Dissertacao Margarida Araujo

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O Papel da Arquitectura na Pós-Catástrofe

Estudo para um Alojamento Temporário

Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura 2016/2017


Orientação: Professora Doutora Maria Fernanda Gaspar Tavares

Margarida Manso Araújo


Agradecimentos

Aos meus pais e à minha irmã Rita pelo apoio incondicional, pelo carinho
e compreensão, e porque sem eles todo este percurso não seria possível.

Ao meu primo Artur pelo incentivo e dedicação ao longo destes seis anos,
pelo acompanhamento constante, por acreditar em mim, e acima de tudo
pela amizade.

À minha orientadora, Professora Doutora Maria Tavares, pela inteira


disponibilidade, vontade e optimismo em aceitar este desafio, pela ajuda e
dedicação, e por todo o conhecimento transmitido.

Ao Gonçalo, por estar sempre comigo e ser o meu porto de abrigo em todas
as horas.

Aos meus amigos de sempre e aos que a arquitectura me deu, em especial


aos que partilharam casa comigo, tanto em Lisboa como no Porto, que
foram a minha família durante estes anos.

II
Resumo

A intervenção por parte dos arquitectos em situações de


emergência e os processos de realojamento de populações afectadas são os
principais temas de estudo deste trabalho. A ocorrência de desastres
naturais e as consequentes destruições territoriais, com o aumento do
número de desalojados em todo o mundo, são as duas grandes
preocupações que incentivam esta investigação.
Realojar as populações afectadas após um desastre será talvez uma
das mais relevantes medidas a adoptar, porque além de proporcionar
condições de sobrevivência, com garantias de segurança e estabilidade, a
habitação tem um papel fundamental para o bem-estar dos habitantes.
Deste modo, analisar o alojamento pós-catástrofe, através das suas
diferentes tipologias, investigando técnicas, materiais e soluções
construtivas, constitui o objectivo central desta investigação.
Torna-se também relevante perceber a importância do alojamento
pós-catástrofe na reconstrução de um território. A habitação não é vista
apenas como um espaço físico que permite albergar populações, mas
essencialmente como um espaço que proporciona condições de conforto e
privacidade. Deste modo, o alojamento pós-catástrofe permite que os
territórios afectados consigam alcançar um retorno à normalidade,
garantindo simultaneamente, uma maior segurança dos locais.
Por outro lado, o alojamento pós-catástrofe tem sido algumas vezes
criticado por não apresentar soluções devidamente adequadas e não
conseguir ser totalmente bem-sucedido. Nesse sentido, a investigação visa
contribuir para uma melhoria dessas mesmas críticas, abordando o
alojamento pós-catástrofe através de uma experiência projectual pessoal
que surge como tentativa de minimizar os actuais problemas que dele
advêm.

*
Palavras-chave: emergência, realojar, desastres naturais, alojamento pós-
catástrofe, reconstrução

III
Abstract

The main themes of this work are the intervention of architects in


emergency situations and the processes of rehousing affected populations.
Natural disasters and the following territorial destructions, along with the
worldwide growth in the number of displaced people, are two of the main
concerns behind this research.

To rehouse affected populations after a disaster is probably one of


the most relevant measures, because besides providing survival conditions
with safety and stability guaranties, housing has a fundamental role in
people’s well-being. Hence, the main goal of this research is to analyze the
post-disaster housing through its different types, researching constructive
techniques, materials and solutions.

It is also relevant to understand the importance of post-disaster


housing in the reconstruction of a territory. Housing is not only perceived
as a physical space that accommodates populations but essentially as a
space that provides comfort and privacy conditions. Therefore, post-
disaster housing allows affected territories to restore normality and
simultaneously assure a greater security of people.

On the other hand, post-disaster housing has been criticized for not
presenting adequate solutions and therefore for not being completely
successful. Hence, research aims at contributing to an improvement of
those critiques by approaching post-disaster housing through a personal
project experience that is an attempt to minimize its current problems.

*
Key-words: emergency, rehouse, natural disasters, post-disaster housing,
reconstruction

IV
Lista de Figuras

Figura 1. Gráfico do número total de desastres por continente entre os anos de 1950 e
2015 segundo um estudo feito pela EM-DAT
http://www.emdat.be/disaster_trends/index.html
Figura 2. Abrigos desenvolvidos por Alvar Aalto
DAVIS, Ian, Arquitectura de Emergência, Gustavo Gili, Barcelona, 1980
Figura 3. Gráfico de números e tipos de Desastres Naturais desde 1950 a 2012 segundo a
EM-DAT
http://www.emdat.be/sites/default/files/Maps/World/map6.jpg
Figura 4. Dois exemplos de soluções de emergência que não foram bem-sucedidas
a)http://www.seangodsell.com/future-shack
b)http://www.maynardarchitects.com/Site/houses_1/Pages/Airdrop_House_files/Media/
Andrew%20Maynard%20-%20final.022/Andrew%20Maynard%20-
%20final.022.jpg?disposition=download
Figura 5. Dois exemplos de soluções de emergência desenhados pelo arquitecto Shigeru
Ban
a)http://www.shigerubanarchitects.com/works/2014_PaperEmergencyShelter-
Philippines/index.html
b)http://www.shigerubanarchitects.com/works/2013_new-temporary-house/index.html
Figura 6. Terramoto de Guatemala
a)http://news.xinhuanet.com/english/photo/2012-05/16/c_131591424.htm
b)http://wordanddeed.org/projects/guatemala/261-natural-disasters-in-gautemala
Figura 7.1. Paper Log Houses
a) e b)http://www.dma-ny.com/site_sba/?page_id=331
c)http://www.designboom.com/architecture/shigeru-ban-paper-log-house-philippines-
04-24-2014/
d)https://focusarchitettura.wordpress.com/2014/04/05/shigeru-ban-architettura-di-carta/
Figura 7.2. Paper Log Houses em diferentes contextos
a)http://www.e-architect.co.uk/architects/shigeru-ban/attachment/paper-log-house-india
b)http://www.archdaily.com/489255/the-humanitarian-works-of-shigeru-
ban/532b169cc07a80b50b000023-the-humanitarian-works-of-shigeru-ban-photo
Figura 7.3. Paper Log Church
a)http://www.frac-centre.fr/collection-art-architecture/ban-shigeru/paper-church-kobe-
64.html?authID=18&ensembleID=55
b)https://www.studyblue.com/notes/note/n/archhtc235-slide-test/deck/6683280
Figura 8.1. Lightweight Emergency Tent
https://www.google.pt/search?q=unhcr+lightweight+emergency+tent&espv=2&biw=12
42&bih=602&site=webhp&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwj405Lov6
HSAhUGMhoKHRNXBrEQ_AUIBigB#imgrc=oWOqMUGorjXlzM:
Figura 8.2. Lightweight Emergency Tent – Estrutura exterior e chão do abrigo
http://www.unhcr.org/admin/ADMIN/44c48eca2.pdf
Figura 8.3. Janelas da Lightweight Emergency Tent com mosquiteiro
http://www.unhcr.org/admin/ADMIN/44c48eca2.pdf
Figura 8.4. Imagens do interior da Lightweight Emergency Tent
http://www.unhcr.org/admin/ADMIN/44c48eca2.pdf
Figura 8.5. Lightweight Emergency Tent embalada
http://www.unhcr.org/admin/ADMIN/44c48eca2.pdf
Figura 9.1. Better Shelter
a) http://www.bettershelter.org/about/
b)http://www.mynewsdesk.com/se/better-shelter/pressreleases/successful-assembly-of-
better-shelter-units-in-europe-1228006
c)http://www.mynewsdesk.com/se/better-shelter/pressreleases/museum-of-modern-art-
shows-architectural-solutions-that-can-help-meet-the-needs-of-the-global-refugee-
crisis-better-shelter-in-focus-1428688
d)http://www.mynewsdesk.com/se/better-shelter/pressreleases/museum-of-modern-art-
shows-architectural-solutions-that-can-help-meet-the-needs-of-the-global-refugee-
crisis-better-shelter-in-focus-1428688
Figura 9.2. Better Shelter – alçado frontal e lateral e vista superior do abrigo
http://www.bettershelter.org/product
Figura 9.3. Sistema de luz Better Shelter
V
http://www.bettershelter.org/press
Figura 9.4. Better Shelter, IKEA
a)http://www.mynewsdesk.com/se/better-shelter/images/lamp-512268;
b)http://www.mynewsdesk.com/se/better-shelter/images/earth-anchor-512261;
c)http://www.mynewsdesk.com/se/better-shelter/images/better-shelter-pv-system-
480803; d)http://www.mynewsdesk.com/se/better-shelter/images/better-shelter-frame-
480801
Figura 10.1. Global Village Shelters
a)www.inhabitat.com
b)http://inhabitat.com/prefab-friday-global-village-shelters/
Figura 10.2. Global Village Shelters inseridas em diferentes territórios
a)http://www.globalvillageshelters.com/#!__pakistan
b)http://www.globalvillageshelters.com/#!__grenada
Figura 10.3. Global Village Shelters decoradas com cores diferentes pelos habitantes,
Grenada, 2005
http://www.globalvillageshelters.com/#!__grenada
Figura 11.1. Pallet House
http://www.i-beamdesign.com/new-york-humanitarian-projects-design
Figura 11.2. Assentamento Temporário construído através das Pallet House, Somália,
2010
http://www.i-beamdesign.com/new-york-humanitarian-projects-design
Figura 11.3. Protótipo da Pallet House adaptado para o Siri Lanka
http://www.i-beamdesign.com/new-york-humanitarian-projects-design
Figura 12.1. Quinta Monroy
a)https://www.google.com.br/search?q=quinta+monroy&espv=2&biw=1366&bih=667
&tbm=isch&tbo=u&source=univ&sa=X&ved=0ahUKEwjWifawh93LAhVFl5AKHc5
BA58QsAQIIw#imgrc=zonwbZTtwoxphM%3A
b)http://acordacasa.com.br/2016/03/04/arquitetura-social/
Figura 12.2. Desenhos das habitações da Quinta Monroy
Autor
Figura 12.3. Interior das habitações da Quinta Monroy
http://www.archdaily.com.br/br/01-28605/quinta-monroy-elemental
Figura 12.4. Crescimento das habitações da Quinta Monroy
http://www.archdaily.com.br/br/01-28605/quinta-monroy-elemental
Figura 13.1. Sistema Arde, utilização em diferentes projectos
http://www.hierve.com/projects/sistema-arde/construccion/
Figura 13.2. Sistema Construtivo Arde
http://www.hierve.com/projects/sistema-arde/fotografia-proyectos-construidos/
Figura 13.3. Sistema Arde
http://www.hierve.com/projects/sistema-arde/sistema/
Figura 13.4. Edifícios construídos segundo o Sistema Arde
http://www.hierve.com/projects/sistema-arde/fotografia-proyectos-construidos/
Figura 14.1. Acessos e Distanciamento segundo a ELEMENTAL
http://parq001.archdaily.net/wp-content/uploads/2010/03/1267798931-100304-er-
propuesta-emergencia-1.pdf
Figura 14.2. Proposta de interligação dos alojamentos, ELEMENTAL
http://parq001.archdaily.net/wp-content/uploads/2010/03/1267798931-100304-er-
propuesta-emergencia-1.pdf
Figura 14.3. Duas propostas distintas de Implantação dos alojamentos
http://parq001.archdaily.net/wp-content/uploads/2010/03/1267798931-100304-er-
propuesta-emergencia-1.pdf
Figura 15.1. Diferentes formas de implantação de alojamentos, MINVU
http://cdn.plataformaurbana.cl/wp-
content/uploads/2010/03/1268430772_lineamientosbasicos.pdf
Figura 15.2. Modelo de Instalação Sanitária, MINVU, 2010
http://cdn.plataformaurbana.cl/wp-
content/uploads/2010/03/1268430772_lineamientosbasicos.pdf
Figura 15.3. Modelos de Implantação segundo o MINVU, 2010
http://cdn.plataformaurbana.cl/wp-
content/uploads/2010/03/1268430772_lineamientosbasicos.pdf
Figura 16. Sismo de 1980, ilha Terceira
http://cblogazores.blogspot.pt/2012/01/sismo-1980.html
VI
Figura 17. Localização dos Açores relativamente às placas tectónicas
http://www-ext.lnec.pt/LNEC/DE/NESDE/divulgacao/tectonica.html
Figura 18. Angra do Heroísmo – localização do porto e antigas fortalezas
Fotografia retirada do Google earth com intervenção do autor
Figura 19. Tabela de informações sobre moradores, alojamentos e edifícios obtida a partir
dos Censos 2011, e médias calculadas, retirada do artigo “A tool to estimate sheltering
needs before a disaster”, 2015
FEIO, A. (2015), A tool to estimate sheltering needs before a disaster, Technical Report,
Janeiro, acedido em Outubro de 2016
Figura 20. Tabela de informações relativas ao número de edifícios de acordo com as
necessidades de reparação estrutural, retirada do artigo “A tool to estimate sheltering
needs before a disaster”, 2015
FEIO, A. (2015), A tool to estimate sheltering needs before a disaster, Technical Report,
Janeiro, acedido em Outubro de 2016
Figura 21. Tabela do número de residentes por tipo de edifício, retirada do artigo “A tool
to estimate sheltering needs before a disaster”, 2015
FEIO, A. (2015), A tool to estimate sheltering needs before a disaster, Technical Report,
Janeiro, acedido em Outubro de 2016
Figura 22. Tabela com a estimativa do número de desalojados e necessidades de abrigo
pós-desastre, retirada do artigo “A tool do estimate sheltering needs before a disaster”,
2015
FEIO, A. (2015), A tool to estimate sheltering needs before a disaster, Technical Report,
Janeiro, acedido em Outubro de 2016
Figura 23. Mapa de distribuição dos danos na zona classificada de Angra do Heroísmo,
retirado do artigo “Danos em Angra do Heroísmo provocados pelo sismo de 1980.
Correlação com as frequências do solo e edifícios”, 2004
TEVES-COSTA, OLIVEIRA C. & SENOS M. (2004), Danos em Angra do Heroísmo
provocados pelo sismo de 1980. Correlação com as frequências do solo e edifícios,
disponível em http://www.hms.civil.uminho.pt/events/sismica2004/465-
472%20c43%20Paula%20Teves%20Costa%20_08p_.pdf, acedido em Abril de 2017
Figura 24. Mapa de identificação das zonas mais afectadas no decorrer do sismo de 1980
TEVES-COSTA, OLIVEIRA C. & SENOS M. (2004), Danos em Angra do Heroísmo
provocados pelo sismo de 1980. Correlação com as frequências do solo e edifícios,
disponível em http://www.hms.civil.uminho.pt/events/sismica2004/465-
472%20c43%20Paula%20Teves%20Costa%20_08p_.pdf, acedido em Abril de 2017
Figura 25. Mapa de identificação dos possíveis locais que albergam os assentamentos
temporários
Autor
Figura 26. Esquema de montagem da estrutura do alojamento
Autor
Figura 27. 3D demonstrativo da estrutura e sistema constructivo do abrigo
Autor
Figura 28. Proposta de um abrigo temporário
Autor
Figura 29. Estudo das dimensões mínimas para habitabilidade num alojamento
temporário – planta do alojamento base para duas pessoas
Autor
Figura 30. Fachadas alojamento base para duas pessoas
Autor
Figura 31. Flexibilidade do alojamento
Autor
Figura 32. Flexibilidade do alojamento – Duas soluções diversas para albergar 4 pessoas
Autor
Figura 33. Flexibilidade do alojamento – Duas soluções diversas para albergar 6 pessoas
Autor
Figura 34. Fotomontagens de espaços interiores dos abrigos
Autor
Figura 35. 3D esquemático demonstrativo da implantação dos assentamentos temporários
Autor
Figura 36. Exemplificação da disposição das comunidades no assentamento temporário
Autor
Figura 37. Edifício de carácter público
VII
Autor

Lista de Abreviaturas

ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados

EM-DAT – Base de dados Internacional de Desastres

ELEMENTAL – Atelier de Arquitectura

I-BEAM – Atelier de Arquitectura e Design

MINVU – Ministério de Vivenda e Urbanismo do Chile

ONG – Organização Não Governamental

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciências e Cultura

UNHABITAT – Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos

UNHCR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados

VIII
Sumário
Agradecimentos II
Resumo III
Abstract IV
Lista de Figuras V
Lista de Abreviaturas VIII
Momento I
1.Introdução 11
1.1.Objecto, Objectivo, Estrutura e Método 12
1.2.Arquitectura de Emergência: Uma Leitura… 15
1.2.1. …Histórica 15
1.2.2. …Científica 22
1.2.3. …de Âmbito Arquitectónico 25
2.Alojamento Pós-Catástrofe 32
2.1. Enquadramento 32
2.2.Tipos de Alojamento 38
2.3. Problemáticas [Associadas] 64
3. Estratégias de Planeamento Territorial 69
3.1. A importância de Planear 69
3.2. Assentamentos Temporários: Exemplificação e Problemáticas
[Associadas] 75
Momento II
4.Estudo para um Alojamento Temporário 88
4.1.Escolha do local 89
4.2.A Proposta 92
4.3.Materiais e Sistema Construtivo 97
4.4.Unidade Base e Flexibilidade Associada 100
4.5.Planificação dos Assentamentos Temporários 107
5.Notas Conclusivas 112
Referências Bibliográficas 116

IX
MOMENTO I

X
“The main purpose of development should be quality of life for the large
majority of people. If you don’t have a generous view of cities, then you
don’t have a generous view of people.”
Jaime Lerner, 2006, 326, in SINCLAIR, Cameron (2006), Design Like You Give a Damn, New York:
Architecture for Humanity

XI
1.Introdução

Esta dissertação tem como principal objecto de estudo o alojamento


pós-catástrofe, assim como o papel da arquitectura na prevenção
territorial, ou seja, o planeamento pré-catástrofe. Pretende, inicialmente,
analisar as consequências advindas de desastres de modo a perceber as
intervenções que podem ser adquiridas para propiciar a melhoria das
condições de vida das populações afectadas.
Deste modo, torna-se importante analisar e compreender alguns casos
de estudo de intervenções de emergência para, através deles, perceber os
tipos de soluções utilizadas, quer do ponto de vista das técnicas quer
mesmo dos materiais.
Impõe-se, de igual modo, fazer uma reflexão sobre a actual
sobrecarga dos centros urbanos das cidades e, consequentemente, sobre os
fenómenos migratórios que, com demasiada frequência, potenciam a
construção de infraestruturas precárias e, por isso, mais vulneráveis ao
colapso. Deste modo, procura-se compreender quais as estratégias de
intervenção que podem ser adoptadas numa abordagem pré-catástrofe, na
perspectiva de prevenir a destruição e o desalojamento de populações em
muitas cidades que actualmente parecem não estar a crescer de forma
sustentável.
Assim sendo, recorre-se a análises de intervenções de emergência
para perceber os motivos das problemáticas associadas a situações de pós-
catástrofe e daí podermos retirar conclusões sobre o papel do arquitecto
nestas situações, além, obviamente, de descobrir as melhores formas de
prevenir tais cenários de destruição. Parece não existir qualquer dúvida
que, para isso, é absolutamente necessário criar estratégias de planeamento
para locais vulneráveis, preparando populações e territórios que se
encontrem em risco.
Numa última abordagem, de forma crítica e pessoal, pretende-se
experimentar a solução de um abrigo temporário que reúna todos os
conteúdos estudados, e consiga colmatar as necessidades básicas numa
intervenção pós-catástrofe. Este estudo projectual resulta como expressão
da análise teórica previamente efectuada, mas também como crítica a
algumas soluções que não se revelaram bem-sucedidas.
11
1.1.Objecto, Objectivo, Estrutura e Método

A intervenção por parte dos arquitectos em situações de


emergência e os processos de realojamento de populações afectadas são os
principais temas de estudo deste trabalho. Procura-se com esta
investigação identificar e conhecer ideias, soluções, técnicas e materiais
adoptados em soluções de emergência e, a partir dessa análise,
experimentar uma reflexão sobre a arquitectura emergencial, através de
uma experiência pessoal de um alojamento temporário.
A ocorrência de desastres naturais e as consequentes destruições
territoriais, com o aumento do número de desalojados em todo o mundo,
são as duas grandes preocupações que incentivam esta investigação.
Assistimos, nos últimos anos, a um considerável número de desastres com
destruição massiva de construções e desalojamento de grande quantidade
de populações. A perda de uma habitação, um bem essencial, provoca
danos físicos e psicológicos, devastando populações. Impõe-se criar
condições básicas e de segurança a estas vítimas e permitir, não só uma
rápida recuperação, como, a longo prazo, uma melhor qualidade de vida.
Realojar as vítimas após um desastre constitui a acção prioritária
pois há que garantir a estabilidade e segurança das populações. Mas o
processo de realojamento é algo complexo e difícil, essencialmente no
desenho de abrigos das populações (Davis, 2015). Um dos principais
problemas é a falta de recursos e de tempo, pelo que os abrigos de
emergência temporários revelam-se indispensáveis para alojar as
populações durante o período de construção das soluções mais
permanentes.
Deste modo, analisar tipologias, temporárias e permanentes,
beneficia a compreensão da arquitectura de emergência, uma vez que se
trata de uma análise multidisciplinar que forçosamente tem que ter em
conta factores como a urgência das soluções, o seu baixo custo e a sua
transportabilidade, mas sem descurar medidas de segurança que garantam
a prevenção a estas populações em caso de segundos desastres.
Torna-se ainda relevante perceber a importância do alojamento
pós-catástrofe na reconstrução de um território. A habitação não é vista
como um espaço físico que permite albergar populações, mas
12
essencialmente como um espaço que proporciona condições de conforto e
privacidade. Deste modo, o alojamento pós-catástrofe permite que os
territórios afectados consigam alcançar um retorno à normalidade,
garantindo simultaneamente, uma maior segurança dos locais.
Por outro lado, o alojamento pós-catástrofe tem sido algumas vezes
criticado por não apresentar soluções devidamente adequadas e não
conseguir ser totalmente bem-sucedido. Nesse sentido, a investigação visa
contribuir para uma melhoria dessas mesmas críticas, abordando o
alojamento pós-catástrofe através de uma experiência projectual pessoal
que surge como tentativa de minimizar os actuais problemas que dele
advêm.
Deste modo, propõe experimentar uma solução pessoal que
disponha de condições para o realojamento de famílias, tendo em conta a
eficiência de soluções já utilizadas e o insucesso que se identifica noutras.
Esta experiência projectual – um abrigo temporário – pretende responder
com rapidez ao contexto a inserir, assegurando qualidade de vida às
vítimas afectadas.
O trabalho estuda então o tema da arquitectura de emergência
através de duas diferentes escalas – analisando não só a escala territorial,
mas também uma escala menor, das unidades habitacionais (os abrigos de
emergência e temporários). Para além de permitir compreender as técnicas
e materiais utilizados nas soluções de alojamento, visa compreender a
evolução das soluções e o avanço da própria arquitectura de emergência.
Todavia, o estudo não se foca apenas em intervenções num
ambiente devastado, antes tenta perceber formas de prevenção da
destruição territorial, através de estratégias de intervenção que denotem
capacidade de resistência e segurança de populações em risco.
Não parece existir, actualmente, nos arquitectos, o necessário
interesse neste tema da arquitectura de emergência, embora tal aumente
com o número de ocorrências. Através deste trabalho também se pretende
estimular a intervenção dos arquitectos nestas temáticas, e reflectir sobre
formas de actuar em situações de pós-catástrofe, assim como na prevenção
da destruição territorial.

