2014 Tese Esmartins

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 192

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ-UFC

FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA

ELCIMAR SIMÃO MARTINS

FORMAÇÃO CONTÍNUA E PRÁTICAS DE LEITURA:


o olhar do professor dos anos finais do ensino fundamental.

FORTALEZA
2014
1

ELCIMAR SIMÃO MARTINS

FORMAÇÃO CONTÍNUA E PRÁTICAS DE LEITURA:


o olhar do professor dos anos finais do ensino fundamental.

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação Brasileira, da
Faculdade de Educação, da Universidade
Federal do Ceará, como parte dos requisitos
para obtenção do título de Doutor em
Educação. Área de concentração: Educação
Brasileira.

Orientador: Prof. Dr. Luis Távora Furtado


Ribeiro

FORTALEZA
2014
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Federal do Ceará
Biblioteca de Ciências Humanas

M342f Martins, Elcimar Simão.


Formação contínua e práticas de leitura : o olhar do professor dos anos finais do ensino
fundamental / Elcimar Simão Martins. – 2014.
190 f. : il. color., enc. ; 30 cm.

Tese (doutorado) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Educação, Programa de Pós-


Graduação em Educação Brasileira, Fortaleza, 2014.
Área de Concentração: Educação Brasileira.
Orientação: Luís Távora Furtado Ribeiro.

1. Professores de ensino fundamental – Formação. 2. Leitura. 3. Professores de ensino


fundamental – Pequisa. I. Título.

CDD 370.7108131
2

ELCIMAR SIMÃO MARTINS

FORMAÇÃO CONTÍNUA E PRÁTICAS DE LEITURA:


o olhar do professor dos anos finais do ensino fundamental.

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Educação Brasileira, da
Faculdade de Educação, da Universidade
Federal do Ceará, como parte dos requisitos
para obtenção do título de Doutor em
Educação. Área de concentração: Educação
Brasileira.

Aprovada em: 11/06/2014.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________
Prof. Dr. Luis Távora Furtado Ribeiro (Orientador)
Universidade Federal do Ceará (UFC)

__________________________________________________
Profª. Drª. Ana Maria Iório Dias
Universidade Federal do Ceará (UFC)

__________________________________________________
Profª. Drª. Josefa Jackline Rabelo
Universidade Federal do Ceará (UFC)

__________________________________________________
Profª. Drª. Maria Socorro Lucena Lima
Universidade Estadual do Ceará (UECE)

__________________________________________________
Profª. Drª. Maria Marina Dias Cavalcante
Universidade Estadual do Ceará (UECE)
3

Ao George Martins.
Ao João Pedro.
Meu pai e meu filho!
Dois grandes fios que tecem a minha vida.
Com quem li. Com quem hoje leio.
Duas fontes de aprendizagens!
4

AGRADECIMENTOS

Esta tese foi tecida com o entrelaçar de vários fios. Entre linhas e entrelinhas, várias
pessoas ajudaram-me nessa tarefa de tecelão de palavras, nessa busca de enredar ideias, de
compreender os desafios entre o escrito e o vivido.
A Deus, o grande tecelão da vida, a luz que me guia em todos os momentos.
À Maria Cleide por ter aceitado o desafio de comigo construir uma família e com o
apoio do Alysson e da Ivina segurar todos os momentos dessa caminhada.
À minha mãe Zilmar, aos meus irmãos e às minhas irmãs, aos cunhados e às cunhadas,
aos sobrinhos e às sobrinhas, aos afilhados e às afilhadas por serem um porto seguro.
Ao professor Luis Távora Furtado Ribeiro por acreditar em meu potencial e favorecer
a minha autonomia de pesquisador.
À professora Maria Socorro Lucena Lima pelos laços de afeto construídos para além
da academia, com quem aprendi a voar até a altura dos meus sonhos.
Ao professor Luiz Botelho Albuquerque, verdadeiro gentleman da educação.
À professora Ana Maria Iório Dias pelo contagiante brilho no olho e os necessários
encaminhamentos na segunda qualificação.
À professora Maria Marina Dias Cavalcante pelo companheirismo no GEPEFE.
À Professora Josefa Jackline Rabelo pelas luzes na reta final desta caminhada.
Aos demais professores e servidores do Programa de Pós-Graduação em Educação da
UFC pelas orientações e apoio ao longo desses anos.
Aos amigos, verdadeiros irmãos escolhidos, por compreenderem todas as ausências
necessárias, por festejarem as minhas alegrias como se fossem suas.
À Bernardete, Elisângela, Goretti, Gracinha e Sineide, pelas leituras e contribuições a
esse texto.
Aos professores de Aracoiaba, em especial, aos de língua portuguesa dos anos finais
do ensino fundamental por aceitarem fazer parte de um grupo, de um coletivo de formação.
À Ana Maria, Cecília, Clarice, Cora, Eva e Rachel, escritoras da vida, que desbravam
o cotidiano das salas de aula em busca de desenvolver um trabalho de qualidade com a leitura.
Aos companheiros do GEPEFE pelo exercício contínuo da pesquisa partilhada.
À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(FUNCAP) pelo financiamento desta pesquisa.
Aos que de alguma maneira contribuíram para os entrelaces deste texto, muito
obrigado!
5

“Que as coisas são inatingíveis?


Ora! Isso não é motivo para não querê-las.
Que tristes seriam os caminhos
Sem a presença distante das estrelas.”
(Mario Quintana)

“A beleza não está na partida nem na chegada,


mas na travessia.”
(Guimarães Rosa)

“Inegavelmente, a travessia é longa, é


fundamental coragem para mudar e decisão para
aprender, mas o mais importante é que não
estamos partindo do nada, nem tampouco do
princípio, a tal travessia já foi há muito iniciada.”
(José Cerchi Fusari e Alexandre de Paula Franco)
6

RESUMO

Esta tese buscou compreender a relação entre a formação contínua e as práticas de leitura a
partir do olhar dos professores dos anos finais do ensino fundamental, de Aracoiaba-CE.
Considerando que tais docentes participavam de um grupo de formação, interessou saber o
que eles faziam no impasse entre o escrito e o vivido, ou seja, entre a formação no grupo e as
práticas de leitura no cotidiano das escolas. O trabalho resulta do encontro e da
ressignificação de experiências pessoais e profissionais do autor aliadas ao seu processo de
formação contínua. Em virtude da complexidade do objeto de estudo, optou-se pela
abordagem da pesquisa qualitativa. A pesquisa-formação foi escolhida por favorecer a
possibilidade de transformação das práticas, considerando o professor da educação básica
como indispensável à investigação. Foram realizadas entrevistas com uma amostra de
professores, além de serem utilizadas fontes documentais. Foi utilizado o referencial da
epistemologia da prática, do professor reflexivo, da formação docente, a partir dos estudos de
Schön (2000, 1992), Nóvoa (1995), Imbernón (2009, 2010, 2011), Ribeiro (2010), Pimenta e
Lima (2009), Ghedin, Almeida e Leite (2008), Pimenta e Ghedin (2002), Pimenta (2006),
Lima (2012), Tardif (2013), Certeau (2012), Vázquez (2007), dentre outros. Com relação à
leitura e às práticas leitoras, foram utilizados os estudos de Manguel (1997), Chartier (1996,
2007, 2009), Freire (1988), Silva (2012, 2005, 1997), Antunes (2009, 2003), Lajolo (2008),
Bamberger (2002), dentre outros. O conjunto das análises revela que os sujeitos consideram o
grupo como espaço legítimo de aprendizagens, sinalizando a importância da formação como
projeto coletivo. Os professores ressaltam a importância da partilha de experiências com os
pares, a confiança que foi gerada no grupo e o desenvolvimento de um processo de reflexão e
investigação das práticas de leitura desenvolvidas nas escolas. A participação dos professores
no grupo de pesquisa-formação produziu novos conhecimentos que foram agregados à prática
docente. A oferta de formação contínua para professores da educação básica não deve ficar a
mercê da vontade política de um gestor que ocupa o poder por um tempo determinado. Ela
deve ser pensada e efetivada como uma ação contínua, que não sofra interrupção com a
mudança de quem está à frente das decisões da educação.

Palavras-Chave: Formação de Professores. Práticas de Leitura. Anos finais do ensino


fundamental. Grupo. Pesquisa-formação.
7

RESUMEN
En esta tesis se trató de comprender la relación entre la formación continua y las prácticas de
de lectura teniendo en cuenta los maestros de la educación básica, de Aracoiaba-CE.
Considerando que dichos maestros participaban de um grupo de formación, interesó saber lo
que hacían entre lo estudiado y lo vivido, es decir, entre la formación en el grupo y las
prácticas de lectura en el día a día de las escuelas. El trabajo es el resultado del encuentro y
del replanteamiento de las experiencias personales del autor aliadas a su proceso de formación
continua. Debido a la complejidad del objeto de estudio, se utilizó el enfoque de investigación
cualitativa. La investigación-formación fue elegida por favorecer la posibilidad de
transformación de las prácticas, teniendo en cuenta el profesor de la educación básica como
esencial para la investigación. Se aplicaron entrevistas con una muestra de maestros y se
utilizaron fuentes documentales. También se utilizó el marco de la epistemología de la
práctica, del profesor reflexivo, de la formación docente, con los estudios de de Schön (2000,
1992), Nóvoa (1995), Imbernón (2009, 2010, 2011), Ribeiro (2010), Pimenta e Lima (2009),
Ghedin, Almeida e Leite (2008), Pimenta e Ghedin (2002), Pimenta (2006), Lima (2012),
Tardif (2013), Certeau (2012), entre otros. Con respecto a la lectura y a las prácticas lectoras,
se utilizaron los estudios de Manguel (1997), Chartier (1996, 2007, 2009), Freire (1988),
Silva (2012, 2005, 1997), Antunes (2009, 2003), Lajolo (2008), Bamberger (2002), entre
otros. El conjunto de análisis reveló que los sujetos consideran al grupo como un espacio de
aprendizaje legítimo, que señala la importancia de la formación como un proyecto colectivo.
Los profesores hacen hincapié en la importancia de compartir experiencias con los
compañeros, la confianza que se ha generado en el grupo y el desarrollo de un proceso de
reflexión e investigación de las prácticas de lectura desarrolladas en las escuelas. La
participación de los docentes en el grupo de investigación-formación ha producido nuevos
conocimientos que fueron incorporados a la práctica de los docentes. La educación continua
para los maestros de educación básica no debe estar a merced de la voluntad política de un
gerente que ha estado en el poder durante un tiempo determinado. Debe ser diseñado y
llevado a cabo como una acción continua, que no sufre ninguna interrupción en el cambio de
lo que está por delante de las decisiones de la educación.

Palabras clave: Formación del profesorado. Prácticas de lectura. Educación básica. Grupo.
Investigación-formación.
8

ABSTRACT

This thesis aimed to understand the relationship between lifelong learning and reading
practices through the look of the teachers of the last years of elementary school, from
Aracoiaba-CE. Considering that such teachers attending a training group, interested to know
what they were doing in the impasse between the written and the lived between the written
and the lived, in other words, between the training group and reading practices in primary
education schools. This work results of the meeting and the redefinition of personal and
professional author’s experiences allied to his process of continuous formation. Because of
the complexity of the object of study, we opted for a qualitative research approach. The
research-training was chosen by favoring the possibility of transformation of practices,
considering the teacher of elementary school as essential to the investigation. Interviews were
conducted with a sample of teachers, besides documentary sources were used. It was used the
referential epistemology of practice, reflective teacher, teacher formation through the studies
of Schön (2000, 1992), Nóvoa 1995), Imbernon (2009, 2010, 2011), Ribeiro (2010), Pimenta
and Lima (2009), Ghedin, Almeida and Leite (2008), Pimenta and Ghedin (2002), Pimenta
(2006), Lima (2012), Tardif (2013), Certeau (2012), among others. About the reading and
readers practical, we used studies from Manguel (1997), Chartier (1996, 2007, 2009), Freire
(1988), Silva (2012, 2005, 2000, 1997), Antunes (2009, 2003) were used, Lajolo (2008),
Bamberger (2002), among others. The set of analyzes reveal that subjects consider the group
as a legitimate learning space, revealing the importance of training as a collective project.
Teachers emphasize the importance of sharing experiences with their pairs, the trust that has
been generated in the group and the development of a process of reflection and investigation
of reading practices developed at schools. The involvement of teachers in research-training
group produced new knowledge that was linked to teaching practice. The offer of continuous
training for teachers of basic education should not be at the mercy of the political will of a
manager who holds the power in a timely manner. It should be thought and carried out as one
continuous action, which does not suffer interruption with the change of who is ahead of
decisions of education.

Keywords: Teacher Training. Reading practices. Last years of elementary school. Group.
Research-training.
9

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 Professoras entrevistadas .................................................................. 51

Gráfico 1 Meta 2 – PNE .................................................................................. 98

Gráfico 2 IDEB – Brasil ................................................................................... 99

Quadro 2 Meta 7 – IDEB ................................................................................. 100

Gráfico 3 IDEB – Ceará ................................................................................... 100

Gráfico 4 IDEB – Aracoiaba-CE ...................................................................... 101

Gráfico 5 IDEB 2011 – Maciço de Baturité – Anos Iniciais do Ensino 101


Fundamental .....................................................................................

Gráfico 6 IDEB 2011 – Maciço de Baturité – Anos Finais do Ensino 102


Fundamental .....................................................................................

Quadro 2 Quantidade de encontros de formação ............................................. 105

Quadro 3 Encontros de formação do ano de 2009 ........................................... 106

Quadro 4 Panorama da Formação – 2009 ........................................................ 107

Quadro 5 Encontros de formação do ano de 2010 ........................................... 114

Quadro 6 Panorama da Formação – 2010 ........................................................ 115

Quadro 7 Encontros de formação do ano de 2011 ........................................... 119

Quadro 8 Panorama da Formação – 2011 ........................................................ 120

Quadro 9 Encontros de formação do ano de 2012 ........................................... 124

Quadro 10 Panorama da Formação – 2012 ........................................................ 124

Figura 1 Professoras entrevistadas .................................................................. 129


10

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANFOPE Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação


BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEB Câmara de Educação Básica
CEEL Centro de Estudos em Educação e Linguagem
CERLALC Centro Regional para el Fomento del Libro en América Latina y el
Caribe
CF Constituição Federal
CNE Conselho Nacional de Educação
CP Conselho Pleno
DCN Diretrizes Curriculares Nacionais
DEB Diretoria de Educação Básica Presencial
EAD Educação a Distância
FIES Fundo de Financiamento Estudantil
FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação
FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério
GEPEFE Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Formação do Educador
GESTAR II Programa Gestão da Aprendizagem Escolar
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
IDHM Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
IES Instituição de Ensino Superior
IMPARH Instituto Municipal de Pesquisa, Administração e Recursos Humanos
INAF Indicador de Alfabetismo Funcional
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IPES Instituições Públicas de Ensino Superior
IPL Instituto Pró-Livro
ISE Instituto Superior de Educação
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
11

MEC Ministério da Educação


Munic Pesquisa de Informações Básicas Municipais
OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OLP Olimpíada de Língua Portuguesa
ONG Organização Não Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
PAIC Programa Alfabetização na Idade Certa
PAR Plano de Ações Articuladas
PARFOR Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PDE Plano de Desenvolvimento da Educação
PIBID Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
PISA Programa Internacional de Avaliação de Alunos
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNBE Programa Nacional Biblioteca da Escola
PNE Plano Nacional de Educação
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPP Projeto Político-Pedagógico
PROIDEA Programa de Incentivo ao Desenvolvimento da Educação de Aracoiaba
Pró-licenciatura Programa de Formação Inicial para Professores dos Ensinos Fundamental e
Médio
PROUNI Programa Universidade para Todos
REDE Rede Nacional de Centros de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação
REUNI Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais
SAEB Sistema de Avaliação da Educação Básica
SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SEBP Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas
SECULT Secretaria da Cultura do Estado do Ceará
SEDUC Secretaria da Educação do Estado do Ceará
SEIF Secretaria de Educação Infantil e Fundamental
SME Secretaria Municipal de Educação
SNBP Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas
12

SPAECE Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará


TCC Trabalho de Conclusão de Curso
TIC Tecnologias de Informação e Comunicação
UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina
UECE Universidade Estadual do Ceará
UFC Universidade Federal do Ceará
UMESP Universidade Metodista de São Paulo
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNILAB Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira
UNISOL Programa Universidade Solidária
WWW World Wide Web
13

SUMÁRIO

1 TECENDO OS PRIMEIROS FIOS ........................................................ 14

2 OS MOVIMENTOS DO TEAR ........................................................... 29

2.1 Aracoiaba: “quem te visita não te esquece mais” .................................. 30

2.2 Primeiros passos: os fios metodológicos ................................................. 33

2.3 O início da formação contínua: a constituição do grupo ....................... 38

2.4 Os momentos da investigação .................................................................. 46

3 COMPONDO O TECIDO DO PROCESSO FORMATIVO ................ 53

3.1 Formação inicial ........................................................................................ 54

3.2 Formação contínua ................................................................................... 68

4 ENTREMEANDO LEITURA E ENSINO FUNDAMENTAL ............. 79

4.1 Práticas de leitura na escola ..................................................................... 86

4.2 O professor da educação básica ............................................................... 91

4.3 Ensino fundamental .................................................................................. 94

5 OS FIOS DA MEMÓRIA ........................................................................ 104

6 ENTRELAÇANDO FORMAÇÃO E PRÁTICA PEDAGÓGICA ...... 128

6.1 Perfil das professoras entrevistadas ........................................................ 128

6.2 O grupo como espaço de formação contínua .......................................... 137

6.3 As práticas de leitura nos anos finais do ensino fundamental .............. 145

7 ARREMATANDO OS NÓS ..................................................................... 166

REFERÊNCIAS ........................................................................................ 176

APÊNDICE – ENTREVISTA COM AS PROFESSORAS ................... 185


14

1 TECENDO OS PRIMEIROS FIOS

“A vida inventa! A gente principia as coisas,


no não saber por que, e desde aí perde o poder
de continuação porque a vida é mutirão de
todos, por todos remexida e temperada. O mais
importante e bonito, do mundo, é isto: que as
pessoas não estão sempre iguais, ainda não
foram terminadas, mas que elas vão sempre
mudando. Afinam ou desafinam. Verdade
maior. Viver é muito perigoso; e não é não.
Nem sei explicar estas coisas. Um sentir é o do
sentente, mas outro é do sentidor”.
(João Guimarães Rosa)

Tal qual “a vida é mutirão de todos”, esta tese é mutirão de muitos! Muitos
professores que assim como eu são cheios de indagações sobre sua vida – pessoal e
profissional – e por isso (re)inventam o seu cotidiano remexendo um baú de lembranças de
seus processos formativos em busca de novos temperos para velhos problemas que insistem
em se apresentar.
E é por “não saber por que” que busco respostas. Assim, vou fazendo e assumindo
escolhas, às vezes arriscadas, mas sempre conscientes e desejosas de uma transformação tal
qual a chuva que faz brotar do ressequido torrão uma porção de mato verde.
Esta tese se propôs a compreender a relação entre a formação contínua e as
práticas de leitura a partir do olhar dos professores dos anos finais do ensino fundamental de
Aracoiaba-CE. Considerando que tais professores participavam de um grupo de formação,
interessou saber o que um grupo de professores faz no impasse entre o escrito e o vivido, ou
seja, entre a formação no grupo e as práticas de leitura no cotidiano das escolas.
O meu interesse em investigar a temática formação docente e práticas pedagógicas
de leitura é o resultado do encontro e da ressignificação de experiências pessoais e
profissionais aliadas ao meu processo de formação contínua. Compreendendo a vida como
grande formadora, tenho consciência de que esses momentos não foram desenvolvidos
isoladamente, mas na relação com as outras pessoas. Na sequência, detalho os motivos do
interesse pela temática.
15

A leitura permeou a minha infância. Em casa, a leitura predominante era a de


jornais, feita por meu pai, por meu avô paterno e por uma tia avó. Essa cena era constante e,
logo, eu e meus irmãos ainda pequenos também desenvolvemos este hábito leitor. Continuei
com a leitura de histórias em quadrinhos com alguns amigos e com a leitura de livros na
escola. Ainda na passagem da infância para a adolescência dei aulas de reforço escolar para
duas crianças vizinhas. Lembro que não recebia pagamento, mas tinha satisfação em realizar
essa tarefa. Com isso, observo que a prática da leitura perpassa todas as etapas da minha vida,
mesmo quando eu nem imaginava exercer a docência como profissão.
Motivado por uma canção espanhola e por gostar muito de língua portuguesa
iniciei meu primeiro curso de graduação: Letras, com habilitação nas línguas portuguesa e
espanhola, na Universidade Federal do Ceará. Ao longo de cinco anos vivenciei o ensino, a
pesquisa e a extensão. Incentivado por um colega de curso, escrevi um trabalho sobre falsos
cognatos na língua espanhola e participei de meu primeiro evento científico. Era só o início de
vários trabalhos apresentados, minicursos e oficinas ministradas, além da participação em
palestras, congressos e encontros nacionais e regionais. Fui bolsista de extensão e no ano de
2001, juntamente com mais nove jovens, participei do Programa Universidade Solidária –
UniSol, no município de Nova Olinda, região do Cariri. O UniSol buscava colaborar com a
melhoria da qualidade de vida dos municípios, consolidando a ação comunitária das
universidades e contribuindo para a transformação das realidades locais. Foi uma experiência
muito gratificante – desenvolvendo várias ações educativas e culturais com a população local
– e que contribuiu bastante para o meu crescimento profissional, fazendo-me refletir e lutar
por uma educação de qualidade. Em outro momento, algumas destas ações foram
desenvolvidas em Fortaleza-CE, na Comunidade do Gato Morto. Ainda como bolsista de
extensão, participei do Projeto Novo Vestibular, no âmbito do Centro Acadêmico de História,
como professor de Língua Espanhola e Redação. O curso era oferecido a jovens estudantes e
ex-alunos de escolas públicas.
Assim, minha trajetória como docente foi iniciada paralelamente ao curso de
Letras. Por indicação de uma amiga, fui a uma escola da rede privada conversar com o
coordenador pedagógico e mal sabia que aquele seria o meu primeiro dia formalmente como
professor da educação básica. Ele perguntou-me se eu estava preparado para entrar em sala e,
tremendo por dentro, mas tentando não transparecer, afirmei que sim. Naquele momento
compreendi o que a vida queria de mim: coragem (ROSA, 2001). O coordenador me conduziu
até a sala do terceiro ano, acho que foram uns três minutos, mas pareceu uma eternidade, pois
não parava de pensar como seria minha primeira aula. Ao abrir a porta da sala me deparo com
16

uma multidão de jovens que gritava bastante. Eu tinha dezenove anos e eles dezessete,
dezoito. O coordenador me apresentou, falou de uma experiência que eu sabia que ainda não
tinha e me deixou com a turma. Percebi que eles estavam vivenciando o mesmo que eu
vivenciara dois anos antes, então começamos a conversar sobre vestibular, cursos, ingresso na
faculdade. Fiz uma sondagem dos conteúdos já trabalhados pelo professor anterior e logo
soou o sinal do intervalo. E assim, comecei a me constituir como professor. Eu já participava
de uma pastoral da Igreja e lá era costume trabalhar com dinâmicas de apresentação, de
integração. Foi esta vivência que me salvou naquele dia. Logo, aprendi a importância do
planejamento.
Quando cursava Língua Espanhola no Instituto Municipal de Pesquisa,
Administração e Recursos Humanos (IMPARH) participei de uma seleção e atuei como
monitor, inclusive substituindo professores em sala de aula. Depois comecei a lecionar em
outra escola da rede privada e aos poucos fui me fazendo educador, aprendendo na prática
cotidiana, buscando em minha memória as práticas dos professores que eu considerava bons.
A questão da formação e do trabalho docente começava a fazer parte de minhas inquietações.
Eis que surgiu uma nova realidade: a docência na escola pública. Ao concluir o
curso de Letras, motivado por uma amiga natural de Aracoiaba, inscrevi-me em dois
concursos públicos, um para a rede municipal de ensino e outro para a rede estadual. Fui
aprovado nos dois e comecei a desbravar o sertão. Eu, que até então havia trabalhado na rede
privada de ensino, passei a exercer a docência na escola pública e enfrentar desafios que antes
não faziam parte do meu cotidiano, a exemplo, as precárias condições dos prédios escolares,
tanto na rede municipal, quanto na rede estadual, sobretudo, nos distritos. Lembro que na
escola da rede estadual aconteceu de faltar carteiras para os estudantes. Também havia baixa
autoestima de alguns estudantes que não visualizavam perspectiva de futuro, além de
professores transferidos de suas escolas em virtude de questões políticas, entre outras
questões. Um fato intrigante era algumas pessoas exercendo a docência sem o mínimo de
formação para a função. Essas questões, certamente, influenciavam nos processos de ensino e
aprendizagem. Deslocava-me da sede de Aracoiaba (escola estadual) ao distrito de Vazantes
(escola municipal e estadual), percorrendo uma distância de vinte e dois quilômetros. De
Vazantes percorria mais dois quilômetros rumo ao distrito de Ideal (escola estadual). E assim,
eu, “forasteiro”, como muitos na cidade me chamavam, passei a vivenciar o cotidiano
aracoiabense. No âmbito da escola estadual, tive dois projetos aprovados pela SEDUC e que
os alunos apresentaram na 57ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC), que foi realizada em julho de 2005 na UECE. Um deles intitulado: “Fazendo
17

arte dentro e fora da escola” e outro em parceria com uma colega professora de inglês,
intitulado “Casa de Cultura”. Assim, a prática pedagógica aliou-se à pesquisa. Foi possível
perceber o interesse dos estudantes ao longo do desenvolvimento dos projetos.
Continuei o meu percurso formativo com a especialização em “O Ensino de
Literatura Brasileira”, concluída com a apresentação da monografia “Poesia marginal: uma
experiência em sala de aula”, que foi desenvolvida a partir de um projeto vivenciado com
estudantes da terceira série do ensino médio, em Aracoiaba. A primeira parte do estudo
discute a postura do professor em sala de aula e o trabalho realizado com o texto literário no
ensino médio. A segunda parte traz o relato analítico das discussões e aprendizagens em cada
uma das dez oficinas que foram desenvolvidas com os estudantes. Essa experiência favoreceu
a compreensão do lugar da formação contínua para o professor, além de analisar a prática
pedagógica com projetos. Desta forma, iniciei as primeiras reflexões analíticas acerca da
formação e das experiências dos professores com a leitura.
Outro fator que contribuiu para o amadurecimento dessa temática foi minha
prática como docente do ensino superior no interior do estado, ministrando disciplinas que
trabalham diretamente com a leitura e dialogando com estudantes-professores em processo de
formação inicial. Os universitários, geralmente, eram professores da educação básica e
traziam para o universo acadêmico as experiências e os saberes utilizados cotidianamente em
sua prática pedagógica. Também atuei com a disciplina de estágio supervisionado e orientei
Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC). Posteriormente, fui convidado para ministrar
disciplinas em cursos de especialização e verifiquei a busca dos professores pela formação
contínua, muitas vezes atrelada ao desejo e à necessidade de aumentos salariais, bem como
outros que buscavam retomar a sua formação.
A docência no ensino superior foi a grande impulsionadora da busca de continuar
o meu processo formativo e ingressar num curso de mestrado. Assim, em 2007 fui aprovado
na seleção do Mestrado em Educação Brasileira, na UFC e passei a estudar as temáticas da
formação de professores e da leitura. Durante o referido curso desenvolvi uma pesquisa cujo
objetivo foi compreender o conjunto das experiências formativas de docentes da primeira
série do Ensino Médio da EEFM Almir Pinto - Aracoiaba/CE com a leitura e como eles a
ressignificam em seu trabalho pedagógico.
A pesquisa culminou com a dissertação intitulada “A Leitura e a sua
ressignificação no trabalho pedagógico: trajetórias e experiências formativas de docentes da
EEFM Almir Pinto - Aracoiaba/CE”. Tal investigação demonstra que a leitura favorece o
enriquecimento cultural dos sujeitos e, por isso, não pode ser vista como uma reprodução de
18

significados institucionalizados. Desta forma, assinala a necessidade de se perceber a leitura


como um processo vivo, proporcionador de uma participação crítica no mundo e um
posicionamento reflexivo frente à realidade da sociedade atual. O estudo considera ainda que
o trabalho pedagógico desenvolvido pelo professor não pode acontecer aleatoriamente, pois
carece de um adequado planejamento no qual o aluno seja visto como sujeito. A pesquisa não
esgotou a análise das questões relacionadas à leitura e à prática pedagógica.
O espaço de tempo do curso de mestrado não me permitiu aprofundar
determinadas questões. Por isso, resolvi dar continuidade aos estudos relacionados à formação
de professores e suas práticas pedagógicas com a leitura com vistas a apreender a relação
entre o que é estudado nas formações e o que de fato é feito no cotidiano das salas de aula da
educação básica. Com essa ideia, em 2010 ingressei no Curso de Doutorado em Educação
Brasileira da UFC. Paralelamente a esse período, iniciei e concluí o curso de Pedagogia, na
modalidade semipresencial, pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Também
participo desde o ano 2009 do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Formação do Educador
(GEPEFE – UECE).
Tais experiências favoreceram subsídios teórico-metodológicos para a atuação
como formador de um grupo de professores de língua portuguesa dos anos finais do ensino
fundamental, no município de Aracoiaba-CE. Com isso, valorizava as práticas que os
professores já desenvolviam em seu cotidiano, buscando refleti-las coletivamente e de forma
colaborativa criar situações novas. Nesse exercício dialético, o dia do encontro com o grupo
de professores de língua portuguesa dos anos finais do ensino fundamental virava pesquisa e a
pesquisa conduzia os docentes para novas aprendizagens, no desenvolvimento de um processo
de pesquisa-formação. Essa pesquisa, portanto, é fruto de um problema emanado da prática
profissional.
Os encontros de pesquisa-formação aconteciam mensalmente na Secretaria
Municipal de Educação de Aracoiaba-CE e, constantemente, os professores demonstravam
uma grande inquietação com relação à transposição didática, ou seja, à articulação entre o que
era estudado nos encontros de formação e o desenvolvimento de práticas de leitura no
contexto da sala de aula.
A leitura é uma atividade complexa e que se aprende, sobretudo, na interação do
sujeito com o mundo, com os outros indivíduos, no próprio cotidiano. É lendo que se aprende
a desbravar o mundo das palavras em movimento e transformando-as em outro mundo para o
qual só o próprio leitor poderá ir.
19

A escola, dentre outras funções, também é responsável pela tarefa de ensinar os


estudantes a ler. Com isso, é importante saber o que o professor lê, qual sua concepção de
leitura, pois o resultado de seu trabalho é fruto de suas crenças, de suas práticas, de sua
formação inicial e contínua.
É válido ressaltar que propiciar momentos de leitura não é tarefa exclusiva das
instituições escolares. A família, as associações comunitárias, os diversos grupos que os
estudantes participam podem e devem contribuir para com o desenvolvimento do gosto leitor
das crianças e dos jovens. À escola cabe a tarefa de sistematizar o trabalho com a leitura,
oferecendo uma diversidade de textos para que os estudantes ampliem os seus horizontes.
A prática leitora assume um papel de destaque tanto para os docentes quanto para
os educandos por ser um fator determinante do êxito ou do fracasso escolar. Assim, ao mesmo
tempo em que a leitura está presente no currículo como disciplina, é também o meio para se
chegar ao conhecimento nas diversas áreas do saber. A eficácia na prática leitora, portanto, é
condição necessária para o desenvolvimento das habilidades dos educandos e a aquisição de
novos conhecimentos.
As habilidades de leituras ensinadas pelos professores permitem que os alunos as
utilizem não apenas como mera atividade escolar, mas principalmente, como possibilidade de
interação social, como meio de informação e de entretenimento. Entretanto, a realidade que se
encontra em sala de aula não é nada animadora, sendo frequentemente atestada pelo fracasso
de muitos estudantes nos programas de avaliação permanente, sobretudo com relação à
proficiência leitora.
Isso remete aos índices mapeados pelos principais indicadores dessa realidade.
Assim, se por um lado afirma-se a ampliação do acesso ao sistema educacional aos cidadãos,
por outro, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012), a partir da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) constatam que 13,2 milhões de
pessoas não sabem ler nem escrever; um percentual de 8,7% do total de brasileiros com 15
anos ou mais de idade.
O Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF) oferece informações qualificadas
sobre as habilidades e práticas de leitura, escrita e matemática dos brasileiros entre 15 e 64
anos de idade. Dados do INAF (2011) mostram que a cada quatro brasileiros apenas um
domina plenamente habilidades de leitura, escrita e matemática. Isso também é atestado pelas
avaliações de larga escala cujos resultados mostram que grande parte dos estudantes não
desenvolve habilidades mínimas de leitura compatíveis às séries e/ou aos anos em que
estudam.
20

Tais dados revelam ainda que 53% dos brasileiros dos anos iniciais do ensino
fundamental apenas localizam informações explícitas em textos curtos, entretanto não
compreendem textos mais longos. O estudo afirma ainda que 8% do total desta população são
considerados analfabetos absolutos com relação à leitura/escrita, pois sequer conseguem
codificar simples palavras e frases. Dos brasileiros que estão nos anos finais do ensino
fundamental, somente 15% podem ser considerados plenamente alfabetizados. 26% são
considerados analfabetos funcionais. Já 35% dos que cursaram ou estão cursando o Ensino
Médio atingem o nível pleno de alfabetismo, enquanto que 57% ainda permanecem no nível
básico. Dos que chegam ao Ensino Superior, observa-se que 62% têm pleno domínio das
habilidades de leitura/escrita.
Estudos realizados na última década em onze países, incluindo o Brasil, visando à
compreensão do comportamento leitor e dos hábitos de leitura da população investigada,
mostram que, no México 73% das pessoas não leem livros, seguido do Peru com um
percentual de 65%. Brasil e Venezuela apresentam um percentual de 50% de não leitores de
livros. O menor percentual está no Chile, com 20% de não leitores e, portanto, uma maioria
de 80% de leitores. Entre os diversos motivos para não ler, o principal apontado nas pesquisas
é a falta de tempo. Essa foi a razão apresentada por 53% dos entrevistados no Brasil e 51% na
Espanha. O menor percentual para este motivo foi registrado no Chile, com um total de 28%
dos entrevistados. Outro motivo constatado foi o baixo interesse pela leitura, apresentado por
67% dos colombianos entrevistados, 51% dos portugueses e 30% dos brasileiros (MONAK;
HOYOS, 2012).
Especificamente, no caso brasileiro, a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 2011
demonstra que 64% dos entrevistados acreditam que a leitura favorece uma vida melhor. Do
total de 47% de entrevistados que citaram a opção de leitura de livros indicados pela escola,
30% são de livros didáticos e 17% de livros de literatura. A formação leitora dos docentes é
apontada como uma das possibilidades para o avanço da formação leitora dos estudantes, pois
os dados da investigação revelam que o professor é quem mais influencia no gosto leitor dos
estudantes (FAILLA, 2012).
As dificuldades dos estudantes com a leitura são constantemente aferidas pelos
programas de avaliação, tais como: Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA);
Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB); Sistema Permanente de Avaliação da
Educação Básica do Ceará (SPAECE), que revelam o embaraço dos estudantes na leitura, na
compreensão e na produção de textos.
O Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) é aplicado a cada três
21

anos, com estudantes de 65 países. O Pisa avalia as habilidades dos estudantes em Leitura,
Matemática e Ciências. O objetivo do exame é avaliar a competência dos estudantes de quinze
anos de entender textos, ou seja, interpretando e refletindo sobre eles. No exame de 2012, o
Brasil ficou em 55º colocado em Leitura entre os 65 países participantes (INEP, 2012).
Os testes do SAEB são de Língua Portuguesa, com foco em leitura e de
Matemática, como foco na resolução de problemas. Tais avaliações objetivam, de uma
maneira geral, avaliar a qualidade do ensino que é oferecido aos estudantes brasileiros. O teste
de Língua Portuguesa, especificamente, objetiva verificar se o estudante é capaz de apreender
o texto como construção de conhecimento, nas diversas situações de comunicação, em
diferentes níveis de compreensão, análise e interpretação.
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) indica a qualidade da
educação brasileira e varia de 0 a 10. Seu cálculo combina o desempenho dos estudantes nas
avaliações do SAEB ou Prova Brasil com as taxas de aprovação escolar. A média nacional do
IDEB 2011, da rede pública, para os anos iniciais do ensino fundamental foi de 4,7. O Ceará
também atingiu o percentual de 4,7 e o município de Aracoiaba 3,9. Para os anos finais do
ensino fundamental a média nacional foi de 3,9. O Ceará também atingiu o percentual de 3,9 e
o município de Aracoiaba 3,2 para os anos finais do ensino fundamental.
O estado do Ceará implementou no ano de 1992, o Sistema Permanente de
Avaliação da Educação Básica do Ceará (SPAECE). Com relação ao resultado de língua
portuguesa, no SPAECE 2012, os estudantes de Aracoiaba, do segundo ano do ensino
fundamental perfizeram uma média de 135,9, considerada suficiente, mas a desejável é acima
de 150. Já os estudantes do quinto ano perfizeram uma média de 188,3, considerada nível
intermediário, embora a média adequada seja acima de 225. Com relação aos estudantes do
nono ano, a média foi 221,3, considerada crítica. O nível adequado é acima de 300.
O resultado acima evidencia a dificuldade que grande parte dos estudantes
cearenses tem de apreender a ideia básica de um texto, por exemplo. Os estudantes têm
dificuldade de localizar informações explícitas no texto ou identificar a finalidade daquele
texto, realizar interpretações simples, dentre outras. Após a publicação dos resultados destas
pesquisas, dentre outras, a atenção se volta para a contribuição do trabalho pedagógico
realizado pelo professor, em especial, considerando sua formação, apontada como uma das
principais causas do fraco desempenho dos estudantes, sem levar em consideração outros
fatores intervenientes – internos e externos – para além do espaço da sala de aula e
camuflando a crise educacional que está posta.
22

Assim, pode-se afirmar que as reformas educacionais empreendidas nas últimas


décadas, com a tentativa de universalização do ensino fundamental, em um contexto de crise
social, repleto de desigualdades, guiado pelo prisma da qualidade total, reduzindo o papel do
Estado e atribuindo responsabilidades várias ao professor, geraram uma real crise
educacional.
Os números de evasão, de repetência, de mal estar docente, de estudantes com
dificuldades de aprendizagens várias têm aumentado significativamente. Nesse cenário de
desafios vivenciados pela comunidade escolar no cotidiano, não é legítimo atribuir ao
professor uma solução que exige significativos investimentos sistemáticos e um
compartilhamento de responsabilidades que ultrapassam os muros da escola.
As avaliações externas têm funcionado como uma verdadeira pedagogia de
resultados. O objetivo primeiro de revelar o desempenho dos estudantes e buscar meios para
assegurar a qualidade da educação, não tem sido desenvolvido de forma lícita. Com a
publicação dos resultados das referidas avaliações o foco recai verticalmente na figura do
professor, questionando inclusive a sua formação. As ações vêm implicando desde o MEC,
passando pelas secretarias de educação (estaduais e/ou municipais) e chegando à escola –
núcleo gestor e recaindo drasticamente na figura do professor.
O capitalismo global tem favorecido uma super exploração do trabalho docente, o
que implica um novo fazer nas escolas e, consequentemente, novas habilidades por parte do
professor. Nesse cenário, o docente assume uma identidade de múltiplas funções, o que exige
uma complexa formação, que deve levar em conta a universitária, mas também ultrapassá-la,
considerando o cotidiano do professor na escola, na interação reflexiva com os seus colegas
como significativo momento de formação.
Novas atribuições passaram a ser cobradas dos docentes, mas a formação inicial
não tem suprido essa lacuna. O contexto atual não pode considerar o professor como mero
transmissor de conhecimentos a estudantes estáticos. Pensar uma educação de qualidade exige
uma reflexão sobre a formação docente, tanto a inicial como a contínua, tomando a escola e a
prática pedagógica como elementos centrais de reflexão e discussão.
Nos últimos anos, em reação à visão dicotomizada de teoria e prática na formação,
vários estudos e reflexões vêm orientando uma nova concepção de formação, cujo lócus
privilegiado é a escola. A ênfase é posta no saber docente que é construído e reconstruído no
cotidiano escolar. Nessa visão, a prática dos professores é considerada como espaço de
produção de novos saberes.
23

Historicamente, a identidade docente foi construída de forma isolada e o


professor, muitas vezes, não sabia qual caminho seguir. Diante disso, o grupo de formação
surge como um espaço de ajuda mútua para o coletivo de docentes em busca de um objetivo
comum em que estejam presentes o debate e a reflexão sobre suas práticas.
Os professores participam de diversas formações, consideradas importantes, mas é
preciso levar em conta as condições reais de desenvolvimento da prática pedagógica do
professor na escola. Essa instituição tem uma rotina, muitas vezes marcada pelo cenário da
pedagogia de resultados, o que não favorece o trabalho do professor. Isso corrobora que a
inquietação levantada pelos professores com relação às práticas de leitura não existe sozinha
ou isolada. Há um fenômeno que impede o avanço, limitando a atuação de docentes e
discentes com a leitura.
Diante de tal quadro, apresenta-se a necessidade de um estudo que investigue o
que um grupo de professores em formação pode fazer no impasse entre a formação e a prática
cotidiana de leitura com os estudantes dos anos finais do ensino fundamental.
Neste cenário busquei respostas à seguinte questão: Que articulação os
professores dos anos finais do ensino fundamental estabelecem entre a formação
contínua e as práticas de leitura?
A esta pergunta norteadora, agregaram-se os seguintes questionamentos: Quais as
contribuições do grupo para a formação contínua dos professores dos anos finais do ensino
fundamental? Como o grupo foi se constituindo como espaço de formação contínua? Que
elementos fundamentam as práticas de leitura vivenciadas pelos professores nos anos finais
do ensino fundamental? Como os professores desenvolvem o trabalho com a leitura na
escola?
O desenvolvimento desta investigação foi guiado pelo seguinte objetivo geral:
 Investigar a relação entre a formação contínua e as práticas de leitura a
partir do olhar do professor dos anos finais do ensino fundamental.
Em decorrência de tal objetivo, foram delineados os objetivos específicos desta
investigação, quais sejam:
 Compreender o percurso formativo dos professores;
 Refletir o grupo como espaço de formação contínua;
 Identificar os elementos que fundamentam as práticas de leitura vivenciadas
cotidianamente pelos professores dos anos finais do ensino fundamental;
24

 Analisar os relatos de práticas leitoras dos professores dos anos finais do


ensino fundamental de Aracoiaba e sua relação com a formação contínua.
O percurso metodológico desta pesquisa foi desenvolvido no contexto do
Programa de Incentivo ao Desenvolvimento da Educação de Aracoiaba (PROIDEA),
vivenciando um processo de pesquisa-formação com um grupo de professores de língua
portuguesa dos anos finais do ensino fundamental, no período de agosto de 2009 a junho de
2012. A trajetória foi retomada um ano depois, em julho de 2013, para um momento de
entrevistas com os sujeitos, com vistas a desvendar a relação existente entre a formação no
grupo e as práticas de leitura nas escolas.
Em virtude da complexidade do objeto de estudo, optei pela abordagem da
pesquisa qualitativa, por favorecer a compreensão dos comportamentos a partir dos próprios
sujeitos da pesquisa. A metodologia se constitui como um movimento investigativo-
formativo, no decorrer do qual os professores se formam e, ao mesmo tempo, iluminam o
caminhar do investigador com dados relativos às suas concepções e práticas educativas. Com
isso, a voz do sujeito foi sempre considerada uma tessitura da própria investigação. Buscando
não apenas compreender ou descrever as práticas dos professores participantes do grupo, mas,
sobretudo, transformá-las, recorri aos temas metodológicos da pesquisa-ação como alternativa
viável para o desenvolvimento do processo de pesquisa-formação.
Alguns momentos são priorizados no desenvolvimento de uma proposta de
pesquisa-formação baseada em princípios da pesquisa-ação, com vistas a favorecer o
envolvimento, a participação e o compromisso com a produção de saberes e a construção de
novos conhecimentos, congregados na prática educativa dos professores do grupo e no campo
da pesquisa científica.
Inicialmente, foi feita uma atividade de investigação de caráter exploratório, com
vistas a uma maior aproximação com o lócus da pesquisa e o problema a ser investigado,
através do contato direto e sistemático com os professores, ouvindo suas dificuldades e
estratégias empreendidas para transformá-las. A observação participante aconteceu de forma
direta durante trinta e três encontros/oficinas, de oito horas cada, ao longo do período de 2009
a 2012. Essa longa permanência com os professores foi fundamental para a compreensão e
busca de transformação do problema. Utilizei o diário de bordo para fazer anotações de tudo
que era observado: vozes, gestos, conceitos, dúvidas, sínteses, planejamentos.
Um ano após a interrupção do processo de formação contínua do grupo de
professores de língua portuguesa, realizei entrevistas individuais aplicadas de modo
aprofundado com seis professoras participantes do grupo de formação. Utilizei também
25

diversas fontes documentais, como: relatórios de pesquisa, livros de ata e frequência, índices e
tabelas estatísticas, regimentos, cartazes, projetos político-pedagógicos, planos de aula, dentre
outros. Também analisei documentos referentes à legislação, programas de formação docente
e dados estatísticos dos sistemas de avaliação permanente, dentre outros.
Fiz leituras várias relacionadas à temática desta pesquisa, que foram aprofundadas
com o objetivo de melhor entender o objeto de estudo ora proposto. Após a coleta e
sistematização dos dados, procedi à fase de análise. Para tanto, na análise das entrevistas
considerei duas grandes categorias: o grupo como espaço de formação contínua e as práticas
de leitura nos anos finais do ensino fundamental.
Buscando desvelar os conhecimentos que os professores utilizam no cotidiano
escolar, recorri ao referencial da epistemologia da prática, do professor reflexivo, da formação
docente, a partir dos estudos de Schön (2000, 1992), Nóvoa (1995), Imbernón (2009, 2010,
2011), Ribeiro (2010), Pimenta (2006), Lima (2012), Pimenta e Lima (2009), Ghedin;
Almeida; Leite (2008), Veiga (2012), Tardif (2013), Certeau (2012), Gatti; Barreto; André
(2011), Candau (2011), dentre outros.
Tais autores discutem os desafios que se apresentam nos dias atuais para a
constituição do ser professor. Para tanto, perpassam desde as questões da docência e do
estágio no ensino superior, da didática, do professor reflexivo até chegar aos diversos saberes
mobilizados nas realidades das salas de aula da educação básica, especialmente as da escola
pública.
Com relação à leitura e ao trabalho desenvolvido em sala de aula, utilizo os
estudos de Manguel (1997), Chartier (1996, 2007, 2009), Freire (1988), Silva (2012, 2005,
1997), Antunes (2009, 2003), Lajolo (2008), Machado (2012), Bamberger (2002), dentre
outros.
Tais estudos discutem questões ligadas às condições de produção e promoção da
leitura nos dias atuais, ao fracasso escolar com relação à língua materna, às práticas de leitura
na sala de aula, bem como à leitura de mundo.
Em se tratando das questões da pesquisa em educação, autores como Ghedin e
Franco (2008), Thiollent (2011), Dionne (2007), Barbier (2007), Bogdan; Biklen (1994),
Lüdke; André (1986), dentre outros, afirmam que, o cenário das pesquisas em educação tem
revelado uma cisão entre o que se pesquisa e o que se desenvolve na prática pedagógica nas
escolas.
Assim, tem sido criada uma cultura de distanciamento entre escola e
pesquisadores. Isso corrobora a necessidade da construção de um olhar de pesquisador que
26

leia o mundo em suas mais diversas representações, que busque aproximar a pesquisa das
salas de aulas, dos estudantes e dos professores.
Nos últimos anos, algumas teses defendidas, têm discutido a importância da
formação contínua de professores como possibilidade para melhorar a prática pedagógica na
educação básica, tais como: Virginio (2009), Silva (2007), Macêdo (2006). Alguns estudos
analisam as práticas de alfabetização e de letramento, ou seja, as práticas com a leitura nos
anos iniciais do ensino fundamental, tais como: Albuquerque (2009), Souto (2009), dentre
outros.
Por outro lado, questões relacionadas à formação de professores e à prática
pedagógica com a leitura nos anos finais do ensino fundamental, ainda necessitam de estudos
sistemáticos. É oportuno salientar que novas investigações podem evidenciar a constituição
do percurso formativo de docentes, bem como a articulação e o desenvolvimento das práticas
leitoras na dinâmica da sala de aula dos anos finais do ensino fundamental.
Busquei no Banco de Teses da Capes as seguintes palavras-chave: formação
docente, práticas de leitura, anos finais do ensino fundamental. Examinando os resumos das
onze pesquisas de doutorado apresentadas para o recorte proposto, verifiquei que cinco tratam
de pesquisas voltadas para os anos iniciais do ensino fundamental, uma não trata da leitura,
duas não tratam da formação docente, uma trata da psicologia social brasileira e apenas uma
aproxima-se de nossa temática. Esbrana (2012) defendeu a tese intitulada “A constituição do
sujeito professor e sua aprendizagem em situação de formação continuada”, com foco na
aprendizagem do sujeito professor.
Há, portanto, sinais de carência de pesquisas que investiguem a formação do
docente a partir das práticas dos professores dos anos finais do ensino fundamental. O exposto
mostra que a relevância científica dessa investigação está na originalidade da temática
proposta, que poderá constituir-se como referência para outros pesquisadores, bem como
demarcar as vozes que ecoam da escola pública clamando por uma real formação que
considere o chão da sala de aula como espaço de formação contínua, de ressignificação das
práticas em um processo contínuo de construção do conhecimento. A originalidade desta tese,
portanto, está no estudo do grupo como espaço de formação contínua – tendo a práxis como
elemento de ressignificação das práticas – em um processo contínuo de conhecimento.
Esse espaço de investigação constitui-se em um campo bastante fértil, haja vista a
grande preocupação que se delineia não apenas no cenário nacional, bem como internacional,
com relação à proficiência de leitura dos estudantes. Tal fato é impossível de dissociar-se da
formação contínua e da prática pedagógica dos professores.
27

Acredito que, dentre outros fatores, não há ensino de qualidade sem professor
qualificado para a complexa tarefa de educar. Um estudo científico desenvolvido com a
parceria entre pesquisador e um grupo de professores em formação deixará contribuições não
apenas para compreender os desafios do desenvolvimento da prática leitora no município de
Aracoiaba, mas no estado e quiçá, no país.
Esta tese foi tecida em cinco capítulos, precedidos pelo “Tecendo os primeiros
fios” que traz as notas introdutórias do trabalho. Na sequência trago os títulos dos capítulos e
uma breve síntese, conforme segue.
O capítulo “Os movimentos do tear” envereda pelas trilhas percorridas ao longo
do desenvolvimento desta pesquisa-formação, desde a gênese do objeto, passando pelos
encontros de formação com o grupo de professores e se encontrando com os vários
instrumentos para a coleta de dados. Aqui, trago os fundamentos metodológicos que
subsidiam a pesquisa em tela, compreendendo os aspectos contextuais e dialogando com as
teorias e os procedimentos que justificam a metodologia utilizada.
O capítulo “Compondo o tecido do processo formativo” tece sobre os estudos e
as pesquisas que serviram de base para a fundamentação teórica do objeto de estudo da
presente investigação. Trata, portanto, dos fios que compõem o contínuo processo formativo
de professores no desenvolvimento das práticas de leitura nos anos finais do ensino
fundamental, em escolas da rede pública municipal de ensino. Aqui, a formação docente é
entrelaçada ao contexto das reformas educacionais brasileiras, sobretudo na última década do
século XX.
O capítulo “Entremeando leitura e ensino fundamental” trata da leitura, que é
composta por muitos fios e entremeia-se às práticas de leitura, considerando o professor da
educação básica e o trabalho desenvolvido nas escolas do ensino fundamental.
O capítulo “Os fios da memória” traz um panorama do Programa de Incentivo ao
Desenvolvimento da Educação de Aracoiaba. Aqui são apresentadas expressões que revelam
as lembranças dos processos formativos desenvolvidos no percurso da pesquisa. São relatadas
as memórias de seis semestres de formação com o grupo de professores de língua portuguesa
de Aracoiaba.
Por fim, o capítulo “Entrelaçando formação e prática pedagógica” ecoa as
vozes do professor que no chão da sala de aula se faz humano e busca através da leitura
libertar os seus estudantes. Aqui, desvelo o que é feito no impasse entre o escrito e o vivido,
entre a formação no grupo e o cotidiano das escolas da rede pública de ensino.
28

O texto finaliza com o “Arrematando os nós”. Por uma exigência acadêmica


este trabalho apresenta as suas conclusões, mas sempre é possível puxar uma nova ponta de
fio e coser outro tecido. A participação dos professores de língua portuguesa dos anos finais
do ensino fundamental no grupo de pesquisa-formação produziu novos conhecimentos que
foram incorporados ao cotidiano das escolas. Os sujeitos consideram o grupo como espaço
legítimo de aprendizagens, enfatizando a importância da formação contínua como projeto
coletivo, o que é compreendido como uma democratização do conhecimento, pois os
professores buscavam melhorar o seu ensino para assegurar aos estudantes o direito de
aprender. Os participantes ressaltam ainda a importância da partilha de experiências com os
colegas professores, a confiança que foi gerada no grupo e o desenvolvimento de um processo
de reflexão e investigação das práticas de leitura desenvolvidas nas escolas. A formação não
foi compreendida apenas como um momento de atualização de conhecimentos científicos
prontos e acabados, mas como uma troca de experiência que possibilitou aos docentes o
desenvolvimento da capacidade de se tornar um professor pesquisador de sua própria prática.
Com isso, no processo de formação, a sala de aula foi pensada como ponto de partida e de
chegada. A oferta de formação contínua para professores da educação básica não deve ficar a
mercê da vontade política de um gestor que ocupa o poder por um tempo determinado. Ela
deve ser pensada e efetivada como uma ação contínua, que não sofra interrupção com a
mudança de quem está à frente das decisões da educação. Para que a formação contínua de
professores dê os resultados esperados nas salas de aula da educação básica, não bastam
apenas bons formadores e um material de qualidade, dentre outros fatores, precisa-se garantir
ao docente tempo de estudo e planejamento com acompanhamento na escola, além de
assegurar as devidas condições para que o seu trabalho se concretize.
29

