Texto 12 - Inflaã Ã o Inercial
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INFLAÇÃO INERCIAL
Para entender a inflação inercial é preciso primeiro saber exatamente o que é inflação e seus
tipos. O nome parece mais complexo do que de fato a inflação é, e não é tão simples de entender
como as pessoas sugerem. A inflação é um aumento contínuo e generalizado dos preços dos
bens e serviços negociados em um país, o que acaba resultando em uma perda contínua
do poder aquisitivo da moeda.
O órgão responsável pelo controle da inflação é o Banco Central, e este é que dita as normas de
aumento e diminuição deste valor e pode ser considerado o culpado em caso de crises. E muita
gente lembra que a inflação foi o grande fantasma da economia brasileira durante a década de
80, em que era difícil prever até o valor de um alimento da noite para o dia. Hoje, mesmo com
algumas ameaças de alta, a inflação se encontra sob controle.
São três os tipos de inflação: de demanda, de custos e inercial. Como já indica seu nome, a
inflação de demanda é causada quando ocorre o aumento da procura por um determinado bem
e serviço, o que faz com que o preço suba. A inflação de custos é causada pela elevação dos
custos de produção, repassados para o consumidor pelo aumento do preço do produto.
Há também o caso extremo, a hiperinflação, que é quando os preços aumentam tanto que as
pessoas não procuram reter dinheiro, mesmo por poucos dias. A explicação é simples: o poder
de compra da moeda diminui rapidamente, cai assim a credibilidade de todos em relação ao
dinheiro, então procuram gastá-lo rapidamente.
Já a inflação inercial ocorre quando os preços de uma economia oferecem resistência às políticas
de estabilização para atacar as causas primárias da inflação, é a chamada memória inflacionária.
Essa inflação inercial é decorrente de mecanismos de indexação, que reajustam o valor das
parcelas de contratos pela inflação do período passado, ou seja, mesmo que não tenha uma
razão do preço aumentar, ele aumenta baseado nessa memória inflacionária.
Os mecanismos de indexação podem ser formais, quando se baseiam em regras legais de
aumento, como aluguéis e mensalidades escolares ou informais, quando os agentes são
seguidores do preço, ou, seja, aumenta o preço, pois os outros também o fizeram.
No Brasil, na época da inflação elevada, nos anos 70 e 80, os diversos tipos de contrato, como
aluguéis, tinham clausulas de correção que eram auto-aplicáveis, ou seja, poderiam ser mudadas
de acordo com a inflação. Isso gerou na população um comportamento de antecipação:
transferia-se para o mês seguinte a taxa de inflação do mês passado, mesmo que não houvesse
pressões de demanda ou de custo. Essa inflação real, se não for corrigida, pode se manifestar
continuamente.
Todo brasileiro, ainda que modestamente, sabe muito bem o que significa o termo inflação,
herança direta das políticas de governos aventureiros e que deflagraram uma das mais
assustadoras crises econômicas em nosso país, nos idos da década de 80, quando os índices
de inflação chegaram a taxas que beiraram os 90% ao mês.
Um ambiente de altas taxas de inflação traz consigo um cenário de recessão econômica, gerando
diminuição do poder de compra do consumidor e provocando uma desaceleração do consumo,
com uma consequente diminuição da produção. Em última instância, provoca demissões na
indústria e no comércio.
A inflação, por definição, é o aumento generalizado de preços de produtos e serviços durante
um determinado período de tempo e em uma determinada região, dividindo-se em quatro tipos:
a inflação de demanda, a inflação de custos, a inflação estrutural e a inflação inercial, que é
aquela influenciada pela inflação passada, ou seja, caracteriza-se pela resistência de um
aumento de preços, apesar das políticas de estabilização adotadas.
