Indígenas Urbanos, Territórios e Territorialidades, Uma Análise A Partir Do Bairro Raiar Do Sol em Boa Vista-RR
Indígenas Urbanos, Territórios e Territorialidades, Uma Análise A Partir Do Bairro Raiar Do Sol em Boa Vista-RR
Indígenas Urbanos, Territórios e Territorialidades, Uma Análise A Partir Do Bairro Raiar Do Sol em Boa Vista-RR
BOA VISTA - RR
2015
2
BOA VISTA
2015
3
OBS: ESSA FOLHA SERÁ SUBSTITUÍDA PELA FOLHA DE APROVAÇÃO ASSINADA PELOS PROFESSORES
DA BANCA (CEDIDA PELO PPG-GEO)
NO VERSO DA FOLHA ANTERIOR COLOCAR A FICHA CATALOGRÁFICA.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________________
PROFa DRA ALTIVA BARBOSA DA SILVA
__________________________________________________________________
PROFaDRa ANA LÚCIA SOUSA
_________________________________________________________________
PROF. DR. ELÓI MARTINS SENHORAS
__________________________________________________________________
PROF. DR. ARTUR ROSA FILHO
(SUPLENTE)
AGRADECIMENTOS
Aos indígenas residentes, entrevistados, no Bairro Raiar do Sol que apesar de um certo receio
inicial, me receberam e se despediram sempre com um sorriso nos lábios e um olhar de
esperança e fé em relação a uma cidade melhor para se viver.
Aos representantes das organizações indígenas: ODIC, KUAIKRÏ e KAPOI, pelas entrevistas
e conversas informais concedidas.
Aos meus pais, que mesmo não estando mais fisicamente entre nós, continuam presentes em
todos os momentos da minha vida e, portanto, durante toda a realização desse trabalho.
Às minhas seis irmãs, incondicionalmente, por serem a minha base fortalecedora, que me
impulsiona a seguir sempre em frente. Em especial a Edilamar Cavalcante e meu cunhado
Evandro Sanguanini pelo apoio especial em todos os momentos.
À minha orientadora, professora Bárbara Magalhães, que com sua enorme paciência e
determinação sempre me fez acreditar que eu conseguiria chegar até aqui.
À amiga Edite Andrade que me acompanhou até o bairro Raiar do Sol abrindo caminhos junto
aos parentes e me auxiliando com as entrevistas.
Aos amigos e camaradas de luta: Adriana, Ângela, Bira, Rosinha, Reginaldo e Sandra Moraes
pelo carinho e incentivo sempre.
Aos professores e professoras do Mestrado que com suas aulas e orientações me ajudaram na
construção e reconstrução do conhecimento. Em especial ao professor Artur, que sempre me
incentivou e apoiou desde a época em que eu era aluna especial do Programa e ao professor
Rafael (in memorian) que passou rápido por mim, mas, com uma intensidade singular.
Aos professores da banca de qualificação: Ana Lúcia e Paulino que me fizeram perceber o
quanto ainda tenho que caminhar.
Aos colegas do Mestrado, em especial ao Tácio e Márcio, pelo apoio e carinho constantes.
À minha grande amiga Elvira por me mostrar que é possível seguir em frente, apesar dos
pesares.
À toda a equipe da escola Gonçalves Dias, especialmente, aos colegas mais próximos e a
equipe gestora que muito me apoiou na fase final dessa jornada.
6
Rogério Haesbart.
7
RESUMO
RESUMEN
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE SIGLAS
CF - Constituição Federal.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 12
1.1 ÁREA DE ESTUDO ..................................................................................................... 13
1.2 METODOLOGIA ......................................................................................................... 16
2. UM POUCO DO PROCESSO HISTÓRICO ............................................................. 20
2.1 A COLONIZAÇÃO E SUAS RELAÇÕES COM A TERRITORIALIZAÇÃO DOS
INDÍGENAS ....................................................................................................................... 20
2.2 PROCESSOS DE DESTERRITORIALIZAÇÃO E RETERRITORIALIZAÇÃO ..... 23
2.3 CONTEXTUALIZANDO A TERRITORIALIZAÇÃO NO VALE DO RIO
BRANCO 27
2.4 OS POVOS INDÍGENAS E SUAS TERRAS: ALGUNS DADOS IMPORTANTES 30
2.4.1 As terras indígenas e a reconfiguração de territórios ........................................... 33
3. TERRITORIALIDADES INDÍGENAS URBANAS ................................................. 37
3.1 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO NACIONAL, REGIONAL E LOCAL ................. 37
3.2 OS INDÍGENAS E A CIDADE: NOVOS TERRITÓRIOS EM CONSTRUÇÃO ..... 45
3.3 O BAIRRO RAIAR DO SOL E A PRESENÇA DOS INDÍGENAS .......................... 48
4.TERRITÓRIOS E TERRITORIALIDADES INDÍGENAS NO BAIRRO RAIAR
DO SOL .............................................................................................................................. 60
4.1 ALGUNS ASPECTOS CULTURAIS ......................................................................... 60
4.2 FORMAS DE RESISTÊNCIA: POSSÍVEIS VÍNCULOS COM ORGANIZAÇÕES
INDÍGENAS ....................................................................................................................... 65
4.3 TERRITÓRIOS E TERRITORIALIDADES INDÍGENAS: UM PROCESSO EM
CONSTRUÇÃO .................................................................................................................. 74
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 78
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 81
APÊNDICE ........................................................................................................................ 84
12
1. INTRODUÇÃO
A presença dos indígenas nas cidades é algo bem antigo, no entanto, somente
recentemente nas décadas de 80 e 90 é que começam a ser publicizados trabalhos em nível de
dissertação sobre o tema conforme nos explica Nunes (2010), ao referir-se a um primeiro
trabalho pioneiro ainda na década de 60, de Cardoso (1968) e os trabalhos orientados por ele
deLazarin, 1981; Romano, 1982; Fígoli 1982. Nunes (2010) afirma ainda que mesmo
existindo algumas produções nesse período somentea partir dos anos2000 é que a temática
tornou-se mais visível.
O Brasil é um país com forte presença indígena em todos os seus estados e o
fenômeno de deslocamento dos mesmos, dos seus locais de origem para as cidades é algo
constante. A Amazônia como um todoe em especial a brasileira, embora concentre maior
população indígena nas áreas rurais, apresentou um crescimento relevante em relação a
população indígena urbana comparando-se o espaço de tempo dos anos 90 até os anos atuais.
A dinâmica territorial das populações indígenas passa por constantes mudanças a partir de
diferentes aspectos que vão desde o processo de colonização, contribuindo desde então com a
desterritorialização e reterritorialização dos mesmos, até a luta pelo reconhecimento e garantia
de suas terras.
A presente pesquisa,sem a intenção de ser conclusiva sobre qualquer aspecto,
investiga a construção de territórios e territorialidades pelos indígenas que residem no bairro
Raiar do Sol na cidade de Boa Vista, tendo em vista que se referem às relações entre um
indivíduo ou grupo social e seu meio de referência, manifestando-se nas várias escalas
geográficas - uma localidade ou um país - e expressando um sentimento de pertencimento e
um modo de agir no âmbito de um dado espaço geográfico.
As territorialidades urbanas, assim como qualquer territorialidade,abarcam diferentes
dimensões e podem traduzir, em nível coletivo, formas de interação, sobrevivência e
regulação do território, a partir de ações desenvolvidas no cotidiano, tanto em relação a
sobrevivência física quanto a concretização de anseios e necessidades subjetivas mediadas
pelo meio social, cultural e econômico.
Ao longo dos capítulos alguns aspectos fundamentais são analisados, tais como: a
origem e as etnias das famílias indígenas residentes no bairro Raiar do Sol, além da
investigação sobre os vínculos culturais manifestados pelos indígenas e as formas de
organização política que possuem no contexto urbano.
13
igrejas, frutarias, dentre outros. O tráfego na avenida central, Estrela D'alva, é sempre
intenso,pois dá acesso as ruas internas do bairro e encontra-se próxima a BR- 174. O
movimento de pedestres e ciclistas, além dos veículos automotores é constante o que lhe
confere um caráter diferenciado dos bairros mais centrais da cidade de Boa Vista. Muitos
moradores e pessoas que frequentam ou passam pelo bairro utilizam bicicletas e motos como
meio de transporte, o que contribui com um transito complexo especialmente pela rua
principal não possuir ciclovias
eser uma avenida de mão dupla. Percebe-se que o bairro cresceu em alguns pontos de forma
desordenada e a infraestrutura das ruas internas é precária não existindo meio fio nas ruas
asfaltadas, além do que, muitas ruas ainda estão sem pavimentação.
