Percurso 1

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CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS
HUMANOS

Sumário

1. Direitos Humanos: Definição e consolidação histórica


de suas gerações

2. Constitucionalismo Liberal, Social e os Direitos


Humanos

3. Teoria das Gerações dos Direitos Humanos

4. A Segunda Guerra Mundial, a Declaração Universal


de Direitos Humanos e sua Internacionalização

Sumário clicável
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Olá! Vamos dar início ao Percurso de Olá
Aprendizagem 1. Aqui, vamos aprender sobre
a Construção Histórica dos Direitos Humanos.
Nela, conheceremos as principais transformações
históricas de consolidação dos direitos humanos e
de sua proteção internacional, pela apresentação
e estudo dos documentos que lhes positivam, na
busca de uma sociedade global, orientada pelo
valor da pessoa humana.
Analisaremos, neste primeiro Percurso, a formação
dos direitos humanos como prerrogativas inerentes
à condição humana e sua consagração em direitos
de liberdade, de igualdade e de solidariedade, por
meio dos eventos que levaram à busca de sua
internacionalização.

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1.

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Direitos Humanos: Definição e consolidação histórica de
suas gerações

Iniciemos o nosso estudo com uma pergunta-chave: direitos humanos, o que são?
Direitos humanos são o conjunto de direitos que partem do reconhecimento da necessidade
de proteção da dignidade de todos os seres humanos. No mundo contemporâneo, os
direitos humanos norteiam o modo como os seres humanos devem viver em sociedade,
regem suas relações com o Estado e estabelecem as obrigações que o Estado tem em
relação a eles, sem distinção em razão de sexo, cor, raça, idade etc.
Mas o que é Estado?
A palavra Estado vem do latim status e significa “estar firme”, ou, ainda, pode ser traduzida
como “posição” e “ordem”. A partir do significado etimológico da palavra, busca-se a
compreensão do que seria Estado no sentido abordado no parágrafo anterior. Pode-se
afirmar que Estado, no sentido trabalhado neste estudo, é uma organização complexa da
sociedade, de caráter permanente, estático, firme, dotada de soberania, povo e território.

O termo Estado foi difundido a partir da obra “O Príncipe”, de Maquiavel (1513),


mas é certo que Estados já existiam muito antes de o autor passar a utilizar
esse termo. Nas civilizações antigas, como no Egito Antigo, na Grécia Antiga,
por exemplo, Estados já existiam, pois já existia essa organização complexa da
sociedade de caráter permanente, estático, firme, com soberania, povo e território,
mesmo sem serem denominados dessa forma.

Dalmo Dallari (2011, p. 104) define como a “ordem jurídica soberana que tem por fim o
bem comum de um povo situado em determinado território”.
Já os governos seriam a “organização específica de poder ao serviço do Estado, ou seja,
aqueles que gerenciam os negócios do Estado por um determinado período de tempo”
(Dias, 2011, p. 5). Ou seja, o Brasil é Estado desde que adquiriu a independência, em 1822,
o que se altera ao longo do tempo são os governos, que administrarão as instituições, os
órgãos e as demandas do Estado por um determinado período. Enquanto governos são
passageiros, o Estado é organização perene, permanente.
Bom! Passadas tais considerações iniciais, é importante abordar um outro conceito
imprescindível para o nosso estudo: a dignidade humana. Este é o elemento central para
o estudo dos direitos humanos, pois é a sua raiz. Todos os direitos humanos buscam, em
seu núcleo, a proteção da dignidade da pessoa humana.
A dignidade humana
De acordo com Ingo Sarlet (2011, p. 60), dignidade humana pode ser definida como:
[...] a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor
do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,
implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais

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que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante

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e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas
para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e
corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com
os demais seres humanos.

Desse modo, pesquisadores e estudiosos convergem no seguinte ponto: a dignidade da


pessoa humana é o eixo central de proteção de todos os direitos humanos. É, em outras
palavras, seu fundamento nuclear.
Contudo, é válido ressaltar que, ao longo do tempo, essa ideia de dignidade passou por
transformações consideráveis. Silvio Beltramelli Neto (2021) indica pelo menos quatro
fases em que se verificam diferentes visões sobre o fundamento da dignidade humana.
Vamos conhecer cada uma delas?
1ª fase: jusnaturalismo religioso
A ideia de dignidade alterou-se bastante da antiguidade aos dias atuais. Na antiguidade,
era tida como uma forma de discriminação entre os seres humanos dignos (aqueles
que possuíam riquezas, força política ou feitos militares) e aqueles que assim não eram
considerados (bárbaros, escravos, incapazes), alcançando até mesmo povos inteiros (por
exemplo, o povo hebreu, que era visto como o único digno de salvação). Com o advento
do cristianismo, temos uma significativa mudança, uma vez que todos os gentios passam
a ser vistos como igualmente passíveis de salvação.
O desenvolvimento dessa ideia se dá, de forma mais consistente, a partir do pensamento
cristão. Conforme ensina Silvio Beltramelli Neto (2021, p. 38),

“Santo Agostinho (354 a 430 d.C.) exaltara a racionalidade humana como atributo
distintivo concedido por obra divina, tendo, todavia, desenvolvido o conceito de
‘graça divina’ enquanto circunstância também oferecida por Deus ao ser humano”.

Mas, segundo Santo Agostinho, essa dádiva não é dada a todos, ou seja, somente a certos
eleitos, a quem será conferida a salvação. A antropologia filosófica girava, pois, em torno
da noção do pecado original, em uma ideia pessimista de mundo, no sentido de que a
conversão seria condição para a salvação.
Passados alguns séculos, São Tomás de Aquino (1225 a 1274) utilizou a expressão
“dignidade humana” como atributo divino que faz do ser humano titular de liberdade
natural, baseada em sua autodeterminação (“livre arbítrio”), independente do que está na
lei escrita, porém o autor admite a vigência de uma certa hierarquia entre seres humanos,
determinada por Deus.

