Cinema Feito Por Mulheres - Tão Longe É Aqui
Cinema Feito Por Mulheres - Tão Longe É Aqui
Cinema Feito Por Mulheres - Tão Longe É Aqui
SÃO CARLOS
2019
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
SÃO CARLOS
2019
Domingues, Ana Carolina
Cinema feito por mulheres: um estudo sobre a produção da imagem
cinematográfica e a educação visual em Tão Longe é Aqui / Ana Carolina
Domingues. -- 2019.
127 f. : 30 cm.
Ficha catalográfica elaborada pelo Programa de Geração Automática da Secretaria Geral de Informática (SIn).
DADOS FORNECIDOS PELO(A) AUTOR(A)
Bibliotecário(a) Responsável: Ronildo Santos Prado – CRB/8 7325
AGRADECIMENTOS
Este trabalho tem por objetivo estudar e compreender qual é a percepção de mulheres
cineastas, e o que as imagens produzidas por elas nos dizem e nos educam. Para isso, o
trabalho apresenta o longa-metragem Tão longe é Aqui (2013) dirigido pela cineasta e
jornalista brasileira Eliza Capai, cuja história narra sua viagem ao continente africano
em 2010. Para tanto, o recorte teórico fundamenta-se em autores que estudam e
compreendem a imagem como responsável por uma forma de educação, expressão e
controle, por exercer um processo educativo sobre quem as vê. O processo cognitivo
que opera na imagem, aponta para temática da visualidade, como um exercício político.
Tão longe é aqui “encruza” os gêneros cinematográficos dos road-movies, do
documentário e do filme carta, o tornando híbrido pela maneira que se articula em todas
essas camadas (gêneros). A metodologia consiste em decompor e interpretar as imagens
agentes (ALMEIDA, 2009), como próprios documentos possíveis de dialogarem com o
texto. Como conclusão, apontamos que Tão longe é Aqui pertence ao gênero women’s
film (filme feito por mulheres) por se endereçar a partir de uma outra forma de
percepção do mundo que integra mulheres que partilham de experiências similares.
Nesse contexto de interpretação escolhemos o tema da maternidade para interpretar as
imagens agentes produzidas e sequenciadas no longa-metragem.
This work aims to study and understand the perception of womens filmmakers, and
what the images produced by them tell us and educate us. For this, the work presents the
feature film So Far is Here (2013) directed by Brazilian filmmaker and journalist Eliza
Capai, whose story chronicles her trip to the African continent in 2010. The theoretical
cut is based on authors who study and understand the image as responsible for a form of
education, expression and control, for exercising an educational process over who sees
them. The cognitive process that operates in the image, points to the theme of visuality,
as a political exercise. So Far is Here "encroces" the cinematographic genres of road-
movies, the documentary and the movie-letter, making it hybrid by the way it articulates
in all these layers (genres). The methodology consists of decomposing and interpreting
the “agent images” (ALMEIDA, 2009), as possible own documents to dialogue with the
text. As a conclusion, we pointed out that So Far is Here belongs to the genre women's
film, for addressing itself from another form of world perception that integrates women
who share similar experiences. In this context of interpretation we chose the theme of
motherhood to interpret the “agent images” produced and sequenced in the feature film.
1. INTRODUÇÃO
modos de ver, perceber e compreender a “realidade” que se mostra por meio deste
aparato.
O recorte teórico foi construído com base em autores que pensam e
compreendem a educação visual, a percepção e logo, a imagem, como forma de trazer à
luz um processo educativo decorrente dos aparelhos tecnológicos da modernidade,
como a fotografia, o cinema e a televisão, com o intuito de expor o quadro de
inteligibilidade que se forma e se constrói na relação das pessoas com os aparatos, a
partir deste novo tipo de educação. Já adiantamos, portanto, que o aparato tecnológico
formado desde a perspectiva renascentista, até a produção de filmes repletos de efeitos
especiais, partilha de um processo ideologicamente pensado e estruturado que educa e
vem educando as pessoas.
Ver não é somente um ato mecânico, a visão é formada culturalmente por
meio destes encontros imagéticos produzidos tanto pela cultura da mídia, quanto por
pensadores e pensadoras, críticos e críticas que depositaram neste encontro uma forma
de potência, de educação e sobretudo, de formar percepções e subjetividades. Ao
recebermos por meio dos sentidos (neste caso, as imagens e sons, impressões e
sensações que o cinema possibilita e permite em sua relação com espectadores), a
percepção visual se constitui de forma diferente em cada pessoa. Mesmo que o ato
óptico-físico seja o mesmo pela sua função fisiológica, as impressões luminosas
captadas pelo olho se dissemelham a medida que essas informações recebidas são
interpretadas de forma diferente por cada pessoa de acordo com a cultura e a vivência
de cada ser.
Por isso, justificamos esse trabalho ao considerarmos legítimo um
cinema que é feito por mulheres e que se constitui a partir de um outro processo de
produção por nos possibilitar outras experiências, nos desestabilizando a desconstruir
um processo de educação visual que foi naturalizado ao longo dos anos.
Walter Benjamin (2012), no século XX, nos guia, filosoficamente, nos
primeiros passos rumo a esta interpretação da sociedade moderna que se movimentava,
a partir daquele momento em meio às novas invenções modernas da fotografia e do
cinema. É este autor que apresenta, a priori, o modo como esses aparelhos
intensificaram uma mudança na percepção da sociedade em consequência dessas formas
de produção de arte. Na era da reprodutibilidade técnica, o cinema possibilitou, por
11
1
Cineasta russo, nascido na antiga União Soviética. 1932 – 1986.
2
Cineasta italiano. 1922 – 1975.
3
Cineasta iraniano. 1940 – 2016.
12
educação visual, se questionando qual é a percepção de uma mulher que filma? O que
dizem (como educam) as imagens produzidas neste encontro? Como o gênero
(sexualidade) se endereça como gênero cinematográfico?
Este trabalho está dividido em seis seções: 1) Introdução 2) O cinema
feito por mulheres: refigurando novos gêneros no cinema; 3) A imagem: o real
naturalizado, 4) Tão longe é aqui: sobre o longa metragem, 5) Imagens produzidas de
um encontro e 6) Considerações finais.
Na segunda seção, O cinema feito por mulheres: refigurando novos
gêneros no cinema, são apresentadas e discutidas as principais autoras que se
posicionaram à linguagem cinematográfica tradicional hollywoodiana, denunciando
aspectos que eram produzidos neste cinema, passando pelo caso do cinema brasileiro,
até chegarmos nas condições de produção de Tão longe é aqui.
A terceira seção, A imagem: o real naturalizado, foi subdividida em: A
educação da percepção e Arte da memória: a educação da visualidade por imagens
agentes/potentes com o objetivo de apresentar as discussões acerca da imagem, sua
potência e não ingenuidade ao construir e produzir modos de ver e percepções de
mundo, por considerar o olhar como suscetível de ser educado pela cultura, e a cultura,
assim como a educação são ideológicas; e A perspectiva renascentista: modos de ver
entre o real e o produzido, em que explica as origens históricas (que datam o
movimento italiano renascentista) que foram responsáveis por propagarem este modo de
ver específico, em perspectiva, que nos ilusiona a ver como verdadeira reprodução do
real. Essas imagens povoam nossa memória artificial, produzindo imagens agentes e
potentes, que educam e formam nossa memória e, logo, nossa percepção do mundo.
A terceira subdivisão da segunda seção, A experiência visual e a
educação da percepção em Walter Benjamin, tem por intenção, apresentar uma
discussão, com base no filósofo, sobre o modo como a mudança da sociedade, alterou as
formas de relação do ser humano com o mundo, sobretudo, a relação orientada pela
câmera, e pelo encontro produtivo entre o homem e o aparelho audiovisual.
A quarta subdivisão da segunda seção, Cinema e educação: cinema como
experiência, apresenta a abordagem que será a base para o entendimento e compreensão
do filme neste trabalho: o cinema como uma configuração estética e política do século
XX. Esta seção tem duas subseções intituladas: O cinema e a realidade: aspectos do
documentário e a busca pelo real. Nesta subseção são discutidas as formas pelas quais a
13
4
Riddles of the sphinx é um filme ensaio e está dividido em três partes. Um primeiro bloco em que
Mulvey faz uma narração explicativa, um segundo bloco dividido em treze capítulos narrando a vida de
Louise e uma terceira parte com acrobatas em negativo, representando corpos livres.
17
Figura 1 Riddles of the Sphinx (1977). Sequência de Louise nos afazeres domésticos. Nesta
sequência, o enquadramento fecha em apenas uma parte do corpo da mulher, sem que possamos
ver seu rosto. No plano-sequência, são filmados em 360º suas repetições diárias na casa e com a
filha bebê.
5
Desejo patológico de se exibir ou ser observado pelos outros. Prazer sexual que advém da observação de
órgãos ou atos sexuais. Fonte: https://www.dicio.com.br/escopofilia/.
18
Ana Carolina Almeida (2017) aponta que Agnès Varda6 já acumulava uma série de
filmografias.
No mesmo ano de lançamento de “Os enigmas da esfinge” (1977), Varda
lançava seu musical feminista “Uma canta, outra não” (L’une chante, l’autre pas). Para
Almeida (2017),
Enquanto Mulvey provocava um debate teórico fincado na ideia de uma
eliminação do prazer visual no cinema clássico, Varda já conseguia
ressignificar estruturas próprias desse cinema clássico, como o musical,
em um acontecimento subversivo. (ALMEIDA, 2017, s/p).
