CONGADO DE SÃO JOSÉ DO TRIUNFO Natal-Jesus-de-Souza

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NATAL JESUS DE SOUZA

Geo – grafias no Tempo/Espaço: Uma abordagem Cultural Religiosa na Festa de Nossa


Senhora do Rosário em São José do Triunfo.

Monografia apresentada ao Curso de Geografia da Universidade


Federal de Viçosa como parte dos requisitos para a obtenção do titulo
de Bacharel em Geografia.
Orientador: Professor Doutor Leonardo Civale (DGE/UFV)

VIÇOSA – MINAS GERAIS


2014
NATAL JESUS DE SOUZA

Monografia apresentada ao Curso de Geografia da Universidade


Federal de Viçosa como parte dos requisitos para a obtenção do titulo
de Bacharel em Geografia.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________________
Professor Doutor Leonardo Civale - Orientador (DGE/UFV)

_______________________________________________________________
Professora Dra. Laura Pronsato (DAH/UFV)

___________________________________________________________________
Professora Bruna Cristina Flausino Santiago (DGE/UFV)

VIÇOSA – MINAS GERAIS


2014
A Deus, Nossa Senhora do Rosário, meus familiares, e especialmente
a uma pessoa incentivadora da qual amo muito minha esposa Nélia.
Agradecimentos

Em primeiro lugar agradeço a Deus pelo dom da vida e a Nossa Senhora do Rosário
por ser a mãe daquele que entregou sua vida por mim, Jesus Cristo e também ao Divino
Espírito Santo por ter me concedido o dom do discernimento e entendimento.
Aos meus pais Sebastião e Maria, a meus sogros José Francisco e Geralda e aos meus
irmãos e cunhados por acreditarem em mim. A minha esposa Nélia, meu xodó e meu coração,
por ter apoiado, incentivando e encorajando a sempre persistir em meus objetivos.
Agradeço a todos os professores do Departamento de Geografia que muito
contribuíram em minha formação, não citarei nomes porque cada um teve uma participação
especial nesta etapa de vida. Aos funcionários do DGE também fica minha gratidão. As
amizades que construir ao longo de minha formação, jamais poderei me esquecer, cada uma,
meu Deus, mas tudo bem! A Vida é assim mesmo. Não poderei também deixar de citar o Tio
Dola e Tio Zeca guardiões da memória da Festa de Nossa Senhora do Rosário pelas
informações preciosas que ajudaram na construção desta pesquisa tal como os demais sujeitos
da Irmandade de Congado de Nossa Senhora do Rosário pertencente ao Distrito de São José
do Triunfo, Viçosa – MG.
Agradeço a meu orientador professor Doutor Leonardo Civale por ter acreditado em
meu trabalho e por ter dedicado seu tempo a minha orientação.
SUMÁRIO

Introdução ................................................................................................................................... 6

1. Referencial Teórico ................................................................................................................ 8


1.1 Uma análise espacial ....................................................................................................... 8
1.2 Uma abordagem Cultural...................................................................................................... 9

2. A Difusão da Cultura Afrodescendente ................................................................................ 11


2.1 O Contexto Histórico .......................................................................................................... 11

3. Para entender a Festa ............................................................................................................ 16


3.1 Cores, Elementos e Significados. ....................................................................................... 16
3.2 A Devoção a Nossa Senhora do Rosário ............................................................................ 17

4. Dos Bastidores a festa: Apropriação dos Espaços ................................................................ 19


4.1 A Celebração ...................................................................................................................... 19
4.2 A Festa 12 pra 13 ................................................................................................................ 24

5. Material e Métodos ............................................................................................................... 26

6. Resultados e Discussão......................................................................................................... 27

7. Considerações Finais ............................................................................................................ 37

8. Referências Bibliográficas .................................................................................................... 38


Imagem de Nossa Senhora do Rosário
Introdução

A concretização deste estudo é fruto de um desejo de pesquisar a dinâmica cultural


religiosa em torno de uma festa tradicional do Distrito de São José do Triunfo: a Festa de
Nossa Senhora do Rosário. A festa ocorre nesta localidade desde 1930, portanto, se confunde
com a minha trajetória de vida, porque é o local onde resido desde minha infância. É parte da
minha história e da história dos moradores de São José do Triunfo e as lembranças da festa se
confundem com a minha e outras memórias de infância.
A elaboração desse trabalho representou um grande desafio, isto porque o distrito é
local de residência e alguns membros possuem parentesco com este pesquisador. Assim, o que
se apresentava como algo simples transformou-se em algo complexo. O maior desafio de
todos foi conseguir um distanciamento necessário para poder escrever sobre o tema com
alguma isenção.
No presente estudo deparamos com várias histórias dos guardiões da memória e dos
diferentes sujeitos que participam e vivenciam as festividades. As pessoas são levadas pela
devoção, simplicidade e dedicação e, tal fato, nos permite compreender a relação intrínseca
entre a religiosidade e cultura popular. Durante as festividades ocorre uma transformação do
espaço social de São José do Triunfo: as ruas do distrito se transformam em verdadeiros
corredores do sagrado e a própria igreja, altera toda sua organização interna para acolher estas
festividades. Vale ressaltar que a igreja católica tem um bom diálogo com esta manifestação
cultural religiosa dos afrodescendentes.
Para que este estudo produzisse frutos se fez necessário manter um diálogo com os
membros da Irmandade de Congado de Nossa Senhora do Rosário e, uma vez que alguns têm
um grau de parentesco com este pesquisador, este diálogo, facilitou a tarefa de me transformar
em um observador participante. Além, é claro, da bibliografia que debatia questões
relacionadas ao tema escolhido e instigavam a novas descobertas. O encontro desses
caminhos norteou nossos estudos.
Analisar os rituais religiosos foi importante para compreender a dinâmica e o sentido
desta festa para os habitantes locais. Sua realização se dá em cima da dedicação, oração e

6
devoção de seus membros e das pessoas que residem no distrito e, ainda que mostre a força da
comunidade local, não é apropriada por nenhum dos poderes políticos instituídos.
Esta pesquisa se originou de uma reflexão que perpassou toda a graduação em
licenciatura em geografia, mas começou a tomar forma no final do ano de 2013, quando
ingressei no curso de bacharelado em Geografia. O primeiro esboço veio à luz na disciplina
de projeto de pesquisa. Na ocasião apresentei o projeto sobre as marcas culturais religiosas em
torno da Festa de Nossa Senhora do Rosário no Distrito de São José do Triunfo pertencente à
Cidade de Viçosa – MG.
Definido o meu campo de estudo, trabalhei para colher as informações e compreender
a atuação dos sujeitos envolvidos com a festa que tem lugar no mês de outubro em uma região
marcada pela forte presença cultural e religiosa afrodescendente. Percebi que embora morasse
no local, eu não o conhecia em profundidade. Frequento a festa de Nossa Senhora do Rosário
desde minha infância e em torno de três anos para cá passei a registrar através de fotografias e
pequenos vídeos todas as ações do grupo durante a realização dos festejos e só agora posso
dizer algo sobre o assunto além do senso comum.
Além da coleta de informações, fez se necessário realizar entrevistas principalmente
com os guardiões da memória: o Sr. Dola, o Sr. Zeca e outros sujeitos membros da irmandade
de Nossa Senhora do Rosário. O comum entre eles é a fé em Nossa Senhora do Rosário. Ela
está presente desde o auxílio na difícil vida material até o amparo de uma vida espiritual.
Alcançar uma graça e pagar uma promessa é fato corriqueiro para essa comunidade. O
Rosário é o fio condutor da festa, o símbolo da fé e encontro com Nossa Senhora. Fecha-se
um campo simbólico: o ciclo do Rosário.
Esta pesquisa esteve sempre amparada em bibliografias de referência relacionada com
o tema que serviu de fonte para compreender a dinâmica da festa na visão de outros analistas.
Todos concordam que as transformações ocorridas no espaço geográfico não se resumem aos
interesses econômicos. A ação humana imprime no espaço características físicas e sociais a
partir de uma teia de relações sociais que tem interesses econômicos, sociais, políticos e
culturais.
A marca desse estudo é salientar que os elementos culturais funcionam como uma
chave para entender as diferenças de um determinado lugar, expressas nos signos e
significados do espaço sagrado.

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O contexto histórico desse estudo sobre a cultura afrodescendente na expressão
religiosa do Distrito de São José remonta à colonização e a chegada de um expressivo
contingente de escravos negros oriundos do continente africano. O negro sempre foi
considerado como um fator da dinâmica econômica no território. No entanto, como comprova
a Irmandade de Congado de Nossa Senhora do Rosário, e suas manifestações religiosas a
dinâmica cultural também deve ser considerada.

