Indígenas Urbanos, Territórios e Territorialidades, Uma Análise A Partir Do Bairro Raiar Do Sol em Boa Vista-RR

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA


PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

ÉRICA JOYCE RODRIGUES CAVALCANTE

INDÍGENAS URBANOS, TERRITÓRIOS E TERRITORIALIDADES: UMA


ANÁLISE A PARTIR DO BAIRRO RAIAR DO SOL EM BOA VISTA-RR.

BOA VISTA - RR
2015
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

ÉRICA JOYCE RODRIGUES CAVALCANTE

INDÍGENAS URBANOS, TERRITÓRIOS E TERRITORIALIDADES: UMA


ANÁLISE A PARTIR DO BAIRRO RAIAR DO SOL EM BOA VISTA-RR.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Geografia (PPG-GEO) da Universidade Federal de Roraima,
como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em
Geografia. Linha de Pesquisa: Produção do Território
Amazônico.

Orientadora:Profª Dra. Maria Bárbara de Magalhães Bethônico

BOA VISTA
2015
3

UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

BANCA EXAMINADORA DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Orientadora: Profª. Dra. Maria Bárbara de Magalhães Bethônico

OBS: ESSA FOLHA SERÁ SUBSTITUÍDA PELA FOLHA DE APROVAÇÃO ASSINADA PELOS PROFESSORES
DA BANCA (CEDIDA PELO PPG-GEO)
NO VERSO DA FOLHA ANTERIOR COLOCAR A FICHA CATALOGRÁFICA.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________________
PROFa DRA ALTIVA BARBOSA DA SILVA

__________________________________________________________________
PROFaDRa ANA LÚCIA SOUSA

_________________________________________________________________
PROF. DR. ELÓI MARTINS SENHORAS

__________________________________________________________________
PROF. DR. ARTUR ROSA FILHO
(SUPLENTE)

Aprovada em: _____/_____/_____

Boa Vista, novembro de 2015.


4

Aos guerreiros e guerreiras indígenas que vem morar na


cidade de Boa Vista, terra de antes, território de agora.
Espaço apropriado de forma desigual, no qual, diferentes
formas de sobrevivência reinventam-se todos os dias.

Aos meus pais que, certamente, tinham sangue índio e me


ensinaram a lutar.
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AGRADECIMENTOS

Aos indígenas do planeta, da América do Sul, do Brasil e em especial da Amazônia e de


Roraima por nos ensinarem tanto o significado das palavras luta e resistência.

Aos indígenas residentes, entrevistados, no Bairro Raiar do Sol que apesar de um certo receio
inicial, me receberam e se despediram sempre com um sorriso nos lábios e um olhar de
esperança e fé em relação a uma cidade melhor para se viver.

Aos representantes das organizações indígenas: ODIC, KUAIKRÏ e KAPOI, pelas entrevistas
e conversas informais concedidas.

Aos meus pais, que mesmo não estando mais fisicamente entre nós, continuam presentes em
todos os momentos da minha vida e, portanto, durante toda a realização desse trabalho.

Às minhas seis irmãs, incondicionalmente, por serem a minha base fortalecedora, que me
impulsiona a seguir sempre em frente. Em especial a Edilamar Cavalcante e meu cunhado
Evandro Sanguanini pelo apoio especial em todos os momentos.

À minha orientadora, professora Bárbara Magalhães, que com sua enorme paciência e
determinação sempre me fez acreditar que eu conseguiria chegar até aqui.

À amiga Edite Andrade que me acompanhou até o bairro Raiar do Sol abrindo caminhos junto
aos parentes e me auxiliando com as entrevistas.

Aos amigos e camaradas de luta: Adriana, Ângela, Bira, Rosinha, Reginaldo e Sandra Moraes
pelo carinho e incentivo sempre.

Às minhas amigas do Progestão: Carmem, Erotilde, Francirene, Rita, Rosângela e Silvana,


que sempre ofereceram palavras incentivadoras ao longo do trabalho.

Aos professores e professoras do Mestrado que com suas aulas e orientações me ajudaram na
construção e reconstrução do conhecimento. Em especial ao professor Artur, que sempre me
incentivou e apoiou desde a época em que eu era aluna especial do Programa e ao professor
Rafael (in memorian) que passou rápido por mim, mas, com uma intensidade singular.

Aos professores da banca de qualificação: Ana Lúcia e Paulino que me fizeram perceber o
quanto ainda tenho que caminhar.

Aos colegas do Mestrado, em especial ao Tácio e Márcio, pelo apoio e carinho constantes.

Ao colega Eronildo que ofertou parte do seu tempo tentando me ajudar.

À minha grande amiga Elvira por me mostrar que é possível seguir em frente, apesar dos
pesares.

À toda a equipe da escola Gonçalves Dias, especialmente, aos colegas mais próximos e a
equipe gestora que muito me apoiou na fase final dessa jornada.
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"Cada um de nós necessita, como "um recurso"


básico, territorializar-se".

Rogério Haesbart.
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RESUMO

A dinâmica territorial das populações indígenas está em constante processo de transformação,


sendo influenciada por diferentes dimensões: social, cultural, política e econômica, presentes
no processo histórico que envolve esses povos. A presença dos indígenas no contexto urbano
não é algo recente, no entanto, a produção escrita sobre o tema é que começa a se evidenciar
com mais força a partir das décadas de 80 e 90 com a publicação de alguns trabalhos. O Brasil
possui forte presença indígena em todo o seu território, especialmente na Amazônia brasileira
que mesmo possuindo um alto percentual de indígenas concentrados nas áreas rurais,
apresentou um crescimento significativo da população indígena urbana nas últimas três
décadas. Fenômeno esse permeado por diversos fatores relacionados com as mudanças
históricas que vem ocorrendo em relação a apropriação do espaço, desde o período colonial, e
a reconfiguração dos territórios ocasionando processos de desterritorialização e
reterritorialização dos indígenas, que passam a buscar novas formas de vivências e
sobrevivência no contexto urbano. A presente pesquisa, sem intenção de ser conclusiva em
qualquer aspecto, investiga os territórios e territorialidades construídos pelos indígenas que
moram no bairro Raiar do Sol na cidade de Boa Vista, tendo como referência as relações que
os indivíduos estabelecem entre o meio e o grupo social, manifestando-se em diferentes
escalas geográficas e expressando um sentimento de pertencimento e um modo de agir no
âmbito de um dado espaço geográfico, ou seja, a construção de territorialidades a partir da
apropriação do espaço que se constitui em um novo território. O estudo foi realizado no
Bairro Raiar do Sol e adjacências, na cidade de Boa Vista- RR a partir de métodos mistos que
abarcam a pesquisa qualitativa e quantitativa em momentos distintos e interligados, de acordo
com as necessidades de elaboração, registro e análise dos dados. Organiza-se o trabalho em
três capítulos, nos quais procura-se resgatar um pouco do processo histórico da
desterritorialização dos indígenas desde a colonização até a territorialização no contexto
urbano. Foram realizadas pesquisa bibliográfica, observação e entrevistas com indígenas
residentes no bairro e indígenas representantes de organizações que atendem o índio que vem
para a cidade, tabulação e análise de dados com construção de mapas e gráficos procurando-se
dialogar sempre com o referencial teórico que analisa a temática a partir da base conceitual de
espaço, território e territorialidade.Levantam-se algumas constatações, de forma preliminar,
no que diz respeito ao processo de construção, em curso, de territórios e territorialidades por
parte dos indígenas no bairro em estudo.

Palavras- chaves: Indígenas. Boa Vista. Territórios. Territorialidades.


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RESUMEN

Las dinámicas territoriales de los pueblos indígenas se encuentran en proceso de


transformación constante, siendo influenciados por diferentes dimensiones: sociales,
culturales, políticos y económicos, presentes en el proceso histórico que involucra a estas
personas. La presencia de los pueblos indígenas en el contexto urbano no es algo nuevo, sin
embargo, al escribir sobre el tema está empezando a mostrar más fuerza a partir de los años
80 y 90 con la publicación de algunos trabajos. Brasil tiene una fuerte presencia indígena en
todo su territorio, especialmente en la Amazoniabrasileña que ni siquiera tener un alto
porcentaje de indígenas se concentraron en las zonas rurales, mostró un crecimiento
significativo de la población indígena urbana en las últimas tres décadas. Un fenómeno
permeada por factores relacionados con los cambios históricos que se han producido en
relación con la apropiación del espacio, desde la época colonial, y la reconfiguración de los
territorios que conducen a la desposesión de los procesos y la toma de posesión de los indios,
que vienen a buscar nuevas formas de experiencias y la supervivencia en el contexto urbano.
Esta investigación, sin la intención de ser concluyente de cualquier manera, investiga las
posibles territorialidades construidas por los indios que viven en Raiar do Sol en la ciudad de
Boa Vista, en referencia a las relaciones que las personas establecen entre los medios de
referencia y el grupo sociales, que se manifiesta en diferentes escalas geográficas y expresar
un sentido de pertenencia y una manera de actuar dentro de un área geográfica determinada, a
saber, la construcción de la territorialidad de la apropiación del espacio que se encuentra en
un nuevo territorio. El estudio se realizó en el barrio Raiar do Sol y sus alrededores en la
ciudad de Boa Vista-RR con los métodos mixtos que incluyen la investigación cualitativa y
cuantitativa en diferentes momentos, de acuerdo con las necesidades de desarrollo, registro y
análisis de datos. Se organiza el trabajo entres capítulos, en los que buscamos rescatar algo del
proceso histórico de desposesión de los indígenas desde la colonización hasta la territorial en
el contexto urbano. Búsqueda bibliográfica se llevaron a cabo, la observación y entrevistas
con los pueblos indígenas y representantes de organizaciones, tabulación y análisis de datos
para la construcción de mapas y gráficos que buscan hablar siempre con el marco teórico que
analiza la cuestión desde la base conceptual del espacio, el territorio y territorialidad .Algunas
de las conclusiones con el fin, subida preliminar, en relación con el proceso de construcción,
en curso, territórios y territorialidad por los indíos en el barrio de estudio.

Palavras- chaves:Indígena.Boa Vista. territorio.territorialidad.


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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Mapa de localização área de estudo .................................................................. 14


Figura 2 - Foto da entrada do Bairro Raiar do Sol-acesso pela BR-174 ............................ 15
Figura 3 - Foto da avenida principal do Raiar do Sol- Estrela D'alva ............................... 15
Figura 4 - Fluxograma demonstrando a rede de contatos para as entrevistas .................... 18
Figura 5 - População indígena no século XVI - Grupos extintos ...................................... 21
Figura 6 - Povos indígenas: dados quantitativos ................................................................ 31
Figura 7 - Quantitativo de indígenas no contexto rural e urbano ....................................... 31
Figura 8 - Distribuição de população indígena no Brasil (IBGE) ...................................... 32
Figura 9 - Terras indígenas por estado - Amazônia Legal ................................................. 35
Figura 10 - Situação das Terras indígenas em Roraima ..................................................... 35
Figura 11 - Motivos que levaram os indígenas a morarem na cidade ................................ 41
Figura 12 - Quantitativos de indígenas por bairro ............................................................. 47
Figura 13 - Motivos que levam os indígenas a morarem no Raiar do Sol ......................... 49
Figura 14 - Gráfico 1 : Faixa etária dos entrevistados ....................................................... 50
Figura 15 - Gráfico 2 : Profissão dos entrevistados ........................................................... 50
Figura 16 - Gráfico 3 : Situação de moradia dos entrevistados ......................................... 51
Figura 17 - Foto da residência de um dos entrevistados .................................................... 52
Figura 18 - Foto do final da rua Eclipse (residências com cercas de madeira) .................. 53
Figura 19 - Gráfico 4 - Situação de trabalho dos entrevistados ......................................... 54
Figura 20 - Motivos negativos de se viver na cidade ......................................................... 55
Figura 21- Políticas indígenas que os entrevistados conhecem ......................................... 56
Figura 22 - Mapa das terras indígenas onde situam-se as comunidades de origem ........... 58
Figura 23 - Gráfico 5 : Religião dos entrevistados ............................................................ 60
Figura 24 - Gráfico 6: Vínculo dos entrevistados com as comunidades de Origem .......... 62
Figura 25 - Gráfico 7: Freqüência de retorno as comunidades de origem ......................... 63
Figura 26 - Hábitos praticados na comunidade de origem ................................................. 64
Figura 27 - Mapa do Bairro Raiar do Sol e adjacências .................................................... 65
Figura 28 - Foto da sede da Associação Cultural Kapói .................................................... 67
Figura 29 - Foto da sede Associação Kuaikrï .................................................................... 67
Figura 30 - Dificuldades encontradas ao morar na cidade ................................................. 70
Figura 31 - Participação em organizações indígenas ......................................................... 71
Figura 32 - Foto de artesanato da Associação Kapói ......................................................... 75
Figura 33 - Foto da associação Kapói - venda de farinha e Beijú ...................................... 75
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LISTA DE SIGLAS

ACAF - Associação Comunitária da Água Fria.

AEIKRR - Associação Estadual Indígena Kuikrï de Roraima.

CF - Constituição Federal.

CIMI - Conselho Indígena Missionário

CIR - Conselho Indígena de Roraima

CUNI - Conselho Universitário

FUNAI - Fundação Nacional do Índio

IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INSIKIRAN - Instituto Superior de Formação Indígena

ODIC - Organização dos Índios da Cidade

OMIR - Organização das Mulheres Indígenas de Roraima

ONG - Organização Não Governamental

OPIRR - Organização dos Professores Indígenas de Roraima

PIB - Povos Indígenas do Brasil

RANI - Registro Administrativo de Nascimento Indígena

SEPLAN- Secretaria de Planejamento

SESAI - Secretaria de Saúde Indígena

SODIUR - Sociedade dos Índios Urbanos de Roraima

SPI - Serviço de Proteção aos Índios

UFRR - Universidade Federal de Roraima


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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 12
1.1 ÁREA DE ESTUDO ..................................................................................................... 13
1.2 METODOLOGIA ......................................................................................................... 16
2. UM POUCO DO PROCESSO HISTÓRICO ............................................................. 20
2.1 A COLONIZAÇÃO E SUAS RELAÇÕES COM A TERRITORIALIZAÇÃO DOS
INDÍGENAS ....................................................................................................................... 20
2.2 PROCESSOS DE DESTERRITORIALIZAÇÃO E RETERRITORIALIZAÇÃO ..... 23
2.3 CONTEXTUALIZANDO A TERRITORIALIZAÇÃO NO VALE DO RIO
BRANCO 27
2.4 OS POVOS INDÍGENAS E SUAS TERRAS: ALGUNS DADOS IMPORTANTES 30
2.4.1 As terras indígenas e a reconfiguração de territórios ........................................... 33
3. TERRITORIALIDADES INDÍGENAS URBANAS ................................................. 37
3.1 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO NACIONAL, REGIONAL E LOCAL ................. 37
3.2 OS INDÍGENAS E A CIDADE: NOVOS TERRITÓRIOS EM CONSTRUÇÃO ..... 45
3.3 O BAIRRO RAIAR DO SOL E A PRESENÇA DOS INDÍGENAS .......................... 48
4.TERRITÓRIOS E TERRITORIALIDADES INDÍGENAS NO BAIRRO RAIAR
DO SOL .............................................................................................................................. 60
4.1 ALGUNS ASPECTOS CULTURAIS ......................................................................... 60
4.2 FORMAS DE RESISTÊNCIA: POSSÍVEIS VÍNCULOS COM ORGANIZAÇÕES
INDÍGENAS ....................................................................................................................... 65
4.3 TERRITÓRIOS E TERRITORIALIDADES INDÍGENAS: UM PROCESSO EM
CONSTRUÇÃO .................................................................................................................. 74
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 78
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 81
APÊNDICE ........................................................................................................................ 84
12

1. INTRODUÇÃO

A presença dos indígenas nas cidades é algo bem antigo, no entanto, somente
recentemente nas décadas de 80 e 90 é que começam a ser publicizados trabalhos em nível de
dissertação sobre o tema conforme nos explica Nunes (2010), ao referir-se a um primeiro
trabalho pioneiro ainda na década de 60, de Cardoso (1968) e os trabalhos orientados por ele
deLazarin, 1981; Romano, 1982; Fígoli 1982. Nunes (2010) afirma ainda que mesmo
existindo algumas produções nesse período somentea partir dos anos2000 é que a temática
tornou-se mais visível.
O Brasil é um país com forte presença indígena em todos os seus estados e o
fenômeno de deslocamento dos mesmos, dos seus locais de origem para as cidades é algo
constante. A Amazônia como um todoe em especial a brasileira, embora concentre maior
população indígena nas áreas rurais, apresentou um crescimento relevante em relação a
população indígena urbana comparando-se o espaço de tempo dos anos 90 até os anos atuais.
A dinâmica territorial das populações indígenas passa por constantes mudanças a partir de
diferentes aspectos que vão desde o processo de colonização, contribuindo desde então com a
desterritorialização e reterritorialização dos mesmos, até a luta pelo reconhecimento e garantia
de suas terras.
A presente pesquisa,sem a intenção de ser conclusiva sobre qualquer aspecto,
investiga a construção de territórios e territorialidades pelos indígenas que residem no bairro
Raiar do Sol na cidade de Boa Vista, tendo em vista que se referem às relações entre um
indivíduo ou grupo social e seu meio de referência, manifestando-se nas várias escalas
geográficas - uma localidade ou um país - e expressando um sentimento de pertencimento e
um modo de agir no âmbito de um dado espaço geográfico.
As territorialidades urbanas, assim como qualquer territorialidade,abarcam diferentes
dimensões e podem traduzir, em nível coletivo, formas de interação, sobrevivência e
regulação do território, a partir de ações desenvolvidas no cotidiano, tanto em relação a
sobrevivência física quanto a concretização de anseios e necessidades subjetivas mediadas
pelo meio social, cultural e econômico.
Ao longo dos capítulos alguns aspectos fundamentais são analisados, tais como: a
origem e as etnias das famílias indígenas residentes no bairro Raiar do Sol, além da
investigação sobre os vínculos culturais manifestados pelos indígenas e as formas de
organização política que possuem no contexto urbano.
13

A dissertação está organizada em três capítulos. O capítulo 1 que abordará a relação da


desterritorialização e reterritorialização dos indígenas em relação ao processo histórico de
colonização partindo do contexto nacional e posteriormente abordando contexto local, ou seja,
o vale do Rio Branco com ênfasenastáticas utilizadas pelos colonizadores para a apropriação e
utilização do espaço, como o caso dos aldeamentos. No mesmo capítulo, serão apresentados
alguns dados sobre os povos indígenas e suas terras no Brasil, na Amazônia e em Roraima,
como base de análise.
No capítulo 2, adentrar-se-á nastemáticas territórios e territorialidades no contexto
urbano, realizando-se uma breve contextualização das escalas nacional, regional e local e uma
breve abordagem sobre os índios que vivem em cidades, além de dados quantitativos sobre os
indígenas na cidade de Boa Vista afim de uma contextualização inicial e por fim, uma
abordagem sobre a presença dos indígenas na área em estudo, ou seja, o bairro Raiar do Sol.
No referido capítulo analisa-se também os dados coletados, a partir da pesquisa de campo,
através das entrevistas e conversas informais,apresentando-se alguns quadros e gráficos que
foram elaborados para uma melhor visualização e análise da situação.
No capítulo 3, então se abordará sobre territórios e territorialidades indígenas no
Bairro Raiar do Sol, a partir de alguns aspectos culturais, de formas de resistência e possíveis
vínculos comorganizações indígenas que atendem os índios que vem para a cidade. Além
disso, é feita uma abordagem sobreo caráter dinâmico das territorialidades enquanto ações
cotidianas de vivência e sobrevivência, revelando-as como parte de um processo em
construção.

1.1 ÁREA DE ESTUDO

O estudo foi realizado no Bairro Raiar do Sol e adjacências. O bairro estásituado na


zona oeste da cidade, nas proximidades do Igarapé do Paca e dos bairros: Prof.ª Araceli Souto
Maior , São Bento, Operário, Bela Vista e Jardim Tropical, apresenta o maior contingente
populacional indígena da cidade de Boa Vista com 287 habitantes, residindo em diferentes
pontos do referido bairro, de acordo com dados do censo do IBGE/2010, a partir do critério de
auto declaração.
O bairro em estudo possui uma ampla rede comercial abarcandosupermercado de
grande porte, mini mercados, inúmeras lojas de roupas, lotéricas, borracharias, auto
mecânicas, pequenos restaurantes, lanchonetes, escolas, lojas de móveis, agência bancária,
14

igrejas, frutarias, dentre outros. O tráfego na avenida central, Estrela D'alva, é sempre
intenso,pois dá acesso as ruas internas do bairro e encontra-se próxima a BR- 174. O
movimento de pedestres e ciclistas, além dos veículos automotores é constante o que lhe
confere um caráter diferenciado dos bairros mais centrais da cidade de Boa Vista. Muitos
moradores e pessoas que frequentam ou passam pelo bairro utilizam bicicletas e motos como
meio de transporte, o que contribui com um transito complexo especialmente pela rua
principal não possuir ciclovias
eser uma avenida de mão dupla. Percebe-se que o bairro cresceu em alguns pontos de forma
desordenada e a infraestrutura das ruas internas é precária não existindo meio fio nas ruas
asfaltadas, além do que, muitas ruas ainda estão sem pavimentação.