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Figura 1 – A Idade Média e a posição do clero

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Fonte: Editora Cleofas adaptado por EAD Unifor (2024)

Segundo o jusnaturalismo religioso, a lei divina resguardaria direitos naturais


básicos, ligados à própria existência humana, que prevaleceriam sobre normas
previstas nas sociedades caso entrassem em conflito.

2ª fase: jusnaturalismo racional ou contratual


A antropologia filosófica muda nos últimos séculos da Idade Média (a partir do século
XII). Entre os séculos XII e XV, a Europa se transformou profundamente: criação de
universidades, desenvolvimento de produção intelectual dentro e fora da Igreja, êxodo
rural, descoberta de novas fontes e de novos textos do pensamento aristotélico, e tudo
isso contribuiu para uma mudança de paradigma na tentativa de compreender o homem
e suas ações.
O postulado da dignidade humana passa a assumir, na Idade Moderna (a partir do século
XV), uma posição natural (inicialmente vinculada ao cristianismo, na Idade Média, mas
depois se desprende), que séculos depois vai se manifestar em anseios por liberdade,
que culminaram nas chamadas Revoluções liberais (Revoluções Americana e Francesa,
por exemplo).
A modernidade rompe com uma visão unificada de mundo (Estado e Igreja como se
fossem uma coisa só). Se, na Idade Média, o centro do pensamento filosófico era Deus,
na Idade Moderna passa a ser o homem.
Esta ruptura implicou o fim de um paradigma e o nascimento de outro: da Idade Média
para a Idade Moderna. Não há um marco temporal específico para o início da Idade
Moderna, mas essa nova base de compreensão do mundo se desenvolve de forma mais
contundente a partir do século XV.

Na Idade Moderna, a antropologia filosófica sai de uma esfera de pessimismo


para uma ideia de otimismo a respeito da humanidade. Ao mesmo tempo, vai se
distanciando da base teológica, assumindo fundamentos que não precisam mais
se basear na vontade de Deus, mas passam a se fundamentar numa base racional
naturalista (essa é a nota característica da modernidade).

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A modernidade é uma era de descoberta e florescimento científico. O homem, no lugar

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de se assumir como um ser de penitência, típico da Idade Média, passa a se ver como um
ser de potência.

IMPORTANTE
Nesta segunda fase, a visão desenvolvida por Hugo Grotius e filósofos
iluministas e contratualistas, como Locke e Rousseau, apresenta uma
versão laica da dignidade humana, desatrelando-a das leis divinas e
vinculando-a à razão humana, elemento que distingue o homem dos
demais seres da natureza.

Esta razão é também pressuposto do Contrato Social (“pactuação coletiva que dá poderes
limitados de organização ao Estado, em nome do bem comum”) e dos direitos naturais,
que assim são denominados porque independem da positivação estatal (Beltramelli Neto,
2021, p. 35).
Nesse contexto, destaca-se a influência de Immanuel Kant (1724-1804), um dos grandes
filósofos da Era Moderna, cuja ideia de dignidade humana passa a se desprender
completamente do cristianismo e propõe-se universal. Esta universalidade se apoia em
dois elementos principais: a racionalidade, como fundamento da existência humana, e
os chamados “imperativos categóricos”, que seriam comportamentos universalmente
válidos e esperados de qualquer ser humano, em qualquer contexto ou lugar.
Figura 2 – Kant

Fonte: Wikipedia adaptado por EAD Unifor (2024)

Na obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” (1785), o autor defende a ideia


de que a dignidade encontra fundamento na racionalidade, que, por sua vez, é o que
distingue o ser humano dos demais seres vivos, uma vez que o habilita a fazer escolhas
livres sobre seu caminho a partir de suas preferências, ou seja, de acordo com sua própria
moralidade. É o que o autor chama de autodeterminação do indivíduo.
Consolida-se, assim, a proibição da objetificação ou precificação de qualquer pessoa,
algo que era bastante comum e plenamente aceito pela sociedade até então, diante dos
regimes escravocratas vigentes. Esta proibição, de pretensão universal, parte de uma
perspectiva igualitária da dignidade humana (algo que não se encontrava na noção

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de dignidade da Idade Média), no sentido de que a todas as pessoas é atribuída igual

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dignidade, independentemente de sua classe social ou religião.
3ª fase: juspositivismo ou normativismo
A efervescência do iluminismo e da ideia da existência de direitos naturais calcados
na razão humana e na autodeterminação do indivíduo – e não mais em leis divinas –
foi combustível para os movimentos sociais que culminaram nas revoluções liberais do
século XVIII, como a Independência dos EUA e a Revolução Francesa.
Os direitos naturais triunfaram com as revoluções e, a partir daí, passou-se a dar enfoque
à positivação dos direitos (racionalização do Direito), para justamente garantir esse
espaço de autonomia individual.
Posto isso, as leis civis serviriam para estruturar juridicamente as liberdades individuais.
Formou-se, assim, um ideal positivista do progresso. Este racionalismo de fundo
positivista passa a se manifestar em vários campos da ciência, mas sobretudo no Direito,
a partir do século XIX.

ATENÇÃO
Com o positivismo jurídico e a ideia de progresso, abandonou-se a
concepção jusnaturalista de direitos naturais, estes considerados
ultrapassados porque não se faziam uniformes nos diferentes lugares
e épocas, como seria de se esperar de algo eterno, invariável e imutável.
Passa-se à compreensão de que os direitos humanos encontram seu
fundamento no direito positivado, posto pelo Estado. A validade dos
direitos humanos passa a depender do que é decidido politicamente e
do que está positivado no ordenamento jurídico pátrio.