2 OS MOVIMENTOS DO TEAR

“Nada pode ser intelectualmente um problema,


se não tiver sido, em primeiro lugar, um
problema da vida prática.” (Maria Cecilia
Minayo)

Este capítulo traz os movimentos percorridos pelo desafio de desenvolver uma


investigação com um grupo de professores e não sobre eles. Convivi, experimentei, partilhei e
compartilhei das alegrias e das dores de ser professor de língua portuguesa em uma rede
municipal de ensino, no interior do estado.
Assim, as inquietações para esta investigação tiveram continuidade durante a
minha atuação como formador de professores de língua portuguesa dos anos finais do ensino
fundamental, no município de Aracoiaba-CE. Essa pesquisa, portanto, é fruto de um problema
emanado da prática profissional. Nesse sentido, não inventei um problema, mas sim, busquei
compreender um fenômeno que surgiu de um problema do meu cotidiano profissional.
Nessa busca de “saber das gentes” fui me constituindo professor, pesquisador,
participando de um grupo com outros colegas professores que buscavam ler além dos livros,
compreendendo a importância da leitura de mundo, buscando desvendar os mistérios da
docência e olhando para o futuro com a ousadia de empreender novas histórias.
Trago neste capítulo os fundamentos metodológicos que subsidiam a pesquisa em
tela, compreendendo os aspectos contextuais e dialogando com as teorias e os procedimentos
que justificam a metodologia utilizada. Várias etapas foram vivenciadas até chegar à escrita
deste texto. A pesquisa se inicia com a delimitação do seu objeto, o que leva a outros
momentos, tais como: a leitura do referencial teórico, os encontros de formação com o grupo
de professores no âmbito do Programa de Incentivo ao Desenvolvimento da Educação de
Aracoiaba (PROIDEA), a pesquisa em documentos vários, a realização das entrevistas com
uma representação dos sujeitos participantes do grupo, a transcrição, a organização e a análise
dos dados. A seguir, explano detalhadamente cada um desses momentos, num processo
contínuo de idas e vindas, tal qual é feito pelos movimentos de um tear, na perspectiva de
recuperar os caminhos desenvolvidos nesse recorte do real com suas múltiplas e ricas
determinações.
30

2.1 Aracoiaba: “Quem te visita não te esquece mais 1”

“A pedra aguda, monólito


terciário, legendário,
lá no sertão;
como atalaia, é referência
ao viandante, ao navegante,
na imensidão.”
(Salomão Alves de Moura Brasil)

O município de Aracoiaba 2, de longe avistado pela legendária Pedra Aguda, está


situado na microrregião de Baturité e na mesorregião Norte Cearense, que “destaca-se no
semiárido quente do Ceará por apresentar clima ameno, abundância de atrativos naturais
como flora, fauna, riachos, quedas d´água, fontes de água mineral, além de um dos raros
vestígios de Mata Atlântica existente no interior nordestino” (MARTINS, 2011, p. 21).
Não sei se escolhi Aracoiaba ou se esta cidade me escolheu. Em 2003, recém-
egresso do curso de Letras, visitei Aracoiaba com duas colegas de faculdade, sendo uma delas
natural de lá. A visita levou a outras tantas visitas, com inscrição e consequente aprovação em
dois concursos públicos, um para a rede municipal de ensino e outro para a rede estadual.
O que antes era visita passou a permanência. Eu, jovem da capital, recém-saído da
universidade, com alguma experiência de docência em escolas da rede privada de ensino, sem
referências naquela cidade do interior, comecei a desbravá-la.
Após a nomeação, veio a lotação na rede municipal de ensino, quando descobri
que a escola era em um distrito de Aracoiaba, Vazantes, distante vinte e dois quilômetros da
sede. Se Luiz Gonzaga fez o movimento do interior nordestino para a grande metrópole, o
meu foi inverso, mas temos um ponto de encontro, o pau-de-arara: “Só trazia a coragem e a
cara / Viajando num pau-de-arara / Eu penei, mas aqui cheguei” 3. Esse foi o transporte por
mim utilizado para ir até a escola.
O pau-de-arara é um transporte alternativo, estilo caminhão, com uma coberta na
parte da carroceria e alguns bancos improvisados. É muito utilizado pela população dos

1
Verso do Hino de Aracoiaba. Letra de Salomão Alves de Moura Brasil.
2
A respeito de Aracoiaba e da região do Maciço de Baturité, consultar: MARTINS, E. S. Leitura e trabalho
pedagógico: trajetórias e experiências de professores. Fortaleza: SEDUC, 2011.
3
Trecho da música Pau de Arara, composta por Luiz Gonzaga e Guido de Moraes.
31

distritos e das pequenas localidades para deslocarem-se à sede. Assim, vão pessoas, compras
diversas e até animais.
O mês era agosto e o verde das plantações já não existia. Era o típico cenário da
seca cearense. O pau-de-arara seguia chocalhando pela estrada carroçável. Quando o
transporte parou ao lado da Capela de São João Evangelista, no distrito de Vazantes, um
jovem levou-me até a casa da pessoa responsável pela gestão da escola, apesar de não ser
nomeada para tal função. Ela me acolheu muito bem e empenhou-se para que eu
permanecesse na escola.
Entre idas e vindas trabalhei por um ano no distrito de Vazantes. Um lugar pacato,
terra de pessoas simples, que têm muito orgulho do seu lugar, que também é conhecido por ter
bons educadores e pela valorização da cultura local. Quando assumi o concurso da rede
estadual também exerci a docência no distrito de Ideal, a dois quilômetros de Vazantes e a
vinte e quatro quilômetros da sede. Posteriormente, trabalhei no distrito de Lagoa de São João
e depois apenas na sede do município.
Conheci na prática a realidade da educação aracoiabense, enfrentando os mais
variados desafios, tais como: os de infraestrutura escolar e de seu entorno, baixa autoestima
dos estudantes por não visualizarem perspectiva de futuro, professores atuando em áreas
divergentes da sua formação inicial, deslocamentos de profissionais da educação em virtude
de questões políticas, dentre outros.
Dados do Censo de 2010 revelam que o município de Aracoiaba contava neste
período com uma população de 25.391 habitantes. O Índice de Desenvolvimento Humano
Municipal (IDHM) é calculado considerando a média dos seguintes dados: renda per capita,
educação e expectativa de vida ao nascer. Em 2010, o IDHM de Aracoiaba foi de 0,615,
considerado mediano.
Seguindo a expansão da educação pública no Brasil nas últimas décadas, observa-
se um expressivo crescimento no quantitativo de crianças e jovens matriculados em escolas da
educação básica no município de Aracoiaba. O IDHM Educação é composto pela proporção
de crianças e jovens em idade escolar no município que tenham cursado ou que estejam
frequentando a educação básica.
O percentual de jovens com dezoito anos ou mais que concluíram o ensino
fundamental é de apenas 36,79%. Considerando os jovens de quinze a dezessete com ensino
fundamental completo o índice é 59,70%. O percentual de jovens de 11 a 13 anos
matriculados nos anos finais do ensino fundamental ou com o ensino fundamental concluído é
de 82,28%. Os números evidenciam que ainda há muitas crianças e jovens sem acesso à
32

educação formal. No ano de 2010, um total de 58,69% dos estudantes com faixa etária entre
seis e catorze anos estavam cursando o ensino fundamental regular em turmas adequadas para
a sua idade. O percentual de jovens com um ano ou mais de atraso no ensino fundamental é de
aproximadamente 32%. É preciso lembrar que 3,52% não frequentavam a escola. O
percentual de crianças extremamente pobres chega a 34,10% (ATLAS, 2013).
O isolamento geográfico ou em virtude das condições precárias de trabalho ou
ainda por apresentar uma baixa educação escolarizada coloca as pessoas à margem das
relações sociais, deixando-as, portanto, em situação de vulnerabilidade social (KAZTMAN,
2001).
O IDEB 2011 de Aracoiaba nos anos iniciais do ensino fundamental foi de 3,9. Já
para os anos finais do ensino fundamental, o referido índice foi de 3,2. Em 2005, os índices
eram, respectivamente, 2,7 e 2,6. O crescimento mais acentuado se deu nos anos iniciais, o
que possivelmente acontece em virtude de um acentuado número de políticas públicas
voltadas para esta etapa. Os índices estão longe do esperado para 2022, que é 6,0, a média
considerada nos países desenvolvidos.
No ano de 2009 juntamente com mais dois colegas montamos a equipe de
formadores de língua portuguesa da rede municipal de ensino, no âmbito do Programa de
Incentivo ao Desenvolvimento da Educação de Aracoiaba. Inicialmente, atuei com
professores de língua portuguesa do terceiro ao nono ano. A partir do segundo semestre de
2009 fiquei responsável pelo grupo de professores de língua portuguesa dos anos finais do
ensino fundamental.
Por vivenciar a realidade da educação aracoiabense e manter contato com vários
docentes não tive nenhum problema de aceitação por parte do grupo de professores. Sempre
houve uma relação de cordialidade e respeito dos dois lados. Desde o primeiro momento,
busquei ouvi-los com atenção e sempre os motivei a falar sobre as suas experiências, as suas
dúvidas, os seus anseios.
A minha formação inicial e contínua, a experiência com a docência na educação
básica e no ensino superior e a participação no Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a
Formação do Educador (GEPEFE – UECE) me deram subsídios teórico-metodológicos para
valorizar o que os professores já faziam em seu cotidiano, buscando refletir coletivamente tais
práticas e de forma colaborativa criar situações novas. Nesse exercício dialético, o dia do
encontro com o grupo de professores de língua portuguesa dos anos finais do ensino
fundamental virava pesquisa e a pesquisa conduzia os docentes para novas aprendizagens, no
desenvolvimento de um processo de pesquisa-formação.
33

2.2 Primeiros passos: os fios metodológicos

Esta investigação foi desenvolvida com o objetivo de compreender a relação entre


a formação contínua e as práticas de leitura a partir do olhar do professor dos anos finais do
ensino fundamental. Para tal intento, desenvolvi uma cultura de análise e formação com um
grupo de professores de língua portuguesa dos anos finais do ensino fundamental, em
Aracoiaba-CE. A questão: “que articulação os professores dos anos finais do ensino
fundamental estabelecem entre a formação contínua e as práticas de leitura?” guiou os
caminhos desta pesquisa.
A formação contínua perpassa as diversas experiências dos sujeitos: parte da
formação inicial, de suas experiências com a docência, alimentando-se de outros cursos de
atualização, de especialização, voltando para os estudos e reflexões desenvolvidas com o
grupo durante a pesquisa-formação, com vistas a melhorar o exercício da docência. É algo
cíclico, num contínuo movimento de vai e volta.
Tal processo foi iniciado no contexto do Programa de Incentivo ao
Desenvolvimento da Educação de Aracoiaba (PROIDEA), vivenciando uma pesquisa-
formação com professores de língua portuguesa dos anos finais do ensino fundamental, no
período de agosto de 2009 a junho de 2012. A trajetória foi retomada um ano depois, em julho
de 2013, para um momento de entrevistas com os sujeitos, com vistas a desvendar a relação
existente entre a formação no grupo e as práticas de leitura nas escolas, desvelando as práticas
ditas comuns, as maneiras de fazer, as táticas e invenções dos docentes no cotidiano
(CERTEAU, 2012).
Em virtude da complexidade do objeto de estudo, optei pela abordagem da
pesquisa qualitativa. A expressão investigação qualitativa começou a ser utilizada a partir dos
anos 1970 nas ciências sociais, designando, uma riqueza com relação à pormenorização do
que é investigado, com sua complexidade e em seu contexto natural. Tal investigação
favorece a compreensão dos comportamentos a partir dos próprios sujeitos da pesquisa
(BOGDAN & BIKLEN, 1994).
Há cinco características básicas na investigação qualitativa: o ambiente natural é a
fonte direta e o instrumento principal é o investigador; é descritiva; tem um interesse maior
pelo processo do que pelo produto; faz a análise dos dados de forma indutiva; o significado é
de importância vital. Tais características permitem à pesquisa qualitativa compreender o
ponto de vista dos sujeitos investigados no contexto em que estes se situam, questionando-os
com vistas a apreender a maneira pela qual “eles interpretam as suas experiências e o modo
34

como eles próprios estruturam o mundo social em que vivem” (BOGDAN & BIKLEN, 1994,
p. 51).
A pesquisa qualitativa, portanto, trabalha com o complexo, valorizando “a
subjetividade dos pesquisadores e dos sujeitos; combina várias técnicas de coleta e de análise
de dados, está aberta ao mundo da experiência, a cultura e ao vivido; valoriza a exploração
indutiva e elabora um conhecimento holístico da realidade” (ANADÓN, 2005, p. 20).
A pesquisa qualitativa preocupa-se com os problemas sociais e por isso ultrapassa
a análise estatística e visa a uma mudança social. É preciso atentar para a legitimidade da
pesquisa, substituindo os critérios de validade científica por critérios de rigor metodológico.
Para tanto, é fundamental um vasto tempo sobre o local pesquisado, com descrição detalhada
do contexto e dos próprios sujeitos. Com isso, há possibilidade para uma detalhada
interpretação da investigação. A pesquisa qualitativa é “um campo interdisciplinar que
preconiza uma abordagem multimetodológica, uma perspectiva naturalista e uma
compreensão interpretativa da natureza humana” (ANADÓN, 2005, p. 11).
Esta investigação foi desenvolvida em conjunto com o grupo de docentes. Sendo
assim, a referida pesquisa tem a prática como ponto de partida e de chegada (PIMENTA,
2006). A participação ativa dos sujeitos na pesquisa é algo fundamental, por isso o foco se dá
nas relações estabelecidas, valorizando o “seu ponto de vista, a sua inclusão no processo de
investigação, bem como a preocupação de que a pesquisa tenha repercussões positivas para o
meio, estimulando os participantes a prosseguir o processo iniciado pela pesquisa”
(ANADÓN, 2005, p. 8).
O movimento da pesquisa foi desenvolvido junto com o processo formativo dos
sujeitos. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento do processo formativo daqueles embasa a
pesquisa. Com isso, a voz do sujeito foi sempre considerada uma tessitura da própria
investigação. É válido destacar que o contato constante com o grupo de professores desvela
outras questões para além do que foi dito.
A pesquisa foi tomada como essencial à formação do professor e a formação
como um processo contínuo, uma “prática reflexiva dinamizada pela práxis, como um
movimento metodológico e como uma política de desenvolvimento profissional de
professores” (PIMENTA; LIMA, 2009, p. 131). A reflexão coletiva das práticas cotidianas
gera um novo conhecimento e encaminha novas práticas, novas posturas, com vistas à
transformação de uma determinada realidade, caracterizando a pesquisa-formação com o
grupo.
35

O processo de refletir a prática favorece a autonomia docente, envolvendo-o em


um exercício crítico, assumindo uma postura ativa diante de suas ações. A reflexão-na-ação
embasa “uma visão construcionista da realidade com a qual ele lida – uma visão que nos leva
a vê-lo construindo situações de sua prática, não apenas no exercício do talento artístico
profissional, mas também em todos os outros modos de competência profissional” (SCHÖN,
2000, p. 39).
Quando o professor vai além do habitual, ultrapassando regras e teorias, e
valorizando o processo investigativo, muitas vezes os resultados ultrapassam o esperado,
proporcionando a criação de novos conhecimentos e contribuindo para a sua formação como
profissional reflexivo, desvelando processos que antes estavam apenas subentendidos
A partir do trabalho com o grupo de professores – análise das práticas, estudos e
reflexões coletivas, (re)estruturação da prática docente – buscou-se compreender a relação
entre o escrito e vivido, entre a formação e o trabalho pedagógico desenvolvido nas escolas.
Destarte, buscou-se uma postura metodológica nas relações estabelecidas entre a reflexão e
ação com o grupo de professores, construindo novos significados para a prática cotidiana dos
sujeitos, com vistas à tomada de consciência individual e coletiva.
Buscando não apenas compreender ou descrever as práticas dos professores
participantes do grupo, mas, sobretudo, transformá-las, recorri aos temas metodológicos da
pesquisa-ação como alternativa viável para o desenvolvimento do processo de pesquisa-
formação. Com isso, “a relação entre pesquisa e ação estabelece uma forma de compromisso
que alcança uma dimensão comunicativa, social, política, cultural, ética, às vezes, estética, e
que promove o retorno da informação aos interessados e capacitação coletiva” (THIOLLENT,
2011, p. 118).
Os temas metodológicos da pesquisa-ação conjugam características essenciais que
favorecem o diálogo entre teoria e prática, possibilitando uma efetiva participação dos sujeitos
no processo de concepção e de desenvolvimento das atividades. Com isso favorece uma
reflexão sobre a prática, uma (re)elaboração das situações e promove a autoformação, a
formação coletiva, em um processo de pesquisa-formação.
O pesquisador assumindo um duplo papel – pesquisador e participante – busca
modificar uma situação emergida do próprio grupo, pois tanto na pesquisa-formação como na
pesquisa-ação o “problema nasce, num contexto preciso, de um grupo em crise. O
pesquisador não o provoca, mas constata-o” (BARBIER, 2007, p. 54). A partir disso, cabe ao
pesquisador ajudar o grupo a compreender não apenas as causas do problema, mas numa
perspectiva dialógica, que pressupõe a participação e a tomada de consciência coletiva acerca
36

do problema, refletindo sistematicamente a prática e desenvolvendo novos processos


formativos.
O principal intento da pesquisa-ação é transformar uma situação específica,
levando em conta a totalidade em que ela acontece. Para tanto, é necessário desenvolver
simultaneamente a pesquisa – gerar conhecimentos e a ação – modificar uma situação
(DIONNE, 2007; GHEDIN; FRANCO, 2008).
As origens da pesquisa-ação advêm dos trabalhos de Kurt Lewin, no ano de 1946,
logo após a segunda guerra mundial. Inicialmente, suas pesquisas visavam à mudança dos
hábitos alimentares e das atitudes dos americanos em relação às minorias de base étnica, em
uma abordagem experimental, de campo. O trabalho pautava-se nas relações democráticas
estabelecidas no grupo, valorizando a participação dos sujeitos, as diversas opiniões e
reconhecendo que as decisões grupais favorecem uma mudança mais ativa dos sujeitos
(GHEDIN; FRANCO, 2008).
No início da década de 1950 a pesquisa-ação fortaleceu-se na área educacional.
Porém, ao final da mesma década a referida pesquisa foi enquadrada em critérios positivistas,
o que levou ao seu declínio. Na década seguinte diminui a quantidade de pesquisa-ação.
Ainda nos anos 1960, Stenhouse renova o interesse pela pesquisa-ação na Grã-Bretanha,
levando-a ao apogeu nos anos setenta e oitenta. Paulo Freire – na transição da década de 1960
para 1970 – desenvolve a “pesquisa participativa”, tomando por base a pesquisa-ação. Elliot e
Adelman são os responsáveis pelo ressurgir da pesquisa-ação em 1970. Na Austrália, na
passagem da década de 1970 para 1980, Kemmis liderou um grupo que trabalhou a pesquisa-
ação em uma perspectiva mais crítica. Já a pesquisa-ação nos Estados Unidos voltou-se aos
educadores. Dentre outras possibilidades, ressalta-se o trabalho de Schön, evidenciando
pesquisa profissional e noção de profissionalização (DINIZ-PEREIRA, 2011).
Ao longo de três décadas, a concepção inicial da pesquisa-ação proposta por
Lewin passa por variadas transformações e a partir de 1980 assume como escopo melhorar a
prática docente. As contribuições de Stenhouse, Elliot e Adelman referendam a transformação
social, pautada em “compromissos éticos e políticos, tendo em vista a emancipação dos
sujeitos e das condições que obstruem este processo, além de estar configurada por
abordagens interpretativas de análise e estruturada sob a forma de participação crítica”
(GHEDIN; FRANCO, 2008, p. 219).
No limiar do novo século houve uma renovação na pesquisa-ação, abrangendo
novas áreas de conhecimento, buscando compreender o cenário da globalização, com o
avanço do capitalismo, com as desigualdades sociais estabelecidas, com a evolução das TIC.
37

Nesse contexto de mudanças, o Estado busca reduzir suas obrigações com a sociedade,
encarregando-as a outros setores. Esse contexto de mudanças compõe “o pano de fundo a
partir do qual dá-se uma nova atualidade às propostas de metodologias participativa e de
pesquisa-ação que se concretizam em projetos de ensino, formação permanente, extensão,
pesquisa, planejamento [...]” (THIOLLENT, 2011, p. 116).
Nos últimos anos, a pesquisa-ação ampliou-se no contexto universitário,
permeando o tripé: ensino, pesquisa e extensão em várias áreas do conhecimento, envolvendo
professores pesquisadores e discentes na compreensão de problemas diversos e na construção
de conhecimentos novos. Assim, “encontram-se dissertações de mestrado, teses de doutorado,
publicações de alto nível, em várias áreas de conhecimento científico e tecnológico, que
adotam princípios de pesquisa-ação, às vezes de modo parcial” (THIOLLENT, 2011, p. 121).
Se a pesquisa por si é a mobilização de recursos vários com vistas a garantir a
resolução de problemas, a pesquisa-formação desenvolve-se a partir de um processo contínuo
de reelaboração de acordo com as necessidades dos sujeitos envolvidos, o que também
caracteriza o seu viés pedagógico, ético e político. O caráter formativo acontece porque os
pressupostos da pesquisa-formação favorecem a tomada de consciência das transformações
em si próprio e das delineadas com o coletivo de professores ao longo do processo. Desta
feita, o caráter individual de pesquisa é transposto, assumindo um aspecto coletivo.
A interação entre os docentes no grupo favorece a partilha e a integração das
atividades de ensino que são desenvolvidas na prática, as aprendizagens que se adquirem
fazendo – a própria epistemologia da prática. A importância da reflexão-na-ação está na
possibilidade de desenvolver os ajustes necessários à própria prática, desenvolvendo novas
formas de ação (SCHÖN, 2000).
A pesquisa-formação favorece o desenvolvimento profissional dos participantes e
mudança em suas práticas, valoriza a participação ativa, investigando problemas e buscando
respostas para eles. Logo, “compreende pesquisa acadêmica e prática pedagógica como
unidade; é desenvolvida por todos os seus membros mediante discussões e interações
diversas; parte das necessidades dos sujeitos envolvidos, dando sentido ao processo que estão
vivenciando” (LONGAREZI; SILVA, 2013, p. 223).
Tal processo busca, através da partilha e reflexão de vivências entre os pares,
compreender as práticas pedagógicas desenvolvidas, analisá-las e reelaborá-las com vistas a
garantir uma qualitativa mudança no ensino e na aprendizagem desenvolvidos nas escolas,
além de favorecer o fortalecimento do processo formativo dos membros do grupo.
38

2.3 O início da formação contínua: a constituição do grupo

Os professores lidam com vários desafios no cotidiano das escolas, porém o que
mais incomoda é a divulgação de índices de aprendizagem, sejam internacionais, nacionais,
estaduais ou locais, que comprovam que os estudantes não apreendem satisfatoriamente os
conteúdos trabalhados. Diante de tais resultados, geralmente, os olhares externos e internos à
escola se voltam para o professor e o desenvolvimento de seu trabalho, sem levar em conta
outros fatores intervenientes para além do espaço da sala de aula e camuflando a crise
educacional.
Buscando apoiar o docente, com uma política de valorização, o que incluiu
aumento salarial, criação e incorporação da gratificação de efetiva regência de classe e a
instituição de formação contínua, no início do ano de 2009, a Secretaria de Educação de
Aracoiaba a partir de reuniões com professores e núcleos gestores, criou e implantou o
Programa de Incentivo ao Desenvolvimento da Educação de Aracoiaba (PROIDEA), com o
objetivo de melhorar a qualidade do ensino ofertado à população do município.
Os próprios docentes de Aracoiaba apontaram lacunas em seu processo formativo
e no exercício da docência, pois muitos fizeram cursos de formação inicial que habilitavam
para o exercício da docência nos anos iniciais do ensino fundamental e atuavam nos anos
finais com disciplinas específicas como língua portuguesa e matemática, foco das avaliações
externas.
Embora as avaliações de larga escala mostrassem que nesta lógica a educação
aracoiabense tivesse avançando, os resultados apresentados ainda demonstravam que os
índices alcançados estavam distantes da média nacional. Segundo dados do Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), no ano de 2007, a média brasileira era 4,2 ao
passo que Aracoiaba apresentava um índice de 3,2. Isso evidenciava que ainda faltava um
longo e pedregoso caminho a ser percorrido para que se alcançasse a média nacional e, quiçá,
o valor desejável, 6,0, índice alcançado pelos países desenvolvidos.
Pautados nas políticas públicas de melhoria da qualidade da educação e
fundamentados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN nº 9394/96), na
qual está prevista a formação do professor em pleno exercício do magistério, a Secretária de
Educação de Aracoiaba, juntamente com a equipe pedagógica e uma equipe professores
formadores – do quadro efetivo da rede municipal – elaboraram e puseram o PROIDEA em
prática a partir de janeiro de 2009.
39

Primeiramente, foi feita a identificação do rendimento dos alunos da rede


municipal de ensino nas avaliações externas. Em seguida, promoveu-se uma rodada de
conversas com os profissionais da educação. De posse desses dados, a equipe começou a
idealizar um projeto que acompanhasse a qualidade do ensino e elevasse o desempenho dos
estudantes nas avaliações internas e externas. Para tanto, o foco seria a formação e a
valorização dos professores. Assim, com uma equipe de professores especialistas em língua
portuguesa e matemática foi construída a primeira versão do PROIDEA. Tal versão foi
discutida com os demais professores para que em seguida fosse elaborada a sua versão final.
O programa apresentava os seguintes objetivos: melhorar a qualidade do ensino
da rede pública do município de Aracoiaba; desenvolver um programa de formação com os
professores do ensino fundamental nas áreas específicas de língua portuguesa e matemática;
melhorar os processos de ensino e aprendizagem e elevar o aproveitamento dos alunos nos
sistemas de avaliações externas de larga escala, nos níveis estadual e federal.
O PROIDEA contava com uma coordenadora local e com cinco professores
efetivos da rede municipal de ensino atuando como formadores, sendo três deles de língua
portuguesa e dois de matemática. O lançamento do referido programa de formação aconteceu
entres os dias 27 a 29 de janeiro de 2009, durante o tríduo pedagógico, momento de avaliação
do ano anterior e de planejamento do ano letivo, com todos os profissionais da educação da
rede municipal de ensino.
No dia 27 de janeiro foi feita uma apresentação do PROIDEA. Houve uma
exposição geral e uma divisão para discussão em grupos menores. O encontro de formação
privilegiou a discussão de dois questionamentos: o que é fácil e o que é difícil ensinar, tanto
na disciplina de língua portuguesa quanto na disciplina de matemática. Depois aconteceu
outro momento coletivo com socialização das discussões, esclarecimento de dúvidas e
proposição de encaminhamentos. Com relação à língua portuguesa, as dificuldades centraram
em torno do ensino da leitura e da compreensão e produção de textos diversos.
Em virtude de o município contar com as formações do Programa Alfabetização
na Idade Certa (PAIC) para os professores dos primeiro e segundo anos, os professores do
PROIDEA atendiam aos professores dos terceiro, quarto e quinto anos e ao grupo de
professores do sexto ao nono ano.
O dia 28 de janeiro foi reservado à formação com os professores dos terceiro,
quarto e quinto anos. Estes foram divididos em dois grupos. No turno matutino, aconteceu a
formação de língua portuguesa e no turno vespertino aconteceu a formação de matemática. Na
formação de língua portuguesa houve um momento de apresentação dos professores, depois a
40

exibição e discussão de um vídeo. Os formadores retomaram as dificuldades com relação ao


ensino de língua portuguesa elencadas no dia anterior, buscando compreendê-las e organizar
um plano de ação. Os professores falaram das dificuldades de trabalhar a leitura (estratégias) e
alguns gêneros textuais presentes no livro didático. Os descritores exigidos nas avaliações de
larga escala foram apresentados e discutidos e, em seguida, houve uma análise de questões do
SPAECE4/SAEB5/PAIC. Por fim, foi feita a avaliação do dia.
O dia 29 de janeiro foi reservado para a formação com os docentes dos anos finais
do ensino fundamental, de língua portuguesa e de matemática. Como os professores foram
divididos por disciplina foi possível trabalhar mais tempo com o mesmo público. O encontro
de língua portuguesa foi iniciado com uma dinâmica de apresentação. Logo em seguida,
houve um bom tempo reservado à fala dos professores, sobre seu trabalho com os estudantes,
levantando pontos positivos e sinalizando as dificuldades encontradas. Os professores
ressaltaram que trabalhavam muito intuitivamente, pois, sobretudo, nas escolas da zona rural,
foram habituados a trabalhar sem a presença de um coordenador pedagógico que pudesse
oferecer um suporte, um acompanhamento. É válido ressaltar que a composição de núcleo
gestor na rede municipal foi iniciada a partir de 2005.
Não diferente do grupo de professores dos anos iniciais, os docentes manifestaram
dúvidas com relação ao desenvolvimento de práticas leitoras e ao trabalho com tipos e
gêneros textuais. Também foram analisadas algumas questões de avaliações de larga escala. O
encontro finalizou com a avaliação do dia.
Após a realização do referido tríduo, a equipe pedagógica da Secretaria Municipal
de Educação (SME), juntamente com a coordenadora do PROIDEA e os cinco professores
formadores fizeram uma avaliação, um verdadeiro balanço a partir de informações coletadas
com os professores durante os encontros de formação e traçaram as estratégias de atuação
para o semestre, com a proposta de formações sistemáticas para os professores da rede
municipal.
À época, a SME, para sua melhor operacionalização, fazia uma divisão das
escolas em três regionais, sendo que uma contemplava as escolas da sede e duas
contemplavam as escolas da zona rural. Destarte, os professores formadores elaboraram um
cronograma e, quinzenalmente, realizavam as formações em uma escola polo de cada regional
que agregava as demais escolas vizinhas.

4
Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará
5
Sistema de Avaliação da Educação Básica
41

Durante o primeiro semestre de 2009 havia três grupos de formação com


professores de língua portuguesa dos anos finais do ensino fundamental: o primeiro na sede
do município, o segundo no distrito de Vazantes e o terceiro no distrito de Jaguarão. Os
encontros de formação aconteciam duas vezes ao mês, com quatro horas de duração, cada. É
válido ressaltar que seguindo esta mesma sistemática também aconteciam as formações de
matemática e formações específicas para os docentes do terceiro ao quinto ano. Já as
formações de primeiro e segundo anos aconteciam nos espaços da SME, contando com uma
melhor infraestrutura para o atendimento aos docentes.
O programa foi realizado nas regionais de fevereiro a junho de 2009. Ao final
daquele semestre, de acordo com avaliações dos professores cursistas, dos professores
formadores e da equipe pedagógica, o cronograma foi redimensionado e todas as formações
passaram a acontecer na sede da SME.
Uma das dificuldades elencadas pelos docentes era em relação ao deslocamento,
pois embora as formações acontecessem na sede e em dois distritos, o município tem uma
grande extensão territorial, não contando com rotas de transporte coletivo interdistritais, o que
dificultava o deslocamento deles. Outro fator era a ausência do docente de sua sala de aula e
nas escolas das localidades menores, por exemplo, nem sempre havia o professor “mais um 6”
para substituir o professor que estava participando da formação.
Com a mudança implantada, aos professores cursistas era assegurado o
deslocamento em rotas de ônibus que passavam nos distritos e localidades em direção à sede
do município. Além disso, os professores se alimentavam na SME e também era fornecido o
material didático-pedagógico necessário.
Com tais medidas foi possível agregar o coletivo de professores do município
(sede e zona rural) em dias pré-estabelecidos para a realização das formações específicas para
primeiro, segundo, terceiro, quarto e quinto anos do ensino fundamental, além dos grupos de
língua portuguesa e matemática dos anos finais do ensino fundamental nos auditórios da
SME. No ano seguinte as formações foram estendidas a todas as disciplinas e turmas da
educação infantil, anos iniciais e finais do ensino fundamental, educação de jovens e adultos,
coordenadores pedagógicos e diretores escolares. Assim, foi instituído que a segunda sexta-
feira de cada mês ficava reservada à formação dos profissionais da educação e, neste dia, não
havia aula em nenhuma escola. Como as formações passaram a acontecer no mesmo dia e os

6
Responsável pela substituição do professor que participava da formação. Neste dia o “mais um” não trabalhava
com conteúdos de língua portuguesa ou matemática.
42

espaços da SME não comportavam todas as turmas, os encontros foram transferidos para uma
escola da rede municipal, localizada no centro de Aracoiaba.
O segundo semestre de 2009 é considerado para esta investigação como o marco
da constituição do grupo de professores de língua portuguesa dos anos finais do ensino
fundamental na pesquisa-formação. Se em cada distrito havia um grupo de professores de
língua portuguesa, a mudança proporcionou uma unificação, um grupo de professores do
município, favorecendo o diálogo das diversas realidades, desde a sede do município aos
distritos, com suas várias localidades.
Um grupo é um conjunto de pessoas com interesses comuns que se reúnem para o
desenvolvimento de uma tarefa específica. Ultrapassa as questões individuais e favorece o
exercício da fala, do diálogo, da defesa de pontos de vista. É um processo de construção
identitária – individual e coletiva – no qual cada sujeito incorpora um pouco do outro
(FREIRE, 1994).
Os professores de língua portuguesa dos anos finais do ensino fundamental se
perceberam como um grupo quando iniciaram um processo coletivo de reflexão sobre suas
histórias de vida e de formação e analisaram os vários pontos de encontro entre eles. Em meio
às dificuldades encontradas no cotidiano escolar e diante das pressões – internas e externas –
para a elevação dos índices de aprendizagem dos discentes, o grupo surgiu como um espaço
para a discussão de questões comuns aos docentes e a busca de superação dos desafios.
O grupo é o encontro amistoso de professores que partilham suas práticas,
trocando experiências no coletivo. É um espaço de diálogo, trabalhando o exercício do ouvir e
do falar, do contribuir para a formação de si e a do outro. Assim, é um movimento contínuo
de idas e vindas do eu (individual) ao nós (coletivo), com vistas à transformação de uma
realidade comum aos sujeitos.
Com a experiência da formação desenvolvida ao longo do primeiro semestre do
ano de 2009 e após os professores formadores terem participado de capacitações em Fortaleza
com uma equipe da Universidade de Brasília, a formação de língua portuguesa ganhou uma
nova sistemática, evidenciada pelo caráter teórico-prático, visando à autonomia docente em
sala de aula.
O município de Aracoiaba fez a adesão ao Programa Gestão da Aprendizagem
Escolar (GESTAR II) e os professores de língua portuguesa e matemática do ensino
fundamental foram contemplados com uma formação com carga horária de 300 horas, sendo
parte presencial e parte a distância. Tal programa foi inserido nas ações do PROIDEA.
43

O GESTAR II configura-se como um conjunto de ações pedagógicas que visam


contribuir para a autonomia do docente no desenvolvimento de seu trabalho pedagógico. Para
tanto, inclui questões teórico-práticas. O programa foi facilmente incorporado às ações que já
estavam sendo desenvolvidas, pois proporcionou a investigação da prática do profissional de
língua portuguesa e seu contínuo refazer, a partir da reflexão e do desenvolvimento do
trabalho com o texto, com a leitura.
Os professores cursistas receberam um kit contendo dezenove livros, sendo um
guia geral, seis cadernos de teoria e prática (tp), seis cadernos de apoio à aprendizagem do
aluno (versão do professor) e seis cadernos de apoio à aprendizagem do aluno (versão do
aluno). O professor formador além dos livros citados recebeu o caderno do formador.
O referido programa é “uma ferramenta de profissionalização capaz de
proporcionar aos professores espaços sistemáticos de reflexão conjunta e de investigação, no
contexto da escola, acerca das questões enfrentadas pelo coletivo da instituição” (BARBOSA;
PULINO; LINS, 2008, p. 14).
Com isso foi oportunizado um espaço para socialização de experiências dos
docentes, discussão acerca das dificuldades encontradas em sala de aula, buscando a
construção de novos conhecimentos. Para tanto, o grupo foi mobilizado em torno da reflexão
dos problemas e da articulação do seu trabalho com o projeto político-pedagógico da escola.
Ficou claro que a formação contínua não se desenvolve pelo mero acúmulo de
cursos, mas “deve comportar uma relação essencial e estreita com a dimensão da prática no
cotidiano da escola e com a dimensão formal da proposta pedagógica” (BARBOSA;
PULINO; LINS, 2008, p. 14).
É válido ressaltar que os dez encontros de formação ocorridos no segundo
semestre de 2009 foram desenvolvidos tendo como referência o contexto dos docentes e as
necessidades emanadas do grupo de professores. Os docentes elaboraram seu memorial
formativo, além de projetos de ensino que foram desenvolvidos com os seus estudantes e
compuseram um portfólio com as atividades desenvolvidas ao longo do semestre.
Assim, foi trabalhado o contexto individual e o coletivo. E-mail e blog foram
utilizados para a socialização de atividades desenvolvidas com os estudantes nas escolas, para
a partilha de leitura, indicação de atividades, planos de aula e projetos de ensino elaborados.
O livro de bordo se fez presente e a cada encontro um dos professores ficava responsável para
fazer os registros das atividades do dia, as reflexões e os encaminhamentos.
Destarte, à medida que o grupo foi se firmando os professores foram ficando mais
próximos, construindo verdadeiros elos. Eles começaram a compreender que a formação vai
44

acontecendo de forma contínua, nos momentos de partilha, de reflexão, de tomada de posição


– individual e coletiva.
O primeiro encontro de 2010 fez uma análise dos seis meses de pesquisa-
formação. Os sujeitos evidenciaram o quanto a participação favoreceu o crescimento pessoal e
contribuiu para o desenvolvimento da prática pedagógica. Posteriormente, foi desenvolvido o
planejamento das ações para o semestre que se iniciava. Atendendo às solicitações do grupo
houve duas oficinas com especialistas: uma sobre histórias em quadrinhos como recurso
pedagógico e outra de contação de histórias, com produção de livros artesanais.
No segundo semestre do ano de 2010 a formação de Língua Portuguesa foi
embasada em uma proposta do Centro de Estudos em Educação e Linguagem (CEEL) da
Universidade Federal do Pernambuco. O formador participou de vários momentos de
capacitação em Fortaleza e desenvolveu com os professores o curso “Diversidade textual: os
gêneros na sala de aula”, com carga horária de 100 ha.
O referido curso integrou-se à formação, pois sua temática principal era uma das
reivindicações dos professores: o trabalho com os gêneros textuais na sala de aula. Os
cursistas receberam um livro dividido em oito capítulos com aspectos teóricos e
encaminhamentos didáticos.
Nessa perspectiva, a proposta do referido curso “[...] considera a abordagem dos
gêneros textuais na escola uma necessidade, já que a multiplicidade de textos orais e escritos
compõe um conjunto de manifestações socioculturais que merece ser conhecido, apreciado,
recriado, valorizado” (SANTOS; MENDONÇA, CAVALCANTI, 2007, p. 10).
O curso foi uma contribuição para o processo formativo do grupo, pois favoreceu
o diálogo e a reflexão sobre limites e possibilidades de trabalhar a diversidade textual no
cotidiano das escolas de ensino fundamental, promovendo a apropriação de saberes e
conhecimentos novos.
Ao final do semestre foi feita uma atividade de autoavaliação e uma de avaliação
do grupo. Os resultados sinalizavam que os sujeitos estavam desenvolvendo o hábito de
investigar suas práticas, de provocar mais questionamentos ao seu trabalho e ao de seus
estudantes. Houve um dado bem significativo, pois o exercício do registro reflexivo das ações
desenvolvidas ultrapassou algo que foi acordado como atividade do grupo e vários docentes
falaram que incorporaram essa tarefa à sua prática. Os professores também relataram que
estavam mais confortáveis para o trabalho com a leitura em suas salas de aula.
45

O exercício de reflexão das práticas fortaleceu o grupo de professores – como


pessoas e como profissionais – estimulando-os ao exercício da criticidade através da avaliação
constante e favorecendo a transformação de suas práticas cotidianas.
Em janeiro de 2011 o grupo de professores esteve mais uma vez presente no
encontro de pesquisa-formação. Foi feita uma retomada da trajetória do grupo, evidenciando
os avanços, os limites e as possibilidades. Os professores mostraram um pouco de receio com
relação ao uso do novo livro didático adotado para o período de três anos. Foi elaborada uma
oficina de uso do livro didático como um recurso pedagógico, evidenciando que ele é uma
possibilidade, mas não a única. Os professores solicitaram uma oficina de poesia e para a
realização foi convidada uma poeta local. A questão da cultura, do acesso aos equipamentos
culturais foi muito discutida e culminou com uma viagem à cidade de Fortaleza, que passou
pela Casa de José de Alencar, Museu do Ceará, Academia de Letras, Igrejas, Mercado
Central, Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Foi feito um agendamento prévio em
alguns dos referidos espaços, o que proporcionou um acompanhamento guiado, com
explicações históricas e culturais.
Ao longo de 2011 as temáticas foram variando de acordo com as solicitações do
grupo. Alguns conceitos foram reelaborados, outros realmente incorporados à prática dos
docentes. Os gêneros textuais saíram da condição de terrível vilão e foram compreendidos
como prática social de leitura e escrita, possível de ser trabalhada na escola. O grupo já
sinalizava certa maturidade para refletir sobre o seu processo formativo, suas práticas, analisar
as práticas dos colegas, incorporar sugestões, assumi-las, enfim, um processo mútuo e
coletivo de aprendizagens várias.
O início do ano de 2012 foi marcado pela palestra “Formação contínua: a alegria
de ser um eterno aprendiz”, com a Professora Socorro Lucena. A palestra foi estendida a
todos os professores da rede municipal de ensino de Aracoiaba. Posteriormente, foi feita uma
retrospectiva analítica da pesquisa-formação e o planejamento das novas ações.
Em junho de 2012 o processo de formação foi interrompido. À época, o secretário
de educação alegou contenção de despesas em virtude do ano eleitoral e suspendeu o
funcionamento de todas as formações. Com isso, houve uma quebra na sequência formativa
do grupo.
É preciso registrar ainda que ao longo dos seis semestres de formação houve um
movimento de entrada de novos docentes no grupo, bem como a saída de alguns. Isso se deu,
principalmente, com professores temporários e com alguns efetivos que tinham uma carga
46

horária de 200 h/a e nem sempre ficavam com toda a sua lotação com língua portuguesa nos
anos finais do ensino fundamental.
Neste movimento contínuo, ao longo de três anos, os professores foram se
fortalecendo, apoiando-se no outro e apoiando o outro. Os vínculos foram se fortalecendo e
ultrapassando o espaço da formação. Os sujeitos membros do grupo compreenderam que os
cursos finalizam, mas as aprendizagens permanecem e/ou se renovam, pois assim como a
vida, a formação é contínua.

2.4 Os momentos da investigação

O método da pesquisa-ação foi utilizado como caminho objetivo desta pesquisa-


formação, considerando o conjunto de procedimentos que interligam conhecimento e ação ou
que buscam construir novos conhecimentos. De um lado, o pesquisador, buscando
informações, formulando conceitos, orientando o desenvolvimento da formação e avaliando
as ações. De outro lado, os professores de língua portuguesa, agindo, aprendendo e buscando
melhorar a sua prática com a leitura.
Um dos pressupostos da pesquisa-ação é que ela seja realizada no contexto da
realidade a ser pesquisada. Assim, “a pesquisa-ação é um procedimento de reflexão aplicada
em virtude de uma situação particular a modificar (...) implicada em um campo concreto em
torno de um grupo de atores reais” (DIONNE, 2007, p. 48). Conforme já explicitado, esta
pesquisa-formação foi desenvolvida de 2009 a 2012 com um grupo de professores de língua
portuguesa dos anos finais do ensino fundamental, da rede municipal de ensino de Aracoiaba.
A pesquisa-ação, além de contar com um longo tempo para sua realização,
também pressupõe uma flexibilidade nos procedimentos. Nesse sentido, as estratégias
metodológicas devem favorecer ajustes e trabalhar com espirais cíclicas, ou seja,
planejamento, ação, reflexão, investigação, ressignificação, novo planejamento e novas ações,
de acordo com as necessidades apresentadas no grupo. Vale ressaltar que a ênfase na
flexibilidade, deve manter o rigor científico da investigação e buscar uma interpretação justa
dos fatos e das práticas desenvolvidas (FRANCO, 2005). A pesquisa-formação desenvolvida
com o grupo de professores seguiu essas estratégias metodológicas, visando adequar-se aos
movimentos do próprio grupo.
Alguns momentos são priorizados no desenvolvimento de uma proposta de
pesquisa-formação baseada em princípios da pesquisa-ação, com vistas a favorecer o
envolvimento, a participação e o compromisso com a produção de saberes e a construção de
47

novos conhecimentos, congregados na prática educativa dos professores do grupo e no campo


da pesquisa científica. Relaciono nos parágrafos seguintes os momentos desenvolvidos nesta
pesquisa-formação.

a) Fase exploratória

Inicialmente, procedi com uma atividade de investigação de caráter exploratório,


com vistas a uma maior aproximação com o lócus da pesquisa e o problema a ser investigado,
através do contato direto e sistemático com os professores, ouvindo suas dificuldades e
estratégias empreendidas para transformá-las.
O tríduo pedagógico de 2009 forneceu algumas pistas sobre os principais
problemas enfrentados pelos professores de língua portuguesa. A temática da leitura foi
recorrente durante os três dias de estudo com os professores. Assim, verifiquei as reais
necessidades formativas dos docentes a partir das dificuldades apresentadas em seu cotidiano,
no desenvolvimento do ensino e da aprendizagem nas escolas.
Verifiquei também que os docentes estavam com muitas expectativas em relação
ao PROIDEA. O escrito de um dos professores no diário de bordo revela isso: “Saímos muito
esperançosos, apreensivos, mas, também entusiasmados em melhorar os nossos
conhecimentos e a prática pedagógica. Estamos confiantes que a Educação de Aracoiaba irá
mudar [...]” (Fragmentos do Diário de Bordo de 10/08/2009 – Professora Clarice). Nesta
oportunidade, os docentes confeccionaram um pequeno livro, relatando brevemente alguns
fatos de sua vida (pessoal e profissional), explicitando porque e para que se encontravam ali,
além de enumerar as suas expectativas.
A pesquisa-formação no grupo, além do caráter de investigação contribui para
uma mudança qualitativa na prática do professor na escola. Para tanto, o docente necessita de
fundamentação para intervir em seu contexto real de trabalho. Assim, precisa observar,
interrogar, intervir e avaliar, ou seja, o professor desenvolve o seu processo formativo através
da investigação.

b) Observação participante

A observação participante favorece uma análise qualitativa do real, a partir da


interpretação do fenômeno investigado, considerando os diferentes significados conferidos à
48

ação pelos participantes do grupo. Este caso específico de observação, a participante,


pressupõe que o pesquisador faça parte do grupo investigado (ESTRELA, 1994).
A observação participante aconteceu de forma direta durante 33
encontros/oficinas, de oito horas cada, ao longo do período de 2009 a 2012. Essa longa
permanência com os professores foi fundamental para a compreensão e busca de
transformação do problema.
A cada encontro eram registradas as impressões sobre aquele dia. Ficava atento a
cada momento, desde a entrada dos professores, sua participação nas dinâmicas de acolhida,
nas atividades de socialização das práticas desenvolvidas na escola, nos grupos de estudo, nos
momentos de debate, na elaboração de material para as aulas, dentre outros.
O grupo de professores externava as expectativas, as alegrias, as dificuldades
enfrentadas para estarem ali, os sonhos e as inquietações. Como o encontro acontecia o dia
todo, havia, portanto, outros espaços/momentos de observação para além da sala da formação,
o horário de acolhida (geralmente acontecia com todas as turmas juntas na quadra esportiva
de uma escola), o do lanche, o do almoço.
As oficinas pedagógicas funcionavam como um momento coletivo de reflexão das
ações. Os sujeitos relatavam as práticas desenvolvidas em sala de aula, suas impressões de
tais atividades, bem como discutíamos coletivamente propostas de estudo e/ou ação para as
etapas seguintes, possibilitando aclarar a reflexão sobre o trabalho pedagógico desenvolvido.
Assim, estávamos desenvolvendo a abordagem em espiral, ou seja, uma reflexão sobre a ação,
articulando pesquisa-ação-reflexão-formação, produzindo conhecimento e socialização dos
saberes, análise, avaliação e (re)direcionamento das práticas (FRANCO, 2005).

c) O diário de bordo

Utilizei o diário de bordo ou diário de itinerância (BARBIER, 2007) para fazer


anotações de tudo que era observado: vozes, gestos, conceitos, dúvidas, sínteses,
planejamentos. Depois essas anotações eram digitadas e transformadas em um relatório
reflexivo. Em seguida, era enviado por e-mail aos demais participantes, posto no blog Língua
Portuguesa - Aracoiaba/CE, disponível no sítio ˂http://gestar-aracoiaba-ce.blogspot.com.br/˃,
socializando não apenas com o grupo, mas também com outras pessoas interessadas na
temática da leitura e seus desdobramentos na sala de aula. Isso é comprovado pela quantidade
de acessos ao blog, contabilizando 12.700 até o mês de junho de 2014.
49

Os professores também faziam suas anotações. A cada encontro era solicitado que
um participante fizesse os registros da formação no diário de bordo. Ao final do encontro o
texto estava pronto. No início, alguns ficaram receosos, pois achavam que não dava para
participar da formação, registrar os acontecimentos e desenvolver uma reflexão. Aos poucos
foram habituando-se a esta prática. O encontro seguinte sempre era iniciado com a leitura do
relatório reflexivo do encontro anterior. Alguns professores utilizavam-se da criatividade e
elaboravam os seus registros com certo tom poético, por exemplo, conforme o trecho abaixo:

Mais um assunto abordado [...] É assim que nos conhecemos e de valor em


valor se forma o professor. Cada um com seu temor pensando que o curso
seria um terror. Tiramos do peixe, as espinhas, para sua carne saborear,
tiramos do curso o cansaço para o momento brilhar, porque o dinamismo do
formador nossa concepção mudou. Passei a observar como é bom navegar
na esperança do ser humano para o futuro mudar (Fragmentos do Diário de
Bordo de 15/09/2009 – Professora C).

