Versão Final para Depósito - Jefferson Marques Costa - Minter Direito Assinado

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

VICE-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E INOVAÇÃO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – PPCJ
CURSO DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – CMCJ
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA DE ROBERT


ALEXY E SUA APLICAÇÃO NOS PROCESSOS CRIMINAIS

JEFFERSON MARQUES COSTA

Itajaí-SC, junho de 2022


UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
VICE-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E INOVAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – PPCJ
CURSO DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – CMCJ
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA DE ROBERT


ALEXY E SUA APLICAÇÃO NOS PROCESSOS CRIMINAIS

JEFFERSON MARQUES COSTA

Dissertação submetida ao Curso de Mestrado em Ciência


Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI,
como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em
Ciência Jurídica.

Orientador: Professor Doutor Paulo Márcio Cruz


Coorientadora: Professora Doutora Jaqueline Moretti Quintero

Itajaí-SC, junho de 2022


AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Ricardo de Oliveira Costa e Cleusa Marques


de Oliveira Costa, pela vida e boas oportunidades que me deram para
minha formação intelectual. À minha esposa Kelly e aos meus filhos
Júlia, Gustavo e Luísa, pela compreensão, dada nossa ausência por
conta dos estudos. E, por fim, ao Ministério Público do Estado de
Rondônia, por ter nos proporcionado a oportunidade de participar de
um curso de pós-graduação de excelente nível e em especial do
Conselho Superior do Ministério Público de Rondônia, por ter-nos
autorizado considerável período para realização da dissertação.
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos os membros do Ministério Público


brasileiro, onde a argumentação bem estruturada poderá ser
importante instrumento na defesa dos interesses da sociedade.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade


pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a
Universidade do Vale do Itajaí, a Coordenação do Curso de Mestrado
em Ciência Jurídica, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e
qualquer responsabilidade acerca dele.

Itajaí-SC, junho de 2022

Assinado de forma digital


JEFFERSON por JEFFERSON MARQUES
MARQUES COSTA:65434560272
Dados: 2022.09.28 11:45:56
COSTA:65434560272
-04'00'
Jefferson Marques Costa
Mestrando
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

A.C Antes de Cristo


ADPF Arguição de descumprimento de preceito fundamental
ADO Ação direta de inconstitucionalidade por omissão
CPP Código de Processo Penal
CP Código Penal
CRFB Constituição da República Federativa do Brasil
D.C Depois de Cristo
DF Distrito Federal
HC Habeas Corpus
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
ROL DE CATEGORIAS

Normas: “Uma norma é, portanto, o significado de um enunciado normativo. A


necessidade de se diferenciar entre enunciado normativo e norma pode ser
percebida pelo fato de que a mesma norma pode ser expressa por meio de
diferentes enunciados normativos. [...] Isso faz com que fique claro que o conceito
de norma é, em face do conceito de enunciado normativo, o conceito primário” 1.

Pretensão de Correção: “[...] tanto as normas e decisões jurídicas individuais


quanto os sistemas jurídicos como um todo formulam necessariamente a pretensão
à correção. Sistemas normativos que não formulam explícita ou implicitamente essa
pretensão não são sistemas jurídicos. Nesse sentido, a pretensão á correção tem
uma relevância classificadora. Do ponto de vista jurídico, sistemas que formulam
essa pretensão, mas não a satisfazem, são defeituosos. Nesse aspecto, a pretensão
à correção tem uma relevância qualificadora. Cabe a ela uma relevância
exclusivamente qualificadora quando se trata de normas jurídicas e de decisões
jurídicas individuais. São juridicamente defeituosas quando não formulam ou no
satisfazem a pretensão à correção”2.

Princípios: “[...] princípios são mandamentos de otimização. Como tais, são normas
que ordenam que algo seja realizado em máxima medida relativamente ás
possibilidades reais e jurídicas. Isso significa que elas podem ser realizadas em
diversos graus e que a medida exigida de sua realização depende não somente das
possibilidades reais, mas também das possibilidades jurídicas” 3.

Regras: “Regras são normas que, em caso de realização do ato, prescrevem uma
consequência jurídica definitiva, ou seja, em caso de satisfação de determinados
pressupostos, ordenam, proíbem ou permitem algo de forma definitiva, ou ainda
autorizam a fazer algo de forma definitiva. Por isso, podem ser designadas de forma

1
ALEXY, R. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p. 54.
2
ALEXY, R. Conceito e validade do Direito. Trad. Gercélia Batista de Oliveira Mendes. São Paulo:
Martins Fontes, 2011. p. 43.
3
ALEXY, R. Conceito e validade do Direito. p. 85.
simplificada corno "mandamentos definitivos". Sua forma característica de aplicação
é a subsunção”4.

Dogmática: “A dogmática jurídica é, em grande medida, uma tentativa de se dar


uma resposta racionalmente fundamentada a questões axiológicas que foram
deixadas em aberto pelo material normativo previamente determinado. Isso faz com
que a dogmática jurídica seja confrontada com o problema da possibilidade de
fundamentação racional dos juízos de valor”5.

Precedentes: “[...] método de argumentação que por si mesmo é requerido por


motivos práticos gerais (princípio da universalizabilidade / a regra sobre o encargo
do argumento) e é racional até esse ponto”. [...] As razões básicas para seguir
precedentes é o princípio de universalizabilidade, a exigência de que trataremos
casos iguais de modo semelhante, o que está por trás da justiça como qualidade
formal"6.

Argumentação jurídica: “O ponto de partida da teoria da argumentação jurídica é a


constatação de que, no limite, a fundamentação jurídica sempre diz respeito a
questões práticas, ou seja, àquilo que é obrigatório, proibido e permitido. O discurso
jurídico é, por isso, um caso especial do discurso prático geral. Enquanto caso
especial do discurso prático geral, ele é caracterizado pela existência de uma série
de condições restritivas, às quais a argumentação jurídica se encontra submetida e
que, em resumo, se referem à vinculação à lei, ao precedente e à dogmática”7.

Aplicabilidade: utilização prática dos princípios, regras, normas ou precedentes em


determinado caso concreto.

Ativismo Judicial: “Atitude jurisdicional de inclinações transformadoras que se


manifestam (stricto sensu), conjunta ou isoladamente, nos âmbitos (i) interpretativo
ou de aplicação, mediante um acentuado voluntarismo na criação do direito em
detrimento da legislação, dos precedentes ou dos padrões jurídicos em geral, e/ou

4
ALEXY, R. Conceito e validade do Direito. p. 85.
5
ALEXY, R. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 36.
6
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. São Paulo: Landy, 2001. p. 262/259.
7
ALEXY, R. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 548.
(ii) institucional ou relacional, por meio de uma elevada interferência nas atribuições
dos demais poderes. Em qualquer das situações, confere-se aos juízes um papel
que vai além das missões clássicas de aplicar o direito a disputas subjetivas ou
normativas e moderar as condutas dos demais ramos do governo. Posturas ativistas
podem verificar-se nas Jurisdições constitucional e ordinária, seja coletiva ou
individual, e podem externar-se em várias dimensões práticas de aplicação do
direito.”8

8
SALLES, Bruno Makowiecky. Acesso à justiça e equilíbrio democrático: intercâmbios entre Civil
Law e Common Law. Tese (Doutorado em Ciência Jurídica) – Universidade do Vale do
Itajaí/UNIVALI, 2019. p. 7.
SUMÁRIO

RESUMO................................................................................................................... 12
ABSTRACT ............................................................................................................... 13
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14
CAPÍTULO 1 ............................................................................................................. 17
A EVOLUÇÃO DA ARGUMENTAÇÃO DA ANTIGUIDADE ATÉ A IDADE MÉDIA.. 17
1.1 A ARGUMENTAÇÃO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA .......................................... 17
1.2 A ARGUMENTAÇÃO E RETÓRICA NA IDADE MÉDIA ....................................... 24
1.3 A ARGUMENTAÇÃO E RETÓRICA NA IDADE MODERNA ................................ 27
CAPÍTULO 2 ............................................................................................................. 30
A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA DE ROBERT ALEXY E
PONTUAÇÕES SOBRE A ATIVIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO ....................... 30
2.1 NOÇÕES GERAIS DA OBRA DE ROBERT ALEXY ............................................ 30
2.2 A TESE DO DISCURSO JURÍDICO COMO CASO ESPECIAL .......................... 36
2.3 A ARGUMENTAÇÃO DOGMÁTICA PARA ROBERT ALEXY .............................. 38
2.4 O USO DOS PRECEDENTES PARA ROBERT ALEXY ...................................... 46
2.5 DO MODELO DE TEORIA A SE DESENVOLVER .............................................. 50
2.6 PERSPECTIVAS DO DISCURSO, USO DE ARGUMENTOS JURÍDICOS
ESPECIAIS E O PAPEL DOS ARGUMENTOS PRÁTICOS GERAIS ....................... 52
CAPÍTULO 3 ............................................................................................................. 57
ALGUMAS IMPLICAÇÕES DA TEORIA ALEXYANA NA ATUAÇÃO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO ............................................................................................ 57
3.1 PRETENSÃO DE CORREÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO ÓRGÃO
ESTATAL E SUA LEGITIMAÇÃO FUNCIONAL ......................................................... 57
3.2 ANÁLISE DOS CASOS CONCRETOS COM ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO SOB A ÓTICA DA TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA DE ROBERT
ALEXY ....................................................................................................................... 61
3.2.1 Inovação na exigência de requisitos para a invasão de domicílio. ................... 61
3.2.2 Criminalização da homofobia por interpretação da lei contra o racismo. ......... 67
3.2.3 Argumentação jurídica perante o juízo singular e no plenário do Tribunal do Júri
....................................................................................................................................79
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 91
REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS ................................................................ 94
RESUMO

A presente Dissertação está inserida na Área de Concentração: Fundamentos do


Direito Positivo e na Linha de Pesquisa: Constitucionalismo e Produção do Direito.
Buscar-se-á analisar a aplicabilidade da teoria da argumentação jurídica exposta
na obra “Teoria da Argumentação Jurídica - A Teoria do Discurso Racional como
Teoria da Fundamentação Jurídica”, com foco nos processos do em que o
Ministério Público atua como parte ou fiscal da lei, visando o aperfeiçoamento do
desempenho das atividades ministeriais em suas diversas áreas de atuação. O
escopo final será a obtenção (em maior grau possível) da adesão às teses
levantadas pelo Ministério Público. Nesse sentido, a investigação possui a
seguinte problemática: a “Teoria da Argumentação Jurídica - Teoria do Discurso
Racional como Teoria da Fundamentação Jurídica” de Robert Alexy” tem
aplicabilidade em processos criminais com atuação do Ministério Público? Inicia-
se o trabalho por uma passagem rápida sobrea antiguidade clássica, idade média
e renascimento e os principais autores e temas ocorridos em cada época, a fim de
contextualizar o leitor com a evolução da retórica e da argumentação no tempo.
Em seguida, analisa-se a teoria da argumentação jurídica propriamente dita de
Robert Alexy - desenvolvida principalmente em sua obra “Teoria da Argumentação
Jurídica: A Teoria do Discurso Racional como Teoria da Fundamentação Jurídica”
- com atenção à atuação do Ministério Público brasileiro. O desfecho será com as
conclusões acerca da influência que o uso dessa teoria Alexyana pode gerar nas
causas judiciais em que o Ministério Público participa. Conclui-se que há diversas
possibilidades de incidência da Teoria da Argumentação Jurídica de Alexy nos
processos em que o Ministério Público figura como parte ou custos legis, em
detrimento da subjetividade e em favor da racionalidade, na aplicação do Direito.
O Método utilizado na fase de Investigação é o indutivo; na fase de Tratamento
dos Dados, o analítico, e, no Relatório da Pesquisa, o indutivo.

Palavras-chave: Argumentação Jurídica; Robert Alexy; Aplicabilidade; Processos


criminais.

12
ABSTRACT

This Dissertation is part of the Area of Concentration: Fundamentals of Positive Law,


and the Line of Research: Constitutionalism and Production of Law. It examines the
applicability of the theory of legal argumentation expressed in the work "Theory of
Legal Argumentation - The Theory of Rational Discourse as Theory of Legal Basis". It
focuses, specifically, on the processes through which the Public Ministry acts as party
or inspector of the law, seeking to improve the performance of ministerial activities in
their various areas of activity. The final scope will be to achieve (as far as possible)
adherence to the theses proposed by the Public Ministry. This investigation starts by
posing the research question: Is the work “Theory of Legal Argumentation - Theory of
Rational Discourse as Theory of Legal Basis”, by Robert Alexy”, applicable to criminal
proceedings involving the Public Ministry? The work begins with a quick passage on
classical antiquity, the Middle Ages and the Renaissance and the main authors and
themes that prevailed in each era. This is to give the reader the background to the
evolution of rhetoric and argumentation over time. It then analyzes Alexy’s theory of
legal argumentation, expressed mainly in his work cited above, focusing specifically
on the performance of the Brazilian Public Ministry. At the end, this work offers some
conclusions about the influence that the use of this Alexyan argument can have in
judicial cases in which the Public Ministry participates. It is concluded that there are
several possibilities for the incidence of Alexy's Theory of Legal Argumentation in
cases where the Public Ministry appears as a party or custos legis, to the detriment
of subjectivity and in favor of rationality in the application of Law. As regards
methodology, the inductive method is used in the Investigation phase; the analytical
in the data processing phase, and the inductive in the Research Report.

Keywords: Legal Argumentation; Robert Alexy; Applicability; Criminal Process.

13
INTRODUÇÃO

A presente pesquisa, desenvolvida por meio do Programa de Mestrado


Interinstitucional – MINTER, está inserida na Área de Concentração: Fundamentos
do Direito Positivo, e na Linha de Pesquisa: Constitucionalismo e Produção do
Direito.

O objetivo institucional da presente Dissertação é a obtenção do título


de Mestre em Ciência Jurídica pelo Curso de Mestrado em Ciência Jurídica da
Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.

O seu objetivo científico é pesquisar o alcance da “Teoria da


Argumentação Jurídica - Teoria do Discurso Racional como Teoria da
Fundamentação Jurídica” de Robert Alexy no âmbito da atuação do Ministério
Público.

Possui, portanto, os seguintes objetivos específicos: (1) estudar a


evolução histórica da teoria da argumentação; (2) demonstrar a Teoria da
Argumentação Jurídica de Robert Alexy, pontuando as principais ideias; e (3)
demonstrar quais as implicações da teoria mencionada na área de atuação do
Ministério Público.

Para a condução da pesquisa, delimitou-se a seguinte problemática: a


“Teoria da Argumentação Jurídica - Teoria do Discurso Racional como Teoria da
Fundamentação Jurídica” de Robert Alexy” tem aplicabilidade em processos de
atuação do Ministério Público?

Para a pesquisa foram levantadas a(s) seguinte(s) hipótese(s):

a) A Teoria da Argumentação Jurídica - Teoria do Discurso Racional


como Teoria da Fundamentação Jurídica de Robert Alexy pode influenciar e ser
determinante para o sucesso da causa.

14
b) A Teoria da Argumentação Jurídica - Teoria do Discurso Racional
como Teoria da Fundamentação Jurídica de Robert Alexy pode influenciar sem ser
determinante no sucesso da causa.

Os resultados do trabalho de exame das hipóteses estão expostos na


presente dissertação, de forma sintetizada, como segue.

Principia–se, no capítulo 1, com a evolução da argumentação desde a


filosofia grega antiga, passando pela idade média, até chegar na idade moderna.

No capítulo 2 inicia-se a o tema central desta dissertação, onde


veremos as características principais da Teoria Da Argumentação Jurídica de Robert
Alexy e as pontuações sobre a atividade do Ministério Público.

A abordagem parte das noções gerais e as justificações internas e


externas estabelecidas na obra de Robert Alexy. Caminharemos também no campo
da argumentação dogmática e do uso dos precedentes, sempre trazendo à lume a
importância prática do tema para os problemas enfrentado pelo Ministério Público
dentro de suas funções institucionais. Encerrando o capítulo, cuidaremos do uso de
argumentos jurídicos especiais e o papel dos argumentos práticos gerais no discurso
jurídico de Robert Alexy.

O Capítulo 3 aborda casos concretos discutidos nos principais tribunais


do país (STF e STJ), de grande relevância jurídica e repercussão social, onde há a
atuação do Ministério Público. Tal análise será feita sempre sob o crivo da teoria da
argumentação jurídica de Alexy a fim de verificar se ela foi aplicada e em qual
medida se dera seu uso.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações


Finais, nas quais são apresentados aspectos destacados da dissertação, seguidos
de estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a necessidade de
aperfeiçoamento da argumentação jurídica como instrumento para melhor obter
resultados na adesão às teses defendidas pelo Ministério Público, bem como tornar
mais elevado o nível de controle das decisões judiciais que lhes forem contrárias.

15
O Método a ser utilizado na fase de Investigação será o indutivo; na
fase de Tratamento dos Dados será o analítico, e, no Relatório da Pesquisa, foi
empregado o indutivo.

As Técnicas de investigação foram definidas pelo mestrando e por seu


orientador, levados em consideração os parâmetros adotados pelo Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica – PPCJ/UNIVALI, e mencionadas
aqui, com a indicação das fontes que foram efetivamente utilizadas para compor a
dissertação.9

Nesta dissertação as categorias principais estão grafadas com a letra


inicial em maiúscula e os seus Conceitos Operacionais são apresentados em
glossário inicial.10

9
Sobre Métodos e Técnicas vide: PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa Jurídica: Teoria e
Prática. 14.ed.rev.atual. e amp. Florianópolis: EMais, 2018. p.89-115.
10
Sobre Categorias e Conceitos Operacionais vide: PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da Pesquisa
Jurídica: Teoria e Prática. 14.ed.rev.atual. e amp. Florianópolis: EMais, 2018. p.31-60.

16
CAPÍTULO 1

A EVOLUÇÃO DA ARGUMENTAÇÃO DA ANTIGUIDADE ATÉ A


IDADE MÉDIA

1.1 A ARGUMENTAÇÃO NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA

Falar sobre a evolução da argumentação e retórica implica


necessariamente uma alusão à Grécia antiga. Berço da democracia ocidental, foram
os gregos que nos deram as bases do modelo democrático que o seguimos até hoje.
Avessos à tirania, onde os conflitos eram resolvidos pela força, os gregos souberam
dar valor ao importante atributo humano, um dos que nos distingue dos outros
animais, que é a fala.

O que poderia ser objeto de discussão prévia, decisão majoritária,


jamais poderia ser relegado ao arbítrio. Ocorre que para deixar de lado o arbítrio, as
falas e justificações tinham que abandonar o modelo mítico e começar a caminhar
pelas estradas da razão. Começa a surgir aí a argumentação racional, que
valorizava muito mais o intelecto humano no campo do convencimento do que as
explicações dos fenômenos através da mitologia até então reinante.

Na mitologia grega era Peithó (δαίμων) ou Peito a deusa da persuasão


ou sedução, que sempre andava junto com Afrodite. Derivado este nome do verbo
πείθομαι (convencer), era atribuído a este ícone da mitologia os dons metafísicos do
convencimento.11

Desde um marco antropológico se estabelecem três estatutos da


palavra na Grécia: (...) - na democracia da palavra é de todos, no

11
USP. Dicionário Etimológico da Mitologia Grega. Disponível em: https://edisciplinas.
usp.br/pluginfile.php/409973/mod_resource/content/2/demgol_pt.pdf. Acesso em 18 de mar. de
2022. p. 229.

17
meio da ágora, pertence ao mais hábil e ao melhor preparado, que é
peitho, a arte de a persuasão. Nessa evolução, nota-se um
destronamento do pensamento mítico em busca do pensamento
racional, mas de outra perspectiva epistemológica é mencionado
Georges Gusdorf, que afirma que nos gregos a coexistência de
discursos racionais e míticos não implica tensões ou conflitos e que
propõe que se leia os mitos como sistemas de representação e não
como estágios históricos.12 (livre tradução do autor)

Nestes primórdios da racionalização dos discursos, a retórica (arte do


uso da palavra falada) era muito utilizada como instrumento de deliberação popular
sobre diversos assuntos, como política, impostos, solução de lides judiciais cíveis e
até condenações criminais e não raras as vezes alguns cidadãos eram chamados a
expor as razões de seus votos.