1. Referencial Teórico

1.1 Uma análise espacial

Segundo MORAES (1981), a geografia enquanto campo do conhecimento que busca


abordar o espaço em suas múltiplas dimensões e significados, também instrumentaliza o
homem com o objetivo de leva-lo a compreensão do espaço que o cerca através dos eventos
cotidianos.
As transformações do espaço geográfico ocorrem à medida que os seres que ali estão
inseridos buscam redimensioná-lo de acordo com suas necessidades, dessa forma constroem e
reconstroem suas teias de relações sociais que implica sempre em uma nova dinâmica
espacial, principalmente quando se apropriam do espaço imprimido nele uma identidade e um
aspecto cultural que o diferencia dos demais lugares.
Nesta perspectiva a festa de Nossa Senhora do Rosário no Distrito de São José do
Triunfo, surge como uma relação cultural e religiosa provocando uma transformação espacial
neste lugar, devido a toda uma dinâmica devocional. Esta festividade por ter um caráter
totalmente religioso atrai muitos fiéis e devotos da Virgem do Rosário.
O interesse pelo tema emerge da percepção de que na ocasião da realização da festa de
Nossa Senhora do Rosário, com sua ocorrência no mês de outubro, há toda uma dinâmica
entorno de si mesma, pois envolve boa parte da população local. Outro fato que desperta o

8
interesse é a fascinação da devoção dos participantes da festa que se entregam totalmente ao
evento sem medir seus esforços em dedicar cada segundo para a realização da mesma. Além
disso, há também a motivação dada pelo ritmo dos instrumentos que tocam os sentidos. O
toque dos tambores faz com que qualquer pessoa se contagie com as danças em louvor a
Nossa Senhora do Rosário.

1.2 Uma abordagem Cultural

A abordagem cultural que se pretende analisar em torno da Festa de Nossa Senhora do


Rosário leva em consideração que a ação humana dentro do espaço geográfico constitui
sempre o nascimento de uma cultura, ou seja, como afirma Claval (2007, p.79) “A cultura é
feita de atitudes e gestos”. Além disso, “O conhecimento dos efeitos da ação humana pode ser
de valor prático e beneficia a humanidade saber o que ela fez ao mundo”. (CORRÊA e
ROSENDAHL, 2000, p.153).
Isto que dizer que o homem está sempre remodelando o espaço que o cerca
imprimindo nele sua identidade, através daquilo que o mesmo traz consigo. No nosso caso, os
elementos que moldaram o espaço foram oriundos da cultura afrodescendente herdada de seus
antepassados.
Corrêa e Rosendahl (2000), ainda nos deixa claro que a história da cultura, revela que
as características do espaço geográfico tem a possibilidade de fornecer respostas a
questionamentos como, por exemplo, a pergunta: o que aconteceu aqui? Ou por que isto é
desta forma? As questões sempre vão emergir a partir do momento que se tem um olhar
diferenciado sobre o espaço, ou seja, um olhar que busca respostas nos objetos que constituem
a paisagem e tem relação com o lugar.
Os elementos culturais presentes na sociedade funcionam como uma chave para
entender as diferenças e semelhanças de um povo que se expressa através de signos e
significados e sua posterior relação com o sagrado, isso é algo que vem sendo percebido nos
referenciais teóricos consultados. Como, por exemplo, o que cita CLAVAL (2002) “... as
culturas nunca aparecem semelhantes em lugares diversos, a cultura serve como um fator

9
importante da explicação da diversidade da superfície terrestre”. A cultura surge como uma
forma de explicar as característica e origem de uma identidade local.
Como citado acima é o que acontece com a festa de Nossa Senhora do Rosário repleta
de signos e significados, representados pela dança e devoção. Onde envolvimento com a festa
se dá com as primeiras reuniões que são realizadas para sua organização, meses antes da data
prevista. Na ocasião da realização das festividades, no mês de outubro, principalmente nove
dias antes do ápice da festa, ocorre uma preparação com a recitação do terço em honra a
Nossa Senhora que contempla as alegrias e dores da Virgem. No primeiro dia tem-se a
apresentação da dança do congado, porém o que se percebe do grupo é que estes não se
encontram vestidos como no dia da festa. Segundo seus participantes eles se encontram a
paisana, já no ultimo dia se levanta o mastro com a imagem de Nossa Senhora do Rosário e
entoam-se então cantigas que expressam esta devoção.
O enfoque cultural que se pretende também trazer a pesquisa emerge do fato que o
espaço social é carregado de subjetividade e identidades culturais que influenciam a
configuração do espaço social. A abordagem cultural permite também reconhecer como o
sagrado fruto da dinâmica espacial pode construir, produzir e reproduzir o espaço, ou seja,
como ele modifica e transforma paisagem segundo a memória de seus agentes. Da mesma
forma nos fala Rosendahl 1996, p. 39. “É possível reconhecer o sagrado, não como aspecto da
paisagem, mas como elemento da produção do espaço”.
Para tanto a presente pesquisa transita pelo espaço do sagrado com a tarefa de explorar
este universo repleto de signos e significados e também buscar a compreensão como estas
representações configuram a paisagem e sua organização espacial. “A experiência do sagrado
torna possível a “fundação do mundo” lá onde o sagrado se manifesta no espaço, o real se
revela, o mundo vem à existência”. (ELIADE, 2010, p. 59). O próprio sagrado cria laços de
pertencimento ao lugar e por outro lado é a parte integrante da vida do homem, porque surge
como uma necessidade do mesmo entender sua existência.
O autor acima citado coloca esta afirmação por pensar que o homem religioso procura
dar vida e sentido para aquilo que segundo seu comportamento (respeito, fé e crença) dentro
do espaço sagrado provoca uma sensação de bem estar, isto porque o coloca em sintonia
direta com o sagrado. De acordo com seu pensar, Deus é criador de todas as coisas e o espaço
geográfico que nos circunda é completamente sagrado.

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A crença e fé a que nos referimos parte do seguinte contexto citado pelo evangelista
São Marcos para Deus tudo é possível, assim também para com o homem que crê, vejamos:
“Respondeu-lhes Jesus: Tende fé em Deus. Em verdade vos declaro: todo o que disser a este
monte: levanta-te e lança-te ao mar, se não duvidar no seu coração, mas acreditar que
sucederá tudo o que disser, obterá esse milagre. Por isso vos digo: tudo o que pedirdes na
oração, crede que o tendes recebido, e ser-vos-á dado”. (MC 11. 22-24).
Neste contexto percebe-se que a fé provoca no homem um estado de confiança e
sentido para sua existência no mundo porque encontra apoio num Ser Divino criador de todas
as coisas. Assim, a experiência religiosa coloca o homem em contato direto com o sagrado.
A partir da dinâmica histórica cultural em torno da festa de Nossa Senhora do Rosário,
pode se perceber que a fé e a cultura resistem e persistem numa sociedade que está em
constante transformação. Deste modo a presente pesquisa pretende identificar como este
elemento cultural e religioso em que a comunidade se circunscreve prevalece no tempo e no
espaço atravessando gerações. Uma vez que, “O homem é o resultado do meio cultural em
que foi socializado. Ele é um herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o
conhecimento e a experiência adquiridas pelas numerosas gerações que o antecederam”.
(LARAIA, 1986, p. 45).

2. A Difusão da Cultura Afrodescendente

2.1 O Contexto Histórico

A colonização do Brasil sempre esteve marcada com a migração forçada dos africanos
para trabalhar nas regiões das minas e nas lavouras de café e cana de açúcar. Durante quatro
séculos foram transferidos para o Brasil um numero considerável de africanos.
Segundo Ribeiro (1995, p.113), a maior parte dos negros que chegaram ao Brasil,
provinha principalmente da costa ocidental africana passando por Cabo Verde, Congo, Quíloa
e Zimbábue. Destacavam-se três principais grupos: Sudaneses, Guinenos-Sudaneses
11
muçulmanos e Bantus. Todos eram capturados ao acaso para serem vendidos como
mercadoria. Diante disso podemos perceber como a cultura africana foi entranhando no
território brasileiro e sendo subdividida nas mais diversas regiões com maior destaque para as
regiões sudeste (mineradora) e nordeste (zona açucareira) do país, onde se pode ver a forte
presença do negro na cultura local e na composição étnica de grande parcela da população.
O negro africano contribuiu com o desenvolvimento populacional, cultural, religioso e
financeiro brasileiro. A sua presença ajudou a construir uma identidade cultural aliada com
técnicas de trabalho, música e danças, práticas religiosas, modo de se alimentar e vestir. No
que tange a espiritualidade africana em território brasileiro a mesma se deparou com uma
cultura religiosa já estabelecida pela cultura religiosa portuguesa rica em tradições populares.
Em meados do século XVI, na Península Ibérica o homem olhava para o mundo de um
jeito diferente, pois se pensava em um local de mistérios cercado de um conjunto de forças
poderosas, onde os limites geográficos estavam sobre o controle de influencias, às vezes
tenebrosas, como os limites além-mar e terras desconhecidas. Mas isso não impediu os
desbravadores avançarem os limites e chegarem a terras desconhecidas como no território
brasileiro.
Com a chegada a este território estranho e com uma organização de vida bastante
rústica, se fez necessário implantar um novo estilo de vida baseado no vínculo da existência
de um mundo superior, dos santos e das almas, em realidade transcendente da existência
humana. Com este pensamento os portugueses que aqui chegaram sentiram a necessidade de
fazer uma intervenção espiritual para os habitantes da nova terra, tidos como pagãos. Ao
realizarem a catequese para este povo, oficialmente se implantou o culto católico e as
experiências devocionais portuguesas, como a devoção à Virgem Maria, aos santos e anjos
que tinham como objetivo proteger seus fiéis. Dentro desta perspectiva teológica esta forma
de expressão católica prevalece até hoje, e podem ser observadas nas peregrinações aos
grandes Santuários.
A respeito da difusão cultural Rosendahl nos esclarece: “A cultura é um fenômeno que
se origina, difunde-se e evolui no tempo e no espaço sendo compreendida no tempo e traçável
no espaço”. (ROSENDAHL, 1996, p. 12). Daí nota-se que quando o ser humano ocupa um
território, ele procura difundir sua própria cultura constituindo uma nova dinâmica espacial
que se organiza segundo o costume de seus agentes construtores e que ainda a mesma se
modela no tempo e no espaço se adaptando a cada geração.

