Aula 13 - Fraà à Es Contà Nuas

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 14

Polos Olímpicos de Treinamento

Curso de Teoria dos Números - Nível 3 Aula 13


Carlos Gustavo Moreira

Frações Contı́nuas e aproximações de números reais


por racionais

A teoria de frações contı́nuas é um dos mais belos assuntos da Matemática


elementar, sendo ainda hoje tema de pesquisa.
Nas inclusões N ⊂ Z ⊂ Q ⊂ R, a passagem de Q para R é sem dúvida
a mais complicada conceitualmente e a representação de um número real está
diretamente ligada à própria noção de número real.
De fato, o conceito de número natural é quase um conceito primitivo. Já um
número inteiro é um número natural com um sinal que pode ser + ou −, e um
número racional é a razão entre um número inteiro e um natural não nulo. Por
outro lado, dizer o que é um número real é tarefa bem mais complicada, mas há
coisas que podemos dizer sobre eles. Uma propriedade essencial de R é que todo
número real pode ser bem aproximado por números racionais. Efetivamente,
dado x ∈ R, existe k = ⌊x⌋ ∈ Z tal que 0 ≤ x − k < 1. Podemos escrever a
representação decimal de
x − k = 0, a1 a2 . . . an . . . , ai ∈ {0, 1, . . . , 9},
o que significa que se rn = an + 10 · an−1 + 100 · an−2 + · · · + 10n−1 · a1 , então
rn rn +1 rn
10n ≤ x − k < 10n , e portanto k + 10n é uma boa aproximação racional de x,
no sentido de que o erro x − k + 10n é menor do que 101n , que é um número
rn

bem pequeno se n for grande. A representação decimal de um número real


fornece pois uma sequência de aproximações por racionais cujos denominadores
são potências de 10.
Dado qualquer x ∈ R e q natural não nulo existe p ∈ Z tal que pq ≤ x <
p+1
q (basta tomar p = ⌊qx⌋), e portanto x − pq < 1q e x − p+1 q ≤ 1q . Em
particular há aproximações de x por racionais com denominador q com erro
menor do que 1q . A representação decimal de x equivale a dar essas aproximações
para os denominadores q que são potências de 10, e tem méritos como sua
praticidade para efetuar cálculos que a fazem a mais popular das representações
dos números reais. Por outro lado, envolve a escolha arbitrária da base 10, e
oculta frequentemente aproximações racionais de x muito mais eficientes do que
as que exibe. Por exemplo,
22 1 314 355 1 3141592
π− < < π− e π− < < π−
7 700 100 113 3000000 1000000
POT 2012 - Teoria dos Números - Nı́vel 3 - Aula 3 - Carlos Gustavo Moreira

mostram que 22 355


7 e 113 são melhores aproximações de π que aproximações deci-
mais com denominadores muito maiores, e de fato são aproximações muito mais
espetaculares do que se podia esperar.
O objetivo desta seção é apresentar uma outra maneira de representar núme-
ros reais, a representação por frações contı́nuas, que sempre fornece aproxima-
ções racionais surpreendentemente boas, e de fato fornece todas as aproximações
excepcionalmente boas, além de ser natural e conceitualmente simples.
Definimos recursivamente

α0 = x, an = ⌊αn ⌋
1
e, se αn ∈
/ Z, αn+1 = para todo n ∈ N.
αn − a n
Se, para algum n, αn = an temos

def 1
x = α0 = [a0 ; a1 , a2 , . . . , an ] = a0 + .
1
a1 +
a2 + . .
. 1
+
an
Se não denotamos

def 1
x = [a0 ; a1 , a2 , . . . ] = a0 + .
1
a1 +
a2 + . .
.
O sentido dessa última notação ficará claro mais tarde. A representação acima
se chama representação por frações contı́nuas de x.