13
A metodologia de trabalho consistiu, numa primeira fase, na
investigação e recolha de bibliografia sobre a arquitectura de emergência
e o alojamento pós-catástrofe, de forma a reunir informação para
conhecimento dos temas. Nesta fase foi também necessário consolidar os
objectivos do trabalho e perceber os assuntos relevantes para optimizar a
estrutura da dissertação.
Após uma recolha de bibliografia e análise selecionaram-se livros,
artigos e projectos que permitem expor o contexto histórico do tema e
definições teóricas base, de modo a perceber também as diferentes
tipologias e conceitos chave desta arquitectura.
A dissertação foi dividida em dois momentos: teórico e prático.
Como já foi referido, o momento teórico visa primeiramente enquadrar os
projectos e conceitos da arquitectura de emergência ao longo da história,
bem como os principais desastres ocorridos e respectivas consequências.
O primeiro capítulo expõe estes conhecimentos, retirados a partir
da literatura selecionada e é no segundo capítulo que é feita uma
abordagem aprofundada ao alojamento pós-catástrofe, analisando
diferentes casos de estudo que ajudam na compreensão do tema.
O terceiro capítulo aborda a intervenção pré-catástrofe através do
estudo e compreensão de diferentes estratégias de planeamento territorial
previamente empreendidas.
O estudo do alojamento pós-catástrofe – tema principal da
dissertação – permitiu adquirir conhecimentos para a base do momento
prático. Apesar de ser um projecto utópico, a experiência projectual
apresentada, pretende ser implementada a qualquer contexto afectado,
modelando-se a diferentes territórios. Tem como principal objectivo
ilustrar as principais características previamente estudadas do alojamento
pós-catástrofe e minimizar algumas das críticas até agora feitas.
Na parte final fixam-se as conclusões finais advindas do
desenvolvimento da dissertação.

14
1.2.Arquitectura de Emergência: Uma Leitura…
1.2.1. …Histórica

Ao longo da história, registam-se ocorrências de desastres como


terramotos, tempestades, maremotos, cheias, furacões, entre outros, de que
resulta destruição massiva de territórios com consequência na saúde
mental das populações afectadas.
A forte ocorrência de desastres ao longo da história da humanidade
constitui uma enorme ameaça, ou seja, é um sério aviso de perigo para as
populações e lugares. São ameaças que podem estar relacionadas com a
vulnerabilidade de um determinado território mas que, a concretizarem-se,
podem causar inúmeros danos pessoais - mortos e feridos e crises de saúde,
como epidemias -, e danos materiais, sendo os mais graves os colapsos de
infraestruturas, ambientais, económicos e sociais.
Quando decorrem da vulnerabilidade do território, as catástrofes
atingem frequentemente dimensões preocupantes, pelas consequências
graves e dramáticas, sendo certo que ao longo dos anos o registo destes
acontecimentos tem vindo a aumentar, provocando milhões de vítimas
(Aquilino, 2011), (ver figura 1).

África América Ásia Europa Oceania


Figura 1- Gráfico do número total de desastres por continente entre os anos de 1950 e 2015
segundo um estudo feito pela EM-DAT – Base de Dados Internacional de Desastres

Os riscos e perigos a que estamos sujeitos e, muitas vezes, resultam


em desastres, não são fenómenos da actualidade, têm, porém,
acompanhado a história da Humanidade até aos dias de hoje (Coppola,
2015). Vários estudos possibilitam afirmar que os nossos antepassados
lidavam com alguns dos mesmos perigos que existem actualmente, o que
os levava, naturalmente, a protegerem-se. Desde a pré-história que o
Homem sente a necessidade de se proteger das ameaças e perigos a que
15
está sujeito e criar os seus próprios abrigos com os materiais que
encontrava disponíveis (Gonçalves, 2015). Deste modo, ainda que não
fosse em contexto de emergência, podemos concluir que a necessidade de
abrigo tem vindo a estar presente ao longo de vários séculos.
A “Arca de Noé” ilustra essa necessidade de criação de abrigo
perante a ameaça de um desastre. É um dos “exemplos mais primitivos da
provisão de abrigo contra uma catástrofe”, ainda que, neste caso, fosse da
“vontade de Deus”. (Davis, 1980; Gonçalves, 2015; Sousa, 2015; Neto,
2009). Apesar de não estar relacionada com fenómenos naturais, mas sim
religioso, é uma das primeiras histórias em que presenciamos a
necessidade de abrigo, e podemos registar um alojamento pré-catástrofe –
a arca (Sousa, 2015). Não podem ser desprezados estes fenómenos
transcendentes, que sempre estiveram presentes na mentalidade das
populações, e fizeram surgir a necessidade de criar abrigos como protecção
às catástrofes, sendo elas naturais ou não (Sousa, 2015; Gonçalves, 2015).
Numa época totalmente diferente, durante o século XX, na
Segunda Guerra Mundial, volta a surgir a necessidade de abrigo. A
destruição causada pela guerra contribuiu para o desenvolvimento de
soluções que albergassem um grande número de habitantes, num curto
período de tempo, contrariamente aos projectos até agora desenvolvidos,
de cariz duradouro (Gonçalves, 2015). Foi, por isso, uma época de
experiências no que diz respeito à habitação, caracterizada pelo
aparecimento de novas ideias e soluções de carácter temporário,
proporcionando o aparecimento de novos materiais e métodos
construtivos, que conseguissem dar resposta às novas necessidades. Alvar
Aalto foi o arquitecto mais notável desta arquitectura emergente do século
XX, com o desenvolvimento de dois abrigos distintos que serviram como
habitação temporária. Desenvolveu o Refúgio Primitivo Transportável
constituído por quatro módulos separados e que se agrupam em redor de
um sistema de aquecimento comum, e o Refúgio Primitivo Móvel com
módulos mais pesados mas que tinha a possibilidade de se transformar
numa habitação única (ver figura 2) (Gonçalves, 2015; Sousa, 2015,
Frade, 2012).

16
a) b)
Figura 2 - Abrigos desenvolvidos por Alvar Aalto – a) Refúgio Primitivo Transportável; b)
Refúgio Primitivo Móvel

Foi ainda nesta época que surgiram as ONGs – Organizações Não


Governamentais – e começaram a desenvolver projectos de abrigos para
desalojados, consequência da guerra ou de desastres naturais.
Rapidamente se tornaram num dos principais intervenientes no que diz
respeito ao fornecimento de abrigo (Frade, 2012).
Apesar desta abordagem à arquitectura de emergência ter sido
constante na época, muitos ideais não chegaram a ser aplicados, resultando
apenas em protótipos. Ainda assim, o tema da arquitectura de emergência
foi crescendo gradualmente, através do interesse e contribuição de
arquitectos no que diz respeito à vulnerabilidade e flexibilidade das
construções (Gonçalves, 2015). Exemplo disso foi a contribuição do
engenheiro civil Fred Cuny, que desenvolveu vários projectos pós-
catástrofe com a introdução de novos modelos, intervindo essencialmente
em campos de refugiados. Seguiu-se o arquitecto Ian Davis,
frequentemente referenciado neste trabalho, que em 1978 escreveu uma
obra onde analisou a resposta de emergência e as medidas que devem ser
tomadas após um desastre. A obra “Shelter After Disaster” foi
considerada, na altura, a primeira especializada no tema da arquitectura de
emergência (Gonçalves, 2015; Frade, 2012).
Actualmente, o tema da arquitectura de emergência tem sido mais
frequente devido aos crescentes acontecimentos. As catástrofes naturais
17
têm vindo a causar elevadas taxas de mortalidade ao longo dos anos, mas
nos últimos tempos assistimos a um aumento das mesmas. Desde o ano de
1990 que as catástrofes afectaram um total de 217 milhões de pessoas por
ano, causando perturbações tanto imediatas como a longo prazo nas
vítimas afectadas, contribuindo para um crescimento das crises
humanitárias (Leaning J. e Guha-Sapir D., 2013).
Apesar de afectarem territórios e populações, as catástrofes
naturais também ajudaram a moldar algumas civilizações. Alguns autores
afirmam até que muitas das mais conhecidas civilizações da História da
humanidade, incluindo o antigo império Egípcio, foram arrebatadas não
pelos seus inimigos, mas por efeitos de desastres naturais – epidemias,
inundações, fome, terramotos, etc (Fagan, 1999; Coppola, 2015).
É certo que muitas vezes as ameaças a que um território está sujeito
estão directamente relacionadas com a acção humana, isto é, decorrem de
transformações que o homem opera no meio ambiente. O homem e a
arquitectura têm uma relação bastante interdependente, visto que é através
das contribuições do homem que a arquitectura se desenvolve mas também
é esta que contribui para o seu próprio progresso. O homem é responsável
pela constante transformação do seu ambiente, como forma de conseguir
criar condições básicas para as suas necessidades, e é a arquitectura que
humaniza os espaços pensados por ele. A arquitectura constitui a
ferramenta que proporciona condições para a vivência de um espaço mas,
por outro lado, simboliza também um determinado valor ou cultura de um
lugar. Deste modo, o homem habita o espaço criado entre a relação do
ambiente construído e do ambiente natural, caracterizado pelas suas
culturas e valores, onde os elementos construídos representam uma
materialização da própria cultura (Bedoya, 2004; Félix, 2015). Assim
sendo, a cidade pode ser vista como a materialização máxima de uma
cultura, onde a habitação funciona como um elemento mínimo, uma
parcela que tem como função garantir o bem-estar e a qualidade de vida
das populações. Nesta perspectiva, a arquitectura surge em torno da
sociedade e das suas necessidades, criando condições que respondem às
necessidades básicas de um lugar (Rodrigues, 2002).

18
Como foi sublinhado, os desastres provocam inúmeros danos, tanto
a nível de destruição territorial, como de vítimas, mas também atinge
costumes e culturas, bem assim como o meio ambiente natural e o que foi
construído pelo Homem. No entanto, frequentemente essa destruição
territorial resulta também da grande insegurança das construções e/ou da
falta de planeamento territorial que leva à ocupação de zonas de risco.
O constante aumento populacional dos últimos anos tem
acentuado a migração das populações para os núcleos urbanos, segundo
um estudo feito pela UN-Habitat, agência formada pela Organização das
Nações Unidas com o fim de proporcionar alojamentos, acessibilidades e
serviços básicos a todas as cidades, e torná-las sustentáveis. Segundo essa
análise, em 1950 um terço da população mundial vivia nas cidades,
número que aumentou no ano 2000 para metade da população. Prevê-se,
então, que em 2050 a população residente nas cidades corresponda a dois
terços (Feio, 2015). Acontece que os dados levam a crer que as cidades
não estão a crescer de forma ordenada, ou seja, que não existe um
planeamento urbano que permita uma segurança a nível de organização
territorial e das próprias infraestruturas. Este fenómeno migratório
populacional leva a que, essencialmente nos países em desenvolvimento,
as populações habitem em infraestruturas precárias e sem as condições
básicas de habitabilidade, o que, em caso de desastre, as torna mais
vulneráveis ao colapso. Ora, a derrocada destes edifícios provoca um
aumento de mortos, feridos e desalojados.
Sabe-se que as habitações são edifícios bastante vulneráveis em
caso de desastre (Barak, 2013), e que funcionam também como um
indicador do desastre, uma vez que a sua destruição provoca
frequentemente elevado número de desalojados. Por outro lado, os meios
de intervenção utilizados numa abordagem pós desastre, como o apoio às
vítimas e o realojamento de populações, são de igual modo um indicador
das consequências do desastre, e que, naturalmente, nos ajudam a perceber
a capacidade de resposta do território e das organizações locais. As
consequências no ambiente construído pelo Homem, como a destruição de
infraestruturas, são os danos mais facilmente visíveis, e que reflectem os
efeitos de uma catástrofe (Félix, 2015).

19
Há talvez um certo desconhecimento do real aumento de desastres,
porquanto apenas algumas ocorrências mais marcantes ficaram na
memória e na história da humanidade, desvalorizando-se, muitas vezes,
outras ocorrências igualmente trágicas. Catástrofes como o Terramoto de
São Francisco, em 1906, ou o Terramoto de Lisboa, de 1755, vão ficar para
sempre na história da humanidade. Ou até outros desastres mais recentes,
como o furacão Katrina em Nova Orleães, em 2005, o tsunami na
Indonésia e Tailândia, em 2004, o terramoto no Haiti e no Chile, em 2010
(ver figura 2.2.), ou o sismo no Japão, seguido de um tsunami e um
desastre nuclear, em 2011.
O sismo no Haiti, em 2010, afectou três milhões e meio de pessoas
das quais um milhão e meio ficou desalojado (Disastrer Emergency
Committee, 2015). No mesmo ano, registou-se um total de 385 desastres
que causaram 297 mil mortos e mais de 217 mil afectados (Guha-Sapir,
Vos, Below & Ponserre, 2011). O triplo desastre no Japão, em 2011,
provocou mais de 230 mil mortos e um total de 300 biliões de dólares
(US$) . Em 2011 foram registados 361 desastres, que causaram 34.143
mortos e 1.964.972 de desalojados.
No ano de 2012 registaram-se 370 desastres, que provocaram
11.605 mortos e 900.345 desalojados, com o furacão Sandy, nas Filipinas,
a ser o mais mediático. Em 2013 registaram-se 354 desastres, provocando
22.225 mortos e 328.723 desalojados, sendo as Filipinas mais uma vez um
dos alvos mais afectados. O Paquistão sofreu também dois terremotos,
destacados como os mais desastrosos. O ano de 2014 teve um total de 347
ocorrências, provocando 20.808 mortos e 1.366.646 desalojados, com um
total de 98 biliões de dólares (US$) de danos. No último ano, em 2015,
foram registados 346 desastres, que provocaram 23.363 mortes e 636.714
desalojados e um prejuízo de 65 biliões de dólares em danos (US$).
Estes dados impõem a premência em garantir a segurança das
populações afectadas num cenário pós-desastre, de forma a evitar que um
segundo desastre aconteça. Para garantir essa segurança, é necessário criar
condições mínimas de habitabilidade e a adaptação às realidades inseridas,
através de soluções que consigam melhorar o próprio território. A

20
destruição física e territorial muitas vezes agrava-se quando se assistem a
repercussões dos próprios desastres.
Como foi dito, a destruição territorial não afecta apenas habitações,
mas todas as infraestruturas de uma localidade, provocando cenários
avassaladores, e que muitas vezes impossibilitam a intervenção através dos
serviços locais, frequentemente destruídos ou inalcançáveis. Se não forem
feitas as intervenções adequadas, será bastante complicado a população
voltar à sua normalidade até porque, muitas vezes, nem sequer os serviços
mínimos para a vivência populacional estão garantidos. Isto sucede
quando serviços como o abastecimento de água ou energia estão
condicionados, hospitais e vias de comunicação destruídos, situações que
complicam o processo de transporte e intervenção de emergência e
condicionam a necessária capacidade de resposta rápida.
Embora a intervenção imediata seja crucial para a segurança
populacional e territorial, é imperioso dar continuidade às intervenções
que possibilitem uma recuperação bem-sucedida a longo prazo.
Podemos então denominar uma emergência como um
acontecimento que necessita de intervenção imediata ou urgente,
consoante o número de afectados, mortos e feridos, o nível de destruição
de infraestruturas, a falta de recursos, etc. Os arquitectos são os
responsáveis por garantir a segurança das populações nestas situações,
através da construção de abrigos de emergência ou temporários para os
desalojados, e de infraestruturas de saúde que proporcionem o bem-estar
das vítimas e consigam garantir as suas necessidades básicas. O processo
de reconstrução deve ter execução rápida por forma a reduzir, ou até
mesmo travar, as consequências da catástrofe ou de possíveis repercussões
(UNDRO, 1982). Para isso, como é explicado na dissertação de mestrado
de Arnfrield Ziebell, é essencial que a arquitectura de emergência responda
a todas as necessidades, através de variadas estruturas, materiais e
equipamentos. Assim, as soluções de arquitectura de emergência são
essenciais pois conseguem criar condições mínimas para a sobrevivência,
através de abrigos e instalações que garantem também um mais fácil
retorno à normalidade.

21
1.2.2. …Científica

Denomina-se desastre natural um acontecimento normalmente


imprevisto, que provoca elevada destruição, bem como danos físicos e
psicológicos, podendo levar à própria ruptura da capacidade local de um
território. Embora advenha de um fenómeno da natureza, ocorre muitas
vezes por influência de gestos humanos. É considerado um fenómeno de
graves consequências para uma sociedade, pondo em causa todos os
factores que a consolidam – infraestruturas, economia, cultura, política,
etc. - assim como as suas capacidades para controlar e recuperar danos
(Gonçalves, 2015; Ozden, 2007). Deste modo, quando um fenómeno
natural provoca danos em locais habitados pelo homem, denomina-se
desastre natural (Tominaga, Santoro e Amaral, 2009).
Apesar de serem conceitos distintos, pode denominar-se um
desastre natural como sendo uma catástrofe que ocorre quando um
fenómeno de risco provoca graves danos num determinado local e
elevados números de vítimas (Neto, 2009). Apesar de serem muitas vezes
influenciados pela acção humana, os desastres naturais ocorrem de forma
independente, causados por fenómenos naturais – como são exemplo as
chuvas, tornados, terramotos, tsunamis, etc.- mas que, ainda assim, podem
ser agravados pelo homem (Tominaga, Santoro e Amaral, 2009).
As guerras são um exemplo bastante comum de um desastre
provocado pelo homem, e retratam o elevado nível de destruição física
consequente destes fenómenos. Podem ser originadas por diversos
fenómenos, e alastrarem-se por vários territórios, provocando danos
físicos e sociais, tal como os fenómenos de origem natural (Gonçalves,
2015; Smith, 2013). Tal como acontece com os restantes desastres, as
guerras frequentemente procuram locais destinados a alojamento
temporário, funcionando como assentamentos temporários (Davis, 1980).
As consequências de um desastre podem alterar-se consoante o
local de inserção, provocando diferentes danos em cada tipo de território,
dependendo do nível de pobreza e da capacidade de resposta das
comunidades, assim como, naturalmente, da tipografia e construções do
próprio local (Gonçalves, 2015; Quarantelli, 1981; Neto, 2009). Assim, o

22
impacto provocado por um desastre depende das características de cada
território, que variam consoante a vulnerabilidade de cada local.
A vulnerabilidade de um local pode ser dividida em dois tipos –
humana e estrutural ou física – sendo que a humana e estrutural está
relacionada com a capacidade que as populações têm de dar resposta de
emergência, e a física está relacionada com a capacidade que um território
tem de se reabilitar perante as consequências (Sálas, 2006; Gonçalves,
2015).
Os desastres naturais têm vindo a registar-se ao longo da história
da humanidade, causando cenários devastadores e elevadas taxas de
mortalidade, mas nos últimos anos o registo destes acontecimentos parece
vir a aumentar gradualmente, o que se torna bastante preocupante (ver
figura 3). Isto deve-se essencialmente ao aumento das taxas de
urbanização, à degradação ambiental e à intensificação das variáveis do
clima, de que são exemplo os efeitos do aquecimento global.