Figura 1 – Mapa de localização da área de estudo


15

Figura 2 – Foto da entrada do Bairro Raiar do Sol, acesso pela BR-174.

Fotografia: Érica Joyce R. Cavalcante (2015)

Figura 3–Foto da avenida principal do Raiar do Sol- Estrela D’alva

Fotografia: Érica Joyce R. Cavalcante (2015)


16

1.2 METODOLOGIA

A presente investigação foi realizada a partir da metodologia mista oumétodos mistos


que privilegia, em momentos distintos, as dimensões qualitativas e quantitativas de acordo
com as necessidades de elaboração, registro e análise dos dados. Creswell, (2010, p. 247-253),
aponta a importância do método misto, no que se refere às estratégias de investigação, pois
permite revelar facilmente, a depender da questão de pesquisa. Ainda, ressalta que as
propostas de estudo podem empregar métodos quantitativos e qualitativos, ora atribuindo
mais peso a um do que a outro, ora iniciando-se com um e concluindo-se com outro. Creswell
(2010) afirma que a investigação por métodos mistos é um desenho de investigação ou
metodologia na qual o/a investigador/a recolhe, analisa e mistura (integra ou relaciona) dado
qualitativo e quantitativo num único estudo ou em diversas fases do mesmo programa de
investigação.
A investigação no bairro Raiar do Sol foi definida em função de pesquisa preliminar
feita em relação a quantidade de indígenas por bairro na cidade de Boa Vista. De acordo com
dados obtidos na sede do IBGE, constatou-se que o bairro com maior contingente
populacional indígena, 287 moradores, é o Raiar do Sol. Outro aspecto que contribuiu com a
definição da área de estudo foi o fato de que três organizações que atendem os índios quevem
morar na cidade, situam-se no referido bairro e adjacências. Uma das organizações iniciou
suas atividades no bairro e atualmente encontra-se em um espaço residencial no bairro Silvio
Botelho, também zona oeste da cidade. Portanto, a presença dos indígenas no bairroé algo
significativo.
A área de estudo, onde se situam os entrevistados, foi reordenada no decorrer da
pesquisa. Tal situação deve-se ao fato de que, ao serem feitos os primeiros contatos numa das
redes estabelecidas que foi a escola estadual Wanda David Aguiar, perguntava-se inicialmente
ondeos indígenas moravam e alguns disseram que era no bairro Raiar do Sol, mas, ao chegar
no endereço fornecido, percebeu-se que era em um dos bairros ao lado, no entanto, o
entrevistado sentia-se como morador do bairro Raiar do Sol. O sentimento de pertencimento
ao Raiar do Sol pode ocorrer, talvez, por acessarem mais os serviços que estão localizados no
referido bairro. Tal fato contribuiu paraque as entrevistas fossem realizadas com pessoas que
vivem também nas adjacências do bairro caracterizado inicialmente como área de estudo.
Outro fato significativo também e que de certo modo justifica essa situação, é que não há
separação visual entre os bairros.
17

A investigação realizou-se em três momentos distintos e interligados. No primeiro,


foram feitas leituras bibliográficas a partir de levantamento de obras da Geografia, de artigos
científicos, teses e dissertações já publicadas sobre os povos indígenas que vivem nas cidades
e em especial na cidade de Boa Vista, para suporte, fundamentação teórica e análises dos
dados levantados e construídos ao longo da pesquisa, tendo como referência as categorias:
espaço, território, territorialidades, identidade, migração, deslocamentos e formas de
organização e resistência das populações indígenas.
O segundo momento abarcou o levantamento de dados em instituições públicas e
organizações indígenas, onde foram coletados dados secundários (essenciais) que
permitiramtraçar um breve panorama da população indígena roraimense, com ênfase nos que
vivem na cidade de Boa Vista. Os dados coletados contribuíram com a identificação da
população indígena nos bairros de Boa Vista, com destaque para o Raiar do Sol. A ideia
inicial era fazer um quadro comparativo entre as informações do último censo do IBGE e os
dados fornecidos pelas organizações indígenas, no entanto não foi possível obter as
informações junto às referidas organizações.
O terceiro momento abarcou a realização de entrevistas que foram feitas com 11
moradores do bairro Raiar do Sol e adjacências e três representantes de organizações
indígenas que atendem demandas voltadas para os indígenas que vem para a cidade. Realizou-
se um pré-teste com acadêmicos do Insikiran-UFRR, permitindo a readequação das perguntas
que versaram em torno dos seguintes aspectos:

1) Perfil geral a partir de informações sobre: faixa etária, sexo, nível de escolaridade,
situação de trabalho, estado civil e religião;
2) Origem e etnias dos índios entrevistados;
3) Motivos pelos quais levaram a família vir para a cidade, especificamente para o
bairro em questão;
4) Desafios enfrentados para assegurar a sobrevivência;
5) Manutenção ou não de hábitos e costumes da comunidade de origem;
6) Vínculos culturais com a comunidade de origem;
7) Relação com alguma organização indígena urbana ou não.
8) Conhecimento sobre políticas específicas para os indígenas que vem para cidade.

Como parte do terceiro momento foram feitas as análises e sínteses preliminares a


partir das respostas coletadas com o registro dos resultados em gráficos e tabelas. Além disso,
18

foram construídos três mapas: a) um explicitando as terras indígenas onde se situam as


comunidades de origem dos entrevistados; b) mapa com a área de estudo inicialmente
delimitada e c) mapa com a área de estudo ampliada definida pela própria demanda que surgiu
ao longo da pesquisa.
A rede de contatos para as entrevistas foi estabelecida a partir de três possibilidades. O
esquema abaixo sintetiza a rede criada para as entrevistas:

Figura 4 -Fluxograma demonstrando a rede de contato para as entrevistas

ESCOLA ESTADUAL WANDA


DAVID AGUIAR
Obs: a partir desse ponto NÚCLEO INSIKIRAN - UFRR
CONHECIDOS INDÍGENAS uns foram indicando outros

REDE DE CONTATOS PARA AS


ENTREVISTAS NO BAIRRO RAIAR DO SOL
E ADJACÊNCIAS.

Elaboração: Érica Joyce R. Cavalcante (2015)

1) Indígenas conhecidos forneceram alguns números de telefone para que as ligações e


agendamentos das entrevistas pudessem ser feitos, no entanto, algumas pessoas contatadas
não aceitaram dar entrevista demonstrando desconfiança em relação ao trabalho;
2) O Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena/UFRR foi outro ponto de apoio para
descobrir residentes do bairro em estudo. A partir dos acadêmicos conhecidos foi possível
conseguir cinco nomes de moradores, no entanto, apenas uma pessoa aceitou ser entrevistada;
3) A escola Wanda David Aguiar, por eu ser professora da rede estadual e conhecer alguns
professores. Essa rede de contato foi a mais eficiente tendo em vista que um professor ajudou
fazendo uma lista com números de telefones dos alunos que diziam morar no bairro, mas,
nesse caso houve uma dificuldade que foi os alunos indígenas apresentarem resistência em se
reconhecer como tal. Muitas ligações telefônicas e tentativas de marcações de entrevistas
foram feitas, mas, com pouca aceitação. Por esse motivo foi necessário ir no período noturno
na própria escola e conversar (com autorização da equipe gestora) com os alunos na hora do
intervalo. Essa tática foi a melhor, pois ao entrevistar um aluno, ele mesmo já indicava outro e
19

aí a receptividade era maior. Fato que merece destaque é que num dos momentos de
entrevistas foi possível contar com o apoio de uma conhecida indígena da área de educação
que já tem todo um conhecimento sobre as questões acadêmicas e é também mestranda na
UFRR. Nesse caso, a receptividade para a realização das entrevistas foi bem maior.
Em síntese, as pessoas entrevistadas, portanto, foram em sua grande maioria,
estudantes da Escola Wanda D'avid Aguiar cursando o Ensino Médio Noturno. Houve
também a tentativa de abordagem de alguns moradores que circulavam nas ruas próximas as
residências de pessoas já entrevistadas. Depois de muitas conversas, mostrando e explicando
cuidadosamente o projeto por escrito, uma pessoa aceitou ser entrevistada.
Ressalta-se sobre a localização das organizações indígenas, que a ODIC já teve sede
no próprio bairro Raiar do Sol, aKuikrï possui sede no Raiar do Sol e a Kapoi situa-se no
bairro Profª. Aracelis Souto Maior, bairro situado ao lado do bairro em estudo . A maior
parte, da pesquisa de campo in loco, foi feita quase sempre no período da tarde e/ou noturno
de acordo com a disponibilidade da entrevistadora e dos entrevistados.
Os três mapas construídos foram feitos a partir de shapes disponibilizados pela base
cartográfica da Seplan e IBGE , utilizando-se o programa Quantum Gis. Destaca-se ainda que
o registro e síntese dos dados e informações foram feitos a partir de um programa, criado
especificamente para esse fim, chamado de SPE - Sistema de Pesquisa e Estatística, que
consiste no registro e compilação tanto de dados e informações sobre perguntas objetivas
(respostas fechadas) quanto de perguntas subjetivas (com respostas abertas).
A base conceitual do trabalho refere-se ao estudo e reflexão de três conceitos
principais: espaço, como algo mais amplo, território como diferentes formas de apropriação
do espaço e territorialidades enquanto ações desenvolvidas no território para garantir a
sobrevivência cultural e física dos povos indígenas que vem para a cidade. As teorias
geográficas permitiram, no momento da análise compreender as complexas relações que se
estabelecem entre os indígenas residentes na cidade e as organizações indígenas permitindo,
assim identificar os processos referentes aos territórios e territorialidades dos indígenas
residentes no bairro em estudo.
Considera-se algumas limitações em termos de acessibilidade a coleta de informações
e também em relação ao espaço destinado para a produção do trabalho, portanto, a pesquisa
não pode ser considerada conclusiva, mas, como o inicio de um processo de investigação que
poderá ser aprofundado em momentos futuros, não obstante, pode-se dizer que conseguiu
alguns resultados preliminares que são relevantes no que tange a temática.
20

2. UM POUCO DO PROCESSO HISTÓRICO

2.1 A COLONIZAÇÃO E SUAS RELAÇÕES COM A TERRITORIALIZAÇÃO DOS


INDÍGENAS.

O processo histórico de colonização do Brasil, com mais de 500 anos de exploração


dos povos indígenas, é fortemente marcado pelo extermínio de diversas etnias e pelo risco
constante de desaparecimento das mesmas do território brasileiro. Luciano (2006, p.17)
ressalta que as estimativas apontam para um contingente populacional indígena de
aproximadamente 5.000.000 (cinco milhões) de habitantes no ano de 1500. No entanto de
acordo com dados do IBGE, no censo de 2001 a população brasileira passou a ter apenas
0,4% do seu total, composta por indígenas. Tal situação revela uma diminuição considerável
da população indígena no país. Diversos fatores foram responsáveis:

De fato, a história é testemunha de que várias tragédias ocasionadas pelos


colonizadores aconteceram na vida dos povos originários dessas terras: escravidão,
guerras, doenças, massacres, genocídios, etnocídios e outros males que por pouco
não eliminaram por completo os seus habitantes. Não que esses povos não
conhecessem guerra, doença e outros males. A diferença é que nos anos da
colonização portuguesa eles faziam parte de um projeto ambicioso de dominação
cultural, econômica, política e militar do mundo, ou seja, um projeto político dos
europeus, que os povos indígenas não conheciam e não podiam adivinhar qual fosse.
Eles não eram capazes de entender a lógica das disputas territoriais como parte de
um projeto político civilizatório, de caráter mundial e centralizador, uma vez que só
conheciam as experiências dos conflitos territoriais intertribais e interlocais
(LUCIANO, 2006, P.17)

A colonização de exploração foi permeada por diferentes formas de opressão desde a


época dos primeiros contatos dos colonizadores com os indígenas, que viviam no Brasil e em
toda a América Latina, e apresentou relações diretas com a exigência de funcionamento e de
manutenção das metrópoles gerando um verdadeiro morticínio que foi conseqüência de um
processo complexo que tinha como principais motivos: a ganância e ambição próprias da
expansão do capitalismo mercantil, levando a redução da população indígena que eram
milhões, em 1500, para pouco mais de 800 mil nos dias atuais.
Diante do referido contexto, constata-se que vários grupos indígenas, que habitavam
toda a região que passou a ser denominada Brasil, foram extintos. A figura 5 apresenta a
população estimada no século XVI e exemplifica tal situação em diferentes estados e regiões
brasileiras:
21

Figura 5 - População indígena no século XVI - Grupos extintos

Grupo indígena Localização: região/estado População original (séc. XVI)

Aimoré (Botocudo) Espírito Santo e Ilhéus 30.000

Caeté Costa nordeste 50.000

Caeté Minas Gerais 30.000

Canindé (genipapo) --------- 20.000

Carijó São Paulo 25.000

Carijó Paraná 6.000

Carijó Rio Grande do Sul 25.000

Cariri, Caratiú, Icó, Panati, Interior do nordeste 25.000

Charrua Rio Grande do Sul 35.000

Guarani Mato Grosso do Sul 25.000

Omágua Rio Solimões 20.000

Potiguar Costa Nordeste 900

Tupiniquim Ilhéus e Espirito Santo 55.000

Tupinambá de Cumá Maranhão 25.000

Tupiniquim São Paulo 35.000

Fonte: IBGE. Brasil 500 anos de povoamento, Rio de Janeiro, 2000


Adaptação: Érica Joyce R. Cavalcante (2015)

O viés socioeconômico oriundo das relações mercantilistas que pautou o processo de


colonização baseava-se numa lógica de funcionamento que prevalece até o momento, através
da produção do lucro e o acúmulo do capital que caracterizam o sistema capitalista 1. Tais
aspectos tornam-se prioritários nas relações de produção e, portanto na forma de apropriação
do espaço e do território brasileiro, o que influencia diretamente o modelo de estrutura
fundiária do país, a vida e o modo de sobrevivência de seus habitantes.
Um longo caminho foi percorrido desde o período colonial até o momento presente,
mas, vale lembrar que no ano de 1530, com a instalação das primeiras colônias brasileiras
pelos portugueses, praticava-se o escambo (sistema de trocas) pelos índios que buscavam
principalmente objetos de metais (FREIRE; OLIVEIRA, 2006), no entanto, ainda no mesmo
período, essa prática foi sendo processualmente substituída pela utilização da mão-de-obra

1
HARVEY,David. A teoria de Marx do crescimento sob o capitalismo situa a acumulação de capital no centro
das coisas. A acumulação é o motor cuja potência aumenta no modo de produção capitalista.
22

escrava para o fortalecimento dos engenhos de cana-de-açúcar. Em toda a área que


corresponde ao Brasil, o modelo de desenvolvimento econômico foi baseado na exploração
intensa dos recursos naturais em diferentes períodos históricos, cada um com sua
especificidade.
Diversos ciclos de exploração, dos referidos recursos, foram delineados a partir de
elementos diferentes como o caso do pau-brasil, da cana-de-açúcar e do ouro, só para
exemplificar. No entanto, como afirmam Freire e Oliveira (2006), a consolidação da cana-de-
açúcar baseada na escravidão negra, levou ao declínio os aldeamentos indígenas do litoral,
deslocando o interesse das ordens religiosas para o trabalho catequético no sertão,
acompanhando novos ciclos econômicos.
Já em meados do século XVII algumas mudanças passaram a acontecer, sobretudo,
devido a introdução de missionários apostólicos no sertão, o que contribuiu com a denúncia
da estrutura agrária baseada na escravidão e a luta pela liberdade dos índios defendida pelo
Pe. Antônio Vieira:

No estado do Maranhão, os Jesuítas lutaram pela liberdade dos índios defendida


pelo Pe. Antônio Vieira, instalando aldeamentos longe de povoações e fazendas,
ameaçando a reprodução do sistema colonial. Em meados do séc. XVII, Vieira
organizou o regimento interno dos aldeamentos e das missões do Maranhão e do
Grão-Pará. Tal regulamento envolveu todos os atos que regiam a vida a vida
missionária das atividades econômicas à catequese (FREIRE ; OLIVEIRA, 2006, p.
49).

Apesar das estratégias utilizadas pelos Jesuítas,que se constituíam de um conjunto de


tarefas missionárias orientadas pela coroa portuguesa, para manter o controle da mão-de-obra
indígena e com isso tentar garantir as fronteiras do império português, eles foram perdendo
espaço para outras ordens religiosas mais fortemente subordinadas a lógica comercial.
De um modo geral, a ocupação das terras da Amazônia pela coroa portuguesa também
se concretizou, como no litoral, através do processo de aldeamentos que na referida região
denominava-se "aldeias de repartição" em que ocorria a apropriação da força de trabalho dos
indígenas. Os índios eram centralizados, mesmo sendo de diferentes origens e eram
distribuídos para servir não somente a missionários como também aos colonos e à Coroa
portuguesa, ganhando um salário definido na legislação local.
O papel da igreja católica foi fundamental para a consolidação de algumas táticas em
prol da ocupação e apropriação das terras onde viviam os indígenas, como por exemplo, a
catequese e a civilização, que ocorriam nos aldeamentos que nem sempre se localizavam
próximos as povoações. Aliado a isso se estabeleceu uma legislação própria e contraditória,
pois os jesuítas tentavam controlar o emprego da mão-de-obra indígena longe dos colonos. O
23

Regimento de 1680, estabelecido graças aos esforços do jesuíta Antônio Vieira junto á Coroa
portuguesa, proibia a escravidão do indígena mesmo que conquistado por resgate ou por
“guerra justa" (FREIRE; OLIVEIRA, 2006).
O regimento estabelecia que houvesse uma distribuição tripartite das atividades dos
“índios de serviço das aldeias”: a) um grupo acompanharia os padres nos trabalhos
missionários; b) outro ficaria a serviço dos montadores; c) o último grupo cuidaria da
subsistência das famílias indígenas dos aldeamentos. Tais aldeamentos deveriam ser
governados pelos párocos e pelos “principais” (chefes) dos índios. Os jesuítas controlariam
todos os aldeamentos no Maranhão e no Pará onde não existissem missionários de outras
denominações, tornando-se os párocos de qualquer novo aldeamento. O trabalho da catequese
seria estendido a lugares remotos da Amazônia, os índios sendo doutrinados e educados em
indústrias nas suas próprias terras (OLIVEIRA; FREIRE, 2006).
No caso da (re) ocupação do espaço no processo de colonização, diferentes posições e
representações territoriais fizeram-se presentes. Se para os colonizadores o território era visto
como possibilidade de enriquecimento material, para os indígenas havia uma relação muito
mais ampla e de identidade com a terra. O entrelaçamento: terra, identidade e sobrevivência é
fruto de representações que vão delinear o significado de território para esses povos.

2.2 PROCESSOS DE DESTERRITORIALIZAÇÃO E RETERRITORIALIZAÇÃO

O território pode ser considerado como um espaço privilegiado para a reordenação das
ações sociais, ambientais, culturais, políticas e econômicas e por isso influencia de forma
direta a permanência dos indígenas em determinado lugar. Para Santos (1994) o território é
pleno de um caráter político e humanista que precisa contemplar os interesses e razões de ser
e de existir de todos. Sobre esse aspecto podemos refletir sobre a desconstrução e
reconstrução que ocorreram com os territórios indígenas, a partir da estratégia dos
aldeamentos, já mencionada anteriormente.
As formas de dominação e apropriação do espaço desde o Brasil colônia, contribuem,
então, com os processos de desterritorialização da população indígena e consequentemente de
reterritorialização, ou seja, o uso ou apropriação de novos territórios, mesmo que seja a partir
de uma imposição da forma de funcionamento do sistema socioeconômico. Nesse sentido
territorialização pode significar, dependendo do contexto, uma intervenção política de
organizações estatais que associa - de forma prescritiva e insofismável - um conjunto de
indivíduos e grupos a limites geográficos bem determinados (FRANK; CIRINO, 2010), como
24

ocorreu no contexto colonial. Os mesmos autores, ainda enfatizam que não cabe dúvida de
que a perda do território tradicionalmente utilizado é uma das principais causas e
condicionantes do processo de territorialização.
Chama atenção a seguinte expressão dos referidos autores: "perda do território
tradicionalmente utilizado". Tal afirmação nos remete ao território sendo utilizado de outra
modo, o que ocasiona novas formas de apropriação, por isso pode-se considerar que a
desterritorialização antecede o surgimento de novas territorialidades, no caso dos povos
indígenas:

[...] quando a divisão se refere à própria terra devido a uma organização


administrativa, fundiária e residencial, não podemos ver nisto uma promoção da
territorialidade mas, pelo contrário, o efeito do primeiro grande movimento de
desterritorialização nas comunidades primitivas. A unidade imanente da terra como
motor imóvel é substituída por uma unidade transcendente de natureza muito
diferente que é a unidade do Estado: o corpo pleno já não é o da terra, mas o do
Déspota, o Inengendrado, que se ocupa tanto da fertilidade do solo como da chuva
do céu e da apropriação geral das forças produtivas (s/d 150) (HAESBAERT, 2012,
p.137).