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Como nos apresenta Ribeiro (1995), a identidade brasileira se configurou através dos
costumes, hábitos, crenças e culturas vindas também da África. No que tange ao congado esta
é de origem Bantu que compreende os povos que ocupam o território dos atuais, Congo,
Angola e Moçambique. É proveniente desde local o terceiro grupo de negros que chegaram ao
Brasil que integravam a tribo Bantu. Os grupos de origem Bantu e Nagô (falavam o Iorubá)
tiveram maior adaptação à sociedade colonial brasileira, principalmente no que se refere aos
elementos da espiritualidade, como por exemplo, com o sincretismo observado entre outros
aspectos a atribuição de nomes de santos católicos a seus orixás.
O culto católico fortemente baseado nas imagens dos santos fez com que os negros
vindos da África tivessem que viver a sua experiência de fé camuflada na fé hegemônica e,
para isso, foi necessário uma verdadeira operação de sincretismo utilizando os diversos
mecanismos culturais. Desta forma, nas comunidades quilombolas, local onde habitavam
negros fugidos, se preservou esta religiosidade. No quilombo, a religião ali professada tinha o
papel de ajudar a manter a unidade e, tal fato, como uma via de mão dupla, também fazia
ressurgir a formação religiosa afrodescendente. Era um jeito de manter as origens africanas
em estado latente.
A religião se tornava uma forma de identidade porque os grupos de escravos que
chegavam às fazendas e às regiões mineiras provinham de regiões diferentes do Continente
Africano com línguas e culturas distintas uns dos outros. Isto se tornava bom para os donos de
fazenda e minas porque eles acreditavam que dificultava a comunicação e possíveis levantes.
Então nota-se que não havia a menor possibilidade de união entre povos em lutar por seus
direitos de liberdade, principalmente quando eram escravizados. Esta estratégia dos donos de
escravos tinha por finalidade evitar a concentração de negros de mesma etnia no mesmo lugar.
Porém, mais tarde estes escravos foram assimilando o português e começaram a se comunica
entre si.
A respeito da religião que antes o desunia por terem práticas diferentes em seus
territórios de origem, passaria então a ser o elemento aglutinador. Vejamos o que esclarece
Ribeiro (1995, p.115): “A própria religião, que hoje, após ser trabalhada por gerações e
gerações, constitui-se uma expressão da consciência negra, em lugar de unifica-los, então os
desunia”. Com o passar dos anos a religião de cultura afrodescendente passou a ser uma
expressão da consciência negra, lembrando as riquezas culturais que o negro introduziu em
terras brasileiras e que prevalece até os dias atuais.

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A festa do Rosário é uma dessas riquezas culturais e religiosas que vem atravessando
gerações e sobrevivendo graças aos guardiões da memória que procuram transmitir seus
conhecimentos a aqueles que os irão substituir futuramente. Uma das formas de transmissão
desta cultura religiosa se dá através transmissão oral em musicas, cantos, danças e gestos que
são realizados pela expressão corporal religiosa. Desta forma estes bens culturais sobrevivem
no tempo e no espaço através dos séculos.
A lenda do congado como nos explica Paniago, (1983 p.33), reproduzindo uma
história contada pelo falecido congadeiro Cesário Leôncio da Paixão é muito antiga, tendo seu
início na África. Segundo a lenda, os senhores brancos ao construir uma igreja para Nossa
Senhora do Rosário constataram estarrecidos que, logo após a entronização1 da imagem da
Virgem do Rosário no lugar apropriado da igreja, a mesma desapareceu. Depois de
encontrada a reconduziram ao mesmo local e ela sumiu novamente. Depois de outras
tentativas perceberam que toda vez que retornavam com a imagem, desaparecia novamente e,
mesmo que o sacerdote rezasse e os soldados buscassem a imagem da Virgem, não adiantava,
ela desaparecia novamente. Então o lendário Chico Rei, rei congo, juntamente com seu congo
e algumas moças virgens fizeram uma festa com toda uma harmonia de cantos, acordes e
danças acompanhados pelo som de seus instrumentos musicais e a imagem permaneceu no
local a ela consagrado.
Ainda segundo as crendices populares, o lendário Chico Rei era um rei de uma tribo
no congo, este foi trazido para o Brasil juntamente com sua família e outros negros escravos
por traficantes. Em meio à viagem sua esposa e alguns de seus filhos morreram e, somente um
sobreviveu à tortuosa viagem. Ao aportar em território brasileiro, Chico Rei e seu filho foram
comprados para trabalhar em uma mina de ouro em Vila Rica atual Ouro Preto. Com o passar
do tempo Chico Rei conseguiu comprar sua liberdade e também de seu filho, aos poucos
comprou a alforria de seus compatriotas, vindo se tornar rei dos escravos. Tempos depois
fundaria a irmandade do Rosário e Santa Efigênia. Desta forma ele manda erguer duas igrejas,
sendo a Igreja do Rosário dos Homens Pretos e a Igreja de Santa Efigênia.
O congado nasce assim das tradições africanas em realizar grandes cortejos aos reis
congos, juntamente com a tradição portuguesa católica em demonstrar sua devoção aos
santos. Numa sociedade marcada pela escravidão, onde muitos africanos eram arrancados de
suas terras e raízes, o congado se tornava mais que uma festividade, era a forma dos negros se

1
Do verbo entronizar significa por em altar.
14
expressarem através de gestos e experiências de fé. Um jeito de garantir sua descendência, de
contar a história de onde vieram, além de ser uma forma de manter viva sua memória, mesmo
que seus costumes e tradições fossem redefinidos na sociedade moderna.
A narrativa supracitada nos permite perceber que a história de um povo e sua própria
cultura é carregada de significações, portanto, a mesma revela suas características, seus
costumes e suas tradições. Tais costumes e tradições, por sua vez, são transmitidos através das
gerações pela família ou pelo próprio grupo socialização. Vejamos o que nos esclarece
Rosendhal e Correa (2000). “A história da cultura, ao revelar as características das áreas e
paisagens culturais do passado, rastreando-as no espaço e no tempo, fornece um tipo de
resposta.” (CORREA E ROSENDAHL, 2000, p. 155). Isso mostra que a resposta que nos é
fornecida pela história recria os espaços palco dos grandes eventos e o seu local de origem.
A mistura da religiosidade vinda da África com a religiosidade católica portuguesa era
uma forma de manter viva a cultura dos afrodescendentes, porque aliando ou camuflando a
sua experiência de fé a religiosidade católica portuguesa eles manteriam sua própria tradição
sem entrar em choque com a cultura dominante.
Os festejos em honra da Virgem do Rosário já fazem parte do calendário litúrgico
católico da Paroquia de São Silvestre do qual pertence o distrito de São José do Triunfo. A
festa sempre ocorre no mês de outubro. Esta, porém é de origem afrodescendente e sua
organização se define por meio de preparação através de reuniões e ensaios ao longo do ano e
novenas no período da festa.
A festa da padroeira da irmandade da banda de congado de São José do Triunfo tem
inicio com uma formação aparentemente militar, começando com os mais velhos e altos e
terminando com os mais jovens e de baixa estatura. A fila formada pelo grupo. Suas
vestimentas compõem de saiotes coloridos com destaque para o rosa e o azul, calças brancas,
capacetes com espelho e fitas rosa e brancas. Além disso, o cortejo é acompanhado por outro
grupo denominado reinado (grupo de pessoas que acompanham o rei e a rainha do congo.).
Todo o cortejo apresenta os seguintes membros como o rei, rainha, capitão do meio,
secretário, vassalos, bamba (mestre), dançarinos, cantadores e porta-bandeiras. A imagem da
Virgem do Rosário é conduzida por moças virgens e, segundo a tradição apenas as moças
virgens podem conduzir a bandeira. Isso mostra todo um respeito com o sagrado que é levado
à risca, principalmente no que tangencia o envolvimento com o espiritual religioso que é a
Santidade.