A figura dá uma interpretação geométrica para a representação de um nú-


mero por frações contı́nuas. Enchemos um retângulo 1 × x com quadrados de
forma “gulosa”, isto é, sempre colocando o maior quadrado possı́vel dentro do

2
POT 2012 - Teoria dos Números - Nı́vel 3 - Aula 3 - Carlos Gustavo Moreira

espaço ainda livre. Os coeficientes a0 , a1 , a2 , . . . indicam o número de quadrados


de cada tamanho. Na figura, se os lados do retangulo são c < d então
d/c = [1; 2, 2, 1, ...]
pois temos a0 = 1 quadrado grande, a1 = 2 quadrados menores, a2 = 2 qua-
drados ainda menores, a3 = 1 quadrados ainda ainda menores, e um número
grande não desenhado de quadrados ainda ainda ainda menores (a4 é grande).
Deixamos a verificação de que esta descrição geométrica corresponde à descrição
algébrica acima a cargo do leitor.
Note que, se a representação por frações contı́nuas de x for finita então x é
claramente racional.
Reciprocamente, se x ∈ Q, sua representação será finita, e seus coeficientes
an vêm do algoritmo de Euclides: se x = p/q (com q > 0) temos
p = a 0 q + r1 0 ≤ r1 < q
q = a 1 r1 + r2 0 ≤ r2 < r1
r1 = a 2 r2 + r3 0 ≤ r3 < r2
.. ..
. .
rn−1 = an rn

Temos então
1 1
x = p/q = a0 + r1 /q = a0 + = a0 +
a1 + r2 /r1 1
a1 +
a2 + r3 /r2
1
= · · · = a0 + = [a0 ; a1 , a2 , . . . , an ].
1
a1 +
a2 + . .
. 1
+
an
Isso já é uma vantagem da representação por frações contı́nuas (além de não
depender de escolhas artificiais de base), pois o reconhecimento de racionais é
mais simples que na representação decimal.
Seja x = [a0 ; a1 , a2 , . . . ]. Sejam pn ∈ Z, qn ∈ N>0 primos entre si tais que
pn
qn = [a0 ; a1 , a2 , . . . , an ], n ≥ 0. Esta fração pqnn é chamada de n-ésima reduzida
ou convergente da fração contı́nua de x. O seguinte resultado será fundamental
no que seguirá.
Proposição 1. Dada uma sequência (finita ou infinita) t0 , t1 , t2 , · · · ∈ R tal que
tk > 0, para todo k ≥ 1, definimos sequências (xm ) e (ym ) por
x0 = t0 , y0 = 1, x1 = t0 t1 + 1, y1 = t1 , xm+2 = tm+2 xm+1 + xm , ym+2 =
tm+2 ym+1 + ym , para todo m ≥ 0. Temos então
1 xn
[t0 ; t1 , t2 , . . . , tn ] = t0 + = , ∀n ≥ 0.
1 yn
t1 +
t2 + . .
. 1
+
tn

3
POT 2012 - Teoria dos Números - Nı́vel 3 - Aula 3 - Carlos Gustavo Moreira

Além disso, xn+1 yn − xn yn+1 = (−1)n , para todo n ≥ 0.

Demonstração. A prova será por indução em n. Para n = 0 temos [t0 ] = t0 =


t0 /1 = x0 /y0 . Para n = 1, temos [t0 ; t1 ] = t0 + 1/t1 = t0 tt11+1 = x1 /y1 e, para
n = 2, temos
1 t2 t0 t1 t2 + t0 + t2
[t0 ; t1 , t2 ] = t0 + = t0 + =
t1 + 1/t2 t1 t2 + 1 t1 t2 + 1

t2 (t0 t1 + 1) + t0 t2 x 1 + x 0 x2
= = = .
t2 t1 + 1 t 2 y1 + y 0 y2
Suponha que a afirmação seja válida para n. Para n + 1 em lugar de n temos
1
[t0 ; t1 , t2 , . . . , tn , tn+1 ] = [t0 ; t1 , t2 , . . . , tn + ]
tn+1
1

tn + tn+1 xn−1 + xn−2
= 1

tn + tn+1 yn−1 + yn−2
tn+1 (tn xn−1 + xn−2 ) + xn−1
=
tn+1 (tn yn−1 + yn−2 ) + yn−1
tn+1 xn + xn−1 xn+1
= = ·
tn+1 yn + yn−1 yn+1

Vamos agora mostrar, por indução, a segunda afirmação. Temos

x1 y0 − x0 y1 = (t0 t1 + 1) − t0 t1 = 1 = (−1)0

e, se xn+1 yn − xn yn+1 = (−1)n para algum valor de n, então

xn+2 yn+1 − xn+1 yn+2 = (tn+2 xn+1 + xn )yn+1 − (tn+2 yn+1 + yn )xn+1
= −(xn+1 yn − xn yn+1 ) = −(−1)n = (−1)n+1 .