1.2 METODOLOGIA
1) Perfil geral a partir de informações sobre: faixa etária, sexo, nível de escolaridade,
situação de trabalho, estado civil e religião;
2) Origem e etnias dos índios entrevistados;
3) Motivos pelos quais levaram a família vir para a cidade, especificamente para o
bairro em questão;
4) Desafios enfrentados para assegurar a sobrevivência;
5) Manutenção ou não de hábitos e costumes da comunidade de origem;
6) Vínculos culturais com a comunidade de origem;
7) Relação com alguma organização indígena urbana ou não.
8) Conhecimento sobre políticas específicas para os indígenas que vem para cidade.
aí a receptividade era maior. Fato que merece destaque é que num dos momentos de
entrevistas foi possível contar com o apoio de uma conhecida indígena da área de educação
que já tem todo um conhecimento sobre as questões acadêmicas e é também mestranda na
UFRR. Nesse caso, a receptividade para a realização das entrevistas foi bem maior.
Em síntese, as pessoas entrevistadas, portanto, foram em sua grande maioria,
estudantes da Escola Wanda D'avid Aguiar cursando o Ensino Médio Noturno. Houve
também a tentativa de abordagem de alguns moradores que circulavam nas ruas próximas as
residências de pessoas já entrevistadas. Depois de muitas conversas, mostrando e explicando
cuidadosamente o projeto por escrito, uma pessoa aceitou ser entrevistada.
Ressalta-se sobre a localização das organizações indígenas, que a ODIC já teve sede
no próprio bairro Raiar do Sol, aKuikrï possui sede no Raiar do Sol e a Kapoi situa-se no
bairro Profª. Aracelis Souto Maior, bairro situado ao lado do bairro em estudo . A maior
parte, da pesquisa de campo in loco, foi feita quase sempre no período da tarde e/ou noturno
de acordo com a disponibilidade da entrevistadora e dos entrevistados.
Os três mapas construídos foram feitos a partir de shapes disponibilizados pela base
cartográfica da Seplan e IBGE , utilizando-se o programa Quantum Gis. Destaca-se ainda que
o registro e síntese dos dados e informações foram feitos a partir de um programa, criado
especificamente para esse fim, chamado de SPE - Sistema de Pesquisa e Estatística, que
consiste no registro e compilação tanto de dados e informações sobre perguntas objetivas
(respostas fechadas) quanto de perguntas subjetivas (com respostas abertas).
A base conceitual do trabalho refere-se ao estudo e reflexão de três conceitos
principais: espaço, como algo mais amplo, território como diferentes formas de apropriação
do espaço e territorialidades enquanto ações desenvolvidas no território para garantir a
sobrevivência cultural e física dos povos indígenas que vem para a cidade. As teorias
geográficas permitiram, no momento da análise compreender as complexas relações que se
estabelecem entre os indígenas residentes na cidade e as organizações indígenas permitindo,
assim identificar os processos referentes aos territórios e territorialidades dos indígenas
residentes no bairro em estudo.
Considera-se algumas limitações em termos de acessibilidade a coleta de informações
e também em relação ao espaço destinado para a produção do trabalho, portanto, a pesquisa
não pode ser considerada conclusiva, mas, como o inicio de um processo de investigação que
poderá ser aprofundado em momentos futuros, não obstante, pode-se dizer que conseguiu
alguns resultados preliminares que são relevantes no que tange a temática.
20
1
HARVEY,David. A teoria de Marx do crescimento sob o capitalismo situa a acumulação de capital no centro
das coisas. A acumulação é o motor cuja potência aumenta no modo de produção capitalista.
22
Regimento de 1680, estabelecido graças aos esforços do jesuíta Antônio Vieira junto á Coroa
portuguesa, proibia a escravidão do indígena mesmo que conquistado por resgate ou por
“guerra justa" (FREIRE; OLIVEIRA, 2006).
O regimento estabelecia que houvesse uma distribuição tripartite das atividades dos
“índios de serviço das aldeias”: a) um grupo acompanharia os padres nos trabalhos
missionários; b) outro ficaria a serviço dos montadores; c) o último grupo cuidaria da
subsistência das famílias indígenas dos aldeamentos. Tais aldeamentos deveriam ser
governados pelos párocos e pelos “principais” (chefes) dos índios. Os jesuítas controlariam
todos os aldeamentos no Maranhão e no Pará onde não existissem missionários de outras
denominações, tornando-se os párocos de qualquer novo aldeamento. O trabalho da catequese
seria estendido a lugares remotos da Amazônia, os índios sendo doutrinados e educados em
indústrias nas suas próprias terras (OLIVEIRA; FREIRE, 2006).
No caso da (re) ocupação do espaço no processo de colonização, diferentes posições e
representações territoriais fizeram-se presentes. Se para os colonizadores o território era visto
como possibilidade de enriquecimento material, para os indígenas havia uma relação muito
mais ampla e de identidade com a terra. O entrelaçamento: terra, identidade e sobrevivência é
fruto de representações que vão delinear o significado de território para esses povos.
O território pode ser considerado como um espaço privilegiado para a reordenação das
ações sociais, ambientais, culturais, políticas e econômicas e por isso influencia de forma
direta a permanência dos indígenas em determinado lugar. Para Santos (1994) o território é
pleno de um caráter político e humanista que precisa contemplar os interesses e razões de ser
e de existir de todos. Sobre esse aspecto podemos refletir sobre a desconstrução e
reconstrução que ocorreram com os territórios indígenas, a partir da estratégia dos
aldeamentos, já mencionada anteriormente.
As formas de dominação e apropriação do espaço desde o Brasil colônia, contribuem,
então, com os processos de desterritorialização da população indígena e consequentemente de
reterritorialização, ou seja, o uso ou apropriação de novos territórios, mesmo que seja a partir
de uma imposição da forma de funcionamento do sistema socioeconômico. Nesse sentido
territorialização pode significar, dependendo do contexto, uma intervenção política de
organizações estatais que associa - de forma prescritiva e insofismável - um conjunto de
indivíduos e grupos a limites geográficos bem determinados (FRANK; CIRINO, 2010), como
24
ocorreu no contexto colonial. Os mesmos autores, ainda enfatizam que não cabe dúvida de
que a perda do território tradicionalmente utilizado é uma das principais causas e
condicionantes do processo de territorialização.
Chama atenção a seguinte expressão dos referidos autores: "perda do território
tradicionalmente utilizado". Tal afirmação nos remete ao território sendo utilizado de outra
modo, o que ocasiona novas formas de apropriação, por isso pode-se considerar que a
desterritorialização antecede o surgimento de novas territorialidades, no caso dos povos
indígenas:
Segundo Haesbaert (2012) trata-se de duas relações muito distintas com a terra -
enquanto nas comunidades tradicionais a terra-divindade era quase um "início e um fim" em
si mesma, formando um corpus com o homem, nas sociedades estatais a terra se transforma
gradativamente num simples mediador das relações sociais, onde muitas vezes o "fim último",
caberá ao Estado. No que diz respeito a territorialidade é importante saber que:
Nas últimas décadas algumas leis e decretos buscaram minimizar conflitos que
envolvem diversos sujeitos sociais, bem como corrigir injustiças cometidas com os povos
indígenas no Brasil.Assim um dos direitos básicos, o da terra, foi conquistado com muita luta
e assegurado na legislação que orienta as questões referentes aos direitos indígenas, sendo o
processo administrativo e de regularização fundiária, composto por diferentes etapas que vão
desde a identificação até a homologação e registro das terras, definida na Lei n° 6.001, 19 de
dezembro de 1973 (Estatuto do Índio) e no decreto n° 1775, de 8 de janeiro de 1996.
25
O Estado, desde o início de nossa história, sempre deu com uma mão e retirou com a
outra. E depois de um certo tempo, o fez premeditadamente, pois entendia estar
legislando para uma situação temporária, razão pela qual não havia mesmo muito
motivo para cumprir o que estava escrito. Isto explica uma série de conflitos atuais
acerca da demarcação das Terras Indígenas que, embora para muitos pareçam novas
demandas, pedidos “absurdos” em razão das disputas que ensejam, são apenas uma
26
espécie de ato final de um longo capítulo de uma história trágica e pouco justa
(ARAÚJO, 2006, p.54).
A resistência ativa às invasões representa, sem dúvida, uma das respostas mais
comuns na história da expansão de fronteiras. Quinhentos anos de guerras,
confrontos, extinções, migrações forçadas e reagrupamento étnico envolvendo
centenas de povos indígenas e múltiplas forças invasoras de portugueses,
espanhóis,franceses, holandeses e, nos últimos dois séculos, brasileiros, dão
testemunho da resistência ativa dos povos indígenas para a manutenção do controle
sobre suas áreas (LITTLE, 2002, p. 5).