Com isso, os dados anotados eram retomados, discutidos e ressignificados com e


pelo grupo, através das espirais cíclicas, convertendo-se em conhecimentos do processo de
pesquisa, possibilitando novas descobertas para o grupo de professores participantes e para o
pesquisador.

d) Entrevista

A entrevista é comumente utilizada em pesquisas científicas e não apenas em


pesquisas de caráter colaborativo, como a pesquisa-ação, a pesquisa-formação. A diferença
entre esta técnica e o questionário é que a entrevista precisa da interação direta entre o
pesquisador e o entrevistado.
A entrevista é um fenômeno complexo presente nas interações humanas e visa à
compreensão detalhada de valores, crenças e atitudes, ligadas ao comportamento dos sujeitos
em situações específicas (BAUER; GASKELL, 2002). A entrevista também é considerada um
importante artefato de comunicação e de obtenção de informações que favorece a
compreensão do que ocorre na interação humana (LÜDKE; ANDRÉ, 1986).
Na entrevista, o investigador e os sujeitos são os protagonistas (SZYMANSKI,
2004). Nesse sentido, a análise dos dados se dá em dois aspectos: natureza objetiva – fatos
concretos; natureza subjetiva – atitudes, valores, opiniões (MINAYO, 1994). Com o uso desta
estratégia a fala assume um papel singular no momento da coleta dos dados.
Uma boa entrevista acontece quando os sujeitos estão à vontade para expressarem
50

seus pontos de vista. Com efeito, as pesquisas que utilizam entrevistas são processos sociais
que tem as palavras como principal meio de troca de ideias e de significados, de interação
(BOGDAN; BIKLEN, 1994).
Um ano após a interrupção do processo de formação contínua do grupo de
professores de língua portuguesa, realizei entrevistas individuais aplicadas de modo
aprofundado com seis professoras participantes do grupo de formação, sendo três professoras
da sede de Aracoiaba e três da zona rural. Assim, utilizei uma amostra intencional, por tratar-
se de “um pequeno número de pessoas que são escolhidas intencionalmente em função da
relevância que elas apresentam em relação a um determinado assunto” (THIOLLENT, 2011,
p. 71). O quadro abaixo traz as professoras entrevistadas, as escolas onde atuam e a
localização destas:

Quadro 1 – Professoras entrevistadas


Professora Escola Localização
Ana Maria Ciranda de Estrelas Sede
Cecília Janela Mágica Zona Rural
Clarice Felicidade Clandestina Sede
Cora Os meninos verdes Sede
Eva Catarina e Josefina Zona Rural
Rachel Telha de vidro Zona Rural
Fonte: Elaborado por Martins (2014)

Escolhi seis professoras que representam o grupo da pesquisa-formação. Elas são


efetivas, participaram de pelo menos três anos da formação, representam os docentes da sede
municipal, bem como da zona rural e se dispuseram a conversar sobre a experiência
vivenciada no grupo. Para fins de análise da investigação e visando garantir o anonimato, as
professoras receberam nomes de escritoras e as escolas foram nomeadas com títulos de obras
literárias.
As entrevistas objetivaram verificar as aprendizagens que foram desenvolvidas
com a participação no grupo; entender como as professoras desenvolvem o seu trabalho
pedagógico e o que aprendem ensinando leitura no cotidiano. As respostas dadas por cada
entrevistada foram gravadas e, posteriormente, transcritas e agrupadas nas categorias de
análise.
51

e) Análise documental

Utilizei diversas fontes documentais, tais como: relatórios de pesquisa, livros de


ata e frequência, índices e tabelas estatísticas, regimentos, cartazes, projetos político-
pedagógicos, planos de aula, projetos de ensino, portfólios, fotografias, certificados, históricos
de cursos de formação inicial, cartazes e documentos legais.
Assim tive acesso a documentos utilizados durante o desenvolvimento da
formação e guardados por mim, pelos professores ou pela coordenação pedagógica do
PROIDEA. Fui às seis em que as professoras participantes das entrevistas exercem a docência
e recorri à leitura e cópias de alguns documentos, bem como utilizei dados dos arquivos da
Secretaria Municipal de Educação.
Analisei documentos referentes à legislação educacional, tais como: LDBEN,
FUNDEB, PNE. Também utilizei dados estatísticos do IDEB, da PNAD, do PNUD, do IBGE,
do INEP e análise de materiais que tratam de programas que envolvem a formação de
professores e práticas docentes, a exemplo do Sistema UAB, do PARFOR, do PIBID, além de
dados da contextualização da ANFOPE.
A análise dos mais diversos documentos aliada às outras técnicas já citadas
permitiu desvelar elementos que se relacionam à formação contínua e às práticas dos docentes
com a leitura no cotidiano das escolas da rede municipal de ensino.

f) Análise dos dados

Após a coleta do vasto material obtido ao longo do desenvolvimento da pesquisa-


formação, procedi à fase de análise dos dados. Analisar os dados consiste num processo de
organização sistemática das informações obtidas ao longo da investigação, com os relatos das
observações presentes no diário de bordo, as transcrições das seis entrevistas, a análise
documental, além de outras informações disponíveis (BOGDAN; BIKLEN, 1994, LÜDKE;
ANDRÉ, 1986).
O objetivo da análise foi ampliar a minha compreensão desse material, bem como
encontrar uma adequada maneira de apresentação dos resultados, dos achados com a
investigação.
Fui organizando alguns dados à medida que a pesquisa-formação ia acontecendo.
Procedi desta forma com os dados obtidos durante a observação participante e os contidos no
diário de bordo, buscando reconstruir o percurso da formação contínua dos professores que
52

participaram do grupo de pesquisa-formação. Primeiramente, fiz uma síntese e depois busquei


aspectos significativos que evidenciassem a articulação feita pelos docentes entre a formação
contínua e as práticas de leitura no cotidiano.
Posteriormente, busquei uma articulação desses primeiros dados que foram
tratados com os depoimentos colhidos com as entrevistas, que foram organizados nas
categorias, analisados e interpretados à luz do referencial teórico.
53

3 COMPONDO O TECIDO DO PROCESSO FORMATIVO

“Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o


sol chegando atrás das beiradas da noite. E
logo sentava-se ao tear.” (Marina Colasanti)

Este texto é o resultado do encontro de muitos fios, um processo iniciado com a


aurora e sempre estendido até o profundo silêncio da noite, das noites. Aqui está um
entrecruzamento de linhas e ideias de vários estudos e pesquisas que me ajudaram a construir
este tecido, este capítulo.
A interação com outros pesquisadores mostra que o processo de construção é
individual, mas também coletivo. Para ter uma melhor compreensão do meu lugar de origem
busquei refletir a partir de questões globais. Assim, os fios antes emaranhados foram se
desenrolando e se transformando.
A última década do século XX e estes anos dos século XXI são marcados por
rápidas transformações na geopolítica global, que impactam diretamente nas políticas
educacionais. Esse contexto de mudanças oriundas dos avanços científico-tecnológicos se
amplia para os diversos setores da vida humana. No campo da educação, instaura-se um clima
de inquietação no que concerne ao perfil de homem que se deseja formar para essa sociedade.
Desta forma, esse período recebe também a marca das discussões acerca da formação docente,
pois sem uma adequada formação de professores, dentre outros fatores, não há ensino de
qualidade.
O capítulo tece sobre os estudos e as pesquisas que serviram de base para a
fundamentação teórica do objeto de estudo da presente investigação. Trata, portanto, dos fios
que compõem o contínuo processo formativo de professores no desenvolvimento das práticas
de leitura nos anos finais do ensino fundamental, em escolas da rede pública municipal de
ensino. Aqui, a formação docente é entrelaçada ao contexto das reformas educacionais
brasileiras, sobretudo na última década do século XX. Formação inicial e formação contínua
se encontraram como a urdidura 7 e a trama8, resultando em uma adequada formação do
docente9.

7
Primeiro conjunto de fios colocados no sentido do comprimento do tear.
8
Segundo conjunto de fios que passam no sentido transversal do tear.
9
O encontro da urdidura com a trama compõe o tecido no tear.
54

3.1 Formação inicial

“Um galo sozinho não tece uma manhã:


ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.”
(João Cabral de Melo Neto)

Assim como “um galo sozinho não tece uma manhã”, um professor sozinho não
desenvolve o seu processo de formação. É preciso um trabalho coletivo em que várias vozes
ecoem, sejam escutadas e refletidas para que fio a fio seja tecido o processo de formação
docente.
A educação é tema recorrente nos diversos espaços sociais, não necessariamente
nas escolas ou na Universidade, pois não acontece apenas nos locais formais, faz parte do
cotidiano. É um direito de todos os seres humanos e também a condição para o acesso aos
demais direitos.
A educação ultrapassa o trabalho desenvolvido nas escolas, pois também se
aprende na convivência com as pessoas mais experientes, com os familiares, com os exemplos
da vizinhança. Esse processo se chama educação informal. Também há a educação não-
formal, que são as atividades educacionais intencionais e, portanto, planejadas, mas que
acontecem fora das escolas e não promovem seriação. Já a educação formal trabalha com
objetivos claros, segue uma sequência hierárquica de progressão gradativa – educação básica
e ensino superior. Geralmente, acontece nas escolas e universidades. Portanto, educa-se de
várias formas e com diferentes objetivos.
A década de 1990 é caracterizada mundialmente pelo movimento de valorização
da formação e da profissionalização de professor. As profundas mudanças ocorridas na
economia mundial repercutem diretamente nas políticas educacionais brasileiras. Diante disso
55

surgiram e continuam surgindo novas exigências, o que implica um novo fazer nas escolas e,
consequentemente, novas habilidades por parte do professor.
A super exploração do trabalho docente a partir do capitalismo global faz com que
o docente vivencia um processo de reestruturação produtiva, sendo responsabilizado por
inúmeras funções, além da de ensinar. É preciso dar conta do manuseio de equipamentos
tecnológicos, participar de conselhos, gerir recursos, dentre outras tarefas que lhe são
impostas.
Neste contexto, o professor assume uma identidade de múltiplas funções, o que
demanda uma complexa formação, considerando a inicial e a contínua, estabelecendo conexos
com o cotidiano do professor na escola, na interação reflexiva com os seus colegas como
significativo momento de formação.
Esse período de mudanças também influencia o trabalho pedagógico do professor.
Suas ações interligam teoria e prática e o domínio de saberes plurais, que favorecem uma ação
autônoma e consciente de que os diversos saberes sociais estão vinculados a dimensões para
além da racionalidade científica (RIBEIRO, 2010).
Diante deste cenário de rápidas transformações são exigidos dos profissionais da
educação novos conhecimentos e habilidades de alto nível, ou seja, mais e melhor
escolaridade. Com isso, o investimento na formação docente surge como uma das
possibilidades para as reformas dos sistemas educacionais. Para tanto, “é necessário um
reconhecimento público, explícito e consequente da importância dos professores e professoras
na promoção de uma educação e de uma escola a serviço da construção de uma sociedade
autenticamente democrática” (CANDAU, 2011, p. 9).
Não basta reconhecer a importância da figura do professor como potencializador
de uma sociedade verdadeiramente democrática. Antes, porém, é preciso valorizá-lo com uma
política salarial digna, com condições materiais e de infraestrutura adequadas ao exercício de
sua prática pedagógica. Não é possível dissociar a formação docente das políticas públicas
voltadas para a educação.
A formação dos profissionais da educação foi sempre permeada por uma situação
paradoxal: a defesa exacerbada do quão fundamental ela é e o parco reconhecimento social e
acadêmico que lhe foi atribuída (IMBERNÓN, 2011).
As mudanças na área da educação ainda acontecem de forma muito lenta. Isso se
dá, talvez, pelo fato de em pleno século XXI ainda existir um discurso fervoroso sobre a
importância da educação, mas na prática esta ainda não é uma prioridade. Sem um
56

compromisso político em diálogo com as instâncias municipal, estadual e federal, certamente,


não haverá êxito na caminhada por um Brasil de pessoas críticas e reflexivas.
As políticas públicas avançaram ao propor a universalização do acesso das
crianças ao ensino regular obrigatório. Por outro lado, o acesso não garante a permanência e
nem tão pouco uma aprendizagem de qualidade a todos os estudantes.
A expansão do ensino trouxe uma nova clientela e, consequentemente, novos
desafios e necessidades. Assim, gerou uma demanda por professores qualificados, ou seja,
com a titulação exigida para o exercício da docência. Essa demanda foi regulamentada pela
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN 9394/96, que em seu artigo 62
assevera:

A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível


superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e
institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o
exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do
ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal
(BRASIL, 2013, p. 35).

A LDBEN vigente não trouxe mudanças substanciais à formação inicial de


professores. Primeiramente, impõe para a atuação na educação básica a posse de um diploma
de nível superior em curso de licenciatura. Logo, em seguida, admite a formação em nível
médio, na modalidade normal, para a atuação na educação infantil e nos anos iniciais do
ensino fundamental. Tal postura evidencia um desprestígio às etapas iniciais da educação
básica. O artigo 63 trata dos institutos superiores de educação, afirmando que estes manterão:

I - cursos formadores de profissionais para a educação básica, inclusive o


curso normal superior, destinado à formação de docentes para a educação
infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental;
II - programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de
educação superior que queiram se dedicar à educação básica;
III - programas de educação continuada para os profissionais de educação
dos diversos níveis (BRASIL, 2013, p. 36-37).

Os institutos superiores de educação (ISE) foram criados para a formação inicial e


a formação continuada dos professores da educação básica, mas com a função específica do
ensino. Isso denota que tal formação se distancia da pesquisa e da extensão que junto com o
ensino formam o tripé da universidade brasileira, fundamentado no artigo 207 da Constituição
Federal (CF) de 1988, estabelecendo que as universidades “obedecerão ao princípio da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (BRASIL, 1988). Assim, os ISE
priorizando apenas um dos três aspectos considerados indissociáveis pela CF de 1988
57

caracterizam-se “como instituições de nível superior de segunda categoria, provendo uma


formação mais aligeirada, mais barata, por meio de cursos de curta duração” (SAVIANI,
2009, p. 6).
Ancorados na legislação educacional vigente os referidos institutos desbravaram o
sertão brasileiro oferecendo cursos de licenciatura aos finais de semana e em um período
intensivo de aulas durante os meses reservados para o recesso nas escolas da educação básica.
Muitos docentes tiveram que conciliar o curso superior com a rotina na escola, além de suas
obrigações pessoais e familiares. De certo modo, alguns projetos pedagógicos apresentavam
uma estrutura curricular em descompasso com o cotidiano da escola ou ainda com uma
fragmentação de conteúdos e/ou disciplinas que não favoreceram o amadurecimento
acadêmico do docente.
Relatos de professores evidenciam que a formação inicial não ofereceu os
princípios básicos para o exercício da docência. Além disso, algumas “pesquisas recentes têm
mostrado que os professores não estão recebendo preparo inicial suficiente nas instituições
formadoras para enfrentar os problemas encontrados no cotidiano da sala de aula” (GHEDIN;
ALMEIDA; LEITE, 2008, p. 17-18).
Gatti, Barreto e André (2011) fizeram um estado da arte das políticas docentes
brasileiras e evidenciam que há lacunas básicas na formação inicial oferecida pelos cursos de
licenciatura. Tais lacunas retratam que as políticas públicas de formação precisam ser
repensadas, sobretudo em relação à formação inicial, às instituições de ensino superior e aos
currículos. Se a formação inicial, muitas vezes, não atende às expectativas dos docentes é
preciso rever os currículos vigentes, bem como oferecer possibilidades formativas aos
professores já egressos de tais cursos.
Novas atribuições passaram a ser cobradas dos docentes, mas a formação inicial
não tem suprido essa lacuna. O contexto atual não pode considerar o docente como um
simples transmissor de conteúdos. Assim, o professor também precisa enfatizar que “o seu
papel não é de um repassador de um saber produzido por outras pessoas, mas que ele é sujeito
de um saber pedagógico que é construído pelos agentes da educação e que tem características
diversas e multifacetadas” (RIBEIRO, 2010, p. 59).
A formação inicial favorece a base do conhecimento pedagógico proporcionando
uma interligação real com as situações educativas, analisando-as, renovando-as e equilibrando
teoria e prática (IMBERNÓN, 2011). Cabe à Universidade oferecer ao futuro professor uma
sólida formação inicial e favorecer os mecanismos para que ele compreenda o seu complexo
papel social, pautado pelo compromisso com a qualidade da educação pública.
58

Entre outras possibilidades, a formação inicial deve oportunizar ao docente a


capacidade de trabalhar com o estudante a partir de várias dimensões: a ética, a estética, a
afetiva, a dos valores emocionais, a dos sentidos, além da cognitiva, obviamente. Tal
perspectiva contribui para a formação de professores criativos, hábeis para a resolução de
problemas, solidários para o trabalho em equipe com os seus pares com vistas a garantir uma
educação de qualidade aos discentes (GHEDIN; ALMEIDA; LEITE, 2008).
A formação docente não é apenas um espaço de aquisição de técnica e
conhecimentos, mas, sobretudo, é o momento da socialização e da configuração profissional
(NÓVOA, 1995). Assim,

a formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos


professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as
dinâmicas de autoformação participada. Estar em formação implica um
investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os
projetos próprios, com vista à construção de uma identidade, identidade
profissional (NÓVOA, 1995, p. 25).

Nesse sentido, é importante que o professor atue como mediador da sua formação
a partir das trocas de experiências com os pares, refletindo suas práticas e com o apoio do
coletivo de professores (re)construindo permanentemente a sua própria identidade docente.
Isso não isenta o poder público de garantir as condições para que o processo formativo se
desenvolva.
Na década de 1990 a formação de professores era vista como um processo de
assimilação de estratégias e desenvolvimento de habilidades e conhecimentos com o objetivo
de mudar as salas de aulas. Nos anos 2000, a tônica voltou-se para a criação de espaços para
construção da aprendizagem a partir de uma prática reflexiva. Atualmente, aponta-se para
mudar a realidade educativa e social com o empenho dos diversos agentes sociais em uma
verdadeira construção coletiva (IMBERNÓN, 2010).
André (2009) faz um estudo comparativo com relação à produção de dissertações
e teses na área de educação nos períodos compreendidos entre 1990 a 1998 e entre os anos de
1999 a 2003. A investigação evidencia que as pesquisas sobre a formação de professores
cresceram consideravelmente no início deste século. Os dados revelam que nos anos 1990, do
total de dissertações e teses da área de educação, apenas 6% tratavam da formação docente. Já
fazendo uma média entre o período de 1999 a 2003 o percentual equivale a 14%.
Especificamente, no ano de 2003, o percentual chega a 16%.
Na década de 1990 o foco das pesquisas sobre formação de professores estava na
formação inicial, com um percentual de 72%. No início dos anos 2000 o foco passa para a
59

identidade e profissão docente, com um percentual de 41%. A formação inicial fica com um
percentual de 22%, seguida da formação continuada com 21%. Pesquisas que tratam da
formação inicial e continuada perfazem um percentual de 3%, política de formação apresenta
um percentual de 4% e outras temáticas diversas ficam com 9% (ANDRÉ, 2009).
O exposto acima mostra que o foco das pesquisas sobre formação de professores
no início deste século se volta para os estudos da identidade docente, seus saberes, suas
práticas, suas condições de trabalho e profissionalização. Essa mudança investigativa
caracterizada pela aproximação com o cotidiano dos professores pode favorecer novas
estratégias de formação, que evidenciem os saberes produzidos pelos e com os docentes na
incessante busca de uma educação de qualidade.
A pesquisa sobre a formação docente deve ultrapassar a simples constatação dos
dados e proporcionar uma verdadeira troca de experiências, de saberes, de aprendizagens
entre pesquisadores e professores. Assim, o processo formativo de ambos é fortalecido e
enriquecido.
Pesquisa recente de Alves e Pinto (2011) revela que quanto ao nível de formação
dos professores brasileiros, 0,6% estudaram apenas até o ensino fundamental; 31,6%
estudaram até o ensino médio; 43% concluíram um curso de graduação; 23,3% cursaram
especialização e 1,3% cursaram mestrado ou doutorado. O estudo revela ainda que, 49,8% dos
professores de educação infantil e 36,5% dos professores dos anos iniciais do ensino
fundamental cursaram apenas o ensino médio. É válido relembrar que a atuação destes
professores está amparada pelo artigo 62, da LDBEN 9394/96.
Quase duas décadas após a promulgação da LDBEN 9394/96, a Lei nº 12.796,
de 4 de abril de 2013 estabeleceu uma ínfima alteração, no que diz respeito ao Título VI – dos
profissionais da educação. A atualização feita ao artigo 62 refere-se basicamente à troca da
expressão “nas quatro primeiras séries do ensino fundamental” por “nos cinco primeiros anos
do ensino fundamental” (BRASIL, 2013, p. 2-3). Houve ainda o acréscimo de três parágrafos:

§ 4ºA União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios adotarão


mecanismos facilitadores de acesso e permanência em cursos de formação
de docentes em nível superior para atuar na educação básica pública.
§ 5o A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios incentivarão a
formação de profissionais do magistério para atuar na educação básica
pública mediante programa institucional de bolsa de iniciação à docência a
estudantes matriculados em cursos de licenciatura, de graduação plena, nas
instituições de educação superior.
§ 6o O Ministério da Educação poderá estabelecer nota mínima em exame
nacional aplicado aos concluintes do ensino médio como pré-requisito para o
60

ingresso em cursos de graduação para formação de docentes, ouvido o


Conselho Nacional de Educação – CNE (BRASIL, 2013, p. 3).

O sétimo parágrafo, cujo teor era: “Os docentes com a formação em nível médio
na modalidade normal terão prazo de 6 (seis) anos, contado da posse em cargo docente da
rede pública de ensino, para a conclusão de curso de licenciatura de graduação plena”
(ARAÚJO, 2013) foi vetado pela Presidente da República, em 04 de abril de 2013.
O veto demonstrou um verdadeiro retrocesso, posto que há uma década a
Resolução CNE/CEB 01, de 20 de agosto de 2003, propunha em seu artigo segundo que,

Art. 2º Os sistemas de ensino envidarão esforços para realizar programas de


capacitação para todos os professores em exercício.
§ 1º. Aos docentes da educação infantil e dos anos iniciais do ensino
fundamental será oferecida formação em nível médio, na modalidade
Normal até que todos os docentes do sistema possuam, no mínimo, essa
credencial.
§ 2º. Aos docentes que já possuírem formação de nível médio, na
modalidade Normal, será oferecida formação em nível superior, de forma
articulada com o disposto no parágrafo anterior (BRASIL, 2003, p. 1).

Passados dez anos de uma resolução que conclamava os sistemas de ensino para
que os professores desenvolvessem sua formação em nível superior para atuar na educação
infantil e nos anos finais do ensino fundamental é imposta uma nova legislação permitindo
que docentes com ensino médio na modalidade normal possam atuar na educação infantil e
nos anos iniciais do ensino fundamental.
O artigo 87-A que estava atrelado ao parágrafo sétimo do artigo 62 também foi
vetado. A mensagem presidencial justifica da seguinte maneira os dois vetos:

O texto não prevê consequências ao descumprimento da regra, gerando


incerteza sobre o destino do profissional que não concluir os estudos no
prazo determinado. Além disso, diante da significativa expansão de vagas na
educação infantil, a exigência de formação em nível superior para essa etapa,
no curto prazo apresentado pela medida, atinge sobremaneira as redes
municipais de ensino, sem a devida análise de viabilidade de absorção desse
impacto (ARAÚJO, 2013, p. 2-3).

A questão principal, certamente, não seria as “consequências” de possíveis


descumprimentos do que a legislação impõe, mas, sobretudo, a garantia pelos entes federados
de que os professores teriam as condições para cursar o nível superior.
O trecho “a devida análise de viabilidade de absorção desse impacto” evidencia
que tal artigo não foi aprovado, principalmente, por apresentar um significativo impacto
financeiro aos cofres públicos. Corroboro com as ideias de Araújo ao afirmar que: “há uma
61

clara inversão nesta decisão: se exigir que todos tenham nível superior possui impacto
provável na qualidade educacional, o país deveria discutir quanto custará este esforço e de
onde deveria sair o recurso” (ARAÚJO, 2013, p. 3).
Por fim, na mesma lei, o parágrafo quarto, do artigo 87 foi revogado: “Até o fim
da Década da Educação somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou
formados por treinamento em serviço” (BRASIL, 2013, p. 44). Isso demonstra uma atitude
autoritária, que denota a facilidade de tornar sem efeito o que deveria ser garantido como
direito real ao professor: a formação em nível superior. Para tanto, as políticas públicas teriam
que garantir cursos de graduação a um contingente de 636.186 professores que continuam
com o nível de formação situado no âmbito do ensino fundamental ou do ensino médio,
conforme Microdados do Censo Escolar / INEP - 2009. Já se passaram quase duas décadas da
promulgação da LDBEN vigente e o que não aconteceu na “Década da Educação” foi
simplesmente suprimido, evidenciando assim que as políticas públicas voltadas para a
educação ainda não deram conta da grande demanda de formação inicial dos docentes.
A Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
(ANFOPE)10 se pronunciou sobre a Lei Nº. 12.796, de 4 de abril 2013, classificando-a como
um “retrocesso no direito dos atuais professores das séries iniciais do ensino fundamental e
educação infantil pela formação superior” (ANFOPE, 2013, s/p).
A pesquisa de Alves e Pinto (2011) revela ainda que na educação básica o
percentual de professores com ensino superior aumenta à medida que avançam as etapas do
ensino. Assim, um percentual de 47,2% dos professores da educação infantil tem o nível
superior. Já 61% dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental cursaram uma
graduação. O percentual de professores dos anos finais do ensino fundamental com curso
superior é de 81%. Já 87,3% dos professores do ensino médio afirmam ter curso superior.
É válido lembrar que, sobretudo nos municípios situados no interior dos estados
brasileiros, há professores com curso de graduação, mas que atuam em área totalmente
contrária à sua de formação inicial ou em uma etapa a qual seu curso não o credencia. Entre
outros aspectos, considerando que, os professores e sua formação são peças fundamentais
para a oferta de uma educação de qualidade, possivelmente, há professores com curso de
graduação, mas sem a qualificação devida para atuar em uma disciplina específica ou em
determinada etapa.

10
A ANFOPE caracteriza-se como uma entidade de caráter político-acadêmico que desde o final da década de
1970 desenvolve pesquisas, debates e proposições para a formação dos profissionais da educação.
62

A referida pesquisa mostra um movimento inverso quando trata da instituição


onde os docentes concluíram a graduação. 67,8% dos professores que atuam na educação
infantil cursaram a graduação em uma Instituição de Ensino Superior (IES) privada e apenas
32,2% cursaram a graduação em uma IES pública. 61,9% dos professores dos anos iniciais do
ensino fundamental concluíram sua graduação em IES privada e 38,1% concluíram em uma
IES pública. 56,8% dos docentes dos anos finais do ensino fundamental fizeram seu curso de
formação inicial em uma instituição privada e 43,2% cursaram em uma IES pública. 55,4%
dos professores que atuam no ensino médio cursaram sua graduação em uma IES privada e
44,6% concluíram sua graduação em uma IES pública. Tais dados mostram que o maior
percentual de professores que estudaram em instituições de ensino superior públicas está nos
anos finais do ensino fundamental e no ensino médio.
As diversas reformulações e acréscimos à legislação educacional vigente ainda
não conseguiram promover uma formação inicial que articule a formação disciplinar à
formação pedagógica. Nesse sentido, a formação docente nas áreas disciplinares “mesmo com
as orientações mais integradoras quanto à relação ‘formação disciplinar – formação para a
docência’, na prática ainda se verifica a prevalência do modelo consagrado no início do século
XX para essas licenciaturas” (GATTI; BARRETO; ANDRÉ, 2011, p. 96).
Isso se dá em virtude de um jogo de interesses tanto das instituições como do
poder político regulador da formação em nível superior. Algo que fica evidente é que as
mudanças necessárias implicariam para instituições privadas e universidades públicas um
significativo montante financeiro, além de ajustes curriculares, contratação de docentes e
alteração na duração dos cursos. Ainda é preciso ressaltar que há a presença de disputas
internas nos departamentos, sobretudo em relação à distribuição de cargos e horas/docência, o
que dificulta mudanças substanciais (GATTI; BARRETO; ANDRÉ, 2011).
Uma sucessão de resoluções mostra que, geralmente, as políticas públicas para a
formação de professores não se efetivam plenamente. Conforme já citado anteriormente, os
pontos que carecem de intervenção enérgica não são combatidos. São lançados apenas
paliativos. O pior é que a exceção passa a valer como regra. A Resolução CNE/CP 1, de 18 de
fevereiro de 2002 instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores da Educação Básica, em nível superior, em cursos de licenciatura, de graduação
plena.
A referida resolução propunha “um conjunto de princípios, fundamentos e
procedimentos a serem observados na organização institucional e curricular de cada
estabelecimento de ensino e aplicam-se a todas as etapas e modalidades da educação básica”
63

(BRASIL, 2002, p. 1). Foi estipulado um prazo de dois anos para que os cursos de formação
de professores para a educação básica já em funcionamento se adaptassem à resolução.
Porém, dois anos depois, a Resolução Nº 2, de 27 de Agosto de 2004 adia o prazo previsto,
concedendo mais um ano para tal ajuste, estimulando como tempo limite a emblemática data
de 15 de outubro de 2005, quando se comemora o dia do professor. Mais uma década se
passou e a legislação não foi plenamente atendida (BRASIL, 2004).
A crise na formação docente é constantemente camuflada por adequações a
questões pontuais do processo formativo. Como não há uma crise totalmente instaurada não
se realizam profundas mudanças. Assim, “as gestões educacionais e as universidades têm
apenas proposto reformulação deste ou daquele aspecto desses cursos, não tocando no âmago
da questão, tão bem salientado nas análises: sua estrutura institucional e a distribuição de seus
conteúdos curriculares” (GATTI; BARRETO; ANDRÉ, 2011, p. 135).
Não estão sendo colocadas em prática alternativas viáveis e condizentes com as
necessidades dos professores e, consequentemente, preocupadas com a aprendizagem dos
estudantes da educação básica. Os problemas são constantemente retratados pelos resultados
de concursos públicos, pelos próprios licenciandos e docentes, pelas avaliações propostas pela
escola ou em larga escala (GATTI; BARRETO; ANDRÉ, 2011).
As políticas públicas ainda não conseguiram dar conta da complexa demanda da
educação básica brasileira. Entre outros aspectos, é preciso um investimento real e prático na
formação docente, não apenas na forma de legislação e/ou discurso, para que se tenha a tão
propalada qualidade da educação.
Embora as políticas públicas para a formação docente no Brasil ainda não tenham
atendido à demanda existente, não se pode negar algumas ações políticas elaboradas e
executadas que favoreceram a formação inicial de docentes. Assim, traço um panorama de
algumas delas, a saber: Pró-Licenciatura – Universidade Aberta do Brasil (UAB), Plano
Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR) e Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID).

 Pró-Licenciatura – Universidade Aberta do Brasil (UAB)

A Universidade Aberta do Brasil (UAB) foi instituída pelo Decreto N° 5.800, de


08 de junho de 2006, com finalidade de expansão e interiorização de cursos e programas de
educação superior, na modalidade de educação a distância – EAD. Desde o ano de 2007 o
programa UAB integra as atividades da Diretoria de Educação a Distância, da Coordenação
64

de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), visando colaborar com o processo


de formação inicial e continuada dos professores da educação básica.
O Sistema UAB oferece cursos de licenciatura nas diferentes áreas do
conhecimento aos professores da educação básica, além de cursos de formação continuada;
capacita dirigentes, gestores e trabalhadores em educação básica dos estados, do distrito
federal e dos municípios. Objetiva ainda reduzir as desigualdades de oferta de ensino superior,
estabelecendo amplo sistema de educação superior a distância e fomentando desenvolvimento
institucional para a modalidade ead, bem como a pesquisa em metodologias inovadoras de
ensino superior com o apoio das tecnologias de informação e comunicação – TIC.
O Sistema UAB atua em regime de colaboração da União com os entes
federativos, mediante a oferta de cursos por instituições públicas de ensino superior (IPES),
em articulação com polos de apoio presencial. Tais polos são mantidos pelos governos dos
municípios ou estados, oferecendo a infraestrutura física, tecnológica e pedagógica para o
desenvolvimento de atividades pedagógicas e administrativas presenciais. Informações
coletadas no sítio uab/capes sinalizam a presença de 666 polos de apoio presencial, 96 IPES
participantes com a oferta de 930 cursos, sendo aproximadamente 700 destinados à formação
de professores. São mais de 190.000 estudantes segundo dados de 2011.
No âmbito da UAB também é desenvolvido o Programa de Formação Inicial para
Professores dos Ensinos Fundamental e Médio (Pró-Licenciatura). O programa oferece
formação inicial na modalidade ead para professores que atuam nos sistemas públicos de
ensino, nos anos/séries finais do Ensino Fundamental e/ou no Ensino Médio, mas que não têm
a habilitação legal para o exercício da docência.
O Pró-licenciatura objetiva melhorar a qualidade de ensino na educação básica,
contextualizando a formação inicial com a área de atuação do docente. Com isso, considera o
cotidiano docente, valorizando suas experiências na escola como motivação reflexiva sobre
sua prática pedagógica. Os professores participantes recebem bolsa de estudo e precisam estar
em pleno exercício da docência há pelo menos um ano e não ter ainda a habilitação legal para
desempenhar a função de docente dos anos finais do ensino fundamental ou do médio.
Uma questão que merece reflexão é a precarização do trabalho do tutor
(presencial e a distância). O tutor recebe uma bolsa para atuar na UAB. Geralmente, ele já
trabalha em outras instituições de ensino e/ou é estudante de pós-graduação stricto sensu.
Atuei como tutor da UAB – UFC Virtual e acompanhei a precariedade das instalações físicas
de boa parte dos polos espalhados pelo interior cearense. Embora exista um acervo virtual e a
tentativa de implantação de bibliotecas, avalio que o acesso à pesquisa ainda é muito tímido.
65

É válido ressaltar que vários estudantes e, inclusive polos de apoio presencial, têm dificuldade
de acesso à internet, o que constantemente ocasiona problemas no acesso ao ambiente virtual
e na entrega de atividades em tempo hábil.

 Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR)

A Lei n° 11.502, de 11/07/2007, modifica as competências da Coordenação de


Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que ficou responsável por “induzir e
fomentar, inclusive em regime de colaboração com os Estados, os Municípios e o Distrito
Federal e exclusivamente mediante convênios com instituições de ensino superior públicas ou
privadas, a formação inicial e continuada de profissionais de magistério” (BRASIL, 2007, p.
1).
O Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica (PARFOR) é
uma ação que envolve o Ministério da Educação (MEC), CAPES, IPES e secretarias de
educação estaduais e municipais. O PARFOR destina-se aos professores em exercício nas
escolas públicas estaduais e municipais sem a formação exigida pela legislação educacional.
O professor sem formação adequada poderá cursar uma primeira licenciatura, com
carga horária de 3.200 horas, sendo que 400 horas são de estágio para professores sem
graduação. O professor que atua fora de sua área de formação pode fazer uma segunda
licenciatura, com carga horária entre 800 e 1.200 horas. Há também a possibilidade de
formação pedagógica para os bacharéis. A modalidade presencial é preferencial para a
formação inicial de profissionais do magistério. Já a formação contínua dos profissionais do
magistério pode acontecer nas modalidades presencial e/ou a distância.
Segundo dados coletados no sítio da Capes, até o ano de 2012 foram implantadas
1.920 turmas, que atendem a um total de 54.000 professores da educação básica, em 397
municípios espalhados pelo Brasil.
Análises de diversos especialistas sobre as potencialidades e fragilidades do
PARFOR mostram como positivo o estímulo ao processo formativo dos docentes que atuam
na educação básica, na rede pública e necessitam equiparar sua formação às exigências da
legislação educacional. Em algumas IES são apontadas fragilidades nos currículos, na gestão
financeira, na comunicação e divisão de papeis organizacionais, na preparação de alguns
professores formadores, além de casos de evasão, dentre outras questões (GATTI;
BARRETO; ANDRÉ, 2011).
66

 Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID)

O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) foi instituído


pelo Decreto nº 7.219/2010 e é executado no âmbito da CAPES com a finalidade de fomentar
a iniciação à docência e consolidar a formação de professores em nível superior, melhorando
a qualidade da educação básica. O PIBID é uma ação conjunta do MEC e da CAPES, com
vistas ao atendimento de estudantes de cursos de licenciatura das IES, em parceria com as
escolas da rede pública de ensino, das esferas estadual ou municipal.
Sinteticamente, o PIBID objetiva incentivar a formação de docentes em nível
superior; contribuir para a valorização do magistério; elevar a qualidade da formação inicial
de professores nos cursos de licenciatura; inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da
rede pública de educação; incentivar escolas públicas de educação básica, mobilizando seus
professores como formadores dos futuros docentes e contribuir para a articulação entre teoria
e prática.
O PIBID faz parte da Diretoria de Educação Básica Presencial (DEB), cuja matriz
de trabalho articula as seguintes: valorização do magistério; qualidade na educação;
integração pós-graduação, graduação, formação docente e escolas; e produção e disseminação
de conhecimento.
O PIBID contempla estudantes de cursos de licenciatura com bolsas para que
desenvolvam atividades pedagógicas na rede pública de ensino. Assim, há uma integração
entre teoria e prática, aproximando universidade e escola. Há um constante diálogo entre
bolsistas, coordenadores de área (docentes das licenciaturas) e supervisores (docentes das
escolas públicas), o que favorece o processo formativo e o crescimento dos envolvidos.
Dados de 2012 coletados no sítio da CAPES revelam que 195 IES participam do
PIBID, mobilizando cerca de quatro mil escolas públicas envolvidas em 288 projetos
espalhados pelo Brasil. No referido ano foram concedidas pelo PIBID 49.321 bolsas assim
distribuídas: 40.092 de iniciação à docência, 6.177 bolsas de supervisão, 2.498 bolsas de
coordenação de área, 288 bolsas de coordenação institucional e 266 bolsas de coordenação de
área de gestão.
Uma análise dos dados do resumo técnico do censo da educação superior: 2011 /
INEP mostra um crescimento no ingresso aos cursos de licenciatura nas universidades
federais no período 2007 a 2011. No ano de 2007 houve um total de 137.453 matrículas. Já
em 2011 foi um total 309.185 matrículas, o que perfaz um aumento total de 171.732 novas
67

vagas em cursos de licenciatura nas universidades federais. O aumento no número de vagas se


deu tanto nos cursos presenciais como nos cursos a distância.
No ano de 2011, a taxa de escolarização líquida – que é calculada utilizando-se os
dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) – foi de 14,6%. A média da
taxa de escolarização dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) é 34%. O Brasil pretende chegar a este patamar conforme meta 12 do
novo Plano Nacional de Educação – PNE (BRASIL, 2010). Para tanto, são necessários
esforços para duplicar a oferta no sistema de educação superior, estimulando a expansão e/ou
a reestruturação de instituições de ensino superior, demandado também uma maior concessão
de financiamento aos estudantes no âmbito do FIES e do PROUNI.
É válido destacar que o Projeto de Lei nº 8035/2010, relativo ao novo Plano
Nacional de Educação para o decênio 2011-2020 tramitou na Câmara dos Deputados até o
primeiro semestre de 2014. O PNE foi sancionado pela presidente da República no dia 25 de
junho de 2014.
Comparando os resultados do Censo da Educação Superior no período de 2011 a
2012, observa-se um parco crescimento nas matrículas dos cursos de licenciatura, alcançando
apenas 0,8%. Em contrapartida, os cursos tecnológicos cresceram 8,5% e os de bacharelado
4,6%. Os cursos de licenciatura têm uma participação de 19,5% no número de matrículas. Os
cursos tecnológicos participam com 13,5%. Os de bacharelado têm o maior percentual: 67,1%
das matrículas.
O referido censo sinaliza ainda que boa parte dos docentes é formada na
modalidade a distância, um total de 40,4% das matrículas nos cursos de licenciatura é através
da modalidade EAD. Pedagogia é o terceiro curso em número de matrículas em 2012,
chegando a um total de 602.000.
Os dados do Censo da Educação Superior mostram ainda que na última década
duplicaram as matrículas no ensino superior, passando de 3,5 para 7,0 milhões de estudantes.
Com isso, a rede pública federal de ensino superior teve um aumento de 124% nos últimos
dez anos.
Face ao expressivo crescimento do número de matrículas na rede pública federal
de ensino é preciso ressaltar que as IES privadas têm uma participação de 73% no total de
matrículas de graduação. As bolsas do Programa Universidade para Todos (PROUNI) e o
Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), certamente, estão impactando nesse crescimento
das vagas nas IES privadas.
68

3.2 Formação contínua

“No horizonte da utopia está a formação


contínua como um diálogo com a vida do
professor a serviço da emancipação e como
mediadora da função crítica, na luta por uma
sociedade mais justa”.
(Maria Socorro Lucena Lima)

O escritor uruguaio Eduardo Galeano em seu texto “Ventana sobre la utopia”


assim fala sobre a utopia: “Ella está en el horizonte [...]. Me acerco dos pasos, ella se aleja
dos pasos. Camino diez pasos y el horizonte se corre diez pasos más allá. Por mucho que yo
camine, nunca la alcanzaré. ¿Para qué sirve la utopía? Para eso sirve: para caminar11”
(GALEANO, 2001, p. 230).
Socorro Lucena inverte a posição dos termos e propõe o horizonte da utopia como
sendo o lugar da formação contínua. Isso parece interessante para que se caminhe sempre em
busca desse continuum, que é o próprio processo formativo. É um convite a assumir um
compromisso de transformação dessa sociedade ainda tão injusta e excludente. É uma
motivação para a ação docente que se sustenta na prática cotidiana com os estudantes. É um
chamado a ir em direção àquilo que se almeja: a aprendizagem significativa dos estudantes. É
projetar no momento presente a mudança que se espera para a educação no futuro, mas em um
futuro próximo. Que verdadeiramente aconteça um profícuo diálogo entre a universidade e o
chão da escola para que se consiga uma aproximação ao ideal de formar cidadãos críticos e
reflexivos.
Diante dos desafios postos à sociedade e, consequentemente, à educação e, em
especial, à escola, a formação contínua é apontada como um caminho para a articulação teoria
e prática com vistas a garantir a tão difundida qualidade da educação.
Pensar uma educação de qualidade exige uma reflexão sobre a formação docente,
tanto a inicial como a contínua. O professor da educação básica deve ser o principal agente
desse processo complexo e multidimensional que é a sua formação (CANDAU, 2011).

11
Tradução livre do autor: “Janela da utopia”. “Ela está no horizonte [...]. Me aproximo dois passos, ela se afasta
dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos além. Por mais que eu caminhe, nunca a
alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para caminhar”.
69

A formação contínua toma a escola e a prática pedagógica como elementos


centrais de reflexão e discussão. Assim, surgem as possibilidades formativas que nunca se
findam posto que estão em constante movimento.
A discussão em torno da formação contínua perdura há algum tempo e vários
modelos de formação foram desenvolvidos. A perspectiva denominada clássica enfatizava a
reciclagem do professor e pressupunha um retorno à universidade para que fosse feita uma
atualização da formação. Havia, portanto, uma clara separação entre teoria e prática
(CANDAU, 2011).
Por outro lado, nos últimos anos, em reação a essa visão dicotomizada da
formação, vários estudos e reflexões vêm orientando uma nova concepção de formação, cujo
lócus privilegiado é a escola. A ênfase é posta no saber docente que é construído e
reconstruído no cotidiano escolar.
Nessa visão, a prática dos professores é considerada como espaço de produção de
novos saberes, pois as questões emanadas do grupo são refletidas, dialogam com a teoria e
apontam novas práticas. Cria-se, portanto, um lugar de mobilização, de produção, de
comunicação e de transmissão de saberes e de competências (TARDIF, 2013).
Tal abordagem traz para a cena do debate as práticas cotidianas dos docentes, ou
seja, as pesquisas partem de problemas concretos vivenciados na escola e cujos
desdobramentos serão de grande valia para docentes e discentes. Assim, “a prática
profissional não é mais considerada simplesmente como sendo um objeto ou um campo de
pesquisa, mas um espaço de produção da competência profissional pelos próprios
professores” (TARDIF, 2013, p. 291).
A reflexão contínua das práticas pedagógicas favorece a identificação de possíveis
entraves e aponta caminhos para a resolução. Não é um ato individual, é uma prática coletiva
na qual o cotidiano escolar é discutido pelos diversos profissionais da educação. A partir da
socialização das necessidades reais dos docentes, da reflexão coletiva, desenvolve-se um
projeto de intervenção para a prática pedagógica (SCHÖN, 1992).
A temática da formação de professores tem sido estudada por vários
pesquisadores do Brasil e do mundo. Com isso, há uma quantidade significativa de estudos
que apontam para a necessidade da escola ser vista e valorizada como espaço por excelência
da formação docente.
A escola precisa oferecer ao professor o mínimo para que sua formação contínua
aconteça. Não basta garantir um tempo específico para o planejamento na carga horária
semanal do professor. Faz-se necessário também um local adequado para que este
70

planejamento aconteça. A interação com os pares favorece a discussão, a troca de ideias, a


reflexão de questões vivenciadas no cotidiano, bem como sugere novas possibilidades de
intervenção.
Seguindo esta orientação o momento de planejamento do professor faz parte de
seu processo formativo. Para tanto, o Projeto Político-Pedagógico (PPP), que tem
características coletiva, dialógica e reflexiva na construção da identidade da escola é
compreendido como significativo espaço de formação dos profissionais da educação.
Assim, a formação passa a ser vista como um processo permanente, integrado ao
cotidiano dos docentes e das escolas, proporcionando situações que favoreçam a reflexão, a
tomada de consciência das limitações próprias da profissão docente, mas também o
desenvolvimento de novas ideias para o fazer docente.
A formação contínua teve avanços significativos nos últimos anos, tais como:
maior proximidade com as escolas, crítica às formações verticalizadas, novos processos de
pesquisa-ação, maior conhecimento da prática reflexiva, projetos de formação institucionais,
dentre outros (IMBERNÓN, 2009).
As experiências formativas podem favorecer situações de aprendizagem a partir
das vivências cotidianas dos docentes, oportunizando um espaço para o desenvolvimento de
atividades colaborativas, nas quais os pares desenvolvem um processo de auxílio uns aos
outros com suas competências específicas (ALVES, 2008).
Esse contexto demonstra a necessidade de formar professores que reflitam suas
práticas pedagógicas, com vistas ao desenvolvimento não apenas do pensamento, mas,
sobretudo da ação refletida, permitindo ao docente ultrapassar o lugar comum, dominando
diversos saberes, sem se restringir a modelos padronizados.
Nóvoa (2001) defende que a escola é o lugar por excelência para o
desenvolvimento da formação docente. Alerta ainda que é preciso refletir as experiências com
os colegas para que se tenham práticas educativas eficazes.
Também defendo a ideia da escola como local de formação, pois os docentes da
educação básica não são meros objetos de pesquisa de outros, mas a partir de uma ação
refletida podem externar como o seu trabalho pedagógico está sendo desenvolvido, quais as
suas inquietações, como os diversos agentes envolvidos no processo educacional podem
ajudá-los a desenvolver o seu fazer docente.
A partir das constatações do cotidiano docente, o diálogo com as Secretarias de
Educação Municipal e/ou Estadual e a Universidade pode contribuir para um processo
71

formativo que alie teoria e prática, no qual o professor da educação básica seja partícipe de
todas as etapas de construção e execução.
É imperioso ressaltar que o professor é o grande responsável por seu processo
formativo. Para isso ele precisa que as devidas condições lhes sejam asseguradas. A formação
concreta se desenvolve na escola, com o diálogo e a reflexão entre os pares em busca de
resolução para os problemas pedagógicos do cotidiano. A Universidade contribui no plano
teórico e metodológico, mas a chave está no professor (NÓVOA, 2001).
Acredito no fortalecimento docente a partir do trabalho em grupo. Para isso é
preciso compreender o grupo como um espaço de formação que tem a práxis como elemento
de ressignificação das práticas em um processo contínuo de construção do conhecimento.
O grupo como encontro coletivo de docentes favorece o diálogo, a partilha de
experiências e dos diversos saberes que emergem da prática profissional. Assim, os
professores atuam como formandos e formadores. Articulando as práticas educativas com
uma reflexão crítica cria-se uma possibilidade de ensaiar novas maneiras para o trabalho
pedagógico (NÓVOA, 1995).
Historicamente, a identidade docente foi construída de forma isolada. Atualmente,
vivemos um período de identidades múltiplas e o professor, muitas vezes, não sabe a direção,
qual caminho seguir. Diante disso, o grupo surge como um espaço de ajuda mútua para o
coletivo de docentes em busca de um objetivo comum em que estejam presentes o debate e a
reflexão.
O professor reflexivo está sempre preocupado em refazer sua práxis posto que a
sua formação se desenvolve continuamente de acordo com os seus investimentos na reflexão
das suas práticas e na busca de novos conhecimentos (PIMENTA; GHEDIN, 2002).
Levando em conta o contexto sócio, histórico, político e cultural no
desenvolvimento de seu fazer docente o professor realiza a sua própria humanização, bem
como favorece a dos outros. O trabalho docente, portanto, é a mediação entre o conhecimento
do professor e as diversas possibilidades de transformação de sua prática concreta (LIMA,
2012).
Há, portanto, a necessidade de uma interligação entre teoria e prática, visando a
uma melhor atuação do educador em seu fazer pedagógico, permeado pelo diálogo com os
pares e com os seus estudantes e, não, pelo distanciamento da realidade em que estão
inseridos (TARDIF, 2013).
De acordo com Sacristán, “a prática pedagógica é uma práxis, não uma técnica. E
investigar sobre a prática não é o mesmo que ensinar técnicas pedagógicas” (SACRISTÁN,
72

2002, p. 82). Sendo assim, a construção dos saberes acontece na práxis social de educadores e
educandos, portanto, ambos ensinam e aprendem. Afinal, como oferecer o que não se tem?
Diante disso, urge “repensar a formação do professor de acordo com a necessidade social da
escola pública, aberta ao novo, capaz de oferecer ao aluno caminhos para a busca de respostas
aos problemas que enfrenta no cotidiano” (GHEDIN, ALMEIDA e LEITE, 2008, p. 48).
Precisa-se de um novo olhar sobre a formação docente, que atenda à real demanda
dos discentes da escola pública. Para tanto, a formação de professores deve considerar a
dinâmica da sala de aula, refletindo-a de maneira crítica juntamente com os docentes e
discentes ali envolvidos.
O professor no seu processo de formação precisa aproveitar e valorar os diversos
saberes, desde os da área de conhecimento pertinente até os pedagógicos, didáticos, de sua
própria experiência profissional, posto que a formação contínua implica um movimento
permanente de criação a partir do que antes foi vivenciado pelo professor em seu cotidiano
(PIMENTA; LIMA, 2009).
Enfim, esses saberes precisam, continuamente, entrar em comunhão para nortear
uma boa prática pedagógica. Vale ressaltar que eles não são estáticos, mas sim passíveis de
serem revistos, redirecionados e transformados.
O processo formativo dos docentes deve favorecer um sólido conhecimento
teórico e cultural integrado à pesquisa. Assim, espera-se que o professor seja um profundo
conhecedor de sua área específica de atuação e utilize várias estratégias de ensino para
socializar os conteúdos.
A pesquisa sobre o ensino na formação de professores configura-se como algo
fundamental, posto que as emergências da prática cotidiana desencadeiam vários saberes.
Destarte, é interessante que se faça uma reflexão desse processo no contexto em que ele
acontece, relacionando-o também a outros contextos e interpretando-o com base nas teorias da
educação para que se tenham novas maneiras de ensinar (LIMA, 2012).
O professor precisa ser valorizado como um intelectual crítico. Assim é
importante que a formação de professores, tanto a inicial como a contínua, seja repensada,
“pois o trabalho do professor enquanto mediador do conhecimento e do desenvolvimento da
cidadania dos alunos está num processo gradativo para a superação do fracasso e das
desigualdades sociais” (BORGES, 2002, p. 205).
São muitas as adversidades enfrentadas pelo professor no cotidiano escolar.
Porém, quando há reflexão seguida de ação, os obstáculos passam de fator negativo à
possibilidade de reconstruir o vivido. Isso se dá, pois a formação é um processo inacabado,
73

essencialmente inconcluso, multifacetado, em constante revisão e atualização para uma real


preparação do docente (VEIGA, 2008).
Nas práticas de formação, é interessante que se utilizem técnicas participativas
para que estas gerem um processo de ensino-aprendizagem libertador, desenvolvam um
processo coletivo de discussão e reflexão e ampliem o conhecimento individual e coletivo.
Isso demanda um processo colaborativo entre os docentes, organização da própria formação,
bem como a compreensão “de uma contextualização e de uma diversidade entre os
professores que implicam maneiras de pensar e agir diferentes. Tais exigências contribuem
para que se consiga uma melhor aceitação das mudanças e uma maior inovação nas práticas”
(IMBERNÓN, 2010, p. 31).
De acordo com este posicionamento, as práticas colaborativas ganham força na
dinâmica de formação contínua. Para que tal cultura se desenvolva plenamente, os sujeitos
envolvidos neste processo precisam respeitar-se mutuamente, aceitar as mudanças, sentirem-
se apoiados, posto que, é necessário ultrapassar as ações individuais. A interação entre os
docentes e as turmas em que lecionam contribui para o conhecimento desenvolvido no
coletivo de formação (IMBERNÓN, 2010).
Esse trabalho coletivo evidencia a importância de se perceber a experiência dos
professores como uma possibilidade de renovação das práticas pedagógicas, a partir da
aceitação dos posicionamentos dos demais sujeitos participantes, gerando um conhecimento
colaborativo, que possibilite criação, formação, transformação e novos conhecimentos.
Pesquisas sobre a formação de professores que culminaram com teses de
doutoramento revelam que, em sua maioria, os docentes têm desenvolvido nas suas práticas
pedagógicas, aspectos relacionados aos estudos realizados durante os cursos de formação.
Assim, a formação tem favorecido a argumentação, a autocrítica, a inovação. Os professores
também ressaltam que as trocas entre os pares são muito significativas. Algumas dificuldades
também foram delineadas, tais como: as propostas de formação são elaboradas sem levar em
conta os interesses dos professores, os docentes sentem dificuldades em conciliar os estudos
com as obrigações próprias da sala de aula. Quando alguns programas de formação terminam,
os docentes demonstraram dificuldades em continuar o trabalho em suas salas de aulas
(VIRGINIO, 2009; SILVA, 2007 e MACÊDO, 2006).
A formação de professores, portanto, não deve apontar para fatos ou questões,
mas, sim, discutir aspectos da concreta prática pedagógica dos professores. Para isso, pode-se
no grupo, o espaço da formação, refletir, simular, demonstrar, elaborar conjuntamente
74

atividades para a dinâmica da sala de aula. Em seguida, porém, é interessante voltar e analisar
o que foi desenvolvido com os estudantes.
Espera-se que o professor sinta-se capaz de refletir sobre sua sala de aula e tomar
posições concretas para a resolução dos problemas emanados de seu próprio cotidiano escolar,
posto que a formação não se constrói por mera participação em cursos, com o acúmulo de
certificados, de técnicas, mas sim a partir de uma reflexão permanente e crítica das práticas
desenvolvidas, que favoreça ao docente “os meios de um pensamento autônomo e que facilite
as dinâmicas de autoformação participada. Estar em formação implica um investimento
pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios” (NÓVOA,
1995, p. 25).
A formação, portanto, é um processo contínuo de idas e vindas, acolhendo as
experiências pessoais e os diversos saberes que contribuem para a construção da identidade
profissional do professor. A formação como continuum considera a formação inicial e
contínua ao longo do exercício da docência, período que de fato emanam diversas
necessidades e a busca constante de soluções (TARDIF, 2013).
A formação contínua é assegurada pela legislação educacional vigente. A LDBEN
9394/96 em seu artigo 63, inciso III, estabelece que os ISE sejam responsáveis por
“programas de educação continuada para os profissionais de educação dos diversos níveis”
(BRASIL, 2013, p. 37). No artigo 67, ao tratar da valorização dos profissionais da educação, o
inciso II assegura “aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento
periódico remunerado para esse fim” (BRASIL, 2013, p. 37).
É válido ressaltar que a Resolução nº. 3, do Conselho Nacional de Educação, de 8
de outubro de 1997, que estabelece as diretrizes para os novos planos de carreira e de
remuneração para o magistério, em seu artigo 5º assevera que os sistemas de ensino
“envidarão esforços para implementar programas de desenvolvimento profissional dos
docentes em exercício, incluída a formação em nível superior em instituições credenciadas,
bem como, em programas de aperfeiçoamento em serviço” (BRASIL, 1997, p. 1).
A meta 16 do novo PNE pretende “formar 50% (cinquenta por cento) dos
professores da Educação Básica em nível de pós-graduação stricto e lato sensu, em cursos de
especialização, mestrado ou doutorado, e garantir a todos a formação continuada em sua área
de atuação” (BRASIL, 2010, p. 93). Dados do INEP asseveram que o percentual de
professores pós-graduados é de apenas 24,5% (BRASIL, 2013).
75