Nos próximos resultados, x = [a0 ; a1 , a2 , a3 , . . . ] será um número real, e


( pqnn )n∈N , pqnn
= [a0 ; a1 , a2 , . . . , an ] será a sequência de reduzidas da fração contı́-
nua de x.

Corolário 2. As sequências (pn ) e (qn ) satisfazem as recorrências

pn+2 = an+2 pn+1 + pn e qn+2 = an+2 qn+1 + qn

para todo n ≥ 0, com p0 = a0 , p1 = a0 a1 + 1, q0 = 1 e q1 = a1 . Além disso,

pn+1 qn − pn qn+1 = (−1)n

para todo n ≥ 0.

4
POT 2012 - Teoria dos Números - Nı́vel 3 - Aula 3 - Carlos Gustavo Moreira

Demonstração. As sequências (pn ) e (qn ) definidas pelas recorrências acima


satisfazem, pela proposição anterior, as igualdades
pn
= [a0 ; a1 , a2 , . . . , an ] e pn+1 qn − pn qn+1 = (−1)n , ∀n ≥ 0.
qn
Como pn+1 qn − pn qn+1 = (−1)n , para todo n ∈ N, temos que os pn , qn dados
pelas recorrências acima são primos entre si. Além disso, também segue da
recorrência que qn > 0, ∀n ≥ 0. Esses fatos implicam que ( pqnn )n∈N é a sequência
de reduzidas da fração contı́nua de x.

Corolário 3. Temos, para todo n ∈ N,


αn pn−1 + pn−2 pn−2 − qn−2 x
x= e αn =
αn qn−1 + qn−2 qn−1 x − pn−1
Demonstração. A primeira igualdade segue da proposição anterior pois x =
[a0 ; a1 , a2 , . . . , an−1 , αn ] e a segunda é consequência direta da primeira.

Proposição 4. Temos
pn (−1)n
x− =
qn (αn+1 + βn+1 )qn2
onde
qn−1
βn+1 = = [0; an , an−1 , an−2 , . . . , a1 ].
qn
Em particular,
1 pn 1 1
2
< x− = 2
< .
(an+1 + 2)qn qn (αn+1 + βn+1 )qn an+1 qn2
Demonstração. Pelo corolário anterior temos
pn αn+1 pn + pn−1 pn pn−1 qn − pn qn−1
x− = − =
qn αn+1 qn + qn−1 qn (αn+1 qn + qn−1 )qn
−(pn qn−1 − pn−1 qn ) −(−1)n−1
= =
(αn+1 qn + qn−1 )qn (αn+1 qn + qn−1 )qn
(−1)n (−1)n (−1)n
= = = .
(αn+1 qn + qn−1 )qn (αn+1 + qn−1 /qn )qn2 (αn+1 + βn+1 )qn2
Em particular,
pn 1
x− = ,
qn (αn+1 + βn+1 )qn2
e, como ⌊αn+1 ⌋ = an+1 e 0 < βn+1 < 1, segue que an+1 < αn+1 + βn+1 <
an+1 + 2, o que implica a última afirmação.
A expansão de βn+1 como fração contı́nua segue de
qn−1 qn−1 qn−1 1
= =⇒ =
qn an qn−1 + qn−2 qn an + qqn−2
n−1

aplicado recursivamente.

5
POT 2012 - Teoria dos Números - Nı́vel 3 - Aula 3 - Carlos Gustavo Moreira

Observação 5. Como limn→∞ qn = +∞ (pois (qn ) é estritamente crescente),


segue desta proposição que
pn
lim = x,
n→∞ qn

o que permite recuperar x a partir de a0 , a1 , a2 , . . . , e dá sentido à


igualdade x = [a0 ; a1 , a2 , . . . ] quando a fração contı́nua de x é infinita (i.e.,
quando x é irracional).

Observação 6. A proposição anterior implica que, para todo α irracional, a


desigualdade |α − p/q| < 1/q 2 tem infinitas soluções racionais p/q. Este fato é
conhecido como o Teorema de Dirichlet.
É interessante notar que, se α = r/s ∈ Q, a desigualdade |α − p/q| < 1/q 2
tem apenas um número finito de soluções racionais p/q. De fato, |r/s − p/q| <
1/q 2 equivale a |qr − ps| < s/q, o que implica que q ≤ s.

A seguinte proposição mostra que os convergentes pares formam uma sequên-


cia crescente, e que os convergentes ı́mpares formam uma sequência decrescente.
Além disso todos os convergentes ı́mpares são maiores do que todos os conver-
gentes pares.