Segundo Haesbaert (2012) trata-se de duas relações muito distintas com a terra -
enquanto nas comunidades tradicionais a terra-divindade era quase um "início e um fim" em
si mesma, formando um corpus com o homem, nas sociedades estatais a terra se transforma
gradativamente num simples mediador das relações sociais, onde muitas vezes o "fim último",
caberá ao Estado. No que diz respeito a territorialidade é importante saber que:

O conceito de territorialidade refere-se, então, às relações entre um indivíduo ou


grupo social e seu meio de referência, manifestando- se nas várias escalas
geográficas – uma localidade, uma região ou um país – e expressando um
sentimento de pertencimento e um modo de agir no âmbito de um dado espaço
geográfico. No nível individual, territorialidade refere-se ao espaço pessoal
imediato, que em muitos contextos culturais é considerado um espaço inviolável.
Em nível coletivo, a territorialidade torna-se também um meio de regular as
interações sociais e reforçar a identidade do grupo ou comunidade (ALBAGLI,
2004,p.29).

Nas últimas décadas algumas leis e decretos buscaram minimizar conflitos que
envolvem diversos sujeitos sociais, bem como corrigir injustiças cometidas com os povos
indígenas no Brasil.Assim um dos direitos básicos, o da terra, foi conquistado com muita luta
e assegurado na legislação que orienta as questões referentes aos direitos indígenas, sendo o
processo administrativo e de regularização fundiária, composto por diferentes etapas que vão
desde a identificação até a homologação e registro das terras, definida na Lei n° 6.001, 19 de
dezembro de 1973 (Estatuto do Índio) e no decreto n° 1775, de 8 de janeiro de 1996.
25

Conforme a CF 88 os indígenas possuem o direito originário e usufruto exclusivo das terras


que ocupam (IBGE, 2012).
Desde o início de todo esse processo histórico até os dias atuais, o modo de produção e
as estratégias adotadas, portanto, influenciam diretamente na desterritorialização e
reterritorialização dos povos indígenas:

O território pode se desterritorializar, isto é, abrir-se engajar-se em linhas de fuga e


até sair do seu curso e se destruir. A espécie humana está mergulhada num imenso
movimento de desterritorialização, no sentido de que seus territórios "originais" se
desfazem ininterruptamente com a divisão social do trabalho, com a ação dos deuses
universais que ultrapassam os quadros da tribo e da etnia, com os sistemas
maquínicos que a levam a atravessar, cada vez mais rapidamente, as estratificações
materiais e mentais (GUATARRI; ROLNIK, 1986 apud HAESBAERT, 2012,
p.127).

O modelo socioeconômico que prevalece na maioria dos países do mundo, assume


aqui no Brasil e em outros países considerados em desenvolvimento, um caráter periférico em
que os mesmos passam a ter a sua economia subordinada a economia dos países centrais ou
considerados desenvolvidos e portanto priorizando-se sempre as necessidades econômicas
externas em detrimento das necessidades internas da população brasileira, ou seja, a essência
do modo de produção não mudou.
Tal fato contribui diretamente com as desigualdades sociais e econômicas afetando
sobremaneira o modo de vida da população como um todo e, portanto de forma mais direta
das populações tradicionais que concebem a terra como algo indissociável da própria vida
(ALBAGLI, 2004).
No processo complexo das desigualdades sociais e econômicas a disputa pela terra, é
algo constante o que fere inclusive a constituição federa lbrasileira de 1988, que teve alguns
avanços em seu texto no que se refere as questões indígenas, em seus artigos 231 e 232 que
tratam da integridade física, cultural e espiritual dos indígenas o que demanda a garantia e
preservação de seus territórios.
É notório que muito do que já está assegurado na legislação brasileira, vem sendo
cumprido apenas com muita pressão por parte dos povos indígenas e nesse sentido podemos
citar a violação dos direitos territoriais dos indígenas pelo próprio Estado:

O Estado, desde o início de nossa história, sempre deu com uma mão e retirou com a
outra. E depois de um certo tempo, o fez premeditadamente, pois entendia estar
legislando para uma situação temporária, razão pela qual não havia mesmo muito
motivo para cumprir o que estava escrito. Isto explica uma série de conflitos atuais
acerca da demarcação das Terras Indígenas que, embora para muitos pareçam novas
demandas, pedidos “absurdos” em razão das disputas que ensejam, são apenas uma
26

espécie de ato final de um longo capítulo de uma história trágica e pouco justa
(ARAÚJO, 2006, p.54).

A história de sobrevivência desses povos é fortemente marcada por processos de


resistência onde somente as lutas levam a algumas conquistas. Em busca de novas formas de
vida, seja por quais motivos forem, passa a ocorrer os deslocamentos dos indígenas, das
regiões tradicionais (comunidades) nas quais vivem, para a cidade constituindo-se um
movimento dedesterritorialização e reterritorialização em que alternam-se tentativas de
preservação da identidade cultural com a assimilação de outros hábitos culturais comuns de
uma cidade. Para Haesbaert (2012), existem dois tipos de desterritorialização:

A desterritorialização relativa diz respeito ao próprio socius. Esta


desterritorialização é o abandono de territórios criados nas sociedades e sua
concomitante reterritorialização. A desterritorialização absoluta remete-se ao próprio
pensamento, à virtualidade do devir e do imprevisível. No entanto, como veremos
mais adiante os dois processos se relacionam, um perpassa o outro. Além disto,
devemos ressaltar novamente que, para os dois movimentos, existem também
movimentos de reterritorialização (HAESBAERT, 2012, p. 130).

As tentativas de preservação da identidade cultural, que perpassam por vários aspectos


tais como: costumes, rituais, idioma, culinária, o direito de decidir permanecer em suas terras,
o direito a educação escolar diferenciada, dentre outros, caminharam ao lado de uma forte
carga de repressão física e cultural vivenciada pelos indígenas. Os povos indígenas, ao longo
dos 500 anos de colonização, foram obrigados a reprimir e negar suas culturas e identidades
como forma de sobrevivência diante da sociedade colonial que lhes negava qualquer direito e
possibilidade de vida própria (LUCIANO, 2006).
A ocupação europeia e as políticas adotadas no período colonial e em todo o processo
histórico que envolve os povos indígenas desde dos séculos XVI até o século XXI, portanto,
contribuíram com a ampliação da necessidade de luta pela sobrevivência física e cultural dos
indígenas ao longo de séculos e originou formas de resistência para permanecerem em seus
locais de origem ou nos locais para os quais se deslocam ainda hoje por inúmeros e diferentes
motivos:

A resistência ativa às invasões representa, sem dúvida, uma das respostas mais
comuns na história da expansão de fronteiras. Quinhentos anos de guerras,
confrontos, extinções, migrações forçadas e reagrupamento étnico envolvendo
centenas de povos indígenas e múltiplas forças invasoras de portugueses,
espanhóis,franceses, holandeses e, nos últimos dois séculos, brasileiros, dão
testemunho da resistência ativa dos povos indígenas para a manutenção do controle
sobre suas áreas (LITTLE, 2002, p. 5).
27

Na região amazônica e no espaço que ficou conhecido como vale do Rio


Branco, o caráter da ocupação seguiu o mesmo modelo com algumas diferenças e
especificidades devido ao projeto de integração da região ao contexto geral.

2.3 CONTEXTUALIZANDO A TERRITORIALIZAÇÃO INDÍGENA NO VALE DO RIO


BRANCO

Tratando-se especificamente da ocupação colonial do vale do Rio Branco no século


XVIII, o que envolve principalmente holandeses, portugueses e indígenas, destaca-se a
instalação de fortalezas e de aldeamentos indígenas com o objetivo de conter o que
consideravam uma ameaça ao seu domínio do vale amazônico: o tráfico de escravos índios
que, polarizado pelos holandeses radicados na Guiana, envolvia os povos indígenas daquela
região (FARAGE, 1991).
Sem a pretensão de realizar um resgate histórico minucioso, no que diz respeito aos
principais aspectos do processo de colonização na Amazônia e principalmente no vale do Rio
Branco (região denominada atualmente como estado de Roraima), destaca-se que o modelo
adotado também se baseou fortemente nos aldeamentos e que essa estratégia focava na
submissão do índio a fim de se construir uma barreira contra as invasões no vale amazônico:

Para além do interesse econômico que pudesse oferecer a região, tratava-se nesse
primeiro momento, para os portugueses, de formar no Rio Branco uma barreira
contra as invasões ao vale amazônico, mas, note-se, que uma barreira humana; desta
perspectiva, a submissão dos índios, como vimos, premissa fundamental no projeto
colonizador português para a Amazônia como um todo, neste caso seria, mais do
que nunca, um imperativo. Ou nas palavras mais radicais do coronel Lobo D'álmada
[(1787) 1861: 679], um dos ideólogos da colonização do Branco, "uma das maiores
vantagens que se pode tirar do rio branco é povoal-o, e coloniar toda esta fronteira
com a imensa gente que habita as montanhas do paiz.(FARAGE, 1991, p. 128).

Nesse caso a estratégia de aldeamento caracterizava-se pela saídados índios do


espaço territorial de origem para outros que em alguns momentos eram determinados pelos
portugueses, o que necessariamente não significava uma parceria entre igreja e estado
português para esse trabalho de base. Vale ainda ressaltar que, o modelo de ocupação do vale
do Rio Branco, baseado também na instituição de fortificações por Portugal, teve seu projeto,
de total domínio amazônico, ameaçado por mais dois países: Espanha e Holanda. Como
enfatiza Vieira:

Esse avanço espanhol e holandês sobre o Rio Branco, com o objetivo também de
capturar índios e de fazer negócios com outras nações indígenas, forçaram a
metrópole a pensar em estratégias políticas que definissem a própria posse. Com o
claro objetivo de demarcar suas fronteiras, passaram a fazer novos descimentos,
28

deslocando várias etnias e fixando-os em cinco aldeamentos então no próprio Rio


Branco. Esse tipo de investimento foi a forma encontrada de garantir ocupação do
território, passando os índios, pela primeira vez sendo registrado como atores
importantes, capazes de sustentar a própria posse da região (VIEIRA, 2014, p.30).

A ocupação do território, portanto, relaciona-se com a intervenção e apropriação por


novos sujeitos pautados por um projeto intencional de poder e domínio sobre determinado
espaço:

O território é o espaço da prática. Por um lado, é um produto da prática espacial:


inclui a apropriação de um espaço, implica a noção de limite - um componente de
qualquer prática - manifestando a intenção de poder sobre uma porção precisa do
espaço. Por outro lado, é também um produto usado, vivido pelos atores utilizado
como meio para sua prática (RAFFESTIN, 1993, p.63)

Diante do exposto é pertinente analisar as relações existentes entre terra, território e


territorialização, no que diz respeito as comunidades primitivas. Os referidos termos
entrecruzam-se e são mediados por diversos aspectos originando diferentes dimensões.
No caso do termo território existe uma ampla conceituação e seu significado não se
encerra apenas na dimensão física ou material do espaço, mas, segundo Raffestin (1993) é um
campo de forças, é uma teia de relações sociais que se projetam no espaço. A formação social
do espaço influencia diretamente no seu significado:

O território assume ainda significados distintos em cada formação socioespacial. No


mundo ocidental, o conceito de território foi de início centralmente associado à base
física dos Estados, incluindo o solo, o espaço aéreo e as águas territoriais. Nas
sociedades indígenas, apenas para citar um exemplo, o fundamental é o sentimento
de identidade com a Terra-Mãe, sentimento esse baseado no conhecimento, no
patrimônio cultural e nas relações sociais e religiosas que esses povos guardam com
aquela parcela geográfica (ALBAGLI, 2014, p. 27).

No vale do Rio Branco, posteriormente aos aldeamentos, já no século XIX na tentativa


de ocupação e de "desenvolvimento" das terras, surgiu o projeto da pecuária onde foram
fundadas as chamadas fazendas reais, nas terras do Alto Rio Branco, divididas em três áreas: a
oeste, entre o rio Uraricoera e o rio Branco, fundou-se a do Rei - registrada com o nome de
São Bento. Outra chamada de São José foi instalada perto do Forte São Joaquim. A última
fazenda, a de São Marcos, criada no setor norte ficou localizada entre o rio Uraricoera e o
Tacutu (VIEIRA, 2014, p.49). Somente em 1858 a chamada "Freguesia de Nossa Senhora do
Carmo", que deu origem a cidade de Boa Vista, foi fundada. Segundo Vieira (2014) as
fazendas particulares passaram a se multiplicar tanto dentro das fazendas nacionais como
também fora delas e os grandes arrendatários e antigos administradores das fazendas do
29

estado se tornariam ricos usurpando as mesmas. Nesse momento econômico em que a


pecuária prevalecia, a força de trabalho dos indígenas e suas terras passaram a ser cada vez
mais disputadas:

A pecuária, levada adiante pelos colonos, teve como primeira conseqüência a


disputa pela própria mão-de-obra indígena entre os primeiros fazendeiros. Mais do
que isso, as terras indígenas passaram então a ser alvo de cobiça, não mais de
portugueses, mas de brasileiros, dando posteriormente origem aos grandes
latifúndios de Roraima; isso porque a expansão da pecuária idealizada no final do
século XVIII, teria seus primeiros frutos nas últimas décadas do século XIX e início
do século XX, dando finalmente uma base econômica de sustentação para a região,
ocupando cada vez mais as terras indígenas pela violência, escravidão como também
pelos mais variados expedientes jurídicos (VIEIRA, 2014 p.45).

Percebe-se que o modelo econômico determina a forma de ocupação das terras e


influencia diretamente no uso dos territórios indígenas. Tudo isso embasado numa legislação
específica que surgia a partir dos interesses não somente dos colonizadores estrangeiros, mas
também do Estado brasileiro. Um dos destaques da legislação da época, foia Lei de Terras de
1850 que definiu dois tipos de terras indígenas:1) derivadas dos indigenato e portanto
reconhecidas como dos índios por direito originário; 2) terras reservadas a colonização dos
indígenas (devolutas, inalienáveis e de usufruto desses povos). A constituição de 1891
atribuiu aos estados as terras que eram das províncias, o que facilitou às oligarquias locais o
controle total sobre sua distribuição. A partir dai surge o um novo modelo agrário no Brasil. A
terra transformou-se numa simples mercadoria ficando a mercê do capital e, assim passou a
ser livremente comprada e negociada (VIEIRA, 2014).

Na referida região, a partir do ano de 1890, quando já estava instalado o período


republicano no Brasil,a freguesia de Nossa Senhora do Carmo dá lugar ao município de Boa
Vista do Rio Branco. Com todas as determinações oriundas do processo político, econômico e
social vigente, as populações indígenas sofriam influência do modelo agrário e de seu
funcionamento no que diz respeito a deslocamentos e permanência nas regiões de origem.
Ressaltando-se que em meio a todo esse contexto muitos conflitos ocorreram contribuindo
para o desaparecimento de algumas etnias como, por exemplo, os Pauxiana, os Prurucata e os
Sapará.

As diferentes etnias passaram a situar-se em todo o território de forma diversa, sendo


que alguns indígenas permaneceram nas mesmas regiões, como o caso dos Macuxi vivendo
próximos aos rios Mahú, Cotingo, Uraricoera e Tacutú, conforme Vieira (2014) nos aponta,
30

baseando-se no relatório feito pelo beneditino Dom Alcuíno Meyer em 1926. Constata-se
portanto, que os projetos econômicos pautaram a localização geográfica dos indígenas:

A maioria circulava, ou se encontrava já vivendo dentro das limitações das fazendas


nacionais, o que correspondia a todo o território do Rio Branco. Porém, com
exceção dos índios Macuxi, compararmos com a atual territorialidade desses povos,
pelo menos dos que sobreviveram. percebemos diferenças. Além daquelas já
apontadas para o século XVIII e XIX, essas estão representadas por três grandes
projetos: a ocupação fundiária acompanhada da pecuária extensiva, a exploração
mineral e a construção de estradas como a BR-174 e a Perimetral Norte. Tais
projetos foram responsáveis, ao longo dos anos, pela eliminação de vários corpos e
pela segregação de etnias em áreas únicas, afastando muitos índios das áreas de
cabeceiras dos grandes rios e das serras, por serem, no início, locais de difícil acesso
aos não-índios (VIEIRA, 2014, p.55).

Nesse contexto de disputas as terras, que antes pertenciam aos diferentes grupos e
etnias indígenas, tornam-se alvos constantes de interesses divergentes a partir dos diferentes
sujeitos sociais e o reconhecimento de territórios indígenas pelo Estado se dá sob variadas
configurações, ao longo do século XX (SANTILLI, 2001).
As terras indígenas no Brasil em meados da década de 1910, passa a ser de
responsabilidade do SPI, criado a partir do decreto n. 8.072. Ao SPI coube todo o processo
para o reconhecimento e demarcação das terras.

2.4 OS POVOS INDÍGENAS E SUAS TERRAS, ALGUNS DADOS IMPORTANTES.

Falar de povos indígenas é referir-se a todo um conjunto de etnias que compõem um


universo heterogêneo nos mais diferentes aspectos. De acordo com os dados do censo de 2010
(IBGE) e de informações disponibilizadas pelo PIB, a população indígena brasileira aumentou
na última década e diversos fatores foram responsáveis por esta situação, dentre eles, a
utilização de vacinas e outros benefícios de saúde que passam a ser disponibilizados.
É fundamental tecer um panorama geral dos indígenas no Brasil em termos
demográficos, para poder realizarcomparações. Nesse sentido os dados apresentados nos
permitem algumas conclusões esclarecedoras no que diz respeito à quantidade dos povos e
dos indígenas que vivem no Brasil, na Amazônia Legal e de modo geral mais geral, no mundo
em que vivemos:
31

Figura 6 - Povos indígenas: dados quantitativos

Povos Indígenas Quantitativo de povos Quantitativo de pessoas

No mundo 5.000 350.000.000

No Brasil 243 896.917

Na Amazônia Legal Brasileira 180 433.366

Em Roraima 11 55.922

Fonte: Censo do IBGE/2010. Elaboração: Érica Joyce R. Cavalcante (2015)

Dos cinco mil povos indígenas que existem no mundo, duzentos e quarenta e três estão
situados no Brasil, caracterizando uma forte e diversificada presença. A grande diversidade na
constituição desses povos indígenas, nos leva a ter cuidado ao analisar cada uma dessas
populações e suas maneiras próprias de compreensão e apreensão do território, sendo assim
cada povo construirá diferentes formas e sentidos de ocupação e de defesa dos seus territórios:

Cada povo indígena tem uma ideia própria de território, elaborada por suas relações
internas, com os outros povos e com o espaço onde lhes couber viver. Por isso
mesmo, estão incluídos nos direitos territoriais os direitos ambientais, que tem
estreita ligação como os culturais, uma vez que significam a possibilidade ambiental
de reproduzir hábitos alimentares, farmacologia própria, arte e artesanato. Além
disso, supõe-se que cada povo sabe a história, real ou mítica, de seu território,
conhecendo sua extensão e seus limites (MARÉS,2002, p. 53).