Figura 3– Hans Kelsen

Fonte: Conjur adaptado por EAD Unifor (2024)

4ª fase: ética coletiva ou historicidade

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Figura 4 – O apoio popular no início do regime nazista

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Fonte: Abril – Super Interessante adaptado por EAD Unifor (2024)

Figura 5 – Holocausto: É um exemplo de violação dos Direitos Humanos

Fonte: Notícias ao Minuto adaptado por EAD Unifor (2024)

Além do retorno a esta noção, impõe-se a necessidade do reconhecimento desses direitos


pelo direito positivo, mediante tratados internacionais e também pelas constituições e
demais legislações internas.
A quarta fase contempla a ideia de positivação de direitos humanos como fruto dos
movimentos sociais e lutas ocorridas durante o desenvolvimento da história.
Partindo do que se aponta como uma “consciência ética coletiva”, construída ao longo
do tempo, de que “a dignidade da condição humana exige o respeito a certos bens ou
valores em qualquer circunstância” (Comparato, 2019, p. 72), busca-se o consenso sobre
um núcleo de direitos a serem assimilados pelas ordens jurídicas nacionais.
Dada a característica de sua historicidade, tem-se que os direitos humanos não
apresentam um rol fechado e acabado: há sempre a possibilidade de expansão e
reconhecimento de novos direitos. Trata-se da firmeza dos direitos humanos (Piovesan,
2013). Assim, assegurar o rol de direitos humanos é tarefa capitaneada pela humanidade,
como construção conjunta e autorizada. Há a necessidade de compreensão de uma ética
coletiva e universal, para que não sejam utilizados subterfúgios ao reconhecimento de
direitos básicos de que dispõem todos os seres humanos, onde quer que estejam.
De acordo com Flávia Piovesan (2013) e Valério Mazzuoli (2021), conclui-se, assim, pelas
seguintes características dos direitos humanos na contemporaneidade.

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Para garantia da possibilidade expansiva do rol, reconhece-se a sua historicidade e sua

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rigidez:

IMPORTANTE
“os direitos humanos não são um dado, mas um construído” (ao longo
da história, novos direitos podem ser incorporados ao rol).

A universalidade confere o alcance da proteção conferida a todo e qualquer ser humano,


sem distinção. Toda e qualquer pessoa é titular de direitos humanos.
A irrenunciabilidade, a indisponibilidade ou a inalienabilidade impede um sujeito de
renunciar a um direito humano. A ideia é de que não é possível que um indivíduo possa
se despir de sua dignidade. Não pode, por exemplo, alguém aceitar ser escravizado sob
o manto da autonomia individual. O Estado deve intervir e impedir que essas situações
existam ou se perpetuem.
Em conclusão, tem-se a relatividade dos direitos humanos, no sentido de que nenhum
direito humano é absoluto. Não é possível fazer uso de um direito humano para vilipendiar
direito alheio, violar a dignidade alheia. A liberdade, por exemplo, não pode ser utilizada
para ferir os direitos humanos de outras pessoas.

O Estado pode fazer certas limitações aos direitos humanos, em sua legislação
interna ou a partir da atuação dos juízes, para salvaguardar outros direitos
humanos.

Essas características mostram-se presentes em todos os direitos humanos, sejam eles


de 1ª geração (direitos de liberdade), de 2ª geração (direitos de igualdade material) ou de
3ª geração (direitos de solidariedade). A construção da teoria das gerações dos direitos
humanos será apresentada e analisada mais à frente, mas, para tanto, é necessário
compreendermos a contribuição dos constitucionalismos liberal e social para a formação
dos direitos humanos. Leitura contagiante não é mesmo? Vamos lá! Partiremos para o
próximo Circuito de Aprendizagem.

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2.

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Constitucionalismo Liberal, Social e os Direitos
Humanos

Olá! Vamos iniciar um novo Circuito, no qual falaremos sobre constitucionalismos


e os direitos humanos. Será feito o estudo sobre os constitucionalismos e os direitos
humanos a partir de sua construção histórica. Assim, antes de começar a abordar as
características da primeira fase, denominada constitucionalismo liberal, importa traçar
uma breve contextualização sobre o momento histórico anterior: a vigência dos regimes
absolutistas. Vamos começar?
Os Estados Absolutistas
A era dos Estados Absolutistas iniciou-se na segunda metade do século XV, mediante a
derrocada do feudalismo e a unificação dos Estados. Neste período, já não havia mais
necessidade de manutenção dos feudos, pois já não existiam mais ameaças de invasões
dos povos bárbaros, e vigorava a necessidade de reabrir as cidades para o comércio.
Nesse contexto de reabertura e reintegração entre as cidades, que durante muito tempo
estiveram isoladas em razão do sistema feudal, tornou-se importante unificar a moeda, o
exército, o ordenamento jurídico e a tributação para garantir o melhor funcionamento da
vida em sociedade. A unificação do Estado fora, então, papel dos monarcas, que passaram
a ganhar destaque e poder no contexto político e social e, sem a existência de qualquer
elemento limitador de suas atribuições (afinal, ainda não existiam as constituições
escritas), passaram a se constituir em monarquias absolutistas.

O absolutismo teve como principal teórico Maquiavel, que escreveu a obra “O


Príncipe”, em 1531 (mas não se deve esquecer a importância de outros expoentes,
como Jean Bodin e Botero).
A partir desses filósofos, lançaram-se as bases teóricas do absolutismo: ao príncipe
tudo era permitido, a crueldade, a mentira, contanto que atingisse o seu escopo
de manter o Estado firme. É característica marcante desta fase: o fortalecimento
do poder central nas mãos dos monarcas, que se asseguravam no fundamento
teórico do direito divino.

A partir do século XVII, consolida-se uma contradição a esse sistema: em razão do


jusnaturalismo contratualista, ou seja, pela difusão e defesa da existência de direitos
naturais de liberdade, sustentado na razão, não mais se buscava a compreensão deste
mundo a partir de leis divinas. Com a modernidade, floresceram o conhecimento científico
e o iluminismo. Justificações divinas da ordem social, portanto, perderam o espaço nas
pautas políticas.
Como, então, justificar a manutenção de um sistema de privação de liberdades, em que o
rei e a nobreza mantinham todos os privilégios em detrimento das classes trabalhadora
e burguesa, que nada podiam decidir a respeito da gestão do Estado?
Daí o crescimento de movimentos que passaram a questionar o absolutismo vigente. O
iluminismo, o contratualismo e o liberalismo econômico e político passaram a ganhar os

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espaços públicos a partir do século XVII, culminando nas Revoluções Liberais do final do