É de bom alvitre esclarecer que o termo retórica predomina nos


estudos referentes a este período, sendo o termo “argumentação” ora utilizado como
elemento da retórica, ora utilizado como a própria retórica, pois era predominante o
uso da palavra falada. Trataremos o termo retórica como o estudo da argumentação
em si nesse período antigo e medieval, pois ele se mostra mais abrangente e atinge
a finalidade buscada no presente trabalho. Quando adentrarmos no século XX, aí
sim o termo argumentação terá um uso mais forte, pois valerá não só para a
formação do convencimento e justificação escrita, como também falada.

O nascimento histórico da Retórica é costumeiramente localizado no


século V antes de Cristo, em Siracusa, na Magna Grécia, onde hoje
é a Itália. Após a queda do tirano Trasíbulo, sucederam-se inúmeras
causas para a restituição, aos legítimos proprietários, das terras que

12
DE ZONANA, María Gabriela Frannino. Frédéric Monneyron-Joël Thomas. Mitos y literatura. Buenos
Aires, Nueva Visión, 2004, 96 pp.(Colección Claves dirigida por Hugo Vezzetti. Traducción de Emilio
Bernini). Revista de Estudios Clásicos, n. 33, p. 141-147, 2006. p. 142. Texto original: “Desde un
marco antropológico se establecen los tres estatutos de la palabra en Grecia: (...) - en la democracia
la palabra es de todos, en medio del ágora, pertenece al más hábil y al mejor técnico, es peitho, el
arte de la persuasión. En esta evolución podría advertirse un descoronamiento del pensamiento
mítico en pos de un pensamiento racional, pero desde otra perspectiva epistemológica se menciona
a Georges Gusdorf, quien afirma que en los griegos la coexistencia de los discursos racional y
mítico no supone tensión ni conflictos y quien propone leer los mitos como sistemas de
representación y no como etapas históricas.”

18
o tirano lhes havia subtraído. Desde suas origens, está, portanto, a
Retórica indissociavelmente ligada ao Direito, no aspecto que
Aristóteles mais tarde chamará de "gênero judicial" do discurso
retórico. O primeiro tratado de Retórica, naturalmente rudimentar, foi
escrito em 465 a.c. por Tísias e Córax, dois oradores que se
notabilizaram na defesa das vítimas dos arbítrios cometidos pelo
tirano de Siracusa. A Retórica só se desenvolveu plenamente, no
entanto, após a consolidação da democracia ateniense. Todos os
cidadãos atenienses participavam diretamente nas assembleias
populares, que possuíam funções legislativas, executivas e
judiciárias.13

Observa-se, portanto, que a argumentação como ciência a ser


estudada e sistematizada nasceu com características do discurso prático geral e,
ocasionalmente conforme as circunstâncias, era utilizada também para as questões
jurídicas.

No presente trabalho a argumentação será estudada com sua


aplicação no âmbito jurídico, tanto como justificação de proposições (convencimento
do destinatário), bem como justificação de decisões judiciais e as consequências daí
advindas (crivo dessas deliberações para fins recursais).

É inconteste que só a argumentação é insuficiente para alcançar os


fins que o direito almeja, uma vez que há espécies de argumentações que não
encontram guarida no direito hodierno. Há, portanto, que ser uma argumentação
racional, capaz de justificar pelos métodos até hoje conhecidos de razoabilidade,
lógica, congruência e coesão, o tipo de justificação que se pretenda fazer.

Neste período se destaca o filósofo Aristóteles (383 – 322 a.C), com


sua obra Retórica. Defendia ele a clareza como expressão máxima de um bom
discurso. O orador deveria falar com naturalidade, usar de figuras de linguagem e
analogias a fim do discurso não parecer monótono e pobre, não se valer de

13
PACHECO, Gustavo de Britto Freire. Retórica e nova retórica: a tradição grega e a teoria da
argumentação de Chaïm Perelman. Revista e-gov UFSC. Florianópolis, SC, v. 5, n. 12, p. 72-92,
1997.

19
vulgaridades e outras iniquidades que pudessem maculá-lo. “Falar de modo claro,
com ritmo (1408b), elegância (1412a) e expressões adequadas a cada gênero
discursivo, são aspectos formais essenciais ao retórico. Tudo isso enaltece a
verdade das palavras do orador.14

Nesta obra Retórica o filósofo destaca três tipos de discursos, 1) o


judicial, onde se resolvem as questões passadas, cujos atos em regra eram acusar
ou defender, destinados aos juízes e os valores eram o que era justo ou injusto,
principalmente baseados os argumentos no sistema dedutivo; 2) o deliberativo, onde
se discutiam as questões políticas dirigidas à assembleia, portanto, voltadas mais ao
futuro, cujos atos eram de aconselhamento ou dissuasão, com valores apreciados
sob a ótica da utilidade e nocividade, geralmente baseados em argumentos indutivos
e; 3) o demonstrativo (ou epidítico), que tinha como destinatário o espectador e
discutiam-se assuntos do presente, geralmente em cerimônias solenes ou em praça
pública com atos de louvor ou censura sobre o que era nobre ou vil, ético ou
antiético, belo ou feio, em regra valendo-se de recursos de amplificação.

Dos lugares-comuns anteriormente indicados, a amplificação é, como


dissemos, o que melhor convém aos discursos epidíticos; o fato
pretérito, o mais apropriado ao gênero forense, já que a decisão
necessária é sempre sobre o passado; o possível e o futuro são mais
convenientes ao gênero deliberativo (político). (...) A oratória política
trata de eventos futuros, em relação aos quais tudo que pode fazer é
citar eventos passados a título de exemplos. A oratória forense lida
com o que é ou não é agora verdadeiro, o que é passível de ser
melhor demonstrado por não ser contingente, ou seja, não há
contingência naquilo que agora já aconteceu.15

E ao tratar da argumentação da retórica, Aristóteles entendia que o uso


desses recursos deveria ser sempre buscando do bem, a virtude, embora

14
COSTA, Ricardo da. A retórica na Antiguidade e na Idade Média. Trans/Form/Ação, v. 42, n. SPE,
p. 353-390, 2019. p. 358/359.
15
ARISTÓTELES. Retórica. Traduzido por Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2019. Edição Kindle, p. 163
e 249.

20
reconhecesse que era possível o uso deturpado dessas ferramentas, o que geraria
muitos males:

A retórica é útil porque o verdadeiro e o justo têm naturalmente mais


valor do que seus opostos. O resultado é que se os julgamentos não
forem proferidos como devem ser, o verdadeiro e o justo estarão
necessariamente comprometidos, resultado censurável a ser
atribuído aos próprios oradores. (...) Além disso, é necessário estar
capacitado a empregar a persuasão, tal como os silogismos podem
ser empregados, nos lados opostos de uma questão, não para nos
dedicarmos indiscriminadamente a ambas as operações (uma vez
que não devemos levar as pessoas a crer no que é incorreto),
mas para que possamos ver com clareza o que são os fatos e, no
caso de outrem argumentar sem justeza, sermos capazes de destruir
sua argumentação.16 (grifo nosso)

Para o filósofo estagirita, a persuasão estava vinculada a três provas


técnicas da retórica: a) o caráter do orador; b) as disposições em que se colocam os
ouvintes; c) o próprio discurso17.

Podemos ver, portanto, que essa sistematização do pensamento


acerca das técnicas de argumentação foi muito importante para o aprofundamento
da disciplina, uma vez que essas ideias poderiam ser levadas adiante, como de fato
ocorreu em seguida no império romano e nos acompanha até hoje.

Embora a contribuição dos gregos tenha sido fundamental, foi, no


entanto, pelas mãos dos romanos que a doutrina da retórica se difundiu pelo mundo
afora acompanhando a expansão do império romano, sendo fixada
institucionalmente na educação e transmitida e retransmitida até a idade média em
especial através das obras de Cícero (106-43 a.C). Em sua principal obra “Do
orador”, este grande filósofo romano:

16
ARISTÓTELES. Retórica. p. 43/44.
17
GOMES DE OLIVEIRA, Ester. A Argumentação na Antigüidade. Signum: Estudos da
Linguagem, v. 5, n. 1, p. 213-225. p. 218.

21
[...] se ocupa: 1. dos três elementos da arte (dons naturais, técnica e
prática), e 2. das partes do discurso – 2.1. inventio (os argumentos),
dispositivo (a ordem dos argumentos), elocutio (a ornamentação com
recursos estilísticos), memória (a memorização do discurso) e actio
(a gesticulação e a dicção), e 2.2. dos sentimentos que devem ser
incentivados na audiência – conciliare (como atrair o público),
probare (como persuadir com argumentos) e movere (como
emocionar os ouvintes).18

Cícero foi seguido por Sêneca (4 a.C - 65 d.C), tendo como uma de
suas principais obras as “Cartas a Lucílio”, onde desenvolve rica argumentação que
é referência sobre o tema até os dias atuais. Citemos um pequeno trecho das
Cartas:

Para que me esforço para obter um amigo? Para que eu tenha por
quem eu possa morrer, para que eu tenha a quem seguir no exílio, à
morte de quem eu me oponha e impeça. Isso que tu descreves, do
que se aproxima em vista do que é vantajoso, do que se espera que
haja algo a ganhar, é comércio, não amizade. (11) Não duvides que
o amor possui algo similar à amizade: que se possa dizer aquele
afeto <ser> uma amizade enlouquecida. Acaso alguém ama por
causa do lucro? Acaso alguém ama por causa da ambição ou da
glória? O próprio amor, por si mesmo indiferente a todas as outras
coisas, inflama os espíritos para o desejo da Beleza8, não sem
esperança de ternura mútua. E então? A causa do que é digno forma
aliança com (12) um afeto torpe?19

Observemos como Sêneca expõe com maestria a discussão sobre a


amizade, fundamentando bem o porquê de seu cultivo, e usa na segunda metade do
trecho a argumentação com a técnica da comparação com o amor, para melhor
ilustrar seu raciocínio e reforçar a ideia de que ambos, amor e amizade, devem ser
indiferentes a interesses espúrios.

18
COSTA, Ricardo da. A retórica na Antiguidade e na Idade Média. Trans/Form/Ação, v. 42, n. SPE,
p. 353-390, 2019.
19
SÊNECA, Lúcio Aneu. Carta a Lucílio IX (sobre filosofia e amizade). Traduzido por Aldo Dinucci.
Prometheus - Journal of Philosophy, v. 4, n. 8, 1 Mar. 2013.

22
Passada a fase de Sêneca, foi com Quintiliano (35-95 d.C) que a
retórica e argumentação ganharam um sopro de vida quando parecia já relegada em
segundo plano, conseguindo ele sistematizar o pensamento de Cícero em conjunto
com toda a tradição grega até então produzida, que resultou em sua obra “Institutos
de Oratória” (Institutio Oratoria), que foi dividida em 12 livros, sendo o Livro X um
dos mais importantes, onde ele elenca um rol de autores gregos e latinos que seriam
fundamentais para a formação de um bom orador.

Em regra, os estudiosos dividem a “Institutos de Oratória” de


Quintiliano em: 1) a pedagogia (livros I e II); 2) a função da oratória (livro III); 3)
preceitos da oratória (livros IV – XI); e 4) exemplos comentados de poetas e
prosistas e a imagem do orador perfeito (livros X – XII)20.

Já na fase de transição da antiguidade para a idade média as


circunstâncias econômicas e políticas da época foram fundamentais para traçar o
destino do estudo da retórica e da argumentação nos anos vindouros:

No século III, a cultura romana foi abalada por uma crise econômica,
social e política. A nobreza de Roma está em decadência, esgota-se
o apogeu do grande Império e este começa a estremecer. Tudo o
que se segue já começa a referir-se à Idade Média, época em que a
oratória passa a esconder-se nos manuais escolares. ‘Seu destino já
não é determinado por uma evolução histórica viva. Mostra sintomas
de degenerescência, perda de substância, atrofia. Não se pode por
isso apresentá-la num quadro uniforme nos primeiros séculos da
Idade Média’.21

Nesta conjuntura que a obra “Retórica a Herênio” (durante muito tempo


foi atribuída a Cícero, mas ainda há dúvidas sobre quem seja verdadeiro autor) entra
em cena como o mais importante escrito sobre o tema que influenciou os
pensadores medievais:

20
COSTA, Ricardo da. A retórica na Antiguidade e na Idade Média. Trans/Form/Ação, v. 42, n. SPE,
p. 353-390, 2019. p. 364.
21
DE OLIVEIRA, Ester Gomes. A Argumentação na Antigüidade. Signum: Estudos da Linguagem,
v. 5, n. 1, p. 213-225. p. 223.

23
É dividida em quatro livros: 1) o ofício do orador, as partes do
discurso e os gêneros da narração; 2) os gêneros das causas que
movem o orador, as constituições legais, as partes do direito e da
argumentação; 3) os gêneros, a disposição e a pronunciação, a
configuração da voz e a memória, e 4) a elocução, suas figuras e
comodidades. Nessa estrutura, a Retórica a Herênio inova:
acrescenta a memória às costumeiras fases de elaboração do
discurso – se entenda memória como a capacidade do orador de
recordar os temas e a ordem de seu discurso com determinadas
técnicas aprendidas com a retórica.22

Nesta obra o que a diferencia das outras de sua época é a inovação


com o acréscimo da memória às costumeiras frases de elaboração do discurso.
Embora se dedique a todas as virtudes do orador, a obra dá especial atenção à
correção e à clareza do discurso.23

Portanto, verificou-se que a retórica passou por diversas mudanças


desde a era da filosofia clássica grega, em especial no período aristotélico, onde
pregava-se um enaltecimento da persuasão. Logo adiante será demonstrado que na
idade média este estilo retórico sofreu diversas mudanças, em especial a diminuição
significativa do caráter persuasivo, para adotar mais uma linha voltada à religião
(discursos de cunho moral e pregações de censura a determinados
comportamentos).

1.2 A ARGUMENTAÇÃO E RETÓRICA NA IDADE MÉDIA

Já preparado o terreno para os estudiosos da idade média, a matéria


começou a ser estudada em grande parte sob o viés religioso, “com ênfase nos
motivos laudatórios (ou de censura)”, portanto, muito ligados à moral, com muito
destaque aos professores das escolas sofistas, uma vez que suas pregações “se

22
COSTA, Ricardo da. A retórica na Antiguidade e na Idade Média. Trans/Form/Ação, v. 42, n. SPE,
p. 353-390, 2019. p. 365.
23
COSTA, Ricardo da. A retórica na Antiguidade e na Idade Média. Trans/Form/Ação, v. 42, n. SPE,
p. 353-390, 2019. p. 365.

24
aplicavam bem as às circunstâncias históricas do momento, pois ajudavam a
confirmar os valores religiosos e morais da sociedade romana ocidental.” 24

O que predominou na era medieval foram as narrativas epidíticas ou


descritivas, pois como ênfase era na poética, essa forma de discurso era favorecida
por este estilo:

O discurso epiditíco foi, indubitavelmente, o que mais inspirou a


poesia medieval, já que seu intuito primordial é o elogio. Segundo a
enumeração de Curtius (1996), vários são os objetos que foram
elogiados: “deuses, homens, países, cidades, animais, plantas
(loureiro, oliveira, roseira), estações do ano, virtudes, artes e
profissões.” (CURTIUS, 1996, p. 208). A extensão dos temas
laudatórios demonstra que a retórica epidítica estava intimamente
ligada à poesia, pois esta favorece os grandes louvores.25

Aquela beleza artística que outrora se via na retórica dos gregos e


posteriormente em Cícero e Quintiliano foi minguando no início da idade média,
posto que já não eram constantes os belos discursos políticos e os grandes
julgamentos abertos ao público; no entanto, isso abriu novas portas para outras
perspectivas para essas práticas, com uma “retórica artificial (com os jovens
aprendendo retórica na escola), ornamental, com debates estéreis, mas, num
segundo momento, abrindo espaço a uma retórica cristã, com uma união fecunda
entre razão, fé e oração.”26

Falar de idade média, filosofia e retórica implica falar de Santo


Agostinho (345-430), pois:

24
COSTA, Ricardo da. A retórica na Antiguidade e na Idade Média. Trans/Form/Ação, v. 42, n. SPE,
p. 353-390, 2019. p. 367.
25
OLIVEIRA, Esther Gomes. Argumentação: da Idade Média ao século XX. Signum: Estudos da
Linguagem, v. 7, n. 2, p. 109-131, 2004. P. 113.
26
NEPOMUCENO, Arlete Ribeiro; LEÃO, Sarah Caroline Dias; DOS SANTOS, Edilene Ferreira. Da
antiguidade aos tempos modernos: algumas balizas sobre a retórica. Revista Unimontes
Científica, v. 16, n. 2, p. 53-66, 2014. p. 62.

25
Ele se valeu da retórica em várias passagens de sua monumental
obra A cidade de Deus (c. 412-426), quando explicou e interpretou
textos (especialmente a Bíblia). Por exemplo, quando discorreu sobre
o sentido do descanso de Deus no sétimo dia da criação [que deve
ser compreendido como uma figura de linguagem – “o repouso de
Deus significa o repouso dos que n’Ele descansam, assim como a
alegria de uma casa significa a alegria dos que nela se alegram” (XI,
8)]; quando abordou a essência de Deus e a ordenação das
naturezas segundo os graus de Sua essência e o sopro divino na
alma (XIII, 11 e 24); quando analisou o sentido de amor e de afeição
e as perturbações na alma do sábio estoico (XIV, 7 e 8); quando
discorreu sobre o amor da cidade de Deus e o amor da cidade dos
homens (que nada mais é, para ele, do que o amor pelos corpos das
mulheres) (XV, 22).27

Agostinho desenvolveu seu trabalho sempre tendo como elemento


basilar da argumentação o conhecimento e, seguindo os passos de seu mestre
Platão, em quem se inspirou profundamente, deixou escrito em seus textos sua
preocupação que a retórica viesse a ser utilizada, como os sofistas o fizeram, fora
dos valores que pregava, que era o bem e o amor:

Finalmente, se alguém for incapaz de falar ao mesmo tempo com


sabedoria e eloquência, que diga ao menos com sabedoria o que
não consegue dizer com eloquência, de preferência a dizer
eloquentemente coisas tolas. Todavia, quem não é sequer capaz de
fazer isso, deve se comportar de tal maneira para não somente
conseguir a recompensa para si, mas também para dar o exemplo ao
outros, tornando seu modo de viver uma espécie de eloquente
pregação.28

Alguns séculos após Agostinho, surge Bernardo de Claraval (1090-


1153), que sintetiza toda a tradição dos que lhes antecederam com a cultura cristã
da época em que vivia. Tornou-se um dos principais representantes do

27
COSTA, Ricardo da. A retórica na Antiguidade e na Idade Média. Trans/Form/Ação, v. 42, n. SPE,
p. 353-390, 2019. p. 369.
28
AGOSTINHO, Santo, Bispo de Hipona. A Doutrina Cristã: manual de exegese e formação cristã.
Tradução de Nair de Assis Oliveira. São Paulo: Paulus, 2002. p. 274.

26
renascimento do século XII, com grande exploração em seus textos das técnicas
ensinadas nas escolas monásticas medievais.

1.3 A ARGUMENTAÇÃO E RETÓRICA NA IDADE MODERNA

Passada a fase muito voltada à retórica religiosa na idade média, com


grandes oscilações no seu valor ao longo de quase mil anos (restou um pouco
desvalorizada no início da idade média, mas ganhou fôlego após algum tempo,
principalmente depois de Santo Agostinho), no renascimento inicia novo ciclo de
declínio. “As novas ideias vão dar-lhe um golpe mortal, rompendo o elo entre a arte
da argumentação racional (dialética) e a oratória, que lhe davam força e valor”. 29

A partir do século XVII ou XVIII, a retórica é posta a serviço do poder


pontifício e das monarquias. A aristocracia fará dela um instrumento
de distinção social, o que, em conjunto com a disseminação do
método científico e a relevância dada à verdade científica
(Positivismo), leva ao declínio, que se manterá no século XIX – com
a sua rejeição pelos românticos em nome do enaltecimento da
sinceridade –, e em grande parte do século XX.30

Como os discursos eram pobres em argumentação, já que a retórica


era mais destinada aos elogios, contemplações, essa separação entre a dialética e a
retórica relegou a argumentação clássica a um plano secundário.

