Determinantes Sociais de Saúde

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Anais - I Seminário sobre a Política Nacional de Promoção da Saúde

Determinantes Sociais de Saúde


Jairnilson Silva Paim

Introdução

Este evento pode ser considerado histórico, alcançando um outro patamar alçado pela Reforma
Sanitária Brasileira e pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Inicialmente, quero agradecer à Secretaria
de Vigilância em Saúde (SVS/MS) pelo convite e, também, aos companheiros da Comissão Nacional
sobre Determinantes Sociais de Saúde (CNDSS) pela minha indicação para participar deste seminário,
especialmente ao Prof. Paulo Buss.
Expor sobre Determinantes Sociais de Saúde (DSS) para pessoas com experiência e vivência na área
da saúde, que convivem em seu cotidiano com um conjunto de problemas que se relacionam com as
condições de vida, com as formas de desenvolvimento das políticas no país, com a própria organização
da sociedade brasileira, pode parecer, de certa forma, uma obviedade. Mas, apesar da aparência de
obviedade a respeito dos determinantes e da dispensabilidade das discussões sobre as relações entre
saúde/sociedade ou saúde/políticas públicas, constata-se que, na realidade, são elementos que compõem
uma luta existente há vários anos.
Assim, além do reconhecimento da existência dessas relações, faz-se necessária a realização de
mudanças e reformas que apontem para a superação das desigualdades presentes nos Determinantes
Sociais de Saúde. Essa luta não é apenas política, mas também teórica e epistêmica, sob uma perspectiva
histórica, na medida em que as contradições foram se estruturando e se apresentando de forma mais
clara e surgindo as possibilidades de cada sociedade identificar esses determinantes e criar alternativas
para a sua superação. Em contraponto, ao mesmo tempo, a ciência seguia por um outro caminho,
ocorrendo um recuo em relação a essas possibilidades postas, especialmente na metade do século XlX,
quando os movimentos de consolidação da burguesia na Europa levaram também ao agravamento das
condições de vida dos trabalhadores e da população em geral.
Naquele momento, surgia a idéia e a proposta cunhada como “medicina social”. Essa medicina foi
entendida como a possibilidade de estudar as relações entre saúde e sociedade e explicar, inclusive, a
ocorrência das epidemias. Figuras como Rudolf Virchow e John Snow tiveram importância na patologia
e na medicina, ao explicarem como as epidemias, a exemplo da cólera, poderiam ser resolvidas com
melhoria das condições ambientais. Esse fato aconteceu quase cinquenta anos antes da descoberta do
vibrião colérico. Há outras visões da ciência que se adequam mais à manutenção de determinado status
quo e se tornam, de certa forma, hegemônicas.
No final daquele século, com a era bacteriana, houve um recuo na forma de compreensão das relações
entre saúde e sociedade que apontava para a necessidade de ação política para modificar as condições
de vida. Outros esforços foram ocorrendo ao longo do século XX, principalmente as concepções de
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Promoção em Saúde nas definições de Saúde Pública de Charles-Edward Winslow e Henry Sigerist, e,
posteriormente, a compreensão da medicina preventiva, no livro clássico de Leavell e Clark. Todavia,
essas tentativas não foram suficientes para enfrentar a visão biomédica dominante em relação à
compreensão dos problemas de saúde.
Ministério da Saúde

Nessa perspectiva, este encontro, a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS) e,


particularmente, alguns movimentos que ocorrem no Brasil e no mundo se alinham na possibilidade
de repensar as intervenções que podem ser realizadas para além do enfoque biomédico.
Essa breve introdução ao tema teve como objetivo demonstrar: a) que a Promoção da Saúde encontra-
se em um processo continuado de possibilidades de renovação e de contra-hegemonia, em relação às visões
dominantes sobre a saúde e a doença; b) como esses processos ocorrem em sociedades concretas.
A apresentação, propriamente dita, configura-se em quatro partes:
(1) Apresentação de elementos conceituais para compreensão dos determinantes sociais;
(2) Ilustrações que reiteram, através de evidências científicas, a pertinência em trabalhar com
determinantes sociais atualmente no Brasil;
(3) A Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais em Saúde (CNDSS), sua constituição e funções
até 2008;
(4) A análise política do entrosamento, consolidação e sinergismo entre as várias iniciativas que estão
ocorrendo no país.