Proposição 7. Para todo k ≥ 0, temos


p2k p2k+2 p2k+3 p2k+1
≤ ≤x≤ ≤ .
q2k q2k+2 q2k+3 q2k+1

Demonstração. O resultado segue dos seguintes fatos gerais. Para todo n ≥ 0,


temos que
pn+2 pn an+2 pn+1 + pn pn
− = −
qn+2 qn an+2 qn+1 + qn qn
an+2 (pn+1 qn − pn qn+1 ) (−1)n an+2
= =
qn (an+2 qn+1 + qn ) qn+2 qn

é positivo para n par e negativon


para n ı́mpar. Além disso, para todo n ≥ 0,
temos que x − pqnn = (αn+1 q(−1)
n +qn−1 )qn
é positivo para n par e negativo para n
ı́mpar.

É possı́vel provar (usando o chamado princı́pio dos intervalos encaixados)


que, dados inteiros a0 , a1 , a2 , . . . , com ak > 0, ∀k ≥ 1, existe um único número
real α (que é irracional) cuja representação por frações contı́nuas é [a0 ; a1 , a2 , . . . ].

Exemplo 8. Temos

• π = [3; 7, 15, 1, 292, 1, 1, 1, 2, 1, 3, 1, 14, 2, 1, . . . ], portanto


p0 p1 22 p2 333 p3 355
= 3, = , = , = ...
q0 q1 7 q2 106 q3 113

• e = [2; 1, 2, 1, 1, 4, 1, 1, 6, 1, 1, 8, . . . , 1, 1, 2n, . . . ]

6
1 3
POT 2012 - Teoria dos Números - Nı́vel REDUZIDAS E BOASGustavo
- Aula 3 - Carlos APROXIMA ÇÕES
Moreira


• 2 = [1; 2, 2, 2, . . . ] pois
√ 1 1 1
2=1+ √ =1+ =1+ = ···
2+1 1 1
2+ √ 2+
2+1 1
2+ √
2+1

1+ 5
• 2 = [1; 1, 1, 1, . . . ] pois

1+ 5 1 1
=1+ √ =1+ = ···
2 1+ 5 1
2 1+ √
1+ 5
2

√ √
1+ 5
Isto prova em particular que 2e são irracionais, pois suas frações con-
2 √ √
tı́nuas são infinitas. Daı́ segue também que 2 − 1 = [0; 2, 2, 2 . . . ] e 5−1 2 =
[0; 1, 1, 1, . . . ] são pontos fixos da transformação de Gauss g.

1 Reduzidas e Boas Aproximações


Teorema 9. Temos, para todo n ∈ N,
pn 1 1
x− ≤ < 2
qn qn qn+1 qn
Além disso,
pn 1 pn+1 1
x− < 2 ou x− < 2 .
qn 2qn qn+1 2qn+1
pn
Demonstração. O número x sempre pertence ao segmento de extremos qn e
pn+1
qn+1 cujo comprimento é

pn+1 pn (−1)n 1 pn 1 1
− = = =⇒ x − ≤ < 2·
qn+1 qn qn qn+1 qn qn+1 qn qn qn+1 qn
Além disso, se
pn 1 pn+1 1
x− ≥ 2 e x− ≥ 2 ,
qn 2qn qn+1 2qn+1

então
1 pn pn+1 1 1
= x− + x− ≥ 2 + 2 =⇒ qn+1 = qn ,
qn qn+1 qn qn+1 2qn 2qn+1

absurdo.

Observação 10. De fato x − pqnn < 1


qn qn+1 < 1
2.
an+1 qn
Quanto maior for an+1
melhor será a aproximação pqnn de x.