27
Para além do interesse econômico que pudesse oferecer a região, tratava-se nesse
primeiro momento, para os portugueses, de formar no Rio Branco uma barreira
contra as invasões ao vale amazônico, mas, note-se, que uma barreira humana; desta
perspectiva, a submissão dos índios, como vimos, premissa fundamental no projeto
colonizador português para a Amazônia como um todo, neste caso seria, mais do
que nunca, um imperativo. Ou nas palavras mais radicais do coronel Lobo D'álmada
[(1787) 1861: 679], um dos ideólogos da colonização do Branco, "uma das maiores
vantagens que se pode tirar do rio branco é povoal-o, e coloniar toda esta fronteira
com a imensa gente que habita as montanhas do paiz.(FARAGE, 1991, p. 128).
Esse avanço espanhol e holandês sobre o Rio Branco, com o objetivo também de
capturar índios e de fazer negócios com outras nações indígenas, forçaram a
metrópole a pensar em estratégias políticas que definissem a própria posse. Com o
claro objetivo de demarcar suas fronteiras, passaram a fazer novos descimentos,
28
baseando-se no relatório feito pelo beneditino Dom Alcuíno Meyer em 1926. Constata-se
portanto, que os projetos econômicos pautaram a localização geográfica dos indígenas:
Nesse contexto de disputas as terras, que antes pertenciam aos diferentes grupos e
etnias indígenas, tornam-se alvos constantes de interesses divergentes a partir dos diferentes
sujeitos sociais e o reconhecimento de territórios indígenas pelo Estado se dá sob variadas
configurações, ao longo do século XX (SANTILLI, 2001).
As terras indígenas no Brasil em meados da década de 1910, passa a ser de
responsabilidade do SPI, criado a partir do decreto n. 8.072. Ao SPI coube todo o processo
para o reconhecimento e demarcação das terras.
Em Roraima 11 55.922
Dos cinco mil povos indígenas que existem no mundo, duzentos e quarenta e três estão
situados no Brasil, caracterizando uma forte e diversificada presença. A grande diversidade na
constituição desses povos indígenas, nos leva a ter cuidado ao analisar cada uma dessas
populações e suas maneiras próprias de compreensão e apreensão do território, sendo assim
cada povo construirá diferentes formas e sentidos de ocupação e de defesa dos seus territórios:
Cada povo indígena tem uma ideia própria de território, elaborada por suas relações
internas, com os outros povos e com o espaço onde lhes couber viver. Por isso
mesmo, estão incluídos nos direitos territoriais os direitos ambientais, que tem
estreita ligação como os culturais, uma vez que significam a possibilidade ambiental
de reproduzir hábitos alimentares, farmacologia própria, arte e artesanato. Além
disso, supõe-se que cada povo sabe a história, real ou mítica, de seu território,
conhecendo sua extensão e seus limites (MARÉS,2002, p. 53).
(duzentos e setenta e quatro ) línguas indígenas faladas no país, sendo que 17,5% do total da
população indígena existente, ainda não fala a língua portuguesa.
Sobre as questões mais regionalizadas avalia-se que a distribuição da população geral
indígena possui maior quantitativo na região norte, abarcando 37,4% do total de toda a
população. Os dados abaixo nos possibilitam uma melhor conclusão sobre o panorama
mencionado:
Ressalta-se que a legislação sobre as questões indígenas passou por algumas mudanças
no final da década de 1980, com a aprovação da CF2 que é posterior ao fim do período da
Ditadura Militar no Brasil a partir do processo que ficou conhecido como redemocratização.
Estabeleceu-se aos indígenas direitos coletivos que são originários, ou seja, eles são
anteriores a qualquer legislação especialmente a Constituição, fazendo parte do que se
convencionou como direitos naturais sem necessidade de leis para ter reconhecimento e
vigência. Isso significa que a legislação assegura o direito dos povos indígenas. Existem
direitos territoriais e direitos culturais, pois esses últimos é que representarão as características
mais particulares de cada povo.
2
A Constituição brasileira de 1988 alterou substancialmente a filosofia e a postura, até então adotadas, em
relação aos índios e aos seus direitos. À luz de uma visão mais realista, a Carta Magna do Brasil reconhece os
índios como povos culturalmente diferenciados e substitui a concepção vigente de integração dessas
Comunidades à sociedade nacional. O novo texto Constitucional reconhece, oficialmente, a diversidade e a
especificidade cultural dos índios e o seu direito à preservação dos hábitos e diferenças que os caracterizam.
O artigo 232 confere legitimidade a quaisquer ações processuais impetradas pelos índios e encarrega o
Ministério Público de defendê-los judicialmente, garantindo os seus direitos. Uma vitória para os índios que,
hoje, têm assegurado por Lei o direito de manterem seus costumes, culturas, religiões, língua e tradições.
33
O mote “muita terra para pouco índio” não passa de preconceito e má fé, não tendo
qualquer amparo em fatos concretos, bastando que se verifique para tanto que na
maioria das regiões do país os povos indígenas vivem em áreas bastante pequenas,
as quais não lhes conferem as condições mínimas para uma existência digna.
Exceção se faz no caso da Amazônia, onde nos últimos anos foi possível reconhecer
aos índios o direito a áreas de maior extensão, com fundamento exatamente no
conceito constitucional de terras indígenas. Mesmo nestes casos, é preciso que se
diga que em muitas regiões da Amazônia os índios são a maior parte da população,
sendo certo que as extensões das suas terras ainda estão abaixo dos índices de
concentração fundiária na mão de particulares. Não bastasse isso, muitas dessas
terras, ainda que extensas, enfrentam graves problemas de invasão por madeireiros,
garimpeiros e fazendeiros, sendo o Estado bastante lento e pouco eficiente em adotar
providências para garantir a plena posse dos índios sobre seus territórios (ARAÚJO,
2006, p.49).
No quadro geral das demarcações ocorridas no país podemos observar que até se
chegar as homologações, inúmeras etapas são constituídas: identificação, contraditório,
34
declaração dos limites e demarcação física. Depois de homologada a terra, então, passa pela
etapa final do registro. Todo esse percurso é permeado por um jogo de correlação de forças
em que os diferentes interesses de grupos sociais, fazem-se presentes. No estado de Roraima
foi homologada a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, após anos de espera por parte dos
índios.
A homologação da referida terra provocou uma reação contrária ao processo, por parte
de alguns setores da sociedade, inclusive de políticos locais, dentre eles o autor da PEC 215,
senador Mozarildo Cavalcanti, que defende que o controle das demarcações de terras
indígenas no país fiquem a cargo do Congresso Nacional, o que caracteriza uma defesa que
vai na contramão dos direitos indígenas conquistados até o momento.
Nesse emaranhado de situações envolvendo a violação dos direitos territoriais dos
indígenas, é necessário compreendermos que há uma diferença entre o que se chama de
"terra" e de "território":
MACUXI/WAPIXANA/
Raposa Serra do Sol 1.678.800 2005
INGARICÓ
Total 1.678.800
MACUXI/WAPIXANA/
São Marcos 654.110 1991
TAUREPANG
Total 654.110
Trombeta/Mapuera 663.775 2005 (Declarada Port. 1.806)
WAI-WAI
Wai-Wai 405.000 2003
Total 1.068.775
WAMIRI/ATROARI Wamiri/Atroari 666.311 1989
Total 666.311
Total 5.792.669
Fonte: Bethônico (2015).
Com a chegada dos europeus nos territórios indígenas a partir do século XVIII,
inúmeras situações ocorreram alterando o modo de vida desses povos. Os territórios que eram
habitados somente por eles,foram invadidos a partir de uma lógica de exploração o que
contribuiu com uma mudança na forma de sobrevivência dos indígenas, modificando algumas
de suas práticas tanto no que diz respeito a ações cotidianas para a subsistência, quanto aos
aspectos culturais mais amplos, como por exemplo, os rituais de crença e fé.
Muitas etnias eram politeístas, ou seja, acreditavam em vários deuses: da terra, do fogo,
do ar e no processo de contato com o colonizador passaram a ser catequizados e algumas
passaram a assumir uma prática monoteísta. Essa situação ocorreu em todo o espaço
denominado Brasil e alterou significativamente as relações e ações nas comunidades
indígenas. Lembrando é claro que não pode haver generalizações, tendo em vista que alguns
grupos étnicos, mesmo tendo algum contato com os colonizadores, mantiveram-se durante
muitos anos distantes da lógica civilizatória imposta, o que originou na década de 1980 na
FUNAI, a criação de uma terminologia intitulada: "índios isolados" que na verdade refere-se
aos grupos que ainda não tiveram contato algum com a sociedade nacional e com a FUNAI.