Elementos conceituais

As formas concretas de inserção socioeconômica da população (condições de trabalho e condições de


vida) são relevantes para explicar a saúde e o perfil epidemiológico. As condições gerais de existência
caracterizam o modo de vida que articula condições e estilo de vida.
Os padrões de determinação são uma das formas de entender os problemas de saúde e as suas
ocorrências na sociedade para além da concepção de causa e implicam, também, compreender as
relações do aparecimento de determinado perfil epidemiológico e as formas concretas de organização e
inserção socioeconômica da população.
Nessa perspectiva, dois conceitos são fundamentais para a reflexão sobre os padrões de determinação:
os conceitos de condições de vida e de estilo de vida. Condições de vida expressam as condições reais de
existência, isto é, as condições materiais necessárias à subsistência, relacionadas à alimentação, à habitação,
ao saneamento básico e às condições do meio ambiente. Estilos de vida são as formas social e culturalmente
determinadas de vida, que se expressam no padrão alimentar, no dispêndio energético cotidiano, no
trabalho e no esporte, nos hábitos como uso de fumo e álcool, no lazer, etc.
A primeira distinção necessária na concepção de modo de vida é que este se refere às condições
objetivas de existência de cada grupo social, independentemente da sua vontade, enquanto o estilo de
vida sugere opções que podem se traduzir em escolhas individuais.
Existem vários modelos conceituais para expressar essas relações. Dentre eles, há um que tem sido
30 utilizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e que a Comissão Nacional sobre Determinantes
Sociais em Saúde (CNDSS) vem defendendo pela facilidade do ponto de vista didático e da comunicação
com a sociedade.
O esquema elaborado por Dahlgren e Whitehead, denominado “Determinantes da Saúde”, é um
modelo que reconhece os componentes individuais, relacionados com a idade, gênero e com os fatores
hereditários. Contudo, esses componentes individuais são também sociais, como o gênero, uma categoria
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que vai além do biológico. A partir desse contexto, têm-se outras camadas que vão se constituindo sob
a perspectiva do estilo de vida dos indivíduos, que pode favorecer situações mais positivas ou negativas,
em relação à saúde. Acima, em outra camada, encontram-se as redes sociais e comunitárias, que podem
fortalecer laços entre pessoas e grupos, constituindo-se, dessa forma, em um elemento de proteção ou,
em determinadas situações, de esgarçamento social, gerando dificuldades para que a saúde se concretize.
A partir desse nível tem-se outra camada que expressa as condições de vida e de trabalho – ambiente
de trabalho, educação, produção agrícola e de alimentos, desemprego, água e esgoto, serviços sociais e
habitação –, que podem ser capazes de orientar o conjunto das políticas públicas para o favorecimento
das condições de saúde. Finalmente, nesse esquema dos determinantes da saúde, têm-se as condições
sociais, econômicas, culturais e ambientais mais amplas que, em última análise, influenciam o estado de
saúde das populações.
Uma das vantagens desse esquema é a demonstração de diferentes níveis de intervenção, desde o
ponto de vista individual ao comunitário, podendo alcançar o contexto ou o âmbito estrutural. Assim,
pode contribuir para o estabelecimento de diferentes concepções orientadoras de políticas públicas,
desde as mais avançadas até as mais limitadas.
É necessário, ainda, considerar três conceitos importantes: as desigualdades, ou seja, as diferenças
sistemáticas na situação de saúde de grupos populacionais; as iniquidades, que são as desigualdades
na saúde evitáveis, injustas e desnecessárias; os Determinantes Sociais de Saúde (DSS), que são as
condições sociais em que as pessoas vivem e trabalham ou as características sociais dentro das quais a
vida transcorre.
Portanto, os DSS estão relacionados às condições que movem o "andar a vida" dos indivíduos, dos
grupos sociais e dos sujeitos coletivos. Essa discussão ocorre nos países desenvolvidos, especialmente
no Canadá e em certos países europeus. De certo modo, esse debate sobre determinação também vinha
sendo realizado, de uma forma contra-hegemônica, no Brasil e na América Latina, com a emergência da
epidemiologia social latino-americana nos anos 70.
Nessa possibilidade de luta teórica e epistemológica, referida na introdução desta exposição, surgiram
contribuições de alguns autores, como Laurell e Breilh, apresentando tarefas iniciais para serem realizadas
durante este percurso, tais como: demonstrar que a doença tem caráter histórico e social; definir um objeto
de estudo que permita um aprofundamento na compreensão do processo saúde-doença como processo
social; avançar na reflexão do modo de conceituar a causalidade, ou melhor, a determinação.
No Brasil, essa contribuição ocorreu nos últimos trinta anos e vários autores trabalharam no sentido
de identificar as relações entre saúde e sociedade. Uma crítica teórica realizada por Djalma Agripino
de Melo Filho no livro Compreensão e Crítica da Epidemiologia Social versa sobre a própria vertente da
epidemiologia social latino-americana, ou seja, o que ela poderia oferecer em termos de contribuições e
como, de certa forma, terminou por se submeter ao modelo dominante de pensar a questão da saúde.
O Brasil teve efetivamente uma importante contribuição na reflexão sobre a determinação social
em saúde, através da produção teórica de vários autores e militantes da Reforma Sanitária. Todavia,
uma referência constantemente feita diz respeito à Carta de Otawa, especialmente por militantes da 31
Promoção em Saúde. Esse importante documento foi elaborado em reunião realizada no Canadá, em
1986, como marco desse movimento, que completa vinte anos em 2006. Contudo, em março daquele
mesmo ano, realizou-se a VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS) no Brasil e, de uma forma
brilhante, o Prof. Guilherme Rodrigues da Silva (CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE,
[1987]) afirmava no seu relatório final que “saúde é a expressão da forma como a sociedade se organiza
do ponto de vista econômico”.
Ministério da Saúde