A Lei N° 11.738, de 16 de julho de 2008, institui o piso salarial dos profissionais


do magistério público da educação básica, assegurando no máximo 2/3 (dois terços) da carga
horária total do professor para atividades de interação com os estudantes.
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB12), regulamentado pela Lei nº. 11.494,
de 20 de junho de 2007 estabelece a utilização mínima de 60% de seus recursos destinados à
remuneração do magistério e o valor restante (correspondente ao máximo de 40%) deve ser
utilizado nas demais despesas consideradas como de “manutenção e desenvolvimento do
ensino”, dentre elas a formação (inicial e continuada) dos professores e a capacitação de
pessoal técnico-administrativo.
Uma comunhão de artigos presentes na LDBEN 9394/96 permite compreender
que o professor tem alguns princípios assegurados, tais como: participação ativa na
elaboração da proposta pedagógica da instituição de ensino a qual está vinculado, valorização
financeira prevista em plano de carreira, condições dignas de trabalho, acesso a formação
inicial e continuada, com vistas ao desenvolvimento de uma educação de qualidade.
Por outro lado, muitas prefeituras municipais cearenses, por exemplo,
desrespeitam os princípios legais da educação, sobretudo no que tange ao licenciamento
remunerado para os estudos de mestrado e doutorado. Abusam da retórica ao propalar que
incentivam a formação docente e também abusam do poder ao não permitir o afastamento do
professor para o exercício do seu direito de formação contínua.
Garantir um ensino de qualidade pressupõe uma valorização efetiva da formação
docente, o que é um princípio ético e de responsabilidade social. Se essa prática ficar restrita
ao campo do discurso isso nada mais é do que charlatanismo (IMBERNÓN, 2011).
O MEC, em regime de colaboração com as secretarias de educação estaduais e
municipais e articulado às universidades, é responsável por estabelecer uma política nacional
de formação continuada. Assim, foi instituída a Rede Nacional de Formação Continuada de
Professores. Para tanto, a Secretaria de Educação Infantil e Fundamental (SEIF), do MEC,
através de Edital Nº. 01/2003 selecionou vinte centros de pesquisa e desenvolvimento da
educação básica que foram assim distribuídos, conforme as seguintes áreas de pesquisa
aplicada: alfabetização e letramento (6 centros); educação matemática e científica (5 centros);

12
O FUNDEB substituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério (FUNDEF), instituído pela Lei nº 9424/96, que vigorou até 2006 e contemplava apenas o ensino
fundamental.
76

ensino das ciências humanas (3 centros); artes e educação física (3 centros); tecnologias de
gestão e avaliação em educação (3 centros).
Foram estabelecidos os seguintes objetivos para a Rede Nacional de Formação
Continuada: institucionalizar o atendimento da demanda de formação continuada,
contribuindo com o desenvolvimento da autonomia intelectual e profissional dos docentes, no
sentido de garantir uma efetiva aprendizagem e uma escola de qualidade.
Para atingir a consecução dos objetivos foram estabelecidas cinco diretrizes para a
Rede, quais sejam: a formação continuada é exigência da atividade profissional no mundo
atual; deve ter como referência a prática docente e o conhecimento teórico; vai além da oferta
de cursos de atualização e treinamento; deve integrar-se no dia-a-dia da escola; é componente
essencial da profissionalização docente (BRASIL, 2005a).
A concepção de formação contínua proposta pela Rede pressupõe a afirmação da
identidade do professor, a valorização dos saberes e práticas docentes, considerando o
cotidiano da escola e, consequentemente, os estudantes. Assim, foram desenvolvidas ações
estratégicas para formação contínua de professores da educação básica, tais como: o Pró-
Letramento, o Programa Gestão da Aprendizagem Escolar (Gestar II), a Especialização em
Educação Infantil. Os professores da rede pública municipal de Aracoiaba-CE, lócus da
presente pesquisa, participaram dessas ações de formação continuada.
O Pró-Letramento é uma formação continuada voltada para os professores das
escolas públicas dos anos/séries iniciais do ensino fundamental, com vistas a garantir a
melhoria da qualidade de aprendizagem da leitura/escrita e matemática. O curso foi
desenvolvido na modalidade semipresencial, com carga horária de 120 horas com encontros
presenciais e atividades individuais com duração prevista para oito meses. Os objetivos do
programa buscavam oferecer suporte à ação pedagógica dos professores dos anos/séries
iniciais do ensino fundamental, através de situações de incentivo à reflexão e a construção do
conhecimento como processo contínuo de formação docente; desenvolver conhecimentos
possibilitadores da compreensão da matemática e da linguagem e de seus processos de ensino
e aprendizagem, contribuindo para que o desenvolvimento nas escolas de uma cultura de
formação continuada a partir do envolvimento de universidades, secretarias de educação e
escolas públicas dos sistemas de ensino.
O Programa Gestão da Aprendizagem Escolar – Gestar II voltou-se para a
formação contínua de língua portuguesa e matemática aos professores dos anos finais do
ensino fundamental, em uma carga horária de 300 horas, sendo 120 horas presenciais e 180
horas a distância (estudos individuais), de acordo com a área de atuação do professor da
77

escola pública. O programa contemplava discussões e atividades prático-teóricas, buscando


contribuir para o aperfeiçoamento da autonomia docente em sala de aula.
O Curso de Especialização em Educação Infantil voltou-se para os docentes da
educação infantil da rede pública de ensino com o intuito de ampliar e aprofundar a análise de
questões específicas das crianças de zero a cinco anos, relacionando-as às práticas docentes
em creches e pré-escolas e à identidade do profissional da educação infantil. A oferta se deu
através da Plataforma Freire 13.
Também houve a oferta do Proinfantil, programa de formação de professores, a
distância, em nível médio, na modalidade normal, com habilitação em Educação Infantil. O
curso com uma duração de dois anos, destinado aos professores de creches e pré-escolas, sem
a devida formação, objetivou valorizar o magistério, oferecendo condições de crescimento ao
profissional da educação infantil.
Ainda como ação da Rede, o município de Aracoiaba através do Plano de Ações
Articuladas (PAR14) fez a adesão aos cursos Diversidade Textual: os Gêneros na Sala de Aula
e Leitura e Produção de Textos na Alfabetização.
O curso Diversidade Textual: os Gêneros na Sala de Aula, destinado aos
professores de língua portuguesa dos anos finais do ensino fundamental, teve por objetivo
refletir sobre o papel da escola no tratamento dado aos gêneros textuais. O curso foi
desenvolvido em oito unidades e com uma carga horária de 100 horas, sendo 64 horas
presenciais e 36 a distância. Foram contempladas atividades teóricas e práticas de uso da
leitura e da escrita.
O curso Leitura e Produção de Textos na Alfabetização destinou-se aos
professores dos anos iniciais do ensino fundamental, oferecendo subsídios para a reflexão
sobre o ensino da leitura e da produção de textos diversos, orais e escritos. Durante o curso
foram vivenciados vários momentos de planejamento de atividades didáticas de leitura e
produção de textos para crianças em processo de alfabetização. Este curso também contou
com uma carga horária de 100 horas (64 horas presenciais e 36 a distância).
Em tempos de transparência das ações da gestão pública ainda encontra-se
dificuldade de acessar informações, dados e estatísticas dos cursos desenvolvidos no âmbito
da Rede, criada em 2003, com a expectativa de atender 400 mil docentes. No sítio do MEC

13
Ambiente virtual criado pelo MEC/CAPES por meio do qual o professor em exercício nas escolas públicas se
inscreve em cursos oferecidos pelo Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica, com o
objetivo de adequar-se à formação exigida pela LDBEN vigente.
14
Instrumento criado pelo MEC em 2007 para auxiliar o planejamento das secretarias de educação de estados e
municípios. É um requisito para receber assistência técnica e financeira do MEC/FNDE.
78

não há informações atualizadas. Consta apenas que até 2009 foram beneficiados 600 mil
professores e que havia uma previsão para os anos de 2010/2011 de atendimento a mais 148
mil docentes da educação básica. Não há, portanto, atualização e/ou precisão dos dados
disponibilizados.
A concepção de formação contínua que defendo ultrapassa o que é proposto em
cursos de atualização, materializando-se no cotidiano da escola através de ação-reflexão-ação,
considerando os saberes e as práticas do professor, em diálogo constante com os seus pares,
em um equilíbrio entre teoria e prática.
79

4 ENTREMEANDO LEITURA E ENSINO FUNDAMENTAL

“O fio é a frase
A meada é o texto
[...]
De meada em meada
O fio tece o tecido
De fio em fio
A meada enche a página.”
(Batista de Lima)

“A leitura é o que aparece espontaneamente


quando se vai ter tempo para não fazer nada,
quando se vai ficar fechado sozinho em algum
lugar.” (Pierre Bourdieu)

Este capítulo trata da leitura, que é composta por muitos fios e entremeia-se às
práticas de leitura na escola do ensino fundamental. Como em um trabalho artesanal busquei
entremear todos os fios de maneira harmônica.
O texto existe para ser lido! Ler é desvendar os diversos fios emaranhados tal qual
uma meada e compreendê-los como uma teia tecida pela união de vários outros tantos fios. A
leitura é permeada de encantamentos, de mistérios a serem desvendados. Não é mera
atividade escolar. É a chave que pode abrir portas várias que conduzem a destinos
inesperados, múltiplos.
A importância da leitura – pelo menos no discurso – é um consenso. Essa ideia
está presente no imaginário das pessoas. É possível observá-la nas pessoas mais simples,
como um pai não alfabetizado, mas que vê nos livros, na leitura, na educação uma
possibilidade do filho galgar passos diferentes dos seus. As pessoas ditas cultas, com um bom
repertório de leitura, detêm um repertório cultural que as diferencia das demais. Nesse caso, a
leitura influencia no falar, no escrever.
Freire abordou a importância do ato de ler em livro homônimo e afirmou que “a
leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa
prescindir da continuidade da leitura daquele” (FREIRE, 1988, p. 9). Isso mostra o caráter
80

amplo e complexo da leitura e os mistérios que ela pode desvendar, afinal, leem-se gestos,
olhares, sinais, paisagens, odores, experiências várias, que se acumulam ao longo da vida.
Muitos dos pais contam histórias para seus filhos. Os pais letrados tanto podem
contar, como também ler para os seus pequenos. Esse ambiente de fantasia, de leitura poderá
influenciar no gosto e nas práticas leitoras.
Os jovens precisam interagir com o texto para que construam sentidos ao que é
lido. A leitura não é mera atividade de extração, como se o sentido estivesse pronto no texto.
Um texto pode ser compreendido de formas diferentes dependendo das informações que o
leitor possui, do contexto.
A leitura é uma prática cultural que faz parte da vida dos sujeitos e, embora a
relação leitura-leitor tenha inúmeras particularidades, parece muitas vezes idêntica. Porém,
cada leitor, a partir de suas experiências de mundo, atribui diferentes sentidos aos textos lidos
(CHARTIER, 1996).
O repertório cultural dos sujeitos, o conjunto de suas vivências, o ambiente, o
tempo, os objetivos pré-estabelecidos para a realização de uma leitura específica fazem parte
do arcabouço literário que determina os diversos sentidos que um texto pode vir a ter. Cada
leitura é única e também múltipla.
O leitor lê tudo que o cerca, o que está presente no seu cotidiano, pois “em nossa
cultura, quanto mais abrangente a concepção de mundo e de vida, mais intensamente se lê,
numa espiral quase sem fim” (LAJOLO, 2008, p. 7). O leitor guarda um conjunto de
significados, de saberes, de experiências, de conhecimentos historicamente acumulados e que
compõem a sua leitura de mundo. Todo esse arcabouço é utilizado para a compreensão da
leitura da palavra.
Segundo Manguel: “Todos lemos a nós e ao mundo à nossa volta para vislumbrar
o que somos e onde estamos. Lemos para compreender, ou para começar a compreender. Não
podemos deixar de ler. Ler, quase como respirar, é nossa função essencial” (MANGUEL,
1997). Em uma sociedade letrada, a leitura se apresenta como algo vital. É preciso conhecer o
lugar de origem, o contexto para que se desvendem os mistérios dos textos. No momento
presente, as possibilidades de leitura estão em toda a parte e se apresentam de variadas
formas.
Uma leitura, seja ela qual for, é sempre algo particular e ao mesmo tempo global.
O significado da leitura vai depender das experiências e dos objetivos do leitor para aquele
determinado momento. Assim, é possível tanto uma leitura em voz alta como uma leitura
silenciosa, uma leitura individual, como uma leitura compartilhada.
81

O leitor pode carregar em sua mente um conjunto de vários livros. Porém, “antes
que essas aptidões possam ser adquiridas, o leitor precisa aprender a capacidade básica de
reconhecer os signos comuns pelos quais uma sociedade escolheu comunicar-se: em outras
palavras, o leitor precisa aprender a ler” (MANGUEL, 1997, p. 85).
É preciso ultrapassar a conceituação de que ler é simplesmente decodificar
palavras, pois “os indivíduos podem aprender a ler sem decifrar e sem oralizar, pura e
simplesmente, um texto, pois a leitura não depende nem da decifração nem da oralização
lineares” (DIAS, 2001, p. 42).
É bem verdade que “ninguém nasce sabendo ler: aprende-se a ler à medida que se
vive. Se ler livros geralmente se aprende nos bancos da escola, outras leituras se aprendem
por aí, na chamada escola da vida” (LAJOLO, 2008, p. 7). O cotidiano da vida real
proporciona inúmeras leituras e, consequentemente, “a entrada em uma cultura já penetrada e
trabalhada pelo escrito, mesmo se este for conhecido apenas pela mediação de uma palavra e
pelo conhecimento memorizado dos textos, depois reconhecidos, recortados e decifrados no
livro” (CHARTIER, 1996, p. 21).
A aprendizagem da leitura é como um ritual de iniciação, uma passagem de um
estágio de dependência para o desvelamento das magias contidas em um texto, o que implica
atribuir sentido a algo escrito. Com isso, “a criança, aprendendo a ler, é admitida na memória
comunal por meio de livros, familiarizando-se assim com um passado comum que ela renova,
em maior ou menor grau, a cada leitura” (MANGUEL, 1997, p. 85). Ler, portanto, ultrapassa
a simples aquisição e reprodução de conhecimentos produzidos e/ou imortalizados por outros.
Ler é uma fuga – salutar – da própria realidade.
Aprender a ler é uma tarefa complexa, posto que implica comungar vários eixos,
tais como: o conhecimento da estrutura da língua escrita; a concepção de aprendizagem que
norteia o trabalho do professor; o encontro entre leitor e texto; a interação entre vários sujeitos
(DIAS, 2001).
A leitura confere poder e revela certa autoridade do leitor sobre os demais, pois
“algo na relação entre um leitor e um livro é reconhecido como sábio e frutífero, mas é
também visto como desdenhosamente exclusivo e excludente” (MANGUEL, 1997, p. 35). O
ato de ler é algo como que subversivo, pois para muitas pessoas é interessante uma sociedade
iletrada. Sendo assim, é mais fácil ressaltar o caráter excludente de um livro do que o seu
caráter libertador, transformador. A leitura tem um caráter extremamente democrático, pois
ela liberta, abre possibilidades várias para quem a domina.
82

Vários estudiosos, para citar alguns: Machado (2012); Leite (2012); Silva (2012) e
outros tantos veem na escola uma possibilidade viável para a formação do gosto leitor das
crianças e dos jovens. É lá que eles passam boa parte de sua infância e juventude e
compartilham vários momentos, e, principalmente, diversas experiências leitoras. Esse
processo gradual favorece um repertório de futuras escolhas e comparações. Isso “a escola
pode fazer muito bem – se os professores e os formuladores de currículo forem leitores de
literatura, de modo a valorizar a liberdade de opção e a necessidade de tempo para essa
atividade” (MACHADO, 2012, p. 60).
A leitura como prática social começa antes do sujeito adentrar a escola.
Geralmente, as crianças são iniciadas no processo de leitura por iniciativa dos pais, de outros
parentes ou de alguém próximo, como um amigo. Embora exista uma relação entre a escola e
as práticas leitoras, ela não é única. Assim, “se a leitura não deve ser uma função unicamente
da escola, cabe a esta, certamente, formar e desenvolver o leitor para além e para depois da
alfabetização e do período da vida escolar” (CUNHA, 2012, p. 87).
À escola cabe desenvolver potenciais leitores de diversificados gêneros textuais,
que estão presentes no cotidiano e são necessários à vida prática em uma sociedade letrada.
Porém, além da função utilitária da leitura, a escola deve promover a leitura por fruição, por
puro deleite.
É possível considerar “a escola como um dos principais fatores determinantes das
práticas de leitura” (LEITE, 2012, p. 66). Por outro lado, não se pode creditar apenas à escola
a responsabilidade de resolver os problemas de leitura que os estudantes apresentam ao longo
da história. A mediação proporcionada pela escola é fundamental, mas se “se quisermos
transformar para melhor a leitura no Brasil, teremos de transformar, também para melhor, a
qualificação profissional e as condições de trabalho e de vida dos professores” (SILVA, 2012,
p. 110).
A leitura, direito do cidadão, não teve o destaque merecido no cenário de reformas
educacionais. O processo de mudanças vivenciado pelo fenômeno da globalização, permeado
por políticas públicas, invadiu as escolas e a vida pessoal e profissional dos professores em
busca de novos conhecimentos e da formação do ser como cidadão crítico e reflexivo.
Propagou-se a ideia de uma escola de qualidade, com professores bem qualificados, mas não
se investiu o suficiente em políticas de leitura. Talvez isso se deva pelo fato de que leitores
críticos poderiam fazer uma verdadeira revolução, o que perturbaria a ordem social vigente.
Ainda no final da década de 1970, Silva (1997) chamava a atenção para o fato da
leitura como “lei-dura”, ou seja, as injustiças da realidade brasileira que impedem a formação
83

de leitores críticos. De acordo com o autor: “os livros, quando bem selecionados e lidos,
estimulam a crítica, a contestação e a transformação – elementos estes que colocam em risco a
estrutura social vigente e, portanto, o regime de privilégios” (SILVA, 1997, p. 40).
O trecho é bastante atual e remete ao fato de que três décadas depois de sua
publicação ainda há escolas públicas que não dispõem de biblioteca, realidade muito comum
nas escolas públicas municipais do estado do Ceará. Quando há bibliotecas, não há
bibliotecário. Geralmente, nas escolas estaduais há a presença de professores desviados de sua
função e exercendo a de um bibliotecário.
Grande parte das cidades do interior cearense também não dispõe de livrarias ou
de bancas de jornal, por exemplo. Como ler sem ter acesso aos exemplares? A realidade
também não é animadora quando se trata de bibliotecas públicas.
Fica evidente, tomando por base os municípios do interior cearense, que a cultura
leitora não é incentivada no estado do Ceará. Pesquisa realizada no Sistema Estadual de
Bibliotecas Públicas (SEBP), órgão operacionalizado pela Secretaria da Cultura do Estado do
Ceará (SECULT) relaciona um total de 190 bibliotecas públicas distribuídas em 182
municípios. Considerando que o estado do Ceará é constituído de 184 municípios, dois deles
não dispõem de bibliotecas públicas.
Com o objetivo de descentralizar os serviços do Sistema Estadual de Bibliotecas
Públicas e desenvolver uma atuação mais próxima das bibliotecas públicas municipais no
Ceará, a Secretaria da Cultura do Estado, criou no ano de 2002 o Projeto Bibliotecas Polos e
implantou oito bibliotecas polos em oito macrorregiões de planejamento do Estado,
distribuídas em nove municípios: Maranguape, Itapipoca, Acaraú, Russas, Tianguá, Crateús,
Quixeramobim, Iguatu e Juazeiro do Norte. Considerando a extensão territorial dessas
macrorregiões o número de bibliotecas é bem incipiente.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) –
Censo 2010, Fortaleza, a capital do Ceará, com uma população de 2.447.409 habitantes conta
com o inexpressivo número de apenas quatro bibliotecas públicas.
Em Aracoiaba, lócus desta pesquisa, há apenas uma biblioteca pública, a
Biblioteca Municipal Rui Barbosa, cujo prédio não traz sequer uma identificação de
biblioteca, sinalizando o desprestígio de tal equipamento cultural. No espaço funciona uma
Ilha Digital, projeto do Governo do Estado do Ceará, em parceria com alguns municípios, que
disponibiliza cinco computadores, conectados à internet. Apesar da biblioteca ter sido fundada
em 1985 e a Ilha Digital em 2006 é a logomarca desta última que figura na fachada do prédio.
84

Relato de Lygia15, uma das servidoras da biblioteca afirma que

quando os computadores foram instalados na biblioteca diminuiu a busca de


adolescentes por livros, procurando apenas acessar a internet. As pesquisas
em livros praticamente acabaram. Todo mundo tem acesso a internet, até em
casa. Temos livros infantis e paradidáticos para os jovens, mas só aparecem
mais os pais com filhos pequenos. A biblioteca está aberta de segunda a
sexta-feira, das sete às dezessete horas.

Segundo Lygia desde 2013 os computadores da Ilha Digital estão sem


funcionamento. Com isso, as visitas à biblioteca que já eram poucas rareiam ainda mais. A
procura acontece basicamente por pais que levam seus filhos pequenos para a leitura de livros
infantis. O exposto sinaliza também a necessidade de projetos de leitura voltados para o
público jovem.
Os estudantes do nono ano de 2013 da Escola Felicidade Clandestina corroboram
com o depoimento de Lygia. Os jovens da escola demonstraram uma preferência pela leitura
de material na internet. Em seguida, vem a leitura de romances, sobretudo, os modernos,
como os da saga Crepúsculo; de revistas diversas, de contos e de poemas.
Tais dados mostram que os estudantes estão desenvolvendo o hábito leitor através
de uma leitura diversificada. Evidenciam ainda a preponderância da leitura digital,
influenciada pelo uso das mídias sociais, como o facebook, por exemplo. Isso retrata a rapidez
própria da fase que estão vivenciando. Outro ponto interessante de destacar é a leitura de Best
Sellers, sobretudo, os da saga Crepúsculo, que traz um diferencial em relação aos romances
ditos tradicionais, pois o sujeito pelo qual a protagonista se apaixona é um vampiro. Há
paixão, dúvidas, atração, muito suspense e elementos ligados ao sobrenatural. Estes elementos
juntos mexem com a imaginação dos adolescentes.
O acervo da Biblioteca Municipal Rui Barbosa não é atualizado. Segundo
informações de Lygia, há certo tempo não chegam novos livros. Ela informou ainda que
“estamos aguardando chegar uma remessa de livros que foi doada pela Biblioteca Pública
Moisés Pimentel” (Lygia). Ainda em relação à biblioteca, outro ponto que merece destaque é
à manutenção dos computadores. Se as máquinas atraíam os jovens ao espaço da biblioteca;
sem elas em funcionamento, eles sumiram de lá. O poder público deve assumir a sua parcela
de responsabilidade, pois um projeto voltado à inclusão digital da comunidade, sobretudo, às
pessoas mais carentes não pode ficar parado, negando aos jovens o direito de acesso ao
conhecimento.

15
Nome fictício para preservar a identidade da informante.
85

Os dados do Censo de 2010 mostram ainda que o Ceará tem uma população de
8.448.055 habitantes, o que perfaz a média de uma biblioteca pública para aproximadamente
44.500 pessoas. Por si, os números revelam que não há um incentivo real para a formação de
leitores.
Estudo feito pela Fundação Biblioteca Nacional no ano de 2009 atesta que o
Brasil contava com um total de 5.796 bibliotecas públicas, o que indica uma biblioteca
pública para cada 33 mil habitantes. O Ceará, portanto, está numa situação ainda mais
desfavorável em relação à média nacional. A melhor média nacional está em Tocantins com
uma biblioteca para cada 10.000 habitantes. A pior média está no Amazonas, com 170.000
habitantes por biblioteca. Outro dado alarmante é que aproximadamente 90% das bibliotecas
não contam com acervo adequado, deixando de atender às demandas locais. Na França é
disponibilizada uma biblioteca para cada 2.500 habitantes. Na Argentina, uma biblioteca para
cada 17.000 pessoas.
O acesso aos equipamentos culturais ainda é algo para poucos no Brasil. Dados
recentes do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), de 11 de março de
2014, revelam que o Brasil conta atualmente com 6.060 bibliotecas públicas, distribuídas em
5.453 municípios. Segundo a Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic), de 2013,
realizada pelo IBGE, as bibliotecas públicas estão em 97% dos municípios brasileiros, sendo
consideradas, portanto, o equipamento cultural mais presente no cenário nacional. Na relação
de equipamentos, dentre outros, constavam: museu, teatro ou sala de espetáculo, centro
cultural, cinema, unidade de ensino superior, livraria.
O exposto acima mostra o quanto o acesso à leitura é escasso nos equipamentos
públicos. Diante disso, o uso da internet surge como uma das possibilidades para superar a
carência de leitura. Isso se dá de várias formas: a leitura direta na tela do computador, a leitura
direta de textos no celular, arquivos que são baixados e impressos para uma posterior leitura,
livros, revistas e similares que são comprados em lojas virtuais, dentre outras possibilidades
que a cada dia surgem com os inventos midiáticos.
Nos últimos anos presencia-se a invasão massiva das tecnologias digitais.
Aparelhos de celulares cada vez mais modernos permitem baixar aplicativos vários, além do
acesso a redes sociais. Tais equipamentos têm proporcionado leituras rápidas,
descompromissadas ou não. A expansão da oferta de cursos na modalidade de educação a
distância também tem difundido a leitura na tela do computador.
O texto eletrônico é apresentado como uma revolução, mas o livro já viveu outras.
Em meados de 1450, Gutenberg revoluciona a produção de livros, que antes era artesanal,
86

com cada texto copiado a mão, passando a ser impresso. Com isso, houve uma redução nos
custos e no tempo de reprodução do texto. É válido ressaltar que a cultura do manuscrito
permaneceu até o século XVIII e até mesmo o século XIX. Na atualidade, convive-se com o
livro impresso e o surgimento do livro eletrônico. Assim, não cabe um discurso nostálgico ou
utópico (CHARTIER, 2009). É necessário conviver com as diferentes formas com as quais os
textos se apresentam.

4.1 Práticas de leitura na escola

“Ler em voz alta, ler em silêncio, ser capaz de


carregar na mente bibliotecas íntimas de
palavras lembradas são aptidões espantosas
que adquirimos por meios incertos. Todavia,
antes que essas aptidões possam ser
adquiridas, o leitor precisa aprender a
capacidade básica de reconhecer os signos
comuns pelos quais uma sociedade escolheu
comunicar-se: em outras palavras, o leitor
precisa aprender a ler.” (Alberto Manguel)

Inúmeros pesquisadores discutem a questão da leitura, mas esta ainda é pouco


compreendida, quer seja por grande parcela da população, quer seja nas próprias instituições
escolares. Isso evidencia a distância que há entre os vários estudos científicos que são feitos e
as realidades das práticas pedagógicas com a leitura nas salas de aula (ANTUNES, 2009).
A leitura ainda não é objetivo prioritário das instituições escolares, sejam elas
públicas ou particulares. O que me faz afirmar isso? Presencio, com frequência, no cotidiano
das escolas que a tarefa de ler é legada ao professor de língua portuguesa, apenas.
De uma maneira geral, o senso comum credita ao professor de língua portuguesa a
tarefa e a obrigação de desenvolver atividades de leitura. Na prática, isso não deveria
acontecer, haja vista que independente da disciplina em que atua, todo professor é um leitor e
utiliza a leitura em sua prática pedagógica.
O professor, independente da sua área prioritária de atuação, deve ser o grande
estimulador da prática leitora na escola, possibilitando o espaço para a leitura dentro do tempo
previsto para a sua aula. Afinal, como o estudante resolverá um problema de matemática se
87

não fizer uma atenta leitura e compreender o que a questão solicita? Cabe, portanto, a
compreensão de que todos os envolvidos na escola devem empreender hábitos de leitura.
A leitura tem uma importância singular na sala de aula e deve ser estimulada
continuamente. Não adianta dedicar metade de uma aula para leitura e só fazer isso
novamente no mês seguinte, pois além de cansativo e enfadonho, não criaria no aluno o hábito
da leitura. É preciso que este processo aconteça paulatinamente para que o estudante descubra
a magia do ato de ler e passe a reservar um momento para essa prática em seu cotidiano
(BAMBERGER, 2002).
Os estudantes também praticam a leitura fora do ambiente escolar. Afinal,
vivemos em um mundo letrado e por todos os lados existem informações, sejam placas,
faixas, avisos, propagandas, rótulos de embalagens, bilhetes, dentre outras.
A leitura não é tarefa exclusiva das instituições escolares. A família, as
associações comunitárias, os diversos grupos que os estudantes participam podem contribuir
para com o desenvolvimento do gosto leitor das crianças e dos jovens. À escola cabe a tarefa
de sistematizar o trabalho com a leitura, oferecendo uma diversidade de textos para que os
estudantes ampliem os seus horizontes, pois, “seria difícil conceber uma escola onde o ato de
ler não estivesse presente - isto ocorre porque o patrimônio histórico, cultural científico da
humanidade se encontra fixado em diferentes tipos de livros” (SILVA, 2000, p. 31).
Assim, mais uma vez retomo a importância da escola como proporcionadora de
um espaço adequado às práticas leitoras, haja vista que a leitura contribui para com o
intelecto, mas também para com a formação cultural dos estudantes. O professor é
reconhecido pelos estudantes como forte influência para o seu gosto leitor. O lar e a escola
são os espaços mais lembrados para a prática leitora (FAILLA, 2012).
Dados do Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF 2011) mostram que a cada
quatro brasileiros apenas um tem o domínio pleno das habilidades de leitura, escrita e
matemática. Isso também é atestado pelas avaliações de larga escala cujos resultados mostram
que grande parte dos estudantes não desenvolve habilidades mínimas de leitura compatíveis
às séries e/ou aos anos em que estudam.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (terceiro e quarto ciclos do ensino
fundamental) propostos para a língua portuguesa sugerem que a linguagem seja considerada o
ponto de partida e de chegada da prática pedagógica. Para tanto, “a razão de ser das propostas
de leitura e escuta é a compreensão ativa e não a decodificação e o silêncio” (BRASIL, 1998,
p. 18).
88

Destarte, para que o estudante seja proficiente na habilidade leitora é preciso


ultrapassar a simples decodificação, posto que “esta é apenas uma das condições para que se
possa, gradativamente, inserir o aluno no mundo dos livros, das informações escritas, da
cultura letrada, da ficção literária; afinal, no mundo da convivência com a língua escrita”
(ANTUNES, 2009, p. 185).
Os PCN sinalizam o desenvolvimento de um trabalho nos anos finais do ensino
fundamental considerando a leitura viva, que pressupõe a participação ativa dos estudantes e
se contrapõe à mera decodificação das palavras. Assim, consideram o texto como a unidade
básica do ensino e propõem que se contemplem “nas atividades de ensino, a diversidade de
textos e gêneros, e não apenas em função de sua relevância social, mas também pelo fato de
que textos pertencentes a diferentes gêneros são organizados de diferentes formas” (BRASIL,
1998, p. 23).
Ao estudante dos anos finais do ensino fundamental, segundo as orientações dos
PCN, devem ser oferecidas as condições para ler de forma autônoma os textos de gêneros e
temas de seu interesse, utilizando inferências e pistas textuais e contextuais para construir o
sentido do texto; interagir com outros leitores a respeito das leituras feitas; acolher textos
desafiadores; compreender “a leitura em suas diferentes dimensões – o dever de ler, a
necessidade de ler e o prazer de ler” (BRASIL, 1998, p. 51).
O leitor deve automatizar a construção de sentidos ao texto lido. Para tanto,
precisa ativar o seu repertório de conhecimentos prévios, relacioná-lo às suas experiências de
vida e ao conhecimento linguístico. Desenvolvendo estas etapas, o estudante tornar-se-á
proficiente em leitura.
Ao professor cabe a tarefa de ensinar estratégias de leituras aos estudantes. Os
textos possibilitam leituras e interpretações diversas, mas estas precisam de um fio condutor,
de coerência. Do contrário, surgirão compreensões incabíveis e, em exames, por exemplo, os
estudantes são prejudicados.
Os PCN propõem que a leitura de textos para os estudantes do sexto ao nono ano
priorizem os gêneros: literários – conto, novela, romance, crônica, poema, texto dramático; de
imprensa – notícia, editorial, artigo, reportagem, carta do leitor, entrevista, charge e tira; de
divulgação científica – verbete enciclopédico (nota/artigo), relatório de experiências, didático
(textos, enunciados de questões), artigo; publicidade – propaganda (BRASIL, 1998).
Há uma infinidade de opções de leitura e, portanto, diferentes objetivos para esta
prática, inclusive na escola, tais como: ler para se informar, para entender, para se divertir,
dentre outros (ADLER; DOREN, 2010). Porém, de uma maneira geral, a cultura leitora
89

escolar, está associada à simples tarefa de compreender o que foi lido nos textos. E os
momentos de leitura deleite? De fruição estética? Será que os docentes oportunizam estas
práticas aos discentes em suas aulas?
Estes questionamentos carecem de investigação, bem como de um
posicionamento por parte das escolas, sobretudo, do professor. Porém, pergunto, o que o
professor lê? O senso comum diz que os estudantes não leem textos diversos, alguns
pesquisadores afirmam que o professor também não lê. A pesquisa Retratos da Leitura no
Brasil mostrou que o professor lê principalmente jornais; algo em torno de 60%. A leitura de
livros fica em torno de 30% e, centrada principalmente, no estilo “autoajuda”.
Aproximadamente 10% dos docentes afirmaram que não gostam de ler (FAILLA, 2012).
A leitura, de acordo com os PCN, “é o processo no qual o leitor realiza um
trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu
conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem”
(BRASIL, 1998, p. 69).
Por outro lado, as práticas pedagógicas escolares nos anos finais do ensino
fundamental, em grande medida, insistem na leitura como mera atividade escolar. Isso tem
mostrado que os professores nem conseguem criar um hábito leitor nos estudantes, nem
tampouco realizam um ensino de leitura eficiente. Isso se dá em virtude da leitura na sala de
aula assumir um caráter postiço ou artificial, servindo a vários propósitos, menos à produção
de sentidos aos textos lidos. Outro fator reside na pobreza de uma variedade de livros nas
escolas. Não há um ambiente de leiturização. Por fim, a triste realidade de professores muitas
vezes não leitores tendo que orientar a leitura de estudantes em processo de formação
(SILVA, 2005). Assim, ainda de acordo com as ideias do autor,

o ritual do ensino da leitura vai perdendo a sua razão primeira, que é a de


gerar autonomia e independência crescentes dos estudantes em relação aos
diferentes tipos de textos que fazem parte do mundo da escrita, ou seja, fazer
com que os estudantes se dirijam para o domínio de competências que os
tornem leitores maduros, capazes de discernir as ideias vinculadas por
diferentes portadores de textos e por diferentes configurações textuais em
língua escrita (SILVA, 2005, p. 58).

Cabe perguntar, qual o motivo da leitura ineficiente nas salas de aulas? Isso se dá
devido a vários fatores. Além da parca condição leitora de alguns docentes é possível citar
outras questões, tais como: atividade de leitura centrada na simples decodificação da escrita;
atividade sem função, desvinculada dos diferentes usos sociais; atividade puramente escolar,
com fins avaliativos; atividade para realizar uma interpretação baseada em recuperar os
90

elementos literais e explícitos presentes na superfície do texto; leitura incapaz de suscitar a


compreensão das múltiplas funções sociais da leitura (ANTUNES, 2003).
Um processo de ensino emancipatório deve levar em conta os interesses dos
discentes. Ao professor cabe ouvir os estudantes sobre os seus gostos pela leitura, oferecer
possibilidades e fazer uma reflexão sobre as práticas leitoras. Assim, a leitura não será
imposta, o docente atuará como um leitor-exemplo, e, sendo modelo, poderá estimular os
estudantes à prática da leitura.
Após uma sondagem das prioridades e interesses de leitura dos estudantes, o
professor deve elaborar o planejamento das aulas e definir os objetivos que serão priorizados,
para que dessa forma, se executem atividades que favoreçam a curiosidade pela leitura, o
aflorar da liberdade criativa e a reinvenção dos textos lidos (MARTINS, 2011).
Tais ações podem e devem ser mediadas pelo professor, que por consequência,
deve estar preparado, ou seja, com um adequado nível de formação e previamente planejado
para o trabalho com a leitura em sala de aula de forma contínua.
O livro didático é o grande responsável pela circulação de textos na sala de aula
das escolas da rede pública de ensino. Neste material existe uma seleção elaborada para um
público leitor idealizado, ou seja, longe da realidade e dos contextos sociais de grande parte
dos estudantes.
O processo da leitura na escola pode ser investigado, mas, decerto, está longe de
se ter respostas concretas a essa questão. Certamente, os problemas ultrapassam a questão do
livro didático, pois estão imbuídos vários interesses e não somente o verdadeiro sentido que o
legitima: a formação integral dos estudantes como pessoa, cidadão e futuro profissional.
A utilização do livro didático como único recurso para as aulas e,
consequentemente, para a leitura resulta num ensino deficiente e insatisfatório. O limitado
repertório cultural dos estudantes provavelmente também ocasionará dificuldades no processo
de escrita.
Nos anos finais do ensino fundamental, um dos grandes desafios enfrentados pelo
docente é fazer com que os discentes desenvolvam habilidades e competências que favoreçam
a sua autonomia enquanto leitores e produtores de textos diversos, ou seja, dos variados
gêneros textuais. Por outro lado, pergunto: como despertar o entusiasmo dos estudantes pela
leitura? Uma das possibilidades para transformar esta realidade reside no encantamento,
afinal, a leitura exige paixão, encontro, ligação, prazer, transformação (KLEIMAN, 2004).
Assim como há dificuldades no ensino de leitura, também há possibilidades, tais
como: leitura de textos autênticos com uma função e um objetivo previamente definidos;
91

leitura interativa, privilegiando a compreensão e o sentido; leitura motivada; leitura do todo,


priorizando a dimensão global do texto; leitura crítica, com interpretação dos aspectos
ideológicos; leitura da reconstrução do texto; leitura diversificada; leitura deleite, dentre
outras (ANTUNES, 2003).
Estudos sobre as questões ligadas à leitura no contexto da sala de aula e que
culminaram com teses de doutoramento, revelam que os professores realizaram mudanças em
suas práticas com relação ao ensino de leitura e que utilizam em seu trabalho pedagógico os
saberes acumulados ao longo dos anos. Os professores também sinalizaram que utilizam a
intuição para legitimar suas práticas pedagógicas (SOUTO, 2009; ALBUQUERQUE, 2002).
Estas pesquisas com a leitura estão voltadas aos docentes dos anos iniciais do ensino
fundamental.
Decerto há várias possibilidades para o trabalho pedagógico com a leitura nos
anos finais do ensino fundamental. Sendo assim, o professor ao assumir a sua postura diante
do ato de ler empreende uma ação produtiva. Primeiramente, espera-se que o docente exerça o
seu direito de leitor e assuma a sua condição de leitor formador. Com um repertório de
leituras várias pode começar um plano de ação com estratégias e suportes diversos. Para tanto,
pode se apoiar nos colegas de profissão, partilhando e acolhendo ideias, práticas leitoras; nos
próprios discentes e na sua família, estimulando-os à leitura e a darem um retorno sobre suas
experiências leitoras; nos profissionais que estão à frente dos núcleos gestores das instituições
de ensino, buscando estabelecer parcerias com organizações não governamentais (ONGs),
projetos e programas via secretarias municipais ou estaduais de educação, que tragam uma
renovação do acervo de material de leitura das bibliotecas escolares.

4.2 O professor da educação básica

A educação é a base para a transformação do homem e, consequentemente, do


lugar em que ele habita. O conhecimento permite ver além do básico e por isso cobra dos
sujeitos uma ação refletida, uma prática concreta. É mister compreender que a educação é um
direito humano e, portanto, leva as pessoas à produção de conhecimento e, consequentemente,
à transformação da natureza e do que está ao seu redor. Para que isso aconteça, a educação –
sobretudo a escolar – surge como elemento proporcionador do desenvolvimento humano.
Muitos são os desafios para que a educação básica e obrigatória garanta não
apenas o acesso, mas, sobretudo, a permanência com qualidade no ambiente escolar. Para
tanto, é fundamental que se invista na contínua formação dos docentes. Com isso, espera-se o
92

encontro do formar com o formar-se, ou seja, oportunizar ao professor o espaço e as


condições necessárias para a sua qualificação profissional com vistas ao desenvolvimento de
práticas pedagógicas significativas.
O professor é muito mais do que “aquele que professa ou ensina uma Ciência,
uma arte, uma técnica, uma disciplina” (FERREIRA, 1988, p. 531). O professor é aquele que
se preocupa com a boniteza de sua “própria prática, boniteza que dela some se não cuido do
saber que devo ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais
necessárias sem as quais meu corpo, descuidado, corre o risco de se amofinar” (FREIRE,
1997, p. 116).
O professor é gente, com suas alegrias e tristezas, com uma história de vida
permeada de muitas outras histórias. O professor também é um profissional com uma
formação específica, com diversos saberes e práticas. O professor é o responsável pelo
desenvolvimento de sua turma, planejando e organizando as atividades, executando-as e
verificando a aprendizagem dos estudantes. Após a avaliação verifica os resultados de seu
trabalho, ou seja, os resultados de seus estudantes e volta a planejar e colocar em prática
outras estratégias para perseguir os seus objetivos.
Isso sinaliza a importância do professor para que a educação básica atinja suas
finalidades, quais sejam: “desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum
indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e
em estudos posteriores”, conforme artigo 22 da LDBEN 9394/96 (BRASIL, 2013, p. 17).
O professor não pode apenas executar um programa, haja vista que, em grande
medida, o sucesso de seus estudantes “depende da margem de iniciativa em que ele cria sua
maneira de dar aula” (CHARTIER, 2007, p. 160). O professor não trabalha com uma turma
homogênea, ele desenvolve o seu trabalho com crianças e jovens de origens e realidades
diversas.
O professor da educação básica tem que atender à legislação vigente, buscando
que o seu estudante tenha sucesso não apenas na escola, mas, sobretudo, na vida. Para isso, o
docente também precisa de valorização e de uma contínua formação em que ele seja visto
como sujeito, sua experiência profissional seja acolhida e junto com os seus pares possa
escrever a sua história.
O último levantamento do Censo Escolar, de acordo com a Sinopse do professor
(INEP 2009), apresenta um total de 1.977.978 professores no país. A figura da mulher é
presença marcante na educação brasileira. Na educação infantil e nos anos iniciais do ensino
fundamental mais de 90% do total de professores é do sexo feminino. As professoras
93

representam ¾ do total de docentes dos anos finais do ensino fundamental. No ensino médio
as mulheres representam em torno de 65% do total de docentes. Os homens são maioria
apenas na educação profissional, com um índice de pouco mais de 53%.
Os professores da educação básica apresentam uma idade média de 38 anos,
variando de 35 anos na educação infantil a 40 anos no ensino médio. Cerca de 80% desses
docentes trabalham em uma única escola. Em torno de 16% trabalham em duas escolas. O
restante trabalha em três ou mais instituições. Aproximadamente 83% dos professores atuam
na rede pública de ensino e pouco mais de 16% dos professores atuam exclusivamente na rede
privada.
Os dados apontam que 20% dos docentes trabalham em pelo menos duas escolas,
o que implica deslocamento do professor, adequação a contextos e realidades diferentes. É
válido ressaltar que, geralmente, essa não é uma escolha do professor, mas se dá pela
necessidade imposta pelo mercado. Considerando os professores dos anos finais do ensino
fundamental e os do ensino médio, isso acontece para completar a carga horária, sobretudo
nas disciplinas que têm menos aulas no currículo escolar. Consequentemente, o professor tem
mais diários e documentos burocráticos para administrar.
Com relação à carga horária, cerca de 64% dos docentes trabalham em único
turno. Aproximadamente 30% dos professores trabalham dois turnos e 6% trabalham nos três
turnos. Os docentes da zona urbana equivalem a 83%. Na zona rural está um percentual de
15% dos professores. Há professores que atuam tanto na zona urbana como na zona rural,
perfazendo um total de 2%.
Um terço dos docentes precisa trabalhar pelo menos dois turnos. Isso acontece em
virtude dos baixos salários que são pagos, o que não favorece para quem tem a docência como
única fonte de renda, trabalhar em apenas um horário. Há uma gradação em relação ao nível
de formação dos professores da educação básica. Assim, da educação infantil, passando pelo
ensino fundamental e chegando ao ensino médio, o percentual de professores com graduação
vai aumentando.
Estudos internacionais apontam a qualidade do docente como influência
fundamental na aprendizagem dos estudantes. É preciso lembrar, porém, que o professor
precisa de valorização da profissão, contínua formação, suporte pedagógico, condições dignas
para que o seu trabalho seja desenvolvido. O trabalho do professor não é algo isolado,
portanto, sozinho, ele não pode ser responsabilizado pelo desempenho dos estudantes
(SETÚBAL, 2010). Ainda de acordo com a autora, “para que o desempenho escolar de nossos
alunos alcance melhores resultados, são necessários professores bons, competentes,
94

comprometidos e apoiados pedagogicamente pela direção da escola e pelos órgãos centrais”


(SETÚBAL, 2010, p. 19).
Se não houver um investimento estruturado na formação inicial e contínua dos
docentes, valorização social e financeira, adequada infraestrutura escolar, investimentos em
equipamentos, apoio da família, acompanhamento por parte das secretarias de educação
municipal ou estadual, provavelmente, a tão propalada qualidade da educação permanecerá
apenas nos discursos ou em ações isoladas pelo país.
Somente com o exercício da solidariedade, com os diversos profissionais da
educação aceitando-se um ao outro, respeitando as suas opiniões e particularidades é que
haverá verdadeiramente o diálogo, a comunicação que humaniza e transforma. Insisto que a
qualidade da educação passa pela formação inicial e contínua e pela valorização dos
profissionais da educação, aliada a uma prática docente com o apoio de gestores escolares e
os diversos órgãos ligados à educação.

4.3 Ensino fundamental

“Com fios de pensamento se tece o mundo, se


costuram pedaços rasgados de vida, nesse tear
estranho que só o homem possui tear: de
sonhos.” (Roseana Murray)

É no ensino fundamental que essa pesquisa encontra a razão de sua existência.


Esse período de nove anos é repleto de mudanças, de passagem da fase de criança para a
adolescência, das brincadeiras para outras descobertas, outros sonhos. Qual tecido resulta
desse tear? Trago aqui os sonhos – os desejos, as metas – e a realidade apresentada no
cotidiano de tantas escolas.
A educação básica está dividida em três etapas: educação infantil, ensino
fundamental e ensino médio. Atualmente, o ensino fundamental está dividido em dois ciclos:
anos iniciais e anos finais. Os anos iniciais compreendem do primeiro ao quinto ano. Esse
primeiro ciclo, geralmente, é desenvolvido por professor polivalente. Os anos finais
compreendem do sexto ao nono ano. Nesse período, os professores dividem-se por
disciplinas.
O ensino fundamental tem um duplo caráter: terminalidade e continuidade.
Terminalidade por encerrar um ciclo de nove anos e continuidade por oferecer ao estudante a
95

oportunidade de cursar o ensino médio, última etapa da educação básica. Essa formação é
compreendida como fundamental para o exercício da cidadania, oferecendo possibilidades de
progressão no trabalho e em estudos futuros.
De acordo com a LDBEN 9394/96, os currículos tanto para o ensino fundamental
quanto para o ensino médio, devem ter uma base nacional comum e uma parte diversificada.
Assim, podem ser consideradas características específicas do contexto onde a escola está
inserida. Obrigatoriamente, segundo o artigo 26, o currículo deve abranger o estudo da língua
portuguesa, da matemática, do mundo físico e natural e da realidade social e política,
principalmente do Brasil. Deve ainda oferecer o ensino da arte e da educação física. A partir
do sexto ano deve ser incluída pelo menos uma língua estrangeira moderna (BRASIL, 2013).
O artigo 32 estabelece que o ensino fundamental objetiva a formação básica do
cidadão. Dessa forma a escola deve promover:

I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos


o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;
II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da
tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;
III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a
aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;
IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade
humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social (BRASIL,
2013, p. 22).

As bases que estruturam o ensino fundamental ainda não foram plenamente


atendidas, pois de acordo com o INAF 2011, cerca de 60% das pessoas que completaram pelo
menos um ano do segundo ciclo do ensino fundamental atingem apenas o nível básico de
alfabetismo. Ainda há 26% dessa população classificada como analfabeto funcional (INAF
BRASIL, 2011).
O ensino fundamental, além da LDB, é regido por outros dispositivos legais, tais
como: Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, Plano Nacional de
Educação, documentos do Conselho Nacional de Educação e a legislação específica dos
sistemas de ensino.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental buscam
fundamentar as práticas pedagógicas promovendo princípios éticos que favoreçam a
autonomia, a responsabilidade, o respeito, os direitos e deveres do cidadão, o exercício da
criticidade, da sensibilidade, da criatividade e da diversidade. As escolas devem reconhecer os
processos identitários de seus sujeitos, favorecendo a interação, garantido a igualdade de
oportunidades, valorizando a realidade local e estimulando o protagonismo juvenil.
96

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) existem 191 países no
mundo. No ano de 2005 cerca de 70% desse total já contavam com Ensino Fundamental
obrigatório de pelo menos nove anos. Em torno de 77% já apontavam a idade de seis anos ou
menos como a inicial dessa etapa de ensino.
Diante desse cenário, em 2006, o Brasil alterou o texto da LDBEN 9394/96 e
ampliou a duração do Ensino Fundamental de oito para nove anos. A idade de seis anos
passou a ser obrigatória para o ingresso na referida etapa de ensino e foi dado o prazo até o
ano de 2010 para que os municípios brasileiros se adequassem ao novo sistema.
O desafio que se estabelece é a conclusão desta etapa aos catorze anos de idade e
com a garantia da aprendizagem adequada a esses estudantes para que tenham assegurado o
direito de ingressar no ensino médio dominando os conhecimentos básicos do currículo do
ensino fundamental.
O texto da Resolução CNE/CEB 7/2010 – que Fixa Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos – começa enfatizando o Ensino
Fundamental como um direito público subjetivo e como dever do Estado e da família
assegurando a sua oferta para todos.
Sendo assim, o grande fundamento destas Diretrizes é o direito à educação,
compreendido como direito inalienável do ser humano. Isso se dá em virtude de a educação
possibilitar o desenvolvimento das potencialidades humanas e, consequentemente, favorecer a
formação cidadã, o exercício dos demais direitos e o pleno uso dos bens sociais e culturais
(BRASIL, 2010).
Com relação aos fundamentos, o parágrafo quarto, do artigo V, da Resolução
7/2010 afirma que a educação escolar deve garantir a todos a igualdade de acesso ao
conhecimento, sobretudo à população menos favorecida. Com isso, “contribuirá para dirimir
as desigualdades historicamente produzidas, assegurando, assim, o ingresso, a permanência e
o sucesso na escola, com a consequente redução da evasão, da retenção e das distorções de
idade/ano/série” (BRASIL, 2010, p. 2).
Atualmente, presencia-se um fosso entre o prescrito e o feito. O acesso à educação
escolarizada foi garantido, esforços são empreendidos para garantir a permanência, mas ainda
falta muito para se atingir o sucesso dos estudantes. Os resultados das avaliações externas
demonstram que significativa parcela dos estudantes brasileiros está aquém do mínimo
esperado. Isso pode ser aferido pelos dados do IDEB 2011 ao atestarem que os estudantes dos
anos finais do ensino fundamental apresentam um índice de 4,1, enquanto a média
internacional é 6,0.
97

Observa-se ainda o distanciamento entre a educação escolar e os seus documentos


norteadores ao ler o artigo nono, que trata do Currículo do Ensino Fundamental a partir de
experiências escolares que buscam “articular vivências e saberes dos alunos com os
conhecimentos historicamente acumulados e contribuindo para construir as identidades dos
estudantes” (BRASIL, 2010, p. 3).
A formação do professor – inicial e contínua – é fundamental para o
desenvolvimento de sua prática pedagógica. A inicial, habitualmente, não tem preparado
plenamente os docentes para o exercício da docência. A contínua, em sua grande maioria, não
acontece como um processo reflexivo, que vise a um novo olhar e a um novo fazer sobre
determinado fenômeno. Muitas das pesquisas acadêmicas também não retornam às salas de
aula da educação básica, e, consequentemente, não ajudam no desenvolvimento do trabalho
do professor.
O parágrafo terceiro do nono artigo afirma que: “os conhecimentos escolares são
aqueles que as diferentes instâncias que produzem orientações sobre o currículo, as escolas e
os professores selecionam e transformam a fim de que possam ser ensinados e aprendidos”
(BRASIL, 2010, p. 3). Já se constatou o distanciamento entre quem produz as orientações
sobre o currículo e o cotidiano escolar. Desta feita, como orientar um currículo sem conhecer
a realidade da escola? Isso aponta para outra questão: os cursos de formação de professores
precisam ser para e com os professores. É preciso ouvi-los, conhecer as suas reais
necessidades para que um trabalho adequado seja desenvolvido.
A Resolução em foco deixa claro que o currículo deve atender à Base Nacional
Comum, mas dá abertura para que na parte diversificada sejam priorizados aspectos regionais,
conforme já previsto no texto da LDBEN 9394/96. Também há uma visão interessante de que
as ações sejam construídas através do Projeto Político-Pedagógico, garantindo a participação
da comunidade escolar e local.
A resolução traz ainda as diretrizes relacionadas à gestão democrática, à
avaliação, bem como às modalidades de ensino. Assim, há vários elementos que produzem
orientações sobre o currículo para a formação ética, estética e política do estudante.
De acordo com dados do Observatório do PNE16, a alardeada universalização do
Ensino Fundamental ainda não se concretizou. Há cerca de meio milhão de crianças e jovens

16
Plataforma online que objetiva monitorar os indicadores de cada uma das 20 metas do Plano Nacional de
Educação (PNE), bem como de suas respectivas estratégias, analisando as políticas públicas educacionais já
existentes e as que serão implementadas durante a vigência do Plano. A plataforma conta com o apoio do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) e é uma iniciativa de vinte organizações ligadas à Educação, dentre
elas, Capes, UNESCO, Unicef, SBPC.
98

entre seis e catorze anos que estão fora da escola. Ainda há a necessidade de políticas públicas
específicas e diferenciadas, pois o público responsável por essa demanda é composto
predominantemente pelos oriundos de famílias mais pobres, negras, indígenas e com
deficiência. Os gráficos abaixo sintetizam a meta 2 do PNE, qual seja: universalizar o ensino
fundamental de nove anos para o público compreendido entre seis e catorze anos.