A enorme diversidade sociocultural dos indígenas brasileiros envolvem aspectos tais


como etnia, troncos linguísticos, hábitos e costumes. Do total de habitantes indígenas do país,
o maior quantitativo ainda concentra-se nas áreas consideradas rurais, conforme a figura 7:

Figura 7:Quantitativo de indígenas contexto rural e urbano

Indígenas no Brasil Indígenas vivendo na zona Indígenas vivendo na zona urbana


rural

817.963 502.783 315.180


Fonte: IBGE/2010 – Elaboração: Érica Joyce R. Cavalcante (2015)

Segundo o censo do IBGE de 2010, em todos os estados brasileiros existem habitantes


indígenas inclusive no Distrito Federal e no cômputo geral da população brasileira que é de
190.755.799 e 896.963 são indígenas. No mesmo censo constatou-se que ainda existem 274
32

(duzentos e setenta e quatro ) línguas indígenas faladas no país, sendo que 17,5% do total da
população indígena existente, ainda não fala a língua portuguesa.
Sobre as questões mais regionalizadas avalia-se que a distribuição da população geral
indígena possui maior quantitativo na região norte, abarcando 37,4% do total de toda a
população. Os dados abaixo nos possibilitam uma melhor conclusão sobre o panorama
mencionado:

Figura 8 - Distribuição da população indígena - IBGE- 2010

Fonte: IBGE/2010 - Elaboração: FUNAI

Ressalta-se que a legislação sobre as questões indígenas passou por algumas mudanças
no final da década de 1980, com a aprovação da CF2 que é posterior ao fim do período da
Ditadura Militar no Brasil a partir do processo que ficou conhecido como redemocratização.
Estabeleceu-se aos indígenas direitos coletivos que são originários, ou seja, eles são
anteriores a qualquer legislação especialmente a Constituição, fazendo parte do que se
convencionou como direitos naturais sem necessidade de leis para ter reconhecimento e
vigência. Isso significa que a legislação assegura o direito dos povos indígenas. Existem
direitos territoriais e direitos culturais, pois esses últimos é que representarão as características
mais particulares de cada povo.

2
A Constituição brasileira de 1988 alterou substancialmente a filosofia e a postura, até então adotadas, em
relação aos índios e aos seus direitos. À luz de uma visão mais realista, a Carta Magna do Brasil reconhece os
índios como povos culturalmente diferenciados e substitui a concepção vigente de integração dessas
Comunidades à sociedade nacional. O novo texto Constitucional reconhece, oficialmente, a diversidade e a
especificidade cultural dos índios e o seu direito à preservação dos hábitos e diferenças que os caracterizam.
O artigo 232 confere legitimidade a quaisquer ações processuais impetradas pelos índios e encarrega o
Ministério Público de defendê-los judicialmente, garantindo os seus direitos. Uma vitória para os índios que,
hoje, têm assegurado por Lei o direito de manterem seus costumes, culturas, religiões, língua e tradições.
33

2.4.1 As terras indígenas e a reconfiguração dos territórios

Inúmeros são os fatores que contribuíram com a reconfiguração dos territórios


indígenas no Brasil incluindo os processos de demarcação das terras indígenas. Esses espaços
foram demarcados utilizando basicamente dois formatos diferentes: o descontínuo, que é
caracterizado pela demarcação das terras em ilhas e o contínuo que normalmente abarca
grandes extensões de terras de forma ininterrupta.
A demarcação em ilhas acaba gerando uma série de dificuldades para os indígenas
pois, limita a extensão de terras:

Mesmo considerando as dificuldades enfrentadas pelos povos que ocupam essas


terras demarcadas e homologadas em formato de ilhas (espaços limitados por
fazendas e propriedades particulares, reduzindo expressivamente o espaço vital das
comunidades), cabe destacar que a luta dos povos indígenas conduziu à garantia da
terra, conforme os dizeres da Constituição Federal de 1988 (Artigo 231)
(BETHONICO, 2012, p.5).

O formato contínuo, normalmente, é motivador de posições controversas e polêmicas


por parte de vários setores da sociedade tendo em vista que sempre há um pensamento
equivocado de que existem muitas terras destinadas aos indígenas, comparando-se ao
quantitativo populacional existente. No entanto se analisarmos a estrutura fundiária do país,
em que existe um alto grau de concentração de terras nas mãos de pessoas e grupos
particulares, poderemos constatar que se trata de uma avaliação parcial da realidade, muitas
vezes baseada no senso comum ou no discurso disseminado por grupos economicamente
dominantes:

O mote “muita terra para pouco índio” não passa de preconceito e má fé, não tendo
qualquer amparo em fatos concretos, bastando que se verifique para tanto que na
maioria das regiões do país os povos indígenas vivem em áreas bastante pequenas,
as quais não lhes conferem as condições mínimas para uma existência digna.
Exceção se faz no caso da Amazônia, onde nos últimos anos foi possível reconhecer
aos índios o direito a áreas de maior extensão, com fundamento exatamente no
conceito constitucional de terras indígenas. Mesmo nestes casos, é preciso que se
diga que em muitas regiões da Amazônia os índios são a maior parte da população,
sendo certo que as extensões das suas terras ainda estão abaixo dos índices de
concentração fundiária na mão de particulares. Não bastasse isso, muitas dessas
terras, ainda que extensas, enfrentam graves problemas de invasão por madeireiros,
garimpeiros e fazendeiros, sendo o Estado bastante lento e pouco eficiente em adotar
providências para garantir a plena posse dos índios sobre seus territórios (ARAÚJO,
2006, p.49).

No quadro geral das demarcações ocorridas no país podemos observar que até se
chegar as homologações, inúmeras etapas são constituídas: identificação, contraditório,
34

declaração dos limites e demarcação física. Depois de homologada a terra, então, passa pela
etapa final do registro. Todo esse percurso é permeado por um jogo de correlação de forças
em que os diferentes interesses de grupos sociais, fazem-se presentes. No estado de Roraima
foi homologada a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, após anos de espera por parte dos
índios.
A homologação da referida terra provocou uma reação contrária ao processo, por parte
de alguns setores da sociedade, inclusive de políticos locais, dentre eles o autor da PEC 215,
senador Mozarildo Cavalcanti, que defende que o controle das demarcações de terras
indígenas no país fiquem a cargo do Congresso Nacional, o que caracteriza uma defesa que
vai na contramão dos direitos indígenas conquistados até o momento.
Nesse emaranhado de situações envolvendo a violação dos direitos territoriais dos
indígenas, é necessário compreendermos que há uma diferença entre o que se chama de
"terra" e de "território":

Como expuseram vários estudos antropológicos, a diferença entre “terra” e


“território” remete a distintas perspectivas e atores envolvidos no processo de
reconhecimento e demarcação de uma Terra Indígena. A noção de “Terra Indígena”
diz respeito ao processo político-jurídico conduzido sob a égide do Estado, enquanto
a de “território” remete à construção e à vivência, culturalmente variável, da relação
entre uma sociedade específica e sua base territorial (GALLOIS,2001, p. 03).

As demarcações de terras indígenas no Brasil, sendo de forma contínua ou


descontínua, cada uma com suas particularidades, são propulsoras de um movimento de ação
e reação das comunidades que vivem nelas. Todo esse processo foi tomando diferentes formas
a partir das modificações na legislação brasileira sobre a temática. Santilli (2001), afirma que
o processo demarcatório é reflexo de intricadas e mirabolantes disputas pelo poder que
ultrapassam em muito o cenário regional e a questão indígena em si mesma.
Existem inúmeras terras indígenas com diferentes situações em termos de demarcação,
homologação e processos jurídicos no Brasil. A constituição Federal em seu artigo 231 define
o que são terras indígenas. Segundo dados constantes no site oficial do PIB (2015), foram
identificadas 505 terras indígenas com a ajuda da FUNAI.
No processo de cartografia das mesmas, as terras constituem uma extensão de 106,7
milhões de hectares o que equivale a 12,5% do território brasileiro, sendo que de todas elas a
maior em extensão encontra-se nos estados do Amazonas e Roraima: a terra Yanomami com
uma população indígena estimada, segundo o censo de 2010 (IBGE), em 25,7 mil indígenas.
Na Amazônia legal o total de terras indígenas corresponde a 22,29% do total de toda a área:
35

Figura 9:Terras indígenas por Estado na Amazônia Legal

Terras Indígenas por Estado na Amazônia Legal* (em 22/10/ 2014)


UF área da UF Terra indígena % sobre a UF
Acre 16.491.871 2.459.834 14,92%
Amapá 14.781.700 1.191.343 8,06%
Amazonas 158.478.203 45.232.159 28,54%
Maranhão** 26.468.894 2.285.329 8,63%
Mato Grosso 90.677.065 15.022.842 16,57%
Pará 125.328.651 28.687.362 22,89%
Rondônia 23.855.693 5.022.789 21,05%
Roraima 22.445.068 10.370.676 46,20%
Tocantins 27.842.280 2.597.580 9,33%
Total 506.369.425 112.869.914 22,29%
Fonte: PIB/2015

Em Roraima existem atualmente inúmeras terras indígenas homologadas e ao analisá-


las podemos ter um panorama geral da situação. Bethônico (2012) nos possibilita essa análise
através dos seguintes dados:

Figura10 :Situação das Terras indígenas em Roraima

Grupo Indígena Terra Indígena Área total Homologação/Demarcação

Ananás 1.769 1982


Aningal 7.627 1982
Cajueiro 4.304 1982
Mangueira 4.064 1982
MACUXI Ouro 13.573 1982
Pium 4.608 1991
Ponta da Serra 15.597 1982
Santa Inês 29.696 1982
Sucuba 5.983 1982
Total 87.221
Anta 3.174 1991
Araça 50.018 1982
Barata/Livramento 12.883 2001
Boqueirão 15.860 2003
Canauanim 11.182 1996
MACUXI/WAPIXANA Jabuti 14.210 1996
Manoá/Pium 43.337 1982
Moskow 14.200 2003
Raimundão 4.277 1997
Serra da Moça 11.626 1991
Truaru 5.653 1991
Total 186.420
Anaro 30.000 2006 (Declarada Port. 962)
Bom Jesus 859 1991
Jacamim 189.500 2005
WAPIXANA
Malacacheta 28.632 1996
Muriru 5.520 2003
Tabalascada 13.024 2005
Total 267.535
36

MACUXI/WAPIXANA/
Raposa Serra do Sol 1.678.800 2005
INGARICÓ

Total 1.678.800

MACUXI/WAPIXANA/
São Marcos 654.110 1991
TAUREPANG

Total 654.110
Trombeta/Mapuera 663.775 2005 (Declarada Port. 1.806)
WAI-WAI
Wai-Wai 405.000 2003

Total 1.068.775
WAMIRI/ATROARI Wamiri/Atroari 666.311 1989
Total 666.311

YANOMAMI Yanomami 5.792.669 1992

Total 5.792.669
Fonte: Bethônico (2015).

A demarcação e homologação de grande parte das terras indígenas em Roraima datam


da década inicial de 1982 e se estendem até o ano de 2005. No contexto nacional, em relação
à quantidade de Terras indígenas, o censo identificou o total de 505, representando 12,5% de
todo o território brasileiro o que corresponde a aproximadamente 106, 7 milhões de hectares.
37

3. TERRITORIALIDADESE OS INDÍGENAS URBANOS

3.1 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO NACIONAL, REGIONAL E LOCAL.

Com a chegada dos europeus nos territórios indígenas a partir do século XVIII,
inúmeras situações ocorreram alterando o modo de vida desses povos. Os territórios que eram
habitados somente por eles,foram invadidos a partir de uma lógica de exploração o que
contribuiu com uma mudança na forma de sobrevivência dos indígenas, modificando algumas
de suas práticas tanto no que diz respeito a ações cotidianas para a subsistência, quanto aos
aspectos culturais mais amplos, como por exemplo, os rituais de crença e fé.
Muitas etnias eram politeístas, ou seja, acreditavam em vários deuses: da terra, do fogo,
do ar e no processo de contato com o colonizador passaram a ser catequizados e algumas
passaram a assumir uma prática monoteísta. Essa situação ocorreu em todo o espaço
denominado Brasil e alterou significativamente as relações e ações nas comunidades
indígenas. Lembrando é claro que não pode haver generalizações, tendo em vista que alguns
grupos étnicos, mesmo tendo algum contato com os colonizadores, mantiveram-se durante
muitos anos distantes da lógica civilizatória imposta, o que originou na década de 1980 na
FUNAI, a criação de uma terminologia intitulada: "índios isolados" que na verdade refere-se
aos grupos que ainda não tiveram contato algum com a sociedade nacional e com a FUNAI.
No ano de 2006, foram computados 12 grupos/etnias que se encontravam nessa situação:

Estima-se que existam atualmente 46 evidências de “índios isolados” no território


brasileiro, das quais apenas 12 foram confirmadas até hoje pela FUNAI. “Índios
isolados” é uma terminologia usada pela FUNAI para designar aqueles com os quais
ela não estabeleceu nenhum contato. Em geral, não se sabe ao certo quem são, onde
estão, quantos são e que línguas falam. Algumas poucas informações reunidas
baseiam-se em vestígios e evidências pontuais ou em relatos de pessoas. A pouca
literatura sobre esses povos traz, por vezes, fotos de tapiris, flechas e outros objetos
encontrados nas áreas, fornecidos por sertanistas da FUNAI ou por pesquisadores e
missionários que atuam nas regiões próximas. O que é mais abundante são os relatos
orais feitos por outros índios e regionais que vivem próximos, narram encontros
casuais, ou simplesmente reproduzem informações de terceiros que, muitas vezes, se
misturam a lendas e a mitos corriqueiros em diferentes regiões e situações da
Amazônia (LUCIANO, 2006,p.51)

As fotos dos objetos e os relatos orais, que facilitaram a constatação da existência


desses povos, disponibilizados por pesquisadores e sertanistas da FUNAI, na verdade são
parte de uma teia sociocultural na qual está inserido todo um sistema de trocas, sejam elas
simbólicas, materiais, econômicas e políticas.Na verdade, constituem uma rede de interações
38

na qual o território é definido com limites e fronteiras estabelecidos de forma mais flexível,
tornando sua compreensão mais complexa.Território é um tema que suscita vários debates
presentes em diferentes áreas da ciência. Na geografia tem tido destaque através do geógrafo
Rogério Haesbaert, que afirma ser possível agrupar o tema em diferentes vertentes, quais
sejam: política, cultural, econômica e natural, sendo que para Haesbaert (2004), a separação
ocorre apenas no processo de análise, pois a dinâmica territorial pode conjugar várias
dimensões ao mesmo tempo.
As dimensões do território, normalmente discutidas e analisadas, estão ligadas a
perspectivas teóricas diferentes: perspectiva materialista- concepções naturalistas, econômicas
e jurídico-políticas;perspectiva idealista – concepção simbólico-cultural; perspectiva
integradora eperspectiva relacional. As perspectivas teóricas nos permitem analisar a
conceituação do termo território e sua ligação com a territorialidade, aspecto fundamental na
presente investigação.
Em se tratando de territorialidades indígenas na cidade, a presente investigação não
limitará a análise em nenhuma perspectiva teórica específica, mas, sim tentará dialogar com
as mesmas, compreendendo que as diferentes concepções teóricas estão presentes em
momentos diversos, pois os indígenas que passam a viver na cidade se "integram" e
vivenciam, como os demais moradores não índios, a toda uma realidade repleta de situações
cotidianas que podem ser analisadas a partir de um suporte teórico que abarca diferentes
campos e perspectivas: materialista (concepções naturalista, econômica e jurídico-política) e
idealista (concepção simbólico-cultural) que o contexto social urbano abarca.
Os indígenas urbanos podem ao mesmo tempo manter vínculo com suas comunidades
de origem, conservando ou não hábitos culturais específicos,e também podem se distanciar de
tais vínculos absorvendo grandemente os hábitos da vida urbana. Para Araújo (2006), os
índios que vivem em cidades, fazem parte de um fenômeno que resulta,em geral, de processos
de expulsão, levando grupos inteiros, ou partes deles, a migrarem, inicialmente, das terras
tradicionais para as cidades próximas e deslocando-se posteriormente para cidades maiores ou
centros urbanos que se constituem em polos históricos de atração de migração. Nesse sentido,
surgem novos territórios e diferentes territorialidades para essas populações que passam a
viver no contexto urbano.
É importante ressaltar que dependendo das bases tecnológicas do grupo social, sua
territorialidade pode remeter a profundas ligações com a terra, no sentido físico do termo.
Lembrando que territorialidade, então, pode ser explicada a partir da noção de território e de
sua base conceitual, de acordo com suas perspectivas teóricas.
39

Em termos estatísticos, no contexto nacional, ainda que tenha ocorrido na última década
algumas situações que merecem análise no que diz respeito as diferenças no quantitativo de
população indígena urbana de uma região para outra, a região Nordeste apresentou maior
participação em relação aos indígenas que vivem nas áreas urbanas, já a região Norte apesar
de apresentar uma maior concentração de população indígena nas áreas rurais (48,6%)
segundo dados do IBGE (2010), obteve um crescimento significativo na área urbana,
comparando-se os dados das décadas de 1990 aos de 2010, pois, no ano de 1990 do total de
indígenas da região, 16,8 % residia na área urbana e na década de 2010 aumentou para 19,5% ,
mesmo tendo ocorrido um decréscimo no ano de 2000 (12,1%).
Os critérios que foram estabelecidos pelo IBGE (2010) para identificar a população
indígena na cidade, basearam-se no aspecto de auto declaração contribuindo assim com o
aumento do quantitativo da população indígena nas áreas urbanas. Fato importante que
converge com a situação ora apresentada é o processo conhecido como "etnogênese" ou
"reetinização" como nos aponta Luciano (2006), em que os povos indígenas, por força dos
séculos de repressão colonial escondiam e negavam suas identidades étnicas, agora
reivindicam o reconhecimento de suas etnicidades e de suas territorialidades nos marcos do
Estado brasileiro.
Considerando que até bem pouco tempo o próprio campo científico identificava como
indígenas apenas aqueles que viviam em seus locais de origem, ou seja, seus territórios
tradicionais, falar de territórios e territorialidades indígenas no contexto urbano torna-se
bastante desafiador, até mesmo no sentido de defini-los.
No caso da Amazônia brasileira, mais especificamente, no vale do rio Branco, os
aldeamentos deram origem aos processos de (des) territorialização e reterritorialização o que
inevitavelmente originou diferentes territorialidades. Os movimentos de deslocamentos dos
indígenas das áreas tradicionalmente habitadas, na maioria das vezes áreas consideradas
rurais, para áreas nas quais foram constituindo-se as cidades ou espaço urbano é algo
constante. A situação das terras indígenas no Brasil influenciam, de certo modo, os processos
de deslocamento e migração dos indígenas dos seus territórios para as cidades constituídas
posteriormente, existindo, é claro, outros fatores que contribuem com o fato, como a opção
por diferentes condições de vida em que aspectos tais como: educação, saúde e emprego
muitas vezes são determinantes.
É importante considerar que a migração não pode ser vista apenas como formas de
atração ou repulsão (visão mais tradicional), pois o desenvolvimento econômico das
sociedades, pautados por modos de produção com características diferentes em momentos
40

históricos diferentes,influenciam nos tipos de deslocamentos populacionais, ou seja, dos


sujeitos que vivem e sobrevivem nos diferentes territórios constituídos no espaço geográfico
mundial, nacional e local. Sobre este aspecto podemos citar os fenômenos de
desenvolvimento ubano-industrial que promoveu a saída das pessoas do campo para as
cidades e o processo mais "recente" de administração taylorista-fordista que instaurou um
novo modo de produção e de trabalho, consolidando-se através da manufatura e circulação de
bens e serviços, elementos fundamentais para a afirmação da sociedade de consumo de massa
(OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2011, p. 63).
No caso dos indígenas que saem de suas comunidades para viverem na cidade, muitas
elementos motivadores se entrelaçam, pois, mesmo tendo uma condição cultural diferenciada
dos demais sujeitos que compõem a sociedade, passam por situações similares no que diz
respeito à necessidade de sobrevivência física, abarcando também os aspectos subjetivos
inerentes ao ser humano. Nesse contexto, a necessidade de sobrevivência mescla-se com a
pluralidade de anseios e desejos que fazem parte do homem enquanto ser social, ainda que
tais necessidades sejam construídas e reconstruídas a partir de uma rede de influencia própria
do modelo socioeconômico no qual estamos inseridos.
Os deslocamentos ou movimentos migratórios dos indígenas, considerando sempre a
ideia de que voltam na verdade para lugares que se constituíram enquanto cidades muito
depois em relação aos seus territórios originais se enquadram nos deslocamentos espaciais da
população como um todo tendo como base o aparecimento de novas atividades na sociedade:

O aparecimento de novas atividades passam a influenciar novos deslocamentos


espaciais da população, o que possibilita analisar as mudanças de valor e de ação,
traduzidas através de novas formas de percepção, concepção e de representação do
fenômeno (do novo). O aparecimento do novo é que permite construir novos
modelos explicativos sobre o acontecer social, assim como os seus determinantes
(JARDIM, 2011, p.62).