No ano de 2006, foram computados 12 grupos/etnias que se encontravam nessa situação:
na qual o território é definido com limites e fronteiras estabelecidos de forma mais flexível,
tornando sua compreensão mais complexa.Território é um tema que suscita vários debates
presentes em diferentes áreas da ciência. Na geografia tem tido destaque através do geógrafo
Rogério Haesbaert, que afirma ser possível agrupar o tema em diferentes vertentes, quais
sejam: política, cultural, econômica e natural, sendo que para Haesbaert (2004), a separação
ocorre apenas no processo de análise, pois a dinâmica territorial pode conjugar várias
dimensões ao mesmo tempo.
As dimensões do território, normalmente discutidas e analisadas, estão ligadas a
perspectivas teóricas diferentes: perspectiva materialista- concepções naturalistas, econômicas
e jurídico-políticas;perspectiva idealista – concepção simbólico-cultural; perspectiva
integradora eperspectiva relacional. As perspectivas teóricas nos permitem analisar a
conceituação do termo território e sua ligação com a territorialidade, aspecto fundamental na
presente investigação.
Em se tratando de territorialidades indígenas na cidade, a presente investigação não
limitará a análise em nenhuma perspectiva teórica específica, mas, sim tentará dialogar com
as mesmas, compreendendo que as diferentes concepções teóricas estão presentes em
momentos diversos, pois os indígenas que passam a viver na cidade se "integram" e
vivenciam, como os demais moradores não índios, a toda uma realidade repleta de situações
cotidianas que podem ser analisadas a partir de um suporte teórico que abarca diferentes
campos e perspectivas: materialista (concepções naturalista, econômica e jurídico-política) e
idealista (concepção simbólico-cultural) que o contexto social urbano abarca.
Os indígenas urbanos podem ao mesmo tempo manter vínculo com suas comunidades
de origem, conservando ou não hábitos culturais específicos,e também podem se distanciar de
tais vínculos absorvendo grandemente os hábitos da vida urbana. Para Araújo (2006), os
índios que vivem em cidades, fazem parte de um fenômeno que resulta,em geral, de processos
de expulsão, levando grupos inteiros, ou partes deles, a migrarem, inicialmente, das terras
tradicionais para as cidades próximas e deslocando-se posteriormente para cidades maiores ou
centros urbanos que se constituem em polos históricos de atração de migração. Nesse sentido,
surgem novos territórios e diferentes territorialidades para essas populações que passam a
viver no contexto urbano.
É importante ressaltar que dependendo das bases tecnológicas do grupo social, sua
territorialidade pode remeter a profundas ligações com a terra, no sentido físico do termo.
Lembrando que territorialidade, então, pode ser explicada a partir da noção de território e de
sua base conceitual, de acordo com suas perspectivas teóricas.
39
Em termos estatísticos, no contexto nacional, ainda que tenha ocorrido na última década
algumas situações que merecem análise no que diz respeito as diferenças no quantitativo de
população indígena urbana de uma região para outra, a região Nordeste apresentou maior
participação em relação aos indígenas que vivem nas áreas urbanas, já a região Norte apesar
de apresentar uma maior concentração de população indígena nas áreas rurais (48,6%)
segundo dados do IBGE (2010), obteve um crescimento significativo na área urbana,
comparando-se os dados das décadas de 1990 aos de 2010, pois, no ano de 1990 do total de
indígenas da região, 16,8 % residia na área urbana e na década de 2010 aumentou para 19,5% ,
mesmo tendo ocorrido um decréscimo no ano de 2000 (12,1%).
Os critérios que foram estabelecidos pelo IBGE (2010) para identificar a população
indígena na cidade, basearam-se no aspecto de auto declaração contribuindo assim com o
aumento do quantitativo da população indígena nas áreas urbanas. Fato importante que
converge com a situação ora apresentada é o processo conhecido como "etnogênese" ou
"reetinização" como nos aponta Luciano (2006), em que os povos indígenas, por força dos
séculos de repressão colonial escondiam e negavam suas identidades étnicas, agora
reivindicam o reconhecimento de suas etnicidades e de suas territorialidades nos marcos do
Estado brasileiro.
Considerando que até bem pouco tempo o próprio campo científico identificava como
indígenas apenas aqueles que viviam em seus locais de origem, ou seja, seus territórios
tradicionais, falar de territórios e territorialidades indígenas no contexto urbano torna-se
bastante desafiador, até mesmo no sentido de defini-los.
No caso da Amazônia brasileira, mais especificamente, no vale do rio Branco, os
aldeamentos deram origem aos processos de (des) territorialização e reterritorialização o que
inevitavelmente originou diferentes territorialidades. Os movimentos de deslocamentos dos
indígenas das áreas tradicionalmente habitadas, na maioria das vezes áreas consideradas
rurais, para áreas nas quais foram constituindo-se as cidades ou espaço urbano é algo
constante. A situação das terras indígenas no Brasil influenciam, de certo modo, os processos
de deslocamento e migração dos indígenas dos seus territórios para as cidades constituídas
posteriormente, existindo, é claro, outros fatores que contribuem com o fato, como a opção
por diferentes condições de vida em que aspectos tais como: educação, saúde e emprego
muitas vezes são determinantes.
É importante considerar que a migração não pode ser vista apenas como formas de
atração ou repulsão (visão mais tradicional), pois o desenvolvimento econômico das
sociedades, pautados por modos de produção com características diferentes em momentos
40
buscar refúgio em Boa Vista, para onde fomos arrastados, seja através da violência
ou com ilusões e promessas falsas" (ODIC, SOUZA; REPETTO, 2007 p. 10)
Antes de comentar sobre os diferentes elementos (de análise) presentes nas respostas
dos indígenas residentes na cidade de Boa Vista e especificamente no Bairro Raiar do Sol, é
necessário resgatar a discussão em relação ao que ocorre no Brasil sobre a vinda dos
42
indígenas para a cidade. Muitos imaginam e acreditam que os índios que saem de seus locais
de origem e passam a residir na cidade, deixam de ser índios. Sobre isso Nunes (2010) afirma
que ocorre uma associação entre índios natureza/floresta e não índios a cidade/civilização,
sendo a passagem dos indígenas ao ambiente urbano, muitas vezes pensado como um
processo de "desagregação cultural", aculturação, tornar-se igual a outro em consequência,
perder-se de seu próprio ser. O mesmo autor enfatiza:
Para ele essa concepção de cultura que abarca uma essência, implica em considerar o
"tornar-se outro" em um movimento contra-identitário. Nas respostas coletadas fica evidente
que os motivos, que levaram tais indígenas a virem para a cidade de Boa Vista, perpassam
desde situações de conflitos familiares não resolvidos e a busca por um novo ambiente no
qual possam superá-los, até a situações (mais determinantes) em que a necessidade de
"melhorar a vida" com o acesso a educação e emprego é prioridade. Nesse sentido a cidade
surge como um espaço que poderá oferecer isso, tendo em vista que as inúmeras
transformações ocorridas ao longo dos séculos impuseram uma outra lógica de sobrevivência
na qual a produção da roça, da caça e da pesca já não são mais suficientes para a
sobrevivência pois, as necessidades se modificaram, sob vários aspectos, no que diz respeito a
roupas, energia, hábitos alimentares, estudo etc. O que acreditou-se que com a demarcação
das terras indígenas tais necessidades seriam satisfeitas.
Naresposta n° 1 (da fig. 11) fica evidente que a família do sujeito entrevistado associa
o "desenvolvimento" a existência de saúde e educação, mas, que na visão de quem veio morar
na cidade quase nada mudou, especialmente em termos financeiros podendo-se, no entanto,
ampliar-se os horizontes em termos de reflexão sobre os povos indígenas. Os entrevistados nº
4, 5, 6,7,9 e 11 associam diretamente a "melhoria de vida" ao acesso a emprego para o
sustento e ao estudo dos filhos, ou seja, os fatores preponderantes são emprego e estudo, no
entanto pelas limitações da pesquisa, não foi possível aprofundar os aspectos que dariam de
conta de ampliar a compreensão sobre um significado mais amplo ao que seria "melhoria de
vida" para eles.
Se evoco este exemplo, o do capital, e não outros – a lista poderia se estender até
quase o infinito: conversão religiosa, educação escolar, formação
acadêmica/intelectual ou técnica, modos de socialidade, modos de se vestir, modos
de comer, modos de pensar... –, é por toda a carga que ele trás, pelo peso que a
economia tem em nossa própria forma de organizar e dar sentido à experiência
mundana (NUNES, 2010,p.02).
3
Índios que vem morar na cidade.
