O Curso Aristotélico Jesuíta Conimbrincense
O Curso Aristotélico Jesuíta Conimbrincense
O Curso Aristotélico Jesuíta Conimbrincense
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máriO sAntiAgO de CArvAlhO
O CursO
AristOtéliCO JesuítA
COnimbriCense
O Curso
A r i s t o t é l i co J e s u í t a
Conimbricense
C o n c e p ç ão g r á f ic a
In fogr a fi a
Mickael Silva
I m p r e s s ão e ac a b a m e n t o
..................
ISBN
978 -989 -26 -1543 -1
ISBN D ig i ta l
978-989-26-1544-8
DOI
https://doi.org/10.14195/978-989-26-1544-8
Depósito lega l
....../18
2
Su m á r io
3. A ciência da lógica:
descoberta, ensino e demonstração. . .................51
4. A ciência da física:
a plenitude do mundo ou o mundo inteiro.......73
7. Ciência metafísica,
teologia natural e «pneumatologia». . ................131
3
Indicações Bibliográficas................................................161
Índice Onomástico..........................................................173
Siglas e A b r e v i at u r a s
5
As = Tractatus de Anima Separata (vd.: In tres libros de Anima
Aristotelis Stagiritae).
Ca = Commentarii in libros Categoriarum Aristotelis Stagiritae (vd.:
In universam Dialecticam Aristotelis).
Co = In Quatuor libros de Coelo Aristotelis Stagiritae.
Gc = In duos libros De Generatione et Corruptione Aristotelis
Stagiritae.
Et = In libros Ethicor um Ar istotelis ad Nicomachum, aliquot
Conimbricensis Cursus Disputationes in quibus praecipua
quaedam Ethicae disciplinae capita continentur.
In = In libros Aristotelis de Inter pretatione (vd: In universam
Dialecticam Aristotelis).
Is = Commentarii in Isagogem Porphyrii (vd: In universam Dialecticam
Aristotelis).
Metaph. = o volume nunca publicado do comentário à Metafísica.
Ph = In Octo Libros Physicorum Aristotelis Stagiritae.
Sa = In libros Aristotelis de Posteriore Resolutione (vd: In universam
Dialecticam Aristotelis).
6
1. I n t r o d u ç ão : u m a i n i c i at i va f i l o s ó f i c a
n ac i o n a l c o m r e p e r c u s s ão g l o b a l
7
das Universidade de Groningen e Estrasburgo,
entre os séculos XVII e XVIII –, ao ponto de ainda
hoje ser assim vulgarmente aceite nas Histórias
da Filosofia, por ser de natureza topológica e geo-
gráfica, a mera designação «Curso Conimbricense»
deve passar a ser usada com alguma cautela.1
Concebidos para os estudos de filosofia
nos vários e muitos colégios da Companhia de
Jesus, literalmente desde do Atlântico aos Urais,
e depois à China e ao Brasil (e aqui ou ali à
restante América Latina), as mais de três mil
páginas que compõem os CACJC pretendiam
comentar, obviamente, a obra e o pensamento
de Aristóteles. Procuravam fazê‑lo, como é ób-
vio, de uma maneira absolutamente adequada
8
ao seu próprio tempo. E é precisamente sob este
ponto de vista, epocal, que uma comprometida
revisitação da tradição nos permite falar de
autêntica inovação e originalidade, ao mesmo
tempo que admite a inatualidade de Aristóteles
em conhecimentos que o progresso superou
(A nIIc9q2a2). Procurando dar resposta aos
próprios contemporâneos e, por isso, pensando
os seus desafios mais urgentes, de uma forma
inusitada os CACJC chamavam à colação toda
uma longa tradição peripatética para a fazerem
dialogar criticamente com os problemas e as
soluções do novo e difícil tempo que foi o sé-
culo XVI. Ou nas palavras avaliadoras que se
leem na versão Vulgata dos célebres Exercícios
Espirituais (1548) do fundador da Companhia
de Jesus, Inácio de Loyola (1491‑1556), «…en
nuestros tiempos tan peligrosos» (EE 369, 3).
Impor ta ter presente que se trata de um
período histórico‑filosófico europeu em que,
pelo menos no âmbito universitário ou superior,
«filosofia» era pura e simplesmente sinónimo de
«aristotelismo» – de «aristotelismos», como alguns
preferem, em rigor, dizer. Enquanto «il maestro
9
di color che sanno» (Inferno IV, 131), ou «maître
à penser», filosofar na escola de Aristóteles era
sinal de um atualizadíssimo saber. Portugal, e
Coimbra naturalmente, não podiam, em tal cená-
rio, ser uma exceção, e os universitários lusitanos
encontravam‑se no mesmo cumprimento de onda
da maioria dos seus congéneres europeus. Era
então reitor de uma Universidade que hoje seria
avaliada no top 10 dos famigerados rankings, o
humanista bibliófilo trilingue Fr. Diogo de Murça
(+1561), mas a intervenção de Pedro da Fonseca
e de alguns inacianos portugueses, como ve-
remos adiante, não se revelará menos angular.
A génese dos CACJC pode talvez remontar ao
ano de 1555 quando D. João III manda entregar
o Colégio Real das Artes por ele fundado em
Coimbra, em 1547, ao provincial da Companhia de
Jesus, para que os Jesuítas (arribados àquela cida-
de em 1542) nele passassem a ensinar e conferir
graus. Na outorga real havia decerto o propósito
de resolver uma crise, entretanto surgida entre
o corpo docente, acusado de maior ou menor
erasmismo. Desta maneira se procuravam estancar
incidentes ideológicos, sobretudo implicando os
10
mestres convidados para o Colégio Real, todos eles
ilustres humanistas estrangeiros e portugueses.
Sob administração dos professores jesuítas, a
lecionação no Colégio discriminava dois níveis.
Um primeiro, de teor humanista, e um segundo,
de caráter filosófico, preparatório dos estudos teo-
lógicos Porque se tratará aqui exclusivamente de
filosofia, interessar‑nos á apenas o segundo destes
patamares. Neste nível, e durante cerca de quatro
anos (na verdade sete semestres) estudava‑se,
comentando‑os, ou como se dizia então, «liam‑se»,
principalmente, os livros aristotélicos da Lógica,
da Física, da Metafísica, da Ética e de A Alma.
Embora os vários milhares de páginas que
acabaram por integrar os incompletos CACJC
saíssem publicados sem indicação dos autores,
os nomes dos padres jesuítas que acabaram por
gerar um número tão impressionante de laudas
são‑nos familiares. Vamos apresentá‑los, embora
de maneira breve. Manuel de Góis (1543‑1597),
o seu principal obreiro, nasceu em Portel e
faleceu em Coimbra a 13 de fevereiro. Tendo
ingressado na Companhia de Jesus com de-
zassete anos (31 de agosto de 1560), uma vez
11
concluídos os estudos de Filosofia e Teologia
na Universidade de Évora, e após ter passado
pelas classes superiores de Bragança, Lisboa
e também Coimbra ensinando Latim e Grego
(1564‑72), lecionou no Colégio da cidade do
Mondego dois cursos completos de Filosofia
(1574‑78 e 1578‑82). Foi neste período que pro-
vavelmente começaram a ver a sua génese os
livros por si redigidos para os CACJC, a saber:
os comentários à Physica (Coimbra 1592), aos
Meteororum (Lisboa 1593), aos Parva Naturalia
(Lisboa 1593), à Ethica (Lisboa 1593), ao De Coelo
(Lisboa 1593), ao De Generatione et Corruptione
(Coimbra 1597) e ao De Anima (Coimbra 1598).
Sebastião do Couto (1567‑1639), em segun-
do lugar na importância, foi o comentador do
imponente tomo da Dialectica (Coimbra 1606).
Nascido em Olivença, ingressou na Companhia de
Jesus em 8 de dezembro de 1582. Leu Filosofia,
primeiro, em Évora, nos anos 1595/97, depois em
Coimbra, até 1601. Isto sucedia, naturalmente,
após a frequência dos vários cursos do currícu-
lo, desde as Humanidades à Teologia, passando
pela Filosofia, repetimos, matéria, esta última,
12
em que Couto se licenciou, em 16 de janeiro
de 1596, após uma passagem por Lisboa, a par-
tir de 1592/93, secundando Pedro da Fonseca.
Sebastião do Couto faleceu a 21 ou 23 de novem-
bro, ultrapassando os setenta anos de idade, não
sem antes se haver comprometido politicamente
(1637) pela causa de Bragança. Embora tendo
passado a maior parte da sua vida académica
(1604‑1620) em Évora, lecionando Teologia na
Universidade dessa cidade – em 1609 é mesmo
nomeado Vice‑Reitor do Colégio da Purificação
–, importa destacar a sua docência de Filosofia, e
de Lógica em particular, no Colégio de Coimbra,
durante um curso completo (1597‑1601). Também
no seu caso somos de opinião que pode datar
do período em que estanciou em Coimbra a
sua participação nos CACJC – no interim deu‑se
um episódio com o seu quê de rocambolesco
ou mesmo de policial, ligado ao «furto» de um
Comentário à Lógica, começado a compor nos
anos 70, em Évora, e que veio a ser editado
no centro da Europa em 1604, com o falacioso
título, Collegii Conimbricensis Societatis Iesu
Commentarii Doctissimi in Universam Logicam
13
Aristotelis. Após uma nova e breve estada em
Coimbra (1605‑06), para acompanhar os traba-
lhos de impressão do seu contributo para os
CACJC, apressada para se opor àquela edição
«furtiva», Couto regressa à universidade eboren-
se construindo uma distinta carreira académica
e administrativa, aliás nada monótona. Com
breves e ulteriores passagens por Lisboa (1612
‑13), por Madrid (1623‑24), pelas casas de São
Roque em Lisboa, pelo Colégio de Braga, e de
novo brevemente pelo de Coimbra, Couto veio
a falecer em Évora, ou mais propriamente em
Montes Claros, na sequência do seu inequívoco
ânimo contra a monarquia filipina.
Baltasar Álvares (1560‑1630) é o terceiro nome
dos intervenientes nos CACJC. A ele se deve o
elegante, porém assaz intrincado, apêndice ao
volume sobre o De Anima, intitulado Tratado
da Alma Separada. Álvares nasceu na cidade de
Chaves, e faleceu em Coimbra, em 12 de feverei-
ro. Além de, como é sobejamente conhecido, ter
sido editor (1619‑28) do eminente filósofo, teólogo
e seu confrade em religião, Francisco Suárez,
Baltasar Álvares lecionou Filosofia em Évora
14
(1590) e em Coimbra (1594). Tendo ingressado na
Companhia a 1 de novembro de 1578, talvez date
ainda do seu tirocínio estudantil o apoio editorial
por si prestado a Manuel de Góis, quiçá ainda
antes de ter passado aos estudos de Teologia em
Coimbra (1585), mais improvavelmente durante
o tempo dos seus estudos teológicos em Évora
(1586). Neste mesmo local, lecionou Filosofia
(1590‑94), antes de reger a mesma matéria em
Coimbra (1594‑98), e depois Teologia (1599‑1602),
disciplina em que acabou por se doutorar (Évora,
1602). Na Universidade jesuíta alentejana, Álvares
conheceu uma atividade docente impoluta – regeu
a cátedra de Tércia (até 1604), a de Véspera (até
1607), finalmente a de Prima (até 1610, e de novo
em 1612‑13) – e uma não menor carreira admi-
nistrativa, nomeadamente enquanto cancelário
da Universidade (1610‑15 e 1620‑22).
Nat ural de Braga, Cosme de Magal hães
(1551‑1624) pode ter sido o editor do volume
do De Anima – Góis tinha entretanto faleci-
do –, tendo‑lhe agregado um outro apêndice,
intitulado Tratamento de Alguns Problemas re‑
lativos aos Cinco Sentidos. Magalhães ingressou
15
na Companhia a 27 de junho de 1567, cursou
Humanidades em Coimbra (1568‑70) e filosofia
em 1570‑74. Nesta mesma cidade, em 1580, profe-
riu o elogio fúnebre nas exéquias do cardeal‑rei
D. Henrique, em nome do respetivo colégio.
Da cidade do Mondego, Magalhães passou a
Lisboa, de novo para ensinar (1585‑92), tendo
reentrado em Coimbra para lecionar Escritura
(1601‑05), matéria em que se celebrizou com vá-
rios títulos publicados sobretudo nos prelos de
Leão. A sua colaboração editorial com Góis, que
culmina com a publicação, em 1598, do quarto
volume dos CACJC (o manuscrito havia sido dado
à Inquisição para exame, já em 1592), pode ter
decorrido durante a primeira metade dos anos 80,
eventualmente enquanto Magalhães aperfeiçoava
uma seleta de prosadores e poetas latinos que
acabou por ser publicada (1587) em dois volumes.
Conjugando as datas referidas com uma re-
ferência de Sebastião do Couto (InIIp163 ‑ 4)
ao terceiro livro das Instituições Dialéticas de
Fonseca, verifica‑se que, tendo embora sido pu-
blicados entre 1592 e 1606, os CACJC têm uma
fatura deveras anterior. Isto é particularmente
16
importante, sobretudo para os investigadores mais
eruditos preocupados em discernir influências,
géneses ou mesmo filiações. Em face da conju-
gação aludida, atrevemo‑nos a conjeturar que,
algures entre os finais dos anos 70 e o princípio
dos anos 80 – seguramente nunca menos de dez
anos antes da data de publicação do primeiro
volume –, os CACJC encontravam‑se já em esta-
leiro e as discussões e trabalho de equipa entre
os professores, mormente Góis, eram uma reali-
dade. Relembremos que ele lecionou em Coimbra
entre 1574 e 1582. Uma outra lição – melhor
seria escrevermos, «uma outra tarefa» – que de
toda esta história por fazer se retira, é a de que
a contribuição eborense para os CACJC deve
ser estimada como relevante. Ela está ainda por
estudar, mas lembremos um contexto explicita-
mente evocado. Após uma querela interna, logo
nos inícios dos anos oitenta, que culminou com
o afastamento do padre espanhol Luís de Molina
(1535‑1600) de qualquer autoria dos CACJC, a ati-
vidade dos quatro jesuítas portugueses consistiu
sobretudo, mormente para Góis, em estabelecer
uma redação pessoal baseada nos manuscritos das
17
lições dos vários professores da Companhia no
Colégio de Coimbra e na Universidade de Évora.
Conhecemos, na maior parte dos casos, os nomes
desses mestres anteriores à edição dos CACJC,
maioritariamente portugueses e espanhóis, mas
os mais sérios candidatos são, até agora, Pedro
da Fonseca, Cristóvão Gil, Marcos Jorge e Pedro
Gómez. Está também ainda por fazer, porém, o
estudo aturado da sua contribuição manuscrita,
mais ou menos involuntária, nessa tão relevante
atividade editorial, concretizada, como se disse,
nos prelos de Coimbra (de António de Mariz) e nos
de Lisboa (de Simão Lopes e de Gomez Loureiro).
Avalie‑se como se quiser a iniciativa destes
quatro jesuítas, o seu alcance moderno e prag-
mático é indiscutível. Tal pode ser aferido pelos
seguintes padrões e respetivos objetivos:
18
(iii) o recurso a uma língua internacional cultural
universitária de dimensão europeia (critério de
internacionalização);
(iv) a repercussão global da obra publicada, ao
ponto de depressa vir a conhecer traduções e/
ou adaptações em idiomas improváveis (critério
de disseminação);
(v) modernidade e pragmaticidade conseguidas
num perfil, simultaneamente, enciclopédico e
expositivo (critério de conceção e exposição).
19
documentada nas bibliotecas universitárias até
ao século XIX (Halle, Jena, etc.). Pelo menos até
meados do século XVII, o ritmo de publicação
europeu dos volumes coimbrões ultrapassou o
de um título por ano. Sem desconhecermos a sua
transversalidade sóciocultural – eram inevitavel-
mente lidos v.g. pelos membros da comunidade
judaica que frequentavam as Universidades
coimbrã e eborense –, e sem menoscabarmos a
evidência de uma organização religiosa expan-
sionista (isto é, missionária), é particularmente
relevante o facto de ter sido graças ao trabalho
de Coimbra que Aristóteles pôde chegar à China
e às Índias Orientais e Ocidentais. Alguns nomes
nesta inédita gesta de difusão e globalização
decorrente do prestígio universitário de Coimbra
podem aqui ser referidos. O de Roberto de Nobili,
cujo Livro da Ciência da Alma, em língua tamil,
ainda não foi comparado com o título homónimo
dos CACJC; o de Pedro Gómez e seu Tratado
e Crítica da Terra e do Céu, bem como o de
Cristóvão Ferreira e o Livro da Esfera, ambos
os títulos em idioma japonês; seguramente, os
de nomes de Francesco Sambiasi, Giulio Aleni,
20
Alfonso Vagnoni e Francisco Furtado, para o
mandarim. Os padres Ferrreira (1580 ‑1650)
e Furtado (1589‑1603) – aquele recentemente
projetado pelo interesse de M. Scorsese – são
os dois únicos nomes portugueses integrados
nesta façanha, mas tal aparente menoridade não
nos pode fazer iludir o seguinte enigma: como
pôde um país geográfica e demograficamente
tão pequeno, ainda por cima requestado por um
extravagante poder (nominal, mas estrangeiro),
alimentar, espiritual, cultural e administrativa-
mente, uma Província religiosa que tinha quase
a dimensão do mundo conhecido? Atendo‑nos ao
caso, decerto o mais paradigmático, de Aristóteles
na China – insistamos: o Aristóteles que chegou
à China é o do padre alentejano Góis –, graças
ao catálogo da Biblioteca católica de Beitang,
que lista as aquisições bibliográficas que Nicolas
Trigault (1577‑1628) levou para Macau (1616/19),
os CACJC estão assim representados: 3 edições
da Ethica (1593, 1594, 1612); 2 edições do De
Anima (1598,1617); 2 edições dos Parva natu‑
ralia (1593, 1594); 2 edições do De coelo (1593,
1594); 2 edições dos Meteororum (1593, 1594); 2
21
edições do De generatione et corruptione (1597,
1615); 2 edições da Physica (1592,1616); 1 edição
da Dialectica (1611) e uma edição conjunta do
De coelo, Meteororum e Parva naturalia (1603).
Não seria, portanto, surpreendente que, também
no espaço cultural e universitário filosófico eu-
ropeu (ou mesmo norte‑americano), se viesse a
encontrar, na qualidade de leitores dos CACJC,
filósofos de craveira como Descartes, Locke,
Leibniz ou Charles S. Peirce. Também só assim se
pode compreender como é que, na sua disserta-
ção de doutoramento ( Jena, 1839), o jovem Karl
Marx ainda compulse e cite dois dos títulos de
Góis, a Physica (187a27‑28) e o De Generatione
et corruptione (317b15‑18).
22
2. F i l o s o fa r com A r i s tó t e l e s ?
Uma e x p o s i ç ão da c i ê n c i a f i l o s ó f i c a s o b
f o r m a s i s t e m át i c a , d e d u t i va e d i s p u tac i o n a l
23
Vicente Fabrício ( fl. 1535). Autenticamente terra
incognita, está por fazer um estudo sério sobre
o lugar de Fonseca na história europeia do tex-
to crítico da Metafísica mas não será exagero
dizer‑se que o gabinete de Fonseca terá estado,
no seu tempo, para a Metafísica, como algumas
garagens de Silicon Valley, para a indústria dos
computadores. Este padre de Proença‑a‑Nova
deixou‑nos o tom e o horizonte desse programa
filosófico «jesuíta» ao reivindicar, para a sua
«academia conimbricense», um novo retorno a
Aristóteles. No Prefácio à primeira edição das
Instituições Dialéticas (1564), ele justificava algo
assim como uma «Aristotelian turn», escrevendo,
no que poderia ser uma espécie de texto pro-
gramático, que:
24
continha mais perfeita e proficientemente explanada
nalgumas súmulas e investigações (summulis
quibusdam ac quaestionibus) elaboradas pelo zelo
dos mais diligentes do que seu pelo próprio autor.