Nesse contexto utilizarei em alguns momentos o termo deslocamento, tendo como


base o trabalho realizado pela ODIC, no ano de 2007, em que os próprios indígenas fizeram
um levantamento sobre a situação vivenciada por eles na cidade de Boa Vista. O referido
trabalho também chama atenção para a utilização do termo migração, não considerando que
os indígenas são migrantes conforme afirmação a seguir:

Acreditamos que legítimos migrantes em Roraima são os nordestinos, os


maranhenses, os paulistas, os gaúchos e outros povos que vieram de longe. Nossas
raízes culturais e históricas estão fincadas entre o Monte Roraima e o Rio Branco. O
que acontece foi que a invasão dos territórios indígenas obrigou muitas famílias a
41

buscar refúgio em Boa Vista, para onde fomos arrastados, seja através da violência
ou com ilusões e promessas falsas" (ODIC, SOUZA; REPETTO, 2007 p. 10)

No caso de Roraima, comparando-se ao cenário nacional, foi o Estado que apresentou


um índice significativo, caracterizando-o como área de forte absorção migratória
(OLIVEIRA;ERVATTI; ONEILL, 2011, p. 32), nos últimos cinco anos do século XX em que
alguns espaços territoriais estão se redesenhando em termos migratórios.
Os motivos que levam os indígenas de Roraima a migrarem para a cidade de Boa Vista
são inúmeros e não se encerram, embora sejam prevalecentes na investigação, nos aspectos
apenas econômicos. Foi possível perceber algumas situações referentes a esses fatores com o
questionamento sobre os motivos que levam os indígenas a morarem na cidade. O quadro a
seguir detalha melhor a situação:

Figura 11 - Motivos que levam os indígenas a morarem na cidade


Pergunta Respostas gerais
"1) ...Quando vim era adolescente e não entendia os motivos,
meu pai tinha sempre um discurso de desenvolvimento, mas
houve conflito na família e na própria comunidade. Mas se
perguntar dos meus pais ele dirá que lá não tinha
desenvolvimento, de saúde e educação, mas, para mim não
• Quais são os principais motivos
mudou quase nada aqui. O que temos são novos horizontes de
que levaram você a morar na
refletir sobre os povos indígenas mas, financeiramente não.
cidade ?
Nunca negamos nossa identidade indígena. Mas ele dizia que
não tem desenvolvimento na comunidade..."
2)..."Minha mãe teve que sair do lugar que morava por
conflitos com pessoas não indígenas. Minha mãe engravidou
de uma pessoa não indígena e ele não quis assumir o filho" ...
3) ..."Veio há muitos anos atrás, não tinha nem FUNAI. O pai
da minha mãe morreu e ela veio morar com a família
Brasil"...4)..."Em busca de melhorar a vida, procura de
emprego e o melhor para os filhos"...5) ..."Quando saímos da
Leão de Ouro fomos para a Vila Brasil, tudo em busca de
estudo para os filhos. Eu vim porque já estava numa união
estável"...6) ..."Melhorar de vida, para ter uma educação
melhor. Em busca de emprego"...7)..."Em busca de
emprego melhor"...8)..."Vim por intermédio dos meus
pais"...9)..."Onde eu morava estava muito difícil e para ir para
a escola faltava transporte, ai meu pai queria que eu
estudasse"10) ..."Meu pai não gostava de interior e minha mãe
acompanha o que ele determinava"...11)..."Em busca de vida
melhor, em busca de emprego".
Elaboração : Érica Joyce R. Cavalcante (2015)

Antes de comentar sobre os diferentes elementos (de análise) presentes nas respostas
dos indígenas residentes na cidade de Boa Vista e especificamente no Bairro Raiar do Sol, é
necessário resgatar a discussão em relação ao que ocorre no Brasil sobre a vinda dos
42

indígenas para a cidade. Muitos imaginam e acreditam que os índios que saem de seus locais
de origem e passam a residir na cidade, deixam de ser índios. Sobre isso Nunes (2010) afirma
que ocorre uma associação entre índios natureza/floresta e não índios a cidade/civilização,
sendo a passagem dos indígenas ao ambiente urbano, muitas vezes pensado como um
processo de "desagregação cultural", aculturação, tornar-se igual a outro em consequência,
perder-se de seu próprio ser. O mesmo autor enfatiza:

Não me refiro, aqui, a um processo físico de deslocamento das aldeias em direção às


cidades, até mesmo porque os índios estão nas cidades desde bem antes de sua
presença aí começar a ser notada. Me refiro,portanto, a uma operação do
pensamento não-indígena, o deslocamento lógico da figura do índio do que se supõe
ser seu ambiente de origem (aldeia, mato, floresta) para as cidades (NUNES, 2010,
p. 03).

Para ele essa concepção de cultura que abarca uma essência, implica em considerar o
"tornar-se outro" em um movimento contra-identitário. Nas respostas coletadas fica evidente
que os motivos, que levaram tais indígenas a virem para a cidade de Boa Vista, perpassam
desde situações de conflitos familiares não resolvidos e a busca por um novo ambiente no
qual possam superá-los, até a situações (mais determinantes) em que a necessidade de
"melhorar a vida" com o acesso a educação e emprego é prioridade. Nesse sentido a cidade
surge como um espaço que poderá oferecer isso, tendo em vista que as inúmeras
transformações ocorridas ao longo dos séculos impuseram uma outra lógica de sobrevivência
na qual a produção da roça, da caça e da pesca já não são mais suficientes para a
sobrevivência pois, as necessidades se modificaram, sob vários aspectos, no que diz respeito a
roupas, energia, hábitos alimentares, estudo etc. O que acreditou-se que com a demarcação
das terras indígenas tais necessidades seriam satisfeitas.

Os deslocamentos internos dos indígenas para a cidade de Boa Vista no Estado de


Roraima, portanto, inserem-se apesar de suas especificidades nesse contexto mais amplo e
Santos (2014) faz uma análise importante sobre a necessidade da auto sustentabilidade nas
terras indígenas, considerando o fato como um dos aspectos motivadores de insegurança em
relação a garantia da qualidade de vida:

Devido ás barreiras enfrentadas para efetivação dos projetos autossustentáveis nas


terras indígenas, surgiu a insegurança e falta de expectativa na garantia da qualidade
de vida de muitos moradores das comunidades. Provavelmente, com o aumento
populacional nas comunidades se fazem necessários projetos mais dinâmicos
capazes de impedir o desconforto e a incerteza. Mas a migração é um fenômeno
constante antes da retomada das terras indígenas, eles vêm à procura de trabalho na
cidade e não se desligam por completo das comunidades (SANTOS, 2014, p. 85).
43

Naresposta n° 1 (da fig. 11) fica evidente que a família do sujeito entrevistado associa
o "desenvolvimento" a existência de saúde e educação, mas, que na visão de quem veio morar
na cidade quase nada mudou, especialmente em termos financeiros podendo-se, no entanto,
ampliar-se os horizontes em termos de reflexão sobre os povos indígenas. Os entrevistados nº
4, 5, 6,7,9 e 11 associam diretamente a "melhoria de vida" ao acesso a emprego para o
sustento e ao estudo dos filhos, ou seja, os fatores preponderantes são emprego e estudo, no
entanto pelas limitações da pesquisa, não foi possível aprofundar os aspectos que dariam de
conta de ampliar a compreensão sobre um significado mais amplo ao que seria "melhoria de
vida" para eles.

Para Nunes (2010), os universos indígenas com os quais nos familiarizamos


envolvem-se, cada dia, mais com processos do próprio mundo, como, por exemplo, o
consumo, os processos de monetarização, de dependência de mercadorias industrializadas, o
dinheiro, etc. Nunes, baseando-se na lógica econômica, levanta outros elementos passíveis de
análise, no que diz respeito aos motivos que levam o índio a vir residir na cidade:

Se evoco este exemplo, o do capital, e não outros – a lista poderia se estender até
quase o infinito: conversão religiosa, educação escolar, formação
acadêmica/intelectual ou técnica, modos de socialidade, modos de se vestir, modos
de comer, modos de pensar... –, é por toda a carga que ele trás, pelo peso que a
economia tem em nossa própria forma de organizar e dar sentido à experiência
mundana (NUNES, 2010,p.02).

A diversidade de fatores, mencionados pelos entrevistados, que motivam a vinda para


a cidade nos mostram que os problemas e necessidades, em grande parte, são os mesmos
enfrentados pelos não índios em condições econômicas desprivilegiadas, no entanto,
logicamente, que no caso dos indígenas citadinos3, o fator discriminação tende a se ampliar
tendo em vista os resquícios, ainda muito presentes, de todo um processo histórico de
colonização e a toda uma construção no imaginário popular conforme nos apontou Nunes
(2010). Sobre essa situação, é importante frisar que foi detectado por Souza e Repetto (2007),
a partir de uma investigação realizada pelos próprios indígenas, em Boa Vista que o
preconceito está muito presente e que muitas vezes os índios são considerados como
preguiçosos não sendo nem reconhecidos mais como tal, pelo fato de terem escolhido a cidade
para morar:

3
Índios que vem morar na cidade.
44

Essa visão preconceituosa que caracteriza o índio como preguiçoso contradiz a


realidade, pois foram nossos parentes que construíram o estado de Roraima,
trabalhando como escravos em fazendas, mal remunerados, em trabalhos pesados.
Parece até paradoxal que os "brancos" tratem os indígenas de "preguiçosos", quando
historicamente foram eles que não quiseram trabalhar e obrigaram os indígenas e os
escravos negros trazidos da África a trabalhar forçados em suas fazendas e casas.
Quem é o preguiçoso que não quer trabalhar ? Quem é que gosta de trabalhar para os
outros de sol a sol na piores condições, de graça, sofrendo e apanhando ? (SOUZA e
REPETTO, 2007, p.28 ).

Apesar de situações como essas, presentes no cotidiano do contexto urbano,


envolvendo discriminação e imposição de rótulos a partir de um viés comparativo unilateral,
os indígenas vão resistindo tentando inserção no que a cidade oferece minimamente em
termos de sobrevivência, numa realidade social complexa e excludente que se difere do
contexto de suas comunidades de origem nas quais ainda subsiste, de algum modo, o
sentimento de identidade com a Terra-mãe, sentimento baseado no conhecimento, no
patrimônio cultural e nas relações sociais e religiosas que esses povos guardam com aquela
parcela geográfica que representam seus territórios (ALBAGLI, 2004).
A partir de um dos pontos centrais da investigação, ou seja, a territorialidade optou-se
por partir da base conceitual de território e alguns sentidos que pode abarcar, levando em
conta alguns pressupostos básicos para a uma melhor compreensão e consolidação da noção
de território:

Primeiro, é necessário distinguir território e espaço (geográfico); eles não são


sinônimos, apesar de muitos autores utilizarem indiscriminadamente os dois termos
– o segundo é muito mais amplo que o primeiro. O território é uma construção
histórica e, portanto, social, a partir das relações de poder (concreto e simbólico) que
envolvem, concomitantemente, sociedade e espaço geográfico (que também é
sempre, de alguma forma, natureza); o território possui tanto uma dimensão mais
subjetiva, que se propõe denominar, aqui, de consciência, apropriação ou mesmo,
em alguns casos, identidade territorial, e uma dimensão mais objetiva, que pode-se
denominar de dominação do espaço, num sentido mais concreto, realizada por
instrumentos de ação político-econômica (HAESBAERT ; LIMONAD, 2007, p. 42).

Ainda que a análise em questão tenha como cenário principal uma situação regional e
local, ou seja, os territórios e territorialidades urbanas no Bairro Raiar do Sol situado na
cidade de Boa Vista, faz-se necessário compreender que nos contextos nacional e mundial
vivenciamos um fenômeno complexo e contraditório que é a globalização, que influencia as
diferentes escalas geográficas interferindo na mudança do significado do território e, portanto
de territorialidade. Segundo os mesmos autores supracitados, é necessário realizar um
contraponto entre as práticas sociais pré-existentes e a formas com as quais atualmente o
significado de território é apropriado. O conjunto de práticas sociais e os meios utilizados por
45

distintos grupos sociais para se apropriar ou manter certo domínio: afetivo, cultural, político e
econômico através de uma determinada parcela do espaço geográfico manifesta-se de diversas
formas, desde a territorialidade mais flexível até os territorialismos mais arraigados e
fechados (HAESBAERT ; LIMONAD,2007).
No nível individual, territorialidade refere-se ao espaço pessoal imediato, que em
muitos contextos culturais é considerado um espaço inviolável. Em nível coletivo, a
territorialidade torna-se também um meio de regular as interações sociais e reforçar a
identidade do grupo ou comunidade. As territorialidades expressam a vivência do território a
partir das ações cotidianas das pessoas que ao praticá-las definem e redefinem o espaço,
deixando suas impressões físicas (materiais) ou simbólicas (imateriais). Nesse sentido, a
presença indígena na cidade de Boa Vista e, mais especificamente, no bairro Raiar do Sol,
tem gerado um processo de constituição de territórios (por pessoas ou por organizações
indígenas) e, a partir deste território, constituem-se as territorialidades.

3.2 OS INDÍGENAS E A CIDADE: NOVOS TERRITÓRIOS EM CONSTRUÇÃO.

Um percentual significativo dos indígenas brasileiros deslocam-se para as cidades,


originando novos territórios para eles, sejam em bairros centrais ou em bairros periféricos e
portanto, em busca de novas formas de vivência e sobrevivência constituindo-se
territorialidades.
Relembrando que o termo território não pode ser empregado apenas em um único
sentido ou significado, mas que comporta diferentes concreções do espaço geográfico e
constitui-se como uma categoria que tanto é resultado do processo histórico, quanto da base
material e social das ações humanas (CATAIA, 2008).
Os indígenas concebem o território como elemento fundamental da própria existência.
Sendo assim, em cada momento histórico, lutam pela sobrevivência,nem que para isso seja
necessário deslocar-se para as cidades onde vivenciarão novas práticas culturais e sociais o
que caracteriza processos de reterritorialização. Nesse contexto, pode-se afirmar que o
território compõe de forma indissociável a reprodução dos grupos sociais, no sentido de que
as relações sociais são espacial ou geograficamente mediadas e de que a territorialidade ou a
“contextualização territorial” é inerente à condição humana (HAESBAERT,2012).·.
Os processos de ida e vinda dos indígenas de suas terras tradicionais para os grandes
centros urbanos ou para cidades menores, e que normalmente estão mais próximas dos locais
originais nos quais nasceram, estão relacionados a diversos fatores que vão desde a própria
46

atração que a cidade ocasiona pela enorme diversidade em termos de oferta de serviços e
especialmente, em vários casos pela perda de parte do espaço original ou até mesmo pela
demora nos processos de demarcação e homologação de suas terras.
Tal situação ocorre em todo o país em meio a grandes dificuldades encontradas no
contexto urbano, tendo em vista que a maior parte das políticas indígenas existentes foram
traçadas para os índios que vivem nas terras tradicionalmente ocupadas, ou seja, mesmo
apesar dos avanços que ocorreram em termos da legislação que assegura os direitos dos povos
indígenas, muito ainda deve ser feito para garantir a vivência e sobrevivência dos índios que
se deslocam para as cidades.
O norte é a região com maior população indígena do país, sendo contabilizado no
último censo do IBGE (2010) um quantitativo de 305.873 habitantes. Os deslocamentos
dessas populações das terras tradicionalmente ocupadas para o espaço urbano ganham
destaque nos estados do Amazonas e Roraima em que duas capitais Manaus e Boa Vista são
cidades que receberam grandes contingentes de população indígena, mas ainda procurando
manter traços de suas identidades culturais (ARAÚJO, 2006).
As cidades brasileiras de um modo geral tiveram uma perda de população indígena
entre os anos de 2000 a 2010, no entanto a Região Norte aparece na contramão desse
fenômeno:

Na variação absoluta observada de 2000 para 2010, segundo a situação do domicílio,


revela que nas áreas urbanas houve perda populacional de indígenas no Brasil como
um todo, sendo a Região Norte a única, praticamente, que revelou crescimento
positivo. Nas áreas rurais, o Brasil cresceu em 151,9 mil indígenas, correspondendo
a 43,3%. Dentre as Grandes Regiões, a Norte foi, também, a que apresentou maior
crescimento, 77 mil indígenas, ou 46,2%, enquanto a Sudeste perdeu quase 2 mil
indígenas no período 2000/2010 (IBGE, 2012, p. 8).

A cidade de Boa Vista apresenta população indígena em 52 bairros dos 54 existentes,


de acordo com os dados do censo do IBGE (2010), a partir da utilização do critério de
autodeclaração. Apenas os bairros: Olímpico e Governador Aquilino Mota Duarte não
apresentam indígenas autodeclarados. Sendo que o bairro Raiar do Sol é o que apresenta o
maior quantitativo (287 habitantes) e o bairro 5 de outubro com o menor quantitativo (4
habitantes). O quadro abaixo (Fig.12) nos possibilita visualizar:
47

Figura 12 - Quantitativo de indígenas por bairro (Boa Vista)


Variável = Pessoas de 5 anos ou mais de idade (Pessoas); Cor ou raça= indígena; Ano: 2010
Bairro Qtd
Centro 67
Calunga 38
São Vicente 172
Mecejana 79
São Francisco 30
Trinta e um de Março 21
Aparecida 45
Canarinho 15
São Pedro 24
Treze de Setembro 144
Pricumã 65
Liberdade 149
Jardim Floresta 95
Aeroporto 159
Dos Estados 162
Paraviana 72
Caçari 18
Buritis 122
Asa Branca 90
Cambará 107
Tancredo Neves 88
Caimbé 95
Caranã**segunda maior população indígena em BV 260
Centenário 159
Governador Aquilino Mota Duarte -
Operário 96
Jardim Tropical 42
Nova Canaã 62
Jardim Equatorial 83
Cauamé*** terceira maior população indígena em BV 242
Alvorada 138
Professora Araceli Souto Maior 216
Bela Vista 134
Cinturão Verde 63
Dr. Silvio Leite 129
Jardim Primavera 115
Jóquei Clube 83
Nova Cidade 210
Pintolândia 85
Dr. Silvio Botelho 96
Santa Luzia 48
Senador Hélio Campos 132
Piscicultura 17
Raiar do Sol* maior população indígena em BV. 287
Santa Tereza 71
48

União 132
Jardim Caranã 113
Cidade Satélite 132
Olímpico -
Doutor Airton Rocha 5
Laura Moreira 100
Murilo Teixeira Cidade 10
5 de Outubro 4
São Bento **segunda maior população indígena em BV 260
Fonte: IBGE/2010- Elaboração: Érica Joyce R. Cavalcante.

Os deslocamentos dos indígenas de suas comunidades para os bairros da cidade de


Boa Vista, ocorrem há décadas e são motivados, na maioria das vezes por fatores relacionados
a busca por educação, atendimento de saúde e pela própria atração que a cidade ocasiona
devido a presença de oferta de serviços e atividades específicas que as comunidades de
origem não possuem.

No ano de 2012, um projeto, intitulado: Nova Cartografia Social da Amazônia:


Indígenas da cidade de Boa Vista Roraima - Moradores da Maloca Grande, coordenado pelo
professor doutor Alfredo Wagner Berno de Almeida e tendo a participação da ODIC 4 ,
realizou um levantamento sobre situações de violação dos direitos dos indígenas citadinos, o
que nos leva a reconhecer que várias pessoas procuram a cidade em busca de condições
diferenciadas para sobreviver e viver, no entanto se deparam com inúmeras dificuldades e
violação de direitos.

3.3 O BAIRRO RAIAR DO SOL E A PRESENÇA DOS INDÍGENAS

Sobre a presença dos indígenas na cidade de Boa Vista, é importante frisar que
diversas etnias compõem o cenário urbano, distribuídas nos mais diversos bairros e a partir de
informações do último censo do IBGE (2010),destacam-se duas etnias em maior quantidade:
macuxi 5 e wapixana 6 , no entanto outras etnias também se fazem presentes nos diferentes

4
SOUZA, 2012. A Organização dos índios da cidade - ODIC, surgiuno ano de 2005 a partir de um movimento de
jovens que começaram a se reunir no ano de 2004 e que almejavam entrar no ensino superior.
5
SANTOS, 2014,p. 45. Os Macuxi são considerados, entre os grupos da família Karib, os mais numerosos. Eles
habitam, em sua maioria, na região das serras, entre as cabeceiras dos rios Branco e Rupununi, território
atualmente partilhado entre Brasil e a Guiana, porém também encontram-se em outras localidades nas regiões
mais planas
6
SANTOS, 2014,p. Os Wapixana são considerados o segundo maior grupo étnico de Roraima e estão
organizados em seus territórios constituídos pelos processos demarcatórios e homologados.
49

bairros, havendo o registro da presença dos Macuxi e Wapixana em quase todos os bairros da
cidade (ODIC, 2012, p. 8).
O Raiar do Sol apresenta o maior contingente populacional indígena da cidade de Boa
Vista com 287 habitantes, residindo em diferentes pontos do referido bairro, de acordo com
dados do censo do IBGE/2010, a partir do critério de autodeclaração7. Fato bastante curioso é
que, pela proximidade dos bairros, e não havendo uma separação visual entre os mesmos,
alguns dos indígenas selecionados , a partir da rede de contatos estabelecida para entrevistas,
apesar de residirem em outro bairro, quando perguntei onde moravam disseram que era no
Bairro Raiar do Sol, o que posteriormente, foi possível constatar, a partir da visita in loco, que
eram residências situadas nas adjacências do Raiar do Sol.
Ainda sobre este aspecto a maioria dos entrevistados, alega que a escolha do local para
viver, se deve ao fato de que os terrenos eram os mais baratos da cidade. A lógica econômica
nesse caso se sobrepõe ao aspecto de livre escolha do bairro que irão morar, ao chegarem na
cidade de Boa Vista:

Figura13:Motivos que levaram os indígenas a morarem no Raiar do Sol


Pergunta Respostas gerais (condições financeiras)
• Porque estava em construção na época e tinha muitos
terrenos baratos para comprar;
• Por causa dos preço do terreno na época, 200 reais;
• Quais são os principais motivos • Estávamos procurando casa para morar e aqui no bairro
que levaram você a morar no achamos do tanto que podíamos pagar;
Bairro Raiar do Sol ? • Na época tínhamos poucas economias e compramos a
casa aqui pois era mais barato;
• Porque os avós já moravam aqui;
• Por causa do terreno, pois quando começaram a separar
os meus pais pegaram um terreno;
• Minha mãe ganhou uma casinha num conjunto aqui "
Elaboração: Érica Joyce R. Cavalcante (2015)

Concomitantemente ao aspecto relacionado ás condições financeiras para residir no


referido bairro, alguns respondentes justificaram a sua permanência no local devido a
presença de algum parente que já residia antes de sua chegada:
A) Porque os avós já moravam aqui;
B) Por era melhor, era tranquilo. Mas, hoje não é mais assim;
C) “Vim para o bairro, pois minha irmã mais velha já morava aqui.”