Figura. 3 – Gráfico de números e tipos de Desastres Naturais desde 1950 a 2012 segundo a EM-
DAT

O crescimento populacional dos últimos anos, juntamente com as


fracas condições características essencialmente dos países em
desenvolvimento, levam a que a população mundial esteja mais exposta
aos riscos e vulnerabilidades dos territórios. Naturalmente que os perigos
afectam toda a população, mas devido às condições de habitabilidade, as
comunidades mais desfavorecidas estão mais sujeitas a serem afectadas
por desastres. Assim sendo, torna-se necessária a elaboração de estratégias

23
de planeamento para redução dos riscos e vulnerabilidades (Tominaga,
Santoro e Amaral, 2009).
Um desastre pode classificar-se como sendo biológico, geofísico
ou climatérico. Entendem-se por biológicos os desastres causados por
doenças infeciosas, como epidemias; geofísicos são fenómenos naturais,
como vulcões, terramotos ou avalanches; e climatéricos os que se
manifestam através de inundações, tempestades, ciclones ou incêndios,
por exemplo (Leaning e Guha-Sapir, 2013).
Os terramotos são um dos fenómenos físicos mais recorrentes,
podendo ser causados pelo movimento das placas tectónicas ou pela
ascensão do magma no interior dos vulcões, no caso dos terramotos
vulcânicos (Gonçalves, 2015).
Fenómenos naturais, como os terramotos, são bastante
imprevisíveis e têm impactos de elevada destruição e consequências
devastadoras, muitas vezes acentuadas por acções humanas. O
crescimento populacional, por exemplo, contribuiu para que zonas de
elevado risco sísmico fossem ocupadas por habitações e infraestruturas, as
quais numa situação de desastre são inevitavelmente destruídas. Esta
ocupação territorial favorece o aumento do registo de desastres e suas
consequências, na medida em que transforma fenómenos naturais menos
significativos em desastres com um enorme impacto (Guha-Sapir e Vos,
2010).
Um desastre provoca num território consequências imediatas mas
também outras, não menos importantes, a longo prazo, como sejam as
crises humanitárias. Por outro lado, a nível económico, um desastre tem
consequências directas e imediatas, decorrentes do colapso de
infraestruturas e habitações, por exemplo, mas também indirectas, através
da destabilização da economia local, da perda de empregos, etc.
Os desastres podem então ser classificados segundo a sua
intensidade. Quando um território e população não conseguem suportar as
consequências do desastre e retomar rapidamente a normalidade,
necessitando de mobilização e ajuda externa, classifica-se como sendo de
grau IV. Um desastre de grau III ocorre quando as suas consequências são
consideráveis no território e a normalidade só é retomada com a ajuda de

24
recursos externos. Os desastres naturais de nível I e II são assim
classificados quando as consequências são de alguma importância mas
conseguem ser superados facilmente pelos territórios e populações.
Ao longo dos anos, os registos mais frequentes têm vindo a ser
atribuídos a excesso de calor e inundações, afectando em média 100
milhões de pessoas por ano, segundo a EM-DAT.
No ano de 2014 ocorreram 324 desastres naturais que provocaram
7.823 mortes, atingindo um total de 99 países, dos quais a China, os
Estados Unidos, a Índia e o Japão se destacaram como os mais atingidos
(Guhua-Sapir, Hoyois e Below, 2015).
No ano de 2015 um total de 98 milhões de pessoas foram afectadas
por desastres naturais, segundo o estudo da base de dados da EM-DAT, e
registou-se um prejuízo de 66,5 mil milhões de dólares. O maior prejuízo
e o maior número de mortes registou-se após o terremoto do Nepal, no mês
de Abril.
Os dados sobre desastres naturais são bastante úteis para uma
avaliação dos riscos em determinadas áreas territoriais. A avaliação de
perigos e riscos de desastre é feita através de várias técnicas, mas
obviamente nenhuma delas é absolutamente segura e, por isso, se releva o
valor da recolha de dados que consigam descrever ao máximo os vários
factores que envolvem o desastre. Por outro lado, também se torna
necessário o apuramento dos danos causados pelos desastres de forma a
conseguir avaliar a vulnerabilidade de cada território (Davis, 2015).
Segundo a EM-DAT, são os desastres relacionados com situações
meteorológicas hidrológicas ou características climatéricas assim como os
geofísicos, os que causam mais danos nos territórios e provocam mais
mortes (EM-DAT, 2009; Gonçalves, 2015).

1.2.3. …de Âmbito Arquitectónico

Catástrofes naturais são cada vez mais frequentes, o que justifica


que se questionem os contributos que os arquitectos podem dar em
fenómenos desta amplitude (Ban, 2011, p.5). Em cenários de extrema
destruição, onde a recuperação de um território e a capacidade de resposta
às principais necessidades das populações são os objectivos mais
25
importantes a cumprir, os arquitectos são talvez os profissionais mais
habilitados para intervir. Ainda que em contextos totalmente diferentes dos
projectos de arquitectura comuns, os arquitectos têm como base de
trabalho responder às necessidades das pessoas.
É público e notório que os arquitectos possuem formação e
experiência que os dota de preparação adequada para intervir nestas
situações de emergência, mas também é verdade que têm sido criticados
pelo facto de terem excessiva preocupação com os edifícios e pouca com
a sua vivência (Sanderson, 2010). Também é verdade que poucos são os
profissionais que trabalham este tema e respectivas soluções e que, muitas
vezes, procuram apenas desenvolver soluções inovadoras em termos de
desenho ou forma (Kronenburg, 2009). Desse modo, muitas das casas pré-
fabricadas até agora experimentadas demoraram a construir ou revelaram-
se desapropriadas e dispendiosas (Kronenburg, 1998). Às vezes,
arquitectos e engenheiros não estão a par das reais necessidades das
vítimas e acabam por criar soluções que não as satisfazem, para além de
se revelarem bastante dispendiosas. Um dos principais problemas prende-
se com a construção dos abrigos, que usualmente não é feita no local, e
que depois, quando transportada, revela-se inadequada (Barak, 2003),
ignorando as necessidades de cada um dos desalojados, que variam de
local para local (UNDRO, 1982).
Podemos dar alguns exemplos de abrigos que ilustram essas
críticas (ver figura 4). O projecto desenvolvido por Sean Godsell, (ver
figura 4 a), um protótipo de habitação de emergência, pensado para ser
construído com contentores reciclados e em série, e com uma cobertura de
painéis solares, revelou-se bastante dispendioso e pormenorizado no seu
interior (Hamilton, 2012). Acresce que a sua construção, pesada e de
grandes dimensões, dificulta o seu transporte. Já o protótipo desenvolvido
por Andrew Maynard, (ver figura 4 b), conhecido como AirDrop House,
pretende funcionar como abrigo que produz água e alimentos. Contudo,
mais que corresponder às reais necessidades das populações, pode ser
interpretada como uma proposta com certa ironia, por ser demasiado
dispendiosa.

26
a) b)
Figura 4 - Dois exemplos de soluções de emergência que não foram bem-sucedidas: a) “Future
Shack”, abrigo de emergência desenhado por Sean Godshell; b)”AirDrop House”, abrigos
permanentes desenhados por Andrew Maynard

Comprova-se, portanto, que muitos arquitectos envolvidos em


projectos de emergência são acusados de projectarem soluções inovadoras,
mas inadequadas ao local, além de dispendiosas (Davis, 2011).
Naturalmente que estas críticas não se podem generalizar à
totalidade dos arquitectos que intervêm no tema, até porque se têm
desenvolvido soluções de emergência com resultados positivos, como são
os casos de Shigeru Ban (ver figura 5), Sandra D’Urzo, Elemental; e
organizações, como a Architecture for Humanity ou Emergency
Architects, por exemplo, ou até mesmo Le Corbusier e Jean Prouvé, que
contribuíram anteriormente para o desenvolvimento da arquitectura
transitória, conforme se pode ler na dissertação de mestrado “Arquitectura
Temporária de Emergência”, de Catarina Silva.

a) b)
Figura 5 - Dois exemplos de soluções de emergência desenhados pelo arquitecto Shigeru Ban:
a) Paper Log House nas Filipinas; b) New Temporary Housing

27
Merece igualmente particular referência o arquitecto Shigeru Ban,
vencedor do prémio Pritzker de 2014, e cuja enorme notabilidade lhe
advém do seu envolvimento em projectos de emergência, principalmente
pelas soluções construtivas e materiais que utiliza. Aliás, tem um carácter
curioso por novas técnicas, soluções e processos construtivos,
conseguindo múltiplas experiências em diferentes contextos (Ban, 2011,
p.8).
Saliente-se que o principal objectivo da intervenção dos arquitectos
em situações de emergência é assegurar as condições necessárias à
sobrevivência das populações, trabalho que implica o domínio de diversas
áreas relacionadas com o realojamento das vítimas (factores sociais,
culturais, económicos, políticos, etc.), num processo complexo e moroso,
que deve envolver os habitantes e as organizações locais. O processo de
realojamento das vítimas deve conjugar necessidades reais (como a
segurança, a engenharia, os sistemas de águas e iluminação, o conforto,
etc.), e as características específicas do território a intervir, propiciando a
integração dos habitantes no seu meio. O problema é que embora os
arquitectos possuam as competências adequadas ao desenvolvimento de
soluções de emergência, a sua tarefa é frequentemente condicionada pela
falta de recursos e urgência de intervenção (Davis, 2011).
É inegável que o arquitecto domina competências de desenho e
constructivas que garantem a estabilidade e durabilidade de um edifício,
sendo certo que pode criar soluções de baixo custo e com pouca
necessidade de mão-de-obra qualificada, optimizando a relação entre
recursos e resultados. Todavia, também é consensual a ideia de que a
intervenção das populações na construção das suas próprias casas permite
uma colaboração destas com os arquitectos e organizações locais,
cooperação essa que responde às necessidades básicas dessas gentes e que
concede à infraestrutura construída o respeito de quem a vai habitar (Ban,
2011, p.28). Aliás, segundo Turner, habitações construídas pelos próprios
habitantes propiciam envolvimento desses com as infraestruturas que,
assim, melhor respondem às verdadeiras necessidades das realidades em
causa. Um exemplo concreto encontra-se na dissertação de mestrado de
Lara Ferreira, que experimenta com a participação da população

28
(estudantes universitários e voluntários) substituir habitações precárias por
soluções pré-fabricadas. Resultam, pois, grandes vantagens na
colaboração entre arquitectos, habitantes e organizações locais, uma vez
que da sintonia entre eles podem advir soluções que melhor satisfaçam as
necessidades básicas de habitabilidade e interesses das populações em
causa.
A experiência adquirida com os projectos construídos, dota os
arquitectos com capacidades mais que suficientes para projectar estruturas
de alojamentos seguras e que respeitem os recursos disponíveis,
viabilizando a criação de soluções sustentáveis. O arquitecto torna possível
a construção de alojamentos de emergência numa reconstrução pós-
catástrofe, mas também proporciona o aparecimento de espaços
comunitários bem como a instalação de infraestruturas básicas, como
água, saneamento, luz, etc. Para além dos conceitos profissionais, o
arquitecto é detentor de um vastíssimo conhecimento de temas
diversificados, o que lhe permite trabalhar com várias pessoas e com várias
funções (Aquilino, 2011).
Um arquitecto deve ainda conhecer as propriedades de todos os
materiais para que possa fazer escolhas alternativas, sob o ponto de vista
económico e ambiental, como são os materiais reciclados e reutilizáveis.
Por outro lado, o uso de materiais não convencionais tem de garantir a
qualidade e segurança das pessoas e respeitar as legislações impostas em
cada local, embora frequentemente sejam pouco receptivas a inovações
(Ban, 2011).
O arquitecto sabe que as técnicas construtivas e a escolha dos
materiais de construção, elementos de suporte e todas as componentes de
construção de um abrigo, não dependem apenas de si próprio ou das
entidades locais, pois tem que existir uma relação estreita com o próprio
território e a sua cultura. Deste modo, não se pode dizer que exista algum
protótipo ou manual de alojamentos que identifiquem os sistemas
construtivos e estruturas com maior capacidade de resposta em situações
de emergência, porque há variações consoante o local em causa. O
objectivo primordial será sempre dar resposta às necessidades básicas das
populações, pelo que o alojamento pós-catástrofe deve em primeiro lugar

29
proporcionar a máxima segurança aos habitantes, evitando danos e
garantindo conforto.
Conclui-se, portanto, que para maior sucesso de um projecto de
emergência é essencial o arquitecto trabalhar as questões técnicas e
conceptuais, mas sem perder de vista o ambiente da área a intervir, modos
de vida e culturas dominantes, e sempre no respeito pelo contexto
existente. Ou seja, num cenário de reconstrução após um desastre deve-se
garantir a saúde e segurança das populações, e incentivar a construção de
novas infraestruturas e espaços públicos, que reduzam a vulnerabilidade
do território e assegurem a permanência das populações a longo prazo.
Dessa forma também se garante o desenvolvimento da economia local
através da construção de infraestruturas - instalações de água, saneamento
e electricidade.

30
“Everybody wants the same thing, rich or poor…not only a warm, dry
room, but a shelter for the soul.”
Samuel Mockbee, 2015, 50, in SINCLAIR, Cameron (2006), Design Like You Give a Damn, New York:
Architecture for Humanity

31
2.Alojamento Pós-Catástrofe
2.1. Enquadramento

Os desastres naturais têm como principais consequências elevados


danos a nível territorial, como a destruição de habitações e o colapso de
infraestruturas, que provocam um grande número de desalojados. Assim
sendo, uma das mais importantes intervenções após um desastre é a de
conseguir proporcionar abrigos e condições mínimas para a segurança e
habitabilidade das populações afectadas. Os abrigos de emergência e
temporários são uma das principais intervenções num cenário pós-
catástrofe (UNDRO,1982), tanto mais que é fundamental recuperar a
satisfação das necessidades básicas das populações e territórios afectados.
É sabido que a habitação deve proporcionar às populações
conforto, segurança e privacidade, para além de satisfazer as suas
necessidades básicas. Aliás, segundo o artigo 25 da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, todas as pessoas têm direito a um padrão de vida
adequado para a saúde e bem-estar de si mesmo e do seu núcleo familiar,
incluindo alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e sociais
em caso de necessidade. A habitação adequada tem de proporcionar uma
disponibilidade de serviços materiais, instalações e infraestrutura,
segurança jurídica de posse, acessibilidade, habitabilidade, localização,
cultura e adequação (UNHCR).
Assim sendo, a habitação funciona como um bem essencial na vida
das pessoas e no próprio desenvolvimento das sociedades, que consegue
albergar um grande conjunto de factores como saúde, educação, segurança
e estabilidade familiar (Barak, 2003). Dada a sua importância e os diversos
factores que a integram, a destruição de uma habitação é um dos efeitos
mais problemáticos em casos de desastre, o que torna a sua reconstrução
absolutamente prioritária.
Pena é que a reconstrução por vezes falhe devido à inexperiência
dos intervenientes ou à deficiente comunicação entre as agências e
organizações envolvidas, que acabam por não conseguir proporcionar
soluções com os cuidados mínimos e essenciais para as populações
afectadas (Barak, 2003). Obviamente que o processo de reconstrução é

32
bastante complexo e moroso, requerendo uma grande preparação prévia,
muitas vezes impossível de conseguir.
Na realidade, o colapso habitacional significa a destruição física,
que afecta factores económicos e sociais, mas também a perda de
segurança e privacidade populacional. Em certa medida, o derrube de uma
habitação pode ser visto como uma perda de identidade, que causa danos
psicológicos, traumas e uma elevada insegurança populacional (Barak,
2003). É por isso que quando o processo de reconstrução é feito em
colaboração com as comunidades afectadas, o trauma é mais rapidamente
ultrapassado porque o envolvimento das populações na reconstrução das
suas próprias casas, como já foi previamente referido, garante maior
controlo emocional, facilita o processo de reconstrução e ainda incentiva
o espírito de comunidade.
Segundo Hannes Mayer, a arquitectura é um processo de dar forma
e padrão para a vida social da comunidade, onde um edifício é uma acção
colectiva e não um acto individual (Sinclair, 2006). Deste modo, a
participação dos habitantes na reconstrução das suas próprias casas
contribui para uma maior identidade das construções, em resultado de
pensamentos e ideologias mais próximos das necessidades das vítimas.
Mas a morosidade do processo de reconstrução ou reabilitação das
habitações obriga à existência de espaços que garantam o conforto,
segurança e privacidade das vítimas, de onde resulta a necessidade de
abrigos temporários e transitórios (Kronenburg, 2009). Esses abrigos
temporários têm um papel fundamental na intervenção pós-catástrofe, pois
atenuam os danos causados pelo desastre, assegurando a segurança
populacional e impedindo o aumento de vítimas, bem como a propagação
de doenças. Isto é tão importante quanto é certo que das doenças por falta
de higiene ou cuidados médicos resultam epidemias e o aumento de
vítimas, o que, somado à falta de abrigo e segurança, poderia conduzir a
novo desastre.
A arquitectura de emergência pode ser imediata, através dos
abrigos de emergência usados numa intervenção directa e com pouca
complexidade; temporária, através dos abrigos que são usados no período
de reabilitação; ou permanente, através das habitações que são usadas para

33
a reconstrução territorial (Davis, 1980). Assim sendo, a diferenciação das
soluções resulta do estado do local onde se integram e da resposta
necessária. Os abrigos de emergência são os primeiros a ser utilizados,
como resposta rápida no local onde muitas vezes não é necessária a
construção de infraestruturas, devido ao aproveitamento de espaços que
consigam albergar as vítimas. Ainda assim, as soluções têm de garantir o
conforto e privacidade de cada um. Esses abrigos são de curta duração,
servindo apenas como intervenção imediata, e rapidamente deixam de dar
resposta às necessidades básicas das vítimas. Os abrigos temporários,
utilizados numa fase posterior, de reabilitação do território, proporcionam
a protecção, segurança e privacidade das populações. São construções
mínimas e facilmente transportáveis que proporcionam condições para
satisfação das tarefas quotidianas dos habitantes, na perspectiva do seu
retorno à normalidade, e que garantem um espaço para viver até à
construção das verdadeiras habitações (Kronenburg, 2009). Ainda assim,
também estes abrigos têm um curto período de durabilidade, devido não
só à falta de habitabilidade plena, mas igualmente devido ao limite de
duração dos materiais de construção aplicados.
Mais do que um objecto físico, a habitação é vista como um dos
bens essenciais na vida das pessoas, um lugar que proporciona conforto,
segurança e privacidade. O que releva numa habitação não é o que ela
possui fisicamente, mas sim a forma como consegue contribuir para o
quotidiano dos que a habitam (Turner, 1976). A habitação é, por isso, um
espaço que alberga várias emoções, e que permite às pessoas a construção
do seu próprio ambiente e identidade (Bedoya, 2004). A sua perda, em
caso de desastre, faz com que a insegurança populacional aumente e crie
um desconforto emocional bastante preocupante na vida dos habitantes.
Deste modo, o processo de realojamento de vítimas de desastres
assume um papel fulcral numa intervenção pós catástrofe pois, para além
da perda física da habitação, também se verifica a perda da própria
identidade e privacidade pessoais (Barakat, 2003). É por isso que o
processo de realojamento visa proporcionar condições necessárias para a
habitabilidade de um espaço, mas desenvolve também as relações sociais
entre as vítimas do desastre: os abrigos conseguem, numa intervenção

34
imediata, garantir o bem-estar das populações através de soluções de
emergência que oferecem conforto, segurança e privacidade aos habitantes
(Kronenburg, 2009), bem como os cuidados básicos de sobrevivência.
São, por isso, uma das mais importantes e oportunas intervenções a
adoptar, até como forma de evitar que os danos provocados pelos desastres
se transformem em segundas catástrofes, através de crises sociais ou
psicológicas.
Nos últimos anos tem havido um esforço para melhorar a qualidade
espacial nos abrigos, sejam eles temporários ou permanentes, para de certa
forma prevenir possíveis segundos desastres (Shelter After Disaster,
2015).
Há, contudo, uma certa inconsciência, uma certa leviandade,
quando se diz que as necessidades de abrigo em países em
desenvolvimento são idênticas à de uma sociedade industrializada.
Acreditar que os abrigos são universais é um grande erro que, além de
ignorar os recursos que cada país pode suportar para cada abrigo,
desvaloriza os factores de implantação territorial bem como as
necessidades dos sobreviventes, que variam, obviamente, de família para
família e de local para local (Davis, 2015). Deste modo, os abrigos de
emergência devem adequar-se ao território onde se estão a inserir,
podendo responder a diferentes necessidades populacionais, consoante a
gravidade do desastre e o número de danos causados.
Na verdade, o alojamento de emergência não socorre apenas os
desalojados após um desastre. Alguns exemplos ilustram a necessidade de
albergar famílias em abrigos de emergência, em casos onde, apesar das
habitações ficarem intactas após o desastre, a instabilidade territorial
obrigar ao realojamento. Após os terramotos de Guatemala e Friuli, em
1976, foram fornecidos abrigos de emergência para os sobreviventes, não
obstante não se verificarem danos nas suas habitações. Com esta solução,
as casas serviam para as tarefas normais do dia-a-dia e os abrigos eram
utilizados apenas para dormir, protegendo-se assim das repercussões do
desastre (ver figura 6). Neste caso torna-se essencial que os abrigos
estejam chegados às habitações de cada um (Davis, 2015).