Cumpre ressaltar que a Reunião de Otawa aconteceu no final de 1986, mas em março desse ano o
Brasil já conseguia ter a clara idéia dessas relações e determinações, na VIII Conferência Nacional de
Saúde (VIII CNS), antes portanto da Carta de Otawa. Infelizmente, essa contribuição dos brasileiros
não foi reconhecida mundialmente. Até no Brasil há pesquisadores e técnicos que citam a Carta
de Otawa, mas ignoram o texto do relatório final da VIII CNS, a seção saúde da Constituição da
República e a Lei Orgânica da Saúde. Em todos esses documentos está claramente inserida a concepção
dos Determinantes Sociais da Saúde.
Por que enfatizar os Determinantes Sociais de Saúde? Porque os determinantes sociais têm um
impacto direto na saúde, estruturam outros determinantes da saúde (impactos indiretos), são as “causas
das causas”. Para os insatisfeitos em intervir apenas na aparência dos fenômenos e que procuram,
portanto, entender seu processo de produção social, faz-se fundamental entender esta cadeia, ou seja,
este conjunto de relações que produzem a saúde ou a doença.
Este seminário representa uma oportunidade de retomar alguns conceitos que contribuem para a
realização dos nossos trabalhos, mas, paradoxalmente, também geram confusões. Daí a necesidade da
distinção entre Promoção da Saúde e Prevenção das Doenças. Promoção significa impulsionar, fomentar,
originar, gerar. Refere-se a um conjunto de medidas que não se dirigem a doenças específicas, mas que
visam aumentar a saúde e o bem-estar. Implica o fortalecimento da capacidade individual e coletiva
para lidar com a multiplicidade dos determinantes e condicionantes da saúde. Essa concepção de
Promoção da Saúde necessita ser reforçada, pois as pessoas, ainda que tenham algum tipo de doença,
sempre possuem algum componente sadio. Quanto à Prevenção, é preciso ficar claro que se relaciona
às doenças, ou à prevenção de riscos. É preciso ter cuidado com esse termo, porque frequentemente
têm se visto deslizes, inclusive em textos técnicos, com o uso da expressão equivocada "prevenção da
saúde". Obviamente que não se deve prevenir saúde; no máximo, se deseja, ou, no possível, se promove,
protege, recupera e reabilita.
Prevenir significa evitar, impedir que se realize, chegar antes de, preparar. Exige ação antecipada,
baseada no conhecimento da história natural da doença para tornar seu progresso improvável. Implica
o conhecimento epidemiológico para o controle e redução do risco de doenças. Essa compreensão de
prevenção permite um conjunto de projetos de intervenção e de educação baseados na informação
científica e recomendações normativas, ou seja, de prescrições organizadas e orientadas que visam ao
controle e à redução do risco de doenças (não faça isso, evite aquilo, etc.).
Existem, assim, várias concepções sobre a Promoção da Saúde, que pode ser definida como produto
de amplo espectro de fatores relacionados a qualidade de vida, com ênfase em ações voltadas para o
coletivo e o ambiente (físico, social, político, econômico, cultural), contemplando a “autonomia” de
indivíduos e grupos (capacidade para viver a vida) e a equidade. A partir dessa definição, uma pessoa
nunca é somente doente. Ela sempre tem componentes sadios, que precisam ser reforçados. Essa idéia
de autonomia e emancipação está presente nessa concepção mais avançada e abrangente de saúde.
Promoção da Saúde também pode ser concebida como produto de comportamentos de indivíduos e
famílias (estilos de vida, dieta, atividade física, hábito de fumar, etc.), orientando programas educativos
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relacionados a riscos comportamentais passíveis de mudança.
Essas duas concepções fundamentam intervenções e abordagens distintas. Ressaltam, de um lado, a
atuação sobre os determinantes socioambientais da saúde e políticas públicas intersetoriais, voltadas à