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A presença de crianças no grupo de congado se deve a uma forma do grupo manter
suas tradições e também parte de uma ação espontânea da própria criança que acaba por se
contagiar com toda aquela euforia. As atitudes as manifestações religiosas que circunscreve o
congado resistem ao tempo e a história.
As festividades de Nossa Senhora do Rosário possuem um grande valor histórico para
o distrito de São José do Triunfo porque recria todo o espaço através do cunho religioso e nele
insere uma cultura popular oriunda dos afrodescendentes pleno de valores simbólicos. Esses
valores históricos são transmitidos oralmente dos mais antigos para os mais novos,
consolidando mais o envolvimento dos mais jovens com esta manifestação.

3. Para entender a Festa

3.1 Cores, Elementos e Significados.

A dança do congado está marcada por costumes e atividades próprias, como a


preparação por uma novena (reza-se nove dias antes da festa principal), o levantamento do
mastro e a bandeira de Nossa Senhora do Rosário. A bandeira que acompanha toda esta
manifestação religiosa, somente é levada por moças virgens, devido a uma questão de
tradição.
A recitação do Rosário durante os nove dias é o principal fio condutor que liga os
sujeitos diretamente com a festa, porque nele se vive todas as alegrias e tristezas de Nossa
Senhora. Neste momento a religiosidade da população local é reavivada, principalmente
daqueles que não tem nenhum costume de participar de outras atividades da igreja ao longo
do ano.
Em relação ao vestuário, as vestimentas se compõem de três cores ligadas a devoção a
Nossa Senhora do Rosário, são elas: rosa, azul e branca. Todas tem relação com as cores do
vestuário da própria Virgem do Rosário.

16
3.2 A Devoção a Nossa Senhora do Rosário

A devoção a Nossa Senhora é uma devoção muito antiga. Sua origem vem com os
Monges Irlandeses no século VIII, que recitavam os 150 salmos. Nesta época, a grande
maioria das pessoas não sabia ler e, como uma parte dos anacoretas (religiosos que vivem na
solidão), os monges ensinaram a rezar um numero determinado de Pai Nossos e Ave Marias
no lugar dos salmos. Para não se perderem, eles contavam se utilizando de pedrinhas.
Mais tarde século XII, a Ordem Franciscana e Dominicana, sendo em grande parte
iletrados, substituíram os 150 salmos do saltério dos Monges Irlandeses, pelo “Saltério de
Nossa Senhora”. O saltério ficou conhecido como a “Bíblia dos pobres”, com 150 Ave-Marias
que emergiram da Ordem Dominicana.
O fundador da Ordem dos Dominicanos São Domingos de Gusmão, no século XIII,
deu início a prática do “Saltério de Nossa Senhora” ou a oração do Santo Rosário. O Saltério
de Nossa Senhora, segundo a tradição da Igreja Católica teria se difundido, a pedido da Nossa
Senhora, como forma de combater as heresias. Além disso, a prática tinha como objetivo o
combate aos albingeses2, que cresciam na França. Esta teria sido um pedido do Papa
Inocêncio II. A recitação do Rosário de Nossa Senhora, também neste período, estava
associada a armas de guerra e a tentativa de conter e vencer as ciladas do inimigo espiritual,
representados nos inimigos de guerra.
De acordo com a etimologia da palavra, Rosário significa uma coroa de rosas que se
oferece a Nossa Senhora e também uma arma de guerra do cristão católico na batalha
espiritual.
Como apresentado, toda forma de manifestação religiosa tem sua história se
remontando ao longo do tempo através da memória. Neste caso se destaca a abordagem que
circunscreve a devoção a Nossa Senhora do Rosário no Distrito de São José do Triunfo.
Vejamos o que nos fala Rosendahl: “Toda a religião tem sua história, ou seja, uma memória
religiosa feita de tradições que remontam a acontecimentos distantes, frequentemente no
passado, e que ocorreram em lugares determinados.” (ROZENDAHL, 1996, p.35).
A caracterização devocional de Nossa Senhora do Rosário pelo congado se deve ao
fato de que o negro quando batizado, estava expressamente proibido de participar dos festejos

2
Cruzada cátara, que foi um conflito armado, ocorrido em 1209 e 1244, cujo objetivo era combater as heresias
ao sul da França.
17
dos brancos. O escravo era até mesmo proibido de participar dos rituais religiosos dos brancos
dentro da igreja mesmo que fosse do lado de fora da mesma. Outro problema é que não
podendo participar dos rituais do branco os negros também estavam impendidos de praticar
seus cultos de origem. Desta forma o negro para não perder seus costumes, elevaram igrejas
dedicadas a seus santos de devoção, criaram suas próprias irmandades e buscavam expressar
seu modo de viver através de gestos, danças e cantos.
Os gestos, cantos e a própria devoção presentes na congada mostram uma assimilação
que envolve encontros e conflitos, também uma relação de poder em que a congada se
apresenta como ponto de negociação entre a cultura negra e a cultura branca que até então
mantinha sua hegemonia. O sincretismo representado na bandeira ou estandarte de Nossa
Senhora, São Benedito e Santa Efigênia, se apresentam na simulação do culto trazido do
negro africano na figura de seus orixás.
A devoção a Nossa Senhora do Rosário é um acontecimento religioso que no mês de
outubro reconfigura os espaços do distrito em espaços sagrados por ocasião dos preparativos
para o dia da festa. Essa reconfiguração revela toda a dinâmica cultural e religiosa dentro do
espaço provocada pelas danças do congado que através da harmonia de seus cantos e os
batuques dos instrumentos contagia quem acompanha toda a festa.
O louvor que circunscreve a Virgem do Rosário no Distrito de S. J. T. ocorre desde
1930. De acordo com seus membros mais antigos a partir desta data, o louvor se fixou neste
distrito, que antes ocorria no centro da cidade de Viçosa – MG. Ainda através destes relatos,
quem possibilitou a vinda dos festejos foram os avós do atual Rei Congo e Capitão da
Guarda, Seu Dola e seu Zeca, que fazem o papel de guardiões da memória, sendo eles os
maiores conhecedores do festejo.
Como se pode observar a cultura negra presente em nosso meio vem a se fazer
presente na religiosidade desta etnia, trazida pelos seus antepassados. Aqui, ela foi em parte,
preservada através de gestos e atitudes. Assim, os afrodescendentes, conseguiram manter viva
a história de suas origens diante de uma nova religião que lhes era imposta.
Nossa Senhora recebe um grande número de títulos, canções, orações e homenagens
que vemos em diversos lugares, devido a forte devoção por parte dos fiéis. Nesta diversidade
de honrarias se destaca o título de Nossa Senhora do Rosário como é conhecida em várias
comunidades do interior de Minas Gerais, principalmente na região da Zona da Mata Mineira.
Na forma de prestar homenagens a Mãe de Deus utilizam se elementos cristãos como, o

18
rosário, a imagem de Nossa Senhora tanto em escultura quanto em estandarte, onde a mesma
está representada com o menino Jesus num braço e noutro um terço. Tudo isso se mescla com
elementos da cultura africana como os instrumentos de percussão, danças, as histórias
contadas em forma de canto.
A presença de Nossa Senhora, entre a cultura afrodescendente também está associada
à figura da princesa Isabel que assinou a lei áurea que libertou os escravos. Assim como
Nossa Senhora nos liberta das ciladas do inimigo espiritual através da recitação do terço.