35
a) b)
Figura 6 – Terramoto de Guatemala – a) Abrigo improvisado para desalojados após o
terramoto de Guatemala; b) Destruição de edifícios após o terramoto

Segundo Ian Davis, tem sido feita, ao longo dos anos, uma grande
pesquisa por parte de designers, arquitectos, voluntários e estudantes
universitários sobre a aplicação universal dos abrigos de emergência. O
resultado relata diminuta utilização de abrigos, de emergência ou
transitórios, devido aos elevados custos de montagem, quase sempre
acrescidos pelo seu transporte. Também se revelam muitas vezes
inadequados devido à tecnologia envolvente e à elevada exigência de
montagem, que frequentemente obriga à deslocação de intervenientes
externos e dificulta a manutenção do abrigo.
Deste modo, a estrutura dos abrigos deve seguir o sistema
construtivo tradicional, ou seja, deve ser uma solução pensada para um
certo período de duração e de baixo custo, utilizando materiais disponíveis
nos territórios para a construção do alojamento no próprio lugar,
adaptando-se facilmente soluções a cada contexto. Estas estruturas
permitem a construção de alojamentos acessíveis financeiramente, e que
se integram nos locais de inserção. Por outro lado, a utilização de materiais
locais possibilita uma maior aproximação das populações com o material
de construção, estimulando uma maior participação na montagem dos
alojamentos e contribuindo para o crescimento da economia local. A
manutenção dos abrigos torna-se mais fácil quando trabalhamos com
materiais locais, para além de contribuir para uma recuperação integral da
comunidade (Barakat, 2003). A utilização de materiais locais não significa
que não sejam inseridos outros materiais ou técnicas inovadoras, se um
novo material ou técnica construtiva se considerar benéfico para a solução
36
de alojamento, deve, naturalmente, ser tido em consideração (Garofalo &
Hill, 2008; Branco, Félix e Feio, 2013).
Dito isto, o conhecimento do contexto de uma comunidade e a sua
participação no processo de realojamento, a utilização de materiais locais
e o planeamento do futuro da comunidade juntamente com uma
preocupação que vai para além das unidades habitacionais podem, em
conjunto, contribuir para uma grande melhoria do alojamento pós-
catástrofe (Branco, Félix e Feio, 2013).
O conhecimento aprofundado de um território faz com que os
abrigos produzidos para essa comunidade sejam adequados aos modos de
vida dos habitantes e, deste modo, a adaptação das vítimas seja bem-
sucedida. Conhecer o contexto em causa implica a compreensão de todas
as características que o constituem – cultura, tradições, organização social,
economia, política, religião, clima, etc. (Branco, Félix e Feio, 2013).
Todas as características de uma comunidade devem ser tidas em conta na
construção dos alojamentos, variando, naturalmente, de território em
território. Assim sendo, o primeiro passo para a construção do alojamento
pós-catástrofe deve passar por conhecer o contexto onde se vai inserir
(Barakat, 2003).
Como já foi referido, e sublinhado por muitos autores que estudam
e trabalham o tema da arquitectura de emergência, a participação dos
habitantes na construção do alojamento é uma mais-valia para que este se
adeque às necessidades reais dos habitantes. O envolvimento das
populações permite que as unidades de habitação estejam adaptadas às
suas exigências, contribuindo, naturalmente, para uma mais rápida
recuperação da comunidade (Branco, Félix e Feio, 2013). Ainda assim,
nem todo o tipo de participação é positivo, e por isso deve ser previamente
ponderada, de forma a compreender-se o contributo que pode ter para o
contexto de inserção (Davidson, Johnson, Lizarralde, Dikmen & Sliwinski,
2007; Branco, Félix e Feio, 2013).
Enquanto o pensamento prévio se revela benéfico para a
recuperação de um território, também o planeamento futuro deve ser tido
em conta, de forma a conseguir prever e criar oportunidades para os
habitantes da comunidade. Este planeamento passa não só pelo desenho

37
territorial, mas também pela flexibilidade que pode ser entregue aos
abrigos. Esta flexibilidade revê-se na facilidade de alteração das soluções,
o facto de serem facilmente manipuladas para dar resposta às necessidades
dos habitantes permite que estejam preparadas para a evolução da
população (Branco, Félix e Feio, 2013). Para que tal aconteça, devem ser
opção os abrigos mais simples e mais fáceis de manipular, isto é, aqueles
que utilizem elementos construtivos mais simples e de melhor
manuseamento (Arslan, 2007).
É importante, para uma reconstrução bem-sucedida, que haja uma
preocupação que vá para além das unidades habitacionais. A escolha de
um abrigo que responda às exigências previamente referidas – integração
social, cultural, sustentável e económica – não significa que seja
totalmente adequado. Tão importante quanto o desenho das unidades de
alojamento é o desenho do território e o seu planeamento. É importante
que sejam previamente estabelecidos os locais onde se irão implantar não
só os alojamentos, mas todas as infraestruturas que compõem a
comunidade (Branco, Félix e Feio, 2013). Só deste modo se consegue
planear um território de forma fluída e funcional que consiga albergar as
populações de forma regrada, sem que estas se sintam desenquadradas ou
deslocadas (Johnson, 2007). Assim, revela-se essencial o pensamento dos
locais que possibilitam a interacção social dos habitantes - ruas, praças,
espaços públicos, jardins, etc.- contribuindo também para a recuperação
psicológica dos mesmos.
Conclui-se então, que para que o alojamento pós-catástrofe cumpra
as suas funções, é necessário trabalhar o espaço que o envolve. O desenho
de espaços que rodeiam o alojamento são a chave para o sucesso de uma
reconstrução territorial (Branco, Félix e Feio, 2013).

2.2.Tipos de Alojamento

Existem vários tipos de alojamento pós-catástrofe, que são


utilizados consoante a resposta necessária ao local, diferenciando-se
também pela fase de intervenção do território onde vão ser integrados. A
análise de tipologias que se segue divide-se em três diferentes etapas do
processo de reconstrução pós-catástrofe, os abrigos de emergência, abrigos
38
temporários e transitórios e as habitações permanentes. Deste modo, torna-
se possível analisar uma primeira abordagem, a de emergência, muito mais
simples e directa do que a transitória, e entender ainda a complexidade da
reconstrução territorial que é feita essencialmente através das habitações
de carácter permanente.
De seguida é feita uma análise a diferentes casos de estudo que
ajudaram na compreensão das diferentes tipologias do alojamento pós-
catástrofe:

Abrigos de Emergência
Após a ocorrência de um desastre, a primeira abordagem ao local
é feita através dos abrigos de emergência, com a função de socorrer as
populações nos primeiros dias, garantindo a sua segurança e oferecendo-
lhes as necessidades básicas para sobrevivência (UNDRO,1982). Os
abrigos de emergência são, por esse mesmo motivo, os primeiros a serem
utilizados numa situação pós desastre. Muitas vezes, devido à rápida
capacidade de resposta que é exigida numa situação de emergência, os
abrigos de emergência surgem através da ocupação de um espaço amplo
ou colectivo, com capacidade de albergar um grande número de pessoas,
sem que seja necessária a construção de infraestruturas. Obviamente que
neste caso há uma grande falta de privacidade e conforto para as
populações vítimas, mas acontece muitas vezes resultado de uma grande
falta de recursos e, essencialmente, de tempo de resposta. Ainda assim, a
ocupação de edifícios existentes no local acontece muitas vezes devido à
economia de tempo e recursos que proporciona.
Os abrigos de emergência são soluções bastante simples, que
oferecem as condições básicas para a sobrevivência, tendo um período de
duração bastante curto e apenas com o objectivo de ajudar as populações
até à chegada dos abrigos temporários. As tendas são, frequentemente, o
primeiro abrigo de emergência enviado numa primeira abordagem aos
locais afectados (Sinclair, 2006). São escolhidas essencialmente pela sua
facilidade de transporte e montagem, bem como pelo baixo custo que
apresentam, permitindo uma intervenção rápida e eficaz. Por outro lado, a
materialidade e baixo peso que as caracterizam põem em causa a segurança

39
e resistência dos próprios abrigos e populações, ainda mais quando aliados
à instabilidade característica dos territórios afectados por desastres. Os
abrigos de emergência têm de conseguir responder a várias questões,
essencialmente relacionadas com a segurança das populações afectadas,
onde os edifícios públicos desempenham um papel bastante importante
(Davis, 2015).
Os abrigos são, naturalmente, soluções bastante flexíveis e
adaptáveis aos locais onde se inserem, como forma de todos conseguirem
rapidamente montar e desmontar a infraestrutura, que apresenta
frequentemente variadas formas e materiais de construção.
Os abrigos rapidamente deixam de conseguir responder às necessidades
das populações, por isso têm uma durabilidade bastante reduzida, servindo
apenas como intervenção imediata. Muitos sistemas de abrigo de
emergência falham nesse aspecto de durabilidade, por se revelarem
inadequadas quando possuem um carácter demasiado permanente, que
possibilita a continuidade de ocupação do abrigo (Sinclair, 2006).

Paper Log Houses, Shigeru Ban


O projecto das Paper Log Houses foi desenvolvido primeiramente,
por Shigeru Ban, como resposta de abrigo para os desalojados do
terramoto de 1995 em Kobe, no Japão. A solução apresenta vivendas onde
os tubos de papel foram o elemento de suporte principal da estrutura,
garantido isolamento térmico no interior do edifício, e servindo também
como fachada. Como fundações foram utilizadas grades de cervejas
carregadas com sacos de areia, (ver figura 7.1.). A leveza e fácil
manuseamento do principal elemento estrutural facilitam o transporte e a
montagem dos abrigos, e contribuem para um baixo valor de custos. A
forma dos abrigos foi inspirada nas cabanas previamente existentes, mas a
solução conseguiu ser reaproveitada noutros locais, como na Turquia após
o terramoto de 2000 e na Índia, de forma a minimizar o valor de custo
(Ban, 2011).

40
a) b)

c) d)
Figura 7.1. Paper Log Houses - a) Fachada da estrutura utilizada para a cidade de Kobe, Japão,
1995 b) Pormenor da cobertura c)Imagem da estrutura dos tubos de papel e grades de cervejas,
utilizada nas Filipinas em 2013 d)Montagem das Paper Log Houses, estrutura das paredes e
fundações

Naturalmente que a solução teve de ser adaptada em cada um dos


locais onde se inseriu, onde algumas tiveram de ser ampliadas para
albergar famílias mais numerosas, e o próprio tamanho do material teve de
ser de maiores dimensões. Na Índia, por exemplo, as fundações passaram
a ser escombros em vez de grades de cerveja, que no local não existiam, e
a cobertura passou a ser curva em bambu, o que permitiu mais ventilação
no interior dos abrigos, (ver figura 7.2.).

41
a) b)
Figura 7.2. Paper Log Houses em diferentes contextos - a) Fotografia as fachadas das Paper Log
Houses na índia b) Imagem do interior das Paper Log Houses na Índia

Segundo Ban, a arquitectura de emergência beneficia da


introdução de novos materiais, não só por razões económicas, mas também
pela multiplicidade de soluções que nos conseguem proporcionar. Posto
isto, as Paper Log Houses, foram pensadas para serem montadas em menos
de dez horas, e sem a ajuda de máquinas, mas apenas manualmente. A
contribuição por parte dos desalojados na montagem dos abrigos
beneficiou tanto em termos económicos, como de tempo, e ajudou a que
as vítimas se relacionassem mais com o projecto, e estagnando o trauma
provocado pelo desastre.
Previamente, em 1994, Ban já tinha proposto abrigos feitos através
de tubos de papel e coberturas em folhas de plástico, para os desalojados
da guerra civil de Ruanda, que afectou mais de 2 milhões de pessoas. Em
1998 conseguiu construir 50 abrigos de emergência em Ruanda,
juntamente com os refugiados e as organizações locais, mas a UNHCR-
United Nations High Commissioner for Refugees revelou que se tornavam
demasiado dispendiosos. Para além dos abrigos, Shigeru Ban construiu
também uma igreja com tubos de papel, no local onde a igreja local tinha
sido destruída. A construção demorou cinco semanas a ser construída, em
colaboração com voluntários (Sinclair, 2006), (ver figura 7.3.).

42
a) b)
Figura 7.3. – Paper Log Church - a) Protótipo da Paper Log Church b) Paper Log Church, cidade
de Ruanda, 1998

Lightweight Emergency Tent, UNHCR

Figura 8.1. – Lightweight Emergency Tent

Utilizadas em vários países como primeira resposta ao desastre, as


Lightweight Emergency Tents aproximam-se do protótipo das tendas
básicas comuns. São semi-circulares, assemelhando-se a um túnel, o que
permite uma grande utilização do seu espaço interior, pensado para
famílias de 4 a 5 pessoas (UNHCR, 2006). Interiormente é composta por
uma única película que garante o isolamento para o exterior e fornece o
chão do abrigo (ver figura 8.2.).

Figura 8.2. – Lightweight Emergency Tent – Estrutura exterior e chão interior do abrigo

A película está distanciada da exterior por 12 cm e apresenta quatro


aberturas que funcionam como janelas, permitindo a circulação de ar, e
43
revestidas por mosquiteiros para uma maior protecção do interior do
abrigo (ver figura 8.3.).

Figura 8.3.– Janelas da Lightweight Emergency Tent com mosquiteiro

A película exterior do abrigo, feita de poliéster, é resistente à água,


garantindo assim a protecção contra chuvas ou inundações. Todas as
costuras são reforçadas para não permitirem a entrada de água e de forma
a conseguir bloquear o abrigo contra terceiros. Apesar da solução se
aproximar bastante das tendas comuns, esta reconhece no seu espaço
interior, a necessidade e direito à privacidade, e pode ser dividida em dois
espaços (ver figura 8.4.).

Figura 8.4.– Imagens do interior da Lightweight Emergency Tent

O abrigo é fixado ao terreno através de dez peças triangulares (5 de


cada lado), garantindo a fixação de todo o perímetro ao solo. As peças
triangulares que estão dispersas ao longo da tenda evitam que a película
exterior se rasgue através da pressão que é feita na fixação ao solo. Para
além das janelas e dos locais de ventilação, o abrigo é composto por uma
chaminé resistente ao fogo, de 12cm de diâmetro, mas que deve ser
devidamente fechada, de forma a proteger das chuvas e entradas de água.
O transporte e armazenamento do abrigo torna-se fácil devido aos
materiais constructivos serem sintéticos e, por isso, de peso leve e pouco
volume (ver figura 8.5.) (Sinclair, 2006).

44
Figura 8.5. – Lightweight Emergency Tent embalada

Abrigos Temporários e Transitórios


Dada a reduzida durabilidade a que os abrigos de emergência estão
sujeitos, surge a necessidade de utilização dos abrigos temporários,
projectados para albergar as populações durante o período de reabilitação
do território, estando, por isso, melhor preparados para responder às
necessidades do dia-a-dia dos habitantes. Aproximam-se dos abrigos de
emergência pelas construções bastante simples e fáceis de transportar, mas
possuem melhores condições de habitabilidade para os habitantes, e
proporcionam um retomo à normalidade durante o seu tempo de utilização.
Este retomo à normalidade é assegurado através da possibilidade de
execução das tarefas do dia-a-dia dos habitantes, e da introdução de
espaços privados nos abrigos, que visam proporcionar às vítimas um maior
conforto na recuperação do trauma provocado pelo desastre.
Os abrigos temporários e transitórios têm de conseguir albergar as
famílias afectadadas pelos desastres, ao mesmo tempo que lhes
proporcionam condições para a sua recuperação, podendo ser
posteriormente transformados em habitações permanentes ou reutilizados
para outras situações (Transitional Shelter Guidelines, 2012).
São normalmente pré-fabricados e importados, com a intenção de
serem utilizados em todo o mundo, o que muitas vezes se torna uma
desvantagem em termos de materiais constructivos, que quando são
fabricados noutros países, podem ter dificuldades em adaptar-se ao clima
(Barak, 2003). Por outro lado, também os materiais constructivos têm um
determinado período de duração, o que condiciona a durabilidade do
próprio abrigo. Deste modo, a escolha dos materiais torna-se essencial para
garantir um espaço confortável, seguro e resistente. A escolha de materiais
locais facilita o processo de manutenção do abrigo, que muitas vezes tem

45
uma utilização maior do que a prevista. Ainda assim, o principal foco no
desenvolvimento de um abrigo devem ser as necessidades das vítimas mais
do que as questões técnicas como os materiais, o desenho da infraestrutura,
etc.
Alguns abrigos temporários projectados por arquitectos revelam-se
bastante dispendiosos, o que acaba por influenciar os recursos destinados
às habitações permanentes (Barak, 2003).

Better Shelter, IKEA

a) b)

c) d)
Figura 9.1.– Better Shelter – a) Utilização do abrigo num campo de refugiados ; b) Montagem
do abrigo; c) Utilização do Better Shelter em assentamento temporário em Karatepe, Grécia,
2015; d) Demonstração da utilização interior do abrigo segundo o Museu da Arte Moderna,
Nova Yorque, 2017

46
Com o objectivo de proporcionar alojamento para refugiados, a
IKEA Foundation juntamente com o Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Refugiados, desenvolveram uma tenda que se assemelha
às tendas tradicionais, mas tem uma maior durabilidade. Este projecto
começou a ser desenvolvido em 2010 pensado para ser utilizado na Suécia,
e ganhou já o prémio Beazley Design em Janeiro de 2017.
O facto de ser um projecto modular permite que se adapte a
diversos territórios e usos distintos. O Better Shelter pode adaptar-se a
diferentes culturas e costumes pois torna possível alterar a configuração
das janelas e portas nas fachadas, consoante as necessidades do ambiente
onde estiver inserido. A altura das paredes – 2,80 metros – permite a adição
de prateleiras, camas, mesas e outros equipamentos, e o comprimento do
abrigo pode alterar-se tornando-se mais curto ou comprido, consoante o
número de habitantes, através da manipulação das secções das paredes e
estrutura metálica.
Para além da manipulação estrutural, é possível que o abrigo seja
revestido com materiais locais para uma maior adaptação cultural. O
Better Shelter foi previamente testado pela ACNUR com o objectivo de
perceber a adaptação do mesmo relativamente às necessidades das
populações refugiadas e foram também testados os materiais relativamente
à sua segurança em caso de incêndio.

47
Figura 9.2.– Better Shelter – alçado frontal e lateral e vista superior do abrigo

48
Preparadas para albergar famílias até cinco pessoas, as tendas
podem ser montadas em apenas quatro horas, sem que seja necessária a
utilização de maquinaria especializada mas apenas a ajuda de quatro
pessoas. O kit de refugiados é composto pelas 68 peças que compõem a
tenda, acompanhado por um painel solar que pretende fornecer energia ao
abrigo, e um manual de instruções que ajuda na montagem com as
ferramentas necessárias. O painel solar é acompanhado de um
equipamento de fornece luz no interior do abrigo, podendo ser utilizada
durante 4 horas quando carregado, possibilitando ainda o carregamento de
telemóveis através de uma entrada USB (ver figura 9.3.). A montagem do
abrigo é feita em três etapas, começando pelas fundações de aço
galvanizado, em seguida é montado o telhado com ventilação e o painel
solar e no fim são aplicadas as paredes com janelas e porta. É entregue em
duas caixas de 80 quilos cada, pesando 169 quilos quando montado.