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http://dx.doi.org/10.1590/S1415-98482010000100008
INTRODUÇÃO
A decisão de indexar a economia brasileira foi tomada em 1964, no quadro de uma inflação
relativamente alta, em torno de 70% ao ano, que o governo militar herdou do governo Juscelino
Kubitschek e da grave crise econômica e política de 1961-1964. Nos primeiros anos, ela se
limitava aos contratos financeiros, de forma que nos três anos seguintes foi possível reduzi-la
através de uma política fiscal rígida para um patamar em torno de 40%. Até 1979, a inflação
brasileira se manteve aproximadamente nesse patamar. Entretanto, o segundo choque do
petróleo e o choque dos juros internacionais desse ano, somados à política de crescer com
poupança externa dos anos 1970 e a uma política monetarista de prefixação da taxa de câmbio
para mudar as expectativas de inflação adotada em 1979-1980, levaram o Brasil à grande e
tríplice crise econômica: à crise da dívida externa dos anos 1980, à crise fiscal do estado e à alta
inflação inercial. A inflação, que durante os anos 1970 girara em torno de 40% ao ano, saltara
para 100% em 1980, devido ao choque externo de 1979 e à política monetária equivocada de
1979. Em vista do fracasso da política baseada no conceito de expectativas racionais, o governo
autoritário, em 1981 e em 1983, pôs em prática dois planos de estabilização convencionais,
baseados em forte ajuste fiscal, elevação da taxa de juros, e depreciação da moeda. Entretanto,
ao invés de cair, como esperavam os dirigentes da economia, a inflação se mantém, em 1981,
no mesmo patamar dos 100% do ano anterior, e sobe para 200% em 1983, quando o governo
decide por uma necessária desvalorização cambial. A alta inflação inercial afinal dominava a
economia brasileira.
Entre 1980 e 1983, portanto, a inflação, que era crônica no Brasil, transformou-se em uma alta
inflação inercial. Na inflação crônica já havia um componente inercial, que, a partir dessa
transição, passa a ser dominante. A taxa de inflação, que era ainda medida em termos anuais,
aumentara tanto que passou a ser medida em termos mensais. Entre 1964 e 1980, a inflação
crônica estava relacionada à indexação formal da economia brasileira, que havia sido
introduzida em 1964 pelo regime militar principalmente para indexar contratos financeiros, mas
não era ainda tão rígida para baixo como passou a ser no início dos anos 1980. Essa maior
flexibilidade decorria provavelmente do fato de que naquele período a indexação era
principalmente formal, enquanto a partir dos anos 1980, com a elevação da taxa, passa a ser
também informal: todos os preços e não apenas os formalmente indexados passam a ser
aumentados de acordo com a taxa de inflação passada. Não foi, portanto, por mero acaso, mas
como uma resposta a uma necessidade concreta, a um fato histórico novo, que entre 1980 e
1984 constitui-se no Brasil a teoria da inflação inercial.
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Neste trabalho, farei um relato de como surgiram as ideias sobre a alta inflação inercial que
dominou o Brasil entre 1980 e 1994. Relatarei como, de repente, em 1980, ficou clara para mim
a natureza inercial da inflação, e nos dois anos seguintes, Yoshiaki Nakano e eu logramos
desenvolver o que suponho ter sido o primeiro modelo simples e compreensivo do mecanismo
que tornava essa inflação autônoma da demanda. Escrevi então, com Yoshiaki Nakano, vários
trabalhos que antecedem os trabalhos realizados sobre o mesmo tema por professores da PUC
do Rio de Janeiro. Não obstante muitos acreditem que esaa primazia cabe a eles — crença que
pode ser explicada por quatro fatores: primeiro, eles também deram contribuições teóricas ao
problema; segundo, esses economistas apresentaram suas ideias em inglês; terceiro, eles
participaram em 1986 da formulação do Plano Cruzado, que pela primeira vez usou essa teoria
no Brasil; quarto, eles formularam o Plano Real, que afinal controlou a alta inflação brasileira —
, em todo o trabalho, mostrarei que afinal, no Brasil, só existiam oito economistas que
reconheciam a inflação inercial, e todos eles ofereceram contribuições ao problema. Sei que
essas questões sobre a descoberta de novas ideias são sempre complicadas, mas a melhor forma
de verificá-las é consultar os próprios trabalhos escritos e publicados e estudar a história em
torno desses trabalhos. Na primeira seção deste trabalho, narrarei como surgiu a teoria; na
segunda seção, farei um breve resumo da nova teoria; na terceira, contarei como nasceu a ideia
da solução heroica ou do choque heterodoxo para neutralizar a inércia; na quarta, como surgiu
a ideia da moeda indexada; e, finalmente, na quinta seção discutirei brevemente o problema
dos microfundamentos, mostrando que no processo de descoberta da teoria da inflação inercial
e das formas de neutralizá-la eles foram definidos a posteriori, para explicar um comportamento
real observado: não foram, portanto, consequência de expectativas racionais e de um processo
hipotético-dedutivo, mas de um processo histórico-indutivo de pesquisa.
