2014 Tese Esmartins
2014 Tese Esmartins
2014 Tese Esmartins
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA
FORTALEZA
2014
1
FORTALEZA
2014
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Federal do Ceará
Biblioteca de Ciências Humanas
CDD 370.7108131
2
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________
Prof. Dr. Luis Távora Furtado Ribeiro (Orientador)
Universidade Federal do Ceará (UFC)
__________________________________________________
Profª. Drª. Ana Maria Iório Dias
Universidade Federal do Ceará (UFC)
__________________________________________________
Profª. Drª. Josefa Jackline Rabelo
Universidade Federal do Ceará (UFC)
__________________________________________________
Profª. Drª. Maria Socorro Lucena Lima
Universidade Estadual do Ceará (UECE)
__________________________________________________
Profª. Drª. Maria Marina Dias Cavalcante
Universidade Estadual do Ceará (UECE)
3
Ao George Martins.
Ao João Pedro.
Meu pai e meu filho!
Dois grandes fios que tecem a minha vida.
Com quem li. Com quem hoje leio.
Duas fontes de aprendizagens!
4
AGRADECIMENTOS
Esta tese foi tecida com o entrelaçar de vários fios. Entre linhas e entrelinhas, várias
pessoas ajudaram-me nessa tarefa de tecelão de palavras, nessa busca de enredar ideias, de
compreender os desafios entre o escrito e o vivido.
A Deus, o grande tecelão da vida, a luz que me guia em todos os momentos.
À Maria Cleide por ter aceitado o desafio de comigo construir uma família e com o
apoio do Alysson e da Ivina segurar todos os momentos dessa caminhada.
À minha mãe Zilmar, aos meus irmãos e às minhas irmãs, aos cunhados e às cunhadas,
aos sobrinhos e às sobrinhas, aos afilhados e às afilhadas por serem um porto seguro.
Ao professor Luis Távora Furtado Ribeiro por acreditar em meu potencial e favorecer
a minha autonomia de pesquisador.
À professora Maria Socorro Lucena Lima pelos laços de afeto construídos para além
da academia, com quem aprendi a voar até a altura dos meus sonhos.
Ao professor Luiz Botelho Albuquerque, verdadeiro gentleman da educação.
À professora Ana Maria Iório Dias pelo contagiante brilho no olho e os necessários
encaminhamentos na segunda qualificação.
À professora Maria Marina Dias Cavalcante pelo companheirismo no GEPEFE.
À Professora Josefa Jackline Rabelo pelas luzes na reta final desta caminhada.
Aos demais professores e servidores do Programa de Pós-Graduação em Educação da
UFC pelas orientações e apoio ao longo desses anos.
Aos amigos, verdadeiros irmãos escolhidos, por compreenderem todas as ausências
necessárias, por festejarem as minhas alegrias como se fossem suas.
À Bernardete, Elisângela, Goretti, Gracinha e Sineide, pelas leituras e contribuições a
esse texto.
Aos professores de Aracoiaba, em especial, aos de língua portuguesa dos anos finais
do ensino fundamental por aceitarem fazer parte de um grupo, de um coletivo de formação.
À Ana Maria, Cecília, Clarice, Cora, Eva e Rachel, escritoras da vida, que desbravam
o cotidiano das salas de aula em busca de desenvolver um trabalho de qualidade com a leitura.
Aos companheiros do GEPEFE pelo exercício contínuo da pesquisa partilhada.
À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(FUNCAP) pelo financiamento desta pesquisa.
Aos que de alguma maneira contribuíram para os entrelaces deste texto, muito
obrigado!
5
RESUMO
Esta tese buscou compreender a relação entre a formação contínua e as práticas de leitura a
partir do olhar dos professores dos anos finais do ensino fundamental, de Aracoiaba-CE.
Considerando que tais docentes participavam de um grupo de formação, interessou saber o
que eles faziam no impasse entre o escrito e o vivido, ou seja, entre a formação no grupo e as
práticas de leitura no cotidiano das escolas. O trabalho resulta do encontro e da
ressignificação de experiências pessoais e profissionais do autor aliadas ao seu processo de
formação contínua. Em virtude da complexidade do objeto de estudo, optou-se pela
abordagem da pesquisa qualitativa. A pesquisa-formação foi escolhida por favorecer a
possibilidade de transformação das práticas, considerando o professor da educação básica
como indispensável à investigação. Foram realizadas entrevistas com uma amostra de
professores, além de serem utilizadas fontes documentais. Foi utilizado o referencial da
epistemologia da prática, do professor reflexivo, da formação docente, a partir dos estudos de
Schön (2000, 1992), Nóvoa (1995), Imbernón (2009, 2010, 2011), Ribeiro (2010), Pimenta e
Lima (2009), Ghedin, Almeida e Leite (2008), Pimenta e Ghedin (2002), Pimenta (2006),
Lima (2012), Tardif (2013), Certeau (2012), Vázquez (2007), dentre outros. Com relação à
leitura e às práticas leitoras, foram utilizados os estudos de Manguel (1997), Chartier (1996,
2007, 2009), Freire (1988), Silva (2012, 2005, 1997), Antunes (2009, 2003), Lajolo (2008),
Bamberger (2002), dentre outros. O conjunto das análises revela que os sujeitos consideram o
grupo como espaço legítimo de aprendizagens, sinalizando a importância da formação como
projeto coletivo. Os professores ressaltam a importância da partilha de experiências com os
pares, a confiança que foi gerada no grupo e o desenvolvimento de um processo de reflexão e
investigação das práticas de leitura desenvolvidas nas escolas. A participação dos professores
no grupo de pesquisa-formação produziu novos conhecimentos que foram agregados à prática
docente. A oferta de formação contínua para professores da educação básica não deve ficar a
mercê da vontade política de um gestor que ocupa o poder por um tempo determinado. Ela
deve ser pensada e efetivada como uma ação contínua, que não sofra interrupção com a
mudança de quem está à frente das decisões da educação.
RESUMEN
En esta tesis se trató de comprender la relación entre la formación continua y las prácticas de
de lectura teniendo en cuenta los maestros de la educación básica, de Aracoiaba-CE.
Considerando que dichos maestros participaban de um grupo de formación, interesó saber lo
que hacían entre lo estudiado y lo vivido, es decir, entre la formación en el grupo y las
prácticas de lectura en el día a día de las escuelas. El trabajo es el resultado del encuentro y
del replanteamiento de las experiencias personales del autor aliadas a su proceso de formación
continua. Debido a la complejidad del objeto de estudio, se utilizó el enfoque de investigación
cualitativa. La investigación-formación fue elegida por favorecer la posibilidad de
transformación de las prácticas, teniendo en cuenta el profesor de la educación básica como
esencial para la investigación. Se aplicaron entrevistas con una muestra de maestros y se
utilizaron fuentes documentales. También se utilizó el marco de la epistemología de la
práctica, del profesor reflexivo, de la formación docente, con los estudios de de Schön (2000,
1992), Nóvoa (1995), Imbernón (2009, 2010, 2011), Ribeiro (2010), Pimenta e Lima (2009),
Ghedin, Almeida e Leite (2008), Pimenta e Ghedin (2002), Pimenta (2006), Lima (2012),
Tardif (2013), Certeau (2012), entre otros. Con respecto a la lectura y a las prácticas lectoras,
se utilizaron los estudios de Manguel (1997), Chartier (1996, 2007, 2009), Freire (1988),
Silva (2012, 2005, 1997), Antunes (2009, 2003), Lajolo (2008), Bamberger (2002), entre
otros. El conjunto de análisis reveló que los sujetos consideran al grupo como un espacio de
aprendizaje legítimo, que señala la importancia de la formación como un proyecto colectivo.
Los profesores hacen hincapié en la importancia de compartir experiencias con los
compañeros, la confianza que se ha generado en el grupo y el desarrollo de un proceso de
reflexión e investigación de las prácticas de lectura desarrolladas en las escuelas. La
participación de los docentes en el grupo de investigación-formación ha producido nuevos
conocimientos que fueron incorporados a la práctica de los docentes. La educación continua
para los maestros de educación básica no debe estar a merced de la voluntad política de un
gerente que ha estado en el poder durante un tiempo determinado. Debe ser diseñado y
llevado a cabo como una acción continua, que no sufre ninguna interrupción en el cambio de
lo que está por delante de las decisiones de la educación.
Palabras clave: Formación del profesorado. Prácticas de lectura. Educación básica. Grupo.
Investigación-formación.
8
ABSTRACT
This thesis aimed to understand the relationship between lifelong learning and reading
practices through the look of the teachers of the last years of elementary school, from
Aracoiaba-CE. Considering that such teachers attending a training group, interested to know
what they were doing in the impasse between the written and the lived between the written
and the lived, in other words, between the training group and reading practices in primary
education schools. This work results of the meeting and the redefinition of personal and
professional author’s experiences allied to his process of continuous formation. Because of
the complexity of the object of study, we opted for a qualitative research approach. The
research-training was chosen by favoring the possibility of transformation of practices,
considering the teacher of elementary school as essential to the investigation. Interviews were
conducted with a sample of teachers, besides documentary sources were used. It was used the
referential epistemology of practice, reflective teacher, teacher formation through the studies
of Schön (2000, 1992), Nóvoa 1995), Imbernon (2009, 2010, 2011), Ribeiro (2010), Pimenta
and Lima (2009), Ghedin, Almeida and Leite (2008), Pimenta and Ghedin (2002), Pimenta
(2006), Lima (2012), Tardif (2013), Certeau (2012), among others. About the reading and
readers practical, we used studies from Manguel (1997), Chartier (1996, 2007, 2009), Freire
(1988), Silva (2012, 2005, 2000, 1997), Antunes (2009, 2003) were used, Lajolo (2008),
Bamberger (2002), among others. The set of analyzes reveal that subjects consider the group
as a legitimate learning space, revealing the importance of training as a collective project.
Teachers emphasize the importance of sharing experiences with their pairs, the trust that has
been generated in the group and the development of a process of reflection and investigation
of reading practices developed at schools. The involvement of teachers in research-training
group produced new knowledge that was linked to teaching practice. The offer of continuous
training for teachers of basic education should not be at the mercy of the political will of a
manager who holds the power in a timely manner. It should be thought and carried out as one
continuous action, which does not suffer interruption with the change of who is ahead of
decisions of education.
Keywords: Teacher Training. Reading practices. Last years of elementary school. Group.
Research-training.
9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
SUMÁRIO
6.3 As práticas de leitura nos anos finais do ensino fundamental .............. 145
Tal qual “a vida é mutirão de todos”, esta tese é mutirão de muitos! Muitos
professores que assim como eu são cheios de indagações sobre sua vida – pessoal e
profissional – e por isso (re)inventam o seu cotidiano remexendo um baú de lembranças de
seus processos formativos em busca de novos temperos para velhos problemas que insistem
em se apresentar.
E é por “não saber por que” que busco respostas. Assim, vou fazendo e assumindo
escolhas, às vezes arriscadas, mas sempre conscientes e desejosas de uma transformação tal
qual a chuva que faz brotar do ressequido torrão uma porção de mato verde.
Esta tese se propôs a compreender a relação entre a formação contínua e as
práticas de leitura a partir do olhar dos professores dos anos finais do ensino fundamental de
Aracoiaba-CE. Considerando que tais professores participavam de um grupo de formação,
interessou saber o que um grupo de professores faz no impasse entre o escrito e o vivido, ou
seja, entre a formação no grupo e as práticas de leitura no cotidiano das escolas.
O meu interesse em investigar a temática formação docente e práticas pedagógicas
de leitura é o resultado do encontro e da ressignificação de experiências pessoais e
profissionais aliadas ao meu processo de formação contínua. Compreendendo a vida como
grande formadora, tenho consciência de que esses momentos não foram desenvolvidos
isoladamente, mas na relação com as outras pessoas. Na sequência, detalho os motivos do
interesse pela temática.
15
uma multidão de jovens que gritava bastante. Eu tinha dezenove anos e eles dezessete,
dezoito. O coordenador me apresentou, falou de uma experiência que eu sabia que ainda não
tinha e me deixou com a turma. Percebi que eles estavam vivenciando o mesmo que eu
vivenciara dois anos antes, então começamos a conversar sobre vestibular, cursos, ingresso na
faculdade. Fiz uma sondagem dos conteúdos já trabalhados pelo professor anterior e logo
soou o sinal do intervalo. E assim, comecei a me constituir como professor. Eu já participava
de uma pastoral da Igreja e lá era costume trabalhar com dinâmicas de apresentação, de
integração. Foi esta vivência que me salvou naquele dia. Logo, aprendi a importância do
planejamento.
Quando cursava Língua Espanhola no Instituto Municipal de Pesquisa,
Administração e Recursos Humanos (IMPARH) participei de uma seleção e atuei como
monitor, inclusive substituindo professores em sala de aula. Depois comecei a lecionar em
outra escola da rede privada e aos poucos fui me fazendo educador, aprendendo na prática
cotidiana, buscando em minha memória as práticas dos professores que eu considerava bons.
A questão da formação e do trabalho docente começava a fazer parte de minhas inquietações.
Eis que surgiu uma nova realidade: a docência na escola pública. Ao concluir o
curso de Letras, motivado por uma amiga natural de Aracoiaba, inscrevi-me em dois
concursos públicos, um para a rede municipal de ensino e outro para a rede estadual. Fui
aprovado nos dois e comecei a desbravar o sertão. Eu, que até então havia trabalhado na rede
privada de ensino, passei a exercer a docência na escola pública e enfrentar desafios que antes
não faziam parte do meu cotidiano, a exemplo, as precárias condições dos prédios escolares,
tanto na rede municipal, quanto na rede estadual, sobretudo, nos distritos. Lembro que na
escola da rede estadual aconteceu de faltar carteiras para os estudantes. Também havia baixa
autoestima de alguns estudantes que não visualizavam perspectiva de futuro, além de
professores transferidos de suas escolas em virtude de questões políticas, entre outras
questões. Um fato intrigante era algumas pessoas exercendo a docência sem o mínimo de
formação para a função. Essas questões, certamente, influenciavam nos processos de ensino e
aprendizagem. Deslocava-me da sede de Aracoiaba (escola estadual) ao distrito de Vazantes
(escola municipal e estadual), percorrendo uma distância de vinte e dois quilômetros. De
Vazantes percorria mais dois quilômetros rumo ao distrito de Ideal (escola estadual). E assim,
eu, “forasteiro”, como muitos na cidade me chamavam, passei a vivenciar o cotidiano
aracoiabense. No âmbito da escola estadual, tive dois projetos aprovados pela SEDUC e que
os alunos apresentaram na 57ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC), que foi realizada em julho de 2005 na UECE. Um deles intitulado: “Fazendo
17
arte dentro e fora da escola” e outro em parceria com uma colega professora de inglês,
intitulado “Casa de Cultura”. Assim, a prática pedagógica aliou-se à pesquisa. Foi possível
perceber o interesse dos estudantes ao longo do desenvolvimento dos projetos.
Continuei o meu percurso formativo com a especialização em “O Ensino de
Literatura Brasileira”, concluída com a apresentação da monografia “Poesia marginal: uma
experiência em sala de aula”, que foi desenvolvida a partir de um projeto vivenciado com
estudantes da terceira série do ensino médio, em Aracoiaba. A primeira parte do estudo
discute a postura do professor em sala de aula e o trabalho realizado com o texto literário no
ensino médio. A segunda parte traz o relato analítico das discussões e aprendizagens em cada
uma das dez oficinas que foram desenvolvidas com os estudantes. Essa experiência favoreceu
a compreensão do lugar da formação contínua para o professor, além de analisar a prática
pedagógica com projetos. Desta forma, iniciei as primeiras reflexões analíticas acerca da
formação e das experiências dos professores com a leitura.
Outro fator que contribuiu para o amadurecimento dessa temática foi minha
prática como docente do ensino superior no interior do estado, ministrando disciplinas que
trabalham diretamente com a leitura e dialogando com estudantes-professores em processo de
formação inicial. Os universitários, geralmente, eram professores da educação básica e
traziam para o universo acadêmico as experiências e os saberes utilizados cotidianamente em
sua prática pedagógica. Também atuei com a disciplina de estágio supervisionado e orientei
Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC). Posteriormente, fui convidado para ministrar
disciplinas em cursos de especialização e verifiquei a busca dos professores pela formação
contínua, muitas vezes atrelada ao desejo e à necessidade de aumentos salariais, bem como
outros que buscavam retomar a sua formação.
A docência no ensino superior foi a grande impulsionadora da busca de continuar
o meu processo formativo e ingressar num curso de mestrado. Assim, em 2007 fui aprovado
na seleção do Mestrado em Educação Brasileira, na UFC e passei a estudar as temáticas da
formação de professores e da leitura. Durante o referido curso desenvolvi uma pesquisa cujo
objetivo foi compreender o conjunto das experiências formativas de docentes da primeira
série do Ensino Médio da EEFM Almir Pinto - Aracoiaba/CE com a leitura e como eles a
ressignificam em seu trabalho pedagógico.
A pesquisa culminou com a dissertação intitulada “A Leitura e a sua
ressignificação no trabalho pedagógico: trajetórias e experiências formativas de docentes da
EEFM Almir Pinto - Aracoiaba/CE”. Tal investigação demonstra que a leitura favorece o
enriquecimento cultural dos sujeitos e, por isso, não pode ser vista como uma reprodução de
18
Tais dados revelam ainda que 53% dos brasileiros dos anos iniciais do ensino
fundamental apenas localizam informações explícitas em textos curtos, entretanto não
compreendem textos mais longos. O estudo afirma ainda que 8% do total desta população são
considerados analfabetos absolutos com relação à leitura/escrita, pois sequer conseguem
codificar simples palavras e frases. Dos brasileiros que estão nos anos finais do ensino
fundamental, somente 15% podem ser considerados plenamente alfabetizados. 26% são
considerados analfabetos funcionais. Já 35% dos que cursaram ou estão cursando o Ensino
Médio atingem o nível pleno de alfabetismo, enquanto que 57% ainda permanecem no nível
básico. Dos que chegam ao Ensino Superior, observa-se que 62% têm pleno domínio das
habilidades de leitura/escrita.
Estudos realizados na última década em onze países, incluindo o Brasil, visando à
compreensão do comportamento leitor e dos hábitos de leitura da população investigada,
mostram que, no México 73% das pessoas não leem livros, seguido do Peru com um
percentual de 65%. Brasil e Venezuela apresentam um percentual de 50% de não leitores de
livros. O menor percentual está no Chile, com 20% de não leitores e, portanto, uma maioria
de 80% de leitores. Entre os diversos motivos para não ler, o principal apontado nas pesquisas
é a falta de tempo. Essa foi a razão apresentada por 53% dos entrevistados no Brasil e 51% na
Espanha. O menor percentual para este motivo foi registrado no Chile, com um total de 28%
dos entrevistados. Outro motivo constatado foi o baixo interesse pela leitura, apresentado por
67% dos colombianos entrevistados, 51% dos portugueses e 30% dos brasileiros (MONAK;
HOYOS, 2012).