Mas, embora isso, em grande parte, seja verdade,
não é, todavia, desconhecido quão grande detrimento
experimentou a Filosofia, desde que começou a
consagrar‑se a este modo de ensinar e aprender (haec
docendi, discendique consuetudo). (…) Advertindo
isto, a nossa Academia Conimbricense (nostra haec
Conimbricensis Academia), levada pelo recente
exemplo e prática de algumas outras, seguiu este
método de ensinar (docendi rationem), por assim
dizer, como que um regresso às fontes (veluti in
cunabulis), julgando que todo o empenho devia ser
colocado na explanação dos livros de Aristóteles
(in explicandi libris Aristotelis). (trad. 1964, p. 9)
25
que expurgada do que se opusesse à «respubli-
ca Christiana», deveria constituir antídoto certo
para o combate às ameaças à ciência prove-
nientes do paganismo e do ateísmo (gentilitas
et atheismus). Não se apercebendo do erro de
pensar que num regresso ao peripatetismo re-
sidia a chave de repúdio ao luteranismo – isso
equivaleria a menoscabar o caminho aberto por
Ph. Melanchthon (1497‑1560) – Fonseca como
que se sentia um outro Agostinho, atrevemo
‑nos a dizê‑lo, lutando contra o que julgava ser
o novo e crescente probabilismo académico da-
queles “tempos tão perigosos”. Filosoficamente
falando, o motivo «filosofar com Aristóteles» (de
ratione philosophandi Aristotelis) representava a
reivindicação do acesso à ciência, frente àqueles
que alegadamente a desvalorizavam, detendo
‑se na mera adiaforística, ainda que sob a capa
da demanda da sabedoria (sapientia). Decerto,
pensar‑se o que se quiser é um gesto humano,
mas humana e corajosa será, igualmente, a ad-
missão de que a ciência (scientia) e a verdade
não só não estão vedadas ao ser humano como,
no fim de contas, o identificam. Fonseca di‑lo‑á
26
sem quaisquer ambiguidades: é da essência do
ser humano alcançar a ciência mediante a apren-
dizagem (hominem esse disciplinem capacem).
Esta declaração impunha de imediato a pergunta
sobre a via a seguir para lá se chegar. Coimbra
avançará com a sua própria resposta, o CACJC.
Em rigor, uma parte do método preconizado
no primeiro trecho supra citado de Fonseca, ou
seja, a reprodução do texto de Aristóteles, depois
traduzido e devida e analiticamente estudado –
num segmento chamado «explanatio» (explicação)2
–, só integrou os grandes comentários do CACJC,
ou seja: Physica, De Coelo, De Generatione, De
Anima e, em parte, Dialectica. No curso romano
do jesuíta Francisco Toledo também não fora esse
o método utilizado (1563/69). Os restantes títu-
los de Coimbra obedecem a duas metodologias
distintas. A Ethica desenvolve‑se sob a forma
de disputas – Disputationes Metaphysicae foi
também o título que Francisco Suárez deu à sua
obra‑prima filosófica de introdução à teologia
27
(Salamanca 1597). Todos os demais, apresentam
‑se sob o formato de tratado sistemático – tem
havido alguma unanimidade em considerar‑se
que o título de Suárez inaugurou um tal pendor
de acesso à metafísica do Estagirita, mas idêntico
perfil e desiderato se podia encontrar na obra, em-
bora lógica, de Fonseca, sob o designativo latino
Institutiones, publicada quase trinta anos antes.
Apesar dos CACJC anunciarem explicitamente
no seu rótulo o género literário do «comentário»,
a explanatio sintonizava com as exigências de
atenção ao texto exigidas pela análise filológi-
ca humanista. Para este efeito, combinava‑se
o objetivo escolar de fornecer um léxico mais
rigoroso para a questionação e a disputa, com
o de procurar, através ou para além dos comen-
tadores mais antigos e mais recentes, a intentio
Aristotelis. Além do texto a comentar, também
a importância da disputa como meio de inves-
tigação e procura da verdade era incontestável.
Por isso, nos referidos grandes comentários, após
o segmento da explicação (explanatio), seguia‑se
uma outra importante (senão mesmo a mais im-
portante) componente metodológica, as chamadas
28
questões (quaestiones), subdivididas em artigos
(articulus), 3 e estes às vezes em secções (sec‑
tiones). É sobretudo nestas dialogantes e subtis
articulações editoriais que se deteta o brilho, o
vigor filosófico, mas também as naturais fragi-
lidades do contributo filosófico que poderemos
etiquetar como da «escola de Coimbra». Embora
o método dependesse em parte do chamado
modus parisiensis – uma pedagogia centrada nas
capacidades do estudante e um plano de estudos
organizado, perspetiva que unia Estrasburgo,
Roma, Paris, Alcalá e Coimbra – e prolongasse,
com adaptações, uma longa e consolidada herança
medieval, nada nos impede de falarmos genuína
e deliberadamente de «escola». Ela identifica‑se
com os CAJCC, aliás publicados anonimamente
(para desgosto de Manuel de Góis). Nas páginas
desta pequena monografia de divulgação, pro-
curaremos captar e apresentar um pouco dessa
identidade. Entretanto, é impossível não ver
de imediato como o seu quase absoluto cunho
29
dialético‑disputacional, ao serviço da exposição
da ciência, favorece a ideia de um comum contri-
buto na busca da Verdade. A iniciativa editorial
coimbrã esteve condicionada e dependente de
um programa ambicioso, habilitar a Companhia
de Jesus com um manual filosófico para todo
o orbe. Ora, acontece que este fito global estava a
ter uma origem radicalmente local na consolidação
de métodos hermenêuticos herdados, transforma-
dos e, sobretudo, adaptados para as discussões
consideradas como as mais urgentes, formuladas
sob a perspetiva de uma identidade religiosa ainda
em construção. Ilustrativo desta situação laborato-
rial, as famosas «práticas espirituais» de Jerónimo
Nadal em Coimbra (1507‑1580), no quadro de uma
campanha europeia de revisitação do espírito de
Inácio de Loyola, e o facto de a redação da Ratio
Studiorum estar ainda a ser elaborada.
Além da expansão geopolítica, esta gigantesca
ambição há de explicar não só a incompletude
dos CACJC como sobretudo a sua conhecida
«prolixidade» ou saturada erudição. Tanto quan-
to sabemos, o primeiro adjetivo foi utilizado
a primeira vez por Descartes (1596‑1650), que
30
estudou filosofia, entre outros manuais, também
pelos CACJC, mas está sobretudo em causa o
modo como os autores portugueses receberam
e interpretaram a incumbência superior sob
a perspetiva de que toda a pesquisa filosófi-
ca é comum, comunitária. Ao mesmo tempo,
almejava‑se algo de impossível, para não dizer-
mos «utópico»: um manual que contivesse não só
o texto do filósofo comentado e a sua explicação,
mas todo o conjunto desejável de problemas
mais ou menos atinentes às várias secções do
texto aristotélico, profusamente ilustradas com
milhares de citações e remissões, agregadas às
notas marginais. Já se falou, a propósito, de
hipertexto.4 Progredindo como uma poderosa
machina veritatis, é inegável que a tónica posta
na exposição da ciência avançava sob uma es-
tonteante expressão dialético‑disputacional, por
vezes diaporética. Semelhante profusão resumia
ou sublinhava aspetos considerados importantes,
além de permitir, a qualquer aluno, em qualquer
31
lugar do mundo, informar‑se, preparar exames e,
caso o desejasse, aprofundar matérias (vejam‑se
as notas marginais nas gravuras adiante repro-
duzidas, como utilíssimas ferramentas didáticas),
e discutir teses tantas vezes classificadas como
apenas prováveis.
Tudo isto, repetimos, seria um impossível
ideal. A sua concretização impressa impede‑nos
de pensar que o que hoje se lê nas páginas dos
CACJC traduz de facto o que se ensinava no dia
a dia do Colégio coimbrão (ou na Universidade
de Évora). Bastar‑nos‑ia comparar um tema
qualquer dessas páginas impressas com os fólios
manuscritos correspondentes, que as precede-
ram, para se patentearem as enormes diferenças
entre o ensino real ou efetivo e o ensino ideal
almejado. Pensamos v.g. no famoso Ms. BGUC
2399, atribuído a Fonseca, que perde, quantitati-
vamente, para o volume do De Anima, ou no Ms.
BNP 2518, do não menos eminente Cristóvão Gil
(1552‑1608), igualmente incapaz de pedir meças,
em dimensão, a qualquer dos títulos dos CACJC.
Compreende‑se, por isso mesmo, que a dimen-
são didática tenha sido devidamente cuidada, e
32
sobretudo teorizada, particularmente por Couto,
como a seu tempo veremos.
Com a dimensão didática, que retomaremos
no capítulo a seguir, intersetava‑se a questão
sistemática (ordo) da organicidade dos CACJC.
O problema da sistematicidade ( filum doc‑
trinae) deve ser tomado, contudo, sob várias
perspetivas. Inclusive sob o ponto de vista
da sua relativa ausência (sobretudo editorial).
Curiosamente, e começando por aqui, isto é,
comprovando uma vez mais o conflito entre o
real e o ideal, ressalta o facto de a publicação
dos vários volumes dos CACJC não corresponder
nem à ordem em que as várias matérias deveriam
ser ensinadas, nem à ordem da sua respetiva
importância. Assim, e para que tudo fique logo
claro, tanto mais que será este também o plano
que seguiremos na presente exposição: embora
o Código Pedagógico dos Jesuítas (a conhecida
Ratio Studiorum com a última redação em 1599)
prescrevesse que ao ensino da lógica se suce-
deria o da física, e depois o da metafísica (com
uma passagem pela chamada «ciência da alma»),
na prática letiva as coisas quase nunca funciona-
33
ram dessa maneira. Nem em Coimbra, nem em
Évora. É preciso ter presente que a tradição uni-
versitária portuguesa das Artes não só trabalhava
num sistema de quatro anos (ou sete semestres,
a partir de 1565) como também incluía o ensino
da ética. Embora os planos educativos tivessem
sido objeto de variadíssimas reformas, e sen-
do neles praticamente indiscutível a parte de
leão ocupada pela lógica, os problemas mais
sensíveis são os ligados ao lugar da metafísica,
à relação da sequência letiva dos vários livros
da física (incluindo‑se aí a denominada «ciência
da alma»), e à particularidade da ética.
Enfim, voltando à questão da sistematicidade,
mas deixando de lado os circunstancialismos
históricos que sempre desfeitearam os planos de
reforma curricular, e passando por alto alguns
pormenores, podemos ser um pouco mais asser-
tivos quanto ao seguinte: um curso de Filosofia
deveria começar com o ensino da Lógica (i.e.
do Organon tratando de modo diverso os li-
vros que o integravam e incluindo a Isagoge de
Porfírio). Esta matéria poderia prolongar‑se no
segundo ano, iniciando‑se, ainda, nesta segunda
34
etapa, o ensino da Physica. A também chamada
«filosofia natural» vai ocupar uma parte muito
significativa dos CACJC. Além de dela fazerem
par te os oito livros da Physica (lecionados
numa parte do segundo ano e no terceiro), os
livros De Coelo, Meteororum, Parva Naturalia,
De Generatione et Corruptione e até os livros
De Anima (este ensinados no único semestre
do quarto ano) também nela se integravam.
Nos capítulos quarto e quinto teremos ocasião
de voltar a este patente predomínio da física
num curso de filosofia empenhadamente com-
posto como propedêutico à teologia. Em tão
poucos semestres, colonizados, em tempos leti-
vos, mais pela lógica do que pela física, seriam
escassos os meses para a Metaphysica, tratada
em poucos livros, algures entre o terceiro e o
quarto ano (v.g. entre março e maio de 1578,
segundo o manuscrito BNP 4841, de Lourenço
Fernandes, ou entre setembro e dezembro de
1562, no curso do já referido Pedro Gómez).
Algo parecido sucederia com a Ethica, do
mesmo modo rapidamente abordada, quer no
penúltimo semestre, quer ainda no segundo
35
curso (em 1563/64 v.g. Luís Álvares expõe‑na no
segundo curso, mas intercalando‑lhe a Physica).
Para além do que deixámos dito em outros
lugares, repare‑se v.g. nas informações que o
Ms. BGUC 2318 (de Inácio de Tolosa, 1563) nos
revela quanto ao que poderíamos considerar
um possível, mas real, sumário letivo, no caso
sobre a Physica: iniciada a lecionação em 6 de
março desse ano, começar‑se‑ia o livro IIº em
26 de abril, o IIIº em 8 de junho, o IVº e o Vº
em 9 de setembro (um de manhã, outro pela
tarde), o VIº em 2 de novembro, o VIIº em 20
do mesmo mês, e o VIIIº em 10 de dezembro.
Nesse mesmo período, Molina, tanto quanto sa-
bemos pelo excelente manuscrito que nos deixou
(BPE 118/1‑6), ocupou‑se durante um ano letivo
inteiro com a Logica (1563/64), encerrando a
sua intervenção com a Ethica. Seria impossível
aplicarem‑se semelhantes calendários às mais de
oitocentas páginas do título homólogo composto
por Manuel de Góis e, na eventualidade (algu-
mas vezes sugerida) de o manuscrito de Molina
pretender‑se inaugurador dos CACJC, ter‑se‑ia
de reconhecer que também a solução didática e
36
editorial do proeminente jesuíta espanhol aca-
bava por colidir, quer com a de Fonseca, quer
com a de Góis.
O fundamental na organicidade ou sistemati-
cidade dos CACJC residirá, assim, não na fatura
seguida de publicação, mas na teorização de uma
interseção entre a ordem da dignidade dos saberes
e a ordem em que estes deviam idealmente ser
ensinados. Por outras palavras: há uma ordem
na exposição da ciência (ordo in disciplinis) que
se deve confrontar com o núcleo mais problemá-
tico da ontologia da ciência (ordo naturae/ ordo
cognoscendi). Recordemos, de passagem, que, os
luteranos, mais preocupados com as doutrinas
teológicas, atendiam às conexões lógicas dos
vários ensinamentos, e que os calvinistas, mais
sensíveis à soma total do conhecimento teológico,
conferiam atenção à sistematização de cada dis-
ciplina, acabando, enfim, por relacioná‑las todas
num saber orgânico ou enciclopédico. A posição
alternativa de Coimbra, a este respeito, pode ser
introduzida mediante a leitura dos dois principais
Proémios dos CACJC, o primeiro da autoria de
Manuel de Góis, na Physica (e que surge como
37
o momento inaugural de reflexão sobre o projeto
editorial), o segundo, da pena de Sebastião do
Couto, na Dialectica (e que deve ser lido como
uma revisão do mesmo projeto).
Após a apresentação da filosofia como etiolo-
gia, «conhecimento das causas» de tudo quanto
existe, a divisão das ciências é esboçada na
interseção das seguintes perspetivas (entre 1 e
3, a epistemologia é caleidoscópica e não diri-
mida, e 4 expõe o núcleo do problema que aqui
queremos cingir):
38
práticas factivas ou produtivas, como a gramática
e a retórica, a pintura e a dança, etc.
(3) ciências superiores vs. inferiores, uma divisão
dos saberes ou ciências estabelecida em função de
uma consideração hierárquica, cabendo, naque-
las primeiras, a matemática, a física, a moral e a
metafísica/teologia e, nestas últimas, as sete artes
liberais (gramática, retórica, dialética, aritméti-
ca, música, geometria e astronomia), bem como
as sete artes servis (agricultura, caça, arte militar,
náutica, cirurgia, tecelagem e artes mecânicas).
(4) a ordo in disciplinis, por fim, estabelecida,
sempre por ordem crescente, seja pelo lado da
descoberta (inventio) (4a), seja pelo lado do en-
sino (doctrina) (4b), seja pelo lado da dignidade
(dignitas) (4c), também acolhendo a «evidência e
certeza» (4d), a saber: lógica, matemática, física,
moral e metafísica (para 4a e 4b); moral, mate-
mática, física e metafísica (4c); metafísica, física
e matemática (em relação a 4d).
39
critério pedagógico‑didático (4), sem iludir as di-
ficuldades das interseções entre a dignidade (4c e
4d), a descoberta (4a)/ensino (4b) e o princípio da
evidência (4d). De facto, ainda que se considere,
este último (4d), a «intrínseca razão da ciência»,
na ordem histórica da concretização ou aplicação
de uma verdadeira ordo in disciplinis, seria mais
rigoroso falar‑se de ontologia da evidência do
que em epistemologia da evidência. Claramente,
a ontogénese da ciência deverá sobrepujar a filo-
génese da ciência, como convém a uma exposição
didática, que visa opor ao monismo epistemoló-
gico – v.g. de um Antonio Bernardi (1502‑65) – o
pluralismo epistemológico, qual o professado
em Coimbra. Tratava‑se, ainda, de acolher um
velho diálogo com alguns topoi peripatéticos, na
aplicação expansionista da episteme aristotélica
seguinte: o conhecimento científico consiste na
disposição (habitus) para assentir em conclusões,
as quais não são só verdadeiras, mas certas, posto
que resultantes de uma demonstração assente em
princípios evidentes. Tudo isto pode apresentar‑se
glosando dois pontos. Seja o relativo ao princípio
de que «todo o ensino e aprendizagem procede
40
de um conhecimento pré‑existente» (An.Po. I
71a1sg.), seja o relativo à diferença entre o que
é conhecido «por nós», ou «quanto a nós» (nota
nobis) e o que é conhecido «em si» (nota natu‑
ra) ou «por si» (De Ver. q.10, a.12). A admissão
de uma ordem crescente na evidência remeteria
os nossos autores para a consideração de uma
ciência ideal não‑humana e, deste ponto de vista,
em si, a metafísica almejaria o grau da evidência
matemática (4d). Em linguagem kantiana, isto
equivaleria a reconhecer que a metafísica nunca
se poderia constituir como ciência (i.e. evidente).
Na ordem natural, incarnada e pragmática da
vida, do conhecimento e da aprendizagem hu-
manas, os graus da evidência (4d) intersetam‑se
em cruz problemática com os graus da dignidade
da ciência (4c). A matemática é reconhecida como a
chave da evidência, mas a metafísica apresentava
‑se como a chave da dignidade. Resulta, então,
daqui, que a metafísica, a que neste plano de uma
ciência histórica ou humana se chega, não é a da
máxima evidência «em si (ou da menor dignidade
em si)», mas a da máxima dignidade «em si» (ou
da menor evidência em si). É nesta encruzilhada
41
paradoxal da dignidade (antiga) com a evidência
(moderna) que irrompe a dimensão autoritária
que a teologia acabará por exercer no trabalho
filosófico da Companhia de Jesus. Mas o horizonte
político e empenhado de qualquer exposição da
ciência com finalidades religiosas (neste particular
os jesuítas não se distinguem dos seus colegas
luteranos e calvinistas) não promove senão uma
articulação entre a lógica das categorias e a me-
tafísica das substâncias. Sublinhemos o quanto
concerne à primeira, não deixando de atentar em
que «dignitas» era também a palavra usada para
traduzir «axioma», quer dizer, uma proposição
indemonstrável a ser sustentada por todo aquele
que quer aprender alguma coisa, e cuja clareza
(perspicuitas) lhe advém da primordialidade de
um princípio comum a todo o género de ciências.
