Psicologia e Religião
Psicologia e Religião
Psicologia e Religião
pt
Documento produzido em 27-02-2009
PSICOLOGIA E RELIGIÃO
SOB A LUZ DA PSICANÁLISE JUNGUIANA
Monografia apresentada á Universidade Vale do Rio Verde - UNINCOR, como parte das exigências
do Programa de Psicologia, área de concentração: Ciências Humanas, para obtenção do título de
Psicólogo
2006
Orientação:
Prof. Ms Suzane Amadeu
Email:
[email protected]
RESUMO
Esta monografia se baseia na obra Psicologia e Religião de C.G. Jung e confrontados com as
perspectivas de outras ciências tais como: medicina, teologia, metafísica e a própria psicologia. O
trabalho teve como objetivo, examinar tendências e até mesmo evidenciá-las à luz de uma
abordagem psicanalítica no intuito de evitar-se o reconhecimento de um credo numa expressão que
entendia ser projetiva da alma humana. Através de pesquisa de campo observou - se que na
atualidade muitas pessoas na maioria jovens entre 14 a 30 anos, 40% responderam ao serem
questionados sobre a existência de Deus que acreditam num Deus diferente daquele que seus pais
lhes apresentaram enquanto ainda eram crianças. Para alguns dos entrevistados Deus não está no céu
sentado no trono, com um cajado nas mãos pronto para castigar quem não fizer tudo certinho, para
eles deus é representado como sendo uma força que rege o universo, as pessoas, a natureza, enfim
ele se apresenta como sendo uma mola propulsora, sai então a figura paternal e entra a de um
regente, pronto a fazer com que o mundo gire, uma visão organizacional poderíamos dizer assim.
Dos entrevistados 30% acreditam na figura paternal, que dá recompensas aos que fazem o bem, que
salva o perdido, que cura as enfermidades e que castiga aos maus; 22% oscilam em suas respostas
entre acreditar em um deus paternal e como sendo também uma força regente; 8% responderam que
não acreditam em deus de nenhuma forma e que todos os conceitos relacionados á Deus não passam
de estórias e imaginação que essas idéias não têm nenhuma fundamentação científica e que,
portanto não merecem crédito. Através dos resultados obtidos, confirma-se a hipótese levantada de
que na atualidade os indivíduos estão buscando várias formas de conhecer a Deus, se questionam
sobre a existência de Deus e as várias formas de conhecer, entender, e de buscar a um ser supremo
que pode receber vários nomes e várias formas.
AGRADECIMENTOS
1. INTRODUÇÃO
Desde os tempos mais remotos na história da humanidade, o homem busca explicações para
os fenômenos naturais e espirituais que norteiam a sua vida como um todo.
Nessa monografia a relação da psicologia com a religião será abordada a partir da teoria de
C.G. Jung, na visão psicanalítica .Carl Gustav Jung, filho de um pastor protestante se interessou
pelas manifestações religiosas e simbólicas que o cercavam e sempre lhe chamaram a atenção.
Foi através de uma observação cuidadosa e atenta da análise destas representações na mente
humana que ele pôde reconhecer como conteúdos arquetípicos da alma, ou seja, as manifestações
coletivas que embasam as mais diversas religiões. Para Jung, a religião é uma das expressões
mais antigas e universais da alma humana, ela é um fenômeno sociológico e histórico. Além
disso, é um assunto importante para grande número de indivíduos. Ele não era um filósofo, mas
se considerava um empírico e se mantinha fiel ao ponto de vista fenomenológico; apesar disso,
ele achava que não infligia os princípios do empirismo cientifico se de vez enquanto fazia
reflexões que ultrapassassem o simples acúmulo e classificação do material proporcionado pela
experiência, por considerar que é a partir da experiência que existe a assimilação e compreensão;
aborda então os fatos psicológicos do ponto de vista científico natural. Abordaremos neste
trabalho como Jung trata o fenômeno religioso dentro de uma perspectiva empírica, observando
esse fenômeno se abstendo de qualquer abordagem metafísica ou filosófica.
Para melhor análise do leitor, este trabalho está dividido em tópicos: Simbolismo, ritos
religiosos e os sonhos, a fenomenologia dos sonhos, questões dogmáticas, os arquétipos, os
símbolos naturais e os dogmas, os estudos dos mitos para compreender os arquétipos, arquétipo,
sombra e self, o encontro de Paulo com o numinoso, o seeting analítico e a religião, os
fenômenos e símbolos religiosos, questões relevantes da temática da religião na psicologia
analítica junguiana, temas estes que serão relevantes para uma melhor compreensão da
importância da religião para o inconsciente tanto individual quanto coletivo.
2. ANÁLISE DA LITERATURA
2.1 Simbolismo
seus símbolos raramente são neutras; são sempre carregadas afetivamente. Isso ocorre porque há
uma tendência a se transferir o valor do que é simbolizado para o símbolo.
O termo símbolo pode ser usado para qualquer ato, objeto, acontecimento, relação ou
qualidade que sirva de vínculo a uma concepção. Trazido pela imaginação, cada um é
simbolizado e traduzido. Todo os símbolos são formulações passíveis de noções, de abstrações
da experiência fixada em formas perceptíveis, em incorporações concretas de atitudes, crenças,
julgamentos ou idéias.
Sob a forma abstrata, os símbolos são idéias religiosas; sob a forma de ação, são
ritos ou cerimônias. São manifestações e expressões do excedente da libido. Constituem,
ao mesmo tempo, degraus que levam a novas atividades que, especificamente, devemos
chamar culturais, para distingui-las das funções instintivas que seguem seu curso regular,
de acordo com as leis da natureza. (JUNG, 1997, p. 45-46).
Jung (1997) afirmava que um símbolo religioso pertence à linguagem das religiões. São
símbolos envoltos em dogmas e rituais fortemente organizados. Designam conteúdos
dogmáticos e fenômenos religiosos. As principais figuras simbólicas de uma religião
constituem sempre a expressão da atitude moral e espiritual específica que lhe são inerentes. A
percepção de uma figura religiosa pelos sentidos apóia a transferência da libido para o símbolo.
No caso dos primitivos, a formação de uma religião ou a formação dos símbolos é de seu
interesse e tão importante quanto a satisfação dos instintos. O caminho para um posterior
desenvolvimento e fuga do estado de redução é a formação de uma religião de caráter
individual. As idéias mais primitivas referentes a uma potência mágica que pode ser
considerada ao mesmo tempo como força objetiva e estado subjetivo de intensidade
demonstram como os inícios da formação dos símbolos se acham intimamente ligados ao
conceito de energia. Antes de discorrer sobre a visão junguiana sobre a religião, devo esclarecer
também um pouco da teoria do autor sobre a psique; sua estrutura e funcionamento. Assim,
ficara de mais fácil compreensão ao leitor não especializado os termos e mecanismos aqui
referidos. Para Jung, a psique seria formada por vários sistema distintos, interatuantes, sendo os
principais o Ego, o Self (ou Si-mesmo), o inconsciente pessoal e seus complexos, o
inconsciente coletivo e seus arquétipos (entre outros a persona, a anima, o animus e a sombra).