Gráfico 1 – Meta 2 – PNE

Fonte: Todos Pela Educação

Dados do Censo Escolar da Educação Básica de 2012 demonstram a matrícula


nacional de 93,8% da população de 6 a 14 anos no ensino fundamental. A região sudeste
apresenta um índice de 94,6%, seguidas das regiões nordeste e centro-oeste com 93,6%, cada.
A região norte apresenta o percentual de 93% e a região sul 92,8%. A meta do Brasil para o
ano de 2023 é de 100%, ou seja, espera-se universalizar o ensino fundamental para as crianças
e jovens de seis a catorze anos (BRASIL, 2013).
A média nacional de jovens de 16 anos que concluíram o ensino fundamental em
2012 é de 67,4%. O melhor índice é o da região sudeste com 77,5%, seguida da região sul
com 72,9% e centro-oeste com 71,4%. Os números caem drasticamente nas regiões norte e
nordeste, com 51,6% e 56,9%, respectivamente. Na região nordeste o melhor índice é o do
Ceará com 70%. O pior índice é o de Alagoas com 46,4%. A meta nacional para 2023 é de
95% e para ser alcançada exigirá um reordenamento nas ações das políticas públicas, o que
inclui garantir de fato uma educação de qualidade, diminuir os índices de reprovação e de
evasão.
Dados do Relatório de Desenvolvimento do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) atestam uma taxa de abandono escolar de 24,3%, ou seja, de cada
99

quatro estudantes que iniciam o ensino fundamental no Brasil, um abandona antes de


completar o nono ano.
Uma saída possível exige colaboração entre União, estados e municípios. Para
atingir o propósito da meta 2 do PNE é preciso rever o currículo do ensino fundamental,
garantir o apoio ao estudante com dificuldades de aprendizagem e assegurar a formação
contínua dos profissionais da educação na escola com a parceria da Universidade e um
contínuo diálogo entre pesquisadores, profissionais atuantes na educação básica e a
comunidade.
Os resultados do IDEB de 2005 a 2011 mostram que a educação brasileira tem
melhorado seus índices. O avanço se dá principalmente nos anos iniciais do ensino
fundamental. Nos anos finais do ensino fundamental houve o avanço de apenas 0,1 ponto
entre 2009 e 2011. O ensino médio vem aumentando o índice, porém de maneira mais lenta.

Gráfico 2 – IDEB BRASIL

Fonte: Elaborado por Martins (2014) com suporte em dados disponíveis no sítio do INEP.

A análise dos dados do IDEB 2011 revela que o Brasil atingiu as metas
estabelecidas em todas as etapas da educação básica. O resultado dos anos iniciais do Ensino
Fundamental ultrapassou não apenas a meta estabelecida para 2011, mas também a proposta
para 2013.
A sétima meta do PNE objetiva melhorar o fluxo escolar e o resultado da
aprendizagem dos estudantes, atingindo as seguintes médias nacionais para o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB):
100

Quadro 2 - Meta 7 – IDEB

IDEB 2015 2017 2019 2021


Anos iniciais do ensino fundamental 5,2 5,5 5,7 6
Anos finais do ensino fundamental 4,7 5 5,2 5,5
Ensino médio 4,3 4,7 5 5,2
Fonte: Elaborado por Martins (2014) com suporte em dados do PNE.

O PNE estabeleceu as metas do IDEB par esta década, objetivando que até 2021
indíce para os anos iniciais do ensino fundamental chegue a 6,0 (seis), a média dos países da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), considerada a nota
padrão de qualidade internacional. Para os anos finais foi estabelecido 5,5 e para o ensino
médio 5,2, até 2021.
Abaixo trago um gráfico com a evolução do IDEB das escolas cearenses no
período de 2005 a 2009 para os anos iniciais do ensino fundamental.

Gráfico 3 – IDEB Ceará

Fonte: Elaborado por Martins (2014) com suporte em dados disponíveis no sítio do INEP.

Os resultados acima mostram que o Ceará atingiu no IDEB 2011 percentuais bem
próximos dos resultados do IDEB nacional. Nos anos iniciais do ensino fundamental ficou
com 0,1 ponto a menos, mas nos anos finais do ensino fundamental ficou com 0,1 ponto a
mais. Obteve a mesma média no resultado do ensino médio.
101

Abaixo apresento um gráfico com os resultados do município de Aracoiaba-CE,


lócus desta pesquisa, no IDEB 2011, tanto nos anos iniciais como nos anos finais do ensino
fundamental.

Gráfico 4 – IDEB – Aracoiaba-CE

Fonte: Elaborado por Martins (2014) com suporte em dados disponíveis no sítio do INEP.

Os resultados do IDEB do município de Aracoiaba-CE estão abaixo da média


estadual e da média nacional. Percebe-se uma evolução nos dados dos anos iniciais do ensino
fundamental. O crescimento de 0,6 pontos em 2011 não manteve o ritmo nos anos seguintes,
aumentando apenas 0,3 pontos a cada dois anos.
Nos anos finais do ensino fundamental houve uma evolução de 0,5 pontos em
2007, mas nos anos seguintes houve um queda de 0,1 ponto tanto no ano de 2009 quanto no
ano de 2011. O gráfico abaixo sintetiza as médias do Maciço de Baturité no IDEB 2011, de
acordo com os Anos Iniciais do Ensino Fundamental.

Gráfico 5 - IDEB 2011 – Maciço de Baturité – Anos Iniciais do Ensino Fundamental

Fonte: Elaborado por Martins (2014) com suporte em dados disponíveis no sítio do INEP.
102

Na região do Maciço de Baturité, o município de Aratuba supera as médias


estadual e nacional para os anos iniciais do ensino fundamental. O município de Aracoiaba
mantém a mesma média de Itapiúna. Os demais municípios atingem médias superiores,
embora não tão elevadas. No sítio do INEP não constam dados do IDEB para o município de
Pacoti. Abaixo trago um gráfico com as médias do Maciço de Baturité no IDEB 2011, de
acordo com os Anos Finais do Ensino Fundamental.

Gráfico 6 - IDEB 2011 – Maciço de Baturité – Anos Finais do Ensino Fundamental

Fonte: Elaborado por Martins (2014) com suporte em dados disponíveis no sítio do INEP.

O município de Aratuba nos anos finais do ensino fundamental também supera as


médias estadual e nacional, atingindo o percentual de 4,8. O município de Redenção também
ultrapassa as médias nacional e estadual. Guaramiranga ultrapassa a média nacional e atinge a
mesma média que o estado do Ceará. O município de Aracoiaba fica a frente apenas do
município de Acarape.
De uma maneira geral os resultados do IDEB dos municípios pertencentes à
região do Maciço de Baturité não são animadores. Há raríssimas exceções como no caso do
município de Aratuba, que apresenta médias superiores à nacional e à estadual.
A recente pesquisa Observatório da Educação no Maciço de Baturité, coordenada
pela professora Sofia Lerche Vieira, realizada pela Universidade Estadual do Ceará (UECE)
em parceria com a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira
(UNILAB) busca compreender as condições que promovem os resultados educacionais da
103

região do Maciço de Baturité. Para tanto, promove um diálogo dos dados educacionais com os
indicadores sociais e econômicos (VIDAL; MENEGHEL; SPELLER, 2012).
O referido estudo comprova que houve avanços no IDEB, sobretudo nos anos
iniciais do ensino fundamental. No entanto, as taxas de aprovação ainda estão abaixo de 90%,
sinalizando que significativa parcela de estudantes ou é reprovada ou abandona os estudos.
Conclui, portanto, que há fragilidades nas políticas municipais econômicas e educacionais do
maciço de Baturité.
A legislação educacional estabelece as políticas públicas para o setor. Porém, se
não houver uma sintonia entre as diferentes esferas (federal, estadual e municipal),
provavelmente o resultado esperado não será atingido. É preciso investimento financeiro não
apenas na educação, mas também no social e na cultura. A formação inicial e contínua dos
profissionais da educação é o básico assegurado, mas também há a necessidade de
investimentos em infraestrutura e na qualificação da gestão municipal de ensino.
Roseana Murray diz que o homem possui um tear único: o dos sonhos. Eu sonho
com um encontro harmonioso (e real) da escola pública com a universidade, tal qual o
encontro da urdidura com a trama. Assumindo um compromisso de transformação a partir da
realidade em que estou inserido, apresento no próximo capítulo, as memórias do processo
formativo do grupo de professores de língua portuguesa dos anos finais do ensino
fundamental.
104

5 OS FIOS DA MEMÓRIA

“Um homem de letras, que não escreve as suas


memórias, tem realmente direito a que outros
lhas não escrevam.” (Eça de Queiroz)

“A memória de um pode ser a memória de


muitos, possibilitando a evidência dos fatos
coletivos.” (Paul Thompson)

Escrever as memórias de um coletivo de professores é uma tentativa de manter


vivas as experiências de um processo formativo, compreendendo os desafios enfrentados no
cotidiano, os avanços obtidos na profissão, as discussões sobres as práticas leitoras
desenvolvidas em sala de aula, as incertezas pontuadas durante os encontros, os momentos de
confraternização e descontração do grupo. Tais memórias evidenciam também as expectativas
dos professores em relação à proposta de formação, a superação de algumas dificuldades, as
aprendizagens e os encaminhamentos deste processo.
Este capítulo traz um panorama do Programa de Incentivo ao Desenvolvimento da
Educação de Aracoiaba – PROIDEA, especificamente nas ações de formação com os
docentes de língua portuguesa dos anos finais do ensino fundamental. Aqui trago expressões
que revelam as lembranças dos processos formativos desenvolvidos no percurso da pesquisa.
Fiz um recorte e apresento as memórias de seis semestres de formação com o grupo de
professores de língua portuguesa de Aracoiaba. Para a composição deste texto, utilizei as
pautas elaboradas e desenvolvidas a cada encontro de formação e os relatos reflexivos
produzidos pelos professores no diário de bordo.
Os encontros de formação aconteciam mensalmente e eram definidos no
calendário escolar da Secretaria de Educação de Aracoiaba. Os professores recebiam o
cronograma com a previsão dos encontros a serem desenvolvidos durante o semestre e, em
caso de alguma alteração, eram comunicados com antecedência por meio de ofício circular ou
correspondência eletrônica. Em alguns momentos aconteceram encontros quinzenais com
vistas a atender a demanda apontada pelos professores articulada à proposta de formação
desenvolvida pela própria secretaria de educação ou com o apoio de propostas pactuadas com
o governo federal, a exemplo do GESTAR II e do Curso Diversidade Textual: os gêneros na
sala de aula.
105

A fala de uma professora – membro do grupo – por ocasião do primeiro encontro


de formação, realizado em 10 de agosto de 2009, evidencia os vários sentimentos provocados
pelo início do processo de formação contínua: “Saímos muito esperançosos, apreensivos, mas,
também entusiasmados em melhorar os nossos conhecimentos e a prática pedagógica.
Estamos confiantes que a Educação de Aracoiaba irá mudar, basta cada um fazer a sua parte e
exercer o seu papel” (Clarice).
O excerto evidencia que os professores ansiavam por um processo de formação
contínua. Já no primeiro encontro fica evidente o desejo de trabalhar no coletivo, de
desenvolver novos conhecimentos e ressignificá-los no cotidiano das escolas. Com isso, o
“desenvolvimento do professor quanto ao conhecimento de si próprio e da realidade, implica
necessariamente numa ação prolongada, baseada numa reflexão contínua e coletiva sobre
todas as questões que atingem o trabalho pedagógico” (NASCIMENTO, 2011, p. 78).
As formações iniciaram no segundo semestre do ano de 2009. Nos anos de 2010 e
2011 as formações aconteceram ao longo dos dois semestres. No ano de 2012 a formação
aconteceu apenas no primeiro semestre. Apresento abaixo um quadro com o quantitativo dos
encontros de formação desenvolvidos com o grupo de professores.

Quadro 2 – Quantidade de encontros de formação

Ano 2009 2010 2011 2012

Quantidade de 10 10 09 04
encontros

Fonte: Elaborado por Martins (2014).

A pesquisa-formação contou com um total de trinta e três encontros que não serão
relatados individualmente, mas em blocos, evidenciando as aprendizagens, os limites, os
avanços desenvolvidos no coletivo de formação.

 O início do grupo de formação

O segundo semestre de 2009 marca o início do grupo como espaço de formação


contínua. Ao longo daquele semestre foi desenvolvido um total de dez encontros, com
duração de oito horas, cada. As formações iniciavam às sete horas e finalizavam às dezesseis
106

horas, com uma hora de intervalo para o almoço e um breve momento para lanche no período
da manhã. No turno da tarde era servido apenas um cafezinho nos próprios espaços onde
aconteciam as formações. Abaixo apresento um quadro com os dias dos encontros de
formação

Quadro 3 – Encontros de formação do ano de 2009

Mês Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro

Dias de 10 e 25 01 e 15 06 e 20 03 e 17 01 e 15
encontro

Fonte: Elaborado por Martins (2014).

A caminhada formativa dos professores de língua portuguesa dos anos finais do


ensino fundamental teve início no dia dez de agosto de dois mil e nove. Naquele dia, a
Secretaria de Educação de Aracoiaba em comemoração à emancipação política do município
realizou o primeiro encontro de professores de Português e Matemática dos anos finais do
ensino fundamental.
Na ocasião, foram inauguradas as novas instalações da Secretaria de Educação,
contemplando dois auditórios que seriam utilizados para a formação dos professores. A
secretária de educação apresentou o programa de formação, intitulado Programa de Incentivo
ao Desenvolvimento da Educação de Aracoiaba – PROIDEA e anunciou o aumento salarial e
alguns incentivos financeiros destinados aos professores. Dando prosseguimento, aconteceu a
aula inaugural da formação, tendo por base o GESTAR II, nas áreas específicas de Português
e Matemática para os professores dos anos finais do ensino Fundamental.
Após esse primeiro momento, os professores foram divididos em grupos de
acordo com sua formação/área de atuação. Do encontro de língua portuguesa participou um
total de vinte e nove professores, tanto da sede do município, quanto da zona rural. Nos
encontros seguintes novos professores aderiram à proposta da formação contínua e o semestre
foi finalizado com um total de trinta e nove docentes.
Vários recursos e estratégias eram utilizados para a elaboração e o
desenvolvimento dos encontros de formação com o coletivo de professores de língua
portuguesa. Assim, foram trabalhadas leituras de livros diversos, audição de canções, exibição
de vídeos, leitura e discussão de textos de fundamentação teórica, além do material específico
do Gestar II, que foi disponibilizado tanto para os docentes como para os seus estudantes. O
107

quadro abaixo traz um panorama do que foi trabalhado na formação no segundo semestre de
2009.

Quadro 4 – Panorama da Formação - 2009

Livro / Texto Vídeo / Áudio Material / Texto de fundamentação

Olha o Olho da Menina Escola chata Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
(Marisa Prado)
Zoom (Istvan Banyai) O ponto (Peter H. Etapas fundamentais do processo de produção de
Reynolds) texto: ênfase à correção, revisão e avaliação

O catador de pensamentos O que é Letramento? Descritores exigidos nas avaliações de larga


(Monika Feth) (Kate M. Chong) escala

Chapeuzinho Amarelo Vida Maria Reflexões sobre o ensino de gêneros orais


(Chico Buarque) (Heloisa Amaral)

Quem é você, afinal? (Jonas O amor cego Análise do livro didático


Ribeiro)
História de amor (Regina Quixeramobim Diferentes concepções de língua na prática
Coeli Rennó) pedagógica (COROA, 2001)
Educar (Rubem Alves) Superação TP 1 - Linguagem e Cultura
Gaiolas e asas (Rubem Acordar com você TP 2 - Análise Linguística e Análise Literária
Alves) (Jeito Moleque)
Chico Bento – o orador da Fênix (Jorge Vercilo) TP 3 - Gêneros e Tipos Textuais
turma (Mauricio de Sousa)
Recado ao Senhor 903 We are the world TP 4 - Leitura e Processos de Escrita I
(Rubem Braga) (Michael Jackson e
Lionel Richie)
Passeio Noturno (Rubem Estudo errado TP 5 - Estilo, Coerência e Coesão
Fonseca) (Gabriel, o Pensador)
Felicidade Clandestina Como uma onda no TP 6 - Leitura e Processos de Escrita II
(Clarice Lispector) mar (Lulu Santos)
Tirinhas (Maurício de Felicidade (Lupicinio
Sousa) Rodrigues)
Pelo avesso (Titãs)
Fonte: Elaborado por Martins (2014).

O encontro de formação com o grupo de docentes de língua portuguesa teve início


com uma dinâmica de apresentação desenvolvida a partir do texto “Quem é você, afinal?”,
autoria de Jonas Ribeiro. Foi proposta a criação de um livro com a técnica de dobradura, com
oito páginas que deveriam ser preenchidas com informações pessoais e profissionais: dados
pessoais; formação profissional; o que é ser educador; a maior alegria; a maior tristeza; o que
vim fazer aqui; para quê; por quê. Concluída a confecção do livro, cada professor fez a sua
apresentação para os colegas e, em seguida, expôs o seu livro em um painel. Tal atividade
favoreceu a apresentação dos professores, o conhecimento dos colegas de profissão e uma
reflexão dos percursos formativos desenvolvidos até aquele momento, além de sinalizar as
108

expectativas em relação ao projeto de formação contínua. O excerto abaixo retirado do relato


reflexivo da professora Rachel evidencia o sentimento do grupo em relação à formação.

Concordamos unanimemente que o que buscamos é a qualidade da


Educação, o que só é possível através da formação constante. No entanto,
essa formação não pode ser vista como mais um certificado, diploma ou
como queira chamar, mas como uma ferramenta, para apoiar o
professor/educador em sua sala de aula por meio de uma proposta muito
bem estruturada de construção do conhecimento (Rachel).

Cada professor se expressou à sua maneira, mas todos evidenciaram a importância


de aprender, de trocar conhecimentos, de acompanhar as mudanças, conscientes da tarefa de
formar cidadãos críticos e conscientes de seu papel na sociedade. É nesse ambiente e no
coletivo de professores “que se torna possível, a reflexão sobre a prática real, a discussão, a
troca, a busca de soluções para os problemas do cotidiano, que podem constituir num
importante instrumento de formação de professores” (NASCIMENTO, 2011, p. 82).
Posteriormente, o formador explicou os objetivos do PROIDEA e fez o
detalhamento da sistemática de formação. Assim, explicou como estava prevista cada etapa
do curso, carga horária, parcerias da Secretaria de Educação, como também a
responsabilidade e o compromisso de cada parte envolvida.
O primeiro encontro foi concluído com uma avaliação por meio de uma palavra
que expressasse as aprendizagens do dia. Os professores demonstraram satisfação, entusiasmo
e motivação para com a formação, assim como o desejo de construção de uma realidade
melhor para nossos alunos.
Os encontros seguintes seguiram a proposta metodológica do GESTAR II e,
geralmente, eram iniciados com uma rodada de conversa sobre as vivências de cada cursista e
o relato de práticas desenvolvidas com os estudantes. Num segundo momento aconteciam os
estudos de fundamentação teórica, seguido de discussão em pequenos grupos e plenária com o
coletivo de professores. Posteriormente, eram elaboradas atividades que seriam desenvolvidas
com os estudantes e o encontro finalizava com a avaliação do dia e os encaminhamentos para
o encontro seguinte. O excerto abaixo traz o sentimento de um dos professores em relação ao
processo de formação: “Todos nós, educadores, somos também catadores de pensamentos,
tendo em vista que estamos sempre em processo de aquisição de pensamentos, ideias e
conhecimentos, que se tornam cada vez mais ilimitados” (Professor E).
A opção pelo trabalho com o grupo de professores possibilitou que eles
aprendessem uns com os outros e, juntos, construíssem os conhecimentos necessários. Assim
estiveram presentes o diálogo, a participação, a confiança e o exercício da pergunta. Tal
109

“abordagem coletiva favorece a construção da autonomia do professor e a sua capacidade de


análise crítica” (MEDIANO, 2011, p. 93).
Durante as formações os professores destacaram a importância da diversidade
presente nas ações pedagógicas dos colegas. Cada docente relatava alguma atividade
desenvolvida com os seus estudantes e este momento era considerado por todos como espaço
significativo de aprendizagem.
A proposta do GESTAR II era embasada na perspectiva dos gêneros textuais.
Sendo assim, buscava-se trabalhar com textos diversos: crônicas, poemas, contos, filme,
propaganda, resumo, dentre outros. Com isso, a formação mostrava de maneira teórico-prática
que os falantes se expressam por meio de diferentes gêneros textuais, antes de adentrar à
escola. Às instituições de ensino cabem acolher os conhecimentos prévios, sistematizá-los,
favorecendo a tomada de consciência e a utilização dos diversos gêneros textuais presentes
nas práticas sociais (BRASIL, 2008).
No terceiro encontro foram lidos e discutidos textos sobre a escrita de si, o
memorial, e os professores foram desafiados a escrever a sua história. A atividade começou
em sala, mas os professores deram continuidade em suas casas/escolas e socializaram suas
produções ao final do semestre. Os professores foram motivados a escrever suas histórias
focalizando as experiências com a leitura, como possibilidade de compreender sua trajetória
de formação, suas concepções de leitura e a sua prática no cotidiano escolar. Assim, a escrita
do memorial revela “a importância das práticas de explicitação e de desenvolvimento de
projetos de formação: o caráter extremamente heterogêneo das motivações, necessidades e
desejos que dinamizam o investimento de estudantes adultos e profissionais em formação
contínua” (JOSSO, 2006, p. 27).
A escrita do memorial favoreceu aos professores experienciar os papeis de ator e
autor de sua própria história, relatando informações de sua vida pessoal, de acordo com suas
lembranças e escolhas organizadas “numa coerência narrativa, em torno do tema da
formação” (JOSSO, 2004, p. 38). Ao pesquisador não cabe confirmar a autenticidade dos
fatos, pois o importante é o ponto de vista de quem está narrando. O sujeito, portanto, produz
um conhecimento de si, do seu processo formativo revelado através das singulares
experiências narradas. Nesse sentido, “falar das próprias experiências formadoras é, pois, de
certa maneira, contar a si mesmo a própria história, as suas qualidades pessoais e
socioculturais, o valor que se atribui ao que é “vivido” na continuidade temporal do nosso ser
psicossomático” (JOSSO, 2004, p. 48).
110

Também foram estudados textos teóricos. A exemplo foi lido e discutido o texto
“Diferentes concepções de língua na prática pedagógica17”. Os professores foram divididos
em grupos e cada grupo apresentou a síntese da discussão utilizando um gênero textual. Parte
significativa dos docentes teve dificuldades para compreender o texto, mas com algumas
intervenções as ideias começaram a clarear. Dois grupos apresentaram a síntese através de
cordel, dois através de carta, dois através de receita e um grupo apresentou uma história em
quadrinhos. A escolha do gênero aproximou os professores. Cada grupo se esforçou ao
máximo para se apresentar da melhor forma, sinalizando as aprendizagens que foram
desenvolvidas.
Seguindo a uma das estratégias combinadas na formação, os professores
aplicaram uma avaliação diagnóstica de leitura e compreensão de textos com os seus
estudantes. Em seguida, corrigiram, depois socializaram os resultados no encontro de
formação e produziram um relatório de aplicação e de correção.
Trinta e nove professores do sexto ao nono ano, de vinte e seis escolas da Rede
Municipal de Ensino de Aracoiaba aplicaram as Avaliações Diagnósticas de Língua
Portuguesa (leitura e compreensão de textos), em 106 turmas, totalizando 1887 alunos
avaliados. Constatou-se que do total 2269 alunos matriculados, 382 não compareceram à
avaliação. Alguns professores justificaram a ausência dos alunos, por motivos de
transferência, desistência, remanejamento para outro turno, doença, dentre outros. A avaliação
era composta de vinte e cinco questões e contemplando oito descritores, desde “Localizar
informações explícitas em um texto” (D1) a “Reconhecer a relação entre informações em um
mesmo texto ou entre diferentes textos” (D8). Com isso, os professores visualizaram as
dificuldades de seus alunos de acordo com cada descritor.
De uma maneira geral, percebeu-se a dificuldade de concentração dos alunos para
ler e buscar compreender um texto. Também ficou evidente a variação de erros e acertos
independente dos descritores solicitados, haja vista que para cada descritor havia mais de uma
questão e muitas vezes, por exemplo, o aluno acertava a questão 1 e errava as questões 7 e 10,
do mesmo descritor. Diante disso, cada professor fez uma reflexão de sua realidade e elaborou
um projeto de ensino visando à redução das dificuldades apresentadas por seus alunos.
A partir dos resultados das avaliações diagnósticas, ao longo do semestre, os
professores desenvolveram com seus estudantes projetos de intervenção. Para citar alguns:

17
COROA, M. L. M. S. Diferentes Concepções de Língua na Prática Pedagógica. Revista do GELNE, Vol. 3,
nº 2, 2001.
111

Ciranda do Livro: o despertar da leitura e da escrita – Fundamental II; A musicalização na


leitura e na interpretação do 6° ao 9° ano; Fazer do ler e do escrever um ato de prazer.
No desenvolvimento de projetos em salas de aula dos anos finais do ensino
fundamental, “o aluno aprende no processo de produzir, levantar dúvidas, pesquisar e criar
relações que incentivam novas buscas, descobertas, compreensões e reconstruções de
conhecimento” (PRADO, 2005, p. 13).
Trabalhar com projetos não é tarefa fácil, pois o professor precisa estar atento a
tudo que o aluno produz, levando em conta inúmeros fatores para que se possa desenvolver
com os estudantes um trabalho que permita “entender seu caminho, seu universo cognitivo e
afetivo, bem como sua cultura, história e contexto de vida” (PRADO, 2005, p. 13).
Nesta perspectiva, o estudante assume um papel central e o docente busca
desenvolver situações diversificadas de aprendizagem, fazendo as devidas mediações e
estimulando os estudantes à pesquisa, à busca, à construção de novos conhecimentos. É válido
ressaltar que as propostas eram sempre construídas no coletivo. Isso, certamente, evidencia a
aceitação da formação por parte dos docentes e o seu envolvimento e compromisso na
realização das atividades.
O último encontro do semestre, em quinze de dezembro de 2009, foi planejado e
desenvolvido pelos professores. Foi coordenado por uma das integrantes do grupo que
autointitulou-se professora Maluquinha, e inclusive caracterizou-se como a personagem do
livro Uma professora muito maluquinha, de Ziraldo. O formador fez a acolhida e convidou a
professora Maluquinha para conduzir o dia da formação. Ela convida a sua equipe e acolhe os
demais professores dizendo que foi enviada pelo Ministério da Educação com o objetivo de
“avaliar como está sendo desenvolvido o Gestar em Aracoiaba. E para fazer um diagnóstico
concreto peço minha assessora para convidar os cursistas por escola e localidade para nos
mostrar as mudanças nas escolas a partir dessa proposta de formação contínua” (Professora
Maluquinha).
De uma maneira bem descontraída a professora Maluquinha entrega diplomas a
alguns professores. Ela criou diplomas para homenagear docentes que de alguma maneira se
destacaram ao longo do semestre, exemplo, o mais dorminhoco, o de vocabulário mais
rebuscado, a que fala manso etc. Em seguida, convida os professores, organizados por escolas
de lotação para socializarem as experiências desenvolvidas com os seus estudantes a partir das
aprendizagens da formação contínua. Teve apresentação de poesia, paródia, programa de
rádio, receita, rap, jornal, cordel, depoimento, filmagem, depoimento de alunos, jogral.
112

Nos intervalos das apresentações das escolas a professora Maluquinha e sua turma
recitavam trechos dos poemas Trem de Ferro (Manuel Bandeira) e Cidadezinha qualquer
(Carlos Drummond de Andrade). Elas trabalharam ainda o livro O ponto (Peter H. Reynolds)
e convidaram os professores a deixarem uma marca, um ponto, com suas assinaturas em uma
folha de ofício, que depois foi colocada em uma moldura e entregue ao formador.
Com muita criatividade os professores propuseram a receita “Panetone sucesso
das escolas com a prática do Gestar”.

Ingredientes: 1 kg de decisão bem planejada, 21 doses de desejo de


melhorar a prática pedagógica, 2 copos transbordando de força de vontade,
39 professores dispostos e abertos a mudanças, 19 livros com bons
conteúdos a serem trabalhados, 1 porção de atividades socializadas, 3
colheres de sopa de bom humor, 2 copos de tempo bem aproveitado, 5
colheres cheias de tecnologia, 2 copos de organização, 10 dias de trocas de
ideias, 1 porção de material disponível, 1 grande quantidade de alunos
motivados, muitas cabeças cheias de criatividade, 1 boa porção de
disposição, 1 pitada de projeto para realizar, 1 porção de oficinas em
grupo, 1 coordenadora ativa e dedicada, 1 formador dinâmico, inteligente,
competente, criativo, esforçado, seguro, amigo etc. Modo de fazer: Pegue
todos os ingredientes juntos dentro de uma sala com ar-condicionado e
cadeiras confortáveis para quarenta professores cansados, mas interessados
e abertos a mudanças, com muita vontade de acertar. Misture tudo com um
formador competente e inteligente e com muito dinamismo, bom humor e
com uma coordenadora dedicada e eficiente que não deixou nada faltar.
Sirva com desejo de continuar a formação, para elevar a competência dos
professores e alunos e, consequentemente, melhorar a capacidade de
compreensão e intervenção sobre a realidade da sociedade. E está pronto o
panetone do Gestar II. Rendimento: Inesgotável. É bom saber: a receita só
será possível com a Secretária de Educação que temos: competente,
esforçada, compromissada e que sabe trabalhar. Quer experimentar? Fique
à vontade (Elaborado pelo grupo de professores).

Concordo com o pensamento de Veiga ao afirmar que o “processo de formação


requer muita ousadia e criatividade. Dada a importância do trabalho do professor para a
melhoria do atendimento escolar, fica evidenciada a necessidade de investir na qualidade da
formação profissional para o magistério” (VEIGA, 2012, p. 65).
O décimo encontro chega ao fim com os professores em um perfeito clima de
sintonia e interação. Eles conduziram as oito horas de encontro e usaram da criatividade para
sintetizar as aprendizagens desenvolvidas ao longo do semestre.
O semestre foi finalizado com todos os docentes cantando músicas natalinas,
trocando presentes e mensagens. Os professores receberam também os certificados por sua
participação na formação contínua. Com relação à avaliação da formação, seguem alguns
depoimentos.
113

O curso veio para melhorar minha prática. Meus alunos estão felizes, assim
como eu, diante das mudanças ocorridas no processo ensino e
aprendizagem nas turmas as quais leciono. É importante ressaltar que a
cada inovação, a cada atividade realizada, surge logo a pergunta: "- É do
gestar, tia?" ou "Eu gosto muito dessas atividades. São mais interessantes".
E todos realizam as atividades sugeridas com entusiasmo e alegria (Ana
Maria).

O professor H assim avaliou a formação: “O GESTAR II tem me propiciado uma


formação muito legal. Através dele consigo ter mais segurança na elaboração das minhas
aulas e na aplicabilidade das mesmas. Sem falar do que coletamos das experiências dos
colegas cursistas”. Abaixo mais um depoimento de um docente por ocasião do momento de
avaliação do processo formativo:

O que posso dizer do GESTAR?!? O GESTAR contribui para minha prática


pedagógica, pois traz atividades criativas, formas inovadoras que despertam
a curiosidade. Por esta razão, criei o momento GESTAR em sala, onde em
cada oportunidade aplicam-se as atividades propostas nos TPs e AAAs. Vejo
que meus alunos valorizam as atividades e mostram empenho na realização
e participação das mesmas. Pretendo trabalhar com essas atividades sempre
enriquecendo minha prática e melhorando o desempenho da aprendizagem
de meus alunos (Professor X).

Os professores sinalizaram que a formação favoreceu mudanças positivas no


ambiente escolar, além do sentimento de pertença a um coletivo, de aprendizagem com os
colegas de profissão. Também evidenciaram que conseguiram levar as aprendizagens para
suas escolas, que a formação contribuiu para o planejamento de aulas mais dinâmicas, com
troca de ideias entre os pares, apoio ao desenvolvimento das atividades pedagógicas. A
formação contínua desenvolveu-se, portanto, pela busca e pela partilha do conhecimento por
parte dos professores aliada a uma reflexão da prática pedagógica em diálogo constante com
os pares.
O segundo semestre de 2009 proporcionou várias aprendizagens e reflexões.
Destaco o desejo do grupo de professores de língua portuguesa em participar de um processo
de formação contínua. Foi um semestre com muitas atribuições, pois os encontros aconteciam
quinzenalmente e os professores buscavam ressignificar as vivências da formação e
desenvolvê-las com os seus estudantes. Houve, portanto, empenho, zelo, compromisso com o
percurso formativo. Os professores revelaram-se muito criativos, tanto em sala da aula – o
que ficava claro nos relatos das atividades desenvolvidas na escola – como no espaço da
formação.
114

 A formação no ano de 2010

O ano de 2010 teve um total de dez encontros de formação distribuídos ao longo


dos dois semestres. Participaram uma média de trinta professores. Na lotação para 2010, os
professores, em sua maioria, permaneceram em suas escolas de origem, basicamente nas
mesmas séries e com as mesmas disciplinas, sobretudo, português e matemática, tendo em
vista não alterar o quadro das formações. Porém, alguns professores que têm uma carga
horária de 200 ha, às vezes em um turno atuavam nos anos iniciais do ensino fundamental e
no outro nos anos finais.
Diferentemente do semestre anterior em que os encontros aconteceram
quinzenalmente; em 2010, aconteceram mensalmente. Foi um total de dez encontros. Apenas
nos meses de fevereiro e de julho não houve formação com os professores de língua
portuguesa. Abaixo apresento um quadro com os dias dos encontros de formação.

Quadro 5 – Encontros de formação do ano de 2010

Mês Jan. Mar. Abr. Maio Jun. Ago. Set. Out. Nov. Dez.

Dia do 27 03 07 05 02 20 14 05 09 07
encontro

Fonte: Elaborado por Martins (2014).

Após o recesso escolar, a formação foi retomada no dia 27 de janeiro, por ocasião
da semana pedagógica. A pauta deste encontro contemplou uma acolhida com um poema de
Fernando Pessoa e, em seguida, uma roda de conversa, motivada pelo questionamento “O que
temos feito de dezembro para cá?”. Os professores fizeram uma retrospectiva da formação em
2009 e pontuaram suas expectativas para 2010.
O início de uma nova etapa requer uma avaliação da etapa anterior para que se
possa fazer um planejamento condizente com a realidade dos envolvidos no processo.
Partindo desta premissa, a formação de janeiro de 2010 analisou os primeiros seis meses de
pesquisa-formação. O grupo sinalizou que a formação contínua oportunizou o crescimento
pessoal e profissional. Os professores pontuaram a importância da experiência de formação
para o desenvolvimento de um trabalho de qualidade com os estudantes. O principal quesito
levantado foi o caráter de continuidade do processo formativo. Os docentes enfatizaram ainda
115

a importância do trabalho que foi feito com os gêneros textuais, tanto na formação quanto na
sala de aula.
Com relação às expectativas para 2010, os professores solicitaram algumas
oficinas, como história em quadrinhos e contação de histórias. Ficou acertado que para o
desenvolvimento destas oficinas o formador buscaria parcerias com especialistas. O grupo
solicitou ainda que o trabalho com gêneros textuais deveria continuar para que pudessem
aprimorar os conhecimentos. O quadro seguinte traz um panorama do que foi trabalhado na
formação durante o ano de 2010.

Quadro 6 – Panorama da Formação - 2010


Livro / Texto Vídeo Material / Texto de
fundamentação
Menina bonita do laço de fita Como estrelas na terra toda A produção de texto numa perspectiva
(Ana Maria Machado) criança é especial dialógica (Adair Vieira Gonçalves)
Navegue (Fernando Pessoa) Olimpíada de Língua O Encantamento na Arte de Contar
Portuguesa Histórias (Sanyheire Irineu Araújo
Rios)
O melhor de Rubem Alves Aprender a aprender História em Quadrinhos (Cláudia
(Samuel Lago) Sales)
A arte de ser avó (Rachel de Diversidade Textual: Os Ler e escrever na escola gêneros
Queiroz ) Gêneros na Sala de Aula textuais
As histórias de vó Ana (João Paulo Freire A Arte de Contar e Criar Histórias
Luís de Almeida Machado) (Francisco Gilson Costa Filho)
O estranho procedimento de Ilha das Flores A questão da experiência na formação
Dona Dolores (Luis Fernando profissional dos professores (Alexandre
Veríssimo) Simão de Freitas)
A escola Perfeita (Drummond) Diálogo entre usuário de O ensino da língua escrita na escola:
computador e suporte dos tipos aos gêneros textuais (Carmi
técnico Ferraz Santos)
Minha Escola (Ascenso A Volta da Asa Branca O tratamento da diversidade textual nos
Ferreira) (Luiz Gonzaga) livros didáticos de português: como
fica a questão dos gêneros? (Clecio
Bunzem)
Trem de Alagoas (Ascenso Amor pra recomeçar Redação escolar: breves notas sobre
Ferreira) (Frejat) um gênero textual (Beth Marcuschi)
Crônica nº. 1 (Rachel de Anjos da guarda (Leci Análise linguística: refletindo sobre o
Queiroz) Brandão) que há de especial nos gêneros (Márcia
Mendonça)
As três lágrimas (Cego Asa Branca (Luiz Gêneros orais na escola (Marianne C.
Aderaldo) Gonzaga) B. Cavalcante e Cristina T. V.
Teixeira)
Felpo Filva (Eva Furnari) Saudade do meu sertão Conversas entre textos (Angela
(Antonio Francisco) Dionísio)
O Carteiro Chegou (Janet e Sementes do amanhã
Allan Ahlberg) (Gonzaguinha)
Evocação do Recife (Manuel Pelo avesso (Titãs)
Bandeira)
Poema do Menino Jesus Samba da Benção (Maria
(Fernando Pessoa) Bethânia)
Eu sei, mas não devia (Marina
Colasanti)
Fonte: Elaborado por Martins (2014).
116

Ao longo do primeiro dia de formação, houve ainda contação de histórias e o


estudo do texto “Produção de texto numa perspectiva dialógica” (Adair Vieira Gonçalves),
com atividade em grupos: leitura e discussão, síntese dos pontos principais, discussão de
como cada professor desenvolve o trabalho com a produção escrita em sala de aula,
socialização das equipes e plenária. Os professores desenvolveram o planejamento das
atividades para a primeira semana de aula. Por fim, foi feita a avaliação e os
encaminhamentos para o encontro seguinte.
O segundo encontro aconteceu no dia 03 de março e contou com a participação da
professora Cláudia Sales, responsável por trabalhar a temática história em quadrinho. Este
tema atendeu a uma solicitação dos professores encaminhada no primeiro encontro de 2010.
Ao final do dia os professores expressaram satisfação com a produção e registraram em suas
respectivas avaliações que vivenciaram um momento rico, trabalharam de forma prática e
criaram novas possibilidades para desenvolver atividades com as histórias em quadrinhos em
suas salas de aula.
As histórias em quadrinhos favoreceram o trabalho lúdico e prazeroso com a
leitura, além motivar os professores para o desenvolvimento de atividades que estimulem a
criatividade e o senso crítico dos estudantes.
O encontro de abril seguiu a sistemática inicial de acolhida conduzida por um dos
professores do grupo, o relato do encontro anterior, socialização e discussão das atividades
desenvolvidas em sala da aula. A pauta contemplou uma discussão sobre a Olimpíada de
Língua Portuguesa – Escrevendo o Futuro e atividade em grupo com leitura e síntese dos
textos Gêneros textuais: definição e funcionalidade (Luiz Antônio Marcuschi) e Descrição e
dissertação (Platão, F. & Fiorin, J. L.). Foram propostas algumas questões para guiar a
discussão dos textos. Os professores elaboraram atividades a partir de um dos Avançando na
prática (material do GESTAR II). Houve a avaliação e os encaminhamentos. O estudo de
textos teóricos revelou as dificuldades de alguns professores em compreender o estudado, mas
com a discussão desenvolvida no grupo as ideias-chave foram esclarecidas.
O quarto encontro aconteceu no dia 05 de maio e iniciou com uma acolhida
coordenada pela professora T. Em seguida, houve a memória do encontro anterior, o relato da
transposição didática e a entrega dos relatórios de atividades desenvolvidas com os
estudantes. A pauta priorizou o trabalho com a Olimpíada de Língua Portuguesa (OLP). Foi
feita a leitura e discussão do livro As histórias de Vó Ana (João Luís de Almeida Machado).
Após uma discussão e atividade de memórias da infância, foi proposta a realização de uma
117

oficina. Os professores se dividiram em quatro equipes para trabalhar: poema, memórias


literárias e crônicas. Os professores utilizaram-se da criatividade e de estratégias
diversificadas para trabalhar os gêneros literários citados. Em seguida, cada grupo traçou um
plano de ação de como desenvolver a OLP em sua escola. Os professores elaboraram
estratégias de divulgação e de como motivar os alunos, além de relatarem algumas ideias de
como pretendiam desenvolver as oficinas na escola. Foi realizada a avaliação do dia e o
encontro finalizou com os avisos/informes.
O quinto encontro aconteceu no dia 02 de junho com a pauta solicitada pelos
professores: contação de histórias. Foi convidado o facilitador Gilson Costa Filho que
trabalhou a oficina A arte de contar e criar histórias. Houve vários momentos, tais como: a
hora da história; o passo a passo da preparação de uma história a ser contada; recursos
criativos para encantar os alunos, como o avental e a mala de histórias; integração do grupo
através de criação coletiva de histórias e produção de livros artesanais. Houve a socialização
das produções e a avaliação coletiva. A avaliação do dia sinalizou que a formação foi muito
produtiva, pois possibilitou trabalhar a leitura através do lúdico. Os professores também
ressaltaram a importância de resgatar nos estudantes dos anos finais do ensino fundamental o
encantamento pela leitura. Assim foi encerrado o primeiro semestre. O texto abaixo traz o
depoimento de uma professora sobre as contribuições da formação: “a formação ofereceu a
oportunidade de nos reunir, de discutir, de trocar ideias e experiências, de avaliar o estudante.
Tivemos o prazer de levar muitas novidades para a sala de aula. Os materiais que recebemos
são muito importantes. Minha sala mudou para melhor” (Professora A).
Os professores mostraram compromisso e dedicação com o desenvolvimento de
seu percurso formativo. O professor formador buscou atender às solicitações de pauta feita
pelo grupo e isso foi um fator positivo, pois os docentes sentiram-se não meros partícipes de
um programa de formação, mas construtores, sujeitos ativos da sua trajetória. É interessante
destacar que a formação precisa acolher os anseios dos docentes, pois eles trazem a realidade
enfrentada no cotidiano das escolas.
Desta feita, a formação buscou a partir “dos temas sugeridos pelos professores,
favorecer a manifestação da curiosidade destes, quebrar preconceitos, garantir a criatividade e
a criticidade, favorecer o acesso aos conhecimentos científicos e articular as diferentes áreas
do conhecimento” (NASCIMENTO, 2011, p. 86).
O segundo semestre foi desenvolvido a partir de uma proposta do Centro de
Estudos em Linguagem (CEEL), da UFPE: Diversidade textual – os gêneros na sala de aula.
118

A iniciativa foi bem acolhida pelo grupo por tratar de uma temática sempre solicitada: os
gêneros textuais.
No encontro do dia 20 de agosto foi realizada a acolhida, que foi chamada de
dilema, motivando os professores a pensar, a questionar, a buscar além do que está
aparentemente posto. Em seguida, foi construída coletivamente a memória do semestre
anterior. Teve um momento de leitura deleite com o texto A escola perfeita (Drummond). Em
seguida, o formador apresentou a proposta de formação para o semestre. O material do CEEL
integrou-se às estratégias da formação contínua em virtude de sua temática atender às
demandas do grupo. Com isso, houve a exibição do vídeo Diversidade textual: os gêneros na
sala de aula que ofereceu uma visão geral de como seria o semestre formativo. Logo após,
houve a leitura e discussão do texto Memórias da construção da identidade profissional. O
texto oportunizou uma rica discussão sobre os percursos formativos do grupo. O excerto traz
o comentário de uma professora sobre a construção de sua identidade docente:

Quando criança aprendi muito com minha mãe que também foi minha
professora. A paixão que transparecia pela leitura, estudo, planejamento me
seduziu e me trouxe a exercer a mesma profissão. Mais tarde na faculdade
conheci a metodologia de vários outros como Paulo Freire, Piaget e outros
(Professora L).

Após a discussão sobre as memórias formativas, houve a exibição de um vídeo


que retratava a vida de Paulo Freire. A discussão aconteceu em pequenos grupos, que fizeram
uma síntese a partir da produção de um gênero textual. Houve a socialização das produções e
uma leitura deleite: Trem de Alagoas (Ascenso Ferreira). Os professores fizeram ainda uma
leitura dramatizada do texto O estranho procedimento de Dona Dolores (Luis Fernando
Veríssimo). Para finalizar houve a avaliação e avisos.
Os encontros seguintes seguiram a sistemática proposta pelo CEEL,
oportunizando o diálogo entre os pares, a partilha e a reflexão coletiva sobre o trabalho com
os diversos gêneros textuais no cotidiano das turmas dos anos finais do ensino fundamental. O
livro didático foi estudado e os professores, em pequenos grupos, analisaram um volume de
livro utilizado. O grupo discutiu e registrou suas análises em tabelas que contemplavam:
informações gerais sobre o volume; organização geral do livro didático; gêneros e domínios
no livro didático. As leituras deleite foram presentes ao longo do semestre: Crônica nº. 1
(Rachel de Queiroz); As três lágrimas (Cego Aderaldo); Evocação do Recife (Manuel
Bandeira); Eu sei, mas não devia (Marina Colasanti). Foi feita a leitura dos livros Felpo Filva
(Eva Furnari) e O carteiro chegou (Janet e Allan Ahlberg). Houve também o estudo dos oito
119

textos presentes no material básico da formação: Diversidade textual: os gêneros na sala de


aula. Foram elaboradas sequências didáticas priorizando a utilização de determinado gênero
textual.
Para finalizar o semestre, foi feita uma avaliação, que foi dividida em duas partes:
individual e coletiva. O grupo de professores se mostrou mais tranquilo para expor as
atividades desenvolvidas com os estudantes, bem como acolher as críticas e sugestões que
eram feitas. Os professores estavam habituados a registrar as memórias de suas aulas e mais
confiantes para trabalhar a leitura, os diversos gêneros com os estudantes. Uma das
professoras foi a Olinda/PE apresentar um trabalho desenvolvido com os seus estudantes a
partir do texto O estranho procedimento de Dona Dolores. Desta forma,

é preciso repensar a formação de professores a partir do contexto de seu


trabalho, não se podendo considerar essa formação descolada ou distanciada
da reflexão crítica acerca da sua realidade. É preciso refletir sobre esta
dimensão por meio de propostas curriculares, de atividades que permitam a
compreensão da dinâmica e das relações que ali se estabelecem (GHEDIN;
ALMEIDA; LEITE, 2008, p. 31).

A prática reflexiva foi contínua ao longo do segundo ano de formação. Os


professores partilhavam atividades desenvolvidas nas escolas, refletiam no coletivo e
buscavam reelaborar suas práticas a partir das diversas opiniões dos colegas, o que fortaleceu
os laços do grupo.

 A formação no ano de 2011

No ano de 2011 houve um total de nove encontros, que foram desenvolvidos a


partir das sugestões dos professores, trazendo também alguns formadores convidados, como a
professora Ana Nascimento, uma poeta aracoiabense. Abaixo apresento um quadro com os
dias dos encontros de formação.

Quadro 7 – Encontros de formação do ano de 2011

Mês Jan. Mar. Abr. Jun. Ago. Set. Out. Nov. Dez.

Dia do 25 18 08 06 12 09 14 11 07
encontro

Fonte: Elaborado por Martins (2014).


120

Em 25 de janeiro de 2011 houve a retomada da formação com o grupo de


professores de língua portuguesa. Primeiramente, foi feita uma retrospectiva da formação do
ano de 2010. Os professores solicitaram que fosse novamente trabalhada uma oficina sobre o
uso do livro didático, pois naquele ano trabalhariam com um novo livro e estavam receosos.
Também solicitaram uma oficina para trabalhar poesia. Avaliaram que o processo formativo
funciona como um aliado para o desenvolvimento das atividades pedagógicas em sala de aula
e favorece novas possibilidades para o trabalho com a leitura. O quadro seguinte traz um
panorama do que foi trabalhado na formação durante o ano de 2011.

Quadro 8 – Panorama da Formação - 2011


Livro / Texto Vídeo / Áudio Material / Texto de fundamentação

Grande ou pequeno? (Pedro Lições dos Golfinhos Uma proposta para o letramento (Magda Soares)
Bandeira)
Telha de Vidro (Rachel de O maestro A escolha do livro didático de língua portuguesa e
Queiroz) o uso desse material em sala de aula: implicações
para o ensino da escrita (Cicero Gabriel dos
Santos)
Sete minutos O Livro Didático de Português (Ldp): A variação
A Magia dos Sonhos (Elano
de gêneros textuais e a formação do Leitor (Lovani
Ribeiro)
Volmer e Flávia Brocchetto Ramos)
Tarde de Domingo (Éber Melhores do mundo O lúdico no ensino-aprendizagem da língua
Sander) portuguesa: sugestões de aulas criativas e
divertidas aplicadas a alguns conteúdos do ensino
fundamental - 5ª a 8ª série - Danielle Andrade de
Castro
Catarina e Josefina (Eva O papel da avaliação Sequência Didática Ensino Fundamental II
Furnari) na aprendizagem (Heloísa Cerri Ramos)
Aninha e suas pedras Entrevista (Celso Oficina: Generalidades da Arte Poética (Ana
(Cora Coralina) Vasconcelos) Nascimento)
Palco da vida (Fernando Avaliação da Oficina de Elaboração de Itens
Pessoa) aprendizagem
(Luckesi)
A arte de ser feliz Paciência (Lenine) A crônica em sala de aula: trabalhando com um
gênero menormENORMEnormenor...
(Ma. Cristina C. Ribas, Milena S. M. Domás e
Ketiley S. Pessanha)
Propósito (Madalena Freire) Cotidiano (Chico Gênero discursivo: Crônicas (Adriellen Morel)
Buarque)
Estatuto do homem (Thiago Oração ao tempo O Cotidiano da escola como ambiente de
de Mello) (Caetano Veloso) “fabricação” de táticas (Andrea T. Brito Ferreira)
A noite em que os hotéis Sinal Fechado Na prática, a gramática era outra (Antonio Gil
estavam cheios (Moacyr (Paulinho da Viola) Neto)
Jaime Scliar)
Amor Secreto (Ana My mistake (Pholhas) Assumindo a dimensão interacional da linguagem
Nascimento) – explorando a gramática e implicações
pedagógicas (Irandé Antunes)
Love me tender (Elvis Planejamento: para além do burocratismo
Presley) (Carmensita Matos Braga Passos)
Avaliação e processo educativo: os indicadores e
os caminhos para o ensino e para a aprendizagem
Fonte: Elaborado por Martins (2014).
121

Na sequência do primeiro dia de formação foi feita uma atividade de reflexão


sobre a importância do trabalho em grupo. Os professores foram divididos em grupos
menores e analisaram imagens que retratavam o trabalho docente. Os professores dividiram-
se conforme a afinidade. O excerto abaixo traz a compreensão de uma equipe sobre a tarefa:

No trabalho com a leitura, com a língua portuguesa é importante buscar a


interação, a participação de todos. Nem sempre conseguimos sucesso
imediato, mas aos poucos, com paciência, determinação e, principalmente,
respeito ao tempo de cada um, sua adaptação ao ambiente, ao próprio
grupo, o resultado será alcançado (Professoras T, R, Cecília e Raquel).

Cada equipe socializou a sua análise e ao término das apresentações, várias


indagações surgiram a partir da prática pedagógica, das experiências com a leitura e do
sistema educacional. Em seguida, foi realizada uma atividade individual com o objetivo de
que os professores escrevessem uma pequena biografia. Houve uma troca dos escritos, cada
professore leu uma das biografias e os colegas deviam descobrir de quem se tratava.
Foi uma atividade bem lúdica e apesar de ser o terceiro ano de caminhada do
grupo houve muitas descobertas e alguns professores se emocionaram com a escrita de sua
trajetória pessoal e profissional. A leitura deleite foi do texto Grande ou Pequeno (Pedro
Bandeira). Foi feita uma discussão sobre letramento, em virtude do livro didático adotado
para o triênio 2011-2013 ser Uma proposta para o letramento (Magda Soares). Assim,
segundo uma das professoras:

Vimos que o processo de letramento e a nossa formação são contínuos, pois


sempre há coisas novas a aprender. Hoje, percebemos que o professor
precisa não somente transmitir conteúdos, mas transformar o abstrato em
conceito mediante os processos de ensino e aprendizagem (Ana Maria).

