver certa tolerância a outros cultos.

- Mas reconstruir as religiões significa que vocês vão construir algo diferente, não
vai ser a mesma coisa.

Obviamente, pois nossos tempos não são os mesmos. E mesmo os antigos não
seguiam sempre a mesma coisa, um breve olhar sobre a história das suas religiões
é suficiente para notar que havia adaptações de ritos, costumes e mudanças em
coisas importantes, como calendários. O importante é que, em essência, o culto seja
o mesmo, mas superficialmente pode haver adaptações. A matéria é transitória, mas
o espírito permanece. Por exemplo, hoje não podemos ter uma lareira em casa para
cultuar Vesta, mas podemos acender velas, lamparinas, etc. O importante é que o
princípio seja o mesmo. Não tem como nós, que vivemos em cidades e metrópoles,
revivermos cultos rurais, isso não faria sentido mesmo. Mas as forças divinas não
são restritas ao meio rural assim como a cidade também não é separada da natureza
como um todo, mas somos afetados pelos mesmos ciclos e os mitos ainda revelam
verdades atemporais da natureza humana.

- Então o paganismo não pode ser revivido pois é uma religião rural

Nem tanto, há formas de politeísmo que se desenvolveram bem em contextos


urbanos, como o culto romano e helênico. Em verdade, muitos costumes cristãos
em contexto urbano hoje, como ter altares dentro de um quarto da casa, têm sua
origem em cultos politeístas urbanos antigos. E há aqueles países que ainda hoje
mantêm formas de politeísmo, as quais se desenvolveram bem em grandes
metrópoles, como a Índia, Japão e até mesmo a China. Se a cidade fosse algum
impedimento para um culto, então deveríamos nos conformar com o secularismo
corrente das metrópoles modernas e a total ausência de uma dimensão divina em
nossas vidas.

- O tempo dos antigos deuses já foi, aceitem isso

E o tempo do cristianismo também. As igrejas estão cada vez mais vazias, os


grandes centros de autoridade eclesiásticos estão em crise, o cristianismo virou um
comércio e se dividiu em diversas e diversas seitas e agora os cristãos lidam com
inimigos que ascenderam com enorme força, que acreditam que agora é o seu
tempo, como o islamismo. O cristianismo retirou o sagrado de nosso cosmos e o
colocou em algum paraíso imaginado transcendente. O nosso mundo é reduzido ao
materialismo, aos vícios de uma “matéria corrupta”, que, ironicamente, foi criada
pelo mesmo deus que pede o louvor daqueles que dela buscam fugir. O cristianismo
fez com que o sagrado sumisse de nossas vidas e se restringisse apenas aos seus
templos, os quais, aliás, estão cada vez mais se assemelhando a vitrines. Ainda,
imaginem que o islamismo tomasse o ocidente, diriam que o tempo cristão já passou
também e que o islamismo salvou a civilização. Alguns até dizem que "é necessário
reviver o velho cristianismo tradicional". Então vão virar reconstrucionistas também?
O argumento de que "o tempo já foi" é irrelevante para nós por motivos já citados
acima, pois nossa crença transcende o tempo. Não nos importamos de sermos
atavistas. O sagrado está num tempo absoluto, numa encruzilhada entre passado,
presente e futuro.

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