Além destes sistemas interdependentes, existiriam ainda as atitudes de introversão e extroversão
e as funções de pensamento, sentimento, sensação e intuição. A psique seria um sistema de
energias parcialmente fechado, onde a energia de fontes externas deveria ser acrescentada ao
sistema. Os estímulos ambientais também produziriam mudanças na distribuição da energia
interna do sistema. O fato da dinâmica da personalidade estar sujeita a influências e
modificações de fontes externas significa que a personalidade não é capaz de atingir um
perfeito estado de estabilização, o qual só seria possível se ela fosse um sistema completamente
fechado, sendo, portanto, um estado ideal. Jung acreditava que, quanto mais profundas fossem
as camadas da psique, mais perderiam sua originalidade individual. "Quanto mais profundas,
mais coletivas se tornam, e acabam por universalizar-se e extinguir-se na materialidade do
corpo, isto é, nos corpos químicos. O carbono do corpo humano é simplesmente carbono; no
mais profundo de si mesma, a psique é o universo." (Jung, 1975 - p.355).
Segundo Jung (1997), nossa consciência não se cria a si mesma, mas emana de
profundezas desconhecidas. Na infância, desperta gradualmente e, ao longo da vida, desperta
cada manhã, saindo das profundezas do sono, de um estado de inconsciência. É como uma
criança nascendo diariamente do seio materno. As profundezas mencionadas por ele residiriam
em cada ser e suas dimensões seriam incalculáveis: o inconsciente.
Logo, seriam dois os níveis de estruturas psíquicas que formam o psiquismo: o consciente e
o inconsciente. Para Jung, a consciência seria um fenômeno intermitente, produto da percepção e
orientação no mundo externo, surgindo quando se percebe que se "é". Ela cobriria o inconsciente
e dele brotaria. Ele afirmava que, teoricamente, seria impossível fixar limites para a consciência,
visto que ela poderia estender-se indefinidamente, mas, empiricamente, ela encontraria seus
limites quando atinge o desconhecido.
Desconhecido este que se dividiria em dois grupos: os exteriores e os interiores, que seriam
o objeto da experiência imediata. Aos últimos chamou inconsciente.
Jung foi o primeiro a estabelecer que consciente e inconsciente existiriam em um profundo
estado de interdependência recíproca, sendo impossível o bem-estar de um sem o bem-estar do
outro. Ao diminuir ou danificar a conexão entre esses dois estados, o homem adoeceria e sua vida
ficaria despojada de significação. Se o fluxo entre um estado e outro for interrompido por muito
tempo, o espírito e a vida humana na Terra serão remergulhados no caos e na velha noite. Assim,
para ele, a consciência não seria simplesmente um estado de espírito intelectual e racional ou da
mente, nem dependeria somente da capacidade do homem para a articulação. Ele concluiu que a
consciência não seria apenas um processo racional e que o homem estaria errado ao acreditar que
ela e os poderes da razão fossem a mesma coisa.
A consciência seria, então, o sonho permanente e mais profundo do inconsciente, que luta
sempre por lograr uma consciência cada vez maior, chamada por Jung de "percepção". Essa
"percepção" incluiria toda a sorte de formas não-racionais de conhecimento e percepção, bastante
preciosas por serem as pontes no meio da inesgotável riqueza do significado ainda não
compreendido do inconsciente coletivo, que estaria sempre disposto a expandir a consciência do
homem para as necessidades que se apresentassem. Ou seja, a consciência se renovaria e
ampliaria conforme a vida assim o exigisse, através de suas linhas (não-racionais) de
comunicação com o inconsciente coletivo.
Jung (1997) apesar de admitir os arranjos de Freud para explicar os conteúdos oníricos ele
não concordava com seus métodos e com suas conclusões. Para ele, os sonhos nada mais são do
que uma fachada onde se esconde algo. O sonho é um fenômeno natural e não existe razão
evidente para enganos; por isso ele crê que o sonho de que nos ocupamos trata de religião.
Jung se perguntava se o que chamam de religião não seria um sucedâneo em auto grau
denominado de confissão e que desempenha por assim dizer uma função importante na sociedade
humana; com a finalidade de substituir a experiência imediata por um grupo de símbolos envoltos
num dogma e num ritual fortemente organizado.
Quando Jung era indagado sobre a sua crença ele defendia suas convicções, que não iam
além daquilo que considerava seu saber, dizia:"Estou convencido daquilo que sei, tudo o mais é
hipótese" (Jung, 1961).
Muito mais do que teorias científicas, os dogmas constituem expressões da alma, pois a
ciência é formulada pela consciência.
Atualmente o mundo é inundado por ondas de inquietação e medo porque o homem
moderno, protestante ou católico perdeu a proteção dos muros da igreja erguidos por Roma. O
protestantismo foi e continua a ser um risco e ao mesmo tempo uma grande possibilidade de
escolha.
O dogma é sempre resultado e fruto do labor de muitos espíritos e de muitos séculos.
2.2.3 Os Arquétipos.
Arquétipos é uma qualidade ou condição estrutural própria da psique que de algum modo se
acha ligada ao cérebro, ou seja, idéias, formas e imagens coletivas de origem inconsciente que
estão no psiquismo humano e que foram herdados pelos antepassados. Na mitologia e no folclore
dos diversos povos, certos temas se repetem de forma quase idênticas, a esses fenômenos Jung
denominou de arquétipos. Muitos dos conteúdos inconscientes são situações espirituais repetidas
contidas no passado, observado no exemplo da quadradura do círculo, que era uma projeção
psicológica muito antiga e inconsciente, porém naqueles dias o círculo significava a divindade:
"Deus est figura intelectualis, cujos centrum est ubique, circunferentia vero nuscuan", o círculo
considerado como a mais perfeita forma como á luz da criação inicial, o círculo ou a esfera
continha o número quatro e significavam uma alegoria da divindade. A substância redonda era
uma projeção de índole muito semelhante à do simbolismo dos nossos sonhos. Os conteúdos
inconscientes eram projetados na matéria através dos sonhos desde a antiguidade.
Hoje como já conhecemos sobre a matéria essas projeções perderam sua força. O termo
Arquétipo freqüentemente é mal compreendido, julgando-se que expressa imagens ou motivos
mitológicos definidos. Mas estas imagens ou motivos mitológicos são apenas representações
conscientes do Arquétipo. O Arquétipo é uma tendência a formar tais representações que podem
variar em detalhes, de povo a povo, de pessoa a pessoa, sem perder sua configuração original.