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século XVIII.
Alguns documentos históricos validaram esta transição da Era Medieval para a Era
Moderna e a construção histórica dos direitos humanos, como indica Beltramelli Neto
(2021), e um deles é a Magna Carta de 1215, assinada pelo Rei João Sem Terra, na
Inglaterra. Tal norma trouxe, pela primeira vez que se tem notícia na história ocidental,
a necessidade de o monarca estar vinculado às leis. Buscou, portanto, a limitação dos
poderes do rei, de modo a evitar o despotismo monárquico, ainda que estabelecesse
direitos apenas para o clero e para a nobreza.
Os documentos que se seguiram à Carta Magna contribuíram ainda mais para essa
evolução: cita-se a Petition of Rights, de 1628, a qual buscou reafirmar o compromisso
do monarca com os direitos estabelecidos na Magna Carta; o Habeas Corpus Act, de
1679, o qual passou a ter um rito uniforme em toda a Inglaterra, não mais dependendo do
costume, para a tutela da liberdade; e a Bill of Rights, de 1689, a qual pôs fim à monarquia
absolutista na Inglaterra, estendendo os direitos da Magna Carta a todos os súditos,
tornando-os cidadãos, dando início à era das monarquias parlamentares, limitadas, a
partir da noção da separação de poderes de Montesquieu (século XVIII).
O constitucionalismo liberal
Na modernidade, sobretudo a partir do século XVII, desenvolveram-se os liberalismos
econômico e político (Bonavides, 2001).
O primeiro foi liderado pela burguesia insatisfeita com os desmandos dos monarcas
absolutistas, que realizavam intervenções na economia prejudiciais ao desenvolvimento
do comércio, e, portanto, buscava a garantia da liberdade econômica.
O liberalismo político, no que lhe toca, traduz-se em movimento intelectual que possui
como grandes expoentes Locke, Montesquieu e Kant, e desenvolveu a noção de
autodeterminação, sendo a grande tarefa do ser humano exercer poder sobre sua própria
vida.
De outro lado, o constitucionalismo pode ser definido como a técnica jurídica de tutela
das liberdades, que possibilita o exercício, pelos cidadãos, de seus direitos e garantias
fundamentais a partir da observância do conteúdo de suas constituições escritas, sem
espaço para arbitrariedades dos governantes, uma vez que o poder passa a ser limitado.
Locke era um autor adepto ao contratualismo, que tem as seguintes bases:
a) Ideia de artificialidade do Estado (este é criação da vontade, uma criação artificial,
produto da razão, então o homem tem controle sobre ele);
b) O Estado existe para cumprir uma finalidade principal, qual seja, proteger e realizar os
direitos naturais, sobretudo a liberdade;
c) Necessidade de estabelecimento de limites às autoridades políticas.
De acordo com o liberalismo, o ser humano é um ser essencialmente livre. Não há como
renunciar à liberdade, ou ele estaria negando a si. A liberdade é natural, constitutiva do ser
humano e precederia à vida em sociedade (precederia ao direito posto, portanto).
É possível afirmar que o constitucionalismo é uma das origens mais embrionárias da
ideia de positivação dos direitos humanos (uma vez que reconhece um rol de direitos

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fundamentais e inaugura o Estado de Direito, ou seja, o Estado limitado pelo Direito e não

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mais sujeito ao arbítrio do monarca) e é um produto da filosofia contratualista e liberal
dos séculos XVII e XVIII.
Deste modo, diante da necessidade de contenção dos poderes dos monarcas e da proteção
das liberdades individuais, ideias como a de um Estado submetido ao Direito (Locke, “Dois
Tratados sobre o Governo Civil”, de 1690), de separação de poderes (Montesquieu, “O
Espírito das Leis”, de 1748) e de um documento escrito, hierarquicamente superior às
demais normas do ordenamento jurídico (a Constituição), que registrasse as regras de
organização do Estado, limitando a atuação dos governantes e consagrando o rol de
direitos e garantias individuais, passaram a ser pautas das revoluções liberais de fins do
século XVIII.
Dentre as Declarações que buscaram iniciar esse processo, destacam-se duas: a
Declaração de Independência dos Estados Unidos, de 1776, e a Declaração Universal
dos Direitos do Homem e do Cidadão, oriunda da Revolução Francesa, de 1789.
Figura 1 - Independência dos EUA

Fonte: Wikipedia adaptado por EAD Unifor (2024)

De acordo com o primeiro artigo desta Declaração:


[...] todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes, e têm
certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não
podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo
da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de
buscar e obter felicidade e segurança. (DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO BOM
POVO DA VIRGÍNIA, 1776)

A escravatura, contudo, ainda seguiria sendo uma chaga na sociedade americana, uma
vez que leitura corrente das declarações se limitava a reconhecer homens brancos e
anglófonos como titulares desses direitos.
b) A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789
Considerada a mais radical das revoluções liberais, a Revolução Francesa, liderada pela
burguesia, tinha a finalidade principal de derrubar o absolutismo monárquico e garantir os
ideais do liberalismo econômico e político.

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Figura 2 - Revolução Francesa

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Fonte: Politize adaptado por EAD Unifor(2024).

Beltramelli Neto (2021) elenca os principais direitos previstos na referida Declaração.


Quadro 1 - Direitos proclamados pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão

Fonte: Beltramelli Neto, 2021.

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Após as referidas Declarações, surgiram duas constituições: a dos EUA, de 1787,

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considerada a primeira Constituição escrita enquanto documento único com hierarquia
superior às demais normas do ordenamento jurídico, e a da França, de 1791.
Aqui, cabe o questionamento: qual a diferença entre as Declarações de Direitos e as
Constituições? E por que as constituições surgem após as Declarações?
A diferença entre Constituição e Declaração
Uma Constituição já é direito positivo. Uma Declaração, por sua vez, pretende ser a
afirmação de direitos naturais, que são prepositivos.
Os direitos naturais, que existem antes de o novo modelo de Estado existir, são
“declarados” nas Declarações, para depois positivá-los e, a partir daí, serem imbuídos de
força normativa. Os direitos naturais triunfaram com as revoluções e, a partir daí, passou-
se a dar enfoque à positivação dos direitos (racionalização do Direito), para justamente
garantir o espaço da autonomia individual.
Enfim, o liberalismo proclamado nas declarações e posteriormente positivado nas
constituições foi responsável por um cenário de muita riqueza, vivenciado pela elite
burguesa, e de muita pobreza, vivenciado pela maioria do povo.