44
Ainda que a análise em questão tenha como cenário principal uma situação regional e
local, ou seja, os territórios e territorialidades urbanas no Bairro Raiar do Sol situado na
cidade de Boa Vista, faz-se necessário compreender que nos contextos nacional e mundial
vivenciamos um fenômeno complexo e contraditório que é a globalização, que influencia as
diferentes escalas geográficas interferindo na mudança do significado do território e, portanto
de territorialidade. Segundo os mesmos autores supracitados, é necessário realizar um
contraponto entre as práticas sociais pré-existentes e a formas com as quais atualmente o
significado de território é apropriado. O conjunto de práticas sociais e os meios utilizados por
45
distintos grupos sociais para se apropriar ou manter certo domínio: afetivo, cultural, político e
econômico através de uma determinada parcela do espaço geográfico manifesta-se de diversas
formas, desde a territorialidade mais flexível até os territorialismos mais arraigados e
fechados (HAESBAERT ; LIMONAD,2007).
No nível individual, territorialidade refere-se ao espaço pessoal imediato, que em
muitos contextos culturais é considerado um espaço inviolável. Em nível coletivo, a
territorialidade torna-se também um meio de regular as interações sociais e reforçar a
identidade do grupo ou comunidade. As territorialidades expressam a vivência do território a
partir das ações cotidianas das pessoas que ao praticá-las definem e redefinem o espaço,
deixando suas impressões físicas (materiais) ou simbólicas (imateriais). Nesse sentido, a
presença indígena na cidade de Boa Vista e, mais especificamente, no bairro Raiar do Sol,
tem gerado um processo de constituição de territórios (por pessoas ou por organizações
indígenas) e, a partir deste território, constituem-se as territorialidades.
atração que a cidade ocasiona pela enorme diversidade em termos de oferta de serviços e
especialmente, em vários casos pela perda de parte do espaço original ou até mesmo pela
demora nos processos de demarcação e homologação de suas terras.
Tal situação ocorre em todo o país em meio a grandes dificuldades encontradas no
contexto urbano, tendo em vista que a maior parte das políticas indígenas existentes foram
traçadas para os índios que vivem nas terras tradicionalmente ocupadas, ou seja, mesmo
apesar dos avanços que ocorreram em termos da legislação que assegura os direitos dos povos
indígenas, muito ainda deve ser feito para garantir a vivência e sobrevivência dos índios que
se deslocam para as cidades.
O norte é a região com maior população indígena do país, sendo contabilizado no
último censo do IBGE (2010) um quantitativo de 305.873 habitantes. Os deslocamentos
dessas populações das terras tradicionalmente ocupadas para o espaço urbano ganham
destaque nos estados do Amazonas e Roraima em que duas capitais Manaus e Boa Vista são
cidades que receberam grandes contingentes de população indígena, mas ainda procurando
manter traços de suas identidades culturais (ARAÚJO, 2006).
As cidades brasileiras de um modo geral tiveram uma perda de população indígena
entre os anos de 2000 a 2010, no entanto a Região Norte aparece na contramão desse
fenômeno:
União 132
Jardim Caranã 113
Cidade Satélite 132
Olímpico -
Doutor Airton Rocha 5
Laura Moreira 100
Murilo Teixeira Cidade 10
5 de Outubro 4
São Bento **segunda maior população indígena em BV 260
Fonte: IBGE/2010- Elaboração: Érica Joyce R. Cavalcante.
Sobre a presença dos indígenas na cidade de Boa Vista, é importante frisar que
diversas etnias compõem o cenário urbano, distribuídas nos mais diversos bairros e a partir de
informações do último censo do IBGE (2010),destacam-se duas etnias em maior quantidade:
macuxi 5 e wapixana 6 , no entanto outras etnias também se fazem presentes nos diferentes
4
SOUZA, 2012. A Organização dos índios da cidade - ODIC, surgiuno ano de 2005 a partir de um movimento de
jovens que começaram a se reunir no ano de 2004 e que almejavam entrar no ensino superior.
5
SANTOS, 2014,p. 45. Os Macuxi são considerados, entre os grupos da família Karib, os mais numerosos. Eles
habitam, em sua maioria, na região das serras, entre as cabeceiras dos rios Branco e Rupununi, território
atualmente partilhado entre Brasil e a Guiana, porém também encontram-se em outras localidades nas regiões
mais planas
6
SANTOS, 2014,p. Os Wapixana são considerados o segundo maior grupo étnico de Roraima e estão
organizados em seus territórios constituídos pelos processos demarcatórios e homologados.
49
bairros, havendo o registro da presença dos Macuxi e Wapixana em quase todos os bairros da
cidade (ODIC, 2012, p. 8).
O Raiar do Sol apresenta o maior contingente populacional indígena da cidade de Boa
Vista com 287 habitantes, residindo em diferentes pontos do referido bairro, de acordo com
dados do censo do IBGE/2010, a partir do critério de autodeclaração7. Fato bastante curioso é
que, pela proximidade dos bairros, e não havendo uma separação visual entre os mesmos,
alguns dos indígenas selecionados , a partir da rede de contatos estabelecida para entrevistas,
apesar de residirem em outro bairro, quando perguntei onde moravam disseram que era no
Bairro Raiar do Sol, o que posteriormente, foi possível constatar, a partir da visita in loco, que
eram residências situadas nas adjacências do Raiar do Sol.
Ainda sobre este aspecto a maioria dos entrevistados, alega que a escolha do local para
viver, se deve ao fato de que os terrenos eram os mais baratos da cidade. A lógica econômica
nesse caso se sobrepõe ao aspecto de livre escolha do bairro que irão morar, ao chegarem na
cidade de Boa Vista:
7 A autodeclaração é um modelo de levantamento das populações indígenas que não é bem visto pelos próprios
indígenas e uma das reivindicações pelos indígenas da ODIC, é que se modifique esse critério, tendo em vista a
limitação do mesmo, por conta de todo um processo histórico de exclusão que contribui para que o próprio
indígena negue sua identidade.
50
15 à 19 anos
9%
9% 20 à 24 anos
37%
9% 25 à 29 anos
9% 35 à 39 anos
9% 50 à 54 anos
18%
55 à 59 anos
60 à 69 anos
Ajudante de Pedreiro
9%
9% Merendeira em escola
9%
Serviços Gerais
Radio Telegrafista e
pescador aposentado
8
ESTATUTO DA ASSOCIAÇÃO ESTADUAL INDÍGENA KUAIKRÍ DE RORAIMA - AEIKRR. ART. 1º.
A associação Estadual Indígena Kuakrí de Roraima - AEIKRR, criada com prazo indeterminado de duração,
com sede e fórum na cidade de Boa Vista-RR, na rua Universo, n° 2059, Bairro Raiar do Sol, com ação em todas
as áreas indígenas e dentro da capital em determinadas zonas do território nacional, tendo por finalidade a
representação e a defesa dos direitos e interesses dos seus associados, das etnias em geral.
51
Alugada
9% 9% 9%
Emprestada
Própria
73%
de Favor
Sobre a situação das residências dos entrevistados foi possível constatar que a maioria
reside em casas próprias o que, através das respostas, ficou claro ter relação com a existência
de uma antiga invasão que existiu anos atrás no bairro, de acordo com informações dos
próprios moradores,e que posteriormente foi regularizada. Sobre tal fato foi possível constatar
a partir dos relatos feitos por Souza, Alencar e Veras (2011), que a ocupação do espaço
urbano do Raiar do Sol, data de 1994 e a legalização foi iniciada junto a Prefeitura Municipal
de Boa Vista em junho de 1995, a partir de ação movida pela Associação dos Moradores do
bairro.
52
A maior parte dos entrevistados informou que tiveram seus lotes praticamente doados
ou comprados por um valor considerado irrisório como fica evidente na falade um
entrevistado, ao se referir sobre a escolha do bairro:"Por causa do preço do terreno na época,
200 reais". Percebe-se que a condição econômica determina, na maioria das vezes, a presença
dos indígenas que vem para Boa Vista no que diz respeito a definição do bairro no qual irão
residir. No levantamento do IBGE, sobre o quantitativo de indígenas por bairro, fica evidente
que os que possuem maior população indígena são os que estão situados na zona oeste da
cidade. Não esquecendo, porém, que existem bairros centrais tais como: 13 de setembro e
São Vicente que tradicionalmente possuem quantidades ainda significativas de indígenas a
partir do processo histórico de constituição da cidade de Boa Vista, mas, que nas últimas
décadas se igualam ou até perdem em quantitativo para outros bairros mais novos que
surgiram na zona oeste da cidade, tais como os bairros: São Bento e Nova Cidade, dentre
outros.