7 A autodeclaração é um modelo de levantamento das populações indígenas que não é bem visto pelos próprios
indígenas e uma das reivindicações pelos indígenas da ODIC, é que se modifique esse critério, tendo em vista a
limitação do mesmo, por conta de todo um processo histórico de exclusão que contribui para que o próprio
indígena negue sua identidade.
50

Apenas um dos respondentes associou a escolha do bairro para residir devido a


presença de uma Organização indígena: a Kuaikrï8 ,situada no bairro Raiar do Sol, que atende
a algumas demandas dos índios que vivem na cidade de Boa Vista. Quanto ao perfil dos
entrevistados no que diz respeito a faixa etária e profissão, vale lembrar que foi estabelecida
uma rede de contatos a partir de alguns critérios, e dentre eles e a Escola Estadual Wanda
David Aguiar foi o ponto de partida, através de contatos com alunos que estudam no período
noturno:

Figura 14 - Faixa etária dos entrevistados

15 à 19 anos
9%
9% 20 à 24 anos
37%
9% 25 à 29 anos

9% 35 à 39 anos

9% 50 à 54 anos
18%
55 à 59 anos
60 à 69 anos

Elaboração: Érica Joyce R. Cavalcante (2015)

Figura 15 - Profissão dos entrevistados


Estudante
9%
9% Do Lar
9% 46% Pedreiro

Ajudante de Pedreiro
9%
9% Merendeira em escola
9%
Serviços Gerais

Radio Telegrafista e
pescador aposentado

Elaboração: Érica Joyce R. Cavalcante (2015)

8
ESTATUTO DA ASSOCIAÇÃO ESTADUAL INDÍGENA KUAIKRÍ DE RORAIMA - AEIKRR. ART. 1º.
A associação Estadual Indígena Kuakrí de Roraima - AEIKRR, criada com prazo indeterminado de duração,
com sede e fórum na cidade de Boa Vista-RR, na rua Universo, n° 2059, Bairro Raiar do Sol, com ação em todas
as áreas indígenas e dentro da capital em determinadas zonas do território nacional, tendo por finalidade a
representação e a defesa dos direitos e interesses dos seus associados, das etnias em geral.
51

O maior percentual dos entrevistados foi de jovens entre 15 a 19 anos, considerando o


critério utilizado pelo IBGE para levantamentos no que diz respeito ao item faixa etária. A
idade da maioria dos respondentes influenciou no item: profissão, no qual 46% declararam-se
como estudantes e a maioria cursando o Ensino Médio na escola Estadual do bairro e apenas
uma estudante cursando licenciatura intercultural no Núcleo Insikiran da UFRR.
Destaca-se que parte dos estudantes entrevistados, apesar de realizarem alguns
serviços, são mantidos pelos pais ou por irmãos mais velhos que trabalham aqui na cidade de
Boa Vista ou que ainda vivem nas comunidades de origem. Como o caso de uma das
entrevistadas que disse morar com seu irmão mais velho informando que o pai é ex-tuxaua de
uma comunidade e que envia o dinheiro todos os meses para que eles possam pagar o aluguel
da residência na qual moram.

Figura 16 - Situação da moradia dos indígenas no Bairro Raiar do Sol e adjacências.

Alugada
9% 9% 9%
Emprestada

Própria

73%
de Favor

Elaboração: Érica Joyce R. Cavalcante (2015)

Sobre a situação das residências dos entrevistados foi possível constatar que a maioria
reside em casas próprias o que, através das respostas, ficou claro ter relação com a existência
de uma antiga invasão que existiu anos atrás no bairro, de acordo com informações dos
próprios moradores,e que posteriormente foi regularizada. Sobre tal fato foi possível constatar
a partir dos relatos feitos por Souza, Alencar e Veras (2011), que a ocupação do espaço
urbano do Raiar do Sol, data de 1994 e a legalização foi iniciada junto a Prefeitura Municipal
de Boa Vista em junho de 1995, a partir de ação movida pela Associação dos Moradores do
bairro.
52

A maior parte dos entrevistados informou que tiveram seus lotes praticamente doados
ou comprados por um valor considerado irrisório como fica evidente na falade um
entrevistado, ao se referir sobre a escolha do bairro:"Por causa do preço do terreno na época,
200 reais". Percebe-se que a condição econômica determina, na maioria das vezes, a presença
dos indígenas que vem para Boa Vista no que diz respeito a definição do bairro no qual irão
residir. No levantamento do IBGE, sobre o quantitativo de indígenas por bairro, fica evidente
que os que possuem maior população indígena são os que estão situados na zona oeste da
cidade. Não esquecendo, porém, que existem bairros centrais tais como: 13 de setembro e
São Vicente que tradicionalmente possuem quantidades ainda significativas de indígenas a
partir do processo histórico de constituição da cidade de Boa Vista, mas, que nas últimas
décadas se igualam ou até perdem em quantitativo para outros bairros mais novos que
surgiram na zona oeste da cidade, tais como os bairros: São Bento e Nova Cidade, dentre
outros.
A maior parte das casas onde vivem os entrevistados é de alvenaria sem acabamento,
com reboco de cimento, telha de amianto e possuem cercas de madeira, assim como grande
parte das residências no bairro com um todo, especialmente nas ruas mais internas.

Figura 17 - Residência de um dos entrevistados

Fotografia: Érica Joyce R. Cavalcante (2015)

Observou-se que, normalmente, as casas possuem terrenos grandes e são bem


arborizadas. Os moradores demonstraram utilizar bastante a parte externa da residência, ou
seja,os quintais. A maior parte das entrevistas feitas nas residências foram realizadas embaixo
53

de árvores onde já havia bancos de madeiras para sentar. Em todas as residências visitadas,
havia animais domésticos: cachorros e gatos. Um dos entrevistados, da etnia Wapichana,
disse ter chegado no bairro antes mesmo de ser bairro, afirmou que era apenas um lavrado e
que permanece ali até hoje, mas, que o bairro com cara de cidade foi que chegou até ele e que
a partir daí muita coisa mudou, pois surgiram comércios e mais moradores, chegando também
os assaltos que antes não existiam.

Figura 18 –Foto do final da rua Eclipse – Forte presença de residências com cercas de
madeira.

Fotografia: Érica Joyce R. Cavalcante (2015)

Sobre a renda familiar, mais da metade dos residentes indígenas entrevistados, quando
questionados, informaram que recebem juntos aproximadamente de 2 a 3 salários mínimos. A
vinda deles para a cidade teve como um dos principais fatores a busca por emprego (trabalho)
e renda, o que não significa que as condições que encontraram são melhores. O
questionamento que versou sobre a situação de trabalho: "Está trabalhando?",constatou que a
maioria considera que no momento a profissão é de estudante, mas, que em outros horários
trabalham, fazendo alguns "bicos" para ajudar no sustento da casa e além de contarem
primordialmente com a renda da família mesmo que esta, não esteja presente na residência, ou
seja, a renda informada refere-se a renda de toda a família estando ou não presente na cidade.
54

Sobre o questionamento: "Está trabalhando", um terço dos entrevistados optaram por


não responder, conforme nos mostra o gráfico abaixo:

Figura 19 - Situação de trabalho: "Está trabalhando ?"

18% Sim

Não
18%
64% NR

Elaboração: Érica Joyce R. Cavalcante

Mais da metade encontra-se trabalhando, ainda que o maior percentual dos


entrevistados seja de estudantes que cursam o ensino médio e não tenham emprego formal. Para
Staevie (2011) muitos indígenas que migram para Boa Vista buscam melhora nas condições
sociais mas, acabam se submetendo a subempregos em atividades informais, como ambulantes e
empregados domésticos não registrados. Destaca ainda, referindo-se a população indígena, que:

Na capital roraimense, essa população conta com serviços de apoio por parte da
Diocese, de organizações não governamentais e do Conselho Indígena de Roraima.
Entretanto, as ações pontuais não chegam a representar mudanças estruturais em sua
condição de vida. O movimento de mulheres indígenas, assim como outros
movimentos, organiza‑se em atividades econômicas cooperativas, conferindo um
caráter solidário a essas atividades produtivas e apresentando‑se como uma
resistência ao problema do desemprego formal observado nessa camada da
população. Grupos de mulheres reunidas em torno de um mesmo objetivo exercem
distintas atividades, como artesanato, produção de sabão e confecção de roupas
intimas e bichos de pelúcia. Os grupos surgiram entre mulheres (indígenas e não
indígenas) residentes na periferia de Boa Vista, nos bairros mais precários do ponto
de vista social e de infraestrutura urbana (STAEVIE, 2011,p.16).

Percebe-se que a cidade apresenta de forma limitada a possibilidade de emprego


formal aos que saem de seus territórios (desterritorialização) e são reterritorializados sob uma
55

ótica excludente. Sobre essa "exclusão" Haesbert (2004), analisa que existem formas de
precarização social, embora não se possa falar de desterritorialização no sentido absoluto:

Se não há exclusão social, como defendem muitos autores, pois ninguém está
completamente destituído de vínculos sociais, e se também não há exclusão
territorial ou desterritorialização em sentido absoluto, pois ninguém pode subsistir
sem território, existem, entretanto, formas crescentes de precarização social que
implicam muitas vezes processos de segregação, de separação/“apartheid” – ou,
como preferimos, de reclusão territorial, uma reclusão que, como todo processo de
des-territorialização (sempre dialetizada), dentro da lógica capitalista dominante,
envolve, muito mais do que o controle territorial e a comodidade social de uma
minoria, a falta de controle e a precarização sócio-espacial da maioria
(HAESBAERT, 2004, p.2).

Corroborando com essa ideia de precarização social apontada pelo autor, evidenciou-
se nas entrevistas que na opinião dos residentes existem sim aspectos negativos ao se morar
na cidade. Os entrevistados citaram dentre outros os seguintes fatores:

Figura 20 - Motivos negativos de se morar na cidade


• A ida e vinda para a cidade é difícil;aviolência
acontece em todos os lugares temos que tomar cuidado; já fui
roubada;
• Trânsito, locais que somos obrigados a freqüentar e
por conta de ter muita droga;
• Motivos negativos de se • O ruimé que pouco apoio tem para os índios na
cidade;
morar na cidade: • Não sei. Gosto de tudo; O ruim mesmo é o
transporte;
• Bandidagem e calor e quentura demais;
• Quando não se está preparado fica difícil e a
criminalidade;
• Energia e água tem que pagar e no interior não.
Perigoso devido a assaltos e furtos. Já fui assaltada.
• É a dureza de sustentar a família;
• É difícil por que a gente as vezes não tem dinheiro
para pagar o aluguel e outras coisas;
• Acidentes de trânsito e furtos;
• Violência, roubo, assalto e etc.
Elaboração: Érica Joyce R. Cavalcante

Observa-se que a violência de um modo geral tanto relacionada a criminalidade quanto


ao próprio trânsito são fatores preponderantes nas respostas. Além disso, os entrevistados
mencionam também o sustento da família, a falta de recursos e a falta de apoio aos índios.
Sobre o trânsito, ficou evidenciado a partir de observações feitas nos dias em que foram
coletadas as entrevistas, que no próprio bairro investigado, o tráfego de veículo automotores é
intenso, havendo pouca sinalização ou espaços apropriados para o trânsito de bicicletas e
pedestres. A partir de depoimentos de indígenas,levantados por Repetto e Souza (2007, p.19),
constatou-se que no Bairro Raiar do Sol "...o pedestre encontra uma dificuldade porque
56

existem poucos lugares com sinalização de trânsito, clara e bem localizada...". E sobre a
cidade de um modo geral, na mesma investigação foi mencionado que: “... além disso, os
taxis lotação andam em alta velocidade. A falta de atenção e imprudência de alguns
motoristas acabam causado acidentes, que ás vezes provocam a morte das pessoas..." , o que
converge com as respostas de alguns dos respondentes da presente investigação.
A falta de apoio mencionada, embora apenas por um entrevistado, merece atenção,
pois está relacionada com o questionamento acerca das políticas indígenas que eles
conheciam. Vale destacar que a pergunta foi direcionada para políticas públicas voltadas para
os índios que vivem na cidade. As respostas foram diversificadas e revelaram o
desconhecimento sobre assunto, conforme detalha o quadro abaixo:

Figura 21 - Quais políticas indígenas conhece


• Já vi da prefeitura, eles mostram na TV;
• Educação e Saúde;
• Um comitê formado de diferentes
especializados na Kuakri;
• Cota na Universidade para indígena;
• Quais políticas indígenas você • Não conheço.
conhece ? • Não temos políticas reais que ajudam os
índios;
• Não conheço.
• Não conheço.
• O ensino superior- o Insikiran.
• Na casa do índio em termos de saúde.
• Já ouvi falar da Teresa Surita mas, não sei
dizer exatamente.

Elaboração: Érica Joyce R. Cavalcante (2015)

Percebe-se que apesar de terem ouvido falar sobre algo relacionado com o tema, se
referem ao mesmo, como se fosse algo distante e em alguns casos apenas "propaganda de
televisão". Fato relevante também é que mesmo uma boa parte dos entrevistados sendo alunos
do período noturno na escola estadual do bairro, apenas uma resposta citou o INSIKIRAN 9,
por uma aluna matriculada no próprio Instituto. Os demais, mesmo tendo revelado em

9
INSIKIRAN- INSTITUTO DE FORMAÇÃO SUPERIOR INDÍGENA
Criado em 2001 pela Resolução nº 015/2001 -Cuni, como Núcleo Insikiran, posteriormente
transformado em Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena, pela Resolução nº 009/2009 -
CUni-UFRR, o Instituto é caracterizado como um espaço interinstitucional de diálogo com as
organizações e comunidade indígenas de Roraima, contanto com a participação de instituições
governamentais e não governamentais nas discussões e decisões administrativas e políticas como:
Organização dos Professores Indígenas de Roraima -OPIRR, Conselho Indígena de Roraima-CIR,
Associação dos Povos Indígenas de Roraima -APIRR, Organização das Mulheres Indígenas de
Roraima-OMIR, Fundação Nacional do Índio-FUNAI e Divisão de Educação Indígena da Secretaria
de Estado da Educação de Roraima.
57

conversa informal que querem fazer ensino superior10 para ajudar a comunidade de origem,
como o caso de uma aluna do 3° ano que disse querer fazer direito, não destacaram o ensino
superior específico para os indígenas que é ofertado pela UFRR.
Nesse contexto, é importante destacar que a maioria dos entrevistados (50%) está
cursando o ensino médio e possui faixa etária entre 18 e 24 anos, sendo a maioria de
mulheres. Do total de entrevistados 75% possui estado civil solteiro e decidiram vir para a
cidade em busca de educação e emprego.Sobre a origem e etnia os indígenas entrevistados no
Bairro Raiar do Sol e adjacências são das etnias Macuxi e Wapichana em número igual, ou
seja, um percentual de 50% para cada etnia, sendo provenientes de diferentes comunidades
situadas em diferentes regiões do Estado de Roraima, dentre as quais podemos citar:

Pedra preta - Uiramutã;


Macaíba região do Alto Alegre perto do Truarú;
Jacamim Bonfim;Água fria -Uiramutã;
Leão de Ouro - Amajari;
Malacacheta- primeira sede de BV;
Água Fria- Uiramutã;
Lago grande- região do surumú- são marcos;
Caraparú III-Raposa Serra do Sol;
Colônia Braz de aguiar - na época Cantá;
Xumina - Normandia.

As comunidades citadas situam-se em terras indígenas tais como: Malacheta, Santa


Inês, Raposa Serra do Sol, São Marcos, Jacamin e Truarú. Para melhor visualização, o mapa
(Fig. 22) explicita a localização das referidas regiões:

10
LUCIANO, 2006, p.162. A ampliação da oferta do Ensino Fundamental e do acesso ao Ensino Médio resultou
no crescimento da demanda pelo Ensino Superior. Estima-se atualmente mais de 2.000 estudantes indígenas nas
universidades brasileiras (FUNAI, 2004). Isto representa 50% dos estudantes indígenas do Ensino Médio e
menos de 1,5% dos que ingressam anualmente no Ensino Fundamental. A ampliação do acesso ao Ensino
Superior teve início ainda na década de 1990, a partir das propostas de políticas de ações afirmativas adotadas
pelos governos, pelas instituições de ensino e pelas iniciativas privadas.
58

Figura 22 :Terras indígenas onde estão situadas as comunidades de origem.

Elaboração: Érica Joyce R. Cavalcante (2015)

A maioria das comunidades de origem dos entrevistados estão situadas na Terra


indígena Raposa Serra do Sol, homologada em 2005. Tal fato nos leva a refletir que os
indígenas que vem para a cidade são provenientes tanto de terras indígenas
demarcadas/homologadas de forma contínua como também de descontínuas e que as
demandas que os trazem para o contexto urbano são semelhantes.
Sobre a situação em relação ao Registro de Nascimento indígena, a maioria dos
entrevistados respondeu que não possui RANI. Os motivos identificados em relação a não
possuírem o RANI estão relacionados as dificuldades que encontram ao tentarem tirar o
documento, conforme alguns motivos que foram explicitados nas respostas que se referem ao
questionamento:" Você tem Rani ? Por qual motivo ?"
59

Não, por que tem que ter a assinatura dos tuxauas. Mas vou tentar através do meu
irmão;
Não, ainda não dei entrada por que nunca peguei a segunda via do registro de
nascimento normal";
Não. Já tentei tirar mas, não consegui. Tentaram que eu justificasse a minha saída
da comunidade e ai ficou difícil";
Não. Nunca consegui provar. Mas vou lutar pelos meus direitos;
Não. Perdi quando estava trabalhando numa firma aqui perto;
Não. Cresci numa família que nunca gostou e sou contra índios ou negros terem
qualquer tipo de vantagem;

Fica evidenciado que uma boa parte dos indígenas considera difícil adquirir o registro
de nascimento indígena e através de uma das respostas, percebe-se, que um dos entrevistados
não quer ser identificado como indígena alegando que é contrário (a) a qualquer "vantagem",
associando o referido registro a possibilidade de se adquirir algum benefício que ele mesmo
não concorda. No caso dos que disseram possuir o RANI é notório o reconhecimento dos
laços identitários indígenas, ou seja, a afirmação de ser índio: "Sim, tirei quando morávamos
na comunidade para reconhecimento da etnia (meu pai disse)" ; "Sim. Por que nasci na
maloca"; " Sim. Para auto-identificação" ; "Sim, pois meu pai trabalhava sobre a água na
FUNAI e minha mãe é agente de saúde" ;"Sim, estavam tirando na associação indígena ai eu
tirei". Confirma-se que os diversos indígenas que vivem no bairro Raiar do Sol estão
envoltos em diferentes sentidos no processo de construção das territorialidades na cidade.
Mesmo o RANI11 sendo um documento fundamental para consolidar o acesso a alguns
direitos que já estão assegurados em lei, ficou evidente que as dificuldades encontradas pelos
indígenas em obtê-lo, acabam fazendo com que alguns desistam de consegui-lo, ainda que os
representantes das três organizações indígenas, entrevistados, tenham informado que uma de
suas ações é ajudar ou facilitar a retirada do referido documento para os indígenas que vem
para a cidade.