melhoria da qualidade de vida das populações, ou reforçam, de outro, a tendência de diminuição das
responsabilidades do Estado, delegando aos indivíduos, progressivamente, o autocuidado. Essas duas
concepções, também, perpassam várias instituições, grupos de pesquisadores, gestores e técnicos, que
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trabalham com a Promoção da Saúde ou com os Determinantes Sociais de Saúde. A própria Comissão
Nacional sobre Determinantes Sociais em Saúde (CNDSS), com composição heterogênea, possui
membros com visões diferenciadas sobre os DSS.
Os americanos entendem Promoção da Saúde de uma forma muito particular e estreita. Eles
misturam a Promoção da Saúde com Prevenção de Doenças (health promotion/ disease prevention). As
estruturas acadêmicas americanas trabalham com essas duas dimensões de uma forma muito próxima,
o que gera certa confusão.
Os determinantes sociais podem ter um efeito positivo na saúde quando fomentam, promovem
e colaboram com a qualidade de vida. Por outro lado, também podem ter efeitos negativos quando
favorecem o risco, o agravo e a doença. Recentemente, verifica-se a substituição da abordagem
comportamental por uma abordagem ampla dos problemas de saúde, considerando a ação sobre
determinantes, o caráter coletivo, as políticas públicas, a capacidade dos indivíduos e de comunidades.
Verifica-se também o uso de estratégias combinadas: individuais, ambientais e políticas.
Na leitura do documento da Política Nacional de Promoção da Saúde é possível identificar essa
combinação de abordagens, desde as individuais até as mais amplas, contemplando o ambiente, as
políticas públicas, etc.
A iniquidade faz mal à saúde de todos, inclusive de quem a produz. A violência é um exemplo de
uma epidemia que atinge os cidadãos em geral, ainda que mais a população pobre e excluída. Essas
iniquidades podem ser demonstradas através de algumas informações.
O Brasil se encontra entre os dez países com maiores desigualdades de renda do mundo. São eles:
Namíbia, Lesotho, Botswana, Serra Leoa, República Central Africana, Swaziland, Guatemala, Brasil,
África do Sul e Paraguai.
A taxa de mortalidade de menores de um ano de idade no Brasil é a terceira mais alta da América do
Sul. Em 2003, os dados eram os seguintes: Chile (8), Uruguai (12), Argentina (17), Venezuela (18),
Colômbia (18), Equador (24), Paraguai (25), Peru (26), Suriname (30), Brasil (33), Guiana (52) e
Bolívia (53).
Em nosso país, os 20% mais ricos têm mortalidade infantil cerca de duas vezes menor (15,8%) do
que os 20% mais pobres (34,9%). Essas desigualdades se expressam também em termos regionais:
a mortalidade neonatal do Nordeste (24,6%) é praticamente duas vezes maior do que a do Sudeste
(14,0%) e a do Sul (11,8%).
As iniquidades se expressam, ainda, em relação à cor e à raça. Os índios possuem mortalidade infantil
quase cinco vezes maior e os negros duas vezes maior do que os brancos. A taxa de mortalidade infantil
também está relacionada com a raça e a escolaridade da mãe.
Em relação à epidemia moderna representada pelas mortes violentas, observa-se que, entre os
adolescentes, as maiores vítimas da violência são os meninos negros. Essa iniquidade em relação à cor se
expressa também quanto ao percentual da população que não tem acesso a água potável.
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Mais de 60% das mulheres que possuem quinze ou mais anos de escolaridade realizaram mamografia
alguma vez na vida, porém somente 22% das mulheres com menos de um ano de escolaridade já fizeram
tal exame.
Um estudo realizado em Pelotas (RS), no período de 1982 a 2003, revela que o maior percentual de
mulheres que engravidaram na adolescência (cerca de 20%) é procedente de famílias com renda inferior
a um salário mínimo.
Ministério da Saúde