Houve uma rodada de conversa sobre o novo livro didático e os professores


verificaram que a coleção adotada trata os diversos gêneros textuais que estão presentes na
sociedade e até mesmo no cotidiano do aluno. Em seguida, houve a avaliação e os professores
disseram que estavam mais tranquilos em relação ao livro adotado. Os professores sentiram-se
desafiados diante do novo livro adotado, mas perceberam que não havia motivo para
preocupação, pois a base do livro eram os gêneros textuais, temática bastante estudada
durante a formação contínua.
Abaixo o relato do encontro do dia dezoito de março, que foi elaborado em versos
pelas professoras Eva e Rachel:
122

Hoje é dia de formação


Logo de início, a apresentação
Dos muitos participantes
Que atuam na Educação

É no ensino da língua
Essa Língua Portuguesa
Que estamos neste encontro
Para aprender com certeza

O professor continua
Comenta o encontro anterior
Livro de bordo, solicita
O que Ana Maria registrou

Em seguida, a acolhida
Meio que improvisada
Eva fez uma oração
Rachel18 foi declamada

Após uma proposta


Por sinal, muito decente
Falar do livro didático
Vantagens e desvantagens
Para a gente

[...]
Realidade que só muda
Se você também mudar
Procure as telhas de vidro
E as ponham em seu lugar

[...]
A discussão sobre gêneros textuais
Segue logo a todo vapor
Sugestões para enriquecer aulas
Professor formador apresentou

São os gêneros, os vários textos


Que circulam pela sociedade
Materializados em situações comunicativas
Oriundas, portanto, da necessidade

E vem logo a proposta de trabalho


Uma sequência didática elaborar
Cada grupo em seguida começa
Sua proposta então começar

Assim, chegamos ao fim


De mais uma jornada
Partiremos na certeza
De que ainda há longa estrada.

18
Telha de vidro (Rachel de Queiroz)
123

As professoras relataram de forma poética uma oficina que foi realizada sobre o
uso do livro didático. Os cursistas formaram quatro equipes com o objetivo de discutir como
foram as primeiras aulas com o livro didático. Assim, pontuaram os aspectos favoráveis, bem
como os desafios. Os professores revelaram como aspectos positivos, os temas abordados, a
organização gráfica do material, as seções, o incentivo à leitura (inclusive, a silenciosa).
Alguns relataram certa dificuldade em contextualizar a gramática. Foi discutido sobre a
importância do livro didático como recurso pedagógico, mas principalmente, o trabalho que o
professor desenvolve com o livro. Por fim, houve a avaliação e os informes.
No encontro de abril foi trabalhada a oficina Generalidades da Arte Poética, com a
conterrânea especialista na área, Ana Maria Nascimento, buscando a compreensão em relação
à poesia e seus elementos, versos, rimas e estrofes e uma orientação para o trabalho em sala
de aula. Foi declamada a poesia Amor Secreto (Ana Maria Nascimento) e os professores
construíram um poema em conjunto com o tema da amizade. Para finalizar, foi socializada
uma aula de campo com professores e estudantes para a Universidade de Fortaleza, em que
participaram de uma exposição denominada “Caminhos da Arte”. Os professores solicitaram
um passeio cultural e ficaram combinados os temas para os meses seguintes.
Os demais encontros seguiram a sistemática da formação contínua: acolhida,
memória do encontro anterior, relato das atividades desenvolvidas na escola e oficina com
uma temática específica. Foram trabalhados vídeos, músicas, livros imagéticos, como
Catarina e Josefina (Eva Furnari). Outras temáticas solicitadas pelo grupo foram planejamento
e avaliação. Também foram feitos estudos de fundamentação teórica e atividades em grupos
menores.
Ao longo do ano os professores foram bem ativos na escolha das temáticas que
desejavam estudar, bem como na organização e condução do processo formativo. Atendendo
a mais uma solicitação do grupo foi feita uma viagem cultural à cidade de Fortaleza. Com
agendamento prévio, os professores visitaram a Casa de José de Alencar, o Museu do Ceará, e
a Academia de Letras. O percurso continuou por igrejas do centro da capital, Mercado
Central, Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, Jardim Japonês. Os professores mostraram-
se bastante entusiasmados com o passeio cultural, com as aprendizagens que ultrapassaram as
paredes da sala de aula e os limites do município aracoiabense.
Cada ano da formação é permeado de desafios e conquistas. O ano de 2011
iniciou com o receio dos professores em trabalhar o livro didático adotado e finalizou com o
grupo bem tranquilo em relação aos gêneros textuais.
124

 O último semestre da pesquisa-formação

As formações foram retomadas em 2012 com a palestra “Formação contínua: a


alegria de ser um eterno aprendiz”, com a Professora Socorro Lucena. Todos os professores
da rede municipal de ensino participaram desse rico momento de aprendizagens. Aconteceram
apenas quatro formações, conforme o quadro abaixo.

Quadro 9 – Encontros de formação do ano de 2012

Mês Janeiro Março Abril Junho

Dia do 27 09 13 06
encontro

Fonte: Elaborado por Martins (2014).

A formação foi interrompida em junho de 2012. Em abril houve a mudança de


secretário de educação e o que assumiu alegou contenção de despesas. Desta forma, houve
uma quebra no processo formativo do grupo. O quadro seguinte traz um panorama do que foi
trabalhado na formação durante o ano de 2012.

Quadro 10 – Panorama da Formação - 2012


Livro / Texto Vídeo / Áudio Material / Texto de fundamentação

Recomeçar (Carlos Manifesto Só a Unidade de Leitura: “Água” (Ezequiel Teodoro da


Drummond de Andrade) leitura Salva Silva)
Mulheres (Pablo Neruda) Alice no país das A avaliação da aprendizagem como processo
maravilhas (trecho) construtivo de um novo fazer (Maria Elisabeth P.
Kraemer)
Cidadão (Zé Provérbios, Paródia e Paráfrase
Motivo (Cecília Meireles)
Ramalho)
Canção do exílio Velha infância Literatura do 6º ao 9º ano: ensine a teoria sem
(Gonçalves Dias) (Tribalistas) deixar de lado as práticas de leitura (Elisa
Meirelles)
Canção do exílio (Murilo Brincadeira de Entrevista com Regina Zilberman (Meire
Mendes) Criança (Molejo) Cavalcante)
No meio do caminho Prova Brasil: descritores de Língua Portuguesa para
(Carlos Drummond de o 9º ano
Andrade)
Provérbios Modernizados Oficina de produção de textos - OLP
(Millôr Fernandes)
Charges
Fotos antigas / memórias
Revolução da alma
(Aristóteles)
Fonte: Elaborado por Martins (2014).
125

O encontro do dia vinte sete de janeiro começou com a leitura deleite Recomeçar
(Carlos Drummond de Andrade). Na sequência houve uma avaliação da formação
desenvolvida ao longo do ano de 2011. Os professores avaliaram como pontos positivos: a
acolhida aos temas que eles sugeriram para ser desenvolvidos na formação; o clima amistoso
com que os trabalhos foram desenvolvidos; o companheirismo dos pares; a possibilidade de
levar novas estratégias para a sala de aula e dinamizar a prática educativa. Os pontos
negativos foram em relação ao não cumprimento por parte de alguns professores do horário
acordado no coletivo. Foi feito um estudo em grupo com o texto Unidade de Leitura: “Água”
(Ezequiel Teodoro da Silva). Em seguida, os professores elaboraram uma sequência didática.
Foi desenvolvido o planejamento das ações para o primeiro semestre. Houve alguns
encaminhamentos e a avaliação do encontro.
O encontro do dia nove de março foi iniciado com uma mensagem em
homenagem as mulheres. Em seguida, foi feita a memória do encontro anterior. Houve uma
rodada de conversa sobre o que os professores haviam desenvolvido em sala de aula.
Começou uma discussão sobre gêneros textuais a partir do conhecimento prévio dos
professores. As informações por eles fornecidas foram registradas no quadro e o formador fez
uma sistematização, ilustrando vários gêneros. Após este momento, foram trabalhados os
tipos textuais contrastando-os com a noção de gênero textual. Foram trabalhados provérbios,
paródias e paráfrases através de oficinas em equipes. Foi feita a avaliação do dia e os
encaminhamentos.
O encontro do dia treze de abril começou com a acolhida e na sequência foi feito
o resgate do encontro anterior realizando uma atividade com provérbios populares. Os
professores socializaram as atividades desenvolvidas em sala de aula. Na sequência, o grupo,
dividido em grupos, analisou os resultados do SPAECE 2010-2011 nas escolas municipais,
desenvolvendo uma atividade de interpretação de gráfico. Através desta atividade os docentes
experimentaram as dificuldades sentidas pelos estudantes ao interpretar gráficos. Houve uma
discussão sobre as avaliações externas e as dificuldades enfrentadas em sala de aula com
relação aos descritores e a elaboração de itens para avaliação.
O último encontro do semestre aconteceu no dia seis de junho. A acolhida se deu
com uma dinâmica “uma viagem ao museu do tempo”. Foram exploradas imagens antigas de
Aracoiaba, levando os professores a uma retrospectiva, instigando à recordação de fatos e
histórias que fizeram parte de suas vidas. A dinâmica foi associada ao gênero de memórias
literárias. Os professores desenvolveram atividades em pequenos grupos com os gêneros
126

trabalhados na Olimpíada de Língua Portuguesa. Os docentes socializaram as atividades


elaboradas. Foi discutido sobre os diversos usos de um mesmo texto. Houve um momento de
partilha das aprendizagens do semestre e do que os professores conseguiram realizar em suas
salas de aula. Por fim, houve os avisos e a avaliação.
O grupo de professores de língua portuguesa partilhou que ao longo dos semestres
de formação

“aprendeu inúmeras possibilidades de se trabalhar a leitura com os


estudantes, ressignificando as atividades desenvolvidas na formação e
buscando ampliar a visão do aluno em relação à prática leitora”
(Professora T).

“a partilha dos diversos saberes dos professores foi a grande aprendizagem,


além da segurança para trabalhar a leitura e os diversos gêneros textuais
com os estudantes” (Professora R).

“O formador trouxe muitas coisas novas e que puderam ser dinamizadas na


nossa prática educativa” (Professor E).

O coletivo de formação foi desenvolvido a partir da realidade dos docentes,


considerando suas práticas. A teoria foi fundamental para guiar as discussões e favorecer
novos olhares à prática pedagógica e, consequentemente, novos conhecimentos foram
construídos a partir das discussões no grupo. Assim,

teoria e prática passam a ser considerados como elementos indissociáveis da


atividade docente, uma vez que, para se refletir sobre seu trabalho, sobre sua
ação, sobre as condições sociais e históricas de sua prática, o professor
precisa de referenciais teóricos que lhe possibilitem uma melhor
compreensão e aperfeiçoamento de sua atividade educativa (GHEDIN;
ALMEIDA; LEITE, 2008, p. 36).

As atividades desenvolvidas ao longo dos seis semestres do processo formativo


surgiram da política de formação da Secretaria de Educação de Aracoiaba, no âmbito do
Programa de Incentivo ao Desenvolvimento da Educação de Aracoiaba, com foco na
formação dos professores.
A implantação de um processo de formação contínua foi uma demanda
apresentada pelos próprios profissionais da educação. O processo formativo, portanto, foi uma
ação defendida e priorizada pelos professores. O encontro mensal atendia às solicitações
previamente elencadas pelos docentes e adequava outras atividades complementares de
acordo com as demandas encaminhadas pelo grupo. Desta forma, foram acrescentadas às
atividades previstas, oficinas, palestras, aulas de campo, dentre outras.
127

Houve uma aceitação maciça do grupo de docentes de língua portuguesa. A


caminhada formativa prosperou e influenciou no desenvolvimento das práticas docentes, no
gosto pela leitura, bem como na elaboração de atividades de acordo com a realidade dos
estudantes.
128

6 ENTRELAÇANDO FORMAÇÃO E PRÁTICA PEDAGÓGICA

“Juntamente com seu saber, sua cultura


individual e coletiva, o professor leva consigo
para a sala de aula sua história de vida e sua
visão de mundo. A forma de conduzir os
conhecimentos específicos de sua área de
estudo, a relação com os alunos e a avaliação
que utiliza passam pela visão de ciência que
possui, pela concepção de aluno, de escola e
de educação que acumulou no decorrer das
experiências vivenciadas.” (Selma Garrido
Pimenta e Maria Socorro Lucena Lima)

O presente capítulo ecoa as vozes do professor que no chão da sala de aula se faz
humano e busca através da leitura libertar os seus estudantes. Aqui, desvelo o que é feito no
impasse entre o escrito e o vivido, entre a formação no grupo e o cotidiano das escolas da rede
pública de ensino.
A formação contínua de professores não deve ser entendida apenas como um
momento de atualização dos conhecimentos científicos prontos e acabados, mas como uma
troca de experiência que possibilite ao grupo participante o desenvolvimento da capacidade de
se tornar um professor pesquisador de sua própria prática.
Na tentativa de compreender a relação entre a formação contínua e as práticas de
leitura a partir do olhar do professor dos anos finais do ensino fundamental realizei entrevistas
com professoras participantes do grupo de formação. Assim, as docentes falaram das
aprendizagens desenvolvidas no grupo, de como desenvolvem suas práticas pedagógicas e o
que aprendem ensinando leitura a estudantes dos anos finais do ensino fundamental.

6.1 Perfil das professoras entrevistadas

Para a realização das entrevistas foram selecionadas seis professoras, sendo três
delas da sede municipal de Aracoiaba e três professoras da zona rural, representando os
docentes do grupo de pesquisa-formação. Na sequência, apresento o perfil das professoras
entrevistadas, trazendo alguns aspectos da sua formação, origem familiar, bem como
129

informações básicas sobre as escolas onde lecionam. A figura abaixo traz os codinomes das
professoras entrevistadas, as escolas onde atuam e a localização destas.

Figura 1 – Professoras entrevistadas

Ana Maria
Escola
Ciranda de
Estrelas -
Sede
Raquel Cecília

Escola Telha Escola Janela


de Vidro - Mágica -
Zona Rural Zona Rural
Professoras
entrevistadas

Pesquisa-
formação
Eva Clarice
Escola Escola
Catarina e Felicidade
Josefina - Clandestina -
Zona Rural Sede
Cora
Escola Os
meninos
verdes -
Sede

Fonte: Elaborado por Martins (2014).

As professoras e as escolas receberam os codinomes para preservar suas


identidades. Todas elas são efetivas, participantes de pelo menos três anos da formação,
representantes dos professores da sede municipal, bem como da zona rural. Na sequência
delineio o perfil de cada professora e da escola em que atuava quando a entrevista foi
realizada.
130

Ana Maria

Aracoiabense, quarenta e dois anos, professora efetiva da rede


municipal há vinte quatro anos e trabalha 100h/a. Cursou toda a
educação básica em escolas públicas. Fez o Curso de Formação
de Professores para o Ensino Fundamental de 1ª a 8ª série, nas
Áreas Específicas – Licenciatura plena. Universidade Estadual do
Ceará (2000.2) e cursou a Especialização em Gestão Escolar –
UDESC (2004). Iniciou a docência como professora
alfabetizadora. Foi diretora escolar durante quatro anos. Nos
últimos oito anos está atuando nos anos finais do ensino
fundamental com língua portuguesa. Seu pai é alfabetizado e sua
mãe cursou o primário (anos iniciais do ensino fundamental). Tem
três irmãs e todas concluíram o nível superior (fonoaudióloga,
historiadora, contadora). Seu esposo cursou o ensino médio e é
motorista. Tem dois filhos: um de dezessete anos, cursando o
terceiro ano do ensino médio e uma de dez anos, cursando o
quinto ano do ensino fundamental.

Durante o desenvolvimento da pesquisa a professora Ana Maria trabalhava na


Escola Ciranda de Estrelas, localizada na sede de Aracoiaba. A escola foi fundada há vinte
cinco anos, com cinco salas de aula e dois banheiros. Antes, porém, os jovens da comunidade
estudavam na casa de professoras e depois passaram para um grupo escolar. No ano de 2013
contava com um total de 387 estudantes matriculados, sendo 124 deles nos anos finais do
ensino fundamental; um total de dezoito docentes, um diretor, uma coordenadora pedagógica
e doze funcionários. A escola desenvolve vários projetos, tais como: reforço escolar, combate
ao preconceito, incentivo à leitura e à escrita, rádio escolar, feira de ciências, gincana cultural.
Os estudantes participam ainda de oficinas do Programa Mais Educação: caratê, coral, danças,
jornal, ciências e tênis de mesa. Professores e núcleo gestor incentivam os estudantes a
participarem de concursos e olimpíadas.
131

Cecília

Aracoiabense, quarenta e cinco anos, professora efetiva da rede


municipal há quinze anos e trabalha 100h/a. Cursou o ensino
fundamental em escola pública e o ensino médio em escola
particular como bolsista. Fez o Curso de Formação de Professores
para o Ensino Fundamental de 1ª a 8ª série, nas Áreas Específicas
– Licenciatura plena. Universidade Estadual do Ceará (2001.2) e
cursou Especialização em Língua Portuguesa e Arte-Educação –
URCA (2007). Iniciou a docência como professora alfabetizadora e
também foi professora polivalente do quinto ano do ensino
fundamental. Nos últimos oito anos está atuando nos anos finais do
ensino fundamental com língua portuguesa. Seus pais são
alfabetizados. Tem dois irmãos: um graduado e especialista em
História e Geografia e o outro que cursou o ensino médio. Seu
esposo cursou o ensino fundamental. Tem dois filhos: um de dez
anos, cursando o quinto ano do ensino fundamental e uma de
quatro anos, cursando o infantil IV.

A professora Cecília trabalha na Escola Janela Mágica, localizada na zona rural de


Aracoiaba. A escola tem trinta e cinco anos e atende aos estudantes do distrito e de
localidades vizinhas. Inicialmente, a estrutura da escola contava com três salas de aula, uma
cantina, uma diretoria e dois banheiros. Com o passar dos anos foi ampliada e foram
construídos mais três salas de aulas, um laboratório de informática e dois banheiros. No ano
de 2013 contava com um total de 202 estudantes matriculados, sendo 114 deles nos anos
finais do ensino fundamental; vinte e dois professores, um diretor, uma coordenadora
pedagógica e dezesseis funcionários. A escola desenvolve atividades complementares no
contraturno, tais como atendimentos no laboratório de informática, na sala de leitura, oficinas
do Programa Mais Educação, além de projetos de mobilização escolar (Gravidez na
adolescência; A dengue na minha casa não; Relações humanas na escola); Projeto de Proteção
ao Meio Ambiente (Agrinho).
132

Clarice

Aracoiabense, cinquenta anos, professora efetiva da rede municipal


há trinta anos e trabalha 200h/a. Cursou o ensino fundamental e o
ensino médio em escola pública. Também fez o curso normal em
escola particular como bolsista. Cursou Letras: Português e Inglês.
Universidade Estadual do Vale do Acaraú (2005) e Especialização
em Gestão Escolar – Faculdade Kurious (em conclusão). Sempre
atuou como professora do ensino fundamental, tanto nos anos iniciais
como nos anos finais. Nos últimos cinco anos a professora está
atuando 100h/a no quinto ano e 100h/a como professora de língua
portuguesa do ensino fundamental II. Seu pai é alfabetizado e sua
mãe cursou o primário (anos iniciais do ensino fundamental). Tem
cinco irmãos: três concluíram o ensino médio, uma tem o ensino
médio incompleto e outro concluiu os anos iniciais do ensino
fundamental. Tem uma irmã que é professora aposentada. É
divorciada e tem cinco filhos: um tem 24 anos, ensino médio e é cabo
da Marinha; uma tem 25 anos e cursa história; uma tem 22 anos e
cursa ciências contábeis; uma tem 18 e faz cursinho pré-vestibular;
uma tem 14 anos e cursa o primeiro ano do ensino médio.

A professora Clarice trabalha na Escola Felicidade Clandestina, localizada na sede de


Aracoiaba. A escola tem treze anos. No ano de 2013, a estrutura da escola contava com doze
salas de aula, uma cantina, uma diretoria, uma secretaria, uma biblioteca, uma quadra coberta
e sete banheiros. Contava em 2013 com um total de 477 estudantes matriculados, sendo 221
deles nos anos finais do ensino fundamental; uma diretora, duas coordenadoras pedagógicas,
uma secretária. A escola desenvolve atividades complementares no contraturno, tais como:
reforço escolar; pesquisas no laboratório de informática; oficinas do Programa Mais
Educação, proporcionando aulas de matemática, capoeira, caratê, informática, futsal,
Recreação. Oferece também serviços de apoio especializado para o atendimento das
peculiaridades de crianças e jovens especiais. A escola realiza gincana cultural, pesquisas de
campo e torneios esportivos.
133

Cora

Aracoiabense, quarenta e oito anos, professora efetiva da rede


municipal há vinte e três anos e trabalha 100h/a. Cursou o ensino
fundamental em escola particular e o ensino médio em escola
particular e em escola pública. Fez o Curso de Formação de
Professores para o Ensino Fundamental de 1ª a 8ª série, nas Áreas
Específicas – Licenciatura plena. Universidade Estadual do Ceará
(2001.2) e cursou Especialização em Língua Portuguesa e Arte-
Educação – URCA (2008). Iniciou a docência como professora
polivalente. Posteriormente atuou como coordenadora e depois
como professora alfabetizadora. Nos últimos nove anos está atuando
nos anos finais do ensino fundamental com a disciplina língua
portuguesa. Seu pai escreve apenas o nome. Sua mãe é alfabetizada.
Tem nove irmãos, sendo oito mulheres (uma é fisioterapeuta, três
cursaram o ensino médio, uma cursou o ensino fundamental, três
não concluíram o ensino fundamental). O irmão não estudou. Seu
esposo cursou o ensino fundamental e trabalha como auxiliar de
farmácia. Tem duas filhas: uma de catorze anos, cursando o nono
ano do ensino fundamental e uma de dez anos, cursando o quinto
ano do ensino fundamental.

A professora Cora trabalha na Escola Os meninos verdes, localizada na sede de


Aracoiaba. A escola tem oito anos. No ano de 2013, a estrutura da escola contava com vinte
salas de aula, uma cantina, uma diretoria, uma secretaria, uma biblioteca, uma sala dos
professores, um pátio coberto, um almoxarifado, uma sala de vídeo, um teatro, um depósito
da merenda escolar e cinco banheiros. Contava em 2013 com um total de 440 estudantes
matriculados, sendo 199 deles nos anos finais do ensino fundamental; um diretor, uma
coordenadora pedagógica, uma secretária. A escola desenvolve vários projetos tais como:
escola em movimento (aula de música, letramento/reforço escolar, esportes, aula de
informática), incentivo à leitura e à escrita; afro descendência – superando preconceito; amor
à vida; teatro – pastoril; além de oficinas do Programa Mais Educação; Feira de Ciências;
concursos de poesia e incentivo à participação dos estudantes em concursos e olimpíadas.
134

Eva

Aracoiabense, trinta e sete anos, professora efetiva da rede


municipal há dez anos e trabalha 100h/a. Cursou toda a educação
básica em escolas públicas. Fez o Curso de Formação de
Professores para o Ensino Fundamental de 1ª a 8ª série, nas Áreas
Específicas – Licenciatura plena. Universidade Estadual do Ceará
(2001.2) e cursou duas especializações: Gestão Escolar – UDESC
(2004) e Língua Portuguesa e Arte-Educação – URCA (2008).
Iniciou a docência como professora polivalente, foi orientadora de
aprendizagem do telensino e, posteriormente, atuou como
professora alfabetizadora. Nos últimos dez anos está atuando nos
anos finais do ensino fundamental com a disciplina língua
portuguesa. Seu pai é analfabeto e sua mãe cursou o primário (anos
iniciais do ensino fundamental). Tem dois irmãos que cursaram o
ensino médio. Seu esposo cursou o ensino fundamental e trabalha
com informática. Tem uma filha bebê.

A professora Eva trabalha na Escola Catarina e Josefina, localizada na zona rural


de Aracoiaba. A escola tem vinte e dois anos e atende aos estudantes do distrito e de
localidades vizinhas. Inicialmente, a estrutura da escola contava com três salas de aula, uma
cantina, e dois banheiros. Posteriormente, a escola foi ampliada, foram construídas mais três
salas de aula e um laboratório de informática. No ano de 2013 contava com um total de 138
estudantes matriculados, sendo 112 deles nos anos finais do ensino fundamental; dez
professores, uma diretora e dez funcionários. Em parceria com o Centro de Inclusão Digital
(CID), a escola disponibiliza aos seus estudantes aulas de informática, pesquisas na internet e
acesso à biblioteca. A escola promove palestras, reuniões cooperativas e cursos diversos.
Desenvolve ainda várias ações, tais como: Programa Segundo Tempo (PST), Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), Projovem, Programa Juventude Cidadã.
135

Rachel

Aracoiabense, trinta e sete anos, professora efetiva da rede municipal


há quinze anos e trabalha 200h/a. Cursou toda a educação básica em
escolas públicas. Fez o Curso de Formação de Professores para o
Ensino Fundamental de 1ª a 8ª série, nas Áreas Específicas –
Licenciatura plena. Universidade Estadual do Ceará (2001.2) e está
finalizando o Curso de Letras na Universidade Aberta do Brasil, Polo
Aracoiaba. Cursou a Especialização em Língua Portuguesa e Arte-
Educação – URCA (2008). Iniciou a docência como professora de
história e geografia nos anos finais do ensino fundamental, mas nos
últimos cinco anos está atuando nos anos finais do ensino fundamental
com a disciplina de língua portuguesa. Seu pai é alfabetizado e sua
mãe cursou o primário (anos iniciais do ensino fundamental). Tem
duas irmãs: uma cursou o ensino médio e a outra cursou o ensino
fundamental. Seu esposo cursou o ensino fundamental e trabalha com
informática. Tem uma filha de treze anos cursando o nono ano do
ensino fundamental e um filho de quinze anos cursando o terceiro ano
do ensino médio.

A professora Rachel trabalha na Escola Telha de vidro, localizada na zona rural de


Aracoiaba. A escola tem quarenta e oito anos e atende aos estudantes do distrito e de
localidades vizinhas. No ano de 2013 contava com um total de 454 estudantes matriculados,
sendo 151 deles nos anos finais do ensino fundamental; vinte e cinco docentes, um diretor,
um coordenador pedagógico, uma secretária escolar e trinta funcionários. A escola funciona
nos três turnos, oferecendo a educação infantil, o ensino fundamental e a educação de jovens e
adultos, além de atividades complementares no contraturno, tais como: atendimentos no
laboratório de informática, na sala de leitura, aulas do PETI e aulas de reforço escolar em
parceria com uma ONG local. A escola desenvolve vários projetos, a saber: projeto ciência
em foco, projeto de proteção ao meio ambiente, projeto de educação sexual, projeto combate
ao uso de drogas, além de disponibilizar várias oficinas através do Programa mais Educação.
Em parceria com uma ONG local desenvolve ainda os seguintes projetos: incentivo a leitura,
consciência negra, cultura brasileira e natal solidário.
136

As seis professoras representantes do grupo da pesquisa-formação são


aracoiabenses, professoras efetivas há pelo menos dez anos, estão entre trinta e sete e
cinquenta anos e lecionam língua portuguesa nos anos finais do ensino fundamental no
mínimo há cinco anos. Quatro delas trabalham 100h/a e duas trabalham 200h/a. Uma das
docentes cursou Letras: Português e Inglês, na Universidade Estadual do Vale do Acaraú.
Cinco delas fizeram o Curso de Formação de Professores para o Ensino Fundamental de 1ª a
8ª série, nas Áreas Específicas – Licenciatura plena, na Universidade Estadual do Ceará. Uma
professora além deste curso de formação fez Letras na Universidade Aberta do Brasil, Polo
Aracoiaba. Cinco das professoras cursaram especialização e uma está concluindo, faltando
apenas a entrega do trabalho de conclusão de curso. Quatro cursaram a especialização em
Língua Portuguesa e Arte-Educação – URCA. Uma além desta cursou Gestão Escolar pela
Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC. Outra professora cursou a
especialização em Gestão Escolar – UDESC. Uma delas está concluindo a especialização em
Gestão Escolar – Faculdade Kurious.
As docentes têm formação específica para a docência e significativa experiência
com o ensino, elementos que contribuem para o desenvolvimento de sua profissionalidade,
definida como “a afirmação do que é específico na ação docente, isto é, o conjunto de
comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade
de ser professor” (SACRISTÁN, 1991, p. 64).
A análise do universo familiar de origem das professoras constata certa
homogeneidade com relação à escolarização de seus pais. Cinco professoras afirmaram que o
pai é alfabetizado. Uma informou que o pai é analfabeto. Quatro afirmam que a mãe cursou o
primário (anos iniciais do ensino fundamental) e duas que a mãe é alfabetizada. As
professoras participantes desta pesquisa desenvolveram certa mobilidade social e cultural em
relação à família de origem (BATISTA, 2007).
Metade das professoras tem dois irmãos; uma tem três irmãos, uma tem cinco
irmãos e outra tem nove irmãos. As professoras se destacam dos seus irmãos com relação ao
conhecimento científico. Apenas uma das docentes tem todos os irmãos com nível superior.
Mais duas professoras têm um irmão com nível superior. O nível médio é o que dez dos
demais irmãos cursaram, seguido por seis com o ensino fundamental, concluído ou não e por
um que não estudou. Há uma multiplicidade em relação à quantidade de irmãos e ao nível de
formação destes.
As docentes participantes da pesquisa são originárias de famílias com baixo
capital cultural escolarmente rentável, mas viram na educação uma possibilidade de inclusão
137

nos benefícios culturais e escolares (BATISTA, 2007). Elas trazem ainda originalidade na sua
situação cultural, pois imprimiram a marca do nível superior em suas famílias de origem.
Com relação à família atual, uma professora informou que o esposo concluiu o
ensino médio, quatro professoras informaram que o esposo tem o ensino fundamental
(completo ou não) e uma por ser divorciada não informou. As professoras também se
destacam de seus esposos com relação ao investimento feito na sua formação. Ao contrário
deles, elas constituíram uma longa escolarização.
Todas as professoras têm filhos. Quatro delas têm filhos cursando a educação
básica e uma delas têm filhos no ensino superior e na educação básica. Uma delas tem uma
bebê. A bagagem cultural das professoras revela investimentos na formação de seus filhos,
“de modo a investir em cada filho o máximo possível de recursos, para que eles possam
realizar o futuro que se almeja para eles” (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2004, p. 78).
As professoras tiveram uma relevante mobilidade social e cultural em relação aos
seus pais, o que é revelado pela distância entre o nível escolar das docentes e o de sua família
de origem. Elas estão realizando investimentos significativos na educação de seus filhos.

6.2 O grupo como espaço de formação contínua

Ao serem questionados sobre como se deu a entrada no grupo, de cada um dos


seis sujeitos representantes dessa pesquisa, as falas evidenciam, quase que por unanimidade,
que a iniciativa foi da Secretaria de Educação de Aracoiaba, através de convites repassados
aos professores pelos núcleos gestores das escolas, conforme os fragmentos ilustrativos
abaixo.

Fui convidada pelo núcleo gestor e também através da secretaria de


educação, até porque eu estava lecionando na área de língua portuguesa
(Ana Maria).

Foi a convite da Secretaria de Educação. A Secretaria de Educação que


solicitou (Cora).

Veio o convite através da Secretaria de Educação, veio até a coordenação


da escola, eles convidaram a gente e eu querendo aprender cada vez mais
tive muito interesse em participar (Cecília).

Eu tomei conhecimento de que ia haver o curso de português e como eu


sinto a necessidade de me aprofundar na disciplina, eu falei com a diretora
de ensino da secretaria de educação, eu liguei para ela [...] Também teve
uma divulgação na escola, mas eu não sabia que se tratava do mesmo curso.
Então, quando eu cheguei à secretaria de educação associei que o curso que
138

eu havia tomado conhecimento e o que ia acontecer era o mesmo curso


(Clarice).

Recebi uma informação pela Secretaria de Educação, a diretora à época,


[...], levou para a escola, fui selecionada aceitei e logo fui participar (Eva).

Comecei a participar do grupo, primeiramente, recebendo o convite do


diretor da escola, que a convite da Secretaria de Educação estaria abrindo
esse curso de formação e que todos os professores da área participariam do
curso (Rachel).

Nesse caso observo que não foi propriamente uma busca dos professores, muito
embora eles considerem importante participar de formações constantemente. Essas falas
revelam que para participar da formação continuada, os professores da educação básica
constituem um grupo de profissionais que dependem, em boa parte, da iniciativa dos órgãos
gestores os quais são vinculados. Por isso, é de fundamental importância uma política pública
de formação contínua para os professores das diversas áreas do conhecimento.
Nesse sentido, o desenvolvimento da formação contínua de professores da
educação básica não deve ficar a mercê da vontade política de um gestor que ocupa o poder
por um tempo determinado. Ela deve ser pensada e efetivada como uma ação contínua, que
não sofra interrupção com a mudança de quem está à frente das decisões da educação. É
importante também que ela seja pensada como um projeto coletivo, posto que, “um dos
limites para o alcance das propostas de formação é que dirigem-se aos professores a título
individual, sem estarem integradas num projeto coletivo ou institucional” (NASCIMENTO,
2011, p. 80).
Tratar a formação como projeto coletivo é pensar na importância do grupo como
espaço de aprendizagem. Os depoimentos abaixo sinalizam como os participantes da
formação contínua para professores dos anos finais ensino fundamental do município de
Aracoiaba pensam a respeito do grupo.

Ah, esse grupo foi bom demais [...], foi assim uma aproximação maior dos
professores porque praticamente os colegas não se encontravam e naquele
encontro havia uma harmonia melhor entre os colegas [...] (significa) essa
amizade, aquele aconchego, ficava naquela expectativa “– tal dia tem o
encontro”, todo mundo se reencontrava. Pra mim, foi muito importante
(Cora).

Nesse grupo, primeiro, a gente criou muitos laços de amizade. Houve muitas
contribuições para nossas práticas pedagógicas. Aprendi muito com o
grupo. Era um pessoal que a gente via que eram pessoas iguais a nós. Não
tinha ninguém que quisesse ser mais do que os outros. Todo mundo estava
ali para aprender, adquirir práticas pedagógicas, para adquirir
experiências uns com os outros (Cecília).
139

O grupo foi de grande importância porque havia muita troca de experiência,


muita conversa e muita aprendizagem com essa troca de experiência e com
o conteúdo que o nosso formador nos proporcionava (Clarice).

(O grupo significou) laços de crescimento. Cada encontro que a gente


passou a ter a partir do momento que começou esse trabalho de formação
contínua, cada encontro a gente crescia profissionalmente, cada encontro
que a gente ia tinha algo que acrescentava na prática didática da gente
(Eva).

Foi de grande proveito. Me significou aprendizagem, conhecimento e


partilha (Ana Maria).

O grupo em si significou para mim um ponto de apoio porque no grupo nós


podemos compartilhar até angústias, as nossas experiências e a gente ia
aprendendo uns com os outros, sob a orientação do formador. A gente ia
adquirindo outros conhecimentos que nos auxiliavam na prática cotidiana
(Rachel).

As falas revelam que os sujeitos consideram o grupo como um espaço de


aprendizagem, de crescimento, de fortalecimento de laços pessoais e profissionais. A partir de
tal experiência, “os docentes, por si mesmos, são sujeitos de seu crescimento através da
reflexão e investigação da própria prática em sua realidade de trabalho e a partir das
necessidades sentidas” (RIBAS, 2004, p. 124).
Nesse sentido é oportuno salientar a importância do grupo como espaço de
convivência, da troca de saberes, de aprendizagens, de desenvolvimento das relações afetivas.
Um grupo, portanto, é um “conjunto de pessoas capazes de se reconhecer em sua
singularidade e que estão exercendo uma ação interativa com objetivos compartilhados”
(OSORIO, 2003, p. 57). Os professores percebiam no grupo um espaço de pessoas que
compartilham objetivos e desafios comuns.
As diversas falas dos sujeitos da presente pesquisa revelam o sentimento que eles
têm em relação ao grupo, e nesse particular, como veem a formação contínua que
participaram, enfatizando de que modo eles foram convidados, o significado do grupo para os
participantes, o que foi aprendido com as atividades desenvolvidas e com os colegas. Abaixo,
os professores evidenciam as aprendizagens com as atividades do grupo.

Aprendi a repensar sobre as atividades que eu trabalhava, a melhorar a


minha prática pedagógica em sala de aula e ver também sempre o lado dos
alunos, porque é necessário a gente trabalhar com os professores e ter um
olhar voltado para os alunos (Clarice).

Aprendi que partilhando as nossas experiências em sala de aula, as nossas


aulas ficavam bem mais ricas, não ficava só uma aula simples; ficava uma
aula mais dinâmica. Os meus planos ficavam mais diferentes. Eu elaborava
140

planos bem simples, breves e aí eu comecei a fazer as predições, em cada


aula eu fazia uma predição (Eva).

O que eu aprendi com essas práticas foi exatamente avaliar a minha prática,
a refletir sobre as minhas ações, a avaliar o que dava certo e o que não
dava certo em minha sala de aula e procurar fazer melhor para atingir os
objetivos de determinada aula (Rachel).

Os excertos evidenciam que as experiências formativas vivenciadas no grupo


podem favorecer situações de aprendizagem no cotidiano dos docentes, oportunizando um
espaço para o desenvolvimento de atividades colaborativas, nas quais os pares possam atuar
como interventores, mediando e auxiliando uns aos outros com suas competências específicas
(ALVES, 2008).
A avaliação da própria prática e a troca de experiências entre os sujeitos favoreceu
a construção de um espaço mútuo de formação, com os docentes formando e se formando de
igual modo. As aprendizagens são evidenciadas pelo processo de partilha no coletivo, o que
conduziu à ressignificação dos conhecimentos a partir da reflexão das práticas cotidianas.
As professoras também evidenciaram as aprendizagens desenvolvidas com os
colegas:

Nós aprendemos novas didáticas, novas maneiras de trabalhar, novas


metodologias, que um trabalhava e repassava para os outros colegas e
assim foi de grande proveito (Ana Maria).

(Aprendi) novas maneiras de formar as equipes, como dividir a leitura, que


sempre a gente fazia a leitura de maneira diferente, através de cartazes, de
palavras, a leitura de imagens (Cora).

No momento da partilha das experiências eu aprendi muito com os colegas


professores para trabalhar novas formas de leitura, de escrita com os
alunos. Foi muito proveitoso (Cecília).

Aprendi diversas atividades, aprendi a proporcionar trabalhos de grupo


com os meus alunos. Também aprendi a melhorar a prática da leitura com
os alunos a partir da troca de experiências com os colegas (Clarice).

Aprendi que trocando experiências é que realmente a gente consegue dar


suporte às nossas aulas. Nos encontros, nas trocas de experiências, eu
percebi que aquilo dali era o que fundamentava mesmo a nossa aula, o
nosso momento (Eva).

Aprendi muito com os relatos das aulas que os colegas elaboravam e que
executavam em sala de aula. Isso servia também para que eu aproveitasse
muito dessa experiência, desse trabalho deles na execução do meu trabalho
(Rachel).
141

As falas evidenciam o desenvolvimento de um saber social, partilhado pelo grupo.


As professoras, de uma maneira geral, têm uma formação comum, trabalham na mesma rede
de ensino e “as representações ou práticas de um professor específico, por mais originais que
sejam, ganham sentido somente quando colocadas em destaque em relação a essa situação
coletiva de trabalho” (TARDIF, 2013, p. 12). O próprio grupo garante a legitimidade desse
saber social, pois os professores partilham as experiências profissionais de um trabalho “com
sujeitos e em função de um projeto: transformar os alunos, educá-los e instruí-los” (TARDIF,
2013, p. 13).
O trabalho em grupo favorece a compreensão de que os conteúdos ensinados, as
estratégias utilizadas se transformam de acordo com o tempo e as mudanças próprias da
sociedade. A formação docente é um processo de construção permanente, contemplando a
formação inicial, as aprendizagens desenvolvidas ao longo da docência e as experiências
desenvolvidas continuamente com o coletivo de professores.
Além da partilha e troca de experiências das práticas desenvolvidas nas salas de
aula do ensino fundamental, os professores estudavam textos de embasamento teórico. A esse
respeito, comentaram as docentes:

As leituras de fundamentação são bastante importantes, apesar de umas


serem um pouco complexas, mas como o formador tinha uma facilidade
muito grande para transmitir a gente acabava absorvendo aquelas questões.
Foram muito boas. Lembro muito do material do GESTAR II [...] e até hoje
eu ainda uso eles em sala de aula. Eles foram excelentes. São maravilhosos
(Cecília).

Elas refletiam sempre em nossas salas de aula, em melhorar a nossa prática


de leitura, a ter diversos olhares, a maneira de interpretar questões, a
maneira de interpretar o próprio texto. Então, isso melhorou muito a minha
visão de leitura (Clarice).

Conheci muito a partir daí, mas eu percebi que eu preciso conhecer bem
mais. Então, despertou em mim a busca de mais leituras que enriquecessem
o meu trabalho. E como professora despertou em mim o desejo de
desenvolver vários projetos para motivar a leitura dos alunos, pois a gente
vê que há uma defasagem na leitura, no hábito de leitura dos alunos. Então,
a partir daí eu comecei a pensar e já estou fazendo vários projetos voltados
para a motivação da leitura. E sempre que eu vou aos encontros de
formação, eu recebo suporte para isso e vou montando (Eva).

Eu lembro bem das leituras teóricas, uma leitura que me chamou muito a
atenção foi a leitura do teórico Bakhtin sobre a questão dos textos e isso me
auxiliou muito porque a partir daí eu comecei a compreender melhor, a
entender melhor os gêneros, os tipos textuais. Bakhtin, Marcuschi, essas
leituras me marcaram muito e eu pude entender melhor até a diferenciar
gênero e tipo. Muitas vezes a dúvida bate e a gente tem que recorrer, com
certeza, a essas fundamentações teóricas. Sempre eu recorro a essas leituras
142

até porque os gêneros são muito vastos, muito variados e a gente sempre
que a dúvida aparece precisa estar indo e voltando nessas reflexões
teóricas, nessas leituras (Rachel).

O grupo foi palco da partilha de inúmeras práticas desenvolvidas pelos


professores no cotidiano escolar. Compreendendo que as práticas não se sustentam sem uma
teoria que as embasem, os docentes fizeram leituras teóricas e, superadas algumas
dificuldades iniciais, compreenderam que teoria e prática caminham lado a lado, pois “para se
refletir sobre seu trabalho, sobre sua ação, sobre as condições sociais e históricas de sua
prática, o professor precisa de referenciais teóricos que lhe possibilitem uma melhor
compreensão e aperfeiçoamento de sua atividade educativa” (GHEDIN; LEITE; ALMEIDA,
2008, p. 36).
No processo de participação no grupo as professoras foram indagadas sobre o que
a leitura passou a representar para elas, tanto na vida pessoal quanto na profissional. Segundo
as docentes,

A leitura foi e é fundamental na vida de qualquer um de nós, principalmente


na nossa profissão como docente. Então, não há, de maneira alguma,
fundamentação se não houver a leitura do nosso trabalho, do nosso dia a
dia. Eu usei muito os textos que foram trabalhados nas formações, tirava
cópias e repassava aos alunos. Então, no momento tudo o que a gente via
numa semana, na semana seguinte já procurava trabalhar, muitas vezes
adotava a mesma metodologia, às vezes adotava as metodologias dos
colegas e assim nós fomos prosseguindo (Ana Maria).

A leitura sempre teve um lugar muito importante na minha vida. A partir


desses encontros ela passou a ter um valor ainda maior porque a gente teve
contato com muitos textos, muitos gêneros, textos muito interessantes e que
a gente acabava utilizando esses textos nas nossas aulas. Quanto mais você
lê, quanto mais você entra em contato com vários gêneros textuais eu acho
que amplia a sua capacidade de escolha de textos para trabalhar na sala de
aula, como também te faz crescer como pessoa. Eu acho que a leitura é
primordial na vida de qualquer pessoa. Sempre que se lê tem um quê a mais,
um acréscimo na sua vida (Rachel).

Me despertou para ler mais. Eu sempre gostei de ler, mas eu não refletia
sobre a necessidade de leitura. Então, até hoje eu reflito que preciso ler,
tanto para a minha vida profissional como para meus filhos, que eu fico
sempre batendo na mesma tecla que tem que ler para seu desenvolvimento
intelectual, tem que ler bastante, pois com a leitura que você vai adquirir
muitos conhecimentos para todos os hábitos da sua vida. Eu procurei
despertar nos alunos a vontade de ler, procurei mostrar para eles que um
dos itens principais é a leitura para a vida estudantil e para a vida inteira
(Clarice).

Na minha vida pessoal, eu digo que fortaleceu o meu hábito de leitura,


mesmo cansada, muitas vezes, mas eu percebi que ali eu tinha que está
sempre lendo. Já na minha vida profissional, eu percebi que eu tenho que
143

descobrir uma maneira de causar essa sede nos meus alunos pela leitura. A
gente percebe que os alunos não têm vontade de ler, não gostam de ler.
Então, eu percebi que eu tenho que desenvolver neles essa vontade e foi
nessa formação que eu encontrei técnicas que fazem com que meus alunos
sintam sede de estudar, de ler, ler mesmo (Eva).

Ah, demais, porque antes eu lia mais assim, a Bíblia, os versículos, aquela
parte dos Salmos. Já a partir daquelas leituras (no grupo) até que eu
procurava sempre livros diferentes de leitura para dentro da leitura trazer
um parágrafo, às vezes, uma frase para reflexão antes de começar a aula
(Cora).

Eu lembro muito do meu ensino médio, tinha aula de literatura e eu não


gostava [...]. Mas a partir desses encontros, a partir dessas formações eu
passei a ser uma pessoa mais leitora, comecei a gostar mais de ler, me
interessar a ler. Daí para cá eu só quero ensinar língua portuguesa,
produção textual. São matérias que eu me identifico muito e não me vejo em
outras matérias, em outras disciplinas. É só língua portuguesa [...]. Hoje, eu
gosto muito de leitura. E essa leitura está presente na vida da gente
constantemente. Tudo na vida da gente é uma leitura. A gente não vive sem
a leitura. Ler é entender. Então, ler é entender o mundo, entender tudo o que
nos rodeia (Cecília).

As professoras compreendem a leitura como fundamental para o seu crescimento


pessoal e para o exercício da docência. A participação no grupo aflorou o desejo de ler e de
refletir sobre leituras várias. O hábito leitor desenvolvido no grupo influenciou as docentes a
estimularem ainda mais os seus estudantes à prática leitora, utilizando estratégias e textos
diversificados.
Manguel (1997) afirma que a leitura é quase tão vital quanto respirar. Machado
(2012, p. 62) compreende a leitura como o “sangue que corre nas veias”. Ainda segundo a
autora, “nunca encontrei uma criança ou jovem que não gostasse de ler um bom texto, se a sua
aproximação com a literatura se fizesse como deve ser. Encontrei muitos que achavam que
não gostavam” (MACHADO, 2012, p. 60).
O professor sendo um leitor pode indicar aos seus estudantes várias possibilidades
de leituras e com isso o estudante assume não apenas o direito de ler, mas o de escolher. O
docente pode ir além da mera assimilação “dos conteúdos das leituras. É preciso mais – falar
sobre suas experiências leitoras. Se essa manifestação pode influenciar o outro, mudanças
podem ser desencadeadas entre as pessoas. Assim, poderemos mudar a condição desse Brasil
que não lê” (ROSING, 2012, p. 105).
A formação leitora dos docentes é apontada como uma das possibilidades para o
avanço da formação leitora de crianças e jovens, pois segundo dados revelados na pesquisa
Retratos da Leitura no Brasil o professor é quem mais influencia no gosto leitor dos
estudantes (FAILLA, 2012).
144

No exercício de refletir sobre a prática, os participantes do grupo foram


estimulados a registrar em um portfólio as experiências desenvolvidas durante a formação, as
ações desenvolvidas com os seus estudantes, ressaltando as aprendizagens delineadas no
processo. Os fragmentos abaixo ilustram tais vivências com a composição dos textos.

Eu aprendi a organizar melhor as atividades, a refletir melhor, ao ato


também de melhorar a escrita. Muitas vezes você escreve e tem que repensar
sobre o que escreveu (Clarice).

Porque assim, a gente relatava tudo o que foi dado. Porque era a partir daí
que você analisava onde você errou, o que você acertou, o que precisava
melhorar, tanto na sua parte como na parte dos alunos. Porque você jogava
duas atividades, você ia fazer com os alunos e depois analisar, aí você ia
descrevendo. Porque às vezes eu percebia assim, você passa uma atividade,
corrige uma atividade e morre ali, mas no caso que você se preocupava que
tinha que relatar, que você tinha que descobrir cada pontinho, então, isso aí
foi muito válido no sentido de reflexão porque você descobria onde era sua
falha, onde você tinha falhado e também você descobria automaticamente
onde era que o menino estava precisando mais (Cora).

Depois que eu tive o meu portfólio em mão e foi avaliado pelo meu
formador, eu percebi que as falhas que a gente tinha eram transformadas
em ideias inovadoras. Eu percebi o quanto que a gente podia melhorar.
Muitas vezes a gente faz um trabalho e não sabe se foi positivo ou não.
Então, a partir dali, que eu peguei meu portfólio, vi todas as minhas aulas
desenvolvidas com as observações feitas, onde já estava bom, onde eu podia
melhorar, eu aprendi que dentro desse portfólio estava toda a minha riqueza
de trabalho. E a partir dali eu vi as minhas falhas e onde eu posso melhorar.
E agora eu só sei fazer o melhor, não sei mais fazer o contrário não, só faço
o melhor. Olhando os meus portfólios, eu faço sempre o melhor (Eva).

Sempre que eu estava escrevendo os portfólios, é interessante, é como se eu


tivesse vivendo de novo aquilo que foi trabalhado na formação. E no
momento da escritura eu ficava avaliando a minha própria participação na
formação, já ficava pensando no como eu ia fazer para tirar aquela
atividade ali do papel para aplicar lá na sala de aula, se ia dar certo do
jeito que aconteceu lá no curso e como é que eu ia fazer para aquilo fluir na
sala de aula, porque a gente sabe que tem sala de aula que dá certo do jeito
que está lá, que a gente fez, trabalhou, mas tem sala de aula que já precisa
de você, vamos dizer assim, adaptar, de você mudar [...]. Eu acho o
portfólio importante porque ali é o registro do que você vivenciou, do que
você trabalhou, do que você participou na formação, como também é a
oportunidade de você voltar, de você rever, de você refletir, de você
reavaliar a sua caminhada, a sua jornada. Então, eu acho que é um
momento de extrema importância (Rachel).

As professoras participantes da pesquisa ressaltaram a importância de refletir, de


analisar de rever suas ações em sala de aula. O exercício de avaliar o trabalho contribuiu para
a tomada de decisões, para a busca de um novo fazer, considerando o estudante como foco
principal. Os fragmentos revelam certa preocupação das docentes com a sua escrita e zelo
145

com a realização da tarefa solicitada pelo formador.


Em educação, o portfólio permite ao sujeito participar ativamente da construção
do conhecimento, oportunizando a compreensão do processo, favorecendo a continuidade e
evidenciando suas aprendizagens. Assim, os sujeitos refletem, se autoavaliam e fazem uma
análise crítica de seu trabalho (VILLAS BOAS, 2004).
A composição de um portfólio por docentes ultrapassa o caráter de avaliação,
posto que em uma formação contínua assume a dimensão investigativa. Com isso, os
professores pesquisam as suas práticas e, consequentemente, desenvolvem a dimensão
formativa.
Acredito que quando o professor busca o conhecimento e faz uma reflexão de sua
prática, desenvolve o seu processo formativo. O espaço do seu fazer pedagógico é o campo
por excelência de investigação de sua própria prática, o que favorece novas descobertas e
possibilidades para o trabalho docente.

6.3 As práticas de leitura nos anos finais do ensino fundamental

A leitura é uma atividade complexa, é algo que se aprende, sobretudo na interação


com o mundo, com os indivíduos, no próprio cotidiano. Aprende-se a ler, lendo, desbravando
o mundo das palavras em movimento e transformando-as em outro mundo para o qual só o
próprio leitor poderá ir. A escola, entre outras funções, também é responsável pela tarefa de
ensinar a ler. Assim, é importante saber o que o professor lê, qual sua concepção de leitura,
pois o resultado de seu trabalho é fruto de suas crenças, de suas práticas.
Aproximando a formação de professores ao ensino de leitura nas escolas de ensino
fundamental, tem-se o texto como uma excelente ferramenta para o favorecimento da troca de
experiências, da possibilidade de reflexão, da liberdade criativa e da tentativa de
comunicação. Ele envolve diretamente autor e destinatário e permite a vivência da obra de
arte ou de pensamento que oferece como objeto de deleite ou de análise (HERNÁNDEZ,
1998).
Um dos objetivos da formação contínua dos professores de língua portuguesa dos
anos finais do ensino fundamental consistia em o docente ressignificar os conteúdos
trabalhados e os levar para suas salas de aula. A estratégia de estabelecer um diálogo entre a
formação e a prática docente também estava prevista no programa GESTAR II, que embasou
a pesquisa formação no ano de 2009: “o professor escolherá uma das atividades de uma das
unidades estudadas, as adaptará e aplicará em sua sala, de acordo com o andamento das
146

turmas, e trará o relato para as oficinas, compartilhando-o em discussão com os colegas”


(BRASIL, 2008a, p. 7).
Assim, as participantes da pesquisa selecionaram algumas atividades que foram
trabalhadas na formação no ano de 2009 e comentaram como elas trabalharam com os
estudantes em suas escolas.