Uma extensa variedade de símbolos pode ser associada a um Arquétipo. Por exemplo, o
Arquétipo materno compreende não somente a mãe real de cada indivíduo, mas também todas
as figuras de mãe, figuras nutridoras. Isto inclui mulheres em geral, imagens míticas de
mulheres (tais como Vênus, Virgem Maria, mãe Natureza) e símbolos de apoio e nutrição, tais
como a Igreja e o Paraíso. O Arquétipo materno inclui aspectos positivos e negativos, como a
mãe ameaçadora, dominadora ou sufocadora. Na Idade Média, por exemplo, este aspecto do
Arquétipo estava cristalizado na imagem da velha bruxa.
Para a filosofia, Deus se revelava na criação desses quatro elementos, simbolizadas pelas
quatro partes do circulo; o simbolismo produzido de maneira espontânea nos sonhos dos homens
modernos indicam algo em comum: o deus interior. Deus é um grande arquétipo e tem poderosa
influência nos seres humanos. Em auto grau a qualidade do numinoso, cabendo assim a categoria
de religiosidade no ser que o experimenta.
O homem dos nossos tempos se esqueceram das antigas verdades que falam da morte do
velho adão. A criação de um novo homem ao renascimento espiritual e a outros absurdos místicos
de uma mesma espécie.
A personalidade dos seres humanos se constituem em duas partes: a primeira é a consciência
e tudo que ela abrange, a segunda é o enterre de amplidão indeterminada da psique que é o
inconsciente. O lado inconsciente da psique são os fatos que desconhecemos. A religião é
utilizada como sendo o "outro lado", representa a maioria feminina oculta no limiar da consciência
ou em outras palavras é o inconsciente. A religião é uma fuga do inconsciente, utilizada como
esconderijo de uma outra parte da vida de sua alma; ela é o fruto e o ponto culminante da vida e
inclui os dois aspectos. Podemos dizer que a religião tem uma finalidade para a sociedade que
Jung denomina de "confissão" de substituir a experiência imediata por símbolos envoltos num
dogma e num ritual fortemente organizados. As figuras principais de uma religião representam a
atitude moral e espiritual específica, exemplo: a cruz no cristianismo e a trindade. A religião tem
uma relação com o supremo, seja ele positivo ou negativo, voluntário ou involuntário, o que
significa que alguém pode estar possuído inconscientemente por um "valor" psíquico cheio de
energia ou que pode adota - lo conscientemente.
Podemos verificar que em suas obras os personagens mitológicos são fontes de compreensão
para o entendimento dos processos humanos, pois são manifestações dos arquétipos em si. Em
1950, no prefácio de sua 4ª edição dos símbolos de transformação, Jung deixa mais uma vez
registrado a importância dos mitos para o estudo das manifestações arquetípicas (Jung,1995). Isto
nos leva a uma conexão com a estrutura do indivíduo, o consideramos em sua própria história,
pois traz consigo predisposições de ancestrais, de mitos, e repete a mesma simbologia de acordo
com seu momento atual. Na psicologia analítica existem vínculos com os mitos para estudos dos
arquétipos, tendo em vista que o inconsciente fala através da linguagem simbólica, a imagem
arquetípica, podemos entendê-la a partir dos mitos.
Do arquétipo da sombra ao do self , Jung apresentou vários estudos, e podemos perceber que
ao longo de suas obras, um mesmo personagem mitológico, apresenta no indivíduo diversas
situações arquetípicas. Kore, personagem bastante analisada por Jung, nos mostra o arquétipo da
ânima e do self. Podemos estudar o lado místico de Kore, a relação mãe e filha e o lado onde
existe a divisão filha e mulher, vemos com isto, situações repetitivas em nosso dia a dia.
O arquétipo da grande mãe é bastante explorado, onde aparecem várias personagens
mitológicas, inclusive através delas podemos ver os dois lados da grande mãe, e não somente o
lado bom, temos entre elas Deméter e Gaia. Com o estudo de Hermes, Jung chegou a explicar
alguns vínculos com os fenômenos paranormais, tendo como base ter sido Hermes o intérprete do
oráculo, poderia considerar uma situação arquetípica com os videntes.
Psique e Eros que representam os arquétipos da ânima e animus ( Von Franz, 1997), assim
como os bandidos representam a sombra e Isis o arquétipo da ânima. E, assim cada personagem
mitológico apresenta uma vinculação com as situações existentes.
Entretanto, mito considerado como favorecedor de modelos para conduta humana (Merca
Eliade, 1998) e como situações que se repetem, nos levam a necessidade do estudo dos
acontecimentos da humanidade comparando as situações. Da mitologia grega, da história do
Oriente, da Bíblia, entre outros, verificamos que existe esta transmissão além do tempo e do
espaço.
religiosa, já que a manifestação do Si-mesmo pode se dar por outras vias simbólicas , mesmo que
todas numinosas toda a busca do ser, desde sua tomada de consciência, é a busca de si no encontro
com Deus. Como na imagem simbólica do paraíso, deverá o homem voltar a Deus,
conscientemente, através de suas conquistas. Alguns aspectos desse encontro, em especial as
reações do ego e da sombra, na figura de Paulo de Tarso depois de seu encontro com Cristo,
ilustra esse confronto e transformação, analisando alguns textos religiosos, lançando um olhar
psicológico para compreender esse processo, onde o maravilhoso encontro com o divino também
é o confronto com a nossa sombra.
Cada fase de nossas vidas reflete uma tentativa de se buscar e se relacionar com Deus. É o
que chamamos eixo ego-Self. O ego seria a coisa pequena, o eu que cada um estabelece como
imagem pessoal; o Self (Si-mesmo) é a imagem viva de Deus dentro de nós, o sentido orientador
fundamental, fonte criadora e reguladora de nossa vida psíquica, centro ordenador e unificador da
psique. Consideremos, então, a personalidade individual não apenas um produto da experiência
pessoal, mas envolvendo uma dimensão transpessoal a se manifestar em padrões e orientação.
Essa possibilidade se dá quando a coisa pequena encontra a Grande Personalidade, podendo servi-
la. Jung é o psicólogo que nos apresenta essa relação quando nos relata essa trajetória como um
longo processo de transformação interna e de renascimento a partir de um outro ser. Mais adiante
ele refere:
Esse outro ser é a outra pessoa em nós mesmos, uma personalidade maior amadurecendo em
nós, o amigo interno da alma. Por isso é que temos conforto quando encontramos o amigo e o
companheiro detectado no ritual, tal como a amizade entre Mitra e o Deus Sol. Essa é a
representação da amizade entre dois homens, que é sempre reflexão externa de um fato interno.
Revela a amizade com aquele amigo interno da alma, revela aquilo que a natureza por si mesma
gostaria de nos transformar, aquela outra pessoa que nós também somos e, mesmo assim, nunca
conseguimos atingir. Nós somos aquele par de Dioscuros, um deles mortal e outro imortal, e
estamos sempre juntos, sem jamais conseguir transformá-los em um só completamente. O
processo de transformação luta para aproximá-los um do outro, mas a nossa consciência sabe e
resiste, pois a outra pessoa parece estranha e misteriosa, e porque não podemos nos acostumar
com a idéia de não sermos capazes de lidar com essa outra pessoa dentro de nossa própria casa.