Figura 2 - L’une chante, l’autre pas. (1977). Na primeira imagem, o drama de Suzanne ao descobrir a
terceira gravidez, que encorajada pela amiga Pauline faz um aborto. Na segunda imagem, Pauline,
canta em uma manifestação sobre a legalização do aborto, onde se encontram depois de dez anos.
6
Cineasta e fotógrafa belga.
19
apresenta espaços que se assemelham aos filmados por Mulvey com regimes fechados e
claustrofóbicos, porém reivindica o corpo feminino a ocupar um espaço na arte.
7
Rudolph Valentino (1895 - 1926). Imigrante italiano, ator e dançarino. Fez 14 filmes e foi considerado o
símbolo sexual do cinema mudo.
20
base no artigo Uma criança é espancada8 (1919) de Sigmund Freud, em que há certa
perversão na relação entre apanhar e ser amado, por isso a paixão que o público sentia
por Valentino quando era possessivo, agressivo e denominador.
Ella Shohat (1993) também faz uma crítica ao texto de Mulvey sobre o
olhar feminino “não colonizado”, argumentando que a mulher branca pode ser objeto do
olhar para o homem branco, porém, essa relação se inverte se pensarmos nas mulheres
negras e de países pobres que estariam em uma relação de objeto do olhar de mulheres
brancas. Mesmo assim, Shohat (1993) concorda que as teorias feministas reconheceram
essas diferenças (SHOHAT, 1993, apud VEIGA, 2013, p. 135).
Christine Gledhill (2012) apresenta em seu livro Gender Meets Genre in
Postwar Cinemas diversos textos que desafiam os modos tradicionais sobre a relação
entre gênero cinematográfico (genre) e gênero - sexualidade (gender), mostrando que
esse encontro foi transformador. As dimensões estéticas e políticas de gênero e
sexualidade manifestam-se de modo a movimentar a produção de imagens e narrativas
do universo dramático dos gêneros cinematográficos. Para Gledhill (2012) a
globalização midiática e os estudos pós-coloniais colocam as questões do gênero
cinematográfico (genre) baseados nas questões de gênero (gender), sexualidade, raça,
classe e nacionalidade (etnia). Assim, essas intersecções tencionaram os limites dos
estudos dos gêneros cinematográficos (genre), tendo em vista a indústria
hollywoodiana.
O objetivo da autora não foi definir interpretações fechadas, mas
movimentar questões, sobre essa interação complexa com base em elementos estéticos,
culturais e seus efeitos potenciais no cinema. A partir da perspectiva do gênero
cinematográfico (genre), o desafio seria explorar o gênero - sexualidade (gender) como
uma ferramenta, em seu aspecto imaginário e estético. Gledhill (2012) com base em
autoras críticas de cinema, afirma, portanto, que o cinema feito por mulheres pode ser
considerado como um novo gênero fílmico.
É com base nesta abordagem que discutiremos o filme proposto para
interpretação (Tão longe é aqui), no sentido de explorar o cinema feito por mulheres a
partir da percepção de uma mulher que filma (e que filma outras mulheres). Portanto,
8
FREUD, S. (1919/1995). Uma criança é espancada: uma contribuição ao estudo da origem das
perversões sexuais. In: Obras completas. Rio de Janeiro: Imago.
21
qual é essa percepção e o que dizem (como educam) essas imagens produzidas com
base nesta condição de produção?
Em relação à proposta de um cinema feminista, Elizabeth Ann Kaplan
(2012) afirma que o filme feito por mulheres, não é apenas definido pelas preocupações
temáticas e seu endereçamento a uma audiência feminina, mas sim pela sua resistência a
papéis femininos normativos e uma recusa de reconciliação com os requisitos
patriarcais, desestabilizando os estereótipos e as categorias do gênero fílmico, criando
um cinema híbrido e novas figurações do feminino. Kaplan (2012) discute o trabalho
cultural que as críticas feministas realizaram em "inventar" o gênero do filme feminino
(women’s film) e como esse processo afeta as práticas do cinema feminista no momento
atual.
As diretoras do sexo feminino não apenas produzem filmes feministas
com temáticas específicas, mas também se baseiam nos tradicionais gêneros de
Hollywood para enriquecer e somar seus significados e ao fazê-los, desestabilizam os
estereótipos e as categorias de gênero cinematográfico, criando um cinema híbrido e
novas figurações do feminino. Kaplan (2012) mostra que Mary Ann Doane 9 estuda com
mais profundidade a questão do gênero, e chega a uma ampla definição, de que o filme
feito por mulheres não é um gênero puro.
Como expressão de sua exposição, Kaplan (2012) interpreta o filme
Sister my Sister (1994) dirigido por Nancy Meckler.
França, década de 1930, Christine é uma empregada doméstica que
trabalha na casa de uma arrogante viúva, Madame Danzard que mora com sua filha. A
irmã de Christine, Lea, criada por freiras em um convento, a pedido da mãe, escreve
uma carta para Madame Danzard para que a empregue também, junto com a irmã mais
velha, tendo seu pedido aceito. Quando começam a trabalhar juntas, o vínculo
emocional das irmãs acaba se tornando também sexual, levando à crescente
desaprovação da viúva Danzard. As irmãs reprimidas, lentamente perdem o controle
sobre a realidade, levando a terríveis consequências na casa onde estão empregadas. O
texto do filme foi adaptado por Wendy Kesselman. Sister my sister foi baseado na
história real de Christine e Lea Papin, cujos assassinatos de 1933 também inspiraram
vários outros trabalhos.
9
Professora de Cinema e Mídia na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Foi uma das pioneiras no
estudo de gênero no cinema.
22
Figura 4 - Sister my Sister. (1994) Cenas finais do filme em que estão presentes os traços estéticos do gênero horror.
100%
90% 87%
78% 80%
78%
80%
70%
60%
Homens
50%
Mulheres
40%
Misto
30%
20%
20% 15% 14%
10% 8%
10% 4% 6%
1%
0%
2014 2015 2016 2017
sendo julgada por isso. Por outro lado, outras cineastas exploraram após a ditadura, o
universo sombrio e cruel, pelo qual muitas mulheres vivenciaram em meio às torturas,
sofrimentos e perdas, como é o caso de Que bom te ver viva (1989) de Lucia Murat, em
que a cineasta explora as narrativas de mulheres brasileiras que passaram pelo período
da ditadura em luta e resistência e sobreviveram ao regime militar. Cada mulher filmada
narra sua história e sua trajetória, por meio das experiências fortes e sensíveis. Nos dois
casos exemplificados, as cineastas exploraram suas percepções de mundo e reflexões de
uma luta compartilhada: a liberdade. Liberdade sobre o corpo, sobre decisões e sobre a
arte (VEIGA, 2017)[GB1].
A partir de 1970, de acordo com Holanda (2017b) a participação das
mulheres aumentou, sobretudo, na direção de documentários. De acordo com o catálogo
Documentário Brasileiro10, em 1960 foram registrados apenas oito documentários
dirigidos por mulheres, ao passo que em 1970, o registro subiu para 154 e 319 entre
anos 2000 e 2009 (HOLANDA, 2017, s/p). Entre os anos de 2010 a 2017 o número caiu
para 170, sendo que nesse período 2013 foi ano que mais lançaram documentários de
autoria feminina. Portanto, existe um campo novo e ainda em construção de sua
legitimidade no audiovisual nacional feito por mulheres que merece ser mais explorado
e compreendido.
Lucia Nagib (2012) ao situar o lugar da mulher no cinema de Retomada
(período que compreende os filmes produzidos no Brasil a partir da segunda metade dos
anos 1990), propõe fazê-lo indo além das diferenças de gênero, sexualidade, cor e etnia,
com base em Kaplan para discutir a ideia de novos modos de ser em relação à teoria
feminista e o lugar da mulher no cinema. Assim, mostra que o crescente número de
mulheres em produções nacionais decorreu de parcerias. “A contribuição mais decisiva
dada pelas mulheres que despontaram como cineastas no cinema brasileiro recente foi a
disseminação do trabalho colaborativo e da autoria compartilhada” (NAGIB, 2012, p.
17).
As diretoras do sexo feminino não apenas produzem filmes feministas
com temáticas específicas, mas também se baseiam nos tradicionais gêneros de
Hollywood para enriquecer e somar seus significados e ao fazê-los, desestabilizam os
estereótipos e as categorias dos gêneros cinematográficos, criando um cinema híbrido e
novas figurações do feminino. Um caso expoente no Brasil, são os filmes de Juliana
10
Site: documentariobrasileiro.org/catalogo/
27
Rojas que correspondem, de modo muito pontual, aos filmes de gênero, atualizando
novos debates com recortes contemporâneos. A versão 61 da revista FilmeCultura
(2013) mostra que o Brasil vive uma retomada dos filmes de gênero que se caracterizam
atualmente pelas hibridizações e deslizamentos que os cineastas impõem aos limites de
gênero. Um exemplo é Sinfonia da Necrópole (2014), um filme musical que traz as
vertentes cômicas do cinema brasileiro junto a problemas sociais da cidade. Rojas
representa também o que mostra Nagib (2012) sobre os casos de parcerias na direção de
filmes. Rojas se juntou a Marco Dutra, e juntos dirigiram Trabalhar Cansa (2011). A
parceria dos dois também resultou no terror As boas maneiras (2017).