Consequentemente, quando o intelecto corrige o
erro ou a incerteza, fá‑lo no quadro de «uma luz
congénita (inditum/nativum) pela qual se dá as-
sentimento aos princípios mais gerais (…) e através
da qual se deduz, pelo raciocínio, muitas coisas
(…), quer seja com toda a clareza e certeza, quer
seja com mera probabilidade…» (Phpr2)
42
Retenha‑se, contudo, que em Coimbra este
projeto é quase (isto é, pretende ser) integral-
mente filosófico. Isto é, de certa maneira, uma
novidade e uma originalidade que merece ser
destacada. Previamente à epistemologia da evi-
dência com que a filosofia europeia se deparará,
na esteira desse discípulo dos CACJC que foi
Descartes, ou seja, no quadro da epistemologia
dos Analíticos, sobressai também a sensibilidade
para com a dimensão humana da ciência, conju-
gada entre a ordem cognitiva da doutrina (nota
nobis) e a ordem ontológica da natureza (nota
natura). Por outras palavras: entre as ordens do
conhecimento e da natureza, entre os princípios
do conhecer e os princípios ou as causas inter-
nas do ser. Este será um confronto flagrante e
recurrente ao longo dos CACJC. Se, de alguma
maneira (i.e. num dado tempo inacessível à his-
tória), as duas ordens puderem coincidir, urge
sempre a necessidade da exposição da ciência
feita (o sistema ou filum doctrinae). Contudo,
porque, no fim de contas, o ensaio ou a tenta-
tiva pedagógica exprimem e realizam a forma
incarnada, histórica ou humana de acesso ao
43
dilema ou à cruz paradoxal que apontámos, se
quiséssemos indicar o primeiro e periclitante ho-
rizonte dos CACJC, sempre o poderíamos nomear,
socorrendo‑nos da linguagem de uma problemá-
tica hegeliana por vir, dizendo que, começar a
filosofar (initium/Ausgangspunkt), e principiar
a filosofia (principium/Prinzip/Grundsatz), re-
sultam de um encontro assimétrico, qualitativo,
nunca coincidente, onde, por isso, a probabi-
lidade é, por vezes, a única palavra temporal
possível. E a dialética, o método certo para a
sua exposição. Numa patente metodologia que
multiplica questões e disputas, o acolhimento do
probabilismo é a vivência fascinante e difícil que
enforma toda a inquirição e investigação dialógi-
ca digna de receber o nome antigo de Filosofia.
O que dá que pensar é a permanente fragilidade
da probabilidade com a fé inabalável, política e
programática na possibilidade e na certeza da
ciência. Confrontados com o lema «quod nihil
scitur», os jesuítas de Coimbra não hesitam em
dar antes uma resposta otimista, afirmativa e
combativa à pergunta, para eles dileta, «utrum
sit vera scientia».
44
GRAVURA 1
45
texto, que para estas remete (a vogal que antece-
de cada partícula da explicação corresponde ao
texto de Aristóteles assinalado pela mesma vogal).
De notar, a existência de um terceiro nível de
anotações (as mais exteriores), muito úteis para
a aprendizagem: «que coisas suscitam o apetite
de saber», «porque é que os filósofos escreveram
obscuramente acerca da natureza», «noção de
bem e de excelente», etc. Vd. também Gravura 3.
GRAVURA 2
46
Início da 6ª questão e do respetivo artigo 1º
do Prefácio à Isagoge de Porfírio, o primeiro
livro comentado no volume da Dialética, sob a
responsabilidade de Sebastião do Couto; como
sempre sucede, sobretudo nas páginas concer-
nentes às questões (quaestiones), encontramos
nas margens dois tipos de notas, verdadeiros
auxiliares de memória e divisores do texto ma-
gistral: as interiores, da direita, correspondem,
mais ou menos, ao que hoje denominamos
notas bibliográficas (aí se lê, em abreviatura:
Aristóteles, São Tomás, Caetano, etc.); as notas
marginais do lado exterior da página, à esquer-
da, são auxiliares para a leitura/aprendizagem
da questão, neste caso, sublinhando três lições
principais: «um ente de razão é diverso de um
ente real»; «definição de ente de razão»; «os três
modos em que se pode dizer que algo depende
do intelecto, efetivamente, subjetivamente e
objetivamente».
47
GRAVURA 3
48
baseada numa correlação constante entre textos
comentados e textos derivados; (iii) quanto ao
modo de apresentação, estrutura fragmentada
dotada de conectores que se referem a outros
fragmentos; (iv) quanto ao decurso silogístico,
coexistência de séries de argumentos encadeados
e entrecruzados com uma alternância de argu-
mentos de autoridade e de razão; (v) quanto à
estrutura, o caráter caótico típico da organização
dos fóruns na Internet.
49
(Página deixada propositadamente em branco)
3. A c i ê n c i a da Lógica:
d e s c o b e r ta , e n s i n o e d e m o n s t r aç ão
51
da Companhia de Jesus. Na escolha do lexema
«dialética» ecoava decerto igualmente o título
de Fonseca, Institutionum Dialecticarum Libri
Octo, não obstante o acolhimento mais ou menos
recorrente dado às duas denominações, ‘dialética’
e ‘lógica’, considerada, aquela, mais usada para
os Tópicos ou para o estudo da probabilidade e,
esta, para os Analíticos ou o estudo da demons-
tração. Fosse como fosse, ambas as designações
eram possíveis e comuns.
No volume respeitante ao âmbito da lógica, os
títulos comentados nos CACJC são, irregularmente
embora (i.e. dedicando mais atenção aos cinco pri-
meiros livros do que aos restantes), os seguintes:
Categorias, Interpretação, Primeiros e Segundos
Analíticos, Tópicos e Refutações Sofísticas, todos
estes títulos da autoria do Estagirita, mas sempre
antecedidos pela Isagoge de Porfírio. A importância
irregular concedida a cada uma destas rubricas
explica‑se pela relevância do tema da ciência,
e da linguagem ao seu serviço, em detrimento
da tópica. A relevância dada à epistemologia foi
vista por alguns intérpretes recentes como uma
dissensão retrógrada, em relação à postura even-
52
tualmente mais aberta de Fonseca, neste ponto.
É, evidentemente, correto dizer‑se que, para
Sebastião do Couto, os silogismos dialéticos têm
uma dimensão inferior aos demonstrativos, e na
sensibilidade para com a necessidade da ciência
os jesuítas de Coimbra não contendem entre si.
(Parece‑nos adquirido que Couto teve por Fonseca
um apreço maior do que Manuel de Góis parece
ter tido por tão relevante mestre.) Seja como for,
Couto não deixa de reconhecer algo de capital
para quem concebe a filosofia como busca co-
mum em diálogo: o valor do penúltimo livro da
Dialética para o exercício ginasial e escolástico,
para as reuniões (colloquia) e troca de ideias
(congressus) dignas (honestus), para a disciplina
filosófica, enfim, e todas as suas componentes.
Tem de ser sob esta perspetiva, embora no intuito
– ou mesmo no dever – de sempre se contrariar
o erro, que importa ler também os dois últimos
títulos da Dialética.
Alguma contabilidade ou estatísticas foram
entretanto feitas e, tendo‑se percebido que o
texto de Couto excede o Organon aristotélico
em 3,5 vezes, destacou‑se sobremaneira a rele-
53
vância e o ineditismo de temas como a temática
da pré‑cognição (no capítulo 1º dos Primeiros
Analíticos), os Universais (no Prefácio à Isagoge)
e os signos (no capítulo 1º de A Interpretação).
Vamos abordá‑los de seguida, mas antes diga-
mos ainda alguma coisa mais sobre a lógica
ou dialética.
Como se viu no capítulo anterior, a atenção
didática concedida à lógica era provavelmente
exagerada. Temos inclusive um testemunho
deste excesso, quando, em 1574, o provincial
Miguel Torres lastima que os estudantes saiam
«buenos dialéticos, pero muy f lacos en la phi-
losophia que es lo principal» – algo parecido
com o que seria hoje o lamento relativamente a
alguns departamentos assoberbados com a ló-
gica filosófica, descurando tudo mais. Fazendo
o elogio da dialética ou lógica – «balança da
verdade», «regra e medida das ciências», «for-
madora da sabedoria» –, entretanto entendida
como uma componente efetiva da filosofia,
os CACJC definem‑na como «arte ou doutrina
da descoberta», revelando‑nos, dessa maneira,
o verdadeiro horizonte heurístico, mais ou
54
menos subsidiário, mas igualmente epistemo-
lógico, da lógica. Dado que toda a doutrina
e ciência se faz a partir do conhecimento do
antecedente, as conclusões da ciência necessi-
tam dos chamados «primeiros conhecidos». Tal
como em Aristóteles, de entre os tipos destes
praecognita, os CAJCC destacam os princípios
comuns a toda a demonstração científica (o
princípio de identidade v.g.) e as denominadas
«pré‑noções» (An.Po. II 1 89b24). Na verdade,
apresent ando ‑ se como ciência ser moci nal,
quer dizer, respeitante à linguagem: seja pela
argumentação – mediante a qual se chega ao
conhecimento das afeções e dos acidentes –,
seja pela divisão – que permite o conhecimento
das partes –, seja pela definição – que dá o co-
nhecimento da essência –, a lógica ou dialética:
55
De notar que, afora a dimensão da falsifi-
cabilidade e o facto de não se estar no quadro
das ciências empíricas (antes pelo contrário),
entre (i) e (iii) desenvolve‑se uma dimensão es-
pecífica do que, com Karl Popper, poderíamos
designar «a lógica da descoberta», i.e. a atenção
ao princípio lógico‑epistemológico sob o qual
devem caminhar ciência e investigação. De fac-
to, a dialética está substancialmente ao serviço
da investigação e da descoberta mas, para não
sermos mal entendidos, importa atentar em que
«descoberta» (inventio) não tem ali a semântica
que hoje comummente lhe conferimos. O fim
próximo da dialética ou da lógica passa por
prescrever o método e as normas da descoberta,
e seu fim remoto e mediato é o de pôr a própria
obra da descoberta ao serviço das faculdades.
Ela tem, ainda, o múnus de auxiliar as demais
ciências, na medida em que versa sobre as cau-
sas aptas e idóneas para a demonstração. Por
isso, embora sendo matéria controversa saber
se a dialética é uma ciência teórica ou prática,
os CACJC acompanham Fonseca em dizer que
se trata de uma ciência simplesmente prática,
56
apesar de a verem como subdivisível em teórica
(docentem) e aplicada (utentem). Explicando o
que parece ser uma contradição: esta última
diz respeito ao concreto e liga‑se às temáticas
científicas, aquela respeita à matéria abstrata,
considerando e prescrevendo por si as puras
formas da descoberta. A primeira ensina a cons-
truir o silogismo dentro das regras, a segunda,
cuja aplicação contribui para aquela, a confi-
gurar o silogismo de acordo com tais regras.
Anatomicamente falando, a dialética aplicada é
a espinha dorsal de todos os CACJC.
No tocante ao problema dos universais, em
que os CACJC almejam o combate ao platonismo
e ao nominalismo, e mantêm o número porfiriano
dos cinco predicáveis (género, espécie, diferença,
próprio e acidente), a tese defendida sustenta
um tipo particular de unidade dos universais,
chamada unidade de precisão. Além deste tipo
de unidade, as outras duas notas constitutivas
do universal seriam a aptidão para existir nos
particulares e a predicabilidade em relação aos
mesmos. Convém aclarar que a unidade própria
à universalidade é a unidade de precisão pri-
57
vativa. Típica de um sujeito com potência para
a forma negada, i.e., para uma divisão pelos
inferiores, trata‑se, em qualquer caso, de um
tipo de unidade não puramente negativa. Com
efeito, a unidade de precisão privativa convém
à natureza em si mesma considerada e, não se
multiplicando consoante a multiplicação dos
conceitos abstraídos, dá‑se concomitantemente
com a aptidão para ser em muitos. Ou dito de
uma outra maneira ainda: ela caracteriza‑se por
ser intermédia entre uma unidade numérica (este
tipo respeita aos indivíduos) e uma unidade
formal (respeitante à natureza comum), sendo,
apesar de tudo, uma unidade mais numérica do
que formal, e mais «por si» do que «por acidente».
Caracterizada, então, pela indivisão da natureza
comum nos seus inferiores, tal unidade de pre-
cisão assinala uma capacidade de divisão não
real, e a partilha, em simultâneo, da condição
intelectiva e da condição do real extramental.
Esta formulação, que parece difícil, representa
apenas o intuito de dar ao universal, tomado
em si mesmo, uma unidade própria sem que,
com ela, se invalide, antes pelo contrário, a
58
possibilidade da ciência. Devido às três notas
constitutivas do universal antes enumeradas,
percebe‑se, com facilidade, como o chamado
problema dos universais se interseta, inevita-
velmente, com o problema do conhecimento e
também com a metafísica. Na verdade, a ligação
da Isagoge (que acolhe e aborda o problema
dos universais) com o De Anima (que concerne
ao conhecimento, como ainda se verá) vai permi-
tir sustentar que, tomados formalmente enquanto
relação, os universais exprimem a última defi-
nição do ser essencial e que, ontologicamente
falando, cabe à relação, e não à aptidão, cons-
tituir a última perfeição dos universais, i.e., o
fundamento da própria universalidade.
Conhecimento e ciência começam natural-
mente nos sentidos – nos CACJC jamais se
põe em causa que a alma seja uma tábua rasa,
numa linhagem que une Aristóteles a Locke –,
alargam‑se e consolidam‑se com a experiência
– na aceção de uma acumulação, quer livresca,
quer empírica, como veremos adiante –, e culmi-
nam na conquista do universal e do inteligível.
A partir daqui a ciência pode finalmente ser
59
feita e, sobretudo, exposta dedutivamente. Pela
ordem decrescente da sua respetiva dignidade,
os sentidos da visão, audição, odor, gosto e
tato captam as imagens das coisas singulares
e permitem aos apenas dois sentidos internos
– sentido comum e imaginação (os CACJC pro-
longam a tradição de reduzir este número, na
esteira da Fonseca) – dar um primeiro passo na
universalização. A transição do domínio do sin-
gular para o do universal equivale à passagem
do plano do conhecimento sensível ao inteligível
ou à ciência. Sem o reproduzir, limitemo‑nos a
abreviar um texto (Ispr5) que explica bem todo
esse processo: quando um sensível externo (i.e.
um objeto captável pelos sentidos) se apresenta
a um dos cinco órgãos dos sentidos ele imprime
nele a sua respetiva imagem (species/imago),
originando e.g. a visão de uma cor; de seguida,
as imagens que representam essa cor chegam ao
sentido comum através dos nervos óticos, ainda
que sofrendo alguma modificação; isto permite
que o sentido comum alcance o conhecimento
(notitia); denominada «imagem» ou «espécie sen-
sível», esta avança até à imaginação (imaginatio/
60
phantasia), que exprime esse conhecimento (cog‑
nitio), designado como «imagem expressa»; daqui
em diante, esta imagem (phantasma) deveria
avançar para o intelecto paciente ou intelecto
possível (os dois termos são sinónimos) para
que uma tal dimensão intelectiva, devidamente
informada, chegue ao conhecimento do objeto;
contudo, como a espécie a produzir pelo intelecto
deve ser espiritual e essa imagem é corpórea,
exige‑se a intervenção do intelecto agente que
eleva a imagem à condição da universalidade.
É crucial aqui a tripla função do intelecto agen-
te – iluminar os fantasmas, atualizar o objeto
inteligível e produzir as espécies inteligíveis no
intelecto paciente – mas, também, a superiori-
dade do intelecto paciente. A este compete o
próprio pensamento, na medida em que só a
ele cabe julgar e chegar à contemplação. Falar
de «intelectos» é enganador, porque se trata
antes de duas dimensões, embora distintas, de
uma mesma capacidade, mas pode reter‑se que
a tríplice função do intelecto agente evidencia
a necessária colaboração entre o sensível e o
inteligível, típica da epistemologia aristotélica.
61
O princípio aqui subjacente reproduz, pro-
longa e consolida a velha lição de que só há
ciência do universal. Este é o campo do pensar,
do inteligir. Ora, caracterizada por ser verda-
deiramente uma ação, e não uma qualidade,
qualquer inteleção torna o objeto presente ao
espírito não no seu ser real, mas intencional, isto
é, o pensamento é sempre um pensamento‑de
(como a fenomenologia do século XX insistirá).
Explicando melhor: a inteleção é uma dada as-
similação entre a faculdade intelectiva e a coisa
inteligida, assimilação essa que, consistindo na
expressão ou representação da coisa conhecida,
se traduz na formação ou expressão inteligível
da coisa em si mesma, ou seja, na produção
de um conhecimento efetivado ou realizado
(notitia genita), chamado «verbo mental» ou pen-
samento. Os comentários ao De Interpretatione
e ao De Anima são, neste particular, nucleares,
e correlacionam‑se. Compor, discorrer e jul-
gar constituem o âmago de toda a apreensão
intelectiva (apprehendendo per intellectum) e,
preconizando‑se embora o raciocínio silogís-
tico como o veículo por excelência da ciência
62
e, portanto, do pensamento, qualquer leitor
dos CACJC se apercebe que a hermenêutica da
explicatio e a dilemática da quaestio surgem,
repetimos, como veículos discursivos essenciais
na construção e exposição didática (e já agora,
também probabilista e problemática) da ciência.
Quando confrontados com a pergunta «o que
significa pensar?» os CACJC defendem, quer a
singularidade, quer a universalidade de um tal
procedimento, mas, em ambos aos casos, a ciên-
cia a que se chega será sempre do domínio da
verdade, da universalidade e da essencialidade.
O ser, a possibilidade de dele falarmos, em
obediência aos princípios da lógica mas, so-
bretudo, o problema predicamental, colocava
a filosofia perante o magno tema das palavras
e das coisas. Qualquer estudioso de Aristóteles
sabe como os predicamentos articulam maneiras
de falar com a análise ontológica da realidade.
Daqui a evidente interferência das Categorias com
a Metaphysica, mormente os seus livros IVº e Vº,
haja sobretudo em vista que no exame do ba-
charelato (normalmente em fevereiro, no terceiro
curso) qualquer impossibilidade letiva de tratar
63
os textos da Metafísica podia ser compensada
pelo estudo das Categorias. Não surpreende, por
isso – e além de não surpreender, será mesmo
crucial posto que não temos nenhum livro sobre
a Metaphysica no quadro dos CACC – topar‑se
com a investigação sobre a doutrina da analogia
no livro das Categorias. A sua centralidade é
indisfarçável, sobretudo se tivermos em atenção
que Coimbra adota tal doutrina, em vez da teoria
escotista da univocidade, para traduzir a noção
de transcendência. Os termos da temática a que
na esteira de Heidegger se chama ontoteologia
foram sempre discutíveis e, infelizmente, como
sucede em tantos campos teóricos mais, será vão
pedir aos CACJC o seu esclarecimento. Como
em qualquer manual, a lição esgota‑se sobretu-
do em dar conta das duas principais fórmulas
tradicionais da analogia, segundo a atribuição
e segundo a proporção, também denominada
«analogia de proporcionalidade». A analogia de
proporção subdivide‑se ainda em própria e im-
própria, estabelecendo‑se, aquela, na distinção
da sinonímia, e esta, além de comportar vários
conceitos na mente, numa dupla imposição e
64
relação (Cac1q1a1‑3). O que se pode realçar, a
montante, é o que decorre da especificidade do
cruzamento palavras e coisas. A combinação
dos planos categorial e substancial viabiliza um
ponto de vista capaz de cartografar a realidade
de uma maneira curiosa, epistémica, designa-
damente. Por exemplo, do facto de se admitir
a relação da qualidade (qualitas) com a quanti-
dade (quantitas), em se tratando de princípios
internos dos corpos, qualidade e quantidade
permitem autênticas leituras epistemicamente
transversais não‑contraditórias (ou até teleo-
logicamente comensuráveis), podendo cobrir
dimensões, propriedades, nomes ou entidades,
até artes ou saberes, tal como a física, a ética, a
estética, a metafísica, a matemática, etc.