Especificamente, no caso brasileiro, a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 2011
demonstra que 64% dos entrevistados acreditam que a leitura favorece uma vida melhor. Do
total de 47% de entrevistados que citaram a opção de leitura de livros indicados pela escola,
30% são de livros didáticos e 17% de livros de literatura. A formação leitora dos docentes é
apontada como uma das possibilidades para o avanço da formação leitora dos estudantes, pois
os dados da investigação revelam que o professor é quem mais influencia no gosto leitor dos
estudantes (FAILLA, 2012).
As dificuldades dos estudantes com a leitura são constantemente aferidas pelos
programas de avaliação, tais como: Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA);
Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB); Sistema Permanente de Avaliação da
Educação Básica do Ceará (SPAECE), que revelam o embaraço dos estudantes na leitura, na
compreensão e na produção de textos.
O Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) é aplicado a cada três
21
anos, com estudantes de 65 países. O Pisa avalia as habilidades dos estudantes em Leitura,
Matemática e Ciências. O objetivo do exame é avaliar a competência dos estudantes de quinze
anos de entender textos, ou seja, interpretando e refletindo sobre eles. No exame de 2012, o
Brasil ficou em 55º colocado em Leitura entre os 65 países participantes (INEP, 2012).
Os testes do SAEB são de Língua Portuguesa, com foco em leitura e de
Matemática, como foco na resolução de problemas. Tais avaliações objetivam, de uma
maneira geral, avaliar a qualidade do ensino que é oferecido aos estudantes brasileiros. O teste
de Língua Portuguesa, especificamente, objetiva verificar se o estudante é capaz de apreender
o texto como construção de conhecimento, nas diversas situações de comunicação, em
diferentes níveis de compreensão, análise e interpretação.
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) indica a qualidade da
educação brasileira e varia de 0 a 10. Seu cálculo combina o desempenho dos estudantes nas
avaliações do SAEB ou Prova Brasil com as taxas de aprovação escolar. A média nacional do
IDEB 2011, da rede pública, para os anos iniciais do ensino fundamental foi de 4,7. O Ceará
também atingiu o percentual de 4,7 e o município de Aracoiaba 3,9. Para os anos finais do
ensino fundamental a média nacional foi de 3,9. O Ceará também atingiu o percentual de 3,9 e
o município de Aracoiaba 3,2 para os anos finais do ensino fundamental.
O estado do Ceará implementou no ano de 1992, o Sistema Permanente de
Avaliação da Educação Básica do Ceará (SPAECE). Com relação ao resultado de língua
portuguesa, no SPAECE 2012, os estudantes de Aracoiaba, do segundo ano do ensino
fundamental perfizeram uma média de 135,9, considerada suficiente, mas a desejável é acima
de 150. Já os estudantes do quinto ano perfizeram uma média de 188,3, considerada nível
intermediário, embora a média adequada seja acima de 225. Com relação aos estudantes do
nono ano, a média foi 221,3, considerada crítica. O nível adequado é acima de 300.
O resultado acima evidencia a dificuldade que grande parte dos estudantes
cearenses tem de apreender a ideia básica de um texto, por exemplo. Os estudantes têm
dificuldade de localizar informações explícitas no texto ou identificar a finalidade daquele
texto, realizar interpretações simples, dentre outras. Após a publicação dos resultados destas
pesquisas, dentre outras, a atenção se volta para a contribuição do trabalho pedagógico
realizado pelo professor, em especial, considerando sua formação, apontada como uma das
principais causas do fraco desempenho dos estudantes, sem levar em consideração outros
fatores intervenientes – internos e externos – para além do espaço da sala de aula e
camuflando a crise educacional que está posta.
22
diversas fontes documentais, como: relatórios de pesquisa, livros de ata e frequência, índices e
tabelas estatísticas, regimentos, cartazes, projetos político-pedagógicos, planos de aula, dentre
outros. Também analisei documentos referentes à legislação, programas de formação docente
e dados estatísticos dos sistemas de avaliação permanente, dentre outros.
Fiz leituras várias relacionadas à temática desta pesquisa, que foram aprofundadas
com o objetivo de melhor entender o objeto de estudo ora proposto. Após a coleta e
sistematização dos dados, procedi à fase de análise. Para tanto, na análise das entrevistas
considerei duas grandes categorias: o grupo como espaço de formação contínua e as práticas
de leitura nos anos finais do ensino fundamental.
Buscando desvelar os conhecimentos que os professores utilizam no cotidiano
escolar, recorri ao referencial da epistemologia da prática, do professor reflexivo, da formação
docente, a partir dos estudos de Schön (2000, 1992), Nóvoa (1995), Imbernón (2009, 2010,
2011), Ribeiro (2010), Pimenta (2006), Lima (2012), Pimenta e Lima (2009), Ghedin;
Almeida; Leite (2008), Veiga (2012), Tardif (2013), Certeau (2012), Gatti; Barreto; André
(2011), Candau (2011), dentre outros.
Tais autores discutem os desafios que se apresentam nos dias atuais para a
constituição do ser professor. Para tanto, perpassam desde as questões da docência e do
estágio no ensino superior, da didática, do professor reflexivo até chegar aos diversos saberes
mobilizados nas realidades das salas de aula da educação básica, especialmente as da escola
pública.
Com relação à leitura e ao trabalho desenvolvido em sala de aula, utilizo os
estudos de Manguel (1997), Chartier (1996, 2007, 2009), Freire (1988), Silva (2012, 2005,
1997), Antunes (2009, 2003), Lajolo (2008), Machado (2012), Bamberger (2002), dentre
outros.
Tais estudos discutem questões ligadas às condições de produção e promoção da
leitura nos dias atuais, ao fracasso escolar com relação à língua materna, às práticas de leitura
na sala de aula, bem como à leitura de mundo.
Em se tratando das questões da pesquisa em educação, autores como Ghedin e
Franco (2008), Thiollent (2011), Dionne (2007), Barbier (2007), Bogdan; Biklen (1994),
Lüdke; André (1986), dentre outros, afirmam que, o cenário das pesquisas em educação tem
revelado uma cisão entre o que se pesquisa e o que se desenvolve na prática pedagógica nas
escolas.
Assim, tem sido criada uma cultura de distanciamento entre escola e
pesquisadores. Isso corrobora a necessidade da construção de um olhar de pesquisador que
26
leia o mundo em suas mais diversas representações, que busque aproximar a pesquisa das
salas de aulas, dos estudantes e dos professores.
Nos últimos anos, algumas teses defendidas, têm discutido a importância da
formação contínua de professores como possibilidade para melhorar a prática pedagógica na
educação básica, tais como: Virginio (2009), Silva (2007), Macêdo (2006). Alguns estudos
analisam as práticas de alfabetização e de letramento, ou seja, as práticas com a leitura nos
anos iniciais do ensino fundamental, tais como: Albuquerque (2009), Souto (2009), dentre
outros.
Por outro lado, questões relacionadas à formação de professores e à prática
pedagógica com a leitura nos anos finais do ensino fundamental, ainda necessitam de estudos
sistemáticos. É oportuno salientar que novas investigações podem evidenciar a constituição
do percurso formativo de docentes, bem como a articulação e o desenvolvimento das práticas
leitoras na dinâmica da sala de aula dos anos finais do ensino fundamental.
Busquei no Banco de Teses da Capes as seguintes palavras-chave: formação
docente, práticas de leitura, anos finais do ensino fundamental. Examinando os resumos das
onze pesquisas de doutorado apresentadas para o recorte proposto, verifiquei que cinco tratam
de pesquisas voltadas para os anos iniciais do ensino fundamental, uma não trata da leitura,
duas não tratam da formação docente, uma trata da psicologia social brasileira e apenas uma
aproxima-se de nossa temática. Esbrana (2012) defendeu a tese intitulada “A constituição do
sujeito professor e sua aprendizagem em situação de formação continuada”, com foco na
aprendizagem do sujeito professor.
Há, portanto, sinais de carência de pesquisas que investiguem a formação do
docente a partir das práticas dos professores dos anos finais do ensino fundamental. O exposto
mostra que a relevância científica dessa investigação está na originalidade da temática
proposta, que poderá constituir-se como referência para outros pesquisadores, bem como
demarcar as vozes que ecoam da escola pública clamando por uma real formação que
considere o chão da sala de aula como espaço de formação contínua, de ressignificação das
práticas em um processo contínuo de construção do conhecimento. A originalidade desta tese,
portanto, está no estudo do grupo como espaço de formação contínua – tendo a práxis como
elemento de ressignificação das práticas – em um processo contínuo de conhecimento.
Esse espaço de investigação constitui-se em um campo bastante fértil, haja vista a
grande preocupação que se delineia não apenas no cenário nacional, bem como internacional,
com relação à proficiência de leitura dos estudantes. Tal fato é impossível de dissociar-se da
formação contínua e da prática pedagógica dos professores.
27
Acredito que, dentre outros fatores, não há ensino de qualidade sem professor
qualificado para a complexa tarefa de educar. Um estudo científico desenvolvido com a
parceria entre pesquisador e um grupo de professores em formação deixará contribuições não
apenas para compreender os desafios do desenvolvimento da prática leitora no município de
Aracoiaba, mas no estado e quiçá, no país.
Esta tese foi tecida em cinco capítulos, precedidos pelo “Tecendo os primeiros
fios” que traz as notas introdutórias do trabalho. Na sequência trago os títulos dos capítulos e
uma breve síntese, conforme segue.
O capítulo “Os movimentos do tear” envereda pelas trilhas percorridas ao longo
do desenvolvimento desta pesquisa-formação, desde a gênese do objeto, passando pelos
encontros de formação com o grupo de professores e se encontrando com os vários
instrumentos para a coleta de dados. Aqui, trago os fundamentos metodológicos que
subsidiam a pesquisa em tela, compreendendo os aspectos contextuais e dialogando com as
teorias e os procedimentos que justificam a metodologia utilizada.
O capítulo “Compondo o tecido do processo formativo” tece sobre os estudos e
as pesquisas que serviram de base para a fundamentação teórica do objeto de estudo da
presente investigação. Trata, portanto, dos fios que compõem o contínuo processo formativo
de professores no desenvolvimento das práticas de leitura nos anos finais do ensino
fundamental, em escolas da rede pública municipal de ensino. Aqui, a formação docente é
entrelaçada ao contexto das reformas educacionais brasileiras, sobretudo na última década do
século XX.
O capítulo “Entremeando leitura e ensino fundamental” trata da leitura, que é
composta por muitos fios e entremeia-se às práticas de leitura, considerando o professor da
educação básica e o trabalho desenvolvido nas escolas do ensino fundamental.
O capítulo “Os fios da memória” traz um panorama do Programa de Incentivo ao
Desenvolvimento da Educação de Aracoiaba. Aqui são apresentadas expressões que revelam
as lembranças dos processos formativos desenvolvidos no percurso da pesquisa. São relatadas
as memórias de seis semestres de formação com o grupo de professores de língua portuguesa
de Aracoiaba.
Por fim, o capítulo “Entrelaçando formação e prática pedagógica” ecoa as
vozes do professor que no chão da sala de aula se faz humano e busca através da leitura
libertar os seus estudantes. Aqui, desvelo o que é feito no impasse entre o escrito e o vivido,
entre a formação no grupo e o cotidiano das escolas da rede pública de ensino.
28
2 OS MOVIMENTOS DO TEAR
1
Verso do Hino de Aracoiaba. Letra de Salomão Alves de Moura Brasil.
2
A respeito de Aracoiaba e da região do Maciço de Baturité, consultar: MARTINS, E. S. Leitura e trabalho
pedagógico: trajetórias e experiências de professores. Fortaleza: SEDUC, 2011.
3
Trecho da música Pau de Arara, composta por Luiz Gonzaga e Guido de Moraes.
31
distritos e das pequenas localidades para deslocarem-se à sede. Assim, vão pessoas, compras
diversas e até animais.
O mês era agosto e o verde das plantações já não existia. Era o típico cenário da
seca cearense. O pau-de-arara seguia chocalhando pela estrada carroçável. Quando o
transporte parou ao lado da Capela de São João Evangelista, no distrito de Vazantes, um
jovem levou-me até a casa da pessoa responsável pela gestão da escola, apesar de não ser
nomeada para tal função. Ela me acolheu muito bem e empenhou-se para que eu
permanecesse na escola.
Entre idas e vindas trabalhei por um ano no distrito de Vazantes. Um lugar pacato,
terra de pessoas simples, que têm muito orgulho do seu lugar, que também é conhecido por ter
bons educadores e pela valorização da cultura local. Quando assumi o concurso da rede
estadual também exerci a docência no distrito de Ideal, a dois quilômetros de Vazantes e a
vinte e quatro quilômetros da sede. Posteriormente, trabalhei no distrito de Lagoa de São João
e depois apenas na sede do município.
Conheci na prática a realidade da educação aracoiabense, enfrentando os mais
variados desafios, tais como: os de infraestrutura escolar e de seu entorno, baixa autoestima
dos estudantes por não visualizarem perspectiva de futuro, professores atuando em áreas
divergentes da sua formação inicial, deslocamentos de profissionais da educação em virtude
de questões políticas, dentre outros.
Dados do Censo de 2010 revelam que o município de Aracoiaba contava neste
período com uma população de 25.391 habitantes. O Índice de Desenvolvimento Humano
Municipal (IDHM) é calculado considerando a média dos seguintes dados: renda per capita,
educação e expectativa de vida ao nascer. Em 2010, o IDHM de Aracoiaba foi de 0,615,
considerado mediano.
Seguindo a expansão da educação pública no Brasil nas últimas décadas, observa-
se um expressivo crescimento no quantitativo de crianças e jovens matriculados em escolas da
educação básica no município de Aracoiaba. O IDHM Educação é composto pela proporção
de crianças e jovens em idade escolar no município que tenham cursado ou que estejam
frequentando a educação básica.
O percentual de jovens com dezoito anos ou mais que concluíram o ensino
fundamental é de apenas 36,79%. Considerando os jovens de quinze a dezessete com ensino
fundamental completo o índice é 59,70%. O percentual de jovens de 11 a 13 anos
matriculados nos anos finais do ensino fundamental ou com o ensino fundamental concluído é
de 82,28%. Os números evidenciam que ainda há muitas crianças e jovens sem acesso à
32
educação formal. No ano de 2010, um total de 58,69% dos estudantes com faixa etária entre
seis e catorze anos estavam cursando o ensino fundamental regular em turmas adequadas para
a sua idade. O percentual de jovens com um ano ou mais de atraso no ensino fundamental é de
aproximadamente 32%. É preciso lembrar que 3,52% não frequentavam a escola. O
percentual de crianças extremamente pobres chega a 34,10% (ATLAS, 2013).
O isolamento geográfico ou em virtude das condições precárias de trabalho ou
ainda por apresentar uma baixa educação escolarizada coloca as pessoas à margem das
relações sociais, deixando-as, portanto, em situação de vulnerabilidade social (KAZTMAN,
2001).
O IDEB 2011 de Aracoiaba nos anos iniciais do ensino fundamental foi de 3,9. Já
para os anos finais do ensino fundamental, o referido índice foi de 3,2. Em 2005, os índices
eram, respectivamente, 2,7 e 2,6. O crescimento mais acentuado se deu nos anos iniciais, o
que possivelmente acontece em virtude de um acentuado número de políticas públicas
voltadas para esta etapa. Os índices estão longe do esperado para 2022, que é 6,0, a média
considerada nos países desenvolvidos.
No ano de 2009 juntamente com mais dois colegas montamos a equipe de
formadores de língua portuguesa da rede municipal de ensino, no âmbito do Programa de
Incentivo ao Desenvolvimento da Educação de Aracoiaba. Inicialmente, atuei com
professores de língua portuguesa do terceiro ao nono ano. A partir do segundo semestre de
2009 fiquei responsável pelo grupo de professores de língua portuguesa dos anos finais do
ensino fundamental.
Por vivenciar a realidade da educação aracoiabense e manter contato com vários
docentes não tive nenhum problema de aceitação por parte do grupo de professores. Sempre
houve uma relação de cordialidade e respeito dos dois lados. Desde o primeiro momento,
busquei ouvi-los com atenção e sempre os motivei a falar sobre as suas experiências, as suas
dúvidas, os seus anseios.
A minha formação inicial e contínua, a experiência com a docência na educação
básica e no ensino superior e a participação no Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a
Formação do Educador (GEPEFE – UECE) me deram subsídios teórico-metodológicos para
valorizar o que os professores já faziam em seu cotidiano, buscando refletir coletivamente tais
práticas e de forma colaborativa criar situações novas. Nesse exercício dialético, o dia do
encontro com o grupo de professores de língua portuguesa dos anos finais do ensino
fundamental virava pesquisa e a pesquisa conduzia os docentes para novas aprendizagens, no
desenvolvimento de um processo de pesquisa-formação.
33
como eles próprios estruturam o mundo social em que vivem” (BOGDAN & BIKLEN, 1994,
p. 51).
A pesquisa qualitativa, portanto, trabalha com o complexo, valorizando “a
subjetividade dos pesquisadores e dos sujeitos; combina várias técnicas de coleta e de análise
de dados, está aberta ao mundo da experiência, a cultura e ao vivido; valoriza a exploração
indutiva e elabora um conhecimento holístico da realidade” (ANADÓN, 2005, p. 20).
A pesquisa qualitativa preocupa-se com os problemas sociais e por isso ultrapassa
a análise estatística e visa a uma mudança social. É preciso atentar para a legitimidade da
pesquisa, substituindo os critérios de validade científica por critérios de rigor metodológico.
Para tanto, é fundamental um vasto tempo sobre o local pesquisado, com descrição detalhada
do contexto e dos próprios sujeitos. Com isso, há possibilidade para uma detalhada
interpretação da investigação. A pesquisa qualitativa é “um campo interdisciplinar que
preconiza uma abordagem multimetodológica, uma perspectiva naturalista e uma
compreensão interpretativa da natureza humana” (ANADÓN, 2005, p. 11).
Esta investigação foi desenvolvida em conjunto com o grupo de docentes. Sendo
assim, a referida pesquisa tem a prática como ponto de partida e de chegada (PIMENTA,
2006). A participação ativa dos sujeitos na pesquisa é algo fundamental, por isso o foco se dá
nas relações estabelecidas, valorizando o “seu ponto de vista, a sua inclusão no processo de
investigação, bem como a preocupação de que a pesquisa tenha repercussões positivas para o
meio, estimulando os participantes a prosseguir o processo iniciado pela pesquisa”
(ANADÓN, 2005, p. 8).
O movimento da pesquisa foi desenvolvido junto com o processo formativo dos
sujeitos. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento do processo formativo daqueles embasa a
pesquisa. Com isso, a voz do sujeito foi sempre considerada uma tessitura da própria
investigação. É válido destacar que o contato constante com o grupo de professores desvela
outras questões para além do que foi dito.
A pesquisa foi tomada como essencial à formação do professor e a formação
como um processo contínuo, uma “prática reflexiva dinamizada pela práxis, como um
movimento metodológico e como uma política de desenvolvimento profissional de
professores” (PIMENTA; LIMA, 2009, p. 131). A reflexão coletiva das práticas cotidianas
gera um novo conhecimento e encaminha novas práticas, novas posturas, com vistas à
transformação de uma determinada realidade, caracterizando a pesquisa-formação com o
grupo.