Os três filmes denotam marcadamente o gênero horror/terror que se faz
presente nas narrativas, com o aspecto da apropriação dos espaços urbanos da cidade de
São Paulo. São exemplos claros dos filmes de gênero, com traços estilísticos do horror e
do musical, mas são, de modo muito apropriado, ressignificados e incorporados em um
contexto brasileiro, e no caso do terror As boas maneiras, um contexto feminino de
maternidade.
Com base nesses lançamentos, avalia-se que os recursos tecnológicos, a
partir dos anos 2000 possibilitaram condições de filmagem possíveis ampliando e
movimentando as produções audiovisuais.
Em 2003, Eliane Caffé lançou o longa metragem Narradores de Javé,
sobre moradores do vilarejo Vale do Javé e o assombro da notícia que uma hidrelétrica
seria instalada no local, devastando e alagando todo espaço. Os moradores decidem,
juntos, escrever um livro com as histórias locais como forma de valorizar a história do
Vale. A construção da narrativa não apresenta, explicitamente, recortes com causas
feministas e de gênero, porém, há uma forma de conduzir a narrativa e a produção das
imagens, que situa-se em um outro lugar.
Marta Bianchi, atriz argentina em entrevista cedida à Ana Maria Veiga11
em 2009, comenta:
11
Esse trecho foi retirado da tese de doutorado da professora Ana Maria Veiga, professora do
Departamento de História da Universidade Federal da Paraíba. Tese de doutorado: Cineastas Brasileiras
em tempos de ditadura: cruzamentos, fugas, especificidades. Universidade Federal de Santa Catarina,
2013.
28
12
“Se em toda ideologia os homens e suas relações aparecem invertidos como em uma câmera obscura,
esse fenômeno responde a um processo histórico de vida, como a inversão dos objetos ao projetar-se
sobre a retina responde ao seu processo de vida diretamente físico”. (Marx e Engels, “Die Deutsche
Ideologie” – A ideologia alemã.)
33
13
Machado (2015) explica que Marx, por força de seu contexto utilizou o termo ideologia, (ideologia
dominante) referindo-se a burguesia, e aponta que alguns intérpretes do marxismo, tomando o particular
pelo geral, designaram o significado de ideologia da classe dominante, como a própria ideologia. No
entanto, o autor coloca que se concordarmos que “os sistemas de representação de que se valem os
homens estão de alguma forma vinculados às condições materiais que os produzem”, concluiremos que
existem várias “ideologias”, e neste sentido, essas ideologias não são necessariamente pejorativas.
(RANCIERE, 1971, apud MACHADO, 2015, p. 18)
14
O livro, de modo equivocado, é creditado a Mikhail Bakhtin, que muito embora tenha colaborado na
redação da terceira parte do livro, as ideias são de Volochinov.
34
chegar até as pessoas que performam uma inteligência verbal. Assim, essas imagens têm
um forte grau de realidade, já que estão mais próximas da oralidade.
Assim, a experiência da fotografia e do cinema, correspondem à
educação, pois, criam e recriam, por meio das imagens nossas percepções do mundo.
Nessa perspectiva, entendemos que os espectadores e as espectadoras são ativos no
processo de ver, uma vez que olhar para algo não se constitui em uma operação neutra
de significações, pois, as imagens educam no sentido de construir formas de cognição
nos espectadores e espectadoras. Portanto, ao justificarmos que o exercício de ver é
político, entendemos que essa operação é repleta de significações que as pessoas
exercem sobre as imagens, são interações produzidas nessa relação da imagem com o
olho que são responsáveis por construírem modos de ver e sentir.
Benjamin (2012) analisou que ao longo dos anos, não só as coletividades
humanas se alteraram, mas suas formas de percepção do mundo, já que o modo como a
percepção é organizada depende da história. Isso acontece devido à nossa experiência e
experimentação no mundo e nas relações que estabelecemos. Compreendemos
“experiência” como uma circularidade (um espiral) dentro de um processo de produção
contínua, que se repete, mas que não se torna uniforme, porque a primeira repetição não
é igual a segunda, e assim por diante, pois, estamos alterando o sentido e o significado
que produzimos nas e com as coisas o tempo todo. Por meio do uso, alteramos os
procedimentos e os significados e os modos como nos relacionamos com as coisas e são
nessas mudanças que se alteram as formas pelas quais nos relacionamos com os objetos
e com o mundo.
Esse processo rompe com a maneira que a obra de arte é concebida em
relação às expectativas receptivas do público em questão, favorecendo assim uma
experiência subjetiva e diferente daquilo esperado. No cinema, pela utilização da
montagem e a rápida sucessão de imagens, não se possibilita às pessoas o mesmo tempo
contemplativo da pintura, por exemplo, já que os estímulos visuais são mais imediatos,
o que o autor nomeou de distração. O “efeito de choque”, portanto, exercido pelo
cinema sobre a experiência sensível das pessoas que vêem os filmes, em estado de
distração, delineia uma forma de percepção que educa para uma nova sensibilidade
estética, o que equivaleria, por exemplo, aos moradores e moradoras das grandes
cidades, por experimentarem essas experiências a todo momento, expressando uma
forma nova de percepção da cidade, das pessoas, do mundo, o que justifica pensarmos
39
15
Retórica à Herênio. Tratado escrito em latim por Cìcero entre 82 - 86 a.C., que contempla vários
preceitos didáticos sobre a arte da retórica como prática discursiva.
40
imprescindível a um bom orador, ter uma boa memória, para decorar seus discursos.
(YATES, 1999).
Há uma memória natural (já inserida em nossa mente, simultânea ao
pensamento) e uma memória artificial (que baseia-se em locais e imagens). Sobre a
memória artificial, Cícero aponta que em relação à memorização de uma situação, fixar
uma imagem que corresponde ao assunto, é uma forma mais fácil e simples de trabalhar
a memória para lembrar o ocorrido. “Quando nós desejamos, exprimir através de
imagens, a semelhança de palavras, mais trabalhos empreendemos e mais exercitaremos
nosso talento” (CICERO 1989 apud ALMEIDA, 2009, p.65)16.
E continua:
Devemos, portanto, fixar imagens de qualidade tal que adiram o mais
longamente possível na memória. E fá-lo-emos, se fixarmos
aparências as mais extraordinárias; se fixarmos imagens que sejam,
não muitas ou vagas, mas eficazes; se atribuirmos a elas excepcional
beleza ou feiura singular; se adornarmos algumas delas, por exemplo,
com coroas ou mantos de púrpura para tornar mais evidente a
aparência, ou se as desfigurarmos de alguma maneira, por exemplo,
introduzindo uma mancha de sangue ou nódoa de lama ou sujando-as
de tinta vermelha para que assim seu aspecto seja mais
impressionante; ou então, atribuindo às imagens algo de ridículo, pois
também isto permite-nos recordá-las mais facilmente. As coisas que
recordamos facilmente são reais, igualmente as recordamos sem
dificuldade quando são fictícias, se forem caracterizadas com cuidado.
Mas será essencial percorrer, de quando em quando, com o
pensamento, rapidamente, todos os lugares mentais originais a fim de
refrescar a recordação das imagens (CICERO, 1989 APUD
ALMEIDA, 2009, p. 67).
16
Ad Herennium. Cicero. (1989). I Ad Herennium. Trad. Harry Caplan. London, Harvard University
Press.
41
17
Almeida (1999), em seu artigo “Educação visual da memória: imagens agentes do cinema e da
televisão”, mostra o capitalismo como “ditador” das inteligibilidades por meio das imagens da televisão,
em que o autor compara o cinema, a televisão e o estúdio para mostrar o modo como as imagens
organizam nosso olhar. No estúdio renascentista o olho deveria percorrer as imagens lentamente,
refletindo e analisando. Requeria uma visualidade muito diferente da nossa, diferente do cinema em que
imagens em movimento determinam o ritmo da inteligência e da visualidade e impedem as pausas para a
reflexão. (ALMEIDA, 1999, p. 24)
42
alusão). “Ontem, foram pintores, arquitetos, literatos, hoje são artistas, intelectuais,
agências de propaganda” (ALMEIDA, 2007, p. 230).
O que o autor pretende, com base em seus textos, é expor o programa
visual que a imagem produz. Dedicou-se a estudar afrescos e pinturas, para nos mostrar
que aquilo que vemos, não é natural, porém é naturalizado pela forma como nossa
educação visual foi pensada e organizada. Por meio das imagens agentes o autor
defende que “toda escolha estética é uma escolha política” (ALMEIDA, 2009, p. 33).
Esforçou-se para mostrar que essa configuração, a princípio, estava presente em
pinturas, que produziram uma forma de compreender e abordar os preceitos cristãos,
porém, já se dedicava em mostrar o forte poder que têm as ideologias em interferir na
forma como somos educados, sobretudo, pelas imagens.
Mais tarde, com o advento do capitalismo, as imagens continuaram a
construir e reconstruir mitos e paradoxos sociais contemporâneos, porém, buscaremos
sair de dualidades e conformismos em relação a imagem que é múltipla, e pode propor
outros sentidos transformadores. Educação visual não é só o modo como as imagens
produzem impressões sobre pessoas espectadoras, é também a movimentação do
espectador e da espectadora em seus processos de significação. As imagens do cinema
incorporam alegorias humanas, produzindo significados às alegorias da realidade e da
modernidade. As narrativas cinematográficas espelham e transmitem essa arte da
memória.
De todo modo, historicamente, a construção da imagem como
representação do real manifestou-se a partir da produção artística renascentista com
base na expressão da perspectiva. O modo como foi construída a visualidade
contemporânea em relação às imagens, teve sua origem na pintura italiana e foi
programada por um código específico, a perspectiva.