Diferente, no seu desenvolvimento material, é
a importância atribuída à doutrina dos signos, ou
dos sinais (signum). Devemos a Couto o primeiro
tratado sistemático seiscentista da matéria que
Locke divulgará com o nome de semiótica. Ela
terá conhecido, na obra de outro eminentíssimo
autor português, João Poinsot O.P. (1589‑1644),
uma formulação mais sistemática e apurada do
65
que a de Couto. O dominicano havia, no entanto,
compulsado, enquanto discente, o tratado do
jesuíta. Frente à tarefa de comentar as palavras
iniciais de Aristóteles em A Interpretação (1,
16a4‑5), – e sem desvalorizarmos papel anterior
de Domingos de Soto (In Dialecticam Aristotelis
Commentarii, Salamanca 1552) – o leitor do texto
de Coimbra atentaria na importância dada a uma
noção já moderna de «signo» e à desvalorização
ou mesmo ao desprezo da problemática da sig-
nificação, nos termos em que tal matéria podia
ser abordada, por exemplo na esteira de Pedro
Hispano (+1277). Este é um autor praticamente
ignorado pelos CACJC. Definido, o «signo», como
aquilo que representa à potência ou faculdade
cognitiva alguma coisa diferente de si, busca‑se
fundamentar, quer a sua relação à coisa significa-
da (o objeto), quer a sua relação à potência que
conhece (o sujeito). A divisão privilegiada para
os signos, no seio, aliás, de um grande conflito
de interpretações, é a que ocorre entre signos
formais e signos instrumentais (uma outra é en-
tre signos naturais e convencionais). Enquanto
os sinais formais, constituindo‑se na faculdade
66
cognoscitiva, causam o conhecimento mediante
a gravação de uma forma (v.g. o conceito de Sol,
para um astrónomo) que torna o objeto presente
interiormente, os sinais instrumentais produzem
o conhecimento de algo diferente, exteriormente,
pois os objetos materiais podem funcionar como
signos, desde que sejam previamente conhecidos
enquanto objetos que representam outros objetos
(v.g. a imagem do fumo, a respeito do fogo, na
condição de se ter conhecimento prévio do que é
o fumo). Sustentar, como faz Couto, que «signo»
é «um termo conotativo que manifesta formal-
mente uma capacidade de significar e denota a
coisa significada» (InIc1q2a3s2) equivale a uma
desvinculação relativamente à tradição sobre
a significação de conceitos/fonemas/grafemas
(os chamados, sob a perspetiva do ensino, três
«sinais doutrinais») num diálogo filosófico muito
atualizado. No limite, visa‑se recuperar a semio-
tização possível de todo o real, no mais recente
quadro em que o ser humano, mercê do novo
lugar ontológico que ocupa, se vê a si mesmo
como árbitro de sentidos mediante a aplicação
interessada da sua inteligência. Esta é a razão
67
pela qual, a doutrina dos sinais, cai na tentação
de se envolver com questões epistemológicas,
psicológicas, metafísicas e teológicas. Uma nota
mais: não obstante a clássica preponderância dos
fonemas relativamente aos grafemas, atendendo
a que os CACJC se autojustificavam no plano gra-
femático da imprensa, merece a pena assinalar‑se
a emancipação ou autonomização da escrita. Ela
é assim apresentada: enquanto sinais das coisas,
há uma diferença formal entre o grafema e o fo-
nema e, se a significação dos fonemas (tal como
a dos conceitos) é considerada simples, a dos
grafemas é considerada complexa (InIc1q3a4).
A Couto ficámos também a dever a síntese
entre duas grandes teorias sobre o mestre (de
magistro), como então se dizia, a de Santo
Agostinho (354‑430) e a de São Tomás de Aquino
(+1274). Era sua convicção inclusivista e univer-
sal que todo o ser humano tem a capacidade
de aprender (disciplina), desde que o método
(ordo) seja o adequado. Sendo o intelecto de
cada aprendiz uma tabula rasa, competiria ao
professor ensinar (doctrina), ou como então
se dizia também, transmitir a ciência. Tal não
68
poderia suceder sem a colaboração de ambos,
embora em quotas‑par tes não equivalentes.
O mestre deve recorrer à apresentação de exem-
plos sensíveis, facilitar a produção de imagens
que façam com que o aluno alcance a inteli-
gibilidade das coisas, fazendo passar o que
este conhece de modo confuso e genérico, ao
saber explícito e singularizado, tal como o que
o professor detém. Para que isto fique claro
importará, ainda que muito brevemente, deixar
algumas referências dos quadros epistemológicos
que nos dias de hoje não seguimos, mas que
nos ajudam a perceber o que está em causa,
nesta proposta que gira em torno do motivo
missionário inclusivista da progressão do/no es-
clarecimento, mediante o recurso à terminologia
da física aristotélica (ato/potência). Desde logo,
a discriminação dos quatro géneros de conhe-
cimento – «confuso atual», «confuso potencial»,
«distinto atual» e «distinto potencial» – ontogene-
ticamente apresentados assim: o conhecimento
confuso antecede o conhecimento distinto,
é como que um intermediário entre a ignorância
e o conhecimento distinto (notitia distincta);
69
dado poderem encontrar‑se num mesmo intelecto,
o conhecimento distinto atual pode coexistir com
o conhecimento confuso potencial, e o conheci-
mento distinto potencial, com o confuso atual,
embora não seja possível que o conhecimento
confuso atual coexista com o conhecimento
distinto atual, nem o conhecimento confuso
potencial com o conhecimento distinto potencial
(PhIc1q2a1). A «evidência» é, então, passível de
aumentar ou diminuir, de ser maior ou menor
(SaIc2q2a5), mas o modo como tal ocorre varia
consoante a ciência em causa. No caso da teo-
logia, a ciência por excelência, dir‑se‑á que a
sua evidência possível pode respeitar ao objeto
e ao conhecimento. Naquele, trata‑se da clareza
(claritas) e da transparência (perspicuitas) com
que o objeto se apresenta à faculdade intelectiva
(a verdade das coisas), neste, da própria clareza
da perceção que penetra no objeto. A verdade,
de facto, divide‑se em verdade das coisas e
verdade do conhecimento, a primeira é trans-
cendental (transcendens), é uma propriedade
do ente (passio entis) e respeita à metafísica, a
segunda, oposta à falsidade e chamada verdade
70
complexa ou formal, caracteriza‑se pelo facto
de o intelecto conhecer a coisa tal como ela é,
e diz respeito à lógica. Embora, entre estes dois
regimes, o leitor fique impressionado com o peso
quantitativo desta última, não convém subestimar
a relevância daquela.
Ainda mais do que Góis, ao mesmo tempo
que recusava liminarmente qualquer inatismo
platónico, Couto acentuou o papel da experiência
e o imprescindível saber e método do mestre
na ação educativa. Concebida de uma maneira
assaz entusiástica, a convicção subjacente era
a de que a aptidão do ser humano para aprender
seria, afinal, tão certa quanto a regra matemática
do triângulo. Enfim, o otimismo, o realismo e o
empirismo pedagógico dos CACJC é tão grande
que Couto chega a admitir alguma simultaneida-
de entre o avanço nos primeiros conhecimentos
e o progresso nas demonstrações (SaIc1q3a2).
Em se tratando sempre de ciência, também
aos Segundos Analíticos competiria a exposição
da doutrina dos laços proposicionais (con‑
nexiones propositionum), mesmo para Deus
absolutamente necessários, o que equivale ao
71
reforço do essencialismo no seio do qual a
própria física se verá reconhecida como uma
ciência só, basilar mas multifacetada, ou seja
como vasta scientia de mundo e como implicada
scientia de anima, temáticas de que cuidaremos
nos capítulos a seguir.
72
4. A c i ê n c i a da f í s i c a :
73
sobre o mundo (scientia de mundo) concretizar‑se‑á
mediante a exposição dos princípios mais gerais,
sob o signo estético da perfeição (quase no sen-
tido literal desta palavra), começando no que é
mais perfeito e acabando no menos perfeito. Dito
sob a forma literária da época: preconiza‑se que
o combate aos autores coevos que caluniavam a
natureza se faça mediante um tratamento, consi-
derado exaustivo, no sentido em que cobre todo a
realidade natural, dos seguintes campos teóricos:
74
Esta leitura sistemática e dedutiva da física
do «mundo» não esgota, conforme se verá me-
lhor no capítulo imediatamente a seguir, a física
toda, mas é patente o seu motivo dedutivo e o
facto de as suas balizas conceptuais habitarem
a totalidade do território situado entre o movi-
mento e o repouso. Aparentemente exaustiva,
a filosofia natural surge‑nos, na realidade, com
uma figuração parabólica de eixo vertical, que se
concretiza no De Anima, enquanto texto que im-
põe a própria superação do Mundo. Captando‑se
aqui algo que se reconhecerá, mutatis mutandis,
no horizonte de Theillard de Chardin (1881‑1955),
veremos como isto sucede pelo recurso a uma
estética exemplarista, eventualmente com uma
expressão textual paradigmática em De Coelo I c.
1, adiante reproduzida. É essa, aliás, a autêntica
aceção etimológica de «mundo».
Todos os suprarreferidos princípios básicos
da física estão ao serviço de uma perspetiva
ontológica de plenitude, esta sobretudo fundada
na autoridade do que poderíamos chamar «a
regra do Pseudo‑Dionísio». Teremos a ocasião
de ir vendo como esta regra conhecerá várias
75
versões. Mais remotamente, porém, tratava‑se de
seguir o motivo homérico da «grande cadeia do
ser» que no Renascimento recebera uma atenção
particular. Deste mesmo, resulta, em primeiro
lugar, a rejeição do vácuo, posto que dissolveria
a conservação unitiva de todas as coisas, sob a
vigência do princípio de unidade que a forma
constitui. Procedendo, à maneira dos números,
de Deus, também Ele unidade, as formas ador-
nam «o teatro do mundo» (CoIc1q1a1), sempre
antepondo, os CACJC, as formas naturais às ar-
tificiais. Compreende‑se, por isto, que seja para
a estética de Kant e não para a de Hegel que em
Coimbra se aponta. Já o conhecimento sobre a
matéria é duplo, dito, na esteira de Boaventura:
por negação (inficiatio), ao ser‑lhe recusada qual-
quer perfeição em ato; e, por afirmação, quando
lhe é atribuída ou defeito ou potência. Todavia,
dado que a matéria não foi criada desprovida
de forma substancial (uma herança mais neo-
platónica do que aristotélica), foram múltiplas,
metafóricas e até aparentemente antagónicas,
por vezes, as designações que os filósofos lhe
atribuíram: «não‑ser», «grande e pequena», «região
76
da dissemelhança», «asilo», «grémio», «recetáculo»,
«multidão», «dualidade», «sombra vazia das pri-
meiras essências», «quase espelho», «elemento»,
«substante» e até mesmo «mãe».
Habitada pelo movimento, a natureza criada
aspira ao repouso, e a sua inteligibilidade, te-
leologia, ou economia, i.e. todo o seu esforço
(conatus) – e eis um vocábulo que fará fortuna
em Espinosa –, visa o bem comum. «Comum»,
escrevemos, e, por isso, quer as notas do bem,
quer as da perfeição aferem‑se mais pela con-
sideração das espécies do que dos singulares,
sendo a ordem, o equilíbrio, a finitude e a pere-
nidade outras tantas características que marcam
a própria ontologia da natureza, tomada em toda
a sua generalidade. O tempo não subsiste fora
do mundo criado, e há de acabar no momento em
que o mundo for recriado (CoIc12q1a2). Embora
positivamente vinculado à existência, o tempo é
também evocado como delimitador, mais causa
da morte do que do nascimento, e mais causa
do esquecimento do que da ciência (PhIVc12‑13).
É por isto que a existência, se bem entendida, há
de superar o tempo. Recusados, na ordem natu-
77
ral, quer a eternidade (contra Aristóteles), quer o
infinito (com Aristóteles), qualquer possibilidade
de se admitir, este último, no plano estrito das
capacidades da natureza (viribus naturae), não
poderá coincidir com um infinito em ato, em
sentido categoremático. Admite‑se, por isso, um
infinito em ato impropriamente dito, o infinito
de divisão e de adição. Porque ainda não se
chegou, incontroversamente, à noção de «mundo
aberto» que caracterizará o universo moderno,
perante a reconhecida investigação que consistia
em saber se o infinito em ato estaria ao alcance
de Deus, os CACJC preferem a tese dos auto-
res que negam tal possibilidade. No plano das
quatro causas, todas elas sob a alçada do físico,
e assinalando a própria autonomia da ordem
física, sobressai a relação mútua entre as causas
exemplar, final e eficiente. Daqui a importância
da tese segundo a qual, embora pertencendo ao
género da causa formal, a causa exemplar é uma
verdadeira causa, posição justificada com base
em Fonseca, isto é, como uma «medida com a
qual se avalia a maior ou menor perfeição das
coisas» (PhIIc7q1a3).
78
Quanto ao movimento, inevitavelmente enqua-
drado pelo campo categorial, considera‑se que
o seu sentido mais verdadeiro deve radicar no
primeiro Motor imóvel. Nas coisas que são dota-
das da capacidade de se moverem a si mesmas,
reconhecer‑se‑á, com Duns Escoto (1266‑1308),
uma identidade originária entre ser e razão
de agir. Baste por ora dizer‑se que voltaremos
a encontrar o afloramento da liberdade irrompen-
do do próprio cerne de uma física necessitada,
nos capítulos mais adiante. Facilmente se com-
preende como o estudo do movimento, divisória
deveras importante da física, também se valoriza
pelo contributo que pode dar à teologia e por
se apresentar como pedra de toque da própria
liberdade. Seja como for, a física tem como tema
principal o estudo do ente móvel, haja em vista
que o movimento é uma espécie de vida na na-
tureza, cujo estudo releva das causas e efeitos
naturais e permite chegar às esferas celestes e
ao próprio Deus (PhIIIprp378).
Embora o movimento circular seja considerado
o mais perfeito – «princípio de todos os movi-
mentos, luz diviníssima de todas as qualidades
79
materiais, dotado de tanta eficiência que pela sua
própria virtude ou capacidade desvia todas as
pragas do mundo» (CoIIc1q2a1) – o movimento
circular não é a causa adequada do movimento
dos astros. Dado que para mover a máquina
celeste se exige uma diversidade de impulsos,
os CACJC acolhem outros tipos de movimento,
que assinalam a sensibilidade para com o espaço
supralunar, quais o do céu, da luz, ou mesmo
de outras faculdades ocultas – interpretamos:
faculdades ainda não conhecidas – que também
influem no mundo sublunar. De entre as seis
espécies de movimento – «geração», «destruição»,
«aumento», «diminuição», «alteração» e «movimento
local» – este último tem a primazia. Tudo indica
que a linha que une o nominalismo e os cal‑
culatores ingleses ao digest jesuíta de Coimbra,
mormente pela atenção ao movimento «unifor-
memente acelerado», pode derivar proximamente
dos contributos franceses e salmantinos, decerto
os mesmos que explicarão dois tratamentos
ibéricos tão distintos da física do movimento,
quais os de Álvaro Tomás (De triplici motus,
Paris 1509) e de Domingos de Soto (Super octo
80
libros pysicorum questiones, Salamanca 1551). Se
a importância da topologia é assinalada pelas
variedades de pontos de vista sobre a categoria
do lugar, identificado com a mobilidade em si,
o lugar só pode ser pensado a partir da imo-
bilidade, para o que se introduz a noção de
superfície imaginária. Com esta compaginam‑se
as noções de «espaço imaginário» e de «tempo
imaginário», nas quais os CACJC acolhem o le-
gado de Fonseca, com vista à possibilidade de
medição do tempo e do espaço, embora, a este
propósito, acuda ao nosso espírito a lembrança
do espaço‑tempo absoluto, segundo I. Newton.
Abordados, genericamente embora, os prin-
cípios da física, ocupemo‑nos do mundo e da
sua substância. Sem ser, diferentemente do que
pretendia Antonio Bernardi, o livro com que o es-
tudo da física se deve iniciar, o De Coelo abre com
um quase poema teológico‑antropológico, sob o
signo do encantamento do mundo. Proclamava
‑se a maravilha da contemplação do Universo
enunciando, em tom senequista, a utilidade e os
frutos que podem resultar do seu estudo em prol
da educação dos costumes e do desprezo pelas
81
coisas caducas. A perfeição do grande mundo,
o conjunto de tudo o que existe, é fruto da cria-
ção, artefacto do supremo arquiteto e da arte
divina. Vale a pena reproduzir esse texto com
todo o seu pendor cosmo‑estético (CoIc1q1a3‑5):
82
E cada ser pela sua própria indivisibilidade representa
a unidade de Deus, tal como pelo ornamento
(decor) representa a sabedoria e pela utilidade,
a bondade. Quanto à variedade e à distinção
da natureza, também por este lado é perfeito
o Universo (universi absolutio) por conter todas as
categorias de seres (…), dado que compreende em
si os géneros supremos das coisas – nos quais em
primeiro lugar o ser se realiza –, assim como as
substâncias corpóreas e incorpóreas, os compostos
mistos e os simples, os seres animados dotados
de razão e os desprovidos dela; e ainda as formas
unidas à matéria e as que dela estão libertas
(…). Para além disso – como a natureza de uma
só espécie não pode encerrar todos os graus de
perfeição e como é necessário que existam muitas
espécies pelas quais esses graus se disseminem,
superando‑se, assim, umas às outras em dignidade
–, verifica‑se que aquela variedade e desigualdade
(varietas et inaequalitas) ocorre a cada passo em
todo o Universo, no qual as espécies se dispõem
numa gradação ascendente: de facto, os mistos são
mais perfeitos que os elementos, as plantas mais
que os metais, os animais mais que as plantas,
83
os homens mais que os animais e as substâncias
imateriais mais que os homens. Precisamente por
este motivo (…), existe no mundo como que uma
certa harmonia (quasi harmonia). Tal como no
canto a disciplina das vozes origina um concerto
harmonioso, também a totalidade do Universo
forma um todo ajustado através do acordo e da
variedade de coisas desiguais e dissemelhantes
(…). Resplandece, por fim, a perfeição do mundo,
como dissemos, pela ordem das partes de que se
compõe. A ordem é a disposição de coisas iguais
e desiguais, ocupando cada uma delas o seu
lugar (…). Mas existe, para além desta ordem de
posição (ordinem situs), uma outra que salienta
admiravelmente (mirifice) a perfeição dos seres
criados; por ela – à semelhança do que acontece
com os soldados (milites) entre si e em relação ao
comandante do exército –, as partes do Universo
ordenam‑se reciprocamente em função de um chefe
(unum principem), que é Deus: Deus como sua
causa eficiente, exemplar e último fim.
84
do mundo sublunar são distintas em espécie, os
autores dos CACJC não deixam de admitir como
provável a novidade da distinção entre os dois
mundos – é consabida a sua defesa futura, por
Galileu (1564‑1642). Ao mesmo tempo, também
não deixam de abrir a porta a outras admis-
sões que alguns julgam ver como destruidoras
do paradigma aristotélico, como e.g. a respeito
da teoria do ímpeto, denominado impulsus ou
também gravitas accidentaria, dita uma dada
emanação natural ínsita ao grave que, alega-
damente, explicaria a sua queda (CoIIc6q1a2).
Contudo, poder‑se‑ia igualmente ressaltar como
entre as físicas moderna e conimbricense há toda
uma heterogeneidade, que, alternativamente a
estafadas oposições interpretativas, dá que pen-
sar, desde logo por evidenciar as limitações da
noção kuhniana de paradigma.