Pedro Ramus (Pierre de la Ramée, 1515-1572) é considerado um


dos responsáveis por tal separação, pois desmembrou a dialética,
arte da argumentação racional, da retórica, reduzida aos estudos da
ornamentação e das expressões agradáveis, privilegiando a
elocução. E, segundo Moisés (1978), a retórica da Renascença
preocupou-se com a elocução, diferentemente da Idade Média que

29
NEPOMUCENO, Arlete Ribeiro; LEÃO, Sarah Caroline Dias; DOS SANTOS, Edilene Ferreira. Da
antiguidade aos tempos modernos: algumas balizas sobre a retórica. Revista Unimontes
Científica, v. 16, n. 2, p. 53-66, 2014. p. 64.
30
NEPOMUCENO, Arlete Ribeiro; LEÃO, Sarah Caroline Dias; DOS SANTOS, Edilene Ferreira. Da
antiguidade aos tempos modernos: algumas balizas sobre a retórica. Revista Unimontes
Científica, v. 16, n. 2, p. 53-66, 2014. p. 64.

27
privilegiava, além da elocução, a invenção e a disposição. Dois
complexos assuntos eram estudados nesse período: as figuras de
linguagem (como construir o pensamento) e os tropos (como mudar
o sentido das palavras).31

A retórica e a teoria da argumentação, desde sua sistematização por


Aristóteles, sofreram diversos altos e baixos ao longo do tempo. No renascimento,
com o afastamento maior das pessoas em ralação à religião, o aumento do senso
crítico de todos, que passam a questionar antigos dogmas que antes eram impostos
apenas com base na coerção e outrora na fé, a palavra escrita e falada assumiu um
papel de instrumento de proteção do cidadão em face do Estado e de mudança de
paradigma na forma de solução dos problemas, que costumeiramente eram feitos à
força, com subjugação e passou a predominar a razão, a lógica e a civilidade.

A oratória não se reduz a uma técnica com a qual obtemos a vitória


no debate público: ela configura o bom uso da palavra que deve
permitir aos cidadãos resolver suas diferenças em nome do bem
comum. A retórica, portanto, é a linguagem da política que vincula o
homem à sua cidade e o capacita para a ação coletiva no espaço
público. O discurso retórico é o sinal claro de que os cidadãos não
podem ser coagidos pela força ou pela violência, mas que devem ser
considerados iguais perante a lei. Ora, é exatamente essa
associação entre retórica e política que parece enfraquecida na
Idade Média.32

Com todo esse contexto, dentro do próprio período do renascimento


houve fases distintas que a retórica e a argumentação enfrentaram. Questões
religiosas, muito influentes na idade moderna (assim como foi na idade média),
também fazem suas interferências na arte da argumentação renascentista. Os
movimentos reformistas e secções que a Igreja Católica teve são exemplos disso:

31
OLIVEIRA, Esther Gomes. Argumentação: da Idade Média ao século XX. Signum: Estudos da
Linguagem, v. 7, n. 2, p. 109-131, 2004. p. 114.
32
ADVERSE, Helton. Política e retórica no humanismo do Renascimento. O que nos faz pensar,
[S.l.], v. 19, n. 27, p. 27-58, maio de 2010. ISSN 0104-6675. Disponível em:
http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio.br/index.php/oqnfp/article/view/298>. Acesso em: 23 mar.
2022.

28
No contexto das transformações religiosas do século XVI,
conhecidas como Reforma, dá- se início a uma retórica da literatura,
na qual houve uma cisão entre os componentes lógicos e estéticos
da retórica, afastando-se do aristotelismo escolástico, isto é, do
logicismo que dominou os pensadores na segunda metade da Idade
Média.33

Nesta linha é que Petrus Ramus (1515-1572) propõe a simplificação da


retórica aos estudos dos meios e da expressão do que seja agradável. A partir
desse pensamento é que a retórica perde muita sua admiração e reduz o alcance da
argumentação persuasiva, mantendo pouca posição de destaque até o séc. XVIII.34

Daí em diante (séc. XVIII) pouco se produziu de relevante na


teorização da argumentação ou retórica, sendo que somente a partir do século XX a
retórica volta à tona com Chaïm Perelman e outros expoentes que lhe seguem,
como por exemplo Manuel Atienza e Robert Alexy, como veremos no capítulo
seguinte.

33
NEPOMUCENO, Arlete Ribeiro; LEÃO, Sarah Caroline Dias; DOS SANTOS, Edilene Ferreira. Da
antiguidade aos tempos modernos: algumas balizas sobre a retórica. Revista Unimontes
Científica, v. 16, n. 2, p. 53-66, 2014. p. 64.
34
NEPOMUCENO, Arlete Ribeiro; LEÃO, Sarah Caroline Dias; DOS SANTOS, Edilene Ferreira. Da
antiguidade aos tempos modernos: algumas balizas sobre a retórica. Revista Unimontes
Científica, v. 16, n. 2, p. 53-66, 2014. p. 64.

29
CAPÍTULO 2

A TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA DE ROBERT ALEXY E


PONTUAÇÕES SOBRE A ATIVIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

2.1 NOÇÕES GERAIS DA OBRA DE ROBERT ALEXY

Foi com o movimento de intensa positivação do Direito, mormente após


o Código Civil francês de 1804, onde buscou-se maior segurança jurídica com o
Direito escrito, na tentativa de minimizar o arbítrio do aplicador das normas com a
subsunção entre o que fora previsto abstratamente na lei e o caso em concreto.

Ocorre que a experiência mostra que o Direito positivado não consegue


prever todas as possibilidades de problemas possíveis de ocorrerem; a norma
escrita sempre está um passo atrás da dinâmica da vida em sociedade.

Fora esse delay legislativo, existe o problema de eventual precariedade


na linguagem exposta na norma acaso existente, o que redundará em maior
margem discricionária para interpretação e, via de consequência, o aumento dos
riscos que se buscou reduzir com a codificação.

Robert Alexy, considerado um dos principais autores da linha pós-


positivista de viés procedimentalista, é fundamental para entender o caráter
legitimador da argumentação jurídica, tanto no que diz respeito à validade das
normas jurídicas, quanto no papel do direito como ferramenta de resolução dos
conflitos sociais.35

35
ZANON JUNIOR, Orlando Luiz; KIRTSCHIG, Guilherme. Argumentação jurídica e aprendizado
profundo. Revista de Direito Público, v. 18, p. 194-217, 2021.

30
Daí porque Alexy, após dizer que invariavelmente a decisão jurídica
“não se segue logicamente das formulações das normas jurídicas que se supõem
vigentes”. Propõe o autor quatro motivos para tal:

(1) a imprecisão da linguagem do Direito, (2) a possibilidade de


conflitos entre as normas, (3) a possibilidade de haver casos que
requeiram uma regulamentação jurídica, uma vez que não cabem em
nenhuma norma válida existente, bem como (4) a possibilidade, em
casos especiais, de uma decisão que contraria a literalidade da
norma.”36

Diante desses problemas é que a metodologia jurídica entra para


apaziguar os ânimos e tentar fornecer as regras e procedimentos para orientar a boa
formação das decisões jurídicas, sendo os chamados “cânones de interpretação” 37
os meios mais comuns para essa tarefa.

No entanto, os cânones mais conhecidos (método filológico, lógico,


sistemático, histórico e outros) apresentam um problema: a depender de qual deles
é usado, a solução da controvérsia pode ser muito diferente entre eles. Assim, um
uso metodológico e científico desse sistema necessita de uma prévia ordenação
preferencial entre eles ou uma hierarquia, celeuma este que a ciência jurídica ainda
não apontou a solução.38

Alexy traz interessante exemplo ao mencionar que determinada regra


que prescreva que a interpretação da norma deve ser dada conforme ela cumpra
seu objetivo, pode ter sentidos totalmente opostos, caso os intérpretes tenham
opinião diferentes sobre o objetivo dela. Assim, esses métodos, embora deficientes,
não podem ser desprezados, mas não podem jamais serem considerados idôneos

36
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. 6ª ed. Tradução de: Zilda Hutchinson Schild Silva. Rio de Janeiro: Forense,
2021. p. 18/19.
37
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 18.
38
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 19.

31
para sozinhos, darem a segurança jurídica necessária para obter a melhor decisão
racional possível.39

A subsunção do fato à norma não considera necessariamente a


valoração do aplicador. E a valoração, inquestionavelmente, está presente em
qualquer aplicação de lei, até mesmo nos casos claros, onde os argumentos
contrários à tese que sustenta a clareza sofrem o juízo de valor negativo, como não
aplicáveis à hipótese, justamente pela evidência dos outros. E não é difícil verificar a
existência de diversos casos em que o mero silogismo não é suficiente para a
justificação da decisão:

Alexy identifica que as decisões jurídicas possuem dois padrões de


justificação: uma justificação interna, na qual se liga as premissas
extraídas do ordenamento jurídico ao resultado, e uma justificação
externa, que sustenta fundamentadamente as premissas utilizadas
na justificação interna. A justificação interna costuma estar associada
ao silogismo, mas também faz parte dela, no caso da teoria de Alexy,
a estrutura da fórmula da proporcionalidade, quando esta for
necessária à decisão. A teoria da argumentação jurídica e suas
regras são voltadas para a justificação externa.40

Na obra Teoria da Argumentação Jurídica, Robert Alexy explica que se


trata de justificação interna quando a análise é se “a decisão se segue logicamente
das premissas que se expõem como fundamentação; e o objeto da justificação
externa é a correção destas premissas.”41

Já Manuel Atienza faz a diferenciação entre ambas as formas de


justificação sob o prisma da natureza dos casos a serem enfrentados, se se trata de

39
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 19.
40
SOLIANO, Vitor. Jurisdição constitucional e decisão judicial: controle através da argumentação
jurídica? Um diálogo entre Neil MacCormick e Robert Alexy. Revista do Instituto de Hermenêutica
Jurídica. Belo Horizonte, n. 21, p. 10.
41
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 195.

32
questões simples (subsunção lógica) ou casos difíceis, onde nem sempre podem
ocorrer argumentações dedutivas:

Nos casos jurídicos simples ou rotineiros, pode-se considerar que o


trabalho argumentativo do juiz se reduza a efetuar uma inferência
desse tipo (que de todas as formas, e sem necessidade de sair dos
casos simples, pode oferecer mais complicações do que as
sugeridas pelo esquema; basta pensar que, na realidade, em
qualquer caso jurídico que se procure resolver se aplica um número
muito elevado de normas e que, por exemplo, no Direito Penal é
preciso passar da solução parcialmente indeterminada contida no
Código – prisão maior – para a solução plenamente determinada –
oito anos e um dia – contida na sentença). Mas, naturalmente, além
dos casos simples há também casos difíceis (de que se ocupa em
especial a teoria da argumentação jurídica), isto é, suposições nas
quais a tarefa de estabelecer a premissa fática e/ou a premissa
normativa exige novas argumentações que podem ou não ser
dedutivas. Wróblewski (e a sua terminologia é hoje amplamente
aceita) chamou ao primeiro tipo de justificação, o que se refere à
validade de uma inferência a partir de premissas dadas, justificação
interna. E ao segundo tipo de justificação, o que põe à prova o
caráter menos ou mais fundamentado de suas premissas,
justificação externa (Wróblewski, 1971 e 1974). A justificação interna
é apenas questão de lógica dedutiva, mas, na justificação externa, é
preciso ir além da lógica em sentido estrito. As teorias da
argumentação jurídica que vamos estudar nos capítulos seguintes
deste livro se ocupam fundamentalmente desse segundo tipo de
justificação.42

Alexy bem coloca a necessidade de se discutir metodológica e


cientificamente a questão da valoração e da argumentação jurídica. Aponta o autor
que:

A resposta a essas perguntas é de grande importância teórica e


prática. Dela depende, ao menos em parte, o caráter científico da

42
ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito - Teoria da Argumentação Jurídica. Rio de Janeiro: Grupo
GEN, 2014. 978-85-309-5571-7. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/978-85-309-5571-7/. Acesso em: 21 abr. 2022. p.
32.

33
jurisprudência. Ela tem, além disso, um relevante peso em relação ao
problema da legitimidade da regulação dos conflitos sociais mediante
decisões judiciais.43

Como o respeito aos precedentes é um dos pilares de uma boa


argumentação racional, tornar científica a jurisprudência tem papel fundamental
nessa discussão, haja vista que o sistema dos precedentes for tratado como
resultado do acaso ou sem qualquer amparo científico, não teria sentido incluí-lo
como uma das bases da argumentação racional.

Por maioria de razão o autor levanta o debate acerca da legitimidade


das decisões judiciais através da própria racionalidade mesma que delas se exige.
Por tal motivo é que as justificações das decisões judiciais têm relevante papel na
construção da legitimidade constitucional do exercício do Poder Judiciário:

O objetivo da argumentação jurídica é justificar a própria posição


sobre a questão jurídica levantada; ou seja, deve ser justificado com
razões aceitáveis e convincentes para que uma posição seja
assumida. [...] Visa também alcançar a adesão do público a quem se
dirige, mas discute-se se o argumento persuade ou convence, pois
persuadir significa fazer com que a outra parte adira à nossa tese,
enquanto convencer refere-se a impor nossa tese contra a tese do
oponente, ou seja, derrotá-lo.44

Duas principais funções, portanto, são extraídas do texto acima acerca


da argumentação: a função de justificação e a função de convencimento. Para o
Poder Judiciário, justificação encontra-se no centro das atenções, uma vez que é

43
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. Tradução Zilda Hutchinson Schild Silva. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2021. P. 22
44
SIFUENTES. Ernesto Galindo. ¿Qué es argumentar?: Retórica y lingüística. Revista del Instituto
de la Judicatura Federal, n° 24, México, 2007, p. 31-67. p. 35. Texto original: “La argumentación
jurídica tiene como fin la justificación de la propia posición sobre la cuestión jurídica planteada; es
decir, se deberá justificar con razones aceptables y convincentes el porqué se asume una postura.
(...) También tiene como fin lograr la adhesión del auditorio a quien se dirige, pero se discute si la
argumentación persuade o convence, debido a que persuadir significa lograr que la otra parte se
adhiera a nuestra tesis, mientras que convencer se refiere a imponer nuestra tesis frente a la tesis
del contrario, esto es, vencerlo.” (livre tradução do autor)

34
pela argumentação jurídica e racional que se desenvolve um modelo democrático de
exercício do poder estatal, eis que torna essa importante atividade mais afastada
das imprevisões (com o respeito aos precedentes os casos novos já possuem uma
perspectiva bem aproximada do resultado que terá no foro), caprichos pessoais
(com o respeito à lei as vontades pessoais ficam limitadas) e restrição à criação
inusitada de decisões sem respaldo no direito (com a submissão à dogmática
jurídica evita-se decisões embasadas, exclusivamente, em elementos de fora da
ciência do direito).

Assim, essa legitimidade tem que estar cravada em algum terreno


firme, e outro não há melhor do que a da argumentação racional, pois ela
impessoaliza, torna previsíveis, ao menos de modo aproximado, futuras decisões a
respeito de casos semelhantes já julgados, entregando o que mais se espera do
órgão aplicador da lei: Justiça e segurança jurídica.

Daí porque Alexy lança três importantes perguntas a respeito

(1) onde e em que medida são necessárias valorações, (2) como


atuam essas valorações nos argumentos qualificados com
“especificamente jurídicos” e (3) se tais valorações são passíveis de
fundamentação racional [...]45

Delimitando a gradação da racionalização (quanto mais aberta for a


margem de valoração, maior será a necessidade uma argumentação racional mais
elaborada), seu campo de atuação (onde ela é necessária) e tornando científica sua
metodologia para aplicação aos argumentos jurídicos, certamente uma longa
jornada rumo a uma aplicação do direito mais justa terá sido percorrida. Começa aí a
fase embrionária da teoria do discurso de Alexy:

A teoria do discurso é uma teoria procedimental da racionalidade


prática. De acordo com a teoria do discurso uma proposição prática

45
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. Tradução Zilda Hutchinson Schild Silva. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2021. P. 22.

35
ou normativa é correta (ou verdadeira) se e somente se ela pode ser
o resultado de um discurso prático racional. As condições da
racionalidade discursiva podem ser explicitadas através de um
sistema de princípios, regras e formas do discurso prático geral. Esse
sistema compreende regras que exigem não-contradição, clareza
de linguagem, certeza das suposições empíricas e sinceridade,
bem como regras e formas que dizem respeito a consequências,
ponderações, universalizabilidade e à gênese de convicções
normativas. O núcleo procedimental consiste em regras que
garantem liberdade e igualdade no discurso, através da
concessão a todos do direito de participar no discurso e de
questionar e defender qualquer afirmação.46 (grifo nosso)

A reflexão acima de Alexy encontrará aplicação concreta quando


adiante analisarmos, mais adiante no capítulo 3, os processos perante o Tribunal do
Júri, onde há limitação argumentativa de determinadas matérias impostas pela lei e
pela jurisprudência.

2.2 A TESE DO DISCURSO JURÍDICO COMO CASO ESPECIAL

Como a argumentação em que Ministério Público geralmente usa se dá


no âmbito jurídico (no plenário do Tribunal do Júri o orador poderá optar por conduzir
seu discurso pelas regras do discurso prático geral, dada a peculiaridade do
auditório, apenas com algumas limitações pontuais do discurso jurídico), cumpre
abordar este tópico tratando da relação entre a argumentação jurídica e a
argumentação prática geral trazida por Alexy.

46
ALEXY, Robert. Coleção Fora de Série - Teoria Discursiva do Direito, 3ª edição. Rio de Janeiro:
Grupo GEN, 2018. 9788530982829. Disponível em: https://integrada.minha
biblioteca.com.br/#/books/9788530982829/. Acesso em: 26 fev. 2022. p. 268.

36
O autor trata essa relação como “tese do caso especial”, que, no seu
entender, pode ter três significados: “tese da secundariedade, da adição e da
integração.”47

Na secundariedade, o resultado da reflexão ou fundamentação é obtido


pelas regras do discurso prático geral e o discurso jurídico só daria uma “legitimação
secundária do resultado obtido dessa maneira”48. A tese da secundariedade
praticamente ignora a importância da argumentação jurídica e seu valor como
direcionamento a uma racionalidade do discurso.

Já a tese da adição faz o raciocínio em sentido inverso à tese da


secundariedade. A fundamentação inicia-se jurídica, no entanto, em determinados
casos a limitação impõe que a argumentação jurídica vá só até determinado ponto,
posto que “já não são possíveis outros argumentos especificamente jurídicos.”49 Daí
para frente entra em cena a argumentação prática geral.

Como terceira via, que é a adotada na teoria da argumentação jurídica


de Robert Alexy, propõe o autor a tese da integração, onde “o uso de argumentos
especificamente jurídicos devem unir-se, em todos os níveis, aos argumentos
práticos gerais.”50

A interpretação da teoria do discurso da racionalidade jurídica


encontra sua expressão mais clara na tese do caso especial. A tese
de que o discurso jurídico é um caso especial do discurso prático

47
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. Tradução Zilda Hutchinson Schild Silva. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2021. P. 31.
48
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. Tradução Zilda Hutchinson Schild Silva. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2021. p. 31.
49
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 31.
50
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 31.

37
geral tem sido aceita por alguns e criticada veementemente por
outros.51

Em síntese, entende o autor que o discurso jurídico possui caracteres


diferenciadores do discurso prático geral porque aquele tem limites que este não
possui, qual seja: o respeito à lei, a consideração obrigatória dos precedentes,
enquadramento na dogmática e, em alguns casos, as limitações das regras
processuais.52

2.3 A ARGUMENTAÇÃO DOGMÁTICA PARA ROBERT ALEXY

Para Alexy a dogmática jurídica é uma disciplina pluridimensional, pois


compreende a descrição do direito vigente (dimensão empírico-descritiva), a sua
análise sistemática e conceitual (dimensão analítico-lógica) e a elaboração de
propostas para a solução de casos jurídico-problemáticos (dimensão prático-
normativa). No entanto, sustenta que as três dimensões são muito interligadas, pois
para se descrever o direito vigente, pressupõe-se o conhecimento desse mesmo
direito ou pelo menos uma conceituação elementar para se saber que pode ser
considerado direito.53

A dogmática, por sua vez, deve ser utilizada para analisar logicamente
os conceitos jurídicos, mas sem correr o risco de engessar essa evolução do direito,
posto que a simples análise sem brecha para a otimização do direito redundaria num
círculo vicioso onde o direito ficaria parado no tempo. Para sanar tal inconveniente,
propõe Alexy que se reconduza esta mesma análise lógica a um sistema e, dessa
recondução, sejam aplicados os resultados dessa análise na fundamentação das

51
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 278.
52
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 28.
53
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. 6ª ed. Tradução de: Zilda Hutchinson Schild Silva. Rio de Janeiro: Forense,
2021. P. 220/221.