Pessoas com capital econômico e cultural baixo apresentam as maiores taxas de mortalidade por
homicídios por 100.000 habitantes, segundo estratos de condições de vida no município de Salvador
(1991-1994).
Quanto aos diferenciais intra-urbanos e às desigualdades sociais em saúde, os determinantes sociais
que explicam a estruturação do espaço urbano e as condições de reprodução da vida (biológica, ecológica,
econômica e cultural) definem, em última análise, o padrão e o perfil epidemiológico da população.
Assim, conforme as sociedades estruturam suas cidades e distribuem espacialmente as populações
e os recursos, como o acesso à terra, ocorrem e podem ser explicadas as diferenças na distribuição dos
eventos na saúde da população. As políticas públicas poderão reforçar esse componente de desigualdade
ou contribuir para superar esse perfil.

Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS)

A Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS) foi criada em março de 2006 e
representa a primeira iniciativa de um país no mundo em criar sua Comissão. Em 2005, a OMS criou uma
Comissão Mundial composta por destacados líderes mundiais da esfera política, de governos, da sociedade
civil e da academia. Nesse sentido, respondeu a uma proposta da Assembléia Mundial da Saúde de 2004.
A Comissão Mundial é composta por vinte membros: Michael Marmot (Chair UK), Frances Baum
(Austrália), Monique Bégin (Canadá), Giovanni Berlinguer (UE), Mirai Chatterjee (Índia), William
Foege (US), Yan Guo (China), Kivoshi Kurokawa ( Japão), Presidente Ricardo Lagos (Chile), Stephen
Lewis (UN, África), Alireza Marandi (Iran), Pascoal Mocumbi (Moçambique), Ndioro Ndiave (UM,
IOM), Charity Ngilu (Quênia), Hoda Rashad (Egito), Amartya Sem (US), David Satcher (US),
Anna Tibaijuka (HABITAT, UN), Denny Vagerö (Suécia) e Gail Wilensky (US). Esse grupo se reúne
sistematicamente a fim de discutir possibilidades para que os países do mundo criem suas Comissões e
realizem políticas públicas sob a perspectiva dos Determinantes Sociais de Saúde.
A CNDSS tem como referência a Constituição de 1988, que, inspirada no Relatório da VIII
Conferência Nacional de Saúde, reconhece que a “saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visam a redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL,
1988). O legislador foi sábio, pois, antes de mencionar um sistema de saúde, destacou que a saúde é
resultante das políticas econômicas e sociais. Nessa perspectiva, a Política Nacional de Promoção da
Saúde, atualmente em vigor, representa o reconhecimento do Estado desse componente presente em
nossa Constituição.
Essa Política já vem sendo defendida há muitos anos por muitos setores da academia, em artigos
na Revista Saúde em Debate, nos Cadernos de Saúde Pública e na Revista Ciência & Saúde Coletiva.
Além disso, em 2002, foi discutido, em São Paulo, o esboço de uma Política Nacional de Promoção da
34 Saúde na III Conferência Latino-americana. Hoje, portanto, temos um momento de comemoração,
pois finalmente o país dispõe de uma Política Nacional de Promoção da Saúde e, ao mesmo tempo,
o Presidente da República decidiu, através de um Decreto, em 13/03/2006, criar a CNDSS. A
constituição da CNDSS expressa o reconhecimento de que a saúde é um bem público a ser construído
com a participação solidária de todos os setores da sociedade brasileira.
Anais - I Seminário sobre a Política Nacional de Promoção da Saúde