Se o De Coelo estuda os elementos no seu
lugar e movimentos próprios, com um apêndice
dedicado a alguns problemas atinentes a cada
um dos quatro elementos (ar, água, terra e fogo),
o De Generatione toma sobretudo em atenção o
mundo sublunar. Parte integrante da doutrina
85
dos elementos, geração e corrupção testemu-
nham a providência de Deus, conhecendo aqui,
a alegada regra do Pseudo‑Dionísio, a seguinte
tradução: a nata dos elementos do mundo inferior
está contida no corpo celeste superior, tal como
as borras do mundo superior se encontram no
inferior (CoIIc1q2a3). Sem o evocarem, neste
ponto, os autores de Coimbra mostram não ser
indiferentes a uma versão «física» do programa
de Nicolau de Cusa (1401‑1464). Assim se justifica
o acolhimento dado à afirmação de que o confli-
to entre os elementos enquanto contrários físicos
não só não perturba a ordem do Universo como
é por esta ordem requerida. A correlação entre
os elementos e a variedade dos seus vínculos é
expressa pela predominância de uma hermenêu-
tica em que as qualidades primeiras inerem em
qualquer elemento numa coerência de concórdia
discordante e de ressarcimento de dispêndios,
desta maneira se assegurando v.g. o equilíbrio
sublunar ou, melhor ainda, a própria harmonia
de um mundo patentemente sujeito à mudança.
Abarcado quer pelo De Generatione, quer
pelos Meteororum, o terceiro patamar do estudo
86
da física reconhece a geração e a alteração como
dinâmicas essenciais, e atende ao estudo dos
chamados corpos imperfeitos e mistos. Trata‑se,
neste caso, do estudo do que se origina na região
atmosférica sublunar, da natureza dos compos-
tos não animados (deixaremos a referência aos
compostos animados para o capítulo seguinte),
tais como neve, gelo (glacies), granizo (grando),
cometas e fenómenos que aparecem devido à
reflexão da luz, como o arco‑íris, meteoros lu-
minosos (caprae saltantes), fogos de Santelmo
(Castor et Pollux), a via láctea (circulus lacteus),
parélios (parelia), dilúvios, tufões (Ecnephias),
maremotos (Euripus) e terramotos, raios, relâm-
pagos e trovões, tempestades marítimas (marinus
aestus), nevoeiro, geada, nuvens, ventos, chuva,
e portentos (portenta) de várias espécies.
Sabemos que, em 1563 v.g., no 3º curso da
Universidade de Évora, o estudo dos Meteororum
era antecedido pelo De Sphaera, cuja leitura,
como havia reconhecido Fonseca ao iniciar a
preparação dos CACJC, era uma particularidade
nacional. A especificidade lusitana no contex-
to da cultura europeia, tal como este jesuíta
87
a identificava, não passaria, assim, tanto por
Aristóteles (autoridade em todas as Universidades
da Europa), mas mais pela atenção dada à obra
de João de Sacrobosco (1195‑1256), Tractatus de
Sphaera. Dado que seria incrível imaginarmos
Fonseca a ignorar o prestígio da obra medieval
nas Universidades, cremos que ele estaria a
pensar mais na importância do título na gesta
marítima, facto reconhecido pela tradução (1537)
que o eminente matemático Pedro Nunes havia
feito daquele Tractatus. Lembremos, de passa-
gem, que outro aluno eminente de Coimbra,
Cristóvão Clávio (1538‑1612), compôs também
um título ainda mais precioso sobre o mesmo
Tratado. Seja como for, apesar de não ter rece-
bido ainda a atenção que merece, o comentário
de Coimbra sobre os Meteororum de Aristóteles
assinala uma mais alargada, porém imprecisa,
semântica da experiência, e devemos entendê‑la,
tal como os Segundos Analíticos prescreviam,
não no campo epistemológico da indução, mas
como antecedente da indução, mediante o re-
conhecimento da incapacidade de se alcançar
o universal, sem descurar o sensível singular.
88
Ou talvez, mais do que o problema da indução,
esteja aqui, em esforço teórico, a própria noção
de experiência – é costume falar‑se antes em «ex-
periencialismo» – na sua quota‑parte de abertura
à admissão do singular, ou melhor, da singula-
ridade. Este é, seguramente – e tal como alguns
mais, como os decorrentes da opção de cristia-
nizar Aristóteles, sempre que conveniente para
a «respublica Christiana», como advertira Fonseca
(Met. I, Proœm. c. 5) – um elemento de crise a
justificar a inclusão de elementos não‑aristotélicos
num comentário à ciência aristotélica.
Simultaneamente necessária para o conheci-
mento dos princípios, e primeiro passo para a
indução e a formação do hábito das ciências e das
artes, a experiência é reiteradamente considerada
a mãe da filosofia, e a física o seu lugar predileto.
A aplicação, em Portugal, do mote a experiência
é a madre de todalas as cousas – todos nos lem-
bramos de Duarte Pacheco Pereira (1460‑1533)
– também nos permite entender como a crítica
às matemáticas se cumpre no quadro exclusivo
da epistemologia aristotélica, isto é, conduzindo
à superiorização da qualidade em detrimento
89
da quantidade. Assim se explica porque é que,
confinada ao quadro categorial, a prerrogativa
dada pelos escotistas à última das três dimen-
sões da quantidade a seguir indicadas – linha,
superfície e corpo ou extensão contínua – acabe
por privilegiar a igualdade e a desigualdade, a
consideração material da relação da quantidade,
o excesso, o defeito, a medida e a proporção.
Ainda aqui, a separação a que os CAJCC dão
eco, entre uma consideração da quantidade em
absoluto (do lado da matéria), e uma considera-
ção da mesma, em termos de medida (do lado
da forma) (GcIc4q4a2), revela‑nos, afinal, todo
o prévio ambiente à discussão ou preparação do
que desembocará na noção cartesiana moderna
de res extensa. Lembre‑se aqui a importância
da literatura pseudo‑aristotélica dos Problemas,
para a qual Cosme de Magalhães contribuiu e,
ao mesmo tempo, a herança neoplatónica para
a conceção de uma matéria de alguma maneira
sempre informada, como lembrámos atrás. Como
acontece com tantos outros, este aspeto evidencia
nitidamente todo o difícil (e por vezes intrans-
ponível) peso do hipertexto a que aludimos,
90
pois não é só com o escotismo que os jesuítas
de Coimbra dialogam, mas ainda com o tomismo
e o nominalismo, entre as correntes e, entre os
textos dos autores que as interpretavam, cada
um por vezes de maneira tão pessoal, Capréolo
(+1444), Soncinas (+1494), Javelo (+1538), Soto
(+1560), Fonseca (+1599) e Suárez (+1617).
Tendo em atenção a situação irregular da
matemática no seio da Companhia (cultivada
seguramente com mais atenção e estratégia no
Colégio de Santo Antão de Lisboa do que no
das Artes de Coimbra) e, igualmente, levando
em consideração a discussão epocal em torno do
valor epistémico desta disciplina, compreende
‑se a mera divisão das matemáticas em espécie,
não no género. Esta divisão atribui à aritmética
o estudo da quantidade discreta, e à geometria
o estudo da quantidade contínua, como se disse.
Na Coimbra jesuíta, a matemática seria a única
ciência divisível ou plural. Fosse como fosse,
embora admitindo‑se que a aritmética superava
a geometria em certeza demonstrativa e em no-
breza, era inquestionável o maior relevo desta
última e o papel que ela pôde ter no horizonte
91
filosófico dos CACJC. Sem se escamotearem os
seus limites, e distinguindo‑a da aritmética por
uma diferente abstração da matéria, diz‑se que a
geometria versa sobre o que concerne à grandeza
e considera as linhas e as extensões abstraídas
da matéria, ao mesmo tempo que demonstra as
proporções dos círculos celestes. A inexistente
aposta na matematização do mundo não chega a
ser compensada pelo elogio da geometria, mas
salta à vista, mais uma vez, a enunciação ou
admissão de um esforço ou programa científico
capaz de fazer a leitura unitária e estetizante dos
mundos (supralunar e infralunar) que a filosofia
natural aristotélica ainda separava.
92
5. A c i ê n c i a d a a l m a , o u a i n v e n ç ão d a
«antropologia»
93
de escrever que a antropologia dos jesuítas de
Coimbra é na sua maior parte física. O Homem
terá contudo de se abrir à metafísica, ou mesmo
impô‑la, mas convém ter presente, desde este
preciso momento da nossa interpretação, que tal
irá suceder pela superação da corrupção e do
tempo (embora não totalmente do movimento),
que se inicia com a separação relativamente à
materialidade. Este é um ponto em que a Grécia
antiga e a modernidade europeia se conjugam.
Continuando a enunciar o problema de uma
maneira mais acessível, embora não literal:
a antropologia tem um ponto de partida físico e
conhece a sua quase absoluta exaustão no mesmo
domínio físico, mas o seu complemento numa
antropologia metafísica vinculada à figura da
desmaterialização implica a rutura com o tempo
histórico. Compreende‑se, deste modo, que, no
limite, a situação existencial humana não seja a
do tempo, mas a da eternidade.
Comecemos, como convém, pela base. Escritos
segundo o método expositivo dos Meteroroum,
mas visando «uma explicação de certas dispo-
sições que, ou são comuns a todos os seres
94
vivos, como a morte e a vida, ou só aos animais,
como a vigília, o sono e a respiração», os Parva
Naturalia constituem um apêndice ao volume
do De Anima. Um apêndice, aliás, repleto de
referências que hoje enquadraríamos no âmbito
da psicofisiologia. Anotemos, de passagem, a
importância de um tal âmbito na concretização
de alguns requisitos da espiritualidade de Santo
Inácio (EE 65‑70 e 73‑81). A relação textual en-
tre os dois títulos «biológicos» do Estagirita era
discutida, mormente por causa das opiniões de
Paulo de Veneza (1369‑1429) que confinava o
De Anima ao estudo do corpo animado. Na op-
ção seguida em Coimbra, o De Anima deveria
suceder imediatamente aos Meteororum e esta
opção permite‑nos entrever que é a definição da
vida inerente a todo e qualquer organismo que
interessa, pensada embora a partir do quadro
de um Universo‑criatura. O ponto de partida
é assim o vegetativo, inerente a todos os seres
vivos em geral. Mas o ponto de chegada não
pode ser senão a própria Origem, passagem esta
que atravessa qualquer estudo do ser humano
e explica a distinção do sensitivo relativamente
95
ao vegetativo e, finalmente, do intelectivo re-
lativamente ao sensitivo. As almas vegetativa e
sensitiva podem ser consideradas sob um duplo
ponto de vista, ou em comum ou separadamen-
te, em correspondência ao seu próprio nível de
animação, mas a alma exclusivamente vegetativa
não está formalmente na alma simplesmente sen-
sitiva, distinguindo‑se dela em espécie. Adiante
dir‑se‑á algo mais sobre a alma intelectiva.
Def i n id a pela hu m id ade e pelo ca lor e
considerando‑se o coração (comparado ao Sol)
como a sua fonte, a centralidade e superiorida-
de da vida é indiscutível: quaisquer viventes,
mesmo as ervas, são por natureza mais nobres
do que os corpos celestes. No plano da verda-
deira totalidade, a vida é superior à animação
constitutiva da natureza (a natureza perfeita,
segundo a escola de Aristóteles) e, por isso, é
mais nobre mover‑se a si próprio do que ser
movido por outrem (só os seres vivos se movem
a si próprios, ao conservarem‑se a si e à sua
espécie, satisfazendo a conservação individual
mediante o apetite, pelo alimento, e a conser-
vação da espécie, em parte, pelo alimento, em
96
parte pelo sémen). Chegar‑se‑á a discutir, no
capítulo a seguir, como é que deste movimento
irrompe a problemática da liberdade, mas não
deixa de ser patente o acolhimento feito pelos
CACJC da literatura médica coeva, não se po-
dendo deixar de ressaltar a explícita nomeação
de Tomás Rodrigues da Veiga (1513‑1579), físico
de D. João III e lente dessa disciplina.
Evidenciada a vida, segue‑se a sua especifi-
cação, tal como em Aristóteles, mas agora pela
atenção menos à animação e mais à animali-
dade. No ensino jesuíta conimbricense do De
Anima sobressai o relevo dado às componentes
sensitivas da alma e do conhecimento sensível,
estudadas sobretudo no concernente ao diálo-
go com a medicina, ao papel da visão, ou ao
problema da atividade dos sentidos. Lembremos
a utilidade destes textos para acesso ao curso
médico, domínio que, conjuntamente com o da
expansão marítima, mais é reconhecido nos
avanços que trouxe ao saber. Mas não oblitere-
mos outra dimensão decerto ainda mais decisiva,
nomeadamente para a filosofia. Referimo‑nos à
componente da «medicina da alma», ela que vive
97
da articulação das problemáticas do De Anima
e da Ethica ao serviço de uma antropologia do
espírito, idealmente incarnado.
São quatro os géneros de seres vivos, resul-
tantes dos quatro modos de vida, captados pela
própria definição aristotélica de alma (An. II
413a22‑24) – vegetar, sentir, mover‑se e pensar –,
mas só o último será específico do ser humano.
Reconhecer‑se‑á, com efeito, que alguns animais
superiores partilham uma forma de pensar com a
dos animais humanos – denominada «estimativa»,
para aqueles, e «cogitativa», para estes –, embora
não o pensamento do universal ou científico.
Na esteira do legado hilomórfico de Tomás de
Aquino, os CACJC discutem a localização da alma
no corpo. Ela é expressão da própria vida, não
opera sem o corpo e, por isso, é sempre mais
perfeita no corpo do que fora dele – razão pela
qual, apressemo‑nos a notar, à ultrapassagem
da História que ocorre no próprio cerne da
antropologia se chamará Ressurreição. No in‑
terim, teremos o problema pneumatológico da
separação, que abordaremos no último capítulo.
Para que se possa atribuir à alma humana (i.e. à
98
condição intelectiva ou o ser‑se capaz de ciência)
a sua específica dimensão de forma substancial
(i.e. ser afim a algo tão universal e eterno como
a ciência), requer‑se que o ser substancial se
consubstancie num tipo de união com a matéria
capaz de constituir um uno em sentido absoluto
(unum quid). Daí que o combate contra o que
Leibniz denominará como o «monopsiquismo» de
Averróis (1126‑98), recupere a melhor intuição do
Aquinate, a saber: cada ser humano pensa, com
a (conformemente à) sua própria individualidade
ou singularidade, sendo esta a condição para que
possa, sempre, cada homem e mulher, individual-
mente considerados, alcançar a ciência universal.
Mas também daí, a crítica a alguns pensadores que
erraram a respeito da indução da alma intelectiva
singular no corpo. Sendo certo que tal processo
começa na alma vegetativa, passa à sensitiva e
se concluiu com a intelectiva, mediando sempre
um compasso de tempo no processo biológico,
a abolição das anteriores dimensões acontece
radicalmente, no caso particular da alma inte-
lectiva, e diferentemente, em função do género
(80 dias para o feminino, 40, para o masculino).
99
Neste processo de complexificação crescente
da vida, alcança‑se, então, por fim, a vida do
espírito. Num lugar comum que antecipará em
séculos a argumentação de muita da filosofia
em Portugal que se virá a opor ao positivismo –
pense‑se v.g. em Antero de Quental (1842‑1891)
–, a lição que se retira daqui é a de que sem
matéria viva orgânica é impossível a atividade
do espírito, mas aquela é por si só incapaz de
gerar a vida do espírito. Por isso, a capacidade
de pensar universalmente é uma dádiva, infun-
dida no feto numa altura precisa da gestação,
consoante o seu sexo, como se disse antes.
Desprovida de qualquer hábito ou espécie, a
alma vai paulatinamente adquirindo o hábito
da ciência, i.e. a disposição individualizada para
a ciência, da maneira exata com que Aristóteles
a descreve: percebendo primeiro os princípios
que têm uma maior afinidade com o lume do
intelecto e daí deduzindo as conclusões ou por
si, ou por experiência própria, ou por obra e
engenho de um mestre. As operações da alma
podem ser imanentes, como no caso do conheci-
mento, ou transitivas ou quase‑transitivas, como
100
no caso do movimento, seja o movimento não
específico da alma tipicamente humana, seja
o que é próprio desta (casos do intelecto e da
vontade). Novamente reencontramos o tópico
do movimento: para o movimento concorre, no
ser humano, a capacidade diretora ou razão;
nos restantes animais, a imaginação, também;
e para o movimento dos membros de qualquer
corpo exigem‑se os espíritos animais. Todavia,
importará retê‑lo, ao falar‑se de liberdade da
razão, a nota que afinal caracteriza a vida do es-
pírito ou o pensar: aí a gramática do movimento
é submetida à crítica que contribui ainda mais
para uma nítida separação entre necessidade e
liberdade. A vida do espírito em De Anima III,
repartir‑se‑á pelos livros do intelecto agente
(capítulo 5º em diante), do intelecto passivo (ca-
pítulo 8º em diante) e da vontade (capítulo 13º).
A harmonia evocada acima no tocante à física
do mundo, exprime‑se no modo como, no plano
da existência efetiva, se inscreve a diferença
antropológica. A fabrica humani corporis foi
criada por Deus, autor da natureza, de modo a
que cada parte do corpo humano tenha a sua
101
função, resultando a consonância admirável
entre os movimentos do coração, das artérias
e da respiração. Não é só o médico Galeno
(130 ‑210) que completa A ristóteles, citando
Ambrósio de Milão (337‑397) e Marsílio Ficino
(1433‑1499) – insistamos que, contrariamente
ao que um primeira impressão faria crer, os
CACJC dão mais importância às ideias do que
aos autores –, Góis regista que a beleza do
corpo é uma imagem (simulachrum) da mente,
à luz da congruência e harmonia entre corpo
e alma (GcIIc8q3a3). Esta harmonia é detetável
na ordem das moções da vontade até aos mo-
vimentos dos membros exteriores. A vontade
move servilmente os membros externos, sem a
intervenção do desejo sensitivo mas, no plano
das faculdades da alma, a vontade age na quali-
dade de agente supremo. Voltaremos aqui, mais
à frente, no próximo capítulo. Perfeição e beleza
são mutuamente recíprocas, e se aquela remete
para a completude, numa determinada ordem,
esta é a própria ordenação, patente também nos
seres humanos. Primeiro, na robustez física, a
seguir, na submissão das faculdades sensíveis à
102
vontade, e desta à razão, e finalmente, da razão,
à lei natural. Daqui que a scientia de anima,
radicada na física e na necessidade, aponte
para a dimensão metafísica da separação, ca-
bendo à perfeição radical da vontade, exigida
embora pela natureza, anunciar o princípio da
culminação da experiência da liberdade contra
a necessidade. E escrevemos apenas «anun-
ciar», porque, insistimos, sendo o ser humano
radicalmente físico, só a ressurreição do corpo
– um corpo glorioso, embora – pode culminar
a natureza, na sua expressão hilomórfica, quer
dizer, individual, pessoal e crística. Entre as
notas desse novo estado de cada corpo humano
encontram‑se o repouso, a beleza – em estatura,
tamanho, compleição, posto que os corpos dos
bem‑aventurados são dotados das quatro primei-
ras qualidades (GcIIc8q2 e q4), uma beleza cujo
protótipo é, afinal, a grandeza de Cristo – e a
luminosidade, a cor ou a vivacidade. Após o dia
do juízo, a perfeição e a beleza dos elementos
aumentarão em luz, apesar de todas as quali-
dades de ordem natural terem um limite além
do qual não podem ir (as qualidades de ordem
103
sobrenatural como a graça e a caridade podem,
no entanto, aumentar nesta vida). A exposição
física da ciência da alma que culmina com a
explicação do conhecimento e do movimento,
permite‑nos apontar para um tipo de movimento
pertencente à ética, e pode mesmo observar‑se
como uma mesma palavra tão organicamente
política como «societas» tenha sido chamada
a traduzir, quer o hilomorfismo (societas cor‑
poris), quer a comunidade dos seres humanos
(hominum societas).