Quem é você, afinal? (Jonas Ribeiro) – eu usei muito esse texto. Eu


trabalhei com os alunos e eles confeccionaram livros. Foi no início do ano,
eles confeccionaram livros e foram falar sobre a vida deles, “quem é você,
afinal?” e a gente foi conhecendo um a um. Eles gostaram muito. Houve
muito desempenho tanto em formar o livro como em escrever. Eu li os livros,
fizemos uma releitura dos livros. Foi um trabalho bem dinâmico e eles
gostaram muito. Na formação tínhamos umas perguntas que falavam mais
do nosso lado profissional e na sala de aula eles iam falar basicamente
deles. Por isso, acrescentei outras perguntas (Cecília).

Como uma onda no mar (Lulu Santos) – eu achei legal porque eu também fiz
a predição, perguntei a eles o que tinha a ver esse tema e cantamos porque é
uma música muito conhecida. Levei Xerox e eles associaram as ondas do
mar com os momentos da nossa vida porque tem tudo a ver. Eu achei
interessante a interpretação de uma turma do sétimo ano porque eles
souberam levar para os momentos da vida, para o cotidiano e eles
interpretaram muito bem. Além de a gente cantar, a gente também leu.
Fizemos uma atividade individual relacionada ao texto (Clarice).

O ponto (Peter H. Reynolds) – a gente teve em um dos nossos encontros e


onde eu percebi que a técnica que foi utilizada lá na sala do grupo, foi uma
técnica passada pelo formador e eu apenas incrementei na minha sala. Nós
não tínhamos data show ainda, eu peguei o livro mesmo, tirei as cópias das
páginas e a primeira parte eu dei para um aluno, a segunda parte para
outro e eles foram se encontrando e ali formando um texto de forma oral.
Depois o grupo fez um texto de forma escrita, uma narrativa (Eva).

Eu lembro muito do conto Passeio Noturno (Rubem Fonseca) – e eu lembro


que eu levei para a sala de aula da mesma forma que foi trabalhada no
curso de formação. Inicialmente, eu apresentei apenas o título para os
alunos e eles foram fazendo alguns levantamentos, levantando algumas
hipóteses a respeito apenas do título. Em seguida, eu fui lendo, fui fazendo
uma leitura em forma de predição. E despertou bastante o interesse deles
porque eles iam levantando certas hipóteses e à medida que a gente ia lendo
eles confirmavam ou não essas hipóteses. Muito interessante porque ao
chegar ao final eles concluíram que o final do conto não era nada daquilo
que eles estavam pensando. Era uma coisa totalmente diferente. A partir daí
a gente foi trabalhar os gêneros, fomos trabalhar o conto, essa questão do
final inesperado, daquilo que é misterioso e foi bastante interessante.
Seguindo-se a isso a gente fez uma produção de um conto em que eles
pudessem modificar o final, mas sem perder aquela coisa do mistério,
aquela coisa do inusitado, daquilo que é pouco provável e eu lembro que foi
uma atividade muito interessante (Rachel).
147

As professoras trabalharam poemas, músicas, vídeos, contos, entre outros gêneros


textuais. As professoras ultrapassaram o que foi trabalhado na formação, pois levaram
algumas atividades para suas salas de aula, adequando-as ao contexto e à realidade dos
discentes. A professora Eva como não tinha projetor de mídia na escola recriou o livro que era
digitalizado, reproduzindo-o em cartazes e entregando aos estudantes. O excerto da professora
Rachel revela a busca de trabalhar determinado conteúdo de forma prática para só depois
apresentar a teoria. Os estudantes foram envolvidos na onda de mistério que o conto de
Rubem Fonseca proporciona e em seguida a professora fez a sistematização do gênero textual
conto.
No impasse entre o dito e o feito, isto é, entre a sala ideal (a da formação) e a real
(a da escola), a professora Eva, de forma criativa, buscou recriar as estratégias para que
desenvolvesse a atividade desejada. Isso se dá porque no “no interior das escolas, muitas
ações realizadas pelos seus profissionais não estão prescritas nos documentos oficiais. Existe
uma ‘margem de manobra’ entre o pensado e o vivido, o dito e o feito que favorece a uma
criação própria das pessoas que fazem o dia-a-dia da escola” (FERREIRA, 2007, p. 66).
Entre a formação e o cotidiano, portanto, são feitas adaptações que revelam não
apenas a capacidade criativa dos professores, mas que de fato as aprendizagens desenvolvidas
ao longo da formação estiveram presentes nas salas de aulas.
O fragmento da entrevista da professora Cecília revela a importância da formação
para os docentes: “eu sempre levava material da formação para a sala de aula, aproveitava as
metodologias, aproveitava aquela formação para levar para a sala de aula e ter um maior
desempenho na minha prática pedagógica”.
As docentes demonstraram uma compreensão de que os textos possibilitam
leituras e interpretações diversas, mas estas precisam de um fio condutor. Em busca da
coerência na condução da atividade proposta as professoras Rachel e Clarice utilizaram a
predição como estratégia de utilização do conhecimento prévio dos estudantes para antecipar
fatos ou conteúdos presente no texto.
Gradativamente, o leitor vai automatizando a construção de sentidos ao texto lido.
Para tanto, precisa ativar os conhecimentos prévios, relacioná-los às suas experiências de vida
e ao conhecimento linguístico. Com isso, o estudante tornar-se-á proficiente em leitura, o que
também implica “ser capaz de perceber em que medida o texto lido autoriza maior ou menor
liberdade de construção de sentidos por ocasião do ato de ler” (PRADO; SILVA, 2011, p. 17).
Os gêneros textuais têm uma característica de coletividade e estão vinculados à
vida cultural e social dos sujeitos. Desta forma, ordenam e estabilizam as atividades
148

comunicativas do cotidiano. Nesse sentido, “os gêneros não são instrumentos estanques e
enrijecedores da ação criativa. Caracterizam-se como eventos textuais altamente maleáveis,
dinâmicos e plásticos” (MARCUSCHI, 2007, p. 19). Cotidianamente surgem novos gêneros,
o que caracteriza os gêneros textuais como infinitos.
As atividades com gêneros textuais numa perspectiva interativa ampliaram a
competência discursiva dos estudantes, tornando-os sujeitos do processo e ampliando o seu
letramento, a capacidade de utilizar os diversos gêneros, considerando os interlocutores, os
objetivos e a natureza do assunto (SOARES, 2002).
Os encontros de formação com o grupo no segundo semestre de 2009 tiveram
como embasamento a perspectiva dos gêneros textuais. Assim, foram oportunizadas aos
professores inúmeras leituras e discutidas diversas possibilidades de trabalhá-las com os
estudantes. Assim como no momento da formação no grupo, as professoras criaram
estratégias visando à construção do conhecimento entre os estudantes e com isso o surgimento
de novos fazeres nas salas de aula dos anos finais do ensino fundamental.
A avaliação do ano de 2009 sinalizou que o trabalho com os gêneros textuais foi
fundamental para o trabalho docente com a língua portuguesa. Desta feita, os docentes
solicitaram que no ano de 2010 continuassem os estudos dos gêneros textuais, acrescentando
gêneros que não foram estudados na formação em 2009. Os excertos abaixo trazem algumas
atividades desenvolvidas na formação no ano de 2010 e que foram selecionadas e trabalhadas
em salas de aula pelas professoras.

Ler e escrever na escola gêneros textuais – a leitura nos auxilia na escrita.


Nós nos deparamos com uma diversidade de gêneros até no nosso dia a dia.
Eu digo para eles que se a mãe manda ir à padaria ou ao supermercado e
faz uma lista de compras, você está escrevendo, está produzindo um gênero
textual. É importante associar sempre as atividades à leitura porque a
leitura vai ajudar a escrever e ajudar também a identificar esses gêneros
textuais no seu dia a dia. Eu lembro que citei também, dentro da
importância da leitura, que até para ser uma doméstica (não desfazendo das
demais profissões) você precisa da leitura. Uma hipótese: você tem um filho
pequeno, a babá precisa saber ler para identificar o remédio, para
identificar as horas. Até na mais simples profissão você precisa ter o mínimo
de leitura (Clarice).

A arte de contar e criar histórias foi um momento muito importante na


formação. Eu gostei muito. O Gilson nos fez relembrar coisas de nossa
infância. Amei a didática dele, um trabalho muito bem feito. Ele mostrou
vários livros (artesanais) e nos ensinou a confeccionar um livro. Nós
também fizemos os nossos livros. Aproveitei a olimpíada de língua
portuguesa e confeccionei livros com os meus alunos, usando jornal,
colocando as crônicas, as poesias e relatos de memórias. Acredito que estes
livros ainda estejam na escola. Fizemos uma capa muito bonita. Então, as
149

técnicas ensinadas pelo Gilson para confeccionar livros, utilizando diversos


materiais foi utilizada em sala de aula. Os alunos gostaram muito. Foi muito
bom. Fizemos eu e outra professora (Cecília).

Filme: Como estrelas na terra toda criança é especial [...]. Às vezes a gente
pensa, a pessoa é cega e acha que não faz aquilo porque é cego, porque tem
uma deficiência e a maioria das crianças enxerga, tem tudo perfeito para
que estudasse, para que tivesse uma vida melhor e não aproveitavam. É
tanto que eu falei, falei e convidei o Toinho (poeta e radialista), ele foi, fez
uma palestra e o diretor até juntou as turmas e fez a palestra lá no
auditório, inclusive ele fez música, fez poesia e os meninos ficaram assim
encantados e ele não enxerga. [...] Começou a partir daí, mostrar que a
deficiência não era problema, que a gente podia vencer a partir da sua
vontade, do seu querer (Cora).

As professoras continuaram desenvolvendo em suas salas de aula atividades com


os gêneros textuais. O depoimento da professora Cecília sinaliza as conexões feitas pelas
docentes entre a formação no grupo e a prática com os seus estudantes. Assim, ela utilizou
estratégias que foram desenvolvidas na formação no encontro sobre contação de histórias,
adaptando-as para as oficinas de preparação da Olimpíada de Língua Portuguesa com os seus
estudantes. Interessante também perceber que trechos de um filme trabalhado na formação
motivaram a professora Cora a convidar uma pessoa da comunidade local para uma palestra
com os estudantes.
Se no início da formação o grupo apresentou algumas dúvidas em relação aos
gêneros textuais, no ano de 2009 as professoras se mostraram mais seguras para trabalhar com
os diversos textos que fazem parte do cotidiano e elas também conseguiram desenvolver isso
com os seus estudantes. O depoimento de Eva revela que os estudantes incorporaram o
trabalho desenvolvido pela professora:

A contação de histórias [...] Eu trabalhava bem simples na sala, mas depois


que eu vi lá no grupo técnicas melhores eu também utilizei. No dia das
crianças da minha escola, fiz uma festa para as crianças com contação de
histórias. Trabalhei isso com os alunos do nono ano e cada grupo do nono
ano preparou uma história para contar. Levaram muitos brinquedos para
ilustrar, fizeram o cenário e a roupa da contação de história. Fizeram as
apresentações, tanto de apresentações quanto de brinquedos já que era
envolvido o público infantil. Eles contaram histórias, primeiro na escola do
fundamental I já que eram criancinhas do primeiro, segundo e terceiro anos.
Já do quarto e quinto anos era outro tema, outra história e eles foram para
a própria escola [...]. Isso gerou um trabalho lindíssimo na escola (Eva).

As oficinas desenvolvidas com os professores chegaram às salas de aula dos anos


finais do ensino fundamental e ultrapassaram este espaço. O trabalho da professora Eva
contagiou os seus estudantes que organizaram uma atividade de contação de histórias para os
estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental.
150

As estratégias de formação contínua buscam o desenvolvimento do docente. As


professoras participantes do grupo se mostram criativas e conscientes do seu papel social.
Com isso, buscam “fazer ligação entre o mundo exterior e o que se passa no interior da sala de
aula. Enfim, um professor entusiasmado, competente e comprometido como pessoa, como
cidadão e como profissional” (NASCIMENTO, 2011, p. 73).
No ano de 2011 os professores receberam novos livros didáticos. O livro
escolhido era embasado na perspectiva do letramento, favorecendo o trabalho com os diversos
gêneros textuais de acordo com o contexto social dos interlocutores (SOARES, 2002).
Atendendo às solicitações do grupo foi desenvolvida uma oficina de análise do livro adotado.
Os professores leram, discutiram e organizaram algumas atividades para o trabalho com os
estudantes.
Dentre várias atividades desenvolvidas na formação no ano de 2011 as
professoras entrevistadas citaram o trabalho com o texto “Grande ou pequeno?”, de Pedro
Bandeira. Acredito que isso se deva não apenas por ser um dos textos presentes no livro
didático adotado, mas pelo fato de terem desenvolvido um trabalho significativo, conforme
expressam os fragmentos abaixo.

[...] Eu pedi que eles fizessem uma entrevista em casa, perguntando às mães
o que eles podiam e não podiam fazer e por que. Eles trouxeram essas
respostas para a sala de aula. Eles formaram várias equipes, leram suas
respostas e formaram um texto. Depois, os quatro grupos juntaram os seus
textos e formaram um texto só (Cecília).

[...] nós trabalhamos muito no sexto ano porque é um texto dentro da idade
deles, dentro do que eles passam. Foi muito interessante. A gente fez um
questionamento. Cada um deu o seu depoimento se a mãe fazia isso que é
relatado no texto, que você em um momento é grande e em outro momento é
pequeno. Todos os alunos deram o seu depoimento e realmente acontecia
em casa. Em seguida, nós trabalhamos a atividade de forma pessoal, pois
cada aluno foi desenvolvendo à maneira como acontecia com cada um
(Clarice).

[...] foi muito trabalhado e assim muito debatido na sala porque eles diziam
logo no início “– tia, eu não entendo essa mulher porque uma hora o
menino é pequeno, outra hora o menino é grande, uma hora o menino pode,
outra hora o menino não pode”. Foi assim muito, até eu pedi exemplos,
para eles contarem o que os pais deles diziam, que maneira que o pai
tratava quando eles eram pequenos, o que o pai deixava, o que não deixava
e eles começaram a falar. Aí sabe como é, começa aquele tumulto, todo
mundo querendo falar. Não foi nem nada escrito não, foi a parte mesmo
oral, eles falando. Levou a aula todinha, porque cada um queria dar o
exemplo que acontecia em casa (Cora).
151

[...] fiz como manda o livro didático, de início a predição. Eu aprendi muito
bem a predição na formação, saí bem doutora na predição. Então, eu fiz
“Grande ou pequeno?”, trabalhei esse texto. Primeiro, eles fizeram a
predição do assunto e, em seguida, eu pedi que eles elaborassem critérios de
coisas com valores na vida deles e assim eles fizeram. Depois foi que
trabalhamos a interpretação oral e escrita (Eva).

As atividades desenvolvidas com o texto “Grande ou pequeno?” foram


significativas porque trabalharam a partir da realidade dos estudantes, considerando a faixa
etária que eles se situam. As professoras também ultrapassaram o texto quando estimularam
os estudantes a fazer uma relação com as suas vidas, com as experiências familiares. Isso
evidencia que “as ‘maneiras de fazer’ na escola, inserem-se nas práticas elaboradas no
cotidiano escolar e fazem parte de um conjunto de ações coletivas, tornando cada realidade
escolar única” (FERREIRA, 2007, p. 65).
As práticas das professoras no cotidiano das escolas não são meras reproduções
do que foi desenvolvido na formação, mas configuram-se como reconstruções, pois levam em
conta os diversos saberes dos docentes e consideram o contexto sociocultural dos estudantes.
A professora Rachel fez uma relação entre o texto de Pedro Bandeira e a canção Brincadeira
de Criança, do grupo Molejo.

[...] eu lembro que a gente trabalhou bastante com esse textozinho, inclusive
casando muitas vezes com a música Brincadeira de Criança (Molejo).
Grande ou pequeno lembra essa questão da infância e a gente acabou
casando com a música, fazendo uma ponte entre um e o outro texto.
Primeiro, eu comecei com uma sondagem a respeito das brincadeiras que
eles faziam ou gostavam de fazer na infância. E a gente fez uma lista dessas
brincadeiras, executamos algumas dessas brincadeiras em sala de aula.
Depois partimos para o texto Grande ou pequeno, apresentando
inicialmente só o título e eles foram levantar novamente as hipóteses sobre o
que o texto trataria e foram várias. Uns diziam que ia falar de uma pessoa
que era grande, outros pequenos, de um objeto. A gente apresentou o texto,
inclusive lá no livro ele tem uma imagem e essa imagem já ajudou bastante
porque é um garotinho sentado numa escada e ele diz: “– mais respeito
comigo, eu sou criança”. E eles já foram entrando na linha do texto que é
exatamente falando dessa questão de ser grande para determinadas coisas e
pequeno para executar outras ações, fazer outras coisas. Foi bastante
interessante. Ao final, como foi trabalhada a música, a gente perguntou se a
música tinha alguma relação com o texto, no que eles eram semelhantes, no
que se diferenciavam. Inclusive já até trabalhando a questão gênero porque
Grande ou pequeno é um poema e a canção já é outro gênero. Eles já foram
fazer essas distinções porque eles foram apresentar as semelhanças e as
diferenças entre os dois gêneros (Rachel).

Partindo da inter-relação poema e canção, a professora trabalhou o que aproxima e


o que diferencia os dois gêneros. Os estudantes tiveram contato com o concreto e depois
foram para a conceituação. Isso evidencia que nas escolas “as práticas cotidianas revelam que
152

os discursos são transformados de acordo com os contextos e as conjunturas das diferentes


culturas” (FERREIRA, 2007, p. 69).
As professoras que participaram do processo de formação contínua partilharam
saberes vários e a prática pedagógica com os seus estudantes traz as marcas das histórias de
vida, das experiências profissionais, do universo em que os estudantes e a escola estão
inseridos, conforme relato de algumas das atividades desenvolvidas no ano de 2012.

Lembro que o formador trouxe várias fotos antigas de Aracoiaba. Coisas até
que eu nem conhecia. Eu trabalhei em sala, mas pedi aos meus alunos que
trouxessem de casa fotos antigas do nosso lugar, de como era a igreja
antigamente; um casarão muito bonito, que depois foi transformado em
maternidade. Então, a gente refletiu sobre as coisas de antigamente que
foram transformadas através dos tempos pelo homem. A gente trabalhou a
questão da lembrança, voltar ao passado, relembrar aquelas coisas. E todos
eles acharam muito bom. Eu lembro também que uma vez a gente fez uma
gincana e nos relatos de memória era para trazer o casal mais antigo da
comunidade e um objeto bem antigo da comunidade. E isso foi um momento
de muita interação entre os alunos. Mexeu muito com as turmas. Foi um
momento riquíssimo desse casal de idosos, eles receberam flores, foram
homenageados pelos alunos e por nós professores. Foi um momento muito
bom, muito rico na nossa escola (Cecília).

As fotos antigas foram o pontapé para um trabalho de valorização do passado, das


histórias, da memória, das pessoas mais antigas da comunidade. Desta feita, “podemos dizer
também que memória é um meio de articular o passado ao presente, uma vez que a história de
cada indivíduo traz em si a memória do grupo social ao qual pertence” (LIMA, 2007, p. 82).
O contexto sociocultural em que os educandos estão inseridos precisa ser considerado
para que se tenham verdadeiramente práticas pedagógicas emancipatórias – conforme
preconizam os Parâmetros Curriculares Nacionais – em que o educando seja um sujeito ativo,
posicionando-se de maneira crítica, responsável e construtiva com vistas à transformação do
ambiente em que está inserido.
A professora Cora relatou que no ano de 2012 trabalhou o gênero provérbio com
os seus estudantes. Como os provérbios são ditados populares que guardam algum
ensinamento, a estratégia utilizada pela professora foi propor aos seus estudantes uma
pesquisa com pessoas idosas, conforme o excerto abaixo.

Provérbios [...] eu pedi que eles fizessem uma pesquisa com os mais antigos,
os avós, com as pessoas que moravam lá onde eles moravam. Eu não queria
provérbios que tivessem no livro, nem que eles conhecessem. Eu queria
coisa diferente e para a gente fazer uma roda. E teve uns que trouxeram uns
provérbios que eu nunca nem tinha visto. Inclusive eu fiz até tipo um
livrinho de provérbios. Acho que esse livrinho está lá (Cora).
153

Nesse processo de formar e formar-se as professoras utilizaram estratégias várias,


mas sempre buscando dialogar com a realidade de seus estudantes e fazer conexões com a
família, com a comunidade. Verifico que o desejo de favorecer a aprendizagem dos estudantes
foi o que guiou o trabalho das professoras, pois buscaram acolher os conhecimentos prévios
da turma e gradativamente foram inserindo novos conceitos.
É interessante perceber que algo que foi trabalhado em um determinado ano da
formação pode ser reconstruído, reelaborado, ressignificado pelas professoras em outro ano
letivo, pois os cursos podem finalizar, mas o processo formativo é contínuo. Logo, as
aprendizagens desenvolvidas durante a pesquisa-formação fazem parte de

[...] um ir e vir, a gente acaba aproveitando, é um vai e volta, o que se


trabalhou em 2009 continua ainda aceso hoje em 2013. O que se trabalhou
em anos anteriores, eu pelo menos continuo ainda fazendo uso de todo esse
material, de todo esse aprendizado, com certeza. Todo ano eu revejo, vejo
uma forma melhor de fazer, diferente, que deu certo numa turma e adapto
para dar certo numa outra turma. E assim vai e ainda continua muito válido
até hoje, pode acreditar (Rachel).

Os professores participantes do grupo desenvolveram um processo de reflexão de


suas práticas. Com isso não trabalham de forma aleatória, mas sempre buscando analisar o
que deu certo, o que podem melhorar em sua prática docente. A troca de experiência entre os
pares favoreceu um processo de construção coletiva do conhecimento, contribuindo para a
autonomia dos professores, promovendo possibilidades de intervir eficazmente no cotidiano
escolar.
O sentido da formação contínua está no desenvolvimento de um trabalho de
qualidade na sala de aula com os estudantes da educação básica. Partindo dessa premissa, as
professoras relataram as aprendizagens de seus estudantes, conforme se segue.

Assim como eu, eles aprenderam os gêneros textuais, que eu acho que foi o
que eu mais trabalhei e o que eu aprendi, porque na verdade o meu
conhecimento sobre esse assunto era pouco. Então eu acho assim, que são
assuntos, são textos, são problemáticas que a gente tem que aprender bem
para ensinar bem (Ana Maria).

Eu percebi que a partir do momento em que eu comecei a participar das


formações eu aumentei o meu gosto pela leitura. Quando eu fiz a faculdade
eu me interessei mais pela leitura e através dessa experiência da formação,
de uma maneira mais dinâmica, com mais metodologia, eu percebi que os
estudantes também foram se interessando mais, ficando mais dedicados, se
mostrando mais atenciosos e tendo mais um gosto pela leitura (Cecília).

Trouxe um novo olhar para os alunos e a forma de lidar com eles, de se


organizar. A própria entrevista, eu lembro que aquele trabalho de
154

encerramento do GESTAR II que nós fizemos foi uma entrevista e com isso
eu ajudei os alunos a organizarem a entrevista, mediante a experiência
anterior que fizemos no GESTAR II. Os estudantes ficaram menos inibidos.
Eu lembro que nesse momento proporcionei momentos de leitura e eles
ficaram concentrados (Clarice).

A melhoria porque assim a partir do momento que eu levava uma atividade


nova, uma coisa diferente e eles gostavam, eu notava que eles faziam com
mais empenho, que eles tinham mais gosto de fazer, aquele interesse, como a
atividade do correio (produção de cartas) que foi uma coisa que
movimentou, todo mundo percebeu o movimento dentro da escola. Eu acho
que aí é um ponto interessante, que fazia com o que a gente aprendia lá no
curso, da maneira que a gente tentava passar facilitava para eles nas
atividades, na interpretação das leituras porque a gente lá fazia leituras
diferentes (Cora).

Eu observei que, por exemplo, os alunos que participaram da contação de


histórias, aqueles alunos que realmente se dedicaram, que realmente se
apaixonaram pela contação, foi desenvolvido neles o sentimento de
continuar o trabalho. Eles eram do nono ano, eles foram aprovados para o
ensino médio, mas eu percebo que eles querem voltar atrás, mas eles mesmo
ensinando aos outros alunos, já passando aquilo que eles aprenderam, é o
ensinando e aprendendo. Vi também que despertou a vontade na leitura. Na
escola agora tem uma biblioteca e eu percebo que eles pegam o livro na
biblioteca e vêm: “– Eva, e esse livro aqui, o que você conhece desse livro, é
bom para ler, o que tem de bom?”. Eu percebo que despertou essa vontade
de ler nos alunos (Eva).

Eu percebi que meus alunos melhoraram bastante, claro que 100% não
foram, mas eu posso dizer que uns 90% com certeza melhoraram bastante
na questão da leitura, na parte de escrita. Eles passaram a ler mais,
inclusive os livros que eu indico para eles, geralmente os livros somem
porque parece que eles tomam assim um amor pela leitura. Eu sempre
procuro motivar essa questão da leitura. Os livros ficam até meio gastos.
Eles dizem: “– poxa, tia, o livro está gasto, está velho”, mas eu digo para
eles que isso é bom, porque é sinal de uso, é sinal de que estão usando o
livro. É melhor do que ele está lá guardadinho na estante, sem uma
marquinha. Então, eu percebi que eles passaram a ler mais, eles
melhoraram na parte de escrita. Percebi que o interesse deles, quando você
prepara uma aula diferente, uma aula em que você percebe que tem toda
uma estrutura, um começo, um meio, um fim, eles se interessam mais, eles se
dão mais e eles participam mais, com certeza. Foi positivo demais (Rachel).

Os depoimentos das professoras revelam que mais do que formar elas se


formaram no processo. A prática pedagógica possibilitou não apenas aprendizagens aos
estudantes, mas também às docentes. O exercício de partilhar e refletir no coletivo de
formação favoreceu o desenvolvimento de novas práticas de ensino com vistas a superar
algumas dificuldades apresentadas pelos estudantes e até mesmo pelas professoras.
Diante do exposto, afirmo que a formação contínua favoreceu um novo olhar para
as práticas dos professores, subsidiando novos modos de fazer em sala de aula, considerando
155

os estudantes como sujeitos e melhorando a qualidade de ensino da educação básica (VEIGA;


SILVA, 2010).
As professoras foram motivadas a falar sobre o que aprendem ensinando leitura
no cotidiano das escolas. Os depoimentos abaixo sinalizam as aprendizagens docentes,
conforme se segue.

Eu aprendo mais do que os alunos, pode acreditar. Aprendo mais com os


alunos porque a minha leitura é a minha leitura, o meu entendimento é o
meu entendimento. Muitas vezes o aluno enxerga mais do que a gente, então
ele ensina mais para a gente. Às vezes eles veem coisas, eles veem certos
detalhes no texto, eles observam certas coisinhas que estão lá nas
entrelinhas do texto que a gente não vê. A gente, às vezes, está tão cego
pelas coisinhas do dia a dia e eles têm uma capacidade de atenção, de visão,
que às vezes eu digo para eles: “– eu aprendo muito mais com vocês, podem
acreditar, do que o que eu vim para contribuir com vocês”. Eu digo para
eles que eu não estou lá para ensinar, estou lá para compartilhar. E é isso
que acontece, às vezes, eu aprendo muito mais com eles do que eles comigo
(Rachel).

A leitura está presente no nosso dia a dia. É muito importante que a gente
ensine aos estudantes que ler não é só decodificar, é procurar entender o
que está escrito, procurando ser uma pessoa crítica, levantando questões,
fazendo perguntas, interagindo com os demais. Eu aprendo muito com os
estudantes porque eu sou apenas uma facilitadora. Eu costumo sempre dizer
para eles: “– pessoal, a gente não sabe de tudo, a gente está aqui para
aprender juntos”. Uma vez eu li um texto que falava do elo da corrente, pois
o que eu aprendi, aprendi de alguém e vou repassar para alguém (Cecília).

Eu aprendo a me expressar melhor, a interpretar. Também tive uma nova


visão para com os estudantes. A gente vai lendo várias práticas, vários
depoimentos e nessa leitura vai melhorando a nossa prática (Clarice).

Aprendi mais habilidade na leitura, facilidade na compreensão, facilidade


até na escolha dos textos, você já procura, você vai à internet buscar um
texto para trabalhar e você já tinha mais clareza, mais firmeza no que você
estava atrás. Antes, você ia no escuro, “– será que isso dá certo?”, depois
você ia “– ah, isso aqui dá certo!” (Cora).

Eu percebo que não dá para a gente desenvolver nenhuma, nenhuma


atividade, sem antes fazer uma leitura do conteúdo, do trabalho, seja o que
for, da aula, a gente não consegue dar um passo sem a leitura. Aí a gente
percebe o quanto a leitura é importante, que está em tudo, em todos os
momentos, não tem como a gente desviar o hábito da leitura mais não, a
gente já tem que realmente viver na leitura e com a leitura (Eva).

Não conseguimos chegar a lugar nenhum se não houver a leitura. Para a


gente poder compreender o nosso assunto, os textos, enfim, a leitura é
fundamental (Ana Maria).

Os excertos sinalizam que, assim como na formação desenvolvida com o grupo,


as professoras buscaram em suas salas de aula, um trabalho na perspectiva da horizontalidade.
156

Esse exercício de ensinar e de aprender favoreceu a construção de um fazer-se professor, de


perceber-se inacabado, mas disposto a aprender no exercício da docência, em um contexto de
mútuas trocas.
Na compreensão freireana de que “a leitura de mundo precede a leitura da
palavra” (FREIRE, 1988, p. 9) as professoras mostraram-se abertas a leituras várias, delas e
de seus estudantes, para que conseguissem desenvolver um profícuo trabalho com a leitura no
cotidiano escolar. Em um ambiente colaborativo as docentes refletiram sobre suas próprias
aprendizagens com a leitura. Nesse exercício dialógico, perceberam que aprenderam à medida
que ensinaram.
As experiências cotidianas das professoras aliadas às reflexões desenvolvidas no
coletivo de formação contribuem para o fazer-se professor, ou seja, vão do formar (os
estudantes) ao formar-se (a si próprio). Assim, as professoras fazem uma reconstrução
apropriando-se de conceitos vários, mas também considerando as vivências de seus
estudantes.
Entre a formação no grupo e a as práticas de leituras na escola acontece uma nova
elaboração. As professoras foram convidadas a faltar sobre como se deu o processo entre o
escrito (formação) e o vivido (escola), conforme se segue.

Então, muitas vezes eu procurava adotar quase sempre a mesma


metodologia do formador. Só que a gente percebe que são pessoas
diferentes, cada um tem a sua noção, a sua percepção, entende de maneira
diferente e que nem sempre do jeito que é trabalhado em uma escola, em
uma sala de aula, é bem aceito ou faz realmente o mesmo sucesso quanto na
outra. Então, eu creio que varia muito de escola, de turma, de aluno, do
perfil do aluno e do professor. Não tive dificuldades (em levar para a sala
de aula), inclusive, pelo contrário, foram fáceis, todos os nossos encontros
eu procurava desenvolver e sempre tinha algo, inclusive os meninos falavam
até assim “– ah, hoje é aula daquele encontro do curso da tia, é uma aula
diferente”. Quer dizer, que na verdade, eram aulas diferentes, eu trabalhava
de maneira completamente diferente da rotina, saía da rotina, então, isso
agrada muito (Ana Maria).

Eu sou uma pessoa que pego muitas ideias, eu gosto muito de copiar, mas
também fazendo da minha forma. Então, eu usava muito a formação com os
professores e trazia para a sala de aula. O que eu via que dava para
repassar para os alunos eu repassava. Eu aprendia muito lá na formação,
mas também eu trabalhava da minha maneira, da melhor forma possível
para eles entenderem. Como o formador era muito bom, eu sempre elogio
que o formador era muito didático, usava muitas metodologias, a formação
não era cansativa. Por isso que eu não perdia. O formador repassava as
coisas de uma maneira tão simples que a gente não sentia dificuldade, ainda
mais com o nosso grupo de trabalho, em que os professores são todos
amigos. Até hoje a gente se encontra e fala. A gente se tornou um grupo de
amigos mesmo para valer. Então, eu não sentia dificuldade de trabalhar em
157

sala de aula por causa da facilidade com que o formador trabalhava o


conteúdo (Cecília).

Um dia eu era estudante e nesse momento eu também buscava melhorar


tanto os meus conhecimentos como melhorar o meu trabalho, o meu dia a
dia em sala de aula. Isso me ajudava bastante. Tínhamos que repensar
sempre, pois da maneira que trabalhávamos na formação não poderia ser
trabalhado com os alunos. Então mesmo que a gente trabalhasse os mesmos
conteúdos, a gente tinha que adaptar para repassar aos alunos. Até porque
eles estão em níveis diferentes. Então, por isso que a gente tem que
repensar, tem que adaptar a nossa prática pedagógica (Clarice).

Os depoimentos das professoras sinalizam a importância da participação nos


encontros da formação, bem como a necessidade de reelaborar o estudado com os pares para
desenvolvê-lo de modo significativo com os estudantes. Com isso, “o desenvolvimento de
uma nova cultura profissional dos professores passa pela produção de saberes e de valores que
dêem corpo a um exercício autónomo da profissão docente” (NÓVOA, 1995, p. 26).
A formação desenvolvida no grupo frutificou em um coletivo de formação, pois
partilhando saberes e trocando experiências, os professores consolidaram um espaço de
formação contínua (NÓVOA, 1995).
O depoimento da professora Cora sinaliza que nos dias atuais as tecnologias ainda
produzem uma série de medos em alguns docentes. Com isso, ao invés da tecnologia mediar o
trabalho pedagógico do professor, o que acontece é um distanciamento, conforme segue.

Eu já levava de uma maneira diferente, porque, primeiro, na parte de vídeo,


quando o formador passava o vídeo para a gente, lá eu já não usava tipo de
vídeo, até porque às vezes o projetor não estava, outras vezes eu não sabia
mexer e tinha que está perturbando uma pessoa. Então, eu trabalhava mais
a partir de textos. Tentava adaptar ou falando ou contando a história, mas
levar para a sala e mostrar, não, isso aí eu nunca fiz. Mostrava assim
quando a gente juntava o grupo e a gente decidia, por exemplo, tal filme e
pedia ajuda dos meninos quando era um trabalho assim com relação à
semana do município, em que o colégio todo se empenhava. Então, a gente
procurava um filme que desse certo para trabalhar as produções e juntava
todas as salas lá na sala de vídeo, mas levar para a sala de aula eu mesma
não levava não. Adaptava com textos, com conversas (Cora).

É interessante que o professor reelabore o que foi trabalhado na formação para


desenvolver em sala de aula. Porém, se a tecnologia pode ajudar a tornar a aula mais atraente
porque não vencer a barreira do uso das mídias na sala de aula ou porque não pedir o apoio de
um colega ou mesmo de um estudante?
Segundo Kenski (2012, p. 45), “a imagem o som e o movimento oferecem
informações mais realistas em relação ao que está sendo ensinado. Quando bem utilizadas,
provocam a alteração dos comportamentos de professores e alunos, levando-os ao melhor
158

conhecimento”. Ressalto que o uso das tecnologias da informação e da comunicação na


educação pressupõe uma mudança qualitativa na prática profissional. Não adiantam novas
metodologias mediadas pelas tecnologias se o professor continua a insistir nas velhas práticas.
A professora Rachel relata a importância de reelaborar o que era trabalhado na
formação com os colegas professores para que os estudantes dos anos finais do ensino
fundamental pudessem verdadeiramente aprender:

Às vezes sentia alguma dificuldade em transformar aquela fundamentação


teórica, por exemplo, numa aula que chegasse ao entendimento do aluno.
Então, eu voltava, relia a fundamentação, buscava meios, pesquisava uma
atividade mais simplificada, porque a gente não vai utilizar a linguagem da
fundamentação técnica, dos teóricos para trabalhar com o aluno, não dá,
não chega, a comunicação não acontece dessa forma. Então, eu ficava
sempre me policiando para procurar uma forma até de me comunicar com
eles para falar daquele determinado assunto. Você sabe que é difícil, é
impossível chegar ao aluno, principalmente do fundamental, com a
linguagem lá das fundamentações teóricas. É algo que a gente precisa diluir
para fazer chegar até o aluno por meio de uma atividade. Vamos dizer
assim, é tipo você trabalhar com o aluno, mas sem dar nome aos bois. Fazer
com que ele se sinta à vontade na aula, que ele aprenda, por exemplo, a
questão dos gêneros, a trabalhar com toda aquela variedade, mas você não
vai falar o que disse o Bakhtin, o que disse o Marcuschi. Você tem que diluir
esse conteúdo para fazer com que ele chegue até o aluno (Rachel).

O cotidiano das escolas se apresenta de maneira plural e desafiadora. O professor


comprometido com a aprendizagem significativa de seus estudantes busca maneiras de fazer,
escolhe a melhor forma de tornar algo abstrato em conhecimento concreto. Isso evidencia que
o professor precisa da fundamentação teórica para embasar o seu trabalho, mas também
necessita de conhecimentos pedagógicos para fazer com que o estudante apreenda o que está
sendo trabalhado.
As professoras avaliaram a formação feita no grupo e a formação no cotidiano da
sala de aula, considerando as avaliações externas, as internas, os conhecimentos que se
adquirem na prática. Os excertos abaixo trazem o pensamento das professoras.

Quando a gente estava na formação a gente via as dificuldades que eram


colocadas pelos professores. Na formação é uma coisa, mas quando a gente
chega à sala de aula muitas vezes é outra. Tem aquele aluno que quer, tem
aquele aluno que não quer. Tem aquele aluno que absorve as coisas
rapidamente e tem aquele que tem mais dificuldade. Acontece daquele aluno
que não sabe ler, que não quer ler, mas tem aquele que não sabe ler e quer
aprender. Então, a gente se depara muito com essas dificuldades. Mas como
a gente é professor, sempre tem aquela vocação porque a gente é um
facilitador da aprendizagem. A gente tenta fazer da melhor forma possível
para que tenha sucesso. A gente sabe que não é fácil o trabalho em sala de
aula. Às vezes a gente planeja uma aula e acha que vai ser maravilhosa e
159

chega lá às vezes a realidade é outra. [...] eu avalio que tanto na formação


como na sala de aula foi um sucesso (Cecília).

É lógico que a formação do grupo é mais dinâmica, é mais compreensível,


tem um retorno de imediato. Já com os estudantes, às vezes, a gente acha
que deu uma aula, mas não ficou legal. Mais adiante você vai ver que foi
legal, que deu certo e que os alunos realmente aprenderam [...] O
gratificante é porque teve a nossa participação, a gente passou aquilo que
aprendeu e na realidade eles estão aprendendo (Clarice).

Lá no grupo a gente sabe que está no meio de professores, todo mundo é


professor, a gente sabe que a aula acontece de uma forma, o aprendizado
acontece de uma forma. Cada um ali tem as suas experiências como
professor, tem o seu modo de atuar, tem a sua didática e na sala de aula as
coisas não se dão naquela mesma proporção. [...] Para encaixar, unir a
formação à sala de aula, eu procurava aproveitar, por exemplo, os textos
que já estão dispostos no livro do aluno. [...] Quando não, pegava um texto
extra também e encaixava, mas desde que sempre atrelado àquela unidade e
um texto que tivesse de acordo com o tema trabalhado naquela unidade,
procurando encaixar, procurando fazer essa ponte (Rachel).

Eu percebo que essas duas aprendizagens são bem paralelas, não tem como
a gente desvincular uma da outra. O que eu aprendo no grupo, no curso de
formação continuada é algo que vai permanecer na minha vida e na vida
dos meus alunos e não dá para tirar, vai sempre está ali, no intuito de
melhorar sempre alguma coisa na aprendizagem dos alunos. Esses
conhecimentos que a gente tem dentro da nossa prática pedagógica, há uma
necessidade deles também existirem. A gente tem que pegar um
conhecimento ao outro, juntar e desenvolver da melhor maneira na sala, de
uma forma que não atrapalhe a aprendizagem dos alunos (Eva).

As docentes sinalizam que “a prática é reveladora de um modo de ser professor,


especialmente porque é por ela que poderemos nos certificar das teorias implícitas que as
sustentam no espaço pedagógico” (GHEDIN; ALMEIDA; LEITE, 2008, p. 14). As falas
revelam que as práticas das professoras estão embasadas teoricamente nos estudos feitos no
coletivo de professores.
As falas sinalizam o espaço da formação como um ambiente mais homogêneo, no
sentido de que os participantes eram todos professores de língua portuguesa dos anos finais do
ensino fundamental e estavam lá imbuídos de um mesmo objetivo. A sala de aula mostrava-se
mais plural, mais desafiadora para as professoras. Os estudantes apresentam interesses e
dificuldades várias.
De uma maneira geral, as docentes avaliam de maneira positiva o trabalho
desenvolvido com os colegas professores no grupo e o desenvolvido por elas no âmbito das
salas de aula do ensino fundamental.
160

A fala da professora Cora sinaliza que a oferta de formação contínua para


professores da educação básica não deve ficar a mercê da vontade política de um gestor que
ocupa o poder por um tempo determinado.

No momento eles (núcleo gestor) pedem, ficam só pedindo, tem isso, tem
aquilo, só que eles não dão assistência, você tem que se virar só. Quando
tinha a formação no grupo o professor tinha a quem recorrer, tinha o curso
que orientava, dava caminhos para que você andasse e depois não, o
professor ficou sozinho tentando buscar da melhor maneira que achasse na
sala de aula. Foi tirado esse dia para a gente fazer o plano, mas não tem
assim uma pessoa, se você tiver uma dúvida não tem uma pessoa para
orientar, você faz da maneira que acha que tá correto (Cora).

A formação deve ser pensada e efetivada como uma ação permanente, que não
sofra interrupção com a mudança de quem está à frente das decisões da educação. É
importante também que a formação seja pensada como um projeto coletivo, posto que, “um
dos limites para o alcance das propostas de formação é que dirigem-se aos professores a título
individual, sem estarem integradas num projeto coletivo ou institucional” (NASCIMENTO,
2011, p. 80).
O depoimento de Cora também deixa claro que reservar um tempo na carga
horária semanal do docente para o planejamento de suas ações não surte o efeito esperado se
não tiver um acompanhamento por parte do coordenador pedagógico, por exemplo. O
professor sente a necessidade de partilhar, de refletir no coletivo conforme habituou-se nos
encontros de formação com o grupo.
Compreendo como Pimenta e Lima (2009, p. 130) que “a docência se refere não
apenas ao domínio dos conteúdos nas diversas áreas do saber e do ensino, mas também à
própria prática didático-pedagógica e, acima de tudo, à compreensão da política educacional
na qual essa prática se insere”. Partindo desta premissa, solicitei às professoras que
avaliassem como a participação no grupo favoreceu a sua prática profissional nas dimensões:
conceitual, metodológica e política. Com relação à dimensão conceitual assim falaram as
professoras:

Eu creio assim, que novos conceitos foram surgindo, à maneira em que


íamos nos relacionando com as pessoas, com o estudo, à maneira que nós
vamos aprendendo novas coisas, adquirindo novos conhecimentos e o foco
da aprendizagem nós só conseguimos realmente quando nós tentamos,
quando conseguimos o nosso objetivo, o nosso conceito, “– o que eu quero
com isso?”, então, novos conceitos vão surgindo de acordo com a
aprendizagem (Ana Maria).
161

A formação ajudou bastante porque só em você ter um grupo trabalhando,


as coisas se tornam mais fáceis, fica mais fácil para a gente tirar as dúvidas.
Tem também a questão das experiências que os colegas de grupo
repassavam. [...] Até um tempo atrás a gente tinha muita dificuldade em
distinguir gênero de tipo. Com essa formação, com essas experiências a
gente foi tirando essas dúvidas e estabelecendo uma relação sobre diversos
conceitos (Cecília).

Foi uma mudança radical, principalmente nas questões que sempre


debatíamos, dos gêneros textuais, já que a formação foi toda dentro dos
gêneros textuais. Anteriormente, a gente trabalhava aleatoriamente, sem ter
um conceito, uma formação, sem a gente ter um conteúdo em que pudesse se
segurar, se aprofundar. Então, foi muito bom, foi o porto seguro da gente
para que a gente ingressasse nessa questão dos gêneros textuais (Clarice).

Mudou a maneira de ver, que ficou mais ampla, porque é assim quando você
começa a estudar você começa a ver as coisas mais claras, começa a ver
por outro ângulo. Quando você se limita só naquilo fica uma coisa escura e
a partir disso aqui você já vê a coisa bem além, já tem como você refletir em
cima de qualquer assunto, sente mais facilidade (Cora).

As professoras avaliam que a participação no grupo de formação possibilitou


novos olhares para fenômenos do cotidiano, a partir do trabalho de reflexão no coletivo,
oportunizando “a fundamentação teórica necessária para a articulação prático-crítica em
relação à escola, à sua profissão, à sociedade” (PIMENTA; LIMA, 2009, p. 131).
Os estudos de fundamentação teórica sobre gêneros e tipos textuais e as atividades
práticas experienciadas entre os pares fortaleceu as bases das professoras, favorecendo uma
compreensão de que são capazes de construir seu conhecimento, que não são meras
executoras de algo pensado por outrem.
O trabalho no coletivo com cada professor se apoiando no colega de profissão
desenvolveu um processo de emancipação humana, dando “um sentido social à própria
prática, mediando-a com a realidade vivida e analisando-a criticamente” (PIMENTA; LIMA,
2009, p. 132).
Pimenta e Lima (2009, p. 131) afirmam ainda que é necessário reaprender a
pensar, mas isso não é algo mecânico. A reflexão “deve ser compreendida numa perspectiva
histórica e coletiva, que se realiza a partir da análise e da explicitação dos interesses e valores
que possam auxiliar o professor” no seu processo de formação contínua. O depoimento da
professora Rachel revela essa compreensão.

A partir da formação, com certeza, eu aprendi a repensar melhor, eu


aprendi a ouvir mais os colegas e a também compartilhar as experiências
também com eles. Eu mudei a minha visão com certeza. Eu mudei porque eu
era muito assim fechada, mais fechada, apesar de não parecer, mas eu era
mais reservada, mais fechada em si. Mas eu passei a ouvir os colegas, eu
162

passei a ajudar mais também os colegas, a compartilhar mais com os


colegas, entendendo que a educação, a questão da leitura não pode ser uma
ação isolada, principalmente para a gente que é professor, tem que ser uma
ação coletiva. Então, o meu conceito de colaboração, de participação eu
acho que eu mudei bastante porque eu passei a ouvir mais os outros, eu
passei a colaborar mais, eu passei a aceitar mais as outras opiniões, não
que eu não aceitasse, mas a questão do ouvir faz com que a gente entenda
melhor e que a gente até absorva melhor o que a outra pessoa tem para dar,
para partilhar (Rachel).

A participação no coletivo de formação favoreceu à Rachel uma abertura para


ouvir o outro, refletir coletivamente e trocar saberes e experiências. Esse exercício de reflexão
no grupo possibilitou uma dinâmica de formação que influenciou o cotidiano das professoras
em suas escolas.
As professoras também avaliaram como a participação no grupo mudou a sua
prática profissional na dimensão metodológica, conforme segue.

É a ação de fazer, de refletir e agir, inclusive nós trabalhamos isso, fizemos


correções. E eu vejo que estão sempre unidos, o fazer, o refletir, o refazer,
esse trabalho todo. Eu vejo que tem que está sempre unido para que haja a
aprendizagem por parte tanto do professor quanto do aluno, porque é o
momento em que tem que haver realmente a troca de experiências do
professor e do aluno. E as metodologias são exatamente isso, essa troca,
essa aceitação por parte do amigo, do companheiro, do núcleo gestor,
quando muitas vezes precisa de uma interferência a gente tem que aceitar
(Ana Maria).

Eu aprendi a ver que, por exemplo, se eu preparo uma aula e aplico aquela
aula e deu certo com boa parte da turma, mas a outra parte da turma não
deu, eu já vou preparar uma nova ação para fazer com que a aprendizagem
atinja a todos os alunos. A gente nunca tem uma sala toda positiva, tem
sempre uns alunos que têm umas dificuldades maiores que os outros e
quando a gente elabora um trabalho que é para elevar o desempenho da
turma e a gente não consegue, eu aprendi que a gente tem que observar,
fazer o trabalho, observar, refletir e não deu certo, então vamos ver uma
nova maneira para dar certo e assim até dar certo de verdade (Eva).

As professoras Ana Maria e Eva revelam uma interessante visão da postura


metodológica, que se desloca de mero recurso a uma nova postura do docente. Nesta
compreensão, a metodologia ultrapassa o como fazer e chega ao todo fazer pedagógico,
estando “presentes os conceitos, as relações que o professor estabelece com sua área de
conhecimento, sua compreensão do mundo, seus valores e sua ética profissional, como
sentido que dá à profissão” (PIMENTA; LIMA, 2009, p. 133).
A fala da professora Rachel também mostra que a formação favoreceu uma
mudança de postura, a compreensão da necessidade de pesquisar:
163

Mudou bastante porque o curso de formação me motivou a estar sempre


buscando mais, buscando mais meios, outras metodologias. Junto dessas eu
também procuro outras, eu também pesquiso mais, eu busco mais. Não que
isso seja garantia de 100% de sucesso, mas que eu saí desse curso bem mais
motivada, bem mais, vamos dizer assim, pesquisadora, porque às vezes a
gente se acomoda, eu aprendi a pesquisar mais, a buscar mais para
melhorar cada vez mais a minha metodologia (Rachel).

Rachel revela que a formação favoreceu assumir a metodologia com uma postura,
compreendendo que o “imbricamento entre a teoria e a prática é o processo de pesquisa que se
desenvolve ao longo de toda formação profissional” (GHEDIN; ALMEIDA; LEITE, 2008, p.
15).
Um processo de formação contínua proporciona mudanças várias aos seus
participantes. Pode-se afirmar que “consiste em dar significado às experiências, agora
resgatadas, podendo contribuir para uma tomada de consciência individual e coletiva”
(PIMENTA; LIMA, 2009, p. 133). Com relação às mudanças na dimensão política assim
comentaram as professoras.

Eu creio que é necessária a formação política. Nós devemos trabalhar


através da criticidade para que realmente nossos alunos saibam buscar,
criar, inovar, através da criticidade. Muitas vezes há pessoas que não
aceitam as críticas, mas devemos sim aceitar e rever o nosso conceito, para
ver onde realmente nós erramos e nós acertamos. A parte política é
importante, faz-se necessário para com todo cidadão (Ana Maria).

Nossos alunos não são assim 100%, mas a gente já vê uma criticidade
bastante evoluída dentro de sala de aula. A gente vê que o aluno já tem um
pensamento formado, o aluno já sabe reivindicar, já sabe dizer o que ele
quer, o que está errado, o que não está. Isso também melhorou. Na medida
em que ele leu, interpretou, ele também vai desenvolver essa criticidade nele
(Clarice).

Eu aprendi a fazer com que os alunos se tornassem mais críticos e criativos.


Não é fácil fazer com que o aluno seja criativo. Ele esconde muito aquilo
que ele sabe. Eu percebi que a gente pode causar no aluno ideias que façam
pensar bastante e criar a sua opinião, as ideias, ele criar a história, enfim,
ser o autor dele mesmo, ele perceber que pode ser o autor dele mesmo. Eu
aprendi e muito (Eva).

Com certeza a formação serviu para me alertar cada vez mais do


compromisso e da responsabilidade que a gente assume quando resolve,
quando decide ser professor. Realmente é uma questão social, é um
compromisso social que a gente assume quando resolve ser professor. Cada
vez mais eu tenho a certeza desse compromisso e o curso serviu para me
alertar. Se eu já vivia alerta, ele serviu para me fazer não dormir nunca
mais porque realmente é um compromisso que a gente assume.
Compromisso esse que em hipótese alguma, em circunstância alguma a
gente deve deixar de lado, seja pelo que for (Rachel).
164

A prática pedagógica é uma manifestação de poder e, portanto, ação política.


Quando as professoras desenvolvem um trabalho dialógico, buscando a emancipação dos seus
estudantes, começa a surgir um sentimento coletivo, um exercício de democracia na sala de
aula e, certamente, fora dela também.
Os seres humanos vivem em relação uns com os outros. Logo, o ser humano
político “tem consciência histórica, sabe dos problemas e busca soluções. Não aceita ser
objeto. Quer comandar seu próprio destino. E amanhece o horizonte dos direitos, contra os
dados e contra a imposição. Ator, não expectador. Criativo, não produto” (DEMO, 1996, p.
17).
O trabalho docente não acontece no vazio, é situado em determinado tempo e
lugar históricos. Tal prática aliada à consciência política favorece a formação de jovens
sujeitos de sua aprendizagem, críticos, reflexivos e criativos, não apenas para o espaço
escolar, mas, sobretudo, para atuar nos diversos espaços sociais.
Cecília enfatiza a importância de um olhar crítico que começa na sala de aula, mas
a ultrapassa, considerando a comunidade em que a escola e os estudantes estão inseridos.
Desta feita, segundo a professora

Quando você faz parte de uma sociedade, você vê os problemas dessa


sociedade, desse lugar e você começa a ter um olhar crítico para aquelas
coisas, você começa a debater e a levar isso para a sala de aula: “– gente, o
lixo, onde está sendo exposto?”. A gente fez visita ao lixão, tiramos fotos. A
partir disso a gente fez um projeto sobre o meio-ambiente, visitamos o rio,
coletamos a sujeira que tinha lá e isso tem muito a ver com a questão da
política, do social, porque a gente está preocupada com o meio-ambiente. E
sempre a escola faz essas coisas. Eu até ganhei um diploma daquele
programa Agrinho. Eu sempre gostei de participar do programa Agrinho
porque fala muito da questão do meio-ambiente, saúde, vida. A gente
sempre trabalha isso em sala de aula. Então, a gente ser crítico é importante
para o exercício da cidadania. A gente tem que ter um olhar crítico sobre a
nossa sociedade, o nosso lugar, sobre tudo o que nos rodeia. A gente tem
que levar isso para a sala de aula para tornar os alunos críticos para não
serem alienados, aceitando as coisas do jeito que vêm. Tem que ter o nosso
lado crítico e saber o que é certo e o que é errado (Cecília).