4. Dos Bastidores a festa: Apropriação dos Espaços

4.1 A Celebração

A celebração é um momento muito importante na vida da comunidade, porque é a


ocasião onde se celebra a vida, seja no profano ou no sagrado. É tempo de agradecer a Deus
por tudo aquilo que ele tem dado a comunidade e também um período propicio para se
reconciliar com o semelhante e o divino. É hora de viver numa verdadeira comunhão com
todos e tudo que nos cerca.
Este rompimento do homem com sua realidade cotidiana permite que o mesmo tenha
uma sensação de bem estar, porque a celebração da vida é algo que toca as emoções e os
afetos. Estes são instantes que deixamos de pensar nos desafios e problemas cotidianos, o
tempo que aqui é controlado pelo relógio é esquecido. Dessa forma, podemos perceber que a
festa como a do Rosário é uma válvula de escape onde o ser humano encontra para viver uma
verdadeira fraternidade entre semelhantes, principalmente quando esta tem cunho religioso.
A preparação da festa de Nossa Senhora do Rosário é regida sempre por reuniões e
uma novena que antecede a celebração festiva. Ela é presidida por um padre da família dos
congadeiros. Em todas as reuniões sempre é realizada uma chamada para ver quem está

19
presente, principalmente aqueles que participam diretamente da festa3, quem foi convocado e
não está presente é obrigado a justificar o porquê da falta. Quando há uma incidência grande
de faltas, o membro é cortado do grupo. No dia dos ensaios e também da festa não é permitido
atrasos por parte dos membros.
Durante a semana é realizada na Igreja cujo padroeiro é São José uma novena
preparatória da qual participam, na maioria das vezes, as mulheres. Elas são as responsáveis
por conduzir as orações por meio do rosário de Maria, ou seja, a oração do terço de Nossa
Senhora. Nestes dias não há apresentação do grupo do congado, vindo este a ocorrer somente
no primeiro e último dia do evento. No primeiro dia ocorre uma celebração eucarística quando
há possibilidade da presença de um padre. Não havendo possibilidade deste é realizada a
celebração da palavra por um ministro devidamente preparado, marcando assim, o inicio das
festividades.
No sábado em que se encerra a novena ocorre o levantamento do mastro e em seguida
se tem a dança em torno do mesmo com cantigas e poemas em honra a Virgem do Rosário.
Tudo isso tem inicio às dezenove horas em frente à casa do senhor Zeca, pois a novena tem
inicio prescrito para as dezenove e trinta horas, no entanto devido ao deslocamento do grupo
até a igreja o encerramento da novena tem inicio por volta das vinte horas.
Ao iniciar a caminhada até a igreja é cantada uma musica com a finalidade de pedir a
Nossa Senhora licença para sair pelas ruas e a canção diz a seguinte frase: "Virgem do
Rosário, esta banda é sua... Pois me dá licença d’eu sair na rua”. Após este canto o grupo
começa a deslocar de posse do mastro enfeitado e da bandeira, ambos se encontram na casa
do príncipe e princesa respectivamente nesta ordem que irão entregar seu reinado no dia
seguinte, depois de abençoados são erguidos em frente à igreja em local devidamente
preparado.
Durante o trajeto até a igreja é entoada seguinte canção que anuncia a chegada do
grande dia de festejar Nossa Senhora do Rosário “Hoje é dia, hoje é dia, hoje é dia do Rosário
de Maria”. Depois de finalizado esta parte do ritual na igreja, o grupo faz visita para alguns
membros do reinado, onde se serve um delicioso lanche. A seguir o grupo se encaminha para
a casa da rainha atual e depois de lá chegar canta-se a seguinte cantoria: “Oh Senhora Rainha,
até já, até já, amanhã às duas horas eu volto aqui pra te buscar.” Isto é uma forma de preparar

3
Esta chamada é realizada para aqueles que dançam o congado, ou seja, para os componentes da guarda.
20
os presentes para o horário já preestabelecido de caminhada até a igreja no dia seguinte, já que
a Celebração Eucarística tem horário previsto de iniciar às quinze horas.
Este dia é finalizado na casa do senhor Zeca com uma oração acompanhada das
seguintes canções: “Oh entende, oh entende, Nossa Senhora da Conceição. Acabou a nossa
festa, acabou a procissão.” Logo em seguida canta-se: “A banda vai, vai recolher; com muita
alegria olê, lê; com muito prazer”. Tudo diante de muita alegria. Vale aqui destacar que o
grupo em todos os momentos se apresenta sem sua respectiva farda.
Ao finalizar este momento todos se dispersam inclusive as pessoas que acompanham
o grupo de congado, alguns vão para a casa descansar e outros ficam perambulando pelos
bares, isso acontece porque muitos têm parentes e amigos que moram fora do distrito de São
José do Triunfo. É o momento de aproveitar para curtir a noite com os parentes e amigos.
Aqui sagrado e profano estão juntos e, como diz Eliade (2010, p.20): “o sagrado e o profano
constituem duas modalidades de ser no mundo, duas situações existenciais assumidas pelo
homem ao longo da sua história”. Isso que dizer que o sagrado e profano fazem parte da vida
do ser humano, ou seja, ora o homem quer estar mais próximo de seu Deus, se sentir mais
espiritualizado (o sagrado), ora ele quer estar participando das coisas que contradiz os
ensinamentos religiosos (o profano).
No domingo, ápice da festa, as atividades têm início às quatro horas da manhã com a
chamada alvorada, alguns membros congadeiros se reúnem neste horário em frente à casa de
“Seu Dola” o rei congo. Após uma oração o grupo segue até um cruzeiro localizado próximo
à igreja onde se realiza uma oração em forma de preces agradecendo e pedir proteção a Deus
e Nossa Senhora pelas graças já alcançadas e outras que ainda serão obtidas. Logo depois o
grupo segue até a porta principal da igreja que se encontra fechada e fazem a saudação à
Virgem do Rosário. Embora sem suas fardas, o grupo percorre algumas ruas do distrito
anunciando o inicio da festa maior ou principal, com os cânticos em louvor a Virgem do
Rosário.

21
Por volta das sete da manhã é servido um café farto para os congadeiros e a todos
aqueles que acompanharam o cortejo.

Café da manhã após a alvorada.


Em seguida o grupo se dispersa para um pequeno descanso, voltando a se reunir
novamente às onze horas em frente à casa do “Seu Zeca” capitão do grupo, agora fardados, o
grupo se apresenta em duas distintas cores: o rosa e o azul, destacados em seus saiotes.
Neste exato momento o grupo se divide em dois, os que vestem a farda em detalhes
rosa sai para almoçar com a rainha festeira enquanto os que vestem os detalhes em azul
almoçam com o rei festeiro. Estes detalhes em relação às cores se devem as cores das roupas
da Virgem do Rosário no que tange seu manto e vestido. Juntamente com o grupo há o

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reinado composto de jovens divididos entre moças e rapazes, estes também se dividem
acompanhando os dois lados do grupo de congado.
Após o almoço o grupo se reúne novamente e sai em busca do rei atual e antigo4, da
rainha nova e velha, do príncipe e princesa novos e velhos e logo em seguida seguem em
cortejo para a igreja onde é celebrada uma missa festiva com uma grande participação da
comunidade local e de visitantes que fazem parte ou não da família dos congadeiros. É
importante ressaltar que os novos festeiros (rei, rainha, príncipe e princesa) somente recebem
suas vestimentas após a realização de uma cerimônia na igreja, geralmente quem empossa os
novos representantes é o padre presidente da celebração eucarística.
Dentro do espaço celebrativo da igreja é realizada uma modificação de toda a
infraestrutura, pois o espaço é todo reorganizado para atender as demandas desta festividade,
sendo ele transformado de sua forma habitual. É montada tendas no presbitério da igreja, onde
se acomodam os atuais rei e rainha com seus respectivos príncipe e princesa do lado esquerdo,
do lado direito se encontram os futuros rei e rainha tal como príncipe e princesa que serão
coroados para o próximo ano.
Vale ressaltar que a mudança da rotina habitual da igreja, tal como sua organização
interna no que tange a disposição dos móveis tem a concordância do Pároco da Matriz de São
Silvestre, também é permitido que um outro padre conduza a celebração eucarística. A única
parte da liturgia que não pode ser modificada são as leituras da palavra de Deus, composta de
duas leituras uma do antigo testamento e outra do novo, um salmo e o evangelho do dia.
No inicio da celebração após a saudação do padre, o grupo entra pela porta principal
da igreja com seus cantos e batuques anunciando a chegada. O fato interessante observável,
sãos os ritmos, estes por sua vez contagiam todos que ali se encontram presentes que também
acompanham com palmas e muitos ainda tentam acompanhar o desempenho do grupo em
suas apresentações dentro da igreja.
A coroação dos novos representantes (rei, rainha, príncipe e princesa) do congado para
o próximo ano ocorre no final da celebração eucarística, perante uma cerimonia especial. A
escolha destes novos representantes acontece de uma forma muito simples, basta à pessoa que
queira ser festeiro no próximo ano deixar o nome na lista que por sinal é muito extensa. A
pessoa é chamada de acordo com a ordem da lista.

4
São os festeiros.
23
No final da celebração dentro da igreja, o grupo ainda faz apresentações do lado de
fora do espaço sagrado da igreja em seguida levam os antigos e novos festeiros até suas
residências onde são servidos lanches com fartura para todos que estão presentes. Lembrando
que cada festeiro oferece o lanche. Depois de deixar seus novos e antigos festeiros em casa, o
grupo segue até a casa do senhor Zeca onde se encerram oficialmente as festividades em
honra à Virgem do Rosário. Esse momento é marcado por danças, cantos e orações, e já são
vinte e duas horas. Lembrando que neste dia tudo começou às quatro da manhã e não se
percebe sequer qualquer sinal de fadiga por parte dos membros, apenas uma total satisfação
em agradecer Nossa Senhora do Rosário pelas bênçãos recebidas durante a realização das
festividades.