7
1 3
POT 2012 - Teoria dos Números - Nı́vel REDUZIDAS E BOASGustavo
- Aula 3 - Carlos APROXIMA ÇÕES
Moreira

Teorema 11 (Hurwitz, Markov). Para todo α irracional e todo inteiro n ≥ 1,


temos
p 1
α− <√
q 5q 2
para pelo menos um racional
 
p pn−1 pn pn+1
∈ , , .
q qn−1 qn qn+1
Em particular, a desigualdade acima tem infinitas soluções racionais p/q.
Demonstração. Suponha que o teorema seja√falso. Então, pela proposição
√ 4,
existe α√irracional, n ≥ 1 com αn + βn ≤ 5, αn+1 + βn+1 ≤ 5 e αn+2 +
βn+2 ≤ 5. Devemos portanto ter an+1 = an+2 = 1 já que claramente ak ≤ 2
para k = n, n + 1,√ n + 2 e se algum ak = 2 com k = n + 1, n + 2, terı́amos
ak + βk ≥ 2 + 31 > 5, absurdo.
Sejam x = 1/αn+2 e y = βn+1 . As desigualdades acima se traduzem em
1 1 √ √ 1 1 √
+ ≤ 5, 1+x+y ≤ 5 e + ≤ 5.
1+x y x 1+y
Temos
√ √
1+x+y ≤ 5 =⇒ 1 + x ≤ 5−y

1 1 1 1 5
=⇒ + ≥√ + = √
1+x y 5−y y y( 5 − y)
√ √
5−1
e portanto y( 5 − y) ≥ 1 =⇒ y ≥ 2 . Por outro lado temos
√ 1 1 1 1
x≤ 5 − 1 − y =⇒ + ≥√ +
x 1+y 5−1−y 1+y

5
= √
(1 + y)( 5 − 1 − y)
√ √
5−1
e portanto (1 + y)( 5 − 1 − y) ≥ 1 =⇒ y ≤ 2 , e portanto devemos ter

5−1 qn−1
y= 2 , o que é absurdo pois y = βn+1 = qn ∈ Q.
1 p
Observação 12. Em particular provamos que α − < √5q 2 tem infinitas
q
p

soluções racionais q , para todo α irracional. O número 5 é o maior com essa
propriedade. De fato, se

1+ 5 p 1
ε > 0, α = e α− < √ ,
2 q ( 5 + ε)q 2
temos
 √ 
1+ 5 1
q −p < √
2 ( 5 + ε)q

√ 
  √  1− 5
− p
1+ 5 1− 5 2 q
=⇒ q −p q −p < √ ,
2 2 5+ε

8
2 BOAS
POT 2012 - Teoria dos Números - Nı́vel APROXIMA
3 - Aula ÇÕESGustavo
3 - Carlos SÃO REDUZIDAS
Moreira

ou seja,

1+ 5 p √ √

2 2
|p − pq − q | < − − 5 ( 5 + ε).
2 q

1+ 5 p
Se q é grande, 1/q 2 é pequeno, e 2 − q é muito próximo de 0, donde o lado

5
direito da desigualdade é muito próximo de √5+ε < 1, absurdo, pois |p2 − pq −
q 2 | ≥ 1, de fato se p2 − pq − q 2 = 0 terı́amos
 2    √ √ 
p p p 1+ 5 1− 5
− − 1 = 0 =⇒ ∈ , ,
q q q 2 2
p
o que é absurdo, pois q ∈ Q.

1+ 5 p √ 1
Outra maneira de ver que, para todo ε > 0, 2 − q < ( 5+ε)q 2
tem ape-
p
nas um número finito de soluções q ∈ Q é observar que as melhores aproxima-

1+ 5 pn
ções racionais de 2 são as reduzidas qn de sua fração contı́nua [1; 1, 1, 1, . . . ]

(ver próxima seção), para as quais temos 1+2 5 − pqnn = (αn+1 +β 1
2 , com
n+1 )qn
αn+1 + βn+1 se aproximando cada vez mais de
√ √
1+ 5 5−1 √
[1; 1, 1, 1, . . . ] + [0; 1, 1, 1, . . . ] = + = 5.
2 2

2 Boas Aproximações são Reduzidas


O próximo teorema (e seu corolário 15) caracteriza as reduzidas em termos
do erro reduzido da aproximação de x por p/q, o qual é, por definição, |qx−p|, a
razão entre |x−p/q| e o erro máximo da aproximação por falta com denominador
q, que é 1/q.
Teorema 13. Para todo p, q ∈ Z, com 0 < q < qn+1 temos

|qn x − pn | ≤ |qx − p|.

Além disso, se 0 < q < qn a desigualdade acima é estrita.