O posicionamento de Cecília corrobora com o ideal freireano, que indaga os


motivos pelos quais não se aproveitam “a experiência que têm os alunos de viver em áreas da
cidade descuidadas pelo poder público para discutir, por exemplo, a poluição dos riachos e
dos córregos e os baixos níveis de bem-estar das populações, os lixões e os riscos que
oferecem à saúde das gentes” (FREIRE, 1997, p. 33).
165

Assumindo uma postura crítico-reflexiva, a escola faz muito mais do que trabalhar
conteúdos, discute a realidade vivenciada pelos estudantes e propõe um exercício crítico sobre
as questões do cotidiano local que, de uma maneira ou de outra, afetam o espaço escolar.
Freire propõe que o educador esteja convicto de que a mudança pode ser difícil,
mas é plenamente possível. Para tanto, o professor precisa estar comprometido com sua ação
que não é apenas pedagógica, mas também política. Por isso mesmo é impossível uma prática
pedagógica neutra (FREIRE, 1997).
Pimenta e Lima (2009) asseveram que a formação contínua assentada nas
dimensões conceitual, metodológica e política considera a escola como ponto de partida e
ponto de chegada de tal processo.
A formação contínua vivenciada pelos professores de língua portuguesa dos anos
finais do ensino fundamental de Aracoiaba considerou a prática cotidiana dos docentes
aliando-a a estudos de fundamentação teórica em um processo crítico reflexivo.

Esse aprendizado no curso de formação vai ficar para toda a vida. É uma
formação que é atemporal. Pelo menos é assim que eu penso. Ela não está
presa no tempo, ela vai além. Então, o que eu aprendi no grupo eu vou levar
para todo o sempre. Com certeza, eu jamais vou esquecer aquilo que foi
trabalhado. Até hoje as fundamentações teóricas, todo o material
trabalhado, eu sempre procuro está utilizando na minha sala de aula com os
meus alunos, seja pegando outros textos, mas sempre seguindo naquela
perspectiva da gente, que é de melhorar, de crescer, de fazer a leitura
acontecer, que seja uma leitura para a vida. Eu ainda continuo fazendo uso
desse aprendizado (Rachel).

A fala de Rachel aproxima a formação desenvolvida no grupo à ideia de coletivo


de formação proposta por Alarcão (2002, p. 221), cuja aprendizagem é “realizada em
ambiência de colectividade, uma aprendizagem cooperativa do conjunto das pessoas que
trabalham e convivem na organização e que se baseia em objetivos claros, negociados e
assumidos, norteados por uma visão tornada explícita”.
A aprendizagem é individual, pois são as pessoas que aprendem. O diferencial
dessa aprendizagem é que seu desenvolvimento se dá num coletivo de professores, num grupo
como espaço de formação contínua – tendo a práxis como elemento de ressignificação das
práticas – em um permanente processo de construção do conhecimento.
O grupo de professores de língua portuguesa dos anos finais do ensino
fundamental caracteriza-se, portanto, como um coletivo de formação, em que desenvolvem a
sua autoformação em diálogo permanente com a sua prática pedagógica. Nesse processo de
estudar o seu fazer os docentes desenvolvem uma democratização do conhecimento.
166

7 ARREMANTANDO OS NÓS

“Um livro é uma ponta de fio que diz: ‘Aqui


parei; toma-me e continua, leitor’.”
(Monteiro Lobato)

Muitos fios compuseram este texto; num movimento de idas e vindas, entrelacei-
os para que esta tese fosse tecida. O arremate dos nós nunca é final, pois sempre é possível
puxar uma nova ponta de fio e coser outro tecido.
Esta tese buscou compreender a relação entre a formação contínua e as práticas de
leitura de docentes dos anos finais do ensino fundamental de Aracoiaba-CE. Considerando
que tais professores participavam de um grupo de formação, interessou saber o que um grupo
de professores faz no impasse entre o escrito e o vivido, ou seja, entre a formação no grupo e
as práticas de leitura no cotidiano das escolas.
O meu interesse em investigar a formação contínua de professores e suas práticas
de leitura resulta do encontro e da ressignificação de experiências pessoais e profissionais
aliadas ao meu itinerário formativo. Tais momentos não foram desenvolvidos isoladamente,
mas na relação com o outro.
O diferencial deste trabalho foi o desafio de desenvolver uma investigação com
um grupo de professores do qual também faço parte. Convivi, experimentei, partilhei e
compartilhei das alegrias e das dores de ser professor de língua portuguesa em uma rede
municipal de ensino, no interior do estado. Essa pesquisa, portanto, é fruto de um problema
emanado da prática profissional. Nesse sentido, como pesquisador, não inventei um problema,
mas sim, busquei compreender um fenômeno que surgiu de um problema do meu cotidiano
profissional.
Assim fui me constituindo professor, formador, pesquisador, participando de um
grupo com outros colegas professores que buscavam ler além dos livros, compreendendo a
importância da leitura de mundo, buscando desvendar os mistérios da docência e olhando para
o futuro com o desejo e a ousadia de empreender novas histórias.
Para tal intento, desenvolvi uma cultura de análise e formação com um grupo de
professores de língua portuguesa dos anos finais do ensino fundamental, em Aracoiaba-CE. A
questão: “que articulação os professores dos anos finais do ensino fundamental estabelecem
entre a formação contínua e as práticas de leitura?” guiou os caminhos desta pesquisa-
formação desenvolvida no contexto do Programa de Incentivo ao Desenvolvimento da
167

Educação de Aracoiaba (PROIDEA), no período de agosto de 2009 a junho de 2012. Nesse


sentido, o movimento da pesquisa foi desenvolvido junto com o processo formativo dos
sujeitos. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento do processo formativo daqueles embasou a
pesquisa. Com isso, a voz dos professores foi sempre considerada uma tessitura da própria
investigação.
O trabalho com o grupo de professores – análise das práticas, estudos e reflexões
coletivas, (re)estruturação da prática docente – favoreceu o desvelar da relação entre o escrito
e vivido, entre a formação e o trabalho pedagógico desenvolvido nas escolas, alcançando os
objetivos previstos para esta investigação.
O objetivo geral buscou investigar a relação entre a formação contínua e as
práticas de leitura a partir do olhar do professor dos anos finais do ensino fundamental.
Verifiquei que no impasse entre o dito e o feito, isto é, entre a sala de aula ideal,
proporcionada pela formação e a real, vivenciada no cotidiano das escolas, os professores
recriaram estratégias para desenvolver as atividades planejadas.
Entre a formação e o cotidiano, portanto, os professores fizeram ajustes vários que
revelam não apenas a sua capacidade criativa, mas que de fato as aprendizagens
desenvolvidas ao longo da formação estiveram presentes nas salas de aulas. Com isso, afirmo
que as práticas docentes no cotidiano das escolas não são meras reproduções do que foi
desenvolvido na formação, mas configuram-se como reconstruções, pois levam em conta os
diversos saberes partilhados no grupo e consideram o contexto sociocultural dos estudantes.
As práticas pedagógicas trazem as marcas das histórias de vida, das experiências
profissionais, do universo em que os docentes, os estudantes e a escola estão inseridos. Assim,
algo que foi trabalhado em um determinado ano da formação foi reconstruído, reelaborado,
ressignificado pelos professores em outro ano letivo, pois os cursos podem finalizar, mas o
processo formativo é contínuo. Com relação aos objetivos específicos, compreendo que
também foram alcançados, conforme delineio na sequência.
 Compreender o percurso formativo dos professores. Considerando que
praticamente a totalidade dos docentes é de Aracoiaba e que, à época de sua formação inicial,
a região do região do maciço de Baturité não contava com universidade pública, grande parte
dos professores, já no exercício da profissão, fizeram o Curso de Formação de Professores
para o Ensino Fundamental de 1ª a 8ª série, nas Áreas Específicas – Licenciatura plena via
Universidade Estadual do Ceará. Os professores asseveram que o curso ofereceu uma
formação geral, mas não preparou para a atuação com disciplinas específicas, a exemplo da
língua portuguesa. Outros docentes cursaram licenciaturas específicas via institutos superiores
168

de educação vinculados à Universidade Estadual do Vale do Acaraú. Posteriormente, fizeram


cursos de especialização em Gestão Escolar ou em Língua Portuguesa e Arte-Educação
através de parcerias entre a prefeitura municipal com universidades ou via institutos que se
espalharam pela região. Na busca de garantir o seu direito ao conhecimento o professor paga
pela realização de tais cursos e faz verdadeiros malabarismos para dar conta das atribuições
da docência e desenvolver o seu percurso formativo. Algumas lacunas da formação inicial não
foram preenchidas pelos cursos de especialização e os professores ansiavam por uma
formação contínua, mas que considerasse o contexto de sua sala de aula, refletindo-a de
maneira crítica juntamente com eles.
 Refletir o grupo como espaço de formação contínua. O contexto dos docentes
foi a referência para o desenvolvimento dos encontros de formação. Assim, ao longo dos três
anos, a formação passou por vários ajustes, de acordo com as demandas do grupo. Os sujeitos
compreenderam que os cursos finalizam, mas as aprendizagens permanecem e/ou se renovam,
pois assim como a vida, a formação é contínua. Os vínculos se fortaleceram e ultrapassaram o
espaço da formação. Com isso, os professores foram ficando mais próximos e se
reconhecendo como um coletivo de formação. Eles se perceberam como um grupo quando
iniciaram um processo coletivo de reflexão sobre suas histórias de vida e de formação e
analisaram os vários pontos de encontro entre eles. Em meio às dificuldades encontradas no
cotidiano escolar e diante das pressões – internas e externas – para a elevação dos índices de
aprendizagem dos discentes, o grupo surgiu como um espaço para a discussão de questões
comuns aos docentes e a busca de superação dos desafios. Esse trabalho coletivo evidenciou a
importância de se perceber a experiência dos professores como uma possibilidade de
renovação das práticas pedagógicas, a partir da aceitação dos posicionamentos dos demais
sujeitos participantes, gerando um conhecimento colaborativo, que possibilitou criação,
formação, transformação e novos conhecimentos.
 Identificar os elementos que fundamentam as práticas de leitura vivenciadas
cotidianamente pelos professores dos anos finais do ensino fundamental. Inicialmente, os
professores mostraram-se inseguros para o trabalho com diversas leituras e diferentes
objetivos. Posteriormente, observei que suas práticas estavam embasadas teoricamente nos
estudos feitos no coletivo de formação. Os docentes compreenderam que as práticas não se
sustentam sem uma teoria que as embase. Com isso, fizeram leituras teóricas e, superadas
algumas dificuldades iniciais, compreenderam que teoria e prática caminham lado a lado. O
desejo de favorecer a aprendizagem dos estudantes foi o que guiou o trabalho dos professores,
pois buscaram acolher os conhecimentos prévios dos discentes e gradativamente foram
169

inserindo novos conceitos. A busca de fundamentar suas práticas fortaleceu as bases dos
professores, favorecendo uma compreensão de que são capazes de construir seu
conhecimento, que não são meros executores de algo pensado por outrem.
 Analisar os relatos de práticas leitoras dos professores dos anos finais do
ensino fundamental de Aracoiaba e sua relação com a formação contínua. Além do
sentimento de pertença a um coletivo, de aprendizagem com os colegas de profissão, os
professores sinalizaram que a formação oportunizou o crescimento pessoal e profissional,
favorecendo mudanças positivas no ambiente escolar, pois levaram as aprendizagens para
suas escolas, planejaram aulas mais dinâmicas, trabalharam a leitura de várias formas e com
diferentes objetivos. Os gêneros textuais saíram da condição de terrível vilão e foram
compreendidos como prática social de leitura e escrita, possível de ser trabalhada na escola.
Os docentes assumiram a leitura como fundamental para o seu crescimento pessoal e para o
exercício da docência. A participação no grupo aflorou o desejo de ler e de refletir sobre
leituras várias. O hábito leitor desenvolvido no grupo influenciou os professores a
estimularem ainda mais os seus estudantes à prática leitora, utilizando estratégias e textos
diversificados.
A investigação trilhou uma postura metodológica nas relações estabelecidas entre
a reflexão e ação com os professores, construindo novos significados para a prática cotidiana
dos sujeitos, com vistas à tomada de consciência individual e coletiva. Buscando não apenas
investigar ou descrever as práticas dos professores participantes do grupo, mas, sobretudo,
transformá-las, recorri aos temas metodológicos da pesquisa-ação como alternativa viável
para o desenvolvimento do processo de pesquisa-formação, permeado pelo compromisso com
o coletivo de formação e garantindo a realização da investigação. Os temas metodológicos da
pesquisa-ação permitiram o diálogo entre teoria e prática, possibilitando uma efetiva
participação dos sujeitos no processo de concepção e de desenvolvimento das atividades,
favorecendo uma reflexão sobre a prática, uma (re)elaboração das situações e promovendo a
autoformação, a formação coletiva no processo desta pesquisa-formação.
A pesquisa-formação desenvolveu-se a partir de um movimento contínuo de
reelaboração de acordo com as necessidades apresentadas pelos sujeitos envolvidos,
caracterizando o seu viés pedagógico, ético e político. O caráter formativo aconteceu porque
os pressupostos da pesquisa-formação favoreceram a tomada de consciência das
transformações individuais e das delineadas com o grupo de professores ao longo do
processo. Assim, o caráter individual de pesquisa foi transposto, assumindo um aspecto
coletivo.
170

A formação contínua dos professores não foi apenas um momento de atualização


dos conhecimentos científicos prontos e acabados, mas uma troca de experiência que
possibilitou aos participantes do grupo o desenvolvimento da capacidade de se tornar um
professor pesquisador de sua própria prática, materializando-se no cotidiano da escola através
de ação-reflexão-ação. Nesse processo de formar e formar-se os docentes utilizaram
estratégias várias, mas sempre buscando dialogar com a realidade de seus estudantes e fazer
conexões com a família, com a comunidade.
Os professores participantes do grupo desenvolveram um processo de reflexão de
suas práticas. Com isso não trabalharam de forma aleatória, mas sempre buscando analisar o
que deu certo e o que podiam melhorar em sua prática docente. A troca de experiência entre
os pares favoreceu um processo de construção coletiva do conhecimento, contribuindo para a
autonomia dos professores, promovendo possibilidades de intervir eficazmente no cotidiano
escolar.
A avaliação da própria prática e a troca de experiências entre os sujeitos favoreceu
a construção de um espaço mútuo de formação. As aprendizagens foram evidenciadas no
processo de partilha no coletivo, o que conduziu à ressignificação dos conhecimentos a partir
da reflexão – individual e coletiva – das práticas cotidianas. Abaixo delineio alguns achados
desta investigação.

 A participação dos professores de língua portuguesa dos anos finais do ensino


fundamental no grupo gerou um coletivo de formação. Com todas as contradições que
esse grupo possa ter, ele é uma busca pelo direito ao conhecimento, pois os
professores se reuniam para estudar porque desejavam melhorar o seu ensino e com
isso assegurar aos estudantes o direito de aprender. É apenas uma parte, mas é uma
busca legítima, um esforço que precisa ser reconhecido.

 A opção pelo trabalho com o grupo de professores possibilitou que eles aprendessem
uns com os outros e, juntos, construíssem os conhecimentos necessários ao
desenvolvimento de práticas de leitura nas escolas de ensino fundamental. Assim
estiveram presentes o diálogo, a participação, a confiança e o exercício da pergunta.

 O trabalho em grupo favoreceu a compreensão de que os conteúdos ensinados, as


estratégias utilizadas se transformam de acordo com o tempo e as mudanças próprias
da sociedade.
171

 Os sujeitos consideraram o grupo como um espaço de aprendizagem, de crescimento,


de fortalecimento de laços pessoais e profissionais. Os professores pontuaram a
importância da experiência de formação para o desenvolvimento de um trabalho de
qualidade com os estudantes. O principal quesito levantado foi o caráter de
continuidade do processo formativo.

 Assim como no grupo, os professores buscaram em suas salas de aula, um trabalho na


perspectiva da horizontalidade. A formação contínua favoreceu um novo olhar para as
práticas dos professores, subsidiando novos modos de fazer em sala de aula,
considerando os estudantes como sujeitos e buscando melhorar a qualidade de ensino
da educação básica. O exercício de ensinar e de aprender favoreceu a construção de
um fazer-se professor, de perceber-se inacabado, mas disposto a aprender no exercício
da docência, em um contexto de mútuas trocas.

 Mais do que formar, os professores se formaram no desenvolvimento de seu trabalho.


A reflexão crítica da prática pedagógica possibilitou aprendizagens aos docentes. O
exercício de partilhar e refletir no coletivo de formação superou algumas dificuldades
iniciais apresentadas pelos professores. Eles se mostraram abertos a leituras várias na
busca de desenvolver um profícuo trabalho com a prática leitora no cotidiano escolar.
Em um ambiente colaborativo os docentes refletiram sobre suas próprias
aprendizagens com a leitura e perceberam o quanto aprenderam à medida que
ensinaram.

 Os professores gostam de ler, mas o mundo do trabalho, as pressões por resultados,


fazem com que leiam basicamente os textos voltados ao exercício da docência, não
sobrando tempo para a leitura por deleite.

 Os estudantes leem gêneros textuais diversos e sofrem grandes influências das mídias
digitais. Com relação aos gêneros literários, leem poesias, contos, crônicas e
romances, sobretudo, os modernos (Best Sellers) e os adaptados, com nova linguagem
ou forma de apresentação.
172

 A prática pedagógica é uma manifestação de poder e, portanto, ação política. Quando


as professoras desenvolvem um trabalho dialógico, buscando a emancipação dos seus
estudantes, começa a surgir um sentimento coletivo, um exercício de democracia na
sala de aula e, certamente, fora dela também.

 Quando o professor vai além do habitual, ultrapassando regras e teorias, e valorizando


o processo investigativo, os resultados superam o esperado, proporcionando a criação
de novos conhecimentos e contribuindo para a sua formação como profissional
reflexivo, desvelando processos que antes estavam apenas subentendidos.

 O exercício do registro reflexivo das ações desenvolvidas ultrapassou algo que foi
acordado como atividade do grupo e vários docentes incorporaram essa tarefa à sua
prática.

 Os docentes da educação básica não são meros objetos de pesquisa de outros, mas a
partir de uma ação refletida podem externar como o seu trabalho pedagógico está
sendo desenvolvido, quais as suas inquietações, como os diversos agentes envolvidos
no processo educacional podem ajudá-los a desenvolver o seu fazer docente.

 Somente com o exercício da solidariedade, com os diversos profissionais da educação


aceitando-se um ao outro, respeitando as suas opiniões e particularidades é que haverá
verdadeiramente o diálogo, a comunicação que humaniza e transforma.

 Os cursos de formação de professores precisam ser para e com os professores. É


preciso ouvi-los, conhecer as suas reais necessidades para que um trabalho adequado
seja desenvolvido.

 As tecnologias digitais ainda produzem uma série de medos em alguns docentes. É


preciso um investimento pessoal e coletivo para que as mídias digitais sejam
incorporadas ao trabalho pedagógico do professor.
173

 A qualidade da educação passa pela formação inicial e contínua e pela valorização dos
profissionais da educação, aliada a uma prática docente com o apoio de gestores
escolares e os diversos órgãos ligados à educação.

 Garantir um ensino de qualidade pressupõe uma valorização efetiva da formação


docente, o que é um princípio ético e de responsabilidade social. Assim, não adianta os
governos municipais propalarem que incentivam a formação docente e abusarem do
poder ao não permitir o afastamento do professor para o exercício do seu direito de
formação contínua.

 Se não houver um investimento estruturado na formação inicial e contínua dos


docentes, valorização social e financeira, adequada infraestrutura escolar,
investimentos em equipamentos, apoio da família, acompanhamento por parte das
secretarias de educação municipal ou estadual, provavelmente, a qualidade da
educação permanecerá apenas nos discursos ou em ações isoladas pelo país. Não é
possível dissociar a formação docente das políticas públicas voltadas para a educação.

 Reservar um tempo na carga horária semanal do docente para o planejamento de suas


ações não surte o efeito esperado se não tiver um acompanhamento por parte do
coordenador pedagógico, por exemplo. O professor sente a necessidade de partilhar,
de refletir no coletivo.

 A formação contínua pode ser desenvolvida na escola, com o diálogo e a reflexão


entre os pares em busca de resolução para os problemas pedagógicos do cotidiano.
Para que o professor seja o responsável por seu processo formativo ele precisa que as
devidas condições lhes sejam asseguradas.

 A partir das constatações do cotidiano docente, o diálogo com as Secretarias de


Educação Municipal e/ou Estadual e a Universidade pode contribuir para um processo
formativo que alie teoria e prática, no qual o professor da educação básica seja
partícipe de todas as etapas de construção e execução.
174

 É possível o fortalecimento docente a partir do trabalho coletivo, desde que se


compreenda o grupo como um espaço de formação que tem a práxis como elemento
de ressignificação das práticas em um processo contínuo de construção do
conhecimento.

 Os docentes mostraram compromisso e dedicação com o desenvolvimento de seu


percurso formativo. Os participantes do grupo sentiram-se não meros partícipes de um
programa de formação, mas construtores, sujeitos ativos da sua trajetória. Um dos
fatores que contribuiu para isso foi a acolhida aos anseios dos docentes, às suas
solicitações de pauta, pois eles traziam o desejo de enfrentar os desafios surgidos no
cotidiano das escolas.

 Os professores lidam com vários desafios no cotidiano das escolas, porém o que mais
incomoda é a divulgação de índices de aprendizagem, sejam internacionais, nacionais,
estaduais ou locais, que comprovam que os estudantes não apreendem
satisfatoriamente os conteúdos trabalhados. Diante de tais resultados, geralmente, os
olhares externos e internos à escola se voltam para o professor e o desenvolvimento de
seu trabalho, sem levar em conta outros fatores intervenientes para além do espaço da
sala de aula e camuflando a crise educacional.

 Leitura e formação docente são atividades complexas, que se aprendem, sobretudo na


interação com o mundo, com os indivíduos, no próprio cotidiano. Logo, a solução para
os desafios da educação não está dentro da sala de aula, apenas na relação professor-
aluno. Há uma questão sociocultural muito mais ampla e não é justo culpar o professor
ou acreditar que, sozinho, ele resolverá tudo.

A partir desse conjunto de reflexões e análises, defendo a tese de que o grupo é


um espaço legítimo de formação porque, num contexto em que predomina a pedagogia de
resultados invadindo a escola e, consequentemente, a vida e a profissão do professor, sem
considerar os diversos fatores intervenientes, o docente encontra acalanto junto aos pares que
partilham desafios semelhantes e se aventuram na árdua tarefa de desvendar os emaranhados
fios do novelo, que é a leitura nas escolas da rede pública, sobretudo nos anos finais do ensino
fundamental. Apenas o discurso de que o docente é essencial para a construção de uma
175

sociedade cidadã não basta. Se não houver reconhecimento social e valorização, com
formação contínua (em que o professor seja sujeito da construção), além de uma política
salarial digna, com condições materiais e de infraestrutura adequadas ao exercício da prática
pedagógica, a qualidade da educação básica não será realidade. Um trabalho coletivo se faz
quando várias vozes ecoam, são escutadas e refletidas para que fio a fio seja tecido o contínuo
processo de formação docente.
176

REFERÊNCIAS

ADLER, M. J; DOREN, V. C. Como ler livros. O guia clássico para a leitura inteligente. São
Paulo: É Realizações, 2010.

ALARCÃO, I. Escola reflexiva e desenvolvimento institucional. Que novas funções


supervisivas? In: OLIVEIRA-FORMOSINHO, J. A supervisão na formação de professores.
Da sala à escola. Porto: Porto editora, 2002.

ALBUQUERQUE, E. B. C. Apropriações de propostas oficiais de ensino de leitura por


professores (O caso do Recife). Tese de Doutorado. UFMG: Belo Horizonte, 2002.

ALVES, L. Aprendizagem em rede e formação docente: trilhando caminhos para a


autonomia, a colaboração e a cooperação. In: VEIGA, I. P. A.; D'ÁVILA, C. (Orgs.).
Profissão docente: novos sentidos, novas perspectivas. Campinas: Papirus, 2008.

ALVES, T; PINTO, J. M. R. Remuneração e características do trabalho docente no


Brasil: um aporte. Cadernos de Pesquisa. v. 41, n.143, São Paulo: mai./ago. 2011.

ANADÓN, Marta. A pesquisa dita “qualitativa”: sua cultura e seus questionamentos.


Senhor do Bomfim, BA: UNEB/UQAC, 2005.

ANDRÉ, M. E. D. A. A produção acadêmica sobre formação docente: um estudo


comparativo das dissertações e teses dos anos 1990 e 2000. Revista Brasileira de Pesquisa
sobre Formação de Professores. Autêntica, v. 1, n.1, p. 41-56, ago./dez. 2009.

ANFOPE. Lei 12.796 retrocesso na formação superior do magistério. Disponível em:


http://blogdaanfope.org/2013/04/07/lei-12-796-retrocesso-na-formacao-superior-do-
magisterio/ Acesso em 18 de agosto de 2013.

ANTUNES, I. Língua, texto e ensino – outra escola possível São Paulo: Parábola Editorial,
2009.

_______. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

ARAÚJO, L. Pouca coisa mudou. Disponível em:


http://rluizaraujo.blogspot.com.br/2013/04/pouca-coisa-mudou.html
Acesso em 12 de agosto de 2013

ATLAS do Desenvolvimento Humano no Brasil - PNUD/IPEA/FJP, 2013.

BAMBERGER, R. Como incentivar o hábito de leitura. In: PINHEIRO, Heldér. Poesia na


sala de aula. 2. ed. João Pessoa: Idéia, 2002

BARBIER, R. A Pesquisa-Ação. Brasília-DF: Liber Livro, 2007.

BARBOSA, E. O. D; PULINO, L. H. C. Z; LINS, P; M. Programa Gestão da


Aprendizagem Escolar - Gestar II. Guia Geral. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria
de Educação Básica, 2008.
177

BATISTA, A. A. G. Professoras de português, formação superior, matrimônio e leitura: um


caso de estudo. In: PAIXÃO, L. P.; ZAGO, N. Sociologia da educação: pesquisa e realidade
brasileira. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

BAUER, M. W; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual


prático. Petrópolis: Vozes, 2002.

BOGDAN R. & BIKLEN, S. Investigação Qualitativa em Educação: uma introdução à


teoria e aos métodos. Portugal: Porto Editora, 1994.

BORGES, R. C. M. B. O professor reflexivo-crítico como mediador do processo de inter-


relação da leitura – escritura. In: PIMENTA, S. G. e GHEDIN, E. (Orgs.). Professor
reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2. ed., 2002.

BRASIL. INEP. Estudo exploratório sobre o professor brasileiro com base nos resultados
do Censo Escolar da Educação Básica 2007 / Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira. Brasília: Inep, 2009.

BRASIL. Programa Gestão da Aprendizagem Escolar - Gestar II. Língua Portuguesa:


Caderno de Teoria e Prática 3 - TP3: gêneros e tipos textuais. Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Básica, 2008.

BRASIL. Programa Gestão da Aprendizagem Escolar - Gestar II. Língua Portuguesa:


Caderno do Formador. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica,
2008a.

BRASIL. INEP. Relatório Nacional PISA 2012: Resultados Brasileiros. Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Brasília: Inep, 2012.

BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais


Anísio Teixeira – INEP. Microdados do Censo Escolar / INEP – 2009. Disponível em
http://portal.inep.gov.br/basica-levantamentos-acessar. Acesso em 18 de agosto de 2013.

BRASIL. INEP. Censo da educação superior: 2011 – resumo técnico. Brasília: INEP, 2013.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais - terceiro e quarto ciclos do ensino


fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro


de 1996. Centro de Documentação e Informação. Brasília: Edições Câmara, 2013.

BRASIL. INEP. Censo da educação básica: 2012 – resumo técnico. – Brasília: Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2013.

BRASIL/Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP 1,


de 18 de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores da Educação Básica, em nível superior, Curso de Licenciatura, de graduação
plena. Brasília, 2002.

BRASIL. Decreto n. 5.800, de 8 de junho de 2006. Dispõe sobre o Sistema Universidade


178

Aberta do Brasil. 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-


2006/Decreto/D5800.htm>. Acesso em: 31 mar. 2008.

BRASIL. Decreto nº 7.219/2010. Brasília: Casa Civil, 2007.

BRASIL. Resolução CNE/CEB 01, de 20 de agosto de 2003. Brasília: CNE/CEB, 2003.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF,


Senado, 1988.

BRASIL. Resolução Nº 2, de 27 de Agosto de 2004. Brasília: CNE/CP, 2004.

BRASIL. Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013. Mensagem de veto. Altera a Lei no 9.394, de
20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para
dispor sobre a formação dos profissionais da educação e dar outras providências. Brasília:
Casa Civil, 2013.

BRASIL. Resolução CNE/CEB 7/2010. Diário Oficial da União, Brasília, 15 de dezembro de


2010, Seção 1, p. 34.

BRASIL. MEC. Rede Nacional de Formação Continuada de Professores de Educação


Básica. Orientações gerais. Brasília: SEB/MEC, 2005a.

BRASIL. MEC. Rede Nacional de Formação Continuada de Professores de Educação


Básica. Orientações gerais. Catálogo 2006. Brasília: SEB/MEC, 2006.

BRASIL. Lei 9.424/96. Fundef. Brasília: SEB/MEC, 2006.

BRASIL. Lei Nº 11.502, de 11 de Julho de 2007. Brasília: Casa Civil, 2007.

BRASIL. Lei N° 11.738, de 16 de julho de 2008. Brasília: Casa Civil, 2008.

BRASIL. Lei 11.494/2006. Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação de


Valorização dos profissionais da Educação Básica. Fundeb. Brasília: SEB/MEC, 2006.

BRASIL. Resolução n.º 3, de 8 de outubro de 1997. Brasília: CNE/CEB, 1997.

BRASIL. CEB. Parecer CEB N.º 04/98. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental. Brasília: MEC/CNE, 1998.

BRASIL. Projeto de Lei nº 8.530, de 2010, de autoria do Poder Executivo, institui o novo
PNE. Brasília: MEC, 2010.

CANDAU, V. M. (Org.). Magistério: Construção cotidiana. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes,


2011.

CEARÁ. Resultados Finais das Escolas no SPAECE 2012. Disponível em:


http://www.spaece.caedufjf.net/. Acesso em 03 fev. 2014.
179

CERTEAU. M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 18. ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2012.

CHARTIER, A-M. Práticas de leitura e escrita – história e atualidade. Belo Horizonte:


Ceale/Autêntica, 2007.

CHARTIER, R. Práticas da leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996.

CHARTIER, R. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Imprensa


Oficial/Editora UNESP, 2009.

CUNHA, M. A. O acesso à leitura no Brasil – os recados dos “Retratos da leitura”. In:


FAILLA, Z. (Org.). Retratos da Leitura no Brasil 3. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo: Instituto Pró-Livro, 2012.

DEMO, P. Pobreza política. Campinas: Autores associados, 1996.

DIAS, A. I. Ensino da linguagem no currículo. Fortaleza: Brasil Tropical, 2001.

DINIZ-PEREIRA, J. E. A pesquisa dos educadores como estratégia para construção de


modelos críticos de formação docente. In: DINIZ-PEREIRA, J. E; ZEICHNER, K. M. A
pesquisa na formação e no trabalho docente. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora,
2011.

DIONNE, H. A pesquisa-ação para o desenvolvimento local. Brasília: Liber Livro Editora,


2007.

ESTRELA, A. Teoria e Prática de Observação de Classes: Uma Estratégia de Formação de


Professores. Porto/Portugal: Porto Editora, 1994.

FAILLA, Z. (Org.). Retratos da Leitura no Brasil 3. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo: Instituto Pró-Livro, 2012.

FERREIRA, A. B. H. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova


Fronteira, 1988.

FERREIRA, A. T. B. O cotidiano da escola como ambiente de “fabricação” de táticas. In:


FERREIRA, A. T. B; ALBUQUERQUE, E. B. C; LEAL, T. F. (Orgs.). Formação
continuada de professores: questões para reflexão. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

FRANCO, Maria Amélia Santoro. Pedagogia da pesquisa ação. Educação e Pesquisa, São
Paulo, v. 31, n. 3, p. 483-502, set./dez. 2005.

FREIRE, M. O que é grupo? In: GROSSI, E. P; BORDIN, J. (org.). Paixão de Aprender I.


Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.

FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 22 ed. São
Paulo: Cortez, 1988.
180

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:


Paz e Terra, 1997.

GALEANO, E. Las palabras andantes. Buenos Aires: Catálogos S. R. L., 2001.

GATTI, B. A; BARRETO, E. S. S; ANDRÉ, M. E. D. Políticas docentes no Brasil: um


estado da arte. Brasília: UNESCO, 2011.

GHEDIN, E; ALMEIDA, M. I; LEITE, Y. U. F. Formação de Professores: Caminhos e


Descaminhos da Prática. Brasília: Líber Livro, 2008.

GHEDIN, E; FRANCO, M. A. S. Questões de método na construção de pesquisa em


educação. São Paulo: Cortez, 2008.

HERNÁNDEZ, F. A organização currículo por projetos de trabalho. Trad. Jussara


Haubert Rodrigues. 5. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Volume 32. Rio de Janeiro: IBGE,
2012

IMBERNÓN, F. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza.


São Paulo: Cortez, 2011.

IMBERNÓN, F. Formação continuada de professores. Porto Alegre: Artmed, 2010.

IMBERNÓN, F. Formação permanente do professorado: novas tendências. São Paulo:


Cortez, 2009.

INAF Brasil 2011. Principais resultados. São Paulo: Ação Educativa/Instituto Paulo, 2012.
Montenegro.

JOSSO, M-C. Os relatos de histórias de vida como desvelamentos dos desafios


existenciais da formação e do conhecimento: destinos sócio-culturais e projetos de vida
programados na invenção de si. In: SOUZA, E. C.; ABRAHÃO, M. H. M. B. Tempos,
narrativas e ficções: a invenção de si. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006.

JOSSO, M-C. Experiências de vida e formação. Trad. José Cláudino e Júlia Ferreira. São
Paulo: Cortez, 2004.

KATZMAN, R. Seducidos y abandonados: el aislamiento social de los pobres urbanos.


Revista de la Cepal 75, Diciembre 2001. Disponível em:
http://www.eclac.org/publicaciones/xml/6/19326/Katzman.pdf. Acesso em: 06 abr. 2011.

KENSKI, V. M. Educação e Tecnologias: o novo ritmo da informação. Campinas/SP:


Papirus, 2012.

KLEIMAN, A. Oficina de leitura: teoria e prática. Campinas, SP: Pontes, 2004.

LAJOLO, M. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 2008.
181

LEITE, S. Alfabetizar para ler. Ler para conquistar a plena cidadania. In: FAILLA, Z. (Org.).
Retratos da Leitura no Brasil 3. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo:
Instituto Pró-Livro, 2012.

LIMA, M. S. L. Estágio e aprendizagem da profissão docente. Brasília: Liber Livro, 2012.

LIMA, M. E. M. F. As memórias na formação de professores e professoras. In: FERREIRA,


A. T. B; ALBUQUERQUE, E. B. C; LEAL, T. F. (Orgs.). Formação continuada de
professores: questões para reflexão. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

LONGAREZI, A. M; SILVA, J. L. Pesquisa-formação: um olhar para sua constituição


conceitual e política. In: Revista Contrapontos - Eletrônica, Vol. 13 - n. 3 - p. 214-225 / set-
dez 2013.

LÜDKE, M; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São


Paulo: EPU, 1986.

MACÊDO, V. P. Política de formação continuada de professores: cenários, diretrizes e


práticas. Tese de Doutorado. UFRN: Natal, 2006.

MACHADO, A. M. Sangue nas veias. In: FAILLA, Z. (Org.). Retratos da Leitura no Brasil
3. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Instituto Pró-Livro, 2012.

MANGUEL, A. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, A. P.;


MACHADO, A. R; BEZERRA, M. A. (Orgs.). Gêneros textuais & ensino. Rio de Janeiro:
Lucerna, 2007.

MARTINS, E. S. Leitura e trabalho pedagógico: trajetórias e experiências de professores.


Fortaleza: SEDUC, 2011.

MEDIANO, Z. D. A formação em serviço de professores através de oficinas pedagógicas. In:


CANDAU, V. M. (Org.). Magistério: Construção cotidiana. 7. ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2011.

MINAYO, M. C. S. (org). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes,


1994.

MONAK, L; HOYOS, B. J. Comportamiento lector y hábitos de lectura: una comparación


de resultados en algunos países de América Latina. Bogotá/Colômbia: CERLALC-UNESCO,
2012.

NASCIMENTO, M. G. A formação continuada dos professores: modelos, dimensões e


problemática. In: CANDAU, V. M. (Org.). Magistério: Construção cotidiana. 7. ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

NOGUEIRA, M. A.; NOGUEIRA, C. M. M. Bourdieu & a educação. Belo Horizonte:


Autêntica, 2004.
182

NÓVOA, A. Professor se forma na escola. Entrevista a Revista Nova Escola, n. 142, maio de
2001, Rio de Janeiro: Editora Abril.

NÓVOA, A. Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1995.

OLIVEIRA-FORMOSINHO, Júlia de. A investigação-ação e a construção de conhecimento


profissional relevante. In PIMENTA, Selma Garrido; FRANCO, Maria Amélia. Pesquisa em
Educação: possibilidades investigativas/formativas da pesquisa ação. Vol.2. São Paulo:
Loyola, 2008.

OSORIO, L. C. Psicologia grupal: uma nova disciplina para o advento de uma era. Porto
Alegre: Loyola, 2008.

PIMENTA, S. G; LIMA, M. S. L. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2009.

PIMENTA, S. G. (org.). Didática e formação de professores: percursos e perspectivas no


Brasil e em Portugal. São Paulo: Cortez, 2006.

PIMENTA, S. G; GHEDIN, E. (Orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um


conceito. São Paulo: Cortez, 2. ed., 2002.

PRADO, M. E. B. B. Pedagogia de projetos: fundamentos e implicações. In: BRASIL.


Integração das Tecnologias na Educação. Secretaria de Educação a Distância. Brasília:
Ministério da Educação, Seed: Alínea, 2005.

PRADO, D. F; SILVA, L. H. G. Leitura. In: SATO, D. T. B; SILVA, F. C. R; BATISTA


JÚNIOR, J. R. L. Leitura e produção de gêneros acadêmicos. Teresina: EDUFPI, 2011.

RIBAS, M. H. Formação de professores: escolas, práticas e saberes. Ponta Grossa: Ed.


UEPG, 2004.

RIBEIRO, L. T. F; RIBEIRO, M. A. P. Temas educacionais: uma coletânea de artigos.


Fortaleza, 2010.

ROSA, J. G. Grande sertão: veredas. 19. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

ROSING, T. M. K. Esse Brasil que não lê. In: FAILLA, Z. (orgs.). Retratos da Leitura no
Brasil 3. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Instituto Pró-Livro, 2012.

SACRISTÁN, J; G; Tendências investigativas na formação de professores. In: PIMENTA, S.


G. e GHEDIN, E. (Orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito.
São Paulo: Cortez, 2. ed., 2002.

SACRISTÁN, J. G. Consciência e acção sobre a prática como libertação profissional dos


professores. In: NÓVOA, A. (Org.). Profissão professor. Portugal: Porto, 1991.

SANTOS, C. F; MENDONÇA, M; CAVALCANTE, M. C. B. (orgs.). Diversidade textual:


os gêneros na sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
183

SAVIANI, D. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no


contexto brasileiro. Revista Brasileira de Educação v. 14 n. 40 jan./abr. 2009

SCHIAVONI, J. E. Mídia: O papel das novas tecnologias na sociedade do conhecimento.


Disponível em: http://moodle3.mec.gov.br/ufc/mod/resource/view.php?id=12994. Acesso em
31/08/2013.

SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a


aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

_________. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, A. Os


professores e sua formação. Lisboa, Portugal: Dom Quixote, 1992.

SETÚBAL, M. A. Equidade e desempenho escolar: é possível alcançar uma educação de


qualidade para todos? In: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v. 91, n. 228, p.
345-366, maio/ago. 2010.

SILVA, E. T. Leitura e realidade brasileira. 5. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1997.

_________.. Conferências sobre leitura. Campinas, SP: Autores Associados, 2005.

_________.. A escola e a formação de leitores. In: FAILLA, Z. (Org.). Retratos da Leitura


no Brasil 3. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Instituto Pró-Livro, 2012.

SOARES, M. Português: uma proposta para o letramento. Manual do Professor. São Paulo,
Moderna, 2002.

SOUTO, K. C. N. As concepções de alfabetização e letramento nos discursos e nas


práticas de professoras alfabetizadoras: um estudo de caso em uma escola municipal de
Belo Horizonte. Tese de Doutorado. UFMG: Belo Horizonte, 2009.

SZYMANSKI, H. (org.). A entrevista na Pesquisa em Educação: a prática reflexiva.


Brasília, DF: Líber Livro, 2004.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 15. ed. Petrópolis, RJ: Vozes,
2013.

THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. 18. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

VEIGA, I. P. A. Docência como atividade profissional. In: VEIGA, I. P. A.; D'ÁVILA, C.


(Orgs.). Profissão docente: novos sentidos, novas perspectivas. Campinas: Papirus, 2008.

__________. Professor: Tecnólogo do ensino ou agente social? In: VEIGA, I. P. A.;


AMARAL, A. L. (orgs.). Formação de professores: políticas e debates. 5. ed. Campinas, SP:
Papirus, 2012.

VEIGA, I. P. A.; SILVA, E. F. A escola mudou. Que mude a formação de professores!


Campinas, SP: Papirus, 2010.
184

VIDAL, E. M.; MENEGHEL, S. M.; SPELLER, P. Educação em território de


vulnerabilidade social: estudo sobre indicadores de contexto do Maciço de Baturité/CE
(2012). Disponível em:
http://www.anpae.org.br/iberoamericano2012/Trabalhos/EloisaMaiaVidal_int__A_GT5.pdf .
Acesso em 10/09/2013.

VILLAS BOAS, B. M. F. Portfólio, Avaliação e trabalho pedagógico. Campinas/SP:


Papirus, 2004.

VIRGINIO, M. H. S. Análise dos conceitos de formação docente no contexto educativo-


formativo brasileiro. Tese de Doutorado. UFPB: João Pessoa, 2009.
185

APÊNDICE – ENTREVISTA COM AS PROFESSORAS

FORMAÇÃO CONTÍNUA E PRÁTICAS DE LEITURA:


o olhar do professor dos anos finais do ensino fundamental
1 Dados do docente

Nome completo: ________________________________________________________


Local e data de nascimento: _______________________________________________

Escolarização:
Ensino Fundamental I ( ) escola pública ( ) escola particular
Ensino Fundamental II ( ) escola pública ( ) escola particular
Ensino Médio ( ) escola pública ( ) escola particular

Graduação (curso, instituição e ano de conclusão)


___________________________________________________________________________
________________________________________________________________________

Pós-Graduação (curso, instituição, ano de conclusão, título da monografia)


___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Experiências profissionais
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

Escolarização dos pais e irmãos (se for o caso, do (a) esposo (a), dos filhos)
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

2 Investigando o grupo como espaço de formação contínua

1 Como foi sua entrada no grupo?

2 O que significa o grupo para você?

3 O que você aprendeu com as atividades do grupo?


186

4 O que você aprendeu com os colegas de grupo?

5 Que reflexões são feitas a partir das leituras de fundamentação?

6 Os Quadros Sinóticos anexos trazem um panorama do que foi trabalhado nas formações de
língua portuguesa nos anos de 2009 a 2012. Considerando que um dos objetivos das
formações consistia em o professor ressignificar os conteúdos trabalhados e os levar para suas
salas de aula, selecione pelo menos três das atividades elencadas e reflita de que maneira elas
foram trabalhadas com os estudantes.

7 Que aprendizagens foram possíveis observar com os seus estudantes?

8 O que você aprende ensinando leitura no cotidiano?

9 O formador solicitava ao docente fazer o registro escrito do que foi desenvolvido na


formação, bem como registrar as ações desenvolvidas com os seus estudantes, selecionando
algumas atividades ilustrativas das aprendizagens dos estudantes. Colecionando esse material
o professor compunha o seu portfólio (escrito ou digital – blog). O que você aprendeu com a
composição dos portfólios?

10 Como se dá o processo entre o escrito e o vivido, ou seja, entre a formação no grupo e as


práticas de leitura com os estudantes?

11 Como você avalia a formação feita no grupo e a formação no cotidiano da sala de aula
(avaliações externas, internas – a própria epistemologia da prática, os conhecimentos que
você adquire fazendo)?

12 O que a participação no grupo mudou a sua prática profissional nas dimensões:

Conceitual – a compreensão de tal fenômeno ser como é, o estabelecimento de relações e a


ação refletida com os pares.

Metodológica – está relacionada a todo o fazer pedagógico, ou seja, ação-reflexão-ação.

Política – o exercício da criticidade e o compromisso social no contexto das relações sociais.


187

QUADRO SINÓTICO (Questão 6 da Entrevista)

Quadro Sinótico – Formação - 2009

Livro / Texto Vídeo / Áudio Material / Texto de fundamentação

Olha o Olho da Menina Escola chata Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
(Marisa Prado)
Zoom (Istvan Banyai) O ponto Etapas fundamentais do processo de produção de
texto: ênfase à correção, revisão e avaliação

O catador de pensamentos O que é Letramento? Descritores exigidos nas avaliações de larga


(Monika Feth) (Kate M. Chong) escala

Chapeuzinho Amarelo Vida Maria Reflexões sobre o ensino de gêneros orais


(Chico Buarque) (Heloisa Amaral)

Quem é você, afinal? (Jonas O amor cego Análise do livro didático


Ribeiro)
História de amor (Regina Quixeramobim Diferentes concepções de língua na prática
Coeli Rennó) pedagógica (COROA, 2001)
Educar (Rubem Alves) Superação TP 1 - Linguagem e Cultura
Gaiolas e asas (Rubem Acordar com você TP 2 - Análise Linguística e Análise Literária
Alves) (Jeito Moleque)
Chico Bento – o orador da Fênix (Jorge Vercilo) TP 3 - Gêneros e Tipos Textuais
turma (Mauricio de Sousa)
Recado ao Senhor 903 We are the world TP 4 - Leitura e Processos de Escrita I
(Rubem Braga) (Michael Jackson e
Lionel Richie)
Passeio Noturno (Rubem Estudo errado TP 5 - Estilo, Coerência e Coesão
Fonseca) (Gabriel, o Pensador)
Felicidade Clandestina Como uma onda no TP 6 - Leitura e Processos de Escrita II
(Clarice Lispector) mar (Lulu Santos)
Tirinhas (Maurício de Felicidade (Lupicinio
Sousa) Rodrigues)
Pelo avesso (Titãs)
188

Quadro Sinótico – Formação - 2010

Livro / Texto Vídeo Material / Texto de


fundamentação
Menina bonita do laço de fita Como estrelas na terra toda A produção de texto numa perspectiva
(Ana Maria Machado) criança é especial dialógica (Adair Vieira Gonçalves)
Navegue (Fernando Pessoa) Olimpíada de Língua O Encantamento na Arte de Contar
Portuguesa Histórias (Sanyheire Irineu Araújo
Rios)
O melhor de Rubem Alves Aprender a aprender História em Quadrinhos (Cláudia
(Samuel Lago) Sales)
A arte de ser avó Diversidade Textual: Os Ler e escrever na escola gêneros
Rachel de Queiroz Gêneros na Sala de Aula textuais
As histórias de vó Ana (João Paulo Freire A Arte de Contar e Criar Histórias
Luís de Almeida Machado) (Francisco Gilson Costa Filho)
O estranho procedimento de Ilha das Flores A questão da experiência na formação
Dona Dolores (Luis Fernando profissional dos professores (Alexandre
Veríssimo) Simão de Freitas)
A escola Perfeita (Drummond) Diálogo entre usuário de O ensino da língua escrita na escola:
computador e suporte dos tipos aos gêneros textuais (Carmi
técnico Ferraz Santos)
Minha Escola (Ascenso A Volta da Asa Branca O tratamento da diversidade textual nos
Ferreira) (Luiz Gonzaga) livros didáticos de português: como
fica a questão dos gêneros? (Clecio
Bunzem)
Trem de Alagoas (Ascenso Amor pra recomeçar Redação escolar: breves notas sobre
Ferreira) (Frejat) um gênero textual (Beth Marcuschi)
Crônica nº. 1 (Rachel de Anjos da guarda (Leci Análise linguística: refletindo sobre o
Queiroz) Brandão) que há de especial nos gêneros (Márcia
Mendonça)
As três lágrimas (Cego Asa Branca (Luiz Gêneros orais na escola (Marianne C.
Aderaldo) Gonzaga) B. Cavalcante e Cristina T. V.
Teixeira)
Felpo Filva (Eva Furnari) Saudade do meu sertão Conversas entre textos (Angela
(Antonio Francisco) Dionísio)
O Carteiro Chegou (Janet e Sementes do amanhã
Allan Ahlberg) (Gonzaguinha)
Evocação do Recife (Manuel Pelo avesso (Titãs)
Bandeira)
Poema do Menino Jesus Samba da Benção (Maria
(Fernando Pessoa) Bethânia)

Eu sei, mas não devia (Marina


Colasanti)
189

Quadro Sinótico – Formação - 2011

Livro / Texto Vídeo / Áudio Material / Texto de fundamentação

Grande ou pequeno? (Pedro Lições dos Golfinhos Uma proposta para o letramento (Magda Soares)
Bandeira)
Telha de Vidro (Rachel de O maestro A escolha do livro didático de língua portuguesa e
Queiroz) o uso desse material em sala de aula: implicações
para o ensino da escrita (Cicero Gabriel dos
Santos)
A Magia dos Sonhos (Elano Sete minutos O Livro Didático de Português (Ldp): A variação
Ribeiro) de gêneros textuais e a formação do Leitor
(Lovani Volmer e Flávia Brocchetto Ramos)

Tarde de Domingo (Éber Melhores do mundo O lúdico no ensino-aprendizagem da língua


Sander) portuguesa: sugestões de aulas criativas e
divertidas aplicadas a alguns conteúdos do ensino
fundamental - 5ª a 8ª série - Danielle Andrade de
Castro
Catarina e Josefina (Eva O papel da avaliação Sequência Didática Ensino Fundamental II
Furnari) na aprendizagem (Heloísa Cerri Ramos)
Aninha e suas pedras Entrevista (Celso Oficina: Generalidades da Arte Poética (Ana
(Cora Coralina) Vasconcelos) Nascimento)
Palco da vida (Fernando Avaliação da Oficina de Elaboração de Itens
Pessoa) aprendizagem
(Luckesi)
A arte de ser feliz Paciência (Lenine) A crônica em sala de aula: trabalhando com um
gênero
menormENORMEnormenor...
(Ma. Cristina C. Ribas, Milena S. M. Domás e
Ketiley S. Pessanha)
Propósito (Madalena Freire) Cotidiano (Chico Gênero discursivo: Crônicas (Adriellen Morel)
Buarque)
Estatuto do homem (Thiago Oração ao tempo O Cotidiano da escola como ambiente de
de Mello) (Caetano Veloso) “fabricação” de táticas (Andrea Tereza Brito
Ferreira)
A noite em que os hotéis Sinal Fechado Na prática, a gramática era outra (Antonio Gil
estavam cheios (Paulinho da Viola) Neto)
(Moacyr Jaime Scliar)
Amor Secreto (Ana My mistake (Pholhas) Assumindo a dimensão interacional da linguagem
Nascimento) – explorando a gramática e implicações
pedagógicas (Irandé Antunes)
Love me tender (Elvis Planejamento: para além do burocratismo
Presley) (Carmensita Matos Braga Passos)
Avaliação e processo educativo: os indicadores e
os caminhos para o ensino e para a aprendizagem
190

Quadro Sinótico – Formação - 2012

Livro / Texto Vídeo / Áudio Material / Texto de fundamentação

Recomeçar (Carlos Manifesto Só a Unidade de Leitura: “Água” (Ezequiel Teodoro da


Drummond de Andrade) leitura Salva Silva)
Mulheres (Pablo Neruda) Alice no país das A avaliação da aprendizagem como processo
maravilhas (trecho) construtivo de um novo fazer (Maria Elisabeth P.
Kraemer)
Cidadão (Zé Provérbios, Paródia e Paráfrase
Motivo (Cecília Meireles)
Ramalho)
Canção do exílio Velha infância Literatura do 6º ao 9º ano: ensine a teoria sem
(Gonçalves Dias) (Tribalistas) deixar de lado as práticas de leitura (Elisa
Meirelles)
Canção do exílio (Murilo Brincadeira de Entrevista com Regina Zilberman (Meire
Mendes) Criança (Molejo) Cavalcante)
No meio do caminho Prova Brasil: descritores de Língua Portuguesa
(Carlos Drummond de para o 9º ano
Andrade)
Provérbios Modernizados Oficina de produção de textos - OLP
(Millôr Fernandes)
Charges
Fotos antigas / memórias
Revolução da alma
(Aristóteles)

Você também pode gostar