38
decisões jurídicas. Como a aplicação da dogmática será feita sempre em conjunto
com outros elementos (ou enunciados dogmáticos já estabelecidos ou argumentos
práticos gerais) e com algumas condicionantes (respeito à lei, a outros enunciados
dogmáticos, valores sociais à época da aplicação etc.), garante-se, desta forma, a
oxigenação do direito.54

Para objetivar mais a conceituação de dogmática jurídica, traçando


condições que este conceito deve seguir, Alexy propõe que como os argumentos
jurídicos devem estar apoiados na dogmática, propõe o autor que por dogmática
seja conveniente se entender um conjunto de enunciados e não de atividades. Por
outro lado, estes mesmos enunciados não podem estar soltos, mas sim relacionados
com a legislação e a jurisprudência. Não que naquele caso a dogmática se
restringisse à compilação de leis e neste, no apanhado de precedentes, mas os
tribunais, valendo-se dos enunciados dogmáticos, acabam por retroalimentar a
própria dogmática, inovando sempre que possível, desde que respeitadas algumas
regras que veremos a seguir.55

Formando um todo coerente (não podem se contradizer


principalmente), os enunciados dogmáticos diferem dos enunciados práticos de tipo
geral principalmente por serem aqueles trabalhados no campo da ciência jurídica
que funciona institucionalmente. Isto é relevante porque, em relação ao tempo,
conclusões tidas como sedimentadas podem ser sempre reavaliadas através dos
novos casos e confirmadas ou não. Já em relação ao objeto, “os efeitos de uma
solução são controláveis por meio das soluções de outras questões.”56 Por fim, o
conteúdo normativo da dogmática a autoriza a ser utilizada como argumento

54
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 222.
55
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. 6ª ed. Tradução de: Zilda Hutchinson Schild Silva. Rio de Janeiro: Forense,
2021. p. 223.
56
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 224.

39
decisório para questões onde os argumentos empíricos falham ou são
insuficientes.57

Essas questões resolvem alguns problemas, mas deixa aberto outro:


quais são os enunciados podem ser tidos como dogmáticos jurídicos?

Para Alexy, reconhecendo a provisoriedade desta classificação devido


não existir ainda uma análise dos diferentes enunciados que seja realizada com
métodos modernos, se conforta ao menos em dizer que ao menos “é suficiente para
a formulação limitada que aqui se segue sobre o papel dos argumentos dogmáticos
no discurso jurídico.58

Primeiro a definição dos conceitos jurídicos genuínos (como por


exemplo legítima defesa) situa-se no centro da dogmática jurídica. Disso se extrai
que a interdependência com a lei é clara, já que, só se sabe o que seja legítima
defesa por exemplo, através normas jurídicas que regulam este instituto. Esclarece
Alexy que:

Esta relação dos conceitos jurídicos genuínos com normas jurídicas


permite ao mesmo tempo esclarecer que a proposta de mudança de
um desses conceitos implica uma proposta de mudança das normas
a que se referem e que quem designa um determinado fato hipotético
com um desses conceitos, subsume este fato hipotético às normas
que constituem esse conceito.59

Ocorre que, embora se reconheça que definir os conceitos jurídicos


genuínos seja atribuição da dogmática jurídica, determinadas normas jurídicas
possuem conceitos mais abertos que evidentemente não são genuinamente
jurídicos, como por exemplo “mulher honesta”, do antigo art. 215 do CP. O fato de se

57
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 224.
58
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 224.
59
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 225.

40
ter esta abertura conceitual não implica dizer que que se deve abrir mão da
investigação dogmática em prol das regras de interpretação.

Quando enunciados expressam uma norma que não é extraída


diretamente da lei o problema é mais complexo ainda. Alexy discorda da posição de
Rottleuthner quando diz que “os enunciados dogmáticos são aqueles que a maioria
dos juristas consideram corretos”60. E com razão, posto que justifica dizendo que
ocorre aí uma equiparação da dogmática com a opinião dominante, sendo suficiente
para se considerar dogmático um enunciado apenas a aprovação da maioria dos
juristas e não que esta maioria o considere correto.61

Em outra senda, Alexy considera que existam critérios pressupostos


pela dogmática jurídica, como o da não contradição dos enunciados dogmáticos com
as normas vigentes (critério negativo). Há também critérios positivos, os quais rezam
que pode ser apresentado em favor de determinado enunciado argumentos
apoiados em outras normas jurídicas ou até mesmo em enunciados já reconhecidos
como dogmáticos, e que tal enunciado de referência seja formulado em linguagem
jurídica (critério adicional). 62

Por fim, a categoria de enunciados dogmáticos formada pelas


descrições e caracterizações de estados de coisas trabalham em conjunto com as
categorias das formulações dos princípios. Isto ocorre porque os princípios -
conceituados por Alexy como “enunciados normativos de um alto nível de
generalidade que, normalmente, não podem ser aplicados sem agregar premissas
normativas adicionais e, muitas vezes, experimentam limitações por meio de outros

60
ROTTLEUTHNER, Hubert. Rechtswissenschaft als Sozialwissenschaft (A Jurisprudência como
Ciência Social, p. 178). In: ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso
racional como teoria da fundamentação jurídica. 6ª ed. Tradução de: Zilda Hutchinson Schild Silva.
Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 226.
61
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. 6ª ed. Tradução de: Zilda Hutchinson Schild Silva. Rio de Janeiro: Forense,
2021. p. 226.
62
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. 6ª ed. Tradução de: Zilda Hutchinson Schild Silva. Rio de Janeiro: Forense,
2021. p. 226.

41
princípios”63 – precisam das descrições dos estados de coisas a fim de o aplicador
da norma saber o campo de atuação dela.”

Após traçar esta classificação geral dos enunciados da dogmática


jurídica, Alexy propõe o estudo e análise da teoria da dogmática em partes: o uso
dos enunciados dogmáticos; a fundamentação e comprovação de enunciados
dogmáticos; as funções da dogmática.64

Quanto ao uso dos enunciados dogmáticos, se o enunciado a ser


fundamentado precisar de outros enunciados dogmáticos para fundamentá-lo, cuida-
se então da chamada fundamentação dogmática pura. Por outro lado, se é
necessário o uso de argumentos práticos gerais ou até mesmo normas jurídicas
positivadas, daí teremos a fundamentação dogmática impura. 65

Um ponto interessante nessa abordagem do uso dos enunciados


dogmáticos na argumentação jurídica é que os enunciados dogmáticos nem sempre
precisam ser fundamentados:

O uso não justificativo ocorre quando um enunciado dogmático não é


posto em dúvida e, portanto, constitui uma opinião dogmática. Isso
não é necessariamente sinal de uma atitude acrítica. Há, como ainda
se mostrará, motivos racionais para considerar que, até um certo
ponto, o uso não justificativo é obrigatório. Isso é inclusive necessário
em trabalhos dogmáticos críticos. Nenhum dogmático pode
fundamentar todos os enunciados dogmáticos em que se apoia para
a discussão de seu problema. Isso não teria fim. Um corolário do
enunciado geral é que ninguém pode fundamentar tudo
simultaneamente.66

63
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 227.
64
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 227.
65
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 228.
66
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 228.

42
Assim, com, não raras as vezes, essa não fundamentação é até
necessária, sob pena de inviabilizar por exemplo o sistema de Justiça. Noutros
casos, permite-se usá-los numa fundamentação, desde que justificados por outros
argumentos. Na primeira hipótese temos o uso não justificativo e, nesta última, o uso
justificativo.67

Quanto à fundamentação dos enunciados dogmáticos, Alexy propõe


que eles não podem se fundar apenas em normas jurídicas ou em enunciados
empíricos. A primeira hipótese não se sustentaria porque de nada valeriam os
enunciados dogmáticos para fundamentar uma argumentação sobre conteúdo que
exceder ao da norma que o sustenta. Já na segunda hipótese (de fundamentação
apenas por enunciados empíricos), os enunciados dogmáticos não teriam conteúdo
normativo. Conclui Alexy dizendo que: “Isso não significa que na fundamentação de
enunciados dogmáticos não sirvam para nada as normas vigentes e os fatos, ao
contrário. Mas prova que nem umas nem outros são por si só suficientes.” 68

Importante ressaltar também que Alexy permite o uso de enunciados


dogmáticos para fundamentar novos enunciados dogmáticos. No entanto, como
esses enunciados-base também são fundamentados, em determinado momento os
enunciados dogmáticos terminam e serão necessários outros argumentos. “Como os
enunciados dogmáticos têm conteúdo normativo, estes outros argumentos só podem
ser argumentos práticos de tipo geral.”69

Sintetiza o Alexy sobre a fundamentação e comprovação de


enunciados dogmáticos em duas regras:

67
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 228.
68
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 228.
69
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 228.

43
(J.10) Todo enunciado dogmático, se é posto em dúvida, deve ser
fundamentado medianta o emprego, pelo menos, de um argumento
prático de tipo geral.

(J.11) Todo enunciado dogmático deve enfrentar uma comprovação


sistemática, tanto em sentido estrito como em sentido amplo.70

Para finalizar a tratativa sobre a dogmática jurídica, a análise de suas


funções faz-se muito importante. Na teoria da argumentação jurídica de Alexy, a
primeira das funções da dogmática é a estabilização. Explica o autor que se
tivéssemos que rediscutir todos os casos novamente, mesmo que respeitando as
regras do discurso, resultados diferentes seriam alcançados para as mesmas
situações prática, e isto não é condizente com o princípio da universalidade. Desta
forma, pode-se estabelecer, por certo tempo, determinadas formas de decisão.71

Entra em cena, neste contexto, o citado princípio da inércia de


Perelman, já que, embora a dogmática jurídica tenha função estabilizadora, isso não
significa que seus postulados devam permanecer indiscutíveis. Não só podem como
devem ser repensados e rediscutidos, até mesmo pela necessidade constante de
evolução do direito. Ocorre que quem pretenda abandonar um enunciado dogmático,
deve fazê-lo justificadamente. A carga da argumentação recai sobre os ombros
daquele que queira afastá-lo, e deve ser forte o suficiente não só para não aplicar o
que já fora estabelecido, com também para justificar a nova solução.72 Neste
sentido, Perelman ensina que:

De fato, a inércia permite contar com o normal, o habitual, o real, o


atual e valorizá-lo, quer se trate de uma situação existente, de uma
opinião admitida ou de um estado de desenvolvimento contínuo e
regular. A mudança, em compensação, deve ser justificada; uma

70
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 231.
71
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 232.
72
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 232.

44
decisão, uma vez tomada, só pode ser alterada por razões
suficientes. Numerosíssimas argumentações insistem em que nada
nesse caso justifica uma mudança.”73

A dogmática jurídica possui também uma função importantíssima que é


a de progresso. A discussão jurídica ampliada no tempo possibilita diversas visões
diferentes sobre o mesmo assunto e isso é importante para a confirmação do que
fora estabelecido, abandonar determinado enunciado dogmático ou apenas ajustá-
lo. No entanto, esta evolução da dogmática não depende apenas do cientista
jurídico, posto que está atrelada principalmente às alterações legislativas e mudança
dos valores da sociedade.74

Justamente por ser dinâmico o direito, os seus operadores também


precisam sê-lo. Mormente no Brasil onde o número de processos é muito alto em
relação à população em geral e ao número de juízes, a função de descarga assume
papel relevantíssimo nas argumentações jurídicas judiciais, eis que economiza
tempo e otimiza a função de prestação jurisdicional do Estado.

É possível, portanto, adotar nas fundamentações dogmáticas


enunciados já estabelecidos e assentes no meio jurídico sem a necessidade de nova
comprovação. Um bom exemplo de enunciado dogmático é o que reza que a
ninguém é dado beneficiar-se pela própria torpeza. Ao invocar este postulado em
determinada argumentação jurídica, o falante não precisará tecer longa
fundamentação com inúmeros julgados, doutrina de autores de peso para provar
algo tão pacífico no direito. Bastará mencionar o enunciado dogmático e a outra
parte, caso tenha alguma razão especial para tanto, que terá que refutá-lo. Quem
invocá-lo, portanto, estará desobrigado de comprová-lo.75

73
PERELMAN, Chaïm; Olbrechts-Tyteca, Lucie; Tratado da argumentação: a nova retórica. p. 120.
74
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 233.
75
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 233/234.

45
Nada mais natural que assim seja, haja vista que caso se exigisse
sempre a comprovação ou então que se demandasse longas considerações acerca
de enunciados já sedimentados, mormente na dinâmica de rapidez e racionalidade
de tempo que o mundo moderno exige, os discursos jurídicos seriam impraticáveis.

2.4 O USO DOS PRECEDENTES PARA ROBERT ALEXY

O discurso jurídico racional, como vimos, deve, dentre outros aspectos,


respeitar os procedentes. Para Alexy, a grande função dos procedentes é assegurar
a aplicação do princípio da universalidade (e não da igualdade ou isonomia, como
comumente chamamos no Brasil). Sobre a importância dos precedentes, com maior
grau nos ordenamentos jurídicos onde prepondera o commom law, mas que também
possuem grande relevância nos de civil law, temos o seguinte:

No sistema de precedentes da Commom Law, a norma expressa em


determinada decisão judicial (holding) e sua motivação central (ratio
decidenci) têm caráter vinculante (binding) e aplicam-se aos casos
futuros, chamando-se essa obrigatoriedade de stare decisis, dela
excluídas, apenas, as notas incidentais e acessórias (obter dictum)
registradas na fundamentação (opinion). É importante esclarecer
que, se a decisão do caso particular vincula as partes, não é esse
resultado da demanda, propriamente, que forma o precedente. Este
se compõe de razões jurídicas consistentes em proposições de
direito, doutrinas aplicadas e fatos até mesmo doutrinas abstratas
lançadas na fundamentação, formando os princípios substanciais
que dão corpo ao elemento autoritativo. Assim, as decisões das
controvérsias devem basear-se em princípios de direito já seguidos
em casos anteriores e as interpretações das leis (statutes) irradiam-
se pelo sistema jurídico e afetam sua compreensão com um todo,
instituindo um sistema de regras e princípios amalgamados.76

76
SALLES, Bruno Makowiecky. Acesso à Justiça e equilíbrio democrático: intercâmbios entre civil
law e commom law. vol. 1. Belo Horizonte: Editora Dialética, 2021. p. 201.

46
Ocorre que o cerne da questão se resume a determinar-se o que
distingue um caso de outro e, nessas distinções, o que é relevante ou não, posto
que “nunca há dois casos completamente iguais”.77

A princípio, sendo iguais as circunstâncias relevantes entres os casos,


a regra é a aplicação do precedente à hipótese concreta. Ocorre que, mesmo
considerando-se iguais as características mais importantes dos casos, pode
acontecer de a valoração de uma ou mais dessas características tenha mudado.
Portanto, em respeito à pretensão de correção que o Direito sempre almeja, em tal
contexto será natural (e exigível) uma tomada de decisão diversa do que fora
estabelecido pelo paradigma. A esse respeito, Alexy informa que:

Condição geral é que a argumentação seja justificável. Nesta


situação surge como questão de princípio a exigência do respeito
aos precedentes, admitindo afastar-se deles, mas cabendo em tal
caso a carga da argumentação a quem queira se afastar.78

É o que Perelman chama de princípio da inércia, onde o respeito aos


precedentes é fundado no que comumente se espera de uma sociedade
minimamente estável. Vejamos:

O mais das vezes, entretanto, o orador só pode contar, para suas


presunções, com a inércia psíquica e social, que, nas consciências e
nas sociedades, corresponde à inércia na física. (...)

De fato, a inércia permite contar com o normal, o habitual, o real, o


atual e valorizá-lo, quer se trate de uma situação existente, de uma
opinião admitida ou de um estado de desenvolvimento contínuo e
regular. A mudança, em compensação, deve ser justificada; uma

77
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 238. p. 238.
78
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 238.

47
decisão, uma vez tomada, só deve ser alterada por razões
suficientes.79

Embora o respeito aos precedentes seja uma das máximas da teoria


de Perelman e de Alexy, ambos os autores concordam que se deve dar margem às
mudanças, principalmente quando fundadas em necessidade de aprimoramento do
direito, mas sempre justificadas. Ainda a respeito do princípio da inércia de
Perelman:

O princípio da inércia de Perelman possui uma importância


considerável. Quando um falante afirma algo, seus parceiros de
discussão têm, de acordo com (2), o direito de exigir uma
fundamentação. Um enunciado ou uma norma contrária que é
pressuposta na comunidade dos falantes como verdadeira ou válida,
mas que não é expressamente afirmada ou discutida pode, de
acordo com esse princípio, ser questionada somente através da
indicação de uma razão.80

Essa justificação implica numa carga de argumentação (que é uma das


regras do discurso jurídico) sobre aquele que pretende expor a exceção, o diferente,
tal como se fosse uma espécie de ônus argumentativo.

Adiante, Alexy resume as regras gerais do uso dos precedentes:

Quando se puder citar um precedente a favor ou contra uma decisão,


deve-se fazê-lo.
Quem quiser se afastar de um precedente, assume a carga da
argumentação.81

79
PERELMAN, Chaïm; Olbrechts-Tyteca, Lucie; Tratado da argumentação: a nova retórica. 3ª ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2014. P. 119/120.
80
ALEXY, Robert. Coleção Fora de Série - Teoria Discursiva do Direito, 3ª edição. Rio de Janeiro:
Grupo GEN, 2018. 9788530982829. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.
com.br/#/books/9788530982829/. Acesso em: 26 fev. 2022. p. 51.
81
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. Tradução Zilda Hutchinson Schild Silva. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2021. p. 240.

48
Sobre tal tema, o art. 489, parágrafo primeiro, inciso VI, do Código de
Processo Civil, disciplina que:

Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela


interlocutória, sentença ou acórdão, que:

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou


precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de
distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento 82.

No caso, as locuções do texto da lei “distinção” e “superação do


entendimento” remetem, respectivamente, aos institutos do distinguishing e
overruling.

Considerando que a aplicação dos precedentes é uma das regras para


racionalizar a argumentação jurídica, dela não pode fugir o aplicador da norma, seja
para aplicar o precedente, seja para afastá-lo, em qualquer dos casos
justificadamente. Com isso, abre-se a vertente de discussão sobre o que deve ser
considerado como norma diante de determinado precedente, pois “O Direito do
precedente é também um Direito de normas”.83 Com isso, muito se produziu a
respeito da distinção entre ratio decidendi e obiter dictum.

No entanto, Alexy praticamente ignora essa distinção pretendia e foca


na possibilidade de aplicação do distinguishing e do overruling, sempre de maneira
fundamentada. Desta maneira, o princípio da universalidade e a regra da carga da
argumentação se encarregam de dar a conotação racional ao uso dos
precedentes.84

82
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm#art1045. Acesso em: 13
mar. 2022.
83
KRIELE, Martin. Theorie der Rechtsgewinnung, p. 85. In: ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação
Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Tradução Zilda
Hutchinson Schild Silva. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 241.
84
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. Tradução Zilda Hutchinson Schild Silva. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2021. p. 241.

49
De fato, a concentração de esforços na identificação do distinguishing e
do overruling é mais relevante do que saber a diferença entre a ratio decidendi e
obiter dictum, posto que no distinguishing, uma vez identificado determinado ponto
no fato novo que o difere do precedente, o precedente será mantido, sem prejuízo
que se crie, no caso à parte, um precedente próprio considerando aquela distinção.
No entanto, o primeiro precedente se manterá intacto. Já no overruling, o precedente
será afastado por superação mesma da orientação jurisprudencial outrora
sedimentada.