Para refletir
Apesar de um discurso de universalidade na Revolução Francesa, o grupo social
que comandava essas revoluções era essencialmente homogêneo (homens
brancos e burgueses). Não se tratava de um movimento tão plural quanto o seu
discurso. Tanto que, nesse contexto de luta por direitos e rupturas, Olympe de
Gouges (1748-1793), francesa, escritora e participante da Revolução, publicou a
Declaração dos direitos da mulher e da cidadã (1791), um manifesto em resposta
à Declaração do Homem, que conclamava a participação feminina nos espaços
públicos de poder. O resultado: seu pioneirismo e sua ousadia não agradaram
os líderes da Revolução, o que culminou em sua morte mediante guilhotina dois
anos mais tarde. Tal fato demonstra que a igualdade não era tão universal quanto
se proclamava.

Tornou-se clara a promessa utópica do liberalismo: o grande ideal de progresso e


a narrativa da busca pela igualdade, liberdade e fraternidade guardam, em si, muitas
contradições, a começar pela exclusão de grupos, como mulheres, negros e pobres.
Essa ideologia do liberalismo vai encontrar crítica entre os progressistas que não estavam
incluídos na prática desse ideal, o que culminou, no século XIX, nos movimentos sociais
que deram origem à segunda fase do constitucionalismo.

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O constitucionalismo social

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Figura 3 - O Trabalho infantil na Revolução Industrial

Fonte: Ehow adaptado por EAD Unifor (2024)

No século XVIII, diante das condições de miserabilidade que marcaram a maioria dos
povos da Europa durante a Revolução Industrial, começou-se a questionar: afinal, quem
são “todos” os homens aos quais as declarações liberais faziam menção?
Conforme ensina Paulo Bonavides (2001), o cenário da precariedade dos ambientes de
trabalho nas fábricas, durante a Revolução Industrial, despertou a consciência da classe
trabalhadora, que passou a reivindicar melhores condições de emprego e de vida. O
resultado foi a conquista de novos direitos, os chamados direitos sociais, como direitos
trabalhistas, direito à educação, à saúde e à seguridade social. Até então, tais direitos não
estavam positivados nas constituições. Se a liberdade fora a palavra de ordem durante o
Estado Liberal, passa-se a buscar a igualdade material neste contexto da segunda metade
do século XIX.
Contribuíram para a mudança de paradigma (do Estado Liberal ao Estado Social),
entre outros: a publicação do Manifesto Comunista, de Karl Marx (1848), o Movimento
Sufragista (conhecido como a primeira onda feminista, em que as manifestantes lutaram,
a partir da segunda metade do século XIX, pelo reconhecimento de direitos políticos,
principalmente), a Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII. em 1891 (que defendia
uma doutrina social para a igreja e refutava o individualismo e o materialismo do Estado
Liberal), a Revolução Russa, de 1917, e a Grande Crise Econômica de 1929 (Piovesan,
2013).
A realidade demonstrou uma desigualdade que não estava no texto. Movimentos de
contestação e resistência surgiram, pois a narrativa liberal da universalidade e da
igualdade passa a inaugurar uma reflexão sobre a injustiça da realidade e a formação
de uma consciência crítica. As pessoas saíram de um cenário de conformação com sua
realidade (comuns na Era Medieval e no Estado Absolutista) para um cenário de luta e
reivindicação.
Tais movimentos influenciaram a promulgação da Constituição Mexicana de 1917 e
a Constituição Alemã de 1919, chamada Constituição de Weimar, iniciando o que se
nomeia constitucionalismo social, por enfatizar o reconhecimento de um rol de direitos
sociais que antes não estavam positivados, inaugurando um período de intervenção
estatal na economia para a garantia do bem-estar social.

17
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Destaca-se que os direitos conquistados e positivados a partir das constituições
mexicana e de Weimar, que, por sua vez, influenciaram constituições posteriormente
criadas em diversos países do ocidente, não excluíram as heranças advindas do
constitucionalismo liberal: ou seja, novos direitos (os chamados sociais) somaram-
se aos direitos civis (os chamados liberais) já garantidos anteriormente. Assim,
continuou-se com as ideias de separação de poderes, limitação do Estado, garantia
das liberdades (características do constitucionalismo liberal), mas, a partir do
início do século XX, a elas foi somado um novo rol de direitos que demandava ação
positiva do Estado no sentido de implementá-los.

A segunda fase do constitucionalismo retirou a inércia do Estado mínimo liberal e trouxe


consigo a ideia de programas de governo, metas, objetivos a serem administrados
pelos gestores públicos com o objetivo de efetivar o bem-estar social. O Estado não
deveria apenas figurar de forma abstencionista e deixar os indivíduos gozarem suas
liberdades: agora passa a ser também dever do Estado a adoção de medidas efetivas
para implementação de direitos sociais, como a saúde pública, a educação, a seguridade
social, entre outros.
Entretanto, não obstante os avanços jurídicos do constitucionalismo liberal e social,
também cresceu a adesão a um positivismo nacionalista no início do século XX, como
forma de tentar conter as reivindicações do povo pelo reconhecimento de novos direitos.
Ademais, a configuração econômica de crise internacional, agravada após a Primeira
Guerra Mundial, também favoreceu o crescimento de ideologias totalitárias, como os
regimes fascistas na Europa. Estas ganharam espaço sob a justificativa de que seriam
necessárias para a manutenção da estabilidade da sociedade e foram responsáveis
pelas maiores atrocidades cometidas por seres humanos contra outros seres humanos
em toda a história.
Veja como aprendemos muito sobre esse assunto, os constitucionalismos e os direitos
humanos. Então, para reforçar nosso aprendizado, vamos continuar com o material de
estudo e seguir com o conteúdo.

18
3.