35
Nesse contexto de mudanças, o Estado busca reduzir suas obrigações com a sociedade,
encarregando-as a outros setores. Esse contexto de mudanças compõe “o pano de fundo a
partir do qual dá-se uma nova atualidade às propostas de metodologias participativa e de
pesquisa-ação que se concretizam em projetos de ensino, formação permanente, extensão,
pesquisa, planejamento [...]” (THIOLLENT, 2011, p. 116).
Nos últimos anos, a pesquisa-ação ampliou-se no contexto universitário,
permeando o tripé: ensino, pesquisa e extensão em várias áreas do conhecimento, envolvendo
professores pesquisadores e discentes na compreensão de problemas diversos e na construção
de conhecimentos novos. Assim, “encontram-se dissertações de mestrado, teses de doutorado,
publicações de alto nível, em várias áreas de conhecimento científico e tecnológico, que
adotam princípios de pesquisa-ação, às vezes de modo parcial” (THIOLLENT, 2011, p. 121).
Se a pesquisa por si é a mobilização de recursos vários com vistas a garantir a
resolução de problemas, a pesquisa-formação desenvolve-se a partir de um processo contínuo
de reelaboração de acordo com as necessidades dos sujeitos envolvidos, o que também
caracteriza o seu viés pedagógico, ético e político. O caráter formativo acontece porque os
pressupostos da pesquisa-formação favorecem a tomada de consciência das transformações
em si próprio e das delineadas com o coletivo de professores ao longo do processo. Desta
feita, o caráter individual de pesquisa é transposto, assumindo um aspecto coletivo.
A interação entre os docentes no grupo favorece a partilha e a integração das
atividades de ensino que são desenvolvidas na prática, as aprendizagens que se adquirem
fazendo – a própria epistemologia da prática. A importância da reflexão-na-ação está na
possibilidade de desenvolver os ajustes necessários à própria prática, desenvolvendo novas
formas de ação (SCHÖN, 2000).
A pesquisa-formação favorece o desenvolvimento profissional dos participantes e
mudança em suas práticas, valoriza a participação ativa, investigando problemas e buscando
respostas para eles. Logo, “compreende pesquisa acadêmica e prática pedagógica como
unidade; é desenvolvida por todos os seus membros mediante discussões e interações
diversas; parte das necessidades dos sujeitos envolvidos, dando sentido ao processo que estão
vivenciando” (LONGAREZI; SILVA, 2013, p. 223).
Tal processo busca, através da partilha e reflexão de vivências entre os pares,
compreender as práticas pedagógicas desenvolvidas, analisá-las e reelaborá-las com vistas a
garantir uma qualitativa mudança no ensino e na aprendizagem desenvolvidos nas escolas,
além de favorecer o fortalecimento do processo formativo dos membros do grupo.
38
Os professores lidam com vários desafios no cotidiano das escolas, porém o que
mais incomoda é a divulgação de índices de aprendizagem, sejam internacionais, nacionais,
estaduais ou locais, que comprovam que os estudantes não apreendem satisfatoriamente os
conteúdos trabalhados. Diante de tais resultados, geralmente, os olhares externos e internos à
escola se voltam para o professor e o desenvolvimento de seu trabalho, sem levar em conta
outros fatores intervenientes para além do espaço da sala de aula e camuflando a crise
educacional.
Buscando apoiar o docente, com uma política de valorização, o que incluiu
aumento salarial, criação e incorporação da gratificação de efetiva regência de classe e a
instituição de formação contínua, no início do ano de 2009, a Secretaria de Educação de
Aracoiaba a partir de reuniões com professores e núcleos gestores, criou e implantou o
Programa de Incentivo ao Desenvolvimento da Educação de Aracoiaba (PROIDEA), com o
objetivo de melhorar a qualidade do ensino ofertado à população do município.
Os próprios docentes de Aracoiaba apontaram lacunas em seu processo formativo
e no exercício da docência, pois muitos fizeram cursos de formação inicial que habilitavam
para o exercício da docência nos anos iniciais do ensino fundamental e atuavam nos anos
finais com disciplinas específicas como língua portuguesa e matemática, foco das avaliações
externas.
Embora as avaliações de larga escala mostrassem que nesta lógica a educação
aracoiabense tivesse avançando, os resultados apresentados ainda demonstravam que os
índices alcançados estavam distantes da média nacional. Segundo dados do Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), no ano de 2007, a média brasileira era 4,2 ao
passo que Aracoiaba apresentava um índice de 3,2. Isso evidenciava que ainda faltava um
longo e pedregoso caminho a ser percorrido para que se alcançasse a média nacional e, quiçá,
o valor desejável, 6,0, índice alcançado pelos países desenvolvidos.
Pautados nas políticas públicas de melhoria da qualidade da educação e
fundamentados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN nº 9394/96), na
qual está prevista a formação do professor em pleno exercício do magistério, a Secretária de
Educação de Aracoiaba, juntamente com a equipe pedagógica e uma equipe professores
formadores – do quadro efetivo da rede municipal – elaboraram e puseram o PROIDEA em
prática a partir de janeiro de 2009.
39
4
Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará
5
Sistema de Avaliação da Educação Básica
41
6
Responsável pela substituição do professor que participava da formação. Neste dia o “mais um” não trabalhava
com conteúdos de língua portuguesa ou matemática.
42
espaços da SME não comportavam todas as turmas, os encontros foram transferidos para uma
escola da rede municipal, localizada no centro de Aracoiaba.
O segundo semestre de 2009 é considerado para esta investigação como o marco
da constituição do grupo de professores de língua portuguesa dos anos finais do ensino
fundamental na pesquisa-formação. Se em cada distrito havia um grupo de professores de
língua portuguesa, a mudança proporcionou uma unificação, um grupo de professores do
município, favorecendo o diálogo das diversas realidades, desde a sede do município aos
distritos, com suas várias localidades.
Um grupo é um conjunto de pessoas com interesses comuns que se reúnem para o
desenvolvimento de uma tarefa específica. Ultrapassa as questões individuais e favorece o
exercício da fala, do diálogo, da defesa de pontos de vista. É um processo de construção
identitária – individual e coletiva – no qual cada sujeito incorpora um pouco do outro
(FREIRE, 1994).
Os professores de língua portuguesa dos anos finais do ensino fundamental se
perceberam como um grupo quando iniciaram um processo coletivo de reflexão sobre suas
histórias de vida e de formação e analisaram os vários pontos de encontro entre eles. Em meio
às dificuldades encontradas no cotidiano escolar e diante das pressões – internas e externas –
para a elevação dos índices de aprendizagem dos discentes, o grupo surgiu como um espaço
para a discussão de questões comuns aos docentes e a busca de superação dos desafios.
O grupo é o encontro amistoso de professores que partilham suas práticas,
trocando experiências no coletivo. É um espaço de diálogo, trabalhando o exercício do ouvir e
do falar, do contribuir para a formação de si e a do outro. Assim, é um movimento contínuo
de idas e vindas do eu (individual) ao nós (coletivo), com vistas à transformação de uma
realidade comum aos sujeitos.
Com a experiência da formação desenvolvida ao longo do primeiro semestre do
ano de 2009 e após os professores formadores terem participado de capacitações em Fortaleza
com uma equipe da Universidade de Brasília, a formação de língua portuguesa ganhou uma
nova sistemática, evidenciada pelo caráter teórico-prático, visando à autonomia docente em
sala de aula.
O município de Aracoiaba fez a adesão ao Programa Gestão da Aprendizagem
Escolar (GESTAR II) e os professores de língua portuguesa e matemática do ensino
fundamental foram contemplados com uma formação com carga horária de 300 horas, sendo
parte presencial e parte a distância. Tal programa foi inserido nas ações do PROIDEA.
43
horária de 200 h/a e nem sempre ficavam com toda a sua lotação com língua portuguesa nos
anos finais do ensino fundamental.
Neste movimento contínuo, ao longo de três anos, os professores foram se
fortalecendo, apoiando-se no outro e apoiando o outro. Os vínculos foram se fortalecendo e
ultrapassando o espaço da formação. Os sujeitos membros do grupo compreenderam que os
cursos finalizam, mas as aprendizagens permanecem e/ou se renovam, pois assim como a
vida, a formação é contínua.
a) Fase exploratória
b) Observação participante
c) O diário de bordo
Os professores também faziam suas anotações. A cada encontro era solicitado que
um participante fizesse os registros da formação no diário de bordo. Ao final do encontro o
texto estava pronto. No início, alguns ficaram receosos, pois achavam que não dava para
participar da formação, registrar os acontecimentos e desenvolver uma reflexão. Aos poucos
foram habituando-se a esta prática. O encontro seguinte sempre era iniciado com a leitura do
relatório reflexivo do encontro anterior. Alguns professores utilizavam-se da criatividade e
elaboravam os seus registros com certo tom poético, por exemplo, conforme o trecho abaixo:
d) Entrevista
seus pontos de vista. Com efeito, as pesquisas que utilizam entrevistas são processos sociais
que tem as palavras como principal meio de troca de ideias e de significados, de interação
(BOGDAN; BIKLEN, 1994).
Um ano após a interrupção do processo de formação contínua do grupo de
professores de língua portuguesa, realizei entrevistas individuais aplicadas de modo
aprofundado com seis professoras participantes do grupo de formação, sendo três professoras
da sede de Aracoiaba e três da zona rural. Assim, utilizei uma amostra intencional, por tratar-
se de “um pequeno número de pessoas que são escolhidas intencionalmente em função da
relevância que elas apresentam em relação a um determinado assunto” (THIOLLENT, 2011,
p. 71). O quadro abaixo traz as professoras entrevistadas, as escolas onde atuam e a
localização destas:
e) Análise documental
7
Primeiro conjunto de fios colocados no sentido do comprimento do tear.
8
Segundo conjunto de fios que passam no sentido transversal do tear.
9
O encontro da urdidura com a trama compõe o tecido no tear.
54
Assim como “um galo sozinho não tece uma manhã”, um professor sozinho não
desenvolve o seu processo de formação. É preciso um trabalho coletivo em que várias vozes
ecoem, sejam escutadas e refletidas para que fio a fio seja tecido o processo de formação
docente.
A educação é tema recorrente nos diversos espaços sociais, não necessariamente
nas escolas ou na Universidade, pois não acontece apenas nos locais formais, faz parte do
cotidiano. É um direito de todos os seres humanos e também a condição para o acesso aos
demais direitos.
A educação ultrapassa o trabalho desenvolvido nas escolas, pois também se
aprende na convivência com as pessoas mais experientes, com os familiares, com os exemplos
da vizinhança. Esse processo se chama educação informal. Também há a educação não-
formal, que são as atividades educacionais intencionais e, portanto, planejadas, mas que
acontecem fora das escolas e não promovem seriação. Já a educação formal trabalha com
objetivos claros, segue uma sequência hierárquica de progressão gradativa – educação básica
e ensino superior. Geralmente, acontece nas escolas e universidades. Portanto, educa-se de
várias formas e com diferentes objetivos.
A década de 1990 é caracterizada mundialmente pelo movimento de valorização
da formação e da profissionalização de professor. As profundas mudanças ocorridas na
economia mundial repercutem diretamente nas políticas educacionais brasileiras. Diante disso
55
surgiram e continuam surgindo novas exigências, o que implica um novo fazer nas escolas e,
consequentemente, novas habilidades por parte do professor.
A super exploração do trabalho docente a partir do capitalismo global faz com que
o docente vivencia um processo de reestruturação produtiva, sendo responsabilizado por
inúmeras funções, além da de ensinar. É preciso dar conta do manuseio de equipamentos
tecnológicos, participar de conselhos, gerir recursos, dentre outras tarefas que lhe são
impostas.
Neste contexto, o professor assume uma identidade de múltiplas funções, o que
demanda uma complexa formação, considerando a inicial e a contínua, estabelecendo conexos
com o cotidiano do professor na escola, na interação reflexiva com os seus colegas como
significativo momento de formação.
Esse período de mudanças também influencia o trabalho pedagógico do professor.
Suas ações interligam teoria e prática e o domínio de saberes plurais, que favorecem uma ação
autônoma e consciente de que os diversos saberes sociais estão vinculados a dimensões para
além da racionalidade científica (RIBEIRO, 2010).
Diante deste cenário de rápidas transformações são exigidos dos profissionais da
educação novos conhecimentos e habilidades de alto nível, ou seja, mais e melhor
escolaridade. Com isso, o investimento na formação docente surge como uma das
possibilidades para as reformas dos sistemas educacionais. Para tanto, “é necessário um
reconhecimento público, explícito e consequente da importância dos professores e professoras
na promoção de uma educação e de uma escola a serviço da construção de uma sociedade
autenticamente democrática” (CANDAU, 2011, p. 9).
Não basta reconhecer a importância da figura do professor como potencializador
de uma sociedade verdadeiramente democrática. Antes, porém, é preciso valorizá-lo com uma
política salarial digna, com condições materiais e de infraestrutura adequadas ao exercício de
sua prática pedagógica. Não é possível dissociar a formação docente das políticas públicas
voltadas para a educação.
A formação dos profissionais da educação foi sempre permeada por uma situação
paradoxal: a defesa exacerbada do quão fundamental ela é e o parco reconhecimento social e
acadêmico que lhe foi atribuída (IMBERNÓN, 2011).
As mudanças na área da educação ainda acontecem de forma muito lenta. Isso se
dá, talvez, pelo fato de em pleno século XXI ainda existir um discurso fervoroso sobre a
importância da educação, mas na prática esta ainda não é uma prioridade. Sem um
56
Nesse sentido, é importante que o professor atue como mediador da sua formação
a partir das trocas de experiências com os pares, refletindo suas práticas e com o apoio do
coletivo de professores (re)construindo permanentemente a sua própria identidade docente.
Isso não isenta o poder público de garantir as condições para que o processo formativo se
desenvolva.
Na década de 1990 a formação de professores era vista como um processo de
assimilação de estratégias e desenvolvimento de habilidades e conhecimentos com o objetivo
de mudar as salas de aulas. Nos anos 2000, a tônica voltou-se para a criação de espaços para
construção da aprendizagem a partir de uma prática reflexiva. Atualmente, aponta-se para
mudar a realidade educativa e social com o empenho dos diversos agentes sociais em uma
verdadeira construção coletiva (IMBERNÓN, 2010).
André (2009) faz um estudo comparativo com relação à produção de dissertações
e teses na área de educação nos períodos compreendidos entre 1990 a 1998 e entre os anos de
1999 a 2003. A investigação evidencia que as pesquisas sobre a formação de professores
cresceram consideravelmente no início deste século. Os dados revelam que nos anos 1990, do
total de dissertações e teses da área de educação, apenas 6% tratavam da formação docente. Já
fazendo uma média entre o período de 1999 a 2003 o percentual equivale a 14%.
Especificamente, no ano de 2003, o percentual chega a 16%.
Na década de 1990 o foco das pesquisas sobre formação de professores estava na
formação inicial, com um percentual de 72%. No início dos anos 2000 o foco passa para a
59
identidade e profissão docente, com um percentual de 41%. A formação inicial fica com um
percentual de 22%, seguida da formação continuada com 21%. Pesquisas que tratam da
formação inicial e continuada perfazem um percentual de 3%, política de formação apresenta
um percentual de 4% e outras temáticas diversas ficam com 9% (ANDRÉ, 2009).
O exposto acima mostra que o foco das pesquisas sobre formação de professores
no início deste século se volta para os estudos da identidade docente, seus saberes, suas
práticas, suas condições de trabalho e profissionalização. Essa mudança investigativa
caracterizada pela aproximação com o cotidiano dos professores pode favorecer novas
estratégias de formação, que evidenciem os saberes produzidos pelos e com os docentes na
incessante busca de uma educação de qualidade.
A pesquisa sobre a formação docente deve ultrapassar a simples constatação dos
dados e proporcionar uma verdadeira troca de experiências, de saberes, de aprendizagens
entre pesquisadores e professores. Assim, o processo formativo de ambos é fortalecido e
enriquecido.
Pesquisa recente de Alves e Pinto (2011) revela que quanto ao nível de formação
dos professores brasileiros, 0,6% estudaram apenas até o ensino fundamental; 31,6%
estudaram até o ensino médio; 43% concluíram um curso de graduação; 23,3% cursaram
especialização e 1,3% cursaram mestrado ou doutorado. O estudo revela ainda que, 49,8% dos
professores de educação infantil e 36,5% dos professores dos anos iniciais do ensino
fundamental cursaram apenas o ensino médio. É válido relembrar que a atuação destes
professores está amparada pelo artigo 62, da LDBEN 9394/96.
Quase duas décadas após a promulgação da LDBEN 9394/96, a Lei nº 12.796,
de 4 de abril de 2013 estabeleceu uma ínfima alteração, no que diz respeito ao Título VI – dos
profissionais da educação. A atualização feita ao artigo 62 refere-se basicamente à troca da
expressão “nas quatro primeiras séries do ensino fundamental” por “nos cinco primeiros anos
do ensino fundamental” (BRASIL, 2013, p. 2-3). Houve ainda o acréscimo de três parágrafos:
O sétimo parágrafo, cujo teor era: “Os docentes com a formação em nível médio
na modalidade normal terão prazo de 6 (seis) anos, contado da posse em cargo docente da
rede pública de ensino, para a conclusão de curso de licenciatura de graduação plena”
(ARAÚJO, 2013) foi vetado pela Presidente da República, em 04 de abril de 2013.
O veto demonstrou um verdadeiro retrocesso, posto que há uma década a
Resolução CNE/CEB 01, de 20 de agosto de 2003, propunha em seu artigo segundo que,
Passados dez anos de uma resolução que conclamava os sistemas de ensino para
que os professores desenvolvessem sua formação em nível superior para atuar na educação
infantil e nos anos finais do ensino fundamental é imposta uma nova legislação permitindo
que docentes com ensino médio na modalidade normal possam atuar na educação infantil e
nos anos iniciais do ensino fundamental.
O artigo 87-A que estava atrelado ao parágrafo sétimo do artigo 62 também foi
vetado. A mensagem presidencial justifica da seguinte maneira os dois vetos:
clara inversão nesta decisão: se exigir que todos tenham nível superior possui impacto
provável na qualidade educacional, o país deveria discutir quanto custará este esforço e de
onde deveria sair o recurso” (ARAÚJO, 2013, p. 3).
Por fim, na mesma lei, o parágrafo quarto, do artigo 87 foi revogado: “Até o fim
da Década da Educação somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou
formados por treinamento em serviço” (BRASIL, 2013, p. 44). Isso demonstra uma atitude
autoritária, que denota a facilidade de tornar sem efeito o que deveria ser garantido como
direito real ao professor: a formação em nível superior. Para tanto, as políticas públicas teriam
que garantir cursos de graduação a um contingente de 636.186 professores que continuam
com o nível de formação situado no âmbito do ensino fundamental ou do ensino médio,
conforme Microdados do Censo Escolar / INEP - 2009. Já se passaram quase duas décadas da
promulgação da LDBEN vigente e o que não aconteceu na “Década da Educação” foi
simplesmente suprimido, evidenciando assim que as políticas públicas voltadas para a
educação ainda não deram conta da grande demanda de formação inicial dos docentes.
A Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação
(ANFOPE)10 se pronunciou sobre a Lei Nº. 12.796, de 4 de abril 2013, classificando-a como
um “retrocesso no direito dos atuais professores das séries iniciais do ensino fundamental e
educação infantil pela formação superior” (ANFOPE, 2013, s/p).
A pesquisa de Alves e Pinto (2011) revela ainda que na educação básica o
percentual de professores com ensino superior aumenta à medida que avançam as etapas do
ensino. Assim, um percentual de 47,2% dos professores da educação infantil tem o nível
superior. Já 61% dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental cursaram uma
graduação. O percentual de professores dos anos finais do ensino fundamental com curso
superior é de 81%. Já 87,3% dos professores do ensino médio afirmam ter curso superior.
É válido lembrar que, sobretudo nos municípios situados no interior dos estados
brasileiros, há professores com curso de graduação, mas que atuam em área totalmente
contrária à sua de formação inicial ou em uma etapa a qual seu curso não o credencia. Entre
outros aspectos, considerando que, os professores e sua formação são peças fundamentais
para a oferta de uma educação de qualidade, possivelmente, há professores com curso de
graduação, mas sem a qualificação devida para atuar em uma disciplina específica ou em
determinada etapa.
10
A ANFOPE caracteriza-se como uma entidade de caráter político-acadêmico que desde o final da década de
1970 desenvolve pesquisas, debates e proposições para a formação dos profissionais da educação.
62
(BRASIL, 2002, p. 1). Foi estipulado um prazo de dois anos para que os cursos de formação
de professores para a educação básica já em funcionamento se adaptassem à resolução.
Porém, dois anos depois, a Resolução Nº 2, de 27 de Agosto de 2004 adia o prazo previsto,
concedendo mais um ano para tal ajuste, estimulando como tempo limite a emblemática data
de 15 de outubro de 2005, quando se comemora o dia do professor. Mais uma década se
passou e a legislação não foi plenamente atendida (BRASIL, 2004).
A crise na formação docente é constantemente camuflada por adequações a
questões pontuais do processo formativo. Como não há uma crise totalmente instaurada não
se realizam profundas mudanças. Assim, “as gestões educacionais e as universidades têm
apenas proposto reformulação deste ou daquele aspecto desses cursos, não tocando no âmago
da questão, tão bem salientado nas análises: sua estrutura institucional e a distribuição de seus
conteúdos curriculares” (GATTI; BARRETO; ANDRÉ, 2011, p. 135).
Não estão sendo colocadas em prática alternativas viáveis e condizentes com as
necessidades dos professores e, consequentemente, preocupadas com a aprendizagem dos
estudantes da educação básica. Os problemas são constantemente retratados pelos resultados
de concursos públicos, pelos próprios licenciandos e docentes, pelas avaliações propostas pela
escola ou em larga escala (GATTI; BARRETO; ANDRÉ, 2011).
As políticas públicas ainda não conseguiram dar conta da complexa demanda da
educação básica brasileira. Entre outros aspectos, é preciso um investimento real e prático na
formação docente, não apenas na forma de legislação e/ou discurso, para que se tenha a tão
propalada qualidade da educação.
Embora as políticas públicas para a formação docente no Brasil ainda não tenham
atendido à demanda existente, não se pode negar algumas ações políticas elaboradas e
executadas que favoreceram a formação inicial de docentes. Assim, traço um panorama de
algumas delas, a saber: Pró-Licenciatura – Universidade Aberta do Brasil (UAB), Plano
Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR) e Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID).
É válido ressaltar que vários estudantes e, inclusive polos de apoio presencial, têm dificuldade
de acesso à internet, o que constantemente ocasiona problemas no acesso ao ambiente virtual
e na entrega de atividades em tempo hábil.
11
Tradução livre do autor: “Janela da utopia”. “Ela está no horizonte [...]. Me aproximo dois passos, ela se afasta
dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos além. Por mais que eu caminhe, nunca a
alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para caminhar”.
69
formativo que alie teoria e prática, no qual o professor da educação básica seja partícipe de
todas as etapas de construção e execução.
É imperioso ressaltar que o professor é o grande responsável por seu processo
formativo. Para isso ele precisa que as devidas condições lhes sejam asseguradas. A formação
concreta se desenvolve na escola, com o diálogo e a reflexão entre os pares em busca de
resolução para os problemas pedagógicos do cotidiano. A Universidade contribui no plano
teórico e metodológico, mas a chave está no professor (NÓVOA, 2001).
Acredito no fortalecimento docente a partir do trabalho em grupo. Para isso é
preciso compreender o grupo como um espaço de formação que tem a práxis como elemento
de ressignificação das práticas em um processo contínuo de construção do conhecimento.
O grupo como encontro coletivo de docentes favorece o diálogo, a partilha de
experiências e dos diversos saberes que emergem da prática profissional. Assim, os
professores atuam como formandos e formadores. Articulando as práticas educativas com
uma reflexão crítica cria-se uma possibilidade de ensaiar novas maneiras para o trabalho
pedagógico (NÓVOA, 1995).
Historicamente, a identidade docente foi construída de forma isolada. Atualmente,
vivemos um período de identidades múltiplas e o professor, muitas vezes, não sabe a direção,
qual caminho seguir. Diante disso, o grupo surge como um espaço de ajuda mútua para o
coletivo de docentes em busca de um objetivo comum em que estejam presentes o debate e a
reflexão.
O professor reflexivo está sempre preocupado em refazer sua práxis posto que a
sua formação se desenvolve continuamente de acordo com os seus investimentos na reflexão
das suas práticas e na busca de novos conhecimentos (PIMENTA; GHEDIN, 2002).
Levando em conta o contexto sócio, histórico, político e cultural no
desenvolvimento de seu fazer docente o professor realiza a sua própria humanização, bem
como favorece a dos outros. O trabalho docente, portanto, é a mediação entre o conhecimento
do professor e as diversas possibilidades de transformação de sua prática concreta (LIMA,
2012).
Há, portanto, a necessidade de uma interligação entre teoria e prática, visando a
uma melhor atuação do educador em seu fazer pedagógico, permeado pelo diálogo com os
pares e com os seus estudantes e, não, pelo distanciamento da realidade em que estão
inseridos (TARDIF, 2013).
De acordo com Sacristán, “a prática pedagógica é uma práxis, não uma técnica. E
investigar sobre a prática não é o mesmo que ensinar técnicas pedagógicas” (SACRISTÁN,
72
2002, p. 82). Sendo assim, a construção dos saberes acontece na práxis social de educadores e
educandos, portanto, ambos ensinam e aprendem. Afinal, como oferecer o que não se tem?
Diante disso, urge “repensar a formação do professor de acordo com a necessidade social da
escola pública, aberta ao novo, capaz de oferecer ao aluno caminhos para a busca de respostas
aos problemas que enfrenta no cotidiano” (GHEDIN, ALMEIDA e LEITE, 2008, p. 48).
Precisa-se de um novo olhar sobre a formação docente, que atenda à real demanda
dos discentes da escola pública. Para tanto, a formação de professores deve considerar a
dinâmica da sala de aula, refletindo-a de maneira crítica juntamente com os docentes e
discentes ali envolvidos.
O professor no seu processo de formação precisa aproveitar e valorar os diversos
saberes, desde os da área de conhecimento pertinente até os pedagógicos, didáticos, de sua
própria experiência profissional, posto que a formação contínua implica um movimento
permanente de criação a partir do que antes foi vivenciado pelo professor em seu cotidiano
(PIMENTA; LIMA, 2009).
Enfim, esses saberes precisam, continuamente, entrar em comunhão para nortear
uma boa prática pedagógica. Vale ressaltar que eles não são estáticos, mas sim passíveis de
serem revistos, redirecionados e transformados.
O processo formativo dos docentes deve favorecer um sólido conhecimento
teórico e cultural integrado à pesquisa. Assim, espera-se que o professor seja um profundo
conhecedor de sua área específica de atuação e utilize várias estratégias de ensino para
socializar os conteúdos.
A pesquisa sobre o ensino na formação de professores configura-se como algo
fundamental, posto que as emergências da prática cotidiana desencadeiam vários saberes.
Destarte, é interessante que se faça uma reflexão desse processo no contexto em que ele
acontece, relacionando-o também a outros contextos e interpretando-o com base nas teorias da
educação para que se tenham novas maneiras de ensinar (LIMA, 2012).
O professor precisa ser valorizado como um intelectual crítico. Assim é
importante que a formação de professores, tanto a inicial como a contínua, seja repensada,
“pois o trabalho do professor enquanto mediador do conhecimento e do desenvolvimento da
cidadania dos alunos está num processo gradativo para a superação do fracasso e das
desigualdades sociais” (BORGES, 2002, p. 205).
São muitas as adversidades enfrentadas pelo professor no cotidiano escolar.
Porém, quando há reflexão seguida de ação, os obstáculos passam de fator negativo à
possibilidade de reconstruir o vivido. Isso se dá, pois a formação é um processo inacabado,
73
atividades para a dinâmica da sala de aula. Em seguida, porém, é interessante voltar e analisar
o que foi desenvolvido com os estudantes.
Espera-se que o professor sinta-se capaz de refletir sobre sua sala de aula e tomar
posições concretas para a resolução dos problemas emanados de seu próprio cotidiano escolar,
posto que a formação não se constrói por mera participação em cursos, com o acúmulo de
certificados, de técnicas, mas sim a partir de uma reflexão permanente e crítica das práticas
desenvolvidas, que favoreça ao docente “os meios de um pensamento autônomo e que facilite
as dinâmicas de autoformação participada. Estar em formação implica um investimento
pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios” (NÓVOA,
1995, p. 25).
A formação, portanto, é um processo contínuo de idas e vindas, acolhendo as
experiências pessoais e os diversos saberes que contribuem para a construção da identidade
profissional do professor. A formação como continuum considera a formação inicial e
contínua ao longo do exercício da docência, período que de fato emanam diversas
necessidades e a busca constante de soluções (TARDIF, 2013).
A formação contínua é assegurada pela legislação educacional vigente. A LDBEN
9394/96 em seu artigo 63, inciso III, estabelece que os ISE sejam responsáveis por
“programas de educação continuada para os profissionais de educação dos diversos níveis”
(BRASIL, 2013, p. 37). No artigo 67, ao tratar da valorização dos profissionais da educação, o
inciso II assegura “aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento
periódico remunerado para esse fim” (BRASIL, 2013, p. 37).
É válido ressaltar que a Resolução nº. 3, do Conselho Nacional de Educação, de 8
de outubro de 1997, que estabelece as diretrizes para os novos planos de carreira e de
remuneração para o magistério, em seu artigo 5º assevera que os sistemas de ensino
“envidarão esforços para implementar programas de desenvolvimento profissional dos
docentes em exercício, incluída a formação em nível superior em instituições credenciadas,
bem como, em programas de aperfeiçoamento em serviço” (BRASIL, 1997, p. 1).
A meta 16 do novo PNE pretende “formar 50% (cinquenta por cento) dos
professores da Educação Básica em nível de pós-graduação stricto e lato sensu, em cursos de
especialização, mestrado ou doutorado, e garantir a todos a formação continuada em sua área
de atuação” (BRASIL, 2010, p. 93). Dados do INEP asseveram que o percentual de
professores pós-graduados é de apenas 24,5% (BRASIL, 2013).
75
12
O FUNDEB substituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério (FUNDEF), instituído pela Lei nº 9424/96, que vigorou até 2006 e contemplava apenas o ensino
fundamental.
76
ensino das ciências humanas (3 centros); artes e educação física (3 centros); tecnologias de
gestão e avaliação em educação (3 centros).
Foram estabelecidos os seguintes objetivos para a Rede Nacional de Formação
Continuada: institucionalizar o atendimento da demanda de formação continuada,
contribuindo com o desenvolvimento da autonomia intelectual e profissional dos docentes, no
sentido de garantir uma efetiva aprendizagem e uma escola de qualidade.
Para atingir a consecução dos objetivos foram estabelecidas cinco diretrizes para a
Rede, quais sejam: a formação continuada é exigência da atividade profissional no mundo
atual; deve ter como referência a prática docente e o conhecimento teórico; vai além da oferta
de cursos de atualização e treinamento; deve integrar-se no dia-a-dia da escola; é componente
essencial da profissionalização docente (BRASIL, 2005a).
A concepção de formação contínua proposta pela Rede pressupõe a afirmação da
identidade do professor, a valorização dos saberes e práticas docentes, considerando o
cotidiano da escola e, consequentemente, os estudantes. Assim, foram desenvolvidas ações
estratégicas para formação contínua de professores da educação básica, tais como: o Pró-
Letramento, o Programa Gestão da Aprendizagem Escolar (Gestar II), a Especialização em
Educação Infantil. Os professores da rede pública municipal de Aracoiaba-CE, lócus da
presente pesquisa, participaram dessas ações de formação continuada.
O Pró-Letramento é uma formação continuada voltada para os professores das
escolas públicas dos anos/séries iniciais do ensino fundamental, com vistas a garantir a
melhoria da qualidade de aprendizagem da leitura/escrita e matemática. O curso foi
desenvolvido na modalidade semipresencial, com carga horária de 120 horas com encontros
presenciais e atividades individuais com duração prevista para oito meses. Os objetivos do
programa buscavam oferecer suporte à ação pedagógica dos professores dos anos/séries
iniciais do ensino fundamental, através de situações de incentivo à reflexão e a construção do
conhecimento como processo contínuo de formação docente; desenvolver conhecimentos
possibilitadores da compreensão da matemática e da linguagem e de seus processos de ensino
e aprendizagem, contribuindo para que o desenvolvimento nas escolas de uma cultura de
formação continuada a partir do envolvimento de universidades, secretarias de educação e
escolas públicas dos sistemas de ensino.
O Programa Gestão da Aprendizagem Escolar – Gestar II voltou-se para a
formação contínua de língua portuguesa e matemática aos professores dos anos finais do
ensino fundamental, em uma carga horária de 300 horas, sendo 120 horas presenciais e 180
horas a distância (estudos individuais), de acordo com a área de atuação do professor da
77
13
Ambiente virtual criado pelo MEC/CAPES por meio do qual o professor em exercício nas escolas públicas se
inscreve em cursos oferecidos pelo Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica, com o
objetivo de adequar-se à formação exigida pela LDBEN vigente.
14
Instrumento criado pelo MEC em 2007 para auxiliar o planejamento das secretarias de educação de estados e
municípios. É um requisito para receber assistência técnica e financeira do MEC/FNDE.
78
não há informações atualizadas. Consta apenas que até 2009 foram beneficiados 600 mil
professores e que havia uma previsão para os anos de 2010/2011 de atendimento a mais 148
mil docentes da educação básica. Não há, portanto, atualização e/ou precisão dos dados
disponibilizados.
A concepção de formação contínua que defendo ultrapassa o que é proposto em
cursos de atualização, materializando-se no cotidiano da escola através de ação-reflexão-ação,
considerando os saberes e as práticas do professor, em diálogo constante com os seus pares,
em um equilíbrio entre teoria e prática.
79
“O fio é a frase
A meada é o texto
[...]
De meada em meada
O fio tece o tecido
De fio em fio
A meada enche a página.”
(Batista de Lima)
Este capítulo trata da leitura, que é composta por muitos fios e entremeia-se às
práticas de leitura na escola do ensino fundamental. Como em um trabalho artesanal busquei
entremear todos os fios de maneira harmônica.
O texto existe para ser lido! Ler é desvendar os diversos fios emaranhados tal qual
uma meada e compreendê-los como uma teia tecida pela união de vários outros tantos fios. A
leitura é permeada de encantamentos, de mistérios a serem desvendados. Não é mera
atividade escolar. É a chave que pode abrir portas várias que conduzem a destinos
inesperados, múltiplos.
A importância da leitura – pelo menos no discurso – é um consenso. Essa ideia
está presente no imaginário das pessoas. É possível observá-la nas pessoas mais simples,
como um pai não alfabetizado, mas que vê nos livros, na leitura, na educação uma
possibilidade do filho galgar passos diferentes dos seus. As pessoas ditas cultas, com um bom
repertório de leitura, detêm um repertório cultural que as diferencia das demais. Nesse caso, a
leitura influencia no falar, no escrever.
Freire abordou a importância do ato de ler em livro homônimo e afirmou que “a
leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa
prescindir da continuidade da leitura daquele” (FREIRE, 1988, p. 9). Isso mostra o caráter
80
amplo e complexo da leitura e os mistérios que ela pode desvendar, afinal, leem-se gestos,
olhares, sinais, paisagens, odores, experiências várias, que se acumulam ao longo da vida.
Muitos dos pais contam histórias para seus filhos. Os pais letrados tanto podem
contar, como também ler para os seus pequenos. Esse ambiente de fantasia, de leitura poderá
influenciar no gosto e nas práticas leitoras.
Os jovens precisam interagir com o texto para que construam sentidos ao que é
lido. A leitura não é mera atividade de extração, como se o sentido estivesse pronto no texto.
Um texto pode ser compreendido de formas diferentes dependendo das informações que o
leitor possui, do contexto.
A leitura é uma prática cultural que faz parte da vida dos sujeitos e, embora a
relação leitura-leitor tenha inúmeras particularidades, parece muitas vezes idêntica. Porém,
cada leitor, a partir de suas experiências de mundo, atribui diferentes sentidos aos textos lidos
(CHARTIER, 1996).
O repertório cultural dos sujeitos, o conjunto de suas vivências, o ambiente, o
tempo, os objetivos pré-estabelecidos para a realização de uma leitura específica fazem parte
do arcabouço literário que determina os diversos sentidos que um texto pode vir a ter. Cada
leitura é única e também múltipla.
O leitor lê tudo que o cerca, o que está presente no seu cotidiano, pois “em nossa
cultura, quanto mais abrangente a concepção de mundo e de vida, mais intensamente se lê,
numa espiral quase sem fim” (LAJOLO, 2008, p. 7). O leitor guarda um conjunto de
significados, de saberes, de experiências, de conhecimentos historicamente acumulados e que
compõem a sua leitura de mundo. Todo esse arcabouço é utilizado para a compreensão da
leitura da palavra.
Segundo Manguel: “Todos lemos a nós e ao mundo à nossa volta para vislumbrar
o que somos e onde estamos. Lemos para compreender, ou para começar a compreender. Não
podemos deixar de ler. Ler, quase como respirar, é nossa função essencial” (MANGUEL,
1997). Em uma sociedade letrada, a leitura se apresenta como algo vital. É preciso conhecer o
lugar de origem, o contexto para que se desvendem os mistérios dos textos. No momento
presente, as possibilidades de leitura estão em toda a parte e se apresentam de variadas
formas.
Uma leitura, seja ela qual for, é sempre algo particular e ao mesmo tempo global.
O significado da leitura vai depender das experiências e dos objetivos do leitor para aquele
determinado momento. Assim, é possível tanto uma leitura em voz alta como uma leitura
silenciosa, uma leitura individual, como uma leitura compartilhada.
81
O leitor pode carregar em sua mente um conjunto de vários livros. Porém, “antes
que essas aptidões possam ser adquiridas, o leitor precisa aprender a capacidade básica de
reconhecer os signos comuns pelos quais uma sociedade escolheu comunicar-se: em outras
palavras, o leitor precisa aprender a ler” (MANGUEL, 1997, p. 85).