11
SITE OFICIAL DA FUNAI.O Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (RANI) é um documento

administrativo fornecido pela FUNAI, instituído pelo Estatuto do Índio, Lei nº 6.001 de 19 de dezembro de
1973: "O registro administrativo constituirá, quando couber, documento hábil para proceder ao registro civil do
ato correspondente, admitido, na falta deste, como meio subsidiário de prova." Em outras palavras, o RANI pode
servir como documento para solicitar o registro civil. O registro do RANI é realizado em livros próprios por
funcionários da FUNAI, e para cada registro é emitido o documento correspondente, devidamente autenticado e
assinado. RANI é um documento administrativo e não substitui a certidão de nascimento.
60

4. TERRITORIALIDADES INDÍGENAS NO BAIRRO RAIAR DO SOL

4.1 ALGUNS ASPECTOS CULTURAIS

Reconhecendo as territorialidades como ações cotidianas, construção de processos de


vivência e sobrevivência social e cultural, foi investigado ainda que de forma superficial,
sobre a crença e religiosidade dos indígenas residentes no Bairro Raiar do Sol, que em sua
grande maioria, identificaram-se como pertencentes a alguma religião, conforme nos mostra o
gráfico abaixo:

Figura 23 - Possui alguma religião ?

Católico
8%
Protestante
50%
42%
Não têm
religião

Elaboração: Érica Joyce R. Cavalcante (2015)

A maior parte dos entrevistados respondeu pertencer a religião católica e um


percentual pouco menor dos respondentes informou ser protestante. Ainda surgiu a resposta:
"não tem religião". Sobre este item é importante relembrar, sem a intenção de aprofundar, que
os indígenas do vale do rio Branco, desde a colonização, sempre tiveram contato direto com
os preceitos religiosos católicos através da catequização e atuação das ordens religiosas
portuguesas. Em todo o território nacional as ações missionárias foram determinantes no
sentido de influenciar e modificar diversas práticas, tanto no Brasil colônia quanto no Brasil
Império. Também é correto afirmar que a intervenção das missões religiosas católicas
influenciou decisivamente o cotidiano dos povos indígenas do Brasil no século XX, sendo que
61

houve diferença no tipo de abordagem em relação ao início e ao final do século, envolvendo


também as missões protestantes:

No início do século era forte a pressão aculturativa - os índios deviam deixar suas
malocas coletivas, suas crenças e toda a herança cultural para se submeterem a
pedagogia missionária. Ao contrário, no fina do século todo o esforço missionário
seria dirigido para a defesa da cultura e dos direitos indígenas. Em contraponto, ao
longo do século, as missões protestantes manteriam uma política aculturativa,
voltada para a difusão do texto bíblico entre os índios (OLIVEIRA e; FREIRE,
2006, p. 148).

Tais reflexões, contribuem com a compreensão em relação a existência de tantos


indígenas que seguem os preceitos religiosos católicos ou protestantes. A própria história dos
índios no estado de Roraima está completamente entrelaçada com a ação e atuação de ordens
e missões religiosas como bem aborda Vieira (2014), destacando-se as missões católicas que
influenciaram a educação e a organização das lutas em prol dos direitos indígenas,
especialmente no século XX com a realização de assembleias para discutir os problemas
existentes. Mongiano (2011), narra importantes fatos ocorridos e que demonstram o
entrelaçamento entre indígenas e igreja católica e a construção de um projeto educacional
inicialmente com preceitos religiosos:

Os beneditinos tinham criado nesse lugar um centro para educação dos jovens.
Inicialmente não era muito desenvolvido, mas depois nossos padres entenderam que
o centro estava situado numa posição estratégica, encontrando-se na estrada para a
Venezuela, e a assim pensaram em utilizá-lo ampliando-o como escola e colégio
para moços e moças indígenas...as irmãs dirigiam o colégio para moças e fundaram
o hospital São Camilo que, semanalmente, recebia a visita de um médico de Boa
Vista. Próxima ao Colégio estava a fazenda que proporcionava o sustento tanto do
Colégio quanto do Hospital (MONGIANO, 2011,p.33).

Evidencia-se que a religião vivenciada por parte dos indígenas entrevistados no Bairro
Raiar do Sol tem relação direta com o processo histórico ao longo dos séculos, o que não
significa que não ocorra uma mesclagem entre o modelo religioso imposto/aceito e os rituais
de crença e fé próprios dos índios, sobretudo quando retornam as comunidades de origem. A
diversidade cultural dos indígenas está assegurada na CF. 88 através do Artigo 231 12 ainda
que muitos indígenas não tenham conhecimento conforme relato de entrevistas feitas, por
Repetto e Souza (2007),e que revelaram que embora muitos neguem, por exemplo, a
utilização de rezadores, reconhecem que as medicinas tradicionais indígenas têm melhor

12
CF 88. Artigo 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições,
e os seus direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,
proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
62

efeito sobre algumas doenças. A utilização de vários hábitos e rituais continuam sendo
praticados, em alguns momentos pelos indígenas urbanos, quando voltam as suas
comunidades de origem ou em momentos mais isolados quando a família que ficou na
comunidade vem até a cidade visitá-los, conforme, uma das entrevistadas informou, em
conversa informal : " costumamos passar pimenta nos olhos para espantar a preguiça e
enxergar melhor o mundo", se referindo a orientação dos pais em um dado momento, ao
virem na cidade visitá-la.
Evidencia-se que algumas práticas comuns ao local de origem ocorrem também no
contexto urbano. Nesse processo existem diferentes situações em relação aos indígenas que
vem para a cidade em relação a continuarem mantendo ou não vínculo com sua comunidade
de origem e sobre a garantia do seu espaço social e identitário no que diz respeito aos direitos
culturais, econômicos e sociais. Para o questionamento feito em relação ao vínculo com a
comunidade foi revelado que a menor parte dos respondentes diz que não mantém mais
vínculo, enquanto 46%, ou seja, o maior percentual declara que mantém sim o vínculo mas,
somente as vezes:

Figura 24 - Possui vínculo com a comunidade de origem ?

sim não Ás vezes

36%
46%

18%

Elaboração: Érica Joyce R. Cavalcante (2015)

As formas de manutenção do vínculo, relatadas, foram variadas e demonstram que


alguns ficam um bom tempo sem retornar ao local de origem devido a motivos diversos, tais
63

como revelam as seguintes respostas: 1)" Passei oito anos sem ir lá. Fui no ano passado. Fui
rever o meu pais pois ele alegou que eu era a única filha que não conhecia onde ele morava"
; 2) Meus tios e tias já faleceram e as primas moram na cidade; Visito sempre. Me comunico
com eles. Mas, é difícil ir lá por causa das leis". Sobre a frequência com que voltam a
comunidade as respostas foram equivalentes em relação às opções: semanalmente, duas vezes
por ano, três vezes por ano, quase nenhuma, enquanto a opção uma vez por ano atingiu o
maior percentual conforme gráfico abaixo:

Figura 25 -Com qual freqüência volta a comunidade de origem?

Semanalmente

Uma vez por ano

9% 9% Duas vezes por


ano
três vezes por ano

27% Nenhuma
37% frequencia
Quase nenhuma

9%
9%

Elaboração: Érica Joyce R. Cavalcante

Constata-se a partir das respostas que, pelo menos uma vez por ano os indígenas
entrevistados retornam as suas comunidades de origem para rever os parentes que lá ficaram e
mantendo vínculo com os hábitos culturais que tinham antes de saírem de lá. Sobre essas
práticas mencionadas por eles, abarcam a culinária, ações para a sobrevivência, festas e
danças. No quadro abaixo procura-se exemplificar os elementos que aparecem na maioria das
respostas:
64

Figura 26 - Hábitos culturais praticados na comunidade de origem:


Alimentação Práticas festivas Sobrevivência Aspectos explicitados em quase
todas as respostas

Damorida

Farinha Parixara Caça Caça, pesca, roça, parixara,


farinha, caxiri, bejú e damorida.
Caxiri Danças indígenas Pesca

Bejú Músicas indígenas Roça

Mandioca Criação de galinhas

Tapioca

Peixe

Pajuarú

Elaboração: Érica Joyce R. Cavalcante (2015)

Uma das entrevistadas destacou elementos importantes em sua resposta se referindo a


volta de alguns hábitos culturais após a demarcação da terra indígena na qual está situada a
comunidade para qual migrou (Água Fria) após sair da sua comunidade de origem que era a
Pedra Preta. Na resposta fica evidente que os costumes praticados estavam "misturados" aos
de outras pessoas não índias que viviam lá: "Quando vim da Pedra Preta fomos primeiro para
Água Fria mas lá a maioria do pessoal era misturado, muita influencia dos garimpeiros,
então os costumes eram muito misturados. Os próprios professores diziam que éramos
"cabocos", mas, eu sempre questionei. Sempre disse que somos índios. Depois da
demarcação voltaram a ter alguns hábitos: músicas indígenas, damorida. Tudo através de
uma associação que meu pai participava a ACAF - Associação da Água Fria".
A resposta demonstra dois aspectos importantes, o primeiro refere-se a tentativa de
negação da identidade indígena por parte dos professores, da entrevistada, que incentivavam
os indígenas a se considerarem como "cabocos" e não como índios, e o segundo é que
evidencia que a demarcação possibilitou o retorno de práticas culturais antes não mais
praticadas. Além disso foi mencionado ainda que, os hábitos voltaram a partir da participação
numa associação indígena existente no próprio local.
65

Percebe-se a partir dessa fala o reconhecimento da importância das organizações


indígenas como elo de ligação para a manutenção e resgate de práticas culturais, seja no
contexto urbano ou não.

4.2 FORMAS DE RESISTÊNCIA: POSSÍVEIS VÍNCULOS COM ORGANIZAÇÕES


INDÍGENAS

No bairro investigado e nas suas adjacências foram constatadas duas organizações


indígenas em pleno funcionamento: a Kuakrí e a Kapoi, embora parte dos entrevistados
desconheçam suas existências. Para efeito deste estudo, consideraram-se adjacências os
bairros que fazem limites com o Raiar do Sol e que foram citados pelos entrevistados.Além
disso, percebeu-se também que o mesmo bairro já sediou outra organização indígena chamada
ODIC. As três organizações atuam em relação aos indígenas da cidade e as atividades que os
envolvem no contexto urbano sejam, ações culturais ou sociais. A Kapoi está mais voltada a
ações de cunho cultural, como produção de artesanato a partir de oficinas oferecidas na
própria sede ou ensaio de danças típicas para apresentação em eventos específicos que
ocorrem na cidade e que demandam a divulgação e valorização da cultura indígena.

Figura27 –Bairro Raiar do Sol e adjacências.

Elaboração: Érica Joyce R. Cavalcante (2015)


66

Ao serem questionados sobre conhecer ou não alguma organização indígena, menos da


metade, 37% dos entrevistados citou a Kuakri,27% citaram a ODIC e 27% disse não conhecer.
Nas mesmas respostas surgiram outros nomes tais como: Casa do Índio, SESAI, OPIR,
SODIUR e Secretaria do Índio. Algumas pessoascitaram na mesma resposta duas ou mais
opções, como nos exemplifica as seguintes respostas:
a) ODIC e Kuakri. Acho muito importante o que eles fazem;
b) Casa do Índio;
c) Kuaikri, Sodiur e ODIC;
d) SESAI, OPIR e Secretaria do Índio.
As respostas evidenciam que não existe uma definição clara sobre o que seria ou não
uma organização indígena e seu papel para os índios da cidade, o que nos remete ao nível de
alcance das referidas organizações em relação aos indígenas do próprio bairro no qual
encontram-se localizadas. Baseando-se em Touraine (1990),Repetto (2008) define o
movimento social que sustenta as políticas indígenas a partir das condutas coletivas de
historicidade sobre diferentes níveis dos sistemas institucional, organizacional e o sistema de
ação histórica e ainda afirma que as organizações indígenas fazem parte de um contexto maior
de mobilização com forte caráter cultural.
Das três organizações indígenas que atuam no contexto urbano, investigadas de forma
preliminar, aspectos como: o resgate e preservação cultural, o apoio social e a auto-afirmação
estão presentes nas respostas em relação ao questionamento:
* Qual a função da entidade/organização? Quais os principais objetivos?
Os três representantes responderam o seguinte:
1) Representante da ODIC: O principal objetivo é levar para a sociedade indígena da cidade
que o índio não deixa de ser índio quando vem para a cidade;
2) Representante da Kuikrí: Ajudar os indígenas a retirar documentos, ir a posto médico,
estudar...pretende ser uma capa de apoio para atender os índios na cidade, pois, não somos
escravos e cada vez mais os brancos estão botando a gente para ser escravo;
3) Representante da Kapoi: Foi criada para não esquecermos a nossa cultura aqui na cidade.
Conforme as respostas percebe-se que há um reconhecimento sobre as demandas existentes
em relação a presença dos indígenas na cidade e a necessidade de se organizar coletivamente
para dar conta da realidade urbana.
67

Figura 28 –Sede da organização indígena Kapói.

Fotografia: Érica Joyce R. Cavalcante (2015)

Figura 29 –Sede da organização indígena Kuikrï

Fotografia: Érica Joyce R. Cavalcante (2015)


68

A resposta da representante da ODIC dizendo que é fundamental mostrar para o índio


que ele não deixa de ser índio por passar a viver na cidade relaciona-se com uma visão geral
que ainda habita o imaginário popular sobre quem de fato é o indígena, mas, que vem se
modificando processualmente. Essa visão calcada no senso comum, devido a todas as ideias
construídas a partir do processo histórico de uma colonização de exploração, começou a se
modificar, em parte, somente a partir da década de 70 quando as reivindicações pelos direitos
e justiça, começaram a ficar mais evidentes, especialmente a partir da imagem do indígena
Juruna, da etnia, Xavante que questionava os políticos e indigenistas impulsionando o
movimento pela cidadania indígena (OLIVEIRA; FREIRE, 2006).
Torna-se relevante destacar também que as demandas, sobre os territórios indígenas,
se intensificaram nas décadas finais do século XX incentivando novas estratégias e formas de
ação voltadas para a cidadania indígena, ainda que envoltas no regime tutelar, nas quais os
indígenas passam a perceber-se como atores articulando novos modelos organizativos
(OLIVEIRA, 2006). A partir de um sistema próprio de organização e reivindicação é que os
indígenas passaram a pressionar o Estado para reconhecer e garantir os seus direitos:

Somente a partir da constituição de um sistema de reivindicações e de pressões é que


o Estado viria a agir, procedendo então à identificação e à demarcação das terras
indígenas, melhorando os serviços de assistência (de saúde e educação) ou
resolvendo problemas administrativos diversos deixados no limbo por muitos anos.
As décadas de 70 e 80 foram os momentos de maior visibilidade dessa modalidade
de ação política, que se constituía à margem da política indigenista oficial, opondo
Estado e sociedade civil, delineando progressivamente novas modalidades de
cidadania indígena (OLIVEIRA ; FREIRE, 2006,p.187).

As mudanças em relação ao novo modelo organizativo nas lutas e na atuação do


indígenas brasileiros tiveram apoio de algumas organizações e entidades, dentre as quais se
destaca o CIMI, que chegou a apoiar inúmeras assembleias indígenas no Brasil em meio ao
regime militar. Se nos anos 70 e 80 houve grande preocupação com o retorno da democracia
no país, por parte da população como um todo e em relação aos indígenas especificamente,
nos anos 90 a situação situa-se mais no campo de reivindicações para as questões ambientais
de preservação e conservação da natureza havendo parcerias entre ONG'S, agências
internacionais e governo brasileiro através do Ministério do Meio Ambiente e do IBAMA,
sendo o ano de 1992 um marco com a realização da ECO/92:

As organizações passaram a apresentar-se como os mais adequados postulantes de


projetos de desenvolvimentos e proteção ambiental. Por sua vez, as ONG's,
continuaram a atuar na condição de parceiros, fornecendo uma assessoria de
natureza mais técnica. As regras e as diretrizes desse novo contexto político logo
69

conduziram a um acentuado crescimento das organizações indígenas (OLIVEIRA


;FREIRE, 2006,p.196).

No Brasil todo, em meio a esse contexto, surgem mais de 100 organizações indígenas
e em Roraima surge o Conselho Indígena de Roraima - CIR. Referindo-se ao tema, Repetto
(2008) afirma que as organizações indígenas são articulações particulares em concordância
com o sistema jurídico dominante mas, que procuram uma redefinição de projetos históricos e
culturais particulares e que o processo de surgimento das mesmas em Roraima está fortemente
relacionado aos conflitos territoriais interligando-se ao campo político.
Ainda sobre os principais objetivos das organizações e descritos por seus
representantes, constata-se que a ODIC e a KAPOI expressam, através de suas respostas a
necessidade de reafirmar a identidade, quando dizem que se preocupam com uma visão de
que o índio perde suas características étnicas quando estão na cidade. As referidas
organizações percebem-se como um elo de ligação entre essas pessoas e suas origens.
Fato significativo é que ao questionar os representantes da ODIC, da Kuikrï e da
Kapoi sobre conhecer ou não outras organizações que atuam na cidade, as respostas foram
que sim e os nomes citados foram respectivamente:
1) kuaikrï, Kapoi e MGB que virou Kuaikrï;
2) Sodiur, Capoi e ODIC;
3) Kuaikrï, ODIC e CIR.
Dois dos entrevistados ao se referirem aos principais objetivos das organizações,
revelam que a ODIC e a KAPOI, através de suas respostas,reconhecem a necessidade de
reafirmar a identidade, quando dizem que se preocupam com uma visão de que o índio perde
suas características étnicas quando estão na cidade. As referidas organizações percebem-se
como um elo de ligação entre essas pessoas e suas origens Devido a algumas limitações de
acesso, foi possível obter somente o estatuto de uma das organizações, a Kuaikrï. No entanto
a partir das entrevistas fica claro que há diferenças em relação aos objetivos mais específicos
e as atividades desenvolvidas. Tal situação nos revela, conforme defende Repetto (2008), que
há uma pluralidade de dinâmicas e articulações entre os indígenas:

[...] as organizações indígenas, as lideranças e as comunidades são atores do campo


de ação histórica dos movimentos indígenas, que manifesta interações entre atores
coletivos que se opõem por meio de expressões autônomas em relação ao sistema da
ação histórica predominante(REPETTO, 2008,p. 108).

O mesmo autor defende a existência de diversas dinâmicas e articulações entre os


indígenas visando buscar alternativas frente a um contraditório sistema nacional, permitindo
70

se falar em movimentos no plural para não se falsear a real situação dos interlocutores
indígenas (REPETTO, 2008).
Os três representantes das diferentes organizações são das etnias Macuxi e Wapichana
e provenientes das comunidades: Alto arraia-manoá (fazenda lago grande); Acwish - próximo
do Jacamim, Serra da Lua e Morirú-Serra da Lua (Bonfim) e, apesar de terem revelado que
não se reúnem parar tirar ações conjuntas em prol de política indígenas, foram unânimes ao
dizer que é difícil morar na cidade. O quadro (fig. 30)permite uma melhor compreensão das
respostas:

Figura 30 - Dificuldades encontradas ao morar na cidade.


Perguntas ODIC KUAIKRÏ KAPOI
• Quais as • O principal é o • Falta de • O mais
principais dificuldades preconceito, emprego, difícil é tirar
apontadas pelos indígenas odeiam ser trabalho e o CNPJ
que vem morar na cidade ? chamados de acabam indo
"cabôcos"; para o lixão;
• A dificuldade • Falta de uma
para se escola só para
autoafirmar indígena na
cidade.
• É difícil morar na • Sim. Se você • Sim. Por falta • Não. E o
cidade na sua não tiver um de emprego. que tem de
opinião ? alicerce Falta transporte melhor é
embaixo dos e somos mal desenvolver
seus pés. O atendidos no nossas
alicerce é o hospital por atividades
sustento. O mais que o índio só aqui.
difícil é a chega calado e
qualificação não diz o que
profissional. A quer ai o
mulher vai ser branco se
babá e o homem aproveita dele,
limpador de já o branco
quintal chega
reclamando.
Elaboração: Érica Joyce R. Cavalcante (2015)

As respostas dadas pelos representantes das organizações indígenas, coincidem com as


respostas dadas pelos entrevistados no bairro e revelam que os problemas são comuns a todos
os moradores, sendo indígenas ou não, no entanto, são agravados pela existência do
preconceito e discriminação com a questão étnica, ou seja, se qualquer morador já sofre com
esses problemas, o indígena sofrerá mais ainda por ser indígena. Sobre esse aspecto Repetto e
Souza (2007) fizeram um levantamento que revela que os próprios índios que vivem na
71

cidade reconhecem sim a existência do preconceito e discriminação inclusive quando


procuram trabalho, seja no setor público ou privado, sendo tratados com desprezo e
explicitam o depoimento de vários indígenas tais como o de uma moradora do Bairro Raiar do
Sol, a Marizane de Souza Pinto da etnia Macuxi que disse: " O preconceito é a pessoa que
não quer aceitar a gente ser índio, nos ignora. Eu já senti , no colégio não, mas, no trabalho
já. É porque me tiraram do meu trabalho e botaram outra. Eu era muito mais capacitada do
que ela (REPETTO e SOUZA, 2007, p.31).
Luciano (2006)revela que existem momentos históricos diferentes em relação a
autoafirmação dos indígenas e que a partir da década de 1988 com os direitos garantidos na
Constituição Federal, muitas políticas públicas foram instituídas, o que influencia na
valorização dessas populações e consequentemente na necessidade de um maior
reconhecimento identitário:

Passado um longo período institucionalizado de repressão (pois ainda é forte no


Brasil a repressão cultural não-institucionalizada, não oficial, percebida, por
exemplo, na implementação das políticas públicas e no reconhecimento pleno dos
direitos garantidos, como o direito à terra, à educação e à saúde adequada), as novas
gerações de jovens indígenas parecem carentes de uma identidade que os identifique
e lhes garanta um espaço social e identitário em um mundo cada vez mais global e,
ao mesmo tempo, profundamente segmentário no que diz respeito à cultura, à
ancestralidade, à origem étnica, a partir das quais os direitos econômicos, sociais,
culturais contemporâneos se articulam e se fundamentam (LUCIANO, 2006, p. 39).