Nós deveríamos preferir ser "eu" e nada mais, mas nós somos confrontados com esse amigo
interno ou esse sujo, e se ele é nosso amigo ou um sujo, depende só de nós. (Jung, 1971 p. 2)
Percebemos que o autor refere-se a esse amigo como algo que pode ser sujo. Como podemos
entender tal afirmação? Isto quer dizer que quanto mais nossa consciência egóica esconder de si a
sua própria realidade, quanto mais nos enganarmos com uma falsa imagem de nós mesmos, mais
essa realidade escondida cai no inconsciente, tornando-se primitiva, marginalizada e,
conseqüentemente, mais perigosa.
Outra afirmação de Jung nos diz:
Quando o verão da vida é atingido, quando como nos diz Nietzsche, o um se torna
dois e a figura maior que alguém sempre foi, aparece para a personalidade menor com a
força de uma revelação. Ele (o ego), que é verdadeira e desesperançosamente pequeno,
arrastará a revelação do maior (Si-mesmo) para a sua pequenez, e nunca entenderá que o
dia do julgamento para a sua pequenez já alvoreceu. Mas o homem que é
inesgotavelmente grande saberá que o sempre esperado amigo de sua alma, o imortal,
chegou para tornar o perseguidor em cativo, ou seja: acabar com a contenção, por cuja
imoralidade sempre esteve confinado na sua própria prisão, e para fazer sua vida fluir
numa vida maior, num momento paralelo da maior fatalidade (Jung,1971).
Com a interpretação para o lado psicológico, surge uma grande mudança, pois a partir do
autoconhecimento resultam certas conseqüências éticas, que não são apenas objeto do saber, mas
também impelem para uma execução na prática. Sem dúvida, esta depende também da dotação
moral de cada um, mas, como nos ensina a experiência, não convém fiar-se demasiadamente nela.
Por via de regra tem ela, porém, da mesma forma limitações tão acanhadas como a inteligência.
Depende-se tanto de uma como da outra. O Si-mesmo, que gostaria de realizar-se, estende-se para
todos os lados, ultrapassando a personalidade do eu; de acordo com sua natureza abrangente, ele é
ora mais claro ora mais escuro do que esta e assim coloca o eu a tal ponto de problemas, dos quais
ele bem gostaria de esquivar-se. Fracassa ou a coragem moral ou a compreensão, ou as duas ao
mesmo tempo, até que o destino finalmente acabe por decidir a sorte. Jamais faltam ao eu razões
opostas, de natureza moral e racional, que nem se pode nem se deve pôr de lado enquanto elas
ainda servem de apoio. Pois somente então alguém se sentirá em um caminho seguro quando a
colisão de deveres se resolver como por si mesmo, e esse alguém se tiver tornado vítima de uma
decisão, que foi tomada independente de nossa cabeça e de nosso coração. Nisso se manifesta à
força numinosa do Si-mesmo, que dificilmente poderia ser experimentada de outra maneira. Por
isso a vivência do Si-mesmo significa uma derrota do eu. (Jung, 1990). Esse encontro demonstra
que mais cedo ou mais tarde temos que nos confrontar com a nossa natureza essencial e nos
posicionarmos frente a ela. Geralmente, esse processo ocorre durante a segunda metade da vida,
momento que tudo aquilo que está dentro de nós e que foi esquecido começa a fazer pressão para
ser reconhecido. Este processo todo também é chamado de arquétipo de Jó. Arquétipo porque é
um padrão universal e Jó por sua história na Bíblia ser um relato exemplar e simbólico desse
encontro com o Si-mesmo. Podemos resumir os aspectos maiores desse encontro como:
1- Encontro eu/Si-mesmo, que se manifesta na imagem de Deus, Anjo, ou algum ser
superior, seja personificado simbolicamente, seja por um acontecimento;
2- Ferida ou sofrimento do eu (ego) como resultado do encontro;
3- O ego persevera, suportando pacientemente a prova, para entender o significado do
encontro;
Esse encontro no indivíduo é uma experiência única e mais profunda. E pode ocorrer de
várias maneiras. Como já foi comentado, pois a imagem divina que temos internamente depende
do nível de consciência e da evolução espiritual de cada um. Assim, não queremos dizer que
existe um lado obscuro de Deus, mas uma sombra divina que existe na mentalidade psicológica de
cada um. Por exemplo, quando somos duramente confrontados por uma realidade que nos parece
difícil de ser superada, tendemos a dizer que é um castigo divino ou a manifestação da ira do
Criador. A idéia que fazemos de Deus reflete a nossa concepção e estado emocional. Estamos
então não nos referindo ao conceito de Deus, mas à experiência individual com a imagem
psicológica que trazemos em nós de Deus. Por isso, esse encontro pode ser marcado por um
profundo encantamento, como uma revelação que nos chega, como uma experiência de inteireza e
completude, mas também pode ser marcado por um sentimento de derrota, como um vazio muito
grande, uma depressão profunda e demorada ou um desastre aos projetos e ideais com que nós
estávamos envolvidos. O encontro está-se a ver, existe diferentes sacrifícios e atitudes ao ego.
Temos vários exemplos simbólicos na cultura de como esse encontro pode ocorrer. Para
citar alguns, temos 1) o encontro de Jacó e o Anjo de Iahweh, no Velho Testamento; 2) Arjuna e
Krishna, encontrada na Escrita Sagrada dos Hindus; 3) Nietzsche e Zaratustra; 4) Paulo e Cristo,
nos quais vamos nos deter mais. Paulo é como se passou se chamar Saulo depois de sua conversão
ao Cristianismo e da sua transformação de perseguidor para propagador do cristianismo nascente.
Psicologicamente, representa uma transformação radical, a ponto de uma nova identidade nascer
do encontro com a Grande Personalidade: o ego mudou tão significativamente que não respondeu
mais ao mesmo nome. Isto é o que aconteceu com Paulo depois com o encontro com Jesus.
Vamos analisar algumas passagens que refletem todo esse processo. Um processo onde o
temperamento autoritário e onipotente de Saulo transformou-se, em Paulo, em humilde serviço ao
cristo; e a rigidez da Lei transformou-se em fé viva e firme na pregação do evangelho.