A maior parte das casas onde vivem os entrevistados é de alvenaria sem acabamento,
com reboco de cimento, telha de amianto e possuem cercas de madeira, assim como grande
parte das residências no bairro com um todo, especialmente nas ruas mais internas.
de árvores onde já havia bancos de madeiras para sentar. Em todas as residências visitadas,
havia animais domésticos: cachorros e gatos. Um dos entrevistados, da etnia Wapichana,
disse ter chegado no bairro antes mesmo de ser bairro, afirmou que era apenas um lavrado e
que permanece ali até hoje, mas, que o bairro com cara de cidade foi que chegou até ele e que
a partir daí muita coisa mudou, pois surgiram comércios e mais moradores, chegando também
os assaltos que antes não existiam.
Figura 18 –Foto do final da rua Eclipse – Forte presença de residências com cercas de
madeira.
Sobre a renda familiar, mais da metade dos residentes indígenas entrevistados, quando
questionados, informaram que recebem juntos aproximadamente de 2 a 3 salários mínimos. A
vinda deles para a cidade teve como um dos principais fatores a busca por emprego (trabalho)
e renda, o que não significa que as condições que encontraram são melhores. O
questionamento que versou sobre a situação de trabalho: "Está trabalhando?",constatou que a
maioria considera que no momento a profissão é de estudante, mas, que em outros horários
trabalham, fazendo alguns "bicos" para ajudar no sustento da casa e além de contarem
primordialmente com a renda da família mesmo que esta, não esteja presente na residência, ou
seja, a renda informada refere-se a renda de toda a família estando ou não presente na cidade.
54
18% Sim
Não
18%
64% NR
Na capital roraimense, essa população conta com serviços de apoio por parte da
Diocese, de organizações não governamentais e do Conselho Indígena de Roraima.
Entretanto, as ações pontuais não chegam a representar mudanças estruturais em sua
condição de vida. O movimento de mulheres indígenas, assim como outros
movimentos, organiza‑se em atividades econômicas cooperativas, conferindo um
caráter solidário a essas atividades produtivas e apresentando‑se como uma
resistência ao problema do desemprego formal observado nessa camada da
população. Grupos de mulheres reunidas em torno de um mesmo objetivo exercem
distintas atividades, como artesanato, produção de sabão e confecção de roupas
intimas e bichos de pelúcia. Os grupos surgiram entre mulheres (indígenas e não
indígenas) residentes na periferia de Boa Vista, nos bairros mais precários do ponto
de vista social e de infraestrutura urbana (STAEVIE, 2011,p.16).
ótica excludente. Sobre essa "exclusão" Haesbert (2004), analisa que existem formas de
precarização social, embora não se possa falar de desterritorialização no sentido absoluto:
Se não há exclusão social, como defendem muitos autores, pois ninguém está
completamente destituído de vínculos sociais, e se também não há exclusão
territorial ou desterritorialização em sentido absoluto, pois ninguém pode subsistir
sem território, existem, entretanto, formas crescentes de precarização social que
implicam muitas vezes processos de segregação, de separação/“apartheid” – ou,
como preferimos, de reclusão territorial, uma reclusão que, como todo processo de
des-territorialização (sempre dialetizada), dentro da lógica capitalista dominante,
envolve, muito mais do que o controle territorial e a comodidade social de uma
minoria, a falta de controle e a precarização sócio-espacial da maioria
(HAESBAERT, 2004, p.2).
Corroborando com essa ideia de precarização social apontada pelo autor, evidenciou-
se nas entrevistas que na opinião dos residentes existem sim aspectos negativos ao se morar
na cidade. Os entrevistados citaram dentre outros os seguintes fatores:
existem poucos lugares com sinalização de trânsito, clara e bem localizada...". E sobre a
cidade de um modo geral, na mesma investigação foi mencionado que: “... além disso, os
taxis lotação andam em alta velocidade. A falta de atenção e imprudência de alguns
motoristas acabam causado acidentes, que ás vezes provocam a morte das pessoas..." , o que
converge com as respostas de alguns dos respondentes da presente investigação.
A falta de apoio mencionada, embora apenas por um entrevistado, merece atenção,
pois está relacionada com o questionamento acerca das políticas indígenas que eles
conheciam. Vale destacar que a pergunta foi direcionada para políticas públicas voltadas para
os índios que vivem na cidade. As respostas foram diversificadas e revelaram o
desconhecimento sobre assunto, conforme detalha o quadro abaixo:
Percebe-se que apesar de terem ouvido falar sobre algo relacionado com o tema, se
referem ao mesmo, como se fosse algo distante e em alguns casos apenas "propaganda de
televisão". Fato relevante também é que mesmo uma boa parte dos entrevistados sendo alunos
do período noturno na escola estadual do bairro, apenas uma resposta citou o INSIKIRAN 9,
por uma aluna matriculada no próprio Instituto. Os demais, mesmo tendo revelado em
9
INSIKIRAN- INSTITUTO DE FORMAÇÃO SUPERIOR INDÍGENA
Criado em 2001 pela Resolução nº 015/2001 -Cuni, como Núcleo Insikiran, posteriormente
transformado em Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena, pela Resolução nº 009/2009 -
CUni-UFRR, o Instituto é caracterizado como um espaço interinstitucional de diálogo com as
organizações e comunidade indígenas de Roraima, contanto com a participação de instituições
governamentais e não governamentais nas discussões e decisões administrativas e políticas como:
Organização dos Professores Indígenas de Roraima -OPIRR, Conselho Indígena de Roraima-CIR,
Associação dos Povos Indígenas de Roraima -APIRR, Organização das Mulheres Indígenas de
Roraima-OMIR, Fundação Nacional do Índio-FUNAI e Divisão de Educação Indígena da Secretaria
de Estado da Educação de Roraima.
57
conversa informal que querem fazer ensino superior10 para ajudar a comunidade de origem,
como o caso de uma aluna do 3° ano que disse querer fazer direito, não destacaram o ensino
superior específico para os indígenas que é ofertado pela UFRR.
Nesse contexto, é importante destacar que a maioria dos entrevistados (50%) está
cursando o ensino médio e possui faixa etária entre 18 e 24 anos, sendo a maioria de
mulheres. Do total de entrevistados 75% possui estado civil solteiro e decidiram vir para a
cidade em busca de educação e emprego.Sobre a origem e etnia os indígenas entrevistados no
Bairro Raiar do Sol e adjacências são das etnias Macuxi e Wapichana em número igual, ou
seja, um percentual de 50% para cada etnia, sendo provenientes de diferentes comunidades
situadas em diferentes regiões do Estado de Roraima, dentre as quais podemos citar:
10
LUCIANO, 2006, p.162. A ampliação da oferta do Ensino Fundamental e do acesso ao Ensino Médio resultou
no crescimento da demanda pelo Ensino Superior. Estima-se atualmente mais de 2.000 estudantes indígenas nas
universidades brasileiras (FUNAI, 2004). Isto representa 50% dos estudantes indígenas do Ensino Médio e
menos de 1,5% dos que ingressam anualmente no Ensino Fundamental. A ampliação do acesso ao Ensino
Superior teve início ainda na década de 1990, a partir das propostas de políticas de ações afirmativas adotadas
pelos governos, pelas instituições de ensino e pelas iniciativas privadas.
58
Não, por que tem que ter a assinatura dos tuxauas. Mas vou tentar através do meu
irmão;
Não, ainda não dei entrada por que nunca peguei a segunda via do registro de
nascimento normal";
Não. Já tentei tirar mas, não consegui. Tentaram que eu justificasse a minha saída
da comunidade e ai ficou difícil";
Não. Nunca consegui provar. Mas vou lutar pelos meus direitos;
Não. Perdi quando estava trabalhando numa firma aqui perto;
Não. Cresci numa família que nunca gostou e sou contra índios ou negros terem
qualquer tipo de vantagem;
Fica evidenciado que uma boa parte dos indígenas considera difícil adquirir o registro
de nascimento indígena e através de uma das respostas, percebe-se, que um dos entrevistados
não quer ser identificado como indígena alegando que é contrário (a) a qualquer "vantagem",
associando o referido registro a possibilidade de se adquirir algum benefício que ele mesmo
não concorda. No caso dos que disseram possuir o RANI é notório o reconhecimento dos
laços identitários indígenas, ou seja, a afirmação de ser índio: "Sim, tirei quando morávamos
na comunidade para reconhecimento da etnia (meu pai disse)" ; "Sim. Por que nasci na
maloca"; " Sim. Para auto-identificação" ; "Sim, pois meu pai trabalhava sobre a água na
FUNAI e minha mãe é agente de saúde" ;"Sim, estavam tirando na associação indígena ai eu
tirei". Confirma-se que os diversos indígenas que vivem no bairro Raiar do Sol estão
envoltos em diferentes sentidos no processo de construção das territorialidades na cidade.