O tema da alma racional foi também objeto
de atenção, mesmo em diálogo com a escolástica
luterana e calvinista, mas interessa insistir que a
alma humana, quer dizer, cada homem e mulher,
resume todas as formas de seres vivos, de manei-
ra eminente embora. Impossível não se sublinhar,
por isso, o papel tão nuclear concedido, quer à
imaginação, quer à iluminação ou à luz/visão.
À primeira, porque ela conheceu com os Exercícios
Espirituais de Santo Inácio um território e um
poder (literalmente) inimaginável. A necessária
e permanente reivindicação de uma conversão
aos sensíveis significa um reforço do papel da
104
imaginação, enquanto noção de fronteira (sen-
sível/inteligível), i.e., uma insistência no valor
e expressividade do sensível. Também aqui, tal
como nos universais, os CACJC seguiam doutrina
de Fonseca, sobretudo num período em que as
imagens inteligíveis estavam a ser postas em
causa (nomeadamente pelo nominalismo). À se-
gunda, e em correspondência à defesa da referida
expressividade, a exigência de uma iluminação
chamada «efetiva». Tratava‑se de dar resposta
às teses do Cardeal de Vio Caetano (1469‑1534)
– defensor de uma iluminação, dita «objetiva»
– e de Silvestre de Ferrara (1474‑1526), que de-
fendia uma iluminação, dita «radical». Segundo
a doutrina da iluminação efetiva, não estando,
o intelecto agente, habilitado a pensar, cabia
‑lhe no entanto iluminar as imagens sensíveis,
atualizar o objeto inteligível e gerar as imagens
inteligíveis no intelecto possível. Isto equivale a
encontrar um tertium (escotista porque de cau-
salidade parcial) entre quem parecia explicar a
mais alta expressão do conhecimento de baixo
para cima (tese radical) e quem a explicava de
cima para baixo (tese objetiva).
105
O planeta Terra, habitação do ser humano,
este apelidado de parvus mundus, é o primeiro
lugar onde eclode a instauração da antropologia
radicalmente física, haja em vista os motivos
mais tradicionais do aristotelismo geocêntrico:
o repouso do planeta no centro de um Universo
volúvel, o seu equilíbrio e capacidade de supe-
ração dos demais elementos, a excelência da
sua beneficência e o facto de comportar uma
admirável semelhança com o corpo humano
e com os seres animados em geral. Aos quatro
elementos tradicionais corresponde a mesma
quantidade de humores humanos – atrabiliário,
sanguinolento, pituitário e bilioso – e outras
tantas compleições, respetivamente: melancólica,
sanguínea, fleumática e colérica.
A natureza nada faz em vão, faz o melhor
possível, odeia o supérfluo, não recusa o que
é necessário, e é justa, pois confere a cada um
o que lhe é devido, não segundo a igualdade da
aritmética, mas antes segundo a uniformidade
da geometria (aequabilitas). A sua operação in-
teligente permite‑nos reconhecer a importância
aristotélica da causalidade final. Importa não
106
esquecer, também, como o elogio da ordem,
prescrevendo a beleza e a estabilidade, ligando
céu e terra, acentua o motivo teleológico na an-
tropologia – o que seria uma versão do «princípio
antrópico» avant la lettre – neste caso preenchendo
e atravessando a natureza até à sua culminância
no sobrenatural. Ao ser humano cabe esse papel
de ligação e a própria transcendência da natureza,
se bem que o motivo radique longinquamente em
João Escoto Eriúgena (800‑877), autor compreensi-
velmente omisso nos CACJC. A chave da natureza
está por isso aquém e além da natureza, ambas
com a respetiva autonomia assegurada. Situando
‑se, o ser humano, no horizonte da eternidade e
do tempo, e enquanto forma suprema ou a últi-
ma das formas, pode aceder‑se ao conhecimento
da alma intelectiva sob três dimensões – na sua
essência, ligada ao corpo, fora do corpo –, mas
apenas no âmbito de duas ciências: da filosofia
natural, para as duas primeiras dimensões, da
metafísica, para a terceira.
O De Anima pensa o ser humano discutindo
as definições aristotélicas de alma, e a noção de
participação, à qual acrescentará a de separação.
107
A noção tomista de «forma substancial subsisten-
te» que se introduz a propósito do hilomorfismo
aristotélico‑tomista, é lida em sintonia com a
tradição neoplatónica, assaz eclética, segundo
a qual, pela imaterialidade e espiritualidade
da racionalidade, homem e mulher participam
da Razão, ao mesmo tempo emergindo da mate-
rialidade da Terra (AnIIc2expB). Tanto ou mais
do que ser este o motivo pelo qual os seres hu-
manos são pensados como um «horizonte entre
dois mundos», também isto há de explicar um
dos pontos centrais no conhecimento huma-
no, a doutrina da necessária inflexão corporal
da alma. Por outras palavras, o Homem pode
conhecer‑se a si mesmo (o lema de Delfos é
mesmo invocado), mas de uma maneira indireta,
necessariamente regressando ao mundo sensível,
no que a imaginação tem papel imperativo, com-
positivo, paisagístico mesmo, dado o seu poder
criativo e o seu estatuto de fronteira enquanto
condição para uma conceção espiritualista do
ato de pensar. O processo pelo qual a alma se
pode conhecer por intervenção das espécies
inteligíveis pode ser assim descrito: graças à
108
extração da espécie adequada pelos sentidos
(por outras palavras: mediante a sua própria
experiência sensível com os outros humanos),
o sujeito (anima/animus) extrai a espécie/ima-
gem sensível adequada que lhe vai permitir a
consequente apreensão de uma natureza comum,
própria ao ser humano; ref letindo sobre este
seu ato, o sujeito percebe‑o, o que equivale ao
reconhecimento da faculdade e da imagem que
lhe possibilitou alcançar um tal ato; finalmente,
na sequência da descoberta de que essa imagem
não pode ser corpórea ou material, mas antes
resultante de uma potência espiritual e de uma
substância incorpórea, a alma percebe‑se como
partícipe da razão e da inteligência (AnIIIc8q7).
Como tantas vezes sucede nos CAJCC, estas
explicações criam mais problemas do que os
resolvem mas, tendo de ser interpretadas no
quadro de uma tradição, o que aqui se pretende
dizer é simples: a ciência da alma não se identi-
fica com a psicologia (e muito menos se esgota
nela). Outrossim, apela para a edificação de
uma antropologia acolhedora de uma novidade
absoluta, aqui erguida pelo alto índice atribuído
109
à imaterialidade e à inteligibilidade da Verdade.
Tal novidade, é claro, nos próprios termos da
época e da vivência da Companhia de Jesus de
Coimbra, comparece pela aposta inconcussa na
razão e na deliberação (rationis consiliique), na
vida do espírito, do pensamento ou da ciência,
e na vida ativa, da praxis ou sempre ainda da
ciência, entendida lato sensu. De seguida, ire-
mos ver como Liberdade e Necessidade, Tempo
e Eternidade serão as mais importantes proble-
máticas filosóficas chamadas a dar corpo a esse
trabalho de conceção.
110
6. A c i ê n c i a da é t i c a :
f e l i c i da d e e l i b e r da d e
111
pelo facto de a Suma do Aquinate poder apre-
sentar uma possível sistematização de uma obra
de Aristóteles reconhecida pela sua dificuldade.
Esta opção pela Suma não era, no entanto,
consensual no quadro português da Companhia.
Um texto talvez datável de 1570 (Ms. BGUC 2313)
comenta três livros da Eth. sob uma bitola não
coincidente com a da Suma de Teologia, o mesmo
sucedendo com o Ms. BGUC 2426, com data de
1596. Mais relevante ainda, porque claramente de
um tempo anterior ao trabalho de Góis, embora
de ambiente eborense, dois comentários inédi-
tos, o de Pedro Luís, do ano de 1567 (Ms. BNP
2535/3), e o de Lourenço Fernandes (Ms. BNP
4841), datado de 1577. Ambos apresentam uma
estrutura nitidamente alheia à dos CAJCC, pois, o
primeiro, ainda tenta acompanhar alguns capítulos
de Aristóteles (até ao livro VIº), mas a partir dali
opta pelo tratamento sumaríssimo de três livros
mais; e o segundo, escolhe uma segmentação em
13 capítulos subdividindo alguns em questões.
Concentremo‑nos no que Góis publicou. As
suas nove disputas subdividem‑se em quatro
partes configuradoras da moldura didática e do
112
horizonte filosófico que define o âmbito da ética
filosófica: o bem e o fim (as duas primeiras dispu-
tas), que, além de configurarem uma meta‑ética,
formam as balizas ontológicas do seu trabalho;
a felicidade e os atos humanos, primeiro na pers-
petiva dos seus princípios, depois da sua relação
com o bem e o mal (disputas terceira a quinta);
as paixões (sexta disputa); as virtudes, finalmen-
te, primeiro estudadas em geral, seguindo‑se
imediatamente alguma detença na virtude da
prudência, considerada a mais importante e dire-
tora das demais. As restantes – justiça, fortaleza e
temperança – são estudadas rapidamente, na der-
radeira disputa. Enfim, afora a moldura metafísica
da ética, o problema da felicidade, a psicologia
do ato moral (incluindo aí as paixões) e a ética
das virtudes (objeto de três disputas num total
de nove) esgotam o escasso espaço concedido à
ética. Será preciso dizer que, sem grandes diver-
gências, a mais recente tradução comentada que
conhecemos da obra homónima de Aristóteles
(C.D.C. Reeve, 2014) conflui maioritariamente
nos mesmos três âmbitos constitutivos do cerne
da ética do filósofo de Estagira?
113
Remetida originariamente para Sócrates – filó-
sofo aqui mais valorizado do que no Proémio da
Metaphysica de Fonseca –, lê‑se expressamente
que a filosofia moral incide sobre o vasto universo
das ações humanas, a felicidade e a norma de
uma vida reta. Ou dito de uma maneira mais ex-
plícita: procura‑se ensinar as razões de uma vida
honesta, informar os costumes com probidade e
permitir uma vida feliz. Dividida, conformemente
à tradição, em ética ou monástica, económica ou
familiar e política ou civil, esta divisão deveria
coincidir com a ordem da sua exposição, o rit-
mo considerado adequado à própria natureza ou
constituição da ciência da ética. Há algo desta
dimensão no plano dos CACJC pois começa‑se
pelo Homem em si, i.e., um ator livre em busca
da felicidade, passa‑se depois ao estudo da sua
condição familiar e, finalmente, à civil. Isto explica
a ordem expositiva que cumpre os três âmbitos
mencionados acima. Podemos resumir nos seguin-
tes pontos a justificação da ética, segundo Góis:
114
na medida em que permite a distinção entre honesto
e desonesto, entre o que se deve aceitar ou repelir;
(ii) o estudo desta disciplina é imprescindível para
que qualquer ser humano se torne um perfeito fi-
lósofo (perfectum philosophum);
(iii) em razão de (i) e (ii), o ensino da ética tem um
caráter propedêutico em relação às restantes áreas;
(iv) os livros da Eth. constituem, ainda, soberana-
mente, «o texto primitivo» (M. Foucault), ensinados,
embora de forma breve e sistemática, graças à Suma,
tomada como grelha e crivo;
(v) os três principais objetivos da ética filosófica –
«ensinar a razão de viver honestamente» (a dimensão
fundacional), «instruir na probidade dos costumes» (a
pragmática da vida ativa), «conduzir ao estado feliz
da vida» (a sua expressão programática teleológica)
– esgotam‑se nas três dimensões constitutivas do
ser humano, monástica, familiar e civil;
(vi) o tema da ética é, no fim de contas, o ser hu-
mano enquanto ser que age livremente (homo ut
libere agit) na busca da felicidade.
115
económica e à política. Isto tem consequências.
Por exemplo, o tomo dos CACJC quase se limita à
mera enunciação das várias partes de uma virtude
tão importante para o direito e a política, como é
a justiça. A obra impressa de dois jesuítas, alheios
embora aos CACJC, Luís de Molina (De Iustitia
et Iure), que a ensinou em Évora nos anos 1577
‑78 e 1581‑82, e Francisco Suárez (De Legibus),
que leu tal matéria em Coimbra entre 1601‑03,
mostram‑nos porém que o estudo da política, e
bem assim do direito, era sobretudo remetido para
a Faculdade de Teologia, por altura de comentar
os lugares da Summa de Teologia a tais matérias
atinentes. O mesmo sucedia em Salamanca, em
Évora e em Alcalá. Seja como for, a política está
presente na admissão de uma expressão civil
da felicidade – sempre a tónica aristotélica eu-
daimonista – devendo igualmente notar‑se que
a própria prudência (afinal a mais importante
de todas as virtudes) integra as três dimensões
da política. Ademais, já tivemos a oportunidade
de vincar a legitimidade de uma leitura dos CAJCC
num horizonte político, lato sensu entendido.
Concretizando, a expressão civil da felicidade
116
traduz‑se na possibilidade que um espírito supe-
rior tem de conservar a moderação, de reprimir
os apetites errantes, de não se envaidecer com a
vã ostentação, levando‑o ainda à defesa da coisa
pública ou ao exercício da beneficência. Alguns
laivos de estoicismo não passam disso mesmo,
posto que o neo‑estoicismo da época será alvo
de crítica, designadamente enquanto colide com
os valores cristãos. Tal será claro nas páginas
dedicadas à paixão, ou emoções, como agora
diríamos numa linguagem mais legítima para a
psicologia. Para além da educação que as Letras
decerto conferiam, reconhece‑se o ideal de uma
educação ética humana, a construção de um
Homem que se superiorize (para evitar dizermos
«Homem superior», dada a ambígua ressonância
com a palavra de Nietzsche). Compagina‑se assim
a conceção terapêutica de cada ser humano, em
si mesmo considerado, com o reconhecimento da
relevância da ética entendida como uma «medicina
da alma». E isto explica o concurso fundacional
da «ciência da alma» na ética.
A distinção formal entre o Bem e o Fim
que abre o pequeno tomo dos CACJC organiza
117
uma filosofia moral teleológica, criacionista ou
«teológica», harmonizada com a dimensão me-
tafísica da eudaimonia. A conjugação deste veio
aristotélico com aquele outro registo acaba por
explicar por que razão o tratado da felicidade
se organiza numa via que parte do exterior e
do material para o interior, e do corpo para a
alma e, nesta, do natural para o sobrenatural.
Dinamicamente, o procedimento lembra o au-
gustinismo e, antropologicamente, ele até pode
ser lido em conjugação com algumas propostas
europeias do Homem interior, humilde e livre;
pense‑se no Mestre Eckhart (1260‑1328), nunca
citado pelos CACJC, como é óbvio. Pense‑se
especialmente no facto inapelável de um tal
procedimento ser nitidamente compatível com
os Exercícios Espirituais inacianos. Contudo,
esta ética eudaimonista de cariz teológico almeja
justificar a definição aristotélica de felicidade
– «atividade da alma pela razão, ou não despro-
vida da razão, em conformidade com a virtude,
numa vida perfeita» (Eth. I 7 1098ª18) – como
se tratando de um estilo de vida intelectiva
constante em consonância com as prescrições
118
ou as regulações de uma razão reta ou virtuosa.
Numa ética das virtudes, o acento tónico posto
na constância de uma vida perfeita, teria de se
confrontar igualmente, no plano das ações hu-
manas, não só com o que faz com que uma ação
possa ser considerada como humana, mas tam-
bém, e inevitavelmente, com a economia entre a
vontade e o intelecto. Ainda antes de tocarmos
na problemática aristotélica das disposições
(héxis/habitus), acolhendo a distinção tomista
entre «atos do Homem» e «atos humanos» – estão,
neste caso, os que provêm de um ser humano
e são livres, i.e., determinados pela razão e pela
finalidade – Góis refere‑se à vontade como a
causa mais universal do movimento de quais-
quer faculdades e ao intelecto como faculdade
superior e mais nobre, ao menos considerando
o problema na generalidade. Voltaremos aqui no
fim do capítulo, mas no volume do De Anima
lê‑se que a vontade move a vontade e o inte-
lecto dirige a vontade. Tal equivale a defender
que a raiz da liberdade está no intelecto, mas
que cabe à vontade a liberdade de eleger o seu
objeto próprio que é o bem, seja mediante uma
119
produção (como no caso do amor), seja median-
te uma ordenação (como no caso da inteleção).
O objeto que o intelecto propõe à vontade como
princípio formal externo dela própria é o Bem
e o Fim, e da julgada conveniência com ambos
depende a moralidade das ações humanas.
O conhecimento que os jesuítas têm do ser
humano (e já agora, da tipologia das circunstân-
cias na valorização moral das ações) reconhece
a tenacidade das conceções, a instigação dos
demónios ou as disposições orgânicas como
impeditivas do domínio despótico da vontade
sobre os sentidos internos, Falam, por isso, de
um domínio «político» da vontade sobre o ape-
tite sensitivo. Na terminologia da época, de raiz
basicamente tomista, ao domínio ou poderio
dito «político» opunha‑se o domínio «despóti-
co». Este apresentava‑se como «aquele em que
o senhor manda nos servos, que não dispõem
da capacidade de resistir, visto não possuírem
nenhum direito próprio». E aquele era concebi-
do nos termos da atividade de um príncipe de
um Estado que «manda nos cidadãos, os quais,
embora obedeçam às suas ordens, por serem
120
livres, dispõem do próprio direito de resis-
tir…» (Etd4q3a2). O direito de resistência, hoje
dir‑se‑ia «a resistência civil», vai ser objeto de
comprometida atenção por parte de F. Suárez,
designadamente em combate contra a pretensão
da monarquia inglesa.
Da discussão sobre o papel da vontade na
vida sensitiva passava‑se à vida intelectiva. Mas
sob o ponto de vista determinante da eudaimo-
nia (beatitude ou felicidade), a última expressão
da felicidade humana – a sobrenatural –, que
só pode ser alcançada na outra vida, é coisa
do intelecto, não da vontade. Filosoficamente
falando, coincidiria com a contemplação intuitiva
da natureza divina, cabendo ao intelecto pre-
sentificar o objeto num ato perfeito e simples.
No quadro da diferença real entre vontade e
intelecto, nada, mesmo nada, supera o intelec-
to (mesmo os atos sobrenaturais como a luz
da Glória são superiores aos atos da vontade,
como a Caridade). Significa isto que a vontade
não intervém? Comecemos por atentar em que
felicidade sobrenatural não consiste apenas
num ato do intelecto (nem obviamente também
121
só da vontade). Desde logo porque é possível
uma felicidade sobrenatural ainda no tempo
histórico, incarnado, com as suas duas dimen-
sões ou experiências a seguir singularizadas.
Intervém igualmente a caridade sobrenatural das
bem‑aventuranças, e esta pode ser a expressão
máxima da felicidade acessível temporalmente
ao ser humano. «Máxima» pelo menos à luz de
duas experiências mais a que o sujeito incarnado
pode aceder, a de uma felicidade natural práti-
ca, em que consiste a virtude da prudência, e a
de uma felicidade natural contemplativa do ser
divino e dos seres imateriais, quer dizer, uma
das expressões da metafísica.