Vamos encontrar Saulo como um conhecido e renomado doutor da Lei, com sua atitude
ríspida e intolerante perseguindo os cristãos. Pela psicografia de Chico Xavier, temos o relato de
sua vida na obra "Paulo e Estevão", ditado pelo espírito Emmanuel, onde lemos:
Afinal, com a rigidez de suas paixões, aniquilara todas as possibilidades de ventura. Com o
rigorismo da sua perseguição implacável, Estevão encontrara o suplício terrível; com o orgulho
inflexível do coração, atirara com a noiva ao antro indefensável do túmulo. Entretanto, não podia
esquecer que devia todas as coincidências penosas àquele Cristo crucificado, que não pudera
compreender. Por que topava, em tudo traços do carpinteiro humilde de Nazaré, que seu espírito
voluntarioso detestava? (...) Por todo esse acervo de considerações que se lhe represavam na
mente exausta, Saulo de tarso galvanizara o ódio pessoal ao Messias escarnecido. Agora que se
encontrava só, inteiramente liberto de preocupações particulares, de natureza afetiva, buscaria
concentrar esforços na punição e corretivo de quantos encontrasse transviados da Lei.
Vemos o quanto a pessoa de Saulo já estava sendo confrontado com a força superior do Si-
mesmo através da imagem de Jesus. Podemos entender simbolicamente que aquilo que nos cabe
desenvolver, sejam potenciais, tarefas ou mudanças internas e externas, está sempre se fazendo
sentir e, mais cedo ou mais tarde, será confrontado se isso for de algum modo vital para o seu
desenvolvimento. Existe uma direção ou objetivo inerente, dos quais o indivíduo não pode fugir
sem ser lesado. Estamos falando que a realidade, através do encontro com o Si-mesmo, expressa a
idéia que a vida tem um significado, uma finalidade maior do que podemos definir pela realidade
material. Aquelas "coincidências penosas" já eram o confronto que o ego, por não ouvir, acabou
transformando em infortúnio, o Grande Amigo se torna a imagem do inimigo. Vemos Saulo
relutante e identificado com o complexo de poder do qual se justifica pela lei.
Quando decidiu seguir para Damasco em perseguição aos cristãos e, principalmente, a
Ananias, deparamo-nos com Saulo em um intenso conflito íntimo: na véspera da chegada, quase a
termo da viagem difícil e penosa, o moço tarsense sentia agravarem-se as recordações amargas
que lhe assomavam constantes. Forças secretas impunham-lhe profundas interrogações. Passava
em revista os primeiros sonhos da juventude. Sua alma desdobrava-se em perguntas atrozes.
Desde a adolescência que encarecia a paz interior: tinha sede de estabilidade para realizar a sua
carreira. Onde encontrara aquela serenidade, que, tão cedo, fora objeto de suas cogitações mais
íntimas? Os mestres de Israel preconizavam, para isso, a observância integral da Lei. Mais que
tudo, havia ele guardado os seus princípios. Desde os impulsos iniciais da juventude, abominava o
pecado. Consagrara-se ao ideal de servir a Deus com todas as suas força. Não hesitara na
execução de tudo que considerava dever, ante as ações mais violentas e rudes. Se era incontestável
que tinha inúmeros admiradores e amigos, tinha igualmente poderosos adversários, graças ao seu
caráter no cumprimento das obrigações que considerava sagradas. Onde, então, a paz espiritual
que tanto almejava nos esforços comuns? Por mais energias que despendesse, via-se como um
laboratório de inquietações dolorosas e profundas. Sua vida assinalava-se por idéias poderosas,
mas, no seu íntimo, lutava com antagonismos irreconciliáveis. As noções da Lei de Moisés
pareciam não lhe bastar à sede devoradora. Os enigmas do destino empolgavam-lhe a mente. O
mistério da dor e dos destinos diferenciais crivava-o de enigmas insolúveis e sombrias
interrogações. Entretanto, aqueles adeptos do carpinteiro crucificado ostentavam uma serenidade
desconhecida!
Notemos a divisão em que Paulo se encontra, quando a sua mente já está invadida por
diversas emoções e dúvidas que se traduzem em angústia e depressão. Recordações, inquietações,
vazio interior ou sintomas equivalentes podem revelar um momento onde as certezas de nosso
pequeno eu estão entrando em colapso. Temos em Paulo uma pessoa idealista, mas perdida na
orientação e na forma de se posicionar frente a esses valores. Existe uma divisão entre sua mente
poderosa e seu coração impiedoso. É um ser sem paz, isto demonstra a desarmonia do seu eu
como seu Amigo Interior, o Si-mesmo.
Logo depois desse momento, após um breve descanso num oásis, dá-se o encontro de Paulo
(Saulo) e o Cristo. Encontro este que significa o encontro do eu pequeno com a Grande
Personalidade. O registro do encontro de Paulo e Cristo é encontrado nos Atos dos apóstolos e
Cartas aos Gálatas. Em At, 9:1-9, encontramos: “Saulo, respirando ainda ameaças e morte contra
os discípulos do Senhor, dirigiu-se ao sumo sacerdote, e lhe pediu cartas para as sinagogas de
Damasco, a fim de que, caso achasse alguns que eram do Caminho, assim homens bem como as
mulheres, os levasse presos para Jerusalém”.
Seguindo ele estrada fora, ao aproximar-se de Damasco, subitamente uma luz do céu brilhou
ao seu redor, e, caindo por terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me
persegues? Ele perguntou: Quem és tu, Senhor? E a resposta foi: Eu sou Jesus, a quem persegues:
mas levanta-te, e entra na cidade, onde te dirão o que te convém fazer.
Os seus companheiros de viagem, pararam emudecidos, ouvindo a voz, não vendo, contudo,
ninguém.
Então, se levantou Saulo da terra e, abrindo os olhos, nada podia ver. E guiando pela mão,
levaram para Damasco. Esteve três dias sem ver, durante os quais nada comeu nem bebeu. (Novo
Testamento, 1959: 152).
Emmanuel nos dá maiores detalhes quando da anunciação de Jesus:
- Eu sou Jesus!...
Então, viu-se o orgulhoso e inflexível doutor da Lei curvar-se para o solo, em pranto
convulsivo. Dir-se-ia que o apaixonado rabino de Jerusalém fora ferido de morte, experimentando
num momento a derrocada de todos os princípios que lhe conformaram o espírito e o nortearam,
até então, na vida.
Fica evidente que Paulo foi completamente desestruturado e sacudido pelo encontro com a
Grande Personalidade (Si-mesmo). É mesmo uma experiência de morte. Ficou cego por três dias e
passou um período de três anos de recuperação num oásis na Arábia, onde fazia tendas. Muitos
pacientes em análise ou mesmo pessoas sem esse trabalho de psicoterapia já tiveram essa
sensação, de sentir uma espécie de morte que se manifesta de várias formas e têm que levar um
bom tempo se recuperando.
A cegueira experimentada por Paulo, quando do encontro com Jesus, demonstra psicológica
e simbolicamente sua cegueira espiritual, a inconsciência frente à realidade a que resistia. É o
confronto com sua consciência cega e intolerante. Percebemos neste momento, de uma forma
muito especial e intensa, que o encontro com o Si-mesmo é também o encontro com a nossa
sombra. No caso de Paulo, sua orgulhosa cegueira. Paulo tentou escapar de seu destino
perseguindo àqueles que, ironicamente representavam seu destino. Toda vez que algo nos toca
muito intensamente podemos saber que ali existe uma questão que nos diz respeito em particular.