É preciso ultrapassar a conceituação de que ler é simplesmente decodificar
palavras, pois “os indivíduos podem aprender a ler sem decifrar e sem oralizar, pura e
simplesmente, um texto, pois a leitura não depende nem da decifração nem da oralização
lineares” (DIAS, 2001, p. 42).
É bem verdade que “ninguém nasce sabendo ler: aprende-se a ler à medida que se
vive. Se ler livros geralmente se aprende nos bancos da escola, outras leituras se aprendem
por aí, na chamada escola da vida” (LAJOLO, 2008, p. 7). O cotidiano da vida real
proporciona inúmeras leituras e, consequentemente, “a entrada em uma cultura já penetrada e
trabalhada pelo escrito, mesmo se este for conhecido apenas pela mediação de uma palavra e
pelo conhecimento memorizado dos textos, depois reconhecidos, recortados e decifrados no
livro” (CHARTIER, 1996, p. 21).
A aprendizagem da leitura é como um ritual de iniciação, uma passagem de um
estágio de dependência para o desvelamento das magias contidas em um texto, o que implica
atribuir sentido a algo escrito. Com isso, “a criança, aprendendo a ler, é admitida na memória
comunal por meio de livros, familiarizando-se assim com um passado comum que ela renova,
em maior ou menor grau, a cada leitura” (MANGUEL, 1997, p. 85). Ler, portanto, ultrapassa
a simples aquisição e reprodução de conhecimentos produzidos e/ou imortalizados por outros.
Ler é uma fuga – salutar – da própria realidade.
Aprender a ler é uma tarefa complexa, posto que implica comungar vários eixos,
tais como: o conhecimento da estrutura da língua escrita; a concepção de aprendizagem que
norteia o trabalho do professor; o encontro entre leitor e texto; a interação entre vários sujeitos
(DIAS, 2001).
A leitura confere poder e revela certa autoridade do leitor sobre os demais, pois
“algo na relação entre um leitor e um livro é reconhecido como sábio e frutífero, mas é
também visto como desdenhosamente exclusivo e excludente” (MANGUEL, 1997, p. 35). O
ato de ler é algo como que subversivo, pois para muitas pessoas é interessante uma sociedade
iletrada. Sendo assim, é mais fácil ressaltar o caráter excludente de um livro do que o seu
caráter libertador, transformador. A leitura tem um caráter extremamente democrático, pois
ela liberta, abre possibilidades várias para quem a domina.
82
Vários estudiosos, para citar alguns: Machado (2012); Leite (2012); Silva (2012) e
outros tantos veem na escola uma possibilidade viável para a formação do gosto leitor das
crianças e dos jovens. É lá que eles passam boa parte de sua infância e juventude e
compartilham vários momentos, e, principalmente, diversas experiências leitoras. Esse
processo gradual favorece um repertório de futuras escolhas e comparações. Isso “a escola
pode fazer muito bem – se os professores e os formuladores de currículo forem leitores de
literatura, de modo a valorizar a liberdade de opção e a necessidade de tempo para essa
atividade” (MACHADO, 2012, p. 60).
A leitura como prática social começa antes do sujeito adentrar a escola.
Geralmente, as crianças são iniciadas no processo de leitura por iniciativa dos pais, de outros
parentes ou de alguém próximo, como um amigo. Embora exista uma relação entre a escola e
as práticas leitoras, ela não é única. Assim, “se a leitura não deve ser uma função unicamente
da escola, cabe a esta, certamente, formar e desenvolver o leitor para além e para depois da
alfabetização e do período da vida escolar” (CUNHA, 2012, p. 87).
À escola cabe desenvolver potenciais leitores de diversificados gêneros textuais,
que estão presentes no cotidiano e são necessários à vida prática em uma sociedade letrada.
Porém, além da função utilitária da leitura, a escola deve promover a leitura por fruição, por
puro deleite.
É possível considerar “a escola como um dos principais fatores determinantes das
práticas de leitura” (LEITE, 2012, p. 66). Por outro lado, não se pode creditar apenas à escola
a responsabilidade de resolver os problemas de leitura que os estudantes apresentam ao longo
da história. A mediação proporcionada pela escola é fundamental, mas se “se quisermos
transformar para melhor a leitura no Brasil, teremos de transformar, também para melhor, a
qualificação profissional e as condições de trabalho e de vida dos professores” (SILVA, 2012,
p. 110).
A leitura, direito do cidadão, não teve o destaque merecido no cenário de reformas
educacionais. O processo de mudanças vivenciado pelo fenômeno da globalização, permeado
por políticas públicas, invadiu as escolas e a vida pessoal e profissional dos professores em
busca de novos conhecimentos e da formação do ser como cidadão crítico e reflexivo.
Propagou-se a ideia de uma escola de qualidade, com professores bem qualificados, mas não
se investiu o suficiente em políticas de leitura. Talvez isso se deva pelo fato de que leitores
críticos poderiam fazer uma verdadeira revolução, o que perturbaria a ordem social vigente.
Ainda no final da década de 1970, Silva (1997) chamava a atenção para o fato da
leitura como “lei-dura”, ou seja, as injustiças da realidade brasileira que impedem a formação
83
de leitores críticos. De acordo com o autor: “os livros, quando bem selecionados e lidos,
estimulam a crítica, a contestação e a transformação – elementos estes que colocam em risco a
estrutura social vigente e, portanto, o regime de privilégios” (SILVA, 1997, p. 40).
O trecho é bastante atual e remete ao fato de que três décadas depois de sua
publicação ainda há escolas públicas que não dispõem de biblioteca, realidade muito comum
nas escolas públicas municipais do estado do Ceará. Quando há bibliotecas, não há
bibliotecário. Geralmente, nas escolas estaduais há a presença de professores desviados de sua
função e exercendo a de um bibliotecário.
Grande parte das cidades do interior cearense também não dispõe de livrarias ou
de bancas de jornal, por exemplo. Como ler sem ter acesso aos exemplares? A realidade
também não é animadora quando se trata de bibliotecas públicas.
Fica evidente, tomando por base os municípios do interior cearense, que a cultura
leitora não é incentivada no estado do Ceará. Pesquisa realizada no Sistema Estadual de
Bibliotecas Públicas (SEBP), órgão operacionalizado pela Secretaria da Cultura do Estado do
Ceará (SECULT) relaciona um total de 190 bibliotecas públicas distribuídas em 182
municípios. Considerando que o estado do Ceará é constituído de 184 municípios, dois deles
não dispõem de bibliotecas públicas.
Com o objetivo de descentralizar os serviços do Sistema Estadual de Bibliotecas
Públicas e desenvolver uma atuação mais próxima das bibliotecas públicas municipais no
Ceará, a Secretaria da Cultura do Estado, criou no ano de 2002 o Projeto Bibliotecas Polos e
implantou oito bibliotecas polos em oito macrorregiões de planejamento do Estado,
distribuídas em nove municípios: Maranguape, Itapipoca, Acaraú, Russas, Tianguá, Crateús,
Quixeramobim, Iguatu e Juazeiro do Norte. Considerando a extensão territorial dessas
macrorregiões o número de bibliotecas é bem incipiente.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) –
Censo 2010, Fortaleza, a capital do Ceará, com uma população de 2.447.409 habitantes conta
com o inexpressivo número de apenas quatro bibliotecas públicas.
Em Aracoiaba, lócus desta pesquisa, há apenas uma biblioteca pública, a
Biblioteca Municipal Rui Barbosa, cujo prédio não traz sequer uma identificação de
biblioteca, sinalizando o desprestígio de tal equipamento cultural. No espaço funciona uma
Ilha Digital, projeto do Governo do Estado do Ceará, em parceria com alguns municípios, que
disponibiliza cinco computadores, conectados à internet. Apesar da biblioteca ter sido fundada
em 1985 e a Ilha Digital em 2006 é a logomarca desta última que figura na fachada do prédio.
84
15
Nome fictício para preservar a identidade da informante.
85
Os dados do Censo de 2010 mostram ainda que o Ceará tem uma população de
8.448.055 habitantes, o que perfaz a média de uma biblioteca pública para aproximadamente
44.500 pessoas. Por si, os números revelam que não há um incentivo real para a formação de
leitores.
Estudo feito pela Fundação Biblioteca Nacional no ano de 2009 atesta que o
Brasil contava com um total de 5.796 bibliotecas públicas, o que indica uma biblioteca
pública para cada 33 mil habitantes. O Ceará, portanto, está numa situação ainda mais
desfavorável em relação à média nacional. A melhor média nacional está em Tocantins com
uma biblioteca para cada 10.000 habitantes. A pior média está no Amazonas, com 170.000
habitantes por biblioteca. Outro dado alarmante é que aproximadamente 90% das bibliotecas
não contam com acervo adequado, deixando de atender às demandas locais. Na França é
disponibilizada uma biblioteca para cada 2.500 habitantes. Na Argentina, uma biblioteca para
cada 17.000 pessoas.
O acesso aos equipamentos culturais ainda é algo para poucos no Brasil. Dados
recentes do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), de 11 de março de
2014, revelam que o Brasil conta atualmente com 6.060 bibliotecas públicas, distribuídas em
5.453 municípios. Segundo a Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic), de 2013,
realizada pelo IBGE, as bibliotecas públicas estão em 97% dos municípios brasileiros, sendo
consideradas, portanto, o equipamento cultural mais presente no cenário nacional. Na relação
de equipamentos, dentre outros, constavam: museu, teatro ou sala de espetáculo, centro
cultural, cinema, unidade de ensino superior, livraria.
O exposto acima mostra o quanto o acesso à leitura é escasso nos equipamentos
públicos. Diante disso, o uso da internet surge como uma das possibilidades para superar a
carência de leitura. Isso se dá de várias formas: a leitura direta na tela do computador, a leitura
direta de textos no celular, arquivos que são baixados e impressos para uma posterior leitura,
livros, revistas e similares que são comprados em lojas virtuais, dentre outras possibilidades
que a cada dia surgem com os inventos midiáticos.
Nos últimos anos presencia-se a invasão massiva das tecnologias digitais.
Aparelhos de celulares cada vez mais modernos permitem baixar aplicativos vários, além do
acesso a redes sociais. Tais equipamentos têm proporcionado leituras rápidas,
descompromissadas ou não. A expansão da oferta de cursos na modalidade de educação a
distância também tem difundido a leitura na tela do computador.
O texto eletrônico é apresentado como uma revolução, mas o livro já viveu outras.
Em meados de 1450, Gutenberg revoluciona a produção de livros, que antes era artesanal,
86
com cada texto copiado a mão, passando a ser impresso. Com isso, houve uma redução nos
custos e no tempo de reprodução do texto. É válido ressaltar que a cultura do manuscrito
permaneceu até o século XVIII e até mesmo o século XIX. Na atualidade, convive-se com o
livro impresso e o surgimento do livro eletrônico. Assim, não cabe um discurso nostálgico ou
utópico (CHARTIER, 2009). É necessário conviver com as diferentes formas com as quais os
textos se apresentam.
não fizer uma atenta leitura e compreender o que a questão solicita? Cabe, portanto, a
compreensão de que todos os envolvidos na escola devem empreender hábitos de leitura.
A leitura tem uma importância singular na sala de aula e deve ser estimulada
continuamente. Não adianta dedicar metade de uma aula para leitura e só fazer isso
novamente no mês seguinte, pois além de cansativo e enfadonho, não criaria no aluno o hábito
da leitura. É preciso que este processo aconteça paulatinamente para que o estudante descubra
a magia do ato de ler e passe a reservar um momento para essa prática em seu cotidiano
(BAMBERGER, 2002).
Os estudantes também praticam a leitura fora do ambiente escolar. Afinal,
vivemos em um mundo letrado e por todos os lados existem informações, sejam placas,
faixas, avisos, propagandas, rótulos de embalagens, bilhetes, dentre outras.
A leitura não é tarefa exclusiva das instituições escolares. A família, as
associações comunitárias, os diversos grupos que os estudantes participam podem contribuir
para com o desenvolvimento do gosto leitor das crianças e dos jovens. À escola cabe a tarefa
de sistematizar o trabalho com a leitura, oferecendo uma diversidade de textos para que os
estudantes ampliem os seus horizontes, pois, “seria difícil conceber uma escola onde o ato de
ler não estivesse presente - isto ocorre porque o patrimônio histórico, cultural científico da
humanidade se encontra fixado em diferentes tipos de livros” (SILVA, 2000, p. 31).
Assim, mais uma vez retomo a importância da escola como proporcionadora de
um espaço adequado às práticas leitoras, haja vista que a leitura contribui para com o
intelecto, mas também para com a formação cultural dos estudantes. O professor é
reconhecido pelos estudantes como forte influência para o seu gosto leitor. O lar e a escola
são os espaços mais lembrados para a prática leitora (FAILLA, 2012).
Dados do Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF 2011) mostram que a cada
quatro brasileiros apenas um tem o domínio pleno das habilidades de leitura, escrita e
matemática. Isso também é atestado pelas avaliações de larga escala cujos resultados mostram
que grande parte dos estudantes não desenvolve habilidades mínimas de leitura compatíveis
às séries e/ou aos anos em que estudam.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (terceiro e quarto ciclos do ensino
fundamental) propostos para a língua portuguesa sugerem que a linguagem seja considerada o
ponto de partida e de chegada da prática pedagógica. Para tanto, “a razão de ser das propostas
de leitura e escuta é a compreensão ativa e não a decodificação e o silêncio” (BRASIL, 1998,
p. 18).
88
escolar, está associada à simples tarefa de compreender o que foi lido nos textos. E os
momentos de leitura deleite? De fruição estética? Será que os docentes oportunizam estas
práticas aos discentes em suas aulas?
Estes questionamentos carecem de investigação, bem como de um
posicionamento por parte das escolas, sobretudo, do professor. Porém, pergunto, o que o
professor lê? O senso comum diz que os estudantes não leem textos diversos, alguns
pesquisadores afirmam que o professor também não lê. A pesquisa Retratos da Leitura no
Brasil mostrou que o professor lê principalmente jornais; algo em torno de 60%. A leitura de
livros fica em torno de 30% e, centrada principalmente, no estilo “autoajuda”.
Aproximadamente 10% dos docentes afirmaram que não gostam de ler (FAILLA, 2012).
A leitura, de acordo com os PCN, “é o processo no qual o leitor realiza um
trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu
conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem”
(BRASIL, 1998, p. 69).
Por outro lado, as práticas pedagógicas escolares nos anos finais do ensino
fundamental, em grande medida, insistem na leitura como mera atividade escolar. Isso tem
mostrado que os professores nem conseguem criar um hábito leitor nos estudantes, nem
tampouco realizam um ensino de leitura eficiente. Isso se dá em virtude da leitura na sala de
aula assumir um caráter postiço ou artificial, servindo a vários propósitos, menos à produção
de sentidos aos textos lidos. Outro fator reside na pobreza de uma variedade de livros nas
escolas. Não há um ambiente de leiturização. Por fim, a triste realidade de professores muitas
vezes não leitores tendo que orientar a leitura de estudantes em processo de formação
(SILVA, 2005). Assim, ainda de acordo com as ideias do autor,
Cabe perguntar, qual o motivo da leitura ineficiente nas salas de aulas? Isso se dá
devido a vários fatores. Além da parca condição leitora de alguns docentes é possível citar
outras questões, tais como: atividade de leitura centrada na simples decodificação da escrita;
atividade sem função, desvinculada dos diferentes usos sociais; atividade puramente escolar,
com fins avaliativos; atividade para realizar uma interpretação baseada em recuperar os
90
representam ¾ do total de docentes dos anos finais do ensino fundamental. No ensino médio
as mulheres representam em torno de 65% do total de docentes. Os homens são maioria
apenas na educação profissional, com um índice de pouco mais de 53%.
Os professores da educação básica apresentam uma idade média de 38 anos,
variando de 35 anos na educação infantil a 40 anos no ensino médio. Cerca de 80% desses
docentes trabalham em uma única escola. Em torno de 16% trabalham em duas escolas. O
restante trabalha em três ou mais instituições. Aproximadamente 83% dos professores atuam
na rede pública de ensino e pouco mais de 16% dos professores atuam exclusivamente na rede
privada.
Os dados apontam que 20% dos docentes trabalham em pelo menos duas escolas,
o que implica deslocamento do professor, adequação a contextos e realidades diferentes. É
válido ressaltar que, geralmente, essa não é uma escolha do professor, mas se dá pela
necessidade imposta pelo mercado. Considerando os professores dos anos finais do ensino
fundamental e os do ensino médio, isso acontece para completar a carga horária, sobretudo
nas disciplinas que têm menos aulas no currículo escolar. Consequentemente, o professor tem
mais diários e documentos burocráticos para administrar.
Com relação à carga horária, cerca de 64% dos docentes trabalham em único
turno. Aproximadamente 30% dos professores trabalham dois turnos e 6% trabalham nos três
turnos. Os docentes da zona urbana equivalem a 83%. Na zona rural está um percentual de
15% dos professores. Há professores que atuam tanto na zona urbana como na zona rural,
perfazendo um total de 2%.
Um terço dos docentes precisa trabalhar pelo menos dois turnos. Isso acontece em
virtude dos baixos salários que são pagos, o que não favorece para quem tem a docência como
única fonte de renda, trabalhar em apenas um horário. Há uma gradação em relação ao nível
de formação dos professores da educação básica. Assim, da educação infantil, passando pelo
ensino fundamental e chegando ao ensino médio, o percentual de professores com graduação
vai aumentando.
Estudos internacionais apontam a qualidade do docente como influência
fundamental na aprendizagem dos estudantes. É preciso lembrar, porém, que o professor
precisa de valorização da profissão, contínua formação, suporte pedagógico, condições dignas
para que o seu trabalho seja desenvolvido. O trabalho do professor não é algo isolado,
portanto, sozinho, ele não pode ser responsabilizado pelo desempenho dos estudantes
(SETÚBAL, 2010). Ainda de acordo com a autora, “para que o desempenho escolar de nossos
alunos alcance melhores resultados, são necessários professores bons, competentes,
94
oportunidade de cursar o ensino médio, última etapa da educação básica. Essa formação é
compreendida como fundamental para o exercício da cidadania, oferecendo possibilidades de
progressão no trabalho e em estudos futuros.
De acordo com a LDBEN 9394/96, os currículos tanto para o ensino fundamental
quanto para o ensino médio, devem ter uma base nacional comum e uma parte diversificada.
Assim, podem ser consideradas características específicas do contexto onde a escola está
inserida. Obrigatoriamente, segundo o artigo 26, o currículo deve abranger o estudo da língua
portuguesa, da matemática, do mundo físico e natural e da realidade social e política,
principalmente do Brasil. Deve ainda oferecer o ensino da arte e da educação física. A partir
do sexto ano deve ser incluída pelo menos uma língua estrangeira moderna (BRASIL, 2013).
O artigo 32 estabelece que o ensino fundamental objetiva a formação básica do
cidadão. Dessa forma a escola deve promover:
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) existem 191 países no
mundo. No ano de 2005 cerca de 70% desse total já contavam com Ensino Fundamental
obrigatório de pelo menos nove anos. Em torno de 77% já apontavam a idade de seis anos ou
menos como a inicial dessa etapa de ensino.