4.2 A Festa 12 pra 13

Além da festa de Nossa do Rosário, que ocorre no mês de outubro, há outra


comemoração muito importante no calendário dos congadeiros do distrito São José do Triunfo
que é a Festa do Doze pra Treze que tem sua ocorrência no mês de maio. Mês que se destaca a
abolição oficial da escravatura com a lei assinada pela Princesa Isabel. O objetivo desta
festividade é comemorar a libertação dos escravos do cativeiro e a celebração da memória da
Princesa Isabel que assinou o documento que concedeu esta liberdade, segundo os membros
do grupo de congado.
Neste dia se celebram as figuras dos Santos Negros São Benedito e Santa Efigênia,
ambos ligados às manifestações do congado. É interessante perceber que o grupo de congado
não se apresenta completamente fardado. Vale aqui ressaltar que a celebração diz respeito
apenas à memória da libertação dos escravos. Neste caso, não há a necessidade de se vestir
como no dia da festa da Virgem do Rosário.
A festividade deste dia tem início às vinte horas. O grupo se reúne em frente à casa do
senhor Zeca onde são entoados alguns cânticos sem a presença dos instrumentos, o termo que
designa este momento é a “congada muda”, logo em seguida é realizada uma oração de
agradecimento a Deus, depois segue em cortejo somente com os cantos para uma casa vizinha
onde é realizada a recitação do terço e a ladainha de Nossa Senhora.
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Após este momento é invocado sobre todos os presentes uma benção, em seguida tem
a apresentação do grupo cantando, dançando e tocando em louvor a Virgem do Rosário
padroeira do Congo de São José do Triunfo. Para todos os presentes em um dado momento é
servido um delicioso e farto café com vários quitutes para saborear a vontade.
Além deste momento, após o café, o grupo segue em cantos de festa até a um cruzeiro
localizado num ponto mais alto próximo a igreja, onde entoam cantos e depois seguem para o
cruzeiro onde realizam suas preces e, mais tarde para o pátio em frente à igreja onde fazem
seus agradecimentos e homenagens a Virgem do Rosário. Ao terminar, o grupo retorna em
frente à casa do senhor Zeca, onde é realizado o encerramento festivo e uma oração do Pai
Nosso e Ave Maria, esta altura já são quase duas horas da manhã do dia 13.

Festividade do 12 pra 13.

25
Confraternização após as homenagens.

5. Material e Métodos

A partir do momento que se estabeleceu o tema da pesquisa que tem relação com os
aspectos culturais e religiosos da Festa de Nossa Senhora do Rosário em São José do Triunfo,
foram estabelecidos parâmetros com a finalidade de conhecer um pouco mais a dinâmica da
festa e a própria devoção a Virgem do Rosário.
Para entender a devoção e a sua origem foram realizadas pesquisas na internet em sites
que tratam do assunto, também foi obtidas informações junto aos sujeitos promotores da festa
e se buscou informações em bibliografias referentes ao tema como a questão da religião e
cultura.

26
No entanto, o método mais importante foi o do observador participante, uma vez que o
pesquisador é também um membro da comunidade e tem vínculos familiares com alguns
participantes do Congado. Tais vínculos permitiram uma vivência no dia-a-dia do grupo, no
seio da preparação da festa, no coração da celebração. Tais circunstâncias foram fundamentais
no que diz respeito ao acesso a certas informações, no entanto, mais do que o acesso às
informações, os vínculos permitiram a este pesquisador vivenciar pelo lado de dentro, por
assim dizer, a experiência do Congado. Diante disso, a maior dificuldade foi estabelecer certo
distanciamento para escrever sobre uma experiência cultural tão rica em significados. Não foi
simples selecionar as dimensões de tempo e espaço e, sobretudo, a questão cultura e religião
como categorias de analises para orientar a nossa reflexão.
Esta decisão partiu da ideia de que para se compreender a Festa de Nossa Senhora do
Rosário e o Congado é necessário levar em consideração o tempo e espaço como categorias
de análise. A opção da pesquisa foi narrar a festa e congado como uma experiência humana
única com um saber local e uma identidade impressa pelas origens. Desta forma a partir da
experiência dos sujeitos em relação às festividades de Nossa Senhora do Rosário buscamos
entender as dinâmicas espaciais provocados pela relação cultura/religião em São José do
Triunfo.
Os levantamentos bibliográficos foram fontes importantes de informações, tal como
referências de outras monografias realizadas dentro da universidade, no entanto, as
observações, as entrevistas e a experiência compartilhada foram a carne e o sangue deste
trabalho.

6. Resultados e Discussão

As reuniões da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de São José do Triunfo


ocorrem três meses antes da realização das festividades. Nestas reuniões são elaborados
planejamentos para o grande dia, tais como a organização das atividades, ensaios e
mapeamento das ruas do Distrito que serão contempladas com o cortejo. Geralmente as ruas

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visitadas são aquelas onde reis, rainhas, príncipes e princesas residem, estas figuras
representativas são as que pertencem ao reinado do ano anterior à festa e também da festa
atual. Assim, o espaço concreto, a cidade construída em pedra e cal, passa por uma
transformação. O sagrado contamina o profano. Ainda que apenas durante a Festa de Nossa
Senhora do Rosário os símbolos do poder e da ordem mudam de endereço. Por um breve
espaço de tempo, o espaço da cidade passa a ter outra configuração. Os limites legais são
rompidos e uma nova ordem é consagrada: uma ordem com base no sagrado. As ruas mais
importantes não são aquelas de onde emana o poder político, mas aquelas onde residem os
reis, as rainhas, os príncipes e as princesas do Congado.
Neste ano de 2014, ocasião da realização desta pesquisa foram programados três
ensaios com reuniões nos meses de Julho, Agosto e Setembro. Toda esta movimentação se dá
aos domingos e tem inicio às quatorze horas na residência do Senhor Zeca, um dos membros
mais antigos da irmandade, isto se deve pela questão do espaço para os ensaios e porque o
Senhor Zeca é um dos dirigentes mais antigos da banda de congado, isso então influência na
escolha do local de ensaio. O tempo aproximado para este encontro é três horas, no primeiro
instante é realizado um momento de oração, pedindo a proteção divina para o bom andamento
da reunião e do ensaio. Segue-se logo após a reunião onde os membros participam com suas
opiniões, dizendo o que está bom ou ruim, ou ainda acrescentam algumas ideias que possam
contribuir para a realização da festa e em seguida ocorrem os ensaios.
Em todos os ensaios e reuniões há sempre uma chamada com a finalidade de saber
quem está presente e, quando alguém precisa faltar é necessário que se justifique o motivo.
Havendo reincidência nas faltas sem justificativa, o membro congadeiro é cortado do grupo.
Quem pode participar do grupo? Todos que se sentem chamados a louvar a Virgem do
Rosário e que tem responsabilidade e compromisso com a irmandade, estes são requisitos
básicos. Para sair da irmandade pode ser a qualquer momento, basta apenas avisar.
Como instrumentos da banda são utilizados os seguintes: dois tambores que marcam o
compasso (tempo) da dança, duas violas, dois chocalhos, um reco-reco, uma cuíca e vários
pandeiros uma vez que este exige pouca experiência para seu manuseio, geralmente estes são
tocados por aqueles que estão iniciando na irmandade. Ainda durante o ensaio é utilizado um
apito pelo Rei do Meio cuja função é despertar a atenção dos membros e deixá-los em alerta
tanto no início quanto durante as apresentações, e neste momento principalmente quando se
iniciam as embaixadas. Outro instrumento presente são as bengalas utilizadas pelo Rei Congo,

28
Vassalos e Secretários. Sendo que no dia da festa os Vassalos trocam suas bengalas por
espadas, os chamados corta-ventos.
A Irmandade da Banda de Congado de Nossa Senhora do Rosário de São José do
Triunfo, atualmente possui oitenta e cinco membros, no entanto no período dos ensaios nem
todos estão presentes. Vale ressaltar que estes membros são majoritariamente homens, a
presença da mulher está em outra dimensão da festa como nos preparativos dos alimentos e
das orações na novena que se segue durante a semana que antecede a grande festividade. As
mulheres participam do cortejo do reinado e como porta bandeira.
Segundo o Senhor Dola a festa de Nossa Senhora do Rosário antes de 1930, ocorria no
centro da cidade de Viçosa juntamente com outra banda de congado que pertencia ao Bairro
Rua Nova. Além deste grupo, a banda de congado do Distrito de São José do Triunfo possuía
uma interação com a banda de congado de São Miguel do Anta. Neste período todas as ações
do grupo que diziam repeito às apresentações e visitas das bandas em outros locais eram
decididas em comum acordo entre os representantes responsáveis pela banda.
Ainda de acordo com o Senhor Dola a primeira participação em missa pela banda de
congado ocorreu no Distrito de São José do Triunfo, depois que a mesma migrou para esta
localidade trazida por seus avós, também avós do Senhor Zeca, respectivamente, o Rei Congo
e o Capitão atual da banda que são irmãos. Estes dois importantes sujeitos, guardiões da
memoria, tem posição vitalícia na banda porque são os maiores conhecedores desta festa
religiosa.