O dom histórico da caridade sobrenatural é,
obviamente, infundido por Deus. É impossível
escamotear a sua conjugação com uma questão
teológica candente na época, a relação Natureza/
Graça, Natural/Sobrenatural. O confronto mais
ou menos implícito com o princípio luterano da
exclusividade divina e salvífica da fé é também
evidente. Filosoficamente, dir‑se‑ia que estão
em jogo distintas conceções sobre a liberda-
de e a vontade. O dom infuso ou gratuito da
122
praxis da caridade envolve a transformação
teológica da vontade, como sua sede – «hábito»,
no léxico aristotélico da época –, tornando‑se,
ela, princípio de qualquer operação ou acti-
vidade, numa estrutura capital de perfeição
e de aperfeiçoamento no processo beatífico.
De notar que a finalidade de um hábito reside
na sua operação, e esta não pode ser realiza-
da sem o esforço da vontade. Uma fina tese
filosófica de A ristóteles comparece aqui ao
serviço da refutação de uma não menos fina
tese teológica de Lutero. A ideia subjacente é
a de que a posse da eternidade – «a ativida-
de mais perfeita de todas» e, por isso, o bem
supremo do ser humano – se alcança também
pelo poder transformativo e extático do amor
(caritas) plasmado na transformação da vontade.
A tónica nos «hábitos» pode ser assim o elogio
ginástico (na aceção espiritual que Orígenes lia
no vocábulo grego) da vida prática ou ativa,
entendida como exercitação disciplinada por
uma vontade amorosa, i.e. transformada pela
liberdade, gratuitamente infundida. Todavia, a
experiência humana de que sempre os jesuítas
123
parece não se afastarem, é a de que a vontade
intervém no amor de maneira livre na produção
do seu objeto próprio. Por isso, ao repararem
que esta tese não colidia com o ensinamento
da menor per feição da vontade em relação
ao intelecto, ensinam que a vontade, embora
segunda na ordem da natureza e em grau, é
primeira quanto à própria noção e operação
da tendência relativamente à beatitude celeste.
Veremos a seguir o lugar textual deste ponto.
Pergunte‑se por ora, o que é que isto quer dizer
à luz do contexto não explícito do molinismo
português? Que cada ser humano tem a sua
quota‑parte na realização de um horizonte de
causalidade que faz radicar a liberdade (da
criatura) na própria Liberdade (do Criador). Só
desta maneira é que se pode entender que a
vontade, no plano da beatitude celeste que co-
roa a antropologia cristã, é primeira, pois cada
homem e mulher tem, de facto, liberdade para
recusar esse horizonte último da justiça divina.
A introdução da ideia de uma vontade gratui-
tamente transformada, no plano dos «hábitos»,
com evidente interferência nas atividades ou
124
operações humanas – na vida ativa, para ago-
ra evocarmos um célebre título de H. Arendt
– deteta‑se ig ualmente numa circunstância
editorial. Acima dissemos que em dois textos
diferentes – são eles a Ethica IVª (com data de
publicação 1593) e o De Anima (IIIc13q1‑4),
com data de publicação 1598 – Góis abordou
a questão do papel e importância da vontade
e do intelecto. Era aliás um lugar comum na
academia, pelo menos desde que os francisca-
nos buscavam um motivo identificador, contra
os dominicanos (século XIII). Sabemos, v.g.,
que, mais jovem, Góis abordou como tema de
«exame» de metafísica (Coimbra 1582) a questão
«utrum intellectus sit potentia nobilior volun-
tate», quer dizer: «o intelecto é uma potência
mais nobre do que a vontade?». No exame dos
dois textos publicados, apesar da sua brevidade,
topa‑se com a distinção de duas perspetivas
antropológicas – sob o prisma da moral ou do
Bem e sob o prisma do ser ou da Verdade – a
fim de, com elas, sustentar, também em diálogo
com o Pseudo‑Dionísio Areopagita, que o ato
de amar (scilicet a vontade) é mais eminente
125
no género da moral, mas não no género da
natureza, da ontologia, digamos. O registo
filosófico da Ethica, quer dizer, o plano dos
atos humanos e do concreto existencial, equi-
vale ao abandono de uma perspetiva absoluta
pela inscrição no campo da causalidade física
e humana. Pensar com os pés no chão. «Não
haverá absolutamente nenhum ato humano que
não tenha a sua origem na vontade…», ou seja,
«embora a raiz da liberdade esteja no intelec-
to, a liberdade formal reside unicamente na
vontade…» (Etd4q1a2). Além do mais, a Ethica
estabelece que:
126
Vale a penas frisarmos: «liberdade formal»,
«causa mais universal» num concurso integral
constitutivo de uma só ação. A analogia que en-
quadra (ii) – causas universais/causas particulares
vs. bem comum/bens particulares – é esclareci-
da mediante o recurso ao paralelismo, de cariz
escotista, do concurso parcial, mas universal,
de Deus; também a «proporção» que assinala
a diferença Deus/vontade garante e anuncia a
autonomia de cada um dos planos:
127
vida situada ou histórica – a «existência», que
é o ser fora das causas – de cada ser humano.
Também por aqui Coimbra se liga à Salamanca
de Francisco de Vitória, lendo (1539/40) a exis-
tência (esse), a crermos em alguns intérpretes,
como o primeiro e fundamental ponto de en-
contro de todos os seres, razão pela qual, se
algo não existir, «todo le falta» (precisamente
em castelhano, no original latino de In Primam
q5a1). Este é, avançamos, o esforço da ética de
Coimbra, fiel a uma proposta educativa otimis-
ta e humanista, equacionando liberdade e ser
humano. Valeria a pena, talvez, evocarmos uma
referência de Molina que, perguntando sobre
o correto entendimento de «livre arbítrio» (quid
nomine liberi arbitrii intelligendum sit) escreve
taxativamente que mais do que mera oposição à
coação, o seu verdadeiro sentido é o de se opor
à necessidade (Concordia q14a13d2p12). A ponte
entre Duns Escoto e Kant está a ser edificada.
Se do ponto de vista ético brota a reivindicação
da liberdade, num voluntarismo que identifica
a universalidade da causa com a vontade, nas
ações humanas, tudo o mais deverá assentar
128
no ontológico. E designadamente a fidelidade
possível a São Tomás e a Aristóteles, quer dizer,
uma reinterpretação da sua doutrina da verda-
de e da beatitude enquanto contemplação da
essência divina ou Ser (esse). Todavia, o facto
de se ensinar uma diferença real entre as duas
faculdades e o modo como os dois planos são
articulados parece‑nos criar dificuldades não
resolvidas, muito menos abordadas. E caso se
pensasse que o «diálogo» com a regra do Pseudo
‑Dionísio nos poderia ajudar, verificaríamos que
Góis considera pertinente a sua apreciação no
plano da «união afetiva», não da união contem-
plativa. Seja como for, ao menos sabemos que,
refutando Durando (1275‑1334) a propósito e no
tratado das virtudes, Góis se situa do lado de
Capréolo (+1444), reforçando o esforço humano:
«os atos aplicados concorrem como princípios
ativos para a geração dos hábitos». E explica
(Etd7q3a2): «… o intelecto e a vontade, são
causas universais ativas dos hábitos», e nelas
podem existir espécies diversas de hábitos que
acabarão por explicar a razão pela qual uma
causa particular ativa determina qualquer uma
129
dessas duas faculdades a produzir um hábito,
em vez de outro (tal causa seria o próprio ato
produzido pela potência). Isto significa que
podemos vislumbrar o que Góis não escreveu,
mas que um certo devir moderno da filosofia
ocidental pôde chegar a escrever: que a vontade
é também causa universal ativa de um qualquer
hábito e que, ainda e sempre, à vontade, ca-
berá determinar a específica propriedade da/
numa escolha.
130
7. C i ê n c i a m e ta f í s i c a , t e o l o g i a n at u r a l e
« p n e u m at o l o g i a »
131
primeira». Acresce no entanto que, pelo menos
em parte, algo pertencente à metafísica foi de
facto publicado. Com efeito, um dos apêndices
do De Anima cabe especificamente à metafísica,
conforme os pareceres de Manuel de Góis e de
Baltasar Álvares. Escreveu o primeiro (Anpr):
132
da metafísica em que Aristóteles é ultrapassado.
Pela sua extensão e relevo o referido Tratado
constitui uma absoluta novidade e ele surge‑nos
vertido numa efetiva operação editorial que pode
ser lida em oposição à metodologia de acesso
à filosofia preconizada por Fonseca. Conforme
vimos, para Góis, o acesso à filosofia devia ser
feito predominantemente pela física, mas outra
era a visão de Fonseca, ao ponto de escrever, a
abrir as suas Instituições:
133
toda a Filosofia. Com efeito (…) estabelecidos
e consolidados tais fundamentos, os restantes
temas mais facilmente por eles são entendidos
(…) e por mim mais cómoda e brevemente podem
ser desenvolvidos.
134
que os fundamentos de toda a filosofia» a que
Fonseca se refere, difere da visão partilhada e
concretizada pelo seu confrade Góis.
Com base nos índices textuais de que dis-
pomos, o que se pode, em primeiro lugar,
acrescentar sobre uma metafísica nunca publi-
cada? Frequentemente denominada, pelos nossos
jesuítas, «filosofia primeira», a metafísica teria
como tema de estudo (subiectum) o ente enquan-
to ente, mas deveria entregar‑se à investigação
das causas supremas, como Deus e aos princípios
mais comuns. Distintamente das matemáticas,
tratava‑se de uma só ciência, cabendo ao modelo
da analogia de atribuição – «analogia» e «parti-
cipação» serão termos‑chave da metafísica dos
CACJC – a explicação pela qual um mesmo nome
e uma mesma noção, «ser» ou «ente», se diversi-
ficava nos seus hábitos, seja por denominação
extrínseca, seja por comunicação real. Desta
maneira, Deus, as causas, o ente enquanto ente,
mas também as substâncias separadas (como
os anjos ou a alma após a morte) e os géneros
supremos são, todos, objetos do tratamento da
metafísica, mas com distinções.
135
O ente enquanto ente é, evidentemente, o
objeto adequado da metafísica, Deus é o objeto
precípuo, e as criaturas, na sua subordinação
ao ente, o objeto parcial. Na terminologia co-
mummente empregada, e para simplificarmos,
poderemos dizer, então, que a metafísica jesuíta
conimbricense deveria cobrir algumas das valên-
cias hoje reconhecidas na mesma disciplina de
Aristóteles. Ela articula a etiologia ou arqueologia
(estudo das primeiras causas e dos primeiros
princípios), a ontologia (estudo do ente enquanto
ente e dos géneros supremos), a ousiologia (estu-
do da substância ou das substâncias), a teologia
(estudo do Primeiro Ser ou Motor imóvel) e a
pneumatologia (estudo das substâncias separadas
ou desmaterializadas).
Couto denomina‑a também como «metafísica
sobrenatural» (metaphysica supernaturalis), na
medida em que se trata de um saber que con-
sidera a dependência essencial da essência das
coisas em relação à Primeira causa criadora, final
e exemplar (dimensão etiológica). Góis parece
preferir a denominação «filosofia divina» (divina
Philosophia), porque se ocupa da contempla-
136
ção das realidades que transcendem a natureza
(transnaturalium), razão pela qual, nela, anota
este jesuíta, a inteligência humana alcança o ápice
contemplativo (dimensões teológica e pneumatoló-
gica). Muitas vezes ocorre, de facto, a designação
de «teologia», para a metafísica, mas isto acontece
sem nunca se confundir a teologia revelada e a
teologia natural, esta última a única que per-
tence à metafísica, distinguindo‑se da teologia
revelada ou bíblica por uma distinção formal,
segundo Góis, ou pelo respetivo lume, segundo
Couto. Porque aos jesuítas estava vedada meto-
dologicamente a metabasis eis allo genos (An.Po.,
I 7, 75a38 ou De Coel. I 1, 268b1sg.), quer dizer,
a possibilidade de, numa dada Faculdade (a de
Filosofia, nomeadamente) se abordarem matérias
pertencentes à Faculdade superior (a de Teologia),
a teologia natural é autonomamente metafísica.
É certo que aquela proibição nem sempre foi fácil
de respeitar. Temos notícia de muitas indicações
de alguns desrespeitos à separação epistémica,
sem nunca se ter caído, aliás, nem nos excessos
da condenação parisiense de 1277, nem na ber-
linense de 1794. Também mais tarde, nas linhas
137
iniciais do De Legibus, Suárez insiste em acabar
com qualquer conflito das Faculdades (sine ulla
imperfectione vel confusione), mas seria inevi-
tável que «inter philosophus et theologus» não
se levantassem disputas. Só isto explica aquela
espécie de refrães com que tantas vezes se topa
na leitura dos nossos textos: «dissidium», «con-
troversia», «disceptatio», «magna quaestio», etc.
Estamos em condições de avançar com cautela
e parcialmente o que, quer Góis, quer Couto, che-
garam a conceber para um eventual comentário
à Metaphysica a integrar nos CACJC. O que se
segue é meramente conjetural, mas baseia‑se nas
indicações ou alusões que ambos deixaram nos
textos (fica de parte o inevitável Proémio). Ponto
notório, o facto de que seguramente Góis deveria
ter começado Metaph. I (A), pois é a única refe-
rência concreta que nos deixa, quer à questão (1ª),
quer ao artigo (1º). De passagem, repare‑se que
Góis não segue a divisão de Fonseca em secções.
Tratava‑se, naquele caso, da caracterização da
ciência perfeita que excedia a física na medida em
que considerava o imaterial, não conformemente
a Platão, salvo se a teoria das ideias deste fosse
138
corrigida à maneira teológica das ideias divinas.
Semelhante declaração é deveras importante na
medida em que nos dá, logo à partida, uma pers-
petiva da importância da «pneumatologia» – mas
este vocábulo nunca é utilizado nos CACJC –, em
consonância com as anteriores alusões de Góis e
de Álvares e que, acima de tudo, divergem indubi-
tavelmente dos pontos de partida das Metafísicas
de Fonseca e de Suárez.
Não podemos ir muito mais longe em termos
do estado de uma eventual «redação» na mesa
do trabalho editorial conimbricense, mas não
deixa de ser quase certo que, quer para Couto,
quer para Góis, os livros IV (Γ), V (Δ), VII (Ζ)
e IX (Θ) tinham sido pelo menos planeados (ou
ensinados?). Os casos mais fáceis são os rela-
tivos aos livros IV e sobretudo o V, dado que
em Coimbra e em Évora se reconhecia a sua
importância para a elucidação das questões
lógicas que eram objeto de exame no bacha-
relato (normalmente em fevereiro, no terceiro
curso). Assim, v.g. Góis escreve, de passagem,
que em Metaph. IV tratará «ex professo» sobre
o Bem. O livro IV, recordemos, congregava os
139
vários assuntos passíveis de serem abordados na
Metafísica, a divisão desta ciência e a atenção
aos chamados primeiros princípios. E nele, o
tratamento do Bem deveria acontecer, susten-
tamos nós, com forte probabilidade, no quadro
do estudo dos princípios como primeiras cau-
sas ou dos transcendentais (i.e. do Bem como
afeção do ente). A importância de Metaph. IV é
justificável também por se examinar aí a célebre
fórmula «ente enquanto ente», o objeto adequa-
do da metafísica. Poderia ser também ali que
os autores discutissem as várias teses em confli-
to, aproveitando, fosse para insistir na unidade
da metafísica, tal como Aristóteles em IV 2, fos-
se para se oporem ao monismo epistemológico
de Antonio Bernardi. Mais amplamente porém,
Góis remete para Metaph. V, i.e., o livro sobre
«os termos que têm múltiplas aceções», como lhe
chamou Aristóteles. Góis nega que o princípio
da distinção numérica dependa exclusivamente
da matéria – isto contrariava diretamente Tomás
de Aquino, – admitindo também ir defender
explicitamente a inadequação entre extensão,
quantidade e imaterialidade. Interrogando‑se
140
sobre o modo como uma forma singular natural
depende de um determinado agente particular
(num capítulo 2º?), Góis alude à diferença in-
trínseca ou singularidade incomunicável entre
qualidade e quantidade (a ter lugar nos capítulos
13º e 14º?). Remetendo para um comentário seu
ao De Coelo, também Couto se refere explicita-
mente a Metaph. V, mais em concreto quanto a
saber como dois acidentes de uma mesma es-
pécie são conhecidos por um mesmo intelecto
– assunto reservado para o capítulo 10º? Couto
é sobretudo mais explícito sobre onde abordar
a doutrina da relação (o seu fundamento e es-
pécies deveriam ser abordadas no capítulo 15º),
nomeadamente aquando do exame da tese de
Caetano (De ente VII, q. 15) sobre a subdivisão
das relações do ser em transcendentes e não
‑transcendentes ou predicamentais. De novo se
percebe o importante lugar da lógica (ou dos
predicamentos) neste quinto livro da Metafísica,
importância sobre a qual, sabemos, Fonseca
e Suárez também se afastam. Eventualmente
na esteira de Durando seriam também objeto de
Metaph. V (no capítulo 11º dos CACJC?) a teoria
141
dos modos da anterioridade, i.e., por natureza
ou pelo tempo.
Temos depois o problema dos dois outros
livros que não constituíam objeto de exame no
bacharelato. Metaph. VII é o livro da substância,
da essência e do acidente e Metaph. IX o concer-
nente à anterioridade do ato sobre a potência (a
abordar nos capítulos 8º a 10º?). É Couto quem
refere que em Metaph. VII (capítulos 6º, 7º ou
12º?) versará, em parte, as diferenças, as ope-
rações e as perfeições de todos os indivíduos,
também com relação às espécies (curiosamente
neste passo Couto confessa vir a abordar o mesmo
em De Anima III, título seu que não conhece-
mos, mas que, se não se tratar de uma alusão a
um sumário letivo antigo, se poderia integrar na
missão que lhe foi atribuída de rever o trabalho
de Góis para uma eventual segunda edição dos
CACJC, talvez já entre mãos em 1612). Por seu
lado, Góis, alude a Metaph. IX como o lugar onde
será refutada a opinião de Durando, para seguir
a de Capréolo, sobre o concurso positivo dos
princípios ativos na geração dos hábitos (para o
capítulo 1º?). Couto, de novo, também a propósito
142
da Metaph. IX (e na mesma página em que men-
cionava um seu De Coelo, título que igualmente
desconhecemos), refere‑se à correlação entre
o intelecto e os sentidos, às diversas operações
daquele (simples, complexa e discursiva), e ao
conhecimento dos primeiros princípios (num
capítulo 12º?). Caso esta nossa última conjetura
tenha alguma plausibilidade, podemos dizer que
Couto poderia aqui alargar e completar o que
Fonseca não pôde infelizmente concluir.
Conhecemos outras remissões mais, embora
sem menção aos livros aonde se poderiam ins-
crever. Encontramos em Góis uma alusão não
muito precisa à composição racional – ou meta-
física? –, i.e. não real, no quadro das substâncias
separadas, mas o assunto foi tocado depois no
Tratado da Alma Separada, por Álvares. Góis
também escreve que irá negar «ex instituto» a
existência das almas antes dos corpos e a sua
desvalorização na conjugação com os mesmos,
tema seguramente paralelo ao do livro sobre
A Alma (AnIIq7). Expressamente aludindo a uns
«comentários à filosofia primeira» Góis admite
examinar se o intelecto enquanto está no corpo
143
conhece substâncias separadas. Estranhamente
até encontrámos uma alusão aos «livros sobre
a f i losof ia pr i mei ra» a propósito da teor ia
aristotélica dos sabores (seria motivada por
1010b18?). Couto deixa‑nos apontamentos sobre
o que poderia vir a ser a ousiologia. Ele escreve
que a Metaphysica seria o lugar para tratar do
fundamento de Platão a respeito das naturezas
comuns das substâncias, principalmente das
específicas, que existem por si, universais,
separadas dos singulares e cuja divisão e singu-
laridade assentaria em verdadeiros princípios.