Diante desse cenário, em 2006, o Brasil alterou o texto da LDBEN 9394/96 e
ampliou a duração do Ensino Fundamental de oito para nove anos. A idade de seis anos
passou a ser obrigatória para o ingresso na referida etapa de ensino e foi dado o prazo até o
ano de 2010 para que os municípios brasileiros se adequassem ao novo sistema.
O desafio que se estabelece é a conclusão desta etapa aos catorze anos de idade e
com a garantia da aprendizagem adequada a esses estudantes para que tenham assegurado o
direito de ingressar no ensino médio dominando os conhecimentos básicos do currículo do
ensino fundamental.
O texto da Resolução CNE/CEB 7/2010 – que Fixa Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos – começa enfatizando o Ensino
Fundamental como um direito público subjetivo e como dever do Estado e da família
assegurando a sua oferta para todos.
Sendo assim, o grande fundamento destas Diretrizes é o direito à educação,
compreendido como direito inalienável do ser humano. Isso se dá em virtude de a educação
possibilitar o desenvolvimento das potencialidades humanas e, consequentemente, favorecer a
formação cidadã, o exercício dos demais direitos e o pleno uso dos bens sociais e culturais
(BRASIL, 2010).
Com relação aos fundamentos, o parágrafo quarto, do artigo V, da Resolução
7/2010 afirma que a educação escolar deve garantir a todos a igualdade de acesso ao
conhecimento, sobretudo à população menos favorecida. Com isso, “contribuirá para dirimir
as desigualdades historicamente produzidas, assegurando, assim, o ingresso, a permanência e
o sucesso na escola, com a consequente redução da evasão, da retenção e das distorções de
idade/ano/série” (BRASIL, 2010, p. 2).
Atualmente, presencia-se um fosso entre o prescrito e o feito. O acesso à educação
escolarizada foi garantido, esforços são empreendidos para garantir a permanência, mas ainda
falta muito para se atingir o sucesso dos estudantes. Os resultados das avaliações externas
demonstram que significativa parcela dos estudantes brasileiros está aquém do mínimo
esperado. Isso pode ser aferido pelos dados do IDEB 2011 ao atestarem que os estudantes dos
anos finais do ensino fundamental apresentam um índice de 4,1, enquanto a média
internacional é 6,0.
97
16
Plataforma online que objetiva monitorar os indicadores de cada uma das 20 metas do Plano Nacional de
Educação (PNE), bem como de suas respectivas estratégias, analisando as políticas públicas educacionais já
existentes e as que serão implementadas durante a vigência do Plano. A plataforma conta com o apoio do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) e é uma iniciativa de vinte organizações ligadas à Educação, dentre
elas, Capes, UNESCO, Unicef, SBPC.
98
entre seis e catorze anos que estão fora da escola. Ainda há a necessidade de políticas públicas
específicas e diferenciadas, pois o público responsável por essa demanda é composto
predominantemente pelos oriundos de famílias mais pobres, negras, indígenas e com
deficiência. Os gráficos abaixo sintetizam a meta 2 do PNE, qual seja: universalizar o ensino
fundamental de nove anos para o público compreendido entre seis e catorze anos.
Fonte: Elaborado por Martins (2014) com suporte em dados disponíveis no sítio do INEP.
A análise dos dados do IDEB 2011 revela que o Brasil atingiu as metas
estabelecidas em todas as etapas da educação básica. O resultado dos anos iniciais do Ensino
Fundamental ultrapassou não apenas a meta estabelecida para 2011, mas também a proposta
para 2013.
A sétima meta do PNE objetiva melhorar o fluxo escolar e o resultado da
aprendizagem dos estudantes, atingindo as seguintes médias nacionais para o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB):
100
O PNE estabeleceu as metas do IDEB par esta década, objetivando que até 2021
indíce para os anos iniciais do ensino fundamental chegue a 6,0 (seis), a média dos países da
Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), considerada a nota
padrão de qualidade internacional. Para os anos finais foi estabelecido 5,5 e para o ensino
médio 5,2, até 2021.
Abaixo trago um gráfico com a evolução do IDEB das escolas cearenses no
período de 2005 a 2009 para os anos iniciais do ensino fundamental.
Fonte: Elaborado por Martins (2014) com suporte em dados disponíveis no sítio do INEP.
Os resultados acima mostram que o Ceará atingiu no IDEB 2011 percentuais bem
próximos dos resultados do IDEB nacional. Nos anos iniciais do ensino fundamental ficou
com 0,1 ponto a menos, mas nos anos finais do ensino fundamental ficou com 0,1 ponto a
mais. Obteve a mesma média no resultado do ensino médio.
101
Fonte: Elaborado por Martins (2014) com suporte em dados disponíveis no sítio do INEP.
Fonte: Elaborado por Martins (2014) com suporte em dados disponíveis no sítio do INEP.
102
Fonte: Elaborado por Martins (2014) com suporte em dados disponíveis no sítio do INEP.
região do Maciço de Baturité. Para tanto, promove um diálogo dos dados educacionais com os
indicadores sociais e econômicos (VIDAL; MENEGHEL; SPELLER, 2012).
O referido estudo comprova que houve avanços no IDEB, sobretudo nos anos
iniciais do ensino fundamental. No entanto, as taxas de aprovação ainda estão abaixo de 90%,
sinalizando que significativa parcela de estudantes ou é reprovada ou abandona os estudos.
Conclui, portanto, que há fragilidades nas políticas municipais econômicas e educacionais do
maciço de Baturité.
A legislação educacional estabelece as políticas públicas para o setor. Porém, se
não houver uma sintonia entre as diferentes esferas (federal, estadual e municipal),
provavelmente o resultado esperado não será atingido. É preciso investimento financeiro não
apenas na educação, mas também no social e na cultura. A formação inicial e contínua dos
profissionais da educação é o básico assegurado, mas também há a necessidade de
investimentos em infraestrutura e na qualificação da gestão municipal de ensino.
Roseana Murray diz que o homem possui um tear único: o dos sonhos. Eu sonho
com um encontro harmonioso (e real) da escola pública com a universidade, tal qual o
encontro da urdidura com a trama. Assumindo um compromisso de transformação a partir da
realidade em que estou inserido, apresento no próximo capítulo, as memórias do processo
formativo do grupo de professores de língua portuguesa dos anos finais do ensino
fundamental.
104
5 OS FIOS DA MEMÓRIA
Quantidade de 10 10 09 04
encontros
A pesquisa-formação contou com um total de trinta e três encontros que não serão
relatados individualmente, mas em blocos, evidenciando as aprendizagens, os limites, os
avanços desenvolvidos no coletivo de formação.
horas, com uma hora de intervalo para o almoço e um breve momento para lanche no período
da manhã. No turno da tarde era servido apenas um cafezinho nos próprios espaços onde
aconteciam as formações. Abaixo apresento um quadro com os dias dos encontros de
formação
Dias de 10 e 25 01 e 15 06 e 20 03 e 17 01 e 15
encontro
quadro abaixo traz um panorama do que foi trabalhado na formação no segundo semestre de
2009.
Olha o Olho da Menina Escola chata Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
(Marisa Prado)
Zoom (Istvan Banyai) O ponto (Peter H. Etapas fundamentais do processo de produção de
Reynolds) texto: ênfase à correção, revisão e avaliação
Também foram estudados textos teóricos. A exemplo foi lido e discutido o texto
“Diferentes concepções de língua na prática pedagógica17”. Os professores foram divididos
em grupos e cada grupo apresentou a síntese da discussão utilizando um gênero textual. Parte
significativa dos docentes teve dificuldades para compreender o texto, mas com algumas
intervenções as ideias começaram a clarear. Dois grupos apresentaram a síntese através de
cordel, dois através de carta, dois através de receita e um grupo apresentou uma história em
quadrinhos. A escolha do gênero aproximou os professores. Cada grupo se esforçou ao
máximo para se apresentar da melhor forma, sinalizando as aprendizagens que foram
desenvolvidas.
Seguindo a uma das estratégias combinadas na formação, os professores
aplicaram uma avaliação diagnóstica de leitura e compreensão de textos com os seus
estudantes. Em seguida, corrigiram, depois socializaram os resultados no encontro de
formação e produziram um relatório de aplicação e de correção.
Trinta e nove professores do sexto ao nono ano, de vinte e seis escolas da Rede
Municipal de Ensino de Aracoiaba aplicaram as Avaliações Diagnósticas de Língua
Portuguesa (leitura e compreensão de textos), em 106 turmas, totalizando 1887 alunos
avaliados. Constatou-se que do total 2269 alunos matriculados, 382 não compareceram à
avaliação. Alguns professores justificaram a ausência dos alunos, por motivos de
transferência, desistência, remanejamento para outro turno, doença, dentre outros. A avaliação
era composta de vinte e cinco questões e contemplando oito descritores, desde “Localizar
informações explícitas em um texto” (D1) a “Reconhecer a relação entre informações em um
mesmo texto ou entre diferentes textos” (D8). Com isso, os professores visualizaram as
dificuldades de seus alunos de acordo com cada descritor.
De uma maneira geral, percebeu-se a dificuldade de concentração dos alunos para
ler e buscar compreender um texto. Também ficou evidente a variação de erros e acertos
independente dos descritores solicitados, haja vista que para cada descritor havia mais de uma
questão e muitas vezes, por exemplo, o aluno acertava a questão 1 e errava as questões 7 e 10,
do mesmo descritor. Diante disso, cada professor fez uma reflexão de sua realidade e elaborou
um projeto de ensino visando à redução das dificuldades apresentadas por seus alunos.
A partir dos resultados das avaliações diagnósticas, ao longo do semestre, os
professores desenvolveram com seus estudantes projetos de intervenção. Para citar alguns:
17
COROA, M. L. M. S. Diferentes Concepções de Língua na Prática Pedagógica. Revista do GELNE, Vol. 3,
nº 2, 2001.
111
Nos intervalos das apresentações das escolas a professora Maluquinha e sua turma
recitavam trechos dos poemas Trem de Ferro (Manuel Bandeira) e Cidadezinha qualquer
(Carlos Drummond de Andrade). Elas trabalharam ainda o livro O ponto (Peter H. Reynolds)
e convidaram os professores a deixarem uma marca, um ponto, com suas assinaturas em uma
folha de ofício, que depois foi colocada em uma moldura e entregue ao formador.
Com muita criatividade os professores propuseram a receita “Panetone sucesso
das escolas com a prática do Gestar”.
O curso veio para melhorar minha prática. Meus alunos estão felizes, assim
como eu, diante das mudanças ocorridas no processo ensino e
aprendizagem nas turmas as quais leciono. É importante ressaltar que a
cada inovação, a cada atividade realizada, surge logo a pergunta: "- É do
gestar, tia?" ou "Eu gosto muito dessas atividades. São mais interessantes".
E todos realizam as atividades sugeridas com entusiasmo e alegria (Ana
Maria).
Mês Jan. Mar. Abr. Maio Jun. Ago. Set. Out. Nov. Dez.
Dia do 27 03 07 05 02 20 14 05 09 07
encontro
Após o recesso escolar, a formação foi retomada no dia 27 de janeiro, por ocasião
da semana pedagógica. A pauta deste encontro contemplou uma acolhida com um poema de
Fernando Pessoa e, em seguida, uma roda de conversa, motivada pelo questionamento “O que
temos feito de dezembro para cá?”. Os professores fizeram uma retrospectiva da formação em
2009 e pontuaram suas expectativas para 2010.
O início de uma nova etapa requer uma avaliação da etapa anterior para que se
possa fazer um planejamento condizente com a realidade dos envolvidos no processo.
Partindo desta premissa, a formação de janeiro de 2010 analisou os primeiros seis meses de
pesquisa-formação. O grupo sinalizou que a formação contínua oportunizou o crescimento
pessoal e profissional. Os professores pontuaram a importância da experiência de formação
para o desenvolvimento de um trabalho de qualidade com os estudantes. O principal quesito
levantado foi o caráter de continuidade do processo formativo. Os docentes enfatizaram ainda
115
a importância do trabalho que foi feito com os gêneros textuais, tanto na formação quanto na
sala de aula.
Com relação às expectativas para 2010, os professores solicitaram algumas
oficinas, como história em quadrinhos e contação de histórias. Ficou acertado que para o
desenvolvimento destas oficinas o formador buscaria parcerias com especialistas. O grupo
solicitou ainda que o trabalho com gêneros textuais deveria continuar para que pudessem
aprimorar os conhecimentos. O quadro seguinte traz um panorama do que foi trabalhado na
formação durante o ano de 2010.
A iniciativa foi bem acolhida pelo grupo por tratar de uma temática sempre solicitada: os
gêneros textuais.
No encontro do dia 20 de agosto foi realizada a acolhida, que foi chamada de
dilema, motivando os professores a pensar, a questionar, a buscar além do que está
aparentemente posto. Em seguida, foi construída coletivamente a memória do semestre
anterior. Teve um momento de leitura deleite com o texto A escola perfeita (Drummond). Em
seguida, o formador apresentou a proposta de formação para o semestre. O material do CEEL
integrou-se às estratégias da formação contínua em virtude de sua temática atender às
demandas do grupo. Com isso, houve a exibição do vídeo Diversidade textual: os gêneros na
sala de aula que ofereceu uma visão geral de como seria o semestre formativo. Logo após,
houve a leitura e discussão do texto Memórias da construção da identidade profissional. O
texto oportunizou uma rica discussão sobre os percursos formativos do grupo. O excerto traz
o comentário de uma professora sobre a construção de sua identidade docente:
Quando criança aprendi muito com minha mãe que também foi minha
professora. A paixão que transparecia pela leitura, estudo, planejamento me
seduziu e me trouxe a exercer a mesma profissão. Mais tarde na faculdade
conheci a metodologia de vários outros como Paulo Freire, Piaget e outros
(Professora L).
Mês Jan. Mar. Abr. Jun. Ago. Set. Out. Nov. Dez.
Dia do 25 18 08 06 12 09 14 11 07
encontro
Grande ou pequeno? (Pedro Lições dos Golfinhos Uma proposta para o letramento (Magda Soares)
Bandeira)
Telha de Vidro (Rachel de O maestro A escolha do livro didático de língua portuguesa e
Queiroz) o uso desse material em sala de aula: implicações
para o ensino da escrita (Cicero Gabriel dos
Santos)
Sete minutos O Livro Didático de Português (Ldp): A variação
A Magia dos Sonhos (Elano
de gêneros textuais e a formação do Leitor (Lovani
Ribeiro)
Volmer e Flávia Brocchetto Ramos)
Tarde de Domingo (Éber Melhores do mundo O lúdico no ensino-aprendizagem da língua
Sander) portuguesa: sugestões de aulas criativas e
divertidas aplicadas a alguns conteúdos do ensino
fundamental - 5ª a 8ª série - Danielle Andrade de
Castro
Catarina e Josefina (Eva O papel da avaliação Sequência Didática Ensino Fundamental II
Furnari) na aprendizagem (Heloísa Cerri Ramos)
Aninha e suas pedras Entrevista (Celso Oficina: Generalidades da Arte Poética (Ana
(Cora Coralina) Vasconcelos) Nascimento)
Palco da vida (Fernando Avaliação da Oficina de Elaboração de Itens
Pessoa) aprendizagem
(Luckesi)
A arte de ser feliz Paciência (Lenine) A crônica em sala de aula: trabalhando com um
gênero menormENORMEnormenor...
(Ma. Cristina C. Ribas, Milena S. M. Domás e
Ketiley S. Pessanha)
Propósito (Madalena Freire) Cotidiano (Chico Gênero discursivo: Crônicas (Adriellen Morel)
Buarque)
Estatuto do homem (Thiago Oração ao tempo O Cotidiano da escola como ambiente de
de Mello) (Caetano Veloso) “fabricação” de táticas (Andrea T. Brito Ferreira)
A noite em que os hotéis Sinal Fechado Na prática, a gramática era outra (Antonio Gil
estavam cheios (Moacyr (Paulinho da Viola) Neto)
Jaime Scliar)
Amor Secreto (Ana My mistake (Pholhas) Assumindo a dimensão interacional da linguagem
Nascimento) – explorando a gramática e implicações
pedagógicas (Irandé Antunes)
Love me tender (Elvis Planejamento: para além do burocratismo
Presley) (Carmensita Matos Braga Passos)
Avaliação e processo educativo: os indicadores e
os caminhos para o ensino e para a aprendizagem
Fonte: Elaborado por Martins (2014).
121
É no ensino da língua
Essa Língua Portuguesa
Que estamos neste encontro
Para aprender com certeza
O professor continua
Comenta o encontro anterior
Livro de bordo, solicita
O que Ana Maria registrou
Em seguida, a acolhida
Meio que improvisada
Eva fez uma oração
Rachel18 foi declamada
[...]
Realidade que só muda
Se você também mudar
Procure as telhas de vidro
E as ponham em seu lugar
[...]
A discussão sobre gêneros textuais
Segue logo a todo vapor
Sugestões para enriquecer aulas
Professor formador apresentou
18
Telha de vidro (Rachel de Queiroz)
123
As professoras relataram de forma poética uma oficina que foi realizada sobre o
uso do livro didático. Os cursistas formaram quatro equipes com o objetivo de discutir como
foram as primeiras aulas com o livro didático. Assim, pontuaram os aspectos favoráveis, bem
como os desafios. Os professores revelaram como aspectos positivos, os temas abordados, a
organização gráfica do material, as seções, o incentivo à leitura (inclusive, a silenciosa).
Alguns relataram certa dificuldade em contextualizar a gramática. Foi discutido sobre a
importância do livro didático como recurso pedagógico, mas principalmente, o trabalho que o
professor desenvolve com o livro. Por fim, houve a avaliação e os informes.
No encontro de abril foi trabalhada a oficina Generalidades da Arte Poética, com a
conterrânea especialista na área, Ana Maria Nascimento, buscando a compreensão em relação
à poesia e seus elementos, versos, rimas e estrofes e uma orientação para o trabalho em sala
de aula. Foi declamada a poesia Amor Secreto (Ana Maria Nascimento) e os professores
construíram um poema em conjunto com o tema da amizade. Para finalizar, foi socializada
uma aula de campo com professores e estudantes para a Universidade de Fortaleza, em que
participaram de uma exposição denominada “Caminhos da Arte”. Os professores solicitaram
um passeio cultural e ficaram combinados os temas para os meses seguintes.
Os demais encontros seguiram a sistemática da formação contínua: acolhida,
memória do encontro anterior, relato das atividades desenvolvidas na escola e oficina com
uma temática específica. Foram trabalhados vídeos, músicas, livros imagéticos, como
Catarina e Josefina (Eva Furnari). Outras temáticas solicitadas pelo grupo foram planejamento
e avaliação. Também foram feitos estudos de fundamentação teórica e atividades em grupos
menores.
Ao longo do ano os professores foram bem ativos na escolha das temáticas que
desejavam estudar, bem como na organização e condução do processo formativo. Atendendo
a mais uma solicitação do grupo foi feita uma viagem cultural à cidade de Fortaleza. Com
agendamento prévio, os professores visitaram a Casa de José de Alencar, o Museu do Ceará, e
a Academia de Letras. O percurso continuou por igrejas do centro da capital, Mercado
Central, Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, Jardim Japonês. Os professores mostraram-
se bastante entusiasmados com o passeio cultural, com as aprendizagens que ultrapassaram as
paredes da sala de aula e os limites do município aracoiabense.