O problema econômico fundamental para o Brasil, a partir de 1983, quando a taxa de inflação
alcança 200% ao ano, era como controlá-la. Duas recessões e um forte ajuste fiscal que, em
1984, levaram o deficit público para perto de zero não haviam logrado a estabilização dos
preços. Os economistas ortodoxos que haviam aplicado essa terapia estavam perplexos.
Lembro-me bem de Afonso Celso Pastore, então presidente do Banco Central, dizer--me, no final
de 1984, quando, na qualidade de presidente do Banespa (o primeiro cargo público que ocupei,
no governo democrático de André Franco Montoro), lhe fiz uma segunda visita: "Bresser, não
entendo o que está acontecendo. Fiz tudo para controlar a inflação, mas ela não cai." Respondi
ao excelente economista monetarista que conhecia há muito:
Não cai, Pastore, porque é uma inflação indexada, autônoma da demanda. Se você houvesse
lido os dois trabalhos que escrevi com o Yoshiaki e que lhe dei no ano passado, creio que você
compreenderia melhor o que está acontecendo e o que é preciso fazer para acabar com esse
tipo de inflação.
Nós tínhamos uma nova teoria para explicar a inflação no Brasil. Essa teoria — a teoria da
inflação autônoma ou inercial — não apenas decifrava um quebra-cabeça importante, mas,
adicionalmente, sugeria que a solução do problema, embora difícil, não era tão custosa quanto
a teoria econômica ortodoxa supunha, porque não implicava violenta redução da demanda.
Minhas próprias ideias sobre a inflação brasileira tinham origem no pensamento estruturalista
latino-americano e, principalmente, em Ignácio Rangel, meu velho mestre e amigo. Seu livro A
inflação brasileira (1963), que li no anos 1960, foi uma revelação para mim. Era um passo
adiante em relação às teorias estruturalistas. Ele aceitava a ideia de que a inflação tivesse origem
em pontos de estrangulamento na oferta de certos bens, mas sua ênfase era outra. Rangel via
a inflação como um mecanismo de defesa da economia, como uma forma através da qual os
ciclos econômicos eram moderados e se mantinha a taxa de investimento elevada.
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Enquanto a teoria convencional e a teoria estruturalista da inflação supõem que esta seja, em
princípio, de demanda, acelerando-se nos momentos de expansão da economia, Rangel dava
ênfase ao lado da oferta, e, supondo certo poder monopolista das empresas, afirmava que estas,
diante das crises ou ameaças de crise, procuravam proteger sua taxa de lucro através do
aumento administrado dos preços. Em consequência, a inflação se acelerava na recessão para
acomodar as demandas dos agentes econômicos, que viam seus lucros diminuírem. Isso lhe
permitiu formular um padrão cíclico que depois ficou conhecido como a "curva de Rangel" —
uma curva mostrando que, a médio prazo, a inflação tem uma relação inversa — ao invés de
direta, como pretende a teoria convencional — com o crescimento. Desde os anos 1950,
verificava-se que, quanto maior o crescimento, menor a inflação, e vice-versa. A explicação de
Rangel para esse comportamento da inflação era a de que a inflação é essencialmente um
sintoma da crise — é um mecanismo de defesa da economia contra a própria crise. A curto
prazo, o excesso de demanda pode provocar inflação, mas, em um prazo mais longo, o que eleva
a taxa inflacionária é a incapacidade da economia de resolver adequadamente suas próprias
contradições, resultando daí a relação inversa. Essas ideias eram revolucionárias. Rangel
descobria uma especificidade das situações de alta inflação de médio prazo em economias
subdesenvolvidas sujeitas a crises de balanço de pagamentos que a teoria econômica
convencional, fosse ela monetarista ou keynesiana, não explicava. Por outro lado, ao adotar uma
perspectiva administrativa ou de custo para a inflação, uma linha heterodoxa da qual Gardiner
Means fora um dos pioneiros nos Estados Unidos, a teoria de Rangel fazia sentido para mim.