Demonstração. Como mdc(pn , qn ) = 1, temos que se pq = pqnn então p = kpn
e q = kqn para algum inteiro k 6= 0 e neste caso o resultado é claro. Assim,
podemos supor que pq 6= pqnn de modo que

p pn 1 1
− ≥ >
q qn qqn qn qn+1
pn+1
já que q < qn+1 . Assim, pq está fora do intervalo de extremos pn
qn e qn+1 e
portanto  
p p pn p pn+1 1
x− ≥ min − , − ≥
q q qn q qn+1 qqn+1
o que implica
1
|qx − p| ≥ ≥ |qn x − pn |.
qn+1

9
2 BOAS
POT 2012 - Teoria dos Números - Nı́vel APROXIMA
3 - Aula ÇÕESGustavo
3 - Carlos SÃO REDUZIDAS
Moreira

Além disso, a igualdade só pode ocorrer se x = pqn+1 n+1


, donde an+1 ≥ 2, e
qn+1 > 2qn , pois numa fração contı́nua finita, como no algoritmo de Euclides,
o último coeficiente an é sempre maior que 1. Nesse caso, se q < qn , teremos

p p pn pn+1 pn
x− ≥ − − −
q q qn qn+1 qn
1 1 qn+1 − q 1
≥ − = >
qqn qn qn+1 qqn qn+1 qqn+1

o que implica
1
|qx − p| > ≥ |qn x − pn |.
qn+1

Corolário 14. Para todo q < qn ,

pn p
x− < x−
qn q
p p′
Corolário 15. Se |qx − p| < |q ′ x − p′ |, para todo p′ e q ′ ≤ q tais que q 6= q′ ,
então p/q é uma reduzida da fração contı́nua de x.

Demonstração. Tome n tal que qn ≤ q < qn+1 . Pelo teorema, |qn x − pn | ≤


|qx − p|, e portanto p/q = pn /qn .
p 1 p
Teorema 16. Se x − q < 2q 2
então q é uma reduzida da fração contı́nua de
x.

Demonstração. Seja n tal que qn ≤ q < qn+1 . Suponha que pq 6= pqnn . Como
na demonstração do teorema anterior, x − pq ≥ qqn+1 1
e assim pq está fora do
intervalo de extremos pqnn e pqn+1
n+1
. Temos duas possibilidades:
qn+1 p 1 1
(a) Se q ≥ 2 então x − q ≥ qqn+1 ≥ 2q 2
, absurdo.
qn+1
(b) Se q < 2 ,

p pn p pn+1 pn
x− ≥ − − −
q qn q qn+1 qn
1 1 qn+1 − q
≥ − =
qqn qn qn+1 qqn qn+1
1 1
> ≥ 2
2qqn 2q
o que também é um absurdo.

10
POT 2012 - Teoria dos Números - Nı́vel3 3 FRAÇÕES
- Aula 3 - CONT
CarlosÍNUAS PERI
Gustavo ÓDICAS
Moreira

3 Frações Contı́nuas Periódicas


Nesta seção provaremos que os números reais com fração contı́nua periódica
são exatamente as raı́zes de equações do segundo grau com coeficientes inteiros.
Lembramos que na representação de x por fração contı́nua, an , αn são defi-
nidos por recursão por
1
α0 = x, an = ⌊αn ⌋, αn+1 =
αn − a n
e temos
pn−2 − qn−2 x
αn = , ∀n ∈ N.
qn−1 x − pn−1
Isso dá uma prova explı́cita do fato de que se a fração contı́nua de x é
periódica, então x é raiz de uma equação do segundo grau com coeficientes
inteiros. De fato, se αn+k = αn , n ∈ N, k ∈ N>0 segue que
pn−2 − qn−2 x pn+k−2 − qn+k−2 x
= ,
qn−1 x − pn−1 qn+k−1 x − pn+k−1

então Ax2 + Bx + C = 0, onde

A = qn−1 qn+k−2 − qn−2 qn+k−1


B = pn+k−1 qn−2 + pn−2 qn+k−1 − pn+k−2 qn−1 − pn−1 qn+k−2
C = pn−1 pn+k−2 − pn−2 pn+k−1 .