Fazem parte da CNDSS dezessete especialistas e personalidades da vida social, econômica, cultural
e científica do país, nomeados pelo Ministro da Saúde: Paulo Buss (coordenador), Adib Jatene, Aloísio
Teixeira, Ana Lúcia Gazzola, César Victora, Dalmo Dallari, Eduardo E. Gouvêa Vieira, Elza Berquó,
Jaguar, Jairnilson Paim, Lucélia Santos, Moacyr Scliar, Roberto Smeraldi, Rubem C. Fernandes, Sandra
de Sá, Sônia Fleury e Zilda Arns. Fazem parte do Grupo Intersetorial da CNDSS: a Casa Civil; os
Ministérios da Fazenda, do Planejamento, da Saúde, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome,
da Educação, da Ciência e Tecnologia, da Cultura, do Esporte, das Cidades, do Meio Ambiente, do
Trabalho e Emprego, da Previdência Social e do Desenvolvimento Agrário; as Secretarias de Políticas
de Promoção da Igualdade Racial e de Políticas para as Mulheres; o Conass; o Conasems; o Conselho
Nacional de Saúde; a Opas/OMS.
Existe um longo caminho que precisa ser pavimentado para que a Política de Promoção da Saúde
consiga sair dos muros do Ministério da Saúde, transitar pelos vários espaços do governo e se capilarizar
pelo conjunto dos organismos que podem por ela se responsabilizar. O caminho está aberto, contudo
precisa ser pavimentado, circulando projetos, pessoas, idéias, etc.
São linhas de ação da CNDSS: a produção e disseminação de conhecimentos e informações;
a atuação em políticas e programas; a mobilização social; e a manutenção de uma página na WEB
(http://www.determinantes.fiocruz.br/).
A primeira linha, produção e disseminação de conhecimentos e informações, tem como objetivo a
produção de conhecimentos e informações sobre as relações entre os determinantes sociais e a situação
de saúde, particularmente as iniquidades de saúde, com vistas a fundamentar políticas e programas.
São objetivos da linha de atuação políticas e programas: promoção, apoio, elaboração, coordenação,
acompanhamento e avaliação de políticas, programas e intervenções governamentais e não
governamentais realizados em nível local, regional e nacional.
A terceira linha, mobilização da sociedade civil, visa desenvolver ações de promoção, junto a diversos
setores da sociedade civil, sobre a importância das relações entre saúde e condições de vida e sobre as
possibilidades de atuação para diminuição das iniquidades de saúde.
Por sua vez, a quarta linha, página na WEB, possui os seguintes objetivos: divulgar informações
sobre as atividades desenvolvidas pela CNDSS, incluindo publicação virtual de boletim de notícias;
coletar e registrar dados, informações e conhecimentos sobre DSS existentes nos sistemas de informação
em saúde e nas literaturas nacional e mundial; organizar redes de cooperação para estabelecimento
de grupos virtuais de investigação e discussão sobre temas de DSS; estabelecer espaços de interação
dedicados a grupos estratégicos, como tomadores de decisão (espaço do gestor), profissionais de
comunicação (espaço da mídia), etc.

Análise política e estratégias

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É preciso salientar o que pode ser chamado de “janela de oportunidades”, ou “condições favoráveis”,
para o trabalho da CNDSS: comunidade científica nacional com produção de alta qualidade; SUS
baseado nos princípios de equidade e gestão participativa, com estruturas descentralizadas, onde são
tomadas decisões sobre políticas e programas; disseminação das novas tecnologias de comunicação
e informação; legitimidade internacional, com apoio da OMS; e possibilidades de incorporação de
propostas políticas que tratem dos DSS nos novos projetos de governo.
Ministério da Saúde