Meus estudos de administração de empresas e meu interesse pelas grandes organizações
burocráticas empresariais e suas práticas de preços confirmavam a teoria administrativa da
inflação. Além disso, Rangel deu um passo decisivo na compreensão das relações entre a
inflação e a moeda, ao considerar passiva a oferta de moeda endógena. Não era o aumento da
quantidade de moeda que explicava a inflação, mas era o que induzia o aumento da oferta
monetária. Alguns anos mais tarde, lendo uma resenha das ideias sobre moeda endógena
(Merkin, 1982), verifiquei que nenhum economista anterior a Rangel escrevera com tanta
firmeza e clareza sobre o tema, embora vários deles, como Wicksel, Keynes, Schumpeter e Joan
Robinson, houvessem sugerido a ideia.
Durante os anos 1960 e 1970, adotei basicamente essa visão da inflação. Acrescentei apenas a
ideia de que o conflito distributivo era também uma parte essencial na explicação do processo
inflacionário. Não estava, entretanto, ainda claro para mim que era necessário distinguir um
conflito que mantinha estável de um conflito que acelerava a inflação. Durante os anos 1970,
após a crise do petróleo, surgira um fato histórico novo nas economias desenvolvidas: a
estagflação. As economias centrais viam suas taxas de inflação aumentar enquanto
permaneciam em recessão. O mesmo fenômeno que Rangel estudara e procurara explicar 10
anos antes, examinando a economia brasileira, repetia-se em nível mundial. Havia, entretanto,
um fato que nem as teorias convencionais, nem a teoria de Rangel explicavam: a estabilidade
da inflação em determinados patamares. Esse fenômeno era universal, mas naquele momento
era particularmente visível na economia brasileira. Durante quase todos os anos 1970, a inflação
permaneceu relativamente estabilizada em torno de 40% ao ano independentemente de a
economia estar aquecida ou desaquecida. Entretanto, entre 1979 e 1983 essa inflação mudou
para o patamar de 200% ao mês. Por que esse comportamento independente da demanda? Por
que esse comportamento baseado em patamares cada vez maiores? Por que, em suma, a
inflação deixou de ser apenas crônica para ser alta e inercial? As teorias monetaristas e as
keynesianas eram claramente insatisfatórias. O estruturalismo era uma explicação insuficiente,
já que os pontos de estrangulamento na oferta de bens agrícolas revelavam-se menos
importantes do que pareciam. E também porque os eventuais estrangulamentos na oferta
podiam acelerar a inflação, mas não explicavam por que ela, em seguida, não voltava a cair se
não houvesse excesso de demanda.
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Em 1980, depois de ter visto a inflação dar um salto, passando de 40 para 100% ao ano, e em
seguida estabilizar-se nesse nível, começou a ficar claro para mim que a teoria da inflação
administrada era insuficiente para explicar o que estava acontecendo. Ao dar uma aula sobre o
problema, tive, subitamente, uma intuição. A inflação tendia a se manter porque a indexação
formal e informal da economia levava as empresas a aumentarem seus preços de maneira
defasada, mas automática, independentemente da demanda. Só através desse mecanismo
conseguiam manter sua taxa de lucro ou, em outras palavras, manter os preços relativos
equilibrados de forma dinâmica. Esta ideia já está presente no paper "A inflação no capitalismo
de estado (e a experiência brasileira recente)", publicado no segundo número da Revista de
Economia Política (1981, p. 17). Nesse trabalho, ainda dominado pelo conceito de inflação
administrada, já ofereço, em toda uma seção, a explicação básica para a inércia inflacionária.