No próximo item, faremos uma breve apresentação da maneira que foi
compreendida e estudada a perspectiva a fim de contextualizarmos a educação da
visualidade contemporânea.
18
Segundo Burns (1977), o renascimento surgiu na Itália por uma série de motivos: pela tradição clássica
em acreditar que eram descendentes dos romanos (mesmo tendo influência de sangue lombardo,
bizantino, sarraceno e normando) – algumas escolas italianas ainda eram baseadas em um sistema romano
de educação; pelas considerações éticas (conservadorismo) que não pesavam na vida dos italianos em
relação aos europeus setentrionais; pelas universidades italianas, que originalmente, foram fundadas mais
para o estudo do direito do que para teologia (com exceção da Universidade de Roma); pela influência
direta das culturas bizantina e sarracena; pelo comércio marítimo com o Oriente. (BURNS, 1977, p.395 e
396)
19
Fillipo Brunelleschi, arquiteto italiano da renascença, estudou a perspectiva e aplicou-a em planos
arquitetônicos, como a Basílica de Santa Maria do Espirito Santo.
44
20
O texto situa-se, cronologicamente, entre as obras “Della pittura” (1436) de Alberti e “Traté de la
peinture” (1490) Leonardo da Vinci. (FURLAN, 2007;2009)
47
Nisto pois, a imagem arde. Arde com o real do que, em dado momento,
se acercou (como se costuma dizer nos jogos de adivinhação “quente”
quando alguém se acerca do objeto escondido). Arde pelo desejo que a
anima, pela intencionalidade que a estrutura, pela enunciação, inclusive
a urgência que manifesta (como se costuma dizer “ardo de amor por
você ou “me consome a impaciência”). Arde pela destruição, pelo
incêndio que quase a pulveriza, do qual escapou e cujo arquivo e
possível imaginação é, por conseguinte, capaz de oferecer hoje. [...]
Mas, para sabê-lo, é preciso atrever-se, é preciso acercar o rosto à
cinza. E soprar suavemente para que a brasa, sob as cinzas, volte a
emitir seu calor, seu resplendor, seu perigo. Como se, da imagem cinza,
elevara-se uma voz: “não vês que ardo?”. (DIDI-HUBERMAN, 2012,
p. 216)
sendo o real, essencializando-o, entretanto, esse realismo não é uma essência, já que o
realismo é apenas um dos modos de ver o real, mas não único.
A partir de 1540, a técnica da perspectiva seduziu toda Europa e foi
reconhecida como um meio legítimo de representação espacial nas artes visuais. Até
que quatro séculos mais tarde, suas técnicas foram aplicadas na fotografia. Com base no
seu efeito de realidade, a perspectiva originada no renascentismo italiano, fez com que
suas operações e técnicas produzissem um verdadeiro código de visualidade, que cada
vez tem a intenção de se aproximar do real. De acordo com Machado (2015),
a fotografia, no momento em que se materializa no daguerreotipo,
perpetuando o modelo renascentista de codificação da informação,
desencadeou um delírio de aperfeiçoamento tecnológicos destinados a
produzir uma impressão de realidade cada vez mais impositiva (MACHADO,
2015, p. 32)
em relação à pintura, situa-se na questão da objetividade essencial, uma vez que nesse
entendimento a imagem é formada automaticamente, sem uma intervenção criadora do
homem. A fotografia, carrega em sua estética a revelação do real, pois para além de um
dos acontecimentos mais importantes da história das artes plásticas, a fotografia
“permitiu à pintura ocidental desembaraçar-se definitivamente da obsessão realista e
reencontrar sua autonomia estética” (BAZIN, 1983, p 127).
Machado (2015) alega que a fotografia não é somente o registro de um
objeto, uma situação ou um lugar. Essa imagem produzida cria uma realidade que não
está nem fora, nem antes dela, mas está nela, uma vez que a realidade não permanece
íntegra quando uma câmera está apontando para ela, e por isso a câmera nunca é passiva
diante de seu objeto. Machado (2015) ainda levanta alguns questionamentos em relação
à pesquisa com fotografias em antropologia, para questionar quais limites que a câmera
exerce em relação a quem está sendo fotografado, pois sua própria aparição tensiona a
imparcialidade do observador, podendo interferir sobre aquele ou aquilo fotografado.
A fotografia como “escrita da luz” manifestou-se amplamente no século
XIX devido ao advento dos avanços tecnológicos, da química e da física. Para sua
interpretação, existe uma linguagem fotográfica, um estudo imagético, referindo-se à
compreensão da luz, pontos de fuga, cores, mas, sobretudo, pelo ponto de vista do
fotográfico que nos traz a discussão sobre o que é real e natural na imagem fotografada.
A fotografia é uma imagem que carrega aspectos relacionados à realidade do ser
humano por trazer um modo de ver espaços, lugares, pessoas e culturas, modo de
ver designado da técnica da perspectiva. A imagem entendida como representação do
real, cria esse modo de ver o real e naturaliza-o.
Como já discutido por Pasolini (1990), a primeira percepção que temos
do mundo é visual. Podemos afirmar que muito do que percebemos e aprendemos em
nossas relações no mundo, são advindas da relação que estabelecemos com nossa
visualidade, já que aquilo que recebemos como informação nos chega por meio de
imagens e códigos visuais, como símbolos, sinais, ícones. Portanto, há uma linguagem
fotográfica e imagética que insere algumas formas de análise e interpretação das
imagens.
Há um estudo mais técnico que sugere a compreensão da luz, dos pontos
de fuga, do enquadramento, como o caso dos pintores renascentistas Alberti e della
Francesca que se referiam à imagem sob a ótica da perspectiva, mas por outro lado,
52
apud BENJAMIN, 1985, p.103). Finaliza o texto apresentando a “arte como fotografia”
no sentido de considerar a importância da reprodução fotográfica das obras, mais do que
a construção artística de uma fotografia, que transforma a vivência a um objeto. Para a
função artística essa inversão (arte como fotografia e não o contrário) é mais importante,
pois a realidade tem outra forma de visibilidade na fotografia. Sua preocupação era
mostrar e apontar a relação moderna da sociedade contemporânea que passava naquele
momento, a fotografar as obras de arte.
Destaca, neste sentido, uma tensão nessa relação de fotografar as obras
de arte, pois, essa nova concepção de arte modificou o aperfeiçoamento das técnicas de
reprodução e onde antes havia criações individuais, no mundo moderno existem
criações coletivas, possibilitando certo domínio sobre elas. Quando a fotografia se
liberta de certos contextos sociais, políticos e científicos, ela pode ser considerada
“criadora”, e já apontava que “ a fotografia está [estava] substituindo a pintura”.
(BENJAMIN, 1985, p. 104).
No século XIX a fotografia e o cinema estavam desempenhando,
portanto, mudanças na relação das pessoas com o mundo, e Benjamin entendia que os
modos de percepção das pessoas sobre o mundo se alteraram nessa relação, e assim, o
cinema e a fotografia seriam potenciais instrumentos que acompanhariam essas
mudanças e corresponderiam aos seres humanos modernos.
Em 1955, publicou a primeira versão do texto A obra de arte da era da
reprodutibilidade técnica. No prólogo do texto, traduzido da última versão do texto
original (Das kunstwerk im zeitalter seiner technischen reproduzierbarkeit, apresenta
uma citação de Paul Valery21 para introduzir aos leitores o modo como a arte se
transformou ao longo dos anos:
Matéria, espaço e tempo não são mais o que eram há vinte anos. Inovações
tão colossais, que alteram o conjunto das técnicas artísticas, acabam por
influenciar a própria invenção e talvez terminem por modificar da forma mais
extraordinária o próprio conceito de arte. (VALÉRY, P. s/d, p.103-104 apud
BENJAMIN, W. 2012, p.10)
21
Paulo Valéry (1871 – 1945), poeta e filósofo francês do século século XX . Foi escritor da escola
simbolista, escrevendo sobre matemática, filosofia e música.
54
quantitativo entre seus dois polos de valor provocou uma mudança qualitativa em sua
natureza, semelhante àquela experimentada em tempos primitivos.
Assim como naquela época a obra de arte foi, sobretudo, um instrumento
da magia, dado o peso absoluto do seu valor de culto, e só mais tarde foi reconhecida
como obra de arte, hoje, graças ao peso absoluto do seu valor de exposição, ela adquire
novas funções inteiramente novas, das quais a função artística, a única da qual temos
consciência, talvez revele adiante como uma função secundária. A fotografia e, melhor
ainda, o cinema fornecem os fundamentos mais úteis para o estudo desta questão.
(BENJAMIN, 2012, p. 19) As artes, compreendidas em seu valor de exposição, exigem
determinado tipo de recepção, e não seria mais adequado contemplá-las, pois, elas nos
perturbam a nos sentirmos motivados a buscar mecanismos mentais para compreendê-
las e decifrá-las.
Ainda que na fotografia, por meio dos retratos humanos possa existir um
certo valor de culto, ela pode alterar os próprios modos de percepção da arte, e por isso
Benjamin (2012) discute que gastou-se muito tempo debatendo sobre sua identidade (se
é considerada arte ou não), sem dar-se conta de seu grande potencial de modificar a
própria natureza da arte. A fotografia torna mais evidente que a imagem ganha
significação no processo de relação com o espectador.