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Teoria das Gerações dos Direitos Humanos

Olá! Agora vamos aprofundar nosso aprendizado sobre Teoria das Gerações dos Direitos
Humanos. Uma vez observada a delimitação inicial do que vem a ser e qual a importância
dos direitos humanos e de seu processo histórico de afirmação, pudemos perceber as
contribuições de momentos históricos distintos, mas orientados por uma mesma baliza:
a busca da concretização da dignidade do ser humano.
A pretensão do constitucionalismo liberal de limitar a atuação estatal veio pôr fim aos
regimes absolutistas, consagrando um espaço de liberdades individuais, as “liberdades
negativas”, a partir de direitos de defesa, apresentados em declarações de direitos
fortemente influenciadas pelo iluminismo. No entanto, a liberdade pura e simples, se
atendia aos anseios de uma burguesia que se havia tornado economicamente poderosa,
estava amparada por uma igualdade meramente formal (todos são iguais perante a lei), a
perpetuar pobreza e miséria.
A necessidade de mudanças foi logo percebida, levando a que movimentos sociais
ganhassem força, na busca de uma igualdade material focada na isonomia (“tratar
igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida das suas desigualdades”).
Surgiam as demandas pelos direitos sociais, as “liberdades positivas”, a partir de direitos
de prestação estatal e social, tais como direito ao salário, ao trabalho, à educação, à
saúde, à moradia, dentre outros.
O constitucionalismo social, com a Revolução Russa de 1917 e com o advento das
Constituições mexicana, de 1917, e da Alemanha, de 1919, encontrou um impulso
especialmente significativo com o primeiro pós guerra e, logo após, com a crise da
bolsa de Nova Iorque (1929), a levar a adoção de políticas de intervenção do Estado na
economia (New Deal).
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a descoberta das barbáries cometidas contra
seres humanos levou à necessidade de uma reordenação na relação entre os países
na esfera internacional, com a formação de uma pauta de valores mínimos a serem
respeitados incondicionalmente. Surgiam a Organização das Nações Unidas (1945) e a
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), como veremos mais adiante.

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Figura 1 – O Teste Trinity, em Los Alamos, Novo México, EUA, em 16/07/1945

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Fonte: Atomic Heritage Foudation adaptado por EAD Unifor (2024)

É nesse cenário que, no ano de 1979, em conferência ministrada no Instituto Internacional


de Direitos Humanos, em Estrasburgo, o jurista tcheco-francês, Karel Vasak, inspirando-
se no lema da Revolução Francesa (Liberdade, Igualdade e Fraternidade), apresentou
uma distribuição dos direitos humanos em três gerações, sem que isso representasse
uma substituição de uma pela outra, mas como parte de um processo cumulativo, em
constante construção.
Nesse sentido, a 1ª Geração de Direitos Humanos, focada nos direitos de liberdade
(“liberdades negativas”), conquistados com as revoluções liberais burguesas, que,
limitando o campo de atuação do Estado, estabeleceram uma esfera de liberdade para
os indivíduos, por meio do estabelecimento dos direitos civis e políticos, tais como o
direito à vida, à liberdade de locomoção, de pensamento, de expressão e de reunião, ao
devido processo legal, dentre outras, pelo que são também conhecidos como “direitos
de defesa”. Tais direitos trazem os deveres de abstenção em violar os direitos humanos
(prestações negativas), bem como o de garantia desses direitos por parte do Estado
(Ramos, 2023).
Por sua vez, a 2ª Geração de Direitos Humanos, como fruto do constitucionalismo
social, foi identificada com o advento dos direitos de igualdade material, atendendo ao
pressuposto da isonomia (“tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais,
na medida das suas desigualdades”), pois somente com essa se poderia alcançar
a verdadeira liberdade, daí porque vem a ser chamados de direitos de “liberdades
positivas”, com o estabelecimento de obrigações, metas, tarefas para a atuação estatal,
no sentido de estabelecer uma rede de amparo social, como forma de proteção à pessoa
vulnerável. Assim, nesta, encontram-se os direitos à educação, à saúde, à moradia, os
direitos trabalhistas e demais direitos sociais, econômicos e culturais. Tais direitos, da
mesma forma que os anteriores, são de titularidade individual e oponíveis ao Estado.
A 3ª Geração de Direitos Humanos recebeu destaque de Vasak, por advir da busca pela

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fraternidade, na forma de direitos de solidariedade, que não se esgotam na titularização

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puramente individual e somente se mostram passíveis de tutela efetiva como bens
coletivos, uma vez que a todos dizem respeito, repercutindo transindividualmente sobre
todos os seres humanos e nações. São direitos ao meio ambiente, ao desenvolvimento, à
autodeterminação dos povos, à comunicação (meio), ao desenvolvimento e à paz.
Registremos, contudo, que autores posteriores a Vasak procuraram desenvolver
outras gerações, como Paulo Bonavides (2017), o qual apresentou, de forma seminal,
uma 4ª Geração (direitos decorrentes da globalização política, como etapa final da
institucionalização do Estado Social), consubstanciando os direitos à informação
(conteúdo), ao pluralismo e à democracia; e, posteriormente, uma 5ª Geração, centrada
na análise do direito à paz, o qual, como imanente à vida plena, se faz condição
indispensável ao progresso das nações. Para que este direito seja percebido como
passível de concretização, segundo o autor, devemos inseri-lo no contexto da busca de
uma era de legitimidade e de ética, a qual encontra seu lugar a partir da já apresentada
consciência ética coletiva sobre os direitos humanos.
A doutrina não deixa de registrar críticas à teoria das gerações dos direitos humanos.
Ramos (2023) apresenta as 4 críticas mais recorrentes, afirmando-se contra ela que:
Figura 02: críticas à teoria das gerações dos direitos humanos

Fonte: EAD Unifor 2024

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Apesar das críticas à teoria das gerações, devemos perceber sua utilidade didática para