Note que o coeficiente de x2 é não-nulo, pois qqn−1 n−2


é uma fração irredutı́vel
qn+k−1
de denominador qn−2 , pois pn−1 qn−2 − pn−2 qn−1 = (−1)n , e qn+k−2 é uma
qn−1 qn+k−1
fração irredutı́vel de denominador qn+k−2 > qn−2 , donde qn−2 6= qn+k−2 , logo
qn−1 qn+k−2 − qn−2 qn+k−1 6= 0.
Vamos provar agora um resultado devido a Lagrange segundo o qual se x

é uma irracionalidade quadrática, isto é, se x é um irracional do tipo r + s,
r, s ∈ Q, s > 0, então a fração contı́nua de x é periódica, i.e., existem n ∈ N
e k ∈ N>0 com αn+k = αn . Neste √ caso, existem a, b, c inteiros tais que
n−1 αn +pn−2
ax2 +bx+c = 0, com b2 −4ac > 0 e b2 − 4ac irracional. Como x = pqn−1 αn +qn−2 ,
temos

ax2 + bx + c = 0
pn−1 αn + pn−2 2
   
pn−1 αn + pn−2
=⇒ a +b +c=0
qn−1 αn + qn−2 qn−1 αn + qn−2
=⇒ An αn2 + Bn αn + Cn = 0,

onde

An = ap2n−1 + bpn−1 qn−1 + cqn−1


2

Bn = 2apn−1 pn−2 + b(pn−1 qn−2 + pn−2 qn−1 ) + 2cqn−1 qn−2


Cn = ap2n−2 + bpn−2 qn−2 + cqn−2
2
.

11
POT 2012 - Teoria dos Números - Nı́vel3 3 FRAÇÕES
- Aula 3 - CONT
CarlosÍNUAS PERI
Gustavo ÓDICAS
Moreira

Note que Cn = An−1 . Vamos provar que existe M > 0 tal que 0 < |An | ≤ M
para todo n ∈ N, e portanto 0 < |Cn | ≤ M , ∀n ∈ N:
  
2 2 2 pn−1 pn−1
An = apn−1 + bpn−1 qn−1 + cqn−1 = aqn−1 x − x̄ − ,
qn−1 qn−1

onde x e x̄ são as raı́zes de aX 2 + bX + c = 0, mas


pn−1 1 2 pn−1 pn−1
x− < 2 ≤ 1 =⇒ |An | = aqn−1 x− x̄ −
qn−1 qn−1 qn−1 qn−1
 
pn−1
≤ a |x̄ − x| + x −
qn−1
def
≤ M = a(|x̄ − x| + 1).

Notemos agora que, para qualquer n ∈ N,

Bn2 − 4An Cn = (pn−1 qn−2 − pn−2 qn−1 )2 (b2 − 4ac) = b2 − 4ac.

Portanto

Bn2 ≤ 4An Cn + b2 − 4ac ≤ 4M 2 + b2 − 4ac


def
p
=⇒ Bn ≤ M ′ = 4M 2 + b2 − 4ac.

Provamos assim que An , Bn e Cn estão uniformemente limitados, donde


há apenas um número finito de possı́veis equações An X 2 + Bn X + Cn = 0, e
portanto de possı́veis valores de αn . Assim, necessariamente αn+k = αn para
alguma escolha de n ∈ N, k ∈ N>0 .

Problemas Propostos


Problema 17. Determine a fração contı́nua de 7. Mostre que ela é periódica
a partir de um certo ponto, e determine o perı́odo.

Problema 18. Escreva na forma r ± s, com r, s ∈ Q, s ≥ 0, os números reais
cujas representações em frações contı́nuas são as seguintes:
(a) [0; 3, 6, 3, 6, 3, 6, . . . ].

(b) [0; k, k, k, . . . ], onde k é um inteiro positivo dado.

(c) [0; 1, 1, 2, 2, 1, 1, 2, 2, 1, 1, 2, 2, . . . ].
Problema 19. (a) Sabendo que 3, 14 < x < 3, 15, determine o maior natural n
e inteiros a0 , a1 , . . . , an para os quais é possı́vel garantir que a representação
em frações contı́nuas de x começa por [a0 ; a1 , . . . , an ].

(b) Sabendo que 3, 141592 < x < 3, 141593, determine o maior natural n e
inteiros a0 , a1 , . . . , an para os quais é possı́vel garantir que a representação
em frações contı́nuas de x começa por [a0 ; a1 , . . . , an ].