Figura 9.3.– Sistema de luz Better Shelter

A estrutura de aço de suporte é modular e composta por tubos


metálicos, arames e fios que garantem a fixação do abrigo e é pensada para
durar até três anos. As paredes são compostas por painéis metálicos de
poliolefina e asseguram o isolamento térmico do abrigo bem como a
protecção contra os raios ultravioleta. A Better Shelter é ainda composta
por quatro janelas e uma porta bloqueável tanto no interior como no
exterior do abrigo (ver figura 9.4.). Uma das mais-valias deste projecto é
a facilidade de desmontagem ou mobilidade do abrigo, assim como a
possibilidade de substituição das peças individualmente. Deste modo, se
alguma peça se danificar ou perder, há a possibilidade de serem

49
substituídas e não ter de se alterar a estrutura do abrigo. Actualmente o
Better Shelter tem o custo de 1158 euros, e em 2015 foram vendidas cerca
de 10000 unidades.

a)

b)

Figura 9.4.– Better Shelter, IKEA – a) Estrutura metálica de suporte para os painéis e âncora de
fixação ao terreno; b) Peças de porta e janela do Better Shelter

Global Village Shelters, Ferrara Design

Desenvolvido pelo pai, Daniel Ferrara e a sua filha Mia Ferrara,


com a colaboração da Architecture for Humanity, o abrigo temporário teve
mais de cem protótipos antes de resultar na solução final, que se revela
bastante simples e elegante (ver figura 10.1.).

50
a) b)
Figura 10.1. Global Village Shlters – a) Imagem do abrigo; b) Imagem demonstrativa da
montagem do abrigo

Desenvolvido para albergar famílias de quatro pessoas, é composto


por painéis de polipropileno e foi pensado para ser construído em menos
de uma hora com a ajuda de apenas duas pessoas, sem o apoio de
máquinas. A primeira intervenção por parte dos abrigos foi em 2004 em
Caribe após o furacão, e posteriormente no Paquistão e Haiti (ver figura
10.2.).

a) b)
Figura 10.2.– Global Village Shelters inseridas em diferentes territórios - a) Paquistão; b)
Granada

O material escolhido para a construção do abrigo consegue


proporcionar segurança, privacidade, e uma grande facilidade no
transporte que é conseguida através da leveza do material (Sinclair, 2006).
O baixo peso que caracteriza o material facilita a montagem do abrigo,
conseguindo que seja montado num curto período de tempo. Juntamente a
isto, a separação das paredes, base e telhado, que constituem um sistema
desdobrável ajudam também na montagem e no transporte das peças.

51
Deste modo, as populações afectadas conseguem participar na montagem
dos seus próprios abrigos, e relacionar-se com a habitação.
Daniel Ferrara começou a desenvolver experiências para este
abrigo em 1995, mas na altura muito poucas empresas podiam fazer a
industrialização do abrigo. Após juntar-se com a filha Mia, conseguiram
projectar um abrigo melhor, através de um reforço do material, fazendo
com que este resistisse ao fogo. Mas através deste reforço aperceberam-se
que o abrigo poderia durar vários anos, e tornar-se uma solução
permanente, não sendo esse o objectivo. Os abrigos de emergência são
projectados para terem uma determinada durabilidade, servindo apenas
para uma intervenção imediata até que sejam implantadas as soluções
permanentes. O abrigo é projectado com um espaço único interior que
alberga todas as actividades, com uma área de 6,25m2 e pensado para
durar até 5 anos (Sinclair, 2006).

a) b)
Figura 10.3. Global Village Shelters decoradas com cores diferentes pelos habitantes, Grenada,
2005

Existem duas versões do abrigo, a padrão, de 6 metros com uma


porta com sistema de travamento duplo no interior e exterior, e duas
janelas com painel removível de acrílico; e uma segunda versão, de 20
metros com duas portas e quatro janelas, projectado para albergar famílias
maiores. Ambas as soluções têm planta livre, não existindo separações no
interior do abrigo, factor que pode prejudicar a privacidade dos habitantes.

Pallet House, I-BEAM


52
a) b)

c) d)
Figura 11.1. – Pallet House – a) e b) Protótipo construído para os jardins do Palácio do Príncipe
Charles no decorrer de uma exposição de design sustentável, Londres, 2010; c) Interior do
protótipo construído para a Trienal de Arquitectura, Milão, 2008; d) Protótipo construído para a
Trienal de Arquitectura, Milão, 2008

Pensado primeiramente para abrigar os refugiados da guerra do


Kosovo, o projecto começou a ser desenvolvido em 1999. A necessidade
de oferecer às vítimas um local seguro para habitar num curto período de
tempo e, que ao longo da sua utilização, se pudesse transformar numa
habitação permanente, fez surgir a Pallet House. Construído em paletes de
madeira, a montagem do abrigo consegue ser executada num curto período
de tempo, apenas com a ajuda de ferramentas comuns (Sinclair, 2006).
Segundo I-Beam (Sinclair, 2006), cerca de 21 milhões de paletes de
madeira por ano são desperdiçadas, o que poderia albergar mais de 40 mil
pessoas. As paletes de madeira são universais, e por isso, acessíveis a
qualquer território, e revelam-se bastante versáteis na sua utilização,
adaptando-se a quase todos os climas do globo, podendo ainda ser
53
recicladas. A leveza do material facilita não só o transporte como também
a montagem do abrigo. Para que seja possível a sua transformação para
uma solução permanente é, naturalmente, necessária a manipulação do
abrigo através da adição de materiais que suportem uma habitação mais
duradoura.
Deste modo, após a primeira utilização da Pallet House, o projecto
continuou a ser desenvolvido no sentido de albergar não só vítimas de
desastres e refugiados, mas também com o intuito de responder às
necessidades de todas as pessoas, como uma solução habitacional
permanente. Assim, para além das paletes torna-se necessária a adição de
folhas de plástico que garantam a impermeabilização do interior do abrigo.
Entre estes dois materiais podem ser adicionadas pedras, pedaços de
madeira, ou até mesmo terra, com a função de preencher as paletes e
funcionarem como isolantes, de modo a tornarem o abrigo mais pesado,
seguro e resistente. De forma a conseguir uma solução ainda mais
permanente, é possível que a estrutura de paletes seja revestida por gesso,
por exemplo.
A fácil manipulação do material possibilita ainda que o abrigo seja
montado pelos próprios habitantes e adaptado às suas necessidades,
podendo facilmente ser modificada tanto exterior como interiormente.
Posto isto, a Pallet House consegue proporcionar uma habitação versátil,
que se adapta facilmente às necessidades dos habitantes e capacita os
mesmos com a função de requalificarem as suas próprias casas consoante
os seus ideais.
Para além da sua utilização por parte dos refugiados de Kosovo,
dos protótipos executados para as exposições de Design de Londres e dos
Estados Unidos, da Trienal de Milão, foi também utilizada num campo de
refugiados na Somália (ver figura 11.2.). Após estas utilizações, foi
elaborado um workshop no Indiana para estudantes de arquitectura
projectarem os seus próprios abrigos inspirados na Pallet House. As
soluções foram construídas pelos estudantes e professores, e
permaneceram no local durante duas semanas.

54
a)

b)
Figura 11.2.– Assentamento Temporário construído através das Pallet House, Somália, 2010

Após estas apropriações, a Pallet House foi, naturalmente,


adaptada para os vários contextos onde se inseriu. Após o terramoto de
2004 que afectou vários territórios, como foi exemplo o Siri Lanka, a I-
Beam adaptou o conceito de Pallet House e transformou-o numa solução
de dois andares com cinco quartos (ver figura 11.3.). A necessidade de
albergar famílias mais numerosas levou a que a estrutura fosse adaptada
tanto exterior como interiormente, e construída com o apoio de uma parede
de fundação contínua, composta por pedras de granito e argamassa que
suporta os dois andares. Neste caso, a solução necessitou de
aproximadamente 300 paletes para ser construída, e interiormente contém
para além do aumento de quartos, espaço de cozinha e um pátio interior
central.
55
Figura 11.3.– Protótipo da Pallet House adaptado para o Siri Lanka

Habitações Temporárias e Permanentes


Os abrigos de emergência e temporários actuam ambos durante o
período de tempo de reconstrução do território afectado e do retorno à
normalidade. As habitações permanentes são utilizadas para conseguir
esse retorno à normalidade e pensadas a longo prazo, como espaços de
habitação que consigam garantir segurança e conforto, bem como as
rotinas diárias das populações. Apesar dos abrigos temporários
conseguirem oferecer às vítimas as necessidades básicas de habitabilidade,
estão limitados pelos materiais de construção, que não permitem uma
utilização a longo prazo, embora muitas vezes aconteça. Deste modo, as
habitações permanentes surgem em substituição às casas que foram
destruídas.
Representa, então, a última fase do processo de realojamento das
vítimas, referente ao regresso da população às suas habitações, sejam elas
56
requalificadas ou reconstruídas, e é por isso, aquela que necessita de mais
tempo despendido e uma participação mais activa e abundante por parte
de todos. A participação por parte dos habitantes na construção das suas
habitações proporcionam uma arquitectura mais pluralista e realista, para
além de estimular um maior interesse e conhecimento social e novos
pensamentos. Prova disso, são as inúmeras vezes em que assistimos em
cenários pós-catástrofe às primeiras respostas de alojamento por parte dos
desalojados, consequência da urgência de abrigo (UNDRO,1982).
As habitações permanentes são, naturalmente, as tipologias que
necessitam de mais recursos para serem executadas devido a toda a
complexidade envolvente, que difere muito das construções temporárias.
Muito mais do que um abrigo provisório, são pensadas a longo prazo e
com o principal objectivo de garantirem todas as necessidades básicas das
vítimas de desastres. A falta de recursos, muitas vezes derivada dos
excessivos custos dos abrigos temporários, é, na maioria das vezes, um
entrave à construção das habitações permanentes (UNHABITAT).
Mas em vários casos, as recuperações das habitações destruídas
pelo desastre, são feitas através de materiais locais ou materiais não
utilizados antes do desastre, ou até mesmo através de materiais
aproveitados dos escombros. Através de um estudo efectuado aos desastres
mais significativos ocorridos desde 2005, conseguiu apurar-se que através
dos materiais locais e recuperados, conseguem-se recursos suficientes para
a construção de ¾ de cada habitação (Davis, 2015). Este reaproveitamento
dos materiais muitas vezes não é efectuado, devido à falta de
conhecimento e experiência dos participantes na reconstrução das
habitações, que não estão familiarizados com os materiais e não estão a
par das suas capacidades. Para travar este problema era necessário um
conhecimento prévio dos materiais existentes em sítios vulneráveis a
desastres, bem como um levantamento dos materiais disponíveis após o
desastre (Davis, 2015).

Quinta Monroy, Elemental


O projecto de habitações permanentes surgiu no ano de 2000, após
a necessidade de realojar 100 famílias que ocuperam ilegalmente, durante

57
anos, um terreno de Iquique, no Chile. Apesar de não se tratar de uma
situação de destruição por parte de um desastre natural, era necessário
realojar as famílias que viviam em condições precárias e em constante
desconforto. A solução que veio dar resposta ao problema da habitação
social e grande densidade, sem que seja necessária a construção de favelas
(ver figura 12.1.).

a) b)
Figura 12.1. Quinta Monroy - a) Fotografia da fachada da Quinta Monroy; b) Fotografia do
enquadramento das habitações

O financiamento do Chile para famílias com habitações em lotes


ilegais passou, em 2002, a ser de apenas 7,500$(EUA), com o objectivo
de conseguir ajudar um maior número de famílias. Foi bastante difícil
conseguir criar uma habitação que se revelasse segura e oferecesse as
condições necessárias para habitar, devido a uma grande escassez de
recursos, sem que fosse necessário transportar as famílias para a periferia
(Sinclair, 2006). A escassez de recursos, que possibilitou apenas a
construção de 30m2, resultou numa solução de habitação de planta em
“U”, propondo uma casa vertical que beneficia os espaços colectivos de
forma a promover as ligações sociais entre os habitantes, e o próprio
crescimento da população. Os espaços colectivos surgem entre os espaços
privados de cada habitação e as próprias ruas (ver figura 12.2.).

58
a)

b)
Figura 12.2. Desenhos das habitações da Quinta Monroy – a) Plantas primeiro e segundo piso;
b) Corte explicativo do projecto (autor)

A falta de recursos dificultou ainda a construção de um número de


casas suficientes para albergar as 100 famílias, o que resultou no
investimento apenas dos elementos principais de uma habitação, a própria
estrutura, a cozinha e casa de banho (ver figura 12.3.).

59
a) b)
Figura 12.3. – Interior das habitações da Quinta Monroy – a) Piso térreo e instalação de um
lavatório; b) Escadas de acesso ao piso superior

O projecto permite o crescimento das casas verticalmente e


pretende a valorização das mesmas ao longo do tempo de vivência, que é
inicialmente conseguida através da localização bem conseguida das
habitações (ver figura 12.4.). O crescimento é, no entanto, controlado
através da infraestrutura que não permite grandes modificações no volume
exterior da construção, mas que apenas seja ampliado consoante a
infraestrutura já construída.

a) b)
Figura 12.4. Crescimento das habitações da Quinta Monroy – fotografias demonstrativas da
ampliação vertical dos projectos

60
O principal objectivo deste projecto foi o de proteger e criar
condições básicas de habitabilidade à população, através do
reconhecimento da economia e do território de intervenção. Durante o
período de construção, as famílias foram transportadas para alojamentos
temporários. A construção do projecto demorou um ano, concluindo-se
apenas no final do ano de 2004, e passados quatro meses já se podia assistir
ao crescimento de algumas habitações, o que foi visto pelos arquitectos
como um sinal de sucesso (Sinclair, 2006).

Sistema Arde, Hierve-Diseñeria

Figura 13.1.– Sistema Arde, utilização em diferentes projectos

O Sistema Arde foi desenvolvido pelo arquitecto Alejandro


Villarreal em 1996, a utilização de blocos de cimento como material
constructivo, e é actualmente um dos sistemas mais utilizado no México.
O sistema construtivo torna-se bastante prático pela utilização dos blocos
de cimento, que se unem a uma grande diversidade de construção
tradicional. Os blocos de cimento funcionam quase como um puzzle ou
61
um quebra-cabeças, em que cada peça tem a sua funcionalidade,
relacionada com as infraestruturas da habitação – electricidade, sistema de
esgotos, etc. (Sinclair, 2006). Deste modo, o sistema constructivo é
modular e composto por blocos, vigas e lajes (ver figura 13.2.).

Figura 13.2.– Sistema Construtivo Arde

Visto que os blocos são projectados como peças com a devida


funcionalidade, torna-se mais fácil o desenho do interior da habitação,
essencialmente no que diz respeito aos elementos de conexão do projecto.
O sistema de blocos pode ser dividido em três diferentes grupos: a
tecnologia base, os elementos estruturais e os acessórios estruturais (ver
figura 13.3.). Estão inseridas na tecnologia todos os elementos que
compõem a estrutura da habitação, ou seja, essencialmente blocos, vigas e
lajes. Os elementos estruturais são compostos pelos acabamentos
exteriores e pelos muros de suporte, ou seja, pelos elementos que resolvem
a estrutura exterior, mas também preenchem o desenho da fachada. Os
acessórios estruturais complementam os dois grupos anteriores,
resolvendo determinadas funções em específico, como são exemplo as
caixas de escadas e as janelas ou portas (Sinclair, 2006).

62
a)

b)

c)
Figura 13.3. – Sistema Arde – a) Tecnologia base; b) Elementos estruturais; c) Acessórios
estruturais

Uma das principais características que beneficia este sistema


construtivo é a criatividade projectual, combinada com a eficiência
construtiva. A capacidade de desenvolver um projecto que responda às
necessidades de uma população, através de um baixo custo, e que ainda
permite uma grande versatilidade espacial, torna-se numa mais-valia.

63
Posto isto, o sistema foi naturalmente utilizado para vários
projectos habitacionais em todo o país.

Figura 13.4. – Edifícios construídos segundo o Sistema Arde

2.3. Problemáticas [Associadas]

Como já foi referido, apesar do alojamento pós-catástrofe ser uma


das principais medidas que permitem alcançar sucesso na reconstrução de
um território devastado, garantindo melhor qualidade de vida às vítimas
desalojadas, revela-se muitas vezes inadequado, essencialmente em
questões culturais e de sustentabilidade (Barak, 2003; Johnson, 2007;
UNDRO, 1982; Branco, Félix e Feio, 2013).
Uma grande parte das críticas frequentes no realojamento pós-
catástrofe são fruto de estratégias mal implementadas ou indevidamente
pensadas. Quando falamos de falhas na sustentabilidade da arquitectura
pós-catástrofe referimo-nos, essencialmente, aos custos das soluções de
alojamento e ao inexistente pensamento ambiental que, aparentemente, os
materiais utilizados apresentam.
Apesar de uma das recomendações para que a reconstrução de um
território seja bem-sucedida defenda a produção dos alojamentos nos
locais afectados, muitas vezes as soluções são importadas e transportadas,
implicando, naturalmente, um maior custo. Para além da questão
económica, a importação de abrigos implicam que a reconstrução seja
arrastada por um maior período de tempo, exigindo que estes sejam
produzidos, transportados e implantados nos locais (Branco, Félix e Feio,
2013). São factores como o transporte e montagem de abrigos, ou até
mesmo a simples importação de materiais construtivos que aumentam o
64
custo das reconstruções pós-catástrofe, fazendo surgir soluções de
alojamento temporário mais caras do que as soluções permanentes
(UNDRO, 1982).
A reconstrução de um território pode revelar-se excessivamente
cara, especialmente quando questões que englobam o funcionamento de
uma comunidade – abastecimento de água, luz, esgotos, estradas, etc. - são
esquecidas e condicionadas pelo frequente investimento que é depositado
nos abrigos. Deste modo, o realojamento das populações deve ter em
mente não só as soluções de alojamento mas todas as condicionantes que
constituem uma comunidade. Por outro lado, o alojamento deve ser
pensado para um determinado período de vivência, o que muitas vezes é
esquecido, e resulta em soluções extremamente caras, relativamente ao
tempo que são utilizadas (Johnson, 2008). O custo elevado de alguns
abrigos temporários e de emergência, que interferem com os recursos
disponíveis para as soluções permanentes, juntamente com a longa
duração de algumas reconstruções territoriais põem em causa o alojamento
pós-catástrofe, que muitas vezes chega a ser questionado (Steinberg,
2007). Isto deve-se ao facto de soluções de emergência serem muitas vezes
utilizadas por mais tempo do que o planeado, sem estarem devidamente
preparadas para isso.
É sabido que o processo de reconstrução de um território, por ser
demasiado complexo, pode revelar-se muito demorado, o que faz com que
as habitações permanentes não estejam preparadas a tempo de satisfazer
as populações. Assim sendo, os abrigos temporários são utilizados durante
o tempo de reconstrução territorial, que muitas vezes se alarga durante
anos, fazendo surgir problemas sociais e até mesmo culturais (Johnson,
2007).
É natural que os abrigos temporários necessitem de estruturas
resistentes e estáveis que permitam oferecer segurança às vítimas
afectadas, e, como são ocupadas durante um curto período de tempo, a sua
reutilização é possível na maior parte dos casos. Apesar de estarem em
bom estado de utilização, não há locais onde se possa guardar uma grande
quantidade de estruturas deste porte, o que faz com que muitas vezes sejam
destruídas e os assentamentos se transformem em terrenos poluídos

65
(Branco, Félix e Feio, 2013). Após a remoção dos abrigos temporários, e
para que possam ser implementadas as habitações, os locais que deram
lugar aos assentamentos temporários devem ser limpos e todas as
infraestruturas devem ser removidas. Isto não é o que regularmente
acontece, principalmente devido aos custos que estão associados a toda
essa desmontagem e limpeza, o que resulta num grande impacto a nível
ambiental (Arslan & Cosgun, 2007; Branco, Félix e Feio, 2013).
Por outro lado, o alojamento temporário pode resultar em
problemas culturais uma vez que é criticado por se despreocupar com as
necessidades reais dos habitantes e com os modos de vida das
comunidades onde é inserido (Lizarralde & Davidson, 2006; Branco,
Félix e Feio, 2013). A necessidade de alojar as vítimas de um desastre de
forma rápida e eficaz é um dos principais motivos para que, na maioria dos
projectos, essas necessidades sejam ignoradas. Revela-se urgente o
realojamento das vítimas, havendo uma maior preocupação com a
segurança e conforto das comunidades do que propriamente com as
culturas dos locais em questão.
Juntamente a estes factos, é comum que os abrigos sejam
produzidos fora dos locais afectados e importados para vários territórios
(Barakat, 2003), mais uma vez ignorando as diferenças existentes de
população para população. Para além das necessidades dos habitantes ser
diferente em cada comunidade, há vários factores que variam nos
territórios – clima, tipologias, agregado familiar, valores e costumes, etc.
(UNDRO, 1982). Deste modo, é natural que os abrigos tenham diferentes
formas e materiais construtivos, dependendo do local onde se inserem. É,
por isso, natural assistirmos muitas vezes à manipulação dos abrigos que
são importados, como forma de se adaptarem às comunidades.
Mas, torna-se benéfico para as vítimas que o alojamento pós-
catástrofe se aproxime das habitações devastadas, pois uma má adaptação
pode revelar-se psicologicamente traumatizante, e aumentar o desconforto
a que naturalmente se assiste nestas situações. Quando isto acontece, é
comum que os próprios habitantes manipulem e alterem os abrigos de
forma a satisfazer as suas necessidades, o que muitas vezes resulta em
soluções instáveis e inseguras (Branco, Félix e Feio, 2013). Na pior das

66
situações, a não adaptação das vítimas pode levar ao abandono dos abrigos,
pondo em causa todo o investimento feito no realojamento (Boen &
Jigyasu, 2005; Branco, Félix e Feio, 2013).
Posto isto, como já foi referido anteriormente, vários autores
defendem a participação das vítimas na construção dos abrigos como
forma de garantir soluções mais sustentáveis e culturalmente mais
adequadas. A colaboração dos habitantes juntamente com a utilização de
materiais locais podem revelar-se essenciais para atenuar estas
problemáticas.
Como solução aos problemas que surgem derivados do curto
período de ocupação dos abrigos, podem ser tomadas várias medidas que
proporcionam uma melhoria sustentável no processo de realojamento. Por
um lado, podemos optar por utilizar os abrigos a longo prazo, apesar desta
medida levantar outras problemáticas associadas aos modos de vida dos
habitantes, para além da ilegalidade de habitar estes espaços
permanentemente. A desmontagem e transporte das unidades para que
possam ser reutilizadas noutros desastres poderia ser uma solução, mas
seria talvez ainda mais caro do que a construção de novas soluções devido
a todo o processo e custos que engloba. Por outro lado, vender as unidades
de alojamento ou parte delas como forma de reaver alguns dos recursos
utilizados no processo de realojamento não parece conseguir solucionar
todo o investimento que é inicialmente feito. Ainda que os abrigos
apresentem boas condições para utilização, o facto de terem sido já
habitados faz com que o valor a eles atribuído seja mais baixo. (Johnson,
2007; Branco, Félix e Feio, 2013)
Apesar dos custos associados, a reutilização dos abrigos parece ser
a melhor estratégia (Johnson, 2008). Reutilizar abrigos que permitiram a
recuperação de uma comunidade, pode ser vantajoso na medida em que
possibilita a recuperação de parte dos investimentos já efectuados, visando
melhorar os problemas de insustentabilidade presentes constantemente nos
processos de alojamento pós-catástrofe (Arslan & Cosgun, 2008; Johnson,
2008; Branco, Félix e Feio, 2013).