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a compreensão do fenômeno da produção de novos direitos, os quais venham a atender
às mais recentes demandas sociais da atualidade, reafirmando a inexauribilidade dos
direitos humanos (Ramos, 2023).
Da mesma forma, ela nos permite destacar que a consolidação dos direitos humanos como
um processo de construção histórica – daí sua historicidade, a permitir o reconhecimento
de novos direitos (e, também, a alteração ou extinção de alguns que se verifiquem como
anacrônicos) a partir das mudanças estruturais das relações sociais e jurídicas, entre
as pessoas e, mesmo, com as instituições – bem como enfatizar o aspecto cumulativo
de sua afirmação, o que vemos a partir das características da Interdependência (com a
formação de “pontes” para sua efetivação e aprofundamento), da Complementaridade (a
demandar uma interpretação conjunta destes direitos, sem que um exclua por completo
o outro) e da Indivisibilidade de sua fruição. Como aponta Piovesan (2013, p. 201):
[...] sem a efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos
civis e políticos se reduzem a meras categorias formais, enquanto que, sem a
realização dos direitos civis e políticos, ou seja, sem a efetividade da liberdade
entendida em seu mais amplo sentido, os direitos econômicos, sociais e culturais
carecem de verdadeira significação.

Concluímos que, por constituírem um conjunto uno, integral e indivisível, por suas
características próprias, não seria possível separar sua fruição, admitindo-se a violação
de alguns como “tolerável” em face da fruição de outros, não importando o seu
reconhecimento anterior ou posterior, mas, sim, sua conexão direta com a dignidade da
condição humana, que orienta a ética coletiva dos direitos humanos, pois, por exemplo:

a liberdade mais plena possível somente seria alcançada se a pessoa que a


buscasse houvesse superado as necessidades imediatas de sobrevivência, uma
vez que ninguém é verdadeiramente livre padecendo de fome, doenças e privações;
nessa mesma linha, perceba-se a conexão entre a liberdade, a igualdade e os
direitos de solidariedade ao meio ambiente e ao desenvolvimento: como suprir
as necessidades básicas de um povo inteiro sem desenvolvimento? E como
desenvolver um país, de forma sustentável, respeitando o equilíbrio ambiental?

A consolidação dos direitos humanos, em todas as suas gerações, não seria possível se
não houvesse a criação de um marco para tanto. Qual seria ele e como se estabeleceu?
É o que veremos em seguida!

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4.

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A Segunda Guerra Mundial, a Declaração Universal de
Direitos Humanos e sua Internacionalização

Olá! Agora partiremos para o nosso ultimo Circuito de Aprendizagem, e vamos entender
sobre a Segunda Guerra Mundial, a Declaração Universal de Direitos Humanos e sua
Internacionalização.
As noções fascistas de higiene social e espaço vital ganharam espaço a partir da ideia
de que isso era necessário para a manutenção da estabilidade da sociedade, diante das
crises econômicas que se apresentavam no início do século XX. Um aparato repressivo
extremamente sofisticado suspendeu os ditames do liberalismo nesse período, sobretudo
diante da experiência nazista. No totalitarismo, aniquilam-se o espaço de autonomia
individual conquistado desde o liberalismo, bem como as noções de igualdade buscadas
pelos movimentos sociais do século XIX.

IMPORTANTE
Diante de tantos retrocessos vivenciados, com o fim da Segunda
Guerra, tornou-se necessário um acordo mundial em busca da paz e do
reconhecimento universal dos direitos inerentes à condição humana
conquistados ao longo da história, mas duramente vilipendiados
pelos regimes totalitários: surge, enfim, a preocupação internacional
com os direitos humanos a partir da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, em 1948.

Figura 01 – Eleanor Roosevelt com a versão inglesa da DUDH

Fonte: Wikipedia adaptado por EAD Unifor(2024)

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É possível afirmar que os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos

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surgiram após a Segunda Guerra Mundial, sendo a internacionalização dos direitos
humanos uma de suas consequências mais diretas. Iniciou-se um processo de criação
de compromissos multilaterais quanto à proteção dos direitos humanos e de submissão
dos Estados signatários dos respectivos tratados internacionais à sua efetivação.
Inspirada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), da França, mas
sem a ela se reduzir e buscando abrir espaços para ir além, a DUDH se pretende universal,
como o próprio nome já sugere, procurando estabelecer um padrão mínimo de proteção
dos direitos humanos em âmbito global, servindo como parâmetro ético e axiológico
desses mesmos direitos. Fundamentada na dignidade da pessoa humana, ela surge como
um “código de conduta mundial para dizer a todo o planeta que os direitos humanos são
universais, bastando a condição de ser pessoa” para que se tenha acesso à proteção
desses direitos “em qualquer ocasião e em qualquer circunstância”. Por isso mesmo, diz-
se que ela inaugura uma nova concepção de vida e relações internacionais, sem que seja
seu ponto de chegada (Mazzuoli, 2021, p. 73).
A DUDH possui 30 artigos, todos eles com o propósito de garantir o respeito e a proteção
da dignidade da pessoa humana. Esta, como visto, é o fundamento e o núcleo de todos os
direitos humanos. Vamos, então, conhecer os 30 direitos humanos previstos na DUDH?
São os seguintes:
Artigo 1 – Dignidade humana, liberdade e igualdade;
Artigo 2 – Direito à não discriminação;
Artigo 3 – Direito à vida, à liberdade e à segurança;
Artigo 4 – Direito de não ser submetido à escravidão;
Artigo 5 – Direito de não ser submetido à tortura;
Artigo 6 – Direito ao reconhecimento como pessoa humana perante a lei;
Artigo 7 – Direito à igualdade perante a lei;
Artigo 8 – Direito de acesso à justiça para violações de direitos fundamentais;
Artigo 9 – Ninguém deve sofrer detenção, prisão ou exílio por motivações tirânicas;
Artigo 10 – Direito ao devido processo legal e a um julgamento justo;
Artigo 11 – Presunção de inocência até prova de culpa;
Artigo 12 – Direito à intimidade e à privacidade;
Artigo 13 – Direito de ir e vir dentro das fronteiras, bem como a deixar um país e retornar;
Artigo 14 – Direito de pedir proteção, como solicitar asilo em outro país;
Artigo 15 – Direito à nacionalidade;
Artigo 16 – Direito de constituir família, sem restrição de raça, nacionalidade ou religião;
Artigo 17 – Direito à propriedade;
Artigo 18 – Direito de liberdade de pensamento, consciência e religião;