Por outro lado, a discussão posta entre a ratio decidendi e a obiter


dictum prende-se a questões mais superficiais, pois o primeiro se atém em saber se
determinada norma do precedente é a questão de fundo (principal), enquanto a
segunda hipótese (obter dictum) cinge-se a identificar uma argumentação sobre
ponto acessório do precedente, sem a qual, caso não fosse levantada, em nada
alteraria o rumo do precedente em si.

2.5 DO MODELO DE TEORIA A SE DESENVOLVER

Assumindo como verdadeiro, como vimos acima, que o Direito e a


jurisprudência não podem renunciar à valoração, seja na criação da lei ou no
momento de sua aplicação, Alexy prescreve em sua obra que não necessariamente
há espaço “livre para convicções morais subjetivas do ou dos aplicares do
Direito”85.Em especial pelo fato de existir a possibilidade de objetivar tais valorações.

Alexy propõe a análise dos seguintes pontos a fim de iniciar a formação


da teoria: a) quem decide tem que se ajustar aos valores da coletividade ou de
círculos determinados; b) não se deve ser indiferente as convicções daqueles em
nome de quem se fala; c) não se deve prescindir dos resultados dos processos de

85
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. Tradução Zilda Hutchinson Schild Silva. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2021. p. 23.

50
discussão pelos juristas; d) deve-se recorrer ao sistema interno de valorações do
ordenamento jurídico? fazer uso de uma ordem objetiva de valores.86

O primeiro critério, de ajuste do aplicador da norma aos valores da


coletividade, apresenta alguns problemas, como por exemplo a falta de definição do
que sejam esses “valores da coletividade”. Como determiná-los? Num segundo
ponto aprofunda ainda mais a discussão, dizendo que a coletividade deveria
familiarizar-se com todos os casos a decidir, e sabemos que isso não ocorre na
prática. Por fim, esclarece que, mesmo para os casos em que é identificável as
valorações da coletividade, invariavelmente, pela natureza plural da sociedade,
essas valorações podem ser divergentes umas das outras. Qual delas então o
aplicador da lei deve seguir?87

Na proposição “b”, trata o autor alemão do contraponto ao afastamento


da proposição “a”, ensinando que o aplicador da lei não deve ser indiferente às
convicções daquele em nome de quem fala, “já que, se decide como juiz, sua
decisão é pronunciada ‘em nome do povo’”. 88

Por outro lado, quanto aos resultados das discussões jurídicas já feitas,
também não se pode desconsiderá-las. Sugere Alexy um meio termo, um equilíbrio
na aplicação dessas proposições da seguinte maneira:

Daqui se depreende claramente que a alternativa não pode ser:


orientação com base as próprias ideias ou nas daqueles em cujo
nome se aplica o Direito ou ainda nas daqueles que discutem as
questões jurídicas há tempos. Deve-se sim exigir um modelo que,
por um lado, permita levar em conta as convicções aceitas e os
resultados das discussões jurídicas precedentes e, por outro lado,

86
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 23.
87
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 24.
88
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 28.

51
deixe espaço para os critérios do correto. A teoria a se desenvolver
aqui pretende, entre outras coisas, oferecer tal modelo.89

Observa-se que Alexy busca o não engessamento do Direito ou do


aplicador da norma quando deixa um espaço para a busca do correto (pretensão de
correção), mas sem esquecer que essa investigação não pode ser a qualquer preço,
tem que respeitar as balizas acima indicadas (respeito à lei, aos precedentes e à
dogmática jurídica).

2.6 PERSPECTIVAS DO DISCURSO, USO DE ARGUMENTOS JURÍDICOS


ESPECIAIS E O PAPEL DOS ARGUMENTOS PRÁTICOS GERAIS

A grande busca de Robert Alexy em sua teoria da argumentação


jurídica é alcançar o máximo de objetividade possível nas decisões judiciais. Ocorre
que os valores ou a valoração de determinados objetos na seara jurídica é que são o
grande impasse a esta objetivação.

A complexidade do mundo moderno, suas inúmeras diferenças hoje


todas interligadas pelos modernos meios de comunicação e interação social,
dificultam ainda mais esse problema, posto que essas diversas concepções sobre
quase todos os assuntos começam a entrar em zona de confronto que outrora não
ocorria.

Daí porque Alexy afirmar que:

Ao menos nas sociedades modernas, há diferentes concepções para


quase todos os problemas práticos. Os consensos fáticos são raros,
ao menos no que se refere a questões práticas concretas. No
conjunto de um ordenamento jurídico sempre é possível encontrar
valorações divergentes que se podem relacionar de maneira distinta
em cada caso concreto. A apelação à evidência ou a ordens naturais
preexistentes é um procedimento – do ponto de vista metódico –

89
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 24/25.

52
extremamente duvidoso. Os princípios obtidos dessa maneira são
concretizáveis de modo diferentes. Finalmente, dos juízos fáticos se
podem obter diferença consequências normativas.90

Tentar encontrar objetivação de decisões judiciais ou teorizar a


argumentação jurídica com base em termos ambíguos como “o que seja evidente”
ou “ordem natural” realmente tem mais chances de criar problemas do que apontar
soluções. O que é evidente para determinada pessoa ou grupo de pessoas pode ser
uma incógnita para outro grupo, da mesma forma a “ordem natural”. Tudo pode
variar conforme o tempo em que a discussão é travada, o local, os valores locais, as
percepções e história de cada grupo ou povo. Portanto, não podem ser critérios tidos
como seguros para serem utilizados em teorização.

Quando se trata dos juízos fáticos então é que o problema aumenta


mais, posto que, conforme o próprio Alexy menciona, podem resultar diferentes
consequências normativas. Não é raro verificar empiricamente, até mesmo em
conversas informais quando se discute fatos juridicamente relevantes, que
dificilmente todos os participantes do diálogo terão exatamente a mesma concepção
da consequência jurídica que deveria advir daquele fato. Logo, juízos fáticos
também não podem ser considerados critérios suficientes para fundamentar
teoricamente argumentações jurídicas.

Para apontar uma solução para tais problemas é que Alexy vai buscar
nas “modernas discussões éticas da Filosofia da Linguagem contemporânea, assim
como na teoria da argumentação que se está desenvolvendo e que convergem em
muitos pontos”91 uma alternativa de resolver esses impasses.

Para tanto, Alexy informa que a argumentação jurídica é uma atividade


linguística que tem lugar em situações diferentes, como no processo e na discussão

90
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 26.
91
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 27.

53
científico-jurídica. Continua ele por concluir que o discurso jurídico é um caso
especial do discurso prático geral,92 aduzindo que no caso do discurso jurídico ele
pode ser analisado pela perspectiva empírica, analítica e normativa.

No primeiro plano das reflexões a serem realizadas aqui estão os


critérios para a racionalidade do discurso jurídico. A postura seguida
neste trabalho pode-se denominar “analítica-normativa”, já que a
elaboração de tais critérios inclui uma análise da estrutura lógica das
fundamentações. O que se pretende desenvolver é uma teoria
analítico-normativa do discurso jurídico.93 (grifo nosso)

Para Alexy a perspectiva é empírica

(...) se nela se descrevem ou se explicam, para citar apenas alguns


exemplos, a frequência de determinados argumentos, a correlação
entre certos grupos de falantes, situações linguísticas e o uso de
determinados argumentos, seu efeito, a motivação para o uso de
alguns argumentos ou as concepções dominantes em grupos
específicos sobre a validade dos argumentos.”94

Para o mesmo autor, “é analítica se nela trata da estrutura lógica dos


argumentos realmente efetuados ou possíveis. É, finalmente, normativa se se
estabelecem e fundamentam critérios para a racionalidade do discurso jurídico”. 95

Traz o autor a diferenciação básica entre o discurso prático geral e o


discurso jurídico. Para Alexy, ambos os discursos (o prático e o geral) tem em
comum a correção dos enunciados normativos96.

92
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 27.
93
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 28.
94
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 27/28.
95
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 28.
96
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 28.

54
Como argumentos jurídicos especiais, Alexy elenca a analogia, o
argumentum a contrario, o argumentum a fortiori e o argumentum ad absurdum.
Conceitua-os como “formas de argumentos que se usam especialmente na
metodologia jurídica, como a analogia”.97

Após utilizar-se de complexas fórmulas de lógica para explicar esses


tipos de argumentos especiais, podemos resumir a ideia do autor no fato de que a
analogia, por ser baseada no princípio da igualdade (casos semelhantes em tese
devem ter tratamento paritário), é, antes de tudo, uma regra de argumentação com
raízes no discurso prático geral, pois “baseia-se no princípio da universalidade que é
constitutivo tanto do discurso prático geral como do discurso jurídico” 98. Por isso
mesmo que a analogia sofre dos mesmos problemas por que passam as outras
formas de argumentações jurídicas, que neste caso é a definição de quais
semelhanças são juridicamente relevantes a ponto de justificar a sua incidência.
Para isso, a valoração entra em campo, também com seus problemas inerentes à
dificuldade de objetivação, bem como o uso dos mais diferentes argumentos
jurídicos possíveis na tentativa de solucionar o problema.

Para Alexy, a argumentação prática geral pode ser usada:

(1) na fundamentação das premissas normativas requeridas para a


saturação das diferentes formas de argumentos, (2) na
fundamentação da eleição de diferentes formas de argumentos que
levam a diferentes resultados, (3) na fundamentação e comprovação
de enunciados dogmáticos, (4) na fundamentação dos distinguishing
e overruling e (5) diretamente na fundamentação dos enunciados as
serem utilizados na justificação interna.99

97
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 241.
98
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 244.
99
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 246.

55
O fato dos argumentos práticos gerais se prestarem aos desideratos
acima mencionados, não implica dizer que não possam ser usados enunciados
dogmáticos ou dos precedentes. Ocorre que o uso destes só afasta parcial e
temporariamente a aplicação dos argumentos práticos do tipo geral. Isso porque,
não raras as vezes, o uso de um enunciado dogmático pode não ser suficiente (para
por exemplo a saturação de uma forma de argumento). Daí porque serão
necessários acréscimos de premissas fundamentadas no discurso prático geral.100
“A argumentação prática geral constitui por isso o fundamento da argumentação
jurídica.”101

Assim, observou-se que os três pontos abordados: as perspectivas do


discurso, o uso dos argumentos práticos gerais e dos argumentos jurídicos se
complementam, não sendo possível afirmar a preponderância de um elemento sobre
o outro a fim de alcançar uma fundamentação jurídica baseada em critérios mais
objetivos possíveis.

100
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 246.
101
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. p. 246.

56
CAPÍTULO 3

ALGUMAS IMPLICAÇÕES DA TEORIA ALEXYANA NA ATUAÇÃO


DO MINISTÉRIO PÚBLICO

3.1 PRETENSÃO DE CORREÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO ÓRGÃO


ESTATAL E SUA LEGITIMAÇÃO FUNCIONAL

Antes de adentrar no estudo dos casos específicos de atuação do


Ministério Público, observando-os sob o prisma da teoria da argumentação jurídica
de Alexy, faz-se necessário abordar pretensão de correção do direito e como ela
pode ser aplicada à natureza do Ministério Público. Sobre a busca pela pretensão de
correção do direito, principalmente através da jurisprudência, temos que:

Há uma preocupação frequente, para não se afirmar idêntica, nas


teses da argumentação jurídica: a estratégia retórica nas decisões
ideológicas. Como se procurou compreender, percebe-se que a
jurisprudência trata de questões práticas, ou seja, aquilo que é
ordenado, permitido ou proibido. Há, portanto, uma demanda de
correção das decisões e um risco quanto a sua racionalidade. 102
(grifo nosso)

O art. 93, IX, da CRFB estipula que “todos os julgamentos dos órgãos
do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena
de nulidade(...)”103. Judiciário e Ministério Público são órgãos com atributos
praticamente idênticos no tratamento constitucional brasileiro, de forma que, por ser

102
PEIXOTO, Fabiano Hartmann. A decisão judicial no Supremo Tribunal Federal do Brasil e a
aplicação da teoria dos princípios de Robert Alexy: a ponderação como estratégia de
argumentação jurídica. 2015. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/18603. Acesso
em 24 de mar. de 2022.
103
BRASIL. Constituição Federal, art. 93, IX. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 31 de jan. de 2022.

57
um ente com atuação eminentemente jurídica, nada mais natural do que atribuir
também ao Ministério Público o dever de fundamentar suas ações, decisões e
manifestações em geral104. Portanto, ante a esta simetria já consolidada na
dogmática jurídica brasileira, nada mais natural que ao Ministério Público também se
lhe apliquem as mesmas exigências da legitimação de suas atuações conforme
tratamento dado ao Poder Judiciário.

Dúvidas não pairam sobre a legitimidade do Ministério Público


enquanto agente perene do Estado brasileiro. No entanto, em relação ao exercício
de seu mister, embora seja corolário de sua própria razão de ser, a legitimidade
precisa ser mais bem explicada, posto que muitas vezes há confusão entre
legitimidade estática (a que prevê o órgão constitucionalmente) e a dinâmica, que é
a legitimidade do exercício de suas funções. Nas palavras de Paulo Bonavides:

Há que distinguir, portanto, entre legitimidade da jurisdição


constitucional e legitimidade no exercício dessa jurisdição. A
primeira é pacífica, conforme o entendimento da doutrina; a segunda,
controversa. A primeira é matéria institucional, estática, a segunda,
axiológica e dinâmica; aquela inculca adequação e defesa da ordem
constitucional, esta oscila entre o Direito e a política.105 (grifo nosso)

Assim, não é por demais exigir que ao Ministério Público também se


aplique a necessária fundamentação de todas as suas ações, até mesmo como
forma de legitimar, discursivamente, sua atuação prática frente aos verdadeiros
donos do poder (o povo) e aos outros órgãos delegatários desse mesmo poder
(Executivo, Legislativo e Judiciário).

Com este raciocínio, pode-se inferir que o poder, em especial aqueles


que não tem origem direta do sufrágio, como no caso o Judiciário e o Ministério
Público no Brasil, precisa de algo a mais do que essa legitimação institucional, que é

104
A simetria entre Poder Judiciário e Ministério Público já foi reconhecida administrativamente pelo
Conselho Nacional de Justiça através do Pedido de Providências nº 0002043-22.2009.2.00.0000.
105
BONAVIDES, Paulo. Jurisdição constitucional e legitimidade (algumas observações sobre o Brasil).
Estudos avançados, v. 18, p. 127-150, 2004. p. 128.

58
a mera previsão de sua existência no texto constitucional. E a legitimação
secundária, que é a do exercício do poder, não pode ser baseada no arbítrio, na
força ou simplesmente no poder pelo poder. É neste momento que a teoria
discursiva do direito dá o necessário amparo teórico para resolver este problema.

Um segundo ponto é o seguinte. A conexão entre discurso e direito


não é, de modo algum, uma via de mão única. O direito exige o
discurso a fim de se legitimar. Por essa razão o discurso não pode
ser completamente substituído pela decisão; ao contrário, os dois
devem estar conectados. Desse modo, o problema da legitimidade
do direito poderia muito bem ser resolvido.106 (grifo nosso)

Já na obra objeto do presente trabalho (Teoria da Argumentação


Jurídica: a teoria do discurso racional com teoria da fundamentação jurídica), Alexy
complementa o raciocínio feito na citação anterior, dizendo que:

O juiz deve atuar sem arbitrariedade; sua decisão deve ser


fundamentada em função de resolver um problema jurídico de forma
justa. A decisão judicial preenche então essa lacuna, segundo os
critérios da razão prática e as concepções gerais de justiça
consolidadas na coletividade.107 (grifo nosso)

Não parece difícil sustentar que, essa “fundamentação” exigida por


Alexy não é qualquer fundamentação, ela deve vir baseada em um discurso racional,
até porque existem fundamentações tão esdrúxulas que sequer podem merecer a
atenção do direito.

O Ministério Público, como órgão estatal por natureza, com assento


constitucional pétreo, de cunho eminentemente jurídico, deve ter como bússola o

106
ALEXY, Robert. Coleção Fora de Série - Teoria Discursiva do Direito, 3ª edição. Rio de Janeiro:
Grupo GEN, 2018. 9788530982829. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530982829/. p. 302.
107
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. 6ª ed. Tradução de: Zilda Hutchinson Schild Silva. Rio de Janeiro: Forense,
2021.

59
ideal da pretensão de correção que o direito sempre busca. Alexy inicia a discussão
traçando sua ideia geral sobre a pretensão de correção do direito:

No primeiro passo tem que ser estabelecida a dimensão ideal do


direito. Meu argumento gira em torno da tese de que o direito
necessariamente levanta uma pretensão de correção, e que essa
pretensão inclui uma pretensão de correção moral. Essa pretensão
de correção é a fonte da relação necessária entre o direito e a
moral.108

Num segundo momento, após rebater uma crítica de Neil MacCormick


que alega que o direito não levanta qualquer pretensão, Alexy sustenta que de fato o
direito se for visto apenas como “ordenamento normativo” de fato não pode levantar
pretensão, que só podem ser feitas por pessoas. Mas conclui sua argumentação
refutando a tese de MacCormick nos seguintes termos:

Entretanto, falar sobre a pretensão de correção do direito parece ser


razoável porque essa pretensão é levantada, em nome do direito, por
pessoas, particularmente, mas não somente por autoridades.
Pessoas que levantam, em nome do direito, a pretensão de
correção, podem ser caracterizadas como representantes do
direito. A rejeição da primeira objeção equivale à seguinte tese: o
direito pode levantar e de fato levanta uma pretensão de correção,
porque a pretensão é feita por seus representantes. 109 (grifo nosso)

Assim, parece claro que a pretensão de correção do direito existe, até


porque sem ela pouco se poderia falar acerca da necessidade de revisão dos
precedentes e até de súmulas vinculantes de tribunais que vez ou outra são
canceladas ou reformuladas. Tais atos são características evidentes da perene
pretensão de correção do direito, que tenta sempre não errar, mas quando o faz,
tem que estar pronto para corrigir os rumos e sempre mirar no acerto.

108
ALEXY, Robert. Coleção Fora de Série - Teoria Discursiva do Direito, 3ª edição. Rio de Janeiro:
Grupo GEN, 2018. 9788530982829. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.
com.br/#/books/9788530982829/. Acesso em: 26 fev. 2022. p. 263.
109
ALEXY, Robert. Teoria Discursiva do Direito. p. 263.

60
O Ministério Público, como órgão jurídico, deve também, por tais
razões, ter sempre em mente a pretensão de correção, pois seu agir é sempre
baseado no direito. Esta observação é importante porque consegue separar a
atuação e vontade pessoal dos membros que o compõe da atuação institucional. Um
determinado membro pode ter a opinião política, religiosa, ou de qualquer outra
espécie, mas a sua atuação funcional tem que ser o mais dissociada possível de
suas preferências pessoais (nada impede também que as opiniões pessoais
coincidam com a pretensão de correção do direito), justamente para buscar sempre
a pretensão de correção do direito através da atuação institucional do Ministério
Público.

Tudo isto ajuda na aplicação de uma teoria da argumentação jurídica


racional e, portanto, mais previsível por parte do órgão como um todo, que deve
buscar o máximo possível a uniformidade de ações.

3.2 ANÁLISE DOS CASOS CONCRETOS COM ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO


PÚBLICO SOB A ÓTICA DA TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA DE
ROBERT ALEXY

Passaremos doravante à análise de casos concretos discutidos na


jurisprudência brasileira, buscando sempre o enfoque sob o prisma da teoria da
argumentação jurídica de Robert Alexy, tudo com o desiderato de vermos a grande
utilidade prática que esta teoria pode oferecer ao Ministério Público brasileiro.