67
“Housing in the twentieth century has been one continuing emergency.”
Charles Abrams, 1946, 39, in SINCLAIR, Cameron (2006), Design Like You Give a Damn, New York:
Architecture for Humanity

68
3. Estratégias de Planeamento Territorial
3.1. A importância de Planear

A análise às consequências dos desastres revela-se uma das tarefas


fundamentais para elaborar um planeamento pré-catástrofe, tendo em vista
prevenir e diminuir antecipadamente os danos e conseguir uma resposta
de emergência rápida e eficiente do território em causa. Para isso, é
necessário um levantamento de dados que comtemple as principais
características do território, identificando as suas vulnerabilidades,
percebendo as proporções que um desastre pode tomar e os danos que pode
causar. O levantamento das vulnerabilidades de um território só é feito
após serem identificados os principais riscos do mesmo, que variam de
local para local, independentemente das ameaças a que estejam sujeitos
(Davis, 2015).
Após a identificação dos pontos mais frágeis de um território,
torna-se possível perceber as consequências de um desastre nesse local, ou
seja, o resultado da conjugação dos riscos e das vulnerabilidades de um
local com as próprias ameaças. A identificação destes elementos permite-
nos, pois, antever os danos e, assim, diminuir as consequências do desastre
através de uma estimativa, tanto dos danos como das necessidades (Davis,
2015).
Apesar de ser quase impossível reduzir as vulnerabilidades de um
território, assim como prever a ocorrência de desastres, podem-se prevenir
as necessidades populacionais e perceber-se a melhor forma de intervir
num território devastado por um desastre, para que em ambiente de
emergência seja mais fácil intervir. De facto, se forem criadas as
adequadas estratégias de planeamento, consegue-se uma melhoria notável
nas intervenções de pós-catástrofe, pois estas serão bastante mais eficazes.
Aliás, informações baseadas nos danos causados por desastres anteriores
revelam-se bastante úteis para que uma estratégia de planeamento consiga
prevenir muitos problemas (Davis, 2015).
A elaboração de estratégias de planeamento, mais do que
estabelecer formas de agir em situações de emergência, torna possível
equipar territórios com infraestruturas capazes de serem usadas em tempos
normais para serviços públicos e, em caso de necessidade, serem
69
transformadas em assentamentos temporários. A escolha da localização
dos assentamentos temporários pode ser um dos principais problemas
(Corsellis e Vitale, 2005) visto que a má escolha de um local pode atrasar
e complicar todo o processo pós-catástrofe e, por esse mesmo motivo, a
selecção de vários locais deve ser o primeiro passo de uma estratégia de
planeamento.
A escolha de um local capaz de albergar durante um determinado
período de tempo um assentamento temporário e a instalação de um
elemento permanente que o sustente, podem ser o suficiente para prevenir
a maioria dos frequentes problemas da intervenção pós-catástrofe. A
instalação de uma infraestrutura básica permanente revela-se essencial
para garantir o funcionamento de um assentamento temporário (Bologna,
2006), possibilitando que os locais estejam sempre preparados, em
situações de emergência, para a implementação das restantes estruturas.
Os principais elementos a ter em conta na selecção dos locais estão
relacionados essencialmente com a segurança e a sustentabilidade
económica (Monteiro, 2015).
Alguns estudos e recomendações têm sido desenvolvidos acerca
dos assentamentos (Elemental, 2010; MINVU e PROTEGE, 2010,
Corsellis e Vitale, 2005; Bologna 2007), sublinhando a importância do
desenho e composição dos locais. Alguns desses estudos afirmam que a
dimensão dos mesmos deve ser de baixa densidade, de maneira a evitar a
maior propagação de doenças e proporcionar grandes áreas de ocupação
para os alojamentos temporários, conseguindo ainda uma maior facilidade
em garantir os recursos necessários a toda a população (Corsellis e Vitale
2005; Monteiro, 2015). Naturalmente que os assentamentos se adaptam
aos contextos onde são inseridos, respeitando culturas e condições locais
e, por isso, as dimensões e outras recomendações podem variar nas
diversas intervenções. O pensamento global dos diversos autores defende
os espaços públicos como um dos principais elementos a serem
desenhados nos assentamentos temporários, garantindo uma interacção
social entre a população afectada através desses espaços, contribuindo para
uma melhor recuperação psicológica (Monteiro, 2015).

70
Para além da selecção prévia dos locais, os assentamentos
temporários têm de ser planeados conforme os elementos que os
compõem, pensando não apenas nos alojamentos temporários, mas
também nas dimensões públicas, como os acessos, vias e espaços públicos
entre habitações, assim como nos serviços e infraestruturas básicas que
garantam o bom funcionamento dos mesmos. Torna-se mais prático iniciar
o desenho dos assentamentos pela definição de vias e acessos, porque
através deles podem ser implantados os alojamentos temporários, que
estão condicionados pelo seu traçado e que também delimita os quarteirões
que usualmente são compostos por cerca de dez ou mais alojamentos. O
sistema viário é essencialmente condicionado pela topografia dos terrenos
e pelas pré-existências nos locais, mas quanto mais complexa for a
topografia do local mais exigências vão ser impostas aos acessos,
devendo-se sempre que possível respeitar as vias preexistentes (Monteiro,
2015).
Tanto o sistema viário como os quarteirões são elementos com
bastante importância nas relações sociais mantidas nos assentamentos,
pois é através deles que se constroem os espaços públicos e nascem
espaços de convívio entre a população. Deste modo, as vias mais
frequentadas pelos habitantes são as mais estimulantes para a interacção e
para as relações de vizinhança. Por esse mesmo motivo, o desenho dos
quarteirões deve conseguir proporcionar zonas propícias ao
desenvolvimento de relações sociais, ao mesmo tempo que respeita a
privacidade do espaço de cada família (Monteiro, 2015). Para além de
ajudarem as populações a superar o trauma do desastre e contribuírem para
uma melhoria a nível psicológico, os quarteirões beneficiam da ajuda dos
intervenientes a perceberem quais as necessidades colectivas das
populações.
A distribuição dos alojamentos ao longo do território revela-se,
então, crucial para o desenvolvimento de relações sociais.
Frequentemente, é através do ajuntamento de alojamentos que se criam
aglomerados aproximados a pequenas comunidades que muitas vezes
estimulam o envolvimento da comunidade no processo de reconstrução
(Johnson, 2007). Para além de contribuir para o maior desenvolvimento

71
das comunidades que se criam ao longo dos assentamentos, este modelo
de quarteirões tem revelado ser mais seguro e mais vantajoso para as
populações (ELEMENTAL, 2010). Esta disposição obriga a que sejam
construídos espaços públicos, semipúblicos, semiprivados e privados, para
que a privacidade dos habitantes não seja posta em causa e, deste modo, a
transição entre a habitação e os espaços comuns não seja invadida. Assim,
os espaços semipúblicos são destinados a uma certa comunidade,
usualmente no interior de um quarteirão que siga este modelo, os espaços
semiprivados são espaços exteriores que pertencem a um alojamento, mas
que mantêm comunicação visual com o exterior da comunidade, sendo que
os espaços privados são os próprios alojamentos. A separação e
delimitação deles pode ser feita através do dimensionamento, da
disposição ou até mesmo da materialidade dos espaços (Monteiro, 2015).
Posto isto, no caso dos alojamentos de emergência e temporários,
pode também ser feito um planeamento pré-catástrofe, que segue todas as
prévias etapas de identificação das problemáticas e resolução das mesmas.
Neste caso, para além de ser necessário perceber as necessidades dos
desalojados e a forma mais rápida de lhes oferecer abrigo, torna-se também
crucial fazer uma estimativa do número de pessoas que após a ocorrência
de uma catástrofe poderá vir a ficar desalojada. Esta estimativa possibilita
uma preparação prévia dos abrigos a utilizar, de forma a garantir que os
desalojados tenham uma rápida assistência de realojamento, uma das mais
importantes tarefas das intervenções pós-catástrofe.
Para conseguir estimar o número de pessoas que poderá vir a ficar
desalojada após a ocorrência de um desastre, assim como para as
estratégias de planeamento territoriais, é necessário analisar os riscos dos
edifícios e as suas vulnerabilidades. Estes dois reconhecimentos
permitem-nos avaliar a resistência de cada lugar e infraestrutura, e a
capacidade de resposta que estes possuem face a ameaças, de modo a
perceber quais os edifícios que estão em risco de colapso em caso de
desastre. Nem todos os edifícios onde estejam presentes riscos e
vulnerabilidades estão sujeitos a colapso e alguns, apesar de sofrerem
diversos estragos, conseguem ainda manter as condições para serem
habitados. A estimativa dos danos que um desastre pode causar nas

72
habitações e infraestruturas possibilita a previsão do número de pessoas
que pode vir a ficar desalojada e, consequentemente, o número de abrigos
necessários para as realojar. Adquirir conhecimentos acerca dos habitantes
e das suas habitações revela-se também bastante importante para que os
abrigos possam oferecer, sempre que possível, além das necessidades
básicas de habitabilidade o relacionamento com o estilo de vida das
populações.
Para além do que já foi referido, os assentamentos temporários são
também compostos por infraestruturas e serviços básicos que possibilitam
a habitabilidade e funcionamento do espaço. É imprescindível que os
assentamentos tenham uma infraestrutura de apoio e administração, que
possa receber tanto as famílias afectadas como os participantes no
processo pós-catástrofe, e até mesmo os materiais e alimentos que para ali
são enviados, e que funcione ainda como um centro de controlo de todo o
assentamento. Paralelamente, é necessária a existência de postos de
distribuição, frequentemente localizados próximos do armazenamento,
que possibilitem a distribuição dos bens essenciais à população.
Edifícios destinados à saúde, ensino, religião, segurança e
comércio possibilitam a habitabilidade do espaço e ajudam na recuperação
das tarefas do quotidiano das populações. São ainda necessárias
infraestruturas capazes de garantir o depósito e armazenamento de água,
saneamento, electricidade e lixeiras (MINVU, 2010). Equipar os
assentamentos com estas infraestruturas básicas pode ser um processo
bastante demorado e dispendioso, prejudicando todo o processo pós-
catástrofe. Se a abordagem à infraestruturação básica for previamente
planeada, ou seja, se após a escolha do local para o assentamento
temporário forem implementadas as infraestruturas, possibilita-se a
preparação prévia do local em caso de emergência (Bologna, 2007;
Monteiro, 2015). Para que isso aconteça é necessário que as infraestruturas
sejam permanentes e funcionem em tempos normais e possam ser
transformadas quando necessário, diminuindo o tempo de
infraestruturação que usualmente se torna um problema, como já foi
referido. Após a utilização das infraestruturas nos assentamentos, estas
transformam-se em serviços públicos (Bologna, 2006). Esta abordagem

73
possibilita uma preparação prévia dos territórios e contribui para uma
resposta de emergência mais rápida e eficaz, para além de melhorar as
condições de espaço e recursos dos assentamentos.
Algumas infraestruturas projectadas em fase de planeamento pré-
catástrofe mais tarde não chegam a ser contruídas por não existir
necessidade, como são disso exemplo as instalações sanitárias comuns,
que só se justificam quando os alojamentos as não possuem. O mesmo
funciona para edifícios de ensino ou religiosos, que só são necessários
quando os preexistentes se encontram inutilizáveis após o desastre
(Monteiro, 2015).
Assim sendo, as estratégias de planeamento podem ser gerais e
estudarem apenas o território, mas também podem focar-se em alguns
elementos, a menor escala, como o alojamento pós-catástrofe. Através das
estratégias de planeamento, que avaliam os riscos, vulnerabilidades e
ameaças de um território, possibilita-se também a melhoria de alguns
elementos como, por exemplo, a resistência dos edifícios. Com o objectivo
de diminuir os danos causados por um desastre, o planeamento pré-
catástrofe visa melhorar as vulnerabilidades de um território, garantindo
através das suas intervenções, uma diminuição do nível de destruição e
uma maior preparação em situações de emergência.
Por outro lado, a elaboração de estratégias de planeamento tem
também algumas limitações. A ocorrência de desastres é bastante
imprevisível, o que dificulta o estudo sobre os danos e a sua antecipação.
Não é possível estudar antecipadamente com total rigor o impacto de um
desastre num determinado território, e por isso todos os cenários têm de
ser calculados para que seja possível desenvolver uma estratégia de
planeamento pré-catástrofe que esteja preparada para diversos cenários de
destruição. Consoante o nível de destruição que associamos a um território
e às suas infraestruturas, surge a estimativa do número de desalojados. Ou
seja, a estimativa do número de desalojados depende, inevitavelmente, da
identificação dos riscos e vulnerabilidades que estão associados aos
edifícios, e que nos permitem analisar e antecipar a sua reacção a um
desastre. Todo o planeamento depende da quantidade de informação
disponível, seja relativa ao território, aos edifícios ou à população. É

74
benéfico, para que as previsões de um planeamento pré-catástrofe tenham
a maior correspondência com a realidade, que a informação disponível
sobre um território, a sua população e os seus edifícios, seja abundante,
caso contrário torna-se bastante arriscado fazer estimativas.

3.2. Assentamentos Temporários: Exemplificação e Problemáticas


[Associadas]

Muitos autores referem-se aos assentamentos temporários de


diferentes formas para definirem os espaços destinados a albergar vítimas
de desastres naturais. Alguns referem-se aos assentamentos como espaços
que podem tanto ser de emergência como duradouros, com o objectivo de
albergar abrigos para populações deslocadas (Corsellis e Vitale, 2005;
Feio, 2015). Por outro lado, os assentamentos são também denominados
de espaços de criação e gestão de abrigos de emergência em áreas
identificadas, por vezes de forma espontânea, ou desenvolvidas
programaticamente (Feio, 2015).
Entende-se então por assentamento temporário, uma área destinada
aos alojamentos pós-catástrofe e às infraestruturas que possibilitam o
realojamento de vítimas (Feio, 2015). São os locais que suportam, por um
determinado período de tempo, abrigos e serviços de apoio para a vivência
das populações até ao restabelecimento da normalidade. São compostos
por alojamentos pós-catástrofe, infraestruturas de apoio, como água
canalizada e saneamento, serviços, como postos médicos e mercearias, e
espaços públicos e comunitários e espaços exteriores que possibilitem
interacções sociais. Têm como objectivo conseguir oferecer, durante o seu
período de funcionamento, protecção, segurança e assistência às
populações em causa (Monteiro, 2015, United Nations, 2008).
Um dos principais objectivos ao planear estes assentamentos é
possibilitar uma intervenção mais rápida e eficaz, que consiga estar
previamente preparada para garantir as necessidades populacionais pós-
desastre. Os assentamentos podem ainda, em alguns casos, ajudar no
desenho da reconstrução territorial, o que acontece quando os locais
escolhidos permitem viabilizar a sua infraestruturação nos diferentes
períodos de utilização, pré e pós catástrofe, possibilitando a adaptação
75
posterior dos territórios. Assim, o local selecionado poderá mais tarde vir
a ser utilizado como espaço público, após a reconstrução de um local,
contribuindo para uma maior sustentabilidade económica e ambiental
(Monteiro, 2015).
Fica clara a relevância da escolha dos locais para os assentamentos
e daí o valor da cartografia das zonas de risco, não apenas pela intervenção,
mas também para melhor conhecimento do território e das zonas mais
vulneráveis (Davis, 2015). Um dos principais objectivos deste controlo do
território é o de conhecer as zonas mais vulneráveis e perceber quais os
melhores locais para a implantação de habitações e outras infraestruturas.
Deste modo, torna-se possível encaminhar as populações para os locais
menos propícios a desastres, afastando as construções das zonas de risco e
dotando-as de estruturas preparadas a enfrentar um desastre (Davis, 2015).
Conclui-se, portanto, pela necessidade de estudar e selecionar
previamente locais para os assentamentos, por forma a assegurar que o
processo de realojamento seja imediato (Chalinder, 1998), tanto mais que
às vezes a procura de locais e obtenção de permissão legal para implantar
assentamentos temporários são um dos maiores entraves para o arranque
do processo de realojamento (Johnson, 2007). Encontrar um local indicado
para assentamento temporário pode ser um processo demorado, devido não
só a questões legais, mas também pela escassa oferta existente de
territórios preparados. Uma vez que esta oferta se torna, por vezes,
bastante condicionada, é usual surgirem aglomerados que funcionam
como assentamentos temporários, mas que são construídos pelas
populações desalojadas. Naturalmente que as vítimas dos desastres não
têm tempo nem conhecimentos que lhes permitam verificar se os terrenos
são seguros e, frequentemente, escolhem locais de risco, próximos da zona
da ocorrência do desastre ou das suas habitações.
Esta apropriação do espaço por parte das populações desalojadas
contribui para que as implantações de abrigos temporários e de emergência
sejam por vezes feitas de forma descontrolada e desorganizada, o que
provoca, mais tarde, sérios problemas. Contrariamente ao que deveria
acontecer, este tipo de construção de assentamentos temporários sucede
com relativa frequência, sendo certo que a ausência de conhecimento sobre

76
os territórios onde se instalam, maioritariamente inseguros, aumenta o
risco de danos e consequências, podendo até contribuir para um segundo
desastre (Monteiro, 2015).
Será de referir, no entanto, que não obstante ser mais seguro
instalar assentamentos temporários longe das zonas afectadas, tal também
pode comportar alguns problemas. Desde logo o afastamento da população
da sua zona de conforto, longe de serviços, dos empregos e das antigas
habitações, pode contribuir para um maior descontentamento
populacional. Por outro lado, os condicionamentos nos acessos,
transportes e comunicações agravam a situação pois também provocam
maior afastamento das vítimas do seu local de conforto, e, muitas vezes,
das suas famílias (Johnson, 2007). É por isso que apesar de governos locais
e organizações intervenientes usualmente preferirem afastar as populações
das zonas afectadas, as vítimas de um desastre optam sempre por manter a
maior proximidade às suas habitações, ainda que destruídas, e dos seus
pertences (UNDRO, 1982).
Os assentamentos temporários devem, por isso, ser pensados não
só em função dos alojamentos temporários mas também em função dos
outros elementos, como as vias e espaços públicos, os serviços e
infraestruturas básicas, para que possa existir um bom funcionamento e
relação entre os equipamentos (Monteiro, 2015). Apesar de todos os
benefícios, há uma certa contradição na abordagem pré-desastre em
conseguir planear a intervenção de uma catástrofe, dado serem fenómenos
imprevisíveis, fazendo com que muitas vezes os governos locais e as
autoridades coloquem o tema de parte (Davis, 2015).
O principal objectivo que deve ser cumprido na instalação de um
assentamento é o de conseguir proteger os habitantes (Chalinder, 1998).
Deste modo, a escolha dos locais deve assegurar a segurança das
populações, evitando locais vulneráveis a desastres e zonas de risco
(MINVU e PROTEGE, 2010; Chalinder, 1998; Monteiro, 2015). Para
além da localização, importa referir que os assentamentos não devem
possuir grandes dimensões, para que o trabalho de recuperação das
populações seja facilitado. Assentamentos de grandes dimensões podem
causar vários problemas por apresentarem mais riscos a nível de

77
insegurança populacional, e ainda por tornarem mais difícil o
fornecimento de ajuda e recursos, ao lidar com um maior número de
pessoas. Assim sendo, os assentamentos de menores dimensões
conseguem mais facilmente responder às necessidades das populações,
proporcionando maiores áreas para os alojamentos e outras infraestruturas,
como são exemplo os espaços públicos (Monteiro, 2015).
Posto isto, conclui-se que assim como o alojamento pós-catástrofe,
também os assentamentos levantam algumas questões e problemáticas
onde o mau planeamento ou decisões fracassadas, resultam em estratégias
inadequadas e mal sucedidas (Feio, 2015).
Como forma de tentar evitar parte destes problemas, foram
elaborados alguns estudos, que estabelecem recomendações para o
planeamento e desenho de assentamentos. De seguida, analisamos dois
exemplos que ilustram estas recomendações:

Recomendaciones para Instalacion de Viviendas de Emergencia en


Campamentos Provisorios, ELEMENTAL
“Recomendaciones para Instalacion de Viviendas de Emergencia
en Campamentos Provisorios” é o título do estudo feito pelo grupo
ELEMENTAL que visa compreender o funcionamento dos assentamentos
temporários, como tentativa de melhorar o funcionamento dos mesmos e
as respectivas condições de habitabilidade.
O grupo defende que as principais medidas que devem ser
cumpridas para que a qualidade dos assentamentos esteja garantida estão
relacionadas com a implantação e localização dos alojamentos pós-
catástrofe - o acesso, distâncias mínimas e junção de alojamentos.
A reconstrução de um território após uma catástrofe revela-se
frequentemente um processo demorado, que obriga a que as vítimas dos
desastres permaneçam durante todo o período de reconstrução em
alojamentos temporários. Como forma de garantir sucesso durante esse
período de ocupação, o grupo propõe que todos os alojamentos tenham
acesso individual e estejam distanciados com um mínimo de três metros
entre si, mas se interliguem através de um pátio colectivo, com o objectivo
de reduzir o conflito social que se possa fazer sentir.