Cada ano da formação é permeado de desafios e conquistas. O ano de 2011
iniciou com o receio dos professores em trabalhar o livro didático adotado e finalizou com o
grupo bem tranquilo em relação aos gêneros textuais.
124
Dia do 27 09 13 06
encontro
O encontro do dia vinte sete de janeiro começou com a leitura deleite Recomeçar
(Carlos Drummond de Andrade). Na sequência houve uma avaliação da formação
desenvolvida ao longo do ano de 2011. Os professores avaliaram como pontos positivos: a
acolhida aos temas que eles sugeriram para ser desenvolvidos na formação; o clima amistoso
com que os trabalhos foram desenvolvidos; o companheirismo dos pares; a possibilidade de
levar novas estratégias para a sala de aula e dinamizar a prática educativa. Os pontos
negativos foram em relação ao não cumprimento por parte de alguns professores do horário
acordado no coletivo. Foi feito um estudo em grupo com o texto Unidade de Leitura: “Água”
(Ezequiel Teodoro da Silva). Em seguida, os professores elaboraram uma sequência didática.
Foi desenvolvido o planejamento das ações para o primeiro semestre. Houve alguns
encaminhamentos e a avaliação do encontro.
O encontro do dia nove de março foi iniciado com uma mensagem em
homenagem as mulheres. Em seguida, foi feita a memória do encontro anterior. Houve uma
rodada de conversa sobre o que os professores haviam desenvolvido em sala de aula.
Começou uma discussão sobre gêneros textuais a partir do conhecimento prévio dos
professores. As informações por eles fornecidas foram registradas no quadro e o formador fez
uma sistematização, ilustrando vários gêneros. Após este momento, foram trabalhados os
tipos textuais contrastando-os com a noção de gênero textual. Foram trabalhados provérbios,
paródias e paráfrases através de oficinas em equipes. Foi feita a avaliação do dia e os
encaminhamentos.
O encontro do dia treze de abril começou com a acolhida e na sequência foi feito
o resgate do encontro anterior realizando uma atividade com provérbios populares. Os
professores socializaram as atividades desenvolvidas em sala de aula. Na sequência, o grupo,
dividido em grupos, analisou os resultados do SPAECE 2010-2011 nas escolas municipais,
desenvolvendo uma atividade de interpretação de gráfico. Através desta atividade os docentes
experimentaram as dificuldades sentidas pelos estudantes ao interpretar gráficos. Houve uma
discussão sobre as avaliações externas e as dificuldades enfrentadas em sala de aula com
relação aos descritores e a elaboração de itens para avaliação.
O último encontro do semestre aconteceu no dia seis de junho. A acolhida se deu
com uma dinâmica “uma viagem ao museu do tempo”. Foram exploradas imagens antigas de
Aracoiaba, levando os professores a uma retrospectiva, instigando à recordação de fatos e
histórias que fizeram parte de suas vidas. A dinâmica foi associada ao gênero de memórias
literárias. Os professores desenvolveram atividades em pequenos grupos com os gêneros
126
O presente capítulo ecoa as vozes do professor que no chão da sala de aula se faz
humano e busca através da leitura libertar os seus estudantes. Aqui, desvelo o que é feito no
impasse entre o escrito e o vivido, entre a formação no grupo e o cotidiano das escolas da rede
pública de ensino.
A formação contínua de professores não deve ser entendida apenas como um
momento de atualização dos conhecimentos científicos prontos e acabados, mas como uma
troca de experiência que possibilite ao grupo participante o desenvolvimento da capacidade de
se tornar um professor pesquisador de sua própria prática.
Na tentativa de compreender a relação entre a formação contínua e as práticas de
leitura a partir do olhar do professor dos anos finais do ensino fundamental realizei entrevistas
com professoras participantes do grupo de formação. Assim, as docentes falaram das
aprendizagens desenvolvidas no grupo, de como desenvolvem suas práticas pedagógicas e o
que aprendem ensinando leitura a estudantes dos anos finais do ensino fundamental.
Para a realização das entrevistas foram selecionadas seis professoras, sendo três
delas da sede municipal de Aracoiaba e três professoras da zona rural, representando os
docentes do grupo de pesquisa-formação. Na sequência, apresento o perfil das professoras
entrevistadas, trazendo alguns aspectos da sua formação, origem familiar, bem como
129
informações básicas sobre as escolas onde lecionam. A figura abaixo traz os codinomes das
professoras entrevistadas, as escolas onde atuam e a localização destas.
Ana Maria
Escola
Ciranda de
Estrelas -
Sede
Raquel Cecília
Pesquisa-
formação
Eva Clarice
Escola Escola
Catarina e Felicidade
Josefina - Clandestina -
Zona Rural Sede
Cora
Escola Os
meninos
verdes -
Sede
Ana Maria
Cecília
Clarice
Cora
Eva
Rachel
nos benefícios culturais e escolares (BATISTA, 2007). Elas trazem ainda originalidade na sua
situação cultural, pois imprimiram a marca do nível superior em suas famílias de origem.
Com relação à família atual, uma professora informou que o esposo concluiu o
ensino médio, quatro professoras informaram que o esposo tem o ensino fundamental
(completo ou não) e uma por ser divorciada não informou. As professoras também se
destacam de seus esposos com relação ao investimento feito na sua formação. Ao contrário
deles, elas constituíram uma longa escolarização.
Todas as professoras têm filhos. Quatro delas têm filhos cursando a educação
básica e uma delas têm filhos no ensino superior e na educação básica. Uma delas tem uma
bebê. A bagagem cultural das professoras revela investimentos na formação de seus filhos,
“de modo a investir em cada filho o máximo possível de recursos, para que eles possam
realizar o futuro que se almeja para eles” (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2004, p. 78).
As professoras tiveram uma relevante mobilidade social e cultural em relação aos
seus pais, o que é revelado pela distância entre o nível escolar das docentes e o de sua família
de origem. Elas estão realizando investimentos significativos na educação de seus filhos.
Nesse caso observo que não foi propriamente uma busca dos professores, muito
embora eles considerem importante participar de formações constantemente. Essas falas
revelam que para participar da formação continuada, os professores da educação básica
constituem um grupo de profissionais que dependem, em boa parte, da iniciativa dos órgãos
gestores os quais são vinculados. Por isso, é de fundamental importância uma política pública
de formação contínua para os professores das diversas áreas do conhecimento.
Nesse sentido, o desenvolvimento da formação contínua de professores da
educação básica não deve ficar a mercê da vontade política de um gestor que ocupa o poder
por um tempo determinado. Ela deve ser pensada e efetivada como uma ação contínua, que
não sofra interrupção com a mudança de quem está à frente das decisões da educação. É
importante também que ela seja pensada como um projeto coletivo, posto que, “um dos
limites para o alcance das propostas de formação é que dirigem-se aos professores a título
individual, sem estarem integradas num projeto coletivo ou institucional” (NASCIMENTO,
2011, p. 80).
Tratar a formação como projeto coletivo é pensar na importância do grupo como
espaço de aprendizagem. Os depoimentos abaixo sinalizam como os participantes da
formação contínua para professores dos anos finais ensino fundamental do município de
Aracoiaba pensam a respeito do grupo.
Ah, esse grupo foi bom demais [...], foi assim uma aproximação maior dos
professores porque praticamente os colegas não se encontravam e naquele
encontro havia uma harmonia melhor entre os colegas [...] (significa) essa
amizade, aquele aconchego, ficava naquela expectativa “– tal dia tem o
encontro”, todo mundo se reencontrava. Pra mim, foi muito importante
(Cora).
Nesse grupo, primeiro, a gente criou muitos laços de amizade. Houve muitas
contribuições para nossas práticas pedagógicas. Aprendi muito com o
grupo. Era um pessoal que a gente via que eram pessoas iguais a nós. Não
tinha ninguém que quisesse ser mais do que os outros. Todo mundo estava
ali para aprender, adquirir práticas pedagógicas, para adquirir
experiências uns com os outros (Cecília).
139
O que eu aprendi com essas práticas foi exatamente avaliar a minha prática,
a refletir sobre as minhas ações, a avaliar o que dava certo e o que não
dava certo em minha sala de aula e procurar fazer melhor para atingir os
objetivos de determinada aula (Rachel).
Aprendi muito com os relatos das aulas que os colegas elaboravam e que
executavam em sala de aula. Isso servia também para que eu aproveitasse
muito dessa experiência, desse trabalho deles na execução do meu trabalho
(Rachel).
141
Conheci muito a partir daí, mas eu percebi que eu preciso conhecer bem
mais. Então, despertou em mim a busca de mais leituras que enriquecessem
o meu trabalho. E como professora despertou em mim o desejo de
desenvolver vários projetos para motivar a leitura dos alunos, pois a gente
vê que há uma defasagem na leitura, no hábito de leitura dos alunos. Então,
a partir daí eu comecei a pensar e já estou fazendo vários projetos voltados
para a motivação da leitura. E sempre que eu vou aos encontros de
formação, eu recebo suporte para isso e vou montando (Eva).
Eu lembro bem das leituras teóricas, uma leitura que me chamou muito a
atenção foi a leitura do teórico Bakhtin sobre a questão dos textos e isso me
auxiliou muito porque a partir daí eu comecei a compreender melhor, a
entender melhor os gêneros, os tipos textuais. Bakhtin, Marcuschi, essas
leituras me marcaram muito e eu pude entender melhor até a diferenciar
gênero e tipo. Muitas vezes a dúvida bate e a gente tem que recorrer, com
certeza, a essas fundamentações teóricas. Sempre eu recorro a essas leituras
142
até porque os gêneros são muito vastos, muito variados e a gente sempre
que a dúvida aparece precisa estar indo e voltando nessas reflexões
teóricas, nessas leituras (Rachel).
Me despertou para ler mais. Eu sempre gostei de ler, mas eu não refletia
sobre a necessidade de leitura. Então, até hoje eu reflito que preciso ler,
tanto para a minha vida profissional como para meus filhos, que eu fico
sempre batendo na mesma tecla que tem que ler para seu desenvolvimento
intelectual, tem que ler bastante, pois com a leitura que você vai adquirir
muitos conhecimentos para todos os hábitos da sua vida. Eu procurei
despertar nos alunos a vontade de ler, procurei mostrar para eles que um
dos itens principais é a leitura para a vida estudantil e para a vida inteira
(Clarice).
descobrir uma maneira de causar essa sede nos meus alunos pela leitura. A
gente percebe que os alunos não têm vontade de ler, não gostam de ler.
Então, eu percebi que eu tenho que desenvolver neles essa vontade e foi
nessa formação que eu encontrei técnicas que fazem com que meus alunos
sintam sede de estudar, de ler, ler mesmo (Eva).
Ah, demais, porque antes eu lia mais assim, a Bíblia, os versículos, aquela
parte dos Salmos. Já a partir daquelas leituras (no grupo) até que eu
procurava sempre livros diferentes de leitura para dentro da leitura trazer
um parágrafo, às vezes, uma frase para reflexão antes de começar a aula
(Cora).
Porque assim, a gente relatava tudo o que foi dado. Porque era a partir daí
que você analisava onde você errou, o que você acertou, o que precisava
melhorar, tanto na sua parte como na parte dos alunos. Porque você jogava
duas atividades, você ia fazer com os alunos e depois analisar, aí você ia
descrevendo. Porque às vezes eu percebia assim, você passa uma atividade,
corrige uma atividade e morre ali, mas no caso que você se preocupava que
tinha que relatar, que você tinha que descobrir cada pontinho, então, isso aí
foi muito válido no sentido de reflexão porque você descobria onde era sua
falha, onde você tinha falhado e também você descobria automaticamente
onde era que o menino estava precisando mais (Cora).
Depois que eu tive o meu portfólio em mão e foi avaliado pelo meu
formador, eu percebi que as falhas que a gente tinha eram transformadas
em ideias inovadoras. Eu percebi o quanto que a gente podia melhorar.
Muitas vezes a gente faz um trabalho e não sabe se foi positivo ou não.
Então, a partir dali, que eu peguei meu portfólio, vi todas as minhas aulas
desenvolvidas com as observações feitas, onde já estava bom, onde eu podia
melhorar, eu aprendi que dentro desse portfólio estava toda a minha riqueza
de trabalho. E a partir dali eu vi as minhas falhas e onde eu posso melhorar.
E agora eu só sei fazer o melhor, não sei mais fazer o contrário não, só faço
o melhor. Olhando os meus portfólios, eu faço sempre o melhor (Eva).
Como uma onda no mar (Lulu Santos) – eu achei legal porque eu também fiz
a predição, perguntei a eles o que tinha a ver esse tema e cantamos porque é
uma música muito conhecida. Levei Xerox e eles associaram as ondas do
mar com os momentos da nossa vida porque tem tudo a ver. Eu achei
interessante a interpretação de uma turma do sétimo ano porque eles
souberam levar para os momentos da vida, para o cotidiano e eles
interpretaram muito bem. Além de a gente cantar, a gente também leu.
Fizemos uma atividade individual relacionada ao texto (Clarice).
comunicativas do cotidiano. Nesse sentido, “os gêneros não são instrumentos estanques e
enrijecedores da ação criativa. Caracterizam-se como eventos textuais altamente maleáveis,
dinâmicos e plásticos” (MARCUSCHI, 2007, p. 19). Cotidianamente surgem novos gêneros,
o que caracteriza os gêneros textuais como infinitos.
As atividades com gêneros textuais numa perspectiva interativa ampliaram a
competência discursiva dos estudantes, tornando-os sujeitos do processo e ampliando o seu
letramento, a capacidade de utilizar os diversos gêneros, considerando os interlocutores, os
objetivos e a natureza do assunto (SOARES, 2002).
Os encontros de formação com o grupo no segundo semestre de 2009 tiveram
como embasamento a perspectiva dos gêneros textuais. Assim, foram oportunizadas aos
professores inúmeras leituras e discutidas diversas possibilidades de trabalhá-las com os
estudantes. Assim como no momento da formação no grupo, as professoras criaram
estratégias visando à construção do conhecimento entre os estudantes e com isso o surgimento
de novos fazeres nas salas de aula dos anos finais do ensino fundamental.
A avaliação do ano de 2009 sinalizou que o trabalho com os gêneros textuais foi
fundamental para o trabalho docente com a língua portuguesa. Desta feita, os docentes
solicitaram que no ano de 2010 continuassem os estudos dos gêneros textuais, acrescentando
gêneros que não foram estudados na formação em 2009. Os excertos abaixo trazem algumas
atividades desenvolvidas na formação no ano de 2010 e que foram selecionadas e trabalhadas
em salas de aula pelas professoras.
Filme: Como estrelas na terra toda criança é especial [...]. Às vezes a gente
pensa, a pessoa é cega e acha que não faz aquilo porque é cego, porque tem
uma deficiência e a maioria das crianças enxerga, tem tudo perfeito para
que estudasse, para que tivesse uma vida melhor e não aproveitavam. É
tanto que eu falei, falei e convidei o Toinho (poeta e radialista), ele foi, fez
uma palestra e o diretor até juntou as turmas e fez a palestra lá no
auditório, inclusive ele fez música, fez poesia e os meninos ficaram assim
encantados e ele não enxerga. [...] Começou a partir daí, mostrar que a
deficiência não era problema, que a gente podia vencer a partir da sua
vontade, do seu querer (Cora).
[...] Eu pedi que eles fizessem uma entrevista em casa, perguntando às mães
o que eles podiam e não podiam fazer e por que. Eles trouxeram essas
respostas para a sala de aula. Eles formaram várias equipes, leram suas
respostas e formaram um texto. Depois, os quatro grupos juntaram os seus
textos e formaram um texto só (Cecília).
[...] nós trabalhamos muito no sexto ano porque é um texto dentro da idade
deles, dentro do que eles passam. Foi muito interessante. A gente fez um
questionamento. Cada um deu o seu depoimento se a mãe fazia isso que é
relatado no texto, que você em um momento é grande e em outro momento é
pequeno. Todos os alunos deram o seu depoimento e realmente acontecia
em casa. Em seguida, nós trabalhamos a atividade de forma pessoal, pois
cada aluno foi desenvolvendo à maneira como acontecia com cada um
(Clarice).
[...] foi muito trabalhado e assim muito debatido na sala porque eles diziam
logo no início “– tia, eu não entendo essa mulher porque uma hora o
menino é pequeno, outra hora o menino é grande, uma hora o menino pode,
outra hora o menino não pode”. Foi assim muito, até eu pedi exemplos,
para eles contarem o que os pais deles diziam, que maneira que o pai
tratava quando eles eram pequenos, o que o pai deixava, o que não deixava
e eles começaram a falar. Aí sabe como é, começa aquele tumulto, todo
mundo querendo falar. Não foi nem nada escrito não, foi a parte mesmo
oral, eles falando. Levou a aula todinha, porque cada um queria dar o
exemplo que acontecia em casa (Cora).
151
[...] fiz como manda o livro didático, de início a predição. Eu aprendi muito
bem a predição na formação, saí bem doutora na predição. Então, eu fiz
“Grande ou pequeno?”, trabalhei esse texto. Primeiro, eles fizeram a
predição do assunto e, em seguida, eu pedi que eles elaborassem critérios de
coisas com valores na vida deles e assim eles fizeram. Depois foi que
trabalhamos a interpretação oral e escrita (Eva).
[...] eu lembro que a gente trabalhou bastante com esse textozinho, inclusive
casando muitas vezes com a música Brincadeira de Criança (Molejo).
Grande ou pequeno lembra essa questão da infância e a gente acabou
casando com a música, fazendo uma ponte entre um e o outro texto.
Primeiro, eu comecei com uma sondagem a respeito das brincadeiras que
eles faziam ou gostavam de fazer na infância. E a gente fez uma lista dessas
brincadeiras, executamos algumas dessas brincadeiras em sala de aula.
Depois partimos para o texto Grande ou pequeno, apresentando
inicialmente só o título e eles foram levantar novamente as hipóteses sobre o
que o texto trataria e foram várias. Uns diziam que ia falar de uma pessoa
que era grande, outros pequenos, de um objeto. A gente apresentou o texto,
inclusive lá no livro ele tem uma imagem e essa imagem já ajudou bastante
porque é um garotinho sentado numa escada e ele diz: “– mais respeito
comigo, eu sou criança”. E eles já foram entrando na linha do texto que é
exatamente falando dessa questão de ser grande para determinadas coisas e
pequeno para executar outras ações, fazer outras coisas. Foi bastante
interessante. Ao final, como foi trabalhada a música, a gente perguntou se a
música tinha alguma relação com o texto, no que eles eram semelhantes, no
que se diferenciavam. Inclusive já até trabalhando a questão gênero porque
Grande ou pequeno é um poema e a canção já é outro gênero. Eles já foram
fazer essas distinções porque eles foram apresentar as semelhanças e as
diferenças entre os dois gêneros (Rachel).