As artes que trabalham com as imagens, seja na fotografia, ou no cinema,
conduzem orientações, que ao serem recebidas pelos espectadores demandam
interpretações e análises. Por esse motivo, considera-se que a fotografia e o cinema
correspondem a uma outra forma de linguagem das artes, diferente do teatro por
exemplo. São mediações diferentes, uma vez que o ator do teatro apresenta sua
produção artística diretamente para o público, ao passo que a atuação do ator de cinema
é realizada por um aparato técnico e mecânico. Assim, as necessidades do cinema são
diferentes. Benjamin (2012) cita Pirandello para mostrar a maneira como o dramaturgo
entende as modificações na atuação do ator de cinema:
O ator de cinema sente-se no exílio. Exilado não somente do palco,
mas também da sua própria pessoa. Com um mal-estar indefinível,
percebe o vazio inexplicável que surge da transformação do seu corpo
em uma aparição fugidia, que se evapora; roubam sua realidade, sua
vida, sua voz e os ruídos que produz enquanto se movimenta,
transformando-os em uma imagem silenciosa que treme durante certo
momento na tela e em seguida desaparece no silêncio.
(PIRANDELLO, s/d, apud BENJAMIN, 2012, p.22).
57
Figura 10 Ivan, o terrível. Serguei Eisenstein. 1947. (União Soviética). A imagem representa, em
perspectiva, uma cena do filme. Eisenstein, expoente cineasta da época tinha ambiciosas propostas para o
cinema russo.
a recepção pela distração, cada vez mais notável em todas as áreas artísticas e
que constitui um sintoma de profundas mudanças na percepção, tem no
cinema o seu melhor campo experimental. Nos seus efeitos de choque, o
cinema vem ao encontro dessa forma de recepção. A desvalorização do valor
de culto ocorre no cinema não somente porque ele transforma o público em
especialista, mas também porque essa postura de especialista não requer
atenção. O público avalia o filme, mas o faz de forma distraída. (BENJAMIN,
2012, p. 34)
A autora ainda afirma que o cinema pode ser encarado como uma janela,
que nos abre a um mundo, que muitas vezes não conseguimos enxergar com nossos
próprios olhos, e ao mesmo tempo, tem um efeito reflexivo, como um espelho, que nos
permite fazer reflexões, viagens ao nosso interior em um processo subjetivo, muito
íntimo e particular.
O cinema encarado como um processo de consolidação de visualidade, o
qual estabelece uma hegemonia de ver e sentir que naturaliza sensações que se
propagam nos espectadores da mesma forma, não causando múltiplas experiências, se
opõe à maneira como esse trabalho o compreende, como um desestabilizador de
políticas e regimes de verdade, que os desconstrói.
Considerado um dispositivo23 ele tem o potencial de romper com o
processo de naturalização das sensações, tornando comum aquilo que não nos pertence.
Por meio da imagem cinematográfica, perturba e modifica os sujeitos que se abrem a
este contato. É por meio desta última perspectiva que se rompe o modo como o cinema
aliou-se a educação, enquanto um instrumento/suporte didático para expressar
conteúdos, pois, na perspectiva da arte, o cinema vai para a escola como ato e criação.
22
Apontamos que Benjamin (2012) e Xavier (2012) expõem e trabalham os conceitos citados no texto,
entretanto nosso interesse é investigá-los nas imagens, que não são emancipatórias ou alienantes, mas
produzem uma relação com o espectador cujos sentidos formados podem ser frutos da imagem opaca e da
imagem transparente, relacionando as experiências emancipatórias e alienantes no espectador.
23
Os dispositivos são exercícios de realização mediados por regras técnicas do que deve ou não deve ser
feito no exercício.
63
O cinema pode ser visto como um território, que junto com os territórios
de gênero, da escola, da educação e outros, promovem uma relação de deslocamentos.
Esses deslocamentos impulsionam desvios e idas a outros territórios, que não
necessariamente (des)colonizam uns aos outros, mas, os desterritorializam. É nesse
movimento que nossas verdades são desconstruídas, que nos transformamos, que
saímos de nossa zona de conforto, que nos sentimos estrangeiros ao próprio espaço.
Toda essa ação transformadora é educadora e justifica a entrada do cinema na escola.
Segundo Almeida (2009), a compreensão de um filme acontece no
intervalo entre as cenas. O autor explica que são nesses intervalos (o lugar do não
“visto”), que acontece a significação do que é visto. As aprendizagens e a interpretação
dos filmes ocorrem nas lacunas de uma cena para outra; isso quer dizer que, quando
uma imagem é substituída por outra ocorre um “processamento” na compreensão da
cena, por isso a aprendizagem relaciona-se com os cortes das filmagens. Benjamin
(2012) já havia declarado que no cinema as imagens isoladas dependem das cenas
anteriores para sua compreensão. Para Xavier (2012) esse corte, a substituição de uma
imagem pela outra, dá continuidade à história e faz parte da intervenção humana, pois
mostra um ato de manipulação.
Entretanto, a interpretação de um filme feita somente pela mensagem
explícita (visível e dedutível) é uma interpretação incompleta. Buscar interpretações de
um filme com base em teorias sociológicas, estéticas e políticas é sinônimo de submeter
os filmes para comprovação dessas teorias. Os filmes não são expressão de seus
conceitos, mas sim ideologias que se fazem por meio de alegorias cinematográficas,
portanto, defendemos uma postura de diversas compreensões de um mesmo filme, e em
diferentes épocas, já que maneira como o filme afeta cada sujeito espectador é
diferenciada pelo contexto e pela memória de cada indivíduo (ALMEIDA, 2009).
Machado (2012) no prefácio do livro O discurso cinematográfico:
opacidade e transparência explica que
narradora, cuja jornada permitiu-lhe compreender sua situação de ser mulher por meio
de histórias e encontros com outras mulheres. Por intermédio do outro e do
estranhamento a outras culturas e lugares, a jornalista experimentou um mundo novo,
que a impulsionou a construir um novo olhar sobre aquelas mulheres daqueles países
pelos quais passou, e com base nesta caracterização dos road movies, o longa pode ser
compreendido e analisado dentro desta chave.
Em relação ao filme-carta, interpretamos que a escolha feita por Eliza, ao
contar a história por meio de uma narrativa endereçada, representa certa liberdade em
abordar temas complexos e polêmicos. O filme-carta também estabelece uma relação
ímpar com a tecnologia por ser adaptável à diferentes técnicas e pode ser pensado com
base em regras internas, próprias dos realizadores. Cezar Migliorin (2015), argumenta
que o cinema produz uma imagem que diverge da realidade, em relação àquilo que foi
filmado. Portanto, ao adequar o filme e realidade, existe um processo que é violento, por
proibições em representar determinados assuntos, e no filme-carta, existe um espaço
que é pedagógico ao desafiar os realizadores à um lugar ante a realidade. Cada filme
molda uma forma de ver o mundo, e o filme-carta possibilita um trabalho múltiplo, com
base em diferentes possibilidades em relação à imagem, do ponto de vista adotado e da
montagem.
O autor ainda pontua que no filme-carta, assim como nas artes em geral,
“o público é inventado na própria obra, ele não preexiste como um consumidor que
deve ser atendido, ou criado com o produto” (MIGLIORION, 2015, p. 158).
interpretação. Segundo Penafria (2009) o filme deve ser “desconstruído” para sua
interpretação, assim, é importante que se descreva os planos, as sequências, os
enquadramentos e os sons, e assim reconstruí-los por meio da compreensão e da
interpretação dessas partes. No caso das imagens agentes, separamos o áudio e o
enquadramento para que pudéssemos obter um significado desses dois aspectos.
Penafria (2009) ainda destaca que nos documentários existem algumas
características a serem consideradas na interpretação como o aspecto visual e sonoro
para reconhecer os ângulos que são filmados os personagens e demais objetos e como as
vozes e os sons acompanham esses momentos; o tipo de narração, identificando quem
faz a narração, que em Tão longe é Aqui é notadamente marcado por uma narradora-
personagem/observadora presente e onisciente, e por fim, a compreensão do sentido
ideológico, caracterizando a posição do realizador em relação aos temas abordados pelo
filme.
Nesse sentido, a autora avalia que a compreensão externa do filme
(fontes bibliográficas e pesquisa documental) auxiliam uma interpretação complementar
e paralela aos temas que o filme traz. No caso de Tão longe é Aqui, a compreensão
externa do filme se deu pelo recorte bibliográfico, de acordo com as autoras que
estudam o filme feito por mulheres, junto a autores que propõem uma educação visual
por meio de imagens. Com base nas imagens do filme, utilizamos o dicionário de
símbolos que representa também uma escolha bibliográfica, como uma forma de
significar alegorias ocidentais presentes no longa-metragem.
Na concepção visual da imagem são empregados elementos que a
compõem a partir de suas linhas, formas, volumes e texturas. A imagem manipula o
espaço tridimensional, recriando outros sentidos, explorando as relações entre luz,
sombra e cor. Todos esses aspectos da imagem movem-se com a narrativa, de acordo
com o ritmo do realizador e suas escolhas sonoras, assim como esses ritmos
desenvolvidos, por meio de metáforas e simbologias comunicam ideias por meio das
falas, dos gestos, das músicas, das paisagens, das escolhas visuais e verbais.
Laurent Jullier e Michel Marie (2009), propõem “lermos” as imagens do
cinema em dois momentos: a nível do plano e a nível da sequência. A nível do plano,
observamos quais as relações entre um corte e outro (como nos intervalos
significativos), e consequentemente, a nível da sequência, observamos se a relação entre
os planos, cria um discurso, uma história e uma narrativa.