78
A organização horizontal do alojamento de emergência, com um
afastamento de três metros, é a que para eles revela o melhor
funcionamento em termos territoriais. Os acessos aos abrigos devem ser
feitos lateralmente, e a porta de entrada deve estar voltada para as traseiras
do abrigo vizinho, para que todas as unidades tenham um espaço exterior
associado (ver figura 14.1.), que pode servir para armazenamento de bens
ou outros usos. Os três metros de distanciamento foram pensados para
possibilitar a criação desse espaço exterior que funciona como uma
extensão do abrigo, que pode facilmente vir a ser fechado em caso de
necessidade. Deste modo, todos os abrigos têm a possibilidade de ser
expandidos, ou transformados, através da criação de uma zona protegida e
seca posicionada antes da entrada na habitação, que consegue suportar
várias funções.
Só foi possível defenderem estas condicionantes após a má
experiência que tiveram na intervenção no Chile, em Tocopilla. Neste
caso, os acessos aos alojamentos voltaram-se para um pátio comum a duas
unidades, o que resultou nalguns conflitos sociais, e fez surgir um espaço
indefinido entre alojamentos, desperdiçando espaço que poderia ser
aproveitado para várias funções (ver figura 14.1.).

a)

b)
Figura 14.1. – Acessos e Distanciamento segundo a ELEMENTAL – a) Estratégia utilizada em
Tocopilla; b) Proposta de posicionamento e distâncias segundo as recomendações

79
A proposta de interligar os abrigos, em grupos, em torno de pátios
colectivos, surge com o objectivo de proporcionar uma maior interacção
social e facilitar as relações entre os habitantes, contribuindo para uma
maior entreajuda. Contribui também para uma maior estabilidade social,
que resulta do aumento da segurança das vítimas e dos seus pertences. Por
outro lado, a distribuição de ajuda às famílias vítimas dos desastres torna-
se muito mais facilitada devido à agrupação dos abrigos, beneficiando o
trabalho dos voluntários e das organizações locais. Isto porque quando o
período de reconstrução se torna mais demorado do que previsto, o
fornecimento de ajuda e serviços aos abrigos torna-se muito mais viável
pela agrupação das unidades de alojamento, que formam núcleos
habitacionais.

Figura 14.2.– Proposta de interligação dos alojamentos, ELEMENTAL

Seguindo este pensamento, para que os núcleos que compõem o


assentamento temporário sejam autossustentáveis é necessário que tenham
os serviços mínimos. É necessária a implantação de instalações sanitárias
públicas e uma cozinha comum, mesmo que os habitantes possuam nos
80
seus abrigos cozinhas individuais, assim como conjuntos de lavatórios
para a lavagem de roupa e loiça, que são fundamentais para que as famílias
possam fazer as suas tarefas do dia-a-dia. É ainda fundamental que o
perímetro do pátio comum aos abrigos tenha uma rede de electricidade.

a) b)
Figura 14.3.– Duas propostas distintas de Implantação dos alojamentos

Lineamientos Básicos Para Assentamientos De Emergencia, MINVU,


2010
O Ministério de Vivenda e Urbanismo do Chile (MINVU) publicou
em 2010, após o terramoto, um plano de estratégias para assentamentos
temporários, com o objectivo de procurar uma estratégia de planeamento
que possibilitasse uma maior qualidade de vida dos habitantes de
assentamentos temporários. Para isso, o estudo deles passa por criar
ferramentas que consigam selecionar territórios com condições
necessárias para albergarem assentamentos de emergência, estabelecerem
formas de alojamentos agrupados e perceber de que forma se podem
organizar socialmente as vítimas de um desastre, para que o assentamento
tenha um bom funcionamento e uma boa qualidade habitacional.
Segundo o MINVU, os assentamentos devem localizar-se o mais
próximo possível das habitações afectadas, ou até mesmo nos próprios
terrenos, se possível, de forma a evitar a segregação social. Naturalmente
que os terrenos onde se vão inserir os assentamentos temporários devem
estar fora de zonas de risco e preferencialmente em locais planos, onde os
acessos são um dos principais elementos a serem trabalhados.
Os alojamentos devem ser agrupados entre dez a catorze formando
um núcleo, cada um com acesso a espaços comuns e serviços mínimos.
Poderão funcionar de forma independente, ou seja, com o apoio de
81
equipamentos e serviços individuais a cada núcleo, mas devem relacionar-
se entre si. Quanto maiores forem os núcleos, maior é a probabilidade de
saturação dos sistemas, o que os leva a defender que os assentamentos não
devem conter nunca mais do que vinte núcleos.
A distribuição e implantação dos alojamentos de emergência deve
seguir algumas regras de distanciamento, dependendo da forma como são
posicionados. Para além disso, devem ser tidos em conta os acessos
necessários para a segurança mínima dos assentamentos. Deste modo, não
importa só considerar-se as distâncias entre alojamentos, mas também
assegurar os acessos para que os veículos de emergência e de transporte
possam transitar facilmente.
O MINVU defende que os abrigos sejam dispostos de frente
voltada para um eixo horizontal, privilegiando o acesso à luminosidade no
interior dos abrigos, mas apenas quando inseridos em assentamentos
amplos. Neste caso, os abrigos devem respeitar um distanciamento de um
metro e meio entre eles, para possibilitar o acesso às traseiras dos abrigos
(ver figura 15.1. a). Quando, em territórios com menos espaço, os abrigos
se dispõem com a lateral voltada para a rua, o distanciamento entre eles
deve ser superior, com um mínimo de três metros, evitando interferir com
os acessos (ver figura 15.1. b). Por outro lado, quando lidamos com grupos
familiares, o Ministério propõe que estes se juntem em torno de um pátio
comum aos alojamentos, de forma a criar um núcleo familiar (ver figura
15.1. c). A cada abrigo deve estar associado um poste de electricidade,
localizado num local que não interfira com os acessos.

82
a)

b)

c)
Figura 15.1.– Diferentes formas de implantação de alojamentos, MINVU – a) Frontal; b) Lateral;
c) Em torno de um pátio

Defendem a existência de uma unidade sanitária que apoie um


conjunto de dez a catorze alojamentos, composta por dois contentores e
por um espaço exterior destinado aos lavatórios. Um dos contentores é
composto por catorze duches com separação entre homens e mulheres, e
na parte exterior contém os lavatórios e uma mangueira destinada a
diferentes usos. O segundo contentor é equipado com oito casas de banho,
também com separação entre homens e mulheres, e a parte exterior é
pensada para a lavagem de loiça e roupa (ver figura 15.2.). Estas
infraestruturas devem estar ligadas às instalações sanitárias dos próprios
abrigos, e todo o espaço deve conter calhas que permitam escoar a água e
evitem inundações.

83
Figura 15.2.– Modelo de Instalação Sanitária, MINVU, 2010

Posto isto, o MINVU afirma ainda, que para além dos abrigos, os
assentamentos temporários devem possuir edifícios sociais, utilizados para
reuniões dos habitantes, actividades sociais ou até mesmo como espaços
para refeições. Deve ainda existir espaço com acesso directo ao sistema
viário e que suporte a recolha do lixo dos abrigos, da unidade de saúde e
do edifício de carácter social. O espaço deve ter um mínimo de doze
metros quadrados, drenos e pelo menos seis aterros. Deste modo, torna-se
muito mais acessível a limpeza do assentamento temporário, evitando a

84
acumulação de resíduos e possibilitando um melhor funcionamento dos
núcleos habitacionais, assim como uma maior qualidade habitacional.
Por fim, apresenta diferentes modelos de implantação dos
alojamentos e da sua relação com as restantes infraestruturas,
diferenciando-se pela orientação dos abrigos e pela sua disposição, que
tanto pode ser segundo um eixo horizontal, como em torno de um pátio
(ver figura 15.3.).

a) b)

c) d)
Figura 15.3.– Modelos de Implantação segundo o MINVU, 2010

85
MOMENTO II

86
I decided I had enough. I closed the office, bought a motorcycle, and
went into the desert for five years to work with the people on their ideas
and dreams.
Nader Khalili, Design Like You Give a Damn, 2015, 108 in SINCLAIR, Cameron (2006), Design Like
You Give a Damn, New York: Architecture for Humanity

87
4.Estudo para um Alojamento Temporário

A investigação teórica previamente apresentada acerca da


arquitectura de emergência serviu como base e referência para a
elaboração do projecto final. A análise de casos de estudo e exemplos de
projectos desenvolvidos e construídos no âmbito do alojamento pós-
catástrofe tornaram possível a compreensão dos métodos de trabalho e
intervenção em casos de emergência. Por outro lado, os exemplos de
estratégias de planeamento e as soluções de alojamento previamente
estudadas permitiram um vasto conhecimento acerca de estratégias, ideias
e conceitos, bem como questões técnicas de estruturação e materiais, que
mais tarde sustentam a proposta apresentada. Assim sendo, o estudo de
todo o processo de intervenção pós-catástrofe contribuiu para o
entendimento das principais necessidades comuns das populações
afectadas, ajudando-nos ainda a perceber as medidas mais importantes a
serem tomadas. Por outro lado, também a análise da arquitectura pré-
catástrofe contribuiu para perceber a viabilidade das críticas comuns a
algumas propostas de alojamento temporário, ajudando também a perceber
a metodologia de trabalho que deve ser seguida quando abordado o tema
do alojamento de emergência.
A proposta apresentada, num território vulnerável, surge então
como uma reflexão crítica pessoal, com o objectivo de atenuar as críticas
que têm vindo a ser feitas a algumas propostas de alojamento temporário,
revelando de que forma o papel do arquitecto se torna crucial em situações
de emergência. Num período de grande fragilidade, marcado pela massiva
quantidade de desalojados, que se faz sentir em vários locais do globo, e
pelo aparecimento de assentamentos temporários e campos de refugiados
informais, nasce uma necessidade imensa de intervenção.
Projectar uma solução pensada para uma população fragilizada,
que consiga garantir segurança, conforto e privacidade ao mesmo tempo
que consegue ser prática, funcional e flexível, foi o principal desafio deste
trabalho.

88
4.1.Escolha do local

No ano de 1980 um sismo com intensidade de 7.2 na escala de


Richter e com epicentro no mar, próximo da cidade de Angra do Heroísmo
afectou as ilhas Terceira, Graciosa e São Jorge, nos Açores. Provocou a
enorme destruição na cidade de Angra do Heroísmo (ver figura 16), 73
mortes e centenas de feridos, e fez com que mais de 20 mil pessoas
ficassem desalojadas (Açoriano Oriental, 2015). Foi considerado um dos
desastres com maior impacto em Portugal nos últimos duzentos anos
(Feio, 2015; Oliveira, 1992). A população vítima do desastre teve na altura
uma grande participação no processo de reconstrução da cidade, que teve
como principal objectivo preservar a aquitectura e as memórias locais,
levando a que actualmente a cidade seja parte constituinte do Património
Mundial da UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciências e Cultura.

Figura 16 – Sismo de 1980, ilha Terceira

Desde então, e devido à sua localização, Angra do Heroísmo é


considerada por vários autores como um dos territórios com maior risco
sísmico (Feio, 2015; Veludo, Teves-Costa and Bard, 2013). A localização
das ilhas atribuem-lhes um elevado grau de exposição relativamente a
fenómenos de origem tectónica, sem esquecer a actividade vulcânica
característica do arquipélago (Martins, 2010). A cidade de Angra do
89
Heroísmo situa-se na costa sul da ilha Terceira, que está localizada na
junção de três placas tectónicas e, por isso, é vulnerável à ocorrência de
desastres (ver figura 17). Por outro lado, revelou-se também privilegiada,
favorecendo as grandes rotas marítimas.

Figura 17 – Localização dos Açores relativamente às placas tectónicas

A vulnerabilidade do território, juntamente com a antecedência de


um desastre, foram os principais elementos que contribuíram para a
escolha do local. Na possibilidade de ocorrência de um desastre em
Portugal, Angra do Heroísmo é vista como uma das cidades em risco de
ser afectada. Posto isto, a preocupação que incentiva este trabalho, levou
a que a proposta de um alojamento temporário fosse projectada para este
local, no caso de ocorrência de um segundo desastre. Para isso, e para que
a solução consiga responder com rapidez e eficiência às necessidades da
população, foi necessária a análise da cidade.
Desde a sua fundação, em meados do século XV, a cidade foi
crescendo segundo as linhas de água, através de um plano urbano que
segue um modelo métrico proporcional, defensivo relativamente ao vento.
A distribuição das ruas é feita perpendicularmente e ajuda a definir os
blocos habitacionais, que contêm, geralmente, hortas ou pequenos jardins
no seu interior. Deste modo, as ruas são hierarquizadas segundo esta
mesma métrica, e as classificadas como principais, são as que ligam o
centro até ao porto, onde estão implantadas duas fortalezas (ver figura 18).

90
A ocupação do interior dos lotes com pequenas hortas possibilita que os
habitantes produzam os seus próprios produtos agrícolas, contribuindo
assim para uma economia sustentável. Deste modo, uma das principais
actividades populacionais característica da cidade é a agricultura,
seguindo-se a criação de gado e o turismo. A composição do território, a
abundância dos espaços verdes e o clima são factores que favorecem o
desenvolvimento destas actividades. A alvenaria de pedra foi desde
sempre o material utilizado para a construção das habitações, e após o
sismo de 1980 foi introduzida também a taipa. A maioria das habitações é
composta por dois pisos, onde o térreo é construído em alvenaria de pedra
e o superior em argamassa e paredes de gesso.

Antigas Fortalezas Porto


Figura 18 – Angra do Heroísmo – localização do porto e antigas fortalezas

Angra do Heroísmo tem um território bastante fértil e água em


abundância, o que permite que seja desenvolvida no território energia
geotérmica, contribuindo para o crescimento da economia local. Os
recursos locais são compostos essencialmente por cerâmica, devido à
existência de argila porosa, que contribuiu para a fundação de indústrias
de azulejos, e pela madeira criptoméria, produzida na cidade.
Segundo os Censos de 2011 elaborados pelo Instituto Nacional de
Estatística, a cidade Açoriana é composta por 35402 habitantes e 13462
edifícios. O número de alojamentos ocupados é de 12059, com uma média
de 2,94 habitantes por alojamento (Feio, 2015).

91
4.2.A Proposta

A escolha dos locais que, em caso de desastre, irão albergar os


assentamentos temporários, só se tornou possível após uma análise
territorial.
Visto ser um território bastante vulnerável, como foi previamente
referido, a Câmara Municipal juntamente com a Protecção Civil,
desenvolveu um Plano de Emergência de Protecção Civil de Angra do
Heroísmo. Este tem como principais objectivos definir as principais
medidas a adoptar em caso de ocorrência de um desastre, bem como o
modo de actuação dos intervenientes, de forma a garantir uma resposta
rápida e organizada. A elaboração do Plano visa então contribuir para uma
diminuição de danos em caso de desastre, sejam eles relacionados com a
população, ou com o território. Assim sendo, o Plano de Emergência de
Protecção Civil de Angra do Heroísmo funciona como um planeamento
pré-catástrofe do território, que tem como propósito preparar a população
para actuar em caso de desastre.
No que diz respeito à habitação, o Plano define que o alojamento
temporário deve localizar-se numa zona devidamente equipada, que
garanta as condições mínimas de habitabilidade, garantindo também o
fácil acesso da população aos locais. Para tal, a Protecção Civil estruturou
um mapa que identifica possíveis locais para albergar a população
desalojada até à chegada dos alojamentos temporários – recintos
desportivos, parques de campismo ou desportivos, escolas, etc. –
funcionando como locais que albergam o alojamento de emergência.
Relativamente aos assentamentos temporários, ou campo de
desalojados como são denominados no Plano de Emergência, define-se
que devem localizar-se junto a acessos rodoviários que se encontrem em
bom estado e próximos de áreas de abastecimento de água e combustíveis.
Posto isto, como forma de perceber o espaço necessário para
albergar a população em caso de desastre, foi ainda analisado o estudo
publicado no artigo “A tool to estimate sheltering needs before a
disaster”(Feio, 2015). O método utilizado tem como objectivo antecipar
as possíveis necessidades da população de Angra do Heroísmo em caso de
ocorrência de um desastre, assim como as principais consequências que
92
este pode causar. Para isso, são analisados possíveis cenários de destruição
e possíveis números de desalojados, de forma a concluir as necessidades
de alojamento. O estudo passa por identificar o território e o tipo de
desastre que pode ocorrer, recolher informação relacionada com os
edifícios e os habitantes, prever as possíveis consequências relativamente
a danos ou destruição territorial, estimar o número de desalojados e abrigos
necessários e, por fim, comparar as necessidades com os recursos
disponíveis.
Para responder a estas premissas foram analisados os Censos de
2011. Recolhemos informação acerca dos habitantes e dos edifícios
ocupados, como forma de prever os possíveis danos que possam ser
causados (ver figuras 19, 20 e 21).