Podemos tentar fugir de nosso destino, mas a própria tentativa de fuga já demonstra que estamos
de alguma forma ligados ao mesmo. Foi á própria intensidade de ataque contra os cristãos que
traiu o seu envolvimento com a causa, o importante, pois "trata-se daquilo que se fala, não de sua
aceitação ou negação". (Jung, 1986). Mas o mais importante é que o seu eu aceitou ser tocado pelo
Si-mesmo.
Aquela alma resoluta, mesmo no transe de uma capitulação incondicional, humilhada e
ferida em seus princípios mais estimáveis, dava mostras de sua nobreza e lealdade. Encontrando a
revelação maior, em face do amor que Jesus lhe demonstrava solícito, Saulo de Tarso não escolhe
tarefa para servi-lo, na renovação de seus esforços de homem.
Temos no encontro de Paulo com a Grande Personalidade, exemplo extraordinário pela força
de tensão que este possa suscitar. De um lado, uma resistência violenta, através de sintoma que é o
intenso ódio que sente pelo cristãos e, de outro lado, o seu desencadeamento que exige uma
atitude intolerável para seu ego. Paulo foi obrigado a sacrificar totalmente a sua vida pessoal,
transformando-se em "escravo" do Cristo. Paulo começa suas cartas aos Romanos e aos Filipenses
dizendo-se "escravo" do Cristo. Na carta a Filemon, encontramos a expressão "prisioneiro" do
Cristo, em outras versões "cativo" ou "pego" por Cristo. Encontramos em Gl, 2:19 o seguinte
testemunho de Paulo: "porque eu, mediante a própria lei, morri para a lei, a fim de viver para
Deus. Estou crucificado com o Cristo". Esta mudança toda acontecida não quer dizer um processo
de fácil aquisição, denota um trabalho árduo na derrota do ego em favor do Si-mesmo. Quando
Paulo resolve ficar todo aquele tempo tecendo no deserto, encontramos um trabalho profundo de
meditação e entrega humilde. O exílio foi uma forma de provar a humildade e a solidão de seu
novo caminho, pois "as considerações convencionais poderiam perturbar-te, agora que necessitas
exterminar o 'homem velho' a golpes de sacrifício e disciplina". (Emmanuel, 1989, p.242).
Os grandes sentimentos nunca povoam a alma de uma só vez, em sua beleza integral. A
criatura envenenada no mal é qual recipiente de vinagre, que necessita ser esvaziado pouco a
pouco. A visão de Jesus constituía um acontecimento vivo, imorredouro; mas, para que pudesse
compreender toda a extensão de seus novos deveres, impunha-se-lhe o caminho estreito das
provas ríspidas e amargosas. Vira o Cristo; mas, para ir ter com ele, era indispensável voltar atrás
e transpor abismos. As desilusões da Sinagoga de Damasco, o reconforto junto dos irmãos
humildes sob a direção de Ananias, a falta de recursos financeiros, os conselhos austeros de
Gamaliel, o anonimato, a solidão, o abandono dos entes mais caros, o tear pesado sob o sol
ardente, a penúria de todo e qualquer conforto material, a meditação diária nas ilusões da vida -
tudo isso representara auxílio precioso para sua decisão vitoriosa.
O Evangelho funcionara como lâmpada na jornada difícil, para o descobrimento de si
mesmo, a fim de ajuizar as necessidades mais prementes.
Percebemos que a razão de nossas vidas e o seu maior momento é o encontro do eu com a
Grande Personalidade. Um encontro que determina a possibilidade de um novo amanhã. Só quem
teve esse tipo de experiência sabe o que isso significa, é algo extremamente difícil de fazer
entender. Mas isso não importa, pois, como diz Jung, se alguém se opor a essa experiência só
podemos dizer "sinto muito, eu tive. Não obstante que o mundo pense a respeito, aquele que
vivencia possui um grande tesouro, algo que se tornou para ele uma fonte de vida, significado e
beleza, proporcionando ao mundo e à humanidade um novo esplendor. Ele possui pistis
(confiança, fé) e paz" ( Hoeller, 1990, p214). Como nos assevera Joanna de Ângelis, (1993, p 80),
O psiquismo divino abre-me os penetrais do infinito e deslumbro-me. Saio da limitação, na qual
me asfixio e estertoro, para a grandiosidade da vida, onde me expando. Mergulho no mundo
interior e vejo, ouço, percebo a realidade sem barreiras, sem névoa, de onde procedo e para onde
retornarei. Identifico-me com meu Pai, liberto-me". Encontramos nesta citação aquilo que nos
move e nos marca como filhos de Deus: o Amor. Este é o grande eixo que abarca tanto a
dimensão horizontal e vertical da vida. Assim, percebemos nos homens sem amor e consciência
espiritual da comunicação com Deus, a realidade de uma vida que não encontrou ainda o seu mito
do significado. Nas palavras de Kierkegaard:
Fala-se muito a respeito de vidas perdidas - mas só é perdida a vida do homem que
viveu tão iludido pelos prazeres da vida, ou pela sua tristeza, que jamais se tornou eterna e
decisivamente consciente de si mesmo como espírito... ou (o que é mesma coisa) que
jamais se tornou consciente - e, no sentindo mais profundo, que jamais teve um vislumbre
- do fato que existe um Deus, e de que ele, ele próprio existe diante de Deus... ( Edinger,
1989, p. 79-80)
luminosidade. Pela elevação gradual de seus pensamentos e pela pureza de seus atos
chega a pôr em harmonia suas próprias vibrações com as vibrações do pensamento divino
e daí decorre uma fonte abundantíssima de sensações, de percepções, de gozo, que a
palavra humana é impotente para descrever." (Denis, 1981, p. 84).
Desta maneira, todo e qualquer ato da vida tem que ser tomado de maneira consciente,
sairmos de nossa dimensão egóica e vivenciar os níveis de diálogo que o Si-mesmo está
estabelecendo conosco através da vida. Por exemplo, Jung refere que todo avanço psíquico do
homem surge do sofrimento, mas o sofrimento em si mesmo não tem valor. Seu valor se constitui
na medida que seja conscientemente aceito, "um sofrimento significativo que extrai o fluido
redentor".
Jung, numa paráfrase da afirmação de Santo Inácio de Loyola, declara:
“A consciência do homem foi criada com a finalidade de reconhecer que sua
existência provém de uma unidade superior, dedicar a esta fonte a devida e cuidadosa
consideração; executar as ordens emanadas desta fonte, de forma inteligente e
responsável, proporcionando deste modo um grau ótimo de vida e de possibilidade de
desenvolvimento à psique em sua totalidade”. (Jung, 1982,p. 156).
física, da biologia ou da psicologia são tão válidos quanto o é a obra de J. S. Bach, a filosofia de
Kant ou os milagres de Lourdes. Não se utiliza o mesmo método para cada um destes saberes,
mas todos eles não exprimem verdadeiramente o fato da existência humana? Deixando estes
saberes todos ao mesmo nível e importância para o desenvolvimento e compreensão humana,
gostaria de propor um sistema de abordagem – a questão do olhar.