Senhor Zeca (capitão) e Senhor Dola (rei congo).

29
Quando questionado sobre a sucessão na banda, o Senhor Dola diz que a mesma
ocorre sobre os termos de responsabilidade e confiança. Este questionamento foi realizado
porque se percebe esta mudança dentro da banda: um dos netos do Senhor Dola está
assumindo aos poucos a posição do avô, principalmente no momento dos cantos. O mesmo
ocorrendo com o Senhor Zeca que tem um de seus filhos na sucessão.
A sucessão em questão nos faz refletir o quanto é importante manter as tradições
culturais através das gerações, possibilitando a sobrevivência da herança cultural em meio às
transformações espaciais marcadas por uma sociedade consumista e capitalista. Em São José
do Triunfo a tradição cultural que está presente na Banda de Congado possibilita transmitir
uma herança cultural religiosa através de gerações. Os seus habitantes se identificam com o
louvor a Virgem do Rosário, isto é nítido pela forte presença de jovens na Banda. Assim fica
claro que a história desse lugar e de seu povo não se perde no tempo, ela apenas se recria em
função dos seus agentes. Podemos pensar no que nos traz Halbawachs:

A história não é todo passado, mas também não é tudo aquilo que resta do
passado. Ou, se quisermos, ao lado de uma história escrita, há uma história
viva que se perpetua ou se renova através do tempo e onde é possível
encontrar grande número dessas correntes antigas que haviam desaparecido
somente aparência. [...] Os grupos, no seio dos quais outrora se elaboravam
concepções e um espírito que reinara algum tempo sobre toda sociedade,
recuam logo e deixam lugar para outros, que seguram, por sua vez, durante
certo período, o cetro dos costumes e que modificam a opinião segundo
novos modelos. (HALBAWACHS, 1990, p.71)

No momento da entrevista com o Senhor Dola, em diversos momentos ele destacou


que a Banda de Congado da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de São José do Triunfo
é uma festa cultural religiosa que presta homenagens a Virgem do Rosário e não tem nada a
ver com outro tipo de crença5. Ele também diz que o Congado não é uma associação, é uma
Irmandade em que todos se ajudam em prol de um único objetivo: louvar a Virgem do
Rosário. Prosseguindo em sua fala diz ainda, todas as Bandas de Congados prestam
homenagem a Nossa Senhora, mesmo que em outros lugares prestem homenagens a Santa
Efigênia e São Benedito, mas todas as Bandas são de Nossa Senhora.
O termo irmandade muito presente na fala do Senhor Dola, nos faz pensar o quanto o
grupo cria laços de amizade e amor por aquilo que se realiza consolidando o sentimento de
zelo por esta herança cultural religiosa que circunscreve a festa do Rosário. E esta questão nos
5
Isto se deve porque em outros lugares esta festa cultural religiosa tem ligação com a Umbanda ou candomblé.
30
remete muito a questão dos laços entre irmãos, onde devemos uns olhar pelos outros e que
pertencemos a uma mesma família. Segundo a tradição cristã.
No que refere as cores presentes na banda, o Senhor Dola diz que elas são cores que
estão presentes na roupa de Nossa Senhora como o azul e o rosa. Já com relação a outras
cores que se apresentam em outros grupos as mesmas tem haver com a questão da beleza do
colorido que tais querem destacar, mas as cores principais de Nossa Senhora é o azul e rosa.
Ao relembrar da festa de Nossa Senhora do Rosário em São José do Triunfo, o Senhor
Zeca ressalta que antigamente no Distrito não havia iluminação publica nas ruas, desta forma
para iluminar os espaços eram utilizados uma espécie de candeeiro, se fazia uma mecha de
panos velhos embebidos em óleo e querosene na ponta de um bambu onde se colocava fogo e
espalhavam estas “lanternas” pelas ruas, desta maneira eles conseguiam festejar a Virgem do
Rosário durante a noite e atualmente isso não é mais necessário, pois há os postes de luz
elétrica.
A festa do Rosário no Distrito de São José do Triunfo é um momento que permite que
a população local busque um sentimento de identidade com seu local de origem, pois cria
laços de pertencimento. A questão étnico/religiosa é o que faz o grupo se reconhecer como
uma irmandade, como diz o Senhor Dola todos pertencemos a irmandade, mas também há
aqueles que expressam esta irmandade dentro do grupo participando de outras atividades que
concerne as festividades.
Analisar os aspectos da fé local nos leva a refletir como uma questão religiosa através
de seus símbolos imprime características ao lugar, dado que a própria demonstração de fé
também implica numa espacialidade, porque envolve o deslocamento de pessoas de um lugar
a outro, objetivando prestar homenagens para aquilo que é sagrado. Isso mostra que em
períodos de festividades a dinâmica local ganham outras configurações espaciais fazendo com
todos os espaços se tornem sagrados. Isto, sem mencionar a recriação do espaço sagrado (a
igreja) no período da festa do Rosário que se reorganiza para se adequar ao movimento. A
respeito do sagrado Rosendahl esclarece,

A religião nunca é apenas metafísica. Em todos os povos, as formas e os


objetos de cultos são rodeados por uma aura de profunda seriedade moral.
Todo o lugar sagrado contém em si mesmo um sentido de obrigação
intrínseca. Ele não apenas encoraja a devoção como a exige; não apenas
induz a aceitação intelectual como reforça o compromisso emocional do
devoto. (ROSENDAHL, 1995)

31
Podemos então perceber que para um homem religioso a manifestação do sagrado
pode estar contida em qualquer objeto, lugar ou pessoa. Assim para um homem religioso o
meio natural está sempre carregado de valores sagrados. Num espaço sagrado o homem
religioso não vê as imperfeições, tudo o conduz no caminho da perfeição. Aqui o homem
consegue enfrentar as dificuldades cotidianas que o aflige. A consagração do espaço permite
que o homem tenha um encontro com o bem estar, principalmente numa sociedade
conturbada.
A manifestação do sagrado no Distrito de São José do Triunfo na ocasião das
festividades em honra a Nossa Senhora do Rosário, esta intimamente ligada com a
manifestação cultural engendrada pelo grupo de congado com sua ação simbólica ali
representada.
A festividade em si é um grande atrativo principalmente dos mais jovens, isso porque
se percebe uma grande quantidade destes compondo o grupo, levando assim a tradição
familiar de dançar e louvar a Nossa Senhora do Rosário. Além de atrair membros para o
grupo como citado, a festa também atrai pessoas que são ou não devotos da Virgem do
Rosário.
As comemorações que envolvem a festa do Rosário no Distrito São José do Triunfo –
Viçosa – MG, está marcada por diferentes momentos, que unem os sujeitos na dinâmica
prática e representativa da festa. Tais momentos estão distinguidos por reuniões periódicas e
ensaios que antecedem as festividades, o envolvimento com os preparativos e a própria festa.
Durante a realização da festa nem todos os sujeitos são perceptíveis, principalmente as
mulheres, todos estes estão sempre nos bastidores providenciando alguma coisa para que tudo
aconteça na mais perfeita ordem.
A experiência de fé que se vive em torno da festa de Nossa Senhora do Rosário em
São José do Triunfo, transcende a realidade da pessoa, porque se torna um local do sinal de
Deus vivo e libertador presente na vida da pessoa e no mundo do qual fazemos parte. A
própria vida é marcada por encontros e desencontros que nos fazem afastar do sagrado. Ao
estar diante do sagrado o homem promove seu reencontro e dialogo com seu ser espiritual, as
energias aqui se restabelecem a harmonia novamente se desponta gerando uma sensação de
bem estar.
Toda manifestação de fé do ser humano é engendrado de diversas formas através de
gestos e atitudes, como o jeito de prestar homenagens, realizar pedidos ou mesmo agradecer

