ARQUIVO Artigo SBECE
ARQUIVO Artigo SBECE
ARQUIVO Artigo SBECE
Introdução
Por quantos artefatos digitais você se encontra rodeado? Um, dois, três, quatro,
cinco. Não se esqueça de contar o Ipad, o Ipod, (que pode estar guardado na bolsa ou
mochila) o laptop, o computador, o smartphone, o videogame do filho (a) e o seu também.
Se não forem muitos os aparelhos, pode ser que neste exato momento o seu telefone celular
toque, vibre, informe a chegada de mensagem de texto, anuncie o aniversário de um amigo
(a) ou um simples alerta de que a bateria chegou ao fim. Talvez você esteja cansado (a) e
precise dormir. Mas, por impulso, você conecta à internet e percebe que um amigo (a) está
chamando para conversar no Facebook e concomitantemente outro chama pelo whatsApp1.
As relações que se mantêm com artefatos digitais tais como telefones celulares,
computadores e tablets têm se configurado como elementos significativos nas
transformações sociais e culturais vividas na contemporaneidade. Assim, quando uma série
de invenções tecnológicas permitiu a conexão entre milhões de pessoas às redes de
informações, nossas práticas cotidianas passaram também a incorporar certos hábitos
gerados pelo uso intenso das tecnologias.
Inscrito no referencial teórico dos Estudos Culturais da vertente pós-
estruturalista, este trabalho se propõe investigar a manifestação de uma distinta Cultura
Digital atuando como imperativo. Além disso, o estudo tem por objetivo articular algumas
noções centrais nas pesquisas em comunicação, educação e tecnologias: Mídia Digital,
Novas Tecnologias de Comunicação e Informação e Cultura Digital. Ao propor este tipo de
investigação, pretende-se chamar atenção para a presença de um regime tecnológico
1
WhatsApp é um aplicativo de mensagem instantânea para smartphones. Além de mensagens de
texto, os usuários podem enviar imagens, vídeos e mensagens de áudio.
inscrito em vários lugares de sociabilidade, considerado imperativo e, muitas vezes,
indispensável.
Como referencial teórico, utilizam-se autores que discutem os conceitos de
Cultura, Novas Tecnologias e Cultura Digital, com destaque à Williams (1969), Lister et.al
(2009), Gere (2008) e Buckingham (2007;2010). Dessa forma, três movimentos de
investigação foram articulados. O primeiro pretende exibir um breve panorama dos meios
de comunicação com enfoque nas práticas sociais desenvolvidas a partir do digital, dos
computadores em rede e das formas como as tecnologias digitais alteraram outros meios. O
segundo movimento discute questões referentes às novas mídias, expondo igualmente
abordagens acerca do impacto das novas tecnologias na vida em sociedade. Com base nos
dois movimentos de investigação, finaliza-se com a arriscada problematização sobre o
conceito de Cultura Digital. Assim, a abordagem desenvolvida neste estudo aponta para
uma Cultura Digital que invade os espaços escolares, forjando e instituindo a integração das
tecnologias aos processos pedagógicos como marca de “uma educação do e para o futuro”.
Para o bem ou para o mal, “a escola enquanto instituição ainda está firme entre
nós e a maior parte do ensino e aprendizado que aí se dá manteve-se quase intocável apesar
da influência da tecnologia” (BUCKINGHAM, 2010, p.38). Mesmo diante da
argumentação, hoje é visível que tablets, computadores e internet têm se tornado elementos
significativos na vida dos sujeitos escolares. A primeira relação das crianças com as
tecnologias, por exemplo, já não ocorre no contexto escolar. Elas ingressam nos espaços
escolares, muitas vezes, previamente munidas do conhecimento e das habilidades
tecnológicas. Assim, ao mesmo tempo em que se atribuem às tecnologias digitais grande
potencial como ferramenta pedagógica, se sustenta que seus usos na educação não estariam
estimulando a imaginação e a inteligência dos jovens. Ambas as perspectivas têm sido cada
vez mais presentes nos estudos sobre alfabetização, aprendizagem, ensino, etc.
Os argumentos sobre a presença das tecnologias digitais nos espaços escolares
se baseiam, de maneira geral, em oposições deterministas, em que as tecnologias são vistas
como autônomas em relação a outras forças que atuam na sociedade e independentes de
quaisquer contextos. Nos primórdios da televisão, o debate contrastante era recorrente. A
televisão foi inicialmente promovida entre pais e professores como um meio educacional.