75
24
Os motifs referem-se aos elementos que se repetem por terem um significado expressivo na narrativa.
76
Cabo Verde foi o primeiro país que a jornalista aterrissou. São narradas
suas primeiras palavras com a filha, por meio da carta, contando sobre a aventura que
estava por vir. Primeira vez cruzando o Atlântico, prestes a completar 30 anos em uma
jornada de conhecimento, busca e aprendizagens com outras mulheres e culturas. No
momento que começa a carta, Eliza reflete sobre a questão do tempo e o medo de não
conseguir realizar seus sonhos.
O segundo país que a jornalista passou foi Marrocos. Lá, relata seus
primeiros estranhamentos com a não presença das mulheres nos estabelecimentos
comerciais, como o restaurante que estava almoçando um tradicional cuscuz. Conhece
Fatima e Laila admirando o mar e Assia que descreve seu caso de separação em um país
islâmico. Nesse país Eliza entrevista Siham, que se descreve como africana, árabe e
mediterrânea. A fala de Siham é muito segura em relação à sua visão de mundo. Ao
falar sobre identidade, tolerância e feminismo, afirma que um grande problema
ocidental, é a visão equivocada sobre os extremismos orientais, afirmando que o
“excesso de ocidentalismo também é uma forma de intolerância” (TÃO LONGE...,
2013) e finaliza se pronunciando sobre a ideologia feminista e a questão do véu, que
cobre o corpo, simbolizando o respeito à mulher, pois, uma vez vestidas desta maneira,
as olhamos no rosto, já que não são somente um corpo.
O forte discurso de Siham, fecha seu rosto em close e conduz à próxima
cena em silêncio, apenas mostrando paisagens naturais até que a jornalista, por meio de
um tradutor, entrevista uma mulher berber26. Eliza pede ao tradutor que a pergunte se
gosta das roupas que usa, e ele se nega a fazer a pergunta.
Mali foi o próximo destino da jornalista. Ao chegar na rodoviária, na
capital do país (Bamako), Eliza filma algumas crianças a olhando, e a comparando com
uma boneca branca. As crianças mostram a boneca dizendo “a branca, a branca”. Eliza
relata na carta que era a única pessoa de pele branca no lugar e se sentiu envergonhada
por isso. Esperou por três horas o ônibus sair para seu destino: Pays Dogon, uma vila
afastada da vida moderna da cidade grande, sem eletricidade e água encanada, porém
26
Os berberes são povos autóctones (naturais do norte da África). Segundo Abdallah Laroui (1994), os
povos autóctones sempre tiveram sua história contada sob o olhar estrangeiro, pois, a região do Magreb
(região noroeste da África que inclui Marrocos, Argélia e Tunísia), recebeu a invasão de muitos povos,
como gregos, fenícios, bizantinos, romanos, árabes e por isso o historiador explica que são importantes
estudos que compreendam esses povos com base em sua história, pelo seus próprios pontos de vista. Os
berberes se dividiram em vários povos, sendo indefinida se sua origem é ocidental ou oriental. Receberam
variadas nomeações, como lebu, lebou, líbios e mouros. A língua falada é a tamazight (tamazigue), que se
desdobra em outras línguas e dialetos (SILVEIRA, 2017).
79
um destino procurado por turistas que almejam vilarejos históricos, com arquiteturas
milenares.
Seu último roteiro, África do Sul, conheceu um abrigo que cuida e
hospeda pacientes HIV positivos, sob os cuidados de Patience, uma encantadora
professora que conta sua luta de ambição e superação em relação ao vírus. Eliza
também conheceu um time de futebol de lésbicas, que se unem contra o machismo, e o
“estupro corretivo” (prática para “corrigir” as meninas).
No roteiro de Eliza, a Etiópia também estava presente, mas as filmagens
do país aparecem no filme não com um lugar programado, mas como imagens, com as
narrativas de Eliza sonhando.
A jornalista finaliza o filme após seu encontro com a cantora Omagugu, e
ao som de sua música, conta o que deseja para sua filha, e retoma a carta dizendo
esperançosa que comemorará seu aniversário de 30 anos e espera um dia voltar, quando
a filha (aqui Eliza narra sua vontade de um dia querer que a filha exista de verdade,)
também completar a mesma idade.
Figura 11 Sequência de cenas. Africana observando Eliza com a câmera. Etiópia, 2010.
No final de suas reflexões, Eliza desiste da carta, revela não ter uma
filha, considerando uma “babaquice” relatar suas narrativas. No entanto, Eliza segue
relatando suas narrativas de viagem. Desiste da narração materna com a filha, mas não
86
a. Siham
sua roupa e seus acessórios. Siham não usa véu, usa um tipo de roupa mais próximo do
que usam as mulheres ocidentais como a calça e o cabelo mais curto.
b. Hawa
Hawa, moradora da vila de Pays Dogon, no Mali, é entrevistada em sua
casa, onde mora com o marido em uma relação poligâmica, junto com a segunda
esposa. A escolha por entrevistar Hawa se deu pelo fato da mulher, professora da vila,
ser uma das únicas falantes da língua francesa. Em sua conversa com Eliza, é filmada
em primeiro plano, e na sequência também é filmada fazendo os serviços da casa,
preparando a comida, cozinhando, e amamentando a filha. Eliza conversa com Hawa
sentada, sempre em primeiro plano e close. Nos enquadramentos, estabelece-se relações
entre Hawa e seu meio.
c. Awa Mente
d. Eliza Capai
mesma sequência, Eliza afunda a câmera no mar. Na maior parte do filme, aparece
narrando a carta para a filha. No entanto, em algumas cenas e sequências, a presença de
Eliza se dá por meio de alegorias e imagens agentes que constroem a narrativa e
carregam uma discursividade própria.
Quando desembarca no Cabo Verde, filma os pássaros e muitas
paisagens naturais. Todas são embaladas pela narração da carta. Na cena dos pássaros
voando, narra sua chegada. Sua presença está na liberdade de viajar ao filmar os
pássaros voando. No Mali sua presença aparece em uma boneca branca quando as
crianças ficam insistentemente mostrando pela janela do ônibus que as duas se
pareciam, e depois quando Hawa reafirma a diferença das duas pela cor.
Essas constatações desenvolvem em Eliza sua aparição em uma
filmagem de um vaso de barro e em uma caverna, como alegorias que retratam seus
sentimentos em relação à essas situações.
Eliza é uma personagem que constrói toda a narrativa do filme, portanto
está presente em todo longa-metragem.
a. Siham
[21’35’’]“É muito fácil falar que as pessoas de véu e barba que são
os intolerantes da história, que são os dogmáticos, porque justamente
eles tratam todos como infiéis, os hereges, eles são agressivos. Sim! É
verdade! Essas são suspeitas fáceis, porque elas são visíveis, e falam
abertamente, ainda mais no contexto atual, a luta contra o terrorismo,
toda essa instabilidade... Mas, a intolerância do outro lado é da
mesma forma equivalente. Tudo isso para te falar que a
intolerância...um ocidentalismo excessivo é também uma forma de
intolerância, porque se converte em um dogma, que eu tenho a razão,
e que as pessoas deveriam fazer como eu para estarem corretas, e se
elas não são como eu, elas não estão certas, e que eu devo atacar e
denegrir qualquer que seja o conteúdo da minha ideologia, é
intolerância.” [22’46’’]
No final de sua fala, Siham discursa sobre o uso do véu, e Eliza filma
seus olhos em plano detalhe. Siham explica que usar o véu apenas mostrando os olhos,
caminha com a discussão do feminismo, de que as mulheres não são só um corpo, e por
isso devemos olhá-las nos olhos, já que essa é, segundo ela, a mensagem do véu.
[
2
5
:
4
4
]
E
l
b. Hawa
A fala de Hawa pode ser considerada umas das mais emblemáticas e
representa um dos grandes entraves de Eliza em relação a sua compreensão e suas
expectativas. Hawa tem um tom de voz também seguro e uma posição diante da câmera
bastante destemida e corajosa. Conta como funciona a estrutura de um relacionamento
poligâmico, com uma risada um pouco tímida, mas compartilha seu cotidiano ao lado da
filha.
94
[34:55]Eliza: Tem alguma coisa que você pensa “sim, esta é uma
mulher de Dogon”, “eu sou diferente das outras mulheres porquê…”
Hawa: Você é brasileira? Não, aqui em Dogon todas as mulheres são
iguais.
Eliza: O que tem de diferença, de mim por exemplo?
Hawa: A diferença entre você e eu?
Eliza: Sim.
Hawa: Porque você é branca e eu sou negra.
Eliza: ok. [35:14]
c. Awa Mente
d. Eliza Capai
[00:20] Querida filha, minha filha querida, pela primeira vez cruzo o
Atlântico … do Brasil para África! Sigo sozinha, com uma mochila,
uma câmera, microfone, fazendo umas reportagens … não planejei
muito. Sai sem roteiro e quero dividir contigo o que fui encontrando.
Espero que você esteja bem quando receber essa carta filha. Quando
será que vai ser? [01:20]
Figura 25 Paisagens naturais que simbolizam sua viagem: a Figura 24 - Paisagens naturais que simbolizam
liberdade dos pássaros. sua viagem: a dimensão da estrada.