As eleições representam, também, uma oportunidade de renovação, de estabelecimento de


compromissos e de apresentação de novos projetos de governo que trabalhem com a perspectiva supra-
setorial.
A Promoção da Saúde ilustra um outro patamar do Projeto da Reforma Sanitária Brasileira. Durante
muito tempo, houve confusão entre Reforma Sanitária e SUS. É preciso inserir a Promoção da Saúde
no setor para introduzir mudanças bem como agregar valores, mobilizando vontades e ações políticas
que permitam a redistribuição do poder na saúde e em outros setores dos governos para viabilizar as
mudanças necessárias no conjunto das políticas públicas econômicas e sociais (emprego, segurança,
educação, ambiente, seguridade social, etc.).
Algumas estratégias devem ser ressaltadas. A primeira é a criação de dispositivos institucionais que
facilitem o empowerment e certos deslocamentos de poder técnico, administrativo e político no sentido
de alterar os modos tecnológicos de intervenção sobre necessidades, projetos e ideais de saúde. Outra é a
construção de pontes de articulação e pactuação com outros setores e segmentos sociais para assegurar
políticas públicas saudáveis, voltadas para a qualidade de vida: Câmaras Técnicas, Comitê Intersetorial,
Conselhos, Comissões, Grupos de Trabalho, etc. Finalmente, é preciso ressaltar a convergência de
propósitos entre a CNDSS, a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS) e o Pacto pela Vida.
É preciso enfatizar o sinergismo entre a CNDSS e o Comitê Gestor da PNPS, com ampliação da
atuação, através do Grupo Intersetorial da CNDSS. Além disso, merece registro o fato de que vários
atores terão papel fundamental na implementação da PNPS, como: Conass, Consems, universidades,
centros de pesquisa, entre outros. Cumpre avançar no ciclo idéia-proposta-movimento-projeto-política-
prática, alcançando o último componente. É necessário ter capacidade de mobilizar grupos humanos
e forças políticas que, em última análise, possam incidir sobre uma determinada correlação de forças
e enfrentar a questão das desigualdades em saúde. Esse poder político a ser conquistado pelos sujeitos
sociais relevantes tem a possibilidade de construir novas acumulações e alterar uma dada distribuição
de poder, ou seja, uma política.
O compromisso dos trabalhadores de saúde em disponibilizar informações técnicas e científicas para os
sujeitos sociais, tornando-os parceiros de um projeto emancipatório, pode dar significado e sentido a este
fazer humano. Portanto, a grande questão posta para todos os presentes é colocar a PNPS em prática. A
Promoção da Saúde representa hoje, um dos grandes desafios da saúde coletiva do século XXl.
Finalizando, será realizada a leitura de uma mensagem do Paulo Buss, Presidente da Fiocruz e
Coordenador da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde, direcionada ao público
presente neste Seminário1:
Queridos amigos do Seminário sobre a Política Nacional de Promoção da Saúde:
Na qualidade de Coordenador da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde e antigo militante da área
da Promoção da Saúde no Brasil, tomo a liberdade de dirigir-me a vocês para justificar minha ausência involuntária
ao evento. Justo nesta semana em que se realiza este encontro histórico, o dever como representante do Brasil junto
à Organização Mundial da Saúde me obriga a estar em Genebra, onde se instala o Grupo Intergovernamental sobre
Saúde Pública, Inovação e Propriedade Intelectual, proposto por nós do Brasil e pelo Quênia, que busca garantir
36 um movimento mundial em prol da pesquisa e do acesso a medicamentos nas doenças negligenciadas, que afetam
desproporcionalmente os mais pobres do mundo.

1
Mensagem proferida no I Seminário sobre a Política Nacional de Promoção da Saúde - Brasília, 2006 (Informação verbal).
Anais - I Seminário sobre a Política Nacional de Promoção da Saúde

A única razão da minha mensagem é dizer-lhes que uma Promoção da Saúde ‘radical’ no Brasil será aquela, e só
aquela, que atuar sobre os Determinantes Sociais da Saúde, isto é, sobre a ‘causa das causas’.
Confio que o Seminário seja forte em reafirmar essa posição, o que muito contribuirá para as necessárias
mobilizações das forças políticas e sociais, bem como dos dirigentes e dos profissionais de saúde e dos outros
setores governamentais do país, para a missão histórica de juntos encontrarmos as melhores formas de agir
sobre a principal doença do Brasil, que são as iniquidades nas condições de vida e saúde, e de garantir o acesso
aos serviços sociais e de saúde para a nossa população.

Bom Seminário para todos!”

Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado


Federal, 1988.

CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 8., 1986, Brasília. Relatório final... Brasília, [1987].

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