3.2.1 Inovação na exigência de requisitos para a invasão de domicílio.

O Superior Tribunal de Justiça tinha jurisprudência em sentidos


diversos acerca da (des)necessidade de prévia investigação ou de fundada suspeita
(termo por sinal demasiadamente vago a ponto de justificar tamanha restrição às

61
atividades de repressão ao crime) para ingresso em residências nos casos de crimes
permanentes.110

Como se trata, conforme dito acima, de uma teoria procedimental da


racionalidade prática, vamos então aos exemplos: em relação à possibilidade, em
casos especiais, de uma decisão que contrarie a literalidade da norma, com o forte
apelo às teorias que defendem o ativismo judicial mais abrangente, temos como v.g.,
as recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça – STJ, acerca da
inviolabilidade do domicílio, mormente nos crimes de tráfico de drogas, ao exigir
requisitos onde nem a Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB e
tampouco o Código de Processo Penal – CPP o fazem, para que se dê validade às
prisões em flagrante quando encontrada droga no interior da residência do acusado.
Vamos ao julgado:

Excerto do Habeas Corpus nº 611.918-SP – STJ: No presente caso,


nota-se que, apesar de ter sido encontrado com o paciente um pino
de cocaína, não foram realizadas investigações prévias, nem foram
indicados elementos concretos que confirmassem ocorrência do
crime de tráfico de drogas dentro da residência, não sendo
suficiente o fato de ter sido encontrada droga com o paciente,
sendo ilícita a prova obtida com a invasão de domicílio sem a
indicação de fundadas razões.111 (grifo nosso)

Tomando como ponto de partida o foco do presente trabalho, que é


analisar a aplicabilidade da teoria da argumentação de Alexy nos processos em
que o Ministério Público atua, temos um interessante problema a ser enfrentado
com esse paradigma jurisprudencial, já que o Ministério Público é titular da maioria
das ações penais.

110
Ver STJ: AgRg no AREsp 1440300/MG; HC 474737/RS; HC 437178/SC. Disponível em:
https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp. Acesso em 16 de mar. de 2022.
111
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processual Penal. Habeas Corpus nº 611.918-SP.
Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa
=tipoPesquisaGenerica&termo=HC%20611918. Acesso em 31 de jan. de 2022.

62
Conforme foi dito acima, um dos pontos que Alexy chama a atenção é
justamente as limitações próprias que o discurso jurídico tem em relação ao discurso
prático geral (tese do caso especial). Na argumentação jurídica, dentre as
condições limitadoras que a cerca, temos a “sujeição à lei, a consideração
obrigatória dos precedentes, seu enquadramento na dogmática elaborada pela
Ciência do Direito organizada institucionalmente”.112

Ora, a estrutura da argumentação jurídica dessa decisão foge às


exigências da teoria de Alexy para bem estruturar a fundamentação. Não foram
lançados argumentos suficientes para afastar os precedentes em sentido contrário
(nem mesmo houve justificação idônea para o afastamento dessa orientação, ferindo
as regras do overruling), bem como não houve respeito ao direito positivo vigente
(art. 5, inc. XI, da CRFB e art. 302, I, do Código de Processo Penal – CPP). Para
melhor elucidar o tema, citaremos abaixo o texto claro da Constituição Federal, um
dos vários precedentes em sentido contrário e o texto do Código de Processo Penal
a respeito:

CRFB. Art. 5º, XI: - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém


nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em
caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou,
durante o dia, por determinação judicial;113 (grifo nosso)

STJ. Excerto do AgRg no HC 691609/SP: III - No que concerne à


alegação acerca da ocorrência de violação de domicílio, cumpre
consignar que em se tratando de crimes de natureza permanente,
como é o caso do tráfico de entorpecentes, mostra-se
prescindível o mandado de busca e apreensão para que os
policiais adentrem o domicílio do acusado, não havendo que se falar
em eventuais ilegalidades relativas ao cumprimento da medida. Vale
dizer, em outras palavras, que o estado flagrancial do delito de tráfico
de droga consubstancia uma das exceções à inviolabilidade de

112
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. Tradução Zilda Hutchinson Schild Silva. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2021. p. 28.
113
BRASIL. Constituição Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicao.htm. Acesso em 31 de jan. de 2022.

63
domicílio prevista no inciso XI do art. 5º da Constituição, não
havendo se falar, pois, em eventual ilegalidade no fato de os policiais
terem adentrado na residência do Agravante, pois o mandado de
busca e apreensão é dispensável em tais hipóteses.114 (grifo nosso)

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;115

Há, portanto, uma exigência no acórdão do HC 611.918-SP (prévia


investigação ou fundada suspeita) que não foi racionalmente justificada. A uma
porque em situações idênticas em decisões daquela mesma Corte, não se faziam
necessários esses requisitos; a duas porque nada fora explicitado a este respeito no
corpo do acórdão, algum argumento que viesse a justificar o afastamento da tese
em sentido contrário. Ora, se nada mudou: a legislação é a mesma, os fatos os
mesmos, a definição jurídica para crimes permanentes é a mesma, qual a razão
então para se exigir a prévia investigação ou fundada suspeita que outrora não se
exigia? Se esta diferenciação não for racionalmente justificada, como de fato não o
fora no acórdão, não encontra amparo na teoria de Alexy, posto que não observou
os precedentes, nem mesmo a clareza das regras de Direito expostas.

Existe expressa previsão constitucional de limitação do direito


fundamental à inviolabilidade do domicílio. Por sinal, há tanto uma limitação direta
quanto indireta no mesmo texto.

Como direitos de hierarquia constitucional, direitos fundamentais


podem ser restringidos somente por normas de hierarquia
constitucional ou em virtude delas. Restrições a direitos
fundamentais são, portanto, ou normas de hierarquia constitucional
ou normas infraconstitucionais, cuja criação é autorizada por normas
constitucionais. As restrições de hierarquia constitucional são

114
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no HC 691609/SP. Agravo Regimental no habeas
corpus 2021/0285963. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp. Acesso em 31 de
jan. de 2022.
115
BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/Del3689Compilado.htm. Acesso em 31 de jan. de 2022.

64
restrições diretamente constitucionais, e as restrições
infraconstitucionais são restrições indiretamente constitucionais.116

No caso em comento, a própria CRFB autorizou a violação do domicílio


naquelas hipóteses, dentre elas, em caso de flagrante delito (restrição diretamente
constitucional), bem como deixou ao encargo do legislador a definição do que seja
flagrante delito (restrição indiretamente constitucional).

Para melhor exemplificar a gravidade do problema posto, apenas a


título de ilustração, citemos a hipótese de um criminoso manter uma criança
sequestrada no porão de sua residência, onde com ela pratica os mais terríveis
constrangimentos. Pois bem, na hipótese de um eletricista ou instalador de internet,
ao visitar a casa do criminoso para prestar seu serviço, descobrir por acaso o crime,
não se poderia prender o criminoso em flagrante delito caso seja usada a mesma
ratio decidendi da decisão acima citada referente ao tráfico, eis que não houve
fundada suspeita, investigação prévia e nem mesmo a autorização para o ingresso
na residência foi dada para aquele fim, muito embora se trate também, assim como
no tráfico de drogas, de crime permanente. Portanto, com todo o respeito ao STJ, a
recente orientação jurisprudencial nesse sentido não encontra amparo na melhor
doutrina da teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica.

A inviolabilidade do domicílio possui entendimentos consolidados a


respeito de vários de seus aspectos, limites (se alcança veículos, quintal,
estabelecimentos comerciais etc.) e possíveis restrições (hipóteses constitucionais
do art. 5º, inc. XI). Essa dogmatização dos institutos ou de alguma de suas partes se
presta justamente para cumprir a função de estabilização na aplicação do direito.

Entretanto, isso não significa que cada enunciado dogmático que


tenha sido uma vez aceito deva ser mantido estritamente por tempo
ilimitado. Mas exclui que possa ser abandonado sem justificativa.
Não é suficiente que haja boas razões tanto a favor da nova solução
como da tradicional. As razões em prol da nova solução devem ser

116
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Traduzido por Virgílio Afonso da Silva. 2ª ed.,
Malheiros Editores: São Paulo, 2015. p. 286.

65
tão boas para justificar não só a nova solução, mas também para
romper com a tradição.117

Mesmo superada a análise pela linha dos precedentes, já fora


demonstrado anteriormente que o discurso jurídico, na visão de Alexy, deve
respeitar também a lei e a dogmática. No caso em comento, é a própria Constituição
Federal que disciplina claramente o assunto, e não faz a exigência que o intérprete
entendeu existir.

O primeiro conjunto é o conjunto das regras de interpretação. Alexy


vai dizer que os cânones de interpretação devem ser entendidos
como formas de argumentos e não como mecanismos que levem o
intérprete a algum lugar, ou seja, como métodos. Segundo o autor,
as formas de argumentos derivadas de cânones de interpretação
devem ser saturadas, ou seja, devem-se esgotar essas
possibilidades argumentativas. Em caso de contradição nos
resultados alcançados por cada tipo de argumento prevalecerá o
argumento derivado do cânone de interpretação que mais
diretamente se vincula com a literalidade da lei.118

Pode-se argumentar que o STJ deu maior amplitude ao princípio da


inviolabilidade do domicílio. Ocorre que, ao se admitir esta tese, é forçoso concluir
que a maior amplitude dada a tal princípio diminuiu o campo de incidência de
princípios muito mais caros e de muito mais valor para o direito, que são todos os
princípios que protegem a vida, a segurança e a incolumidade pública.

A ponderação de princípios sempre é muito difícil. No entanto, no caso


do Brasil, onde a criminalidade é uma das mais altas do mundo e certamente
fomentada pelo altíssimo número de tráfico de drogas, será difícil sustentar que a
prisão de alguém em flagrante delito, com quantidade de droga suficiente para

117
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. 6ª ed. Tradução de: Zilda Hutchinson Schild Silva. Rio de Janeiro: Forense,
2021. p. 232/233.
118
SOLIANO, Vitor. Jurisdição constitucional e decisão judicial: controle através da argumentação
jurídica? Um diálogo entre Neil MacCormick e Robert Alexy. Revista do Instituto de Hermenêutica
Jurídica. Belo Horizonte, n. 21, p. 73.

66
configurar o tráfico, será inconstitucional apenas para dar maior força ao princípio da
inviolabilidade do domicílio.

Onde fica então a amplitude também necessária do direito à vida, à


integridade física, à segurança pública e todos os demais bens jurídicos tutelados
constitucionalmente e que são violados por crimes permanentes como o tráfico de
drogas? O tráfico de drogas alimenta o contrabando de armas, os homicídios,
superlota as cadeias, causa enormes danos ao sistema de saúde do país, destrói
famílias, patrimônios etc., e tudo isso é mitigado por conta da inviolabilidade do
domicílio? Não parece razoável e nem racional.

Não se sustenta aqui a violabilidade do domicílio de forma


indiscriminada, pois é evidente que o policial ou particular que adentrar no domicílio
de alguém, sem fundada suspeita ou mandado judicial e ali não estiver ocorrendo
um crime, permanente ou não, responderá por sua ação nos termos da lei. Só este
fator já basta para inibir ações açodadas e abusivas das policiais, posto que o
policial terá que ter muita certeza da existência da droga ou de qualquer outro crime
permanente que esteja ocorrendo no domicílio para violá-lo sem mandado judicial.

Com as considerações de Alexy, indaga-se: quais razões foram usadas


nesta decisão estudada que justifiquem o rompimento da tradição? Não há razões
jurídicas e nem mesmo políticas, posto que, conforme já dito acima, o crime de
tráfico de drogas é o que mais alimenta no Brasil a ocorrência de outros delitos. Em
suma, não houve razões para se quebrar a estabilização firmada pela dogmática
jurídica acerca do tema violação de domicílio.

3.2.2 Criminalização da homofobia por interpretação da lei contra o racismo.

Certamente um dos julgamentos mais icônicos dos últimos anos em


termos de ativismo judicial pelo Supremo Tribunal Federal foi o da ação direta de
inconstitucionalidade por omissão nº 26/DF, onde fora decidido que condutas
homofóbicas e transfóbicas ajustam-se aos tipos legais de crime de racismo

67
previstos na Lei 7.716/89, bem como, na hipótese de homicídio doloso, configura a
qualificadora da motivação torpe (art. 121, §2º, I, parte final).

A primeira tese firmada no julgamento diz respeito à tipificação em si


das condutas homofóbicas; a segunda tese trata da relação entre o que foi decidido
e a liberdade religiosa e, por fim, a terceira tese cuida de uma interpretação judicial
do racismo em sua dimensão social.

Entendemos que o julgamento do Supremo Tribunal Federal – STF na


ADO 26/DF não andou de mãos dadas com a melhor doutrina acerca da
argumentação jurídica racional de Alexy, justamente por conter premissas
extremamente frágeis que não correspondem às conclusões a que chegaram.

Nitidamente o STF viu-se diante não de um hard case, mas de um


verdadeiro caso trágico (dilema) nas palavras de Manuel Atienza:

Pode muito bem ocorrer o caso de que o jurista – o juiz – tenha de


resolver uma questão e argumentar a favor de uma decisão que é a
que ele julga correta, embora, ao mesmo tempo, tenha plena
consciência de que essa não é a solução a que o Direito positivo
leva. O Direito dos Estados democráticos não configura
necessariamente o melhor dos mundos imagináveis (embora seja o
melhor dos mundos jurídicos existentes). A prática da adoção de
decisões jurídicas mediante instrumentos argumentativos não esgota
o funcionamento do Direito, que consiste também na utilização de
instrumentos burocráticos e coativos. E, inclusive, a mesma prática
de argumentar juridicamente para justificar uma determinada decisão
pode implicar às vezes um elemento trágico. Com isso quero dizer o
seguinte: na teoria padrão da argumentação jurídica, parte-se da
distinção entre casos claros ou fáceis e casos difíceis; com relação
aos primeiros, o ordenamento jurídico fornece uma resposta correta
que não é discutida; os segundos, pelo contrário, caracterizam-se
porque, pelo menos em princípio, é possível propor mais de uma
resposta correta que se situe dentro das margens permitidas pelo
Direito positivo. Mas o que parece ficar excluído, com essa
proposição, é a possibilidade de uma terceira categoria, a dos casos
trágicos. Um caso pode ser considerado trágico quando, com relação
a ele, não se pode encontrar uma solução que não sacrifique algum

68
elemento essencial de um valor considerado fundamental do ponto
de vista jurídico e/ou moral (cf. Atienza, 1989a). A adoção de uma
decisão em tais hipóteses não significa enfrentar uma simples
alternativa, mas sim um dilema.119

Na linha de tal raciocínio, embora se trade de um caso realmente muito


difícil diante da falta de legislação a respeito do tema, considerando também que a
omissão do Poder Legislativo federal nunca fora usada antes deste precedente da
ADO 26/DF como fundamento para se tipificar condutas, resta evidente que o Direito
positivado e todo o arcabouço principiológico da dogmática jurídica constitucional e
penal, especificamente, jamais sustentaria, de forma argumentativa racional, a
posição adotada pelo STF.

É dito na primeira tese aprovada no dito julgamento que:

1. Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional


destinada a implementar os mandados de criminalização definidos
nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as
condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que
envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de
gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo,
compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por
identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos
primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989,
constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância
que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, §
2º, I, “in fine”);120 (grifo nosso)

Ora, se no próprio enunciado da tese já se inicia a argumentação com


o reconhecimento da ausência de lei, exigência lógica do princípio da legalidade
estrita do direito penal, é porque de fato a situação não é nada favorável à própria

119
ATIENZA, MANUEL. As Razões do Direito - Teoria da Argumentação Jurídica. Grupo GEN, 2014.
978-85-309-5571-7. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/978-85-309-
5571-7/. Acesso em: 26 nov. 2021. p. 252.
120
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n. 26/DF.
Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754019240.
Acesso em 28 de nov. de 2021.

69
tese posta. Não se sustenta lógica e racionalmente um argumento que reconhece a
ausência de lei criminalizando determinada conduta e, na mesma toada, faz um
verdadeiro contorcionismo jurídico para enquadrar essa mesma conduta em
determinado preceito primário de um tipo penal (no caso, do racismo). E tal
enquadramento só se dá por conta de uma compreensão da dimensão social do
termo “racismo”, esforço hermenêutico jamais visto em qualquer doutrina ou
jurisprudência penalista antes desse questionável precedente.

Quando poderia ter parado por aí, o STF vai mais longe: diz ainda que,
as condutas homofóbicas e transfóbicas ajustam-se, por identidade de razão e
mediante adequação típica, aos preceitos primários da lei do racismo.

Por identidade de razão significa dizer que se cuida da mesma razão.


Logo, a razão que levou o legislador a criminalizar o preconceito de sexo, estado
civil e cor, é idêntica à que autoriza a ajustar a homofobia à dimensão social do
racismo. Analisando sob este ponto de vista, fizemos uma digressão histórica aos
vetos ao projeto de lei que deu origem à lei 7.716/89. Lá, o Excelentíssimo
Presidente da República demonstra em sua mensagem de veto a evolução da
repressão aos preconceitos:

[...] Já no Governo do Presidente Sarney foi sancionada a Lei n.


7.437, de 20 de dezembro de 1985, que deu nova redação à Lei
Afonso Arinos e ampliou o leque de repressão aos preconceitos,
reprimindo, ainda como contravenção, a prática de atos resultantes
de preconceito de raça, de cor, de sexo, ou de estado civil.
Resultando desta Lei uma maior abrangência da repressão aos
preconceitos, não mais se dá a repressão tão-só aos preconceitos de
raça ou de cor. A Constituição recém promulgada no seu artigo 5º,
item XLII, adequadamente passou a considerar a prática do racismo
em crime inafiançável e imprescritível, a ser punido, nos termos da
lei, com a pena de reclusão.121

121
BRASIL. Presidência da República. Mensagem de veto. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/Mensagem_Veto/anterior_98/VEP-LEI-7716-1989.pdf
(sublinhado no original)

70
O próprio histórico da repressão aos preconceitos no Brasil informa
que, quando a legislação se mostrou ineficaz, ampliou-se, mediante lei (e não
mediante decisão judicial), o rol de proteção dos bens jurídicos tutelados. O que se
pretende dizer é que, punir comportamentos mediante o argumento de “identidade
de razão” para se fazer a adequação típica, nos parece muito perigoso e, ao
contrário do que se prega como pensamento vanguardista, lembra muito mais a era
tenebrosa do direito penal quando ele ainda não era devoto do princípio da
legalidade.

Para ilustrar o que aduzimos, trazemos o exemplo do art. 32 da Lei


9.605/98:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais


silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. [...]

§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas


descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5
(cinco) anos, multa e proibição da guarda.122

O legislador protege no caput do artigo diversos tipos de animais e dá


atenção especial aos cães e gatos (que se enquadram no grupo maior de animais
domésticos do caput) no §1º-A, por simples política legislativa, certamente por
entender o valor singular que tais animais possuem na sociedade brasileira.

Se com o passar do tempo, essa mesma sociedade que houve por


bem proteger de maneira peculiar os cães e gatos, não mais nutrir o mesmo
sentimento pelos felinos e resolva os substituir, na grande maioria da população, por
papagaios, teremos uma interessante questão a observar diante da lição que nos
deu o STF. A

122
BRASIL. Lei Federal 9.605/98. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm.
Acesso em 09 de abr. de 2022.

71
Constituição Federal, da mesma forma que repudia qualquer tipo de
discriminação irrazoável e odiosa aos seres humanos, também protege com grande
veemência os animais (art. 225, VII). A prevalecer o fundamento da “identidade de
razão” inserto na tese do julgamento da ADO 26/DF, teríamos também a ampliação
do apertado rol taxativo do citado parágrafo no caso de maus-tratos aos papagaios?
E qual seria o limite para tais adequações típicas?

Diante do que foi estudado acima na teoria Alexyana referente ao


princípio da estabilização do direito, do respeito aos precedentes e à lei, esta
decisão do egrégio Supremo Tribunal Federal não encontra amparo em Alexy.

Diz ainda o julgado da ADO 26/DF que: “Por maioria e nessa extensão,
julgá-la procedente, com eficácia geral e efeito vinculante, para: (...) dar
interpretação conforme à Constituição [...]”. (grifo nosso) A interpretação conforme
possui em regra dois principais fundamentos mencionados na doutrina: a unidade do
ordenamento jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis 123. Ora, a
interpretação conforme é dada para “salvar” determinados textos legais que
permitem interpretações em consonância e contrárias à constituição, orientando,
evidentemente, que se mantenha o texto, mas somente com validade nos sentidos
que não contrariem a lei maior.