12
POT 2012 - Teoria dos Números - Nı́vel3 3 FRAÇÕES
- Aula 3 - CONT
CarlosÍNUAS PERI
Gustavo ÓDICAS
Moreira

(c) Sabendo que 3, 1415926 < x < 3, 1415927, determine o maior natural n e
inteiros a0 , a1 , . . . , an para os quais é possı́vel garantir que a representação
em frações contı́nuas de x começa por [a0 ; a1 , . . . , an ].
Problema
√ 20. (a) Determine as primeiros 6 reduzidas da fração continua de
5.
√ √
(b) Definimos a sequência an = n 5 − ⌊n 5⌋. Determine os valores de n ≤
2011 tais que an seja respectivamente máximo e mı́nimo.
Problema 21. Demonstre que, para todo inteiro positivo a, temos as seguintes
expansões em frações contı́nuas periódicas:

(a) a2 + 1 = [a, 2a].

(b) a2 − 1 = [a − 1, 1, 2a − 2].

(c) a2 − 2 = [a − 1, 1, a − 2, 1, 2a − 2].

(d) a2 − a = [a − 1, 2, 2a − 2].
√ √
Problema 22. Encontre as frações contı́nuas de a2 + 4 e a2 − 4.
Problema 23. Sejam a0 , a1 , . . . , an inteiros com ak > 0, ∀k ≥ 1,
e seja (pk /qk )k≥0 a sequência de reduzidas da fração contı́nua
[a0 ; a1 , a2 , . . . , an ].
(a) Prove que o conjunto dos números reais cuja representação por frações con-
tı́nuas começa com a0 , a1 , . . . , an é o intervalo
 
pn
I(a0 , a1 , . . . , an ) = ∪ {[a0 , a1 , . . . , an , α], α > 1}
q
hn 
 pn , pn +pn−1 se n é par
q q +q
=  pn +pn n−1 p
i
n n−1
qn +qn−1 , qn se n é ı́mpar.
 n

(b) Prove que a função G : (1, +∞) → I(a0 , a1 , . . . , an ) dada por G(α) =
[a0 ; a1 , a2 , . . . , an , α] é monótona, sendo crescente para n ı́mpar e decres-
cente para n par.
Problema 24. Seja α=[a0 ; a1 , a2 , . . . ]∈R. Prove que, se qn ≤q<qn+1 , mdc(p, q)=1
e p/q 6= pn /qn então |α − p/q| ≤ |α − pn /qn | se, e somente se, pq = pqn+1 −rpn
n+1 −rqn
,
onde r ∈ N é tal que 0 < r < an+1 /2 ou (r = an+1 /2 e αn+2 βn+1 ≥ 1).
Problema 25. Seja α=[a0 ; a1 , a2 , . . . ]∈R. Prove que, se qn ≤q<qn+1 , mdc(p, q)=1
p
e p/q 6= pn /qn então |α − p/q| < 1/q 2 se, e somente se, (an+1 ≥ 2, =
q
pn+1 − pn +pn−1
e an+1 − 2 + βn+1 < αn+2 ) ou ( pq = pqnn +q e (αn+1 − 2)βn+1 < 1).
qn+1 − qn n−1

Problema 26. Prove que, para quaisquer inteiros p, q com q > 0, temos
√ p 1
2− > 2 . Determine todos os pares de inteiros (p, q) com q > 0 tais que
q 3q
√ p 1
2− < 3.
q q

13
Problema 27. Prove que, para qualquer α ∈ R \ Q, e quaisquer s, t ∈ R com
s < t, existem inteiros m, n com n > 0 tais que s < nα + m < t.

Problema 28. Seja


pn 1
=
qn 12
1+
32
2+
52
2+
.. (2n − 3)2
.2+
2
a n-ésima convergente da fração contı́nua
1
12
1+
32
2+
52
2+
72
2+
..
.
pn 1 1 1 1
Demonstre que = 1 − + − + · · · + (−1)n−1 .
qn 3 5 7 2n − 1
Problema 29. Dizemos que dois números irracionais α e β são GL2 (Z)-equiva-
aα + b
lentes se existem inteiros a, b, c, d com |ad − bc| = 1 tais que β = .
cα + d
Mostre que, se as frações contı́nuas de α e β são α = [a0 ; a1 , a2 , . . . ] e β =
[b0 ; b1 , b2 , . . . ] então α e β são GL2 (Z)-equivalentes se, e somente se, existem
r ∈ Z e n0 ∈ N tais que bn = an+r , ∀n ≥ n0 .

Dicas e Soluções

Em breve.

Referências
[1] F. E. Brochero Martinez, C. G. Moreira, N. C. Saldanha, E. Tengan -
Teoria dos Números - um passeio com primos e outros números familiares
pelo mundo inteiro, Projeto Euclides, IMPA, 2010.

Você também pode gostar