Depois, que deveriam ser examinadas as di-
ferenças metafísicas dos entes imperfeitos e
incompletos, quais as substâncias tomadas em
abstrato, as partes integrantes e os modos dos
entes, e explicado a que género pertence a pre-
dicação da universalidade de um acidente real,
como «Homem» a respeito de «Verbo Divino».
Ou, mais ainda, Couto pretendia aprofundar a
temática da analogia: dos acidentes em ordem
à substância, ou das criaturas em relação a
Deus, pois a sua comum multiplicidade não
pode ser perfeitamente compreendida, a não ser
144
absolutamente, num caso, e relativamente (per
respectum), noutro. Estamos em crer que toda
esta matéria poderia ocorrer nos livros V e VII.
Por fim, lê‑se que a «distinção entre as paixões e
as ações» estaria reservada para uma «explicação
muito mais adequada e profusa» (conjeturamos
que nos mesmos dois livros ou quiçá no IX), tal
como o estudo das diferenças do conhecimento
divino, angélico e humano, ou o tratamento da
suposição antecedente, consequente, intrínseca
e extrínseca, no quadro do conhecimento por
Deus dos futuros contingentes.
Como se depreende destas escassas, mas
mais ou menos representativas alusões, não será
possível reconstituir‑se o que poderia ser ou
vir a ter sido o volume dos CACJC dedicado à
Metafísica.5 Seja como for, podemos ainda, para
terminarmos este ponto, insistir num paralelismo
entre Metaphysica XII 6‑9 e Physica VIII. No
âmbito de uma teologia natural, o paralelismo
articula uma dimensão nuclear para qualquer
145
projeto missionário ou geoculturalmente ex-
pansivo. Góis considera serem genuinamente
aristotélicas as afirmações em torno do Primeiro
motor ou primeiro princípio do movimento,
Deus, causa principal do movimento, isento de
grandeza e de mudança, sempiterno, necessário
e uno. Todavia, os pontos de vista da física e a
da metafísica podem não coincidir, ou melhor,
a relação de uma argumentação física com uma
metafísica. Lê‑se, mormente em Metaph. XII 7,
que Aristóteles alcançou, alegadamente, o sig-
nificado mais amplo de movimento, quer dizer,
aí incluindo os movimentos espirituais. Ora,
também o Tratado da Alma Separada tem uma
secção sobre o movimento (de appetitu/ de motu),
que pergunta, designadamente (Asd6a2), sobre a
eventual autonomia do movimento, acabando por
reconhecer à alma separada a capacidade de se
mover a si mesma e de mover coisas exteriores
a ela, uma capacidade, aliás, distinta quer do
intelecto quer da vontade.
Independentemente da omnipresença de Deus,
que, admite‑se, Aristóteles teria desconhecido
com alguma probabilidade, a teologia natural
146
atribui‑Lhe um triplo movimento – retilíneo, oblí-
quo e circular – e uma dupla ciência – a ciência
de visão e a ciência abstrativa ou de simples
inteligência. Se não é de estranhar a alusão ao
Pseuso‑Dionísio, a propósito do triplo movimento,
lembremos também que noutro lugar Góis retoma
aquela distinção escotista para a problemática do
conhecimento humano: «intuitivo» ou «de visão»
relativo ao conhecimento de uma coisa presente
enquanto presente, «abstrativo» ou «de simples
inteligência» para o caso de uma coisa ausente
(AnIIc6q3a1). No Seu conhecimento de visão, que
é o que respeita à existência das coisas na sua
situação histórica, Deus não conhece pela ne-
cessidade da natureza, mas por uma necessidade
hipotética, suposta a liberdade da Sua vontade
que preside ao ato da Criação (ressalve‑se que
ainda está por estudar a relação dos CACJC com
a polémica molinista e fonsequista da chamada
«ciência média»). Absolutamente transcendente
à natureza, de que é autor livre e por cujas ma-
ravilhas comunica com os seres humanos, Deus
encontra‑se contudo fora do céu, no espaço
imaginário infinito, dotado de um poder não ab-
147
soluto, porque mais uma vez refletido na ordem
da Bondade, que é, no limite, o principal objeto
da Sua vontade. Causa eficiente, exemplar e final
Deus tudo criou com modo, beleza ou ordem,
ou também número, peso e medida. Ele tudo
conserva, porém, sem que as causas segundas
percam a sua verdadeira operatividade, tal como
no capítulo sobre a física procurámos salientar.
Uno e Trino, qualquer conhecimento que a cria-
tura possa deter de Deus jamais O pode alcançar
na infinita perfeição da Sua natureza. O conheci-
mento que um filósofo pode deter de Deus será
sempre abstrativo, a partir das criaturas, nunca
intuitivo, face a face. Porque a nossa teologia não
é evidente, dado depender das disposições da fé
católica, as quais por si e intrinsecamente não
propendem para a evidência, a fé no Deus bíblico
necessita da física, da metafísica e obviamente da
teologia. Conhece‑se Deus pela via da causalida-
de (Physica VIII), da qual, aliás, decorre toda a
causalidade de causas moventes, essencialmente
subordinadas, e igualmente todos os seus efeitos,
sem que isso, repetimos, belisque a autonomia
do mundo. Por isso, admite‑se ser possível algum
148
conhecimento da infinita perfeição da natureza
divina, recorrendo a duas alternativas, de novo na
esteira do Pseudo‑Dionísio: ou removendo d’Ela as
perfeições que não são absolutas, ou afirmando as
perfeições absolutas, mas de um modo superlativo.
Dialogando‑se, uma vez mais tacitamente, com
o molinismo, sustenta‑se que, sendo o objeto
da vontade divina a Bondade, a Sua ciência é
tanto especulativa quanto prática. O amor por
Deus é, em simultâneo, uma ação honesta, útil
e agradável, praticável com prazer e deleite do
espírito, dando‑nos acesso à felicidade, felicidade
perfeita que o próprio Deus é, tal como a maior
infelicidade (summa miseria) para os seres hu-
manos será verem‑se afastados do Sumo Bem.
Também a consumação de um novo céu e de
uma nova terra (recorde‑se o tema augustinista
da Cidade Celeste) depende de Deus, que não
fez para as criaturas humanas apenas o céu que
o intelecto vê, mas que também criou uma cida-
de celeste e feliz, a que não falta o Sol, nem a
Lua, porque iluminada pela claridade de Deus.
Por isto, a metafísica também anuncia, num as-
peto preciso, a superação do tempo e do espaço.
149
Mas chegar‑se à metafísica pela física do Mundo
ou pela física do Homem não é equivalente,
ainda que, como vimos nos capítulos anteriores,
seja impossível qualquer física do Homem que
oblitere a física do Mundo. Ou noutro corolário:
enquanto a metafísica do mundo se resolve na
teologia natural, a metafísica do ser humano há
de vislumbrar algo da teologia sobrenatural. Isso
acontece com a imaterialidade ou a desmateria-
lização o que, evidentemente, por se tratar de
um estado metafísico que culmina um processo
antropológico e não de um processo gnosioló-
gico que culmina num estado ontológico, pouco
tem a ver com o Estagirita. Simplicissimamente
dito: só se pode continuar a falar de metafísica
se Aristóteles tiver sido superado.
Anunciado desde o início da «ciência da alma»,
o Tratado da Alma Separada versa a situação
post‑ mortem, considerada um estado não natural
(porque a alma aspira regressar ao corpo, na
ressurreição), mas também não violento (porque
sempre na sua história cognitiva a alma se separa
progressivamente do domínio sensível e material).
Passando inevitavelmente pelo tema da imortali-
150
dade da alma individual, e mostrando‑se convicto
que Aristóteles partilharia desta tese, a aposta de
Álvares na racionalidade de tal prova também
depende das exigências de Trento. O polémico e
conhecido título de P. Pomponazzi (Tractatus de
immortalitate animae, 1516) aparece citado uma
única vez, mas há uma evidente, embora não ex-
clusiva, relação entre os dois textos. Porém, após
passar por este velho tema pagão, Álvares detém‑se
no estudo do chamado «estado de separação». Nele,
a alma humana individual pensa, obviamente, sem
o recurso às imagens sensíveis mas, lembrando‑se
da sua história pessoal ou encarnada, graças às
espécies com as quais contactou, ela encontra‑se
numa condição radicalmente outra. Com a sepa-
ração, entendida à letra, a vontade torna‑se muito
mais ardente, a potência motora mais evidente, o
intelecto mais expedito e perspicaz e o intelecto
agente, em particular, adquire um modo distinto
de iluminar os objetos externos e suas imagens.
A imaterialidade que caracteriza a alma impõe a
separação enquanto motivo pneumatológico de
relevância antropológica, pelo menos em duas
vertentes. A primeira, epistemológica, porque se
151
chega admitir um progresso no conhecimento,
a segunda, eudaimológica, posto que a nota do
movimento que caracteriza a alma separada é a
da maior liberdade e felicidade, sem qualquer tipo
de domínio de uma alma sobre as outras, sendo
todas naturalmente iguais (Asd6a4).
Concentremo‑nos na primeira. Três são as
prerrogativas da alma racional: instilada por Deus,
sem matéria e, por isso, vindo extrinsecamente;
como que originada no que há de mais íntimo em
Deus; e de elevada condição espiritual, imune de
qualquer concreção com a matéria, não dependen-
do por si do apoio da imaginação, sendo também
a única forma que recebe atividades espirituais.
Ela tem a capacidade para atingir em si mesma
um conhecimento certo e evidente do objeto, para
conhecer as espécies infusas de modo distinto e
as adquiridas de um modo ainda mais distinto.
A evidência a que o estado da alma separada tem
acesso, reconhece‑se (i) pelo poder de conhecer
todos os sensíveis; (ii) por um conhecimento dis-
tinto, quer de si mesma, quer das outras almas; (iii)
por poder conhecer naturalmente os possíveis que
existem em Deus. A nota principal deste conhe-
152
cimento separado do corpo, com a consequente
adjetivação da distinção e da clareza, revela‑nos
a sua quota‑parte teológica (metafísica) na mo-
dernidade. Esta seria ainda mais clara não fora a
componente política (metafísica) no reclame de
uma comunhão espiritual (respublica spiritualis
animarum separatarum), característica da sepa-
ração, na qual consistirá a «vida agradabilíssima e
felicíssima» da alma (AnIIIc13q5a2). Se pusermos
de parte, provisoriamente, a correlação aqui pa-
tente entre ética e metafísica, bem como a relação
(meta‑)física do Mundo e (meta‑)física do Homem,
salta à vista que, no estrito quadro do conheci-
mento, se acabou afinal por pôr a caminho uma
tese moderna de grande produtividade, a de que
(agora) a alma se conhece melhor do que o (com
o) corpo. Descartes di‑lo‑á, sem ambiguidades,
nas suas Meditações II (AT VII, 23). Todavia, tal-
vez se deva lembrar, sobretudo em vista daqueles
intérpretes, nossos contemporâneos, que buscam
um índice capaz de assinalar a adveniente moder-
nidade, que a separação da matéria (B. Álvares)
é inconfundível com a imunidade relativamente
à matéria (F. Suárez).
153
QUADRO 1
154
ter sido um volume eventualmente intitulado
Commentarii Colegii Conimbricensis S. J. In
Libros Metapysicorum Aristotelis Stagiritae.
Apesar da sua natural brevidade, o alvitre não
é económico e parte do princípio de que viriam
a ser acolhidas todas as cinco matérias indica-
das como pertencentes à metafísica: etiologia
ou arqueologia, ontologia, ousiologia, teologia
e pneumatologia. Na coluna do meio todas os
registos [] são conjeturais.
155
(Página deixada propositadamente em branco)
8. C o n c l u s ão , o u o q u e r e s ta fa z e r
157
diversidade textual e autoral atravessada por
dois elementos fundamentais da espiritualidade
inaciana: o princípio ontológico da dádiva, em
sentido descendente, à semelhança da luz que
provém do Sol, e a presença de Deus (Verdade
e Bem) em todos e cada um dos vários níveis
ontológicos da realidade criada. Permanecem
por estudar as várias modalidades e aporias da
conjugação do motivo – aristotélico – ascendente,
com aqueloutro – neoplatónico –, descendente.
Qualquer arco historiográfico da produtivi-
dade dos CACJC deverá mirar mais as paisagens
europeias racionalistas do que as empiristas e,
por isso, as suas páginas devem ser lidas tendo
por horizonte não tanto a chamada «ciência mo-
derna» quanto o devir da metafísica europeia.
Procurámos repudiar o labéu acusatório, assaz in-
génuo ou ignorante, de os CACJC não serem mais
do que uma repetição – um «comentário» – de
Aristóteles. Sem ser necessário demorarmos sobre
o significado do comentário filosófico – gesto tão
filosófico, na sua mais funda raiz humana, e não
mero tique «continental» – a nossa exposição pro-
curou sublinhar outros motivos. Mas ainda tudo
158
fica por fazer. Ou se aposta na identificação dos
protagonistas silenciados e autores dos manus-
critos (hoje, ou perdidos ou correndo o risco de
desaparecer nas poeiras das Bibliotecas europeias,
chinesas…), que contribuíram mais diretamente
para a génese dos CACJC e, bem assim, no diálogo
e interpretação cada vez mais aprofundadas com
os milhares de textos citados nesses volumes.
Ou se privilegia uma interpretação dos mesmos
enquanto reais contribuintes para conteúdos de
significação filosófica com produtividade histó-
rica europeia (e, de novo, transcontinental). Em
qualquer dos casos, e pensando agora no espaço
da vasta língua portuguesa, é urgente a tradu-
ção dos textos, no seu todo, preferivelmente,
mas, pelo menos, nas suas mais interessantes
secções. Estamos em crer que só da conjugação
de versões cada vez mais rigorosas com estudos
analíticos e críticos emergirá a atitude que nos
parece indicada perante um legado filosófico tão
particular: a ponderação do seu real contributo
e a abertura para uma possível ou eventual ação
meditativa. Oxalá saibamos merecer esta última,
e estar à altura da primeira.
159
(Página deixada propositadamente em branco)
I n d i c aç õ e s B i b l i o g r á f i c a s
161
Tractatus de Anima Separata, Tractatio aliquot pro‑
blematum ad quinque sensus spectantium per totidem
sectiones distributa.
Commentarii Colegii Conimbricensis S. J. In universam
Dialecticam Aristotelis, Coimbra: D. G. Loureiro 1606: In
Isagogem Porphyrii, In libros Categoriarium Aristotelis,
In libros Aristotelis de Interpretatione, In libros Aristotelis
Stagiritae de Priori Resolutione, In primum librum
Posteriorum Aristotelis, In librum primum Topicorum
Aristotelis and In duos libros Elenchorum Aristotelis.
162
Estagirita. Tradução do original latino por Maria da
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Commentarii Collegii Conimbricensis, De interpretatione
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172
Indice Onomástico
173
Cardoso, Adelino: 164, 171. Duns Escoto: vd. João Duns
Escoto.
Carolino, Luís Miguel: 169.
Durando de São Porciano:
Carvalho, Joaquim de: 164.
129, 141, 142.
Carvalho, Mário S. de: 162,
163, 164, 166, 167, 168, Enenkel, K.A.E.: 169.
170, 171, 172. Espinosa, B. de: 77.
Casalini, Cristiano: 164, 167. Fabrício, Vicente: 24.
Chardin, Theillard de: 75. Fernandes, Lourenço: 35, 112.
Clávio, Cristóvão: 88. Fernandes, Marina: 163.
Codina, Gabriel: 166. Ferrara, Silvestre de: 105.
Cordeiro, António: 7. Ferreira, Cristóvão: 20, 21.
Costa, M. Gonçalves da: 164. Fonseca, Pedro da: 5, 10, 13,
Coujou, Jean-Paul: 172. 16, 18, 23, 24, 25, 26, 27,
28, 32, 37, 52, 53, 56, 60,
Couto, Sebastião do: 12, 13, 78, 81, 87, 8 8, 89, 91,
14, 33, 38, 47, 53, 65, 66, 105, 114, 131, 133, 134,
67, 68, 71, 131, 136, 137, 135, 138, 139, 141, 143,
138, 139, 141, 142, 143, 166, 167, 172.
144, 154, 163, 169.
Foucault, Michel: 115.
Cox ito, A mândio A .: 163,
167. Franco, J. Eduardo: 164.
174
Gil, Cristóvão: 18, 32. João Escoto Eriúgena: 107.
Gilson, Etienne: 164. Jorge, Marcos: 18.
Góis, Manuel de: 11, 15, 16, Kant, Immanuel: 41, 76, 93,
17, 21, 29, 36, 37, 45, 53, 128.
71, 102, 111, 112, 114, 119,
Klein, L.Fernando: 166.
125, 129, 130, 131, 132,
133, 134, 135, 136, 137, Kraye, Jill: 162.
138, 139, 140, 141, 142,
Kusukawa, S.: 172.
143, 146, 147, 154, 162,
163, 168, 169, 170, 171. Lavajo, J. Chorão: 164.
175
Mar tins, A ntónio M.: 165, Pedro Hispano: 66.
169, 172.
Peirce, Ch. Sanders: 22, 167.
Marsilio Ficino: 102.
Pereira, Duarte Pacheco: 89.
Marx, Karl: 22.
Pereira, José: 172.
Medeiros, Filipa: 162, 163.
Pico, Giovanni: 93.
Meirinhos, José F.: 171.
Pinho, Sebastião T. de: 163.
Melanchthon, Philipe: 26.
Platão: 138, 144.
Mestre Eckhart: 118.
Poinsot (sive de São Tomás),
Meynard, Thierry: 165. João: 65.
Miranda, Margarida: 166. Pombo, Olga: 165.
Molina, Luís de: 17, 36, 116, Pomponazzi, Pietro: 151.
128, 164, 171.
Popper, Karl: 56.
Murça, Diogo de: 10, 164.
Porfírio: 6, 34, 47, 52.
Nadal, Jerónimo: 30.
Porro, Pasquale: 168.
Newton, Isaac: 81.
Pseudo-Dionísio Areopagita:
Nicolau de Cusa: 86. 75, 86, 90, 125, 129, 149.
Nicolau, Miguel: 167. Quental, Antero de: 100.
Nietzsche, Friedrich: 117. Reeve, C.D.C.: 113.
Nobili, Roberto de: 20. Ribeiro, A.: 171.
Nunes, Pedro: 88, 169. Salatowsky, Sascha: 170.
O’Malley, J.W.: 170. Sambiasi, Francesco: 20.
Orígenes de Alexandria: 123. Sander, Christoph: 169.
Orrego Sánchez, Santiago: 171. Santos, José M. P. dos: 165.
Pascoal, Augusto A.: 163. Santos, Maria A.M.: 171.
Paulo de Veneza: 95. Schmitt, Charles B.: 165.
176
Scorsese, Martin: 21. Tomás de Aquino: 5, 68, 91,
9 8, 9 9, 10 8, 111, 112,
Simmons, Alison: 170.
119, 120, 140, 171.
Soares (Lusitano), Francisco: 7.
Torres, Miguel: 54.
Sócrates: 114.
Trigault, Nicolas: 21.
Soncinas, Paulo B.: 91.
Vagnoni, Alfonso: 21.
Soto, Domingos de: 66, 80,
Veiga, Tomás Rodrigues da:
91, 169, 171.
97.
Suárez, Francisco: 14, 27, 28,
Verbiest, Ferdinand: 164
91, 116, 121, 134, 138,
139, 141, 153, 164, 167, Vitória, Francisco de: 5, 128,
171, 172. 171.
Toledo, Francisco de: 27. Wakúlenko, Serhii: 48, 165,
167.
Tolosa, Inácio de: 36.
Wallace, William A.: 169.
Tomás, Álvaro: 80.
177