Figura 26 - Windja em primeiro plano. Na segunda imagem aparece atrás do balde de água que
carregava pela vila. Cabo verde, 2010.
tinha medo que um dia sua imaginação fosse embora como seu pai …
do seu pai você guardava uma, ou duas histórias que toda noite
recontava em silêncio antes de dormir. Cada dia você mudava uma
palavra da história, até que um dia … [13:55]
Figura 27 - Sequência de imagens que mostram Eliza submersa na água, e depois caminhando na areia.
simboliza estar contando uma história infantil, em que a voz se articula com os
acontecimentos, dando ênfase às ações, falando mais rápido e de modo mais eufórico.
Aos 27´28’’, o mesmo ruído que embalou a narração para a filha volta e segue
acompanhando até o final da história quando chega no Mali.
Claramente, a história que Eliza conta e fantasia para sua filha endereça
suas convicções de ser uma mulher ocidental e sua insatisfação com as condições
daquelas mulheres, pois é justamente após o encontro com a mulher berber, que a
narrativa traz essa invenção de Eliza.
[26:58] Será que você usaria véu se morasse aqui? Como vai ser o
Marrocos quando você tiver a minha idade? Se você fosse marroquina,
você teria se divorciado de Farigi. Não, se você fosse marroquina você
seria casada com Farigi.
Certa manhã Farigi acordou e viu ao seu lado três homens. Achou
estranho. Levantou sem fazer barulho… vai que eles acordavam… Foi
até a cozinha e te encontrou. Ia pedir um chá. Mas você foi mais
rápida: hoje você lava a louça e faz compras! Farigi achou melhor não
comentar. Foi para o mercado. As ruas pareciam iguais, com exceção
que todas as mulheres estavam sem véu e olhavam diretamente para
ele. Ver as mulheres assim, causava certo … espanto em Farigi, que
demorou para perceber que os homens é que cobriam a cabeça. Um
pouco sem graça, Farigi comprou um véu sob o olhar punitivo da
vendedora. Voltou para casa com as compras e adormeceu,
forçadamente, no banheiro, na esperança que aquela realidade
desaparecesse. [28:51]
Em Pays Dogon, conhece Hawa e por meio de tais vivências reflete sobre
a cultura local em relação à mutilação feminina e ao casamento poligâmico.
[37:46] Nunca tinha pago por uma entrevista, fui dar uma volta
sozinha. Sentei para ler o guia de viagem. Ele falava que o Mali era um
dos países mais pobres do mundo, se pudesse visitar um lugar, era
para vir para cá, para Dogon … que aqui tem uma história milenar,
que a arquitetura é única, que as famílias têm núcleos poligâmicos, que
a mutilação feminina é uma prática … daí eu fechei o guia. Tinha que
fazer uma matéria sobre isso, filha, mas não tô conseguindo ….
[38:40]
Pelo som de sua voz, notamos que no meio da descrição do guia, seu tom
é tanto quanto irônico ao falar sobre a cultura do país, sobre poligamia e mutilação. Ao
final da narrativa, sua voz já é mais fraca, quando relata não estar conseguindo fazer a
reportagem sobre esse tema. Em seguida, essa cena é cortada e filma um grupo de
meninas cantando.
Após essa narração, há uma pausa, Eliza filma o céu, já está escuro,
simbolizando a noite e um sonho.
[41:02] Encontro a africana de novo. Me olha. Eu olho. Ela e as outras
mulheres estavam com tudo invertido. Pulseira de relógio de colar,
botão no lugar do brinco … vou anotando cada coisa, e analisando
tudo o que está errado. Elas me olham, elas olham o que há de errado
em mim. Estranham a minha cor, minha textura, meu peito pequeno,
minha flacidez de branca, meu brinco no lugar do botão, meu colar no
lugar do relógio. [42:21]
Sua insatisfação talvez não seja somente pela cultura, já que existe uma
grande se distância por ser branca e ocidental, mas talvez sua inquietação seja o fato de
que somente as mulheres têm sua vida afetada por conta dos homens. É uma cultura,
mas também uma cultura machista. Sua infelicidade da filha nascer naqueles lugares
endereça não só sua repulsa aos lugares de fato, mas sua repulsa aos homens que seriam
seus pais: o tradutor que se negou a fazer a pergunta, o guia que dormiu durante o
passeio marcado, ou marido de Fátima que a estuprava?
102
[55:21] eu nasci num país onde não tem mais casal … eu nasci no
Brasil, tenho quase 30 ... quase 30. Um dia, doía a alma, doía o corpo,
o tempo, tudo, para um homem … um homem. Um homem que não me
via, cada dia ele chegava em casa com uma máscara nova, uma
história na boca que hoje desmentia, eu, que amava tanto que queria
tanto ser dois … e logo mais ser três dele, fui transformando cada
engano em pedaço de barro, e engolindo os pedaços de barro, um a
um, até que virei barro também, num último respiro, escapei, arrumei a
mala, cruzei o mar e vomitei o barro inteiro no meio do deserto … tive
que vir tão longe para chegar aqui. Não quero mais escrever essa
carta para minha filha, eu não tenho filha! Chega dessa babaquice,
chega … [57:22]
Para finalizar o filme, Eliza filma uma cantora, que faz a música para
embalar o final do longa.
Figura 34 – Criança filmada nas cenas finais do filme, que indica ser também filha da cantora.
acho que o maior presente que você pode dar é ser você
mesmo, ser livre ser o que você quiser ser. É isso que desejo
para ela.
Mergulhar nas águas, para delas sair sem se dissolver totalmente, salvo
por uma morte simbólica, é retornar as origens, carregar-se de novo,
num imenso reservatório de energia e nele beber uma força nova: fase
passageira de regressão e desintegração, condicionando uma fase
progressiva de reintegração e regenerescencia” (CHEVALIER e
GHEERBRANT, 2006. p. 14)
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CHEVALIER, J. e GHEERBRANT, A. Dicionário de símbolos: (mitos, sonhos, costumes, gestos,
formas, figuras, cores, números). Tradução: Vera da Costa e Silva [et al.]. 20ª ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2006.
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28
Tradição filosófica do leste asiático.
29
Antiga religião da Índia.
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simboliza a mãe, que é fonte de fertilidade e origem, por ser protetora contra os males
da destruição. Os dogons representam a terra como uma mulher.
Em Pays Dogon, contrata um passeio guiado, mas por conta do guia ter
dormido, Eliza, que saiu sozinha, explora o vilarejo. Na sequência filma as paisagens
locais e as mulheres trabalhando, e a entrada de uma caverna.
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Mito/alegoria da caverna.
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Para os dogons e os bambaras do Mali todo ser nasce com duas almas
de sexo oposto. O clitóris contém a alma masculina da mulher donde a
origem da excisão que, suprimindo a ambivalência natural, confirma a
mulher no seu sexo. O clitóris removido se transforma em escorpião.
No homem, é o prepúcio que contém sua alma feminina. A circuncisão,
nele, corresponde à excisão, acentuando e confirmando seu caráter viril.
(CHEVALIER e GHEERBRANT, 2006, p. 260)
Ainda no Mali, quando volta de Pays Dogon, Eliza faz a reportagem com
Awa Mente, filmando mulheres trabalhando em um tear. Na tradição do Islã, o tear
simboliza a estrutura e o movimento do universo. O trabalho de tecelagem é um
trabalho de criação, o que une a reflexão que a socióloga faz à Eliza.
Tecido, fio, tear, instrumentos que servem para fiar ou tecer (fuso, roca)
são todos eles símbolos do destino. Servem para designar tudo o que
rege ou intervém no nosso destino: a lua tece os destinos, a aranha
tecendo sua teia é a imagem das forças que tecem nossos destinos. As
moiras são fiandeiras, atam o destino, são divindades lunares. Tecer é
criar novas formas. (CHEVALIER e GHEERBRANT, 2006, p.872)
perpassado por barbáries de mutilação e poligamias que esbarrou nas próprias barbáries
que sofre, em relação à sua solidão e sua desilusão amorosa.
A questão da maternidade é pulverizada, Eliza abre mão de sua filha
como alegoria e figura fictícia, e a maternidade passa a ser desvencilhada da gravidez,
desprendendo o sentimento de gravidez (como gestação) do sentimento de maternidade.
Se tornam dois acontecimentos diferentes.
Esses aspectos ganham sentido em conformidade com os traços
estilísticos da obra, que compreendidos sob o gênero road-movie, logo o romance de
formação, e o filme-carta, integram narrativas de viagem que se propõem a nos afetar e
nos despertar para a percepção que se encontra na alteridade, e o modo como essas
diferenças afetaram a personagem e ela se afetou com isso. Entendemos que a alteridade
se dá pela estranheza e pela necessidade de aprender a relacionar-se com o outro a partir
de suas diferenças, mas em um sentido de reconhecer nessas diferenças o
estabelecimento de uma relação, que não se baseie em julgamentos prévios.
Castro (2015), propõe repensarmos a lógica incidida no Ocidente, pois,
muitos apontamentos e problemas criados pelas teorias antropológicas, são frutos dos
quais o próprio imaginário ocidental quer reconhecer e explicar. O autor alega que o
lado mais perverso do pós-colonialismo é fazer a relação de se enxergar no outro.
Alguns discursos europeus provocam uma experiência de dizer que nos reconhecemos
quando vemos o outro, mas este seria, talvez, um atalho e uma maneira de refletirmos
que no fundo estamos o tempo todo girando em volta de nós mesmos. Por isso, a
necessidade de experimentação de outras culturas. O espaço geográfico é ambientado
por diversos pontos de vistas e percepções de mundo, que abrangem uma forma de
compreender a si e aos outros que não são iguais. A forma como seres humanos se
enxergam e se compreendem é sempre diferente, devido a questão cultural, e sobretudo,
pela forma como a cultura é incorporada por cada pessoa que a ressignifica de um modo
diferente.