32
por uma graça alcançada. Na festa de Nossa Senhora do Rosário esta demonstração é
realizada pela expressão corporal intimamente ligada a dimensão religiosa que foi uma das
importantes contribuições da mística africana em nosso território. Tudo isto é encarado como
uma ação de graças, um louvor ou agradecimentos que recebemos de Deus. Neste momento a
participação dos gestos corporais ajuda na vivência da fé e na celebração da vida, como
ocorre na homenagem a Virgem Maria pela dança do congado.
Ao observar a forte religiosidade por de trás das festividades do Rosário, nota-se que
este momento de fé reveste as pessoas de uma alegria sem explicação e que contagia quem
está próximo, mesmo diante dos muitos problemas e desafios cotidianos. Pois a pessoa
acredita que Deus estará com ela em todos os momentos. E isto só é possível quando se
estiver de frente para o sagrado, vejamos a experiência de Moisés nos relatada pela bíblia em
Êxodo 3,5: “Não te aproximes daqui. Tira as sandálias dos teus pés, porque o lugar em que te
encontras é uma terra santa”. Quando Moisés é convidado a tirar as sandálias ele se coloca
frente a Deus e é orientado de como proceder diante dos desafios.
O resultado deste encontro com o sagrado permite com que o homem reencontre seu
valor individual e seu valor diante da comunidade. Tudo isso que foi relatado, parte das
experiências que se vive ou foram vividas dentro da comunidade de São José do Triunfo, aja
vista que este pesquisador reside nesta localidade. Com relação às questões sagradas Mircea
Eliade (2010) deixa bem claro que o caráter sagrado atribuído pelos homens aos objetos só
tem valor quando se estabelece com estes uma relação de sacralidade. Isso nos permite
entender como a festa de Nossa Senhora do Rosário se firme como uma manifestação cultural
e religiosa.
Uma dos aspectos que chama atenção na festa de Nossa Senhora do Rosário é a
variedade e fartura de alimentos. Tudo isso só é possível porque algumas pessoas fazem
doação ao longo do ano e em determinados momentos esta doação é proveniente de alguma
graça recebida de Nossa Senhora do Rosário através de promessas. Um fato que nos chamou a
atenção é que até o ano de 2012, os membros da irmandade da banda de congado não
contribuíam com a doação de alimentos. Mas deste ano até os dias atuais todos contribuem
com um quilo de alimento não perecível ou com certa quantia em dinheiro.
A festa de Nossa Senhora do Rosário também não deixa de ser uma festa da partilha,
onde partilhamos com o próximo o que Deus tem nos dado. Esta doutrina também nos ensina
que devemos nos desapegar de nossos bens, de nosso egoísmo, de nós mesmos com a

33
finalidade de repartir o que recebemos do nosso trabalho. Esta lição traduz a certeza de um
coração agradecido e amoroso para com Deus e o próximo. De acordo com que se observa
pelas atitudes das pessoas a festa de Nossa Senhora aproxima ainda mais o ser humano na
presença do sagrado.
A festa de Nossa Senhora do Rosário emerge como uma ocasião de uma manifestação
cultural e religiosa onde os processos de ressignificação de valores culturais e religiosos estão
muito presentes, principalmente quando se estabelece um pensamento comum dentro de um
plano espiritual.
A dinâmica da festa do Rosário em São José do Triunfo provoca uma euforia em todos
que participam, pois o som que é emitido pelos instrumentos, a própria devoção e os cantos
que são entoados durante o percurso da irmandade da banda de congado pelas ruas do distrito
contagiam sempre quem está próximo, não há este ou aquele que consegue ficar quieto. Todos
dançam, todos cantam principalmente quando se conhece os cantos.
Com relação à organização do evento, tudo isso ocorre por conta da irmandade tal
como a novena, o levantamento do mastro, a sucessão da coroa e até mesmo a celebração
eucarística, que na maioria das vezes é presidida por um padre da família dos membros da
irmandade. A postura da igreja frente a estas atividades da festa Rosário dentro do templo é
aberta tem sempre o aval do pároco, não existe uma tensão. Isto é tão nítido que quando o
padre convidado não pode estar presente, o pároco que é responsável pela comunidade realiza
todos os rituais que concerne à festa.
Durante toda a realização da festa de Nossa Senhora do Rosário nota-se que entre os
dançadores existe um grande orgulho em participar e dançar na irmandade de congado, fala-se
isto porque os dançadores dançam horas seguidas sem apresentar sinais de cansaço, uma vez
que vários trabalham no dia seguinte. Geralmente as atividades têm inicio com a alvorada às
quatro horas da manhã e segue até às sete da manhã, depois há um intervalo até às onze horas
da manhã, em seguida é servido um almoço, tem-se a celebração eucarística, logo após segue-
se com as danças em louvor a Virgem do Rosário e a acolhida ao novo reinado até
aproximadamente vinte e duas horas. Diante deste dia extenso não se percebe o cansaço como
já citado. Quando questionados os membros sobre o cansaço, todos são unânimes ao afirmar
que Nossa Senhora restabelece o vigor, ou seja, a fé revigora o corpo físico do cansaço.
O reinado que se observa na festa de Nossa Senhora do Rosário funciona como uma
alegoria no contexto da banda de congado. Segundo os guardiões da memória o reinado está

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ligado à coroação de Chico Rei e sua corte negra, que são representantes oficiais dos festejos
e da devoção negra a santos como Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Santa Efigênia.
A presença da família real na banda de congado expressa à cultura negra simbolizada na fé e
na devoção aos seus santos protetores.
O reinado que se observa presente na banda de congado está sempre à frente da família
real. Os membros da família real são pessoas comuns da comunidade local que desejam
prestar homenagens a Virgem do Rosário em forma de agradecimento por graças ou pedidos
recebidos. A escolha destes membros obedece a uma lista a qual os mesmos deixam seus
nomes. As figuras do rei e rainha estão sempre à frente de seus séquitos. A roupa utilizada por
estas figuras são o rei com uma capa azul claro e uma contracapa azul escuro com detalhes
dourados, a rainha com uma capa rosa e contracapa amarela também com detalhes dourados,
sobre suas cabeças podemos observar réplicas de coroas confeccionadas em latão
representando o poder simbólico conferido aos negros durante a festa. O príncipe e a princesa
utilizam as seguintes roupas respectivamente capa azul claro e contracapa com detalhes em
dourado e capa rosa e contracapa amarela também detalhes dourados. Já os homens que
acompanham o séquito se apresentam com calças pretas, camisas brancas e portando um
guarda-chuva, e as mulheres estão vestidas com longos vestidos de gala e outros adereços.
Seguindo a frente de todos temos as três portas bandeiras com seus vestidos brancos sendo
que duas estão com faixa azul e outra com a faixa rosa, também representando as cores da
roupa de Nossa Senhora do Rosário.

Família Real
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Porta bandeiras

No centro parte do séquito

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7. Considerações Finais

A pesquisa revelou que a Festa de Nossa Senhora do Rosário é fundamental para


fortalecer a teia de relações sociais entre os moradores do Distrito de São José do Triunfo. As
relações entre os membros da Irmandade de Congado de Nossa Senhora do Rosário e os
moradores locais constrói uma espacialidade baseada em uma cultura religiosa típica de
afrodescendentes. A constituição do lugar está intrinsicamente ligada a uma memória coletiva
que permanece viva nas práticas cotidianas das pessoas.
O estudo da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário tornou possível perceber a forte
relação de devoção e fé na Virgem do Rosário, seja por parte dos membros da irmandade, seja
pelas pessoas que acompanham as festividades. Além disso, é possível afirmar que este
evento festivo reforça as relações sociais entre o grupo e a comunidade do distrito, bem como,
mantém viva a memória e a historia local. A forma como são transmitidos os conhecimentos
através da oralidade e da expressão corporal nas apresentações assegura a permanência desta
ancestralidade afrodescendente que deixa suas marcas no tempo/espaço atravessando
gerações.
A respeito das relações sociais dentro da irmandade, as mulheres não participam das
apresentações, mas atuam nos bastidores da festa como a preparação dos alimentos e da
novena que acontece dias antes do ápice das comemorações. No entanto, isto não engendra
conflitos de gêneros. Aqui homens e mulheres, negros e não negros, jovens e idosos,
estabelecem uma perfeita harmonia dentro de seu espaço de vivência, pois o importante é
prestar homenagens a Mãe do Rosário sem espírito de competição.
O instrumental teórico e metodológico que utilizei possibilitou um contato com a
realidade local vista através dos festejos a Nossa Senhora do Rosário e permitiu um
aprofundamento sobre o tema. O trabalho de campo, potencializado pelas leituras de
referenciais teóricos, possibilitou um contato direto com o outro. Além disso, a possibilidade
de vivenciar a realidade local através das lentes da ciência geográfica contribuiu para calibrar
a minha visão de mundo permitindo uma leitura espacial mais qualificada.
As representações culturais só tem significado quando estão encarnadas no cotidiano
dos sujeitos sociais e a convivência humana deixa sinais compreensíveis através de gestos e
atitudes. É por meio deles que conseguimos transmitir nossas ideias, nossa cultura e nossa

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relação com o outro, mas também, é por meio deles que podemos compreender e ser
compreensíveis com os outros.

8. Referências Bibliográficas

APRENDER E ENSINAR NAS FESTAS POPULARES. TV Escola SEED – MEC. Boletim


02, abril de 2007. Disponível em:
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<http://www.mercator.ufc.br/index.php/mercator/article/viewFile/192/158> Acesso em: 25
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