Entendo cada um de nós como um ser único, apesar de multifacetado. Prefiro me referir ao
ser humano como um fenômeno humano que é manifesto em cada indivíduo e na sociedade
(presente e histórica). Assim, posso abordar este fenômeno através de diversos olhares. Podemos
compreender a experiência pelo olhar religioso ou pelo olhar científico. Se optar pelo olhar
religioso, ainda preciso definir se avalio e compreendo a experiência do meu interlocutor sob o
olhar da minha perspectiva religiosa ou da dele. (se pretendo convertê-lo ou afirmar sua crença).
Se optar pelo olhar científico, mais especificamente o psicológico, preciso avaliar e compreender
a experiência do meu cliente sob o enfoque da ciência psicológica. O que está em jogo não é o
fenômeno em si, que pode abarcar muitas leituras; mas a questão está “nos olhos de quem vê”.
Posso observar uma plantação de soja como um belo quadro, uma obra do Criador, um bom
desempenho agronômico, um processo biológico, um valor econômico, uma exploração de bóias-
frias e muito mais. O fenômeno é o mesmo, o que muda é o olhar. E a possibilidade do diálogo
entre os olhares diversos possibilita uma maior aproximação do fenômeno observado, com suas
múltiplas implicações. Neste sentido, o psicólogo deve estar consciente do olhar profissional que
é esperado dele. O psicoterapeuta não é, no exercício de sua profissão, um xamã – embora
trabalhe com os mesmos conteúdos.
O que diferencia um do outro é o olhar, a maneira e os referenciais conceituais para
interagir com o conteúdo exposto pelo cliente. O mundo dos espíritos e o inconsciente possuem
fenomenologia semelhante. No entanto, o psicólogo o abordará do ponto de vista científico e o
xamã do ponto de vista mágico e espiritual. Um não invalida o outro. Igualmente, quando o
cliente traz conteúdos religiosos, a conduta mais apropriada ao psicólogo é compreendê-los sob
os parâmetros da ciência psicológica e das crenças do cliente, sejam elas quais forem – sem
julgamento ou preconceito. A dinâmica religiosa é do cliente e o terapeuta deve respeitar isto,
sabendo que a ciência não invalida a religiosidade, mas que esta compõe o todo do seu cliente.
Por outro lado, o psicoterapeuta deve atuar com o olhar científico, dialogando com as crenças e
valores de seu cliente, bem como com a experiência religiosa deste, sob o ponto de vista dos
conteúdos religiosos próprios do cliente e nos limites da prática psicológica cientificamente
recomendada. Finalizando, acredito – e esta é uma expressão da minha crença religiosa na vida-
que o fenômeno humano é vasto e não cabe somente nos parâmetros da ciência. – Alguém já
imaginou um mundo repleto de seres racionais, deterministas e probabilísticos sem música? – No
entanto, na prática profissional, há a necessidade de se diferenciar os saberes científicos dos
olhares místicos ou religiosos.
Procurar compreender a pessoa como um ser plural e único e, humildemente, atuar dentro
dos limites a que fomos treinados - o olhar psicológico - trará dignidade e profundidade ao nosso
trabalho e, quem sabe, poderemos ficar um pouco mais próximos da sabedoria.
No entanto, críticos, mormente clérigos, questionam sobre o porquê Jung nunca revelou ou
manifestou-se sobre a origem do “numinoso”. Para Jung, esta numinosidade encontrava
expressão ou correspondência na “imagem de Deus” de indivíduos com propensão arquetípica de
expressar tal conteúdo de forma reconhecível. Sendo assim, a função religiosa passava a estar
intimamente ligada ao conceito de arquétipo, ou seja, aos elementos primordiais da psique
humana que “se apresentam como idéias e imagens” (Jung, 1971). Jung destaca ainda que os
arquétipos são, por definição fatores e motivos que ordenam os elementos psíquicos em
determinadas imagens, caracterizadas como arquetípicas, mas de tal modo que pode ser
reconhecida somente pelos efeitos que produzem. Este conceito se entrelaçaria aos conceitos de
Imagem Arquetípica (forma ou representação de um arquétipo na consciência). E também de
Instinto de modo que seu significado envolve elementos primordiais e estruturais da psique,
tornando-os “sistemas de prontidão para a ação e, ao mesmo tempo, imagens e emoções” (1971,
p. 53). Contra aqueles críticos resistentes à sua perspectiva, Jung pondera no sentido de que:
“Deus é um mistério, e tudo que dizemos sobre esse mistério é dito e acreditado pelos seres
humanos. Fazemos imagens e conceitos, porém quando falo de Deus sempre quero dizer á
imagem que o homem fez dele. Mas ninguém sabe com o que se parece, pois quem o fizesse
seria, ele próprio, um deus” (Jung, 1971).
Ao longo da obra Psicologia e Religião , Jung ressalta que a análise dos sonhos é uma porta
para a compreensão do inconsciente, chegando a mencionar os sonhos de conteúdo mítico-
religioso de um paciente cientista. Para Jung, a instância que abriga a imagem divina na psique
humana é o self . Este seria um princípio ordenador da personalidade capaz de conter todas as
possibilidades do “vir a ser” heraclitiano; em outras palavras, dando significado ao símbolo. Esta
abordagem, se tomada como sendo de natureza objetiva, possui elementos e experiências comuns
como arquétipos e signos; e, por natureza subjetiva, elementos e experiências singulares que se
fazem representar por meio das imagens arquetípicas e símbolos; o que possibilita aos elementos
comuns (cênicos) se desdobrarem em elementos singulares (símbolos) tanto quanto a experiência
sócio-cultural-existêncial daquele que sonha permitir.
Assim sendo, pode-se inferir que tudo o que já foi manifesto nas escrituras bíblicas e nos
dogmas cristãos possui correlato na função religiosa da psique, ou seja, são expressões do
arquétipo religioso contido em cada pessoa. Aprofundando nesta linha de raciocínio, Jung
menciona o fato de que questões religiosas, bem como das imagens divinas quando não
compreendidas pela consciência, podem desencadear distúrbios psiconeuróticos. Jung valoriza
tanto o papel da religiosidade que chega a propor que os sistemas religiosos deveriam se ocupar
de questões da psique, sendo então “sistemas psicoterapêuticos”. No entanto, o que se torna
evidente é que a religião atua contrariamente a este posicionamento, tendo em vista que sua
direção se volta para o objetivo de “proteger” as pessoas das possíveis experiências religiosas
direta, pois sua abordagem se faz em nível de “confissão”. O que chamamos comumente e em
termos genéricos de “religião” é de modo tão surpreendente um substituto, que me pergunto
seriamente se essa espécie de religião, que preferiria chamar de confissão, não teria uma função
importante na sociedade humana. Ela tem o objetivo óbvio de substituir a experiência direta por
uma diversidade de símbolos adequados, sob a forma de um dogma ou de um ritual bem
organizado. (...) Enquanto esses dois princípios [autoridade absoluta, no catolicismo; e, crença no
evangelho, no protestantismo] mantiverem-se ativos, as pessoas estarão bem protegidas contra a
experiência religiosa direta .” (Jung, 1971, pg. 75).