Deste modo, em meio a estas questões, voltamos as próprias questões que
motivaram essa pesquisa, quais sejam: qual é a percepção de uma mulher que filma?; o
que dizem (como educam) as imagens produzidas neste encontro?; como o gênero
(sexualidade) se endereça como gênero cinematográfico?. Notamos que existe não só
uma forma de percepção que é feminina e portanto, diferente, por partilhar de outras
experiências, mas existem também percepções entre as mulheres que produzem cinema.
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Em relação ao longa Tão longe é Aqui, as imagens produzidas no encontro de Eliza com
a câmera, filmando outras mulheres, mostraram uma forma de concebermos a questão
da maternidade e forma como Eliza escolheu simboliza-la. Salientamos ainda, que
reconhecer a personagem/narradora como branca e ocidental, ao mesmo tempo que a
coloca em um espaço, a retira de outros, pois nosso esforço é o de mostrar que existem
mulheres. Nesse sentido, a questão de gênero posta no longa-metragem, como
sexualidade, se endereça como um gênero cinematográfico, ao delinear os aspectos da
percepção de uma mulher produzindo imagens que se enquadram em gêneros existentes,
mas que de forma híbrida, formam novos gêneros cinematográficos.
O efeito de Eliza transitar entre esses gêneros existentes evidenciou a
vacuidade de sua própria formação jornalística, mas vácuo este, não no sentido de ser
vazio, mas de poder ser muitas coisas, assim como ela atravessa diversas formas
específicas de ser mulher e de algum modo, encontramos todas essas formas nela,
assumindo-se como uma mulher movimentada por todas essas imagens agentes. Essa
maternidade vai sofrendo essas transformações, e essas transformações vão mudando
essa imagem agente que é a maternidade, pois, cabem todas elas, e Eliza as carrega.
Por fim, ao longo de todo processo do trabalho, considerando as questões
que guiaram nossa pesquisa, à luz do entendimento que fizemos da educação visual,
consideramos o modo como a perspectiva se ajusta a essa questão. Metaforicamente, a
perspectiva como olhar através de uma janela, mostra um jeito bem menos interessante
de olhar esse filme. Ao olhar para aquelas mulheres, na verdade estamos vendo as
mulheres, pelo olho de Eliza, as mulheres de Eliza que se espelha naquelas.
Fundamentamos o trabalho com base em uma metodologia de
decomposição e interpretação das imagens, que nos educaram a uma forma de
percepção e uma compressão sobre maternidade e finalizamos nos questionando,
portanto, com base nos modos de endereçamento, considerando coincidências e
errâncias, que espectadora foi produzida neste processo? Refletimos essa passagem,
essa trajetória e essa jornada, no fundamento da errância.
Errância como aquilo que transgride reinventando o corpo, o cosmo, a
mente. Na errância, há um encontro, um caminhar que assume uma forma de
pensamento que explora no encontro, por meio da alteridade o que outro desperta.
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
para um universo magnífico, das coisas possíveis. Possíveis, porque vejo no cinema
uma fonte inspiradora não só de mudança, mas de uma sensação indescritível de nos
apresentar tantos mundos, tantas realidades, tantas percepções, que ainda não havia
encontrado em nenhum outro lugar.
Quando procurei no dicionário de símbolos as alegorias que se repetiam
no filme e notamos que todos os motifs remetiam a questão da mulher em seu poder de
acepção e vida, a princípio achei uma enorme coincidência, como uma mágica em que
tudo se encaixa, mas depois percebi que na verdade, essa rede de mulheres, em nosso
potencial maternal está presente em tudo! E com isso, entendi também que não estamos
falando de gravidez, filhos, gestação de um modo próprio, mas de um modo simbólico,
que existe um sentimento de maternidade, um sentimento dessa força voraz e faminta
que existe, e não só resiste, mas se faz ver em tênues nuances de um mundo dominado
por homens.
Esse trabalho, produzido em tempos emblemáticos em nosso país, me
lembrou o livro de Susan Sontag, Diante da cor dos outros, que abre um espaço muito
forte de discussão sobre as imagens de crueldade e sofrimento que nos chegam cada vez
mais rápido pelos meios de comunicação, e que nos provocam sentimentos, nos
influencia, mas será que somos sensibilizados por isso? Como nós espectadores,
lidamos com isso e nos mobilizamos? No início do livro, há a menção de Três guinéus,
escrito por Virginia Woolf sobre a guerra, e o avanço do fascismo na Espanha. A carta
seria uma resposta à pergunta de um advogado “Woolf, como podemos evitar a
guerra?”, e Woolf observa que a princípio não existe um diálogo autentico entre os dois,
já que não pertencem ao mesmo gênero, e que os homens fazem a guerra, desfrutam
dela glória e satisfação, enquanto essa não é uma necessidade (da maioria) das
mulheres.
Eu concordo com Woolf, acredito também, que hoje evoluímos para uma
outra sociedade, mas que ainda cruza percalços pelos caminhos do machismo. Me
lembrei também do documentário que saiu esse ano pela netflix, Feministas: o que elas
estão pensando?, sobre os retratos de mulheres da década de 1970 que fez Cynthia
McAdams, de mulheres ativistas, feministas e livres, e como essas mulheres se sentem
hoje, vendo essas fotos, discutindo o feminismo e as mesmas questões de 1970.
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REFERÊNCIAS:
FILMOGRAFIA:
AS boas maneiras. Juliana Rojas e Marco Dutra. 2017. Brasil.
CARTÃO Vermelho. Laís Bodanzky. 1994. Brasil.
COMO nossos pais. Laís Bodanzky. 2017. Brasil.
CHEGA de Saudade. Laís Bodanzky. 2008. Brasil.
ELENA. Petra Costa. 2012. Brasil
ERA o hotel Cambridge. Eliane Caffé. 2016. Brasil
FILMEFobia. Jean-Claude Bernadet. 2008. Brasil.
IVAN, o terrível. Serguei Eisenstein. 1947. União Soviética.
JOGO de cena. Eduardo Coutinho. 2007. Brasil.
NARRADORES de Javé. Eliane Caffé. 2003. Brasil.
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ANEXO
Entrevista realizada via Skype e transcrita, com a cineasta Eliza Capai em setembro de
2017. A entrevista foi publicada na Revista FilmeCultura nº 63 (2018), na edição
Mulheres, câmeras e telas.
Ana Carolina: Você comentou que não gostaria que o filme ganhasse
um tom mais objetivo e “antropológico”, quais estratégias pensou e usou para tensionar
o limite do documentário e da narração?
Eliza: Eu e Daniel buscamos muito e por isso chegamos na ideia da
carta. A ideia da carta é a tentativa de ser um filme muito pessoal. Não estou falando
para o mundo todo como é a situação na África. Estou falando para minha filha, então
para minha filha posso falar de um sentimento que é pessoal e não taxativo. Era o modo
como eu sentia aquilo, com os incômodos que tive, entretanto não falo a verdade
absoluta daquele lugar.
Para mim, essa era uma preocupação muito grande, porque não entendia
aqueles lugares. Eu ficava um mês em cada lugar. Imagine uma pessoa no Brasil um
mês para falar como são as brasileiras, é impossível isso! Estamos a 200 anos tentando
entender qual é o nosso lugar como mulher na sociedade.
precisam entender o lugar em que estão para se empoderarem. Ali elas discutem o
feminismo de maneira aberta. Onde Hawa está, é uma discussão que nosso feminismo
não chega, não havia espaço para discussão sobre esse tema. Se formos pensar, nossos
interiores não são diferentes. A poligamia não está na lei, mas muitas famílias são
assim.
Ana Carolina: Você passou por Cabo Verde, Mali, Marrocos, África do
Sul e Etiópia, no entanto, durante o longa, notamos que as paisagens da Etiópia não
foram organizadas como os demais destinos. Por quê?
Eliza: A escolha da carta para a filha simboliza a crise de maternidade,
que é uma crise real. Por meio da carta, pudemos jogar preconceitos e distancias sem
soar demasiadamente violento, então essa foi uma questão resolvida. Mas havia outra
questão que foi a que eles me colocaram lá, como colonizada, quando as crianças me
identificam com uma boneca branca. Eles me colocaram no lugar de meu inimigo
histórico, que é o colonizador e eu virei minha inimiga histórica! Se eu falasse de
racismo, a narrativa ia perder-se, mas, então, como falar disso, sem ser racista? Aí
vieram os sonhos, porque o sonho é esse lugar do subjetivo tentando entender a
realidade. Então, as paisagens da Etiópia simbolizam os sonhos, trazem os tabus e os
preconceitos.
Ana Carolina: Tão longe é aqui, é um filme que traz tanto a perspectiva
de uma mulher filmando, quando a perspectiva de mulheres filmadas. Qual sua visão
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ocupação. Para mim, neste filme não há nenhum discurso feminista (inclusive acho que
existam mais personagens homens), mas tem ali uma forma de escutar esses homens,
que é tão empática, cujo olhar vem de um outro lugar. Não é um olhar de alguém que
sempre teve os benefícios sociais, mas o olhar de alguém que tem a sensibilidade de se
colocar no lugar do outro (embora neste caso seja de uma mulher, homens, obviamente,
podem fazer isso também). Mas acredito que agora, temos essa multiplicidade de
olhares que afetam nossa formação.