A necessidade de resistência, para manter a identidade indígena e os hábitos culturais,


se dá tanto no contexto urbano, quanto no contexto de origem dos indígenas que vem para a
cidade. No caso dos entrevistados, quando foram indagados sobre a participação em alguma
organização indígena a maioria disse que participa, revelando alguns motivos que contribuem
para isso, conforme retrata o quadro seguinte:

Figura 31 - Participa de alguma organização indígena? Por qual motivo ?


• Sim. Por causa da minha mãe que é do CIR;
• Não. Meus irmão quiseram negar as origens deles;
• Sim. Kuaikri. Por que vem em benefício do povo
indígena na cidade, especialmente pela questão do
minério por isso no estatuto consta isso;
• Sim, pois minha mãe participa da reunião dos
tuxauas;
• Participa de alguma • Sim, funai pois meu irmão já participava.
organização indígena? Por qual • Sim, pois queremos que a associação resolva o
motivo ? problemas de aposentadoria, RANI e crédito em
banco;
• Sim. Meu avô na comunidade é tuxaua por isso
participa.
• Sim, esposa e filha. Minha filha acompanha a mãe;
• Sim. Meu pai foi vice presidente da SODIUR;
72

• Sim de vez em quando. Os pais levam pois as vezes


eles oferecem cursos;
• Não.

Elaboração:Érica Joyce R. Cavalcante (2015)

A maioria revelou participar, no entanto, numa questão anterior ao serem questionados


se conheciam ou não uma organização indígena, alguns citaram a Casa do índio e Secretaria
de Saúde como organizações, o que demonstra que as respostas acima podem ou não se
referirem a uma representação de organização indígena já mencionada anteriormente. Os
motivos pelos quais levaram a participação, em grande maioria, estão relacionados a
influencia da família através de uma parente que já participava ou incentivou a participar.
Outros motivos se referem a necessidade de obter assistência a serviços na cidade ou até
mesmo a presença do tema mineração em terra indígena. Nesse último caso, o respondente se
referiu com clareza sobre essa questão afirmando que ainda que muitos não apóiem essa ideia
de mineração em terras indígenas, ele acreditava que era de fundamental importância pois
considera que a maioria dos indígenas são pobres nas comunidades de origem e continuam
pobres quando vem para a cidade e que a mineração possibilitaria um melhor sustento para
todos. Em relação a esse tema foi constatado no estatuto da organização citada, a Kuaikrï no
capítulo II - dos associados, seus direitos e deveres o seguinte:

Art. 8°. É reconhecido aos índios conforme Art. 231 da Constituição Brasileira
inciso 2°, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. Destinam-se a sua posse
permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos
lagos nelas existentes; Art. 9° Que seja garantido a lei 6.0001/73, aos sócios da
Associação Estadual indígena Kuaikri de Roraima - AEIKR, as explorações
minerais de todos os tipos de minérios nela existentes como também diversos tipos
de garimpagem; Art. 10°- Que a associação faça acordos e contratos com
mineradoras nacionais e internacionais, para extração e compras, de qualquer tipo de
minério existente nas áreas indígenas, requerida pela associação (ESTATUTO DA
AEKIRR, 2013, p. 4 e 5).

A resposta do entrevistado pauta-se em alguns dos objetivos da associação Kuaikrï,


conforme os artigos supracitados, considerando que a mineração em terras indígenas poderá
suprir as necessidades materiais e de sobrevivência dos indígenas. Tema este que necessitaria
ser mais amplamente debatido para uma melhor compreensão e sobretudo para conhecer o
posicionamento das demais organizações acerca da temática.
Em todas as respostas apenas três organizações foram citadas, aKuaikri, o CIR e a
SODIUR, sendo que apenas uma atua com alguns objetivos mais específicos para os índios da
73

cidade, além de possuir objetivos gerais para todos os indígenas urbanos ou não. As respostas
citadas diferem-se das que foram dadas, para a mesma pergunta, pelos representantes das
organizações investigadas. Os que estão a frente das organizações tem conhecimento sobre
outra organização que não seja somente a sua, no entanto os residentes do bairro
demonstraram pouco conhecimento sobre a existência das mesmas. Outro fato que merece
destaque é que dos três representantes de organizações para indígenas da cidade, dois
revelaram que as entidades não dialogam entre si o que nos leva a crer que também não
possuem políticas e ações conjuntas ainda que os objetivos se assemelhem conforme as
respostas:
1) " nunca reunimos para se ajudar, eu queria que fosse tudo unido para ir para frente.";
2) É tudo separado, eles não gostam de juntar."
Fica evidente que ainda não há uma articulação intencional entre as referidas
organizações tanto no campo de elaboração das políticas voltadas para as demandas dos
indígenas que vem para a cidade e nem tampouco em relação as ações que já realizam no
contexto urbano. Essa situação necessitaria, logicamente, de um tempo maior de investigação
para poder levantar outros elementos que podem está interligados ao fato.
O vínculo, dos entrevistados,com as organizações que atendem o indígena na cidade e
que estão ou estiveram situadas no bairro e suas adjacências, ainda é pequeno não se
constituindo como elemento central de construção de ações intencionais para o
reconhecimento e o acesso a cidadania. O número de associados em cada uma delas de acordo
com as repostas dos representantes representa um universo que necessita ser ampliado. A
kuaikrï possui o maior contingente de filiados: “São 457 de vários bairros, 176 homens e o
resto é mulher, eles vem de vez em quando para pagar a mensalidade e pedir o registro, mas,
depois somem". Ao mesmo tempo em que deu essa informação disse também que realizam
reuniões para organizar ações culturais e ensaios de danças para se apresentarem em eventos
que ocorrem na cidade como, por exemplo, o arraial do parque Anauá. Já o representante da
Kapoi respondeu que: “São 80 índios. As vezes reunimos ou melhor, todo mês. Discutimos
sobre os problemas da associação" Também deixou claro que sempre realizam oficinas de
artesanato e que os trabalhos são expostos e vendidos em outros locais. A representante da
ODIC informou: "Quando realizamos atividade sempre vão 40, 30, 20 e as vezes até 10, mas,
quando vamos falar de benefícios, as reuniões são mais cheias".
Ao serem questionados se sabiam quantas famílias e moradores indígenas viviam no
bairro Raiar do Sol, todos responderam que não, sendo que a representante da ODIC
informou: “Não temos como ter o controle pois, muitos indígenas não se autodeclaram como
74

indígenas e só podemos dizer que são índios aqueles que vêm as reuniões." Nesse sentido,
não foi possível comparar a quantidade de residentes indígenas no bairro investigado, em
relação aos números que poderiam ser fornecidos pelas organizações.

4.3 TERRITORIOS E TERRITORIALIDADES INDÍGENAS : UM PROCESSO EM


CONSTRUÇÃO.

Os indígenas residentes, entrevistados,no bairro Raiar do Sol vivenciam práticas


cotidianas que abarcam a luta pela sobrevivência no contexto urbanoe revelam os reais
motivos que os levaram a viver na cidade, dentre os quais se destacam a busca por emprego e
educação.
Apesar das adversidades apontadas por eles, ou seja, os problemas enfrentados
continuam na cidade sem perder o vínculo com a comunidade de origem, demonstrando que
participam de organizações indígenas, no entanto, as respostas revelam que, em alguns casos,
são organizações vinculadas ao laço já existente com algum membro da família estando ou
não morando na mesma casa, podendo ser familiares que continuam nas comunidades e
participam de diferentes organizações.
As organizações da cidade, no caso das investigadas, surgem para suprir uma demanda
em função de não existirem políticas públicas específicas para indígena no contexto urbano.
Nesse sentido, acabam constituindo-se inicialmente como um elemento que poderá contribuir
com a construção de umnovo espaço social ou seja, um novo território. O que se percebe, de
forma não conclusiva, carecendo de mais aprofundamento sobre a questão, é que no âmbito
cultural ocorrem oficinas e encontros para resgatar tipos diferentes de artesanato e danças
típicas, como nos revela a Kapoi e a Kuaikrï. No entanto, em termos de organização de ações
voltadas para uma intervenção mais ampla no âmbito social, ainda existem limitações.
Muito já foi alcançado com o trabalho da ODIC, que inclusive passa a dar maior
visibilidade ao índio da cidade, a quem ele é e os desafios que enfrenta sendo cidadão e
cidadão índio. Um território indígena urbanizado encontra-se em pleno processo de
construção, permeado por limites, desafios, mas, também por possibilidades. Nesse sentido,
Haesbaert e Limonad (2007), afirmam que o território é uma construção histórica e, portanto,
social a partir de relações de poder (concreto e simbólico), envolvendo ao mesmo tempo a
sociedade e o espaço geográfico. Os mesmos autores nos chamam a atenção sobre o território
enquanto dominação social.
75

É no território, campo de todas as ações, reações, construções e desconstruções, é


sempre, e concomitantemente, apropriação (num sentido mais simbólico) e domínio (num
enfoque mais concreto, político-econômico) de um espaço socialmente partilhado
(HAESBAERT; LIMONAD, 2007), que as territorialidades vão sendo construídas e
mediatizadas, nesse caso, de um estado burocratizado e excludente.

Figura 32 –Artesanato produzido na associação Kapói.

Fotografia: Érica Joyce R. Cavalcante (2015)

Figura 33 –Sede da Kapói, venda de farinha e Beijú.

Fotografia: Érica Joyce R. Cavalcante (2015)


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A presença dos indígenas na cidade de Boa Vista, no bairro Raiar do Sol insere-se
num processo mais amplo que faz parte de uma sociedade nacional e mundial globalizada, no
entanto, a concepção de território se modifica em relação as sociedades tradicionais nas quais
a apropriação do território era simbólica (HAESBAERT ; LIMONAD, 2007). Numa relação
diferenciada com o espaço urbanizado as demandas são determinadas, em grande parte, pelos
aspectos econômicos e políticos influenciando as formas de viver e sobreviver. A busca pela
afirmação da identidade, seja ela original ou assumida, em face da nova realidade encontrada,
impulsiona um movimento permanente de construção, desconstrução, ação e reação no qual o
território em suas diferentes dimensões é a base para tal.
O dia a dia dos indígenas no bairro Raiar do Sol abarca todas as situações que
envolvem os demais moradores não indígenas. No entanto,as dificuldades encontradas para o
acesso a cidadania, segundo relatos informais deles próprios, estão inevitavelmente
relacionadas a todo um processo histórico que redimensiona a situação. Além de terem que
lutar pela sobrevivência como qualquer outro morador, no que tange a emprego, estudo,
saúde, transporte, moradia, segurança, acesso aos bens de consumo e serviços em geral, ainda
tem que lutar para serem respeitados ao assumir a sua etnicidade, e ter em reconhecidassuas
especificidades culturais ainda que incorporem os aspectos culturais da cidade, ou seja, a
vivência de uma realidade plural.
Sobre os processos de exclusão social, muitos indígenas ao chegarem à cidade para
viver, conforme algumas respostas dos entrevistados do bairro Raiar do Sol, ao terem suas
demandas negadas acabam se reconhecendo como indígenas para poder ter os direitos
garantidos. Evidencia-se um processo dialético, no qual, a princípio ocorre a negação da
própria identidade e posteriormente o retorno ao seu reconhecimento para poder acessar de
alguma forma a cidadania.
Numa das falas da representante da ODIC fica claro que muitas vezes ao convidarem
os indígenas para as reuniões: "eles não queriam reunir muito, vinham atrás do RANI e
auxílio maternidade, mas, para isso tinham que está cadastrado no censo". Tal fato revela
que ao saberem da existência das referidas organizações, os motivos iniciais que os levam a
procurá-las é a necessidade de assistência e acesso aos serviços que a cidade oferece.
As territorialidades indígenas no bairro Raiar do Sol e na cidade de Boa Vista,
encontram-se num processo de construção e reconstrução permanentes e ainda não são
mediadas por uma articulação concreta e intencional entre as organizações indígenas
específicas para esse fim. O território é uma construção que existe a partir de
77

intencionalidades das ações humanas,principalmente no tocante a afirmação individual e de


grupos na sociedade urbana.
Embora, já exista, todo um avanço em relação ao do espaço da cidade como território
político e social é importante que as ações partam de um projeto intencional com propostas
conjuntas entre as referidas organizações em prol da garantia dos direitos dos indígenas
urbanos, o que parece ser comum as três organizações investigadas.
78

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diferentes concepções de território fizeram-se presentes no processo de colonização


do Brasil, a partir da apropriação do espaço, seguindo um modelo de exploração intencional
que visava especificamente o controle territorial para garantir o enriquecimento da Metrópole.
Para os indígenas, que aqui viviam, o território era delineado a partir do acesso sem limites a
Terra conferindo-lhe um caráter de sobrevivência física e espiritual.
Nos diferentes períodos históricos as práticas adotadas tais como os aldeamentos, em
dado momento, e depois a introdução da pecuária contribuíram com processos de
desterritorialização e consequentemente de reterritorialização das populações indígenas. O
processo político, econômico e social que se delineou ao longo dos séculos influenciaram, em
grande parte, os deslocamentos e permanência dos indígenas em diferentes partes do território
"nacional". No contexto local não foi diferente.Vieira (2014) nos chama atenção sobre estes
aspectos quando analisa que os projetos econômicos pautaram a localização geográfica dos
indígenas em Roraima.

Apesar de grandes avanços relacionados a legislação que orienta os direitos coletivos


originários dos indígenas, especialmente a partir dos anos 80 com a constituição federal,
muitos são os aspectos que determinam as migrações dos indígenas, de suas comunidades de
origem para as cidades, dentre eles a necessidade de mais projetos de auto sustentabilidade.
No entanto, os motivos que contribuem para que os indígenas continuem se deslocando para o
contexto urbano são diversos e relacionam-se, com a busca por educação, atendimento de
saúde e em vários casos pela própria atração que a cidade ocasiona, por ser um espaço que
oferece múltiplos serviços e atividades que se diferenciam em relação as existentes nas
comunidades.
Os deslocamentos constantes para Boa Vista, mais especificamente no que diz respeito
aos moradores indígenas do bairro Raiar do Sol e adjacências, possuem inúmeros elementos
motivadores perpassando pela questão econômica, no que se refere a busca por emprego e
renda para a sobrevivência, e a busca pela garantia da cidadania a partir do acesso a educação
aos bens e serviços produzidos e ofertados na cidade. A busca pela a"melhoria de vida" fica
evidente na fala dos indígenas entrevistados, o que necessita de um maior aprofundamento na
investigação para desvelar, de forma mais ampla, o significado dessa afirmação. Conforme
análise de Nunes (2010), os indígenas estão cada vez interligados aos processos comuns ao
mundo monetarizado, no qual existe a dependência de mercadorias industrializadas. No
79

entanto a pesquisa revela que grande preocupação dos indígenas que vivem no bairro Raiar do
Sol, cidade de Boa Vista, é simplesmente estudar e ter acesso a saúde, para poder ajudar a
comunidade de onde vieram.
Situações contraditórias que são compreendidas por todo um processo histórico,
fazem-se presentes no dia a dia dos indígenas que vem para a cidade. Conforme depoimento
de representantes das organizações que atendem os índios na cidade, alguns indígenas ao
virem para a cidade tentam negar a própria identidade por receio de serem discriminados e
excluídos, no entanto a exclusão no contexto urbano é muito grande para todos e sobretudo
para eles que a partir do senso comum são sempre associados a floresta e como se não
pudessem ser índios na cidade. Nesse sentido alguns procuram resgatar a identidade indígena
tentando retirar o RANI para poder acessar alguns direitos. Outro ponto importante que a
pesquisa revela é que quase não existem políticas específicas para os índios da cidade, o que
contribui com o surgimento de algumas organizações para orientá-los e auxiliá-los a buscarem
seus direitos, mas, que ainda não atuam de forma articulada com outras organizações que
possuem os mesmos objetivos.
Os indígenas entrevistados no bairro Raiar do Sol demonstram que não perderam o
vínculo com suas comunidades de origem tanto em relação a algumas práticas culturais que
mantém, quanto em relação ao retorno para as suas comunidades, ainda que isso ocorra com
freqüência de uma vez ao ano em períodos de férias. A apropriação do espaço da cidade
constitui-se num enorme desafio, pois implica a necessidade de se lutar para ser cidadão e
índio cidadão. O território no contexto urbano, então, vai sendo construído, a partir da busca
pela sobrevivência e vivência da cidadania que é negada, pela sociedade de classes na qual
vivemos, a todos sendo índios ou não índios mas, que para os indígenas essa negação vem
acompanhada por uma carga maior de preconceito e discriminação.
Apesar das situações presentes no cotidiano urbano, envolverem discriminação e
imposição de rótulos, a partir de um viés comparativo unilateral, os indígenas elaboram suas
formas de resistência numa sociedade complexa e excludente que se difere de suas
comunidades de origem, nas quais ainda subsiste, de algum modo, o sentimento de identidade
com a Terra como a base da sobrevivência.
Há um movimento permanente de construção das territorialidades indígenas, no bairro
Raiar do Sol e em Boa Vista, mediadas pela realidade econômica, social e política. As
vivências diárias e a sobrevivência a partir do emprego, do estudo, da moradia, da religião e
das práticas culturais, além de todos os desafios enfrentados, vão delineando todo esse
processo. Além disso, outras territorialidades certamente desenvolvem-se interligando ações
80

praticadas no próprio bairro e interligadas a outros bairros da cidade, o que demandaria maior
aprofundamento para a pesquisa. As organizações indígenas podem ser o elo de uma
construção específica de territórios e territorialidades indígenas na cidade com maiores
possibilidades, no entanto é necessário uma articulação intencional entre as mesmas, a partir
do reconhecimento dos objetivos comuns.
81

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84

APÊNDICE
85

ENTREVISTA 1 - MORADORES INDÍGENAS


86
87

ENTREVISTA 2 - ENTIDADES OU ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS


88
89

TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E DEPOIMENTOS ESCRITOS E/OU


EM AÚDIO

Eu_________________________________,CPF____________, RG________________,

depois de conhecer e entender os objetivos, procedimentos metodológicos, riscos e


benefícios da pesquisa, bem como de estar ciente da necessidade do uso de minha
imagem e/ou depoimento (escrito ou em aúdio), especificados no Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), AUTORIZO, através do presente termo,
os pesquisadores (Érica Joyce Rodrigues Cavalcante sob matrícula nº 201313602
no Programa de Pós-graduação em Geografia (PPGGEO) da UFRR e a Profª. Dra.
Maria Bárbara de Magalhães Bethônico sob matrícula SIAPE nº 1743302
Orientadora) do projeto de pesquisa intitulado “ As territorialidades indígenas no
bairro Raiar do Sol na cidade de Boa Vista-RR ”a realizar as fotos que se façam
necessárias e/ou a colher meu depoimento sem quaisquer ônus financeiros a
nenhuma das partes.
Ao mesmo tempo, libero a utilização destas fotos (seus respectivos negativos) e/ou
depoimentos para fins científicos e de estudos (livros, artigos, slides e transparências),
em favor dos pesquisadores da pesquisa, acima especificados, obedecendo ao que está
previsto nas Leis que resguardam os direitos das crianças e adolescentes (Estatuto da
Criança e do Adolescente – ECA, Lei N.º 8.069/ 1990), dos idosos (Estatuto do Idoso, Lei
N.°10.741/2003) e das pessoas com deficiência (Decreto Nº 3.298/1999, alterado pelo
Decreto Nº 5.296/2004).

Boa Vista,___ de 20___.

_____________________________

Pesquisador responsável pelo projeto

_______________________________

Sujeito da Pesquisa

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