Valer-se do instituto da interpretação conforme para definir apenas o


sentido que se quer ressaltar como constitucional (no caso, que a homofobia se
enquadra nos tipos penais da lei do racismo), sem mencionar em qual sentido ela
seria inconstitucional, não nos parece uma forma racional de se justificar uma
decisão judicial. Normalmente quando se define uma interpretação conforme a
qualquer texto de lei, naturalmente são expostos, como forma de argumentação
lógica, os matizes, a contrariu sensu, dos sentidos em que essa mesma lei seja
inconstitucional, e isso, de forma alguma, foi sequer ventilado no acórdão do STF.

123
DA SILVA, Virgílio Afonso. Interpretação conforme a constituição: entre a trivialidade e a
centralização judicial. Revista Direito GV, v. 2, n. 1, p. 191-210, 2006.

72
Outro ponto importante é o que se extrai da própria petição inicial que
deflagrou a ADO 26/DF:

(d) “caso transcorra o prazo fixado por esta Suprema Corte sem que
o Congresso Nacional efetive a criminalização/punição criminal
específica citada ou caso esta Corte entenda desnecessária a
fixação deste prazo, [requer-se] sejam efetivamente tipificadas a
homofobia e a transfobia como crime(s) específico(s) por
decisão desta Suprema Corte, por troca de sujeito e atividade
legislativa atípica da Corte, ante a inércia inconstitucional do
Parlamento em fazê-lo, de sorte a dar cumprimento à ordem
constitucional de punir criminalmente a homofobia e a transfobia (...),
superando-se a exigência de legalidade estrita parlamentar”;124 (grifo
nosso)

Embora a decisão não se comprometa com os fundamentos da ação,


não se pode ignorar o trecho acima, onde o próprio autor da lide reconhece a
atipicidade da conduta, tanto é que requer uma forma de tipificação dos atos por
“decisão desta Suprema Corte”. Se é preciso uma tipificação mediante decisão de
Tribunal e não houve o acolhimento do pedido nessa parte, a se permitir a validade
do argumento da inicial (pois o fato de o STF não o ter acolhido não implica
necessariamente a sua invalidade), o que houve na verdade foi uma analogia in
malam partem, por mais que se negue tal ocorrência.

Trata-se de um típico caso de ativismo judicial. No entanto, o ativismo


judicial não necessariamente é ruim ou bom para o sistema jurídico, tudo depende
da legitimação das argumentações (também em boa parte na forma do proceder) no
plano das teorias próprias do direito a tal respeito.

Certo é que o STF viu-se pressionado a dar uma solução à inércia do


Poder Legislativo e ficou preso à sua própria jurisprudência que não admite a

124
Trecho da petição inicial citada no acórdão da ADO 26/DF. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754019240. Acesso em 28 de
nov. de 2021.

73
interferência cogente naquele Poder de forma a determinar-lhe que edite uma lei
criminalizando condutas objeto da ação. Neste sentido:

Segundo o autor125, a aurora do direito moderno e do positivismo


primitivo faz uma dupla exigência ao Poder Judiciário. Estas duas
exigências, contudo, são mutuamente paradoxais. Como? Em
primeiro lugar exige-se que o julgador seja apenas a “boca da lei” e
reproduza aquilo que foi determinado pelo legislador. Esta exigência
está embasada na crença da completude do sistema e coage o
julgador. Em segundo lugar, contudo, proíbe-se a denegação de
justiça (proibição do non liquet). Ao ter que decidir tudo é evidente
que o julgador terá que criar direito, pois, como se sabe, é impossível
que todos os tipos de caso sejam regulados expressamente pelo
legislador. Assim, a coação se transforma em liberdade.126

No caso específico do julgamento da ADO 26/DF, entende-se que


houve violação de diversos princípios e orientações da lógica do discurso racional,
em especial o respeito aos precedentes e à dogmática jurídica tão caros na teoria de
Alexy, fazendo parecer que os ministros que votaram a favor da ADO decidiram por
critérios outros e buscaram os argumentos lançados no acórdão para justificar
convicções não passíveis de serem expostas formalmente no julgamento,
justamente por ser um caso extremamente difícil, pois o indeferimento do pedido
aumentaria o período de vácuo legislativo acerca da proteção dos interesses
envolvidos.

Toda a valoração exposta pelo STF quanto à necessidade de maior


proteção jurídica às minorias homossexuais ou transexuais, o histórico de
discriminação no Brasil, o atraso do Congresso Nacional etc., tudo isso são
valorações que foram exploradas de forma equivocada, pois a tal respeito nunca
houve dissonância, o que fere uma das regras da argumentação jurídica racional

125
Referindo-se a Campinlongo.
126
SOLIANO, Vitor. Jurisdição constitucional e decisão judicial: controle através da argumentação
jurídica? Um diálogo entre Neil MacCormick e Robert Alexy. Revista do Instituto de Hermenêutica
Jurídica. Belo Horizonte, n. 21, p. 61.

74
que é problematizar algo que não é objeto de discussão, bem como usar uma
pseudo função contramajoritária onde na verdade não há. É dito na decisão:

Muito mais importante, no entanto, do que atitudes preconceituosas e


discriminatórias, tão lesivas quão atentatórias aos direitos e
liberdades fundamentais de qualquer pessoa, independentemente de
suas convicções, orientação sexual e percepção em torno de sua
identidade de gênero, é a função contramajoritária do Supremo
Tribunal Federal, a quem incumbe fazer prevalecer, sempre, no
exercício irrenunciável da jurisdição constitucional, a autoridade e a
supremacia da Constituição e das leis da República127. (grifo nosso)

Há uma atecnia argumentativa no citado texto, uma vez que decidir a


favor do direito de determinada minoria nem sempre é uma posição
contramajoritária, pois é perfeitamente possível que a maioria concorde com o
sentido do julgamento.

Estar de acordo acerca de um valor é admitir que um objeto, um ser


ou um ideal deve exercer sobre a ação e as disposições à ação uma
influência determinada, que se pode alegar numa argumentação,
sem se considerar, porém, que esse ponto de vista se impõe a
todos. (...) Recorre-se a eles para motivar o ouvinte a fazer certas
escolhas em vez de outras e, sobretudo, para justificar estas, de
modo que se tornem aceitáveis e aprovadas por outrem.128

De tal forma, entende-se que decidir a favor de maior proteção a


homossexuais e transexuais, reconhecer que sofrem discriminações e que precisam
de maior proteção do Estado não é contramajoritário, pois é de se supor que ao
menos a maioria das pessoas concorde que ninguém deve sofrer discriminações,
seja lá por qual motivo for, muito menos agressões físicas ou à sua honra por conta
de seu sexo, o que é muito diferente de concordar com práticas homossexuais ou

127
Trecho do voto do min. Celso de Mello na ADO 26/DF. Disponível em:
<https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754019240>. Acesso em 28
de nov. de 2021.
128
PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a nova retórica.
Tradução Maria Ermantina de Almeia Prado Galvão. 3ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014.
p. 84/85.

75
não. O STF assentou uma possível discordância da maioria das pessoas como
fundamento de sua posição contramajoritária, quando na verdade o mais provável é
que haja consenso acerca da proteção aos interesses dessas pessoas.

Ao tratar dos fatos e verdades, que são espécies de acordos na visão


de Perelman, o autor relata que

Os fatos são subtraídos, pelo menos provisoriamente, à


argumentação, o que significa que a intensidade de adesão não tem
de ser aumentada, nem de ser generalizada, e que essa adesão não
tem nenhuma necessidade de justificação. A adesão ao fato não
será, para o indivíduo, senão uma reação subjetiva a algo que se
impõe a todos.129

Assim como ensina Perelman, poderia sem problema algum o STF ter
omitido a problematização acerca da suposta necessidade de posição
contramajoritária, já que não houve no acórdão demonstração de que a maioria das
pessoas seria contra eventual proteção que a ação pretendia conferir às minorias
mencionadas.

Em suma, um clérigo, por mais rigoroso que o seja, pode não


concordar com tal ou qual comportamento sexual, mas, dificilmente será a favor do
espancamento ou qualquer tipo de agressão a tal pessoa.

Por isso, afirmar que é função contramajoritária do Supremo Tribunal


Federal fazer prevalecer a supremacia da Constituição não encontra amparo em
uma técnica argumentativa racional nos termos expostos por Alexy, posto que já
vimos que descobrir a vontade da maioria é tarefa árdua e muito menos é tarefa de
Tribunal algum.

A vontade da maioria que Cortes de Justiça têm que seguir é aquela


exposta na lei, cuja aprovação passou pelo crivo popular e se transformou na
vontade geral formalmente editada. Afinal, não parece técnico dizer que é função

129
ALEXY, Robert. Tratado da argumentação: a nova retórica. p. 84/85.

76
contramajoritária do STF decidir deste ou daquele modo para fazer prevalecer a
supremacia da Constituição. Há uma inversão de prioridades aí.

A função primeira do STF é defender sim e resguardar a Constituição,


mas não para exercer função contramajoritária alguma, pois não existe este tipo de
função para qualquer Tribunal. Existe sim a função de aplicar o direito nos casos
concretos, fazendo-o, conforme ensina Alexy, com uma argumentação o mais
racional possível, e para tanto deve-se respeitar os limites da argumentação jurídica
como caso especial que é a atenção à lei, aos precedentes e à dogmática jurídica.
Logo, respeitadas essas premissas, a decisão da Suprema Corte (ou de qualquer
outro órgão jurisdicional) poderá ser realmente contramajoritária ou não, mas isso
não foi buscado, perseguido pela decisão como função do órgão julgador, até
porque se o fosse, já estaria maculado de parcialidade.

O resultado do julgamento que atendeu aos anseios majoritários ou


contramajoritários deve ser apenas uma consequência ocasional. Até porque,
quando se trata da legitimação do Poder Judiciário, como no Brasil essa legitimação
não é pelo sufrágio (como é feita nos Poderes Executivo e Legislativo), deve buscá-
la pela argumentação, e quanto mais racional e imparcial ela for, tanto mais
legitimado estará o órgão que a aplique.

É importante deixar claro que a análise aqui feita cinge-se tão somente
à técnica de argumentação estudada e jamais aos efeitos práticos desta decisão na
ADO 26/DF. É evidente que tais pessoas precisam da proteção legal do Estado,
através de lei que incrimine condutas preconceituosas a este respeito. No entanto,
num Estado democrático de direito, não se pode ofender princípios básicos de
direito constitucional penal (nulo crime sem lei prévia que o defina130) em prol de
proteção jurídica de outrem, muito menos ofendendo o princípio da legalidade penal
que possui elevadíssimo valor jurídico. A atuação do Poder Judiciário deve ser
legitimada pela argumentação e, ao agir como agiu o STF, não andou bem a
suprema corte ao reforçar sua legitimação democrática pelo argumento.

130
Em latim: Nullum crime sine (praevia) lege.

77
Os direitos fundamentais são democráticos quando, apresentando-se
como justiciáveis, garantem a existência e o desenvolvimento de
pessoas que possam se autodeterminar, mas podem ser
antidemocráticos ao vincular o legislador, prefixando desconfianças
contra o processo legislativo. As desconfianças excluem das
decisões do Parlamento vontades que atentem contra os direitos
fundamentais, elevando o Judiciário, como guardião desses direitos,
a um posto superior no processo constitucional democrático. E para
que tal superioridade seja legítima, é mister que o Poder
Judiciário represente o povo, de quem emana o poder, só
podendo realizá-lo de forma argumentativa.131 (grifo nosso)

Não se discute que a proteção há de vir, mas da forma legítima, por


meio de lei.

Não houve no caso em comento a correta ponderação de princípios


que, de um lado, cuida da proteção à integridade física e vida das vítimas que não
tinham a proteção do direito penal e, do outro lado, o princípio da legalidade penal.
Se por uma vertente não se nega que há necessidade de ampliar ao máximo
possível o princípio da dignidade da pessoa humana e neste viés inclui a proteção
estatal tipificando crimes em prol de determinados bens jurídicos, por outra vertente
há também o interesse de todos em não serem incriminados por comportamentos
não previstos em lei, que também engloba a dignidade humana, pois seria altamente
indigno para qualquer pessoa ser punida por comportamento não previsto
expressamente em lei, mas sim por uma interpretação judicial, que, por mais
carregada que esteja de boas intenções, jamais suprirá a exigência do princípio
maior do direito penal que é a legalidade estrita.

No caso em comento, o sacrifício do princípio da legalidade foi total, e


sabe-se que a ponderação de princípios serve justamente para se evitar a
supressão integral de um em relação aos outros (prevalência da dimension of

131
SALLES, Bruno Makowiecky. Acesso à Justiça e equilíbrio democrático: intercâmbios entre civil
law e commom law. vol. 2. Belo Horizonte: Editora Dialética, 2021. p. 68.

78
weight132 em face da all-or-nothing-fashion133 quando se tratar de aplicação de
princípios).

3.2.3 Argumentação jurídica perante o juízo singular e no plenário do Tribunal


do Júri

O Tribunal do Júri no Brasil é uma forma de participação direta do


titular do poder estatal (o povo) na função de dizer o direito no caso concreto. Como
o procedimento é dividido em duas fases (sumário da culpa e sessão de julgamento
propriamente dita), é importante diferenciar o tipo de argumentação a ser usada em
cada uma delas.

Na fase do sumário da culpa aprecia-se apenas se os indícios de


autoria e prova da materialidade do delito são suficientes para encaminhar o réu a
julgamento pelo tribunal popular. Portanto, não se analisa o mérito da causa, salvo
em raras hipóteses como evidente ocorrência de alguma causa excludente de
ilicitude ou de culpabilidade. Aqui o julgamento é feito por um juiz de direito, que
lavrará uma sentença de pronúncia caso entenda estar a causa apta ao julgamento
pelos jurados, sentença esta que deverá preencher todos os requisitos normais de
tal ato, em especial a motivação (art. 93, IX, da CRFB).

Levado o feito a julgamento pelo conselho de sentença, este será o


órgão que dará a palavra final sobre o mérito da causa, nos termos do art. 5º, inc.
XXXVIIII, da CRFB, que, dentre outros caracteres, impõe o sigilo das votações,
decidindo os jurados por íntima convicção, não se aplicando o disposto no art. 93,
IX, da CRFB.

Observa-se, portanto, que existem duas grandes diferenças entre os


procedimentos e formas de decisão, conforme a fase do processo. No primeiro
momento, quando do sumário da culpa, a argumentação deve se basear no que a lei

132
Dimensão de peso, ligado aos princípios.
133
Modelo do tudo ou nada, atinente às regras.

79
prescreve como necessário para levar o feito a julgamento (prova da materialidade
do crime e indícios de autoria).

Em especial quando se tratar da argumentação da sentença de


pronúncia, o magistrado deve ter muito cuidado para não incorrer em excesso de
linguagem, sob pena de invalidar a sentença e outra ter que proferir, haja vista que a
incursão demasiada no mérito da causa pode influir no ânimo dos jurados, seja para
absolver, condenar ou reconhecer/afastar quaisquer causa de diminuição ou
aumento de pena. O mesmo se aplica ao Tribunal quando aprecia recurso em
sentido estrito que ataca a sentença de pronúncia.

[...] o juiz, ao analisar o acervo probatório em sede de pronúncia,


deve se valer de uma linguagem comedida a probabilidade e
possibilidade, e não a certeza, de haver o acusado contribuído
efetivamente para o crime, ou mesmo o animus do qual este se
imbuiu no momento do cometimento do delito, com o fito de não
contribuir para a convicção pessoal dos juízes leigos. 134

Para o Ministério Público, embora o instituto do excesso de linguagem


não se aplique em sua argumentação nas alegações finais (última manifestação
antes da sentença no sumário da culpa), seu passeio pelo mérito da causa de nada
adiantará, uma vez que o magistrado não poderá levar em consideração tais
argumentos em sua decisão, pois ao Juízo se aplica o limitador de linguagem.

Alexy, ao cuidar das diferenças entre o discurso prático geral e o


discurso jurídico, trata dessas fronteiras argumentativas da seguinte maneira:

A ampla zona do meramente possível discursivamente, a


provisoriedade de qualquer resultado, assim como a necessidade de
decidir em tempo limitado numerosas questões práticas, evidenciam

134
BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Acórdão 804820,
20100610075217RSE, Relator: ROMÃO C. OLIVEIRA, 1ª Turma Criminal, data de julgamento:
17/7/2014, publicado no DJE: 28/7/2014. Disponível em:
https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/jurisprudencia-em-detalhes/
tribunal-do-juri/decisao-de-pronuncia-2013-excesso-de-linguagem-do-juiz. Acesso em 10 de mar. de
2022.

80
essas limitações não só como aceitáveis, mas também como
razoáveis e necessárias.135

Isso quer dizer que, como o discurso jurídico é um caso especial em


relação ao discurso prático geral, algumas regras a mais tem que ser inseridas
naquele a fim de que tenha possibilidade de realização.

No discurso jurídico não se pode querer abranger questões fora do


objeto da causa ou que com ela não tenham qualquer pertinência, observando-se
também as regras do discursivamente possível e do que é discursivamente
proibido, como no caso citado do excesso de linguagem por parte do juiz; e
como o processo judicial é uma marcha para frente, prazos hão de ser estipulados e
sanções decorrentes da perda deles serão aplicadas.

Portanto, embora não seja proibido ao membro do Ministério Público


argumentar acerca do mérito da causa em suas alegações finais, não se recomenda
adentrar nesta seara, em razão da pouca utilidade prática desse esforço
argumentativo e de eventual prejuízo que isso pode causar adiante quando do
julgamento da causa pelo plenário do Júri, pois eventual excesso de argumentação
nas alegações finais poderá adiantar a tese acusatória e as linhas argumentativas
para a defesa, que terá mais tempo para arquitetar sua estratégia.

Já na segunda fase do processo do Tribunal do Júri, que ocorre no


plenário de julgamento diante dos jurados, a aplicabilidade da teoria do discurso
racional como teoria da fundamentação jurídica tem diminuída a sua força, uma vez
que a análise crítica das decisões dos jurados é deveras limitada, pois são decisões
sem qualquer motivação explícita.

Como vige o princípio da livre convicção íntima e do sigilo das


votações, não há como saber a motivação de determinada votação, se é que foi

135
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. 6ª ed. Tradução de: Zilda Hutchinson Schild Silva. Rio de Janeiro: Forense,
2021. p. 30.

81
jurídica, religiosa, por piedade, raiva ou até por motivações que seriam
argumentativamente impossíveis, como as baseadas em preconceitos de raça, sexo,
origem, religião etc. Por melhor que sejam os argumentos das partes, mas se algum
dos jurados entender que deva absolver o réu porque seus filhos irão passar
dificuldades financeiras (piedade) ou se quiser condená-lo porque ele é de
determinada religião que o jurado repudia ou possui esta ou aquela condição sexual,
pouco poderá ser feito, por mais absurdo que possa parecer.

Embora os jurados estejam isentos de expor a motivação de suas


decisões, as partes durante o julgamento no plenário possuem algumas restrições,
as quais se encaixam no que Alexy entende por limitações do discurso especial.

A primeira limitação imposta ao discurso perante o plenário é o tempo.


As partes têm que expor suas ideias no tempo fixado pela lei conforme o número de
réus do processo (1h30 para um réu e 2h30 para dois ou mais réus, dividindo-se
este tempo entre todos).

Outra limitação imposta é a do art. 478 do CPP, que assim reza:

Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de


nulidade, fazer referências: (Redação dada pela Lei nº 11.689, de
2008)

I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram


admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como
argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado;
(Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)

II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta


de requerimento, em seu prejuízo.136

Importante notar que as vedações argumentativas impostas neste


artigo de lei não são absolutas. O que se veda é a referência a estes temas como
argumento de autoridade, tanto para beneficiar quanto para prejudicar o réu.

136
BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/Del3689Compilado.htm. Acesso em 20 de fev. de 2022.

82
Portanto, o que se veda é a referência ao uso do direito ao silêncio
de forma pejorativa como argumento de autoridade ou com a simples
menção que o uso de tal direito implica no assentimento de culpa ou
coisa parecida. Não se proíbe falar que o acusado ficou em silêncio
em determinado interrogatório. Se isso vai ser levado em conta pelos
jurados em prejuízo ou benefício para a defesa, é o risco assumido
pelo réu. Numa interpretação sistemática, basta ver o inciso I que
confirma tal assertiva quando se diz da proibição de referência à
decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram
admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como
argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o
acusado.137

A proibição legal veda, por exemplo, dizer que o réu deva ser
condenado só porque o juiz ou os desembargadores, autoridades que são muito
respeitadas pelos jurados, o pronunciou, ou então que ele deva ser condenado só
porque ficou calado. Observa-se, portanto, uma clara incidência da observação de
Alexy acerca das restrições impostas aos discursos jurídicos em geral.