Mesmo o RANI11 sendo um documento fundamental para consolidar o acesso a alguns
direitos que já estão assegurados em lei, ficou evidente que as dificuldades encontradas pelos
indígenas em obtê-lo, acabam fazendo com que alguns desistam de consegui-lo, ainda que os
representantes das três organizações indígenas, entrevistados, tenham informado que uma de
suas ações é ajudar ou facilitar a retirada do referido documento para os indígenas que vem
para a cidade.
11
SITE OFICIAL DA FUNAI.O Registro Administrativo de Nascimento de Indígena (RANI) é um documento
administrativo fornecido pela FUNAI, instituído pelo Estatuto do Índio, Lei nº 6.001 de 19 de dezembro de
1973: "O registro administrativo constituirá, quando couber, documento hábil para proceder ao registro civil do
ato correspondente, admitido, na falta deste, como meio subsidiário de prova." Em outras palavras, o RANI pode
servir como documento para solicitar o registro civil. O registro do RANI é realizado em livros próprios por
funcionários da FUNAI, e para cada registro é emitido o documento correspondente, devidamente autenticado e
assinado. RANI é um documento administrativo e não substitui a certidão de nascimento.
60
Católico
8%
Protestante
50%
42%
Não têm
religião
No início do século era forte a pressão aculturativa - os índios deviam deixar suas
malocas coletivas, suas crenças e toda a herança cultural para se submeterem a
pedagogia missionária. Ao contrário, no fina do século todo o esforço missionário
seria dirigido para a defesa da cultura e dos direitos indígenas. Em contraponto, ao
longo do século, as missões protestantes manteriam uma política aculturativa,
voltada para a difusão do texto bíblico entre os índios (OLIVEIRA e; FREIRE,
2006, p. 148).
Os beneditinos tinham criado nesse lugar um centro para educação dos jovens.
Inicialmente não era muito desenvolvido, mas depois nossos padres entenderam que
o centro estava situado numa posição estratégica, encontrando-se na estrada para a
Venezuela, e a assim pensaram em utilizá-lo ampliando-o como escola e colégio
para moços e moças indígenas...as irmãs dirigiam o colégio para moças e fundaram
o hospital São Camilo que, semanalmente, recebia a visita de um médico de Boa
Vista. Próxima ao Colégio estava a fazenda que proporcionava o sustento tanto do
Colégio quanto do Hospital (MONGIANO, 2011,p.33).
Evidencia-se que a religião vivenciada por parte dos indígenas entrevistados no Bairro
Raiar do Sol tem relação direta com o processo histórico ao longo dos séculos, o que não
significa que não ocorra uma mesclagem entre o modelo religioso imposto/aceito e os rituais
de crença e fé próprios dos índios, sobretudo quando retornam as comunidades de origem. A
diversidade cultural dos indígenas está assegurada na CF. 88 através do Artigo 231 12 ainda
que muitos indígenas não tenham conhecimento conforme relato de entrevistas feitas, por
Repetto e Souza (2007),e que revelaram que embora muitos neguem, por exemplo, a
utilização de rezadores, reconhecem que as medicinas tradicionais indígenas têm melhor
12
CF 88. Artigo 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições,
e os seus direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,
proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
62
efeito sobre algumas doenças. A utilização de vários hábitos e rituais continuam sendo
praticados, em alguns momentos pelos indígenas urbanos, quando voltam as suas
comunidades de origem ou em momentos mais isolados quando a família que ficou na
comunidade vem até a cidade visitá-los, conforme, uma das entrevistadas informou, em
conversa informal : " costumamos passar pimenta nos olhos para espantar a preguiça e
enxergar melhor o mundo", se referindo a orientação dos pais em um dado momento, ao
virem na cidade visitá-la.
Evidencia-se que algumas práticas comuns ao local de origem ocorrem também no
contexto urbano. Nesse processo existem diferentes situações em relação aos indígenas que
vem para a cidade em relação a continuarem mantendo ou não vínculo com sua comunidade
de origem e sobre a garantia do seu espaço social e identitário no que diz respeito aos direitos
culturais, econômicos e sociais. Para o questionamento feito em relação ao vínculo com a
comunidade foi revelado que a menor parte dos respondentes diz que não mantém mais
vínculo, enquanto 46%, ou seja, o maior percentual declara que mantém sim o vínculo mas,
somente as vezes:
36%
46%
18%
como revelam as seguintes respostas: 1)" Passei oito anos sem ir lá. Fui no ano passado. Fui
rever o meu pais pois ele alegou que eu era a única filha que não conhecia onde ele morava"
; 2) Meus tios e tias já faleceram e as primas moram na cidade; Visito sempre. Me comunico
com eles. Mas, é difícil ir lá por causa das leis". Sobre a frequência com que voltam a
comunidade as respostas foram equivalentes em relação às opções: semanalmente, duas vezes
por ano, três vezes por ano, quase nenhuma, enquanto a opção uma vez por ano atingiu o
maior percentual conforme gráfico abaixo:
Semanalmente
27% Nenhuma
37% frequencia
Quase nenhuma
9%
9%
Constata-se a partir das respostas que, pelo menos uma vez por ano os indígenas
entrevistados retornam as suas comunidades de origem para rever os parentes que lá ficaram e
mantendo vínculo com os hábitos culturais que tinham antes de saírem de lá. Sobre essas
práticas mencionadas por eles, abarcam a culinária, ações para a sobrevivência, festas e
danças. No quadro abaixo procura-se exemplificar os elementos que aparecem na maioria das
respostas:
64
Damorida
Tapioca
Peixe
Pajuarú
No Brasil todo, em meio a esse contexto, surgem mais de 100 organizações indígenas
e em Roraima surge o Conselho Indígena de Roraima - CIR. Referindo-se ao tema, Repetto
(2008) afirma que as organizações indígenas são articulações particulares em concordância
com o sistema jurídico dominante mas, que procuram uma redefinição de projetos históricos e
culturais particulares e que o processo de surgimento das mesmas em Roraima está fortemente
relacionado aos conflitos territoriais interligando-se ao campo político.
Ainda sobre os principais objetivos das organizações e descritos por seus
representantes, constata-se que a ODIC e a KAPOI expressam, através de suas respostas a
necessidade de reafirmar a identidade, quando dizem que se preocupam com uma visão de
que o índio perde suas características étnicas quando estão na cidade. As referidas
organizações percebem-se como um elo de ligação entre essas pessoas e suas origens.
Fato significativo é que ao questionar os representantes da ODIC, da Kuikrï e da
Kapoi sobre conhecer ou não outras organizações que atuam na cidade, as respostas foram
que sim e os nomes citados foram respectivamente:
1) kuaikrï, Kapoi e MGB que virou Kuaikrï;
2) Sodiur, Capoi e ODIC;
3) Kuaikrï, ODIC e CIR.
Dois dos entrevistados ao se referirem aos principais objetivos das organizações,
revelam que a ODIC e a KAPOI, através de suas respostas,reconhecem a necessidade de
reafirmar a identidade, quando dizem que se preocupam com uma visão de que o índio perde
suas características étnicas quando estão na cidade. As referidas organizações percebem-se
como um elo de ligação entre essas pessoas e suas origens Devido a algumas limitações de
acesso, foi possível obter somente o estatuto de uma das organizações, a Kuaikrï. No entanto
a partir das entrevistas fica claro que há diferenças em relação aos objetivos mais específicos
e as atividades desenvolvidas. Tal situação nos revela, conforme defende Repetto (2008), que
há uma pluralidade de dinâmicas e articulações entre os indígenas:
se falar em movimentos no plural para não se falsear a real situação dos interlocutores
indígenas (REPETTO, 2008).
Os três representantes das diferentes organizações são das etnias Macuxi e Wapichana
e provenientes das comunidades: Alto arraia-manoá (fazenda lago grande); Acwish - próximo
do Jacamim, Serra da Lua e Morirú-Serra da Lua (Bonfim) e, apesar de terem revelado que
não se reúnem parar tirar ações conjuntas em prol de política indígenas, foram unânimes ao
dizer que é difícil morar na cidade. O quadro (fig. 30)permite uma melhor compreensão das
respostas:
Art. 8°. É reconhecido aos índios conforme Art. 231 da Constituição Brasileira
inciso 2°, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios. Destinam-se a sua posse
permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos
lagos nelas existentes; Art. 9° Que seja garantido a lei 6.0001/73, aos sócios da
Associação Estadual indígena Kuaikri de Roraima - AEIKR, as explorações
minerais de todos os tipos de minérios nela existentes como também diversos tipos
de garimpagem; Art. 10°- Que a associação faça acordos e contratos com
mineradoras nacionais e internacionais, para extração e compras, de qualquer tipo de
minério existente nas áreas indígenas, requerida pela associação (ESTATUTO DA
AEKIRR, 2013, p. 4 e 5).
cidade, além de possuir objetivos gerais para todos os indígenas urbanos ou não. As respostas
citadas diferem-se das que foram dadas, para a mesma pergunta, pelos representantes das
organizações investigadas. Os que estão a frente das organizações tem conhecimento sobre
outra organização que não seja somente a sua, no entanto os residentes do bairro
demonstraram pouco conhecimento sobre a existência das mesmas. Outro fato que merece
destaque é que dos três representantes de organizações para indígenas da cidade, dois
revelaram que as entidades não dialogam entre si o que nos leva a crer que também não
possuem políticas e ações conjuntas ainda que os objetivos se assemelhem conforme as
respostas:
1) " nunca reunimos para se ajudar, eu queria que fosse tudo unido para ir para frente.";
2) É tudo separado, eles não gostam de juntar."