Jung salienta que o protestantismo tendo se despojado de muitos rituais preservados pelo
catolicismo, deixou o indivíduo se confrontar com seus aspectos sombrios, o que em muito
beneficiou as modernas sociedades, pois as tornou mais analíticas.
Quando acima foi mencionado o self como estrutura totalizadora deste processo, quis-se
evidenciar que para tanto é necessário o engajamento do ego que irá responder às solicitações do
processo de individuação, o qual Jung conceitua como sendo “o processo pelo qual os seres
individuais se formam e se diferenciam; em particular, é o desenvolvimento de um indivíduo
psicológico como um ser distinto da psicologia geral e coletiva”. (Jung, 1971: cap.6, pg. 825).
Esta “individuação”, ou seja, este “ato auto-realizador” se torna um ato de significação religiosa,
uma vez que confere significado ao esforço individual. De outro modo, poder-se-ia dizer que o
“ato de viver” se dá por meio de uma dinâmica dialética onde conflitos e resoluções interagem
constantemente dando significado a existência humana. No âmbito das interações entre indivíduo
e psique coletiva, entende Jung que a existência de uma atitude religiosa viva e válida é o único
meio capaz de promover esta conciliação.
Ainda sobre o conteúdo da obra Psicologia e Religião , é possível notar a preocupação de
Jung com os sonhos, uma vez que procura abordar criteriosamente aspectos tais como material
arquetípico, idéias primordiais, tendências do pensamento, discute a significação do número
quatro tanto na história do mito quanto no pensamento religioso, passando ainda pela “revelação”
alquímica. Também enfoca a representação de Deus e da Trindade de forma comparativa.
Chegando a salientar a importância e a falta, na doutrina cristã, do quarto elemento. Isto revela a
importância, a abrangência e o impacto psíquico que a religiosidade possui sobre a alma humana;
demonstrando a premente necessidade de se dar continuidade as pesquisas nesta área do
conhecimento, principalmente se esta for compreendida como um sistema capaz de conferir a
psique o equilíbrio que esta tanto almeja.
Por fim, quando Jung emite sua opinião sobre a religiosidade, afirma:
“Não acredito, pois realmente sei de um poder de natureza muito pessoal e uma
influência irresistível. Eu a chamo de "Deus". (Jung, 1971).
Jung jamais conseguiu aceitar a insistência de Freud de que as causas dos conflitos psíquicos
sempre envolveriam algum trauma de natureza sexual, e Freud não admitia o interesse de Jung
pelos fenômenos espirituais como fontes válidas de estudo em si. O rompimento entre eles foi
inevitável, ainda que Jung o tenha, de certa forma, precipitado. Ele iria acontecer mais cedo ou
mais tarde. O rompimento foi doloroso para ambos. O rompimento turbulento do trabalho mútuo e
da amizade acabou por abrir uma profunda mágoa mútua, nunca inteiramente assimilada pelos
dois principais gênios da Psicologia do século XX e que ainda, infelizmente, divide partidários de
ambos os teóricos. Anterior mesmo ao período em que estavam juntos, Jung começou a
desenvolver uma sistema teórico que chamou, originalmente, de "Psicologia dos Complexos",
mais tarde chamando-a de "Psicologia Analítica", como resultado direto de seu contato prático
com seus pacientes. O conceito de inconsciente já está bem sedimentado na sólida base
psiquiátrica de Jung antes de seu contato pessoal com Freud, mas foi com Freud, real formulador
do conceito em termos clínicos, que Jung pôde se basear para aprofundar seus próprios estudos. O
contato entre os dois homens foi extremamente rico para ambos, durante o período de parceria
entre eles. Aliás, foi Jung quem cunhou o termo e a noção básica de "complexo", que foi adotado
por Freud. Por complexo, Jung entendia os vários "grupos de conteúdos psíquicos que,
desvinculando-se da consciência, passam para o inconsciente, onde continuam, numa existência
relativamente autônoma, a influir osbre a conduta" (G. Zunini). E, embora possa ser
freqüentemente negativa, essa influência também pode assumir características positivas, quando
se torna o estímulo para novas possibilidades criativas. Jung já havia usado a noção de complexo
desde 1904, na diagnose das associações de palavras. A variância no tempo de reação entre
palavras demonstrou que as atitudes do sujeito diante de certas palavras-estímulo quer
respondendo de forma hesitante, quer de forma apressada, era diferente do tempo de reação de
outras palavras que pareciam ter estimulação neutra. As reações não convencionais poderiam
indicar (e indicavam de fato) a presença de complexos, dos quais o sujeito não tinha consciência.
Utilizando-se desta técnica e do estudo dos sonhos e de desenhos, Jung passou a se dedicar
profundamente aos meios pelos quais se expressa o inconsciente.
3. PROPOSIÇÃO
Acredita-se que o ser humano é uma junção de uma série de fatores psicológicos associados
a fatores físicos bem como fatores espirituais.
Apesar das diferenças individuais, culturais e sociais todos os seres humanos refletem sobre
a existência ou não de Deus; sobre o quanto ele influência a nossa vida psíquica.
4. MATERIAL E MÉTODOS
5. RESULTADOS
Os resultados obtidos mostraram que 30% acreditam na figura paternal, 40% acreditam em
Deus, como sendo uma mola propulsora que rege o universo, 22% oscilam em suas respostas
entre acreditar em um Deus paternal apresentado pelos catequistas e como sendo também uma
força regente. 8% responderam que não acreditam em Deus de nenhuma forma.
6. DISCUSSÃO
De acordo com os dados obtidos a partir dos questionários bem como das respostas dos
entrevistados sobre Deus pode–se deduzir que o conceito de religião vem se tornando cada vez
mais extenso e reflexivo. Na atualidade, os indivíduos estão buscando várias formas de conhecer a
Deus, se questionam sobre a sua existência ou não buscando informações com bases científicas e/
ou filosófica que possam lhes trazer respostas mais satisfatórias quanto aos seus questionamentos.
7. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bíblia Sagrada - Antigo e Novo Testamento. Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica do Brasil,
1959.
ANEXO
MODELO DO QUESTIONÁRIO
PARA REALIZAÇÃO DA PESQUISA DE CAMPO.
3 – Deus Existe?