Segundo Buckingham (2007), a televisão era vista como a materialização do futuro da
educação. “Elas eram descritas como máquinas de ensinar que iriam trazer novas
experiências e novas formas de aprender do mundo exterior para dentro da sala de aula”
(idem, p.31). Mesmo naquela época, as esperanças utópicas eram contrabalançadas pelos
receios de que a televisão pudesse substituir os professores. O meio de comunicação “foi
celebrado como uma forma de nutrir o desenvolvimento emocional e educacional das
crianças e, ao mesmo tempo, condenado por afastá-las das atividades mais saudáveis e
valiosas” (idem, p.31).
A integração das tecnologias aos processos pedagógicos é parte de um poderoso
discurso atrelado também à Cultura Digital. Há uma abordagem das novas tecnologias
como recursos pedagógicos produtivos e, nesse sentido, observa-se uma marca imperativa
associando as tecnologias a “uma educação melhor”, “uma educação digital”, “uma
educação do e para o futuro”. A inserção das novas tecnologias nos ambientes escolares,
além de constituir um discurso próprio, nos últimos anos, tem materializado ou
sugestionado a inclusão dos alunos e das escolas na lógica das redes, estendendo os
benefícios de uma educação ao estilo digital. Além disso, hoje é possível notar certo
governamento2 das práticas pedagógicas para que os recursos digitais sejam inseridos e
utilizados nas salas de aula. Essas práticas vão sendo operacionalizadas quando as escolas
instituem os laboratórios de informática, disponibilizam lousas digitais, ou mesmo quando
a medicina traz evidências de que o raciocínio dos jovens melhora com o uso das
tecnologias. O movimento de entrada dos aparatos tecnológicos na educação tem
produzido, inclusive, políticas públicas, como no caso da distribuição pelo Ministério da
Educação em 2012 de tablets para professores da rede pública de ensino. Asseguro junto
com Buckingham (2010, p.41) que boa parte dos planos de ação são igualmente
caracterizado por uma forma de determinismo tecnológico – a noção de que “a tecnologia
digital automaticamente produzirá certos efeitos (por exemplo, em relação aos modos de
aprendizagem ou a determinadas formas de cognição) sem restrição dos contextos sociais
em que seja usada, nem mesmo dos atores sociais que a usem”.
Vale ressaltar ainda que a maioria das experiências que os jovens mantêm com
as tecnologias se dão para além dos muros escolares. No entanto, a ideia de que a
tecnologia por si transformaria a educação é uma ilusão. A educação escolarizada
provavelmente continue servindo a muitas funções – econômicas, sociais, políticas – que
não se limitam ao seu papel exclusivamente de ensino. Mesmo assim, é importante ressaltar
que os sujeitos jovens que adentram nos espaços escolares vêm sendo produzidos, desde o
berço, com o auxílio da informática. Câmeras de monitoramento estão lá para garantir o
2
Entenda-se aqui governo como uma grade de análise estratégica para os múltiplos tipos de
relações de poder, não apenas daquelas relações que se estabelecem entre Estado e população, mas
de qualquer uma que possa ser entendida como conduta de conduta.
sono dos bebês; aplicativos para tablets e filmes animados atuam como “babás” do século
XXI, divertindo os filhos e garantindo sossego aos pais; numa idade mais avançada chegam
jogos de videogame e computadores, ou seja, desde cedo esses jovens se encontram
envoltos pelo universo das tecnologias. Portanto, talvez seja difícil desvencilhar o uso e
consumo de artefatos digitais quando crianças e jovens ingressam nas escolas e
universidades. Quer dizer, as revoluções no campo tecnológico e os meios de comunicação
operando com seus aparatos e produtos têm sido um dos grandes propulsores dessa
expansão cultural dita digital e têm estimulado outras formas de compreender e de se
relacionar com o mundo material e simbólico, notadamente, vistas como práticas culturais
de significação.
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar,
2001.
BUCKINGHAM, David. Crescer na Era das Mídias Eletrônicas. Trad. Gilka Girardello
e Isabel Orofino. Rio de Janeiro: Loyola, 2007.
DU GAY, Paul. Doing cultural studies: the story of the Sony walkman. (Praticando
estudos culturais: a história do walkman da Sony). Trad. Leandro Guimarães, Marília
Braun e Maria Isabel Bujes. London: Sage Publications/ The Open University, 1997.
HALL, Stuart. The work of representation. In: HALL, Stuart (org) Representation:
cultural representations and signifying practices. London: Sage Publications, 1997.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 1999.
LISTER, Martin; DOVEY, Jon; GIDDINGS, Seth; GRANT, Iain; KELLY, Kieran. New
Media: a critical introduction. 2. ed. New York: Routledge, 2009.
PAPERT, Seymour. Mindstorms: Children, Computers and Powerful Ideas. New York:
Basic Books, 1980.
WILLIAMS, Raymond. Technology and Cultural Form. 1º ed. Londres: Shocker Books,
1975.