Fica evidente que ainda não há uma articulação intencional entre as referidas
organizações tanto no campo de elaboração das políticas voltadas para as demandas dos
indígenas que vem para a cidade e nem tampouco em relação as ações que já realizam no
contexto urbano. Essa situação necessitaria, logicamente, de um tempo maior de investigação
para poder levantar outros elementos que podem está interligados ao fato.
O vínculo, dos entrevistados,com as organizações que atendem o indígena na cidade e
que estão ou estiveram situadas no bairro e suas adjacências, ainda é pequeno não se
constituindo como elemento central de construção de ações intencionais para o
reconhecimento e o acesso a cidadania. O número de associados em cada uma delas de acordo
com as repostas dos representantes representa um universo que necessita ser ampliado. A
kuaikrï possui o maior contingente de filiados: “São 457 de vários bairros, 176 homens e o
resto é mulher, eles vem de vez em quando para pagar a mensalidade e pedir o registro, mas,
depois somem". Ao mesmo tempo em que deu essa informação disse também que realizam
reuniões para organizar ações culturais e ensaios de danças para se apresentarem em eventos
que ocorrem na cidade como, por exemplo, o arraial do parque Anauá. Já o representante da
Kapoi respondeu que: “São 80 índios. As vezes reunimos ou melhor, todo mês. Discutimos
sobre os problemas da associação" Também deixou claro que sempre realizam oficinas de
artesanato e que os trabalhos são expostos e vendidos em outros locais. A representante da
ODIC informou: "Quando realizamos atividade sempre vão 40, 30, 20 e as vezes até 10, mas,
quando vamos falar de benefícios, as reuniões são mais cheias".
Ao serem questionados se sabiam quantas famílias e moradores indígenas viviam no
bairro Raiar do Sol, todos responderam que não, sendo que a representante da ODIC
informou: “Não temos como ter o controle pois, muitos indígenas não se autodeclaram como
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indígenas e só podemos dizer que são índios aqueles que vêm as reuniões." Nesse sentido,
não foi possível comparar a quantidade de residentes indígenas no bairro investigado, em
relação aos números que poderiam ser fornecidos pelas organizações.
A presença dos indígenas na cidade de Boa Vista, no bairro Raiar do Sol insere-se
num processo mais amplo que faz parte de uma sociedade nacional e mundial globalizada, no
entanto, a concepção de território se modifica em relação as sociedades tradicionais nas quais
a apropriação do território era simbólica (HAESBAERT ; LIMONAD, 2007). Numa relação
diferenciada com o espaço urbanizado as demandas são determinadas, em grande parte, pelos
aspectos econômicos e políticos influenciando as formas de viver e sobreviver. A busca pela
afirmação da identidade, seja ela original ou assumida, em face da nova realidade encontrada,
impulsiona um movimento permanente de construção, desconstrução, ação e reação no qual o
território em suas diferentes dimensões é a base para tal.
O dia a dia dos indígenas no bairro Raiar do Sol abarca todas as situações que
envolvem os demais moradores não indígenas. No entanto,as dificuldades encontradas para o
acesso a cidadania, segundo relatos informais deles próprios, estão inevitavelmente
relacionadas a todo um processo histórico que redimensiona a situação. Além de terem que
lutar pela sobrevivência como qualquer outro morador, no que tange a emprego, estudo,
saúde, transporte, moradia, segurança, acesso aos bens de consumo e serviços em geral, ainda
tem que lutar para serem respeitados ao assumir a sua etnicidade, e ter em reconhecidassuas
especificidades culturais ainda que incorporem os aspectos culturais da cidade, ou seja, a
vivência de uma realidade plural.
Sobre os processos de exclusão social, muitos indígenas ao chegarem à cidade para
viver, conforme algumas respostas dos entrevistados do bairro Raiar do Sol, ao terem suas
demandas negadas acabam se reconhecendo como indígenas para poder ter os direitos
garantidos. Evidencia-se um processo dialético, no qual, a princípio ocorre a negação da
própria identidade e posteriormente o retorno ao seu reconhecimento para poder acessar de
alguma forma a cidadania.
Numa das falas da representante da ODIC fica claro que muitas vezes ao convidarem
os indígenas para as reuniões: "eles não queriam reunir muito, vinham atrás do RANI e
auxílio maternidade, mas, para isso tinham que está cadastrado no censo". Tal fato revela
que ao saberem da existência das referidas organizações, os motivos iniciais que os levam a
procurá-las é a necessidade de assistência e acesso aos serviços que a cidade oferece.
As territorialidades indígenas no bairro Raiar do Sol e na cidade de Boa Vista,
encontram-se num processo de construção e reconstrução permanentes e ainda não são
mediadas por uma articulação concreta e intencional entre as organizações indígenas
específicas para esse fim. O território é uma construção que existe a partir de
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
entanto a pesquisa revela que grande preocupação dos indígenas que vivem no bairro Raiar do
Sol, cidade de Boa Vista, é simplesmente estudar e ter acesso a saúde, para poder ajudar a
comunidade de onde vieram.
Situações contraditórias que são compreendidas por todo um processo histórico,
fazem-se presentes no dia a dia dos indígenas que vem para a cidade. Conforme depoimento
de representantes das organizações que atendem os índios na cidade, alguns indígenas ao
virem para a cidade tentam negar a própria identidade por receio de serem discriminados e
excluídos, no entanto a exclusão no contexto urbano é muito grande para todos e sobretudo
para eles que a partir do senso comum são sempre associados a floresta e como se não
pudessem ser índios na cidade. Nesse sentido alguns procuram resgatar a identidade indígena
tentando retirar o RANI para poder acessar alguns direitos. Outro ponto importante que a
pesquisa revela é que quase não existem políticas específicas para os índios da cidade, o que
contribui com o surgimento de algumas organizações para orientá-los e auxiliá-los a buscarem
seus direitos, mas, que ainda não atuam de forma articulada com outras organizações que
possuem os mesmos objetivos.
Os indígenas entrevistados no bairro Raiar do Sol demonstram que não perderam o
vínculo com suas comunidades de origem tanto em relação a algumas práticas culturais que
mantém, quanto em relação ao retorno para as suas comunidades, ainda que isso ocorra com
freqüência de uma vez ao ano em períodos de férias. A apropriação do espaço da cidade
constitui-se num enorme desafio, pois implica a necessidade de se lutar para ser cidadão e
índio cidadão. O território no contexto urbano, então, vai sendo construído, a partir da busca
pela sobrevivência e vivência da cidadania que é negada, pela sociedade de classes na qual
vivemos, a todos sendo índios ou não índios mas, que para os indígenas essa negação vem
acompanhada por uma carga maior de preconceito e discriminação.
Apesar das situações presentes no cotidiano urbano, envolverem discriminação e
imposição de rótulos, a partir de um viés comparativo unilateral, os indígenas elaboram suas
formas de resistência numa sociedade complexa e excludente que se difere de suas
comunidades de origem, nas quais ainda subsiste, de algum modo, o sentimento de identidade
com a Terra como a base da sobrevivência.
Há um movimento permanente de construção das territorialidades indígenas, no bairro
Raiar do Sol e em Boa Vista, mediadas pela realidade econômica, social e política. As
vivências diárias e a sobrevivência a partir do emprego, do estudo, da moradia, da religião e
das práticas culturais, além de todos os desafios enfrentados, vão delineando todo esse
processo. Além disso, outras territorialidades certamente desenvolvem-se interligando ações
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praticadas no próprio bairro e interligadas a outros bairros da cidade, o que demandaria maior
aprofundamento para a pesquisa. As organizações indígenas podem ser o elo de uma
construção específica de territórios e territorialidades indígenas na cidade com maiores
possibilidades, no entanto é necessário uma articulação intencional entre as mesmas, a partir
do reconhecimento dos objetivos comuns.
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APÊNDICE
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Eu_________________________________,CPF____________, RG________________,
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Sujeito da Pesquisa