Outro ponto relevante nos processos de competência do Tribunal do


Júri é a alteração legislativa ocorrida em novembro de 2021 que proíbe o uso de
material, linguagem ou informações que tenha potencial de ofender a integridade
moral da vítima ou testemunhas (Lei 14.245/21).

Art. 474-A. Durante a instrução em plenário, todas as partes e


demais sujeitos processuais presentes no ato deverão respeitar a
dignidade da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e
administrativa, cabendo ao juiz presidente garantir o cumprimento do
disposto neste artigo, vedadas:

I - a manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos


fatos objeto de apuração nos autos;

II - a utilização de linguagem, de informações ou de material que


ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas.

137
COSTA, Jefferson Marques. O legislador ordinário às vezes faz jus ao nome. Do silêncio do réu e
outras nuances do Tribunal do Júri. In: SANTOS, Alessandra; MIRANDA, Alexandre (Coord.).
Conversas sobre Direitos II. Editora Conquista: Rio de Janeiro, 2019. p. 126/127.

83
Chamada de Lei Mariana Ferrer, estas limitações argumentativas e de
instrução probatória vieram com o fito de preservar a dignidade das vítimas ou
testemunhas contra exploração de assuntos que nada digam respeito ao mérito da
causa, e que visem tão somente a criação de uma imagem negativa da vítima ou
testemunha perante os jurados, tudo no intuito de desacreditá-las. Trata-se,
portanto, de importante limitação à argumentação jurídica imposta pela lei.

Por fim, mencionaremos referendo na medida cautelar na Arguição de


Descumprimento de Preceito Fundamental nº 779/DF, onde o plenário do STF
chancelou, por unanimidade, a tese sustentada pelo relator de que é vedada a
argumentação baseada na legítima defesa da honra em processos de competência
do Tribunal do Júri. Eis a ementa:

EMENTA. Arguição de descumprimento de preceito fundamental.


Interpretação conforme à Constituição. Artigos 23, inciso II, e 25,
caput e parágrafo único, do Código Penal e art. 65 do Código de
Processo Penal. “Legítima defesa da honra”. Não incidência de
causa excludente de ilicitude. Recurso argumentativo dissonante
da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), da proteção à
vida e da igualdade de gênero (art. 5º, caput, da CF). Medida
cautelar parcialmente deferida referendada. 1. “Legítima defesa da
honra” não é, tecnicamente, legítima defesa. A traição se encontra
inserida no contexto das relações amorosas. Seu desvalor reside no
âmbito ético e moral, não havendo direito subjetivo de contra ela agir
com violência. Quem pratica feminicídio ou usa de violência com a
justificativa de reprimir um adultério não está a se defender, mas a
atacar uma mulher de forma desproporcional, covarde e criminosa. O
adultério não configura uma agressão injusta apta a excluir a
antijuridicidade de um fato típico, pelo que qualquer ato violento
perpetrado nesse contexto deve estar sujeito à repressão do direito
penal. 2. A “legítima defesa da honra” é recurso
argumentativo/retórico odioso, desumano e cruel utilizado pelas
defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra a mulher
para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões.
(...) 4. A “legítima defesa da honra” não pode ser invocada como
argumento inerente à plenitude de defesa própria do tribunal do
júri, a qual não pode constituir instrumento de salvaguarda de
práticas ilícitas. Assim, devem prevalecer a dignidade da pessoa

84
humana, a vedação a todas as formas de discriminação, o direito à
igualdade e o direito à vida, tendo em vista os riscos elevados e
sistêmicos decorrentes da naturalização, da tolerância e do incentivo
à cultura da violência doméstica e do feminicídio. 5. Na hipótese de
a defesa lançar mão, direta ou indiretamente, da tese da
“legítima defesa da honra” (ou de qualquer argumento que a ela
induza), seja na fase pré-processual, na fase processual ou no
julgamento perante o tribunal do júri, caracterizada estará a
nulidade da prova, do ato processual ou, caso não obstada pelo
presidente do júri, dos debates por ocasião da sessão do júri,
facultando-se ao titular da acusação recorrer de apelação na
forma do art. 593, III, a, do Código de Processo Penal. 6. Medida
cautelar parcialmente concedida para (i) firmar o entendimento de
que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por
contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III, da CF), da proteção à vida e da igualdade de
gênero (art. 5º, caput, da CF); (ii) conferir interpretação conforme à
Constituição aos arts. 23, inciso II, e 25, caput e parágrafo único, do
Código Penal e ao art. 65 do Código de Processo Penal, de modo a
excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima
defesa; e (iii) obstar à defesa, à acusação, à autoridade policial e
ao juízo que utilizem, direta ou indiretamente, a tese de legítima
defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas
fases pré-processual ou processual penais, bem como durante o
julgamento perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do
ato e do julgamento. 7. Medida cautelar referendada.138 (grifo
nosso)

Trata-se de inusitado precedente judicial da Suprema Corte brasileira


que restringiu o alcance de importante direito dos acusados nos processos perante o
Tribunal do Júri que é a plenitude de defesa.

Cuidou o STF de criar, mediante construção jurisprudencial, norma


semelhante às rape shield laws (lei de proteção contra estupros), vedando

138
BRASIL. STF. ADPF 779 MC-Ref/DF - Distrito Federal. Relator(a): Dias Toffoli, Tribunal Pleno,
julgado em 15/03/2021. Publicado no DJe-096 em 20-05-2021. Disponível em:
https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur446516/false. Acesso em 12 de mar. de 2022. (

85
argumentações, até mesmo na fase de inquérito policial, acerca de eventual
alegação de legítima defesa da honra em casos de homicídios.

Nessas rape shiel laws, países como Estados Unidos da América,


Nova Zelândia e Austrália, criaram dispositivos legais que, de um modo geral,
limitam as argumentações e produções de provas em casos de estupros que tenham
pertinência com a vida sexual pregressa da vítima, seu comportamento, modo de
vestir, se portar, a fim de que júris ou juízos singulares não sejam influenciados
negativamente pelo fato de determinado comportamento da vítima implicar no seu
assentimento com o ato criminoso objeto do processo.

O sistema legal historicamente tratou as alegações de estupro com


ceticismo. Muitos Estados, por exemplo, fizeram instruções de
advertência ao júri alertando sobre a propensão das mulheres a fazer
falsas acusações de estupro. Além disso, provas de promiscuidade
eram rotineiramente admitidas no julgamento para prejudicar a
credibilidade de um queixoso e demonstrar ao júri que, com toda a
probabilidade, ela consentiu na ocasião em questão. Desde a década
de 1970, no entanto, todas legislaturas estaduais aprovaram
mudanças nos estatutos de estupro. Uma mudança importante foi a
promulgação das chamadas leis de proteção contra estupro, que
limitam a introdução de provas no julgamento sobre a história sexual
do denunciante. Congresso, os militares, e todos os Estados
implementaram leis de proteção contra estupro. Semelhante às leis
federais e militares de proteção contra estupro, quase metade dos
Estados excluem todas as evidências de história sexual, a menos
que 1) refira-se à conduta sexual do denunciante com o réu, ou 2)
fornece informações sobre gravidez, doença ou fonte de sêmen.139

139
FLOWE, Heather D.; EBBESEN, Ebbe B.; PUTCHA-BHAGAVATULA, Anila. Rape shield laws and
sexual behavior evidence: effects of consent level and women's sexual history on rape allegations.
Law and Human Behavior, v. 31, n. 2, p. 159, 2007. Disponível em:
https://psycnet.apa.org/record/2007-06178-003. Acesso em 14 de mar. de 2022. Tradução livre do
autor. Texto original: “The legal system has historically treated claims of rape with skepticism. Many
states, for example, once had cautionary instructions to the jury warning of women’s1 propensity to
make false charges of rape. Moreover, evidence of promiscuity was routinely admitted at trial to
undermine the credibility of a complainant and to demonstrate to the jury that in all likelihood she
consented on the occasion in question. Since the 1970’s, however, all state legislatures have passed
changes in rape statutes. One major change was the enactment of so-called rape shield laws, which
limit the introduction of evidence at trial concerning the complainant’s sexual history. Congress, the

86
Observa-se que o STF se inspirou nesse tipo de legislação a fim de
impor limites argumentativos nos casos mais do que frequentes de alegações de
legítima defesa da honra, principalmente em processos de feminicídios tentados e
consumados que tanto ocorrem no Brasil.

É inegável o caráter utilitarista desta decisão da Suprema Corte que,


diante de um difícil caso, onde a decisão deve ser justificada basicamente valendo-
se de princípios jurídicos, faz o STF verdadeira legitimação democrática desse seu
ato regulador do processo judicial através da argumentação. A esse respeito:

E se, por um lado, existem normas discursivamente insustentáveis,


como a escravidão, também há normas discursivamente possíveis,
mostrando-se a argumentação, e não a simples coerção, a melhor
forma de legitimar estas últimas.140

O STF insere no sistema processual penal brasileiro, através de sua


decisão, verdadeira norma regente de como devem ser feitas as argumentações
jurídicas quando o objeto do processo envolver legítima defesa, principalmente em
casos de feminicídio. Entendeu ser a tese de legítima defesa da honra um
argumento insustentável, a ponto de ser proibido juridicamente.

No caso dessa ADPF 779/DF, o Supremo Tribunal Federal houve por


bem separar a valoração do ordenamento jurídico das valorações de determinados
setores da sociedade. Tanto que após dizer que a legítima defesa “normaliza e
reforça uma compreensão de desvalor da vida da mulher”, complementa o raciocínio
ao expor que essa interpretação não se coaduna com os objetivos fundamentais da
República, “em especial (...) IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de

military, and all of the states have implemented rape shield laws. Similar to federal and military rape
shield laws, almost half of the states general exclude all sexual history evidence unless it 1) relates
to the complainant’s sexual conduct with the defendant, or 2) provides information regarding
pregnancy, disease, or the source of semen.”
140
SALLES, Bruno Makowiecky. Acesso à Justiça e equilíbrio democrático: intercâmbios entre civil
law e commom law. vol. 2. Belo Horizonte: Editora Dialética, 2021. p. 67.

87
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”141 Entra,
portanto, o STF no perigoso e difícil terreno da valoração no direito.

Esse tema é abordado na teoria da argumentação jurídica de Alexy sob


o enfoque da dificuldade em se estabelecer um sistema de valoração do
ordenamento jurídico.

[...] o sistema de valorações do ordenamento jurídico não é nenhuma


medida fixa que determine como se deve conduzir certa valoração.
As diferentes normas são cristalizações de pontos de vista
valorativos completamente diferentes e, frequentemente,
divergentes. (...) Por essas razões, a decisão jurídica não se pode
fundamentar estritamente no sistema de valorações do
ordenamento jurídico; não se pode, contudo, duvidar de que os
posicionamentos valorativos formulados na Constituição ou em
outras leis ou expressos em numerosas normas ou decisões são
relevantes para a decisão a ser tomada. Como no caso das
convicções da coletividade, o que se deve levar em conta não é tanto
a postulação da observância desses posicionamentos valorativos,
mas sim a determinação exata das formas e regras segundo as quais
esses podem e devem entrar nas fundamentações de uma
decisão.142 (grifo nosso)

Como realmente seria difícil estabelecer um regramento fixo, neste


caso concreto, para a aferir como o ordenamento jurídico valora o problema levado à
discussão, o STF entendeu por bem conjugar essa valoração constitucional
adotando uma linha interpretativa que propiciasse maior proteção à vida do que
buscar investigar as convicções de parte da sociedade, como também preferiu essa
mesma linha hermenêutica a uma valoração interna do ordenamento jurídico que
eleva, em degrau privilegiado, o especial direito de defesa dos réus perante o
Tribunal do Júri, sob a batuta do princípio da plenitude de defesa.

141
BRASIL. STF. ADPF 779 MC-Ref/DF - Distrito Federal. Relator(a): Dias Toffoli, Tribunal Pleno,
julgado em 15/03/2021. Publicado no DJe-096 em 20-05-2021. Disponível em:
https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur446516/false. Acesso em 15 de mar. de 2022.
142
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da
fundamentação jurídica. 6ª ed. Tradução de: Zilda Hutchinson Schild Silva. Rio de Janeiro: Forense,
2021. p. 25.

88
No entanto, se por um lado a decisão beneficia a sociedade contra uma
possível tese que vai de encontro aos interesses da República, e que sequer pode
ser sustentada no plenário do Tribunal do Júri, por outro lado a decisão fere alguns
postulados da teoria de Alexy, conforme se vê:

As condições da racionalidade discursiva podem ser explicitadas


através de um sistema de princípios, regras e formas do discurso
prático geral. Esse sistema compreende regras que exigem não-
contradição, clareza de linguagem, certeza das suposições
empíricas e sinceridade, bem como regras e formas que dizem
respeito a consequências, ponderações, universalizabilidade e à
gênese de convicções normativas. O núcleo procedimental consiste
em regras que garantem liberdade e igualdade no discurso,
através da concessão a todos do direito de participar no discurso e
de questionar e defender qualquer afirmação.143 (grifo nosso)

A regra da liberdade e a consequente possibilidade de “defender


qualquer afirmação”, como diz Alexy, sempre foi um primado do Tribunal do Júri
brasileiro, justamente porque ali o Direito é aplicado diretamente pelo detentor maior
do poder estatal, que é o povo, e nada mais natural que o soberano diga qual é o
direito aplicável ao caso concreto.

Conclui-se, pois, que a interferência do STF na limitação da


argumentação no Tribunal do Júri não é interessante para o fortalecimento da
democracia, ainda que carregada de ótimos motivos para o afastamento da causa
“justificadora” de homicídio. Portanto, o Estado democrático de direito tem que se
sobressair nos casos em voga, e permitir às defesas – ainda que de forma alheia à
realidade – defender suas teses, pois, afinal, quem dará a última palavra serão os
jurados, que não podem ser privados de conhecer todas as teses possíveis de
defesa.

143
ALEXY, Robert. Coleção Fora de Série - Teoria Discursiva do Direito, 3ª edição. Rio de Janeiro:
Grupo GEN, 2018. 9788530982829. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.
com.br/#/books/9788530982829/. Acesso em: 26 fev. 2022. p. 268.

89
90
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procurou-se com a presente pesquisa fazer um retrospecto sucinto do


histórico da argumentação desde seus primeiros estudos registrados, passando
pelas diversas grandes fases da história da humanidade (antiguidade, idade média,
moderna e contemporânea).

Na pesquisa foram levantadas as seguintes hipóteses:

A Teoria da Argumentação Jurídica - Teoria do Discurso Racional


como Teoria da Fundamentação Jurídica de Robert Alexy pode influenciar e ser
determinante para o sucesso da causa.

b) A Teoria da Argumentação Jurídica - Teoria do Discurso Racional


como Teoria da Fundamentação Jurídica de Robert Alexy pode influenciar sem ser
determinante no sucesso da causa.

Com tudo que foi abordado nos estudos, a primeira hipótese levantada
foi a mais condizente com os resultados da pesquisa realizada, uma vez que
demonstrou-se que a aplicação da teoria da argumentação jurídica de Robert Alexy
como forma racionalizar o máximo possível a atuação jurídica dos órgãos do sistema
de Justiça (Poder Judiciário e Ministério Público principalmente) é um instrumento
muito eficaz para o fim a que se propõe no estudo.

Tal raciocínio se justifica porque estabelecem-se critérios objetivos que,


embora não afastem totalmente a subjetividade na atuação jurídica, minimiza
drasticamente seu campo de atuação, já que preconiza por exemplo a observância
aos precedentes e a inversão do ônus da argumentação quando se pretende o
afastamento de algum deles, o respeito à lei (salvo exceções devidamente
fundamentadas) e à dogmática jurídica.

91
Vimos no capítulo 2 as características principais da Teoria da
Argumentação Jurídica de Robert Alexy e fizemos algumas incursões sobre ela na
atividade do Ministério Público.

A abordagem feita acerca das justificações internas e externas


estabelecidas na obra de Robert Alexy foi relevante sob o ponto de vista
principalmente do controle dos atos judiciais (e em algumas poucas hipóteses, de
atos administrativos) feitos pelo Ministério Público, o que colaborará para o
aperfeiçoamento funcional da Instituição na área recursal.

Foi feita também incisiva abordagem no campo da argumentação


dogmática e do uso dos precedentes, sempre trazendo importância prática do tema
para os problemas enfrentado pelo Ministério Público dentro de suas funções
institucionais.

No último capítulo, a análise dos casos concretos discutidos nos


principais tribunais do país (STF e STJ) - de grande relevância jurídica e
repercussão social e onde há a atuação do Ministério Público – serviu para
demonstrar a grande aplicabilidade prática da teoria, em especial para
aprimoramento da função do Parquet.

As principais obras estudadas, de Alexy, Perelman e Atienza são muito


densas para serem esgotadas numa pesquisa deste jaez. No entanto, abrem
margem para o prosseguimento dos estudos em trabalho mais profundo, como uma
possível tese de doutorado

A obra “Argumentação jurídica e teoria do direito” de Neil Maccormick


não foi abordada tendo em vista a pesquisa já feita em diversas outras obras já
citadas nas referências, a limitação de tempo para tal desiderato e para não
desvirtuar o foco do presente trabalho que é a teoria de Alexy.

Uma das principais conclusões apuradas foi a possibilidade de


estabelecer um sistema de atuação uniforme de todos os membros do Ministério
Público em diversos assuntos jurídicos com grande variação de entendimentos,

92
respeitada, evidentemente, a independência funcional daqueles que optarem por
não seguir eventuais recomendações dos órgãos superiores da Instituição.

O tema instiga ao prosseguimento das pesquisas no sentido da


ampliação dos estudos no sentido de se criar uma forma de controle mais rigoroso
das decisões jurídicas, em especial dos tribunais superiores, de tal forma que o
respeito aos precedentes seja cumprido de forma mais aguda e que haja melhores
formas de controle das decisões judiciais, principalmente das cortes superiores de
justiça, com estabelecimento de quórum qualificado em determinadas decisões,
controle pelo poder legislativo em determinadas ocasiões. Poder-se-á também
prosseguir as pesquisas com uma comparação mais profunda da teoria alexyana
com a de Perelman ou Atienza, com o fito de extrair desse comparativo um extrato
único com o melhor de cada uma delas.

Portanto, diante do problema proposto (se tem aplicação a teoria de


Alexy aos processos em que o Ministério Público atua), observou-se que há diversas
possibilidades de incidência da teoria aos processos em que o Ministério Público
figura como parte ou custos legis.

Os principais pontos da investigação que permitiram a sustentar essa


conclusão é que a subjetividade sem controle gera abusos, tanto na própria atuação
do Ministério Público como autor de ações judiciais (cíveis e criminais, com
instauração de procedimentos investigatórios etc.), como no controle das decisões
judiciais nos feitos em que atua. Logo, quanto maior a racionalidade na aplicação do
direito, que é um dos focos da teoria de Alexy, menor será o espaço para
subjetivismo.

A necessidade de busca do ideal de correção do Ministério Público,


conforme levantado no tópico específico a este respeito, é importante para que o
órgão caminhe passo a passo com a evolução do direito e não cometa equívocos
por não acompanhar a pretensão de correção que o direito sempre busca.

93
REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS

ADVERSE, Helton. Política e retórica no humanismo do Renascimento. O que nos


faz pensar, [S.l.], v. 19, n. 27, p. 27-58, maio de 2010. ISSN 0104-6675. Disponível
em: http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio.br/index.php/oqnfp/article/view/298>.
Acesso em: 23 mar. 2022.

AGOSTINHO, Santo. Bispo de Hipona. A Doutrina Cristã: manual de exegese e


formação cristã. Tradução de Nair de Assis Oliveira. São Paulo: Paulus, 2002.

ALEXY, Robert. Coleção Fora de Série - Teoria Discursiva do Direito, 3ª edição.


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