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Artigo 19 – Direito à liberdade de opinião e expressão;

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Artigo 20 – Direito à associação e reunião pacífica;
Artigo 21 – Direito a participar do governo do seu país;
Artigo 22 – Direito à seguridade social;
Artigo 23 – Direito a condições justas de trabalho e à sindicalização;
Artigo 24 – Direito ao repouso e ao lazer;
Artigo 25 – Direito a um padrão de vida adequado à saúde e bem-estar seu e de sua
família;
Artigo 26 – Direito à educação;
Artigo 27 – Direito a participar da vida cultural da comunidade;
Artigo 28 – Direito a uma ordem social e internacional em que seus direitos sejam
cumpridos;
Artigo 29 – Deveres sociais em relação aos direitos e liberdades de outros; e
Artigo 30 – Proibição de práticas contra esses direitos e liberdades.
Como se pode perceber, a DUDH tem uma “estrutura bipartite”, pois reúne num único
texto tanto “os direitos civis e políticos, tradicionalmente chamados de direitos e garantias
individuais (arts. 3º ao 21), quanto os direitos sociais, econômicos e culturais (arts. 22 ao
28)” (Mazzuoli, 2021, p. 75). Devemos observar que o art. 29, ao estabelecer os “Deveres
sociais em relação aos direitos e liberdades dos outros”, e o art. 30, ao dispor sobre
a “Proibição de práticas contra esses direitos e liberdades”, consagrando o princípio
interpretativo da máxima efetividade das disposições constantes da DUDH, apresentam
uma combinação entre o discurso liberal (com o valor de tutela das liberdades) com o
discurso social da cidadania (com o dever de busca da igualdade material) (Mazzuoli,
2021, p. 74).
A DUDH trouxe um grande impacto como fonte de referência para os tratados internacionais
de direitos humanos, seja no sistema global, seja nos sistemas regionais, além de
influenciar várias ordens constitucionais posteriores, no processo de construção de suas
cartas de direitos, pela assimilação dos direitos humanos nela previstos, tal como se deu
na França (1958), Portugal (1976), Espanha (1978) e Brasil (1988), dentre outras.
Ainda que haja resistências ao reconhecimento de um caráter vinculante à DUDH, seja
por se tratar de uma “recomendação” da Organização das Nações Unidas, aprovada
por meio de uma resolução da Assembleia Geral e não de um tratado internacional em
sentido estrito, seja por não trazer a previsão de sanções pela sua violação, devemos
observar que há uma crescente adesão à tese de que a DUDH foi o ponto de partida para
o desenvolvimento de outros tratados e convenções, com efeitos vinculantes, servindo,
da mesma forma, como “interpretação autorizada” (autêntica) da expressão “direitos
humanos” constante dos artigos 1º (3) e 55 da Carta das Nações Unidas, tornando-
se parte do costume e dos Princípios Gerais do Direito Internacional (Piovesan, 2013;
Mazzuoli, 2021).
A partir desses dispositivos da Carta das Nações Unidas, destaca-se a preocupação em
reafirmar a necessidade da cooperação de todos para impor limites à barbárie verificada

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na Segunda Guerra Mundial pelos regimes nazifascistas e totalitários:

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Artigo 1. Os propósitos das Nações Unidas são:

[...]

3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas


internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e
para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades
fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.

Artigo 55. Com o fim de criar condições de estabilidade e bem estar, necessárias
às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao
princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações
Unidas favorecerão:

a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e


desenvolvimento econômico e social;

b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e


conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e

c) o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdades


fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião (Brasil,
Decreto nº 19.841, de 22 de outubro de 1945).

Dessa forma, a DUDH veio a se tornar parte indispensável do processo de construção de


uma consciência ética coletiva sobre os direitos humanos, que não se faz subitamente
imposta, mas, atravessando gerações, nos dirige, enquanto compromisso com a
dignidade da condição humana a buscarmos incessantemente meios de concretizar e
defender os direitos humanos em todos os lugares, para todas as pessoas e em todas
as circunstâncias. Mas como seria isso possível? É chegada a hora de estudarmos
os sistemas de proteção dos direitos humanos como parte desse processo de sua
consolidação histórica. Confiante que aprendemos muito sobre Direitos Humanos, e para
assegurar nossa caminhada juntos, surgindo alguma dúvida, pode entrar em contato com
a sua tutoria. Até logo mais!

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Referência

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BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 32. ed. atual. com as emendas
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SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2006.

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UNIVERSIDADE DE FORTALEZA (UNIFOR) AUTOR
GUSTAVO TAVARES CAVALCANTI LIBERATO.
Presidência
Lenise Queiroz Rocha
Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de
Vice-Presidência
Fortaleza - Unifor (2003); Bacharel em Direito pela Unifor
Manoela Queiroz Bacelar
(1999). Docente das disciplinas Estado e Direitos Funda-
Reitoria mentais, Direito Constitucional III, Hermenêutica Jurídica
Randal Martins Pompeu e Direitos Humanos (Graduação). Publicou, dentre outros
Vice-Reitoria de Ensino de Graduação e Pós-Graduação trabalhos, na Revista da Defensoria Pública da União o
Maria Clara Cavalcante Bugarim Artigo: "Defensoria Pública como Garantia Institucional
dos Direitos Fundamentais de Pessoas em situação de
Vice-Reitoria de Pesquisa Vulnerabilidade" (2021) e na Revista E-Civitas o Artigo: "A
José Milton de Sousa Filho Manipulação Constitucional por parte do Legislativo e o
Vice-Reitoria de Extensão Processo de Nominalização da Constituição" (2018). Ad-
Thiago Braga Martins vogado.
Vice-Reitoria de Administração
José Maria Gondim Felismino Júnior

Diretoria de Comunicação e Marketing


Ana Leopoldina M Quezado Vargas Valle

Diretoria de Planejamento
Marcelo Nogueira Magalhães

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José Eurico de Vasconcelos Filho

Diretoria do Centro de Ciências da Comunicação e Gestão


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