Lembro que o formador trouxe várias fotos antigas de Aracoiaba. Coisas até
que eu nem conhecia. Eu trabalhei em sala, mas pedi aos meus alunos que
trouxessem de casa fotos antigas do nosso lugar, de como era a igreja
antigamente; um casarão muito bonito, que depois foi transformado em
maternidade. Então, a gente refletiu sobre as coisas de antigamente que
foram transformadas através dos tempos pelo homem. A gente trabalhou a
questão da lembrança, voltar ao passado, relembrar aquelas coisas. E todos
eles acharam muito bom. Eu lembro também que uma vez a gente fez uma
gincana e nos relatos de memória era para trazer o casal mais antigo da
comunidade e um objeto bem antigo da comunidade. E isso foi um momento
de muita interação entre os alunos. Mexeu muito com as turmas. Foi um
momento riquíssimo desse casal de idosos, eles receberam flores, foram
homenageados pelos alunos e por nós professores. Foi um momento muito
bom, muito rico na nossa escola (Cecília).
Provérbios [...] eu pedi que eles fizessem uma pesquisa com os mais antigos,
os avós, com as pessoas que moravam lá onde eles moravam. Eu não queria
provérbios que tivessem no livro, nem que eles conhecessem. Eu queria
coisa diferente e para a gente fazer uma roda. E teve uns que trouxeram uns
provérbios que eu nunca nem tinha visto. Inclusive eu fiz até tipo um
livrinho de provérbios. Acho que esse livrinho está lá (Cora).
153
Assim como eu, eles aprenderam os gêneros textuais, que eu acho que foi o
que eu mais trabalhei e o que eu aprendi, porque na verdade o meu
conhecimento sobre esse assunto era pouco. Então eu acho assim, que são
assuntos, são textos, são problemáticas que a gente tem que aprender bem
para ensinar bem (Ana Maria).
encerramento do GESTAR II que nós fizemos foi uma entrevista e com isso
eu ajudei os alunos a organizarem a entrevista, mediante a experiência
anterior que fizemos no GESTAR II. Os estudantes ficaram menos inibidos.
Eu lembro que nesse momento proporcionei momentos de leitura e eles
ficaram concentrados (Clarice).
Eu percebi que meus alunos melhoraram bastante, claro que 100% não
foram, mas eu posso dizer que uns 90% com certeza melhoraram bastante
na questão da leitura, na parte de escrita. Eles passaram a ler mais,
inclusive os livros que eu indico para eles, geralmente os livros somem
porque parece que eles tomam assim um amor pela leitura. Eu sempre
procuro motivar essa questão da leitura. Os livros ficam até meio gastos.
Eles dizem: “– poxa, tia, o livro está gasto, está velho”, mas eu digo para
eles que isso é bom, porque é sinal de uso, é sinal de que estão usando o
livro. É melhor do que ele está lá guardadinho na estante, sem uma
marquinha. Então, eu percebi que eles passaram a ler mais, eles
melhoraram na parte de escrita. Percebi que o interesse deles, quando você
prepara uma aula diferente, uma aula em que você percebe que tem toda
uma estrutura, um começo, um meio, um fim, eles se interessam mais, eles se
dão mais e eles participam mais, com certeza. Foi positivo demais (Rachel).
A leitura está presente no nosso dia a dia. É muito importante que a gente
ensine aos estudantes que ler não é só decodificar, é procurar entender o
que está escrito, procurando ser uma pessoa crítica, levantando questões,
fazendo perguntas, interagindo com os demais. Eu aprendo muito com os
estudantes porque eu sou apenas uma facilitadora. Eu costumo sempre dizer
para eles: “– pessoal, a gente não sabe de tudo, a gente está aqui para
aprender juntos”. Uma vez eu li um texto que falava do elo da corrente, pois
o que eu aprendi, aprendi de alguém e vou repassar para alguém (Cecília).
Eu sou uma pessoa que pego muitas ideias, eu gosto muito de copiar, mas
também fazendo da minha forma. Então, eu usava muito a formação com os
professores e trazia para a sala de aula. O que eu via que dava para
repassar para os alunos eu repassava. Eu aprendia muito lá na formação,
mas também eu trabalhava da minha maneira, da melhor forma possível
para eles entenderem. Como o formador era muito bom, eu sempre elogio
que o formador era muito didático, usava muitas metodologias, a formação
não era cansativa. Por isso que eu não perdia. O formador repassava as
coisas de uma maneira tão simples que a gente não sentia dificuldade, ainda
mais com o nosso grupo de trabalho, em que os professores são todos
amigos. Até hoje a gente se encontra e fala. A gente se tornou um grupo de
amigos mesmo para valer. Então, eu não sentia dificuldade de trabalhar em
157
Eu percebo que essas duas aprendizagens são bem paralelas, não tem como
a gente desvincular uma da outra. O que eu aprendo no grupo, no curso de
formação continuada é algo que vai permanecer na minha vida e na vida
dos meus alunos e não dá para tirar, vai sempre está ali, no intuito de
melhorar sempre alguma coisa na aprendizagem dos alunos. Esses
conhecimentos que a gente tem dentro da nossa prática pedagógica, há uma
necessidade deles também existirem. A gente tem que pegar um
conhecimento ao outro, juntar e desenvolver da melhor maneira na sala, de
uma forma que não atrapalhe a aprendizagem dos alunos (Eva).
No momento eles (núcleo gestor) pedem, ficam só pedindo, tem isso, tem
aquilo, só que eles não dão assistência, você tem que se virar só. Quando
tinha a formação no grupo o professor tinha a quem recorrer, tinha o curso
que orientava, dava caminhos para que você andasse e depois não, o
professor ficou sozinho tentando buscar da melhor maneira que achasse na
sala de aula. Foi tirado esse dia para a gente fazer o plano, mas não tem
assim uma pessoa, se você tiver uma dúvida não tem uma pessoa para
orientar, você faz da maneira que acha que tá correto (Cora).
A formação deve ser pensada e efetivada como uma ação permanente, que não
sofra interrupção com a mudança de quem está à frente das decisões da educação. É
importante também que a formação seja pensada como um projeto coletivo, posto que, “um
dos limites para o alcance das propostas de formação é que dirigem-se aos professores a título
individual, sem estarem integradas num projeto coletivo ou institucional” (NASCIMENTO,
2011, p. 80).
O depoimento de Cora também deixa claro que reservar um tempo na carga
horária semanal do docente para o planejamento de suas ações não surte o efeito esperado se
não tiver um acompanhamento por parte do coordenador pedagógico, por exemplo. O
professor sente a necessidade de partilhar, de refletir no coletivo conforme habituou-se nos
encontros de formação com o grupo.
Compreendo como Pimenta e Lima (2009, p. 130) que “a docência se refere não
apenas ao domínio dos conteúdos nas diversas áreas do saber e do ensino, mas também à
própria prática didático-pedagógica e, acima de tudo, à compreensão da política educacional
na qual essa prática se insere”. Partindo desta premissa, solicitei às professoras que
avaliassem como a participação no grupo favoreceu a sua prática profissional nas dimensões:
conceitual, metodológica e política. Com relação à dimensão conceitual assim falaram as
professoras:
Mudou a maneira de ver, que ficou mais ampla, porque é assim quando você
começa a estudar você começa a ver as coisas mais claras, começa a ver
por outro ângulo. Quando você se limita só naquilo fica uma coisa escura e
a partir disso aqui você já vê a coisa bem além, já tem como você refletir em
cima de qualquer assunto, sente mais facilidade (Cora).
Eu aprendi a ver que, por exemplo, se eu preparo uma aula e aplico aquela
aula e deu certo com boa parte da turma, mas a outra parte da turma não
deu, eu já vou preparar uma nova ação para fazer com que a aprendizagem
atinja a todos os alunos. A gente nunca tem uma sala toda positiva, tem
sempre uns alunos que têm umas dificuldades maiores que os outros e
quando a gente elabora um trabalho que é para elevar o desempenho da
turma e a gente não consegue, eu aprendi que a gente tem que observar,
fazer o trabalho, observar, refletir e não deu certo, então vamos ver uma
nova maneira para dar certo e assim até dar certo de verdade (Eva).
Rachel revela que a formação favoreceu assumir a metodologia com uma postura,
compreendendo que o “imbricamento entre a teoria e a prática é o processo de pesquisa que se
desenvolve ao longo de toda formação profissional” (GHEDIN; ALMEIDA; LEITE, 2008, p.
15).
Um processo de formação contínua proporciona mudanças várias aos seus
participantes. Pode-se afirmar que “consiste em dar significado às experiências, agora
resgatadas, podendo contribuir para uma tomada de consciência individual e coletiva”
(PIMENTA; LIMA, 2009, p. 133). Com relação às mudanças na dimensão política assim
comentaram as professoras.
Nossos alunos não são assim 100%, mas a gente já vê uma criticidade
bastante evoluída dentro de sala de aula. A gente vê que o aluno já tem um
pensamento formado, o aluno já sabe reivindicar, já sabe dizer o que ele
quer, o que está errado, o que não está. Isso também melhorou. Na medida
em que ele leu, interpretou, ele também vai desenvolver essa criticidade nele
(Clarice).
Assumindo uma postura crítico-reflexiva, a escola faz muito mais do que trabalhar
conteúdos, discute a realidade vivenciada pelos estudantes e propõe um exercício crítico sobre
as questões do cotidiano local que, de uma maneira ou de outra, afetam o espaço escolar.
Freire propõe que o educador esteja convicto de que a mudança pode ser difícil,
mas é plenamente possível. Para tanto, o professor precisa estar comprometido com sua ação
que não é apenas pedagógica, mas também política. Por isso mesmo é impossível uma prática
pedagógica neutra (FREIRE, 1997).
Pimenta e Lima (2009) asseveram que a formação contínua assentada nas
dimensões conceitual, metodológica e política considera a escola como ponto de partida e
ponto de chegada de tal processo.
A formação contínua vivenciada pelos professores de língua portuguesa dos anos
finais do ensino fundamental de Aracoiaba considerou a prática cotidiana dos docentes
aliando-a a estudos de fundamentação teórica em um processo crítico reflexivo.
Esse aprendizado no curso de formação vai ficar para toda a vida. É uma
formação que é atemporal. Pelo menos é assim que eu penso. Ela não está
presa no tempo, ela vai além. Então, o que eu aprendi no grupo eu vou levar
para todo o sempre. Com certeza, eu jamais vou esquecer aquilo que foi
trabalhado. Até hoje as fundamentações teóricas, todo o material
trabalhado, eu sempre procuro está utilizando na minha sala de aula com os
meus alunos, seja pegando outros textos, mas sempre seguindo naquela
perspectiva da gente, que é de melhorar, de crescer, de fazer a leitura
acontecer, que seja uma leitura para a vida. Eu ainda continuo fazendo uso
desse aprendizado (Rachel).
7 ARREMANTANDO OS NÓS
Muitos fios compuseram este texto; num movimento de idas e vindas, entrelacei-
os para que esta tese fosse tecida. O arremate dos nós nunca é final, pois sempre é possível
puxar uma nova ponta de fio e coser outro tecido.
Esta tese buscou compreender a relação entre a formação contínua e as práticas de
leitura de docentes dos anos finais do ensino fundamental de Aracoiaba-CE. Considerando
que tais professores participavam de um grupo de formação, interessou saber o que um grupo
de professores faz no impasse entre o escrito e o vivido, ou seja, entre a formação no grupo e
as práticas de leitura no cotidiano das escolas.
O meu interesse em investigar a formação contínua de professores e suas práticas
de leitura resulta do encontro e da ressignificação de experiências pessoais e profissionais
aliadas ao meu itinerário formativo. Tais momentos não foram desenvolvidos isoladamente,
mas na relação com o outro.
O diferencial deste trabalho foi o desafio de desenvolver uma investigação com
um grupo de professores do qual também faço parte. Convivi, experimentei, partilhei e
compartilhei das alegrias e das dores de ser professor de língua portuguesa em uma rede
municipal de ensino, no interior do estado. Essa pesquisa, portanto, é fruto de um problema
emanado da prática profissional. Nesse sentido, como pesquisador, não inventei um problema,
mas sim, busquei compreender um fenômeno que surgiu de um problema do meu cotidiano
profissional.
Assim fui me constituindo professor, formador, pesquisador, participando de um
grupo com outros colegas professores que buscavam ler além dos livros, compreendendo a
importância da leitura de mundo, buscando desvendar os mistérios da docência e olhando para
o futuro com o desejo e a ousadia de empreender novas histórias.
Para tal intento, desenvolvi uma cultura de análise e formação com um grupo de
professores de língua portuguesa dos anos finais do ensino fundamental, em Aracoiaba-CE. A
questão: “que articulação os professores dos anos finais do ensino fundamental estabelecem
entre a formação contínua e as práticas de leitura?” guiou os caminhos desta pesquisa-
formação desenvolvida no contexto do Programa de Incentivo ao Desenvolvimento da
167
inserindo novos conceitos. A busca de fundamentar suas práticas fortaleceu as bases dos
professores, favorecendo uma compreensão de que são capazes de construir seu
conhecimento, que não são meros executores de algo pensado por outrem.
Analisar os relatos de práticas leitoras dos professores dos anos finais do
ensino fundamental de Aracoiaba e sua relação com a formação contínua. Além do
sentimento de pertença a um coletivo, de aprendizagem com os colegas de profissão, os
professores sinalizaram que a formação oportunizou o crescimento pessoal e profissional,
favorecendo mudanças positivas no ambiente escolar, pois levaram as aprendizagens para
suas escolas, planejaram aulas mais dinâmicas, trabalharam a leitura de várias formas e com
diferentes objetivos. Os gêneros textuais saíram da condição de terrível vilão e foram
compreendidos como prática social de leitura e escrita, possível de ser trabalhada na escola.
Os docentes assumiram a leitura como fundamental para o seu crescimento pessoal e para o
exercício da docência. A participação no grupo aflorou o desejo de ler e de refletir sobre
leituras várias. O hábito leitor desenvolvido no grupo influenciou os professores a
estimularem ainda mais os seus estudantes à prática leitora, utilizando estratégias e textos
diversificados.
A investigação trilhou uma postura metodológica nas relações estabelecidas entre
a reflexão e ação com os professores, construindo novos significados para a prática cotidiana
dos sujeitos, com vistas à tomada de consciência individual e coletiva. Buscando não apenas
investigar ou descrever as práticas dos professores participantes do grupo, mas, sobretudo,
transformá-las, recorri aos temas metodológicos da pesquisa-ação como alternativa viável
para o desenvolvimento do processo de pesquisa-formação, permeado pelo compromisso com
o coletivo de formação e garantindo a realização da investigação. Os temas metodológicos da
pesquisa-ação permitiram o diálogo entre teoria e prática, possibilitando uma efetiva
participação dos sujeitos no processo de concepção e de desenvolvimento das atividades,
favorecendo uma reflexão sobre a prática, uma (re)elaboração das situações e promovendo a
autoformação, a formação coletiva no processo desta pesquisa-formação.
A pesquisa-formação desenvolveu-se a partir de um movimento contínuo de
reelaboração de acordo com as necessidades apresentadas pelos sujeitos envolvidos,
caracterizando o seu viés pedagógico, ético e político. O caráter formativo aconteceu porque
os pressupostos da pesquisa-formação favoreceram a tomada de consciência das
transformações individuais e das delineadas com o grupo de professores ao longo do
processo. Assim, o caráter individual de pesquisa foi transposto, assumindo um aspecto
coletivo.
170
A opção pelo trabalho com o grupo de professores possibilitou que eles aprendessem
uns com os outros e, juntos, construíssem os conhecimentos necessários ao
desenvolvimento de práticas de leitura nas escolas de ensino fundamental. Assim
estiveram presentes o diálogo, a participação, a confiança e o exercício da pergunta.
Os estudantes leem gêneros textuais diversos e sofrem grandes influências das mídias
digitais. Com relação aos gêneros literários, leem poesias, contos, crônicas e
romances, sobretudo, os modernos (Best Sellers) e os adaptados, com nova linguagem
ou forma de apresentação.
172
O exercício do registro reflexivo das ações desenvolvidas ultrapassou algo que foi
acordado como atividade do grupo e vários docentes incorporaram essa tarefa à sua
prática.
Os docentes da educação básica não são meros objetos de pesquisa de outros, mas a
partir de uma ação refletida podem externar como o seu trabalho pedagógico está
sendo desenvolvido, quais as suas inquietações, como os diversos agentes envolvidos
no processo educacional podem ajudá-los a desenvolver o seu fazer docente.
A qualidade da educação passa pela formação inicial e contínua e pela valorização dos
profissionais da educação, aliada a uma prática docente com o apoio de gestores
escolares e os diversos órgãos ligados à educação.
Os professores lidam com vários desafios no cotidiano das escolas, porém o que mais
incomoda é a divulgação de índices de aprendizagem, sejam internacionais, nacionais,
estaduais ou locais, que comprovam que os estudantes não apreendem
satisfatoriamente os conteúdos trabalhados. Diante de tais resultados, geralmente, os
olhares externos e internos à escola se voltam para o professor e o desenvolvimento de
seu trabalho, sem levar em conta outros fatores intervenientes para além do espaço da
sala de aula e camuflando a crise educacional.
sociedade cidadã não basta. Se não houver reconhecimento social e valorização, com
formação contínua (em que o professor seja sujeito da construção), além de uma política
salarial digna, com condições materiais e de infraestrutura adequadas ao exercício da prática
pedagógica, a qualidade da educação básica não será realidade. Um trabalho coletivo se faz
quando várias vozes ecoam, são escutadas e refletidas para que fio a fio seja tecido o contínuo
processo de formação docente.
176
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Escolarização:
Ensino Fundamental I ( ) escola pública ( ) escola particular
Ensino Fundamental II ( ) escola pública ( ) escola particular
Ensino Médio ( ) escola pública ( ) escola particular
Escolarização dos pais e irmãos (se for o caso, do (a) esposo (a), dos filhos)
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6 Os Quadros Sinóticos anexos trazem um panorama do que foi trabalhado nas formações de
língua portuguesa nos anos de 2009 a 2012. Considerando que um dos objetivos das
formações consistia em o professor ressignificar os conteúdos trabalhados e os levar para suas
salas de aula, selecione pelo menos três das atividades elencadas e reflita de que maneira elas
foram trabalhadas com os estudantes.
11 Como você avalia a formação feita no grupo e a formação no cotidiano da sala de aula
(avaliações externas, internas – a própria epistemologia da prática, os conhecimentos que
você adquire fazendo)?
Olha o Olho da Menina Escola chata Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
(Marisa Prado)
Zoom (Istvan Banyai) O ponto Etapas fundamentais do processo de produção de
texto: ênfase à correção, revisão e avaliação
Grande ou pequeno? (Pedro Lições dos Golfinhos Uma proposta para o letramento (Magda Soares)
Bandeira)
Telha de Vidro (Rachel de O maestro A escolha do livro didático de língua portuguesa e
Queiroz) o uso desse material em sala de aula: implicações
para o ensino da escrita (Cicero Gabriel dos
Santos)
A Magia dos Sonhos (Elano Sete minutos O Livro Didático de Português (Ldp): A variação
Ribeiro) de gêneros textuais e a formação do Leitor
(Lovani Volmer e Flávia Brocchetto Ramos)