Moradores Alojamentos Edifícios Médias


ocupados
Moradores por Moradores por
alojamento edifício
35402 12059 13462 2,94 2,63

Figura 19 – Tabela de informações sobre moradores, alojamentos e edifícios obtida a partir dos
Censos 2011, e médias calculadas, retirada do artigo “A tool to estimate sheltering needs before a
disaster”, 2015
Total Sem Pequenos Reparos Grandes Reparos
reparos reparos médios (B3) reparos muito
(B1) (B2) (B4) grandes
(B5)
13462 10368 2033 730 234 97

Figura 20 – Tabela de informações relativas ao número de edifícios de acordo com as necessidades


de reparação estrutural, retirada do artigo “A tool to estimate sheltering needs before a disaster”,
2015
Edifícios de acordo com as necessidades de Número de residentes em média por
reparação da estrutura edifício
B1 (sem reparos) 27265
B2 (pequenos reparos) 5346
B3 (reparos médios) 1920
B4 (grandes reparos) 615
B5 (reparos muito grandes) 255

Figura 21 – Tabela do número de residentes por tipo de edifício, retirada do artigo “A tool to
estimate sheltering needs before a disaster”, 2015

93
Com base nestas informações, analisando a quantidade de edifícios
que podem ser danificados ou destruídos, torna-se possível fazer uma
estimativa do número de desalojados que um desastre pode vir a causar no
território. Para isso, os edifícios são classificados segundo a sua
vulnerabilidade, sendo que os edifícios considerados inseguros não podem
ser utilizados pelos habitantes. Comparando a vulnerabilidade dos
edifícios com o número de ocupantes por edifício – informação da figura
21 – foi estimado o número de habitantes que se encontra em risco de ficar
desalojado. Juntamente a esta informação, se utilizarmos a informação da
figura 19, através da média de pessoas por alojamento, e assumindo que
cada abrigo alojará essa média de pessoas, podemos estimar o número de
abrigos necessários para a fase de emergência.
Posto isto, os autores elaboraram duas simulações de desastre para
Angra do Heroísmo, onde os cenários de diferem relativamente à
vulnerabilidade dos edifícios. O primeiro cenário assume que os edifícios
avaliados como B1, B2 e B3 na figura 21, que não precisam de grandes
reparações estruturais, conseguem albergar os habitantes nas suas
estruturas. Deste modo, apenas os edifícios avaliados nas categorias B4 e
B5 são considerados inseguros para habitar, sendo que os seus habitantes
são os que irão precisar de alojamento temporário. O segundo cenário faz
a simulação de um desastre mais forte, e com consequências maiores.
Assume, então, que apenas os edifícios que não precisam de qualquer tipo
de reparo estrutural ou pequenos reparos, B1 e B2, podem ser habitados
após o desastre. Os restantes são considerados inseguros, e por isso, são
necessários abrigos para todos os seus habitantes.
Estas duas simulações possibilitaram a estimativa do número de
desalojados em caso de desastre e, consequentemente, o número de abrigos
necessários para responder às suas necessidades (ver figura 22).
Cenário 1 Cenário 2
Nº de desalojados 870 2790
Nº de abrigos 297 951
Figura 22 – Tabela com a estimativa do número de desalojados e necessidades de abrigo pós-
desastre, retirada do artigo “A tool to estimate sheltering needs before a disaster”, 2015

O conhecimento do número de alojamentos que pode vir a ser


necessário em caso de desastre, permitiu ter uma noção mais aproximada
94
do espaço necessário para a implantação dos mesmos. Deste modo, estes
resultados contribuíram para que a escolha dos locais que albergam os
assentamentos temporários se tornasse facilitada.
Por outro lado, torna-se também importante saber as zonas que
ficaram mais afectadas no decorrer do sismo de 1980. A destruição
territorial não foi considerada homogénea na cidade de Angra (ver figuras
23 e 24), o que pode justificar-se devido às diferenças do comportamento
dos edifícios da cidade, ou às diferenças na amplitude da movimentação
do solo (Teves-Costa, Oliveira & Senos, 2004).

Figura 23 – Mapa de distribuição de danos na zona classificada de Angra do Heroísmo, retirado


do artigo “Danos em Angra do Heroísmo provocados pelo sismo de 1980. Correlação com as
frequências do solo e edifícios”, 2004

Figura 24– Mapa de identificação das zonas mais afectadas no decorrer do sismo de 1980

Analisando os mapas de zonamento dos danos causados pelo sismo


de 1980, podemos concluir que o centro da cidade foi a zona que sofreu
95
mais consequências relativamente à destruição de edifícios. Ainda que os
danos se tenham espalhado pela cidade, tornando a destruição ao longo da
cidade heterogénea, podemos verificar que afectou com maior densidade
os quarteirões do centro da cidade, que ligam uma das ruas principais ao
porto marítimo. Deste modo, podemos afirmar que essa é uma das zonas
com maior risco de colapso em caso de um segundo desastre e, por isso,
pode considerar-se uma das zonas da qual resultará um maior número de
desalojados.
É sabido que os assentamentos temporários devem localizar-se em
locais seguros e, se possível, próximos das zonas afectadas, para garantir
a proximidade das populações com as suas antigas habitações. Dito isto,
na possibilidade de ocorrência de um desastre, e da zona mais afectada ser
a do centro da cidade, os assentamentos devem localizar-se em áreas
próximas aos quarteirões centrais (ver figura 25). Esta proximidade deve
ser tida em conta de forma a não interferir com os trabalhos de
reconstrução dos edifícios.
Foram então escolhidos como locais que albergam os
assentamentos temporários, áreas com dimensões que sejam capazes de
suportar um grande número de alojamentos, dando resposta às
necessidades dos habitantes. Os locais foram selecionados também pela
sua ocupação fora do contexto emergencial, garantindo o seu
funcionamento total, de forma a evitar um desperdício de recursos. Assim
sendo, os locais escolhidos funcionam como parques urbanos da cidade –
Jardim Duque da Terceira e Parque Municipal do Relvão - compostos com
mobiliário urbano, o que lhes permite serem utilizados no período pré-
catástrofe e, depois de adaptados, na fase de reconstrução terrirorial, para
albergarem os assentamentos temporários.

96
Figura 25 – Mapa de identificação dos possíveis locais que albergam os assentamentos
temporários

Após a sua utilização por parte dos assentamentos temporários,


ainda que os locais se encontrem modificados, podem continuar a garantir
zonas de jardim e espaços verdes para a cidade.
Os espaços são ainda beneficiados pelos acessos que os rodeiam,
permitindo que as organizações de ajuda se movimentem para fazer chegar
todo o tipo de recursos.
O Jardim Duque da terceira tem uma área total de 17,5 km2,
conseguindo albergar os 951 abrigos estimados através da simulação de
um desastre de grande impacto. Ainda assim, foi escolhido o segundo
local, o Parque Municipal do Relvão, devido à proximidade na localização
com parte dos quarteirões centrais da cidade. Deste modo, a população
desalojada, ainda que em locais separados, continua localizada nas
proximidades da zona afectada, sem que haja uma grande separação
relativamente às habitações devastadas.

4.3.Materiais e Sistema Construtivo

A resposta de emergência é pensada para um curto período de


duração, por isso, a solução analisada tem um carácter simples, e é de fácil
e rápida construção. A estrutura do alojamento é composta por barrotes de
madeira criptoméria, material local, e por painéis de OSB. Ambos os
materiais são de pequenas dimensões e baixo peso, sendo por isso, fáceis
de manusear e transportar. A facilidade de manuseamento do material
97
permite que seja apenas necessária a mão-de-obra dos participantes e o uso
de ferramentas básicas de construção para a montagem, possibilitando a
intervenção por parte dos habitantes na construção do seu próprio
alojamento. Por outro lado, o baixo peso e dimensão do material permitem,
através do fácil transporte, que as soluções sejam montadas no local de
intervenção. Para além de tudo o que já foi referido, a escolha do material
justifica-se pela disponibilidade de oferta e baixo valor económico, assim
como a possibilidade de reciclagem e reutilização do mesmo.

Figura 26– Esquema de montagem da estrutura do alojamento

98
A estrutura é composta através de barrotes de madeira criptoméria
e suporta o sistema construtivo modular, composto por painéis de OSB de
1,25m x 2,5m, utilizados tanto para o pavimento como para as paredes e
cobertura. Assim, garante uma solução permeável, que possibilita que a
colocação de infraestruturas seja facilitada. Os painéis, por outro lado,
permitem proteger o espaço exterior do interior, oferecendo segurança,
protecção e privacidade. Ainda assim, permite que seja criada uma grande
relação com o exterior do alojamento.

Figura 27 – 3D demonstrativo da estrutura e sistema constuctivo do abrigo

99
4.4.Unidade Base e Flexibilidade Associada

Figura 28 – Proposta de um abrigo temporário

O estudo elaborado para o alojamento temporário divide-se em


duas unidades: sendo que a primeira é a unidade base que oferece as
condições mínimas de habitabilidade para duas pessoas, e a segunda, de
planta livre, foi pensada para ser acrescentada, e servir diversas funções.
Revela-se, por isso, bastante flexível funcionando como apoio
complementar da unidade base, ajudando no crescimento do alojamento
para o caso de albergar famílias mais numerosas.
100
Para chegar ao resultado final, foi necessário analisar previamente
o espaço e as dimensões necessárias que garantissem as condições
mínimas para habitar, assim como o conforto e a privacidade das pessoas
(ver figura 29). Visto ser um projecto pensado para ser habitado num curto
período de tempo, e que consiga responder com rapidez ao contexto
afectado, não são necessários espaços interiores de grandes dimensões. Por
outro lado, quanto mais pequeno for o alojamento, mais fácil se torna o
seu transporte e montagem. Foi, por isso, importante analisar as dimensões
mínimas do mobiliário e infraestruturas necessárias no alojamento – como
camas, instalações sanitárias, balcões de cozinha, etc.
A unidade base é pensada para ser utilizada em fase de emergência
como primeira resposta ao local. Tem capacidade para albergar duas
pessoas, e oferece condições de higiene, descanso e cozinha. É composta
por uma casa de banho, um quarto com um beliche, e uma área de estar e
cozinha, com um balcão para preparar refeições e uma mesa de apoio. Tem
5 metros de comprimento e 3,75 metros de largura.

101
Figura 29 – Estudo das dimensões mínimas para habitabilidade num alojamento temporário - planta do alojamento base para duas pessoas

102
Ainda que seja apenas composta por um balcão para preparar
refeições, o alojamento pode vir a ser equipado com os equipamentos de
cozinha necessários. Apesar de a solução ser pensada para um curto
período de durabilidade, a reconstrução de um local devastado por um
desastre pode revelar-se demorada, o que obriga a que o alojamento tenha
as condições necessárias para a permanência no local.
O sistema construtivo possibilita que a relação espacial entre o
interior e o exterior do edifício seja constante. As aberturas projectadas
para a solução permitem um controlo de luz bastante seguro, garantindo a
privacidade do espaço interior. Deste modo, são colocadas duas entradas
de luz no alojamento, uma que serve o quarto e outra o espaço de estar e
cozinha (ver figura 30).

a)

b)
Figura 30 – Fachadas alojamento base para duas pessoas – a) Fachadas laterais; b) Fachada
frontal e tardoz, respectivamente

103
A possibilidade do aumento progressivo do alojamento, consoante
as necessidades populacionais e o número de habitantes, atribui uma
grande flexibilidade espacial à solução. O alojamento base pode, desta
forma, ser transformado ao mesmo tempo que é utilizado, podendo ser
acrescentados espaços de estar, de arrumos ou de descanso. Esta
flexibilidade permite que a população controle o seu próprio espaço de
habitação (ver figuras 31,32 e 33).

Figura 31 – Flexibilidade do Alojamento

104
Figura 32 – Flexibilidade do alojamento – Duas soluções diversas para albergar 4 pessoas

105
Figura 33 – Flexibilidade do alojamento – Duas soluções diversas para albergar 6 pessoas

106
Esta facilidade de manipulação dos alojamentos só se torna
possível devido à permeabilidade característica do sistema construtivo e
da estrutura. O manuseamento fácil e a montagem rápida do sistema
permitem que este seja utilizado e transformado, de forma a satisfazer não
só as necessidades individuais das populações, mas também as
necessidades das comunidades. Assim sendo, os edifícios de carácter
público – como mercados, postos de saúde, postos de administração, etc. -
podem ser montados através do mesmo sistema construtivo.

a)

b)

c)
Figura 34– Fotomontagens de espaços interiores dos abrigos – a) Espaço de refeições; b) Quarto
com beliche do alojamento base; c) Quarto com cama de casal em alojamento para 4 pessoas

4.5.Planificação dos Assentamentos Temporários

O estudo elaborado para os alojamentos temporários teve presente,


no seu desenvolvimento, a implantação e relação espacial dos mesmos.

107
Após a escolha dos locais que albergam os assentamentos temporários,
torna-se necessário o desenho do espaço que transforma os locais em
pequenas comunidades. Deste modo, e ainda que de forma esquemática,
foi desenvolvida uma proposta de implantação dos abrigos que segue os
princípios do grupo ELEMENTAL, que foram previamente estudados no
capítulo anterior.

Edifícios de carácter público Alojamentos temporários Hortas Jardins


Figura 35 – 3d esquemático demonstrativo da implantação dos assentamentos temporários

108
Os abrigos são agrupados em pequenas comunidades com um
máximo de 11 unidades habitacionais, voltadas para um pátio comum onde
se inserem 1 ou 2 edifícios de carácter público (ver figura 35). O
espaçamento entre os abrigos é de três metros, de forma a conseguir
respeitar a privacidade de cada um, tendo em conta que a entrada é feita
lateralmente. É através deste espaçamento que nasce um espaço semi-
privado para cada uma das unidades, destinado a apoiar as actividades do
quotidiano das populações. Assim sendo, tal como acontece actualmente
na cidade de Angra do Heroísmo, as comunidades são beneficiadas por
pequenas hortas de apoio aos alojamentos, aproveitando o distanciamento
das unidades. Por outro lado, esta distância entre os alojamentos permite
que o espaço seja futuramente coberto, caso haja necessidade.

Figura 36 – Exemplificação da disposição das comunidades no Assentamento temporário

Assemelhando-se à disposição actual da cidade, o desenho das ruas


nasce através de uma métrica, que teve como ponto de partida a
implantação e o distanciamento das unidades habitacionais. Deste modo,
os assentamentos são compostos por ruas principais, que unem os diversos
núcleos, ou comunidades, e ruas secundárias, presentes dentro dos
núcleos, que ligam os alojamentos aos espaços públicos e aos edifícios
comunitários (ver figura 36).

109
Os pequenos núcleos habitacionais caracterizam-se pelo
favorecimento das relações interpessoais, que são conseguidos através da
disposição dos abrigos relativamente aos espaços públicos.
Os edifícios de carácter público seguem o mesmo sistema
construtivo dos alojamentos temporários, compostos também por barrotes
de madeira criptoméria e painéis de OSB. Dado serem edifícios com um
diferente tipo de utilização, não são totalmente fechados lateralmente, de
forma a garantirem um espaço fluído e que proporcione uma relação
directa entre o interior e o exterior do edifício. Ainda assim, todo o edifício
é tapado na cobertura, de forma a proteger do clima ou de agressões
exteriores (ver figura 37).
Os edifícios de carácter público podem ser utilizados para diversas
funções, como mercado, posto médico, posto de informações, etc.

Figura 37 – Edifício de carácter público

Após a fase de reconstrução territorial, as unidades de alojamento


são removidas e os assentamentos podem ser utilizados para actividades
produtivas de agricultura ou como simples espaços públicos. Desta forma,
os espaços pensados para os assentamentos temporários podem ser
reaproveitados, sem que haja um desperdício de recursos para o seu
funcionamento.

110
“The biggest challenge is yet to come…Now there is beauty on the
outsider; how do we come back and build the infrastructure within the
human soul?”
Alice Coles, 2015, 159, in SINCLAIR, Cameron (2006), Design Like You Give a Damn, New York:
Architecture for Humanity

111
5.Notas Conclusivas

O tema da arquitectura de emergência tem vindo a crescer ao longo


dos últimos anos, tendo em conta os recorrentes cenários de destruição
territorial, que advêm de diversos e distintos desastres. Para além dos
fenómenos naturais, assistimos actualmente a vários conflitos regionais
que se fazem sentir em vários locais do globo, contribuindo para um
aumento progressivo de população desalojada e de territórios destruídos.
A situação global, que tem vindo a agravar-se relativamente ao número de
vítimas destas guerras, bem como o inegável conflito social que daí
decorre nesses e em outros territórios, do ponto de vista do aumento de
refugiados, levou a uma maior consciencialização sobre o tema. Acresce a
estes factos, o aumento de desastres naturais, segundo referem diversos
autores, o que contribui também para um maior interesse e
desenvolvimento da arquitectura de emergência.
As principais consequências de um desastre – destruição territorial
e população desalojada – foram as grandes preocupações que incentivaram
esta investigação. A urgente necessidade em intervir de forma rápida e
eficaz nestes territórios estimula o desenvolvimento deste tema. Ainda que
seja necessário o estudo de diversos temas e áreas para que a intervenção
pós-catástrofe seja bem-sucedida, a arquitectura tem um papel crucial no
desenvolvimento de soluções de alojamento e na reconstrução dos
territórios. Cabe ao arquitecto conseguir desenvolver alojamentos capazes
de dar resposta às necessidades das populações, oferecendo segurança e
protecção às vítimas. Ao mesmo tempo, o arquitecto tem capacidades
suficientes para uma rápida resolução dos problemas territoriais,
garantindo estratégias de reconstrução mais eficientes que qualquer outra
entidade. Ainda assim, a intervenção pós-catástrofe revela vários défices e
problemas devido à falta de preparação que é demonstrada em situações
de emergência.
Com especial preocupação no bem-estar das populações, esta
investigação focou-se essencialmente no alojamento pós-catástrofe, como
motor principal de uma intervenção bem-sucedida e como principal
necessidade das populações. A primeira abordagem aos locais afectados é
usualmente garantida pelas organizações de ajuda humanitária, que
112
asseguram o alojamento através de tendas. Compreende-se que, como
primeira resposta ao local, as tendas revelam-se mais eficientes em termos
de rapidez de transporte e montagem do que qualquer outro abrigo,
conseguindo assegurar a protecção da população desalojada durante os
primeiros dias. Porém, deixam de conseguir responder às necessidades das
populações rapidamente, servindo apenas como espaço de descanso,
tornando-se necessária a introdução dos alojamentos temporários. Estes,
para além de assegurarem a protecção e conforto das populações, devem
conseguir proporcionar condições mínimas para o desenvolvimento das
tarefas do dia-a-dia. Mais do que isso, devem assegurar a rapidez de
transporte e montagem que é normalmente conseguida através da escolha
dos materiais e da própria estrutura do alojamento, e garantir a viabilidade
económica de todo o processo. Por outras palavras, o processo de
realojamento engloba várias questões, relacionadas com a rapidez,
eficácia, flexibilidade, sustentabilidade, técnicas e materiais construtivos,
participação no processo, integração territorial e cultural, transição,
revelando-se bastante complexo. Torna-se, por isso, essencial que o
desenvolvimento das soluções de alojamento sejam previamente estudadas
e planeadas, de forma a conseguir sucesso nas várias questões que o
caracterizam.
O ideal seria que apenas o planeamento prévio dos alojamentos
fosse suficiente para um processo de realojamento bem-sucedido. Mas, tal
como foi referido, é um processo que engloba várias questões, ou seja,
várias entidades. As limitações impostas por vezes a alguns apoios tornam
esta tarefa dificultada, levando a que muitas vezes se assista ao insucesso
dos abrigos, ou à incapacidade de fornecimento de abrigos suficientes para
um determinado número de população. Por outro lado, pode ser a falta de
conhecimento dos intervenientes, a causa para o insucesso de algumas
soluções de abrigo. Dito isto, e visto que os desastres naturais tendem a
aumentar, o estudo de soluções pós-catástrofe devem continuar a ser
desenvolvidos, assegurando alojamentos bem-sucedidos nas próximas
intervenções. Reconhece-se, contudo, a dificuldade em projectar uma
solução de alojamento pós-catástrofe que se revele totalmente eficaz.

113
Apesar de se conseguir controlar estruturalmente os alojamentos,
torna-se imprevisível a aceitação cultural dos mesmos, ainda que se
aproximem do cenário de inserção. Deste modo, o estudo desenvolvido
para um alojamento temporário procura responder às necessidades básicas
das populações, através de uma solução que se adapta ao território através
da sua materialidade – material local. Apresenta rapidez e eficácia de
transporte e montagem pela estrutura simples, que permite ainda a
flexibilidade do alojamento. Pretende, com isto, garantir diversidade na
solução apresentada, não funcionando como um alojamento fixo, mas,
pelo contrário, bastante permeável à sua utilização.
Com isto, pretende demonstrar-se a importância da flexibilidade
nestas soluções, que na maioria dos casos tem de ser adaptada às realidades
locais. O estudo para um alojamento temporário elaborado nesta
dissertação não é visto como a melhor solução a utilizar em intervenções
pós-catástrofe, mas sim como uma das muitas soluções que se adequam ao
território em questão. Revela-se quase impossível projectar um alojamento
pós-catástrofe capaz de dar resposta a todas as situações de emergência,
devido à quantidade de factores que tem de responder.
Pretende-se, com esta investigação, incentivar estudantes e
arquitectos para o desenvolvimento de alojamentos capazes de responder
às necessidades das populações afectadas. Pretende-se ainda
consciencializar e alertar as pessoas para a necessidade de intervenção
nestes territórios. É urgente o envolvimento de mais população na
reconstrução e recuperação destes locais, de forma a conseguir minimizar
as consequências resultantes dos desastres. Ainda que a maioria das
consequências estejam relacionadas com a vulnerabilidade dos territórios,
a precariedade das habitações ou a desorganização urbana que se assiste
em diversos locais, é possível minimiza-las, através da prevenção das
mesmas. É, por isso, importante realizar estudos de prevenção dos
desastres e o desenvolvimento de estratégias capazes de dar resposta às
consequências territoriais.
A arquitectura é direcionada para as pessoas e para a qualidade de
vida das mesmas, devendo, por isso, assegurar que nos diversos contextos
mundiais, o direito à habitação seja cumprido. Não menos importante que

114
em qualquer outro contexto, pretende estimular-se a intervenção e prática
da arquitectura nestes locais.

Este documento contém 25920 palavras e não respeita o novo acordo


ortográfico.

115
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